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1174 | I Série - Número 030 | 21 de Dezembro de 2001

 

Unidas. Entretanto, tinham sido estabelecidos pelo Conselho de Segurança os Tribunais ad hoc para a ex-Jugoslávia em 1993 e para o Ruanda em 1994.
Penso que este modelo de tribunais ad hoc se esgotou, não só por serem ainda tribunais de vencedores mas sobretudo por terem uma competência limitada a factos ocorridos em certas áreas e em certas épocas - no caso do Ruanda, durante o ano de 1994 e nada mais. Isto põe em causa princípios basilares da universalidade e da igualdade na aplicação da justiça. Porquê punir só aqueles crimes e não os praticados, na mesma época, noutros países, com igual gravidade? Refiro-me, por exemplo, ao Sudão, onde perderam a vida mais de 2 milhões de pessoas, à Serra Leoa, à República Democrática do Congo, ao Afeganistão, sem esquecer, evidentemente, Timor-Leste.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, ou a justiça é aplicada a todos por igual, ou não é justiça. Não pode haver dois pesos e duas medidas. Além disso, os tribunais ad hoc não cumprem duas missões essenciais: a prevenção, por dissuasão, da prática de crimes futuros, uma vez que são criados a posteriori, e a reparação e indemnização das vítimas.
Em especial no que se refere ao caso do Ruanda, devo dizer que tive, há meses, oportunidade de conhecer um relatório do Grupo Internacional de Crises que assinalava a incúria, a apatia verificada neste tribunal. Mobilizar 800 funcionários, gastar cerca de 680 milhões de francos franceses para realizar 9 ou 10 julgamentos enquanto várias dezenas de acusados de genocídio aguardavam constitui um balanço absolutamente decepcionante.
Deste sistema resultaram constantes exigências de esforços do Conselho de Segurança que levaram ao chamado «cansaço do tribunal», na conhecida expressão de David Sheffer.
Para o PSD, as críticas fundamentadas aos tribunais ad hoc, que, não sendo complementares das jurisdições nacionais, permitem verdadeiras trocas de criminosos por benesses políticas ou financeiras, constituem fortes argumentos a favor da necessidade de criar um tribunal penal permanente com vocação universal.
Na verdade, só este tribunal poderá acabar com a impunidade e oferecer reparação às vítimas pela violação dos seus direitos. Só ele poderá dissuadir os que intentarem praticar crimes de genocídio, de guerra ou contra a Humanidade. Só ele poderá julgar com equidade, sem distinção entre vencidos ou vencedores, sem dois pesos e duas medidas, ou seja, estabelecendo um sistema de verdadeira justiça e não de mera punição selectiva, conforme os humores e os destaques dos media e das opiniões públicas. Só ele respeitará os princípios fundamentais da não retroactividade da lei penal e de nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege. Finalmente, só ele poderá constituir arquivos que guardem para o futuro a memória verdadeira sobre os crimes internacionais que vierem a ser cometidos.
Mas de que crimes estamos a falar, Srs. Deputados? Penso que, no debate realizado entre nós, alguns se preocuparam mais com questões laterais do que com o essencial. Olharam para a árvore, para não dizer para o arbusto, em vez de olharem para a floresta.
Estamos a falar de actos que visam destruir um grupo nacional, étnico ou religioso enquanto tal, da deportação forçada de populações inteiras, do desaparecimento de pessoas, da redução à escravatura (como está a acontecer, por exemplo, hoje em certas regiões do Sudão, onde são vendidas crianças, que, mesmo quando são libertadas, ficam psicologicamente destruídas para toda a vida), da tortura, dos tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas, dos bombardeamentos e massacres indiscriminados de populações civis, das violações em massa, da prostituição forçada, da gravidez ou esterilizações obrigatórias, da mutilação (por exemplo, por decepação de membros, como sucedeu na Serra Leoa), de raptos e sequestros, como aconteceu agora em Angola, com duas inocentes crianças portuguesas, que temos o dever de ajudar o mais possível para vermos restaurado o seu direito inalienável à liberdade e ao regresso às famílias.
Estamos a falar, ainda, de certos actos que provocam a inanição e a morte pela fome de populações civis, do recrutamento de menores de 15 anos para fazer a guerra, destruindo as suas personalidades, da destruição de edifícios religiosos, culturais, de obras artísticas ou documentos, visando aniquilar a memória, as crenças e a cultura de povos inteiros.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os delegados que constituíram o chamado «grupo dos Estados da mesma opinião», conhecido por «like-minded States», não esqueceram o essencial e deram um contributo decisivo para a conclusão do Estatuto de Roma. Entre eles, esteve Portugal, o que nos obriga a prestar homenagem aos nossos representantes, dos quais quero destacar o Embaixador Costa Lobo e a Professora Paula Escarameia.
Também as várias centenas de organizações não governamentais, particularmente a coligação de várias ONG em favor do TPI, contribuíram muito para o Estatuto, designadamente publicando relatórios de peritos sobre as várias questões e contribuindo para a criação de uma tomada de consciência da necessidade do TPI. Muitas delas eram confessionais, ligadas a igrejas e confissões religiosas, que, ao contrário do que alguns pretendem, afirmaram, elas próprias, o seu apoio à instituição do TPI.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, importa rejeitar as críticas dos que recusam o Tribunal por o seu Estatuto não ser perfeito nem completo. É verdade! Sabemos que não foi possível, para já, fazer a qualificação do crime de agressão, que ficará para a próxima revisão do Estatuto. É verdade que lamentamos que o terrorismo não tenha sido já qualificado como crime contra a Humanidade, como recomendou recentemente a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Também não concordamos com a disposição transitória que permite que algum Estado possa declarar não aceitar durante sete anos a competência do Tribunal relativamente a crimes de guerra. E não podemos aceitar a admissão da possibilidade de aplicação da pena de prisão perpétua, ainda que ela nunca se aplique no ordenamento jurídico português, e ainda menos se for aprovado, como esperamos, o nosso projecto de lei, que acabei de apresentar.
Por tudo isto, penso que vale a pena abusar da vossa paciência para desmantelar as críticas à imperfeição do Estatuto.
Srs. Deputados, a Humanidade tem oscilado entre o imobilismo e o perfeccionismo dos que querem impor os seus próprios modelos, umas vezes por via revolucionária, outras vezes por outras vias. Mas quem tem legitimidade

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