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1172 | I Série - Número 030 | 21 de Dezembro de 2001

 

medida em que não serão os tribunais portugueses a aplicar a pena de prisão perpétua. É óbvio que não! Mas sendo reconhecida por Portugal a jurisdição do TPI, sem reservas, tal significa, evidentemente, a aceitação na nossa ordem jurídica da pena de prisão perpétua que este aplique. E, se assim não fosse, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para que teria sido, então, necessária a revisão constitucional?
Argumente-se como se argumentar, do que não restam dúvidas é que a ratificação do Estatuto do TPI, ao prever a aplicação da pena de prisão perpétua, reintroduz no ordem jurídica portuguesa uma sanção penal que a Constituição, inequivocamente, proíbe e que se encontra banida entre nós desde os finais do século XIX. Um retrocesso dessa natureza na ordem jurídica portuguesa é algo que não podemos aceitar.
Para além disso, a forma como foi constitucionalmente acolhido o Estatuto do TPI implica uma profunda alteração da nossa ordem constitucional, já apelidada de dissolução da Constituição por um reputado constitucionalista. Na verdade, a revisão da Constituição foi feita de molde a abrir excepções com carácter geral na nossa ordem constitucional, por forma a acolher tudo o que decorra da aplicação do Estatuto do TPI, perante o qual todas as normas constitucionais passam a ceder mesmo que este seja alterado, o que significa, como bem alertou Vital Moreira, que a Constituição deixa de conter todo o Direito Constitucional português, podendo ser derrogada, a qualquer momento, por qualquer revisão do Estatuto do TPI, por mais perigosa ou contestável que ela seja.
Já nem sequer se trata de ceder em princípios constitucionalmente consagrados que faziam parte do nosso património democrático em matéria de direitos, liberdades e garantias, em nome de imposições de ordem internacional que falam mais alto, trata-se mesmo de passar um «cheque constitucional» em branco ao TPI e aos seus eventuais desenvolvimentos futuros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da nossa parte, existem sérias reservas à ratificação do Estatuto do TPI em razão do seu conteúdo.
A criação de uma instituição judiciária internacional destinada a julgar a prática de crimes contra a Humanidade, segundo critérios de justiça e imparcialidade é um propósito que acolhemos com muito meritório.
Acabar com a impunidade dos autores de crimes que ofendem a consciência universal e consagrar instrumentos de aplicação de direito internacional que escapem à lógica da justiça exercida pelos vencedores contra os vencidos são propósitos em que nos revemos, sem qualquer dúvida ou hesitação.
Acontece, porém, que as normas do Estatuto do TPI que apontam para alguma dependência da sua actuação em relação ao Conselho de Segurança das Nações Unidas representam preocupantes indícios de que este tribunal internacional corre o sério perigo de reflectir no seu funcionamento os critérios de escolha política que têm prevalecido na comunidade internacional.
Tendo em conta não apenas o texto do Tratado de Roma mas, sobretudo, a evolução das negociações com vista à elaboração dos seus documentos complementares, temos muitas razões para recear que o TPI possa vir a ser não um instrumento para a aplicação justa e imparcial do direito internacional mas um meio judicial para a imposição e legitimação internacional da lei do mais forte.
O propósito de criar uma instância jurisdicional independente e justa que supere a actual situação, em que os tribunais internacionais são criados ad hoc para aplicar a justiça dos vencedores, afigura-se, no plano dos princípios, como meritória, mas a questão está em saber se o TPI, tal como o configura o Estatuto de Roma, permite acalentar esse objectivo ou se, pelo contrário, aponta para, sob a roupagem da isenção e da independência, criar um novo instrumento para funcionar ao serviço das grandes potências, que determinam a correlação de forças na chamada comunidade internacional.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Acontece que esta segunda hipótese é, de longe, a mais plausível.
Ao permitir a suspensão de processos por decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas e ao deixar para negociação posterior a qualificação do crime de agressão e a definição de elementos constitutivos dos crimes, o Estatuto do TPI não deixa grandes ilusões quanto à independência real da sua jurisdição.
Todavia, compreendemos as apreensões de muita gente que, com a justa preocupação de não deixar impune a prática de crimes contra a Humanidade, se manifesta incomodada com a possibilidade de Portugal não ratificar o Estatuto do TPI e de podermos ser acusados de criar, dentro das nossas fronteiras, um indesejável e indesejado espaço de impunidade. Não falta mesmo quem, em nome dessa incomodidade, se exponha mesmo a abdicar da intangibilidade da proibição da prisão perpétua.
Do nosso ponto de vista, este problema poderia ser ultrapassado sem violentar a consciência humanista que presidiu à elaboração da nossa legislação penal e sem impedir o julgamento e a punição dos autores de quaisquer crimes previstos e punidos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Para isso, seria tão-só necessário que a lei penal portuguesa passasse a prever e punir a prática dos crimes que, estando previstos no Estatuto do TPI, não o estejam ainda no nosso Código Penal. E seria necessário ainda criar os mecanismos legais que permitissem aos tribunais portugueses julgar, de acordo com a lei portuguesa, todos os indivíduos que se encontrassem em Portugal e que fossem acusados da prática de qualquer um dos crimes previstos no Estatuto do TPI.
É precisamente isto que o PCP hoje propõe, e, neste sentido, entregámos na Mesa da Assembleia da República o projecto de lei n.º 405/VIII, hoje em discussão, que propõe a alteração do Código Penal português, por forma a garantir o julgamento em Portugal dos autores de crimes graves que afectam a comunidade internacional no seu conjunto.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Segundo o nosso projecto de lei, nenhum crime grave contra a Humanidade pode ficar sem julgamento por insuficiência da lei penal portuguesa e nenhum dos autores desses crimes que seja encontrado em Portugal pode ficar sem julgamento por falta de competência dos tribunais portugueses. Se os objectivos são estes, podemos obtê-los perfeitamente no respeito pela Constituição que temos e da qual, em matéria penal, não temos de nos envergonhar.
Alterando a lei penal portuguesa, de forma a garantir a competência dos tribunais portugueses, para julgar os autores dos crimes a que se refere o Estatuto do TPI, seja qual for…

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