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0710 | I Série - Número 019 | 02 de Novembro de 2001

 

daquela que é, para alguns, a nação liderante do famoso Ocidente, onde «the wish to kill» subsiste também na sociedade, na cultura e nas instituições e que é hoje a única democracia constitucional cujas leis autorizam expressamente a execução de deficientes mentais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No modelo de Estado que com esforço se foi implantando na Europa - e também presente, felizmente, em vários outros pontos do globo - a realização do monopólio do uso de força legítima no poder público e o privilégio daí resultante tem como contrapartida a deslegitimação do Estado para programar e usar a execução do indivíduo como punição. Se a vida não é um direito individual absolutamente protegido (a legítima defesa e a guerra, por exemplo, aí estão para o demonstrar), no confronto com o exercício do poder punitivo do Estado, ela viu reconhecida a sua superioridade. E essa é, então, a superioridade de que podemos falar, expressa na lapidar norma internacional que aguarda ainda a entrada em vigor, «nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado será executado».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata, como alguns pretendem, nem do triunfo da impunidade ou do «inocentismo», nem muito menos, como já foi dito, de vestir Caim com as roupas de Abel: a imaginação da modernidade aí está, em parte realizada, em parte apenas prometida, a dotar o Estado e a sociedade, os sistemas jurídico-penais, de tantas soluções punitivas e até mesmo de novas formas simbólicas de infligir sofrimento.
Um claro e positivo exemplo, no domínio internacional, do movimento de recuo da pena de morte, sem impunidade, encontramo-lo recentemente no Estatuto de Roma.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tal como os tribunais internacionais ad hoc criados pelo Conselho de Segurança, o futuro Tribunal Penal Internacional não aplicará a pena de morte mas tão somente a pena de prisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Perpétua!

O Orador: - Concordamos com os proponentes que há um mundo onde agir neste domínio. Limito-me a propor, a terminar, algumas orientações para essa acção.
Em primeiro lugar, a luta pelo fim das execuções e da pena de morte, em vez de isolada, deve ser inserida numa acção mais compreensiva a favor dos direitos humanos, que promova a implantação de um direito comum da humanidade, reduza progressivamente a taxa de barbárie sobre o planeta e vá criando condições para que a legislação da nossa geração se possa converter na moralidade das seguintes.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, as alegações de soberania ou de defesa da integridade cultural tradicional, no que diz respeito a práticas bárbaras, não pode ser admitida a impedir ou dificultar o escrutínio pela comunidade internacional. A globalização permitiu, do ponto de vista técnico, que este escrutínio se faça praticamente em tempo real. Os Estados e movimentos que não observam o «irredutível humano» de que falava Butros Gali devem ser, correspondentemente, deslegitimados: não podem ser tratados como os demais.
Em terceiro lugar, deve ser concedida prioridade e valorizada a rápida instituição do Tribunal Penal Internacional (que, como se disse, não aplica a pena de morte) e bem assim o alargamento da sua competência, no sentido de por ele serem, com efectividade, sancionados os mais graves atentados contra os direitos humanos.
Em quarto lugar, integrando Portugal a União Europeia, na sua acção à escala mundial, deve projectar activamente os aspectos distintivos do seu modelo jurídico-penal, nomeadamente no que se refere à erradicação das execuções e da pena de morte, agora também expressamente consagrada na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, no pressuposto de que as conquistas civilizacionais constituem parte integrante da contribuição europeia para o progresso global.
Em quinto lugar, os Parlamentos, e o nosso em primeiro lugar, devem assumir uma decidida linha de promoção externa e global dos direitos humanos, nomeadamente contra a continuação das execuções, como o tem vindo a fazer o nosso Presidente Almeida Santos, que aqui quero, por esse motivo e mesmo na sua ausência, saudar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode dizer-se que a campanha contra a pena de morte foi desencadeada em Portugal por dois célebres artigos de Alexandre Herculano, no Diário do Governo - nessa altura publicava artigos -, em 1838, e seguida por um grande vulto do Parlamento, António Aires Gouveia, que continuou, persistentemente, durante vários anos, essa campanha.
É preciso compreender que a campanha contra a pena de morte em Portugal, na primeira metade do século XIX, saía de um clima de grande violência civil no nosso país: mais de dois séculos de autos de fé, as terríveis e atrozes condenações de Pombal, as execuções dos mártires da pátria, em 1817, as execuções miguelistas contra os rebeldes liberais. Até que, exactamente na regeneração e quando se dá a pacificação do País, fruto dela, o artigo 16.º do Acto Adicional de 1852 abole a pena de morte para crimes políticos, sendo que a partir de 1855 não haverá nenhuma execução no território do continente.
No entanto, a pena de morte, não sendo mais executada, só sai da lei penal pela importante reforma penal de Barjona de Freitas, em 1867, em que ela é abolida mesmo para os crimes comuns. Continua, todavia, a manter-se a pena de morte no Código de Justiça Militar, de 1875 - ainda que ninguém tenha sido executada ao abrigo dela -, e só, em 1911, com a República, é abolida a pena de morte para crimes militares no novo Código de Processo Militar.
No entanto, ao contrário do que, seguramente por lapso, refere o projecto de resolução do PCP, o último condenado à morte é do século XX e é da República. O último condenado à morte é um jovem de 23 anos, João Augusto Ferreira de Almeida, tendo sido executado no pelotão de fuzilamento, na madrugada de 16 de Setembro de 1917, na frente da Flandres, acusado de crime de guerra na frente de combate, ao abrigo da alteração constitucional de 1916, que admitia a pena de morte em situação de guerra e no teatro de operações. É a última pessoa que é executada pela pena de morte em Portugal, no dia 16 de Setembro

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