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0162 | I Série - Número 005 | 26 de Abril de 2002

 

Álvaro Guerra foi um lutador pelas liberdades públicas e eu tive muita honra em nomeá-lo embaixador político em 1977. Aliás, na lista que o Sr. Presidente leu há pouco, falta acrescentar o primeiro posto que Álvaro Guerra ocupou: Belgrado, porque Álvaro Guerra, além de ser um grande representante do Estado português e da República Portuguesa, normalmente, acabava por representar também o povo onde estava acreditado.
É por isso que as páginas que ele nos deixou sobre a sua passagem por Belgrado, pelo Zaire, pelo Conselho da Europa, onde pude, de novo, apreciar a cordialidade, a simpatia e a amizade com que ele recebia toda a delegação portuguesa num sentimento plural… Aliás, acho que ele não diferenciava os Deputados, quando eles estavam em maioria ou em minoria; para ele, eram todos Deputados eleitos pela Assembleia da República. Ele não fazia a distinção entre «estar por cima» e «estar por baixo».

Aplausos do PS.

É, pois, Sr. Presidente, este jornalista, este escritor, este diplomata e, sobretudo, este cidadão e este homem que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista recorda comovidamente.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português se associa a este voto de pesar.
Homens como Álvaro Guerra, que contaminaram vida e texto num processo dialógico, permanente e actuante, não desaparecem; ausentam-se, com certeza, na procura de renovados alentos.
Jornalista, embaixador, mas também, como ele dizia, fortemente trabalhador da palavra escrita, Álvaro Guerra obrigou-se, e obriga-nos, à permanente contundência dos confrontos.
A sua narrativa histórica, mas permanentemente bélica e permanentemente lírica, foi corrosiva do fascismo, mas não silenciou algum desencanto perante o processo democrático. Se em Os Mastins, de 1967, prefaciado por Alves Redol, o passado dialoga com o futuro histórico, o final da trilogia enuncia alguma desilusão perante a democracia.
Em Outubro de 2001, em Vila Franca de Xira, na sua terra de regresso e de conforto, como ele tantas vezes afirmava -, ouvi Álvaro Guerra alertar para a importância da diversidade e da afirmação culturais como reforço de identidades próprias perante, dizia, «a ameaça de uniformização da rasoira brutal do dinheiro e da língua franca do progresso que melhora tudo menos o homem e a sua vida em sociedade».
Diria que talvez fosse bom aguardarmos agora O Jardim das Paixões Perdidas, o último legado que nos fará chegar no próximo mês de Maio, e talvez possamos textualizar na memória individual e colectiva, porque também estamos em Abril, o seu aviso - o perigo da globalização e da rasoira brutal do dinheiro.

Aplausos do PCP, do PS, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Já tudo foi dito, nesta homenagem breve que o Parlamento português está a prestar a Álvaro Guerra.
Principalmente, foi aqui recordada, pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira, a crónica do seu amigo e admirador (como, aliás, todos nós) Mário Mesquita sobre o perfil do escritor, do democrata, do homem de convicções, do diplomata e, acima de tudo, do «cidadão», como termina o artigo que um ilustre jornalista escreveu sobre esta figura.
Não sou crítico literário nem sou um examinador da acção diplomática, mas tive uma experiência curiosa vivida com Álvaro Guerra, quando ele foi embaixador de Portugal na Índia. É que coube sempre ao Embaixador Álvaro Guerra viver momentos conjunturais difíceis nos postos que ocupou. Não foi fácil ser o embaixador de Portugal, num país como a Índia, no período após a morte de Indira Ghandi. Era preciso compreender muito bem as transformações profundas que a política estava a sofrer naquele subcontinente, porque o Congresso estava a perder a sua marca de partido histórico da independência, novos partidos fortes estavam a surgir, e era preciso que estivesse à frente desse posto da Embaixada alguém que conhecesse o que se passava nesse grande país e que soubesse, acima de tudo, preservar os laços de Índia com Goa e com Portugal.
Ora, quando conheci o Álvaro Guerra, na Índia - e foram três as vezes que estive com ele durante a sua permanência em Nova Delhi -, pude ver o fino sentido com que Álvaro Guerra compreendia a política dos países onde estava sediado como representante de Portugal, pelas pessoas estrategicamente colocadas que ele escolhia para o seu diálogo. O homem sabia, efectivamente, levar a «carta a Garcia» nos países em que estava em nome de Portugal. Era, verdadeiramente, um diplomata que a todos honrava com a sua sabedoria, com o seu sentido de humor, com o seu fino sentido de retratar as pessoas e as próprias sociedades, como também ele retratou a sociedade de Nova Delhi nos seus trabalhos.
Há, aliás, um episódio curioso que gostaria de contar, para terminar.
Em Nova Delhi, Álvaro Guerra conheceu um artista que fazia retratos a óleo a partir de fotografias e que levava cerca de dez contos por um retrato de 1 metro por 70 centímetros de largo. As pessoas acorriam e por dez contos compravam os retratos, o que era muito dinheiro para quem vivia de uma malga de arroz com molho de caril.
Pois, Álvaro Guerra adoptou o pintor e a todas as pessoas que conhecia dizia: se vocês tiverem um antepassado ou se tiverem alguém cujo retrato queiram pôr na vossa casa, na vossa sala, no vosso escritório, paguem-lhe 25% do que pagam em Portugal, ou seja, paguem-lhe 100 contos e vão ver que podem vender o retrato por 1000 contos.
E foi verdade! O homem está rico, é hoje um dos pintores mais conhecidos de Delhi e dos mais cobiçados para fazer retratos, e muitas famílias aristocráticas e democráticas portuguesas têm as obras do pintor indiano, cujo nome aparece um pouco apagado, porque pode ser posto um nome famoso, retratos esses que hoje adornam algumas grandes salas portuguesas.

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