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Sexta-feira, 2 de Novembro de 2001 I Série - Número 19

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 31 DE OUTUBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.

Ordem do dia (1.ª Parte).- A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de 1 Deputado do PS.
O Sr. Presidente deu conta de uma comunicação do Sr. Presidente da República anunciando a não realização da sua deslocação ao Reino Unido prevista para os dias 30 de Outubro a 2 de Novembro.
Em debate mensal com o Parlamento, o Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres), após uma intervenção inicial, respondeu a questões dos Srs. Deputados Durão Barroso (PSD), Francisco de Assis (PS), Bernardino Soares (PCP), Paulo Portas (CDS-PP) - que também exerceu o direito regimental da defesa da honra da bancada -, Heloísa Apolónia (Os Verdes), Francisco Louçã (BE), Jorge Lacão (PS), António Filipe (PCP), Guilherme Silva (PSD) e Dias Baptista (PS).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de resolução n.os 109/VIII - Constituição de uma comissão especializada de acompanhamento e de controlo da execução orçamental (CDS-PP), que foi aprovado, e 159/VIII - Cria uma comissão parlamentar de controlo da execução do Orçamento do Estado (PS). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Presidência e das Finanças (Guilherme d'Oliveira Martins), os Srs. Deputados Maria Celeste Cardona (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP), João Cravinho (PS), Francisco Louçã (BE) e Manuela Ferreira Leite (PSD).

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 514/VIII a 517/VIII e da proposta de lei n.º 107/VIII, bem como de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar (PSD) propôs medidas para uma nova política para as comunidades portuguesas do estrangeiro e respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rodeia Machado (PCP) e Paulo Pisco (PS).
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo CDS-PP, sobre a situação laboral de várias empresas em Portugal, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Ministro da Economia (Braga da Cruz), os Srs. Deputados Basílio Horta (CDS-PP), Álvaro Barreto (PSD), Menezes Rodrigues (PS), Vicente Merendas (PCP), Fernando Rosas (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Vítor Ramalho (PS).
Foram aprovados os votos n.os 166/VIII - De protesto contra a violência no Médio Oriente (BE), 167/VIII - De protesto pela situação no Médio Oriente (PS) e 168/VIII - De pesar pelo falecimento do Presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil (PS), após o que a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados José Barros Moura (PS), Fernando Rosas (BE),

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João Rebelo (CDS-PP), Teresa Patrício Gouveia (PSD) e João Amaral (PCP).

Ordem do dia (2.ª Parte).- Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 92/VIII - Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (revoga o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), 93/VIII - Aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (revoga o Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril) e 95/VIII - Lei da responsabilidade civil extra-contratual do Estado (revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa), os Srs. Deputados Fernando Rosas (BE), Guilherme Silva (PSD), Jorge Lacão (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e António Filipe (PCP).
Entretanto, a Câmara aprovou o projecto de resolução n.º 162/VIII - Relativo à remessa de documentos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as causas, consequências e responsabilidades do acidente resultante do desabamento da Ponte sobre o Rio Douro em Entre-os-Rios à Procuradoria-Geral da República (apresentado pela Comissão).
Foi aprovada, em votação global, a proposta de resolução n.º 67/VIII - Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho, de 29 de Setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (2000/597/CE, EURATOM).
Em votação final global, a Câmara aprovou o texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 82/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime geral das contra-ordenações), em matéria de prescrição.
Na sequência da aprovação do requerimento, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, solicitando a avocação a Plenário, para discussão e votação na especialidade, do artigo 2.º da proposta de lei n.º 94/VIII - Estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, foi aprovado, na especialidade, o artigo 2.º da citada proposta de lei e, em
votação final global, o texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a mesma proposta de lei.
O projecto de lei n.º 517/VIII - Primeira alteração à Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE) foi aprovado, na generalidade, na especialidade e em votação final global.
A Câmara deu, ainda, assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Espanha nos próximos dias 2 e 3 de Novembro, e aprovou cinco pareceres da Comissão de Ética, autorizando 3 Deputados do PSD e 1 Deputado do PS a deporem, como testemunha, em tribunal.
O projecto de lei n.º 289/VIII - Define o regime fiscal de combate à especulação imobiliária nas zonas de continuum urbano e define o programa de recuperação do parque habitacional (BE) foi discutido na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Rui Marqueiro (PS), Henrique Chaves (PSD), Dias Baptista (PS), Maria Celeste Cardona (CDS-PP) e Joaquim Matias (PCP).
Foi ainda debatido o projecto de resolução n.º 29/VIII - Sobre o empenhamento do Estado português na abolição universal da pena de morte (PCP), tendo usada da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Margarida Botelho (PCP), Alberto Costa (PS), Fernando Rosas (BE), Pedro Roseta (PSD), Luís Nobre Guedes (CDS-PP) e Basílio Horta (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduarda Maria Castro de Sousa
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves

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Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã

ORDEM DO DIA (1.ª Parte)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, o seguinte relatório e parecer da Comissão de Ética:

1 - Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 31 de Outubro de 2001, pelas 10 horas, foi observada a seguinte substituição de Deputado:
Substituição nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 21.º do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março), com início em 29 de Outubro corrente, inclusive:
Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida (Círculo Eleitoral do Porto) por Eduarda Maria Castro de Sousa.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o respectivo parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou conta à Câmara de uma comunicação de Sua Excelência o Presidente da República, informando que a deslocação prevista ao Reino Unido, em visita oficial, nos dias 30 de Outubro a 2 de Novembro, já não se realiza.
Vamos, então, iniciar a primeira parte da ordem do dia que, como sabem, é preenchida com o debate mensal com o Sr. Primeiro-Ministro.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, dispondo de 10 minutos.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero hoje falar-vos da cultura democrática de segurança como elemento de coesão nacional.

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Cultura, porque está em causa uma atitude colectiva que desejamos enraizada a todos os níveis do Estado e da sociedade; democrática, porque integralmente respeitadora dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; de segurança, como uma das mais legítimas exigências das pessoas.
A coragem e a serenidade com que os portugueses vêm enfrentado as últimas semanas são um excelente sinal de maturidade cívica, favorável à tranquilidade deste debate.
Maturidade que implica duas recusas intransigentes. Primeira, a dos fantasmas do passado que abolimos. Num Estado de direito os serviços de informações e as forças de segurança não são uma ameaça às liberdades, mas uma garantia dos direitos dos cidadãos.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Segunda, a recusa de uma deriva securitária, transformando o Estado de direito em Estado policial. Não se defende a liberdade impedindo o exercício das liberdades democráticas.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Para 10 minutos, cinco orientações que telegraficamente quero pôr à vossa consideração: a primeira sobre a evolução desejável do Sistema de Informações da República, cuja acção nas últimas semanas, em articulação com as Forças Armadas, as polícias e outros serviços de segurança, quero aqui enaltecer.
Afirmo dois princípios e proponho um caminho de reforma. Primeiro princípio: em meu entender, não deve haver um único serviço de informações, fundindo o SIS e o SIEDM.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segundo princípio: os serviços de informações não podem passar a assumir a natureza de polícias de investigação criminal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O caminho de reforma: o da unidade de comando hierárquico, facilitando uma melhor cooperação com as outras áreas relevantes para a segurança colectiva.
Entendo que a melhor arquitectura do sistema deverá passar pela dependência directa (e não delegada) do Primeiro-Ministro, com coordenação dos dois serviços por uma autoridade nacional de informações, nomeada pelo Primeiro Ministro e dele directamente dependente. O Conselho Superior de Informações, de natureza inter-ministerial e composição revista, terá um papel decisivo de coordenação política. E, ao nível técnico, a autoridade nacional de informações presidiria a um órgão com os responsáveis de todos os serviços de informações, bem como das entidades dotadas de poderes de investigação criminal, consideradas relevantes para a segurança individual e colectiva dos portugueses.
Segunda orientação sobre a natureza das forças de segurança: sou favorável à natureza civil da Polícia de Segurança Pública e à natureza militar da GNR, mas importa que esta distinção não elimine os aspectos comuns que as identificam como forças de segurança. Não pode deixar-se evoluir a PSP para um serviço público igual aos outros, nem a GNR para o quarto ramo das Forças Armadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nesse sentido, o Governo apresentará à Assembleia da República uma proposta de lei de regime das forças de segurança que consolide esses elementos comuns, bem como um programa plurianual de investimentos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Até que enfim!

O Orador: - Tendo hoje mais de 5000 agentes da PSP e da GNR do que em 1996 e estando finalmente preenchido o quadro de agentes da PSP, o Governo decidiu ainda o alargamento da incorporação prevista para esta em 2002.
Terceira orientação sobre a colaboração das Forças Armadas em missões de prevenção de riscos colectivos de origem externa, fora do estado de sítio ou de emergência: creio que não seria desejável, neste quadro, alterar o nosso regime constitucional. Esta é uma questão delicada, mas em que importa ter bom senso. Uma coisa seria a presença intolerável das Forças Armadas a vigiar, por exemplo, manifestações sindicais, outra, a colaboração com as forças de segurança na protecção de instalações vitais para a segurança do País face a uma ameaça terrorista externa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com base num parecer, já solicitado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o Governo proporá a este Parlamento uma reflexão sobre as iniciativas clarificadoras que se tornem necessárias.
Quarta orientação: a estratégia de combate às ameaças criminosas de maior perigo e, nomeadamente, ao terrorismo. Creio que, neste domínio, quer ao nível europeu, quer ao nível nacional, temos estado todos a caminhar no bom sentido, sendo minha obrigação enaltecer a excelente cooperação entre os órgãos de soberania e, em particular, entre o Parlamento e o Governo.
Ao nível europeu: o acelerar da concretização do espaço de liberdade, segurança e justiça - não o vou detalhar. Ao nível nacional: a nova lei de investigação criminal, concentrando a Polícia Judiciária na investigação da criminalidade mais grave e organizada e coordenando-a com a PSP e a GNR; o sistema integrado de informação criminal; o aumento dos poderes processuais das autoridades de polícia criminal da Polícia Judiciária; o novo regime das acções encobertas da Polícia Judiciária (os chamados infiltrados); o agravamento do regime penal do tráfico de armas; a reestruturação do Gabinete Coordenador de Segurança; o novo quadro de cooperação internacional; e a revisão extraordinária da Constituição.
Da maior importância para nós é a conclusão, prevista para hoje, dos trabalhos parlamentares sobre a proposta de lei de combate à criminalidade organizada e económica e financeira: mais fácil acesso às contas bancárias dos suspeitos de prática de crimes, como o tráfico de droga e o terrorismo; inversão do ónus da prova, permitindo a confiscação dos bens dos condenados por aqueles crimes, se não forem capazes de provar a sua origem legítima.
A estas medidas acrescem as que foram propostas pelo Ministro das Finanças sobre sanções criminais e penalização dos off-shore. E a aprovação da directiva comunitária sobre branqueamento de capitais permitirá a esta Assembleia completar os trabalhos de especialidade em curso, com base no projecto de lei do PCP sobre este domínio.

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Queremos ainda actuar em conjunto com o Parlamento na criação de uma base nacional de DNA para efeitos de identificação civil e investigação criminal.
Quinta orientação: A estratégia nacional de resposta aos riscos de ameaça, dita NBQ (nuclear, biológica e química). Esta tem sido uma área de intensa cooperação entre o Gabinete Coordenador de Segurança, o Planeamento Civil de Emergência e as Forças Armadas. Portugal dispõe de uma capacidade, ainda que limitada, de resposta a este tipo de riscos nas Forças Armadas e na Protecção Civil.
O Ministro da Defesa conferiu ao General Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas o comando de todas as acções operacionais das Forças Armadas no domínio NBQ. Está em curso a execução das decisões por ele tomadas sobre um centro único de formação, o reforço de equipamentos, pessoal e equipas móveis, a produção e gestão de stocks de medicamentos para tratamento e profilaxia e a ampliação da capacidade em camas nos hospitais militares, designadamente para queimados.
No âmbito da Protecção Civil, o Ministério da Administração Interna vai investir, de imediato, 200 000 contos para reforço do número de equipamentos e viaturas de descontaminação e para facilitar a intervenção integrada do Instituto Nacional de Emergência Médica.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde o início dos acontecimentos, tivemos já 230 ameaças de bomba e 695 casos de aparecimento de pó branco. Todos se revelaram alarme falso! Não se concretizou nenhuma ameaça terrorista nem qualquer atentado à saúde pública.
Justifica-se assim que o Governo tenha já aprovado uma proposta de lei de alteração ao Código Penal, alargando o conceito de ameaça ou simulação da prática de crime, a enviar à Assembleia da República.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No quadro de uma cultura democrática, a segurança é, ela própria, condição do pleno exercício da liberdade e até da justiça social.
Os atentados terroristas de 11 de Setembro foram atentados contra a civilização. A eles, estou certo, saberemos responder com a civilização. O nosso lado é o lado da liberdade e da democracia. Nelas assenta a nossa cultura democrática de segurança.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Segue-se a fase das perguntas, tendo para o efeito a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Durão Barroso. Dispõe de 5 minutos.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em relação às questões gerais que colocou, de cultura democrática de segurança, e às orientações muito genéricas que apresentou sabe V. Ex.ª que pode contar com a vontade genuína de consenso por parte do Partido Social Democrata. As soluções concretas terão de ser discutidas no momento próprio, em debate especialmente organizado para o efeito.
A crise internacional é séria. O que não é sério é tentar apresentar a crise internacional como um modo de condicionar a oposição e pretender forçar ao consenso, em matérias que, de facto, nos dividem. É por isso que entendo que, num debate deste género, devemos discutir sobretudo aquilo em que temos posições divergentes, aquilo em que temos soluções diferentes para apresentar ao País.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Senão, a crise internacional transforma-se, do ponto de vista interno, numa arma de distracção maciça em relação aos problemas de Portugal, e nós temos de continuar a preocupar-nos com os principais problemas de Portugal. Desde logo, o da confiança, Sr. Primeiro-Ministro, que é anterior ao problema da insegurança.
E como pode haver confiança quando, do Governo, nos chega a notícia de que se prepara um segundo orçamento rectificativo?!
Pergunto se isso se confirma, porque se isso se confirma, Sr. Primeiro-Ministro, deve V. Ex.ª enviar a proposta de orçamento rectificativo para esta Assembleia antes de discutirmos e aprovarmos o Orçamento do Estado para 2002.

Aplausos do PSD.

Vozes do CDS-PP: - Bem avisado!

O Orador: - Há um ano atrás, V. Ex.ª apresentou, nesta Assembleia, como grande pilar da sua reforma fiscal, a tributação das mais-valias. Um ano depois, V. Ex.ª anuncia a suspensão da tributação das mais-valias. Seria útil que o Primeiro-Ministro do ano passado se reunisse com o Primeiro-Ministro deste ano, para definir, nesta matéria, uma posição de consenso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - O seu Governo e V. Ex.ª apresentaram recentemente como taxa de alcoolemia no sangue de 0,2 g/l, assim suscitando grande perplexidade, sobretudo no mundo agrícola.
O seu partido manifestou, pelo menos, reservas em relação à posição do seu Governo. Seria útil, nessa matéria, que o Primeiro-Ministro e o Secretário-Geral do Partido Socialista definissem uma posição comum!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao longo de seis anos, V. Ex.ª defendeu a eleição dos directores clínicos nos hospitais; agora, vem defender a nomeação dos directores clínicos! Seria útil que o Primeiro-Ministro dos últimos seis anos encontrasse uma posição comum com o actual Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo desencadearam um processo para levar à perda de mandato da Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras. Mas o Secretário-Geral do Partido Socialista reafirmou a sua confiança na Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras, o que, talvez, aliás, explique a falta de respeito que a senhora teve para com esta Assembleia ao recusar-se a vir ao Parlamento.

Aplausos do PSD.

Se V. Ex.ª falou, da tribuna, em cultura democrática, podia começar por ensinar à sua correligionária o que é cultura democrática e respeito pelo Parlamento!

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, sobre essa matéria também, não seria útil que o Sr. Primeiro-Ministro chamasse a S. Bento o Secretário-Geral do Partido Socialista para terem, sobre esta matéria, uma posição comum?!
Sr. Primeiro-Ministro, o problema que temos, na nossa sociedade, hoje, é um problema de falta de confiança. E o primeiro problema começa no Governo com a sua instabilidade permanente, com o seu ziguezague constante, com a falta de uma linha de rumo e de um horizonte que assegure aos portugueses, aos agentes económicos, às famílias, tranquilidade e uma esperança em relação ao futuro.
É em relação a estas questões que queremos ouvi-lo, porque enquanto não for colmatado esse défice de confiança os portugueses terão razões para continuar preocupados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado Durão Barroso, quero exprimir-lhe a minha total perplexidade!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente!

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Como de costume!

O Orador: - Perante um tema que é considerado o tema central do debate na sociedade portuguesa, o Sr. Deputado Durão Barroso não se referiu aos aspectos específicos concretos, que implicam opções de fundo bem definidas (não orientações de natureza genérica), que aqui exprimi sobre questões centrais de segurança, antes fez uma espécie de revista seleccionada de imprensa sobre pontos hipoteticamente mais embaraçosos para o Governo.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Mas este debate é temático?!

O Orador: - Para dar confiança ao País, não é isso que este pede ao líder do principal partido da oposição neste momento.

Aplausos do PS.

O que o País pede ao líder do principal partido da oposição é que exprima com clareza as suas opções de fundo e as discordâncias de fundo que tem com aquela que foi uma visão que procurei que fosse clara e sem reservas sobre a matéria de maior interesse no debate público neste momento. Isto porque nunca fujo às questões…

Risos do PSD.

… e refiro sempre nestes debates o tema mais discutido na sociedade portuguesa em cada momento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não tem nada que referir!

O Orador: - E depois, Sr. Deputado Durão Barroso, a sua revista de imprensa varia com estas sessões de debate. Por que é que hoje não fala sobre a situação gravíssima de Portugal estar a crescer menos do que a Europa?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Já lá vamos!

O Orador: - Não o referiu porque andou imenso tempo a dizer o contrário e enganou-se em todas as suas previsões! Que confiança podem ter os portugueses numa oposição que se engana em todas as previsões?

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Durão Barroso foi ouvido em respeitoso silêncio.

O Sr. Armando Vieira (PSD): - Não foi, não!

O Sr. Presidente: - Peço-lhes que oiçam também em silêncio o Sr. Primeiro-Ministro! É um direito que ele tem!
Faça o favor de continuar, Sr. Primeiro-Ministro.

O Orador: - O Sr. Deputado Durão Barroso ainda quis saber o porquê de um orçamento rectificativo. Ora, se fizer essa pergunta à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, que está sentada ao seu lado, ela explicar-lhe-á de uma forma simples que há uma razão automática que obriga ao orçamento rectificativo, uma vez que o Orçamento deste ano, como acontece com todos os países europeus, corrige o défice em alta.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Corrige?!

O Orador: - Esta é, aliás, uma decisão correcta do ponto de vista da animação da economia portuguesa, porque quando um défice aumenta tem de ser coberto por um aumento do endividamento público, que, por sua vez, é autorizado por esta Assembleia. Isto está na lei do orçamento e é óbvio que o valor do endividamento público tem de ser corrigido. Por isso, não se trata aqui de uma questão de descontrolo, mas - desculpe que lho diga - de uma questão de ignorância sua sobre como funciona o Orçamento do Estado e os seus respectivos mecanismos.

Aplausos do PS.

Por outro lado, Sr. Deputado, não fizemos nenhuma suspensão de tributação. O que fizemos foi corrigir a tributação e dar tempos de transição necessários para tornar eficaz essa correcção, de acordo com as exigências de uma conjuntura internacional e com as variações ocorridas em outros países e, saliento, seria «cego» da nossa parte não o fazer.
Sobre a taxa de 0,2 g/l de álcool no sangue, quero dizer-lhe que me lembro dos discursos inflamados do PSD aquando dos problemas graves de segurança rodoviária e recordo-me de ter ouvido o PSD dizer que estava genericamente de acordo com as propostas do Governo nesta matéria, entre as quais esta se incluía.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Com essa não!

O Orador: - Todavia, devo dizer-lhe, com toda a sinceridade, que para mim há uma primeira prioridade: as vidas humanas!

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Para nós também!

O Orador: - Essa é, para mim, a primeira prioridade e tudo o resto é secundário. Por isso, a posição do Governo

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foi muito clara: estando nós convictos de que a nossa lei é justa - aliás, devo dizer-lhe que um Deputado da sua bancada, candidato a uma câmara municipal da maior importância, louvou o êxito da medida sueca no mesmo sentido -, entendemos que ela deve ser mantida. Aquilo que dissemos foi muito simples: afirmámos que aceitávamos o teste do rigor científico. Assim, se se demonstrar cientificamente que a nossa convicção na defesa das vidas humanas não tem justificação, aqui estaremos nós para introduzir as correcções que forem necessárias. No entanto, não andamos a reboque de ninguém, não andamos a reboque das reivindicações e não fazemos como o PSD, que está de acordo com uma coisa e que, no dia seguinte, vendo uma oportunidade de se juntar a um qualquer movimento de protesto, imediatamente muda a sua posição.

Aplausos do PS.

Finalmente, Sr. Deputado, em matéria de câmaras municipais exorto o PSD a definir a mesma doutrina que o PS, ou seja, a de que se algum dos seus candidatos a alguma câmara municipal vier, por causa da sua acção municipal, a ser pronunciado por um juiz de direito, imediatamente renuncie ao seu mandato. Digo isto porque nós temos um critério que é válido para todos, enquanto os senhores têm uma lógica que umas vezes funciona num sentido e outras noutro, ao serviço da pura propaganda política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo-os de que se encontram a assistir aos nossos trabalhos o Sr. Ministro da Presidência do Conselho de Ministros, da Comunicação Social e Assuntos Parlamentares da Guiné-Bissau, acompanhado por dois Secretários. Para todos eles, peço a vossa saudação amiga.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, quero começar, em nome do Grupo Parlamentar do PS, por realçar a importância deste debate e a oportunidade da realização do mesmo nas presentes circunstâncias, assegurando que, pela nossa parte, não vamos afastar-nos do centro desta discussão.
É uma velha técnica do PSD - não é de hoje - a de afastar-se sempre de todos os debates pela muito simples razão de que, afastando-se dos debates, se escusa de apresentar propostas alternativas em relação a seja ao que for. Por isso, sempre que o Governo vem à Assembleia da República, é muito mais fácil ao líder do maior partido da oposição fazer uma leitura apressada daquilo que, na sua óptica, são algumas situações pontualmente incómodas para o Governo do que apresentar propostas alternativas em relação às questões que estão em cada momento em debate. Pela nossa parte, queremos salientar justamente a oportunidade da realização do debate nas presentes circunstâncias históricas, que têm que ver, nomeadamente, com a eclosão de uma grave crise internacional.
Sr. Primeiro-Ministro, temos consciência de que na actual situação estamos confrontados com dois perigos, o perigo de fazermos de conta que nada acontece e de, por essa via, cairmos numa situação de laxismo que deixe a nossa sociedade e o nosso Estado de direito impreparados para enfrentar novos desafios emergentes com os quais estamos notoriamente confrontados, e o perigo contrário, o de irmos a correr legislar sob uma pulsão securitária que, naturalmente, não seria boa conselheira neste momento. Creio, portanto, que o Sr. Primeiro-Ministro colocou a questão da segurança da melhor forma, de uma forma equilibrada, ponderada e absolutamente adequada, porque, de facto, em nome da necessidade de produzir mais e melhor segurança, não estamos dispostos a denegar princípios fundamentais de um Estado de direito.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nessa medida, a intervenção que o Sr. Primeiro-Ministro acabou de proferir foi absolutamente exemplar. Não temos de nos arrepender do que temos vindo a fazer e o Sr. Primeiro-Ministro demonstrou cabalmente que, ao longo dos últimos seis anos, os governos a que tem presidido foram capazes de ir adoptando as medidas mais adequadas, tendo em vista garantir a resolução deste problema, produzir mais e melhor segurança e, ao mesmo tempo, garantir permanentemente o respeito por princípios fundamentais que têm que ver com a preservação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses.
Depois, o Sr. Primeiro-Ministro revelou que o Governo tem, claramente, uma orientação definida em relação ao que devem ser as grandes prioridades em matéria de segurança. Sobre isso devo dizer-lhe que não só merece, naturalmente, a concordância do Grupo Parlamentar do PS como, estou certo, poderá suscitar um vasto consenso nesta Câmara, porque se tivermos em atenção os debates aqui realizados sobre este tema, facilmente poderemos concluir que em relação a muitas das questões fundamentais que foram enunciadas há toda a possibilidade de construir um vastíssimo consenso parlamentar, o que, do nosso ponto de vista, é desejável.
Nós não queremos, naturalmente - escusa o Sr. Deputado Durão Barroso de se preocupar com isso -, invocar a crise internacional para suspender momentaneamente o debate político em Portugal.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não têm feito outra coisa!

O Orador: - Mas também não podemos permitir que alguns invoquem a crise internacional como forma de se furtarem à função plena das suas responsabilidades nesta matéria. Por isso, do que gostaríamos, neste e noutros debates, era de ouvir as opiniões dos vários grupos parlamentares, já que a nossa posição é aquela que o Sr. Primeiro-Ministro, em nome do Governo, também enunciou e que nos parece ser a mais correcta. Dentro dos princípios fundamentais que, do nosso ponto de vista, geram hoje um vastíssimo consenso em todas as sociedades democráticas e nos partidos que se reconhecem nos princípios fundamentais que organizam essas mesmas sociedades, estamos disponíveis para promover os mais amplos consensos possíveis. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro, na intervenção que proferiu, teve até oportunidade de fazer referência explícita a um projecto de lei oriundo de um grupo parlamentar da oposição que carece de ser aqui analisado e debatido, de forma a que possamos encontrar, com base nesse princípio, as melhores soluções para obviar a um determinado problema que está devidamente diagnosticado.

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Por isso, e para terminar, quero, em nome do Grupo Parlamentar do PS, exprimir esta posição, uma posição de confiança, porque a confiança nasce precisamente da convicção de que o Governo não está disponível para abdicar dos seus princípios em função de aspectos circunstanciais, antes tendo uma noção clara dos problemas fundamentais que se colocam ao País em matéria de segurança e estando disposto a adoptar os instrumentos necessários para que essas dificuldades sejam enfrentadas com a devida eficácia. Do nosso ponto de vista, é esse o caminho, pelo que, Sr. Primeiro-Ministro, manifestamos toda a nossa disponibilidade para promovermos nesta Câmara os mais vastos consensos, tendo em vista a adopção das medidas que o País reclama e que notoriamente se exigem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Mas qual foi a pergunta?!

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, porventura não me limitarei a responder-lhe, antes procurando chamar a atenção da Câmara para a importância das opções sobre as quais todos nós temos de nos pronunciar, até porque quase tudo aquilo de que falei é matéria da exclusiva competência da Assembleia da República.
Antes de mais, há quem legitimamente pense que em Portugal deve haver um único serviço de informações. Não é essa a minha opinião, mas estamos disponíveis para discutir o assunto. Há quem entenda que estes serviços de informações devem ter os poderes próprios das entidades com competências de investigação criminal. Eu entendo que não as devem ter, mas este é um debate importante a travar.
Por outro lado, nós próprios reconhecemos que há problemas de coordenação que devem ser resolvidos não só no interior do sistema mas nas suas inter-relações com o exterior e entendemos que a forma de o fazer passa por uma assunção de maior responsabilidade directa do Primeiro-Ministro nesse campo e pela criação de uma autoridade nacional de informações unipessoal que possa desempenhar esse papel. Estão os Srs. Deputados ou não de acordo com esta arquitectura? Será que pretendem outra? Estas são questões delicadas e determinantes para o futuro do nosso sistema de informações.
Há ainda quem legitimamente defenda que a PSP e a GNR devem ter carácter civil. Eu entendo que uma deve ter carácter civil e que outra deve ter carácter militar. No entanto, a experiência que temos de trabalhar apenas com base nas leis orgânicas das duas instituições leva a que haja uma tendência para, às tantas, se perder aquilo que é a identidade comum das duas forças, o facto de serem forças de segurança, pelo que entendemos que é necessário dar um passo no sentido de o sublinhar através de uma legislação enquadradora. Estão os Srs. Deputados de acordo com esta visão ou entendem, pelo contrário, que devemos ir por outro caminho?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Nós já dissemos o que pensamos sobre isso, Sr. Primeiro-Ministro.

O Orador: - Há, depois, a extremamente delicada questão da participação das Forças Armadas, que está regulada pela Constituição. Devemos mudar a Constituição? Devemos prever a possibilidade de intervenção das Forças Armadas indiscriminadamente em situações de risco, em casos em que não há estado de sítio nem estado de emergência? Não é essa a minha opinião, mas também penso que é necessário termos aqui bom senso e uma análise fina, porque, como disse há pouco, há situações completamente distintas. Na realidade, pode haver situações em que se justifique que, em cooperação com as forças de segurança, quando haja uma ameaça externa clara, como é o caso da ameaça terrorista que neste momento paira no mundo, possa ser dado um papel às Forças Armadas. Que papel e com que limites? Pedimos um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e vamos trazer propostas concretas a esta Câmara. É importante que pensem nelas, porque esta é uma questão central sobre a lógica e o funcionamento do sistema democrático. Por isso, afirmo que não basta que apresentemos propostas e que é indispensável que os diversos partidos da oposição para isto contribuam, já que esta é uma questão de regime que está muito para lá da presença ocasional de um qualquer partido no governo.
Penso, portanto, que está em causa neste debate - eu, pelo menos, assim quis - o conjunto das questões mais delicadas que têm perpassado na opinião pública. Não fugimos a nenhuma questão, dissemos qual era a nossa opinião com humildade democrática, mas pretendemos que isto seja aproveitado para que o País faça uma reflexão de fundo, agora que, como eu disse no princípio, já não tem sentido ficarmos ligados ao fantasma de um passado que já não existe.
Na verdade, não podemos continuar a olhar para serviços de informações como se eles fossem uma reprodução da memória da velha PIDE, já que os serviços de informações são um elemento decisivo para a defesa do Estado democrático e das liberdades dos cidadãos, nem podemos olhar para forças de segurança como se elas fossem uma ameaça à nossa liberdade, já que elas são a garantia da nossa liberdade.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E demoraram seis anos a descobrir isso?!

O Orador: - Penso que é a maturidade que o Estado democrático consolidado tem hoje que lhe permite fazer esta discussão sem fantasmas, ao mesmo tempo que afirma princípios e valores, que, afinal de contas, e em meu entender, são os princípios da própria democracia.
Este é um debate com substância e com opções de fundo. Não é uma questão de «tecnicalidades», em relação às quais se vê depois, na especialidade, o conteúdo de uma qualquer proposta de lei. Foi esse debate que quis suscitar nesta Câmara, porque penso que o mesmo é de interesse vital para o País.
Neste momento, independentemente de tudo o que vínhamos fazendo, a consciência do mundo foi desperta para uma nova situação, que ofusca os problemas do País, mas que é uma realidade que não podemos iludir.
Agora, à luz da nossa maturidade cívica e política de uma democracia consolidada, estamos à vontade para fazer as reformas que se tornarem necessárias para termos mais segurança com mais liberdade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, num tempo em que a situação internacional tende a fazer esquecer muitas das questões internas importantes, é preciso reconhecer que o debate que hoje estamos aqui a travar é da maior importância nos dias que correm. E é da maior importância que seja debatido na Assembleia da República, talvez, até, pecando um pouco por tardio.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O aproveitamento que tem sido feito em todo o mundo e em diversas circunstâncias, à sombra do combate ao terrorismo - um combate necessário, que tem de ser levado a cabo por todos os países -, com vista a impor medidas que não são destinadas a garantir esse combate, mas sim a diminuir direitos e liberdades em vários pontos do mundo, é, de facto, uma tendência que se está a verificar.
É importante que hoje tenham sido, aqui, avançadas propostas, que teremos ocasião de discutir. Algumas trarão, certamente, mais garantias em relação a algumas matérias, mas há outras em que essa opção é muito discutível.
Mas, pela nossa parte, estamos disponíveis para debater este assunto, que consideramos da maior importância nos tempos que correm para o futuro da democracia na nossa sociedade.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que, apesar das cinco questões que o Sr. Primeiro-Ministro aqui nos trouxe, já houve medidas, que o Governo e o Partido Socialista encaminharam no País e nesta Assembleia da República, que não vão ao encontro daquilo que consideramos ser um bom combate ao terrorismo e uma boa defesa da segurança e das liberdades. Refiro o caso da revisão constitucional, em que se introduziu a possibilidade da violação nocturna do domicílio,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Bem lembrado!

O Orador: - … e onde se abriu, por duas vezes, embora de forma indirecta, a porta à extradição e à entrega de cidadãos a países e a ordenamentos jurídicos onde possa haver prisão perpétua.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É evidente, também, que o cheque em branco passado na revisão constitucional em relação às matérias da construção europeia pode trazer matérias de índole repressiva muito pouco consentâneas com o espirito democrático que pretendemos ver introduzido nas questões de justiça e de segurança interna.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Veja-se a definição de terrorismo que está a ser apresentada ao nível da União Europeia! Veja-se a tentativa de impor aumentos de penas em determinados tipos criminais que devem ter repercussão em cada ordenamento jurídico.
É importante dizer que a democracia não pode ser, nesta matéria, uma palavra sem conteúdo. A democracia não é, por si só, a garantia plena de que as liberdades e os direitos não são assegurados.
Aliás, devo até lembrar que no tempo em que era outro o governo que se sentava nessa bancada e no tempo em que as actividades dos serviços de informações tinham determinadas características muito pouco consentâneas com as missões que lhes estavam atribuídas, houve um líder de um partido da oposição - entre muitas outras pessoas que intervinham na actividade política e na actividade social -, que se queixou de estar a ser vigiado pelo Serviço de Informação e Segurança.
Portanto, é preciso recordar, neste momento, essa circunstância, para lembrar que dizer apenas que vivemos em democracia não é suficiente para assegurar que os direitos e as liberdades estejam sempre garantidos face a todas as medidas que pretendam diminuí-los ou que pretendam amputá-los de determinadas garantias que existem hoje.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A defesa dos direitos, das liberdades e das garantias deve ser feita porque elas são garantias e defesas dos cidadãos e não obstáculos à investigação ou obstáculos no combate ao terrorismo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esse não pode ser o prisma por que se vêem estas medidas e a defesa destes direitos liberdade e garantias.
A democracia e a cultura democrática da segurança não podem ser sem conteúdo e não podem dar azo, neste momento muito particular que vivemos na situação nacional e internacional, a que se consagrem instrumentos que podem ser utilizados contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A democracia não se protege abdicando de princípios ou de valores. Por isso, este é um debate importante, para o qual estamos disponíveis, mas em que estaremos atentos e vigilantes. É com isso que pode contar desta bancada, Sr. Primeiro-Ministro.
A cultura democrática da segurança é também dizer «não» a um caminho que pretenda, à boleia do reforço da segurança, diminuir os direitos, liberdades e garantias, porque sempre que se diminuírem as liberdades estaremos também a aumentar a insegurança de todos os cidadãos e a diminuir o valor da democracia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, agradeço o contributo do PCP para este debate. Mas quero também aproveitar esta ocasião para fazer, com convicção, a defesa das medidas tomadas, em sede de revisão constitucional extraordinária, quer em matéria de criação do Tribunal Penal Internacional, quer em matéria do espaço de cooperação no seio da União Europeia.
O Tribunal Penal Internacional é a primeira instância capaz de julgar crimes contra a humanidade que não é formada ad hoc pelos vencedores de uma guerra contra os vencidos de uma guerra.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de uma alteração decisiva na estrutura jurídica internacional, alteração essa que deve merecer o apoio de todos os democratas, porque é um salto qualitativo da maior importância no sentido do rigor da justiça.
Em segundo lugar, e em matéria de União Europeia, quero lembrar que estamos a falar de um espaço de Estados livres e democráticos. E mesmo em relação à preocupação que tem, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não é justificada pela prática. O Sr. Deputado sabe qual é o tempo médio de prisão em Portugal? É de vinte seis meses. Sabe qual é o tempo médio de prisão na União Europeia? É de oito meses.
Se alguma coisa a nossa integração no espaço liberdade, segurança e justiça revela é a integração onde os sistemas penais tendem a funcionar de forma mais leve do que em Portugal. Ou seja, não creio que o Sr. Deputado tenha razão nos receios que exprime.
Mas passemos à questão concreta das buscas nocturnas, que é para mim o exemplo típico de um Estado democrático que se liberta de um fantasma do passado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - De onde é que vem o nosso repúdio relativamente às buscas nocturnas? Vem da acção da PIDE, que ia a casa de famílias de democratas, fora de horas, sem mandato judicial, da forma mais intolerável e atrabiliária, prender pessoas e criar condições de medo e de terror na sociedade portuguesa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não é só isso!

O Orador: - Isso não pode ser invocado nem pode ser confundido quando o que está em causa é o facto de uma polícia de um Estado democrático, com mandato judicial, face, por exemplo, a um terrorista ou a um traficante de droga, poder entrar na sua casa à noite, em defesa da segurança de todos nós.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é nada disso!

O Orador: - Ora, isso não se traduz numa violação das liberdades,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - …porque são dois contextos completamente diferentes!

Aplausos do PS.

Temos de ter maturidade cívica e democrática para perceber que nós hoje não somos uma democracia em formação, não somos uma democracia emergente. Somos uma democracia consolidada, que já se libertou da carga e do peso daquilo que foi um período negro, o fascismo, em Portugal. Se continuarmos a encarar as questões de segurança em Estado democrático à luz do que foi um Estado policial que não era de direito, nunca encontraremos a conciliação indispensável entre dois valores que se não contradizem, mas se completam, que são os valores da liberdade e da segurança.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, nós solicitámos a realização de um debate sobre a segurança interna e externa, e fá-lo-emos exactamente como um debate sobre a segurança interna e externa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Vem o Sr. Primeiro-Ministro falar numa cultura democrática de segurança. Não posso estar mais de acordo! Mas tenho de o acusar de ter descoberto tarde aquilo que podia e devia ter descoberto muito mais cedo!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - VV. Ex.as lembram-se da segurança quando «a casa está arrombada». Talvez devessem dar ouvidos a quem sempre pediu mais e melhor segurança e apresentou propostas concretas nessa matéria, antes de a «casa estar arrombada», porque o valor é permanente, não é susceptível de ser invocado em função de uma ou outra situação!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - E, Sr. Primeiro-Ministro, se há partido que nesta Câmara tem, em matéria de segurança, antiguidade, posto, mérito e até mereça diuturnidades, é o CDS!

Risos do PS.

Por isso mesmo, antes de lhe colocar um conjunto de perguntas, quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que, como sabe - e reafirmo-o aqui -, terá, da parte do CDS, o maior esforço e, se necessário e possível, consenso, para a reforma dos serviços de informação e para uma lei de programação do equipamento e do recrutamento das forças de segurança.
Sempre o dissemos! Bem-vindo, Sr. Primeiro-Ministro, à nossa tese!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Passando às questões concretas, em primeiro lugar, e antes de mais, sobre medidas de polícia que têm sido adoptadas face às circunstâncias posteriores a 11 de Setembro, gostaria que o Sr. Primeiro-Ministro nos esclarecesse em relação ao seguinte: o País tomou conhecimento, ontem à noite, de que, alegadamente, o Estado português foi colocado numa situação difícil relativamente aos vistos de entrada nos Estados Unidos. Ou seja, depois de um largo trabalho para conseguir a isenção desses vistos, Portugal terá sido colocado numa lista de países em relação aos quais, provavelmente ou possivelmente, voltará a ser necessário a apresentação de visto para entrar naquele país. Deste modo, gostaria de saber a que atribui este facto.

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Em segundo lugar, a propósito de algum facilitismo e de algum laxismo, que de resto temos sempre denunciado, gostaria de fazer uma pergunta muito simples: Sr. Primeiro-Ministro, sabe ou pode informar a Câmara de quantos passaportes portugueses foram roubados dos consulados portugueses nos últimos cinco anos?
Se sabe, diga-o à Câmara, porque o número é eloquente!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, o Sr. Primeiro-Ministro tem argumentado com a circunstância de haver cerca de 1700 postos sensíveis que carecem de uma vigilância policial reforçada. Devo dizer-lhe que esses 1700 postos sensíveis não foram identificados pelo Governo de V. Ex.ª, já que estão identificados há muitos anos e a sua protecção até é da competência do Exército. Mas há uma questão que lhe quero colocar, e que aliás foi suscitada por um assalto à periferia da EPAL há umas semanas atrás.
Sr. Primeiro-Ministro, existe vigilância policial permanente - não é descontínua, não é ocasional, não é passar um carro da polícia duas vezes por dia (a horas, aliás, previsíveis) -, não em relação aos 1700 postos sensíveis, dado que isso seria impossível, mas em relação às dezenas de postos absolutamente sensíveis que precisam dessa vigilância permanente? Isto porque a informação de que disponho é a de que V. Ex.ª nem depois do assalto à EPAL mandou fazer vigilância policial permanente.
Em quarto lugar, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de colocar-lhe uma questão muito simples: pode informar a Câmara se os suspeitos do assalto às instalações da EPAL foram apanhados ou identificados?
Em quinto lugar, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de lhe colocar uma última pergunta, para a qual peço a sua atenção.
O Sr. Primeiro-Ministro tem, nas forças de segurança, dois problemas: um, é um problema de coordenação, que já discutimos mil e uma vezes, em que existem vários ministérios a mandar em várias polícias, e, enquanto esta situação se mantiver, o senhor perde eficácia e perde resultados, por isso tem de passar para uma linha de coordenação sistemática, partilha de informações e conjugação de operações; outro, é um problema de efectivos, porque V. Ex.ª quer combater o terrorismo, que é uma nova ameaça, e a criminalidade, que não meteu férias, com os mesmos efectivos que já não chegavam para combater apenas a criminalidade.
Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe que informe a Câmara quantos são os efectivos…

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, peço-lhe que informe a Câmara quantos são os efectivos a admitir na PSP em 2002, porque V. Ex.ª, este ano, deixou reformar 519 agentes da PSP e só admitiu 500, e esses ainda não começaram as provas de selecção, porque o curso só vai começar em Março, pelo que, até ao final do ano, a PSP vai ter um défice de 500 agentes. Sr. Primeiro-Ministro, diga-me, então, qual é o reforço previsto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, registo, em primeiro lugar, a sua mal escondida inveja por não ter sido o senhor a inventar a designação «cultura democrática de segurança». Mas, enfim, são questões menores!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não me interessa a designação.

O Orador: - Agora, não é verdade que seja «depois de casa arrombada, trancas na porta», pelo contrário,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ah, pois não!

O Orador: - … em relação à questão sistémica do combate ao crime e da estratégia de combate ao crime organizado, todas as medidas que aqui enunciei - medidas de coordenação da investigação criminal, medidas que têm a ver com o novo sistema de informações criminais, medidas que têm a ver com as novas competências das autoridades de segurança na Polícia Judiciária, medidas que têm a ver com o aumento de capacidade de intervenção dos agentes infiltrados, medidas que têm a ver com a reestruturação do Gabinete Coordenador de Segurança, medidas que têm a ver com o aumento de 5200 efectivos da PSP e da GNR durante a nossa permanência no Governo -…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não é este ano!

O Orador: - … já foram tomadas e algumas delas estão a ser concluídas, como as que, hoje mesmo, estamos a discutir - e que espero sejam aprovadas - em matérias relacionadas com a criminalidade organizada e com a criminalidade económica e financeira.
O que quer dizer que, antes de 11 de Setembro, e em particular durante este ano, tínhamos uma estratégia a concretizar passo a passo, no sentido de dotar o Estado português de uma capacidade efectiva de combate às formas cada vez mais emergentes de criminalidade, que são a criminalidade organizada, o terrorismo, o tráfico de droga e todas aquelas que envolvem aspectos de maior perigo, quer para as pessoas, quer para as sociedades. Ou seja, estamos apenas a continuar e a reforçar um trabalho que vinha de trás, mas não podemos deixar de o olhar à luz do que aconteceu em 11 de Setembro. Quando toda a gente, agora, tem a moda de dizer que, depois de 11 de Setembro, tudo muda no mundo,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Eu não disse isso!

O Orador: - … seria da nossa parte uma total falta de lucidez não, porventura, o aderir a essa tese, que me parece também francamente exagerada, mas não tirar algumas lições daquilo que aconteceu em 11 de Setembro no país que é suposto ter os mais eficazes meios de prevenção e de combate em matéria de segurança e onde aconteceu tudo o que aconteceu e onde está a acontecer tudo o que está a acontecer, o que também nos deve levar a alguma humildade democrática na análise destas matérias.
Em relação aos passaportes, quero dizer-lhe que houve, de facto, passaportes roubados em consulados portugueses, tal como aconteceu em consulados de todos os outros países.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ó Sr. Primeiro-Ministro, não é nada disso!

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O Orador: - E mais: se for ver o ranking - e espero que o Sr. Deputado não se transforme num membro da comissão dos Estados Unidos da América que vem agora a Portugal, suponho que não será esse o seu objectivo -, verificará que Portugal não está sequer mal colocado nessa comparação internacional.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Estou a fazer-lhe uma pergunta parlamentar normal!

O Orador: - Mas o mais importante não é isso, Sr. Deputado! O mais importante é que, como sabe, desde há um ano que temos passaportes de natureza diferente, desde há um ano que corrigimos as imperfeições do nosso sistema de emissão de passaportes, e aqueles que neste momento existem e estão a ser emitidos são passaportes com níveis de segurança extremamente elevados, dos mais elevados que há no mundo.
E o que é importante, do meu ponto de vista, é dizer claramente aos Estados Unidos da América que não têm qualquer razão para retirar Portugal desse programa, em vez de tentar argumentar com circunstâncias do passado, que poderiam justificar atitudes diferentes e que, ainda por cima, são anteriores à decisão dos Estados Unidos da América de nos incluírem nesse programa.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ó Sr. Primeiro-Ministro, não é nada disso!

O Orador: - Por isso, peço-lhe desculpa, mas, sinceramente, não compreendo a sua atitude a esse respeito neste debate.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Fiz-lhe uma pergunta parlamentar normal, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - No que se refere aos pontos sensíveis, quero dizer-lhe que temos um dito nível 3 de pontos sensíveis em relação aos quais há vigilância pública permanente e vigilância exercida pelas forças de segurança; temos, depois, um segundo nível, em que há vigilância permanente, mas por articulação entre as forças de segurança e a segurança privada dessas instalações; e temos, por último, níveis de vigilância intermitente. O Sr. Deputado não me vai pedir que eu lhe dê as listas destes elementos em público - faço-lhe a justiça de pensar que não é esse o seu objectivo.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não! Não vou, com certeza!

O Orador: - Em relação ao processo de investigação que está em curso, quero dizer-lhe que não sou eu que o vou revelar.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Já aprendeu, mas não prendeu!

O Orador: - As autoridades policiais do País e o Ministério Público agirão em conformidade, no momento certo e quando entenderem que o devem fazer. Não é ao Primeiro-Ministro que compete substituir-se ao porta-voz da Polícia Judiciária ou do Ministério Público.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E sobre os efectivos!?

O Orador: - Sobre os efectivos, o que lhe quero dizer é que a nossa preocupação é precisamente a de garantir que esta circunstância inédita, que conteceu, pela primeira vez, com o nosso Governo, do preenchimento total do quadro da PSP - aliás, as provas de selecção já se iniciaram -, não seja posta em causa, apesar do número de reformas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, numa altura em que as manifestações contra a guerra se alargam em todo o mundo - e ainda ontem, com certeza, teve oportunidade de assistir a uma manifestação em Lisboa onde milhares de pessoas fizeram um grande apelo à paz -, os Estados Unidos da América, através da administração Bush, continuam a dar ordem para matar, ordem clara e um cheque em branco claro para matar, agora neste caso à CIA.
Veja bem, Sr. Primeiro-Ministro, que um país que V. Ex.ª considera como o auge da liberdade e da democracia dá ordem para matar todos aqueles que eles consideram inimigos! Isto é, efectivamente, uma ameaça de grave descontrolo, de grave subjectividade e de assassínio indiscriminado no mundo. E, para o efeito, segundo notícias tornadas públicas, pretende esta organização dos serviços secretos norte-americana socorrer-se de organizações no estrangeiro.
Já percebi, Sr. Primeiro-Ministro, através de algumas declarações suas e de algumas conversas que já tivemos oportunidade de ter, que basta os Estados Unidos da América «estalarem os dedos» a solicitar também a participação de Portugal nesta guerra para que imediatamente o Governo do Partido Socialista diga «sim» e participe de facto.
Aquilo que lhe pergunto relativamente a esta questão em concreto, dada a efectiva subserviência aos Estados Unidos da América, que tem sido grande, é se o Governo garante que os serviços de informação portugueses nunca entrarão nestes actos de assassínios generalizados que, agora, o governo norte-americano pretende generalizar no mundo. Na nossa perspectiva - e já tivemos oportunidade de o afirmar por diversas vezes, Sr. Primeiro-Ministro - o terror não se combate com o terror.
Quero referir, por isso, também que lamentamos que, na Cimeira de Gand, os chefes de Estado e de governo não tenham sequer discutido a possibilidade da suspensão da guerra, que foi solicitada e admitida por responsáveis pelos direitos humanos ao nível das Nações Unidas. Este foi, aliás, um lamento generalizado dos países «verdes» de toda a União Europeia.
E, já agora, Sr. Primeiro-Ministro, que falamos desta Cimeira, gostava de referir também que nos preocupou muito a reunião prévia havida entre a Alemanha, o Reino Unido e a França, indiciadora de centros de discussão distintos ao nível da União Europeia.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, já que falamos de segurança, permita-me que lhe coloque uma questão que eu, inevitavelmente, lhe teria de colocar hoje: refiro-me a uma guerra ambiental, já muito acelerada neste mundo, que ameaça toda a humanidade e promete, de facto, fazer muitas vítimas. Estou, como o Sr. Primeiro-Ministro já adivinha, a falar das alterações climáticas.
Numa altura que se discute esta questão na Conferência de Maraqueche, em Marrocos, o Sr. Primeiro-Ministro conhece a posição assumida pelos Estados Unidos da

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América, no sentido de se desvincularem da adesão e do cumprimento do Protocolo de Quioto. É evidente que, perante esta postura dos Estados Unidos da América - provavelmente, agora, com a necessidade de uma forte adesão do mundo à guerra do Afeganistão, poderão adoptar uma outra postura, a ver vamos... -, a União Europeia adquiriu, de facto, uma responsabilidade muito grande nestas negociações internacionais, assim como todos os seus Estados-membros.
Por isso, pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro com que cara é que Portugal participa agora nesta Conferência de Marraqueche? Isto porque, nesta altura, como o Sr. Primeiro-Ministro sabe, Portugal já ultrapassou todos os compromissos que assumiu ao nível do Protocolo de Quioto.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Não é verdade!

A Oradora: - Já, Sr. Primeiro-Ministro! Aliás, são os próprios documentos oficiais do Governo que o admitem, documentos que, estranhamente, voltam para trás para serem reformulados. Estou a falar do relatório sobre o estado do ambiente, ainda não apresentado à Assembleia da República, que voltou para trás, segundo ordens dadas pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, para a sua reformulação.
Portanto, sendo Portugal, de facto, um tremendo incumpridor nesta matéria, facto admitido até ao nível dos relatórios da União Europeia, nomeadamente no sector dos transportes, pergunto com que cara e com que objectivos é que Portugal efectivamente está neste momento a negociar ao nível da Conferência que agora se realiza em Marrocos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, nós não olhamos para nenhum país do mundo como se fosse o «Sol». Isso já foi hábito em Portugal em relação a outros, que não os Estados Unidos da América. Nós não olhamos para nenhum país como se fosse o «Sol».
Devo dizer-lhe que, em matéria de democracia e de Estado democrático, sou daqueles que estão convencidos de que o Estado democrático português é um Estado democrático exemplar e não precisa de olhar para nenhum modelo fora do nosso território. E não andamos aqui atrás de ninguém, nem andamos aqui atrás de quem «estale dedos», sobre coisa nenhuma.
E, nestas matérias, nomeadamente em matéria de cooperação judiciária penal, nós próprios, na União Europeia, levantámos uma restrição em matéria de extradições para os Estados Unidos da América, e essa restrição foi aprovada. E sabe porquê? Porque nos Estados Unidos da América vigora a pena de morte.
A pergunta que faz sobre os serviços de informações revela um total desconhecimento dos limites constitucionais à actuação dos nossos serviços de informações. Os nossos serviços de informações não podem, de maneira alguma, participar nessas actividades e nem sequer queremos que tenham - e esse foi um dos aspectos que referi - a natureza de polícias de investigação criminal, o que deve tranquilizá-la totalmente a esse respeito.
E se alguém levantou a voz, com clareza, condenando a atitude dos Estados Unidos da América sobre o Protocolo de Quioto foi Portugal e foi a União Europeia. Nós não vamos estar em Marraqueche com uma cara envergonhada, vamos estar em Marraqueche com a cara de quem quer cumprir os compromissos, de quem tem um plano de acção para os cumprir e de quem os vai cumprir.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Há-de dizer onde é que ele está!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª sugeriu-nos que não ocultássemos nenhuma questão delicada. É por isso que lhe quero dizer que, se o Governo sobre tais matérias se cala, é nossa opinião que o Parlamento não o deve fazer em matérias de enorme importância e delicadeza como estas.
O Presidente da República recebeu um «desconvite» do Primeiro-Ministro britânico em relação a uma viagem que estava programada. Com uma pose magestática, o Sr. Tony Blair veio dizer que o Presidente da República de Portugal era como um jardineiro que tivesse batido inoportunamente à porta durante a hora do chá.
Por outro lado, e também com pose imperial, o Sr. George Bush ou o seu governo vem dar sinais de que o sistema de vistos, em Portugal, para os portugueses não é confiável. E sobre isso quero tomar aqui exactamente a atitude oposta àquela que foi sugerida de uma bancada da direita, porque, enquanto a direita sugere que demos razão a George Bush, eu sugiro que se levante aqui o protesto sobre a indignação em relação a esta ofensa, que não podemos tolerar nem permitir. Nem sequer neste tempo de guerra suja, em que já tudo parece possível: jornalistas e directores de jornais anunciam a bondade da guerra de propaganda e as virtudes da censura; polícias sugerem a importância da tortura; banqueiros defendem que, ao contrário do que o bom senso recomenda, se deve facilitar a transacção financeira secreta nos off-shores (e parece que o Governo lhes dá razão com este Orçamento); até há juristas - pelos vistos ministros, tantos Deputados de uma maioria de Deputados e o Sr. Primeiro-Ministro, que aqui no-lo reafirmou - que entendem que a revisão constitucional consagra bons princípios de direito.
Disse-nos um dirigente da direita que o Governo só pensa no risco da segurança depois de «portas arrombadas».

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - A verdade é que a direita e uma maioria nesta Casa propôs-nos que a solução para «casa arrombada» fosse «arrombar outras casas».

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Coitadinhos dos traficantes!

O Orador: - E hoje, Sr. Primeiro-Ministro, na Constituição da República Portuguesa, ao contrário do que nos disse, é mais fácil violar o domicílio durante a noite, porque para isso é dispensado o relevante mandato judiciário, do que fazê-lo durante o dia, altura em que tal requisito continua a ser constitucionalmente imposto.
Este é o sentido de uma revisão constitucional errada, que mereceu oposição, nesta Assembleia, e a rejeição de

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muitos dos fundadores da Constituição democrática, como Gomes Canotilho, Vital Moreira ou Jorge Miranda, que, por razões e com argumentos diversos, se opuseram frontalmente a esta revisão.
Mas é sobre uma matéria fundamental de política que também o queria interrogar.
Disse-nos que, aqui, deveríamos discutir opções de fundo. É verdade! E esta bancada, Sr. Primeiro Ministro, apresenta-se perante si, o Governo, o País e o Parlamento, manifestando a urgência de uma opção de fundo, que é a de romper a aliança que se consagrou nesta Assembleia entre a bancada maioritária, o Governo e a direita sobre política de imigração.
Já ouvimos vozes a dizer-nos que é preciso vigiar os muçulmanos. Não sabemos se é por terem uma religião suspeita, ou se é por terem uma etnia com uma origem geográfica suspeita, mas a suspeita nós não a admitimos. É justamente a sensatez de uma política de segurança que deve promover a integração plena, em Portugal, nos direitos e nos deveres, de todos os que aqui vivem, trabalham e que, por isso, estão sujeitos às nossas leis.
Mas esta legislação sobre a imigração partiu do princípio de que uma mão-de-obra descartável podia ser utilizada com um curto prazo de validade, e o princípio das autorizações de permanência é o princípio da utilidade económica e da desutilidade democrática, ou seja, da suspeita instituída como uma fronteira interna dentro deste país.
Sr. Primeiro-Ministro, se há algo que temos de reconhecer é que a direita com a qual o senhor fez o acordo sobre política de imigração rompeu esse acordo.
Hoje, é talvez o momento de dar o sinal político de reconstituir uma maioria democrática, que queira a integração, o respeito pelos imigrantes, que faça deles cidadãos e parte integrante do País em que estão a trabalhar, que estão a construir, e no qual descontam para a segurança social e, por vezes, nem o direito à saúde lhes é reconhecido.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, quero, em primeiro lugar, manifestar o meu repúdio pela forma como foi descrita a anulação da viagem do Sr. Presidente da República a Inglaterra.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pelo contrário, o Primeiro-Ministro inglês, que tinha feito um convite, pediu desculpa ao Sr. Presidente da República pelo facto de o convite não poder realizar-se neste momento, solicitando que ele pudesse ser concretizado noutra altura. Fê-lo de uma forma extremamente respeitosa em relação à figura do Sr. Presidente da República, e eu não posso, de maneira nenhuma, coonestar aqui a tese de que o Presidente da República portuguesa foi humilhado neste incidente.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Mas foi!

O Orador: - Isso é inteiramente falso e merece o meu inteiro repúdio.

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, quero dizer-lhe que, em matéria de vistos, a nossa posição é clara: trata-se de uma revisão que é feita em relação a um conjunto de países e não apenas em relação a Portugal. Mas, independentemente disso, entendemos que nenhuma razão existe para que Portugal deixe de estar abrangido pelo sistema que está em vigor neste momento, e, se isso vier a acontecer, não deixaremos de o considerar um acto não amistoso por parte dos Estados Unidos. Também quero dizer isto com inteira clareza, porque nós somos solidários nos bons e nos maus momentos, mas também não temos dúvidas nenhumas em afirmar o interesse nacional e a dignidade do nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Depois, quero dizer-lhe o seguinte: não me atribua, a mim, nem a este Governo, intenções, que podem existir no mundo e no País, de pessoas que não têm uma cultura democrática, ou que entram em pânico com acontecimentos terroristas.
Se alguma coisa este Governo teve, durante todo este período, foi uma linha de extremo equilíbrio, e fomos, porventura, a primeira voz no mundo, em termos governamentais, que disse que nunca poderia confundir-se o combate ao terrorismo com uma qualquer guerra santa e que não poderiam confundir-se os terroristas com - expressão, aliás, que me foi «atirada à cara» várias vezes - um inimigo imaginário, ou abstracto, que era o Islão!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, estou particularmente à vontade para responder-lhe nessa matéria. Aliás, por várias vezes, durante os momentos críticos, saudei a comunidade islâmica de Portugal como parte integrante da nossa comunidade,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … e estou particularmente à vontade, como digo, nessa matéria.
Devo dizer-lhe que em matéria de política de imigração também não temos complexos, mas também não temos uma atitude, que eu consideraria - desculpe que lhe diga, com toda a sinceridade - irresponsável, de pensar que podemos ser um país de «portas abertas» para acolher imigrantes de todos os lados do mundo, sem quaisquer restrições e sem qualquer controlo. Não pode ser assim.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem! Até que enfim!

O Orador: - Nós não temos condições para o fazer, e isso até em termos humanitários seria um crime, porque não temos condições para os integrar harmoniosamente na sociedade portuguesa.

Vozes do PS e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, tal como não defendo uma política de imigração zero, também não defendo uma política de «portas abertas».
Penso que é indispensável termos fluxos controlados, baseados em acordos de imigração com países de origem; penso que é indispensável termos uma cada vez maior

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capacidade estimativa sobre aquilo que é o potencial efectivo da economia portuguesa;…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Até que enfim! Já não era sem tempo!

O Orador: - … penso que é necessário termos controlo e fiscalização, a nível europeu e nacional, ainda mais eficazes do que temos hoje! Além disso - isto é fundamental -, temos de aperfeiçoar os nossos mecanismos de plena integração social dos imigrantes na sociedade portuguesa!
Este é o nosso objectivo, e não nos preocupa se, seja quem for, connosco vota mais à esquerda, ou mais à direita; o que nos preocupa é que este objectivo, que, em nosso entender, é equilibrado, é humanista, mas também tem em conta as possibilidades do nosso país, seja cumprido!

Aplausos do PS.

Quero dizer-lhe que em toda esta matéria há duas atitudes que eu não subscrevo.
Uma, é a de dizer que, pelo facto de ter havido um acto de terrorismo com a dimensão e a gravidade que houve, agora tudo é possível para combater o terrorismo. Não a subscrevo, mantenho-me fiel aos mesmos princípios de Estado democrático. Mas também não me parece correcta a lógica de alguns, que, fazendo um discurso de meia hora, dizem uma primeira frase em que combatem o terrorismo e fazem, depois, durante todo o resto do discurso, um conjunto de ataques ao governo dos Estados Unidos, ao Governo português, aos governos de todos os países - uns envolvidos, outros não -, servindo apenas objectivos de natureza político-partidária, que são naturalmente muito respeitáveis, mas que, em minha opinião, também não respeitam aquilo que deve ser uma atitude clara e firme de combate ao terrorismo, que é uma ameaça real, que não podemos ignorar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também não podemos ficar de tal forma obcecados com ela que deixemos de praticar as regras democráticas no funcionamento das nossas intervenções em matéria de segurança.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD). - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em matéria de cultura democrática, tenho o dever de explicar-lhe uma coisa, porque é recorrente a tentativa do Sr. Primeiro-Ministro vir a esta Assembleia arrogar-se o direito de definir a agenda da Assembleia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro tem o direito de trazer a esta Assembleia o tema que quiser, mas esta Assembleia e cada um dos seus grupos parlamentares têm idêntico direito de colocar-lhe as questões que quiser, e é V. Ex.ª que deve responder às perguntas da Assembleia e não a Assembleia que deve responder às perguntas de V. Ex.ª!

Aplausos do PSD.

Eu não lhe perguntei por que razão V. Ex.ª traz o novo Orçamento rectificativo.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Porque as contas estão erradas!

O Orador: - É óbvio! É porque aumentou o défice, isso todos o sabemos!
Aquilo que lhe perguntei foi se o trazia ou não antes da discussão da proposta do Orçamento do Estado para 2002, porque considero que a Assembleia da República não pode discutir e, se for o caso, aprovar o Orçamento do Estado para 2002 antes de conhecer, com rigor, o défice do Orçamento do Estado de 2001! Esta é que é a questão!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação às questões de segurança, V. Ex.ª, quanto os princípios gerais, está a tentar, connosco, abrir «portas abertas». Estamos de acordo! Aliás, os nossos partidos, felizmente, ao longo dos anos, têm tido um consenso amplo em relação às grandes orientações em matéria de filosofia de segurança: segurança com liberdade, segurança sem tendências securitárias. Estamos de acordo! E aqui mesmo, hoje, lhe reafirmei isso! E V. Ex.ª sabe disso!
V. Ex.ª sabe que, quando me pediu para aceitar, no quadro da revisão constitucional, alterações importantes que viabilizassem a nossa entrada, desde o primeiro momento, na criação do espaço de liberdade, segurança e justiça da Europa, lhe garanti logo esse apoio, até antes de consultar o meu partido, porque sabia que a filosofia do meu partido era essa!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, V. Ex.ª deveria agradecer ao PSD o esforço de consenso que temos feito relativamente às questões de segurança.
Mas, atenção: o consenso quanto às grandes orientações não significa, nem interprete assim, uma concordância em relação à sua actuação concreta, porque, se houve alguém, neste país, que descredibilizou os serviços de segurança, nomeadamente os serviços de informações, foi V. Ex.ª, que, enquanto líder da oposição, lançou a suspeita sobre os mesmos, alegando que estava a ser seguido por eles! V. Ex.ª é que desprestigiou os serviços de informações, em Portugal.

Aplausos do PSD.

Já no seu Governo, foi um ministro, concretamente o Ministro da Defesa Nacional, que permitiu que saísse do seu Ministério a lista dos nomes dos agentes desse serviço de informações, atacando, assim, talvez com custos irreversíveis, a credibilidade desse mesmo serviço.

Vozes do PSD: - Muito bem! Bem lembrado!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Foi uma vergonha!

O Orador: - Também foi V. Ex.ª, alguns dos seus quatro ministros da Administração Interna e alguns dos seus cinco ministros da Defesa Nacional - cinco ministros da

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Defesa Nacional em seis anos, Sr. Primeiro-Ministro! Quatro ministros da Administração Interna em seis anos! -, V. Ex.ª e o seu Governo, que, em vez de darem força e autoridade à polícia, se afastaram desta e lhe retiraram essa mesma força e autoridade.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso não é verdade!

O Orador: - Também foram VV. Ex.as que desmotivaram as nossas forças policiais ao não terem cumprido ainda aquilo que foi, por exemplo, aprovado por esta Assembleia em matéria de subsídio de turno e piquete. E mantêm uma dívida de aproximadamente 14 milhões de contos aos serviços de Assistência na Doença aos Militares da Guarda Nacional Republicana.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É desleixo!

O Orador: - Portanto, o que se passa, Sr. Primeiro-Ministro, é que, em matéria de segurança, talvez partilhemos os mesmos princípios, mas temos modos diferentes de os aplicar.

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Quero dizer-lhe que, por isso mesmo, estamos disponíveis para discutir, em concreto, as medidas que sugere, dentro do princípio geral de conciliação entre o interesse essencial de segurança e o respeito escrupuloso pela liberdade, o que deve fazer-se no respeito absoluto da lei e da Constituição. Nada autoriza a violação da lei e da Constituição. Não há qualquer conveniência que o autorize! Mas também lhe digo que terá sempre o PSD a não abdicar do seu direito de oposição - mais, do seu dever de oposição - e a não ceder perante nenhuma pressão de unanimismo fácil, que, isso sim, seria um prejuízo sério à nossa democracia.
Só hoje, com uma oposição responsável, que não abdique desse seu direito e dever, é que temos a garantia de, amanhã, termos um governo responsável, que, infelizmente, continua a faltar no nosso país.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Durão Barroso já disse, por mais de uma vez, que tinha perdido a sua paciência comigo!

Vozes do PS: - Oh!…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não fique triste!

O Orador: - Quero dizer-lhe com sinceridade que, por muito difícil que, por vezes, seja, eu não vou perder a minha paciência consigo!

Risos do PS.

Nem hoje!

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Que condescendente!

O Orador: - Em primeiro lugar, respeito a agenda deste Parlamento. O CDS-PP pediu um debate de urgência sobre esta matéria.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Foi resolvido, em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que esse debate não se realizaria e que o tema seria abordado na minha vinda aqui, ao Parlamento. Eu sujeitei-me à agenda do Parlamento; quem não se sujeitou à agenda do Parlamento, foi o Sr. Deputado Durão Barroso.

Vozes do PSD: - Não é verdade! Isso não é verdade!

Aplausos do PS.

O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de dizer que, em matéria de sistemas de informações e de forças de segurança, tenho muito orgulho nas mudanças de orientação que foram impressas ao passarmos de um governo do PSD para um governo presidido por mim.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E nós temos vergonha!

O Orador: - Quero dizer-lhe com sinceridade que as forças de segurança hoje têm um envolvimento de cultura democrática, têm uma Inspecção-Geral da Administração Interna em funcionamento, têm uma lógica de comando que lhes é transmitida pelo Governo, que pouco tem a ver com o que acontecia durante o governo do PSD, que sujeitou as forças de segurança a situações extremamente delicadas, porque as sujeitou a poderem ser vistas pela população não como defensoras dos seus direitos mas como instrumentos de repressão política do Governo em circunstâncias de duvidosa razoabilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Tenho muito orgulho nessas mudanças, e as forças de segurança revêem-se nelas. Tenho acompanhado a forma como as forças de segurança hoje actuam na defesa da tranquilidade pública, e elas são um orgulho para o País, reconhecido em relatórios internacionais e traduzindo uma evolução que considero da maior importância. E espero que, um dia (mais tarde ou mais cedo isto acontecerá), quando houver em Portugal uma mudança de governo, esse ganho, essa mudança, essa transformação seja mantida e não se volte às práticas do passado.

Aplausos do PS.

Da mesma forma, posso garantir que os serviços de informações da República, sob minha orientação - e hoje vim aqui dizer que estou disposto a assumir responsabilidades acrescidas neste domínio -, nunca serão utilizados para finalidades políticas ou partidárias em Portugal e que serão um instrumento da defesa das liberdades e da democracia, um instrumento da defesa colectiva de todos nós.

Aplausos do PS.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que identifique a matéria da ordem de trabalhos que coloca em causa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação é sobre o andamento dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro fez agora uma afirmação que parece decorrer de desconhecimento do que estamos aqui, hoje, a fazer, já que, aparentemente, disse à Mesa e ao Plenário que estávamos aqui a fazer uma espécie de debate de urgência aditivado de matéria de segurança - e digo «aditivado» porque se encontra presente todo o Governo! Quando aquilo que se passa - e peço à Mesa que confirme se é assim ou não - hoje é que estamos aqui a realizar o debate mensal do Sr. Primeiro-Ministro com a Assembleia da República, que o PSD há mês e meio, desde o dia 15 de Setembro, desde o início da Sessão Legislativa em curso, vem pedindo e exigindo na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Este esclarecimento é importante para que o Sr. Primeiro-Ministro não pense que está aqui a fazer um debate de urgência sobre segurança; está aqui a fazer o debate mensal com a Assembleia da República!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, basta ler o Boletim Informativo para se saber que estamos num debate mensal com o Sr. Primeiro-Ministro.

Risos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o Sr. Primeiro-Ministro não leu!

O Sr. Presidente: - O que o Sr. Primeiro-Ministro referiu foi que, na origem da marcação deste debate mensal, esteve um pedido de debate de urgência do CDS-PP - foi só isto que o Sr. Primeiro-Ministro disse, penso eu.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, pede a palavra também para uma interpelação?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É, sim, Sr. Presidente, e no mesmo sentido.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, de facto, e V. Ex.ª já o disse de algum modo, a verdade é que, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, havia uma solicitação do CDS-PP para um debate de urgência sobre segurança interna. Aliás, e isto não foi rejeitado até hoje, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares distribuiu ontem a todos os grupos parlamentares uma nota informativa a dizer que o tema era sobre a cultura democrática da segurança,…

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Exactamente!

O Orador: - … o que, no fundo, é, digamos, uma expressão até mais genérica do que a ideia que tinha resultado da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que era um debate sobre a segurança interna.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas é o Governo que decide?!

O Orador: - Foi isto o que o PSD aceitou, mais nada.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Mesa tem de pronunciar-se sobre a interpelação do Sr. Deputado, que foi um esclarecimento que prestou.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas confirmar que, efectivamente, a nossa preocupação, nesta altura, é o tema da segurança, foi isto que levámos à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. O PS disse que aproveitaria a vinda de V. Ex.ª para tratar deste tema, este é o tema primordial para nós. Se para outros partidos são outros temas, nada temos a ver com isso; para nós, o tema primordial é o da segurança.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é ainda sobre este assunto?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas esclarecer aquilo que o Sr. Presidente disse, embora tenha corroborado aquilo que afirmei.
No final da sua intervenção, o Sr. Presidente disse que, na origem deste debate, tinha estado um pedido do CDS-PP. Ora, isso não é verdade, o Sr. Presidente sabe-o,…

O Sr. Presidente: - Na origem do tema, Sr. Deputado.

O Orador: - … que, desde o início de Setembro…

O Sr. Presidente: - Eu sei, eu sei, Sr. Deputado! O que eu disse é que tinha estado na origem do tema, Sr. Deputado. Mas é verdade que há muito tempo o Sr. Deputado vinha insistir pela existência de um debate mensal. Confirmei isso.

O Orador: - O Sr. Presidente sabe bem que os debates mensais com o Sr. Primeiro-Ministro não têm tema!

O Sr. Presidente: - É verdade.

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De qualquer modo, foi o tema que esteve na origem da escolha deste tema pelo Governo. O Governo tem de informar a Assembleia, até à véspera do debate…

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Se é sobre o mesmo assunto, tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acaba de demonstrar, ao interpretar mal as palavras do Sr. Primeiro-Ministro, que tem dificuldades de percepção, e retrato exactamente o que se passa.
O que o Sr. Primeiro-Ministro disse, é absolutamente irrefutável e tem n testemunhas - e quase me absteria de usar da palavra não fora o facto de poder pairar qualquer dúvida do Sr. Deputado Luís Marques Guedes (que tem este problema identificado!) quanto ao que se passou.
O Sr. Primeiro-Ministro exerceu um direito que tem, de querer debater uma prioridade, e eu acho quase surreal que, neste momento, o PSD diga que não é uma prioridade discutir as questões da segurança…

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, a matéria está esgotada!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, passemos ao debate e não a isto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mais valia ter ficado calado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se tem alguma razão de ser o aforismo popular de que o ridículo mata, então não poderemos deixar de concluir que a falta da consciência do ridículo mata duas vezes.

Vozes do PSD: - Isso é verdade!

O Orador: - Apetecia-me ficar divertido, mas a verdade é que tenho de me confessar preocupado. A incapacidade política do líder do maior partido da oposição em demonstrar aqui qualquer sensibilidade a um problema que, para além da agenda do Parlamento, é seguramente, neste momento, o mais pertinente tanto na opinião pública internacional como na opinião pública portuguesa é revelar um estado de esquizofrenia com a realidade, que nem sequer lhe permite, como não permitiu, encarar o significado das propostas aqui trazidas pelo Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro veio aqui falar-nos das medidas que foram tomadas, das medidas que estão a ser tomadas e das medidas que devem ser tomadas num quadro de coerência em defesa das liberdades, em defesa do Estado de direito, em defesa de uma eficácia adequada no combate à criminalidade, no quadro de uma boa cooperação entre o papel das forças de segurança no domínio da segurança interna e das Forças Armadas no esforço nacional de defesa. Foi disto que nos veio falar o Sr. Primeiro-Ministro. E, falando-nos disto, avançou com paradigmas, o paradigma de um quadro que equaciona as condições de investigação criminal adequadas ao combate ao crime, lembrou aqui a Lei de Organização da Investigação Criminal, as medidas de autonomia técnica no âmbito da Polícia Judiciária, as medidas especiais para o combate à criminalidade organizada e, em especial, à criminalidade de natureza económica e financeira, e perguntou a todos nós o que dizíamos destas medidas. Dizemo-lhe, da parte do PS, Sr. Primeiro-Ministro, que estamos totalmente empenhados na valorização do que já foi feito e em continuar num caminho que, até agora, soube distinguir com clareza os princípios e os valores do Estado de direito, conciliando objectivos de liberdade, de segurança e de paz pública - e é, evidentemente, esta a nossa preocupação central.
Depois, propôs-nos a definição de um regime-quadro das forças de segurança e de uma lei de programação dos investimentos neste domínio - e, acerca disto, pareceu que os Srs. Deputados, particularmente da oposição, não tomaram boa nota! E propôs a evolução, de acordo com as mesmas regras do Estado de direito, de um paradigma organizativo, evolutivo, no domínio dos serviços de informações - e, mais uma vez, acerca disto, não ouvimos qualquer opinião relevante, particularmente da parte do maior partido da oposição. E manifestou o empenhamento português na realização do espaço europeu de liberdade, de segurança e de justiça - e o mais que sobre isto ouvimos, foi o Sr. Deputado Durão Barroso, com o devido respeito, dizer que, num determinado momento, viabilizou a revisão constitucional! É verdade! É um facto, mas nesse exacto momento em que tal foi feito, lembremo-nos do que disse o Sr. Deputado Durão Barroso, esquecendo-se de que aquilo que estava ser equacionado na revisão constitucional era o resultado dos compromissos nacionais, de que o PSD também tinha participado, aquando da aprovação do Tratado de Maastricht, da aprovação do Tratado de Amsterdão, onde toda a construção do espaço de liberdade, de segurança e de justiça europeu estava inteiramente previsto, para justificar a sua mudança de posição, não foi com a sua vinculação aos compromissos europeus de Portugal mas com esta frase singular: «em tempo de guerra, não se limpam espingardas»!

O Sr. Durão Barroso (PSD): - «… não se limpam armas», Sr. Deputado! Armas!

O Orador: - É a mesma coisa, Sr. Deputado Durão Barroso - armas!
Mais uma vez, o Sr. Deputado Durão Barroso revelou a incapacidade de compreender que não estamos a tomar políticas em ziguezague, que não estamos na deriva securitária de quem quer que seja,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ai estão!

O Orador: - … estamos a cumprir um plano que tem consciência de onde veio, o que quer e para onde vai.
Por isso, para concluir, em matéria de investigação criminal, regime das forças de segurança e evolução dos serviços de informações, espaço europeu de liberdade, segurança e justiça, ajustamento adequado num enquadramento a fazer entre o esforço e a defesa no domínio da segurança interna e no domínio das Forças Armadas, para tudo isto, Sr. Primeiro-Ministro, tem a nossa disponibilidade, o nosso empenhamento e o nosso trabalho positivo que já pode ser apresentado. Se alguma coisa podemos

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lamentar é que este debate seja um diálogo entre o Governo e, provavelmente, a bancada que o apoia, com completa omissão do principal partido da oposição, que não demonstrou qualquer capacidade para apresentar propostas, posições e opiniões sobre o verdadeiro tema que, neste momento, preocupa os portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. David Justino (PSD): - Qual foi a pergunta?!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Responder a quê?!

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, serei muito breve, agradecendo a intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão mas dizendo que o Governo está inteiramente disponível para continuar este debate e para o aprofundar nas questões mais complexas e delicadas, para que em Portugal se forme um consenso político alargado nas matérias que referiu. Entendo que esse consenso político alargado é a melhor garantia que damos para a confiança dos nossos cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Bem me parecia que não tinha havido qualquer pergunta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Filipe para pedir esclarecimentos, informo a Câmara que temos a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 50 pessoas da freguesia e Évora Monte. Saudemo-los.

Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, do nosso ponto de vista, a cultura de segurança num Estado democrático não pode deixar de ser uma cultura democrática, e uma cultura securitária, seguramente, não é, nunca teve nada de democrático e não vai por um caminho que consideremos minimamente recomendável. Aliás, o que dispõe a Constituição da República Portuguesa é que a prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se - e sublinho a expressão constitucional «só pode fazer-se» - com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. E creio que hoje, mais do que nunca, é importante sublinhar este aspecto.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Porque contrapor a segurança à liberdade e aceitar restrições às liberdades em nome da segurança é um erro que pode ter consequências trágicas em qualquer país, em qualquer Estado democrático.
Sr. Primeiro-Ministro, a liberdade a democracia são, a nosso ver, os maiores pilares da segurança dos cidadãos. Nós não consideramos que algum cidadão possa sentir-se seguro num país onde não existam liberdades democráticas e onde não exista uma democracia plena.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Daí que este equilíbrio entre as necessidades de segurança dos cidadãos e a salvaguarda das suas liberdades fundamentais ameaça neste momento ceder perante um desvario securitário que vai campeando pelo mundo, a que presentemente assistimos e que também tem afloramentos preocupantes em Portugal no nosso entender. É um desvario securitário que usa o terrorismo como pretexto mas que, naquilo que propõe e nos objectivos que visa atingir, nada tem a ver com o combate ao terrorismo, tem, sim, a ver com outros objectivos que, do nosso ponto de vista, em nada são recomendáveis. Isto porque, quando assistimos a responsáveis do FBI a advogarem a prática de tortura para obter confissões, estamos perante um desvario securitário que nós não podemos, de maneira alguma, seguir; quando vemos (e não estou a comparar situações, estou apenas a referir situações diferentes, mas ambas preocupantes) o Comissário António Vitorino a preconizar um conceito de terrorismo que é quase o princípio de George Bush, segundo o qual «quem não está comigo é terrorista», ficamos muito preocupados com isso!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quando verificamos, um pouco por todo o mundo, o aparecimento de práticas policiais xenófobas, tendo precisamente os imigrantes como primeiras vítimas; quando vemos deitar por terra princípios civilizacionais - e aqui é preciso dizer que, em nosso entender, a revisão constitucional extraordinária que aqui foi aprovada contém aspectos muito negativos, designadamente o desmantelamento de garantias dos cidadãos face à extradição e também relativamente ao aspecto da inviolabilidade do domicílio à noite… E o Sr. Primeiro-Ministro não tem razão naquilo que há pouco aqui disse, na medida em que o texto constitucional permite muito mais do que aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro referiu,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … porque não está em causa apenas a possibilidade de violação do domicílio à noite com mandado judicial, o que está em causa é mais do que isso, é o facto de, com a invocação do flagrante delito, qualquer cidadão poder, em última análise, violar o domicílio alheio durante a noite! Portanto, com esta revisão constitucional, abriu-se uma «porta» por onde pode passar muito e pouco recomendável!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Reforça-se o apelo a uma repressão penal irracional e desproporcionada. Estes são exemplos, Sr. Primeiro-Ministro, que, a nosso ver, não devem, de maneira alguma, ser seguidos.
Nós entendemos que a cultura democrática não pode ser apenas uma figura de retórica; entendemos que tem de corresponder a uma prática concreta. O facto de sermos todos democratas não nos autoriza a abrir mão de princípios democráticos fundamentais, mas, pelo contrário, exige que os defendamos intransigentemente.
Do nosso ponto de vista, Sr. Primeiro-Ministro, uma cultura de segurança democrática implica: em primeiro lugar, a salvaguarda da segurança dos cidadãos. Quanto a isto, estamos inteiramente de acordo em que é necessário haver uma acção policial dirigida para garantir a segurança

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e a tranquilidade dos cidadãos, o que exige também forças de segurança democráticas - e, a este respeito, creio que importa alterar com profundidade o actual Estatuto da GNR, que, a nosso ver, se afigura extremamente retrógrado e que em nada contribui, na forma como está actualmente, para a capacidade, o prestígio e o bom ambiente nesta força de segurança.
Em segundo lugar, implica a fiscalização democrática dos serviços de informações da República e, em terceiro lugar, também a transparência no funcionamento do Estado e da Administração Pública - e, a este respeito, os últimos projectos governamentais que vieram a lume são também extremamente preocupantes.
O Sr. Primeiro-Ministro avançou aqui um conjunto de questões muito importantes…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Faça favor de concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Como eu dizia, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou aqui um conjunto de orientações muito importantes, que estamos perfeitamente abertos a debater com o Governo; não queríamos era ter de utilizar, a respeito do Sr. Primeiro-Ministro, aquele ditado popular que diz «Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz». Não gostaríamos de ter de dizer isto a seu respeito, Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, há muitas coisas de que seguramente me podem acusar e, porventura, algumas até serão justas;…

Vozes do CDS-PP: - Ah!…

O Orador: - … agora, acusar-me de eu ter uma política virada para a violação dos direitos democráticos parece-me uma fantasia sem qualquer sentido e sem qualquer fundamento.
Portanto, essa questão do Frei Tomás, peço desculpa, mas, com a devida vénia, acho que está completamente fora do contexto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero também dizer-lhe outra coisa: que há no mundo tendências para derivas securitárias, há! Mas, naquilo que afirmei nesta Câmara, onde é que há uma deriva securitária?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se houver, diga! Vamos discutir. Mas, em meu entender, não há. Há, sim, o assumir de uma cultura democrática de segurança, como expliquei.
Uma última observação tem a ver com o seguinte: não coloque ao mesmo nível um qualquer agente do FBI, que não conheço e que defende a tortura para obter informações, coisa que é manifestamente hedionda, e as propostas do Comissário António Vitorino, que são propostas de grande seriedade, mas que foram, naquilo que referiu, mal interpretadas e, por isso, ele já esclareceu que terá o cuidado de, em versão final, não deixar margem para qualquer dúvida nessa matéria.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, tenhamos a noção das coisas e dos limites, porque não podemos, num debate com seriedade, «meter no mesmo saco» aquilo que são perspectivas totalmente antidemocráticas, que vêm não sei de quem e nem por que razão, mas que são completamente inaceitáveis numa ordem democrática e que, estou certo, os Estados Unidos da América não aprovarão na sua legislação, e aquilo que é um esforço extremamente sério, digno e prestigiante para Portugal, que o Comissário António Vitorino está a desenvolver, no sentido da criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça, na Europa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, regressemos ao debate sobre a segurança, agenda de segurança que nós marcámos, marcamos e marcaremos.
Quero começar por fazer uma reflexão melancólica, que é esta: a cultura democrática de segurança é tão necessária ou tão pouco, que uma pessoa, quando lê certos artigos ou ouve certos discursos, percebe que não devem faltar mais de 15 dias para que, um dia destes, no Ocidente e, se calhar, entre nós, alguns transformem o Sr. Bin Laden numa espécie de «Che Guevara das areias» e alguns outros, menos cultos e pouco conhecedores da História, ainda venham dizer que ele é uma espécie de Lawrence da Arábia com um toque romântico.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Era só o que faltava!

O Orador: - Trata-se de um assassino, de um monstro, que tem de ser combatido com resistência moral e com resistência política.

Aplausos do CDS-PP.

Voltando, agora, ao concreto, ao qual temos de nos dedicar, peço-lhe Sr. Primeiro-Ministro, que dê respostas concretas e não «redondinhas», como V. Ex.ª gosta de dar.
Sr. Primeiro-Ministro, vou fazer de Primeiro-Ministro e de líder da oposição e vou dizer à Câmara quantos passaportes foram roubados.

Protestos do PS.

Foram roubados, Sr. Primeiro-Ministro, no seu consulado, 4516 passaportes, passados em branco, o que é evidentemente um número preocupante de passaportes para um país com a dimensão de Portugal.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Pois é!

O Orador: - E, mais, só para lhe dar um pequeno exemplo, sabe quantos foram roubados no Consulado de Portugal em Islamabad? Foram roubados 33 passaportes.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Pois é!

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O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, isto tem apenas a ver com o laxismo, com a negligência, com o «deixa andar», com o facilitismo, que, durante anos, anos e anos, o seu Governo socialista teve em políticas de segurança, que não são «para telespectador ver» mas para resolver problemas.

Aplausos do CDS-PP.

Depois, Sr. Primeiro-Ministro, quero fazer-lhe outra pergunta muito directa, que tem a ver com o seguinte: este ano, vão ser reformados 519 agentes da PSP; o numerus clausus de admissões na PSP, este ano, é de 500 e o Sr. Primeiro-Ministro falou num reforço. Pergunto-lhe: então, Sr. Primeiro-Ministro, quantos são os novos efectivos da PSP que vão entrar no ano de 2002? Não custa nada responder a isto!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Se souber!…

O Orador: - Sobretudo porque o Sr. Primeiro-Ministro tem de combater o terrorismo, a insegurança e a criminalidade e não pode fazê-lo com os mesmos agentes, com aqueles que só tinha destinado ao combate da criminalidade.

Vozes do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - Quanto à terceira questão, sobre o assalto ao depósito da EPAL, permita-me um comentário irónico, mas com a estima que conhece. V. Ex.ª, quando lhe perguntei se já tinham sido apanhados os assaltantes da EPAL, deu-me uma determinada resposta, que vou comentar: em certo sentido, V. Ex.ª aprendeu;…

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - … mas, noutro sentido, V. Ex.ª está igual, porque não os prendeu.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Não sou eu!

O Orador: - Não os prendeu, enquanto representante do Estado, é claro. Com certeza, não é V. Ex.ª que anda a fazer as prisões!

Vozes do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro entendeu perfeitamente o que eu disse. V. Ex.ª, por um lado, aprendeu, tudo bem, mas, por outro, não os prendeu - e é isto que interessa, do ponto de vista da população.
Agora, Sr. Primeiro-Ministro, falemos em duas matérias, sobre as quais gostava de dizer algo nesta minha segunda intervenção.
Em primeiro lugar, nós pedimos, nos dias 20 de Setembro, 10 e 19 de Outubro, um reforço das medidas penais em matéria de falsos alarmes. V. Ex.ª anunciou-o no domingo passado - bem-vindo! - e estamos de acordo. No entanto, quero perguntar-lhe se está disposto a proceder à alteração da tipificação penal do crime de terrorismo, de participação, militância ou cumplicidade com organizações terroristas ou do crime de liderança de organizações terroristas, cuja moldura penal, em Portugal, é, a nosso ver, escassa. Ou seja, entendemos que a liderança de uma organização terrorista deve merecer a pena máxima do nosso ordenamento penal - e, no actual Código, estamos muito longe disso.
Finalmente, em relação à imigração, Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe o seguinte: estamos completamente de acordo em que é preciso uma política de imigração controlada. Numa economia aberta, quem falar em «imigração zero» mente; quem falar em «imigração total» é irresponsável. Uma política de imigração controlada significa um sistema de contingentes ou de quotas, por muito que os senhores não gostem da expressão. O que lhe pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, é se considera responsável, no primeiro ano em que essa definição de contingente aconteceu e quando o Instituto do Emprego e Formação Profissional falava em 70 000 pessoas que podiam ter autorizações de permanência este ano,…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Faça favor de concluir.

O Orador: - … V. Ex.ª ter admitido 120 000 autorizações de permanência num só ano, «rebentando», logo na primeira vez, a quota ou o contingente definido. É isto que quero perguntar-lhe, se considera prudente e responsável.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Paulo Portas não só não prende como não aprende.

Risos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ora diga!

O Orador: - E fico com a ideia de que o Sr. Deputado Paulo Portas, simultaneamente, é líder de um partido da oposição e tenta ser Primeiro-Ministro, mas parece ser mais membro dos serviços de imigração dos Estados Unidos da América.

Vozes do CDS-PP: - Oh!…

O Orador: - Ora bem: em primeiro lugar, o número de passaportes roubados…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É verdadeiro!

O Orador: - … foi antes de Portugal ter integrado o sistema de vistos de que actualmente beneficia.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Cinco anos!

O Orador: - É, por isso, irrelevante que ele possa ser invocado para essa questão.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quem é que estava no Governo?

O Orador: - É que, caso contrário, deveria ter sido invocado quando esse sistema de vistos foi atribuído. E devo dizer-lhe que não me parece bom para o País que um partido da oposição venha aqui levantar a questão nos termos em que o fez.

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O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Quantos foram roubados?

O Orador: - Em segundo lugar, há situações dessas em todos os países da União Europeia, por vezes com números mais elevados, e isso não tem a ver com culturas de laxismo.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Ai tem, tem!

O Orador: - E só faltava que o Sr. Deputado agora viesse dizer que, sempre que num país é praticado um crime qualquer, isso decorre do facto de haver uma cultura de laxismo do respectivo governo!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não, porque é um crime praticado em consulados!

O Orador: - É que até há governos altamente securitários, e até ditatoriais, nos quais se praticam crimes da maior natureza.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - São roubos em consulados! São representações do Estado português!

O Orador: - O que interessa é que nós agimos. E agimos não agora mas há um ano, lançando um novo tipo de passaporte, para erradicar esses perigos.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ó Sr. Primeiro-Ministro…!

O Orador: - É, portanto, com um ano de atraso e num momento particularmente inoportuno para o interesse nacional que o Sr. Deputado Paulo Portas vem insistir numa questão que, do meu ponto de vista, não faz qualquer sentido.
Depois, em matéria de moldura penal, nós somos um dos poucos países que admite o terrorismo como crime no seu Código Penal, como sabe. Mas, como também sabe, foi decidido que vamos fazer um trabalho a Quinze, no sentido de tipificar o crime de terrorismo e de harmonizar as respectivas penas. E, desde já, digo-lhe, com sinceridade, que, na minha análise, há várias penas relacionadas com crime de terrorismo que virão a ser agravadas, se isso decorrer do trabalho conjunto desta Assembleia, desta Câmara, na lógica desse esforço europeu. Não tenho quaisquer dúvidas em dizê-lo e até em dizer que isso é desejável.
Finalmente, em matéria de imigração, não houve qualquer atropelo, nem de quota, nem de quantitativo. E aqui é necessário sabermos distinguir duas coisas, que são diferentes. Há na sociedade portuguesa - e isto acontece em Portugal como em todos os outros países da Europa, porventura, acontecerá menos cá do que em outros países - um número de imigrantes clandestinos, de detecção, em alguns casos, extremamente difícil (e, porventura, o país que teve um programa com maior êxito na sua detecção foi Portugal e foi este ano). Portanto, como eu dizia, devemos distinguir duas coisas: partindo do princípio de que os imigrantes clandestinos que cá estão, estão cá, estão a trabalhar, uma coisa é a criação de condições para a sua regularização e, em certos termos, para a sua expulsão, porque, em certas circunstâncias, a expulsão deverá ser feita - e tem havido, e continuará a haver, expulsões, porque isso é inteiramente indispensável à preservação da nossa própria soberania (não tenho sobre isto qualquer dúvida) -, e outra coisa é o reconhecimento de necessidades de mão-de-obra adicionais, que nada tem a ver com os que estão a trabalhar, legal ou clandestinamente, e que decorre de uma análise da dinâmica da própria sociedade portuguesa. Ora, em relação a estes últimos foi feito um estudo, por personalidades extremamente respeitáveis e competentes, que apontou, para este ano, para uma necessidade adicional de cerca de 20 000 pessoas. Foi isto o que aconteceu.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - 20 000 não, 50 000!

O Orador: - 20 000!
Não houve, pois, aqui qualquer descontrolo. Há é a análise e a resposta conjuntas a dois problemas: um, de regulação de fluxos em relação ao futuro e, outro, de gestão de uma questão extremamente delicada, que é a de saber como eliminar a situação, que é a mais execrável de todas, de um imigrante clandestino vítima de uma organização, muitas vezes, mafiosa, que o submete a formas de tratamento desumano. Quanto a esta situação estamos todos de acordo em tudo fazer para a eliminar, mas, temos de reconhecê-lo, olhando para a Europa e para o mundo, não é nada fácil de fazer e exige um esforço, empenhado, determinado e consistente, de todas as entidades que lidam com o problema. Pode contar com o Governo para estar empenhadíssimo nesse domínio e para ter, nesse domínio, uma política que concilie realismo e humanismo.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Primeiro-Ministro. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Realismo, em relação às possibilidades efectivas de Portugal para acolhimento de imigrantes; humanismo, como forma de garantir o respeito dos seus direitos.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Qual foi a ofensa, Sr. Deputado?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, creio que fui designado como cidadão pertencente aos serviços de imigração dos Estados Unidos da América.

Risos.

O Sr. Presidente: - Penso que se tratou de uma ironia inocente, Sr. Deputado. Em todo o caso, a sensibilidade é sua.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro foi infeliz nessa expressão. Porque estou aqui em representação de 450 000 pessoas que votaram no meu partido, um conjunto de portugueses cujas convicções, em matéria de segurança, têm, há muito, um atestado de coerência, e de uma doutrina tenho todo o direito de lhe fazer as perguntas que fiz.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se tivemos razão, Sr. Primeiro-Ministro, em matérias tão simples como a do pagamento do subsídio de

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turno e de piquete, que o senhor só começou a pagar na semana passada, ou como a das agressões às forças de segurança, quando eram cometidas e que os senhores não queriam qualificar como crime público,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que se circunscreva à ofensa.

O Orador: - … se tivemos razão na revisão da política de imigração e na necessidade de controlá-la, o Sr. Primeiro-Ministro não tem o direito de dizer que perguntar ao Primeiro-Ministro de Portugal como é possível haver roubos maciços em representações diplomáticas portuguesas, durante anos a fio, é uma pergunta ilegítima. Não é uma pergunta ilegítima, porque não é um roubo qualquer, Sr. Primeiro-Ministro! Estou a perguntar-lhe sobre os roubos praticados em representações diplomáticas portuguesas e que podem causar ao Estado português o maior embaraço.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Tenho todo o direito de perguntar-lho, Sr. Primeiro-Ministro, porque estou a fazer fiscalização democrática da acção do Governo ou, por outra, da sua inacção e da sua omissão.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Paulo Portas tem todo o direito de perguntar o que quiser, mas eu tenho todo o direito de lhe dizer que há certas perguntas que, feitas de determinada forma e em certo momento, podem prejudicar negociações internacionais do Estado português.

Aplausos de Deputados do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Então, não é o roubo que prejudica, é a pergunta!

O Orador: - E, neste caso, o Sr. Deputado não tem razão, porque foi o Sr. Deputado que invocou a questão da negociação com os Estados Unidos da América para suscitar este problema.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não, o senhor é que o fez!

O Sr. Presidente: - Sem diálogo, Sr. Deputado.

O Orador: - E, ainda por cima, a propósito desta questão, refere factos que são anteriores à origem da situação criada e em relação aos quais o Governo já tomou as medidas indispensáveis para a eliminar com o novo sistema de passaportes.
Por isso, a sua pergunta é inoportuna, inconveniente e contrária aos interesses de uma negociação internacional em que Portugal está neste momento empenhado.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É incómoda! Vá lá dar lições de moral ao seu partido!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, faço-lhe um último apelo no sentido de V. Ex.ª não deixar aqui a ideia de que corrobora e apoia desrespeitos à Assembleia da República. E o meu apelo é que V. Ex.ª responda à pergunta, já insistentemente feita pela minha bancada, sobre se vai apresentar o Orçamento rectificativo antes ou depois de aprovado o Orçamento do Estado para 2002.

Protestos do PS.

Temos todo o direito de saber isto, designadamente num debate sobre segurança, uma vez que se trata de matérias com implicações em todas as áreas do Estado e da actividade nacional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, repito, V. Ex.ª não deixe ficar a ideia de desrespeito pela Assembleia da República e responda a esta pergunta.
Em relação às questões da segurança, V. Ex.ª referiu aí, entre as iniciativas do seu Governo, a criação da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI). Ora, quero fazer uma rectificação: esta entidade foi criada pelo governo do Prof. Cavaco Silva; o primeiro inspector é que foi nomeado por V. Ex.ª.
Porém, sobre esta matéria, quero dizer-lhe que o seu Governo e V. Ex.ª prestaram um mau serviço à segurança e ao País, quando, a propósito do inquérito à Fundação para a Prevenção e Segurança, instrumentalizaram a IGAI, afastando o instrutor que propunha uma medida disciplinar em relação a um responsável do Ministério da Administração Interna e substituindo-o por outro, que propôs o arquivamento. VV. Ex.as instrumentalizaram um órgão que foi criado para ser isento, numa área sensível como é a da Administração Interna.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, quero colocar-lhe uma questão que tem a ver com o seguinte: todos nos apercebemos, não obstante esses acontecimentos terem ocorrido já depois dos atentados de 11 de Setembro e das implicações que isso trouxe para toda a sociedade ocidental, da vulnerabilidade e fragilidade da segurança de instalações sensíveis em Portugal, como foi o caso, já aqui falado, da EPAL. Todos sabemos que, agora, a correr, estão a tomar-se medidas para atribuir, conseguir e garantir a segurança de algumas dessas instalações. Mas também sabemos que tudo isso é feito à custa e com sacrifício das acções de rotina, das acções de patrulhamento. É indiscutível que se trata de uma situação que, infelizmente, vai perdurar, e, assim sendo, exige o reequacionamento do número de agentes de segurança, seja da GNR, seja da PSP.
O Governo já apresentou uma proposta de Orçamento do Estado para 2002 à Assembleia da República, não se contemplando aí, nem de longe nem de perto, qualquer previsão que permita equacionar este reforço de elementos a incorporar nas forças de segurança. Aliás, também já se disse aqui que há, neste momento, um défice quanto ao quadro legalmente existente.

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Assim, a minha pergunta muito concreta é esta: V. Ex.ª e o seu Governo estão dispostos a reequacionar esta questão em termos de efectivamente garantir um alargamento das incorporações nas forças de segurança de modo a que não se esteja aqui perante uma manta que se puxa, destapando-se áreas também sensíveis e que têm de ser garantidas na rotina da segurança exigível? Esta é a questão.
Em relação à acusação que V. Ex.ª fez ao meu partido no domínio da cultura democrática de segurança, quero lembrar-lhe que não recebemos lições nesta matéria, designadamente no que se refere à nossa identificação quanto ao espaço de liberdade, justiça e segurança no âmbito da União Europeia. E se tivemos alguma prudência em caminhar para essas medidas houve razão para a ter, porque o próprio Comissário António Vitorino também foi revendo algumas das suas soluções em termos de se evitar aquela zona de fronteira, aquele fio da navalha, relativamente aos direitos, liberdades e garantias, pois trata-se de uma matéria em que é preciso prudência. Mas nunca hesitámos em optar pelas soluções que em termos de uma cooperação internacional assegurem o combate ao flagelo do terrorismo, no qual devemos estar irmanados.
Entendemos também, no entanto, que não é com uma cultura antipolicial, como a que os seus governos fizeram - com um ministro que disse «esta não é a minha polícia!», com toda a guerra que o próprio Inspector-Geral fez a agentes policiais, esquecendo-se por momentos que o combate era à criminalidade -, que se faz e se garante a segurança e que se combate a criminalidade em Portugal.
Já agora, no âmbito da cultura democrática de segurança, pergunto-lhe: está V. Ex.ª disponível para inaugurar um sistema de audição prévia dos partidos da oposição, afastando qualquer conotação partidária, relativamente às nomeações dos responsáveis do mais alto grau dos serviços e das forças de segurança?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Está V. Ex.ª disponível para inaugurar essa prática em nome da cultura democrática de segurança? Responda, Sr. Primeiro-Ministro, para sabermos se efectivamente V. Ex.ª apenas vem aqui fazer o discurso dos princípios e da teoria, se executa uma prática que não é a da isenção e da imparcialidade que se exige nesta matéria!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, a sua intervenção faz-me lembrar aquelas substituições que os treinadores realizam a 5 minutos do fim do jogo com a esperança de conseguirem equilibrar minimamente o resultado.

Risos do PS e do Ministro da Justiça.

Porém, creio que o Sr. Deputado não deu uma ajuda muito substancial à equipa, para falar com sinceridade.
Em primeiro lugar, porque a referência feita à IGAI é reveladora da lógica da acção do PSD.
Em Setembro de 1995 - as eleições ocorreram em Outubro de 1995 -, de facto, o PSD elaborou à pressa um decreto-lei para criar a Inspecção-Geral da Administração Interna; no entanto, devia tê-lo feito não em Setembro de 1995 mas, sim, em Setembro de 1985.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, o PSD apenas quis que as polícias, dirigidas por outro governo - pois, nessa altura, já se sabia quem iria ganhar as eleições -, tivessem uma inspecção-geral, porque enquanto foi governo nunca a quis ter.

Vozes do PS: - Ora bem!

O Orador: - Nós implantámo-la imediatamente e tornámo-la activa! E devo dizer que é extremamente grave o que mencionou sobre a Inspecção-Geral da Administração Interna, porque deu a entender que esta agiu contra a polícia. Ora, a Inspecção-Geral foi um instrumento fundamental para darmos uma cultura democrática às polícias portuguesas, de que hoje todos nos podemos orgulhar. Porventura, há seis anos não teríamos a mesma facilidade em orgulhar-nos como hoje.

Aplausos do PS.

Quanto ao que o Sr. Deputado disse sobre o IGAI, é falso.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É falso?!

O Orador: - Não substituí ninguém; quem saiu fê-lo por sua vontade.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Por sua vontade! Empurrado!

O Orador: - Sei que o Sr. Deputado não recebe lições de cultura democrática, ou não fosse o senhor membro do PSD/Madeira!

Risos do PS.

Sei que não recebe lições de cultura democrática, nem pretendo dar-lhas!

Aplausos do PS.

Não pretendo dar-lhas! Seria, seguramente, uma perda do seu e do meu tempo!
Porém, como o Sr. Deputado sabe, a lei já impõe a audição da Assembleia da República para a nomeação dos directores dos serviços de informações.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não se lembrou!

O Sr. Ministro da Justiça: - Exactamente!

O Orador: - E se o PSD desejar que a lei imponha a audição da Assembleia da República para a nomeação dos responsáveis pelos serviços de segurança terá da parte do Grupo Parlamentar do PS - assim o espero - e do Governo total aceitação. Não temos qualquer problema com isso! Aliás, eram estas as questões que queríamos hoje vir aqui debater,…

O Sr. Ministro da Justiça: - Exactamente!

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O Orador: - … não no último mas, sim, desde o primeiro minuto da discussão!

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

Eram estes os temas que era importante aqui discutir para melhorar o sistema!

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

Portanto, Sr. Deputado Guilherme Silva, depois de um jogo em que os senhores primaram pela ausência,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está enganado!

O Orador: - … no último minuto vem V. Ex.ª colocar a única questão relevante para este debate, encontrando, como é óbvio, da parte do Governo total abertura em relação à mesma.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Fale do Orçamento rectificativo!

Quanto ao Orçamento rectificativo, apresentá-lo-emos quando entendermos, não quando o Sr. Deputado Guilherme Silva entender.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Ah!…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Eu bem disse que ia apresentar!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Dias Baptista.

O Sr. Dias Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, começo por manifestar a minha concordância relativamente àquilo que nos apresentou hoje, por várias razões: em primeiro lugar, porque nos demonstrou ter, nesta matéria, uma política de estabilidade, estabilidade de grande continuidade e, sobretudo, de grande serenidade. Esta é uma questão que importa realçar, porque aquilo que V. Ex.ª nos disse hoje, fundamentalmente, dando sequência ao trabalho que tem sido desenvolvido nesta área, é que a cultura de segurança democrática tem vindo a ser posta em prática. Ela não surgiu agora, como muito bem disse; tem sido a actividade deste Governo - diria mais, tem sido a actividade deste e do Governo anterior, que V. Ex.ª também liderou.
Aliás, o que importará destacar daquilo que V. Ex.ª nos trouxe hoje tem exactamente a ver com o aprofundamento na continuidade. Ou seja, V. Ex.ª procurou, e muitíssimo bem, trazer à colação este tema, lançar as linhas do debate, para que pudéssemos continuar a aprofundar aquela que tem sido a política que temos vindo a pôr em prática. Lamentavelmente, a oposição não foi capaz de discutir aquilo que era importante discutir, ou seja segurança interna, e manifestamente faltou a este debate; faltou a este debate porque não foi, não é e não será capaz de questionar. O quê? Por exemplo, não é capaz de desmentir, por se tratarem de números indesmentíveis, o facto que V. Ex.ª aqui nos trouxe hoje: desde 1996 até hoje há mais 5000 agentes na PSP e na GNR. Portanto, manifestamente entende-se que o PSD não tenha querido ir a debate sobre esta matéria. Porquê? Porque, obviamente, estes são factos indesmentíveis, irrecusáveis!
Por outro lado, o PSD também não foi capaz de questionar, porque não quis, porque não tinha argumentos para o fazer, a nova política de proximidade que a PSP e a GNR - e muitíssimo bem - têm vindo a pôr em prática nestes dois mandatos. Esta também é uma diferença qualitativa! Também é disto que se trata hoje aqui, também era isto que se deveria ter debatido hoje aqui, porque a política do PSD, como todos bem estamos lembrados, aquela que ele tinha em prática no tempo do seu governo, era a das superesquadras.
É importante trazer hoje à colação essa matéria, porque, como é manifesto, estamos a tratar de duas visões diametralmente opostas sobre o que é a segurança e, sobretudo e fundamentalmente, sobre o que é o relacionamento dos agentes de segurança com o cidadão. E também era importante que esta matéria tivesse sido debatida, mas, também sobre ela, o PSD não foi a debate. E não foi a debate porquê? Manifestamente, porque sobre esta área o PSD não tinha, não tem e continua a não ter hoje ainda uma visão alternativa - e esta é a grande questão.
A grande questão é que V. Ex.ª trouxe hoje para debate, apesar de uma linha de estabilidade e de continuidade, um aprofundamento. E sobre esse aprofundamento o que foi possível constatar? Foi possível constatar que o PSD não tem propostas alternativas, e como assim é não foi capaz de discutir, por exemplo, aquilo que queremos aprofundar no que respeita à nova coordenação dos sistemas de segurança.
V. Ex.ª, e muito bem, informou-nos que está disposto a assumir novas responsabilidades. Sobre isso o que disse o PSD? Nada! Porquê? Porque manifestamente essa é uma problemática que não interessa ao PSD; o PSD não tem uma política alternativa, não é capaz de se afirmar como um movimento alternativo. E isto é lamentável. É lamentável porquê? Porque necessitamos de ter uma oposição forte, uma oposição credível, para passar para o País uma mensagem de grande segurança, de grande estabilidade e, sobretudo, a de que continuamos a apostar numa política de segurança onde sejam salvaguardados e defendidos, sempre, os direitos fundamentais, liberdades e garantias.
V. Ex.ª, por aquilo que hoje nos trouxe aqui, assumiu que continuaremos a ter essa política. Por isso gostava de saudá-lo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Dias Baptista, antes de mais, agradeço a sua intervenção.
Tendo a informação da Mesa de que não há mais Srs. Deputados inscritos, quero agradecer ao Parlamento este debate e afirmar que esta não é uma matéria para um debate mas, sim, para uma preocupação permanente.
Assim, o Parlamento pode contar com o Governo para um trabalho activo, permanente e empenhado para que a cultura democrática de segurança esteja cada vez mais enraizada na acção do Estado e na vida da sociedade.

Aplausos do PS, de pé.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado o debate mensal com o Parlamento, vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de resolução n.os 109/VIII - Constituição de uma comissão especializada de acompanhamento e de controlo de execução orçamental (CDS-PP) e 159/VIII - Cria uma comissão parlamentar de controlo da execução do Orçamento do Estado (PS).
Para introduzir o debate, em representação do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que devo acentuar, ao apresentar o projecto de resolução subscrito pela bancada do CDS-PP, dois vectores essenciais.
O primeiro relaciona-se com algumas precisões de natureza técnica que julgo importante sublinhar. Como é de todos conhecido, já antes da aprovação da nova lei de enquadramento orçamental, mas, sobretudo agora, por força da interpretação que faço do regime constante dos artigos 55.º a 68.º de tal diploma,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - …se reclama, a nosso ver, a existência de uma comissão parlamentar especificamente destinada a concretizar o controlo político da execução orçamental.
É a própria lei que define o conteúdo de controlo da execução orçamental nos termos do artigo 55.º, que me escuso, naturalmente, de referir. Este controlo, como todos sabemos, pode ser administrativo, jurisdicional e pode e deve ser um controlo político. Compete, por consequência, à Assembleia da República apreciar a Conta Geral do Estado e acompanhar a execução orçamental, sendo obrigação do Governo, para esse efeito, enviar mensalmente a esta Casa relatórios sobre a execução do Orçamento do Estado e trimestralmente os restantes elementos informativos previstos também na lei que acabo de citar.
Da análise do conteúdo do projecto de resolução apresentado pelo meu grupo parlamentar retira-se uma manifesta e evidente articulação entre o Tribunal de Contas e o Parlamento que carece, a nosso ver, de maior eficácia.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso mesmo, e nesse sentido, entendemos que essa eficácia passa por uma actividade que considero muito nobre, se não uma das mais nobres, deste Parlamento, que é proceder ao acompanhamento da execução orçamental.
Não me importaria, antes gostaria, de dizer o que para nós, no contexto deste projecto de resolução, deve entender-se como acompanhamento e controlo da execução orçamental. Este acompanhamento, a nosso ver, pressupõe a informação actualizada, quase diria em tempo real, da execução orçamental, das operações de gestão da dívida pública, do recurso ao crédito público e dos fluxos financeiros entre Portugal e a União Europeia. É nisto, a nosso ver, que consiste verdadeiramente a fiscalização política da execução orçamental, ou seja, conhecer actualizadamente os dados concretos da execução orçamental em todos os seus aspectos relevantes.
Em segundo lugar, gostaria de salientar que a proposta de resolução que ora apresentamos tinha toda a razão de ser, a nosso ver, até por aquilo que se retira do Direito comparado. Como sabem, a experiência que colhi, por exemplo, no Parlamento Europeu, onde existe uma comissão de controlo orçamental com resultados efectivos e práticos, com uma actividade de grande competência, aconselhava-nos a procurar também no Parlamento português, tal como ocorre, deixem-me também dizê-lo, com a generalidade dos Parlamentos dos países comunitários, a consagração de uma comissão especialmente vocacionada para, repito, conhecer quase em tempo real os dados da execução orçamental.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Sr.as e Srs. Deputados, para além destes aspectos gostaria ainda de salientar um outro: no tempo em que as instituições têm sido, alguma vezes e por diversas ocasiões, postas em causa, sobretudo na forma e na dignidade com que vão desempenhando estes trabalhos, a nossa proposta procura contribuir para uma maior dignificação do Parlamento nacional.
Eu sei, porque dela faço parte, que a Comissão de Economia, Finanças e Plano tem competências muito amplas nestas áreas, mas também sei, por experiência própria, que a especial vocação de controlar em tempo real, repito, os dados da execução orçamental pode ser de extrema importância para aquilo que há pouco referi como sendo uma das tarefas mais nobres que compete aos Deputados.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Entendo que fiscalizar a acção do Governo não é apenas discutir anualmente o Orçamento ou os rectificativos que o Governo entende apresentar quando lhe parece adequado.
Julgo que também por esta via, porque talvez com uma comissão de acompanhamento e controlo orçamental o próprio Parlamento fique habilitado a pronunciar-se sobre a matéria, a minha bancada dá um contributo muito sério para que a dignidade e o exercício da actividade que aqui realizamos e para a qual fomos eleitos, possa ser incrementada e, sobretudo, dignificada.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Por consequência, a proposta de resolução que aqui apresentamos tem como único objectivo reforçar os poderes deste Parlamento em matéria de acompanhamento da execução orçamental.
Permitam-me, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, dizer-vos que quero passar a conhecer todos os dados dessa execução orçamental.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Só assim é possível, mesmo na discussão do Orçamento, tecer considerações apropriadas e correctas relativamente às propostas que nos aparecem.
Por consequência, Sr. Presidente da Assembleia da República, Caras e Caros Srs. Deputados e Membros do Governo, é com este objectivo exclusivo de dignificar o trabalho da Assembleia da República…

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

A Oradora: - … que esta proposta é apresentada e que, apesar de tudo, espero que venha a ser aprovada.

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PS.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que caracterize a matéria da ordem de trabalhos que considera em causa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, é sobre o Despacho n.º 86/VIII, do Sr. Presidente, no qual solicita um conjunto de pareceres.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, em Fevereiro deste ano e a propósito de dois projectos de resolução anteriores, mas de teor idêntico embora apontados para a criação, na altura, de comissões especializadas permanentes nesta matéria, o Sr. Presidente elaborou o Despacho n.º 86/VIII, no qual solicita, na parte final, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e à Comissão de Economia, Finanças e Plano, pareceres sobre o mérito, a oportunidade e as vantagens ou inconvenientes da criação deste tipo de comissão, embora, na altura, no quadro da comissão permanente, se bem que, no fundamental, o conteúdo seja o mesmo.
A minha interpelação é no sentido de saber se o Sr. Presidente recebeu estes pareceres e se, caso de os ter recebido, os pode mandar distribuir pelas bancadas.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Não os recebeu!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, suponho que não os terei recebido, senão já os teria mandado distribuir.
Para, em nome do seu grupo parlamentar, apresentar o projecto de resolução n.º 159/VIII, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por dizer que comungo inteiramente das intenções e afirmações da Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona. Mas, porque tenho uma peça escrita e porque temos também responsabilidade na origem deste debate, vou ler a minha peça.
Há um ano, no decurso do debate do Orçamento do Estado para 2001, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propôs a criação de uma comissão inteiramente dedicada ao acompanhamento e controlo da execução do Orçamento. A criação de uma comissão com esta finalidade é absolutamente imprescindível e inadiável. Como se disse há um ano «a realidade é que o nosso Parlamento se interessa pela votação do Orçamento, mas é excessivamente ausente, para dizer o mínimo, no que toca ao acompanhamento da sua execução.
A experiência de outros países mostra que é no controlo da execução orçamental que está a chave do controlo da despesa pública.
Por isso, quase todos os Parlamentos na Europa têm uma comissão de controlo orçamental (ou das contas públicas). É tempo de a Assembleia da República reconhecer honestamente que para desempenhar adequadamente as suas responsabilidades passe a trabalhar de modo muito diferente».
O tempo decorrido desde esta solicitação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista só reforçou as poderosas razões a favor de uma nova dinâmica de presença constante, profunda, fundamentada e consequente da Assembleia da República num campo tão vasto como o da execução orçamental.
A situação actual é insustentável. Bastará ter presente que os trabalhos de controlo orçamental raramente ocupam à comissão parlamentar, hoje, nominalmente responsável por esse domínio.
De facto, no ano 2000 apenas quatro temas foram debatidos em comissão especializada, a saber: a Conta Geral do Estado de 1997; um encontro com magistrados e dirigentes do Tribunal de Contas, sob a forma de colóquio ou simples mesa redonda para busca de informação; numa reunião com o Ministro das Finanças, os perdões fiscais à banca; numa audição, a gestão financeira da Sociedade Parque EXPO 98, S. A.
De 2001 até o dia de hoje apenas foram debatidos três temas: numa reunião com o Presidente do Tribunal de Contas, o relatório do TC 08/2001; numa reunião com o Ministro do Equipamento Social, as SCUT, para efeitos de esclarecimentos de natureza financeira; numa reunião com o Ministro das Finanças, o cumprimento ou o incumprimento do Plano Mateus.
Portanto, quatro temas de controlo orçamental em 2000 e três em 2001 em sede de comissão especializada.
Por muito que nos custe a todos - e custa -, é claríssimo que na Assembleia da República o controlo orçamental em sede de comissão especializada tem um défice insustentável, próximo do zero operacional.
É da mais elementar justiça reconhecer e prestar homenagem ao intenso e profícuo labor da comissão especializada que, teoricamente, se deveria ocupar do controlo orçamental. Desde 2000 essa Comissão teve mais de 70 reuniões, algumas delas com agendas altamente complexas. O que sucede é que não lhe sobra tempo nem tem vocação para fazer do acompanhamento e controlo do orçamento a sua razão de ser. A causa não é a inactividade ou desinteresse das actuais estruturas, a causa real é a inexistência de uma comissão inteiramente dedicada ao acompanhamento e controlo da execução, lacuna que os dois projectos de resolução do PS e do CDS-PP visam suprir.
Para mais, a nova Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado aprofundou e desenvolveu muito significativamente os capítulos dedicados ao controlo da execução, introduzindo inovações que exigem um trabalho muito mais estruturado por parte da Assembleia da República, como muito bem sublinha a nota justificativa do projecto de resolução do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, para a qual remeto a atenção dos Srs. Deputados.
A cooperação institucional Assembleia da República/Governo, com vista à melhoria da qualidade da despesa pública, é uma pedra angular da nova Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado. Para que o Parlamento possa estar à altura das suas responsabilidades terá de pôr, urgentemente, de pé novas estruturas e dotá-las de meios mínimos adequados - a urgência desta exigência é evidente -, procurando obstar a eventuais entraves formais, em especial de natureza regimental. Assim, propomos a possibilidade de criação de uma comissão eventual apta a funcionar desde o início do Orçamento de Estado para 2002. Esta comissão eventual não substituirá qualquer comissão já existente, antes reforçará a capacidade de intervenção de todas as outras e de cada uma delas na sua esfera própria.
Finalmente, desejo saudar o interesse que o Governo tem posto na criação desta comissão. Muito em especial,

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relevo as declarações públicas do Sr. Ministro das Finanças a favor da transparência e da aberta colaboração com a Assembleia da República em tudo o que se refira às contas públicas. A sua presença neste debate é prova, precisamente, do interesse que o Governo dedica a este assunto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PS confia na convergência do voto favorável de todos os grupos parlamentares, no sentido de a Assembleia da República criar e pôr a funcionar, ainda este ano, este novo instrumento de controlo democrático das receitas e despesas públicas.
O escrutínio permanente do rigor e eficácia do Orçamento não pode continuar a ser uma tarefa parlamentar acessória, terá de ser uma das tarefas fundamentais do nosso Parlamento, porque da seriedade com que nos desempenharmos desta nossa responsabilidade depende também a credibilidade da Assembleia da República e do próprio Governo; logo, das instituições democráticas no seu conjunto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, lembrou o Sr. Deputado João Cravinho, e bem, que a formulação originária da proposta que hoje estamos a apreciar sob a forma de projectos de resolução, do PP e do PS, foi apresentada há um ano atrás. Tem sentido que se reforce neste Parlamento a capacidade e a responsabilidade de controlo das contas públicas, de controlo da execução orçamental, e, portanto, de verificação dos passos que respeitam à utilização dos dinheiros, que são um dos primeiros motivos pelos quais se fundou o parlamentarismo.
Importa, no entanto, perguntar o que é que aconteceu no ano que transcorreu entre a proposta e a discussão destes projectos de resolução. Pode dizer-se que houve motivos fortes para reforçar o sentido e a urgência desta ideia: tivemos, pela primeira vez, um Orçamento rectificativo no 1.º semestre; pela primeira vez temos dois Orçamentos rectificativos no mesmo ano, um dos quais «cavalga», antes e depois, o Orçamento do Estado para 2002.
Portanto, deste ponto de vista, verificar-se-á que, não se tendo adoptado esta proposta, nem se tendo resolvido os problemas políticos importantes, regimentais e outros, que ela convoca, se perdeu tempo. Mas, ao se ter perdido este tempo, nada se ganhou na maturação da proposta que hoje é submetida a Plenário.
Disse-nos a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona que, em tempo real e com todos os dados, poderíamos acompanhar, por via desta comissão, assuntos tão relevantes como a dívida pública, o recurso ao crédito, a execução orçamental, etc.
Sabemos, no entanto, que nas condições actuais esta votação será uma boa intenção e um voto piedoso por uma boa intenção. A proposta do PS chega a dizer que, cumprindo o Governo as suas obrigações, o Parlamento, a não votar, hoje, este projecto de resolução, ficaria inerte, recebendo, sem ler, a formidável massa de dados que passa agora a ser-lhe enviada. Sugere mesmo que seria na execução e na preparação do Orçamento do Estado para 2002 que esta comissão, submetida à votação no dia 31 de Outubro, já poderia ter efectividade.
Não acontecerá tal! Mas, mesmo não acontecendo isso em relação a este Orçamento, é difícil de ver como é que as condições propostas pelo CDS-PP ou pelo PS podem verificar-se, porque as condições para que esta comissão, qualquer que seja a sua formulação, tenha capacidade para resolver toda a complexidade técnica exigida por este tipo de acompanhamento não estão, de forma nenhuma, garantidas. Para isso era preciso que, pelo menos, nos debruçássemos sobre dois problemas fundamentais, que, creio, neste debate não devemos ocultar.
Em primeiro lugar, é preciso contextualizar a formação desta comissão na alteração do Regimento, e não há nenhuma razão para que essa alteração não se conclua. Há condições políticas, o trabalho está feito, o debate prosseguiu na 1.ª Comissão e temos hoje condições para, em Dezembro, em Janeiro, o mais cedo que quiserem, definir, assim que termine o debate do Orçamento, a configuração nova de um Regimento, incluindo a definição geral das comissões, que dê o lugar de relevo à comissão que desempenhe esta tarefa.
Introduzir esta comissão de uma forma atamancada, sem resolver esse quadro de responsabilidades, vai criar mais problemas do que aqueles que permite resolver.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Mas estamos à altura? É possível, mas tem de haver consenso suficiente neste Parlamento para que, num prazo útil, se resolva o problema do impasse regimental. É até estranho e inconfessável por que razão isso não foi feito até hoje.
Mas há um segundo problema que também podemos resolver, o das assessorias e da capacidade. Forme-se esta comissão. Terá ela capacidade para executar, em tempo real, para conhecer, para se informar, para ir investigar, para verificar, para contrariar informação, para pedir esclarecimentos? Não terá! Qualquer que seja a competência da sua presidência e a boa vontade dos seus participantes, é certo e sabido que não terá meios técnicos e de investigação, porque não há um regime de assessorias suficientes neste Parlamento, o que é uma das suas principais deficiências e que, neste caso, será penalizadora da boa vontade desta comissão.
É por isso que o que se promete não pode ser cumprido, e perdeu-se o tempo necessário para dar a credibilidade, a força e o consenso para uma votação satisfatória de uma proposta que aponta para um problema tão importante como o destes dois projectos de resolução que estamos a considerar.
É por isto que proponho aos Grupos Parlamentares do PP e do PS que reconsiderem a utilidade desta votação imediata.
Creio que teria sentido retirar estes projectos de resolução e obter o consenso, através de uma proposta comum, por forma a, no contexto da revisão regimental e da discussão sobre as assessorias e os meios, votar-se, num prazo curto, tão curto quanto quiserem, um projecto de resolução do qual resulte uma comissão de meios, uma comissão de controlo orçamental, que não seja questionável e que consiga cumprir todas as tarefas que, com tanta nobreza e com tanto sentido de responsabilidade, são apontadas nas «Exposições de motivos» destas propostas.
Sabendo que estas propostas são irrealizáveis, sabendo que o tempo não é o tempo certo e que não há condições para executar aquilo que se propõe,…

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O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - … seria do pior sentido de irresponsabilidade fazermos precipitar, agora, uma votação para a qual não há credibilidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Controlo da execução do Orçamento do Estado, controlo das contas públicas e, em particular, controlo político é algo que há muito reclamamos nesta Assembleia e que não só o PCP mas todos os partidos da oposição se têm batido. Portanto, é óbvio que, nessa matéria, estaremos todos de acordo quanto à necessidade de serem criadas as condições nesta Assembleia para que essa função política do Parlamento se cumpra.
No entanto, Sr. Presidente, se ela não se cumpre, designadamente para o controlo em tempo real, como a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona afirmou, não é, seguramente, em parte pelo menos, culpa deste Parlamento. Basta dizer que, por exemplo, o Tribunal de Contas reclama há muito tempo uma ligação entre os terminais informáticos do Ministério das Finanças e os seus próprios terminais para o tal controlo jurisdicional, em tempo real. Coisa que, até hoje, não aconteceu!
Mas voltemos ao tema que está em discussão.
Estando de acordo com o que é óbvio, é evidente que estes projectos de resolução nos levantam as mesmas perplexidades e as mesmas dúvidas que verifico que estão contidas no despacho do Sr. Presidente, a propósito de outros projectos de teor idêntico, apresentados na passada sessão legislativa. No fundo, traduzem-se na dificuldade de a competência específica que se pretende vir a atribuir a esta comissão - seja ela permanente ou eventual - ser já da Comissão de Economia, Finanças e Plano.
É que, hoje em dia, temos uma comissão que é competente em matéria orçamental e é algo incongruente que a comissão que é competente em matéria orçamental não acompanhe, depois, a execução desse instrumento, que é o Orçamento, em relação ao qual ela é que é competente para o discutir e votar, designadamente na especialidade.
Portanto, separar estas funções não tem sentido lógico. E não me venham dizer - e aí compartilho com algumas das preocupações do Sr. Deputado João Cravinho - que, por razões que não vêm agora ao caso discutir, tem havido dificuldades na própria execução desta função da Comissão de Economia, embora duvide que seja só por responsabilidade dela própria…!
Mas essa é uma questão de operacionalização. Criamos uma subcomissão de contas públicas, como já existiu? Damos meios à Comissão de Economia, até de assessoria, como já foi referido, que permitam que esta exerça, em tempo pleno, as suas funções de controlo político da execução do Orçamento, para a qual ela tem competência no debate da sua aprovação? Essa é, repito, uma questão de operacionalização. Não confundamos questões de operacionalização, questões de funcionamento, com o elenco e a composição das várias comissões.
A aprovar-se a criação desta comissão no sentido de melhorar os processos de acompanhamento da execução orçamental - e tão necessários eles são… Aliás, ainda ontem, Sr. Ministro das Finanças, verificámos na Comissão de Economia, aquando do debate do orçamento da saúde, que o Governo, agora, parece que quer esconder as contas da saúde, sem as quais não há debate na próxima semana - diga-se, desde já e de passagem. Naturalmente que, se tivermos um acompanhamento, em tempo permanente, da execução orçamental, isso poderá obviar a estes pequenos malabarismos que o Governo quer fazer!
Mas, Sr. Presidente, como eu estava a dizer, a aprovar-se a criação de uma nova comissão no sentido de melhorar os processos de acompanhamento da execução orçamental para começar a funcionar já, como, aliás, foi referido, obriga a uma recomposição das comissões. Obriga, seguramente, a transferir competências que hoje são da Comissão de Economia para a futura comissão de execução orçamental.
É isso que se quer? Quer propor-se que a Comissão de Economia passe a tratar os grandes temas das actividades económicas - a indústria, o comércio, o turismo - e deixar para uma comissão específica tudo o que é matéria orçamental? É possível! No entanto, essa questão merece uma reconsideração mais de fundo sobre a composição e o elenco das comissões permanentes.
Parece-nos, assim, que estes dois projectos de resolução, abordando uma questão de fundo sobre a qual todos estaremos de acordo, foram feitos com alguma precipitação, neste momento e nesta oportunidade. Não sei se para resolver alguns problemas de equilíbrios internos de alguns dos partidos proponentes…!?
Penso que esta matéria, que é séria, deveria ser abordada com mais cuidado, no tempo próprio, de forma a verificarmos que elenco de comissões é que temos, quais as competências de cada uma e, então, a partir daí, avançarmos para a criação de uma comissão, se for o caso, que, sendo importante, deveria merecer o consenso de todos, porque se trata de uma matéria tão significativa como é a do controlo da execução orçamental.
Estamos disponíveis para discutir essa questão, mas parece-nos que, nestes termos e no momento em que se pretende criar essa comissão, sem essa reconfiguração global, pelo menos em relação à Comissão de Economia, vamos criar uma comissão que «cavalga» uma outra comissão com competências de teor idêntico, criando um problema de funcionamento dentro da própria Assembleia.
É por isso que também apelo aos partidos proponentes que deixem baixar os dois diplomas em discussão a uma comissão desta Assembleia, de forma a que possamos, em sede própria, com tempo, com ponderação, em articulação com a Conferência de Líderes, prefigurar e definir uma solução para esta questão que está agora levantada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho alguma dificuldade em falar sobre esta matéria sem, pessoalmente, me sentir envolvida nela, já que há vários anos que sou Presidente da Comissão de Economia, e não deixo de considerar, muito claramente, que está aqui subentendida uma crítica à função da Comissão de Economia. Crítica essa que, obviamente, assumo e dou a cara por ela!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Ó Sr.ª Deputada!

A Oradora: - Sim, Sr. Deputado. E vou explicar porquê.

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Sr. Presidente, numa altura em que as instituições têm estado, como disse a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, postas em causa, numa altura em que se considera que uma das funções mais nobres do Parlamento é o controlo orçamental, vemos dois partidos políticos a dizer que esta Assembleia não tem feito controlo orçamental. Acho verdadeiramente lastimável que, ao dizer isto, tenhamos «dado um tiro no pé» desta forma pública. Estes Srs. Deputados consideram que a Assembleia não tem feito controlo orçamental, ou seja, não tem desempenhado a função mais nobre que lhe está atribuída.
Sr. Presidente, é evidente, pelo que não vale a pena escamotear essa situação, que compete à Comissão de Economia não só toda a fase de preparação do Orçamento como o controlo da execução orçamental. Ou através da Comissão de Economia ou através de subcomissões, a verdade é que o controlo da execução orçamental é da competência da Comissão de Economia - aliás, nem poderia deixar de o ser. Isto porque não é possível a uma comissão fazer o acompanhamento do controlo da execução orçamental, se esteve totalmente alheada da preparação do Orçamento. Portanto, é evidente que não se espera semelhante «milagre» com duas comissões separadas.
Todos estamos de acordo, Sr. Presidente - penso que isso é unânime - de que é necessário reforçar os meios de controlo da execução orçamental, aperfeiçoá-los e, provavelmente, até, iniciá-los de alguma forma nova. Penso que esse é um facto em relação ao qual estamos todos de acordo. No entanto, Sr. Presidente, não deixo de dizer que o desejo, muito meritório, da Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona de querer analisar em tempo útil, em tempo real, no momento próprio, as informações que nos conduzem à apreciação da execução orçamental é, com certeza, um desejo que todos temos, que tem o Tribunal de Contas, mas é algo que, como já foi dito, não se consegue executar.
Sr. Presidente, no ano passado e, mesmo, este ano, tivemos atrasos enormes na informação sobre a execução orçamental mensal, que o Governo tem, mensalmente, de produzir, sem os quais não poderíamos fazer qualquer espécie de controlo. O Governo, quando os dados começaram a ser menos ajustados aos seus desejos, pura e simplesmente, deixou de os fornecer.
A Comissão de Economia não é uma comissão de inquérito, que eu saiba, mas uma comissão normal de funcionamento na Assembleia. Não sendo uma comissão de inquérito e não estando estabelecidas as fórmulas de termos acesso a esses dados, como é que vamos, de repente, só porque se criou uma comissão, ter acesso a eles?
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não me esqueço que, quando chegámos à Comissão de Economia, na anterior legislatura, estavam por analisar mais de seis contas públicas. E isso, Sr. Presidente, não era nem por falta de capacidade dos Deputados, nem por falta de capacidade de quem, na altura, liderava a Comissão de Economia. Era, com certeza, porque não havia fórmula nem apoio técnico. De tal forma que foi necessário pedir-se apoio técnico externo para se poder fazer essa análise.
Ora, isto significa que há um conjunto de coisas que são absolutamente essenciais para que o trabalho seja, efectivamente, conseguido e que, não o sendo, não se resolve apenas com a criação de uma comissão. Bem pelo contrário: penso que a criação de uma comissão fará com que se pense que tudo se vai resolver através dessa comissão e deixa-se de ter em atenção os elementos que são necessários.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, Caros Colegas, se se considerar que o problema incide sobre a forma de funcionamento da Comissão de Economia, penso que há formas de o resolver: substituindo as pessoas que têm estado à frente dessa Comissão…

Vozes do PS e do CDS-PP: - Não é isso!

A Oradora: - … ou pondo a funcioná-la de outra forma. Não se considera, Sr. Presidente, que seja susceptível de resolver todos os problemas técnicos que rodeiam o controlo da execução orçamental apenas com a criação de uma comissão à parte da Comissão de Economia, comissão essa que, mais uma vez, digo, não tem o mínimo dos sentidos se não tiver acompanhado a preparação do Orçamento.
Penso que o Sr. Deputado João Cravinho é uma pessoa mais do que suficientemente instruída nessa matéria para saber que não tem a mínima possibilidade de fazer um acompanhamento rigoroso do controlo orçamental, nem o saberá fazer, se não tiver acompanhado a forma de preparação do Orçamento. Isto, em duas comissões, não tem sentido.
Sr. Presidente, para terminar, diria mais uma coisa: se esta Assembleia der o sinal de constituir uma comissão de controlo orçamental e não entregar a direcção dessa comissão à oposição, então, estamos perante, verdadeiramente, algo que eu diria… aliás, não direi, porque é uma palavra que, provavelmente, o Sr. Presidente diria que eu não devia pronunciar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma segunda intervenção, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, não esperava, de facto, da parte do Parlamento, esta reacção pessoalizada e emotiva a uma tentativa muito séria e muito honesta de reorganizar o trabalho e de o levar a cabo.

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, peço imensa desculpa, mas não aceito qualquer imputação de qualquer outra intenção que não tenha sido aquela que eu aqui disse, relativamente aos objectivos que me nortearam quando apresentei o projecto de resolução.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Quase que me apetece dizer que parece que estamos nalguns sectores onde, quando se apresenta alguma coisa de novo, toda a gente diz «não pode ser!».
Peço imensa desculpa, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, mas eu não aceito, eu não fico quieta a ver funcionar mal uma coisa que considero que está a funcionar mal. Isto não tem implícita qualquer crítica à Comissão de Economia, Finanças e Plano, até porque eu faço parte dessa Comissão e julgo que todos farão o favor de reconhecer que tanto eu como todos os meus colegas que ali trabalham desempenham com grande dignidade as suas funções.

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O que está em causa é outra coisa. O que está em causa é o acompanhamento da execução orçamental, se possível, em tempo real, como deve ser feito por qualquer Parlamento responsável e que tem a função de fiscalizar as contas do Estado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

A Oradora: - Não aceito o que ainda noutro dia aconteceu: estávamos a discutir um orçamento na Comissão e, pelos dados do mapa, eu própria e um meu colega Deputado chegámos à conclusão de que havia um acréscimo de 6,7% em determinada verba do orçamento, mas - espante-se! - não havia, estávamos a ver mal!
Não aceito nenhuma imputação de qualquer crítica relativamente à oportunidade e à intenção desta proposta que fiz - aliás, parece que hoje estamos em dia de se pretender qualificar como oportunas ou inoportunas as propostas que vêm sendo formuladas. Apresento esta proposta com objectivos muito sérios no sentido da reorganização e do melhor funcionamento daquilo que considero ser uma das minhas principais e nobres actividades… É por eu ser novata nestas andanças?! É por só agora ter assento na Comissão de Economia…?! Deixem-me dizer-vos que, se for por isso, ainda bem!

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PS João Cravinho.

O Sr., Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, importa que sejamos objectivos em torno desta matéria e que procuremos encontrar soluções práticas, operacionais e que prestigiem a Assembleia no exercício das suas funções.
A quem diz não ser possível - e sublinho «não ser possível» - desempenhar as funções de controlo orçamental sem exercer, ao mesmo tempo, a função de exame prévio do Orçamento e a respectiva votação, devo responder que, então, trata-se de uma impossibilidade falsa, pois tal verifica-se nos mais diversos Parlamentos deste mundo.
Por exemplo, no Parlamento Europeu, há três comissões: uma, a comissão de controlo orçamental; uma segunda, a comissão orçamental, distinta da primeira, embora muitas vezes composta pelos mesmos membros, o que é outra questão; uma terceira, a comissão de economia e política monetária. Portanto, são três as comissões que se debruçam sobre economia e política monetária.
No Parlamento inglês, que, por acaso, é «a mãe» de todos os Parlamentos - mero acaso…! -, há uma comissão de public accounts que não prepara a votação do Orçamento, nem de longe nem de perto! No Parlamento alemão, há uma comissão de controlo orçamental que também não é a que prepara a votação do Orçamento. Mas, atenção, tudo isto são falsidades, tudo isto são impossibilidades…! Eles trabalham pessimamente…! Nós, sim, nós, aqui, é que estamos a trabalhar bem…!
Srs. Deputados, não estou aqui para fazer uma acusação seja a quem for. Pelo contrário, presto uma homenagem ao trabalho intenso, profícuo, extremamente operativo, extremamente complexo, que a Comissão de Economia, Finanças e Plano vem desenvolvendo.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - E já o disse! Não estou a dizê-lo agora, em réplica ao que foi afirmado.
No entanto, há um facto que ninguém neste mundo poderá ignorar, a não ser que se queira que este país viva num mundo de pouco respeito pelas instituições democráticas porque nem sequer reconhece os próprios erros, as próprias disfuncionalidades.
Em 2000, foram quatro os temas analisados pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, em 2001, foram três, apesar de a Comissão ter efectuado setenta e tal reuniões - e digo isto porque fui lá verificar - e apesar de ter examinado quase uma centena de temas! Significa isto que a Comissão está a dedicar-se - e, porventura, muito bem! - a actividades que não são de controlo orçamental e, por um qualquer motivo, não exerce controlo orçamental. Isto é um facto. Dizê-lo não é «dar um tiro no pé», escondê-lo é que é! Aliás, nem sequer se trata de escondê-lo, pois todo o País o sabe e até na televisão já se fala disso.
Portanto, continuamos?! E continuamos a dizer, como se fosse verdadeiro, que exercemos controlo orçamental quando todos sabemos que tal não é verdade?! Há limites para tudo!
Finalmente, debruço-me sobre duas questões colocadas pelo Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Deputado chamou a atenção para a questão das assessorias e disse que não havia meios. Respondo-lhe que esse argumento é válido tanto para a eventualidade da criação de uma comissão eventual como para todas as outras. Portanto, Sr. Deputado, qual é a sua lógica? Destroem-se as outras todas? Pára-se o funcionamento de todas as outras?
A sua observação aborda uma questão de fundo. Eu próprio considero que a comissão a criar vai precisar de muitos meios, e disse-o na minha intervenção. Mas como é que se caminha? «Caminhando», como dizia António Machado, não parando. Faz-se caminho, «caminhando». Isto é evidente.
Portanto, é preciso que esta comissão tenha meios, como é preciso que todas as outras os tenham. Como não há meios ficamos todos parados?! Esse argumento significa que não deveria haver comissões?
Finalmente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propõe a criação de uma comissão eventual de controlo da execução do Orçamento do Estado até que se possa estabelecer o equilíbrio, digamos, no contexto mais geral a que se refere. Se isto for para amanhã, muito bem, esta comissão eventual é imediatamente absorvida, não há perda. Mas se for para daqui a dois anos?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Isso depende de vocês!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, a cujo tempo disponível acresce mais 1 minuto que foi cedido pelo Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Grupo Parlamentar do PSD o tempo que me cedeu.
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado João Cravinho: Quando se faz argumentação de resposta ou de reacção aos discursos que são proferidos deve-se fazê-lo respeitando o que foi dito, ou, pelo menos, é assim que procedemos pela nossa parte.

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Eu não disse que era uma impossibilidade a existência de uma comissão de controlo orçamental.

O Sr. João Cravinho (PS): - Não me referi a si, Sr. Deputado! Por que é que «toma as dores» se não me referi a si?

O Orador: - O Sr. Deputado fez uma referência geral e até a fez olhando para o lado do Hemiciclo onde me encontro.
Como dizia, as interrogações que suscitamos em relação ao momento, à oportunidade e à necessidade de, neste contexto, se reconfigurar o conjunto do conteúdo das comissões não são suscitadas apenas pela nossa parte mas pelo próprio Presidente da Assembleia da República, através de despacho exarado em tempo oportuno que foi distribuído aos partidos. Esta é que é a questão.
Sr. Deputado, não faça um discurso geral e abstracto sobre a responsabilidade do acompanhamento da execução das contas públicas.
Há responsabilidades da Assembleia? Há, seguramente. Há falta de meios na Assembleia? Há, seguramente. Mas, Sr. Deputado João Cravinho, olhe para a bancada do Governo e dirija para lá também a acusação de não disponibilizar em tempo oportuno, no tal «tempo real» que a Sr.ª Deputada refere, nem a nós próprios nem ao Tribunal de Contas, os meios necessários para exercer o controlo de execução das contas públicas.
Portanto, pelo menos neste debate, distribuamos as responsabilidades por todos os protagonistas nesta matéria e façamos uma reflexão mais séria e atempada sobre estas questões.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que um debate como este só prestigia o Parlamento. Iniciativas como estas só prestigiam o Parlamento.
Neste particular, devo prestar duas homenagens.
A primeira, ao próprio Parlamento, uma vez que é uma Câmara de imposto e é uma Câmara de finanças públicas. É a Câmara que tem a total legitimidade relativamente a estes aspectos, não apenas para autorizar a cobrança de receitas e a realização das despesas mas, simultaneamente, para assumir o controlo permanente da respectiva execução.
Integrei sempre, neste Parlamento, a Comissão de Economia, Finanças e Plano e a subcomissão de contas.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Lá isso é verdade!

O Orador: - A segunda homenagem dirijo-a à própria Comissão de Economia, Finanças e Plano, que tem um papel essencial e que o tem desempenhado.
Porém, devo dizer, como sempre disse desde que, há 20 anos, comecei a exercer funções neste Parlamento, que deveríamos adoptar o sistema de existência de duas comissões, uma de finanças e outra de contas. Sempre o disse. Porquê? Porque tal experiência, que, em termos de direito comparado, é a praticada na maioria dos Parlamentos, tem produzido efeitos produtivos.
Mais: as comissões de contas têm uma ligação muito estreita aos órgãos de fiscalização jurisdicional. Esta é que é a questão fundamental.
Não se trata de pôr nada em causa no domínio dos princípios - e repito «no domínio dos princípios», porque não posso dizer algo diferente do que digo há já 20 anos -, uma vez que se torna necessário garantir que o controlo político se harmonize, se articule permanentemente com o controlo jurisdicional. Esta é que é a questão, que é essencial e não pode deixar de ser referida.
Eis porque me permiti intervir: para dizer que este debate prestigia sempre o Parlamento e não põe em causa a Comissão de Economia, Finanças e Plano e muito menos a sua Presidente, que gostaria de saudar especialmente neste momento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Do que se trata é de controlo político.
A transparência é um princípio que não pode deixar de ser assumido e eu próprio o assumo, cabendo-me dizer - e, naturalmente, não me cabe imiscuir no que é uma decisão da Assembleia -,…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … enquanto Executivo, que entendo que é indispensável que haja uma disponibilidade total relativamente ao funcionamento desta comissão.
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, todos os meses, no dia 15, revelamos os números, «faça chuva ou faça sol», isto é, haja bons números ou maus números, uma vez que todos temos de assumir solidariamente as questões que se colocam, e este é um problema de regime, é um problema das instituições. Cada vez mais, é preciso que pensemos as questões da consolidação das finanças públicas como questões de regime, questões que devem unir-nos a todos, nas diferenças naturais, na lógica da alternativa política, a alternância que é a essência da vida democrática.
Nesse sentido, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, entendo dizer neste momento que, para articular um sistema eficaz de controlo político, um sistema eficaz de controlo jurisdicional, um sistema eficaz de controlo administrativo, torna-se indispensável criar coerência, articulação.
Naturalmente, não se trata de divorciar a comissão orçamental e a comissão de contas, trata-se, sim, de compreender que cada uma tem uma função específica e que ambas têm de harmonizar-se e articular-se.
Não posso deixar de exprimir que qualquer que seja a solução encontrada, o Governo está totalmente disponível para aperfeiçoar os mecanismos que garantam a transparência total, uma vez que a mesma salvaguardar-nos-á a todos para sabermos que, na lógica própria do funcionamento democrático, na lógica própria e natural da alternância, ninguém terá surpresas. Este ponto é fundamental.
Nesse ponto poderão contar com todo o meu empenhamento, todo o empenhamento deste Governo, ao dizer que iniciativas como esta só prestigiam o Parlamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente à proposta de resolução n.º 67/VIII - Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho, de 29 de Setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (2000/597/CE, EURATOM) - o próximo ponto da ordem de trabalhos para a parte da manhã - não estão previstos tempos para a sua apreciação, o que significa que nos limitaremos a proceder à respectiva votação à hora

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regimental para votações, tal como acontecerá em relação aos dois projectos de resolução que acabam de ser discutidos.
Assim sendo, está interrompida a sessão e os trabalhos recomeçarão pelas 15 horas.

Eram 13 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente.
Tem a palavra.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 514/VIII - Medidas para a protecção da vítima de tráfico de seres humanos (BE), que baixou à 1.ª Comissão, 515/VIII - Altera a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, criado pela Lei n.º 14/90, de 9 de Junho (PS), que baixou à 7.ª Comissão, 516/VIII - Mecanismos de controlo à realização transparente de sondagens de opinião (PSD), que baixou à 1.ª Comissão, e 517/VIII - Primeira alteração à Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE), que baixou à 1.ª Comissão; proposta de lei n.º 107/VIII - Altera o artigo 305.º do Código Penal, que baixou à 1.ª Comissão.
Foram também apresentados diversos requerimentos.
Nas reuniões plenárias de 18 e 19 de Outubro - ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Alberto e António Filipe; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados João Benavente, Maria Celeste Correia, Fernando Serrasqueiro, Jorge Lacão, Osvaldo Castro, Natalina Tavares Moura, Maria de Belém Roseira e Jamila Madeira; ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, formulados pelos Srs. Deputados José Eduardo Martins e João Amaral; à Alta Autoridade para a Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado José Saraiva; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Margarida Botelho.
Por sua vez, foi recebida resposta a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 19 de Outubro - Maria Manuela Aguiar e Carlos Luís, Eduardo Martins, Isabel Castro, Maria Santos, Heloísa Apolónia, Bruno Vitorino, Virgílio Costa, Aires de Carvalho, Margarida Botelho, Manuel Moreira, Victor Moura, Luís Fazenda, Luís Nobre Guedes, Hermínio Loureiro e Hugo Velosa.
No dia 24 de Outubro - José Barros Moura, Carvalho Martins, António Filipe, Honório Novo, Isabel Castro, Agostinho Lopes e António Pires de Lima, Manuel Moreira, Heloísa Apolónia, Nuno Teixeira de Melo, Mota Amaral, Natália Filipe, Luísa Mesquita, Telmo Correia, António Pinho e Lino de Carvalho.
No dia 24 de Outubro - José Saraiva.

O Sr. Presidente: - Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Maria Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O trabalho de Deputado do mais vasto dos círculos eleitorais portugueses, que é o da emigração Fora da Europa, é sempre de menos para servir comunidades tão distantes entre si, tão diversas e tão grandes.
Há que fazê-lo com a consciência da imperfeição de um sistema de representação minimalista, que é preciso mudar, mas também com a vontade de vencer estas limitações, indo, literalmente, tão longe quanto possível, ao encontro das pessoas, a ouvi-las, a aprender com elas e a procurar ser intérprete das suas preocupações e expectativas face ao país de origem.
É a partir desse diálogo incessante no tempo do mandato e no espaço dos quatro cantos do mundo que tentamos gizar as grandes linhas de projectos estruturantes do futuro das comunidades, que exprimem o sentir e as aspirações comuns e devem, por isso, constituir-se nas prioridades da acção política.
Vamos enunciá-las, para que o actual Executivo lhes dê, se quiser e souber, início de resposta no período que lhe resta de existência e, sobretudo, para afirmar a diferença do governo de alternativa social democrata, num amanhã ainda incerto, mas cada vez mais próximo.
São 10 propostas para uma nova política para as comunidades portuguesas do estrangeiro.
Primeira proposta: a imediata alteração da Lei da Nacionalidade para permitir a reaquisição automática e com efeitos retroactivos da cidadania perdida por naturalização no país de acolhimento, antes da entrada em vigor da Lei n.º 73/81.
Há 20 anos a sua restituição, por força da lei, não era possível porque ia pôr em risco, numa maioria de Estados estrangeiros, a segunda nacionalidade aí adquirida. É questão que hoje já se não coloca e, por isso, tomamos a iniciativa de apresentar um projecto de lei para resolver, antes de mais, este problema pontual e gravíssimo. Em Junho desse ano, o PS assumiu, sozinho, a responsabilidade e o odioso de a derrotar.
Segunda proposta: assegurar aos portugueses expatriados um estatuto de igualdade de direitos políticos: direito de voto nas eleições locais, regionais e para o Parlamento Europeu - fora do território da União onde os portugueses não deixam de ser cidadãos europeus; direito de eleger o Presidente da República e a Assembleia da República, nas mesmas condições, com base num caderno eleitoral único, o que o PS inviabilizou numa matéria que exige maioria de dois terços, com isso lhes negando o direito de voto para o futuro.
Atenção particular deve ser dada ao recenseamento, com incessantes campanhas cívicas, envolvendo o movimento associativo, o CCP, os media públicos e privados e, também, em primeira linha, os serviços consulares, que vem sendo mais um obstáculo do que um factor de mobilização, ao menos Fora da Europa. E, naturalmente, o Governo, que tem mostrado a sua insensibilidade neste domínio, impondo regras e práticas desajustadas, por exemplo sobre a prova de residência ou sobre uma simples alteração de morada, que devia ser feita simultaneamente com a das inscrições consulares.
Lembrarei que, em 1980, em apenas 30 dias, no governo de Sá Carneiro, foi possível registar mais de 47 000 novos recenseamentos. Agora, com as inscrições abertas ao longo de todo o ano, assistimos, sobretudo na emigração transoceânica, a um gradual declínio, que urge suster.
Terceira proposta: garantir a igualdade de tratamento no domínio social tanto aos cidadãos, individualmente, como às instituições das comunidades do estrangeiro.

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Para nós, o princípio da territorialidade, que desobrigava o Estado de prestar apoio aos nacionais residentes fora das suas fronteiras, é coisa do passado. Tal como os outros países europeus de grande emigração (a Espanha, a Itália), temos de adoptar, legalmente, sistemas de pensões sociais mínimas para os idosos em situação de pobreza e doença e, também, de conceder subsídios, equitativamente, a instituições que, dentro e fora do País, prosseguem idênticos fins de solidariedade social.
O ASIC é muito menos do que isso - é uma assistência a título de excepção e apenas para alguns, pelo que o que propomos é uma regra geral de igualdade de tratamento.
Outrora, na diáspora, foram sempre as organizações da sociedade civil que se substituíram ao Estado, criando, no Brasil, na Argentina, nos EUA - os mais antigos destinos da nossa diáspora - obras de beneficência, hospitais e sociedades fraternais, algumas de espantosa grandiosidade.
A história repete-se. As comunidades formadas a partir de meados do séc. XX estão envelhecidas e entregues a si próprias. É ainda a iniciativa privada que, sem apoios semelhantes àqueles de que goza dentro do País, tenta, com maior ou menor sucesso, responder ao objectivo de construir, por exemplo, centros residenciais para idosos ou os chamados «lares de dia», ora através das instituições de solidariedade (Caixa de Socorros D. Pedro V e muitas das sociedades beneficentes do Brasil, da Venezuela, da África), ou de paróquias (como as de Danbury ou Elisabeth, nos EUA, ou de Pretória e Benoni, na República da África do Sul), ora de muitos clubes recreativos e culturais (como o First, de Toronto, ensaiou há anos, e agora apoiam, por exemplo, a Seniors Foundation, de Vancouver, ou as associações da área de Sidney ou Wollongong, na Austrália, para falar só das mais remotas, geograficamente).
Quarta proposta: adoptar um programa estratégico para a língua e cultura portuguesas: o ensino da língua que, nas Comunidades do estrangeiro, assume um papel essencial na preservação da sua identidade, não tem sequer uma linha de rumo definida.
Há ensino oficial gratuito ao nível dos primeiros anos de escolaridade na Europa, na África do Sul; há escolas ou liceus de curriculum completo, criados ou fortemente subsidiados pelo Estado, na África Lusófona e em Macau; há ensaios, em marcha lenta, de integração do Português nos curricula locais, em vários quadrantes da rosa dos ventos; e há na maioria das comunidades portuguesas Fora da Europa marginalização, abandono, incumprimento da obrigação constitucional do Estado de assegurar o ensino da língua.
Aí quase tudo se deve ao voluntariado, e, em larguíssima medida, ao movimento associativo, sem que o Estado assuma a sua parte, colaborando nos aspectos metodológicos da aprendizagem do Português como segunda língua, na disponibilização de materiais didácticos, no reconhecimento e valorização dos cursos, na retribuição do labor dos professores, no que respeita a estatuto, vencimento e reforma.
São assimetrias chocantes que se sedimentam, ano após ano, nos Orçamentos do Estado, com milhões de contos canalizados para algumas regiões do Globo e praticamente nada para as outras! Pôr termo a esta dualidade é um imperativo que não implica a «invasão» do Estado no sector do ensino privado, onde ele existe, mas, antes, o seu activo suporte, com garantia de carreiras para os docentes e de livre ingresso para os alunos (nomeadamente, através de bolsas de estudo).
Quinta proposta: política de diálogo com o movimento associativo. O fulcro da política de emigração que idealizamos é a defesa activa dos direitos políticos sociais, culturais e económicos dos cidadãos, mas, para nós, a colaboração das estruturas organizacionais das comunidades é absolutamente crucial para o seu pleno desenvolvimento.
Os problemas dos portugueses ganham em ser vistos e resolvidos no interior das comunidades, em conjugação de esforços entre o Estado e a sociedade civil. É tempo de recuperar a filosofia original dos governos do PSD, que privilegiava o movimento associativo, com as suas ideias e projectos próprios, potenciando a respectiva consecução e, com ela, a presença portuguesa no mundo.
Há que recomeçar um trabalho interrompido de cooperação quotidiana, que poderá passar pela criação de novos mecanismos institucionais, que a operacionalizem da forma mais eficaz, se as lideranças associativas continuarem sem representação directa no Conselho das Comunidades Portuguesas.
Sexta proposta: revalorização do Conselho das Comunidades Portuguesas, como órgão representativo dos cidadãos expatriados e, eventualmente, também do associativismo (se adoptarmos uma solução semelhante à de Itália, que permite a sua participação, em simultâneo, com a dos eleitos por sufrágio universal). O CCP, em qualquer caso, deve ser uma instância de consulta obrigatória em matérias relativas à emigração, com assessoria e secretariado próprios e meios que permitam o regular funcionamento de comissões especializadas. E, na próxima revisão da Lei Fundamental, como perante esta Câmara, já em 1999, propugnei, deveremos plasmar no seu texto o perfil do CCP (iniciativa votada ao sucesso, se pelo menos o partido do Deputado Carlos Luís e o meu próprio nos secundarem...)
Sétima proposta: recondução de serviços públicos do domínio da informação e cultura como o Instituto Camões e a RTP Internacional ao modelo que presidiu à sua instituição pelos governos do PSD na década de 90 - um Instituto Camões vocacionado para o ensino de português aos seus vários níveis e para a co-participação nos eventos culturais das comunidades do exterior, assumindo atribuições que foram, nesta área, as do Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas; e uma RTPI orientada para as comunidades, dando-lhe voz e visibilidade, garantindo o pluralismo partidário, hoje negado escandalosamente, e o enfoque nas políticas e iniciativas do domínio da emigração, que tem sido esquecido, de uma forma sistemática e redutora.
Um decisivo incremento de recursos da RDP Internacional, que se mantém como um bom exemplo de jornalismo objectivo, assim como o tratamento dos media das comunidades, em igualdade com os do interior do País, são outras componentes fundamentais de uma política de informação e promoção cultural à medida de Portugal inteiro.
Oitava proposta: reestruturação da rede consular com melhorias que não sejam apenas de imagem, de fachada, mas também de qualidade de serviços, de desburocratização experimentada pelos cidadãos no seu quotidiano.
Há, sobretudo, que diminuir o fosso que divide uma Europa onde a densificação de postos consulares é aceitável e os grandes países da emigração transoceânica, onde a sua rarefacção é a regra. Uma imediata facilitação do acesso aos serviços para os cidadãos dos quatro continentes despriviligiados, mesmo antes da criação de novos consulados, passa pela generalização das permanências consulares, de esquemas de deslocação de funcionários

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para comunidades mais distantes e pelo aumento de competências dos consulados honorários.
Nona proposta: o acompanhamento dos movimentos migratórios de saída e retorno que persistem ainda que largamente ignorados pelos governos. É imprescindível o reforço das delegações da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas no País e o desenvolvimento de medidas específicas de apoio, nomeadamente, à integração dos jovens no sistema de ensino e à reinserção das mulheres no mercado do trabalho e, de um modo geral, à elaboração de estudos e dados informativos sobre as oportunidades de emigração ou reintegração a partir ou com destino às diversas regiões do País.
Há que saber assumir, politicamente, a realidade de um País de emigração e diáspora que somos ainda hoje.
Décima proposta: inclusão na orgânica do Governo de uma pasta ministerial para as comunidades portuguesas, que é, de alguma forma, uma espécie de pré-requesito para a boa concretização do conjunto de propostas que vos apresentamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Rodeia Machado e Paulo Pisco.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado, que vai dispor de 1 minuto concedido pelo Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Grupo Parlamentar do PSD o 1 minuto que me concedeu.
Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, genericamente, gostaria de lhe dizer que, quanto a algumas questões que aqui elencou, estamos de acordo com elas. No entanto, a Sr.ª Deputada trouxe aqui um rol de situações que não me permitem, tendo em conta o tempo de que disponho, fazer uma análise sobre todas elas.
Gostaria, contudo, de destacar duas questões, a primeira das quais tem a ver com o associativismo nos países de acolhimento, questão extremamente importante e fundamental. Na verdade, o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros para 2002 é extremamente limitativo, diria até que é um espartilho dessa mesma actividade do associativismo português no exterior.
A segunda questão tem a ver com o Conselho das Comunidades Portuguesas, relativamente ao qual estamos preocupados, assim como, também sei, a Sr.ª Deputada e é importante que se diga aqui que, pela parte do Grupo Parlamentar do PCP (já o dissemos e reafirmamo-lo hoje), não fomos parte do problema desse Conselho mas queremos contribuir para a solução das comunidades e para a sua real credibilidade no meio dos emigrantes. Portanto, vamos fazer propostas concretas sobre esta matéria.
Sr.ª Deputada, gostaria de lhe perguntar, uma vez que o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros é extremamente limitativo também para as comunidades portuguesas, se V. Ex.ª está ou não na disposição de aceitar a proposta que o PCP vai fazer sobre esta matéria, isto é, o Grupo Parlamentar do PCP vai propor mais verba no sentido de o Conselho das Comunidades Portuguesas ter, efectivamente, uma capacidade de intervenção que, neste momento, não tem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco.

O Sr. Paulo Pisco (PS): - Sr. Presidente, embora não tenha tido oportunidade de ouvir, desde o início, a intervenção da Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, gostaria de deixar aqui algumas referências relativamente à política de emigração.
Em primeiro lugar, gostaria de referir que é um facto que o PSD tem estado bastante activo relativamente à apresentação de algumas propostas, mas também gostaria de dizer, perante esta Câmara, uma coisa que me parece óbvia: é que o PSD, no seu afã de fazer propostas para a emigração, por vezes, parece-me que quer branquear um pouco um passado de inacção relativamente às políticas de emigração.
Peço-lhe desculpa por dizer isto, mas é, de facto, o que tem acontecido, e refiro aqui o caso das políticas de natureza social que eram totalmente inexistentes no tempo do PSD e que agora têm uma dimensão bastante concreta e visível, com propostas de alteração que vão no sentido de melhorar a assistência social aos idosos carenciados, por exemplo, ou, até, com outras propostas que já contam do próximo programa do Governo. Para mim, parece-me que isto tem uma dimensão bastante importante e que de forma alguma pode ser esquecida.
Gostaria de referir que, relativamente às políticas de emigração, se pode dizer que o Governo do Partido Socialista tem tido, de facto, orientações bastante claras. Teve durante o tempo em que o Sr. Secretário de Estado foi o Eng.º José Lello e que incidiram, entre outras coisas, em duas vertentes que foram essenciais para a afirmação das nossas comunidades e para a boa imagem que elas têm: por um lado, as políticas dirigidas aos luso-descendentes, que tiveram uma atenção que nunca antes tinham tido, e, por outro lado, tudo o que tem que ver com a reforma consular. Estas duas dimensões, que eu gostaria aqui de salientar, são bastante importantes e, de facto, não têm paralelo com aquilo que aconteceu no passado.
Por outro lado ainda, relativamente ao CCP, que foi aqui referido, é uma dimensão muito importante das políticas que tiveram uma concretização material durante um governo do Partido Socialista e é, também, nosso empenho que o CCP possa ser um órgão de representatividade, de grande importância, entre as comunidades portuguesas e os poderes, não só do Governo, em Portugal, e das autoridades portuguesas mas também dos próprios Estados de acolhimento das comunidades portuguesas.
De uma maneira geral, eram estas as questões que pretendia referir relativamente às políticas de emigração, que são uma das marcas distintivas do Governo português.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Maria Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço os pedidos de esclarecimentos formulados pelos Srs. Deputados Rodeia Machado e Paulo Pisco.
Começando por responder ao Sr. Deputado Rodeia Machado, diria que estamos perfeitamente de acordo no que respeita à necessidade de resolver de imediato o impasse em que se encontra o CCP, que foi criado pelo Governo, e que deve por ele ser resolvido ou pelo partido que o apoia, se assim quiser, ainda que, como é natural, com a nossa colaboração.

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Na verdade, chamámos repetidamente a atenção para aquilo que veio a acontecer e estamos dispostos a cooperar para uma solução muito rápida que permita a eleição do Conselho das Comunidades a breve prazo. Por isso, apontamos para uma alteração pontual da lei que permita, por exemplo, o mero prolongamento da disposição transitória. Parece-nos que esta seria a solução ideal para que as eleições se possam realizar de imediato, com o mínimo de atraso possível.
No que respeita ao associativismo, consideramos que se quebrou com os governos do PS um elo de ligação, um clima de diálogo que vinha a ser prosseguido pelo PSD, reconhecendo que no estrangeiro é o movimento associativo, é a sociedade civil que tem mantido as comunidades portuguesas vivas, e não o Estado. Os apoios do Estado, que foram sempre insuficientes, têm sido muito mais insuficientes nestes últimos anos. E, sobretudo, inverteu-se o clima de aproximação que estava gerado. Estamos em sintonia quanto à necessidade de voltar a reencontrar esse clima de confiança e esse élan.
No que respeita às questões colocadas pelo Sr. Deputado Paulo Pisco, queria lembrar-lhe que todos os meios institucionais para o desenvolvimento de uma política das comunidades portuguesas foram criados pelo PSD: a RDP Internacional; o Instituto de Apoio às Comunidades Portuguesas, que depois deveria ser substituído pelo Instituto Camões no que respeita a uma política cultural co-participada com as comunidades e não distanciada delas - como o Instituto Camões, convosco, tem vindo a praticar. E as políticas para a juventude; as políticas para a terceira idade, incluindo o programa inspirador do Portugal no Coração, que se iniciaram no ano de 1980. Há quem já não se lembre, mas eu tenho essa memória!

Protestos do PS.

O mesmo vale para os projectos de igualdade política e, até, Sr. Deputado, para a assistência social!
Agora, é preciso voltar ao passado e tornar a criar serviços de assistência social na África do Sul, na Venezuela… Como sabe, o apoio aos portugueses no estrangeiro começou justamente por serviços de assistência social.
Os senhores criaram o ASIC, que é um princípio na boa direcção. Até admito que, tirando esse aspecto do apoio às comunidades através de serviços de assistência social (que hoje faltam, porque se pensou que a emigração tinha acabado, e não acabou), realmente este seria o ponto fraco das políticas do PSD… Mas eram outros tempos! Eram tempos em que esta emigração iniciada nos anos 50 ainda não estava envelhecida. Não tinha os problemas que tem hoje.
Sr. Deputado, as políticas têm de ser traçadas à medida dos problemas. Hoje, o problema apresenta uma acuidade muito maior do que há 20 anos atrás, quando a grande maioria dos emigrantes era gente jovem. Por isso foram os senhores que tiveram a oportunidade de lançar as políticas, o que fizeram, aliás, de uma forma excessivamente tímida. Nós defendemos uma política de verdadeiras pensões sociais, como os espanhóis, os italianos. Não uma política de apoios pontuais. Os senhores nem sequer tiveram a capacidade de gastar as verbas orçamentadas para apoio social, no âmbito do ASIC, como sabemos.
No que respeita à reforma consular, Sr. Deputado Paulo Pisco, ninguém a nota! Pergunte aos portugueses. O que eles vêem são os atrasos sucessivos na concessão de documentos e uma burocratização cada vez maior. Não se apercebem da melhoria nos serviços dos consulados. E, sobretudo, Sr. Deputado, o mundo da emigração portuguesa não é só a Europa! Enquanto que na Europa há, realmente, uma rede consular aceitável, fora da Europa a rede consular é de uma insuficiência gritante, a maior parte dos portugueses vivem a centenas ou a milhares de quilómetros dos consulados. Nem sequer se tem seguido este princípio que hoje aqui propugno, o de tentar constituir permanências consulares e promover a deslocação de funcionários que possam apoiar in loco as comunidades. Nem sequer isso o Partido Socialista soube fazer.
A emigração portuguesa não é só a emigração portuguesa da Europa. Os problemas que eu aqui trouxe, nomeadamente no que respeita à rede consular, são mais sentidos pelos portugueses de países imensos, como é o caso da Venezuela, Sr. Deputado, onde há apenas dois cônsules de carreira. Compare com a França, com a Alemanha ou com qualquer outro país e veja a diferença.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, sobre a situação laboral de várias empresas em Portugal.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Parece ter chegado novamente a Portugal o tempo das falências, dos salários em atraso e das bandeiras negras. Esse tempo que nós pensávamos que não voltaríamos a ver, nomeadamente neste país cada vez mais europeu e que se pretende cada vez mais desenvolvido em tudo aquilo que o termo tem do seu mais nobre conteúdo.
Este tempo de falências não abrange só os sectores tradicionais, como poder-se-ia pensar. Estende-se às empresas da nova economia e a vários sectores - e nem a comunicação social nem o audiovisual ficam fora destas negras perspectivas.
Assim, só no primeiro semestre deste ano, 906 empresas faliram ou pediram protecção de credores ao abrigo da lei da recuperação. Feitas as contas, constata-se que o ritmo das falências é cerca de quatro vezes superior ao da criação de empresas. Isto porque, enquanto a cadência das falências registou um crescimento de 18% relativamente ao segundo semestre do ano passado, a criação de novas empresas só aumentou 5% no mesmo período, e estes 5% correspondem praticamente na totalidade à construção civil.
Temos, pois, um panorama cinzento que o futuro, a curto prazo, não torna mais promissor. É certo que os números do crescimento deste segundo trimestre são um «balão de oxigénio», mas esse «balão de oxigénio» não chega para olharmos para o futuro e dizer (como, aliás, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, Rui Coimbra, ontem, com louvável clareza, o afirmou) que, até ao segundo semestre do próximo ano, as perspectivas de crescimento não são, seguramente, as melhores.
Perante este quadro, o CDS entende que este é o momento de começar a tratar a sério deste problema, sem demagogias inúteis, sem colagens partidárias prejudiciais, que acabam apenas por prejudicar empresários e trabalhadores.
Os democratas-cristãos discordam claramente da posição daqueles que advogam a passividade, daqueles que dizem: «O mercado resolve tudo, e o mercado não deixará de resolver esses problemas, limpando do funcionamento todas as empresas que não possam subsistir». É uma posição que não se coaduna com um pensamento democrata-

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-cristão, comprometido com a economia e com a sociedade e que vê o mercado como uma forma de melhorar a justiça social e não como um guru que se tem de seguir a qualquer preço e a qualquer custo.
Igualmente, os democratas-cristãos não podem aceitar aqueles que tudo exigem do Estado, aqueles que querem que o Estado se substitua ao mercado e cumpra aquilo que os empresários, as entidades patronais, não puderam ou, em tantos casos, infelizmente, não quiseram cumprir. Digo «infelizmente», porque nós, no CDS, nos preocupamos com as falências que por vezes acontecem, e os empresários e os donos dessas empresas, em vez de ficarem mais pobres, ficam mais ricos. São casos escandalosos que vemos com preocupação e que têm de afectar a consciência de todas as pessoas que se pautam na vida por critérios mínimos de seriedade e de rigor.
Estamos a estudar seriamente o instituto da falência e, oportunamente, introduziremos nesse tema as alterações que a moral e a ética - já não digo a política - necessariamente exigem.
Portanto, a pergunta que se coloca é esta: que fazer perante este quadro? Entendemos que há um primeiro trabalho a fazer: separar as empresas que são claramente inviáveis daquelas que o não são. E, entre aquelas que o não são, há dois tipos de empresas que, em nosso entender, devem ser consideradas de forma separada: aquelas que se viabilizam através de uma reestruturação profunda e aquelas que podem sair da situação em que se encontram com auxílios pontuais e com apoios que as podem, rapidamente, fazer sair da má situação em que se encontram.
Em relação às primeiras, aquelas que são totalmente inviáveis, o que há a fazer é, obviamente, pôr a funcionar o instituto da falência. Em relação àquelas que são inviáveis, não pode o Estado - o Estado ou as instituições financeiras que dele dependem, de uma maneira ou de outra - gastar milhões e milhões de contos quando sabe de antemão que esses milhões de contos não vão levar a nada. É dinheiro que faz falta às outras empresas que se podem viabilizar, é dinheiro que, muitas vezes, não fica nas melhores mãos, é dinheiro inútil que é lançado sobre o problema sem o resolver.
Portanto, em relação a essas empresas, o que há a fazer é rever o instituto da falência.
É inadmissível que os processos de falência demorem anos, anos e anos; é inadmissível que, quando se chega ao apuramento das contas finais, os bens já não existam - normalmente, enriquece quem não devia enriquecer e quem empobrece são os trabalhadores, que estão à espera que lhes paguem os salários em atraso e os credores que, por vezes, ingenuamente aí confiaram os seus dinheiros.
Portanto, o instituto da falência deve também ser objecto de alterações por forma a agilizar o seu funcionamento, dar-lhe transparência e celeridade.
Quanto às outras empresas, no que toca à reestruturação, também aí é importante introduzir alterações. Lançaram-se milhões e milhões de contos em vários sectores sob esta capa de não serem reestruturados (com empresas que eram viáveis), e podíamos citar aqui vários exemplos- não o faremos -, sem qualquer tipo de utilidade social. Não é possível! O apoio do Estado e das instituições tem de ser feito quando é necessária reestruturação sob condição de essa reestruturação se fazer.
Há dias, em relação a uma empresa que tive ocasião de visitar e que se encontra numa situação bem difícil, quando falava com um representante de uma instituição de crédito sobre esse tema, foi-me dito: «Nessa empresa investimos 7 milhões de contos e todo o dinheiro que lá investimos é para nada, 'zero'!, porque a empresa é obsoleta, não é produtiva, tem de sofrer uma profunda reestruturação». Ora, se tem que ter, deve tê-la! E o Estado e as instituições, através dos capitais de risco e de outros meios, obviamente, devem motivar que essas reestruturações se façam.
Também para nós - é bom que fique claro -, a propriedade só é apoiada firmemente como elemento de liberdade e quando serve um fim social. Quando assim não é, quando a propriedade é apenas um meio para enganar terceiros, essa não é a nossa concepção de propriedade. Por isso, também aqui, nessas reestruturações, a matéria tem de ser vista desta forma.
Pergunta-se, portanto, quais as medidas concretas que devem ser tomadas. Vou elencar algumas que, em nosso entender, neste domínio, devem ser tomadas, medidas que vão constar de um projecto de resolução apresentado pelo nosso partido.
A primeira deve consistir na suspensão, novamente, do célebre artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais. Para quem, eventualmente, não o conheça, quero dizer-vos que este artigo 35.º pode implicar a falência imediata das empresas cuja situação líquida «coma» metade do capital social.
Também vos quero dizer que este artigo 35.º tem toda a razão de ser. Porquê? Porque não é crível - e vou dar-vos um número que identifica esta situação - que haja 80 000 empresas portuguesas que há 20 anos, consecutivamente, dão prejuízo. E nada acontece! É uma situação extremamente complexa. Como é possível 80 000 empresas darem prejuízo há 20 anos, consecutivamente, e nada acontecer?! Portanto, este artigo 35.º tem toda a razão de ser.
A pergunta que se coloca é a seguinte: será este o momento oportuno para o pôr novamente em vigor? Nós entendemos que não! Porque a aplicação deste artigo 35.º conduz às falências, e aí é interessante verificar que havia empresas do Estado que teriam de abrir falência imediatamente - os casos da TAP, da CP, da RTP e de tantas outras que poderíamos mencionar. Com efeito, este artigo só não se aplica se houver capacidade de investir dinheiro para aumentar o capital, para o reduzir ou para falir.
Portanto, nós entendemos que este não é momento (estamos em crise e aproxima-se uma recessão) para pôr em vigor este artigo. Aliás, é interessante notar que este artigo 35.º entra em vigor de uma maneira sub-reptícia e, quase diria, dissimulada pelo Decreto-Lei n.º 237/2001, que nada tem a ver com empresas nem falências, cujo artigo 4.º põe em vigor o artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais, sem que o Ministério da Economia, creio, tenha reparado, porque se trata de um decreto-lei originário, apenas e só, do Ministério da Justiça.
Em suma, a primeira medida a tomar seria a da suspensão, de novo, deste artigo 35.º, porque é uma grande falta de consideração pô-lo agora em vigor.
A segunda medida importante que propomos (e que, eventualmente, poderá chocar algumas pessoas) consiste em rever a nossa política de imigração enquanto é tempo. Já aqui o dissemos por várias vezes em matéria de segurança, mas ninguém nos acreditou - e hoje era ouvir o Sr. Ministro…
Este ano entraram em Portugal 100 000 imigrantes, 100 000 imigrantes que vão ocupar disponibilidades e oportunidades que podiam ser aplicadas nos sectores público e privado - muitos deles são brasileiros e ucranianos.

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Acredito que alguns empresários com poucos escrúpulos gostem muito desta política, porque é a forma de obterem mão-de-obra barata e descomprometida,…

O Sr. Presidente: - Agradeço que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
… mas nós não alinhamos nesta situação e por isso defendemos a revisão da política de imigração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS vai apresentar um projecto de resolução em que todas estas medidas fazem sentido. Apenas queremos dizer que este é um tempo em que os gabinetes devem prevalecer sobre a rua e a acção séria, a acção concertada, deve prevalecer sobre os slogans.
Pela nossa parte, é esta a nossa posição, é este o combate que, neste momento, estamos disponíveis para travar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ouvi com toda a atenção a intervenção do Deputado Basílio Horta e queria começar por dizer que o PSD apoiará todas as políticas e medidas que contribuam para a viabilidade e competitividade das empresas portuguesas e, por conseguinte, para melhorar o seu nível de emprego e lutar contra essa chaga social que é o desemprego.
No entanto, gostaríamos de salientar que somos cépticos a que muitas vezes medidas voluntaristas e aleatórias, que foram tomadas no passado, possam vir agora tentar resolver essa questão.
Relembro vários casos nos quais directa e indirectamente participei - casos que já têm 20 anos! -, em que houve da parte do governo uma intervenção directa no sentido de resolver as questões. Desde a reestruturação da indústria têxtil da Covilhã, com o célebre caso Ernesto Cruz, nos anos 1979/80, ao problema da metalúrgica Duarte Ferreira, ao problema da Sotima - com o qual o Sr. Deputado referiu há tempos que estava preocupado -, ao problema das minas de Aljustrel, ao problema do saneamento financeiro das cooperativas agrícolas, ao problema da Lisnave, ao problema da TAP, ao problema da reestruturação da indústria vidreira, se somarmos todos os recursos financeiros que, voluntária e bem intencionadamente, se meteram nessas empresa, somam algumas centenas de milhões de contos.
Pergunto: qual foi o resultado? Diríamos que praticamente nenhum. Houve um adiamento dos problemas porque, passadas essas «injecções», poucos meses após, os problemas dessas empresas eram exactamente os mesmos. Basicamente, essas empresas não têm viabilidade, não têm capitais próprios suficientes, muitas vezes não têm sequer mercados suficientes. Ora, isso leva a uma situação difícil.
Do nosso ponto de vista, em Portugal, há que implementar políticas que garantam aquilo que se costuma chamar o ambiente favorável à actividade empresarial, ou seja, um ambiente no qual as empresas possam trabalhar, competir, no sentido global, e serem viáveis.
São várias as medidas que são necessárias tomar e vou enumerar algumas delas. À partida, é necessário um enquadramento macro-económico equilibrado e competitivo. É sem dúvida alguma preocupante que nos últimos tempos estejamos a ver que algum dos parâmetros fundamentais deste enquadramento se afastam das médias europeias, como, por exemplo, o caso da inflação.
Quando falamos numa inflação de 4,3%, temos a tendência de a considerar baixa, mas tem uma diferença de quase dois pontos da média europeia, o que se traduz na obrigatoriedade de aumentos salariais que lentamente fazem perder a competitividade das empresas.
As infra-estruturas ferroviárias, rodoviárias e portuárias têm de ser modernizadas. Também é com alguma preocupação que vemos que, nos últimos anos, tem sido a cortar nas despesas de investimento que se têm obtido os equilíbrios orçamentais, em vez de fazer a contenção das despesas de consumo, o que só este ano, pela primeira vez, aparece como preocupação do Governo.
É necessário uma política de apoio à educação e à formação profissional contínua. É verdade que hoje se gasta muito dinheiro nestas áreas, mas o gastar dinheiro não quer dizer que seja eficiente, pois os resultados práticos são perfeitamente decepcionantes. Ao nível da formação profissional, em Portugal, há uma carência enorme dos quadros intermédios, em especial, que cada vez mais são fundamentais para o funcionamento das empresas.
É igualmente necessário um regime fiscal competitivo, ou seja, estamos em concorrência aberta, global, e as empresas portuguesas têm de ter um regime fiscal competitivo. Graças a Deus, este ano, o Governo, numa política de ziguezague, reconhece-o e vem aplicar aquilo que o PSD defendeu já no ano passado.
É preciso um regime judicial rápido e eficaz. Hoje, problemas como o das cobranças mal paradas nas empresas demoram meses ou anos a resolver e são muitas vezes praticamente impossíveis de resolver.
Finalmente, aquilo de que todos os investidores se queixam, motivo pelo qual especialmente os estrangeiros se têm afastado de Portugal, é de uma falta de uma revisão séria da Administração Pública que permita que os problemas se resolvam rapidamente. Não podemos demorar anos, repito, anos, a resolver problemas que deveriam demorar semanas.
Ora, tudo isto cria um ambiente pouco propício à actividade empresarial, o que, de certa maneira, prejudica fortemente as empresas e as leva a ter dificuldades acrescidas àquelas que já têm.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Instituições internacionais isentas, como o World Economic Forum, na classificação que fizeram sobre a posição de Portugal na competitividade a nível mundial, revelam que, nos últimos anos, Portugal baixou essa posição, sendo que, no relatório correspondente a 2000, baixa de 22.º para 25.º lugar. Ou seja, hoje, os empresários, os investidores, reconhecem que Portugal perdeu, nos últimos anos, grande competitividade.
Por isso, é mais nestas medidas de fundo, nesta vontade de criar condições favoráveis à actividade empresarial que penso que deveríamos concentrar-nos.
Também é evidente que muitas das nossas empresas não funcionam como deve ser. Os empresários não dotam as empresas de capitais próprios adequados, instalam empresas muitas vezes sem fazerem estudos adequados de mercados e produzem produtos que julgam que têm mercado só por eles existirem, e isso não é verdade. Não têm políticas de modernização, não têm políticas tecnológicas, o que leva a que o tecido empresarial português seja hoje

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muito deficiente e muitas das empresas funcionam com um artificialismo total e completo, fazendo concorrência às outras que cumprem as suas obrigações, pagam os seus impostos, pagam os seus salários, pagam os seus encargos financeiros, distorcendo completamente o mercado.
São inúmeras as situações. Lembro-me sempre de uma frase de V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, em 1985, que deu, nessa altura, grande polémica, quando disse que o País tinha uma gravíssima deficiência: um défice de falências. Recordar-se-á que foi atacadíssimo por isso.
É evidente, e aí estou de acordo com o Sr. Deputado Basílio Horta, que o instituto da falência tem de ser revisto. Nos outros países onde o instituto da falência existe é um processo expedito parar uma empresa e pôr imediatamente à disposição da sociedade os activos e a mão-de-obra libertada. Em Portugal não é assim. Uma falência é a «morte», é o arrastar, é uma situação muito penosa que leva a que isso não possa ser motivo de dinamização. Nesse aspecto, repito, estou de acordo com o Sr. Deputado Basílio Horta quando fala do instituto da falência.
Gostaria ainda de me referir à introdução, em Agosto de 2001, do artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais, que é, no fundo, a transcrição do artigo 17.º da segunda Directiva comunitária que já deveria ter sido implementada em 1986.
Na altura, por se considerar que a economia portuguesa não estava preparada, fez-se uma suspensão cuja intenção penso que era a de ser por quatro ou cinco anos. Estão passados 15 anos e nada aconteceu!
Não sou favorável a que se esteja sempre a suspender porque não nos preparámos devidamente. No entanto, a verdade é que a sua implementação neste período de recessão internacional, em que pela primeira vez há uma recessão nos Estados Unidos da América e uma recessão no Japão - que são as duas maiores potências económicas mundiais -, sem contar com os acontecimentos de 11 de Setembro, não sendo favorável a que se adie sine die a introdução deste artigo, que no fundo vem sanear e «limpar» muitas daquelas empresas parasitas que infestam hoje a vida empresarial portuguesa, parece-me que foi a pior ocasião escolhida e teria sido prudente que tivesse sido introduzida com um ano de carência, ou seja, com um pré-anúncio de que num prazo x se iria passar a aplicar.
O PSD não é partidário do adiamento sine die, na medida em que pensamos que, quando se legisla, as normas que existem são para cumprir, mas penso que esta questão foi introduzida sem o Governo ter feito um levantamento exaustivo das suas consequências.
O número de 80 000 empresas referido pelo Deputado Basílio Horta é o mesmo número que me foi referido e, simultaneamente, muitas das empresas públicas, como a TAP ou a RTP, não terão possibilidade de sobreviver sem injecções grandes de capital, que sabemos que não são fáceis de fazer, até porque muitas delas estão condicionadas por Bruxelas.
Assim, legislar sabendo-se a priori que não se vai cumprir o que se legisla é um mau serviço que se faz à democracia. As leis, quando são feitas, são para serem aplicadas e, portanto, ponho à ponderação do Governo a possibilidade de uma suspensão de um ano na introdução do artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Rodrigues.

O Sr. Menezes Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O tema para que somos hoje convocados aqui a debater é de uma enorme seriedade. Nada é mais sério do que o respeito pelo direito ao trabalho e não há maior obrigação do que aquela que remunera o trabalho.
Utilizar o trabalho das pessoas e não processar a retribuição da sua prestação laboral é a maior das iniquidades e a maior humilhação que se possa praticar à dignidade dos homens e das mulheres.
Contudo, consideramos que a presente situação não atinge a dimensão que o grupo requerente deste debate parece querer demonstrar com o dramatismo que associou à iniciativa.
A utilização das realidades sociais tão definitivamente importantes como são as que decorrem do mundo do trabalho, para suporte dos «tacticismos» partidários, não é prática que se deva aceitar.
As afirmações alarmistas sobre empresas em situação difícil poderão ter como consequência potenciar a degradação das mesmas empresas e promover a desresponsabilização de alguns agentes determinantes no processo de desequilíbrio daquelas organizações.
Porém, não podemos deixar de ter em atenção que o abrandamento da situação económica, no que parece ser o fim de um longo ciclo de crescimento, bem como o desenvolvimento de uma concorrência em crescendo, em tempo de globalização da economia, vem seguramente colocar dificuldades às empresas nacionais que por inépcia de gestão, insuficiente formação dos quadros, obsolescência do instrumental, baixo ou nulo esforço em investigação e desenvolvimento e fortes desequilíbrios financeiros perderão ou não conseguirão os níveis de competitividade que as farão sobreviver.
As organizações empresariais, tal como tudo o resto na vida, nascem, desenvolvem-se e morrem. Esta dinâmica terá fluxos de maior intensidade positiva ou negativa conforme a situação é de euforia ou de crise aguda.
A constituição de novas empresas em Portugal teve, no ano 2000, em relação ao ano de 1999, um crescimento de 8,5%, atingindo as 28 317 novas sociedades. Deste crescimento vale a pena registar os 41% no distrito de Portalegre, os 23% em Évora e os 20% em Viana do Castelo. Como é natural, esta evolução ajudará a justificar a queda da taxa de desemprego até meados deste ano. Por outro lado, este crescimento poderá explicar que não seja tão generalizada assim a existência de empresas com situações laborais difíceis. Mas a preocupação permanente sobre o estado da economia das empresas e, particularmente, sobre a situação laboral é algo de que ninguém está dispensado e muito menos o deve estar o Governo.
Deste modo, o Governo criou, nos últimos anos, novos mecanismos e aperfeiçoou alguns já existentes de forma a poder viabilizar empresas em situação degradada com o objectivo primeiro de salvaguardar os postos de trabalho e, depois, poder manter os mercados e os produtos.
Assim, existem instrumentos para promover a reestruturação de empresas em dificuldades pela alteração da sua gestão e pela reestruturação do seu passivo.
Criou, pois, o Governo condições, nos planos jurídico e financeiro, para que as empresas em situação económica difícil possam ser tomadas por outras empresas de capacidade financeira suficiente, possam ser adquiridas pelos quadros através de management by out ou management by in e ainda pela fusão com outras empresas do mesmo sector de actividade ou de forte complementaridade.

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As aquisições referidas podem ser efectuadas por acordo de accionistas, por acordo de credores (públicos ou privados) em processo PEREF ou em processos de execução fiscal.
Deste modo, o Estado apoiará os processos de reestruturação de empresa com a intervenção financeira do SIRME - Sistema de Incentivos à Revitalização e Modernização Empresarial. Estas intervenções terão de ter sempre presente a convicção da viabilidade da solução em causa e a incidência nos planos sociais e regionais das empresas em processo de recuperação.
Instrumento disponível é, pois, o SIRME, que tem a similitude das soluções financeiras de capital de risco mas vocacionado para a recuperação de empresas em situação económico-financeira desequilibrada numa solução de fusão ou aquisição.
Empresas sediadas nos concelhos de Seia, Covilhã, Gouveia, Coimbra, Guarda, Castanheira de Pêra, Mira d'Aire e Marinha Grande, muitas delas abertamente insolventes há anos, tiveram já intervenção activa do SIRME.
Outro instrumento disponível é o PEC, Procedimento Extrajudicial de Conciliação, criado pelo Decreto-Lei n.º 316/98, de 18 de Outubro, destinado a processar a recuperação de empresas e o seu fortalecimento através de acordo realizado entre a empresa e os seus principais credores públicos e privados, com a mediação do IAPMEI.
Instrumento complementar é o AUDITRE - Unidade de Auditoria para a Reestruturação Empresarial. Ao AUDITRE compete dinamizar e articular o interesse dos credores e agentes públicos quando existam processos de revitalização de empresas com entrada de fundos públicos, com intervenção do SIRME e do PEC. Compete-lhe ainda articular com acção interdepartamental em processos especiais de recuperação de empresas e de falência (PEREF).
Apesar de tudo isto, as regras de mercado irão ditar a «morte» das empresas que se mostrarem absolutamente inviáveis e aí é de esperar que as diferentes políticas conjunturalmente adequadas, de natureza social e económica, promovam as soluções para a animação das actividades e do emprego.
No entretanto, não nos podemos conformar com situações de salários em atraso e tão pouco iludir as perspectivas dos trabalhadores quanto à sua legitima retribuição e à manutenção do emprego.
Estou certo que os representantes sindicais dos trabalhadores das empresas em ruptura financeira saberão apoiá-los e aconselhá-los quanto à decisão de se fazer funcionar o fundo de garantia salarial ou à invocação da suspensão do contrato de trabalho e o recurso à protecção ao desemprego.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou abordar a situação laboral das várias empresas em Portugal na perspectiva dos trabalhadores, que nada tem que ver com a perspectiva da CIP.
No passado dia 3 de Outubro, desafiámos o Governo, desta tribuna, a reconhecer que existe um problema grave no País com o encerramento de empresas - mais de 900 no primeiro semestre - e que esta situação, que constitui um factor de debilidade da economia portuguesa, está a provocar uma «sangria» no tecido empresarial e a degradação social de milhares de trabalhadores.
Foi neste sentido que apresentámos um pedido de audição com o Sr. Ministro da Economia para discutir a política que está a ser seguida em relação ao conjunto de empresas que se encontram em processo de falência.
O Governo não reage, está impassível perante o agravamento dos problemas de centenas de empresas e perante a ilegalidades que diariamente estão a ser cometidas, e até permite que venha agora o CDS-PP, muito compungido, a sustentar este debate de urgência. Desconfio que o sentido de urgência do CDS-PP não é exactamente o sentido de urgência e das preocupações dos trabalhadores. Mas que os problemas existem e são graves, lá isso é verdade.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Isso é preconceito!

O Orador: - Certamente, não são as medidas aqui já preconizadas pelo Sr. Deputado Basílio Horta e pelo PSD que vão resolver os problemas existentes. É de lembrar que recentemente, por iniciativa do PCP, se verificou uma alteração à legislação sobre falências para beneficiar os trabalhadores e recordamos aqui a posição que o CDS-PP na altura assumiu.
Os trabalhadores lutam com uma grande dignidade pelo direito ao trabalho, mas também com uma grande revolta, como há dias tivemos oportunidade de ver nos 230 trabalhadores da SOTIMA com três meses de salários em atraso e a fábrica parada.
Ontem, os trabalhadores vidreiros da Marinha Grande, da Mandata e da Mortensen, depois de terem percorrido dezenas de quilómetros a pé, estiveram mais uma vez em Lisboa, desfilando pelas ruas da baixa, gritando: «A única coisa que pedimos é que nos ajudem a manter as empresas vivas e nos sejam pagos os salários, para podermos viver com a dignidade a que temos direito.» Será isto pedir muito, Srs. Deputados?
Esta Assembleia aprovou um voto de protesto e solidariedade para com os trabalhadores da Mandata e da Mortensen, voto que os Srs. Deputados do Partido Socialista pretenderam subscrever em conjunto com outros grupos parlamentares. Será que os Deputados do PS estão de consciência tranquila?
Srs. Deputados, o forno da Mandata está prestes a ser desligado. Para manter o forno ligado e a empresa a laborar nos próximos meses são necessários 70 000 contos. No entanto, há 300 000 contos para desbloquear, que resultam do acordo parassocial estabelecido com o Governo. Há má-fé e falta de vontade política na não salvaguarda destas importantes empresas e do futuro dos seus trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um número significativo de empresas recebeu apoios para despedir, precarizar, enriquecer os patrões e violar direitos. Modernizar e reestruturar: zero!
Deixo alguns exemplos. A ESTACO viveu um processo que se arrastou e encerrou. Há dias, os trabalhadores da ESTACO desfilaram pelas ruas de Coimbra gritando: «A ESTACO encerrou, o Governo não nos ajudou». A têxtil Manuel Gonçalves recebeu do POE 2,5 milhões de contos e despediu, só em seis meses, mais de 300 trabalhadores. A têxtil Rio Pele despediu, em seis meses, mais de 200 trabalhadores. A têxtil SOMELOS, aos trabalhadores que não aceitam rescindir, muda os turnos diariamente. A Blaupunkt

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recebeu milhões e está a aplicar o lay-off. A ROEDERSTEIN, recebeu apoios e está a aplicar o lay-off. A COINBU está a despedir efectivos e a admitir, a prazo, imigrantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há situações de uma gravidade extrema, que se tornam inacreditáveis.
A empresa Tribor efectuou um despedimento colectivo que foi considerado ilícito pelo IDICT de Vila Nova de Famalicão. Os trabalhadores têm salários em atraso desde Janeiro, não receberam indemnizações e estão concentrados, 24 horas por dia, nas instalações da empresa desde o dia 8 de Julho.
O mesmo acontece na FRANCOR e nas Confecções Leite e Silva, entretanto encerradas. Também foi encerrada a Empresa Têxtil de Confecções, em Esposende, e já antes tinha encerrado a Comax, em Barcelos.
Na SAFIL, 50 trabalhadoras estão à porta da empresa com os seus familiares há dois meses, noite e dia, incluindo fins-de-semana, para proteger o património, pois o patrão encerrou a empresa, não pagou os salários nem os direitos e ameaça retirar as máquinas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Professor Adelino Torres, do ISEG, há dias, num artigo de opinião, interrogava-se: «Impunidade até quando»? Dizia o seguinte: «ninguém duvida da importância da actividade empresarial, nem do seu contributo para o desenvolvimento. Mas, se há empresários com merecimento, cuja ética, dedicação e rigor no trabalho os tornam dignos de respeito, também pululam outros ditos 'empresários' cujo papel é bem diferente, desacreditando a classe».
É a estes últimos que me refiro, personagens cavernosos que enxameiam o ambiente, confundindo salariato com escravatura e o País com o quintal onde moram. Numa palavra: são casos de polícia.
Apontava alguns exemplos, como o seguinte: novo-riquismo com fuga aos elementares deveres fiscais de cidadania. Para cúmulo do despudor, há os que, ainda por cima, se gabam publicamente de não pagar impostos porque declaram o salário mínimo - legalmente, imaginem! -, enquanto financiam clubes de futebol em milhões de contos, pois no seu cérebro privilegiado República de direito e «república das bananas» são a mesmíssima coisa! Abrem falências com ar compungido, mas não abdicam de carros de luxos e de belas residências que estão, é claro, em nome de terceiros. São o retrato de uma economia capitalista à portuguesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já terminou o seu tempo.

O Orador: - Vou já concluir, Sr. Presidente.
É o resultado previsível, lógico, de opções estratégicas e escolhas de política económica. Nenhuma surpresa!
O Governo tem de assumir as suas responsabilidades. Nós queremos dar a nossa contribuição para a definição e aplicação de uma política económica não atentatória contra os direitos dos trabalhadores. É preciso ir às causas dos problemas. É preciso alterar a política económica e laboral que está a ser seguida.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só no distrito de Lisboa, nos últimos meses, fecharam 112 empresas, de 13 sectores, deixando mais de 22 milhões de contos de indemnizações ou de salários em atraso. Os números disponíveis indicam que, nos últimos seis meses, encerraram mais de 900 empresas, com milhares de despedimentos.
Estamos perante um problema incontornável e, como é natural, a questão é pertinentemente levantada perante o Parlamento. Estamos perante uma situação de encerramento de empresas que representa, pelo seu volume, uma destruição significativa do tecido produtivo, industrial e não só, do know-how acumulado, por vezes em sectores industriais com longa experiência e longo saber, e com consequências absolutamente dramáticas para os trabalhadores despedidos.
Não sei mas calculo que os Srs. Deputados já tenham estado em empresas que acabam de ser encerradas, tal como eu já estive e outros Srs. Deputados também - uns são mais assíduos do que outros. Normalmente, os trabalhadores despedidos têm 40, 50 anos de idade, não são especializados, são, em grande número, mulheres e o que os espera, a seguir, é a inactividade absoluta, como acontece agora, com os trabalhadores vidreiros da Marinha Grande.
Este é um drama pessoal tremendo, que transcende, em muito, a mera racionalidade do funcionamento empresarial. Às vezes, são pessoas que trabalharam 20 e 30 anos numa empresa, com salários mínimos e que vão para a rua com falências fraudulentas, sem indemnização, sem nada, com coisa nenhuma, amanhã não trabalham! A empresa fechou, na sexta-feira, para o fim-de-semana; na segunda-feira apresentam-se ao trabalho e está fechada, o patrão fez as contas, não há indemnizações para ninguém e depois é preciso recorrer aos tribunais, etc.
Do ponto de vista social e humano, é uma situação dramática e inadmissível e está a repetir-se em todo o lado. Ainda recentemente, no caso da Rhode, uma empresa de calçado ligada a um grupo multinacional, mais de 800 trabalhadores ficaram em situação de lay-off, além dos da Marinha Grande, que aqui têm sido referidos frequente e justamente.
Isso significa que é preciso que o Parlamento se interrogue sobre por que é que as empresas fecham e por que é que fecham muitas vezes de forma fraudulenta inadmissível. Penso que temos, de facto, de fazer uma reflexão muito urgente sobre isto, porque a situação é muito séria! Trata-se de centenas e centenas de empresas, de milhares de trabalhadores, muitas vezes em situações fraudulentas e outras não!
Parece-me que uma das razões para esta situação é o facto de ter desaparecido o conceito de política industrial. Não temos uma política industrial, que é um pouco entendida como o Estado querer moldar a economia, quer dizer, não temos prioridades. Quais são as prioridades estratégicas da política industrial na situação actual da integração europeia e no quadro da mesma? Quais são os sectores prioritários? O que é que vamos apoiar? Que tipo de instrumentos é que temos para desenvolver uma estratégia industrial? Não há!
Por muito que se diga, temos, de facto, um leque de instrumentos disponíveis mas não temos uma estratégia definida em que se obtenha um certo consenso no sentido de privilegiar sectores, de aproveitar nichos de mercado; as coisas decorrem mais ou menos ao sabor da espontaneidade e da lógica do mercado entregue a si próprio.
Por outro lado, há uma cultura histórica empresarial em Portugal demasiado pesada. Há uma cultura histórica de

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parte importante do empresariado, sobretudo de sectores tradicionais ligados a bens de consumo, em que o patronato se baseou, por razões históricas, em salários baixos, em desregulação do trabalho, em fuga ao fisco, em trabalho desqualificado e barato, e agora acabou! E frequentemente acaba da pior maneira, em falências pouco claras e impunes, do ponto de vista dos seus resultados. De facto, há uma extraordinária impunidade na perseguição ao enorme número de falências pouco claras com que deparamos.
Nesta bancada entende-se que é preciso fazer este debate e encontrar respostas urgentes para a criação de emprego e para a recomposição do tecido industrial português. Entendemos que é preciso definir prioridades estratégicas para o desenvolvimento industrial e empresarial; é preciso definir apoios financeiros e tecnológicos em função de prioridades de política, porque o que não me parece surgir é uma política; é preciso qualificar o trabalho, e a aposta em tudo o que seja a qualificação do trabalho é absolutamente estratégica para aumentar a produtividade; é preciso trabalho com direitos, porque as soluções aqui apresentadas de rever a política de imigração, de rever a legislação laboral, no sentido de a flexibilizar, não me parecem soluções de efeito duradouro; é absolutamente preciso agir sobre a inspecção do trabalho, que não funciona e constitui um escândalo extraordinário, neste país; é preciso, sem dúvida nenhuma, também, alterar a legislação sobre as falências.
Não se trata só de uma questão da racionalidade do trabalho e de produtividade, embora essa seja muito importante, mas também de uma questão de natureza humana, daquelas mulheres de 50 anos de idade, com 30 anos de empresa, a ganhar 70 contos por mês, que olham para nós e nos perguntam: «Amanhã, o que é que eu vou fazer?».
É esta a pergunta que nos colocam a todos nós, Srs. Deputados: «Amanhã, o que é que eu vou fazer? O que é que vou pôr na mesa para os meus filhos comerem amanhã?» Eles não têm culpa nenhuma, nós temos responsabilidades, nós temos de responder a esta questão!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste debate centrado no problema do encerramento e da viabilidade das empresas, que muitas vezes se traduz num verdadeiro jogo empresarial, não podemos esquecer a situação que se vive dentro dessas mesmas e aqueles que muitas vezes são os que mais contribuem e mais se debatem pela viabilidade das mesmas. Falo, obviamente, dos trabalhadores, muitas vezes ameaçados, nomeadamente ao nível das suas condições de trabalho. Creio que esta questão também deve ser trazida a este debate.
Há trabalhadores que lidam com matérias perigosas e produtos tóxicos e aos quais não se dá informação sobre as formas necessárias de protecção, que não têm formação sobre os riscos que correm, não tendo, nomeadamente, conhecimento dos planos de risco e de emergência às vezes existentes nas empresas, e recordo o que se passou na Quimiparque, há relativamente pouco tempo.
Atente-se também no não respeito pelo número de horas de trabalho, criando-se assim situações de profundo cansaço e stress nos trabalhadores. Refira-se a queixa trazida, há pouco tempo, pelos motoristas profissionais aos diferentes grupos parlamentares de que são profundamente ameaçados, no caso de não cumprirem essas horas exigidas, com a perda do seu posto de trabalho.
Por outro lado, há trabalhadores cuja intensificação do ritmo de trabalho para uma maior produção é feita de uma forma perfeitamente louca, isto é, em vez de se admitirem mais trabalhadores, exploram-se verdadeiramente até à exaustão os que lá estão, provocando níveis de cansaço e de stress muito elevados.
Com isto, como é que se pode falar de uma boa produtividade das empresas?
Os trabalhadores sujeitam-se às piores condições de trabalho e aos trabalhos mais precários, porque necessitam de sustentar as suas famílias e este é o verdadeiro drama dos trabalhadores portugueses.
Este drama culmina, normalmente, naquilo que já foi enfatizado neste debate, ou seja, nas ameaças de despedimento, nos encerramentos das empresas, deixando famílias, muitas vezes homem e mulher, sem qualquer forma de sustento. Já aqui foram relembrados os casos da Mandata e da Mortensen, que são exemplos bem característicos desta situação.
Relativamente à questão da reestruturação das empresas, muitas vezes os trabalhadores, sempre mal informados, sempre carentes de informação, vivem em permanente angústia sobre aquele que será o seu futuro e o do sustento das suas famílias. São muitas vezes pessoas com 45, 50 anos, que entendem que, com a idade que têm, não conseguem arranjar emprego em mais lado nenhum, que têm os filhos a estudar e que vivem, pois, um verdadeiro drama.
As rescisões por mútuo consentimento, que têm por trás verdadeiras ameaças aos trabalhadores, sendo-lhes garantido que, se não aceitarem sair naquelas condições, perderão, num futuro próximo, o seu emprego sem direito a qualquer tostão, levam muitas vezes os trabalhadores a fazer opções que, na verdade, não gostariam de fazer.
É também bom ter em conta o número de trabalhadores que continuam à espera do pagamento das dívidas das empresas em consequência do seu encerramento, número esse que é, de facto, muito significativo. Os trabalhadores ficam sem emprego, para além do drama de não serem ressarcidos dos créditos devidos pelos salários em atraso, por subsídios ou por indemnizações não pagas.
Não gostaria de terminar a minha intervenção neste debate sem falar do facto de as mulheres continuarem a ser profundamente discriminadas no mundo do trabalho em Portugal. Os salários das mulheres são muito mais baixos do que os dos homens - de acordo com os números oficiais apresentados pelo próprio Governo, recebem cerca de 70% dos salários dos homens - e a taxa de desemprego feminina é, de facto, radicalmente superior à masculina.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é o permanente atentado aos direitos das pessoas que torna as empresas viáveis e em situação favorável. Cremos que uma empresa competitiva e saudável deve ser aquela que melhor respeita os direitos dos trabalhadores, devendo o Governo pautar-se por este princípio e pugnar por isso.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tudo o que respeita ao mundo do trabalho e, naturalmente, ao problema do

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emprego, merece da parte dos socialistas, em geral, e deste grupo parlamentar, em particular, uma redobrada atenção.
Ouvimos os representantes dos grupos parlamentares com essa mesma atenção devida, separando «o trigo do joio» e fazendo notar, porque a vida nos ensina isso, que aqueles que mais gritam no mercado muitas vezes pretendem fazer passar por boa uma mercadoria estragada.
E tendo em conta problemas tão sérios como este, que respeitam particularmente ao que é mais profundo no ser humano e à sua própria sobrevivência, gostaria, por uma questão de justiça, de chamar apenas a atenção para dois factos muito breves.
Não há, hoje, paralelo - apenas o afirmo por uma razão de justiça - com a situação que o Partido Socialista encontrou à data em que tomou posse, em Outubro de 1995. E não há de uma forma completamente flagrante. Nessa altura, o número de empresas com salários em atraso atingia cerca de 570 e a espiral do endividamento à segurança social e ao fisco por efeito do incumprimento não tinha sequer possibilidade de ser estancada. Por efeito disso, hoje, temos uma situação, que, naturalmente, não nos conforta, mas que é visível em Castanheira de Pêra, é visível em toda a encosta da Serra da Estrela, é visível na própria Marinha Grande, é visível também na margem sul do Tejo e em inúmeros outros locais, envolvendo empresas que se, eventualmente, fossem à falência - e estou a lembrar-me daquelas que têm que ver especificamente com a nossa indústria naval, que corporizam a alma do que somos - as consequências seriam verdadeiramente dramáticas.
À pergunta feita pelo Sr. Deputado Fernando Rosas de saber por que é que as empresas vão à falência, respondo singularmente dizendo que dialecticamente nada existe que seja perene na vida e no mundo e, portanto, há, de facto, falências. Simplesmente, a atenção do Partido Socialista até o presente não foi no sentido literal do termo de fazer o «cruzamento dos braços» ou de não actuar em concreto.
Nós, Partido Socialista e Governo, independentemente das dificuldades que hoje se vivem, independentemente da solidariedade devida aos trabalhadores da Marinha Grande, temos hoje um enorme orgulho pelo facto de termos recuperado cerca de 70 empresas deste país, de termos readmitido cerca de 7 000 postos de trabalho, exactamente nos distritos que aqui são referenciados, e possibilitámos, por essa via, o redobrar da esperança relativamente ao futuro.
Quero ainda saudar o Deputado Basílio Horta por ter referenciado um facto que é, para mim, da maior relevância, que tem que ver com a possibilidade de este desígnio nacional comum, respeitante ao emprego, poder ser consensualizado.
Gostaria de também de deixar uma outra nota ao Sr. Deputado e meu querido amigo Eng.º Álvaro Barreto, que já não está presente na Sala, para lhe dizer que a circunstância de as empresas por vezes entrarem em crise e de haver apoios significativos da parte do Estado não quer dizer que nada deva ser feito. Muitas vezes esse investimento é responsável pela estabilidade na região, estabilidade essa que gera o investimento, porque ele é causado pela poupança.
Tudo isto merece da parte do Partido Socialista apoio àquilo que tem sido desenvolvido e às preocupações que a situação impõe, com as quais somos solidários.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia, que é o último orador inscrito.

O Sr. Ministro da Economia (Luís Braga da Cruz): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que os cumprimente de uma forma especial no primeiro momento em que tenho o privilégio de falar nesta Assembleia.
Para começar, quero dizer que o Ministério da Economia e o Governo são particularmente sensíveis às matérias que hoje estão em debate, porque entendemos que é necessário estabelecer, no nosso país, um quadro económico saudável, baseado numa filosofia de modernização e de revitalização económicas, mas exigindo sempre novas dinâmicas de responsabilização, de gestão e de organização dos diversos intervenientes no tecido empresarial.
É verdade que as empresas nascem, vivem e morrem. Há falências, mas também há empresas que se constituem.
Gostaria, a este propósito, de referir que, entre 1999 e 2000, o número de empresas criadas de novo em Portugal passou de cerca de 28 000 para 30 000, e se é verdade, conforme referiram, que, nos primeiros seis meses deste ano, houve cerca de 900 empresas que faliram, gostaria de recordar que, por cada 30 novas empresas que se constituem em Portugal, há 5 que se dissolvem e 1 a 2 que entram em falência.
O Governo é tão sensível a este problema como os Srs. Deputados. No entanto, sabemos distinguir entre o que é uma política de protecção de pessoas, de trabalhadores e o que é injectar dinheiro público em empresas sem uma viabilidade perfeitamente demonstrada.
Dizer que o Governo não reage, não é verdade, porque o Governo tem permanentemente instrumentos e pessoas a trabalhar a tempo inteiro neste âmbito.
Como se recordam, foi posta em execução uma política de incentivos, que, em conjugação com outros instrumentos, tanto do domínio financeiro como fiscal, pretende agregar e motivar a capacidade empresarial dos vários agentes, com a condição de que esses agentes - sociedades, quadros, empresários ou instituições - sejam credíveis e capazes de gerir activos com potencialidade e venham a desenvolver uma actividade rentável, economicamente viável. Ou seja, pretendeu-se criar condições para que empresas sólidas, que tenham saudáveis condições económicas e financeiras, possam liderar processos de reestruturação e de revitalização do tecido industrial através de aquisições e de fusões com empresas em situação difícil.
Pela primeira vez, como já aqui foi referido, foram disponibilizados meios financeiros e criadas condições para a coordenação das diferentes entidades públicas com a função de promover e de liderar estes processos, tanto no âmbito do SIRME (Sistema de Incentivos à Revitalização e Modernização Empresarial), como no do AUDITRE (Unidade de Auditoria para a Restruturação Empresarial).
Foi possível, no âmbito do SIRME, aprovar, até à data, em cerca de três anos, 35 operações, que envolveram um esforço financeiro de fundos públicos de mais de 11 milhões de contos, o que se reflecte numa recuperação de 4100 postos de trabalho, com um volume de negócios associados a estas empresas de 53 milhões de contos e um valor de investimento, também relacionado com estas operações, de 33 milhões de contos.
No âmbito do AUDITRE, foram analisadas cerca de 250 empresas e o AUDITRE promoveu a articulação de posições de credores e outros agentes públicos e privados em

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cerca de 25 empresas e o investimento total associado a estas operações foi também superior a 10 milhões de contos. Ou seja, processos especiais de recuperação envolveram 45 empresas e 4000 trabalhadores; processos de transmissão de estabelecimentos conduziram à recuperação de 15 empresas e envolveram cerca de 2300 trabalhadores e as medidas excepcionais de regularização de dívidas ao fisco e à segurança social envolveram mais cerca de 30 empresas. Estes são valores que dão uma indicação da dinâmica do processo estabelecido
Gostaria ainda de lhes referir que um outro instrumento poderoso para definir uma política industrial está expresso no Programa Operacional da Economia, que bem conhecem.
Até ao momento, deram entrada, nos serviços do Ministério da Economia, no Programa Operacional da Economia, 21 000 candidaturas. Ou seja, no primeiro ano em que o Programa entrou em vigor entraram mais candidaturas do que durante os sete anos em que o PEDIP vigorou, no QCA II. Destas 21 000 candidaturas, 7 500 foram homologadas, envolvendo um investimento de 2900 milhões de euros, com um incentivo autorizado de 900 milhões de euros, distribuídos pelo comércio, pela indústria, pelo turismo e pelos serviços. Neste momento, já estão em processo de pagamento 128 milhões de euros deste quantitativo.
Falou-se concretamente da Marinha Grande e permitam-me que utilize este exemplo para repor alguma verdade nos números. No âmbito da Marinha Grande, em 1999 e em 2000, foram constituídas, respectivamente, 106 e 122 empresas, sendo este um dos concelhos mais dinâmicos no que se refere à criação de novas empresas.
No âmbito do QCA II, só na Marinha Grande houve um investimento de 34 milhões de contos em cerca de 50 novas empresas. Na área do vidro, foram criadas 27 novas empresas, muitas delas em pleno labor, envolvendo 22 milhões de contos. Apenas duas empresas estão, neste momento, com problemas.
No entanto, de acordo com a nossa análise, só cumpriremos compromissos de acordos parassociais se for demonstrado que esse dinheiro não é para pagar salários mas, sim, para viabilizar a empresa.
Finalmente, gostaria de dizer, no que respeita ao referido artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais, suspenso desde 1986, que, em nossa opinião, é necessário afirmar este princípio como um princípio elementar de sanidade económica e financeira de empresas. Quando o projecto empresarial entra em perda económica não faz sentido senão recompô-lo e relançá-lo ou pôr-lhe termo imediato. A questão é saber se um projecto empresarial é ou não viável. Se o projecto entra em perda, então, por uma questão de transparência, deve reduzir o seu capital social para os valores reais.
O prolongamento da suspensão do diploma durante 15 anos revelou claros efeitos perversos. Foi um factor de inércia à renovação de empresas, introduziu desconfiança no sistema, distorceu as regras de concorrência de mercado, provocou défices de tesouraria em empresas e provocou evasão fiscal. Consideramos que se traduziu num ilegítimo uso de prestações para a segurança social e muitas vezes até de mão-de-obra ilegal, ou seja, alimentou o dumping social. Entendemos que a desprotecção efectiva com que estas empresas contrataram põe em causa legítimos direitos de trabalhadores, de fornecedores e de clientes.
Diz o Prof. Medina Carreira que, em Portugal, nos últimos anos, mais de 80 000 empresas apresentaram prejuízos em duas décadas. Ora, não são empresas, são equívocos, e é importante que isso não aconteça.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente! Tem toda a razão!

O Orador: - Por outro lado, há uma imposição comunitária no sentido de se proceder, até 31 de Dezembro deste ano, à redenominação do capital das empresas portuguesas em euros e também ao aumento do capital social de todas as sociedades para novos mínimos e aproveitou-se a circunstância para juntar os dois efeitos.
Penso que, com estes elementos, pude dar uma resposta às objecções que foram levantadas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Economia, o Sr. Deputado Vicente Merendas, dispondo de 1 minuto que lhe foi concedido pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, estava convencido de que iria aceitar a nossa contribuição para a definição de uma política económica que sirva os trabalhadores e o País, mas isso não ressalta da sua intervenção. O que ressalta é o facto de o Sr. Ministro não estar disposto a alterar esta política.
Vou levantar duas ou três questões, muito rapidamente, até porque o tempo é pouco.
O Sr. Henrique Neto disse recentemente que não há formação digna desse nome no nosso país. Distribui-se dinheiro sem uma estratégia de formação. Também temos esta opinião, mas, Sr. Ministro, que medidas tenciona tomar para que isto seja alterado?
Em relação à Galp Energia, confirma-se a manutenção do centro de decisão da Galp Energia em Portugal, do futuro das refinarias, tal como ficou definido na altura?
Quanto à SOMINCOR, confirma a alienação do capital púbico desta empresa?
Quanto ao AUDITRE, que referiu, confirma a sua extinção no final do ano, em Dezembro, como já foi apontado?
Quanto à Marinha Grande: o Governo tutelou todo o processo de restruturação; o Governo é o principal responsável e quando se fala…

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo que quando o Sr. Ministro diz que o dinheiro foi para salários, aqui a responsabilidade é do Governo, porque não avançou atempadamente com as verbas para serem feitos os investimentos necessários na empresa Mandata.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Economia já não dispõe de tempo para responder, pelo que terei de lho dar; mas como há também um pedido de esclarecimentos do Sr. Deputado Basílio Horta, que também não tem tempo, por uma questão de equilíbrio, o Sr. Deputado Basílio Horta dispõe de um minuto para formular o seu pedido de esclarecimento.

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O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Ministro da Economia, tendo sido esta a sua primeira intervenção nesta Assembleia, deixe-me devolver-lhe os cumprimentos tão amáveis que dirigiu à Câmara e desejar-lhe as maiores felicidades pessoais.
Gostava de lhe fazer três perguntas concretas, sendo a primeira a seguinte: o Sr. Ministro concorda ou não com a suspensão, que foi aqui proposta pelo meu grupo parlamentar, da suspensão do artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais? V. Ex.ª entende, ou não, que este momento não é o mais oportuno para pôr em vigor esse artigo, não obstante a justificação intrínseca que esse artigo tem?
Segunda questão concreta é se está V. Ex.ª disponível para estender às empresas viáveis em situação económica transitoriamente difícil os benefícios da interioridade que estão previstos na Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro. Sim ou não?
Está V. Ex.ª, em relação a essas empresas, na disponibilidade de estudar uma taxa social reduzida? Sim ou não?
Está V. Ex.ª, em relação a essas empresas, disponível para estudar um sistema de incentivos ao marketing, à inovação e à tecnologia? Sim ou não?
Estas são algumas medidas que constarão do projecto que iremos entregar na Mesa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Economia dispõe de três minutos para responder conjuntamente aos dois pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra, Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões que foram colocadas naturalmente que não se podem confinar a tão curto período de tempo. No entanto, queria começar por dizer que tudo aquilo que aqui foi sugerido é sempre uma boa indicação, desde que se enquadre nos procedimentos legislativos que estão acertados e que haja, através dos instrumentos disponíveis, oportunidade de serem aplicados.
Recordo que o Programa Operacional de Economia tem um conjunto de instrumentos que respondem à maioria das objecções aqui colocadas, tanto no que respeita à formação profissional, como à inovação, como ainda a todas estas formas que permitem alterar a envolvente em que trabalham as empresas.
Procurando responder concretamente, quanto à questão da Galp Energia, aquilo que posso dizer ao Sr. Deputado é que li com atenção o resultado do inquérito parlamentar e a indicação desta Câmara é uma orientação para o Governo no sentido de fazer prevalecer o comando nacional da Galp Energia em Portugal.
No que respeita à Somincor, são conhecidas as disponibilidades do Governo para alienar uma parte da sua participação, muito embora mantenha o controlo operacional estratégico na condução da empresa.
Quanto à extinção do AUDITRE, aquilo que vai acontecer não é a sua extinção, é alojar o AUDITRE dentro de uma estrutura do Ministério da Economia.
Em relação à manutenção da suspensão do artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais, de facto, aquilo que entendemos é que já passou tempo demais sem que esse artigo vigore e a sua entrada em funcionamento resultou de um acordo que o Governo estabeleceu com as principais associações empresariais portuguesas e a própria Confederação da Indústria Portuguesa, ou seja, foram elas próprias que entenderam que isso era oportuno e foi nesse sentido que se acertou esse procedimento, por existir uma completa convergência de pontos de vista.
No que respeita à extensão dos sistemas de apoio à viabilização de empresas ao interior, naturalmente que estamos disponíveis para estudar essa hipótese.
Finalmente, quero dizer que se o ano de 2001 foi o ano em que o Programa Operacional de Economia encontrou condições para entrar em pleno funcionamento, conforme aqui já demonstrei, as medidas do Programa que tiveram maior visibilidade, este ano, são as que se reportam aos sistemas de incentivos às pequenas e médias empresas e ainda ao estabelecimento das primeiras parcerias/iniciativas públicas.
As outras medidas de natureza mais imaterial, como por exemplo, a PME digital, que lançaremos dentro de um mês, essas, que se orientam para o reforço do comércio, do marketing e do design, entrarão em vigor até meados do próximo ano.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - E aplicam-se a estas empresas?

O Orador: - Aplicam-se também a essas empresas, se elas tiverem condições para trabalharem com autonomia dentro do sistema económico.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Economia, é o momento de lhe agradecer as saudações iniciais que nesta sua primeira intervenção na Assembleia da República dirigiu ao Presidente da Assembleia e à própria Assembleia e de lhe desejar as maiores felicidades no exercício do cargo.
Despedimo-nos do Governo…

Risos do CDS-PP e do PCP.

O Sr. Presidente: - … ou melhor, dos Membros do Governo que intervieram neste debate e passamos ao ponto seguinte.
Temos três votos para votar, um voto de protesto contra a violência no Médio Oriente, apresentado pelo BE; um voto de protesto sobre a situação no Médio Oriente, apresentado pelo PS, e um voto de pesar pelo falecimento do Presidente do SNPC, Coronel Pinto Henriques.
Se concordassem, íamos fazer uma discussão muito rápida, porque temos hoje uma agenda particularmente exigente e é fundamental que os Srs. Deputados jantem todos os dias, incluindo no de hoje.

Risos.

Para uma intervenção relativa a todos estes votos, cada grupo parlamentar dispõe de um minuto e, em seguida, votá-los-emos separadamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, apresentámos o voto n.º 167/VIII - De protesto pela situação no Médio Oriente e, naturalmente, votaremos a favor deste voto que, de uma maneira desenvolvida e detalhada, expõe aquilo que, em nosso entendimento - e também no da União Europeia -, são os princípios que deverão presidir ao regulamento pacífico da situação existente naquela região do globo.

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Por isto mesmo, não iremos votar contra o voto n.º 166/VIII - De protesto contra a violência no Médio Oriente, apresentado pelo Bloco de Esquerda, iremos abster-nos, mas, naturalmente, vamos concentrar os nossos votos no voto que apresentamos.
Quanto ao voto de pesar que também apresentámos, ele fala por si. Trata-se de exprimir o pesar da Assembleia da República no momento da morte do Presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil, Coronel Pinto Henriques, ontem falecido.
Julgo que o voto explica claramente as motivações do nosso pesar, que queremos dirigir aos seus familiares, aos amigos e aos colaboradores desta alta personalidade ontem falecida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que damos a nossa adesão ao voto de pesar pelo falecimento do Coronel Pinto Henriques.
Quanto à situação no Médio Oriente, apresentámos um voto que vai ao encontro do que tem sido, aliás, um apelo internacional à retirada das tropas israelitas dos territórios da Autoridade Palestiniana e no sentido de apressar o reconhecimento internacional do Estado palestiniano. Por isso, não compreendemos a abstenção do Partido Socialista. Deve ser porque não é do Partido Socialista, porque, quanto ao resto, não há razão alguma lógica para esta abstenção, e, naturalmente, votaremos em consonância com o voto do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao voto de pesar pelo falecimento do Coronel Pinto Henriques, obviamente que, como com certeza toda a Assembleia, acompanhamos o Partido Socialista.
Em relação aos outros dois votos, votaremos favoravelmente o apresentado pelo Partido Socialista, porque manifestamente é um voto equilibrado, vê o problema numa lógica perfeitamente justa, porque há dois lados que têm tido comportamentos errados mas também pessoas desses dois lados têm tido comportamentos acertados, e apela para a resolução pacífica deste conflito, para que os dois lados se entendam de uma vez por todas e fala das resoluções internacionais, nomeadamente a nível das Nações Unidas. Portanto, este voto é equilibrado e votá-lo-emos favoravelmente.
Em relação ao voto do BE, não é o caso, ou seja, manifestamente, o seu articulado é unilateral, vê só uma lógica, é a lógica de um lado e, portanto, não pode ter a nossa concordância. É que este problema não é só o problema de Israel, é também o problema de radicais do lado palestino. Que fique claro que este não é um voto equilibrado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia aprecia hoje um voto do BE e outro do PS em relação à questão do Médio Oriente, a qual, há dezenas de anos, tem originado violações dos direitos humanos e de regras do direito internacional, numa situação de guerra que se prolonga há anos.
É este contexto de um conflito prolongado que torna inevitável analisar este voto do ponto de vista da oportunidade. Eu diria mesmo que a oportunidade é a substância deste voto, e de duas, uma: ou ele se refere a acontecimentos recentes, respeitantes ao próprio conflito, reportados no texto do Bloco de Esquerda, e, então, hoje, esses acontecimentos estão ultrapassados, porque Israel já começou a retirar por pressão, justamente, da comunidade internacional, das Nações Unidas e dos próprios Estados Unidos da América, e, portanto, este voto não teria sentido, porque esta Assembleia não pode discutir um voto desactualizado, sob pena de pelo menos se dizer que a Assembleia não lê os jornais, ou então a oportunidade é de outra natureza e o voto deve ser lido à luz de um contexto internacional, inserindo-se em consistentes tomadas de posições do Bloco de Esquerda contrárias à acção e relacionando estes ataques de Nova Iorque com a questão do Médio Oriente.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr.ª Deputada!

A Oradora: - O PSD não subscreve esta tese - o que é, porventura, menos relevante para o Bloco de Esquerda -, dado que as próprias declarações de Arafat, feitas há 48 horas, consideram que esta tese é perversa e altamente prejudicial à causa palestiniana.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe desculpa, mas tem de terminar.

A Oradora: - Admitindo que não é esta a intenção do Bloco de Esquerda e que ela apenas se reduz àquilo que está no seu próprio texto, estando, pois, desactualizada, abstemo-nos neste voto, como nos abstemos no voto do Partido Socialista, porque penso que ele simplesmente vem «a reboque» do primeiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero declarar que nos associamos ao voto de pesar e apresentamos condolências à família do Sr. Coronel Pinto Henriques.
Quanto aos votos sobre Israel, votaremos favoravelmente os dois votos, que são rigorosamente coincidentes no seu conteúdo. Se se pode acusar de alguma coisa estes votos é do facto de, por explicitar muito, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista poder ser entendido como um voto um pouco mais radical. Mas não o é!

Risos do PCP.

É exactamente igual, no seu conteúdo, ao voto do Bloco de Esquerda. Para nós, o critério para votarmos, numa votação destas, são os interesses da paz e os interesses dos israelitas e dos palestinianos que procuram a paz. Ora,

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votar estes votos com um sentido positivo, manifestando a vontade clara da Assembleia de contribuir para a paz, esta é que é uma contribuição positiva, não é fugindo aos problemas nem fazendo politiquice em torno de uma questão como esta, em que estão tantos interesses em jogo e tanta paz para defender.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de exprimir, em nome do Governo, o pesar que sentimos pelo falecimento do Sr. Presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil, Coronel Pinto Henriques, acontecido em circunstâncias trágicas.
Quem conheceu o seu trabalho, primeiro, como militar, depois, exercendo funções, também elas próprias, já com alguma conexão com a protecção civil, quem o descobriu nos dias trágicos de Entre-os-Rios, ficou a saber que se estava perante um profissional com um enorme brio, com uma formação muito sólida, com uma serenidade em circunstâncias difíceis que pudemos testemunhar e cujo falecimento é, seguramente, uma perda muito grave para o Serviço Nacional de Protecção Civil. Gostaríamos, por isso, de manifestar - o Sr. Ministro da Administração Interna pediu-me que aqui o sublinhasse especialmente nesta hora - o nosso apreço pelo trabalho que desenvolveu e que iria agora continuar a desenvolver numa circunstância muito exigente, endereçando à sua família condolências e manifestando o nosso profundo pesar.
Em relação à questão suscitada pelos votos relativos à situação do Médio Oriente, gostaria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de deixar uma nota.
Quem analisar os votos com atenção verificará que há uma coincidência muito grande entre o voto apresentado pelo Partido Socialista e a deliberação esta semana aprovada pelo Conselho de Assuntos Gerais da nossa estrutura de governação europeia. Ora, se há colagem a alguma coisa é a isso e não a outra coisa.
Quanto à divergência entre o voto apresentado pelo PS e o voto apresentado originalmente pelo Bloco de Esquerda, apenas cumpre dizer que ela é patente para quem souber ler nas linhas e nas entrelinhas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em primeiro lugar, vamos proceder à votação do voto n.º 166/VIII - De protesto contra a violência no Médio Oriente, apresentado pelo Bloco de Esquerda.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções do PS, do PSD e do CDS-PP.

É o seguinte:

Voto n.º 166/VIII
De protesto contra a violência no Médio Oriente

Na sequência da continuação da violência no Médio Oriente, de que foi expressão os assassinatos de dirigentes políticos palestinianos e de altos responsáveis do Estado de Israel, entre muitos outros;
Na sequência da invasão pelo exército de Israel de territórios sob jurisdição da Autoridade Palestiniana;
Na sequência dos apelos da comunidade internacional para a retirada destas forças militares e da recusa do Governo de Ariel Sharon;
A Assembleia da República manifesta a sua profunda preocupação com o agravamento da violência no Médio Oriente, exprime o seu apoio à aplicação das resoluções da ONU que determinam a retirada de todas as tropas de Israel dos territórios ocupados e estabelecem o caminho para a convivência pacífica entre o Estado de Israel e o Estado independente da Palestina, e apela ao restabelecimento de negociações entre as partes do conflito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, este voto será enviado ao Sr. Embaixador de Israel e ao representante da Autoridade Palestiniana em Portugal.
Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação do voto n.º 167/VIII - De protesto pela situação no Médio Oriente, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes, e abstenções do PSD e do BE.

É o seguinte:

Voto n.º 167/VIII
De protesto pela situação no Médio Oriente

A situação no Médio Oriente agravou-se muito. A violência atingiu, nos últimos tempos, níveis nunca vistos há muitos anos. A desconfiança, o medo e o ressentimento estão contribuindo para a radicalização do conflito que, na ausência de perspectivas políticas, pode transformar-se em confrontação generalizada conduzida por extremistas de ambos os lados.
A União Europeia tomou posição clara sobre a situação, exigindo-se que também os EUA e outros parceiros se envolvam na procura da paz.
A Assembleia da República:
1 - Associa-se aos apelos para que israelitas e palestinianos, imediatamente e sem pré-condições, e enquanto ainda é tempo, regressem às negociações com base nas recomendações do Relatório Mitchel e do Plano Tenet antes aceites pelas partes;
2 - Defende também que as autoridades de Israel retirem imediatamente as suas tropas da zona que está sob exclusiva administração palestiniana (Zona A);
3 - Condena todos os assassinatos políticos e pede às autoridades de ambas as partes que persigam criminalmente e coloquem sob prisão os responsáveis de actos de violência contra a outra parte;
4 - Considera como elementos fundamentais para um acordo:
a) Os princípios da Conferência de Madrid de 1991, em particular o princípio de «terra por paz»;
b) As resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas n.os 242 e 338;
c) Os acordos assinados pelas partes, que conduziram a resultados reais no terreno, bem como os progressos feitos em negociações precedentes;

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5 - Entende que um acordo deve reconhecer, tal como foi expresso pela Conferência de Madrid de 1991:
- Para os palestinianos, o estabelecimento de um Estado viável e democrático e o fim da ocupação dos seus territórios;
- Para os israelitas, o direito de viverem em paz e segurança dentro de fronteiras reconhecidas internacionalmente.
6 - Salienta ainda que o estabelecimento de paz na região requer que sejam devidamente tidos em conta os aspectos do conflito entre Israel e a Síria e entre Israel e o Líbano, para os quais a solução deve basear-se nos mesmos princípios;
7 - Assinala também que a procura da paz exige uma solução justa e viável para as particularmente complexas questões dos refugiados, do estatuto de Jerusalém e da provisão de um apoio económico à população palestiniana.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, este voto será também enviado ao Sr. Embaixador de Israel e ao representante da Autoridade Palestiniana em Portugal.
Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do voto n.º 168/VIII - De pesar pelo falecimento do Presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil, Coronel Pinto Henriques.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 168/VIII
De pesar pelo falecimento do Presidente do Serviço
Nacional de Protecção Civil, Coronel Pinto Henriques

Na morte do Presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil, Coronel Pinto Henriques, ocorrida tragicamente em acidente de viação na auto-estrada do Norte, ocorrido no dia 30 de Outubro de 2001, quando se deslocava para o seu posto em Lisboa;
Considerando o perfil profissional e cívico do falecido e a alta relevância dos serviços que prestou ao País, nomeadamente após o trágico acidente com a ponte de Entre-os-Rios;
A Assembleia da República exprime a sua dor e consternação e apresenta aos seus familiares, amigos e colaboradores as mais sentidas expressões de pesar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o voto será enviado à família enlutada.
Guardemos, de pé, 1 respeitoso minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas.

ORDEM DO DIA (2.ª Parte)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, das propostas de lei n.os 92/VIII - Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (revoga o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), 93/VIII - Aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (revoga o Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril) e 95/VIII - Aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado (revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967).
Srs. Deputados, dizem-me que o Sr. Ministro da Justiça está a chegar à Sala, pelo que aguardaremos alguns momentos.

Pausa.

Srs. Deputados, estando já entre nós o Sr. Ministro da Justiça, dar-lhe-ei de imediato a palavra para introduzir o debate.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta hoje à Assembleia da República três propostas de lei fundamentais para a modernização do Estado e da Administração, para a defesa dos direitos dos cidadãos e para a prevalência de uma cultura de responsabilidade nas relações com os particulares: um novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, um novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e um novo Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Trata-se, mais do que de uma reforma, de uma verdadeira ruptura histórica há muito aguardada, há muito exigida pela Constituição e há muito adiada. Uma ruptura que garanta uma sociedade exigente e uma Administração responsável.
As propostas de lei relativas ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos e ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais foram elaboradas após uma ampla e participada discussão pública, lançada no dia 2 de Fevereiro de 2000 com base em dois anteprojectos elaborados, a pedido do Governo, por um conjunto de magistrados do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo.
Foi uma discussão pública estruturada nos colóquios temáticos promovidos pelo Ministério da Justiça em parceria com todas as faculdades de Direito públicas do País e a Universidade Católica, onde todas as matérias relevantes foram abordadas e debatidas com activa participação e excepcional contributo da comunidade académica e o apoio de experiências de Direito comparado.
A discussão pública contou ainda com dois importantes estudos que mobilizaram outros saberes em apoio da reforma legislativa: o estudo realizado no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, sob a direcção do Professor Vital Moreira, sobre a evolução e a caracterização sociológica da justiça administrativa em Portugal e o estudo pioneiro que a Accenture elaborou em parceria com a sociedade de advogados Sérvulo Correia & Associados, de análise à organização, à gestão e ao funcionamento dos tribunais administrativos, identificando os pontos críticos e formulando propostas concretas tendentes à racionalização da gestão, à melhoria do funcionamento e ao aumento da eficácia e da eficiência dos tribunais administrativos, por via de reengenharia dos procedimentos. Foi um estudo fundamental na elaboração das propostas, que introduziu uma nova forma de fazer reformas legislativas em Portugal.
Também no que respeita à proposta de lei relativa ao regime da responsabilidade civil extracontratual houve o cuidado de estimular a diversificação de contributos para a sua elaboração. A proposta teve, aliás, por base um projecto elaborado por uma comissão de especialistas que

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funcionou no âmbito da Ordem dos Advogados, enriquecida com contributos diversos no período de debate público a que foi submetida. As propostas que hoje aqui tenho a honra de apresentar em nome do Governo são, por isso, fruto deste intenso trabalho preparatório que muito deve ao labor, saber, criatividade e participação cívica de todos quantos participaram na discussão pública.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos, pois, perante três instrumentos fundamentais para a modernização do Estado, com reflexo em quatro grandes áreas: a garantia da igualdade das partes no processo; a promoção dos direitos dos particulares; a simplificação processual e a garantia de uma decisão de mérito em tempo oportuno; e, por fim, a clarificação da competência dos tribunais administrativos e a racionalização da distribuição de competências entre os tribunais administrativos.
Foi prestada especial atenção à criação de garantias de igualdade entre as partes e à moralização do papel da Administração Pública no processo. É que não se admite que a Administração Pública possa utilizar qualquer especial posição de prevalência para prejudicar o normal desenvolvimento do processo ou o cumprimento da decisão do tribunal.
Assim, em primeiro lugar, acaba-se com o regime de isenção de custas que actualmente beneficia a Administração nos tribunais administrativos, determinando-se que esta as deve pagar nas mesmas circunstâncias que o particular.
Em segundo lugar, prevê-se que a Administração seja condenada por litigância de má-fé caso utilize mecanismos processuais com o intuito de atrasar ou dificultar a administração da justiça.
Em terceiro lugar, quando a Administração vier a ser condenada no pagamento de uma quantia ao particular, este poderá compensar-se não pagando uma dívida que tenha para com a mesma pessoa colectiva pública ou ministério, evitando que tenha de aguardar pelo respectivo pagamento.
Finalmente, determina-se, em quarto lugar, que a Administração possa ser condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento das decisões do tribunal.
Iguais cuidados e preocupações se colocaram na promoção dos direitos dos particulares, tradicionalmente mal tratados no contencioso administrativo.
Cria-se, assim, um meio processual urgente para defesa de direitos, liberdades e garantias no qual o juiz pode ouvir as partes através de qualquer meio de comunicação, sempre que necessário. Permite-se, por outro lado, que o tribunal imponha qualquer comportamento à Administração que acautele o efeito útil da futura sentença, deixando de estar limitado por um restrito leque de medidas cautelares tipificadas na lei. Por fim, regulamenta-se o regime da responsabilidade por acto legislativo e jurisdicional, passando-se a prever que o Estado é obrigado a indemnizar os particulares nos seguintes casos: actos legislativos praticados em desconformidade com a Constituição, Direito Internacional, Direito Comunitário ou acto legislativo de valor reforçado; pela omissão de actos legislativos necessários para tornar exequíveis normas constitucionais, de Direito Internacional, de Direito Comunitário ou contidas em acto legislativo de valor reforçado; e ainda pelo atraso na administração da justiça ou por erro grosseiro em decisões jurisdicionais.
No mesmo sentido, estabelece-se que os tribunais administrativos passam a poder determinar positivamente o que a Administração deve fazer para cumprir uma decisão jurisdicional, sendo que hoje em dia estão limitados, em regra, a ter de eliminar ou manter um acto administrativo que é necessário ao particular.
Sem celeridade na administração da justiça não se satisfaz o princípio constitucional de garantia de acesso à justiça administrativa. Adoptam-se, por isso, medidas de simplificação processual e de garantia de obtenção de uma decisão de mérito em tempo oportuno.
Consagra-se, assim, a possibilidade de extensão dos efeitos de uma sentença a casos análogos, mediante um pedido do particular, passando este a poder solicitar a aplicação de uma decisão anterior de um tribunal à sua situação, caso as questões suscitadas sejam as mesmas (dispensando-o de promover um processo que teria de passar por toda a tramitação normal) e introduz-se ainda um regime próprio para os processos em massa, habilitando-se o tribunal a proferir uma sentença aplicável a todos os casos pendentes que sejam idênticos, para que não tenha de repetir julgamentos sobre a mesma questão.
Mas criam-se ainda outras medidas: introduz-se a possibilidade de uma decisão por remissão para jurisprudência anterior, quando a questão não apresente especificidades; atribui-se competência ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais para fixar os prazos a que estão sujeitos os vários actos do processo a praticar pelo tribunal; exige-se que todas as questões relativas ao problema colocado pelo particular sejam decididas num único processo, estabelecendo-se um princípio de plena cumulação dos pedidos quando relativos à mesma relação jurídica; e, finalmente, introduz-se um princípio de simultaneidade nos actos do processo que devam ser praticados por vários magistrados, determinando-se que sejam analisados por todos ao mesmo tempo e não sucessivamente, como actualmente, o que constitui causa de delongas significativas.
Também no domínio das competências dos tribunais administrativos se inova: por um lado, para evitar a ausência de julgamentos de fundo e conflitos de competência por dúvidas quanto ao âmbito da sua jurisdição, clarificando-se, assim, a competência no contencioso dos contratos e da responsabilidade, matérias relativamente às quais a doutrina e a jurisprudência não lograram, ao longo de décadas, cristalizar conceitos claros, o que introduzia um insustentável grau de incerteza e insegurança jurídicas, a que urge pôr cobro; por outro lado, efectuou-se um esforço assinalável de racionalização da distribuição de competências entre os tribunais administrativos.
É que, hoje em dia, todos os tribunais administrativos, desde o Supremo Tribunal Administrativo aos tribunais administrativos de círculo, julgam habitualmente em 1ª instância, situação que provoca graves distorções ao nível do aproveitamento dos recursos humanos, verificando-se que o Supremo tem mais juízes do que qualquer outro tribunal e do que todos os tribunais administrativos de círculo em conjunto, o que é ainda mais grave se recordarmos que o Supremo julga frequentemente em 1.ª instância casos de importância não condicente com a sua condição de tribunal superior, porque a sua competência não resulta da importância da questão, mas da qualidade do autor do acto ou do meio processual. Esta pirâmide invertida tem de ser revertida.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me realçar ainda dois aspectos inovadores e particularmente significativos destas propostas: a consagração da obrigatoriedade

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do exercício do direito de regresso, por parte da Administração, sobre o seu funcionário ou agente que lese os direitos dos particulares com dolo ou culpa grave, levando à condenação da Administração, e a consagração da possibilidade de a Administração se submeter à arbitragem e do direito de os particulares imporem a esta o recurso à arbitragem. Estas são duas medidas de alcance extraordinário para a afirmação de uma cultura de responsabilidade na relação do Estado com os cidadãos.
Estamos, pois, perante uma reforma completa e profunda, que exige modificações infra-estruturais no sistema da justiça administrativa portuguesa. Diria mesmo que a criação de condições para que esta reforma possa ser aplicada se trata de uma parte, pelo menos, tão significativa e complexa quanto a tarefa de elaboração legislativa em que estamos empenhados.
Trata-se, no curto espaço de tempo de um ano, e a título de exemplo, de aferir e dimensionar as necessidades resultantes destas propostas e da transferência das competências administrativas dos tribunais tributários para o Ministério da Justiça; de criar cerca de uma dezena de novos tribunais administrativos de círculo, desejavelmente agregados aos tributários para obter economias de escala; de dotar esses tribunais de postos de trabalho e de equipamentos; de recrutar cerca de 80 novos magistrados judiciais; de ministrar formação especializada em Direito Administrativo a esses novos magistrados; de construir e testar uma nova aplicação informática, que reduza ao mínimo as tarefas burocráticas do juiz e da secretaria e permita ao presidente do tribunal o acompanhamento constante do seu funcionamento; de formar os utilizadores desta aplicação; e de elaborar um vasto conjunto de diplomas de execução das propostas que agora se apresentam.
Termino, por isso, Sr. Presidente, desejando que a Assembleia da República possa acolher estes três instrumentos fundamentais para a reforma do Estado e da justiça administrativa, associando-se à adopção de um conjunto de medidas reclamadas pelos cidadãos e pela comunidade jurídica, uma ruptura essencial para garantirmos uma sociedade exigente e uma Administração responsável.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As três propostas de lei que hoje debatemos são o resultado de uma metodologia e de uma prática que constituem um procedimento - devo dizer - exemplar da forma cuidada como uma reforma legislativa deve ser feita.
O Bloco de Esquerda acompanhou interessadamente os trabalhos preparatórios destas propostas de lei agora submetidas à Assembleia e congratula-se com o facto de as mesmas terem sido objecto de inquérito e estudos prévios, com uma alargada discussão pública dos anteprojectos, a sua disponibilização na Internet e com a audição de juristas nacionais e estrangeiros.
Registamos também que as opiniões expressas nos fora convocados para discussão dos anteprojectos foram atentamente ouvidas e muitas delas vieram a ser acolhidas nas versões finais agora apresentadas.
Não duvidamos que estas propostas representam um progresso no nosso Direito Administrativo, vieram preencher lacunas e introduzir novidades relevantes que têm o nosso indiscutível apoio.
Dessas novidades permitimo-nos destacar, quanto ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, o princípio da livre cumulação de pedidos, que permite aos interessados ver discutidas no mesmo processo várias pretensões emergentes da mesma relação jurídica; a possibilidade de condenação das entidades públicas como litigantes de má fé, o que assegura às partes o estatuto de igualdade no processo; e a alteração do regime de tramitação processual, em ordem a criar condições para que os tribunais se pronunciem sobre o mérito das questões submetidas à sua apreciação, pondo termo aos inúmeros casos em que, por questões de mera forma, se eximiam a julgar.
Realçamos também a possibilidade de pedir a condenação das entidades competentes na prática de um acto administrativo recusado ou ilegalmente omitido dentro de um prazo fixado, bem como a possibilidade de o tribunal se pronunciar sobre situações de ilegalidades por omissão de normas que deveriam ser adoptadas para tornar exequíveis actos carecidos de regulamentação, fixando um prazo para suprir a omissão.
Quanto ao regime de responsabilidade extracontratual do Estado, congratulamo-nos muito particularmente com o facto de, pela primeira vez, introduzir no nosso direito positivo um regime geral de responsabilidade pelo exercício das funções jurisdicional, política e legislativa. Também é meritória, a nosso ver, a nova consagração do dever de indemnizar imposto ao Estado e a entidades de direito público, quando causam danos anormais ou especiais, quer no exercício da função administrativa, quer no exercício da função política, quer no exercício da função legislativa, tanto por factos como por omissões ilícitas ou ainda originadas pelo funcionamento anormal dos serviços.
A norma constante do artigo 12.º desta proposta de lei, ao consagrar a aplicabilidade do regime geral de responsabilidade civil aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça portuguesa, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, além de permitir a efectivação prática de direitos reconhecidos tanto pela Constituição como pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, vai tornar possível recorrer a tribunais portugueses para que julguem o Estado, o que será preferível a vê-lo condenado por tribunais estrangeiros, com indesejável frequência.
Entendemos, porém, que, com este diploma, em alguns aspectos, se poderia ter ido mais longe. Ele regulamenta a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas públicas, mas deixa de fora a regulamentação da responsabilidade contratual, designadamente o sector importantíssimo da responsabilidade por contratos administrativos. Em alguns países existem normas específicas sobre a responsabilidade contratual da Administração Pública - não é o caso de Portugal -, onde, por forma acrítica, se têm aplicado as regras do Código Civil sobre obrigações.
Para obviar a indemnizações sobre esta matéria, sempre de evitar, uma vez que no âmbito deste diploma se encontra excluída a regulamentação da responsabilidade do Estado pelos actos de gestão privada, conviria que, no mínimo, se introduzisse um preceito a remeter para as regras do Código Civil, que seriam aplicadas com a necessária adaptação às especificidades desta matéria. Ficaria, assim,

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definida, a nosso ver, uma orientação geral do legislador, deixando à jurisprudência e à doutrina o tratamento da questão.
Por último, diremos que é de lamentar que o Governo não tenha atendido à sugestão, a nosso ver razoável, da comissão da Ordem dos Advogados criada para apreciar a matéria para que consagre e regule modos de efectivação extrajudicial da responsabilidade civil do Estado e entidades públicas, a fim de obviar à sua apreciação pelos tribunais, com prejuízo para a celeridade com que os lesados devem ser ressarcidos, sobretudo em casos de danos manifestos, chocantes e graves.
Para concluir, Sr. Presidente, o contencioso administrativo nasceu para proteger os direitos dos particulares face à Administração Pública. A realização dos direitos privados implica obrigar a Administração a cumprir os seus deveres. A filosofia subjacente aos diplomas que agora discutimos têm a sua tónica na defesa dos direitos dos particulares, afastada que foi a filosofia da defesa da legalidade, que era a grande preocupação das leis de meados do século passado.
Porém, os princípios que se querem agora fazer prevalecer não poderão arredar o princípio da defesa do interesse público, com o qual terão de ser harmonizados. A prática demonstrará se essa desejável harmonização vai ser conseguida com a aplicação destas leis.
Pelos motivos expostos, Sr. Presidente, o Bloco de Esquerda votará a favor dos três diplomas em discussão.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: O Sr. Ministro da Justiça sabe que sempre tenho tido uma atitude crítica em relação às suas iniciativas, quando elas merecem essa crítica, que é, aliás, sempre construtiva, mas sabe também sabe que não hesito em aplaudir iniciativas que o Governo aqui traz… E até lhe digo mais: fico mais satisfeito quando tenho de aplaudir, porque penso que, nessas ocasiões, é o País que está a ganhar, é a justiça que está a ganhar,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … e é pena que isso não possa acontecer mais vezes.
Mas, em relação a este conjunto de três diplomas que o Governo apresenta à Assembleia, temos de convir que se trata de uma reforma arrojada e de há muito esperada.
Há pouco ia colocar-lhe a questão, mas ela fica aqui e V. Ex.ª responder-me-á: tenho duas preocupações em relação a esta matéria, que gostaria de ver esclarecidas em termos de elas próprias não poderem ser um empecilho ou não poderem vir a esbarrar na efectiva concretização daquilo que estas reformas desejam, que é garantir aos cidadãos uma tutela jurisdicional efectiva no âmbito das suas relações com a Administração.
A primeira preocupação é a implementação dos tribunais que V. Ex.ª há pouco referia e o preenchimento adequado desses mesmos tribunais com um número de juízes bastante para, efectivamente, dar resposta a uma afluência maior que vai cair necessariamente nos tribunais administrativos por via desta reforma, sem que isso seja feito, obviamente, com prejuízo dos quadros dos tribunais judiciais comuns.
Quero dizer-lhe - e V. Ex.ª deve conhecer isso - que o Conselho Superior da Magistratura manifesta-se preocupado com esta questão, dando conta de que, neste momento, no quadro geral, haverá um défice de cerca de 150 juízes. Se tivermos em conta o acréscimo que vai resultar da criação de novos 10 tribunais administrativos de círculo e as competências que, em muitos casos… Estou a lembrar-me, por exemplo, do Tribunal Administrativo de Círculo do Funchal, que não dará resposta, naturalmente, às novas competências que lhe caberão como tribunal de 1.ª instância relativamente a todos os actos que são submetidos à sua apreciação com o juiz que tem hoje no seu quadro, o qual terá de ser ampliado para que possa, efectivamente, impedir que esta reforma seja um logro.
A outra preocupação tem a ver com o critério que se vai adoptar de atribuir um valor às causas no âmbito do contencioso administrativo para, através de uma forma paralela à dos tribunais cíveis comuns, podermos ter a avaliação dos casos para efeitos de recurso. E preocupa-me não termos ainda, eventualmente, dados bastantes para saber que critérios é que se vão seguir na atribuição desse valor. E porquê? Para que daí não advenha um eventual encargo em matéria de custas e preparos judiciais para os cidadãos e para que esta reforma não possa, em alguma medida, representar o dar com uma mão e tirar com a outra.
Não tem sentido este saudável alargamento de meios de intervenção do contencioso administrativo, desde as providências cautelares, às acções especiais, aos processos urgentes, a várias providências de coacção relativamente à Administração, impondo a produção de actos, de normas e de outras providências, se o acesso aos tribunais vier a ser dificultado por razões de ordem económica, solução que seria, aliás, de constitucionalidade duvidosa.
Confesso que estas questões me preocupam e gostaria de as ver esclarecidas.
Está aqui prevista uma vacatio legis bastante ampla, que, aliás, penso que não se justificará em relação a todos estes diplomas. Se ela tem razão de ser e sentido em relação ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos e ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, já tal não se verifica em relação ao Regime de responsabilidade extracontratual do Estado, pelo que penso que nada impedirá que este regime possa ser implementado mais cedo. Compreendo que, em relação aos outros dois diplomas, isso tem implicações de logística, de instalações e de meios que terão de ser implementados. Mas era bom que, à partida, tivéssemos a noção de que este período de vacatio legis vai ser o suficiente e o bastante para garantir essa efectiva realização.
Há, obviamente, um conjunto de questões, que não me parece adequado colocar aqui, mas que precisarão de ser esclarecidas e, eventualmente, aperfeiçoadas, designadamente o critério de se atribuir aos tribunais administrativos toda a competência em matéria de contratos de natureza privada celebrados pela Administração, de direito puramente privado por haver nessa relação um sujeito público, uma entidade pública, atribuindo-se-lhe, pura e simplesmente por via disto, competência para estas relações emergentes destes actos do foro administrativo.
Confesso que também aqui tenho dúvidas, e mais do que dúvidas, relativamente à constitucionalidade do acervo da solução. A Constituição refere quais são as competências, embora alargadas, por sucessivas revisões constitucionais, tornando o contencioso administrativo um

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contencioso de jurisdição plena, mas a verdade é que há balizas constitucionais relativamente a essas competências.
Receio bem que aquilo que é uma acusação ao contencioso administrativo, que tem fundamento, de que é extremamente formalista, de que é muito atido a questões prévias, fugindo muitas vezes a conhecer as questões de fundo, andando à volta de incidentes e questões processuais, o que se traduz, na prática, numa perda do acesso ao direito, do reconhecimento do direito aos cidadãos que recorrem ao contencioso administrativo, não seja banido, impondo também, desde logo, o conhecimento dessas questões prévias e a sua decisão no saneador, por forma a que não se perca tempo a levar um processo até ao fim, para, no fim, se conhecer uma questão prévia que tinha obstado a toda essa tramitação, em que toda a gente esteve a perder tempo e a ser enganada.
Portanto, a imposição de que essas decisões sejam tomadas no saneador tem todo o sentido e merece o meu aplauso, mas receio bem que se possam aqui, com a boa intenção de clarificar competências e, portanto, de afastar conflitos de competências que hoje existem, gerar problemas de constitucionalidade, que são também incidentes que atrasam os processos e levam muitos processos ao Tribunal Constitucional.
É bom, portanto, que, em sede de especialidade, tenhamos o cuidado de ver estas situações e dirimi-las de uma forma de maior conformação constitucional, por um lado, e eliminadora deste objectivo que o Governo revela nestas iniciativas, isto é, de pôr termo a todo um conjunto de incidentes, que são, efectivamente, factor de atraso e de acumulação nos tribunais administrativos.
Quero saudar o Governo pela forma como elaborou todas estas propostas de lei. Trata-se de uma solução que, efectivamente, é sempre valorizadora para os diplomas que aqui discutimos, que é associar as universidades, associar os mestres universitários, especialistas na matéria, à sua elaboração. É certo que nem sempre isso é possível, é certo que isso leva a que, muitas vezes, se demore mais tempo, mas essa solução, associada à discussão pública que o Governo promoveu em sedes universitárias e fora delas, designadamente nesta Assembleia, sobre estas matérias é da maior utilidade para encontrarmos as soluções mais adequadas.
Mas não me parece que também seja inteiramente justo e correcto algo que resulta um pouco da exposição de motivos destes diplomas, que é a ideia de que só agora, e com este Governo, é que se tomam medidas de fundo importantes no contencioso administrativo. Estamos atrasados em relação à Constituição - é indiscutível, o Prof. Vasco Pereira da Silva denuncia-o. Temos avançado na Constituição e não fizemos a mediação e a adequação legislativa ordinária para implementar os princípios que fomos introduzindo nesta matéria em sucessivas revisões constitucionais.
Quero dizer-vos que, nesta matéria do âmbito administrativo, embora fora do contencioso, há um diploma histórico que foi adoptado em 1991, que é o Código do Procedimento Administrativo. Foi também um passo revolucionário no estabelecimento das regras de procedimento da administração relativamente às questões que lhe são colocadas e aos processos que são desencadeados por interesse e iniciativa dos cidadãos.
Esta reforma vem ao encontro dessa filosofia, levando já à área dos tribunais a sequência e a mesma filosofia que está ínsita no Código do Procedimento Administrativo, que são as garantias dos administrados. Portanto, há esse marco, também histórico, nas reformas que se fizeram no âmbito destas matérias.
E houve - tem de se reconhecer também isso - o Estatuto dos Tribunais Administrativos e a Lei de processo dos Tribunais Administrativos que, não sendo uma solução de fundo tão vasta como aquela que resulta destes diplomas, temos de convir que foram diplomas importantes para fazer esta transição de um contencioso administrativo de má memória, que eram os tribunais administrativos do regime, que infelizmente funcionavam quase como órgãos da administração; aliás, há quem entenda que, pela forma como nascem, os tribunais administrativos em geral já nascem um pouco com essa mácula de serem protectores da Administração e não garantes dos direitos dos administrados. Hoje, constitucionalmente, e este diploma vem completar… Aliás, ao lerem-se estes diplomas e as exposições de motivos que os antecedem, ficamos com uma sensação ao mesmo tempo desagradável e agradável: desagradável, na medida em que pensamos e reflectimos que, passados 25 anos sobre a instalação da democracia, ainda temos muito para concretizar em matéria de Estado de direito; agradável, porque, finalmente, vamos fazê-lo. Temos de reconhecer isto sem nenhuma hesitação. O Estado de direito está, em muitos aspectos, por realizar e estas leis vêm - se forem efectivamente coadjuvadas com as tais medidas de que eu há pouco falava, e se não forem enfrentadas ou confrontadas com soluções cerceadoras como pode ser a das custas judiciais, por força do critério introduzido no valor da causa, e se forem criadas as estruturas necessárias para dar resposta a esta abertura maior ao contencioso administrativo - realizar melhor o Estado de direito em Portugal do que, passados 25 anos, se realiza.
Naturalmente que V. Ex.ª não se espantará que haja um consenso nesta Câmara porque a maturidade da nossa democracia permite que, nestas ocasiões, estejamos todos de acordo. Estamos em desacordo em várias questões da especialidade, mas não vou agora maçá-lo com isso. Vamo-nos reservar para fazer esse trabalho durante a discussão na especialidade, porventura contando ainda com a sua presença e com a colaboração de outras entidades que vamos também ouvir.
Em relação ao diploma da responsabilidade civil do Estado, é óbvio que o diploma actual é também cerceante do Estado de direito. A forma como se trata hoje do direito positivo vigente da responsabilidade civil do Estado é arrepiante, é cerceadora, largamente cerceadora de direitos fundamentais dos cidadãos.
E, por ser assim, por se estar perante diplomas que têm a qualidade que a universidade lhes deu como valor acrescentado, bem como os mestres que nestes diplomas trabalharam, e que dão resposta a exigências constitucionais, naturalmente que V. Ex.ª terá o voto do PSD, sem prejuízo de, na especialidade, termos questões a colocar, designadamente quanto à forma como se pretende aqui tratar, já em sede de responsabilidade civil do Estado, equiparando, o que não nos parece adequado, os agentes do Ministério Público e os juízes em matéria de responsabilidade. Penso que tem de haver - e há - razões para, em função do exercício da competência de cada qual, estabelecer-se uma diferença, mas não agora vou maçar a Câmara com questões de especialidade.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. João Amaral (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça e Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apetecia-me começar por dizer que faço minhas as palavras do orador antecedente.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já não era sem tempo!

O Orador: - E como nem sempre tenho o privilégio de poder fazê-lo,…

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - … é naturalmente com satisfação que agora o digo! Ou seja, ao poder colar a minha intervenção àquela que acabámos de ouvir ao Sr. Deputado Guilherme Silva, particularmente na sua consideração final, penso poder evidenciar aqui o clima de larguíssimo reconhecimento, dentro desta Câmara e fora dela, que pode com justiça ser feito a esta, entre outras, mas particularmente a esta, iniciativa do Ministério da Justiça.
Recordemos que quando, há um ano atrás, o processo de debate público se iniciou (e, se a memória me não trai, ter-se-á iniciado numa sessão ocorrida na Faculdade de Direito de Lisboa com a apresentação dos pressupostos desse mesmo debate por parte do Sr. Ministro da Justiça e com intervenções qualificadas de muitos dos nossos melhores especialistas na área do Direito Público, Administrativo e Constitucional), nessa altura, como que perpassava algum cepticismo, o cepticismo de quem, em várias tentativas, pôde de alguma maneira acompanhar o fracasso das várias propostas de reforma, em particular do contencioso administrativo e também da estrutura orgânica dos tribunais administrativos e fiscais. Esse fracasso não se deveu ao simples capricho ou à simples indolência das pessoas que estiveram ligadas a tal procedimento. Aliás, em muitos desses procedimentos envolveram-se eminentes figuras do nosso Direito Público, especialistas da matéria e também notáveis membros da própria magistratura judicial administrativa. O que, verdadeiramente, essas iniciativas, até ao momento malogradas, revelaram é a enorme complexidade do que está em causa e a grande dificuldade que, em muitos momentos, se encontrou em procurar estabelecer sínteses operativas, com bom fundamento jurídico e doutrinário, que permitissem uma verdadeira inovação neste domínio.
E não foi - acompanhando estes movimentos de sobressalto - sem alguma frustração que, também aqui, no Parlamento, vivemos a circunstância de várias e sucessivas revisões constitucionais, particularmente na parte relativa ao aprofundamento dos direitos dos administrados e ao domínio do contencioso jurisdicional administrativo, se ter verificado que a Constituição puxou (e de que maneira!), ao longo do tempo, por reformas que tardavam em chegar. Aqui as temos, portanto. E aqui as temos na sequência de um debate que vale a pena, mais uma vez, enaltecer pela circunstância de o Ministério da Justiça ter permitido que esse debate se tivesse travado da forma mais aberta, mais plural. E quando refiro «mais plural» não estou a pensar no sentido mais normal da expressão entre nós, do pluralismo interpartidário, mas estou a falar da pluralidade das escolas do pensamento jurídico que, todas elas, de forma aberta e plena, concorreram nos trabalhos preparatórios desta reforma.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - É de sinalizar que o resultado final desses debates não se saldaram pela edição, já de si preciosa, das actas de todos esses debates para ficarem registadas nos arquivos importantes da nossa ciência jurídica; eles permitiram rever e, nalguns casos, actualizar de forma extraordinariamente aprofundada as próprias iniciativas originárias. O que significa que as propostas que temos pela frente são hoje o reflexo actualizado do melhor contributo da nossa doutrina jurídica, em sede de pensamento de Direito Administrativo, para regular a matéria do nosso contencioso administrativo, da orgânica dos nossos tribunais administrativos e fiscais e também da responsabilidade civil extra-contratual do Estado.
É, por isso, que penso poder sublinhar - como, aliás, já foi feito, do Sr. Ministro da Justiça ao Sr. Deputado Fernando Rosas e ao Sr. Deputado Guilherme Silva, que já usaram da palavra - que estamos finalmente perante uma reforma que visa responder de modo cabal à normativa constitucional, em particular àquela que atribui à jurisdição administrativa a normalidade da competência no domínio das relações jurídico-administrativas; que garante aos administrados uma tutela jurisdicional efectiva na realização dos seus interesses e dos seus direitos legítimos; que vincula o Estado e as demais entidades públicas à responsabilidade civil solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, e não apenas ao nível da responsabilidade da Administração mas, inovadoramente, ao nível de todas as funções do Estado, incluindo portanto a função jurisdicional e a função política e legislativa. Saúda-se, por isso, a oportunidade de apreciação conjunta, porque interligada, das propostas de lei ora em debate, relativas à reforma do contencioso administrativo, ao estatuto dos tribunais administrativos e fiscais e à responsabilidade civil extra-contratual do Estado. Saúda-se igualmente o modo como tais iniciativas foram reunidas, como referi, do intenso e altamente profícuo debate doutrinário, culminando - se me permitem referir o facto - numa sessão já realizada nesta mesma Assembleia da República, no passado dia 22, e que permitiu, mais uma vez, conjugar o pensamento do Ministério da Justiça, vertido nas propostas do Governo, com o pensamento de eminentes juristas e também a participação activa dos Deputados que nesse debate quiseram participar.
Julgo ser oportuno, globalmente, pôr em destaque: a superação do tradicional, ainda que indiscutivelmente da maior relevância, contencioso de mera anulação dos actos administrativos, agora por um contencioso de plena jurisdição em que avulta (já foi sublinhado há pouco pelo Sr. Ministro da Justiça); a valorização do princípio da igualdade das partes; a superação (tão importante é que se consiga essa superação!) entre as escolas do pensamento jurídico, ditas objectivas umas e subjectivas outras, afinal na definição de um regime do contencioso administrativo pela síntese de soluções entre a indispensável garantia da legalidade, que não é posta em causa, e em que avulta, como não poderia deixar de ser, o papel do Ministério Público e, ao nível da iniciativa dos cidadãos, a acção popular, e, por outro lado, a realização dos direitos dos administrados num contencioso de plena jurisdição, como

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sublinhei, com igualdade de partes, já com reflexo no regime da má fé processual, que não distingue entre particulares e agentes da administração, bem como no alargamento do pagamento das custas, também inovadoramente, à própria Administração; a introdução de um processo comum que, no âmbito do contencioso, é traçado na dinâmica do processo civil para a resolução dos litígios administrativos, desde a acção para o reconhecimento de direitos às acções de condenação por responsabilidade civil ou às acções de solução do contencioso dos contratos; a previsão de um processo especial, dirigido à impugnação de actos, ou à impugnação de normas, admitindo o princípio da livre cumulação dos pedidos; a possibilidade de decisões de eficácia executiva - e que matéria inovadora esta! - nas situações de vinculação legal plena da Administração, bem como de condenação possível desta, em sanções pecuniárias compulsórias; o reconhecimento da natureza urgente de certo tipo de processos, como os relativos ao domínio do contencioso pré-contratual, à intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, bem como a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias; finalmente - e também vale e pena sublinhá-lo -, uma inovadora acção de amparo, que permite providências jurisdicionais, em tempo útil, na garantia da realização plena dos direitos dos cidadãos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - No quadro dos processos cautelares, saúda-se a extraordinária amplidão de vistas que vai permitir superar a tradicional lógica da suspensão dos actos por uma vasta gama de providências, típicas e atípicas, tanto antecipatórias como conservatórias.
Tudo isto, acompanhado de uma gama de soluções de simplificação processual, como no caso do regime dos processos em massa, a que também há pouco aludiu o Sr. Ministro da Justiça.
O inovador regime dos recursos jurisdicionais, de que importa destacar: a superação da exigência prévia do tão controverso recurso contencioso necessário, permitindo, portanto, sem peias, o acesso à administração jurisdicional por parte dos administrados. A clara prevalência do conceito de acto lesivo, com eficácia externa, sobre o tradicional e restritivo conceito de acto definitivo e executório, como requisito da impugnabilidade. A introdução de um regime de alçadas, do tipo das praticadas no processo civil. A susceptibilidade de a decisão do recurso não ser de mera cassação, mas de decisão definitiva da questão material controvertida. A valorização do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do recurso de revista das decisões do Tribunal Central Administrativo, ou no regime per saltum, ou quanto à possibilidade de constituição de soluções jurisprudenciais, a título prejudicial, em face de questões novas em apreciação na 1.ª instância. A consequente revisão do regime de competências entre tribunais administrativos, com especial relevo para a vocação do Tribunal Central Administrativo como tribunal de 2.ª instância, e o alargamento do número de tribunais de círculo, acompanhando as implicações da inserção dos tribunais tributários no âmbito funcional do Ministério da Justiça.
A par, Srs. Deputados, do reequacionar das competências, regista-se igualmente uma aposta de largo alcance na reavaliação do âmbito da jurisdição administrativa, integrando nesta inovadoramente: todo o domínio das relações contratuais em que seja sujeito um ente público; todo o domínio da responsabilidade civil extracontratual, em que seja parte a Administração. Desta forma, serão seguramente superados muitos dos devastadores conflitos negativos, naturalmente de competência, causa em que tantas situações de encerramento dos processos ocorrem sem decisão de mérito ou sem decisão útil, com atrasos inteiramente denegadores do princípio da justiça em tempo útil.
E é com preocupações evidentes de propiciar uma justiça fundada no reconhecimento dos direitos dos cidadãos que se assiste igualmente ao reequacionar do regime da responsabilidade extracontratual, sendo aqui de sublinhar a introdução da noção de falta de serviço num alargamento de sentido objectivo do âmbito da responsabilidade da Administração.
A introdução de um princípio de presunção da culpa, nos casos de actos jurídicos ilegais da Administração; a distinção, para efeitos de responsabilidade subjectiva, dos conceitos de culpa leve ou culpa grave, sem prejuízo do regime da responsabilidade solidária; o alargamento da responsabilidade no exercício da função jurisdicional e no exercício da função política e legislativa, já há pouco referidos.
Como se vê, é de enorme monta, mesmo evidenciada por uma resenha necessariamente muito breve e largamente omissa, o conjunto das modificações intentadas com a presente reforma. Isso mesmo foi amplamente sublinhado por quantos tiveram ocasião de tomar parte no vasto conjunto dos debates travados em torno dela.
E, como é evidente, nos debates surge sempre um acerco de novas observações, que faz sentido equacionar agora, em sede parlamentar, no propósito de assim contribuir para um melhor apuramento das soluções finais.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - E, por isso, Sr. Deputado Guilherme Silva, permita-me que lhe dirija especialmente esta observação. De entre essas soluções a ponderar, valerá a pena destacar as seguintes questões: saber se um regime de alçadas, agora inovadoramente introduzido, com os efeitos que vai produzir no domínio dos recursos, não carece de ser compatibilizado com disposições constitucionais, como a do artigo 32.º, n.º 10, relativas aos processos que emergem de situações jurídicas com natureza sancionatória, designadamente aí quanto às garantias de defesa e, nestas, da necessidade do recurso jurisdicional; saber se o inovador regime das audiências públicas, também previsto, será verdadeiramente compatível com o princípio da publicidade das sentenças, se, para tal, ele pode ser condicionado à exigência da vontade concorrente e necessária de ambas as partes; saber se um regime urgente, relativo à impugnação dos actos pré-contratuais, deve ser delimitado apenas a certo tipo de contratos; saber se não se justifica a previsão de um tipo de acção especial, apesar de tudo, para o caso das acções por perda de mandato; clarificar a jurisdição competente para a apreciação dos litígios emergentes especificamente do direito privado das relações laborais; em qualquer caso, ponderar a necessidade futura de um regime próprio, que discipline a problemática complexa do regime contratual dos entes públicos e equiparados; avaliar a compatibilização do regime proposto no domínio da responsabilidade dos magistrados, no âmbito da jurisdição administrativa e comum, com a acção especial de indemnização configurada no âmbito do processo civil;

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ponderar o problema da adequação do regime proposto, de apuramento da responsabilidade por efeito de actos normativos inconstitucionais ou ilegais do legislador, em face do regime de fiscalização concreta da inconstitucionalidade e ilegalidade das normas jurídicas; admitir a oportunidade de alargar o dever de indemnizar, no caso de prejuízos de particulares, resultantes de acções em estado de necessidade em favor do bem comum; fazer ou não cessar a distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, no domínio do direito substantivo relativo à responsabilidade da Administração; ponderar ainda os delicados problemas da equiparação ou não equiparação das entidades privadas, mas de mão pública, aos demais entes públicos administrativos, para efeitos do âmbito da jurisdição e do regime da responsabilidade; equacionar as soluções em debate, com incidência orgânica ou simplesmente funcional, da especialização dos tribunais administrativos; ponderar as possibilidades da criação, em número, em estrutura e em que condições, dos tribunais administrativos, num momento em que se opera uma significativa mutação interna da vocação dos vários níveis de tribunais no âmbito da jurisdição administrativa.
Como se vê, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, larguíssima é a margem do consenso e aberta está ainda a porta para uma ponderação pertinente…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E ainda não me ouviu!

O Orador: - … de soluções que dêem a esta reforma a dimensão que ela ambiciona poder ter: ser um contributo inestimável para uma jurisdição plena, em favor da garantia de realização dos direitos dos cidadãos e dos seus interesses legítimos.
Iniciei a minha intervenção saudando a iniciativa do Ministério da Justiça; quero terminá-la com o mesmo propósito, porque, além do mais, numa reforma destas, porventura e com legitimidade, o Sr. Ministro da Justiça poderia ter vindo aqui pedir uma autorização legislativa. Em todo o caso, apresenta-nos propostas de lei material, o que é também, devo sublinhá-lo, um acto de consideração que acho importante relevar nas relações entre o Governo e o Parlamento, para que todos nos possamos juntar, de forma inteiramente positiva, a uma reforma que, uma vez terminada, estou certo, honrará, e de que maneira, todos aqueles que tiveram oportunidade de nela ter podido participar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora regimental das votações. Acabo de mandar uma menção aos Srs. Deputados que estão a trabalhar em algumas comissões para se dirigirem ao Plenário (estão, ao que parece, a aprovar alguns relatórios). Aguardemos, portanto, breves minutos, após o que se farão as votações.

Pausa.

Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, V. Ex.ª está inscrito para uma intervenção. Quanto tempo demora a sua intervenção?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, a avaliar pela intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, vai ser brevíssima.

Risos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Como compreenderá, Sr. Deputado, essa não é uma resposta concreta.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, seguramente, não mais de 7 a 8 minutos.

O Sr. Presidente: - Então, se os Srs. Deputados não se opõem, e enquanto aguardamos pelos Srs. Deputados que se encontram nas comissões, vou dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Devo dizer que, ao vislumbrar o Sr. Deputado Jorge Lacão tão extasiado e embevecido no uso da sua douta palavra, quase julguei que não me viesse a ser dada a oportunidade de dizer qualquer coisinha ainda hoje. Mas vejo que não é assim e certamente ainda terei algum tempo para ceder, se for caso disso.
A nossa primeira palavra terá de ser, naturalmente, e daí o consenso, de algum elogio ao Governo, porque é devido (não estamos aqui apenas para dizer mal). Efectivamente, quando se trata de matérias que assumem uma importância decisiva e reclamada há já vários anos, não só em sede de reformas administrativas mas também de combate à morosidade da justiça administrativa e de actualização do regime jurídico de responsabilidade extracontratual do Estado, o Governo conseguiu não apenas propor mas inovar.

O Sr. António Braga (PS): - Olhe que só tem 7 minutos!

O Orador: - Sei que não sou merecedor de tanta atenção como o Sr. Deputado Jorge Lacão; peço apenas alguma, porque vou ser brevíssimo.
Nessa medida, devemos, de facto, louvar o Governo, porque fez uma ruptura e apresenta propostas que são muito inovadoras. E, porque não estamos aqui apenas para dizer bem - isso, de certa forma, até nos ficaria mal e o Sr. Ministro até poderia julgar que algo estava para acontecer -, vou dar dois exemplos por tudo aquilo que está bem, para, a seguir, passar às críticas, que também existem e não são poucas.
Uma inovação decisiva tem a ver com o pagamento de custas pelo Estado e demais entidades públicas. De facto, não se compreendia por que é que o Estado não pagava custas, sendo ele o principal motivador de grande parte da litigância administrativa, potenciando, ele próprio, a litigância administrativa, dando ele informações erradas que justificavam essa litigância administrativa e que levavam, inclusivamente, a que a justiça não fosse feita, porque a opção, em sede de expediente processual, não era a mais adequada.
Portanto, é de louvar a proposta de alteração agora apresentada não só ao artigo 189.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos mas também em relação à responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional. De facto, há também aqui uma inovação, que é de louvar, tanto mais que o Estado, como é sabido, subscreveu, há largos anos, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e também há largos anos vem sendo condenado, por exemplo, pela não aplicação da justiça

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em tempo útil - e esta alteração específica agora motiva o pagamento de indemnizações quando essa justiça não é aplicada em tempo útil.
Contudo, há aspectos que são objecto de crítica, e são muitos.
Sr. Ministro da Justiça, para que não venhamos a ser acusados de demagogia, ou de sermos sistematicamente do contra, ou até de termos qualquer posição de princípio contra o Governo ou contra o Ministério da Justiça - devo dizer que a estima pessoal, obviamente, que temos por V. Ex.ª até é muita -, e porque o tempo escasseia, e garantimos ao Sr. Presidente da Assembleia da República que não o ultrapassaríamos, vamos salientar algumas críticas que foram feitas por entidades tão idóneas como a Ordem dos Advogados, o Conselho Superior da Magistratura e o Supremo Tribunal de Justiça. Isto para que veja que a questão, aqui, não é meramente corporativa.
De facto, o Governo, e bem, elegeu como tarefa decisiva, como tarefa essencial, o combate à morosidade, mas julgamos, em todo o caso, que só o fez relativamente aos tribunais comuns. Desta forma, pretende esvaziar os tribunais comuns de tarefas que lhe estavam cometidas, passando-as para outros tribunais, ou outras entidades; resolvendo-se o problema dos tribunais comuns, criam-se problemas acrescidos noutras sedes. Verificamo-lo em sede de debate da reforma da acção executiva, na forma como o Governo transferiu para as conservatórias do registo predial, já de si lotadas e sem meios técnicos e humanos capazes, a competência para tratar das execuções e hipotecar bens imóveis, a qual não era desejada pelas próprias conservatórias.
Agora, verificamos que, para aliviar, uma vez mais, os tribunais comuns, o Ministério da Justiça propôs transferir para os tribunais administrativos competências que, pelo carácter residual, eram dos tribunais comuns.
Na verdade, verificamos, agora, que aos tribunais administrativos e fiscais…
Sr. Presidente, com toda a franqueza, pretendendo ser breve, peço apenas algum silêncio durante o pouco tempo de que disponho…

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem toda a razão, mas estão a entrar na Sala os Srs. Deputados que se encontravam nas comissões e que fazem algum barulho.
Srs. Deputados, peço silêncio, para que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo possa ser ouvido em condições normais.
Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Continuarei a minha intervenção, como for possível.

O Sr. Presidente: - Creio mesmo que está condenado a ter de falar com algum ruído de fundo.

O Orador: - Não tem mal, Sr. Presidente, é o boicote da «maioria rosa».
Como eu estava a dizer, na verdade, o Governo, ao alargar a competência material dos tribunais administrativos e fiscais, nos termos em que o faz, permite agora que estes tribunais passem a decidir questões de conflitos reais, obrigacionais e comerciais, de sociedades, de águas, de doações, de trabalho, ou muitas outras. De resto, esta foi uma das críticas feitas, como V. Ex.ª sabe, pelo Conselho Superior da Magistratura, pois trata-se de questões para as quais os tribunais administrativos e fiscais não estão vocacionados e para cuja resolução não foram criados, violando até a delimitação do conhecimento jurisdicional destes tribunais, consagrada no artigo 212.º, n.º 3, da Constituição.
Para além deste inconveniente de ordem jurídica, é bom de ver que, enquanto factor de morosidade, também tal acarretará um entupimento ainda maior dos já de si sobrecarregados tribunais administrativos e fiscais, os quais, se até agora não têm sido capazes de «dar conta do recado», sendo chamados a resolver também estas questões, maior dificuldade terão em fazê-lo.
Outra crítica que vem sendo feita é a de passarem a existir dois tipos de direitos privados: um direito privado para os cidadãos, definido pelos tribunais comuns, e um direito privado para o Estado e para a Administração, definido pelos tribunais administrativos e fiscais, passando a ser os sujeitos processuais, e não as matérias em causa, a definir a competência material dos tribunais.
Por seu lado, a competência que pretende atribuir-se aos tribunais administrativos e fiscais para conhecerem das acções relativas ao direito de regresso do Estado, no caso do exercício da função jurisdicional, deverá estar ferida de inconstitucionalidade, porquanto, nos termos do artigo 211.º, n.º 1, da Constituição, ela pertence aos tribunais comuns e, agora, pretende-se conferi-la ao Supremo Tribunal Administrativo.
Acresce que o Governo, mais uma vez, Sr. Ministro, vem dar aqui uma machadada na figura do patrocínio forense. E porquê? Porque, mais uma vez, continua-se a permitir que os organismos da Administração Pública sejam representados juridicamente nos processos de contencioso administrativo por meros licenciados em direito, sem o estatuto de advogado. Isto já sucedia e continua a suceder; e, da mesma forma que, antes, o criticávamos, continuamos a criticar agora.
Por outro lado, e de acordo com o regime previsto na proposta de lei n.º 92/VIII, que aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, continua a não se prever a possibilidade de suprir qualquer falta de pressuposto processual em termos equivalentes à solução adoptada para a absolvição da instância no processo civil, o que certamente constituiria um instrumento essencial no sentido da garantia de um efectivo acesso à justiça administrativa.
Acresce que não se consagra ainda, ao contrário do que foi um conselho da Ordem dos Advogados, a obrigação de decidir-se sempre, no despacho saneador, de todas as questões processuais. E porquê, Sr. Ministro? Porque a única coisa que se diz no artigo 89.º é que estas questões não poderão ser reapreciadas, o que significa que as questões processuais, se forem decididas pela primeira vez na fase da sentença, por não se tratar de uma reapreciação, serão efectivamente tratadas e decididas nesta fase. Esta crítica foi feita não apenas pela Ordem dos Advogados mas também pelo Conselho Superior da Magistratura, e quanto nós com toda a razão. Ou seja, não se resolve um o problema decisivo e que é factor determinante de morosidade nestes casos.
Por último - porque não quero faltar à promessa que fiz ao Sr. Presidente da Assembleia da República, não vou falar de muitas outras coisas que aqui pretendia dizer -, pese embora o elogio que foi feito, e que era devido, pela iniciativa e pelo arrojo da reforma, há, aqui, muita coisa a fazer, há muita «pedra para partir». Mais uma vez, a nossa

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postura será de grande responsabilidade e, em sede de especialidade, daremos um contributo, que julgamos essencial, por forma a encontrarmos uma reforma que é reclamada, mas também desejada. Não queremos que o Governo apenas faça, queremos que o Governo acerte. Desse ponto de vista, como calculará, tudo faremos e em tudo contribuiremos para que o Governo, ao menos agora e também agora, acerte na medida do possível.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, finalmente, dar início ao período regimental de votações.
De acordo com o guião de votações, vamos começar por votar o projecto de resolução n.º 162/VIII - Relativo à remessa de documentos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as causas, consequências e responsabilidades do acidente resultante do desabamento da Ponte sobre o Rio Douro em Entre-os-Rios à Procuradoria-Geral da República (apresentado pela Comissão).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP e do CDS-PP e abstenções de Os Verdes e do BE.

Agora, vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 109/VIII - Constituição de uma comissão eventual especializada de acompanhamento e de controlo da execução orçamental (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP, de Os Verdes e do BE.

Srs. Deputados, parece-me que a votação do projecto de resolução n.º 159/VIII - Cria uma comissão parlamentar de controlo da execução do Orçamento do Estado (PS) está prejudicada em virtude da aprovação do projecto de resolução n.º 109/VIII, a menos que o texto dos dois diplomas seja tão diferenciado que se justifique a votação dos dois. Mas creio que não.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, do nosso ponto de vista, o texto dos dois projectos de resolução é diferente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Então, são duas comissões.

O Orador: - O nosso projecto de resolução explicita claramente que se trata de uma comissão eventual, pelo que deve ser submetido à votação.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, vamos votá-lo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, vamos supor que este projecto de resolução também é aprovado. Qual é o resultado final? Criam-se duas comissões?

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - De facto, coloca-me uma perplexidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu vou no sentido do que disse o Sr. Deputado Lino de Carvalho, com a agravante de que não é «suponhamos» mas, sim, é de certeza, porque o Partido Socialista acabou de dizer que era diferente. Ora, se é diferente, isso significa que são duas comissões.
Portanto, entendam-se…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, duas comissões não pode ser, como é evidente.
Os Srs. Deputados do PS deveriam estar atentos à circunstância de não se poder criar duas comissões para tratarem da mesma matéria.
Assim sendo, parece-me que a votação do projecto de resolução n.º 159/VIII está prejudicada…

Vozes do PCP: - Exactamente!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Como é evidente!

O Sr. Presidente: - Mas, depois, vê-se! Talvez na redacção ou na constituição em concreto da comissão…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, eu penso que valeria a pena votar o projecto de resolução n.º 159/VIII, mais uma vez por uma questão de cautela, porque…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não podemos constituir duas comissões.

O Orador: - Sr. Presidente, o nosso projecto de resolução prevê a constituição de uma comissão eventual.

O Sr. Presidente: - Sim senhor. E então?

O Orador: - No projecto de resolução n.º 109/VIII, do CDS-PP, também é atribuída ao Presidente a possibilidade de dar a conformação, que, do nosso ponto de vista, deve ser…

O Sr. Presidente: - Mas a proposta pelo CDS-PP também é eventual, ou não?

O Orador: - O projecto de resolução do CDS-PP não diz.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se não diz, não prejudica. No entanto, parece-me que ela tem mesmo de ser eventual, porque, como sabe, permanente é que não pode ser.

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O Orador: - Sr. Presidente, nós não queremos criar qualquer dificuldade com isto; se V. Ex.ª tiver outro entendimento, nós aceitamos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que a votação do projecto de resolução n.º 159/VIII, do PS, fica prejudicada com a aprovação do projecto de resolução 109/VIII.
Srs. Deputados, fui informado de que há um erro no guião das votações no que respeita à apresentação do projecto de resolução do CDS-PP. Porém, os erros do guião não vinculam ninguém, uma vez que este não é, em si, constitutivo de soluções concretas. Mas, depois, resolveremos o problema, com o bom senso necessário.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 67/VIII - Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho, de 29 de Setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (2000/597/CE, EURATOM).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP, de Os Verdes e do BE.

Agora, vamos passar à votação final global do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 82/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime geral das contra-ordenações), em matéria de prescrição.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar o requerimento, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, solicitando a avocação a Plenário, para discussão e votação na especialidade, do artigo 2.º da proposta de lei n.º 94/VIII - Estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PCP, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Portanto, na sequência da aprovação do requerimento, vamos proceder à votação, na especialidade, da proposta de alteração, apresentada pelo PSD, do artigo 2.º da proposta de lei n.º 94/VIII.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para apresentar a proposta de alteração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem a palavra, mas peço-lhe que o faça o mais rapidamente possível, uma vez que a agenda de hoje está muito sobrecarregada.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, aqui, a tratar de um diploma da maior importância, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira.
Naturalmente, estamos completamente de acordo com o levantamento do sigilo bancário e com as condições que são estabelecidas para o combate a este tipo de criminalidade, mas entendemos que a decisão desse levantamento do sigilo bancário deve caber a um juiz, deve ser uma decisão jurisdicional. Esta é a nossa única discordância.
Consideramos que não deve caber ao Ministério Público, e menos ainda, por eventual delegação deste, às polícias, a possibilidade de levantamento do sigilo bancário. Há que jurisdicionalizar este tipo de decisão pelas implicações que tem, sem que, obviamente, haja da nossa parte o menor obstáculo às condições de fundo colocadas para o seu levantamento. No entanto, a sua avaliação deve ser feita por um magistrado judicial, pelo juiz competente, e não por quem tenha, numa determinada fase ou circunstância, a direcção do processo e que não dá as garantias que é necessário dar.
Ainda esta manhã falávamos numa cultura de segurança democrática. Ora, também é preciso uma cultura democrática no combate à criminalidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, do artigo 2.º da proposta de lei n.º 94/VIII.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Vamos, agora, votar o artigo 2.º da proposta de lei n.º 94/VIII.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos passar à votação final global do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 94/VIII.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 517/VIII - Primeira alteração à Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, antes de procedermos à votação, na especialidade, do projecto de lei n.º 517/VIII, chamo a atenção para a circunstância de o artigo 2.º deste projecto de lei não poder ter a redacção proposta, porque diz «A presente lei entra imediatamente em vigor.», quando o que se deveria querer dizer era «A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da publicação.»
Portanto, Srs. Deputados, se estiverem de acordo, vota-se o projecto de lei com esta correcção, que, depois, será introduzida em redacção final.

Pausa.

Visto não haver objecções, vamos votar, na especialidade, o projecto de lei n.º 517/VIII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação final global do projecto de lei n.º 517/VIII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O projecto de lei foi aprovado pela maioria constitucionalmente exigida.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, embora a sugestão formulada por V. Ex.ª quanto à redacção do artigo 2.º do projecto de lei n.º 517/VIII, que acabámos de votar, tenha o assentimento de todos os partidos, que expressamente consultei, dada a natureza urgente do diploma, peço a V. Ex.ª que faça o favor de incluir a formulação que mencionou dispensando-o da redacção final.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, se os Srs. Deputados o consentem, faço, à mão, a correcção ao artigo 2.º e rubrico-a, ficando entendido verbalmente que o fiz com o consentimento de todos os grupos parlamentares.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos para votar um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação relativo à deslocação de Sua Excelência o Presidente da República a Espanha, nos dias 2 e 3 de Novembro, que é do seguinte teor: «A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido».
Vamos votar.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de cinco relatórios e pareceres da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Golegã, Processo n.º 21/00, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Salter Cid (PSD) a prestar depoimento, como testemunha, no âmbito dos autos em referência, em audiência marcada para o próximo dia 21 de Novembro de 2001, pelas 10 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa - Processo n.º 243/93 AO - 1.ª Secção -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Manuel Frexes (PSD) a prestar depoimento, como testemunha, no âmbito dos autos em referência, em audiência marcada para o próximo dia 8 de Novembro de 2001, pelas 9 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, Processo n.º 33/2000, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Manuel Moreira (PSD) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, Processo n.º 115/01, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro (PS) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial de Ponte de Sor, Processo n.º 123/99, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro (PS) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, terminadas as votações, vamos prosseguir o debate, na generalidade, das propostas de lei n.os 92, 93 e 95/VIII, que interrompemos.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe para uma intervenção.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com o debate na generalidade que hoje tem lugar das propostas de lei relativas ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e à responsabilidade civil extracontratual do Estado iniciamos formalmente, na Assembleia, um processo de reforma do contencioso administrativo, a cuja concretização atribuímos grande importância e que poderá ser um marco importante na evolução do Direito Administrativo em Portugal e representar um grande salto em frente na tutela efectiva dos direitos dos cidadãos perante a Administração Pública.
Digo «iniciamos formalmente» porque, na verdade, o envolvimento da Assembleia da República neste processo não se inicia hoje em termos substanciais. Ainda recentemente, por iniciativa da 1.ª Comissão, teve lugar um interessante colóquio sobre este tema, que contou com a presença de iminentes especialistas na matéria. Em geral, é justo dizer que, desde há muitos meses, os anteprojectos relativos à reforma do contencioso administrativo têm vindo a ser objecto de debates públicos em diversas instituições e universidades, envolvendo um número significativo de participantes, que tivemos oportunidade de acompanhar.
A Assembleia da República não parte, por isso, da estaca zero, existe já um valioso património de reflexão sobre a matéria que temos para discussão e a partir de agora cumpre-nos tomar a iniciativa. Não se trata de repetir tudo o que já foi dito e escrito, trata-se de levar em consideração todas as opiniões já expressas, de reflectir sobre os argumentos expendidos e, finalmente, de tomar decisões.
Pela nossa parte, entendemos que a reforma do contencioso administrativo é necessária em obediência aos princípios constitucionais consagrados em 1997.
O n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, a partir da revisão constitucional de 1997, passou a garantir aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo nomeadamente o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos devidos por lei e a adopção de medidas cautelares adequadas.
Dissemos a esse propósito, no debate da revisão constitucional de 1997, que o aspecto mais importante das alterações positivas aprovadas em matéria de Administração Pública consistiu no fortalecimento claro das garantias dos administrados no artigo 268.º. E, nesse debate, na reunião realizada em Plenário em 31 de Julho de 1997, dissemos o seguinte: «Neste contexto, quero sublinhar muito em especial o facto de, para além do recurso directo de anulação, que continuará a ser, obviamente, um meio particularmente importante no plano do recurso contencioso, ter sido consagrado expressamente um conjunto de outros instrumentos que apontam para a ruptura com a consagração do contencioso administrativo como tendo um sentido meramente objectivista, meramente de defesa da legalidade, e, bem ao contrário, aparecer aqui uma preocupação muito clara de protecção de direitos e interesses legítimos, que vai no sentido da consagração da defesa da legalidade com a protecção dos direitos dos particulares».
Daí que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a reforma do contencioso administrativo, dando tradução legislativa e prática a esta significativa alteração constitucional, impõe-se, e podemos dizer que, passados mais de quatro anos sobre a revisão constitucional de 1997, esta reforma é não apenas necessária mas urgente.
Compreendemos que esta reforma, por ser profunda, não é fácil e não pode ser feita apressadamente, no entanto, consideramos que deve ser feita sem demoras. Aliás, esta reforma assenta, e bem, em diversos estudos realizados acerca da organização e funcionamento dos tribunais administrativos e tributários, que são também bons contributos para o debate que temos de realizar.
Pelo que já disse, é óbvio que, do ponto de vista global, encaramos positivamente esta reforma do contencioso administrativo. Porém, ninguém ignora que, para além de dezenas de questões mais ou menos de pormenor que têm sido suscitadas como merecendo ponderação ou mesmo como justificando alterações aos textos propostos, há grandes questões que importa equacionar e sobre as quais as opiniões se têm dividido.
Não ignoramos as críticas a esta reforma que foram enviadas à Assembleia por parte, designadamente, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da Magistratura. Independentemente da posição que possamos ter, afinal, sobre as questões suscitadas, entendemos, naturalmente, que estas entidades devem ser ouvidas pela Assembleia da República.
O debate realizado até agora tem decorrido fundamentalmente com recurso à contribuição de administrativistas, aliás, em muitos casos de ilustres administrativistas, mas esta reforma, ao alargar substancialmente o âmbito da jurisdição administrativa, diz respeito à justiça no seu conjunto. Neste sentido, entendemos que não deve haver exclusões de intervenientes do sistema judiciária no debate que ainda temos pela frente. Portanto, há que continuar o debate com as entidades que tenham, de facto, um contributo relevante a dar nesta matéria.
Há, de facto, problemas suscitados que justificam uma ponderação adequada e a devida atenção. Referirei vários a título exemplificativo por nos parecerem dos mais relevantes.
O primeiro problema que tem de ser equacionado diz respeito ao alargamento da competência material dos tribunais administrativos e fiscais e à sua compatibilização com o disposto no artigo 212.º da Constituição da República, o qual delimita o âmbito da jurisdição administrativa. E aqui colocam-se dois problemas.
O primeiro deles é o de saber se o artigo 4.º proposto para o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais é compatível com a delimitação constitucional estabelecida no artigo 212.º.
O segundo é o de saber, como já alguém também referiu nos debates preparatórios desta reforma, se não corremos o risco de, através da consagração de uma excessivamente alargada competência material dos tribunais administrativos e fiscais, inundar os tribunais administrativos, acabando por dificultar o acesso dos cidadãos à justiça administrativa.
Ora, o primeiro problema é uma questão de direito, o segundo é manifestamente uma questão de facto.
Quanto à questão de direito, devo dizer que não nos repugna, como princípio, a extensão da competência dos

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tribunais administrativos, e pensamos que é necessário adoptar uma solução clara e que acabe com a incerteza acerca da competência material dos vários tribunais. O que não é aceitável é o que se passa actualmente, isto é, que, em relação a um grande número de processos, não haja uma decisão de fundo porque os tribunais se consideram incompetentes. Ora, como isto é objectivamente uma denegação de justiça, é preciso acabar com tal situação, ainda que seja à custa de uma extensão, que, à partida, poderá chocar algumas pessoas, quanto ao âmbito de competência dos tribunais administrativos.
De facto a questão deve ser ponderada em face do texto constitucional, mas o fundamental, quanto a nós, é garantir a segurança jurídica dos cidadãos no que diz respeito à competência dos tribunais.
Quanto à questão de facto, o Governo tem de assumir uma particular responsabilidade, que é de, aprovada esta reforma, criar condições para que os tribunais administrativos e tributários tenham meios humanos e materiais para cumprir, sem morosidade excessiva, as atribuições que lhes forem confiadas.
O segundo problema que tem de ser equacionado tem a ver com o se saber se se justifica, em certos casos, a manutenção do Supremo Tribunal Administrativo como tribunal de 1.ª instância. Não é forçoso que assim seja, pois pode colocar-se a questão de determinadas competências poderem ser atribuídas ao Tribunal Central Administrativo em 1.ª instância, ficando o Supremo Tribunal como instância de recurso. É uma matéria a ponderar, mas, quanto a nós, a questão não é essencial, embora tenha, naturalmente, relevância.
Um terceiro problema que também pode ser equacionado, e sobre o qual tem havido diversas opiniões, é o da pertinência de se consagrar uma alçada para os tribunais administrativos, na medida em que isto contraria a nossa tradição administrativa e pode vir a criar diversos problemas para os quais têm sido alertados. É mais uma questão para a qual manifestamos a maior abertura tanto para discutir a melhor solução como para ouvir os argumentos pró e contra.
Um outro problema a equacionar - e este, quanto a nós, importava salvaguardar - tem a ver com o papel do Ministério Público no contencioso administrativo. E, aqui, entendemos que se deve, de facto, salvaguardar o papel do Ministério Público em defesa da legalidade, mesmo nas situações em que não exista um particular lesado mas em que haja uma violação da legalidade. Entendemos que não deve ser diminuído, de maneira nenhuma, o papel do Ministério Público no contencioso administrativo e que isso não decorre desta reforma proposta, mas, como foi uma questão levantada durante o debate, deve ser devidamente salvaguardada nos diplomas que vierem a ser aprovados.
Poderia, naturalmente, elencar outras questões relevantes, que importa equacionar neste debate, mas entraríamos, manifestamente, a entrar em sede de especialidade, o que, aliás, de certa forma, já fiz. De qualquer modo, penso que será mais produtivo fazê-lo aquando do debate na especialidade, o qual, dada a extensão dos diplomas, terá de ser relativamente longo, mas esperamos que não seja um processo que dê um mau exemplo de morosidade, que manifestamente queremos evitar não só no funcionamento da justiça como também no do Parlamento.
Finalmente, estamos, de facto, perante uma reforma que é exigente, desde já para o legislador, que tem de saber consagrar soluções adequadas para a justiça administrativa em Portugal, para o Governo, por razões que já referi e que se prendem com a necessidade de criar condições para que tudo isto possa funcionar de uma forma adequada e eficaz, e será exigente para os tribunais administrativos e será mais ainda para a própria Administração Pública, que terá de conviver com um regime de justiça administrativa que comporta muito mais exigências do que aquelas que actualmente tem, dada a relativa inacessibilidade dos cidadãos à justiça administrativa. Nós não nos incomodámos com estas exigências, porque pensamos que elas são úteis para os cidadãos, que, desta forma, vêem reforçados os seus direitos enquanto administrados e que, fundamentalmente, passam a dispor de meios jurisdicionais para fazer valer esses direitos, o que é extremamente importante, pelo que interessa ressaltar positivamente.
Srs. Presidente e Srs. Deputados, é isto o que se nos oferece dizer, na generalidade, acerca desta reforma, manifestando aqui a nossa inteira disponibilidade para o debate na especialidade, que vai ser necessário, e é importante que seja feito com a devida celeridade.

Aplausos do PCP.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estados, Sr.as e Srs. Deputados: Não gastarei mais de 30 segundos, pois apenas quero especificar algo que há pouco não pude precisar por falta de tempo, a fim de cumprir a promessa que havia feito ao Sr. Presidente da Assembleia da República.
Efectivamente, o regime do artigo 89.º, no que toca ao despacho saneador, prevê, porventura de forma mais grave do que antes tinha referido, que as questões que obstem ao conhecimento do mérito do processo não sejam sequer conhecidas. Porquê? Porque no n.º 2 deste artigo estipula que «As questões (…) que não tenham sido apreciadas no despachado saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas.», o que significa que, no caso de não terem sido apreciadas no despacho saneador, mais tarde não poderão voltar a ser, o que equivale a uma verdadeira denegação de justiça. E, deste ponto de vista, é, porventura, mais grave do que a possibilidade da sua reapreciação, com a implicação de morosidade processual. Isto porque, entre termos morosidade processual e termos denegação de justiça, então, antes, a morosidade processual.
É apenas uma nota, que parece que decorre da simples leitura do teor da alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º e do seu n.º 2. Mas certamente V. Ex.ª terá a possibilidade de nos esclarecer se assim não for.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, congratular-me pelo consenso, que me pareceu unânime, das diferentes

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bancadas quanto à apreciação, na generalidade, das propostas de lei n.os 92, 93 e 95/VIII, pois tem toda a importância que uma reforma desta dimensão e com as consequências que tem, quer para o conjunto da administração da justiça, quer, como bem sublinhou o Sr. Deputado António Filipe, para o funcionamento da nossa Administração, possa recolher e seja objecto de um amplo consenso parlamentar, e o Governo satisfaz-se por, de algum modo, ter contribuído para isso.
Quanto às questões que foram colocadas, começarei pelas questões de método suscitadas pelo Sr. Deputado Guilherme Silva.
Sr. Deputado, como sabe, fizemos acompanhar os trabalhos preparatórios de um trabalho com a Andersen Consulting, S. A., tendo em vista o estudo do sistema de gestão e de organização e o levantamento dos meios necessários à implementação da reforma. Assim, pedimos uma vacatio legis longa, de um ano, porque nos parece essencial para a boa aplicação desta reforma que os meios estejam implementados. Aliás, na minha intervenção pude exemplificar um conjunto de meios que são necessários, como sejam a abertura de, pelo menos, 10 novos tribunais administrativos de círculo, o recrutamento de 80 novos magistrados judiciais e a sua formação especializada, etc.
Temos consciência, designadamente, de que não é possível ir buscar esses 80 magistrados judiciais à magistratura judicial, tendo em conta a carência de quadros. Portanto, teremos de utilizar a norma que hoje já permite a realização de um curso especial para recrutamento de magistrados para os tribunais administrativos e fiscais.
É evidente que este trabalho tem de ser cruzado, como obrigação que já decorre da aprovação pela Assembleia da República da Lei Geral Tributária, o que implica a transição da responsabilidade administrativa pelos tribunais tributários do Ministério das Finanças para o Ministério da Justiça.
Há as adaptações, designadamente a mobilização de meios, para a reinstalação dos tribunais tributários, e julgamos ser a oportunidade para, simultaneamente, permitir a instalação dos novos tribunais administrativos. Mas, como já tive oportunidade de dizer muito claramente na Comissão e volto a dizer aqui com toda a franqueza, nós não poderemos garantir a implementação destes meios em menos de um ano e não poderemos iniciar nem desencadear os procedimentos para a sua instalação sem que esta lei seja previamente aprovada pela Assembleia da República, por, nos termos da legislação financeira, não podermos desencadear os procedimentos sem termos a legislação.
Portanto, a Assembleia da República fixará, naturalmente, o seu ritmo de trabalho - não quero interferir nisso -, mas temos de ter consciência de que esse ritmo de trabalho determinará a data de entrada em vigor destas medidas.
Os Srs. Deputados Guilherme Silva e António Filipe suscitaram a questão das alçadas e manifestaram designadamente preocupação quanto às custas. Srs. Deputados, as custas serão alvo de um diploma que teremos de fazer ao longo do próximo ano, e creio que não temos motivos para preocupações sobre o que elas virão a ser. De qualquer modo, na altura própria poderemos tratar desta questão. Já as alçadas são, para mim, uma questão de princípio e que se deve introduzir aqui para regular a tramitação do processo.
Quanto às custas, temos neste momento o trabalho iniciado, mas é preciso, digamos, ter o trabalho mais avançado para podermos falar sobre esta questão.
O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo colocou, como é hábito, a questão da defesa da pouca atenção ao patrocínio forense. Sr. Deputado, insisto com a minha resposta: a Ordem dos Advogados tem de decidir sobre o que entende sobre o exercício da profissão. Ou a Ordem dos Advogados entende, como parece entender, pelo menos pelo que ouço os seus dirigentes dizerem, que já há licenciados em direito a mais e advogados a mais e que a inscrição da Ordem é uma coisa residual, onde vão parar todos os licenciados em direito que não têm mais nada para fazer, e, então, neste caso, deve apoiar a existência de profissões jurídicas alternativas à advocacia, que é o que me parece inteligente. Ou, então, a Ordem dos Advogados entende que só pode ter profissão jurídica quem for advogado, e, assim, não pode queixar-se de haver um excesso de advogados inscritos na Ordem.
Agora, hão-de compreender - até a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite daria um salto na cadeira só de pensar que assim seria - que a Administração, que paga aos seus funcionários juristas, ainda teria de fazer mais despesas a contratar advogados para a representar em juízo. Então a Administração, que tem funcionários licenciados em direito, não pode fazer-se representar pelos seus licenciados em direito?! Sempre o fez! Não seria agora, quando é necessário controlar a despesa pública, a contratação de pessoas - boys and girls, como o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo diria que se estaria a fazer -, que iríamos contratar mais gente! Não! Temos de aproveitar os quadros que a Administração já dispõe! Porém, com uma inovação muito importante que consta desta proposta de lei e que ainda não está referida nesse parecer da Ordem dos Advogados, o qual, como sabe, não incide sobre a proposta de lei mas sobre um projecto anterior à proposta de lei.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Mas que nesta parte é igual!

O Orador: - Ora, como costumamos dar ouvidos às críticas razoáveis que nos são dirigidas, várias das críticas que constam desse parecer, hoje, já não têm razão de ser, porque já estão incorporadas na própria proposta de lei.
Uma das coisas que incorporámos, e que, creio, responde à preocupação, que nos pareceu razoável, da Ordem dos Advogados, é que até os licenciados em direito, quando intervêm no processo em representação da Administração, têm de estar sujeitos às obrigações deontológicas a que estão sujeitos os advogados. Esta foi uma das questões razoáveis que nos foi colocada, dizendo-nos, por exemplo: mas, numa negociação com a Administração, em que esta está representada por um licenciado em direito, nós estamos sujeitos a um segredo profissional e ele não, o que introduz uma enorme desigualdade. Ora, a desigualdade é eliminada, e ele também fica sujeito ao segredo profissional.
É claro, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que há uma outra solução: é a Ordem dos Advogados permitir a inscrição aos funcionários públicos que são licenciados em direito e que preencham as condições para o exercício da advocacia.
Agora, o que a Ordem não pode querer é que os funcionários públicos licenciados em direito não possam inscrever-se na Ordem, e por isso, depois, não possam ser utilizados para representar a Administração. Isto já não é aceitável.
O Sr. Deputado António Filipe coloca a questão de ainda haver um excesso de competências em 1.ª instância e

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no Supremo Tribunal Administrativo. Bom, Sr. Deputado, diminuímos significativamente! Todos os actos de membros do Governo, que eram julgados exclusivamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, deixaram de o ser e passaram para o tribunal administrativo de círculo. Mantivemos um critério que é idêntico ao que consta no Código de Processo Penal, relativamente a foro próprio, para os altos dignitários do Estado, ou seja, o Presidente da Assembleia da República, o Presidente da República, os presidentes dos tribunais supremos. Foi este o critério que adoptámos e que é idêntico ao do Código de Processo Penal.
Quanto ao Ministério Público, estamos totalmente de acordo. É indiscutível a necessidade de manter a presença do Ministério Público na defesa da legalidade, mesmo quando não haja interesses particulares atingidos. É, aliás, essa a função que reforçamos nesta reforma.
Onde aligeiramos a intervenção do Ministério Público é, precisamente, nas outras situações, em que o recurso não foi interposto pelo Ministério Público mas por um particular - o que pressupõe que há um particular que está a defender o seu próprio interesse -, nas quais não faz sentido o Ministério Público ter uma intervenção como assistente do particular ou como consultor jurídico do tribunal. Nestas situações é que, efectivamente, restringimos. No entanto, reforçamos a legitimidade do Ministério Público para a impugnação da legalidade, não só dos actos administrativos como também das normas regulamentares.
Uma questão comum a todos os Srs. Deputados é a preocupação quanto ao âmbito da jurisdição administrativa. Aí, Srs. Deputados - em particular, Sr. Deputado Guilherme Silva, que me colocou, em primeiro lugar, a questão da constitucionalidade -, creio que é hoje pacífico (estão todos de acordo) que a competência fixada constitucionalmente é uma competência regra e, como tal, o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de permitir algumas entorses à competência regra.
Há entorses que mantemos, como, por exemplo, o caso dos actos do Conselho Superior da Magistratura, que, como são actos meramente administrativos, deviam ser recorríveis para a jurisdição administrativa. No entanto, por uma questão de respeito pela tradição, mantemos o recurso dos actos do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça, que mantém, por isso, uma secção de competência administrativa para julgar os actos do Presidente do Supremo e os actos do Conselho Superior da Magistratura. É uma entorse à competência regra.
Há outra, clássica, que diz respeito aos recursos dos actos administrativos de aplicação das contra-ordenações. Como actos administrativos que são, poderiam vir para a jurisdição administrativa, mas mantivemos nos tribunais comuns. De facto, há aqui, também, uma entorse à competência regra, é verdade, mas agora em sentido contrário, quanto a um conjunto de actos que, actualmente, estão nos tribunais comuns, no contencioso dos contratos e da responsabilidade civil, o que se verifica por uma razão pragmática.
Ao longo de décadas, nem a doutrina nem a jurisprudência se conseguiram entender, e fazerem entender-nos, quanto a um conceito, certo e seguro, do que é um contrato administrativo, do que é que são actos de responsabilidade que devam ser da competência dos tribunais administrativos e os que devam ser da competência dos tribunais civis. Portanto, sucedem-se os conflitos positivos, sucedem-se os conflitos negativos e quem já patrocinou causas nos tribunais administrativos sabe a angústia que tem no momento em que tem de escolher em que tribunal é que vai interpor o recurso e as decisões sistematicamente contraditórias que todos os tribunais tomam sobre esta matéria.
O estudo do Prof. Vital Moreira é, aliás, elucidativo: nos tribunais administrativos de círculo, 60% dos processos «morrem» por questões formais e não por uma decisão de mérito.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - E a principal das questões formais é a incompetência dos tribunais.
Portanto, ou os Srs. Deputados resolvem aquilo que a doutrina e a jurisprudência não resolveram ao longo de décadas e conseguem definir um conceito claro, inequívoco e pacífico do que é um contrato administrativo e, óptimo, dou os meus parabéns, e nesse caso a competência será em função da natureza do contrato; ou os Srs. Deputados conseguem definir quais são os actos da responsabilidade de uma entidade pública, que são actos de gestão pública, e quais é que são os de gestão privada e, assim, afectar distintamente a competência, e também darei os meus parabéns; ou mantemos a situação de dúvida permanente, com um grau de incerteza jurídica muito elevado e altamente prejudicial aos interesses dos particulares; ou, então, temos de adoptar um critério pragmático.
Esta situação não é única. É o critério que se adoptou para, por exemplo, as contra-ordenações. Para evitar estarmos sempre a discutir se aquela infracção é, ou não, crime, foi adoptado um critério formal: estando previsto coima, é contra-ordenação; não estando previsto coima, é outro tipo de ilícito. Porque é que não o podemos fazer aqui? Há inúmeros exemplos.
O Sr. Deputado Jorge Lacão falou do contencioso, designadamente no direito do trabalho. Com a multiplicação de formas de contratação no âmbito da administração central e da administração local, há casos em que as pessoas que vêem rescindidos os seus contratos e que têm um contencioso com a entidade pública têm que ir discutir, simultaneamente, para os tribunais administrativos, porque pode ser um contrato de natureza administrativa, para os tribunais de trabalho, porque pode ser um contrato de natureza jus laboral, e, ainda, para os tribunais civis, porque pode ser um contrato de prestação de serviços.
Já dei, outro dia, um exemplo de uma situação em que isso sucedeu e em que estavam os três tribunais entendidos sobre a sua própria incompetência: nem os tribunais administrativos, nem os tribunais laborais, nem os cíveis eram competentes.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem de terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Ao fim de sete anos, a pessoa em causa sujeitou-se a um acordo absolutamente miserável, porque já não aguentava estar mais tempo à espera de saber esta coisa simples: qual é o tribunal competente.
E aqui, entre nós, Srs. Deputados, quando os tribunais administrativos tinham uma natureza distinta da dos tribunais judiciais, a questão ainda podia fazer sentido. Hoje, os tribunais administrativos têm uma natureza exactamente idêntica à dos tribunais judiciais. O que os distingue é a competência, cujo critério é afixado na lei.

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Portanto, ou termos um critério material claro e objectivo, ao qual podemos recorrer, ou, então, Srs. Deputados, peço-vos que adoptem uma solução pragmática que assegure o essencial, que é um critério claro que proteja os cidadãos e não os faça andarem de um lado para o outro «aos papéis» como se fossem uma bola de pinguepongue, porque eles têm direito a ser tratados com respeito e a obterem uma decisão de mérito, em tempo oportuno.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção, visto que ainda disponho de 1 minuto e 4 segundos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, não resisto a fazer-lhe um reparo.
V. Ex.ª entende que pode exercer a advocacia quem não seja advogado, desde que patrocine a Administração Pública. Pergunto: porque é que um advogado para exercer a advocacia tem de ter um curso de 18 meses, não remunerado, na Ordem dos Advogados, tem de estar inscrito na Ordem dos Advogados, tem de pagar quotas à Ordem dos Advogados, tem despesas com a Caixa de Providência dos Advogados e Solicitadores, tem despesas de escritório, tem despesas de funcionários e alguém que é mero licenciado em Direito pode, sem nenhum destes encargos e, inclusivamente, beneficiando do patrocínio do Estado, porque até usa as instalações do Estado, desempenhar a mesma actividade? Não faz sentido.
Mais: porque é que para se exercer a medicina se tem de ser médico, para se exercer engenharia ser engenheiro, para se exercer contabilidade ser contabilista, mas para se exercer a advocacia não se tem, neste caso, de ser advogado?
Sr. Ministro, é isso que não faz sentido. Não é o caso, como V. Ex.ª pretende fazer crer com carácter um pouco redutor, apenas das pessoas que, por força de uma incompatibilidade que é a sua contratação, são obrigadas a suspender a inscrição na Ordem. Não é isso! Estamos a falar de licenciados em Direito que não tiveram a formação jurídica essencial - que o Governo entendeu, também, ser essencial - para que possam exercer a advocacia, e que o poderão fazer nestas circunstâncias.
Finalmente, Sr. Ministro, no que toca à competência dos tribunais administrativos e fiscais, que me conste não são tribunais comuns, sequer de competência especializada. De resto, se V. Ex.ª atentar no parecer do Conselho Superior de Magistratura, verificará que uma das críticas que é apontada é que, não sendo os tribunais administrativos e fiscais tribunais comuns de competência especializada (como acontece, por exemplo, em Espanha), criam-se dois direitos privados: um, para as relações entre os particulares e os tribunais comuns, e outro, para os tribunais administrativos. A crítica não é minha, nem é dos advogados, nem é da Ordem dos Advogados; é do Conselho Superior da Magistratura, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro, a quem o Grupo Parlamentar do Partido Socialista concedeu 2 minutos.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Melo, vamos ver se nos entendemos. Quando aqui vim pela primeira vez depois de ter assumido as funções que hoje tenho, os Srs. Deputados fizerem um «punching ball», a dizer «o Ministro está aqui ao serviço dos interesses corporativos». E eu expliquei que não estava.
Cada vez que venho cá, sou alvo de sucessivos arremessos da posição da Ordem, da posição do Conselho Superior da Magistratura, da posição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses… Já conheço essas posições. No entanto, tal como o Governo tem o dever de ouvir essas entidades, de ponderar sobre o que dizem e de decidir, os Srs. Deputados também o deverão fazer, mas com uma leitura crítica de tudo o que essas entidades dizem, porque sabe que nem tudo o que dizem é, necessariamente, correcto.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Mas isto não faz sentido, Sr. Ministro!

O Orador: - Quanto à questão dos advogados, Sr. Deputado, as normas que constam do Estatuto da Ordem sobre os requisitos para o exercício da advocacia são, fundamentalmente, normas que o Estado emitiu para protecção do mercado, para protecção dos cidadãos de forma a que contratem pessoas com um grau de qualificação necessária a uma boa tutela dos seus direitos. O que pretendemos aqui é saber quem é que representa o Estado e o conjunto da Administração, os quais não creio que precisem da tutela que o cidadão precisa para saber quem os representa.
Além do mais, por uma razão simples: se eu entender que, no meu Ministério, não tenho nenhum jurista qualificado para o representar, estou sempre livre de contratar um advogado. O Sr. Deputado diz: «mas porque é que não contrata o advogado?». Por uma razão. Sabe qual é? É que a Ordem dos Advogados tem um entendimento diverso das outras Ordens. Um médico que seja funcionário do Ministério da Justiça não está impedido de exercer a medicina pelo facto de ser funcionário do Ministério da Justiça, mas um advogado que se torne funcionário do Ministério da Justiça fica impedido de exercer a advocacia.
Portanto, se a Ordem entender…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E quem não seja médico, pode exercer a medicina?

O Orador: - Não! Claro que não pode!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Pois não! Mas quem não seja advogado pode exercer. A questão é essa!

O Orador: - Não pode ser advogado, porque a Ordem não permite a sua inscrição. Essa é a razão! Caso contrário, poderia ser advogado. É muito simples.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, do restante tempo que à minha bancada resta, quero procurar dar um contributo, no sentido de que considero que todos estaremos de acordo que um debate destes não é para fazer um ritual mas para concorrermos para o processo de esclarecimento mútuo. É nesse espírito que aqui estamos.
O Sr. Ministro colocou questões altamente relevantes quanto à problemática do âmbito jurisdição. Acompanhamo-lo

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e tive mesmo, há pouco, ocasião de sublinhar inovações muito positivas que, nesse domínio, são feitas.
Em todo o caso, chegamos a um ponto em que, penso, vale a pena ponderar se procuramos soluções que nos aproximem ou nos afastem ainda mais daquilo que é o disposto no n.º 3 do artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa, relativamente ao âmbito de competência dos tribunais administrativos.
Vou dar alguns exemplos.
No domínio da responsabilidade extracontratual, toda a responsabilidade extracontratual passará a incumbir aos tribunais administrativos por actos de gestão pública ou por actos de gestão privada. No entanto, interrogo-me: a partir do momento em que fazemos uma revisão tão significativa do regime da responsabilidade civil da Administração, porventura não valerá a pena dar o passo, que aparentemente ainda falta, de superar essa dualidade entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, de forma a resolvermos, de vez, um problema? Creio que vale a pena ponderar isso.
Outro problema: os tribunais serão competentes para toda a matéria do domínio dos contratos em que haja participação da Administração, designadamente ao nível das relações laborais. Qual é o processo que, neste domínio, está previsto? É o das acções comuns, que manda aplicar o do regime do processo civil, se bem interpreto aquilo que resulta da proposta do Governo.
Ora bem, nesta matéria do contrato individual de trabalho, justamente no domínio civil, há um processo especial, que é o processo de trabalho. Porventura, se assim for, então, temos de prever a possibilidade de, quando o tribunal administrativo estiver confrontado com matéria do contrato individual de trabalho, aplicar por derivação, não a acção comum do processo civil, mas, no domínio do processo civil, a acção especial do processo de trabalho. Fará sentido o que estou a dizer? Ou não fará? Vale a pena ponderar, penso eu.
Admito, ainda, que noutras questões, como, por exemplo, essa dificílima questão de saber qual o tratamento a dar às entidades privadas de mão pública, tenhamos de fazer alguma ponderação. Porque, porventura, poderá ser um pouco estranho que, depois, estejamos colocados em situações em que, por exemplo, todo o litígio de uma unidade hospitalar submetida às regras dos institutos públicos vá parar ao tribunal administrativo, mas se uma unidade hospitalar estiver submetida à regra do direito privado todo o litígio dela decorrente, em situações materiais absolutamente idênticas, vá parar a tribunais comuns do âmbito cível.
Portanto, penso que, talvez mesmo nestes domínios, tenhamos de nos interrogar sobre se, justamente no alargamento do âmbito da jurisdição, não deveremos ir até um certo ponto e perguntar se algumas entidades ditas privadas, mas que serão claramente de mão pública e que, na sua função essencial, realizam o interesse público, que têm como finalidade realizar esse interesse na perspectiva do bem comum, devem ou não ser equiparadas para efeitos da jurisdição administrativa.
Ora, penso que, sobre estes pontos e outros que já não há tempo para sublinhar aqui, importa fazer uma adequada ponderação na especialidade.
Se me é permitido tirar daqui alguma ilação, penso que estamos conscientes disso e penso que todos estamos empenhados em fazê-lo no sentido de valorizar a proposta e não de a comprometer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate conjunto, na generalidade, das propostas de lei n.os 92, 93 e 95/VIII.
Passamos ao próximo ponto da ordem de trabalhos que consta da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 289/VIII - Define o regime fiscal de combate à especulação imobiliária nas zonas de continuum urbano e define o programa de recuperação do parque habitacional (BE).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que vamos apreciar agora é a cobrança de uma promessa.
Há quatro anos atrás, um número importante de candidatos às câmaras municipais, muitos deles hoje presidentes, entre os quais o Presidente socialista da Câmara de Lisboa, comprometeu-se a propor e a insistir junto do Governo, desta Assembleia, que é quem tem poderes para decidir sobre isto, para que fosse apresentado um conjunto de iniciativas fiscais e outras que respondessem ao desequilíbrio no mercado da habitação, à especulação imobiliária e, em particular, à situação devastadora que ocorre nas principais áreas metropolitanas do País.
Na Grande Lisboa e no Grande Porto - e os números exactos serão confirmados quando o censo estiver completamente apurado -, existem, segundo as indicações parcelares já disponíveis, cerca de 110 000 fogos devolutos, a maior parte dos quais, aliás, em grande estado de degradação, fogos esses que importa recuperar, nomeadamente para atingir vários objectivos: criar um mercado de habitação que não existe, combater a rigidez, por parte da oferta, na fixação dos preços de compra e venda de habitações e conseguir uma recuperação da população nestes centros urbanos.
Uma das medidas mais importantes que pode e deve ser adoptada a esse respeito foi, justamente, a contida na promessa desses candidatos a presidentes de câmara.
Não consta que tenham feito a este respeito muitas iniciativas ou que tenham desenvolvido grande esforço. Certo é que este projecto de lei do Bloco de Esquerda, que foi apresentado há mais de um ano, é agora discutido.
É verdade, também, que deve o mesmo fazer parte de um debate geral sobre a estratégia de correcção da legislação no que diz respeito ao património imobiliário.
No entanto, essa promessa do Governo ficará por cumprir, porque se este projecto de lei tem mais de um ano, é certo que, durante esse ano que transcorreu, o grupo parlamentar da maioria que apoia o Governo começou por prometer uma revisão da legislação sobre o património imobiliário, para o primeiro trimestre, depois, para o segundo trimestre e, depois, até em instâncias internacionais, comprometeram-se a que nova legislação vigoraria no dia 1 de Janeiro do ano 2002.
Como sabemos, essa legislação nunca foi proposta, não consta sequer que venha a ser proposta. A única iniciativa legislativa que apareceu a este respeito, a da autoria da ECORFI (Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal), de Ricardo Sá Fernandes, desapareceu na gaveta assim que foi apresentada este Verão. Não há projecto, não há proposta.
Mas, ao reconhecer que o plano fundamental de alteração da fiscalidade no progresso da reforma fiscal teria de

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passar pela correcção dos erros da legislação sobre a tributação do património imobiliário, parecia haver um consenso ou, pelo menos, uma maioria, indicando uma urgência nesta matéria. Mas foram palavras que não se transformaram em actos.
O presente projecto de lei vai, portanto, no exacto sentido das exactas promessas de autarcas e de dirigentes políticos, feitas há quatro anos atrás. Baseia-se o mesmo em experiência confirmada, verificada, explorada no terreno, de legislações de outros países europeus que se confrontaram com o mesmo problema que nós temos, o da existência de todo este património imobiliário a degradar-se em grandes metrópoles das quais a população foge por não ter condições económicas, por não ter condições sociais, para poder reocupar esses fogos.
Propõe, então, este projecto de lei, como fez outra legislação europeia, que se institua uma taxa agravada no caso de concelhos de mais de 30 000 habitantes, em zonas de habitação contínua, agravando a contribuição autárquica ou qualquer outro imposto que venha a substituí-la, e que este agravamento seja progressivo, dramático, de tal modo que estimule a colocação dessas habitações no mercado, isentando, naturalmente, casos em que senhorios tenham as habitações desocupadas por razões que não lhes sejam imputáveis ou que sejam economicamente justificáveis. E, nesses casos também, promove um plano de recuperação que permita a concessão de crédito ou de apoios a senhorios ou a quem os substitua no exercício desta obrigação e, nomeadamente, também a inquilinos perante casos de recusa de senhorios, na linha do mesmo princípio que, aliás, já vigora noutros âmbitos da legislação portuguesa.
Ora, a combinação destas duas medidas é o ponto fundamental deste projecto de lei e é por isso que esperamos que, sendo discutido, seja também aprovado.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Marqueiro.

O Sr. Rui Marqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Entendeu o Bloco de Esquerda apresentar a esta Assembleia o projecto de lei n.º 289/VIII em que propõe duas medidas: uma para tentar combater a especulação imobiliária; outra, para promover a recuperação do parque habitacional degradado.
Para combater a especulação imobiliária, o Bloco de Esquerda propõe o agravamento da taxa da contribuição autárquica, ou do imposto sobre património imobiliário que substitua esta última, estabelecendo três escalões diferentes consoante os anos de desocupação dos prédios urbanos. Para promover a recuperação do parque habitacional, define, sem definir, o programa de recuperação do parque habitacional.
Abordemos a primeira medida.
O agravamento da taxa da contribuição autárquica verificar-se-ia em relação a prédios urbanos que permaneçam desocupados pelo menos dois anos consecutivos, em zonas de habitação contínua, em concelhos com mais de 30 000 habitantes.
O Bloco de Esquerda propõe-nos, assim, que usemos a contribuição autárquica para procurar dissuadir todos aqueles que pretendam manter prédios urbanos expectantes e que melhor seria que os colocassem à disposição do mercado de arrendamento ou do mercado da construção, não favorecendo, portanto, a especulação imobiliária. Esta ideia base já apareceu vertida no projecto de lei n.º 495/VII, igualmente apresentado pelo Bloco de Esquerda.
Não nos parece que esta medida, isoladamente, resolva o problema da especulação imobiliária. Pode ser uma medida terapêutica adjuvante, de aplicação concreta, a meu ver, difícil, mas nem por isso deixa de ser uma possibilidade de opção política que o Governo poderá tomar, se assim o entender, na esperada reforma da tributação sobre o património, intervindo fiscalmente, de modo acrescido, no sector imobiliário.
Não sendo eu próprio um especialista em matéria fiscal, parece-me, contudo, que há imprecisões no presente projecto de lei que convém analisar, sob pena de uma ideia que poderá ser eventualmente positiva transformar-se num problema maior do que aquele que pretende resolver.
Se lermos com atenção o preâmbulo do projecto de lei, verificaremos que o Bloco de Esquerda fala, e bem, em «prédios urbanos». No entanto, o título do artigo 1.º é «Introduz uma taxa sobre habitações desocupadas».
Lendo o preâmbulo, parece que o Bloco de Esquerda pretende atacar o problema das habitações desocupadas e dos terrenos expectantes - leia-se o segundo e o terceiro parágrafos do preâmbulo.
O título do artigo 1.º refere «habitações desocupadas» mas, no articulado, consta de novo a referência a «prédios urbanos».
No seguimento do articulado, tudo aponta para que o agravamento da taxa de contribuição autárquica só se aplicará aos prédios urbanos destinados a habitação, o que tem de interpretar-se assim face ao que se escreveu no n.º 2 do artigo 1.º. Então, o diploma pretende aplicar-se apenas às habitações ou também aos terrenos aptos para a construção que estejam expectantes?
Por outro lado, considera o Bloco de Esquerda que os prédios urbanos desocupados são aqueles cuja ocupação tenha sido inferior a 90 dias em dois anos consecutivos e em cada um dos anos em referência. Penso haver uma gralha no texto onde está «inferior a 90 dias». Creio que deve constar «superior a 90 dias».
Pergunto: Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, acaso VV. Ex.as esqueceram os emigrantes e as suas casas de habitação em Portugal que, por via de regra, são ocupadas durante um mês por ano? Então, e as segundas habitações em zonas balneares e turísticas? Será que, nestes casos, os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda entendem que deve actuar o n.º 3 do artigo 1.º?
O que quer dizer «a desocupação seja independente da sua vontade»? Que significa isto? Considero-o suficientemente vago e impreciso para gerar imensos problemas.
Aprendi, nesta Assembleia, que, em Direito, deve ser-se sempre preciso e, por maioria de razão, em direito fiscal.
Por tudo o que já disse, o projecto de lei parece-me incompleto e confuso, portanto, de rejeitar.
Permitam-me que introduza neste debate uma perspectiva municipal.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda considera abrangidos por estas medidas apenas os concelhos com mais de 30 000 habitantes. Bem sei que este é um problema muito grave nas áreas metropolitanas, mas penso que é errada esta opção.
Especulação imobiliária e habitações desocupadas há por todos os concelhos do País, com grau e intensidade diversos, e, sendo a contribuição autárquica um imposto cobrado em todo o País, não posso concordar com a excepção que é proposta.

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Por outro lado, fala-se em «habitação contínua» e cabe perguntar como é que o Bloco de Esquerda define este conceito. Trata-se de habitação geminada ou de habitação com espaços entre cada prédio? E qual o espaço a considerar entre as habitações?
Perdoem, Srs. Deputados, mas creio preferível que se tivesse falado em «prédios urbanos destinados à habitação, incluídos nos aglomerados urbanos definidos nos planos directores municipais». Na falta destes, deveria adoptar-se a definição «aglomerado urbano».
Não devemos esquecer que quase todos os municípios portugueses possuem planos directores municipais ratificados pelo Governo e publicados no Diário da República, nos quais se definem os aglomerados urbanos das povoações. Salvo melhor opinião, «habitação contínua» é uma expressão difícil de definir e de quantificar. A terminologia por mim apontada parece-me mais correcta e precisa.
Quanto à segunda medida, o Bloco de Esquerda define, sem definir, o programa de recuperação do parque habitacional. Afinal, quais são as medidas propostas?
Quero crer que VV. Ex.as querem referir-se ao Pacto para a Modernização do Parque Habitacional. Mas este já existe há algum tempo e não é necessário que VV. Ex.as proponham o que o Governo já fez. O Pacto possui mecanismos - os programas RECRIA, SOLARH, REHABITA, etc. - que permitirão reabilitar os centros urbanos através do incentivo à habitação com comparticipação de dinheiros públicos e visam a valorização efectiva do património habitacional e a melhoria das condições de habitação das famílias.
Em resumo, Srs. Deputados, algumas ideias gerais generosas não fazem necessariamente um bom projecto de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está em apreciação um projecto de lei do Bloco de Esquerda que, supostamente, define o regime fiscal de combate à especulação imobiliária nas zonas de continuum urbano e define o programa de recuperação do parque habitacional.
Este projecto de lei merece total censura e desaprovação por parte do PSD; quer no plano da sua concepção, quer quanto à respectiva motivação, quer, ainda, quanto às soluções preconizadas.
Iniciando a análise pela concepção do projecto de lei, dir-se-á, em resumo, que o Bloco de Esquerda pretende, por um lado, aplicar taxas confiscatórias, a nível de contribuição autárquica, a prédios urbanos que permaneçam desocupados durante pelo menos dois anos consecutivos e, por outro lado, pretende definir um suposto programa de recuperação do parque habitacional.
Ora, em boa verdade, o projecto de diploma constitui um perigoso vazio legal pela omissão reguladora que consubstancia. Em que consiste uma «zona de continuum urbano»? Qual a entidade que constata a desocupação? E esta em que consiste tecnicamente? Perante quem é feita a prova da desocupação?
Estas são algumas perguntas essenciais que o projecto de diploma deixa sem resposta.
E o grave é que dá a ideia de que a tal falta de resposta é propositada, ou seja, dá a ideia de que o Bloco de Esquerda pretende tão-só lançar para a discussão, sem fundamento sério, ideias caducas, correntes no post 25 de Abril e agora ressuscitadas para uma pretensa luta de classes entre senhorio e inquilino ou entre promotores imobiliários e interessados compradores de casa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quase!

O Orador: - O projecto de diploma chega ao ponto, no seu artigo 2.º, de referir que: «É definido o Programa de Recuperação do Parque Habitacional (…)».
Pois bem, a definição fica exclusivamente pela palavra, uma vez que o texto é inaceitavelmente vago sobre o conteúdo do famigerado Programa. A não ser - e isso não vem explicado - que o Bloco de Esquerda reconduza o tal programa de recuperação à aplicação de taxas confiscatórias de contribuição autárquica a prédios desocupados por dois anos consecutivos.
Também quanto à motivação merece censura o projecto em análise. O Bloco de Esquerda configura a especulação imobiliária como causa de rigidez do mercado imobiliário e de favorecimento da degradação de prédios construídos.
Sem negar a existência de especulação imobiliária, neste momento, no nosso país, embora sem o peso de outrora, não é ela, nem pouco mais ou menos, a causa essencial da degradação dos prédios construídos e da desocupação de muitos. São várias outras causas.
A essencial consistiu no congelamento, durante dezenas de anos, das rendas, num mercado em permanente evolução, daí resultando a degradação progressiva do património imobiliário nacional, face à incapacidade dos senhorios para realizarem obras de conservação.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O lançamento no mercado, para venda, de andares degradados, por falta de obras enquanto estiveram arrendados, leva, necessariamente, à sua desocupação, pois não aparece quem os queira comprar face à concorrência do produto novo, lançado no mercado.
O fenómeno é recorrente nos centros das cidades perante a acelerada degradação que aí ocorre ao nível da segurança, do trânsito, da qualidade de vida em geral.
É paradigmática a questão da falta de estacionamento. Muitos andares na cidade de Lisboa permanecem desocupados em prédios antigos porque, não tendo estacionamento privativo, não encontram imediatamente procura no mercado, nem por casais jovens que, trabalhando já ambos os membros, e dispondo de automóvel, reputam o lugar de estacionamento como elemento essencial.
Entrando agora, e finalmente, na solução proposta pelo Bloco de Esquerda, desconhecendo-se em que consiste o tal programa de recuperação do parque habitacional, dir-se-á que é totalmente inaceitável a aplicação de taxas confiscatórias de contribuição autárquica a prédios desocupados.
Basta pensar, por exemplo, na legitimidade que assiste a uns pais de terem desocupado um andar por um período superior a dois anos porque o destinam a um filho ou filha que vai casar.
A solução para a questão não passa pela proposta extremista do Bloco de Esquerda, que merece do PSD um veemente voto contra. A resolução do problema passa, antes, pela criação de medidas de apoio ao nível do crédito para a recuperação de prédios degradados com o compromisso dos proprietários de os destinarem ao mercado

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de arrendamento ou da venda, nomeadamente a casais jovens que trabalham nas cidades em causa; passa pela criação de incentivos fiscais ao nível da contribuição autárquica, do IRS e do IRC, para quem construa com destino exclusivo e vinculado ao mercado do arrendamento; passa, também, pela construção, em cada bairro, de parques de estacionamento destinados exclusivamente a residentes, assim viabilizando o arrendamento ou compra de andares que se encontram desocupados por falta de estacionamento privativo;…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - … passa, igualmente, pela criação de incentivos para vir habitar a cidade quem nela trabalha; passa pela melhoria do trânsito e da segurança, da qualidade de vida em geral; passa, certamente, por muito mais coisas mas nunca por medidas extremistas, punitivas e confiscatórias como a proposta do Bloco de Esquerda.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Dias Baptista.

O Sr. Dias Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Henrique Chaves, ouvi atentamente a sua intervenção e não resisto a fazer-lhe algumas perguntas, uma vez que V. Ex.ª procurou utilizar a discussão deste diploma para tentar fazer campanha eleitoral em Lisboa. E eu gostava de colocar as coisas no seu devido lugar.
Em primeiro lugar, gostava de dizer que, no que concerne às críticas que apresentou em relação ao diploma ora em apreço, tenho algumas reservas, a primeira das quais é a de que não estou nada de acordo com a forma como tratou as tabelas confiscatórias apresentadas. Pareceu-me algo exagerado.
Em segundo lugar, penso que, manifestamente, algo tem de ser feito em Portugal para combater este flagelo, porque se trata de um flagelo, sobretudo se tivermos em conta as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Em terceiro lugar, penso que não é sério dizer-se que o grande problema da cidade de Lisboa, no que respeita ao arrendamento, tenha a ver, apenas e tão-só, com a falta de estacionamentos. Isto porque, manifestamente, todos sabemos que essa não é, nem pouco mais ou menos, a questão primordial.
V. Ex.ª procurou dizer que os jovens não arrendam os prédios que estão devolutos porque não há estacionamentos. Não, Sr. Deputado! Os jovens não arrendam os imóveis porque alguns dos proprietários pedem verbas exacerbadas para o arrendamento. Ora, se os jovens andam à procura do seu primeiro arrendamento, não é manifestamente por não haver estacionamento que eles não vão arrendar a casa.
Gostava, ainda, de lhe dizer que, sobre essa matéria, é bom não perder a face, ou seja, o PSD esteve, em devido tempo, na Câmara Municipal de Lisboa e não pode agora procurar retirar daqui as imensas responsabilidades que tem nesta matéria. Antes de a coligação de esquerda que gere a Câmara Municipal de Lisboa ter chegado ao poder em Lisboa, quem esteve no poder foi a coligação de direita, presidida pelo Eng.º Nuno Abecasis e com o apoio do PSD, e, nessa altura, as habitações não tinham estacionamentos, porque, em contrapartida, a Câmara Municipal dispensava a construção dos mesmos apenas e tão-só pelo pagamento das taxas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

O Sr. Henrique Chaves (PSD). - Sr. Presidente, Sr. Deputado Dias Baptista, vou responder com todo o gosto.
Primeira questão: a tabela da contribuição autárquica vai de 0,7% a 1,3%; no diploma em apreço pretende aplicar-se tabelas de 10%, de 12,5% e de 15%. Sr. Deputado Dias Baptista, se isto não é confiscatório, então, não sei o que é confiscatório. Se calhar, o melhor é ocupar as casas. Provavelmente, é até o ponto onde o Bloco de Esquerda gostaria de chegar!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Segunda questão: diz o Sr. Deputado que algo tem de ser feito sobre esta matéria e que a minha intervenção reflecte campanha eleitoral. Digo-lhe, Sr. Deputado, que não procurei fazer qualquer espécie de campanha eleitoral. Contudo, se quer um bocadinho de campanha eleitoral, aqui vai ela: é que eu estou convencido de que se o Dr. Santana Lopes ganhar as eleições, como vai ganhar, vai resolver, em grande parte, esta questão!

Protestos do PS.

Sr. Deputado, nasci, e ainda vivo, a 50 metros da Assembleia, na Rua dos Ferreiros - sobe a Calçada da Estrela e a rua onde vivo é a segunda à direita -, e lá o Deputado vai encontrar várias situações de desocupação de andares em prédios que estão de certo modo degradados e que não se conseguem vender, isto é, não há quem os compre, nomeadamente casais jovens, por falta de estacionamento. É que não há onde parar o carro e, portanto, não há procura para aqueles andares. E eles lá estão a degradar-se ainda mais.
Porém, o Sr. Deputado poderá resolver este problema como fez o Brasil, que, em certas áreas, é um país atrasado mas que para esta até foi um país avançado, isto é, fazendo estacionamentos para os residentes, exclusivamente para os residentes, e estacionamentos à superfície, não estacionamentos em cave ou em subcave mas estacionamentos à superfície. Poderá verificar que, no programa do Dr. Santana Lopes, esse é um aspecto essencial da política para a cidade que ele vai pôr em prática.

Risos do Deputado do PS Dias Baptista.

Sr. Deputado, não se ria porque esta é a realidade. O senhor vai ao Rio de Janeiro e vê que é assim. Os residentes têm parque de estacionamento à superfície onde podem estacionar os automóveis.
Ora, isso é possível fazer com os prédios degradados de que Câmara é proprietária, transformando-os em parques de estacionamento. Isto é perfeitamente possível e, repito, consta do programa do Dr. Santana Lopes. Portanto, aqui vai um pouco de campanha eleitoral…!
Terceira questão: diz o Sr. Deputado que o PSD perdeu a face ou que não pode perder a face. Bom, os senhores, daqui a pouco, se calhar, vão invocar situações do tempo de Dom Afonso Henriques ou, mesmo, dizer que o PSD

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estava no poder no tempo de Dom Afonso Henriques. Os senhores recuam anos e anos, isto é, são recorrentes nessas voltas atrás, quando não têm razão para rebater os argumentos.
Digo-lhe o seguinte: se alguém tentou fazer alguma coisa nesta matéria foi o PSD, porque as actualizações das matrizes foram feitas no tempo do PSD com a entrada em vigor do Código da Contribuição Autárquica, em 1988. Agora, não são é esquemas de actualização, como pretende o Bloco de Esquerda, através de aplicação de taxas perfeitamente confiscatórias como as que são propostas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de referir que, quando analisei este projecto, tive algumas dúvidas na respectiva qualificação em termos do seu objectivo. Depois, julgo ter percebido que se tratava de um projecto que versava sobre matéria fiscal, mais propriamente sobre tributação do património imobiliário.
Bom, o Sr. Deputado Francisco Louçã já nos deu conta da saga que tem sido a reforma do património, que deixou de ser mobiliário e imobiliário para passar apenas a ser imobiliário; para depois ter sido prometido no primeiro semestre do corrente ano; para depois ter sido, de novo, prorrogado para o final do ano; para depois se ter feito uma tremenda confusão entre reforma do património imobiliário, abolição da sisa, substituição da dita pelas taxas do IVA, que, parece, afinal de contas, a Comissão Europeia, apesar da grande coligação que nesse sentido foi alcançada, não logrou obter os seus objectivos.
O Sr. Ministro das Finanças, recentemente, veio dizer, com aquele seu ar que já nos vamos habituando, que, de facto, não podia abolir a sisa e introduzir o IVA nas primeiras transmissões porque, justamente, não conviria a Portugal aprovar legislação que violasse o direito comunitário.
Finalmente, deu-lhes alguma razão nas mentes que andaram durante um ano a enganar a população, a enganar o mercado e, num certo sentido, a enganar alguns grupos parlamentares que, naturalmente, se quiseram deixar enganar!…
Bom, mas, concebendo eu esta proposta do Bloco de Esquerda como uma proposta em matéria de tributação sobre o património imobiliário, é sobre ele, justamente, que vou fazer algumas pequenas considerações que me parecem pertinentes e importantes.
Em primeiro lugar, no contexto do vosso projecto, falam de prédios «desocupados». Bom, procurei o dito conceito da desocupação e comecei a cogitar como poderá ser feita a prova da desocupação. É através do tal método declarativo junto das respectivas repartições? Não logrei obter qualquer resposta sobre essa matéria.
Por outro lado, também se diz no vosso projecto que quem lograr provar que é independente da sua vontade a desocupação ficará desonerado deste novo imposto, que daqui a pouco abordarei.
Parece-me que vale a pena perguntar se, por exemplo, alguém que é proprietário de um andar demonstrar que não ocupou o seu andar porque ninguém lhe pagou a renda que ele pedia isso corresponde ao conceito utilizado pelo Bloco de Esquerda de desocupação.
Finalmente, e neste contexto, gostaria de lembrar - julgo, aliás, que o Sr. Deputado Francisco Louçã conhece esta matéria tão bem quanto eu - que os proprietários destes prédios que os mantêm desocupados já são onerados por uma via: é que não podem abater em nenhuma espécie de rendimento os encargos que, apesar de tudo, mantêm com esses andares.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

A Oradora: - Justamente porque o imposto, sendo único, para efeitos da categoria F, como sabe, não há comunicabilidade para esse efeito e, portanto, por essa via, já há, de alguma forma, algum desagravamento.
Em segundo lugar, não quero deixar de dizer que não quero fugir à questão da desocupação tal como eu a concebo e entendo e não quero deixar de referir que conheço os números, quer da construção, quer das obras de manutenção e reparação. Quanto a essa matéria, julgo poder dizer que estamos conversados.
Em terceiro lugar, o projecto do Bloco de Esquerda apresenta uma taxa que me perturbou profundamente. É que procurei perceber se este agravamento, tal como parece resultar do teor literal do projecto, é de 10%, de 12,5% e de 15% sobre a taxa da contribuição autárquica ou se é um imposto autónomo e não um agravamento à taxa. Recordo que, neste momento, a taxa da contribuição autárquica sobre prédios urbanos varia, se não estou em erro, entre 0,8% e 1,3%.
Portanto, procurei tentar perceber se tal, como literalmente dizem, é um agravamento de taxa ou se é mais um imposto de 10%.
Pareceu-me que era mais um imposto a acrescer, de 10%, caso contrário estaríamos a falar de 10% sobre 1%.
Então, qual é a incidência que este projecto nos apresenta? Esta sobretaxa ou este novo imposto, como lhe queiram chamar, incide sobre o valor tributável, o que nos conduz directamente a outra questão, Sr. Deputado Francisco Louçã, que é a da actualização das matrizes. Já ouviu o Sr. Deputado (e já ouvi eu) reputados especialistas nesta matéria defenderem que ou se começa por aí, pela actualização das matrizes, ou nunca mais chegamos a lado algum. Julgo, aliás, que o Governo, cada vez que adia e não faz a actualização das matrizes, está a perpetrar uma verdadeira injustiça, quase tão grande como aquela que os senhores agora aqui vêm propor no contexto deste projecto de lei.
Portanto, também nesta matéria, parece devermos ficar entendidos quanto ao erro em que incorrem, quer no que diz respeito às taxas por vós propostas quer no que diz respeito à incidência das ditas taxas.
Para finalizar, uma última observação: tanto quanto percebi da leitura que fiz do projecto de lei, os senhores isentam desta sobretaxa, deste novo imposto, alguns dos prédios urbanos que sejam propriedade de organismos de promoção de habitação social, mas nada dizem neste projecto, por exemplo, sobre a isenção de que já gozam neste momento, nos termos do Código da Contribuição Autárquica, quer os prédios das câmaras quer os prédios do Estado. Não consigo perceber se a vossa intenção também é agravar a tributação deste tipo de entes públicos que, porventura, contra sua vontade, podem manter prédios desocupados ou se, por outro lado, estará no vosso espírito manter as isenções tal qual elas existem na contribuição autárquica.

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Em suma, Sr. Deputado Francisco Louçã, queria dizer-lhe que este diploma parece mais uma peça - muito mal ensaiada, permita-me acrescentar - de uma reforma da tributação do património que continuamos a aguardar, mas relativamente à qual este vosso projecto de lei, a nosso ver, nada acrescenta nem nada resolve face aos problemas da profunda injustiça com que se debate a tributação do património imobiliário.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que estamos a apreciar pretende fazer o controle da especulação imobiliária através do regime fiscal e definir o programa de recuperação do parque habitacional, objectivos naturalmente importantes na situação que vivemos.
O preâmbulo deste diploma fala-nos da rigidez do mercado de habitação, mas penso que vai pouco longe. De facto, o mercado de habitação, como habitação em si, praticamente não existe no nosso país: é um subproduto da valorização do solo e da valorização imobiliária. Repor o mercado de habitação nestas condições é um exercício difícil e bastante mais complexo do que aquele que este projecto de lei propõe.
Desde logo, a ideia lançada de uma taxa complementar da contribuição autárquica não é nova nem sequer incorrecta. Só que é, a nosso ver, escassa.
Os valores da taxa são, obviamente, discutíveis, mas esse é um assunto a discutir em sede de especialidade, por isso não me pronunciarei sobre ele. No entanto, há duas questões que não queria deixar em branco.
A primeira questão prende-se com o valor tributável. Esse valor será o da valorização actual do imobiliário? Aliás, o Sr. Deputado Francisco Louçã referiu esse aspecto na intervenção de apresentação do diploma, o que se traduziria precisamente no efeito contrário àquele que se pretende, pois os prédios que mais necessitam de ser reparados seriam aqueles que não teriam qualquer efeito, fosse qual fosse a percentagem da taxa.
Em segundo lugar, a definição de desocupado causa-me algumas preocupações. Por um lado, ao prever-se a situação da casa desocupada 90 dias durante um ano atingem-se todas as habitações secundárias em zonas balneares densamente povoadas, deixando de fora, por outro lado, casas mais ou menos isoladas, por exemplo, em aldeias históricas ou em montes alentejanos.
Sobre o programa de recuperação do parque habitacional, devo dizer que ele pouco difere de alguns programas já existentes, como o RECRIA, o REHABITA, o SOLARH e outros derivados. Apenas vai um pouco mais longe num sistema também já existente, o do regime das obras intimadas, que facilita às autarquias e aos inquilinos substituírem-se ao proprietário e, em momento posterior, cobrarem a verba despendida. Porém, a nosso ver, esta alteração ainda não atinge o fundo da questão, porque as questões fundamentais têm a ver com os problemas reais, designadamente a falta de capacidade financeira das autarquias para acorrer a todas as intervenções necessárias.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - São os empréstimos que sobrecarregam a capacidade financeira das autarquias e, nalguns casos, impõe-se mesmo a necessidade de conferir às autarquias alguns poderes imobiliários para se verem ressarcidas das verbas aplicadas quando, através dos processos normais, não conseguem reaver a verba aplicada. Outra solução a propor será ainda a proibição de transição de alguns prédios desocupados, para que, com transmissões, não se perpetuem as situações que se pretendem combater.
O projecto de lei não define claramente mecanismos de financiamento à reconstrução das casas e cria, a nosso ver, uma situação que poderá ser perigosa quando se refere a uma tutela conjunta dos Ministérios da Economia e das Finanças e à elaboração e aplicação de um regulamento em colaboração com as autarquias locais. Os órgãos autárquicos e os órgãos do poder central têm atribuições e competências próprias, não se podendo correr o risco de definir atribuições e competências às autarquias locais sem lhes dar, depois, os meios que lhes permitam levar à prática essas atribuições e essas competências.
Ficamos assim reduzidos, de facto, aos programas de recuperação já hoje existentes e com as limitações que apresentam. Nesse âmbito, sim, estaríamos de acordo em trabalhar em conjunto para encontrar medidas que permitam, de facto, ao RECRIA, ao RECRIPH, ao REHABITA e, até, ao processo de obras intimadas resolver as questões.
Em suma, nós não entendemos, como alguns outros Deputados, que se trata de um projecto de lei «incorrecto», «incorrectíssimo» ou de uma barbaridade; entendemos, sim, que ele é, na prática e relativamente aos fins a que se propõe, isto é, resolver os problemas das habitações abandonadas, pouco mais do que uma «mão cheia de nada»,

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção final, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As intervenções que foram produzidas por Deputados de várias bancadas sobre estas propostas são profundamente contraditórias: há quem peça muito mais e há quem peça muito menos. Temos, no entanto, uma boa notícia, na medida em que o Sr. Deputado do PSD reconheceu que havia «vagamente» especulação imobiliária em Portugal.
O certo é que, na apreciação das duas partes deste projecto, identifica-se que estão em causa problemas fundamentais.
Começando pelos menos importantes, disse o Sr. Deputado Rui Marqueiro que já existem mecanismos activados, programas vários, também citados, para recuperação do parque habitacional. É certo e tem sido feito trabalho nesse sentido. O que é profundamente contraditório, no entanto, é que o ritmo da desocupação dos centros das áreas metropolitanas é muito mais acelerado do que o trabalho que esses programas têm permitido desempenhar e, por isso, eles devem ser reconcentrados, desenvolvidos, dotados de outra capacidade financeira, por via do Orçamento do Estado, e com uma intervenção de execução das câmaras municipais. É disso que trata o sentido deste projecto.
Mas é na primeira parte do projecto de lei que se situam as grandes divergências, divergências que têm a ver com uma leitura mais precipitada. Desde logo, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona não teria a sua dúvida se tivesse lido, no n.º 1 do artigo 1.º, que a taxa da contribuição

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autárquica será agravada, passando a ter tais e tais níveis. Porventura, estaria mais em oposição mas sem dúvidas, o que é uma situação sempre mais confortável para o seu voto contra. E ficar-se-ia a saber que, desse ponto de vista, o projecto apresenta uma proposta de solução.
Quero chamar a atenção dos Srs. Deputados, em particular dos Deputados socialistas, para o facto de esta proposta retomar a experiência aprovada pelos socialistas franceses - lei que entrou em vigor no dia 31 de Março de 1999, ou seja, há dois anos e meio -, utilizando exactamente o mesmo tipo de definições, que são, em absoluto, coerentes e claras. O continuum urbano, as zonas de habitação contínua são, naturalmente, definidas no âmbito do PDM e é por isso que se define com rigor qual é o nível de aplicação destas propostas.
Com efeito, o que distingue este projecto de lei da proposta francesa é que esta introduz uma taxação exactamente igual, de 10% no primeiro ano, de 12,5% no segundo, de 15% no terceiro e seguintes - esse é o regime que está em vigor em França - em relação ao valor locativo da habitação ou da casa desocupada, mas, porque há em Portugal um problema de reavaliação de matrizes, não temos capacidade de o aplicar aqui o mesmo critério.
Portanto, é certo que o núcleo central de qualquer nova política sobre o património imobiliário envolve a reavaliação de matrizes. É por aí que temos de começar. Aliás, no mesmo momento em que elaborámos esta proposta há um ano, apresentámos uma outra de alteração da contribuição autárquica que previa, justamente, uma longa fase de transição que permitisse, num processo autodeclarativo, a reavaliação das matrizes. E é exclusivamente por responsabilidade da bancada maioritária e do Governo que, até hoje, nunca discutimos qualquer iniciativa nesse campo. Propostas existem nesta Assembleia e permitem resolver o problema.
No entanto, como dizia, não havendo esta capacidade, temos de recorrer ao aspecto insatisfatório destas referências de que dispomos, que são as matrizes actuais.
Há, no entanto, um ponto em que esta proposta faz uma alteração absolutamente essencial. Refiro-me à questão da informação. Estamos, aliás, no paradoxo de que esta proposta insiste em que tem de haver um mercado e a informação necessária para que o mercado funcione. Temos de saber quais são as habitações disponíveis, quais são os preços propostos e qual é a procura para essas habitações em cada zona da área metropolitana. Essa é a diferença «do dia para a noite»!
As bancadas da direita, com o argumento extraordinário do risco da confiscação, não querem, sequer, que funcione neste nível elementar de informação. Este é o combate pelo qual se justifica a apresentação deste projecto de lei e é certamente por isso, também, que ele será recusado.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 289/VIII (BE), vamos iniciar o debate do projecto de resolução n.º 29/VIII - Sobre o empenhamento do Estado português na abolição universal da pena de morte (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há 86 países do mundo que ainda têm nas suas leis fundamentais a aplicação da pena da morte. Segundo a Amnistia Internacional, durante o ano 2000, pelo menos 1457 prisioneiros foram executados, em 27 países, e 3058 pessoas foram condenadas à morte, em 65 países. 88% destas execuções tiveram lugar em quatro países: na China, na Arábia Saudita, nos Estados Unidos da América e no Irão, por esta ordem.
Há sete países que executam prisioneiros que, à data do crime, eram menores de 18 anos. São eles o Congo, o Irão, a Nigéria, o Paquistão, a Arábia Saudita, o Iémen e os Estados Unidos. Este último tem o triste recorde do máximo de execuções de menores na última década: 14 até ao ano 2000.
Esta é a inaceitável realidade da pena de morte no mundo. É certo que tem havido um consequente movimento abolicionista mundial, que levou a que mais de 30 países a abolissem até 1990. A discussão sobre a utilidade desta pena tem desmontado, um a um, os argumentos dos que a sustentam. Senão vejamos.
O mais recente estudo da ONU que procurou relações entre a pena de morte e a baixa das taxas de criminalidade falhou no seu propósito: não existem provas de que a pena de morte seja mais dissuasora que outras penas - as taxas de crime de países que aboliram a pena de morte mostram exactamente isto. Os dados do próprio FBI reconhecem que os 12 estados americanos onde não existe pena de morte têm taxas de homicídio mais baixas do que os 36 que a adoptaram.
Havendo pena de morte, há sempre a possibilidade de erro e o risco de execução de inocentes. Desde 1973, mais de 90 condenados à morte nos Estados Unidos da América foram libertados depois de se reconhecer que eram inocentes. Um estudo da Universidade de Columbia mostra que 68% dos casos que resultam em pena de morte incluem erros graves que obrigam à reapreciação do processo. O Estado do Illinois estabeleceu, no ano passado, uma moratória às execuções, quando as provas de DNA provaram que 13 dos 25 condenados no corredor da morte estavam inocentes
A pena de morte é uma inversão clara do sistema judicial, já que pune irremediável e cruelmente, em vez de procurar a reinserção e a reabilitação do condenado. É uma pena que, na nossa opinião, legitima a violência ao ser o próprio Estado a desrespeitar o direito à vida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A campanha «Por um novo milénio sem pena de morte», que a Juventude Comunista Portuguesa levou a cabo no ano passado, durante a qual se realizaram largas dezenas de debates em escolas secundárias e associações juvenis, mostrou claramente que o povo português, e nomeadamente a juventude portuguesa, partilham e apoiam este projecto de resolução que hoje discutimos.
O PCP apresentou-o na Mesa da Assembleia há já largos meses. Já então se colocava no nosso país a discussão sobre o objectivo profundo dos sistemas judicial e penal.
Hoje, discutimos a problemática da pena de morte infelizmente num outro contexto. Num contexto onde o Tribunal Penal Internacional e todas as suas contradições foi já aceite nesta Casa. Num contexto em que se alterou de forma radical o princípio e o espírito da Constituição de Abril em questões que, digam os partidos com políticas de direita o que disserem, são fundamentais.

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O actual Presidente dos Estados Unidos da América, paladino dos direitos humanos, orgulha-se da sua altíssima taxa de execuções enquanto Governador do Estado do Texas, a maior de todos os Estados Unidos da América.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Discutimos esta resolução num contexto em que já nesta Assembleia se ouviu dizer que entre liberdade e segurança talvez não fosse mau escolher mais segurança. É neste contexto que entendemos que o Estado português deve reforçar o seu empenhamento pela abolição da pena de morte.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Contestamos veementemente a ideia de que a segurança se garante com restrições às liberdades e às garantias dos cidadãos ou com o reforço de poderes securitários. A garantia das liberdades e dos direitos não é incompatível com o reforço da segurança dos cidadãos. Pelo contrário, só o exercício pleno das liberdades pode garantir a segurança.
A Assembleia da República mostrará, aprovando este projecto de resolução, estar à altura dos Deputados que, em 1867, aboliram a pena de morte para todos os crimes, numa atitude progressista, humana e corajosa, bem longe do «seguidismo» que nos últimos anos tem, infelizmente, pautado a actuação de Portugal internacionalmente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão do projecto de resolução que sobe hoje a Plenário fornece-nos uma janela oportuna para lançar um olhar sobre algumas questões a que os dias graves que vivemos à escala do mundo não retiram, antes acrescentam, significado.
Há um fundamento histórico e há uma particular credibilidade que assistem à diplomacia portuguesa quando ela se empenha - e propõe-se que o faça ainda mais - em iniciativas tendentes ao fim das execuções e à eliminação da pena de morte. Não se trata de pressupor ou de reivindicar aqui qualquer superioridade lusa. Sabe-se que, até há poucos séculos, era frequente a aplicação entre nós da pena do fogo nos crimes contra a religião, com ou sem garrotagem prévia, ou seja, só com queima do cadáver ou com queima do condenado vivo. E ficaram gravadas na memória colectiva as terríficas execuções da época pombalina. É, pois, do caminho percorrido que nos devemos orgulhar.
Esse fundamento e essa credibilidade estão hoje também firmados na Europa, sem que, analogamente, uma superioridade europeia possa ser invocada como dado de partida. Durante muitos séculos, alguns dos nomes mais altos do pensamento europeu, de Platão a Kant e a Hegel, fundamentaram convictamente a pena de morte nos mais elevados termos ético-retributivos, para já não evocar Nietzsche, para quem a simples ideia de humanidade já era coisa que só poderia ocorrer na mente de fracos.
Mas contra essa linha, a evolução das ideias, das leis e das instituições europeias nesta matéria seguiu o caminho do progresso civil proposto por Beccaria, em 1764, numa obra que qualquer europeu culto dos nossos dias não pode desconhecer. Quando preconizamos para a Europa uma economia competitiva, é bom que não esqueçamos também aqueles pensadores que se revelaram realmente competitivos e nos continuam a inspirar, enquanto europeus e enquanto cidadãos do mundo.
Mesmo sem revisitar para isso toda a elaborada argumentação da filosofia utilitária europeia contra a pena de morte, seria injusto esquecer, como tantas vezes se faz, o enorme contributo do pensamento laico para a formação das actuais ideias abolicionistas. Isto enquanto as mais influentes religiões mundiais legitimaram ou evitaram combater, pelo menos até há bem pouco, a pena de morte. Mesmo uma religião, como observa Norberto Bobbio, cujo inspirador divino é um condenado à morte não se opôs historicamente à prática da pena capital.
Não podemos falar de superioridade. Mas devemos falar nestes dias contra o relativismo cultural dos que sustentam que qualquer comunidade tem o direito de se entregar aos valores e às práticas que entenda, por repugnantes que outros as possam considerar, numa arrogância protegida por décadas de revivalismo filosófico comunitarista. No limite, aos olhos do relativismo, o espectáculo das execuções nos estádios ou nas televisões - tal como o regime infra-humano imposto, por exemplo, em certas sociedades, ao sexo feminino, incluindo as mutilações genitais impostas hoje a 120 milhões de mulheres - não só seria expressão de um modo de vida a preservar como seria domínio absolutamente reservado, onde qualquer ingerência externa seria ilegítima, quando não criminosa.
Não falemos, então, de superioridade. Mas talvez possamos partilhar e fundar a nossa convivência sobre a convicção de que se tornaram menos bárbaras as sociedades que se libertaram de práticas como essas - ou que, para utilizar a expressão de Camus, no seu justamente célebre escrito sobre a pena de morte, foram capazes de reduzir a sua taxa de barbárie.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É uma circunstância também cheia de significado que seja na base de uma iniciativa do PCP que o Parlamento se ocupa da pena de morte, tantas vezes abordada no passado ao estilo de arma de arremesso, lançada numa ou noutra direcção geográfico-política ou ideológica-partidária.
Sei que não é aqui, nem pode ser, o caso. Segundo os elementos disponíveis, foi num país governado por um partido comunista que foram executados, desde Abril, mais de 1700 pessoas, ou seja, mais do triplo das pessoas executadas em todo o mundo; mais de 3000 pessoas, durante o mesmo número de meses, foram condenadas à morte, e a maior parte das execuções ocorreu em estádios, às vezes com transmissão televisiva, tendo o número de espectadores das execuções, só nos estádios, nos meses de Abril e Maio, rondado os 2 milhões.
Admiro muito a China e a civilização chinesa, e devo às autoridades chinesas, ao longo dos anos, várias manifestações de cortesia. Por isso, também me sentiria agora mal se não dissesse que este panorama, enquanto se mantiver, não só nos separa como temos o dever político de o interpretar como uma divergência grave em relação ao direito comum da humanidade em cuja construção nos empenhamos.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como nos separa e nos tem de fazer divergir frontalmente, de entre os demais Estados executores,

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daquela que é, para alguns, a nação liderante do famoso Ocidente, onde «the wish to kill» subsiste também na sociedade, na cultura e nas instituições e que é hoje a única democracia constitucional cujas leis autorizam expressamente a execução de deficientes mentais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No modelo de Estado que com esforço se foi implantando na Europa - e também presente, felizmente, em vários outros pontos do globo - a realização do monopólio do uso de força legítima no poder público e o privilégio daí resultante tem como contrapartida a deslegitimação do Estado para programar e usar a execução do indivíduo como punição. Se a vida não é um direito individual absolutamente protegido (a legítima defesa e a guerra, por exemplo, aí estão para o demonstrar), no confronto com o exercício do poder punitivo do Estado, ela viu reconhecida a sua superioridade. E essa é, então, a superioridade de que podemos falar, expressa na lapidar norma internacional que aguarda ainda a entrada em vigor, «nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado será executado».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata, como alguns pretendem, nem do triunfo da impunidade ou do «inocentismo», nem muito menos, como já foi dito, de vestir Caim com as roupas de Abel: a imaginação da modernidade aí está, em parte realizada, em parte apenas prometida, a dotar o Estado e a sociedade, os sistemas jurídico-penais, de tantas soluções punitivas e até mesmo de novas formas simbólicas de infligir sofrimento.
Um claro e positivo exemplo, no domínio internacional, do movimento de recuo da pena de morte, sem impunidade, encontramo-lo recentemente no Estatuto de Roma.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tal como os tribunais internacionais ad hoc criados pelo Conselho de Segurança, o futuro Tribunal Penal Internacional não aplicará a pena de morte mas tão somente a pena de prisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Perpétua!

O Orador: - Concordamos com os proponentes que há um mundo onde agir neste domínio. Limito-me a propor, a terminar, algumas orientações para essa acção.
Em primeiro lugar, a luta pelo fim das execuções e da pena de morte, em vez de isolada, deve ser inserida numa acção mais compreensiva a favor dos direitos humanos, que promova a implantação de um direito comum da humanidade, reduza progressivamente a taxa de barbárie sobre o planeta e vá criando condições para que a legislação da nossa geração se possa converter na moralidade das seguintes.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, as alegações de soberania ou de defesa da integridade cultural tradicional, no que diz respeito a práticas bárbaras, não pode ser admitida a impedir ou dificultar o escrutínio pela comunidade internacional. A globalização permitiu, do ponto de vista técnico, que este escrutínio se faça praticamente em tempo real. Os Estados e movimentos que não observam o «irredutível humano» de que falava Butros Gali devem ser, correspondentemente, deslegitimados: não podem ser tratados como os demais.
Em terceiro lugar, deve ser concedida prioridade e valorizada a rápida instituição do Tribunal Penal Internacional (que, como se disse, não aplica a pena de morte) e bem assim o alargamento da sua competência, no sentido de por ele serem, com efectividade, sancionados os mais graves atentados contra os direitos humanos.
Em quarto lugar, integrando Portugal a União Europeia, na sua acção à escala mundial, deve projectar activamente os aspectos distintivos do seu modelo jurídico-penal, nomeadamente no que se refere à erradicação das execuções e da pena de morte, agora também expressamente consagrada na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, no pressuposto de que as conquistas civilizacionais constituem parte integrante da contribuição europeia para o progresso global.
Em quinto lugar, os Parlamentos, e o nosso em primeiro lugar, devem assumir uma decidida linha de promoção externa e global dos direitos humanos, nomeadamente contra a continuação das execuções, como o tem vindo a fazer o nosso Presidente Almeida Santos, que aqui quero, por esse motivo e mesmo na sua ausência, saudar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode dizer-se que a campanha contra a pena de morte foi desencadeada em Portugal por dois célebres artigos de Alexandre Herculano, no Diário do Governo - nessa altura publicava artigos -, em 1838, e seguida por um grande vulto do Parlamento, António Aires Gouveia, que continuou, persistentemente, durante vários anos, essa campanha.
É preciso compreender que a campanha contra a pena de morte em Portugal, na primeira metade do século XIX, saía de um clima de grande violência civil no nosso país: mais de dois séculos de autos de fé, as terríveis e atrozes condenações de Pombal, as execuções dos mártires da pátria, em 1817, as execuções miguelistas contra os rebeldes liberais. Até que, exactamente na regeneração e quando se dá a pacificação do País, fruto dela, o artigo 16.º do Acto Adicional de 1852 abole a pena de morte para crimes políticos, sendo que a partir de 1855 não haverá nenhuma execução no território do continente.
No entanto, a pena de morte, não sendo mais executada, só sai da lei penal pela importante reforma penal de Barjona de Freitas, em 1867, em que ela é abolida mesmo para os crimes comuns. Continua, todavia, a manter-se a pena de morte no Código de Justiça Militar, de 1875 - ainda que ninguém tenha sido executada ao abrigo dela -, e só, em 1911, com a República, é abolida a pena de morte para crimes militares no novo Código de Processo Militar.
No entanto, ao contrário do que, seguramente por lapso, refere o projecto de resolução do PCP, o último condenado à morte é do século XX e é da República. O último condenado à morte é um jovem de 23 anos, João Augusto Ferreira de Almeida, tendo sido executado no pelotão de fuzilamento, na madrugada de 16 de Setembro de 1917, na frente da Flandres, acusado de crime de guerra na frente de combate, ao abrigo da alteração constitucional de 1916, que admitia a pena de morte em situação de guerra e no teatro de operações. É a última pessoa que é executada pela pena de morte em Portugal, no dia 16 de Setembro

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de 1917.
Essa disposição, que alterava a Constituição, manteve-se em vigor durante todo o período da República, durante a Constituição de 1933 e só a Constituição de 1976 vem a aboli-la em definitivo.

O Sr. José Barros Moura (PS): - E durante a guerra colonial?

O Orador: - Nunca foi aplicada durante a guerra colonial.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Mas estava previsto.

O Orador: - Foi o que eu disse. Só foi abolida pela Constituição de 1976. A 1.ª República aplicou-a , mas o Estado Novo não! É preciso dizer as coisas como elas são. É por isso que estou aqui a falar como historiador, e a realidade é esta.
Essa singular execução no século XX, que não pode ser esquecida, é fruto da insânia da política de participação na guerra, que levou um jovem motorista do Regimento de Infantaria 4, que tinha perturbações mentais, à morte depois de ter sido acusado de querer passar-se para as linhas inimigas. O tribunal militar reuniu-se seis vezes para confirmar a pena de morte e foi por pressão dos ingleses, para dar um exemplo, que finalmente o tribunal confirmou a pena e o homem foi executado, sem sequer ter direito a uma inspecção sanitária para se avaliar do seu estado de saúde mental. A guerra faz destas coisas…
E a guerra, Srs. Deputados, faz com que, neste momento, se esteja novamente a regressar aos valores da prisão perpétua. E por isso considero oportuna esta discussão. No momento em que indirectamente se torna a aceitar a pena de prisão perpétua na nossa ordem interna, através do TPI, porque, através do espaço de liberdade e de segurança, está a permitir-se a entrega de pessoas a países onde se aplica a pena de prisão perpétua, considero oportuno valorizar esta situação extraordinária.
A lição da história é esta: um país que sai de séculos de «banhos» de sangue, de guerras civis, etc., teve a sabedoria de, com prioridade em toda a Europa, acabar com a pena de morte, mantendo-o, já que desde 1855 que ninguém foi executado. A última execução foi em Timor, em 1863, e, depois, na frente da Flandres. Não sei se isto é superioridade ou não, mas é uma sabedoria de uma sociedade que vinha de meio século de lutas civis tremendas e de muito sangue e que soube acabar com isso.
Oxalá tenhamos a sabedoria de manter o equilíbrio, a sanidade mental, a justiça e os valores de que fomos percursores no momento em que todo um ambiente internacional nos pode estar a empurrar para a admissão de coisas que durante muito tempo recusámos.
E, já agora, a China faz uns espectáculos «à talibã» ao matar as pessoas nos estádios, mas o Sr. Deputado Alberto Costa esqueceu-se dos Estados Unidos, que têm mais de 3500 pessoas nos corredores da morte.

Protestos do PS.

Por amor de Deus, nesta matéria, entre a China e os Estados Unidos… É certo que os outros matam de uma forma bárbara, nos estádios, e isso não tem qualquer perdão, mas os Estados Unidos são uma potência carcerária, que seguramente não pode servir de exemplo ao direito penal nem às nossas práticas penais. São ambos absolutamente condenáveis. Estamos contra a pena de morte, é preciso levantar essa bandeira de uma forma generalizada e ter o bom senso de não ceder à insanidade, ao desequilíbrio, ao «apetite» pela prisão perpétua, porque esta só está a um passo da pena de morte.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Alberto Costa, já não tem tempo, mas pede a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Costa (PS): - Para exercer o direito de defesa da honra e da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Só o poderá fazer no final do debate, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de resolução em apreciação enquadra-se na linha tradicional da luta contra a pena de morte, que tem sido apanágio dos portugueses.
Outros textos votados por esta Assembleia já trataram desta matéria, mas o PSD é sempre favorável a todas as reafirmações do empenhamento do Estado português na luta pela abolição da pena de morte e por isso vai votar a favor deste texto.
Portugal foi, há quase século e meio, pioneiro na abolição de tal pena. Esse pioneirismo foi então saudado por várias personalidades europeias, que homenagearam explícita ou implicitamente este povo, que consagrou, com generosidade, com sabedoria, com clarividência, aquilo que outros só muito mais tarde descobriram.
Naturalmente, a Constituição de 1976 consagrou a abolição total e definitiva daquela pena desumana.
Devemos, no entanto, notar que a fundamentação do projecto de resolução em debate é, do nosso ponto de vista, parcial e incompleta. O PSD considerou sempre, desde a sua fundação, a inexistência da pena de morte como uma opção inquestionável. Os fundamentos desta nossa opção são obviamente outros. Para nós, a pessoa humana, a sua vida, dignidade e liberdade são limites intransponíveis ao poder do Estado ou da própria sociedade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É que a pessoa é anterior e superior a ambos, sendo que este primado da pessoa é indiscutível - muitos afirmam mesmo que é sagrado - e está, aliás, reconhecido na Lei Fundamental.
De entre os direitos humanos, o direito à vida é o primeiro. É um direito absoluto, natural e originário da pessoa, que não admite qualquer excepção ou derrogação. Não é sequer admissível qualquer justificação eivada de relativismo moral ou cultural que justifique uma excepção qualquer.
Mesmo em relação à própria legítima defesa e à defesa de um Estado agredido, não se pode dizer de modo algum que haja um direito a matar. Aquilo que há é uma acção de defesa para salvar outras vidas, exclusivamente para salvar vidas.

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Ora, as ideologias transpersonalistas, que pretenderam colocar um Estado, uma nação, uma raça, um partido, uma classe social, um projecto político, económico ou social acima da pessoa humana desculparam-se sempre com a defesa de pretensos interesses superiores. A verdade é que, para nós, foram e são insuportáveis a arrogância e a imoralidade dos que se atribuem o direito de decidir quem deve ou não viver. Mas a glória do mundo é sempre passageira. Todas as referidas ideologias «morderam o pó», desapareceram e tornaram-se funestos espectros de ilusões passadas.
Entre outros, os países ditos comunistas ou de «socialismo real» sempre praticaram a pena de morte. Congratulamo-nos, evidentemente, com o facto de o PCP deles se ter afastado nesta matéria. Mas também reconhecemos que alguns países ainda resistem ao movimento abolicionista, que tem levado ao recuo da pena de morte. Esta não se aplica já em praticamente toda a Europa, graças à acção do Conselho da Europa, que tem levado a sucessivas ratificações do Protocolo n.º 6, adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que a proíbe.
Por outro lado, a acção persistente de muitas entidades a nível mundial, designadamente, desde há já bastantes anos, Igrejas e ONG, com destaque para a Amnistia Internacional, tem levado à diminuição do número de países que aplicam a pena de morte. Saudamos todos os países lusófonos, a quase totalidade dos latino-americanos, muitos africanos e alguns asiáticos que a aboliram já.
Mas, como não pode haver dois pesos e duas medidas, importa continuar a pressionar quer os países referidos no projecto, como a China, o Irão, os Estados Unidos, a Nigéria, etc., quer outros, que não são referidos no texto, como o Japão, o Egipto, o Iraque e outros países de maioria muçulmana, o Vietname e Cuba, para não falar já da Coreia do Norte. Esperamos que o PCP também o faça em todos os casos sem excepção, acabando também com os dois pesos e as duas medidas, seja qual for a ideologia que esses países defendem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No que se refere aos Estados Unidos da América, não podemos esquecer que, agora com a moratória do Illinois, há 13 dos 50 Estados que não aplicam a pena de morte. Mas, tal como a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa o fez numa recomendação recente, temos o direito de esperar que a grande democracia americana se encaminhe para a eliminação de tal pena, que é incompreensível num país que tantas vezes sacrificou os seus filhos em inesquecíveis lutas pela liberdade ameaçada por várias tiranias.

Vozes do PSD, do PS e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se esses seus filhos souberam evoluir no passado, os americanos de hoje certamente saberão evoluir para um futuro novo.
Sempre pensámos - e já aqui o dissemos - que o TPI permanente vai contribuir para a deslegitimação da pena de morte em todo o mundo e vai ser uma alavanca para o seu fim.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Condenar à morte não é fazer justiça mas, sim, a mais fria e implacável das violências: a vingança.
Não é verdade que tal pena sirva para, através da dissuasão, salvar vidas inocentes. Pelo contrário, em muitos países abolicionistas é que se verificaram menores taxas de homicídio. Já aqui foram referidas as comparações entre os Estados da Federação americana. No Canadá, também se pode dizer que, depois da abolição ocorrida em 1976, o número de homicídios diminuiu constante e progressivamente. Mas, mesmo que assim não fosse, a pena de morte nunca poderia ser aceite, pois, caso contrário, seria violado um princípio fundamental e basilar da ética: os fins nunca justificam os meios.
Que dizer ainda, a propósito da pena de morte, do risco real da execução de inocentes? Não há palavras suficientes, pelo que deixo apenas uma afirmação: há quem considere - filósofos, pensadores e politólogos - que o risco de o Estado executar um inocente, através de tal pena, em nome da justiça, é o cúmulo da perversão, é a perversão absoluta.

Vozes do PSD, do PS e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O repúdio da pena de morte é, portanto, uma opção humana e moral. Representa a adesão a uma escala de valores que coloca a vida em primeiro lugar, sabendo-se que, caso os valores não sejam hierarquizados, se anulam uns aos outros. É também, para nós, o reconhecimento de que a vida em comunidade tem sentido e que esse sentido é, antes de mais, a promoção da vida livre e digna, que , aliás, os portugueses acarinharam e que tem mostrado desejar.
Fica claro, portanto, que a pena de morte é um intolerável atentado contra o Homem.
Deixem-me acrescentar um ponto de vista pessoal, que só a mim compromete. É que, não esquecendo que os valores cristãos são aceites - goste-se ou não, queira-se ou não - por larga maioria dos portugueses, atrevo-me a dizer que, sejam quais forem, por exemplo, as soluções que as Igrejas e outros aceitaram no passado e que já não aceitam no presente, a pena de morte é também um grave atentado contra o próprio Deus, porque o ser humano é feito à sua imagem e porque a pena de morte põe em dúvida o poder da Graça, a universalidade da Redenção e a própria possibilidade da regeneração e da conversão, que existe até ao último momento da vida humana.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em conclusão, julgamos conveniente que todos os representantes portugueses se batam sempre pela total abolição da pena de morte, porque, para nós, o interesse nacional não é apenas económico nem as vitórias no mundo de hoje podem ser só políticas, tecnológicas ou desportivas. Há que valorizá-las mas não sobrevalorizá-las. A verdade é que cada país que acaba com a pena de morte reforça os valores que foram nossos e que hoje são universais, em grande parte por obra nossa, pela vontade do nosso povo, que, como seus representantes, nos limitamos a concretizar, e reforça também - perdoem-me o paradoxo - a humanidade de toda a Humanidade.

Aplausos do PSD, do PS, do PCP e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre Guedes.

O Sr. Luís Nobre Guedes (CDS-PP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria saudá-lo de uma forma muito especial por estar a presidir a esta sessão. Como sabe, para nós, isso tem sempre um significado muito especial.

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O meu partido pediu-me que fizesse algumas considerações sobre este projecto de resolução do Partido Comunista Português e, como em política nada acontece por acaso, não acredito que o agendamento desta discussão tenha sido ocasional.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Olhe que foi agendado por consenso!

O Orador: - Hoje de manhã, o Sr. Primeiro-Ministro, a propósito de uma interpelação que eu entendi ser correcta e adequada do Presidente do meu partido, disse que há algumas questões que podem ser inconvenientes e inoportunas e este projecto, nesta altura que estamos passar, acaba por ser uma dessas questões. Se ninguém discute nesta Câmara a bondade e todos os argumentos a favor de se condenar por todos os meios a pena de morte, é evidente que não podemos esquecer o que estamos passar, hoje, aqui, agora e neste mundo.

O Sr. António Filipe (PCP): - O que é que isso quer dizer?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Já vai ouvir!

O Orador: - Isto quer dizer que este projecto de resolução, discutido agora, não só é obviamente inoportuno e inconveniente como é injusto!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa é boa! Explique porquê!

O Orador: - Isto porque, a não ser que o Partido Comunista Português o ignore, todo o mundo civilizado assume que estamos hoje a atravessar um momento único.

Vozes do PCP e do BE: - Em que se pode matar?!

O Orador: - É um facto que temos, realmente, um mundo complicado em que, como alguém dizia, alguns têm de lutar para viver contra quem quer morrer matando. Esta não é uma situação comum, mas é a situação que vivemos hoje!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Em que há franquia para a pena de morte!

O Orador: - No entanto, o vosso projecto de resolução, que, a propósito da pena de morte, podemos e devemos elogiar, aproveita para, em três parágrafos, mencionar os Estados Unidos da América.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - Esta é que é a razão de fundo!

O Sr. António Filipe (PCP): - Oh!…

O Orador: - É que o propósito deste projecto de resolução é uma ficção, porque o que o Partido Comunista realmente quer é equiparar os Estados Unidos - pasme-se! - à Arábia Saudita, ao Iémen, ao Irão, à Nigéria e ao Paquistão.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não têm todos pena de morte?!

O Orador: - Querem, evidentemente, confundir as coisas e fazer uma ficção, mas não se trata, nestes casos, da mesma coisa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP) : - Há uma pena de morte boa e uma pena de morte má!? Que tristeza!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A vossa!

O Orador: - Não se trata da mesma coisa, porque o mundo livre e civilizado deve aos Estados Unidos da América, entre outras coisas, o facto de ter sido este país a conduzir, durante anos, a luta contra um flagelo para a Humanidade, a tirania comunista, que, durante 70 anos, se fez sentir sobre milhões e milhões de pessoas!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Fernando Rosas (BE): -Estamos a discutir a pena de morte!

O Orador: - Em grande parte, devemos esta luta aos Estados Unidos da América e, portanto, não é justo que se englobem todos estes países no mesmo «saco» sem se estabelecer uma diferença!
Para o Partido Comunista, é óbvio que esta é uma excelente oportunidade para, a propósito da pena de morte, tentar imputar responsabilidades, tentar «pôr o dedo na ferida» e tentar atacar os Estados Unidos da América, e é por isso que este projecto de resolução nada mais é que uma mera ficção do Partido Comunista Português.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Revelador!

O Orador: - Não posso, obviamente, entrar em disputas históricas com o Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Pode!

O Orador: - Não posso nem quero.
Também não posso - até porque não tenho tempo - explanar os muitos autores citados pelo Dr. Alberto Costa, mas saliento que foi o Sr. Deputado quem disse que não esquecia o contributo laico que foi dado à luta contra a pena de morte. Ora, como representante de um partido da democracia cristã (doutrina que defendo), tenho de lhe dizer que, para além do contributo laico, houve um outro contributo milenar, o contributo da doutrina social da Igreja cristã, do Evangelho e de quem acredita que, efectivamente, é através desses valores que se deve defender a vida acima de tudo.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Assim sendo, se nós não discutimos o contributo laico, também não podemos esquecer que o contributo que a Igreja deu ao longo de séculos e que a doutrina social mais recente consagrou também não é…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - E a Inquisição?!

O Orador: - Não me venha falar da Inquisição!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E os goulags?! E o Estaline?!

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Protestos do PCP.

O Orador: - É natural que o Sr. Deputado…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Vocês enlouqueceram!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para já não falar no COPCOM!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, ouçam o orador em silêncio, por favor!

O Orador: - Dado que o Sr. Deputado Fernando Rosas, dentro do seu repertório histórico, não teve tempo para ler tudo, vou-lhe ler a mais recente encíclica papal. Talvez o Sr. Deputado não queira ouvir, mas vou ler-lha.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Isso é tudo mentira!

O Orador: - Na encílica papal Evangelium Vitae diz-se que os Estados têm, hoje, à sua disposição novos meios para prevenirem crimes, tendo poderes para retirar a alguém que tenha cometido um crime a capacidade de reincidir nesses crimes. Para além disso, os Estados têm essa capacidade sem que, definitivamente, seja retirada a possibilidade de alguém se redimir. Esta é a doutrina oficial, a doutrina social da Igreja cristã sobre esta matéria.

O Sr. António Filipe (PCP): - Isso é inoportuno e inconveniente!

Orador: - Não sei se é, Sr. Deputado!
Mas digo-lhe mais: o que é difícil é, para alguém que tem o Prémio Nobel da Paz pela sua envergadura indiscutível, discutir estes assuntos nos Estados Unidos da América, afirmando na Assembleia Geral da ONU e diante do Presidente dos Estados Unidos que é contra a pena de morte.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E quem o fez foi o Papa João Paulo II, que disse - em Saint Louis, nos Estados Unidos, diante do Presidente daquele país - estarmos ainda longe de conseguir o desiderato de abolir a pena de morte, mas que se todos quantos estão envolvidos nesse problema tentarem devolver essa linha de pensamento e de acção, talvez a humanidade, como um todo, possa estar a dar um grande passo no sentido de construir uma sociedade mais serena e mais pacífica. Isto foi dito nos Estados Unidos, diante do seu Presidente, por quem não tem medo de enfrentar a verdade seja onde for…

Aplausos do CDS-PP.

… e por quem é capaz de defender a vida humana, seja em relação à pena de morte ou em relação a qualquer outra coisa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, eu não quis interrompê-lo quando estava a citar o Papa, mas o tempo de que dispunha já se esgotou.

Risos do PCP.

O Orador: - Sr. Presidente, para terminar, saliento apenas que é bom que alguns assuntos não sejam monopólio de alguns sectores. Sobretudo quando esses sectores têm tendência, ao contrário do que deviam fazer, a esquecer e a não reconhecer o contributo que outros deram.
Nós somos aqui a voz de uma doutrina que não renegamos e não nos envergonhamos de citar quem nos merece o máximo respeito e quem será sempre, para nós, uma referência que não rejeitamos!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Vão à China condenar a pena de morte!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Nobre Guedes, para ser sincera, estou perfeitamente estupefacta com a intervenção que V. Ex.ª fez.
Em primeiro lugar, porque o Sr. Deputado se esqueceu de qual era o objecto deste projecto de resolução, o de reafirmar o empenhamento do Estado português na abolição da pena de morte.

O Sr. Bernardino Soares (PCP). - Muito bem!

A Oradora: - No entanto, a única coisa que o Sr. Deputado não disse foi que é contra a pena de morte, o que é uma coisa absolutamente extraordinária!

Aplausos do PCP.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ouve mal!

A Oradora: - O facto de o Sr. Deputado dizer que este debate é inconveniente e inoportuno é que me convence da conveniência e da oportunidade de termos agendado para hoje - e, relembro, por consenso da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares - este debate, nesta Casa!

O Sr. Bernardino Soares (PCP). - Por consenso de todos os partidos!

A Oradora: - É uma coisa absolutamente extraordinária que o Sr. Deputado diga, em relação a uma pena cruel e inadmissível, que há dois pesos e duas medidas!

O Sr. Bernardino Soares (PCP). - Exactamente!

A Oradora: - Porque se o Sr. Deputado invoca a conjuntura internacional para dizer que, se calhar, temos de compreender que os Estados Unidos executem menores à data do crime - como fazem esses sete países que o Sr. Deputado citou, como a Nigéria, o Iémen, etc. -, isto só reforça a oportunidade e a conveniência deste debate!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do CDS-PP.

A Oradora: - Para além disso, o PCP está perfeitamente de «pé» neste debate, até porque sempre lutou contra a pena de morte.

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Vozes do CDS-PP: - Não se notou!

Protestos do PCP.

A Oradora: - Sempre o dissemos com toda a clareza em relação a todos os países e não me parece que tenha sido isso que se passou aqui, hoje.

Vozes do CDS-PP: - O Estaline era pelo direito à vida?!

A Oradora: - Sempre dissemos com toda a clareza, tanto na intervenção inicial como no projecto de resolução, quais são os países que mais executam, o que nós muito lamentamos e criticamos, mas parece que os Srs. Deputados ficam incomodados com o facto de os Estados Unidos serem um dos países que mais executa neste mundo.

Aplausos do PCP.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado, e meu amigo, Fernando Rosas referiu-se, certamente por lapso, à circunstância de que eu teria omitido os Estados Unidos da América, em benefício da referência à China.
Trata-se de um lapso, pois, na realidade, referi, e faço questão de o repetir: referi-me a essa nação, que para tantos é a nação liderante do famoso Ocidente, onde a vontade de matar subsiste na sociedade, na cultura e nas instituições. E disse mais: que se trata da única democracia constitucional cujas leis autorizam expressamente a execução de deficientes mentais.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Se é assim, peço desculpa!

O Orador: - Não preciso de desculpa, só preciso que este ponto fique realmente confirmado, porque é preciso, em simultâneo, considerar estas práticas, onde quer que elas se desenvolvam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado Fernando Rosas já pediu desculpas pelo lapso. Não sei se quer fazê-lo em público.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, já não disponho de tempo para falar, de qualquer maneira aproveito para dizer ao Sr. Deputado Alberto Costa que não retive essa parte e que não pretendi, ao dizer o que disse, fazer nenhum processo de intenção.
Mas ainda bem que o Sr. Deputado Alberto Costa concorda comigo. Acerca da pena de morte, é preciso criticar tanto a China como os Estados Unidos, contrariamente ao que pensa a bancada do CDS-PP.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - O senhor não passa de um provocador!

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, eu não quis intervir há pouco, na sequência da intervenção da Deputada Margarida Botelho, porque entendi que não valia a pena estar usar a figura da defesa da honra da bancada.
No entanto, em relação a esta afirmação tão explícita do Sr. Deputado Fernando Rosas,…

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Explícita e provocadora!

O Orador: - … tenho de dizer, com toda a franqueza, que ela não passa de uma provocação, porque nesta bancada não há ninguém que defenda a pena de morte! Aliás, nós fomos sempre coerentes nesta matéria, pois nunca apoiámos o estalinismo, nunca apoiámos a invasão da Checoslováquia e nunca apoiámos o terror de Robespierre!

Protestos do PCP e do Deputado do BE Fernando Rosas.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Nunca apoiámos potências carcerárias!

O Orador: - Neste domínio, sempre nos pautámos por uma coerência total e absoluta e, portanto, não admitimos que venham aqui dizer que algum de nós apoia a pena de morte. Não admitimos que, num «banho lustral», venham aqui falar-nos em potências carcerárias as mesmas pessoas que foram os grandes apoiantes de uma das maiores potências carcerárias do mundo, que foi a União Soviética!
Não venham, portanto, dar-nos lições de moral e de humanismo, porque não as aceitamos de Deputados da extrema-esquerda e muito menos de Deputados comunistas!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Era o que faltava!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Paciência! Foi o que percebi!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Foi-se o «verniz» ao ar!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Peça desculpa!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, de facto, devo estar a ouvir mal esta tarde, porque o que entendi da intervenção do Deputado Nobre Guedes foi que a pena de morte estava bem, se bem que para uns estivesse melhor do que para outros, razão pela qual há aqui dois pesos e duas medidas!

Vozes do CDS-PP: - Entendeu mal!

O Orador: - Como tal, não quis ofender a honra de ninguém, tendo-me limitado a tirar conclusões de uma intervenção que, pela sua agressividade e estranheza, provocou a perplexidade desta Câmara.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Assim sendo, está, então, encerrado o debate.

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Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se na próxima quarta-feira, dia 7, às 15 horas, e da ordem do dia constará a discussão das propostas de lei n.os 104/VIII - Grandes Opções do Plano Nacional para 2002 e 105/VIII - Orçamento do Estado para 2002.
Tenham um bom fim-de-semana, Srs. Deputados.

Eram 20 horas e 35 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Américo Jaime Afonso Pereira
António Bento da Silva Galamba
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Fernando Ribeiro Moniz
João Alberto Martins Sobral
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto

Partido Social Democrata (PSD):
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Carlos José das Neves Martins
Carlos Parente Antunes
Henrique José Monteiro Chaves
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Manuel Cruz Roseta

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho

Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
Luís José de Mello e Castro Guedes
Luís Miguel Capão Filipe
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Paulo Sacadura Cabral Portas

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Fernando Manuel dos Santos Gomes
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves

Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Pedro Augusto Cunha Pinto

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

Partido Popular (CDS-PP):
António Manuel Alves Pereira
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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