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Quinta-feira, 4 de Julho de 2002 I Série - Número 27

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE JULHO DE 2002

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 90 a 93/IX, dos projectos de resolução n.os 35 a 38/IX e 40 e 41/IX e do projecto de deliberação n.º 5/IX.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética, relativo à retoma do mandato de um Deputado do PSD e à substituição de um outro, também do PSD.
Após o Sr. Deputado António Costa (PS) interpor recurso - que foi rejeitado - da decisão do Sr. Presidente de não agendar, por arrastamento, em conjunto com a proposta de lei n.º 16/IX - Lei da estabilidade orçamental, que altera a Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, o projecto de lei n.º 88/IX - Aprova medidas tendentes a garantir a eficiência e a combater a fraude e a evasão fiscal (PS), o Sr. Deputado José Magalhães (PS) também interpôs recurso, com fundamento de inconstitucionalidade, sobre a admissão da proposta de lei supracitada, tendo o recurso baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do n.º 3 do artigo 139.º do Regimento. Em interpelação à Mesa e ainda sobre aquela proposta de lei, usaram da palavra, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes), o Sr. Deputado João Cravinho (PS).
Procedeu-se à reapreciação do Decreto n.º 3/IX - Segunda alteração à Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho (Aprova a Lei de Televisão), alterada pela Lei n.º 8/2002, de 11 de Fevereiro. Na discussão, na generalidade, usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Manuel Maria Carrilho (PS), Telmo Correia (CDS-PP), António Costa (PS), Francisco Louçã (BE), Luís Marques Guedes (PSD), Isabel Castro (Os Verdes) e António Filipe (PCP).
Após ter sido apresentado um recurso, interposto pelo PS, com fundamento de inconstitucionalidade, sobre a admissão da proposta de alteração, apresentada pelo PSD e CDS-PP, de um n.º 2 de um artigo 3.º ao Decreto n.º 3/IX, o mesmo baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do n.º 3 do artigo 139.º do Regimento.
Foram discutidos, na generalidade, a proposta de lei n.º 17/IX - Aprova o estatuto do aluno do ensino não superior, e os projectos de lei n.os 78/IX - Altera o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário (BE) e 87/IX - Altera o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário (Os Verdes). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Educação (David Justino), os Srs. Deputados Ana Benavente (PS), João Teixeira Lopes (BE), Sérgio Vieira (PSD), Fernando Cabral (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), António Braga (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Gonçalo Capitão (PSD), Cristina Granada (PS) e Bruno Dias (PCP).
A Câmara apreciou, ainda, a proposta de lei n.º 13/IX - Aprova o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior, desenvolvendo o regime previsto na Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo) e o projecto de lei n.º 77/IX - Cria o sistema de avaliação para os estabelecimentos de ensino básico e secundário (BE), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Educação, os Srs. Deputados Rosalina Martins (PS), João Teixeira Lopes (BE), Luísa Mesquita (PCP), Pedro Duarte (PSD), António Braga (PS), Sérgio Vieira (PSD), Ana Benavente (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).

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Deu-se conta da apresentação do projecto de deliberação n.º 6/IX, das propostas de resolução n.os 6 e 7/IX e da proposta de lei n.º 18/IX.
Entretanto, a Câmara tomou conhecimento, através do Sr. Deputado relator António Montalvão Machado (PSD), do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias no sentido de não dar provimento ao recurso, interposto pelo PS, com fundamento de inconstitucionalidade, sobre a admissão da proposta de alteração, apresentada pelo PSD e CDS-PP, de um n.º 2 de um artigo 3.º ao Decreto n.º 3/IX. Depois de o Sr. Deputado José Magalhães (PS) ter lido a declaração de voto dos Deputados do PS presentes na reunião daquela Comissão, intervieram sobre o parecer - que veio a ser aprovado pelo Plenário - os Srs. Deputados António Filipe (PCP), António Costa (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Francisco Louçã (BE) e Guilherme Silva (PSD). De seguida, procedeu-se à discussão, na especialidade, das propostas de alteração apresentadas pelo PSD e CDS-PP e pelo PS, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento), os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), José
Magalhães (PS), Isabel Castro (Os Verdes), António Filipe (PCP), Manuel Maria Carrilho (PS), Guilherme Silva (PSD) e António Costa (PS).
Entretanto, sob a forma de interpelação à Mesa, o Sr. Deputado António Costa (PS) colocou a questão de o Deputado do PSD Gonçalo Reis não ter manifestado conflito de interesses em relação às votações que se iriam seguir sobre o Decreto, tendo-se também pronunciado, além deste Deputado, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Bernardino Soares (PCP), Francisco Louçã (BE) e Isabel Castro (Os Verdes). Após o Sr. Deputado Gonçalo Reis ter saído da Sala, procedeu-se à votação, na especialidade, das propostas de alteração apresentadas. Por fim, em votação final global, mereceram aprovação as propostas entretanto aprovadas.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes (PSD) solicitou a dispensa de redacção final do texto aprovado, sobre o que também intervieram os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE) - que apresentou um requerimento de baixa à 1.ª Comissão para redacção final, o qual foi rejeitado - e António Filipe (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 22 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo Alves de Sousa de Vasconcelos
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Gonçalo Trigo de Morais de Albuquerque Reis
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela

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Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Acílio Domingues Gala
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues

Partido Comunista Português (PCP):
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV)
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 90/IX - Regula as técnicas de procriação medicamente assistida (PS), que baixa às 1.ª e 8.ª Comissões, 91/IX - Aprova a lei de enquadramento de gestão hospitalar (PS), que baixa à 8.ª Comissão, 92/IX - Investigação de paternidade/maternidade - (alteração de prazos) (Os Verdes), e 93/IX - Altera a Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, que proíbe como contra-ordenação os espectáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses neles lidadas (PCP); projectos de resolução n.os 35/IX - Viagem do Presidente da República a Barcelona e Salamanca (Presidente da AR), 36/IX - Viagem do Presidente da República à Áustria (Presidente da AR), 37/IX - Viagem do Presidente da República ao Brasil (Presidente da AR), 38/IX - Viagem do Presidente da República à Itália (Presidente da AR), 40/IX - Sobre a urgência de uma intervenção do Governo no mercado dos vinhos verdes (PCP) e 41/IX - Prémio Direitos Humanos (Comissão de Assuntos

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Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias); e projecto de deliberação n.º 5/IX - Cria uma comissão eventual sobre o futuro do serviço público de televisão e a política do audiovisual (PS).
Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi, ainda, apresentado à Mesa um relatório e parecer da Comissão de Ética, do seguinte teor:

1 - Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 3 de Julho de 2002, pelas 9 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes retoma de mandato e substituição de Deputados:
a) Retoma de mandato, nos termos do artigo 6.°, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados (Lei n.° 3/2001, de 23 de Fevereiro):
Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata - Eduardo Moreira (Círculo Eleitoral de Fora da Europa), cessando Laurentino Esteves, em 3 de Julho corrente, inclusive;
b) Substituição nos termos do artigo 20.°, n.° 1, alínea d), do Estatuto dos Deputados (Lei n.° 3/2001, de 23 de Fevereiro):
Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata - Victor do Couto Cruz (Círculo Eleitoral dos Açores), por Judite Maria Jorge da Silva, em 1 de Julho corrente, inclusive.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4 - Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A retoma de mandato e a substituição em causa são de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos ter de votar este parecer da Comissão de Ética, porque a sua decisão condiciona a participação nos nossos trabalhos dos referidos colegas nossos.
O parecer, que é no sentido de admitir a substituição e a retoma de mandato dos Deputados em causa, está em discussão.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Assim sendo, os Srs. Deputados em causa podem tomar os seus lugares no Hemiciclo, com os meus cumprimentos muito afectuosos.
Para dar início aos nossos trabalhos, vou dar a palavra ao Sr. Deputado António Costa, que a pediu para recorrer da minha decisão sobre a fixação da ordem do dia de hoje.
Tem a palavra.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, é, de facto, para recorrer de uma decisão sua sobre a fixação da ordem do dia, mas não sobre a ordem do dia de hoje.
O Sr. Presidente recordar-se-á que o Partido Socialista solicitou o agendamento, por arrastamento, do nosso projecto de lei n.º 88/IX - Aprova medidas tendentes a garantir a eficiência e a combater a fraude e a evasão fiscal, conjuntamente com a proposta de lei n.º 16/IX - Lei da estabilidade orçamental, que altera a Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, por entendermos que a consolidação orçamental tem efectivamente de resultar de uma operação de controle da receita, mas também tem necessariamente de resultar de medidas sérias e efectivas de combate à fraude e evasão fiscal.
Ontem, ouvida a Conferência de Líderes, V. Ex.ª entendeu não agendar este nosso diploma sobre o combate à fraude e à evasão fiscal.
Infelizmente, não podemos conformar-nos com esta decisão de V. Ex.ª; consideramos, aliás, que seria imoral que o esforço de consolidação orçamental resultasse exclusivamente de medidas penalizadoras de todos os contribuintes, como a do aumento do IVA, da asfixia das autarquias locais ou de constrangimentos à autonomia das regiões autónomas, e não houvesse um combate efectivo à fraude e à evasão fiscal.
Creio que o País fica chocado com esta estratégia de consolidação das nossas finanças públicas, patrocinada pela maioria, que quer impedir que o Estado se dote de instrumentos eficazes de combate à fraude e à evasão fiscal.
Por isso, Sr. Presidente, não podemos conformar-nos com a sua decisão e recorremos para o Plenário, de forma a que o nosso projecto de lei possa ser agendado para discussão conjunta com a proposta de lei da estabilidade orçamental e para que se clarifique politicamente qual é a estratégia de consolidação das finanças públicas sustentada por esta maioria,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - … se é uma estratégia de equidade, de justiça social, de combate à fraude e à evasão fiscal ou se é uma estratégia em que o PSD e o CDS-PP se conformam com a fraude e a evasão fiscal e querem, única e exclusivamente, a consolidação das finanças públicas à custa dos mais desfavorecidos, à custa do investimento e à custa do desenvolvimento do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Câmara para o seguinte: o recurso da decisão do Presidente que fixe a ordem do dia enquadra-se no disposto no n.º 4 do artigo 55.ª do Regimento. Diz este preceito: «O recurso da decisão do Presidente que fixe a ordem do dia é votado sem precedência de debate, podendo, todavia, o recorrente expor verbalmente os respectivos fundamentos por tempo não superior a três minutos.» É o que acaba de fazer o Sr. Deputado António Costa e até cumpriu esse requisito de não exceder os três minutos, pelo que o felicito.
Não está previsto que o Presidente dê as suas explicações, que também poderia dar. Mas, de facto, não seria regimental. De modo que abstenho-me de qualquer comentário e sujeito apenas à Câmara, para votação sem debate, conforme preceitua o Regimento, o recurso que o Sr. Deputado António Costa acaba de apresentar, relativamente à minha decisão de não agendar, por arrastamento, em conjunto com a proposta de lei n.º 16/IX - Lei da estabilidade orçamental, que altera a Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, o projecto de lei n.º 88/IX - Aprova medidas tendentes a garantir a eficiência e a combater a fraude e a evasão fiscal (PS).

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Srs. Deputados, vamos, então, votar o recurso acima referido.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, no sentido de fazer uma sugestão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Presidente admitiu a proposta de lei n.º 16/IX, sobre a estabilidade orçamental, e, em despacho que tive ocasião de ler, determinou que as regiões autónomas fossem consultadas e fixou-lhes um prazo. Esse prazo evidentemente tinha em conta que a proposta de lei estava agendada para o dia 11 de Julho, isto é, o último dia dos nossos trabalhos, mas, ontem, a Conferência de Líderes antecipou a data, realizando-se agora o debate no dia 10.
Entretanto, Sr. Presidente, não sei se os interessados já foram notificados desta antecipação que reduz prazo, mas, caso não o tenham sido, julgo que seria correcto fazer essa notificação para não se criar equívoco numa matéria desta natureza quanto ao prazo disponível. Este é o primeiro aspecto que gostaria, em nome da minha bancada, de lhe transmitir.
Em segundo lugar, Sr. Presidente, e muito mais relevantemente, julgo, a Associação Nacional de Municípios Portugueses não foi, que eu saiba, notificada para intervir neste processo. Ora, sendo certo que o Governo pretende conferir à lei orçamental o poder de suspender a Lei das Finanças Locais e alterar, portanto, assim, o clausulado na lei que está em vigor, julgamos que se impõe em absoluto o cumprimento da norma regimental que obriga, nesses casos, a consulta, pela tramitação que o Sr. Presidente muitíssimo bem conhece.
Por fim, Sr. Presidente, gostaria de anunciar, por razões de cortesia e de lealdade parlamentar, que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista analisou a proposta de lei sobre a estabilidade orçamental e verificou que o Sr. Presidente não a admitiu «sob condição», nem lavrou qualquer despacho hermenêutico da mesma, o que francamente nos surpreendeu. É que, analisando a proposta de lei, chegámos à conclusão de que ela incorre em dois vícios de inconstitucionalidade muito importantes, tanto no respeitante às regiões autónomas como no respeitante às autarquias locais, cuja autonomia também é ferida.
Nesse sentido, Sr. Presidente, vou entregar na Mesa, nos termos regimentais, um recurso de impugnação da sua admissão, e peço ao Sr. Presidente, em nome da minha bancada, que tome as diligências para que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias reúna, com carácter de urgência, para parecer, dentro do quadro regimental. É isto que vou fazer de imediato.
Aguardamos, entretanto, a sua decisão quanto à questão que coloquei sobre a Associação Nacional de Municípios Portugueses.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães - e dirijo-me também a toda a Câmara, porque o esclarecimento a todos interessa -, desde já, agradeço-lhe imenso a sua chamada de atenção. A minha resposta é esta: não tinha ainda prevenido as regiões autónomas sobre a alteração do prazo, mas agradeço a sua sugestão e vou fazê-lo de imediato.
Sobre a consulta da Associação Nacional de Municípios Portugueses, remeto V. Ex.ª para o artigo 150.º do Regimento, segundo o qual a audição da ANMP e da ANAFRE compete à comissão competente. Ora, esse diploma já foi entregue à comissão competente, pelo que o Sr. Presidente dessa comissão, com certeza, até talvez já o tenha remetido aos organismos envolvidos na questão.
Sobre o requerimento a que V. Ex.ª alude impugnando a constitucionalidade do meu despacho de admissão, peço-lhe o favor de o fazer chegar à Mesa, para que imediatamente proceda à convocação da 1.ª Comissão para se pronunciar nos termos regimentais e também no prazo regimental.

O Sr. João Cravinho (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, a Comissão de Economia e Finanças recebeu o despacho de V. Ex.ª, na sexta-feira passada, ao fim da tarde, e, na reunião de hoje da Comissão, foi feita a distribuição desta proposta de lei.
Relativamente à consulta da ANMP e da ANAFRE, despachei no sentido de as duas consultas serem efectuadas, mas verificou-se entretanto um problema que afecta a possibilidade de a Comissão colher os esclarecimentos necessários antes da votação na generalidade.
Com efeito, a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças indicou não ter disponibilidade, numa primeira consulta que foi feita através do gabinete do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pelo que, ainda mesmo esta tarde, remeterei ao Sr. Ministro uma carta no sentido de ser solicitada a presença da Sr.ª Ministra para dar os esclarecimentos necessários, seja na noite de segunda-feira, de terça-feira ou de quarta-feira. Na eventualidade de, como há indicações nesse sentido, a Sr.ª Ministra não poder vir cá prestar esses esclarecimentos, quero informar V. Ex.ª e a Câmara de que a Comissão de Economia e Finanças não terá condições de se informar cabalmente quanto ao dispositivo proposto pelo Governo e que, portanto, a discussão aqui, em Plenário, e a votação na generalidade serão feitas em condições muito precárias.
Numa lei desta importância, não queria deixar de registar isso, assim como não queria deixar de pedir a melhor atenção de quem de direito para que, de futuro, não se coloque esta instituição numa posição que não a prestigia nem a dignifica e que, sobretudo, a impede de fazer o seu trabalho como deve ser feito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, quanto à parte que me toca, tenho de exprimir a minha concordância sobre a necessidade de ser dado tempo às comissões para elaborarem os seus relatórios. Ora, é por virtude da especial urgência na aprovação de determinados diplomas que o Governo tem apresentado ao Parlamento que a Conferência de Líderes tem aceite o agendamento de diplomas, com prejuízo do prazo regimental.

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No entanto, esta prática não será mantida a partir de Setembro, disso posso dar garantia, e haveremos de respeitar integralmente os prazos regimentais.
Sobre a colheita de informações e, sobretudo, sobre a audição da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças e do Sr. Secretário de Estado do Orçamento, espero que possam fazer-se. Em todo o caso, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares está a pedir a palavra para se pronunciar sobre esta matéria e eu vou dá-la de imediato, porque ele é capaz de ter melhores informações do que as minhas.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, na sequência da interpelação feita pelo Sr. Deputado João Cravinho, gostaria de dizer duas coisas.
Primeira, o meu gabinete teve uma consulta informal do Sr. Deputado João Cravinho sobre esta matéria e, na data que foi proposta para a audição da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, a Sr.ª Ministra não tinha disponibilidade pela razão simples de que tem uma reunião do Conselho de Ministros à mesma hora. Em qualquer circunstância, como o Governo não está apenas representado pela Sr.ª Ministra, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento disponibilizou-se imediatamente para estar presente na reunião. Com a presença da Sr.ª Ministra, a reunião terá de ser noutra data, a combinar.
Segunda, é preciso que não restem dúvidas do seguinte: se chegar à mão do Ministro dos Assuntos Parlamentares uma deliberação da Comissão a solicitar a presença, na Comissão, de um membro do Governo, designadamente da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, para tratar da apreciação da lei da estabilidade orçamental, eu, desde já, por antecipação, posso dizer que tal solicitação será totalmente autorizada. Se me chegar à mão uma deliberação da Comissão nesse sentido, rapidamente acordaremos uma data e o Governo estará presente para prestar todos os esclarecimentos, antes do debate orçamental. Quanto a isto, não restem quaisquer dúvidas. Quanto mais rápido chegar à minha mão tal deliberação, mais rápida será autorizada essa diligência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, congratulo-me com esta disponibilidade do Governo - aliás, nem outra coisa seria de esperar. Em matéria de tanta actualidade e de tanto melindre, com certeza o Governo terá o maior interesse em prestar todos os esclarecimentos ao Parlamento.
Srs. Deputados, vamos passar à reapreciação do Decreto n.º 3/IX - Segunda alteração à Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho (Aprova a Lei de Televisão), alterada pela Lei n.º 8/2002, de 11 de Fevereiro, que foi, como todos sabem, eu próprio o li na Mesa, vetado pelo Sr. Presidente da República.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho.

O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Ex.mo Sr. Presidente, Ex.mos Srs. Ministros, Ex.mos Srs. Deputados, Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento, é um prazer vê-lo, de novo, por cá. É também - não posso deixar de o reconhecer - um pouco penoso vê-lo por cá pelas mesmas razões por que já cá tem estado das outras vezes. E, pelo que posso antecipar da reunião de hoje, vê-lo-emos, de novo, ainda algumas vezes mais, neste Parlamento, pelas mesmas razões e no mesmo impasse.
É altura de fazermos o balanço do que se tem passado nestes últimos meses, balanço esse que, de resto, me leva a compreender bem o silêncio do Sr. Ministro no início deste debate. Esse balanço aponta claramente para três conclusões, sendo a primeira uma conclusão clara sobre a derrota dos procedimentos governamentais quanto à intervenção na RTP e no serviço público de televisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Uma derrota que se deve à incompetência com que o processo foi conduzido, à inconsistência e à incoerência de que se deu mostras.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há mais conclusões a tirar, e já lá iremos.
Gostava de sublinhar que a incompetência foi repetidamente chamada aqui à atenção e foi, sobretudo, salientada pelo Sr. Ministro ao mostrar que não sabe como fazer, a sua inconsistência foi mostrada porque não sabe o que quer fazer e a sua incoerência foi manifestada aqui ao mostrar aqui que não sabe como fazer.

Vozes do PS: - Muito bem.

O Orador: - Viram-se contradições, ambiguidades, embustes, mentiras - sim, mentiras -, trapalhices de toda a ordem. E, sobretudo, este processo foi envolvido por várias advertências, vários avisos, que vieram do Conselho de Opinião, da Alta Autoridade, da Igreja, do Bastonário da Ordem dos Advogados… Enfim, foram tantos! Mas só quando o Sr. Presidente da República e, depois, o Tribunal Constitucional decidiram sobre este processo é que o Governo reconheceu, ou melhor, pretendeu não reconhecer, a derrota. Porque se trata claramente de uma derrota, de que só o Governo é responsável. Aos 100 dias de governação que estão a fazer, é altura de o Governo começar a ser responsável por aquilo que faz e deixar de, permanentemente, enjeitar responsabilidades e falar do passado!
A segunda conclusão que tiro é a de que a condução deste processo levou-nos hoje a uma situação clara de impasse e de total descredibilização da gestão deste dossier. Neste contexto, tudo aconselhava a outra via.
Por isso, o Partido Socialista propôs um pacto de regime, que foi rejeitado pelo Governo. Pacto de regime que Deputados do PSD que mostravam alguma familiaridade com este dossier, como a Deputada Maria Elisa, antes de se dedicar à crónica social sobre a vida parlamentar, bem defenderam e com alguns argumentos sustentados. O Governo rejeitou-o, como rejeitou todas as propostas de abertura no sentido de consensualizar uma política para esse sector. Isso decorre de que o Governo paralisou todo o processo devido ao vazio que criou, à confusão que instalou e, claramente, aos interesses que serve. Por isso, o Governo não conseguiu fazer aquilo que anunciou, que era uma comissão de independentes, criou, antes, um grupo de trabalho de «governodependentes».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por aí se vê o apreço - e discutiremos isso hoje, aquando da discussão na especialidade - que o

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Governo tem pela independência dos órgãos de informação.
Uma ideia muito clara fica aqui, hoje: o Governo não sabe como conduzir este processo, nem para onde o quer conduzir, pela razão muito precisa de que não há, sequer, um vislumbre de uma política de serviço público nem de audiovisual.
Não há política, mas eu diria que há político! Porque nestes três meses de total silêncio - e então, neste último mês, de absoluto silêncio - por parte do Ministro da tutela, houve múltiplas declarações do Sr. Ministro.
Na verdade, não nos diz nada sobre o que deve ser o serviço público de televisão, mas multiplica as suas revelações sobre a agitada vida de adolescente, os seus vícios e as suas virtudes. Não nos diz nada sobre o misterioso destino do canal 2, sobre o qual o Governo continua a alimentar as mais justificadas suspeitas, mas multiplica detalhes sobre o seu passado de boxeur, dizendo «Eu não era o terror dos ringues, mas também não era nenhum medíocre». Vemos qual é a tabela por que se gere o Sr. Ministro!

Risos do PS.

Não há nada sobre a política do audiovisual, mas proliferam…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe o favor de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Como dizia, não há nada sobre a política do audiovisual, mas proliferam as suas impressões sobre a sua vida de mergulhador, certamente uma tendência antiga para «meter muita água»!
Não há nada! E, se calhar, é melhor! Porque quando há, como em declarações que deu numa entrevista há cerca de duas semanas, o Sr. Ministro, o Ministro que, em Portugal, tem a tutela do serviço público de televisão, quando perguntado se defendia ou não a existência de um canal público, respondeu: «Se me perguntar se em qualquer país é necessário haver televisão pública, eu direi que não. Não há necessidade». É espantoso! Toda a Europa aprenderia imenso com esta sua lição! E eu dir-lhe-ei que a Europa está, certamente, à sua espera!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, começo por fazer uma nota prévia: não quero deixar de registar com algum apreço e, até, de uma forma divertida e irónica que V.ª Ex.ª não se coibiu de terminar a intervenção fazendo referência a um suposto talento do Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento de aparecer na comunicação social a propósito de eventos sociais. Vindo de quem vem, Sr. Deputado…!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Em relação ao processo de reapreciação do Decreto em análise e à questão jurídica que aqui nos traz e que nos preocupa, queria dizer essencialmente o seguinte: este processo vem de um acórdão do Tribunal Constitucional, do passado dia 11 de Junho, segundo o qual poderia estar em causa a garantia do artigo 38.º da Constituição, relativo ao princípio da independência dos órgãos do sector público de comunicação social. Entende esse mesmo parecer que o parecer vinculativo do Conselho de Opinião seria o único mecanismo que, efectivamente, garantiria esse princípio de independência.
Como se sabe, essa não foi a nossa opinião, e não o foi basicamente, primeiro, por considerarmos que, existindo este princípio constitucional, ou outro, com outra redacção, desde 1976, este mecanismo concreto do Conselho de Opinião é de 1998, posterior ao próprio princípio de independência; segundo, porque sempre entendemos que a independência deve estar na direcção de informação e de programação e não propriamente no órgão de gestão; terceiro, porque entendemos que, tratando-se de uma estrutura societária, como dizem, de resto, alguns sobre esta matéria, existem outros mecanismos de independência.
Não obstante, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, o acórdão é claro e, como dizia um célebre programa de televisão, «O juiz decidiu, está decido»! Portanto, para nós, não existem dúvidas. Não temos por hábito questionar as decisões dos tribunais!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Assim deve ser em democracia. Em democracia, a Assembleia da República legisla e fiscaliza o Governo, o Presidente da República preside e chefia o Estado, os tribunais julgam e o Tribunal Constitucional fiscaliza a constitucionalidade. Nada mais normal em democracia! Cada um cumpre a sua função! É por aqui que se deve ir! E nesta normalidade não se pode ver qualquer tipo de «derrota», como diz o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, mas, antes pelo contrário, o funcionamento normal e regular de instituições democráticas!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que não aceitamos nenhum pacto de regime. É que o pacto que os senhores têm para a RTP nós sabemos qual é: é o «deixa estar como está para ver como fica», é deixar a empresa no tal pântano de que falava o ido engenheiro que nós bem conhecemos. O vosso pacto só podia ser para deixar tudo como está, e esse nós não aceitamos!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, propomos basicamente duas coisas.
Em primeiro lugar, que exista um organismo constitucionalmente previsto, que é a Alta Autoridade para a Comunicação Social, que possa ter parecer vinculativo sobre onde está, efectivamente, a garantia de independência, que são os directores de programação e os directores de informação.
Em segundo lugar, os grupos parlamentares da maioria foram mais longe ao proporem, além disso, uma garantia de inamovibilidade em relação aos membros da Administração da RTP.
Basicamente, é este o caminho! É um caminho que cabe dentro daquilo que o Tribunal Constitucional apontou, é

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um caminho que cabe dentro da solução que é possível e que foi apontada em relação a esta matéria.
Estamos, mais uma vez, dentro da normalidade! O Tribunal decidiu, o Presidente da República preside, o Governo governa, a Assembleia da República faz leis. Estamos, portanto, dentro da normalidade! E a oposição, supostamente, deveria criticar, e deveria criticar, de preferência, fazendo-o de forma construtiva.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sobretudo, o Partido Socialista que, esquecendo-se de todas as múltiplas posições a favor e contra que já teve em relação a esta matéria, usa expressões tão duras como «trapalhada», «martelada», e por aí fora, expressões comuns na bancada do Partido Socialista.
Pois bem, convinha que o Partido Socialista explicasse por que é que, na sequência de uma reunião havida entre o Sr. Ministro da Presidência, Dr. Nuno Morais Sarmento, eu próprio e o Sr. Deputado Guilherme Silva, líder da bancada do PSD, em que se apontava para o caminho que agora é proposto, o Sr. Deputado António Costa vem dizer que só lamentava que o Governo tivesse perdido tanto tempo, adiantando que os socialistas iam dar o seu voto favorável. Esta é uma declaração do dia 16 de Junho. Porém, no dia 27, o mesmo Deputado António Costa, o mesmo Partido Socialista, veio dizer que, afinal, já não votava a favor, que, afinal, tinha mudado de opinião e que, afinal, precisava de mais uma comissão!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Uma «trapalhada»!

O Orador: - Ou seja, mesmo conhecendo a paixão profunda, o amor cego que o Partido Socialista tem à criação de comissões…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe o favor de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Mesmo conhecendo o amor cego que o Partido Socialista tem à criação de comissões, fraca desculpa, Srs. Deputados! Grande «trapalhada», mas a vossa, não a nossa! O que nós queremos é resolver o problema, nomear a administração e sanear uma empresa que os senhores deixaram na falência, numa situação desastrosa.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da bancada.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Qual é o motivo do seu agravo, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - As imputações feitas pelo Sr. Deputado Telmo Correia à incoerência e contradição no Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, tenho presente essas minhas declarações em que saudei como um passo positivo o facto de o Governo se conformar com a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Sublinhei que foi uma pena termos perdido tempo por o Governo não ter ouvido a oposição no momento próprio, bem como que esperava que esse fosse o primeiro passo para que o Governo se aproximasse do sentido certo.
Devo dizer-lhe que, na altura, desconhecia a redacção - que só hoje de manhã tivemos oportunidade de conhecer - das propostas que apresentaram. Mas, mesmo antes de conhecer o texto das propostas, pareceu-nos claro que era necessário confirmar se este era um primeiro passo ou um mero acidente de percurso na estratégia do Governo.
Com efeito, o que hoje temos aqui é uma mera questão incidental para resolver uma trapalhada criada pelo Governo. O Governo viu chumbada a sua estratégia pelo Conselho de Opinião e veio aqui, à Assembleia da República, calar o Conselho de Opinião em virtude desse facto. Nesta Assembleia, várias bancadas alertaram para o risco de haver inconstitucionalidade, mas, «à martelada», a Assembleia da República foi impedida de apreciar da inconstitucionalidade. Perderam tempo, porque a inconstitucionalidade sempre aparece! O Sr. Presidente da República e o Tribunal Constitucional cá nos recolocaram a discutir a questão no ponto onde estaríamos se nos tivessem ouvido na altura própria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Telmo Correia, se eu tinha dúvidas sobre se fui ou não ingénuo, agora, ao ler o texto que aqui apresentaram, não tenho a menor dúvida de que fui muito ingénuo! O que aqui apresentaram não é, sequer, o que anunciaram, como, aliás, resulta do parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que ontem se pronunciou sobre a matéria.
Vejamos: há parecer vinculativo? Não! É um parecer apenas vinculativo em certas condições e não um parecer vinculativo de forma irrestrita, como exige o Tribunal Constitucional. É um parecer vinculativo que se aplica desde já? Não! Porque VV. Ex.as criam um hiato de inconstitucionalidade! O que prevê a norma sobre a entrada em vigor? Prevê que este diploma só se aplica aos próximos nomeados.

O Sr. José Sócrates (PS): - Pois!…

O Orador: - O que é que isto significa? Significa que a nova Administração entrará em funções sem controle e que os actuais directores podem ser demitidos sem controle! O que os senhores aqui vêm fazer é um truque constitucional para que o Sr. Ministro possa proceder aos saneamentos que quer fazer na RTP sem qualquer controle!

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma grosseira inconstitucionalidade e, portanto, se os senhores, mais uma vez, não nos ouvirem, vão fazer com que o Sr. Ministro da Presidência e todos nós estejamos aqui novamente, em Agosto, para suprir uma nova inconstitucionalidade em que insistem em prosseguir.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Faça favor de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E insistem em prosseguir, não por ignorância - há ilustríssimos juristas nas vossas bancadas! - mas por uma única razão: porque o objectivo que têm é só um (como o Sr. Ministro Marques Mendes pode explicar agora, por telefone, e confirmar, ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, nesse recado que está a transmitir apressadamente à bancada do CDS-PP) e não é o saneamento da RTP mas, sim, o saneamento de quem dirige a RTP. O objectivo do Governo é o controle político da Radiotelevisão Portuguesa, e mais nenhum!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Vou tentar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado António Costa, para além das suas observações sobre quaisquer conversas que possamos manter… Aliás, considerei que houve pouca correcção da sua parte, devo ser sincero, porque conheço-o há muitos anos e não estava habituado a esse tipo de atitude da sua parte. Para mim, é uma novidade e uma surpresa que o senhor faça esse tipo de comentários e use esse tipo de argumentos em política. Confesso que é uma novidade. Mas tal só demonstra que nós falamos antes e, nesse caso, não corremos o risco de fazer o que o senhor faz: proferir uma declaração a dizer «eu acho muito bem, sou a favor», depois vem o Dr. Manuel Maria Carrilho, o Dr. Ferro Rodrigues ou não sei quem e diz-lhe «não faça isso!» e o senhor muda de opinião e adopta uma outra completamente diferente, meia dúzia de dias depois!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nós falamos precisamente para evitar fazer essa figura, e não há qualquer tipo de «martelada» nesta matéria. De resto, Sr. Deputado, no São João do Porto é que há «marteladas», Porto onde os senhores, como sabem, não se deram bem e, por isso, também tiveram o problema de uma «varridela»… Mas esse é um outro problema que não queria discutir agora.

O Sr. António Costa (PS): - Mas ganhámos as eleições legislativas!

O Orador: - Em relação a esta matéria, queria dizer-lhe que o senhor sabe perfeitamente que não tem de defender a honra nem em relação a mim nem em relação à bancada do CDS-PP. O senhor tem de defender a honra em relação ao que é publicado e em relação à bancada da comunicação social, que aqui se encontra presente - que, infelizmente, não tem capacidade de intervenção tribunícia nesta Câmara! -, porque foram esses senhores que escreveram que o líder parlamentar do Partido Socialista, num dia, disse que lamentava que o Governo tivesse perdido tanto tempo nesta questão, adiantado que os socialistas iam dar o seu voto favorável, e, alguns dias depois, os mesmos senhores escreveram que o líder parlamentar do Partido Socialista entendia que só daria o seu voto favorável se fosse criada uma comissão eventual.
Uma comissão eventual para quê? Para duplicar o trabalho de um grupo independente já constituído pelo Governo e apresentado a esta Assembleia, numa intervenção do Sr. Primeiro-Ministro! Uma comissão eventual para quê? Provavelmente, para repetir trabalho, para criar mais uma comissão, enfim, para perder tempo!
O senhor podia encontrar as desculpas que quisesse, que se lembrasse e que muito bem lhe apetecesse para mudar de posição, mesmo no espaço de meia dúzia de dias, mas esta da comissão, Sr. Deputado António Costa, fica atrás da sua criatividade!… Podia ter inventado uma coisa mais elaborada: enganámo-nos, lemos mal, tropeçámos, qualquer coisa… Mas esta de criar uma comissão, como desculpa para mudar de posição de uma forma tão esfarrapada, realmente, não lembra a ninguém!
Diz o Sr. Deputado que foi ingénuo. Devo dizer que, conhecendo-o como o conheço há muitos anos, a ingenuidade não é das qualidades que mais aprecio em si, nem que mais lhe vejo…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Talvez não tenha sido ingénuo. O Sr. Deputado foi outra coisa:…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi desautorizado!

O Orador: - … foi fútil, volátil, inconstante, mudou de opinião! Não sabe porquê? Não lhe posso dizer mais nada!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que convém começar por lembrar que o Governo chega a esta Assembleia envergonhado e derrotado.
O Governo não conhecia a lei e, como ficou cabalmente comprovado, não conhecia a Constituição da República Portuguesa. E é depois de ser chumbada a sua proposta pelo Tribunal Constitucional que há um recurso a que as bancadas da maioria dão mão, que se traduz neste conjunto de alterações casuísticas e inoportunas.
Sobretudo, fica claro que a trapalhada política continua e até se agrava, porque nos diziam que havia um relógio sempre a contar, que a televisão estava a perder tempo, que não se podia esperar nem mais 1 minuto, que a RTP se arrastava a caminho da falência. Mas todo este dossier se arrastou ao longo dos meses ao sabor das asneiras do Governo e, em particular, da gestão extraordinária do Ministro Morais Sarmento. Aliás, o Ministro só tem a esperança de, desta vez, já não de propor uma solução política - porque já não se fala de solução política -, mas de, pelo menos, acertar nas inconstitucionalidades, para que não tenha, de novo, um conflito com o Tribunal Constitucional. Mas nem sequer isso está garantido.
Vale por isso a pena lembrar que o Programa do Governo referia que se desgovernamentalizaria a RTP. Meu dito, meu feito! A primeira medida que o Governo toma,

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perante uma contrariedade, é governamentalizar em absoluto, sem qualquer restrição, opondo-se a qualquer opinião que pudesse ser contraditória, assegurando o exercício do seu poder sobre a RTP. É preciso lembrar que a medida que agora estamos a tentar colmatar é uma decisão arbitrária do Governo de abolir qualquer forma de controle externo sobre a nomeação da administração. E foi isso que foi declarado, e muito bem, Sr.as e Srs. Deputados, inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Ora, quem quer que conheça como funciona um órgão da comunicação social sabe que, nesses casos, não há uma diferença que possa ser estatuída como agora se propõe entre o acto de administração e a direcção de programas ou a direcção de informação, precisamente porque é a administração que decide sobre orçamentos, financiamento e estratégia. É na administração que estão todas as garantias da independência, que devem ser depois confirmadas e reforçadas pela nomeação dos directores.
É justamente isso que refere o parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social de ontem, que leio: «Nenhum órgão independente interviria, se fosse aprovada a posição da maioria, no processo de nomeação dos órgãos de gestão e de apreciação dos planos gerais da empresa. E, desse ponto de vista, enfraquece aquilo que é a doutrina constitucional». «O serviço público…» - continua a Alta Autoridade - «… não é um projecto totalmente decomponível entre programação e informação, e gestão, por outro lado».
Por isso a conclusão da Alta Autoridade, para a qual chamo a vossa atenção, foi a de «chumbar» a proposta do PSD e do PP, que retira o parecer vinculativo independente sobre a nomeação da gestão, aceitando que a própria entidade, a Alta Autoridade, reforçasse a sua capacidade de parecer na nomeação de directores.
É extraordinário que este parecer vem, precisamente, do organismo cujos poderes são reforçados nesta matéria, o que é bem elucidativo da forma como o Governo procura manter aqui esta trapalhada.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Ora, justamente, estamos perante mais uma oportunidade perdida e, sobretudo, três meses depois, não há uma palavra de esclarecimento sobre a única matéria que interessa, que é a estratégia de qualificação do serviço público de televisão. Havendo um único canal, continuamos sem saber se se vende o outro, nomeadamente à Cofina e ao Dr. Proença de Carvalho, ou se ele vai ser, pura e simplesmente, extinto!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Não sabemos o que o Governo quer. Só sabemos que não quer aceitar as regras de prudência que o Tribunal Constitucional veio impor sensatamente neste debate político.
Por isso, perde-se mais uma oportunidade e teremos, naturalmente, o voto contra do Bloco de Esquerda nesta matéria.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Desde o início deste processo, foi nítido que o Partido Socialista tinha uma só preocupação, a de evitar que o Governo cumprisse o seu Programa e iniciasse a recuperação, em bases sólidas, do serviço público de televisão.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Todos os artifícios e incidentes serviram - e, pelos vistos, servem - de pretexto a um fim que esteve sempre presente: deixar tudo como está! Só que deixar tudo como está, neste caso, é condenar definitivamente a Radiotelevisão Portuguesa a uma falência para que foi atirada pela governação socialista, errática e totalmente irresponsável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, neste processo, os socialistas portaram-se como o incendiário que, a todo o transe, tenta barrar a chegada dos bombeiros ao local do sinistro!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quem era o «bombeiro»!?

O Orador: - Deixaram a televisão pública num estado catatónico e agora tudo tentam para impedir o saneamento da empresa e da situação.
Esta, Srs. Deputados, é a grande verdade. Verdade que há um mês o PSD aqui denunciou, que na altura podia ainda não ser totalmente perceptível para os mais incautos, mas que os últimos dias se encarregaram de esclarecer por completo.
Há 15 dias, quando o Governo publicamente anunciou, com naturalidade, que acatava a decisão do Tribunal Constitucional e iria propor aos grupos parlamentares da maioria a consagração de um parecer vinculativo para a nomeação dos directores de informação e de programação da televisão pública, o Partido Socialista começou por anunciar que concordava e que votaria favoravelmente essa alteração. Terá sido uma precipitação!…
Alardeando momentâneo bom senso, que o seus camaradas não lhe terão perdoado, o líder parlamentar socialista rapidamente se viu obrigado a «engolir» tudo o que tinha dito. Ora bolas! Afinal, essa solução, embora correcta, em nada serviu os interesses tácticos e os propósitos incendiários do Partido Socialista. Havia, pois, que invertê-la.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, perdoe-me a interrupção, mas julgo que utilizou uma expressão que não me parece muito parlamentar, sobretudo quando atribuída a terceiros.

O Orador: - Qual, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - A expressão «ora bolas!», que não me parece muito parlamentar. E com isto já me obriga a retirar, eu próprio, essa expressão!

O Orador: - Sr. Presidente, não sabia que «bolas» é uma expressão incomportável para este Parlamento, mas fico a saber!

Risos do PSD.

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E fico também a saber que o Sr. Deputado António Costa se ofendeu com ela!
Como dizia, afinal, essa solução, embora correcta, em nada serviu os interesses tácticos e os propósitos incendiários do Partido Socialista. Havia, pois, Srs. Deputados, que invertê-la. E, para não ser descarada e incompreensível a desautorização do líder parlamentar socialista, ensaiaram então, na semana passada, a rocambolesca tentativa da criação de uma comissão para pensar no assunto. Foi a velha fórmula socialista: fingir que se faz para se ter a certeza de que nada se faz!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Ontem, a «pirueta» socialista foi de 180º, consumou-se a «cambalhota», nada do que foi dito há 15 dias conta já. Nós é que não percebemos, mas há 15 dias, quando o Dr. António Costa anunciou que ia votar a favor, não o fez em resposta a uma pergunta sobre a proposta apresentada pelo Dr. Morais Sarmento. O que o jornalista - diz-nos agora o Partido Socialista - lhe terá perguntado, na altura, foi, afinal, acerca de uma proposta do Dr. Ferro Rodrigues para adiar (uma vez mais, adiar!) toda e qualquer solução para a RTP. Acredite quem quiser - ou, melhor, deixe-se «enrolar» quem a isso estiver disposto!
Pela nossa parte, mantemos uma posição muito clara: queremos contribuir para resolver a situação insustentável em que os socialistas deixaram a televisão pública, não queremos que a empresa feche, não queremos que a empresa seja entregue à falência, não queremos que a empresa se extinga, como os senhores propuseram na campanha eleitoral!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Com responsabilidade, aceitamos o veredicto do Tribunal Constitucional e avançamos para o caminho em que, com clareza, o Tribunal apostou.
Neste sentido, subscrevemos já as propostas para expurgar as inconstitucionalidades decididas pelo Tribunal e queremos hoje sair daqui com os instrumentos legais que o Tribunal considerou necessários para resolver este assunto, para resolver o problema da RTP.
Assim, solicitamos ao Sr. Presidente que, no final deste debate na generalidade, ponha à votação o expurgo das normas consideradas inconstitucionais pelo Tribunal, nos termos regimentais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente peço a palavra para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há motivos novos do seu agravo? É que, se é para esclarecer a questão da sua perfeita coerência de raciocínio, essa defesa já foi feita.

O Sr. António Costa (PS): - Não, Sr. Presidente. É que a ofensa foi repetida, mas agora por uma outra bancada e um outro orador.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, com toda a franqueza, duvido que tenha novos argumentos. Em todo o caso, não quero recusar-lhe a palavra, tratando-se de uma questão de honra.
Tem a palavra, mas peço-lhe que seja muito breve.

O Sr. António Costa (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Marques Guedes, devo desiludi-lo, porque eu e toda a bancada do Partido Socialista votaremos favoravelmente uma proposta no sentido de atribuir parecer vinculativo à Alta Autoridade para a Comunicação Social quanto à nomeação dos directores de informação e de programação. E votaremos favoravelmente essa proposta porque o Partido Socialista teve o cuidado de a apresentar, coisa que VV. Ex.as não fizeram. O que VV. Ex.as apresentaram é uma ficção de parecer vinculativo da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que os senhores dizem é que o parecer que a Alta Autoridade já hoje dá terá natureza vinculativa em determinadas condições. O que a Constituição impõe, o que o Tribunal Constitucional exige e aquilo com que concordámos, hoje, e com que manifestei publicamente a minha concordância nas declarações que citou, é que haja um parecer vinculativo irrestrito da Alta Autoridade para a Comunicação Social quanto à nomeação ou exoneração dos directores de informação e de programação.
Mas, Sr. Deputado Marques Guedes, vamos ver se nos entendemos sobre esta matéria: nós não queremos que tudo fique na mesma! Consideramos essencial avançar para a reforma do sistema público de televisão e entendemos que essa reforma é tão importante que deve ser feita de modo tão consensual quanto possível.
Temos dito, quer ao Governo quer à maioria, que estamos disponíveis para um pacto de regime, e recusaram. Dissemos: «estamos disponíveis para votar favoravelmente isto, se isto for um primeiro passo para irem para o caminho certo», e nada disseram. Esperámos uma semana, e nada disseram. Formalizámos, então, uma proposta de constituição de uma comissão parlamentar, que não é mais uma comissão que se substitua ao grupo de trabalho, mas que, pelo contrário, como explicitámos, terá em conta o contributo do grupo de trabalho!
É que esta matéria terá sempre, como o Sr. Deputado sabe, de ser tratada na Assembleia da República! Se o Sr. Ministro da Presidência quiser acabar com o segundo canal, tem de vir aqui para alterar os Estatutos da RTP, aprovados em anexo a uma lei desta Assembleia da República, que estipula que há dois canais. Como tal, a Assembleia vai ter de ser chamada a intervir! Se o Sr. Ministro da Presidência quiser alterar o conceito de serviço público, vai ter de vir aqui para alterar a Lei da Televisão, da qual consta o conceito de serviço público.
O que é que nos propusemos, com toda a humildade, fazer? Propusemo-nos criar uma comissão eventual desta Assembleia da República que desde já comece a trabalhar, que tenha em conta os trabalhos do grupo de trabalho, que tenha em conta todo o debate público que está a ser feito na sociedade e que possa, em tempo útil, projectar nos instrumentos legislativos - Lei da Televisão e Estatutos da RTP - a reforma do serviço público. E os senhores recusaram, mais uma vez!

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Então percebemos: os senhores só queriam o nosso voto para resolver um problema incidental - e, aliás, mal, como se viu agora, quando formalizaram as propostas -, não querem nenhum consenso nem querem tratar da questão de fundo. Ora, percebam que há um limite para a minha ingenuidade e para a nossa boa vontade!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, pelo que tem de concluir.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, os senhores chumbarão, outra vez, a constituição da comissão parlamentar, mas não pensem que ganham tempo; pelo contrário, vão perder tempo! Vão perder tempo porque, a seguir às férias parlamentares, quando cá tiverem de vir com as propostas de lei de alteração, vai ser necessário fazer o trabalho a partir do zero, um trabalho que poderíamos começar a fazer desde já, de forma a que, quando as propostas chegassem, já tivéssemos trabalho adiantado, o que seria certamente mais produtivo.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se a questão é a reforma do serviço público de televisão, contem connosco; se querem fazer isto de boa fé e trabalhando para um consenso tão alargado quanto possível, contem connosco; se querem prosseguir na linha da trapalhada, do confronto e do conflito, como disse o meu Secretário-Geral, boa viagem, mas certamente o País e a democracia portuguesa perdem!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como ficou claro, o Sr. Deputado António Costa não ficou minimamente ofendido com nada do que eu disse, limitando-se a gastar 4 minutos do tempo que a Mesa lhe concedeu para defender a honra, o que ele não fez. Limitou-se pois, a abusar do tempo, melhorando a sua intervenção no debate. Como tal, nada tenho a acrescentar,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não?!

O Orador: - … pois ele não me pediu satisfações sobre nenhuma ofensa à consideração!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - É extraordinário!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Num curto espaço de tempo, o Governo, e muito particularmente o Sr. Ministro da Presidência, retorna ao Parlamento assumindo um protagonismo especial em relação a um dossier que, pela forma como Governo o tem conduzido, se tornou verdadeiramente explosivo. Refiro-me ao novo capítulo de uma história cujo fim feliz é mais do que duvidoso, uma história recheada de percalços, muitos dos quais tinham sido já previstos no último debate aqui ocorrido.
São esses percalços que hoje fazem o Governo voltar ao Parlamento, depois de uma apreciação do Tribunal Constitucional. Contudo, lamentavelmente, o Governo parece teimar em não aprender com os seus erros e vem com novas trapalhadas, novas medidas avulsas e, uma vez mais, fazendo batota.
De facto, é, de algum modo, batota a forma engenhosa como o Governo procura agora ultrapassar um obstáculo identificado pelo Tribunal Constitucional. A verdade é que essa batota, esse artifício, essa pequena esperteza está traduzida, uma vez mais, numa solução viciada, que não garante aquilo que é fundamental a um órgão de comunicação social - neste caso, à televisão de serviço público -, que são condições de autonomia.
Hoje, a bancada do PSD dizia, pela voz do Sr. Deputado Marques Guedes, acusando outra bancada parlamentar, que teríamos aqui uma solução em que alguns se entretêm a atear fogos. Eu diria que a maioria de direita está apostada, não em atear fogos, mas em ser bombeiro e pirómano ao mesmo tempo!
É neste contexto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, uma vez mais, temos à nossa frente uma proposta contra a qual Os Verdes vão votar. De qualquer forma, independentemente desta lamentável perda de tempo, deste desperdício e deste descrédito que este tipo de discussões acaba por lançar, uma coisa é certa nesta colecção de incidentes processuais: a comissão dita «independente» criada pelo Governo, e cuja independência era, aliás, tão clara que a esmagadora maioria dos seus membros era conhecida por ser contra o serviço público, aparentemente é uma ideia abandonada.
Contudo, aquilo que este Governo, impávido e aparentemente sereno - o mesmo Governo que aqui disse, não há muito tempo, que em Julho já não haveria condições para pagar os salários na RTP -, continua a não explicar aos portugueses e ao Parlamento é que medidas vai ou não tomar e qual é a exacta dimensão e contornos da opacidade desta história, do mistério que ela encerra, do enigma que está por decifrar.
Isto é, sendo óbvio que toda esta operação tem como finalidade promover um grupo de interesse e, porventura, esse interesse poderá ser partilhado por um ou por outro dos operadores conhecidos, é um facto que o Governo não explicou ainda aos portugueses, verdadeiramente e com clareza, o que vai fazer do segundo canal público, se o vai extinguir, alienar ou alugar, a qual dos grupos o vai ceder, em que condições é que os portugueses, nomeadamente os das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, vão ter acesso a um bem precioso, que tem uma função social e cultural inalienável, mas que o Governo, seguramente em nome de interesses muito pouco claros nesta história tão cheia de tropelias, teima em oferecer.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O nosso povo costuma dizer que «o que nasce torto tarde ou nunca se endireita». Creio que é o que está a passar-se com a política do Governo para o serviço público de televisão.
O Governo manifestou, desde cedo, o seu propósito de atacar o serviço público de televisão, de o reduzir à insignificância, arvorou a bandeira do fim da RTP2. Hoje em

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dia, o Governo já deve ter percebido algumas coisas. Já deve ter percebido que acabar com a RTP2 não só não resolve nenhum problema financeiro para a RTP como lesaria gravemente a capacidade do serviço público de televisão e sabe também que a opinião esmagadoramente maioritária dos portugueses vai no sentido da manutenção da RTP2.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, é clara, neste momento, a desorientação do Governo nesta matéria.
Mas o Governo arranjou todo esse imbróglio em que está metido, e em que meteu a Assembleia da República, tudo porque o Governo decidiu algo que é inédito na democracia portuguesa: pela primeira vez, decidiu nomear um Conselho de Administração para a RTP com a tarefa concreta de - imagine-se! - cumprir o Programa do Governo. Isto é, de facto, espantoso! Porque o que consta da Constituição, da Lei da Televisão ou da lei sobre o estatuto do serviço público de televisão é que a estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo. Aliás, é essa questão que, hoje, nos traz hoje.
Bom, o que é que o Governo pretende fazer? Nomear um Conselho de Administração não para assegurar a independência perante o Governo, perante o poder político, mas para cumprir o Programa do Governo! Isto é absolutamente espantoso!
O Sr. Ministro Luís Marques Mendes, num outro governo a que pertenceu, controlava a televisão pelo telefone, portanto, mais discretamente; agora, o Governo é mais frontal, portanto quer fazê-lo assumidamente, ou seja, quer nomear um Conselho de Administração, para cumprir o Programa do Governo!… O Governo entende o presidente do Conselho de Administração da RTP como uma espécie de Secretário de Estado! Mas o Sr. Ministro esqueceu-se de um pormenor: é que enquanto os Secretários de Estado podem ser nomeados pelos Ministros, salvaguardada, naturalmente, a intervenção presidencial, neste caso, existe um Conselho de Opinião, que tem o poder legal de se pronunciar, com carácter vinculativo, sobre a nomeação do Conselho de Administração da RTP!
O que pretende agora o Governo? Quer prosseguir nos seus propósitos iniciais contra o serviço público de televisão, contornando a inconstitucionalidade em que incorreu, mas propõe-se fazê-lo, mais uma vez, mal, manifestamente mal.
Relativamente ao Conselho de Opinião, o Governo continua no seu propósito de o afastar do processo de nomeação do Conselho de Administração.
Portanto, quanto à norma que foi declarada inconstitucional, o Governo pretende mantê-la na íntegra e afastar qualquer participação do Conselho de Opinião neste processo e, depois, expurgar essa inconstitucionalidade, alterando uma outra lei. Ou seja, estamos aqui perante um curiosíssimo processo legislativo. Isto é, no expurgo de uma norma relativa à Lei da Televisão, o Governo quer que se altere não a Lei da Televisão mas a da Alta Autoridade para a Comunicação Social!

O Sr. José Magalhães (PS): - É bizarro!

O Orador: - Portanto, é um processo legislativo em que não há discussão na generalidade, não há parecer da Comissão, enfim, não há nada! Não há sequer a aparência de um processo legislativo! Não há nada!
E, quanto ao conteúdo, não resolve o problema da independência estrutural do serviço público de televisão. Continua a não prever a intervenção de nenhum órgão independente, relativamente à nomeação do Conselho de Administração da RTP e, relativamente à nomeação dos directores, em que a Alta Autoridade para a Comunicação Social, hoje, já intervém, o Governo vem circunscrever essa intervenção.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ora, o que é que o Governo vem dizer? Vem dizer que a Alta Autoridade pode pronunciar-se a título vinculativo se a fundamentação for uma e a título não vinculativo se a fundamentação for outra, o que é algo perfeitamente espantoso!
É evidente que a Alta Autoridade, como muito bem diz no parecer que emitiu, tem de se pronunciar sobre a adequação do perfil das pessoas que são propostas para o desempenho do cargo. Não faz qualquer sentido fazer depender a vinculatividade da fundamentação que for feita pela Alta Autoridade. Esta norma não faz sentido nenhum! Para já não falar de uma norma inqualificável que o Governo propõe que é uma norma ad hominem. Isto é, o Governo pretende que esta lei entre em vigor para as nomeações a partir de agora, mas para as destituições só quando o Governo tiver feito as destituições que pretende fazer!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Isto é perfeitamente espantoso!
Sr. Ministro, há pouco, o Sr. Deputado Marques Guedes qualificava o Governo de «os bombeiros». Quer-me parecer que o Sr. Ministro, com esta actuação, pretende «apagar fogos com gasolina», e o resultado não deve ser muito bom!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais oradores inscritos para a discussão na generalidade.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Governo não está inscrito?!

O Sr. Presidente: - Não.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não fala, o Governo? Então, o «pai» fica calado?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos fazer uma pequena pausa.

Pausa.

Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, há aqui um problema incidental, do qual tenho de dar conhecimento à Câmara.
Deu entrada na Mesa um requerimento, subscrito por Deputados do PS, que recorre da admissão, com fundamento na inconstitucionalidade, da proposta de alteração ao Decreto-Lei n.º 3/IX, quanto ao n.º 2 do artigo 3.º,...

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mais um?!

O Sr. Presidente: - ... e requer que este assunto seja submetido à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do n.º 3 do artigo 139.º do Regimento.
Ora bem, faço a seguinte proposta: remeteria este assunto à consideração da Comissão, marcando prazo curto, de uma hora e meia, em que Comissão reuniria para apreciar este recurso, traria o seu parecer fundamentado, conforme está no Regimento, e nós apreciá-lo-íamos imediatamente. Entretanto, suspenderíamos a apreciação desta matéria, passando ao ponto seguinte da ordem de trabalhos. Se houver acordo, iremos proceder desta forma.

Pausa.

Verifico que há acordo. Assim, remeto a questão à Comissão, que irá dispor de uma hora e meia para se pronunciar, e convoco, por mandato da Sr.ª Presidente, a Comissão para que se reúna imediatamente.
Prosseguiremos, então, com o ponto seguinte da ordem de trabalhos, para não prejudicarmos o normal andamento dos trabalhos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, quero saudar a decisão de V. Ex.ª. Verifico que, desta vez, se evitaram os incidentes desagradáveis ocorridos aquando do último debate desta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, deixe-me lembrar-lhe o velho rifão: «à primeira, qualquer cai; à segunda, cai quem quer».

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, está interrompida a discussão deste ponto da ordem de trabalhos. Passamos ao ponto seguinte, que é a discussão conjunta da proposta de lei n.º 17/IX - Aprova o estatuto do aluno do ensino não superior e os projectos de lei n.os 78/IX - Altera o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário (BE) e 87/IX - Altera o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário (Os Verdes).
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação, a quem cumprimento.
Sr. Deputado Bernardino Soares, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas solicitar um brevíssimo compasso de espera, por forma a que todos os intervenientes no debate que vamos iniciar possam estar presentes aquando da intervenção do Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado. Certamente que o Sr. Ministro também concordará. Peço então a todos os grupos parlamentares que promovam a chamada dos seus Deputados que irão intervir neste debate.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estamos em condições de começar o debate, pelo que dou a palavra ao Sr. Ministro da Educação, para apresentar a proposta de lei.

O Sr. Ministro da Educação (David Justino): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há cerca de um ano e meio, na passada legislatura, o PSD apresentou perante esta Câmara um projecto de resolução visando a adopção de um conjunto de medidas para combater o crescente clima de indisciplina e de violência no meio escolar. Depois de um debate que considero profícuo, esse projecto de resolução foi aprovado, com algumas emendas, pela unanimidade dos Deputados. Não é normal que um projecto de resolução apresentado, ainda por cima, por um partido da oposição consiga reunir tão alargado consenso. Tal facto deveu-se ao generalizado sentimento de que era necessário responder com celeridade e eficácia ao que poucos negavam: o ambiente nas escolas degradava-se, a indisciplina e a insegurança grassavam um pouco por todo o lado, alunos, professores, funcionários e encarregados de educação, clamavam por uma alteração profunda deste quadro.
Alguns meses depois, o Conselho Nacional de Educação aprovava uma recomendação ao governo, apontando para uma alteração do diploma que definia o estatuto disciplinar dos estudantes. Quer num caso quer noutro, o Governo anterior ignorou quer as oito medidas constantes do projecto de resolução aprovado por unanimidade na Assembleia da República, quer as recomendações do Conselho Nacional de Educação. A política de diálogo tinha cedido lugar a um profundo e inabalável autismo por parte dos responsáveis do Ministério da Educação.
Mais uma vez, o actual Governo, dando cumprimento ao Programa aprovado por esta Assembleia, vem propor um novo diploma em que se define o estatuto do estudante do ensino não superior. Trata-se de uma proposta que pretende ir mais além do que a pura alteração de algum do seu articulado. Há uma nova filosofia, uma nova estrutura, novas soluções e uma maneira diferente de entender a escola e as responsabilidades que cabem a cada um dos agentes educativos.
O que vos propomos é a integração de três vectores estruturantes do estatuto do aluno: o código de conduta, que sistematiza direitos e deveres, o regime de assiduidade e o regime disciplinar. Em toda a proposta há palavras-chave que estruturam o discurso: responsabilidade, autoridade, liberdade, solidariedade e justiça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Responsabilidade que decorre do processo de interiorização de um conjunto de direitos e deveres. Desde o direito e dever de cidadania, que passa pela afirmação dos valores nacionais, expressos na Constituição da República portuguesa, e pelo reconhecimento dos princípios do humanismo expressos na Declaração Universal e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, até aos que estruturam a responsabilidade educativa, afirmamos a exigência do seu equilíbrio. Sabemos que as sociedades que sobrevalorizam os direitos tendem rapidamente para o

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laxismo e a anarquia; as que apenas destacam os deveres raramente escapam à ameaça totalitária.
De responsabilidade falamos quando reafirmamos o princípio da autonomia das escolas, libertando-as da dependência da administração educativa e destacando a sua capacidade para responder em tempo e de forma adequada aos desvios de conduta dos diferentes membros da comunidade educativa. De responsabilidade falamos quando introduzimos o princípio da contratualização, simbolicamente subscrito pelos alunos e encarregados de educação no início de cada ano lectivo.
Este estatuto pretende responder de forma clara à progressiva degradação da autoridade dos professores. O professor não é um entre iguais, no contexto da comunidade educativa. O reconhecimento da sua liderança e do seu estatuto especial, dentro e fora da sala de aula, é condição indispensável das boas aprendizagens e do bom ambiente escolar. Não podemos continuar a confiar nos professores para leccionar e para atribuir classificações e a desconfiar da sua capacidade de serem justos, equilibrados e eficazes na aplicação das medidas disciplinares.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Reforçar a autoridade degradada dos professores passa por lhes manifestarmos a confiança indispensável ao exercício pleno das suas competências.

Aplausos do PSD.

Só num ambiente de equilíbrio e correspondência de direitos e deveres, por todos assumidos e reconhecidos, poderemos criar nas nossas escolas espaços de liberdade e responsabilidade, ambientes de confiança e sã convivência, plataformas de oportunidades para o pleno desenvolvimento das crianças e dos jovens, já cidadãos deste país, homens e mulheres de um futuro melhor.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos consciência de que uma parte significativa dos problemas de indisciplina e violência escolar radicam em problemas familiares e sociais que merecem da parte do Ministério da Educação uma especial atenção. Não temos a pretensão de resolver na escola os problemas que a sociedade não tem capacidade para resolver no seu seio. Temos igualmente consciência que muitos desses problemas decorrem de uma clara falta de articulação entre a escola e a família, conduzindo a uma desresponsabilização de uma e de outra. Neste sentido, a proposta de lei que submetemos à vossa consideração introduz o recurso aos centros de apoio social escolar, constituídos por equipas multidisciplinares, visando o desenvolvimento de práticas de mediação entre a escola e a família, e a mobilização de recursos sociais visando acompanhar e resolver as situações sociais mais graves.
Em breve, o Ministério da Educação regulamentará a composição e funcionamento destes centros, promoverá acções deformação visando o desenvolvimento de metodologias de intervenção social adequadas e instalará de forma progressiva essas equipas. Dar-se-á prioridade às escolas e às zonas mais críticas, a partir da sua identificação no território, objectivo que deveria estar concretizado na sequência da resolução da Assembleia da República de Janeiro de 2001 mas que só agora, com o actual Governo, está a ser prosseguido. Infelizmente o proposto observatório da violência escolar nunca foi criado nem as suas competências atribuídas.
Por dever de justiça, por dever de solidariedade, temos uma visão integrada e suficientemente aberta dos problemas da indisciplina e da violência em meio escolar. Que a esta atitude por parte do Governo corresponda o empenho e colaboração desta Assembleia para que, independentemente das opções partidárias, consigamos aprovar um bom diploma. Lá fora, todos têm essa esperança.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Educação, inscreveram-se os Srs. Deputados Ana Benavente, João Teixeira Lopes, Sérgio Vieira, Fernando Cabral, João Almeida, António Braga e Isabel Castro.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Benavente.

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, tão empenhados aparecem agora quando, até 1998, nunca se preocuparam, nem um minuto, nem só uma linha gastaram com este assunto; só quando, pela primeira vez, assumimos que deve haver um estatuto do aluno e que as regras de vida e os direitos e deveres devem ser claros, porque a cidadania se aprende vivendo-a, é que acordaram. Mas agora, claro, como acontece muitas vezes, são «mais papistas do que o Papa».
E deixe-me dizer-lhe, Sr. Ministro, que, ao contrário do que afirmou, o vosso engenho não vai tão longe que tenham feito um documento novo. Basta comparar (embora não seja o objectivo do debate de hoje) os artigos um a um para ver que retomaram, em muitos casos, em praticamente todos os casos, o que já estava feito.
A minha pergunta tem a ver com o artigo 15.º e com as suas últimas três alíneas, que sublinham os comportamentos que não podem ter lugar na escola: «Não possuir e não consumir, na escola (…)», «Não transportar para a escola (…)» e «Não praticar na escola qualquer acto ilícito». Pergunto, Sr. Ministro: fora da escola, podem? Quer que a escola seja um espaço fechado e acético, indiferente aos outros espaços sociais, onde cada um trata de si? É isso, Sr. Ministro? Este é um retrocesso terrível em relação à escola enquanto instituição mais universal da democracia, enquanto instituição matricial na educação dos jovens. E não será por acaso que elementos do seu partido, que trabalham na sua equipa, dizem que se trata de um retrocesso de mais de 70 anos. Clarifique, se faz favor, Sr. Ministro, o sentido desta escola «fechada», pura e indiferente à vida social.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro quer responder imediatamente ou responde em conjunto a todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro da Educação: - Respondo imediatamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro, a quem peço que administre bem o seu tempo, já que dispõe apenas de 11 minutos e 42 segundos.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, é que há coisas que têm de ser respondidas em tempo, para não deixar que as dúvidas se acumulem,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - … nomeadamente quando a Sr.ª Deputada Ana Benavente, responsável pelo quadro disciplinar actualmente existente, quer evocar qualquer não-responsabilidade do Partido Social Democrata, ou de outro partido constituinte da maioria, relativamente ao que se fez antes de 1998.
Sr.ª Deputada, já tive oportunidade de dizer, mais do que uma vez, que estou mais preocupado com o futuro do que com o passado.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ao fim de seis anos, os senhores continuaram sempre a evocar os 10 anos do «cavaquismo», mas devo dizer, muito claramente, que estou preocupado com o futuro e não com o passado e a senhora, pelos vistos, continua muito preocupada com o seu passado. Tão preocupada que, mais uma vez, a sua intervenção confirma o que eu disse da tribuna: há um profundo autismo relativamente àquilo que se passa nas escolas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É um autismo relativamente àquilo que qualquer cidadão reconhece que existe e que não deve ser negado.
Com este seu pedido de esclarecimentos, a Sr.ª Deputada veio confirmar que este diploma é urgentíssimo e que a revogação do diploma anterior é ainda mais urgente.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - E a pergunta? Fiz-lhe uma pergunta!

O Sr. Paulo Pedroso (PSD): - Afinal queria não responder!

O Sr. Presidente: - Seguidamente, tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministro, não posso deixar de saudá-lo pelo facto de nesta proposta de lei haver alguns recuos em relação a ideias ventiladas no início da actividade do Governo, designadamente no que se refere à punição dos encarregados de educação que não conseguissem obter dos seus filhos o comportamento julgado adequado face às suas expectativas. É um bom sinal, é um sinal de que houve bom senso.
Aliás, o Sr. Ministro Bagão Félix teve ocasião de dizer claramente que não se podiam penalizar encarregados de educação pelo comportamento dos filhos, porque, obviamente, esse comportamento, em boa parte, devido à complexidade das sociedades contemporâneas, foge ao controlo dos próprios pais. Daí que este seja um aspecto positivo.
Mas, se me permite, também não posso deixar de referir que a anterior adjunta da sua Secretária de Estado, aliás sua colega de partido, militante do PSD, refere, e cito, que «neste diploma, o discurso pedagógico foi totalmente eliminado e o que subsiste é um documento jurídico com um carácter tão punitivo e sancionatório que recua 70 anos». Esta senhora, sua colega, refere-se certamente ao espírito da Constituição de 1933, que, pelos vistos, segundo ela, estaria previsto neste diploma. Nós não vamos tão longe, não temos a coragem de ir tão longe, mas sem dúvida alguma que não podemos deixar de o questionar sobre algumas dimensões: como é possível que o Sr. Ministro considere que existem medidas disciplinares integradoras e medidas sancionatórias? Esta é uma dicotomia absolutamente - perdoar-me-á - absurda. Qualquer medida sancionatória tem de ser integradora, porque a sanção pela sanção - e o Sr. Ministro sabe-o tão bem quanto eu - acaba por causar danos irreparáveis.
Deixe-me dizer-lhe, a propósito de recentes estudos, publicados precisamente este ano em Inglaterra, que a maior parte dos alunos expulsos da escola são potenciais delinquentes, ficando sujeitos a uma socialização de rua e, inclusivamente, a comportamentos que resvalam para a criminalidade. Ao expulsar estes alunos do sistema educativo acaba por criar-se um problema muito maior do que aquele que se pretende prevenir.
Permita-me também que lhe diga que há um tom de dramatização neste documento que tem de ser rebatido. O problema da insegurança nas escolas existe de facto, mas essa insegurança não é, de forma alguma, tão grave como se diz, nem existem comportamentos generalizados de agressividade e de violência.
Já que tanto quer valorizar - e bem! - o Conselho Nacional de Educação, cito um parecer deste órgão, onde se refere que os níveis de insegurança existentes na escola não atingem ainda, globalmente, uma quota de alarme.
Sr. Ministro, a indisciplina existe e tem de ser combatida. Mas a insegurança e a violência não são generalizadas, apesar de haver situações limite em que isso acontece, e o Sr. Ministro não deve contribuir para criar no país um sentimento de alarme e de instabilidade que não tem correspondência com a realidade.
Questiono, por isso, o Sr. Ministro sobre o carácter integrador e preventivo das sanções, porque deve ser essa a questão fundamental.
Questiono-o também sobre as palavras da sua colega, militante do PSD, que abandonou a colaboração que tinha com a Sr.ª Secretária de Estado.
Questiono-o ainda sobre as medidas punitivas deste diploma, que deveria ser de facto integrador e não punitivo, mas não me parece que vá naquele sentido.

Aplausos do BE.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, penso que é muito interessante essa sua forma de catalogar esta proposta como um recuo,...

O Sr. Teixeira Lopes (BE): - Não sou eu que o digo!

O Orador: - ... ou seja, quando existem especulações jornalistas, repito, especulações jornalísticas. Se houver identificação clara da fonte…

O Sr. Teixeira Lopes (BE): - Está identificada!

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O Orador: - Não está identificada, porque eu nunca declarei qualquer intenção de, por forma consagrada neste estatuto, retirar direitos que são garantidos por outras formas, e que, portanto, não podem ser inviabilizados, nem de recorrer a outro tipo de sanções diferentes destas.
Temos de admitir que há muitas formas de sancionar e continuo a pensar que a melhor forma de o fazer, nomeadamente em relação aos pais, é através de uma sanção social, de responsabilidade - acima de tudo é esta. E é esta que está transcrita e consagrada neste diploma, não é mais do que esta!
Relativamente à assessora, é interessante que a notícia tenha sido publicada hoje, no dia do debate, quando a assessora saiu há quase dois meses. Mas também lhe digo uma coisa: sabe que há determinadas corporações que são transversais, ...

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - ... há determinadas maneiras de pensar a educação que não têm diferença partidária. Não estou contra concepções partidárias de educação, estou é contra concepções corporativistas da educação e essas é que não aceito!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Quanto às medidas disciplinares, Sr. Deputado, no artigo 24.º diz-se claramente, logo no início, para que fique bem evidente, que «todas as medidas disciplinares prosseguem finalidades pedagógicas e preventivas». Depois, diz-se, no n.º 2, que «Algumas medidas disciplinares prosseguem igualmente, para além da identificadas no número anterior, finalidades sancionatórias». Trata-se de uma inovação em relação ao diploma anterior e tenho pena que o Sr. Deputado não tenho percebido a delicadeza da separação entre uma coisa e outra, porque, como se sabe, medidas disciplinares são todas, com sanção ou sem sanção, preventivas ou não! Disciplinares são todas! Há é que distinguir que há medidas que visam determinado tipo de objectivos e outras que visam outro, mas umas não se excluem às outras. Nomeadamente em termos de técnica jurídica, o cumulo dessas medidas é possível e, portanto, remete-se para a responsabilidade das escolas a combinação adequada ao acto que se pretende penalizar ou pelo menos advertir, ou seja o que for.
Devo igualmente dizer que o Sr. Deputado tem uma visão mais optimista do que a minha. Não quero fazer alarido nem alarde de situações, mas fico muito preocupado com o facto de, num recente inquérito levado a cabo por uma federação de professores, ter-se chegado à conclusão - o inquérito não foi feito por amostra simples, mas depois vamos falar sobre isso - que 88% dos professores considera que a indisciplina aumentou nos últimos anos.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Ministro, já ultrapassou o tempo para a resposta, pelo que agradeço que termine, por favor.

O Orador: - Vou já concluir.
Penso que estes dados são mais do que evidentes e dá-me a sensação de que, no fundo, se quer esconder uma realidade. Prefiro ter os traços mais carregados da realidade, para que possamos encontrar as melhores soluções e possamos ser eficazes, do que andar a tentar passar ao lado e não olhar para a realidade.
Não vai encontrar essa atitude da minha parte. Estou bastante preocupado com a situação, porque existem condições para que ela ainda possa piorar, o que eu não quero.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Chamo a atenção do Sr. Ministro de que ainda tem mais cinco perguntas e tem apenas 6 minutos e 9 segundos para responder.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, quero felicitá-lo pela proposta de lei que nos traz hoje, em primeiro lugar pelo facto de o Governo ter legislado nesta matéria sob a forma de proposta de lei.
Ao apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei, o Ministério da Educação tornou clara a dimensão nacional e a importância que atribui a esta questão, tendo convocado o Parlamento para debater, reflectir e dar contributos sobre ela, valorizando o papel do Parlamento. O Ministério da Educação está de parabéns por isto, até porque é uma prática bem distinta da do anterior governo do Partido Socialista, que, sobre esta matéria, o que fez foi um decreto-lei, não tendo apresentado uma proposta de lei a esta Assembleia.
Felicito o Sr. Ministro pela proposta que visa adequar as escolas às profundas mudanças sociais e culturais que o nosso país tem atravessado e permita-me destacar três questões que julgo serem muito importantes.
Em primeiro lugar, destaco que o objectivo seja promover o melhor ambiente escolar e fomentar o exercício de valores como o respeito, a tolerância e a liberdade.
Em segundo lugar, esta proposta de lei reforça a autoridade dos professores, mas também incrementa uma correspondência maior entre direitos e deveres e tenta terminar com o excesso de burocracia que o anterior decreto-lei produzido pelo Partido Socialista incutia em todo o processo. A burocracia que até agora existia favorecia o infractor e penalizava a vítima.
Mas o Sr. Ministro apresentou, no início da sua intervenção, uma questão que julgo que é bom esclarecer melhor, que tem a ver com o facto de a Assembleia, em Janeiro de 2001, ter aprovado, por unanimidade, um projecto de resolução, proposto pelo PSD. Este projecto de resolução continha oito medidas e, segundo disse o Sr. Ministro da Educação, nenhuma delas tinha sido executada ou trabalhada pelo anterior Ministério da Educação.
Convém que fique claro quais são essas medidas, porque pode pensar-se que eram medidas muito difíceis de implementar. Dou alguns exemplos: elaborar um guia sobre medidas contra a violência nas escolas; fazer a consolidação da autoridade do pessoal docente; definir a coordenação por parte do Ministério da Educação com todos os outros ministérios sobre os actos de indisciplina e de violência nas escolas.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Isso já existia há séculos!…

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O Orador: - Para terminar, quero dizer ao Sr. Ministro o seguinte: como se recorda, nesse debate, há um ano e meio, o PSD teve oportunidade de dizer: «que este debate sirva para acordar o governo». Estávamos convencidos que tínhamos acordado o governo para esta matéria. Porém, não acordámos e, hoje, o Partido Socialista, que não está no governo, continua adormecido para esta matéria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - O Sr. Ministro informou a Mesa de que responderá em conjunto a todos os pedidos de esclarecimento que lhe forem dirigidos.
Como tal, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cabral.

O Sr. Fernando Cabral (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, ao contrário do que fez o Deputado que me antecedeu, não posso felicitar o Sr. Ministro por esta proposta de lei que nos traz hoje aqui. Não o posso fazer porque esta proposta de lei não produz alterações substanciais em relação ao regime que neste momento existe e porque, quando o faz, do meu ponto de vista, altera para pior! Por outro lado, não o posso felicitar porque o Sr. Ministro criou uma grande expectativa em relação ao regime disciplinar, sendo forçoso dizer-se que, com esta proposta de lei, a «montanha pariu um rato»!
Porque já foi referida há pouco a questão da penalização dos pais, lembro aqui a entrevista que o Sr. Ministro deu ao Diário de Notícias no dia 22 de Abril. Nessa altura, perguntaram-lhe se os pais seriam penalizados e, a ser assim, de que forma é que o seriam. Chegaram mesmo a perguntar-lhe se os pais podiam ser financeiramente penalizados e a tudo isto o Sr. Ministro respondeu: «Vamos ver!» Como tal, V. Ex.ª deixou uma expectativa no ar e não desfez imediatamente a possibilidade de os pais puderem vir a ser financeiramente penalizados, razão pela qual mais tarde se chegou a pôr a hipótese de retirar o abono de família aos pais cujos filhos se portassem mal.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Felizmente, ainda há ministros moderados!

O Orador: - É por isso que penso que esta proposta que nos traz é bastante mais favorável do que as suas intenções iniciais.
Uma outra questão é relativa aos centros de apoio social e escolar. Na verdade, a exposição de motivos da proposta de lei fala muito nestes centros, mas o certo é que, pelo que percebi, apenas lhes foi dedicado um artigo, o 31.º, que, ainda por cima, apenas prevê a actuação destas instituições quando ela for solicitada.
Indo à questão concreta que lhe quero colocar, referir-me-ei aos artigos 21.º e 22.º. No primeiro destes artigos fala-se no limite de faltas injustificadas e quanto a isto nada temos a apontar. Todavia, o artigo 22.º fala dos efeitos da ultrapassagem dos limites das faltas injustificadas e diz que, caso ultrapasse este limite, o aluno fica numa de duas situações: numa situação de retenção, que consiste na manutenção do aluno abrangido pela escolaridade obrigatória, no ano lectivo seguinte, no mesmo ano de escolaridade que frequenta, ou numa situação de exclusão, que consiste na impossibilidade do aluno não abrangido pela escolaridade obrigatória continuar a frequentar o ensino até final do ano lectivo em curso.
Sr. Ministro, vou pedir-lhe que imagine um aluno do 5.º ano de escolaridade que, no primeiro período escolar, atinge o limite de faltas injustificadas a uma determinada disciplina. Segundo o que diz a proposta, no ano lectivo subsequente este aluno ficará retido no mesmo ano de escolaridade. Contudo, a partir do primeiro período este aluno pode passar a ter um comportamento brilhante, pode ter aproveitamento escolar, pode passar a ser uma pessoa a quem nada se possa apontar em termos disciplinares e nas provas finais pode mesmo demonstrar que tem capacidade para transitar de ano. No entanto, porque no primeiro período, por motivos estranhos, este aluno ultrapassou o limite de faltas injustificadas, ele não pode progredir de ano!

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Mas quais são esses motivos estranhos?!

O Orador: - Por outro lado, sabendo já no primeiro período que ficará retido, que factor de estabilidade vai constituir na escola um aluno como este? O que é que vai fazer no resto do ano lectivo um aluno como este? Qual é a motivação deste aluno, sabendo que vai ficar retido naquele ano de escolaridade?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria felicitar o Sr. Ministro por ter trazido aqui esta proposta de lei, algo que todos os Deputados deviam agradecer-lhe, porque deu a este Parlamento a possibilidade de discutir esta matéria de uma forma mais profunda, ao contrário do que fizeram governos passados.
Depois, gostaria de felicitar o Sr. Ministro pelo conteúdo da proposta em si. De facto, tanto nesta proposta de lei como na intervenção inicial que teve oportunidade de produzir, o Sr. Ministro mostrou ter uma consciência clara do que, para o Ministério de Educação, deve ser a escola. Na realidade, já tínhamos saudades de ver um conceito de escola concreto e claramente assumido pelo Governo, sabendo exactamente o que quer que a escola seja e o que dela quer retirar para os alunos que a frequentam.
Por outro lado, demonstra o Governo ter a consciência clara de que o papel da escola não é total na educação, sabendo que esta é apenas uma parte do caminho que uma criança ou um jovem fazem na sua evolução ao longo da vida. Por isso, salientamos também o que o Sr. Ministro disse, referindo que a escola, como a família, tem um papel e que o problema pode estar na falta de articulação entre os desempenhos destas instituições.
Infelizmente, por razões negativas, a matéria da violência no meio escolar é muito cara ao CDS-PP e o Sr. Ministro, na resposta a outro pedido de esclarecimento, já teve oportunidade de referir um estudo que diz que 88% dos professores sentem que a violência aumentou no meio escolar. Como tal, seria curioso fazer o mesmo estudo

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perguntando ao pessoal não docente e aos próprios alunos o que é que pensam desta questão. O que pensarão os próprios alunos sobre a violência no meio escolar? Pensarão que aumentou, ou não? E o que pensará o pessoal não docente, que é muitas vezes o primeiro alvo dessa violência no meio escolar, sobre esta situação?
De todo o modo, queríamos saber se há abertura por parte do Ministério de Educação para implementar o observatório sobre a violência, algo que já foi por nós proposto na Legislatura anterior. É que se esta proposta de lei hoje apresentada vai ter efeitos concretos, evitando no futuro grande parte da violência, a verdade é que neste momento há um fenómeno nas escolas portuguesa que é inegável, que tem de ser estudado e que tem de ser combatido a posteriori. Como tal, queria saber qual é a sensibilidade do Ministério da Educação para este combate à violência, visto que ela existe e não pode ser ignorada.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ao contrário do que fizeram as bancadas que suportam o seu Governo, não quero saudá-lo. Aliás, penso que estas bancadas estão a inaugurar um precedente perigoso, porque quando o Sr. Ministro fizer um decreto-lei e não o trouxer à Assembleia da República, considerarão que há aí algum desrespeito, algo com que não estou de acordo. Como tal, penso que é despropositado fazer-lhe um elogio por trazer uma proposta de lei a esta Assembleia, já que é normal, num sistema democrático em que o Parlamento tem o seu papel, que um ministro o faça, não sendo necessário agradecer-lhe ou elogiá-lo. Sem dizer que os senhores não o são, a verdade é que os democratas consideram isso perfeitamente normal!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Os senhores é que não trouxeram aqui as propostas de lei! Se calhar, é porque não são democratas!

O Orador: - Sr. Ministro, passando à questão central deste debate, gostaria de lhe dizer que, ao contrário do que foi sugerido no pedido de esclarecimentos anterior, há relatórios que, entre outras coisas, dizem o que pensam os alunos sobre o ambiente de violência nas escolas. O Sr. Ministro tem esse relatório, conhece-o tão bem como eu e sabe que a percentagem de alunos que dizem que não se sentem inseguros nas escolas até é muito elevada!

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - É, é! Ronda os 70%! Não sei de cor o número e não quero cometer um erro, mas sei que há um número elevado de pessoas que afirmam não sentir insegurança nas escolas. Como tal, a dramatização que se faz em torno deste estatuto é perigosa, do ponto de vista pedagógico, e não vem melhorar o ambiente das próprias escolas.
No que aos prazos diz respeito, aproveito para lhe dizer que, independentemente de termos de analisar a questão em pormenor, parece-nos positivo que se encurtem os prazos, desde que se garantam os direitos essenciais, como o princípio do contraditório, em defesa dos alunos.
No entanto, a questão fundamental que lhe quero colocar prende-se com a dicotomia entre medidas que são sancionatórias e medidas que pretendem conquistar os alunos. Para nós, o que se pretende é conquistar os alunos para a escolarização e para a aprendizagem e não penalizá-los e castigar num sentido pura e simplesmente punitivo. Neste sentido, admito que este texto está feito de maneira cuidadosa nalguns pontos, mas penso que temos de reflectir muito mais sobre o ponto relativo à expulsão.
O Sr. Ministro tem de olhar para a realidade social portuguesa e reparar nos índices de analfabetismo e de ausência à escola, entre outros, que infelizmente ainda temos. É que estes números obrigam-nos a ter muito cuidado na natureza do que queremos imprimir. Sinceramente, estou convencido de que as escolas terão maior bom senso na aplicação da lei do aquilo que nela está previsto, mas do ponto de vista da cultura de uma autoridade disciplinar na escola temos de ter cuidado.
Por isso lhe pergunto se o Sr. Ministro acredita que é por via deste estatuto ou de outra qualquer carta de direitos e deveres dos alunos que se aumenta a autoridade do professor. Tenho para mim que a autoridade do professor se conquista de outras formas, nomeadamente através do reforço das suas competências, resguardadas no seu saber e na sua formação científica. Como tal, penso que um reforço de competência em outras áreas, como a da formação contínua e a da relevância na definição dos cursos de formação, é muito mais eficaz do que o reforço do aspecto disciplinar, pelo que gostaria de o ouvir reflectir também sobre isto, Sr. Ministro.

Aplausos do PS.

Protestos da Deputada do PSD Judite Silva.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para um último pedido de esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, em primeiro lugar, quando estamos a…

Protestos da Deputada do PSD Judite Silva.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Peço à Sr.ª Deputada do PSD que se acalme, por forma a que possamos prosseguir o debate!

A Oradora: - Este é, seguramente, um exemplo pedagógico para os alunos que estão a acompanhar estes trabalhos!

Aplausos de alguns Deputados do PCP.

Sr. Ministro, gostaria de lhe dizer que estamos a falar - e presumo que todos temos consciência disso - de um estatuto que interfere com um domínio extremamente complexo. É certo, assumimo-lo, que o problema da indisciplina existe, mas pensamos que não terá as proporções que lhe querem atribuir. Aliás, pensamos que a mediatização de um problema como este pode ser perigosa, visto que, ao falarmos de uma amplitude e de uma gravidade que os problemas não têm, não os estamos a corrigir!

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Cumpre salientar, contudo, que, para nós, o mais importante não é saber como combater comportamentos incivilizados no meio escolar, mas, sim, como fazer a sua prevenção, porque me parece que aí é que a questão se coloca. Por outro lado, julgo que temos de discutir isto tendo presente que a questão da violência, por exemplo no espaço escolar, não é um processo isolado, porque a escola não é uma «ilha», facto a que, aliás, o Governo não deixa de ter atenção na sua proposta.
Na realidade, a escola reflecte e reproduz a sociedade em que se insere naquilo que ela tem e é bom que tenhamos consciência de que vivemos numa sociedade que veicula e que é totalmente permissiva em relação à violência. Como tal, não podemos ficar muito admirados com o que ocorre no espaço escolar.
Gostaria, contudo, de colocar uma questão um pouco diversa daquela que outros colegas têm colocado, já que, estando a falar apenas de direitos, eu gostaria de falar de direitos e de responsabilidades. Penso que não devemos brincar ao «faz de conta», nomeadamente em relação aos pais, que têm um papel extremamente importante e alguma co-responsabilidade na comunidade escolar, mas não vejo facilmente como é que, de uma forma administrativa, se «despeja» um rol de obrigações, de deveres e de responsabilidades nos pais sem que sejam criadas as condições para que eles possam, pura e simplesmente, assumir essas responsabilidades. Isto remete-nos mesmo para uma coisa que normalmente não é discutida e que passa por saber como é que o acompanhamento escolar é feito, sendo suposto as pessoas trabalharem e respeitarem horários.
Por último, um aspecto grave desta proposta de lei que gostaria que o Sr. Ministro explicasse é o que se relaciona com o artigo 22.º, que versa sobre as faltas injustificadas e sobre as suas consequências. Fala-se aqui em retenção e penso que não ultrapassaremos enormes e perigosas confusões se confundirmos a retenção, que é uma medida pedagógica, com uma medida punitiva. A retenção, para nós, é uma medida pedagógica e confundi-la com uma punição é manter um estigma e um erro que, hoje, já não julgo ser aceitável.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação, que dispõe de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seleccionando apenas alguns dos aspectos mais importantes, gostaria de começar por destacar a questão suscitada quanto à forma da iniciativa legislativa apresentada, nomeadamente a razão pela qual se trata de uma proposta de lei.
Devo dizer que a presente iniciativa tomou a forma de proposta de lei, porque entendo que este tipo de matéria deve ser plenamente discutido, através de um confronto de opiniões, uma vez que estamos a trabalhar, a discutir e a reflectir sobre direitos, liberdades e garantias, questões fundamentais da vida das escolas e das nossas vidas também.
Nesta perspectiva, aliás, julgo que se deve enobrecer a discussão, que, de resto, seria sempre melhor se as bancadas estivessem um pouco mais completas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, enfim, cada um dá ao diploma a importância que entende, e aproveito para assinalar e registar, precisamente, a importância relativa que é dada a este diploma pelas várias bancadas.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Ora ainda bem!

O Orador: - Em relação à proposta de lei ora em discussão, aquilo que entendo como mais importante é que a própria Assembleia possa fazer as audições, possa introduzir as alterações que entender e possa, no fundo, criar condições para um consenso cada vez mais alargado. Ou seja, não tenho a perspectiva de que um diploma destes deva ser o chamado diploma de fracção, de ruptura. Não é! Ele é, acima de tudo, um diploma que pretende reunir consenso.
Nessa medida, fico muito contente com as palavras quer do Sr. Deputado Fernando Cabral, quer do Sr. Deputado António Braga, quando referem que as alterações são pouco significativas em relação ao diploma anterior, que há propostas mais favoráveis e que há um acordo genérico - expressão usada pelo Sr. Deputado António Braga -, pelo que espero, na verdade, que essas palavras se possam traduzir em resultados. Assim, fico sensibilizado para a disponibilidade demonstrada pelo Partido Socialista.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - E nós ficamos à espera que os senhores façam a vossa parte!

O Orador: - O outro aspecto que gostaria de salientar diz respeito ao problema das faltas injustificadas. Quero salientar que a existência de faltas injustificadas é uma excepção muito, mas muito, excepcional.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - É claro!

O Orador: - Portanto, não há motivos «estranhos», para além daqueles que são susceptíveis de as poderem justificar.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Concluo, então, que, mais uma vez, os senhores querem actuar sobre as consequências e não sobre as causas, por isso partem sempre do princípio que há motivos «estranhos». Não! Eles estão lá, devidamente tipificados! Portanto, não vamos agora inventar situações.
Mas sabe qual é o problema, Sr. Deputado? O grande problema é sempre o mesmo: é que eu não abdico de princípios para analisar casos pontuais, enquanto que os senhores estão dispostos a abdicar dos princípios para analisar casos excepcionais!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Isto para além do facto de que ambos temos confiança nos professores e nas escolas para que encontrem soluções equilibradas, expeditas e inteligentes, com vista a apurar qual a melhor medida a adoptar. Tenhamos confiança nas escolas, Sr. Deputado, porque elas saberão gerir esta questão, se calhar, melhor do que nós próprios!

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Façamos leis boas!

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O Orador: - No que diz respeito à questão do observatório da violência escolar, quero salientar que uma das primeiras medidas que levei a cabo foi, precisamente, ordenar o levantamento das situações de violência nos últimos anos. Portanto, não estamos, ainda, perante um observatório, mas, sim, de um levantamento que nos poderá dar indicações precisas sobre se vale a pena ou não avançar para a criação do observatório. Espero que esse estudo esteja concluído em Setembro ou Outubro e que possa ser divulgado em relação aos casos registados nos últimos cinco anos. É esta a perspectiva que tenho.
Aliás, devo também dizer que a questão do ambiente escolar deve também constar da avaliação, pelo que este tipo de informação deve também ser carreado para dentro dos sistemas de avaliação. Nesta perspectiva, julgo que a ideia do observatório será consagrada.
Agora, aquilo que penso ser importante - e espero que não me levem a mal dizê-lo - é o seguinte: há uma resolução, com oito pontos muito concretos aprovados por unanimidade nesta Assembleia da República, e posso dizer-vos que nenhum deles foi concretizado! Isto é que tem de ser dito! Nós não podemos estar aqui a arranjar consensos, a estabelecer acordos, a fazer mil e um esforços e, depois, não haver concretização. Penso que tem de existir mais uma cultura do «fazer» e menos uma cultura do «palrar».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nessa medida, temos de encontrar as melhores soluções para os problemas prioritários.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Deputada Isabel Castro colocou também uma questão. Sei que a Sr.ª Deputada não gosta do termo «deveres», mas se há termo que está profusamente repetido neste estatuto é o termo «responsabilidade». Portanto, aí, estamos de acordo, pelo que conto, também, obviamente, com o seu contributo. Agora, o termo «deveres» é aquele que é consagrado na Constituição.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Ministro, já excedeu o tempo de que dispunha. Agradeço que se prepare para terminar.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Dizia eu que o termo «dever» é aquele que é constitucionalmente consagrado. Não sei se a Sr.ª Deputada conhece bem, ou não, a Constituição, mas está lá a expressão «Direitos e deveres» e nós limitámo-nos a reproduzi-la, embora não numa perspectiva funcionalista. Isto porque este não é propriamente um estatuto para aplicar à função pública, como era o anterior, mas, sim, um estatuto que tem em especial atenção o facto de estarmos a lidar com crianças e com jovens, que precisam de ser tomados como casos especiais. Ora, é este diploma que, devido à sua especificidade, toma esses casos como casos especiais e não aplica as medidas, como faz o anterior, como se se tratasse de um mero processo disciplinar aplicado a um funcionário público. Isso não o faz!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresentou, igualmente, um projecto de lei sobre o estatuto do aluno. Iremos referirmo-nos a essa proposta legislativa, mas, neste momento, não posso deixar passar em claro alguns aspectos que, há pouco, na primeira intervenção, não tive ocasião de enunciar.
De facto, Sr. Ministro, o diploma que aqui apresenta exprime de forma muito clara a necessidade da contratualização. Esse é, aliás, um princípio pelo qual também nos batemos. Entendemos que a contratualização deve ser um elemento essencial nas questões de envolvimento da comunidade educativa, porque só poderá haver combate à indisciplina se houver coesão na própria escola e se houver coesão na comunidade educativa.
Contudo, para grande espanto nosso, quando vamos analisar a proposta de lei, a questão da contratualização está absolutamente omissa. A contratualização, evidentemente, tem de ser feita pela escola, em sede de regulamento interno, mas esperar-se-ia um pouco mais de ambição nesta proposta de lei.
Em segundo lugar, o Sr. Ministro e o diploma que aqui apresentou falam dos centros de apoio social e escolar. Parece-nos que esta é uma questão fundamental, mas não podem os centros de apoio social e escolar ser confinados à questão disciplinar e deveriam, a meu ver, ter sido propostos numa outra iniciativa, porque se são centros de apoio multidisciplinar certamente que não se podem orientar apenas para as questões de infracção disciplinar.
Em terceiro lugar, é com espanto que verifico que este estatuto também se aplica ao ensino pré-escolar. Não pode aplicar-se! O ensino pré-escolar, Sr. Ministro, é um ensino que tem uma especificidade própria, é um ensino baseado, em grande medida, no carácter lúdico da aprendizagem. Ora, as medidas disciplinares que constam deste diploma, embora se faça uma distinção subtil em relação à sua aplicação, não podem ser aplicadas ao pré-escolar! Certamente que o Sr. Ministro não quer expulsar ou reter crianças no pré-escolar!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - É claro!

O Orador: - Em quarto lugar, quero referir a questão da expulsão, que merece aqui uma referência. Somos da opinião que a assiduidade tem de ser incentivada, devendo, aliás, ser um elemento qualitativo a ter em conta na avaliação dos alunos. O que não podemos concordar é com a expulsão, porque a expulsão de um aluno da frequência escolar significa o fracasso do próprio sistema de ensino, significa o fracasso da própria escola.
Lembro o poeta, pedagogo e professor Sebastião da Gama, que dizia: «Quando expulsamos um aluno, somos nós que falhamos. Sou eu que falho!». De facto, quando se expulsa um aluno, é o próprio sistema de ensino que está a falhar, e isso tem de ser reconhecido.
Em quinto lugar, Sr. Ministro, parece-me muito pouco claro o que se pretende com a questão de os pais obrigarem os alunos a tomar conhecimento do hino e bandeira nacionais. Sr. Ministro, não temos nada em especial contra o hino ou a bandeira.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Às vezes parece!

O Orador: - De qualquer forma, penso que as questões de cidadania não se resolvem por decreto.

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Percebo que o Sr. Ministro tenha de fazer cedências à bancada do CDS-PP, mas, francamente, isto acaba por ser ridículo! Os alunos vão declarar num papel que têm conhecimento do hino e da bandeira?! O Sr. Ministro está a passar, em primeiro lugar, um atestado de incompetência aos alunos e aos seus pais e, em segundo lugar, está a querer que se adquira ou interiorize algo que só pode ser adquirido com a cidadania activa e nunca por decreto! Mudanças por decreto são aquelas que não existem. Além do mais, só falta aqui, para gáudio da Sr.ª Secretária de Estado, um juramento a dizer que os alunos «assumem o compromisso, por Deus», algo que, como se sabe, foi rejeitado ainda há pouco tempo por um tribunal nos Estados Unidos.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Ouvi-lo citar os Estados Unidos é grave!

O Orador: - Não me parece, de facto, que este seja um aspecto que abone em favor da proposta de lei do Governo.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Quero também sublinhar que somos a favor da agilização dos procedimentos disciplinares. Não somos a favor da cultura de impunidade, mas reforçamos sempre, isso sim, a questão do valor de integração das medidas disciplinares. Ora, esse valor de integração, volto a dizê-lo, só pode ser feito no âmbito de um intenso compromisso e de um intenso debate no seio das escolas e das comunidades educativas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Permita-me que lhe diga ainda o seguinte, Sr. Ministro: há pouco referi um estudo, e agora vou ser mais preciso. O estudo que citei, relativo à Inglaterra, refere que as infracções legais cometidas pelos jovens aumentam 50% depois de os alunos terem sido expulsos da escola. A escola é um factor de inclusão. A escola tem de ser um factor de inclusão! Ao considerar a possibilidade de, por questões de assiduidade ou por questões disciplinares, um aluno poder ser expulso com a facilidade que é permitida neste diploma, pensamos que está a cometer-se um grave erro.
É evidente que as referências ao Código de Processo Administrativo devem ser retiradas. Aliás, nós defendemos isso no nosso projecto de lei. É evidente que os prazos têm de ser mais céleres, é evidente que um aluno tem de poder ser suspenso preventivamente, se houver problemas para o normal funcionamento da escola, mas o que nunca poderá acontecer é haver uma lógica de pura e simples exclusão do aluno do sistema de ensino.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Em sexto lugar, já que essa questão é colocada, permita-me que lhe refira que, segundo dados das Direcções Regionais de Educação de Lisboa, do Centro e do Algarve, entre 1998 e 2002, foram instaurados apenas 33 processos disciplinares. É claro que, depois, se formos ver os resultados, estes números são ainda mais baixos, porque obviamente há problemas na celeridade destes processos. Mas isto prova, à saciedade, que o problema da indisciplina está longe de atingir a gravidade que o Sr. Ministro e a sua equipa aqui pretendem realçar.
Ouvimos os sindicatos e falámos com vários parceiros sociais. Ora, o Sr. Ministro adoptou a metodologia, que pelos vistos é a metodologia do Governo (também foi a do seu colega Pedro Lynce), de apresentar aqui diplomas sem haver uma discussão prévia. Julgo que o diploma teria muitíssimo a ganhar se tivesse sido discutido previamente numa base alargada. Certamente, teríamos tido propostas mais avançadas, mais concensualizadas, o que facilitaria o trabalho da Assembleia. Não é um desrespeito à Assembleia existir uma discussão prévia. De forma alguma! Essa discussão só enriqueceria o nosso trabalho posterior.
Deixe-me que lhe refira que se estamos solidários com todos aqueles professores que têm problemas no seu dia-a-dia, que sofrem de stress, em muitos casos um stress grave devido às situações de indisciplina, não podemos também deixar de referir que pensamos que essas situações se combatem de forma bem estruturada, o que só poderá acontecer quando houver políticas sociais efectivas e quando houver um combate efectivo à exclusão social.
Isto porque, como o Sr. Ministro sabe, há problemas que têm a ver com as destruturações sociais e familiares, com a complexa rede de dissolução de laços comunitários que existe nas sociedades contemporâneas e com a questão as socializações pelos mass media e todo o tipo de socializações alternativas. Ora, não é com «medidas de papel» que se vai resolver «de uma penada» a questão disciplinar, como o Sr. Ministro pretende, qual golpe mágico, qual demiurgo, que, num ápice, conseguirá resolver esta questão tão enraizada!
Por isso mesmo, não podemos deixar de salientar que deve haver uma agilização dos processos disciplinares. Consideramos, no entanto, que deve ser o director de turma e não o conselho executivo a tomar em mãos essas medidas, porque o director de turma, Sr. Ministro, conhece muito melhor a realidade da sala de aula, tem um conhecimento bem mais aprofundado sobre a relação pedagógica e conhece a realidade dos diferentes estudantes. Além do mais, tantas são as tarefas do conselho executivo, que, ao pretender-se, no caso das infracções consideradas muito graves, transferir o processo para o conselho executivo, certamente que os processos vão «emperrar», porque não haverá capacidade de decisão em tempo célere. Por isso, eis uma contradição neste diploma!
Devo dizer que não percebo por que é que não se aposta na proximidade, não percebo porque é que não se aposta no papel tutelar e no papel integrador do director de turma e se remete o processo para o conselho directivo ou para o director. É um aspecto que nos merece também uma crítica fundamentada.
Em sétimo lugar, quero salientar que a questão dos danos poderem ser ressarcidos através do trabalho em favor da comunidade escolar deveria ser valorizada. Um aluno que parte uma cadeira ou que estraga material escolar é um aluno que pode, em muitos casos, e sempre que isso for possível, reparar o dano que causa.
Muitas vezes, o que está em questão, quando falamos de indisciplina, é uma noção que falha no que diz respeito à representação da utilidade da escola, porque muitos alunos, em particular os mais desfavorecidos, consideram que a escola falha, que não existe utilidade social, e há estudos que mostram que existe maior empregabilidade para

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quem acaba o 12.° ano do que para quem acaba o 9.° ano de escolaridade.
Esta questão é essencial e deveria estar aqui a ser referida e patenteada, porque este diploma, avulso como aparece, é apenas uma forma de mostrar, se o Sr. Ministro assim quiser, vontade ou protagonismo político, mas não é, certamente, aquilo que os estudantes merecem, aquilo que merece ser discutido pelos professores, aquilo que as escolas precisam com urgência. O que elas precisam com urgência é de uma visão de conjunto, de uma visão que não as isole, como «torres de marfim», do resto da sociedade, que não as diabolize nem evangelize, obviamente, mas que tenha em conta tudo o que é inter-relacionado na sociedade contemporânea.
Parece-nos que este diploma falha nesta questão, exagera na punição e, acima de tudo, entra em contradições, mesmo no que diz respeito à agilização dos processos disciplinares.
Por isso, tirando o folclore nacionalista, que pensamos que foi, de facto, uma questão de negociação entre as bancadas, esperamos que exista uma boa vontade por parte do Sr. Ministro e por parte das bancadas da maioria para fazer baixar os diferentes diplomas à comissão e para, então, se proceder ao debate que já deveria ter existido, porque, mais uma vez, Sr. Ministro, estarmos a discutir questões educativas sem as debatermos aprofundadamente é uma forma de amputar os direitos de cidadania que o senhor quer decretar e impor por decreto, com este diploma.

Aplausos do BE.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - O que estamos a fazer não é discutir?!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A questão da disciplina é sistematicamente suscitada sempre que se debate a instituição escolar, tendo, por isso, vindo a adquirir uma visibilidade junto da opinião pública que, em nossa opinião, não corresponde nem à sua importância real, nem à exacta dimensão do problema, nem, tão-pouco, ao papel determinante que, artificialmente, se lhe pretende atribuir.
Com efeito, não obstante o facto de a indisciplina - dispensando aqui uma discussão, decerto não linear, em torno do conceito - ou, dito de outro modo, de os comportamentos violentos e incivilizados serem uma questão complexa e crescentemente preocupante para a comunidade escolar, em particular, e para a sociedade, questão que, para Os Verdes, reclama uma reflexão profunda e a ponderação, numa perspectiva integrada, de medidas tendentes a ajudar a resolver e, sobretudo, a prevenir o problema, a verdade é que a indisciplina não pode deixar de ser entendida como o produto, a consequência e a resultante do sistema de ensino, nas condições em que está a funcionar.
Estas são as razões que nos obrigam a recusar frontalmente qualquer tentação de deriva autoritária ou visão estritamente punitiva, que não só seria inútil como redutora, que, a pretexto da indisciplina, se pretenda impor nas escolas, acentuando fenómenos de exclusão já hoje graves.
Estes são os motivos que nos levam, igualmente, a considerar como pouco fecundas todas as soluções que, fugindo a uma visão integrada do problema, se circunscrevam a meras alterações processuais, escamoteando o diagnóstico e a natureza do mal que atinge a escola pública.
Estas são as convicções que nos conduzem, na perspectiva de um problema, que, mais do que combater, importa prevenir, a ponderar medidas que privilegiem uma abordagem global, a agir no sentido da criação de condições que permitam, de facto, que as normas saiam do papel e, desse modo, possam responsabilizar todos pelos seu cumprimento cabal.
Para Os Verdes, este caminho passa pela elaboração de um código de conduta na comunidade escolar, por optar pela construção participada de um bom ambiente educativo e pela defesa de medidas práticas que privilegiem a prevenção de situações de indisciplina na escola.
Estamos a falar de uma escola que, é bom não esquecer, nas últimas três décadas, de forma particularmente marcante no nosso país, sofreu modificações muito profundas, à semelhança, aliás, das modificações ocorridas na sociedade de que é parte integrante e cujos valores reproduz e, naturalmente, amplia.
Uma escola que, mau grado obstáculos que ainda persistem, se generalizou, de modo súbito, no acesso a um universo cada vez mais alargado de crianças e jovens que encerram e transportam dentro de si experiências e realidades muito diversificadas no plano social, cultural, económico e étnico.
Uma escola de massas, que gera expectativas, não raro goradas; que enfrenta desfasamentos, nomeadamente culturais, nos saberes transmitidos a muitos daqueles que os apreendem; e que semeia entre os que a frequentam, ao contrário do que acontecia no passado, sentimentos de enorme incerteza em relação ao futuro, porque a mera frequência hoje já não dá garantias de poder enfrentar.
Uma escola ela própria desajustada do mundo, que, a um ritmo alucinante, se move e transmite aprendizagens, longe de ser capaz de ser atractiva ou de dar resposta às inquietações colocadas, tornando-se, por isso, terreno fértil de frustrações, mal-estar e incongruências.
Estes são factores múltiplos de tensão numa instituição que não pode deixar de ser influenciada pela sociedade, de que é parte integrante.
Uma sociedade que viveu e vive mutações extremamente profundas nas estruturas familiares e também nas redes de suporte afectivas.
Uma sociedade que se confronta com uma organização de trabalho cada vez mais desumana e exigente, que pouco tempo e espaço deixa de sobra para mães e pais se dedicarem aos seus filhos.
Uma sociedade na qual o território e as actividades têm sido ocupados de forma caótica e absurda, obrigando, diariamente, as famílias a desperdiçar horas e horas da sua vida em deslocações, horas essas que são retiradas ao apoio e ao convívio familiar.
Uma sociedade, ainda, cuja mobilidade aumentou significativamente, ao mesmo tempo que gera e acolhe cada vez mais fluxos migratórios, sem políticas de integração social que respeitem a diversidade cultural e étnica e que a saibam, com vantagem, valorizar, concretamente em meio escolar.
Uma sociedade, por fim, que mergulha e convive quotidianamente com a violência banalizada, veiculada pelos

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média, pelo consumismo exacerbado, pela exclusão e pela pobreza, factores que, todos eles somados, atingem o já frágil tecido social, ampliando fenómenos de intolerância, de violência, de xenofobia e de exclusão, que a escola, dentro de si própria, não pode deixar de reflectir, de reproduzir e de ampliar.
É, pois, para esta escola em concreto que o nosso projecto de lei se dirige, como um contributo, ainda que pontual.
Para Os Verdes do que se trata é, de modo muito específico, tendo em conta a rigidez dos horizontes impostos pelo próprio Governo - que, lamentavelmente, excluiu do contributo fundamental e enriquecedor do debate toda a sociedade e, de modo muito particular, os parceiros sociais -, de tentar alterar o regime, dentro do espaço finito da escola e no âmbito daquilo que ela pode e deve fazer, nuns casos, para explicitar o sentido e, noutros, para modificar alguns dos princípios constantes do decreto-lei que actualmente regula o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário.
As nossas propostas são orientadas, no fundamental, na vertente humanista que Os Verdes privilegiam, para precisar o conteúdo prático de normas vigentes, mas, acima de tudo, para definir meios para exigir e exercer direitos consagrados, concretamente no tocante à responsabilidade ou, se o Sr. Ministro preferir, ao dever dos pais, dos professores e da restante comunidade educativa, sem os quais, criadas que não estejam as condições, é totalmente irrealista reclamar o cumprimento que a todos cabe, mas que muito poucos, actualmente, estão em condições de poder cumprir.
As medidas que propomos vão no sentido de tentar, no plano processual, não só agilizar, simplificar e acelerar procedimentos mas também despojar de uma carga punitiva alguns dos procedimentos previstos no regime em vigor, que, com vantagem, se devem afastar de uma lógica meramente repressiva.
Em primeiro lugar, traduzem-se, no tocante à intervenção dos pais, e tendo em conta a importância do seu papel insubstituível, no dever que lhes deve ser atribuído e caber no acompanhamento da vida escolar dos seus filhos, considerando a necessidade de os co-responsabilizar na criação de um clima de boa convivência entre todos os membros da comunidade educativa e tendo presente que a exigência do seu maior envolvimento requer da sociedade a criação de apoios específicos, que passam pela criação de condições mais favoráveis à sua participação regular na vida das escolas em geral, nomeadamente ao nível da compatibilização com a sua actividade profissional, propondo, para isso, que o Estado crie condições ao nível da legislação laboral que permitam que sejam assumidas as responsabilidades que lhes cabem de fazer cumprir os deveres dos seus educandos.
Em segundo lugar, visam o corpo docente e não docente, todos eles agentes educativos de extrema importância, que não podem ser dispensados e cujo papel tem de ser valorizado como parceiros privilegiados que são neste processo.
Em terceiro lugar, vão no sentido da valorização e dignificação da carreira docente, da formação profissional específica, da estabilidade na colocação de professores, da diminuição do número de alunos por turma e da valorização dos espaços escolares.
Com efeito, é nosso entendimento que só com orientações políticas e pedagógicas coerentes; só com o apoio sustentado aos profissionais no seu todo, não se dispensando aqui, obviamente, os auxiliares educativos; só com a melhoria na qualidade da formação dos professores, designadamente com a inclusão dos problemas da indisciplina nas acções de formação contínua; só com a estabilidade no quadro de professores, sem a qual não é possível serem estabelecidos laços afectivos nem serem criadas condições mínimas para dar continuidade a projectos, para lhes dar coerência na acção; e só com a redução do número de alunos por turma é possível criar condições para dar corpo a um projecto educativo valorizado, que estimule a criatividade, que favoreça a formação de competências, que propicie o maior protagonismo de todos, incluindo aí, naturalmente, os alunos, aumentando a atractividade pelas actividades escolares, o seu maior envolvimento na vida da escola e a partilha de responsabilidades também ao nível da definição de parâmetros de comportamento, a que se devem submeter.
Propomos ainda medidas visando os espaços escolares, cuja organização, harmonia, condições de qualidade, não sobrelotação e não degradação têm evidentes consequências positivas ao nível comportamental.
Propomos, por último, medidas ao nível da intervenção na escola, que têm como objectivo criar condições para uma organização pedagógica que promova um bom ambiente educativo e garanta respostas educativas ajustadas às necessidades de cada aluno.
Estas propostas, na opinião de Os Verdes, devem traduzir-se numa gestão do espaço escolar, para lhe conferir uma maior funcionalidade, uma utilização autónoma, uma correcta gestão de tempo, uma organização equilibrada e a criação de rotinas integradas.
Uma escola cujo bom ambiente educativo passa ainda por um maior envolvimento e participação activa de todos nas actividades escolares, nos processos de decisão e na introdução de projectos especiais de combate à exclusão, orientados para zonas de risco e, naturalmente, para dar resposta às necessidades educativas especiais, que assumem particular relevância nas áreas metropolitanas e que a escola aberta, com é a actual no plano multicultural, não pode dispensar.
Uma escola ainda que, em concreto, no tocante aos professores, implica a criação e institucionalização de equipas educativas de apoio para as suas complexas tarefas.
São, pois, Sr.as e Srs. Deputados, estas as nossas propostas, a que se aliam outras no campo disciplinar, procurando simplificar processos, reduzir prazos e garantir em todos os casos susceptíveis de configurar um procedimento disciplinar que ele seja sempre antecedido de averiguações, por forma a reduzir ao mínimo os impactos de medidas disciplinares, que, em nossa opinião, é vantajoso em todos os casos evitar.
São estas as nossas propostas, é neste sentido que nos parece que uma questão tão complexa deve ser discutida e é neste sentido que propomos ao Governo que faça aquilo que, até hoje, não fez, ou seja, o seu trabalho de casa: remeta esta matéria tão importante para debate público e assuma, depois, as conclusões desse debate que lhe permitam agir em conformidade.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

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O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Provando que educação não é paixão, que é muito mais do que isso, e sob a forma do estatuto do aluno do ensino não superior, o XV Governo Constitucional traz-nos muito mais do que um arrazoado de ideias bonitas condenadas a envelhecer com os problemas a que dizem respeito.
Do que aqui tratamos é de algo de que alguns políticos já se foram esquecendo, ou que nunca chegaram a perceber, apesar de terem estado em cargos de decisão; do que aqui tratamos é de governar. Trata-se de exercer um mandato com ideias que não carecem de máscara de diálogo, a que alguns já chamaram «tralha», independentemente do «ismo» que lhe subjaz.
Para que o debate seja frutuoso, importa que os interlocutores, designadamente o Ministério, tenham ideias que possam vir a ser aperfeiçoadas. Seria muito estranho que assim não fosse!
Mais: acresce a legitimidade de quem, como o actual titular da pasta, sempre defendeu as ideias que agora traz a esta Câmara. O Ministério da Educação não se refugiou, como se calhar outros partidos prefeririam, numa tábua rasa, e põe a debate um diagnóstico, uma filosofia e uma via de solução. Um diagnóstico social, diria eu, com o qual penso todos estarmos genericamente de acordo, que denota uma convivência empobrecida, um egoísmo militante e uma carência de valores alarmante, sintomas, aliás, que começam cedo, sendo que, dos bonecos animados aos jogos para consolas, geralmente o mais forte tem razão, o mais belo tem prioridade, o «ter» ganha a dimensão ontológica do «ser» e não se deixa para amanhã o que se pode egoisticamente fruir hoje.

Vozes do PSD e CDS-PP: - Muito bem

O Orador: - Estes são sintomas que afectam também a geração dos pais e encarregados de educação, que se deparam com um cenário multi-étnico mal absorvido, com um ritmo de vivência que aparta das famílias a qualidade de vida e a possibilidade de acompanhar a educação dos seus filhos e em que surgem preocupantes arremedos de pós-intelectualismo e de emergência de autênticos direitos de propriedade sobre sujeitos.

Vozes do PSD e CDS-PP: - Muito bem

O Orador: - Traduzindo isto para o plano da escola, não espantam os indicadores de insucesso, indisciplina, violência e absentismo; o que espanta é que o maior partido da oposição venha aqui desvalorizar, na substância, este debate, como se nada se passasse, como se tudo estivesse bem! Desafiava-os a dizerem isto aos professores agredidos, aos funcionários enxovalhados e aos restantes alunos roubados!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Daí, a necessidade de uma filosofia na qual se reconhece que é ampla a base social desta situação não preclude que se tente resolver o problema concreto das escolas portuguesas, com a vantagem de que, começando nas gerações mais novas a incutir uma ética feita de responsabilidade, respeito, mérito, tolerância e liberdade, construímos uma sociedade mais solidária e, o que é importante em matéria de educação, uma sociedade com mais saber e mais conhecimento.
Mas, assumido o diagnóstico e divulgada a razão de ciência, importa sublinhar a via de solução: temos aqui uma proposta que não se limita ao aspecto punitivo,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Só!

O Orador: - … ao contrário do que tem sido dito, antes defendendo normas de boa conduta e um regime de assiduidade. Se toda a sociedade concede aos alunos o direito a aprender, tem de poder exigir o dever de empenho na frequência escolar. É altura de dizer, sem receio de aparecer menos nas notícias, que aos alunos compete aprender e que os professores devem poder ensinar com os demais agentes educativos, envolvendo-se, assim, todos num esforço solidário na comunidade escolar onde cobra sentido a autonomia das escolas.
Nem se venha, a seguir, endemonizar, por isso, as propostas disciplinares.

Protestos do Deputado do PS Paulo Pedroso.

Em primeiro lugar, vamos ser claros e intelectualmente honestos. Os fins primeiros serão sempre a integração ou a prevenção geral positiva e a ressocialização: quer-se, ao mesmo tempo que se admoesta, conseguir que a comunidade continue a acreditar na eficácia das normas. Mas mais: põem-se aqui a endemonizar e a diabolizar o problema da expulsão como se, a partir de agora, tivéssemos no lugar do Ministro um qualquer «Torquemada» que andasse a interferir na autonomia das escolas para mandar para o degredo uma quantidade de alunos!
As medidas serão tão duras quanto excepcionalmente grave o incumprimento por parte do aluno.
E mais (um tema que é geralmente erigido pela esquerda, como bandeira, porque, pelos vistos, são donos destas matérias - coisa com a qual discordo): nos casos de difícil contexto familiar, económico e social, estão previstas estruturas de acompanhamento. Estas, ainda para mais, têm outra vantagem: permitem que os professores sejam devolvidos àquilo a que se propuseram no início de uma vida profissional - ensinar! Os professores não são psicólogos, não são assistentes sociais e devem estar libertos desse tipo de funções.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas sempre com uma preocupação de celeridade, para colher alguma vantagem na censura e salvaguardar o que, para nós, é fundamental: a autoridade dos professores e a integridade física e intelectual destes, dos outros alunos e do pessoal não docente.

Protestos da Deputada do PCP Luísa Mesquita.

De outro modo, e porque há vozes que defendem uma liberdade sem regras,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e que vêm aqui ver problemas de autoritarismo que não existem, quase que apetece pedir ajuda a esses, que defendem a liberdade sem regras,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Experimente! O que é que o impede?!

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O Orador: - … para moverem antigos contactos do lado de lá da «cortina de ferro» e nos ajudarem a obter, junto do antigo Pacto de Varsóvia, alguns blindados para transportar professores para as aulas. Porque se nada se faz, o cenário resvala!
Mas talvez os senhores prefiram uma solução mais original. Uma vez que, se calhar, já não têm assim tantos contactos do lado de lá,…

Risos do PSD e do CDS-PP.

... talvez prefiram que se distribua, no início do ano lectivo, uma qualquer espécie de «kit-vândalo», em que já venham incluídos um bastão para os funcionários se agredirem a eles próprios, uma arma para os alunos se assaltarem a si mesmos antes de chegarem à escola e um prego para, no recato do lar, os professores riscarem as suas viaturas, tirando assim o gozo a prevaricadores, que, agora, parece que têm o medo de «complexar»!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, no entender do PSD, um grande trunfo já está alcançado com o estatuto vertente…

O Sr. António Filipe (PCP): - Se isto não fosse sério, dava vontade de rir!

O Orador: - Pronto, já participou. Está satisfeito? Então vou continuar.
No entender do PSD…

Risos e aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PCP.

Isto é muito sério para nós, por isso é que não estamos com demagogia!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Não parece!

O Orador: - No entender do PSD,...

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, agradeço que deixem o orador continuar a intervir.

O Orador: - Deixêmo-los em paz! Como não podem falar dentro do partido, ao menos que falem aqui!

Risos e aplausos do PSD e do CDS-PP.

Terceira tentativa, com o beneplácito do PCP: no entender do PSD, um grande trunfo já alcançado com o estatuto vertente é a rejeição de uma das grandes chagas da actualidade social: o relativismo ético, em que «a tua opinião é tão boa quanto a minha», simplesmente por uma ser tua e outra ser minha…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No PPD-PSD, assumimos sem maniqueismos que há um caminho certo e há um caminho errado: é certa a liberdade, é errada a libertinagem; é certa a oportunidade de aprender, é errado o laxismo escolar a expensas da comunidade; é certa alguma competitividade, é errado o recurso à violência; é certo respeitar professores e auxiliares, é errado agredir a sua integridade; é até certo aplaudir selecções nacionais, é errado não ter a mais leve ideia sobre os valores inerentes ao civismo e ao patriotismo.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Meus senhores, o que está em jogo é algo que visa caminhar para o ideal social. Estão na mesa medida concretas que visam tornar real o sonho de ver chegar um dia em que possamos dizer: somos todos Portugal!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Granada.

A Sr.ª Cristina Granada (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sou professora do ensino secundário, fui presidente do conselho executivo e do conselho directivo numa escola do interior nos últimos anos.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Não tem idade para isso!

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Ouçam!

A Oradora: - O tema em debate faz parte do meu desempenho profissional até há cerca de dois meses.
Considero que é responsabilidade dos adultos educar jovens e é fundamental o papel da escola na formação do indivíduo.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - As questões da autoridade e da disciplina são transversais e dizem respeito a todos os sectores da sociedade, não podendo ser tratadas com indiferença pela escola.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Também é verdade!

A Oradora: - Era esse o objecto do primeiro documento legal estruturado no sentido de definir o estatuto dos alunos, o Decreto-Lei n.º 270/98, de 1 de Setembro, que reconhece a importância dos «adultos conscientes do seu papel de educadores» na construção da «identidade social» das crianças e dos jovens. É sobre esta filosofia de base que assenta essencialmente a proposta de lei n.º 17/IX, que o Governo sujeita, aqui, à apreciação.
Diz o Governo que este diploma reforça a autoridade dos professores! Não vejo como.
Ao presidente do conselho executivo confere poder para suspender o aluno até cinco dias, retirando-lhe capacidade de intervenção pedagógica para determinar medidas de integração escolar. Dá mal e tira mal!

Vozes do PS: - Muito bem!

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A Oradora: - A suspensão do aluno entender-se-ia melhor, passando sempre pela intervenção do conselho de turma , em vez de ficar sob a alçada de uma só pessoa.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Evidentemente!

A Oradora: - É este poder discriminatório e discricionário, passível de excessos, o reforço da autoridade docente?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Se a morosidade era uma das principais falhas do Decreto-Lei n.º 270/98, falha essa reconhecida pela própria ex-Secretária de Estado, agora Deputada, Ana Benavente, aquando da sua participação em reunião plenária, neste mesmo lugar, a 28 de Março de 2001, a celeridade não deverá, por seu lado, precipitar decisões que não acautelem os interesses dos jovens.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Conheço bem as escolas, porque a função docente me tem permitido acompanhar casos muito variados, e sei como é fácil imputar responsabilidades aos alunos. Também tenho plena consciência de que existem casos graves, e muito graves, em termos de ilícito disciplinar. Mas era precisamente a tramitação legal, a que o anterior diploma obrigava, que conduzia a uma verdadeira averiguação dos factos, acautelando os interesses de todos os intervenientes, crianças, jovens ou adultos, envolvidos em cada situação.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Fizeram isso?!

A Oradora: - A educação escolar deve integrar um conjunto de políticas consistentes, como foram a reorganização e a revisão curricular, que permitiram, entre outros, valorizar o espaço «sala de aula», onde começa a autoridade do professor, como também acautelar a intervenção dos pais e restante comunidade educativa, no trabalho da escola, pressupostos aparentemente considerados no preâmbulo da proposta do Governo. A dúvida surge, contudo, neste ponto, na parte que se reserva aos pais e encarregados de educação, na construção dos normativos que respeitam à vivência educativa do aluno.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas quando passamos às práticas punitivas, a situação é outra. Reduzir-se-á a intervenção do encarregado de educação e do seu educando à simples aposição de uma assinatura num documento de que diz tomar conhecimento?

Vozes do PS: - Exactamente!

A Oradora: - Ficarão assim resolvidos os problemas comportamentais do aluno?
Não valerá a pena responsabilizar o encarregado de educação pela participação efectiva na elaboração do regulamento interno?
Não creio que se resolvam os problemas da autoridade do professor e da indisciplina pela imposição de um regulamento. Os professores não vão ficar satisfeitos só por isto.

Vozes do PS: - Exactamente!

A Oradora: - A prática demonstra que o conflito surge quando alguém questiona a razão de ser de um documento legal e o faz com conhecimento de causa (como nos casos em que o professor é igualmente pai ou mãe) e exige que seja respeitado o seu direito de ser ouvido. O que evidencia a necessidade de se proporcionar, de forma mais consistente, a participação dos encarregados de educação. Neste ponto, a proposta de lei do Governo falha redondamente.
Sabemos que os pais e a escola devem articular as suas responsabilidades na educação das crianças e dos jovens. Mas, perante esta proposta de lei, intuímos que a escola considera que já nada tem a aprender com a família; o indivíduo está na escola como mero receptor, com vista à reprodução de conteúdos e comportamentos. A escola fecha-se. Aos pais e encarregados de educação resta, assim, nesta proposta de lei, «acompanhar», «articular», «diligenciar», «contribuir», «apoiar», «integrar», «comparecer» e «conhecer» as regras e normas da escola, numa perspectiva externa ao processo, quando, em contraponto, temos na legislação vigente uma participação activa, dada por expressões como «colaborar com os professores», «cooperar com todos os elementos da comunidade educativa» e «responsabilizar-se» pelo desempenho do seu educando.
Os anunciados centros de apoio social escolar surgem, no preâmbulo, como panaceia para os males da indisciplina. Trata-se de centros situados fora da escola, surgindo como obstáculo à desejável relação com a família. Onde se irão situar? Quem irá desempenhar funções nestes centros e quais serão os seus objectivos educativos? De onde virão as verbas, nesta fase, dita de contenção absoluta? Já fez as contas, Sr. Ministro? Quantos são e quanto vão custar?
Se as escolas precisam de apoio para as questões de disciplina, esse apoio deve ser prestado em meio escolar, numa cooperação aberta entre escola e família.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Em suma, a proposta de lei n.º 17/IX desilude pelas melhorias que anunciou e não cumpre, no que respeita às grandes linhas de actuação do sistema em termos disciplinares e aplicação das normas. Descreve situações de ilícito dentro da escola (artigo 15.º) sem atender ao facto de a educação dever valer para além do perímetro escolar; contempla algumas situações, mas não todas, deixando assim, por omissão, margem para outros delitos; afasta as famílias e restante comunidade educativa; reduz a cidadania ao uso de uniformes, conhecimento do hino nacional e reconhecimento da bandeira; e, uma vez mais, assistimos a uma operação de cosmética.
O estatuto do aluno pode e deve ser melhorado na perspectiva de uma escola democrática e de cidadania e o PS está disponível para participar nesse trabalho.
Permita-me também, Sr. Ministro da Educação, que o felicite por ter conseguido copiar quase integralmente o decreto-lei do anterior governo. Pena foi faltar-lhe a inspiração para as partes novas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Para discutirmos a questão do estatuto do aluno, é preciso que contextualizemos esta discussão com aquela que é hoje a realidade das escolas portuguesas. E a realidade das escolas portuguesas, hoje, se não é negra, como alguns Deputados aqui fizeram questão de defender, pelo menos é muito cinzenta escura.

O Sr. António Braga (PS): - Cinzenta escura?!

O Orador: - Digo isto porque hoje em dia, não só da parte dos professores - e já tive oportunidade de dizê-lo quando formulei um pedido de esclarecimento - mas também da parte do pessoal não docente, encarregados de educação, pais e até alunos, não há um sentimento geral de que a escola cumpra a missão que deve cumprir na sociedade, não só no que respeita à questão da violência mas também no que concerne à própria função educativa da escola, que muitas vezes não é assegurada porque não há regras que permitam que o seja.
Direi que a situação actual da escola, em Portugal, se caracteriza numa frase muito simples: é a «via verde» do ensino português, e esta «via verde» foi sendo construída a partir do momento em que se foram retirando certos controlos naturais e benéficos do sistema educativo.
A questão das faltas e a da própria avaliação e reprovação são alguns exemplos de medidas que, sendo supostamente socializadoras, têm feito com que os jovens portugueses saiam do sistema educativo cada vez menos preparados para a vida em sociedade, porque na vida em sociedade ninguém lhes vai dar esta «via verde» que tiveram enquanto frequentaram o sistema educativo. Quando estiverem a concorrer para o mercado de trabalho, não vão admiti-los só porque são bons rapazes; quando estiverem numa empresa e houver uma empresa concorrente e tiverem de apresentar melhores resultados também não vão dar-lhes os melhores resultados, são eles que vão ter de os construir.
Esta mentalidade que nos últimos anos tentou incutir-se na juventude portuguesa é destrutiva…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Exactamente!

O Orador: - … e desincentivadora da iniciativa dos jovens, do espírito empreendedor dos jovens e da força que a juventude deve ter na sociedade para a fazer crescer.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Já no passado os grupos parlamentares que hoje sustentam o Governo manifestaram a sua preocupação nas matérias relativas à educação, tendo sido aqui referidos alguns projectos apresentados - é o caso do projecto de lei, na altura originário do Grupo Parlamentar do CDS-PP, que dizia respeito à alteração do estatuto do aluno do ensino não superior -, o que mostra que estes dois grupos parlamentares, assim como o Governo que hoje em dia sustentam, se preocupam com estas questões.
Há pouco, o Sr. Ministro falou da pouca importância que alguns Srs. Deputados davam às questões relativas à educação e eu não posso deixar de registar que há, da parte das juventudes representadas nesta Assembleia da República, uma ausência que é notória: a ausência daqueles que continuam a insistir numa política de juventude feita de propostas fracturantes e que não são capazes de vir discutir a parte mais construtiva da sociedade a partir da juventude, a educação do seu País.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

No que diz respeito ao estatuto em si, Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, há questões que não podem deixar de ser salientadas.
A primeira é a da desburocratização, que permite que os processos sejam mais céleres, assegurando as garantias não só do aluno, que quanto mais longo for o processo mais tempo está numa situação de expectativa sem saber o que é que vai acontecer-lhe, como do próprio meio escolar, que obviamente funciona melhor quanto mais rápidos e céleres forem os processos.
No que diz respeito à competência do conselho disciplinar de turma, a duração do processo passa de 14 para 8 dias, e, nos casos do director regional de educação, passa de 22 para 13 dias, no máximo. Portanto, estas reduções de cerca de 40% na duração dos processos são assinaláveis e são um avanço claro e concreto para que haja um melhoramento do funcionamento da realidade educativa em Portugal.
Também não podemos deixar de salientar a cultura do respeito pelos direitos e deveres dos alunos, mas também pela liberdade de educação, que são expressos em vários artigos da proposta de lei que nos é apresentada.
Não é indiferente que, no artigo 13.º, relativo aos direitos dos alunos, não seja assegurada só a sua integridade física mas passe também a ser assegurada a sua integridade moral. Isto, para nós, é fundamental e é consequência da obrigação constitucional que dá a liberdade de educação, porque o aluno não é violentado só fisicamente, pode sê-lo do ponto de vista moral se lhe impuserem um tipo de educação e de ensino que não é aquele que ele e os seus pais querem e que não representa a realidade social em que ele e os seus pais querem que seja educado.
Também no que diz respeito à liberdade de educação, não é indiferente quando se diz que os alunos têm obrigações para com aqueles que os rodeiam no meio escolar, obrigações de auxílio, de colaboração, de reconhecimento para com os auxiliares, para com os professores, para com os alunos, para que, entre eles, consigam, na comunidade escolar, resolver muitas das situações que hoje geram preocupação. É que, até hoje, essa não era uma obrigação dos alunos. Devido ao individualismo que se tem vivido na sociedade portuguesa nos últimos tempos, o aluno valia por si próprio, o que interessava na escola era que ele vivesse por si próprio e não lhe era indicado nenhum caminho de colaboração para com aqueles que estão próximos dele.
Outras questões importantes têm que ver com a cultura de responsabilidade. Note-se - ainda ninguém aqui o disse - que passou a ser dever dos alunos estudar. É verdade, isso passou a ser dever dos alunos, está expresso no estatuto do aluno o dever de estudar!

Risos do PS.

Os Srs. Deputados riem-se porque para os senhores isso não é importante! Os Srs. Deputados partem do princípio que os alunos estudam e que, portanto, não é preciso que esse dever esteja incluído no estatuto do aluno. Para nós, isso é fundamental, porque é aqui que se dão esses exemplos e é aqui que o poder legislativo tem a capacidade de

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dar à sociedade as indicações que são fundamentais e que se destinam a criar uma cultura completamente diferente.
Por outro lado, há uma aposta clara no mérito. Para nós, a «meritocracia» é fundamental. Nós tratamos de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, por um lado ajudando aqueles que têm mais dificuldades, dando-lhes outras oportunidades para conseguirem chegar mais à frente, mas, por outro lado, obviamente, distinguindo pelo mérito a qualidade daqueles que se revelam melhores, isto é, daqueles que podem servir como exemplo e que podem puxar pelos seus colegas para que eles próprios apresentem melhores resultados.
E sem qualquer tabu e preconceito, vou falar de algo que já aqui foi referido e que para o CDS-PP é muito importante, que é a questão dos valores, não só os nacionais - só se falou aqui dos valores nacionais, mas são referidos outros no mesmo artigo. Os valores constitucionais e a Declaração Universal dos Direitos do Homem são fundamentais para criar uma cultura de civismo e de civilidade nas nossas crianças e nos nossos jovens. Não temos vergonha nenhuma de afirmar aqui, hoje, como afirmámos no passado,…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, excedeu o seu tempo. Agradeço-lhe que termine.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Dizia eu que não temos vergonha nenhuma de afirmar que consideramos que uma sociedade que tenha a consciência do que representa a nação portuguesa e que consiga sentir o seu País e lutar por ele é certamente uma sociedade mais preparada para o mundo competitivo em que hoje em dia nos encontramos e no qual os nossos jovens vão viver cada vez mais.
Estes são valores fundamentais de cidadania e, obviamente, não só não temos vergonha de os afirmar como temos muito orgulho que sejam introduzidos neste estatuto do estudante.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A exposição de motivos desta proposta de lei do Governo demonstra o carácter contraditório, para não usar outra designação, deste diploma. Por um lado, apresenta visões, preocupações e conceitos que são hoje consensualmente reconhecidos e preconiza linhas de actuação naturalmente meritórias; por outro lado, não tem qualquer correspondência material concreta no articulado que lhe dá substância.
O esforço de enquadramento das políticas educativas, o exercício de valores como o respeito, a tolerância e a liberdade, a consideração dos quadros psicossociais e familiares em presença, tudo isto está nas considerações gerais do preâmbulo, mas na prática não é com isto que se avança. Avança-se com o desenvolvimento dos mecanismos coercivos, com a simplificação dos processos disciplinares, com a consagração da autoridade como valor supremo, de tal forma que podem tornar-se reais os perigos de se confundirem, nalguns casos, autoridade e autoritarismo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O diploma do Governo, ao reformular o quadro legal que estabelece o estatuto do estudante do ensino básico e secundário, traz como novidade principal a concretização de uma antiga reivindicação da direita: abordar o tema da escola que temos pela óptica do regime disciplinar. E, ao fazê-lo, incorre no mesmo erro que caracterizou, conforme alertámos na altura, iniciativas anteriores da direita parlamentar sobre esta matéria:…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Os processos disciplinares são dos comunistas!

O Orador: - … o manifesto pressuposto de que o problema fundamental do sistema educativo é uma insurreição disciplinar nas escolas portuguesas.
Mais, todo este diploma está construído como se fosse da exclusiva responsabilidade dos estudantes a existência de problemas de violência e de insegurança nas escolas portuguesas. Falta claramente uma prática de pedagogia, de pedagogia democrática. E, desde logo, isso faz-se sentir no próprio processo de apresentação desta proposta de lei, dado que até agora ninguém foi ouvido, os parceiros e agentes educativos não foram tidos nem achados, e para o Governo a Assembleia da República há-de tratar disso. Não estamos de acordo com isso. O Governo deve ouvir a comunidade educativa em presença ao invés de se demitir desse dever e de remeter apenas para o Parlamento o espaço de discussão ideal que é necessário promover aos vários níveis.
Pela nossa parte, cá estamos e estaremos para cumprir e dignificar o papel de promoção do debate político, de participação e diálogo que cabe à Assembleia da República, mas é politicamente significativo que, da parte do Governo, essa disponibilidade para ouvir, discutir e acolher opiniões pura e simplesmente não se verifique.
Já agora, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, abro aqui um parêntesis para lembrar que o Governo recorre a esta argumentação para justificar este procedimento com a mesma facilidade com que recorre ao argumento inverso para proceder de forma inversa, como sucede neste momento em relação à Lei de Bases da Segurança Social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma vez se demonstra que mesmo o argumento das boas intenções acaba por cair pela base se não houver uma prática coerente que o venha sustentar. Esta forma de actuação é particularmente grave quando o que está em causa é um novo quadro legal, uma nova formulação para a legislação nesta área.
Estão em apreciação dois outros diplomas, um de Os Verdes e outro do Bloco de Esquerda, que apontam, por outro lado, para melhorias e alterações específicas ao enquadramento actual - bem necessárias e importantes são as melhorias que há a fazer.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, a essência de uma política educativa de progresso e de desenvolvimento tem de passar por muito mais do que a autoridade, tem de passar pela cidadania, pela democracia e pela criação de condições para esse objectivo.
Há pouco mais de um ano, o Conselho Nacional de Educação abordou esta mesma questão naquela que foi a sua primeira recomendação do ano 2001, sublinhando, justamente, a necessidade de uma escola que assuma plenamente

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a sua dimensão intercultural de cidadania, de combate à exclusão. Aliás, nessa recomendação é referido que a educação para a cidadania, ao centrar-se no aluno-cidadão enquanto pessoa, encontra frequentemente como primeiras dificuldades as de acesso e a falta de integração ou ainda que as competências para a vivência da cidadania têm de ser desenvolvidas em função das pessoas em causa e não de forma abstracta.
As conclusões a que chega o Conselho Nacional de Educação vêm colocar a tónica na vertente que para nós é fundamental (algo que está expresso logo na primeira das recomendações), isto é, que seja dada a maior atenção e o necessário apoio às iniciativas que tenham como objectivo promover a escola como factor de inclusão social.
Não é esse o sentido da política educativa que tem vindo a ser seguida. Em alguns discursos talvez seja, mas não o é na prática, porque o que surge no diploma do Governo é a ausência de medidas concretas para a criação das tais equipas multidisciplinares, em coerência com o proclamado objectivo de libertar os professores de um conjunto específico de funções cívicas, de uma realidade que confronta os professores com uma pluralidade de funções que não lhes compete assumir de facto;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … a ausência de condições para melhorar o processo de ensino/aprendizagem favorecendo a opção de elencar um conjunto de medidas disciplinares e sancionatórias.
Além disso, afasta-se o carácter preventivo e formativo para se apostar na vertente correctiva e punitiva e prevêem-se deveres dos estudantes que são sancionados com dois tipos de medidas, umas ditas sancionatórias e outras ditas preventivas. A este propósito, resta lembrar que uma das medidas supostamente integradoras é a transferência para outra escola e que as sanções poderão ir até à expulsão.
Que dizer de uma omissão, gravíssima em nosso entender, que é a de não estar previsto nos direitos do aluno o próprio direito de associação? Esse direito é uma conquista histórica no nosso país e nunca é referido em parte alguma. A delegação e a participação por essa via são consideradas, mas não são consideradas as associações de estudantes e o seu papel na vida escolar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O estatuto do dirigente associativo e o estatuto do trabalhador-estudante…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Então, e a reforma agrária?!

O Orador: - … são aspectos completamente omissos neste diploma.
E sobre disciplina, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, registe-se a necessidade (de resto, já aqui referida) que o Governo sentiu de deixar explicitamente prevista na lei a tal proibição de punições que sejam física ou moralmente ofensivas. Com um tal expediente punitivo, é natural a preocupação de refrear alguns espíritos mais entusiásticos que possam, em excesso de zelo, defender alguns safanões.
Devem, de facto, merecer atenção e reflexão as afirmações já aqui referidas da agora demissionária Adjunta da Secretária de Estado, sendo que o recuo de 70 anos a que se fez referência não é certamente a resposta a dar a quem hoje diz com saudade: «no meu tempo é que era bom.».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a filosofia de exigência proclamada pelo Governo regista, com este diploma, a aplicação perversa que sempre recusámos.
A exigência é colocada às comunidades educativas e só a elas. As medidas políticas de fundo que combatam a raiz dos problemas do sistema educativo, essas não aparecem, essas não existem, porque a raiz dos problemas do sistema educativo - voltamos a afirmar - está no abandono escolar, no insucesso na escola, na exclusão de que ela é palco, e enquanto essas razões de fundo não forem combatidas não há regime draconiano ou disciplina sumária que resolva o actual problema.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Pelo contrário, a visão limitada e redutora deste prisma só contribuirá para agravar as já hoje graves e preocupantes situações de exclusão e afastamento dos estudantes que se verificam nas escolas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos aceitar opções e práticas que, no concreto, façam da escola uma espaço de exclusão. O diploma agora apresentado pelo Governo faz opções, escolhe a tomada de medidas que acabarão, por este andar, por fazer da escola um espaço de segregação e penitência.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Pela parte do PCP, há muito que fizemos também a nossa opção, porque ela é inerente ao projecto de desenvolvimento social que defendemos, e a nossa opção é por uma escola enquanto espaço de pedagogia e socialização, de fruição e desenvolvimento humano, de superação das desigualdades e de promoção da solidariedade.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta fase final do debate, gostaríamos de relevar dois ou três aspectos quanto ao enquadramento que fizemos, do ponto de vista da nossa opção política, das matérias que são propostas em regime do estatuto do aluno.
O primeiro aspecto, Sr. Ministro e Srs. Deputados, prende-se com o seguinte: ficámos muito preocupados com a ideia que a coligação de direita apoiante do Governo nos quis trazer, porque tentou vertebrar a escola à luz do estatuto disciplinar.

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O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Exactamente!

O Orador: - Não é esse o nosso caminho, Sr. Ministro, e também não percebemos esse caminho na sua intervenção. E como as discussões, nomeadamente os debates, devem servir para alguma coisa, servem também para nos esclarecer quanto às motivações da posição política de cada grupo parlamentar.
Quero que isso fique claro, Sr. Ministro, porque se entendemos que pode ser relevante e importante fazer alterações ao estatuto actualmente em vigor também ficámos muito preocupados com a ideia de ver a escola como uma espécie de ilusão sobre uma competição que se entende para a sociedade, uma espécie de visão mercantilista transposta agora num perigoso «caminho» de construir a escola, a qual entendemos dever ser coesa, inclusa, devendo prevenir mecanismos que possam transformá-la naquilo que não é o seu objecto constitucional, porque, Sr. Ministro, trata-se de um sistema previsto na Constituição da República Portuguesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Tentando sintetizar um pouco a intervenção do PSD, que, numa dicotomia entre o errado e o certo, mostra que os senhores estão muito esclarecidos quanto ao que é certo e errado, quero dizer, Sr. Ministro, que esse é o caminho errado, e espero que o senhor não o acompanhe.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Numa breve intervenção final, gostaria de salientar alguns princípios que, em nosso entender, estão associados à questão da indisciplina em meio escolar.
O primeiro princípio é o de que a questão-base está na prevenção. A prevenção da indisciplina é a pedra de toque das políticas de integração social e, quando falamos em prevenção, falamos em escolas com bons equipamentos, falamos em escolas com apoio social efectivo, falamos numa boa formação de professores e falamos, obviamente, num estatuto da carreira docente com futuro, com prestígio e com condições remuneratórias adequadas.
O segundo princípio é o da contratualização. Contratualização significa envolvimento da comunidade educativa, compromisso, espaço público na escola, significa regulamentos internos que sejam verdadeiros orientadores da vida quotidiana e não apenas montes de papel ou decretos sancionatórios.
Defendemos também, como terceiro princípio, o carácter integrador da punição. A punição não é um fim em si mesmo, a punição é um meio para evitar a exclusão, a punição é um instrumento de uma escola que quer, acima de tudo, cidadãos activos, cidadãos que não sejam expulsos para outros lugares que não aqueles a que têm direito.
O quarto princípio é o do reforço, em simultâneo, dos direitos de defesa dos estudantes, concretamente a possibilidade de as associações de estudantes, quando existirem, estarem presentes nos conselhos disciplinares de turma e de a figura do director de turma, em conjunto com estes conselhos, ter um papel activo como mediador, como dissipador de conflitos e, sobretudo, como alguém que conhece por dentro o funcionamento das escolas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - O quinto princípio é o de que a agilização não pode ser o alfa e o ómega da questão. A agilização é importante para que não exista uma cultura da impunidade mas não pode ser o principal alicerce de qualquer medida legislativa. Defendemos, por isso, a escola pública, porque, apesar dos seus defeitos, a escola pública é ainda o garante maior da sua pluralidade de funções. Na escola estuda-se mas na escola também se conhecem pessoas de outras classes sociais, de outras culturas. Na escola conhece-se o mundo e a vida. Na escola abrem-se janelas para as identidades que se estão a construir, para a sexualidade que se descobre, para tudo aquilo que constitui a riqueza da vida quotidiana.
Ora, porque a escola pública de qualidade inclusiva é o nosso projecto, não podemos deixar de referir os resultados dos estudos de literacia. Está aqui presente a Sr.ª Deputada Ana Benavente, que fez parte da equipa que realizou esses estudos, e que refere, precisamente, que a literacia, muitas vezes, não se resolve com o aumento da escolaridade. E por que é que não se resolve com o aumento da escolaridade? Porque, saindo da escola, se verificam regressões terríveis, regressões que têm a ver com mercados de trabalho onde a monotonia é palavra de ordem, onde a criatividade não existe, onde as tarefas de execução mal pagas e rotineiras são o que se impõe a muitos dos que saem das escolas. Regressões cognitivas e regressões culturais que mostram que a escola pública continua e continuará a ser o caminho do futuro para os jovens e as jovens portuguesas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção tem como objectivo responder a algumas dúvidas que foram aqui suscitadas. Não responderei às dúvidas que estão expressamente clarificadas no articulado, porque muitas das intervenções criticaram o diploma por aquilo que não tinha, estando lá aquilo que diziam não ter. Houve, se me permitem, ou uma leitura rápida, excessivamente rápida, do articulado ou, eventualmente,…

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Ministro, dizer isso não lhe fica bem, fica-lhe mal.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Braga, não está previsto haver diálogo.
Sr. Ministro, faça o favor de continuar.

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O Orador: - O Sr. Deputado António Braga quer sempre dar-me lições,…

O Sr. António Braga (PS): - Não! Simplesmente não lhe fica bem dizer isso aos Deputados!

O Orador: - … que agradeço, mas, permita-me, já tenho alguma prática destas coisas.

Protestos do PS.

Devo dizer - e vou dizer -, que, relativamente a dois artigos que considero fundamentais, houve, talvez, alguma leitura apressada. Portanto, por isso mesmo, permitam-me que relembre e comente politicamente porquê.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Um dos artigos é o que tem a ver com a expulsão da escola. Gostaria de ler o n.º 2 do artigo 36.º, para que fique claro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Devagar, Sr. Ministro, para eles aprenderem!

O Orador: - «A medida disciplinar de expulsão da escola só pode ocorrer perante um comportamento do aluno que perturbe gravemente o funcionamento normal das actividades da escola ou as relações no âmbito da comunidade educativa, constituinte de uma infracção disciplinar muito grave, quando reconhecidamente se constate não haver outro modo de procurar responsabilizá-lo no sentido do cumprimento dos seus deveres como aluno.» Querem coisa mais delicada, mais atenciosa e, de certa forma, mais cuidadosa do que este enunciado?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É isto que representa a dita «perspectiva punitiva e sancionatória»?! Por favor, não leiam aqui aquilo que cá não está!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É próprio da esquerda! É a leitura da esquerda!

O Orador: - Há ainda um outro aspecto, ao qual me vou referir directamente para que não possamos desenvolver, enfim, alguns complexos. Trata-se de um aspecto que tem a ver com o artigo 12.º.
O artigo 12.º tem como epígrafe «Valores nacionais e cultura de cidadania» e precede o enunciado de direitos e deveres dos alunos. Propositadamente, precede, repito, o enunciado de direitos e deveres dos alunos. E devo confessar que nem o actual Governo nem a maioria têm qualquer tipo de complexos relativamente àquilo que são valores nacionais que devem ser promovidos e orgulhosamente defendidos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sei que alguma esquerda, não toda, felizmente, mas alguma, dá-se mal com problemas de disciplina, com problemas de deveres, com problemas de hinos ou com problemas de bandeiras. É a esquerda que vai da «esquerda do charro» à «esquerda do caviar», passando até mesmo pela «esquerda da sardinha assada»!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Mas que se saiba, claramente, que o que está aqui enunciado são princípios fundamentais inscritos na Constituição da República Portuguesa e, como tal, defendidos até à última palavra.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Isso é da «direita do cherne»!

O Orador: - Não posso admitir que se queira desvalorizar e considerar puro folclore nacionalista aquela que é a defesa e o enunciado de princípios que fazem parte da nossa identidade e da nossa existência enquanto entidade colectiva. Penso que não podemos abdicar desses mesmos princípios!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Quero finalizar, dizendo que o esforço de sistematização deste diploma e o carácter ponderado e equilibrado que tentámos imprimir à sua elaboração reflectem uma perspectiva o mais alargada possível dos problemas da escola.
É óbvio que, subjacente a este enunciado e a este articulado, há uma concepção de escola. Agora, não queira, Sr. Deputado António Braga, vertebrar as soluções e os diplomas do Governo pelas suas próprias ideias!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): - Ficava mais bem servido!

O Orador: - Portanto, tenha também o cuidado de dizer que há outras ideias e que vamos tentar encontrar aqui um espaço comum das várias ideias.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ele não é da «direita do cherne»!

O Orador: - É precisamente por isso que este diploma não resulta de negociação prévia, porque não se negoceiam direitos, deveres e princípios,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… mas resulta, precisamente, do assumir que é necessário discutir politicamente todos estes princípios, todos estes valores e todas estas medidas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Educação, deixe-me que faça uma observação relativamente à sua caracterização de várias esquerdas em função de preferências

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gastronómicas ou outras. Parece-me que seria preferível qualificá-las pelas opções ideológicas ou programáticas. É uma opinião, mas gostava que ficasse registada,…

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

… porque também não toleraria que se qualificassem as várias direitas pelas suas preferências gastronómicas.
Nestas matérias, devemos ser muito plurais.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, permite-me…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, muito obrigado por me ter dado a palavra para lhe agradecer a sugestão, mas penso que há uma dimensão antropológica da esquerda, e é nesse sentido que a entendo.

Vozes do PS: - E a da direita?!

O Sr. Presidente: - Uma referência científica já é diferente, naturalmente, sobretudo porque alguns poderão considerar a referência ao caviar como sendo politicamente incorrecta.
Prosseguindo o debate, tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Esta é a «esquerda do caviar»!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Deputado, o uso do caviar está restrito, porque, como bem sabe, é uma espécie em extinção. Portanto…

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de alguns Deputados do PS.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Peço desculpa, o esturjão é uma espécie em extinção.
Mas eu dispensar-me-ia, Srs. Deputados e Sr. Ministro, destas expressões. Aliás, penso que o bom senso impera na observação feita pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.
Sr. Ministro, gostaria de lhe dizer que o problema que está colocado e aquilo que divide, de uma forma muito nítida, a esquerda e a direita neste debate não é o facto de uns e outros não atenderem à questão da disciplina mas o de que, enquanto a direita tem, da disciplina, uma visão punitiva, restritiva, de exclusão ou, então, uma atitude de avestruz, porque mete a cabeça na areia e continua a ignorar as razões pelas quais a disciplina não tem condições para existir, aquilo que a esquerda entende, no tocante a nós, Os Verdes, é que a disciplina não se decreta, Sr. Ministro, tem de haver condições para que o espaço escolar, ele próprio, seja um espaço que propicie o equilíbrio e um bom clima educativo. Aí, sim, terá disciplina!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Leia os jornais!

A Oradora: - Dificilmente terá disciplina com professores que são nómadas forçados e que não podem criar laços de afectividade com os seus alunos, saltando de escola para escola todos os anos; tem, seguramente, dificuldades de disciplina numa escola que não atende às comunidades étnicas, aos imigrantes e não dá respostas educativas especiais a esses meninos; tem, seguramente, problemas de disciplina numa escola que não tem uma linguagem apropriada; tem, seguramente, problemas de disciplina, perante professores com turmas pesadíssimas que nem têm possibilidade de conhecer cada um dos seus alunos.
Portanto, porque a esquerda quer disciplina mas não quer um exercício vago da disciplina e, sim, condições efectivas para que a resposta da escola seja aquela que é a adequada, porque a esquerda quer, no tocante a nós, Os Verdes, que não se diga aos pais que têm obrigações mas que se lhes dê responsabilidade e possibilidade de cumprirem aqueles que são os seus deveres, isso divide-nos. Aliás, como também nos divide, e gostaria de o dizer, já que voltou ao articulado da proposta, algo que referi e a que não deu resposta, ou seja, o artigo 22.º.
A retenção, Sr. Ministro - e é lamentável que quem tem conhecimento alimente uma ideia feita na cabeça das pessoas, é uma medida pedagógica não é punitiva. Associar um comportamento de perturbação disciplinar à retenção é dizer que a retenção não é aquilo que é, é atribuir à retenção um rótulo e um estigma que é, de todo em todo, inaceitável. E, relativamente a quem tem compreensão da enorme dificuldade com que os professores lidam com muitos pais que não entendem qual é o significado da retenção, é fundamentalmente inaceitável e não deixa de ser negativo e antipedagógico que se insista nessa linguagem.
Portanto, diria, em conclusão, que o que este debate provou é que há quem queira transformar e há quem pense na transformação de forma diferente. Designadamente, parece-me óptimo que os jovens conheçam a Convenção Universal dos Direitos do Homem, agora, pergunto-me que significado tem para a cidadania…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha esgotou-se, pelo que lhe peço para concluir.

A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Que significado tem para a cidadania um espaço degradado, um espaço onde os professores não têm hipóteses nem condições para lidar com os alunos?! Não é, seguramente, esse o exemplo da cidadania e a cidadania não é uma abstracção.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, o senhor não respondeu a questões que lhe foram colocadas por esta bancada, e isso preocupa-nos, porque, como não respondeu, também não comentou posições, que percebeu claramente serem ao arrepio da sua própria posição, tomadas pela bancada da maioria que o apoia.
Sr. Ministro, a escola não pode ser uma abstracção!

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Exactamente!

O Orador: - A escola não pode ser vista à luz de um terreno que não seja o que está consagrado na Constituição

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da República Portuguesa, porque não se trata da escola que eu quero ou da que nós queremos mas, sim, daquela que cumpre aos governos instituir!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, nomeadamente, como o Sr. Ministro disse, e muito bem, os direitos não se discutem - esses direitos constitucionais não se discutem!
O Sr. Ministro não pode fugir a esclarecer, neste debate, as questões essenciais.
À pergunta «vê ou não a escola à luz de um estatuto disciplinar?», o Sr. Ministro quase se descaiu! O Sr. Ministro disse que havia, evidentemente, uma visão subjacente a este estatuto disciplinar. Então diga-nos qual é. Qual é, Sr. Ministro? É aquela que quer excluir? É a escola selectiva, da competição permanente e feroz dentro de si própria? É a escola fechada à comunidade - questão colocada, e bem, pela minha bancada -, que apenas vive dentro de si e aplica um estatuto à margem das circunstâncias que a rodeia, nomeadamente os problemas sociais que confinam e que, muitas vezes, circunscrevem os comportamentos dos alunos?
Sr. Ministro, este não é o nosso caminho! É importante que o Sr. Ministro esclareça isso, porque, naturalmente, a bancada do PS, tendo embora uma visão positiva quanto ao aperfeiçoamento do actual estatuto, reserva a sua posição política em função desse esclarecimento e da posição que tomar sobre este assunto, ou seja, em função do que nos disser. E deve aproveitar esta oportunidade, Sr. Ministro, porque tem tempo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Teixeira Lopes inscreveu-se para uma intervenção, mas não lha posso dar porque já interveio duas vezes, e a este respeito o Regimento é imperativo. Aliás, o Sr. Ministro está nas mesmas circunstâncias, e já aqui foi interpelado directamente para dar uma resposta.
De qualquer modo, se o Sr. Deputado João Teixeira Lopes quiser pedir algum esclarecimento ao Sr. Ministro, talvez possa dar-lhe a palavra…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sendo assim, prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.
Pergunto ao Sr. Ministro da Educação se deseja dar alguma resposta às questões que lhe foram formuladas, já que foi interpelado directa e pessoalmente?

O Sr. Ministro da Educação: - Se fosse possível, gostaria muito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, e peço-lhe para que seja muito breve, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Educação: - Será uma resposta muito rápida, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado António Braga quer que eu diga o que penso e defina o meu conceito de escola em 2 minutos e 38 segundos, que é o tempo de que disponho.

O Sr. António Braga (PS): - Sabe que não é isso!

O Orador: - O Sr. Deputado sabe qual é o meu conceito de escola, conhece-o há muito tempo, mas também lhe digo que, sempre que a Comissão de Educação, Ciência e Cultura quiser discutir o meu conceito de escola e o conceito de escola subjacente ao Programa do Governo,…

O Sr. António Braga (PS): - Exactamente!

O Orador: - … estou disposto a defendê-lo e a esclarecê-lo.
Sou responsável pelas posições que constam do Programa do Governo, sou responsável por todo o conteúdo deste diploma, não queira atribuir-me mais responsabilidades do que aquelas que me estão incumbidas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, visto não haver mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 17/IX e dos projectos de lei n.os 78 e 87/IX.
Vamos passar imediatamente à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 13/IX - Aprova o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior, desenvolvendo o regime previsto na Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), e do projecto de lei n.º 77/IX - Cria o sistema de avaliação para os estabelecimentos de ensino básico e secundário (BE).

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - É sobre a matéria da ordem do dia, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. António Costa (PS): - O Sr. Presidente tinha suspendido um debate anterior por 1 hora e 30 minutos. Ora, como creio que já esgotámos esse tempo, gostaria de saber se já estamos em condições de o retomar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, concedi realmente 1 hora e 30 minutos à 1.ª Comissão, mas a notícia que me chega é a de que a Comissão está a ultimar o seu relatório. E não quero pressioná-la ao ponto de termos aqui um relatório mal engendrado e, depois, ficarmos em más condições. Portanto, mais vale esperarmos um pouco mais pelo relatório da Comissão, e, entretanto, continuamos os nossos trabalhos, se não houver objecções.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passados mais de 15 anos sobre a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, onde se estatui a existência de um sistema de avaliação para todo o sistema de ensino, o Governo apresenta à Assembleia da República uma proposta de lei que pretende instituir um modelo de avaliação estável, transparente, rigoroso, credível e abrangente de todos os vectores que estruturam a qualidade e o desenvolvimento do ensino não superior.

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Poderemos resignar-nos com a velha expressão «mais vale tarde do que nunca!», mas não deveremos deixar de tirar as ilações deste atraso. Não existe uma cultura de avaliação no nosso sistema de ensino. O elementar princípio da regular e sistemática prestação de contas de quem tem responsabilidades raramente é respeitado.
A elementar justiça de reconhecimento do mérito e da superação do demérito foi sempre sacrificada ao voluntarismo pretensamente igualitário, que mais não faz do que nivelar por baixo, silenciando tudo o que possa distinguir-se da mediocridade reinante.
Tenho por hábito lembrar que no silêncio todos somos iguais: no silêncio dos resultados escondidos; no silêncio da recusa das comparações internacionais; no silêncio dos défices disfarçados; no silêncio de responsabilidades alienadas; no silêncio da mordaça do politicamente correcto, no silêncio para que tudo fique na mesma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não é o silêncio que vos proponho. Convido-vos a dar o primeiro passo para quê se instaure no nosso sistema de ensino uma verdadeira cultura de avaliação. Uma avaliação que não se fique só pelos resultados, que não os omita; uma avaliação que contextualize os factores do sucesso e do insucesso; uma avaliação que distinga as boas das más práticas, que crie os ambientes e os instrumentos favoráveis à inovação e à mudança; uma avaliação que faça do rigor e da sua credibilidade científica a base necessária à mudança que nos conduza à excelência.
Para que tal aconteça é necessário dotar o Ministério da Educação de um conjunto de instrumentos que viabilizem essa avaliação. Destaco a construção de um sistema de informação sobre o sistema de ensino como condição necessária ao êxito dessa mesma avaliação. Confesso que depois de ouvir tanto discurso sobre a Sociedade da Informação e do Conhecimento fiquei absolutamente estupefacto com o atraso em que se encontra a administração educativa.
Temos um sistema de informação estatística ultrapassado, sem capacidade de resposta às exigências de uma boa gestão, sem a dimensão multivariada dos indicadores, sem a credibilidade e coerência que se exigem às estatísticas da educação.
Torna-se penoso consultar qualquer estatística internacional e constatar, para o caso português, a frequente indisponibilidade de informação.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - O anterior Primeiro-Ministro tinha uma especial apetência para falar em benchmarking, em curvas em V e em U, de taxas para aqui e para acolá. Se dúvidas tivéssemos, ficaríamos definitivamente convencidos de que não se tratava mais do que um ritual discursivo, em tudo distante da realidade de um atraso confrangedor.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em educação não há qualidade sem avaliação e não há avaliação sem informação. A proposta de lei que o Governo apresenta consagra esse princípio tão trivial, mas, pelo que me é dado a perceber, tão incómodo para algumas vozes minoritárias.
O modelo subjacente privilegia a avaliação multidimensional, recorrendo a um conjunto vasto de variáveis de aproximação e a indicadores que permitirão estabelecer as relações entre resultados, condições sociais, níveis de desempenho e contextos de desenvolvimento educativo.
Segunda característica deste modelo: privilegia a avaliação comparada e dinâmica. Uma avaliação sistemática passa sempre pelo confronto com os termos de referência a nível nacional e internacional, mas também pela perspectiva evolutiva desses indicadores. Continuamos a defender que as melhores escolas, as melhores experiências, os melhores desempenhos são aqueles que melhoram, e não aqueles que invariavelmente se situam no topo ou na cauda da classificação ordenada.
Terceira característica fundamental: o processo de avaliação pressupõe o acompanhamento e o controlo de uma entidade autónoma e independente, neste caso o Conselho Nacional de Educação. Entendemos que o sistema de avaliação ganha em credibilidade e transparência quando recorre a uma entidade reconhecida pelo seu trabalho e contributos em prol de uma educação de qualidade em Portugal. Trata-se de um fórum onde estão representados todos os parceiros sociais, onde livremente se expressam todas as correntes e todas as perspectivas do fenómeno educativo no nosso país.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A institucionalização de um sistema de avaliação do sistema educativo é o primeiro passo para o desenvolvimento de uma cultura de avaliação. Trata-se de uma reforma estrutural da maior importância para o processo de qualificação do ensino e da educação em Portugal. Estamos conscientes de que a sustentabilidade política dessas reformas requer que se construam consensos mais alargados do que os identificados com a actual maioria. Por isso fazemos um apelo sincero ao sentido de responsabilidade daqueles que estão empenhados neste desafio.
O futuro está nas nossas mãos; saibamos construi-lo na pluralidade das nossas perspectivas, mas na convergência da defesa do interesse nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se vários Srs. Deputados, a quem darei a palavra por ordem de inscrição.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosalina Martins, dispondo de 3 minutos.

A Sr.ª Rosalina Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, na exposição de motivos da presente proposta de lei refere-se que «A imprescindibilidade da avaliação do sistema educativo está reconhecida, (…) com a estatuição (…) do artigo 49.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, no sentido de uma 'avaliação continuada, que deve ter em conta os aspectos educativos e pedagógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e ainda os de natureza político-administrativa e cultural'».
Ora, o desenvolvimento deste princípio começou a ser concretizado pelos governos do Partido Socialista através da construção de um sistema coerente de avaliação, que passou pela institucionalização dos exames de 12.º ano, das provas de aferição no fim de cada ciclo e pelo programa de avaliação das escolas básicas e secundárias, a cargo da Inspecção-Geral de Educação. Este programa de avaliação das escolas, iniciado em 1998, envolve, no presente, cerca de 700 estabelecimentos de ensino.

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A avaliação integrada de cariz pluridimensional, como o Sr. Ministro referiu, identifica os pontos fracos e os pontos fortes de cada desempenho, propondo recomendações para a acção futura. É, por isso, importante habilitar as escolas a usar, elas próprias, métodos e técnicas adequadas à auto-avaliação contínua através de um trabalho persistente, envolvendo a comunidade escolar, e contextualizando os resultados de forma a superar todas as dificuldades intrínsecas.
Consideramos fundamental enraizar nas nossas escolas a cultura da qualidade e da avaliação da qualidade como pilares indispensáveis da autonomia.
A presente proposta de lei preconiza, no seu artigo 16.º, a divulgação dos resultados da avaliação das escolas constantes de relatórios de análise integrada «(…) com o objectivo de disponibilizar aos cidadãos em geral e às comunidades educativas em particular, uma visão extensiva, actualizada, (…) reflectiva e comparada (…) do sistema educativo português».
Não estando em causa a necessidade de avaliação do sistema, nem a melhoria da sua qualidade, gostaria de colocar ao Sr. Ministro as seguintes questões: como vão ser divulgados estes resultados nacionais? Por rankings? É que a melhoria da qualidade do sistema passa pela necessidade de fazer uma avaliação das escolas no sentido de corrigir e aperfeiçoar o seu funcionamento.
Entendemos a avaliação das escolas numa perspectiva de regulação e de controlo democrático, bem como de instrumento de melhoria da qualidade do ensino e da educação. A auto-avaliação das escolas e a avaliação externa devem ter um carácter complementar, corporizando uma avaliação institucional que contribua para o aperfeiçoamento de todas as escolas de um modo formativo e corporativo, sem recurso a processos de seriação e de classificação.
A tão propalada escola inclusiva é aquela que é capaz de dar resposta a todas as crianças em função das suas necessidades; é a escola capaz de trabalhar e de conviver com todas as diferenças. Como vai o Sr. Ministro apoiar as escolas com desempenhos mais fracos?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, se for possível, gostaria de responder a grupos de três.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Ministro.
Assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, farei, na minha intervenção, uma apreciação global da proposta de lei. Agora, gostava de manifestar o total desacordo do Bloco de Esquerda em relação a algo que nos parece clarividente nesta proposta de lei, que é o facto de assentar na filosofia do ranking.
Sr. Ministro, como sabe, o ranking acaba por ter um efeito perverso em relação àquilo que se pretende com a avaliação.
Diz o Sr. Ministro que pretende uma interpretação integrada e contextualizada dos resultados obtidos, bem como a correcção das anomalias detectadas. Com o ranking o que se obtém são efeitos perversos, consequências não pretendidas. E o Sr. Ministro sabe perfeitamente que esses efeitos perversos acabam por hierarquizar as escolas em estabelecimentos de ensino de 1.ª, de 2.ª e de 3.ª categorias, e, com essa hierarquização, estamos, no fundo, a classificar os pais, os alunos e as comunidades educativas. É o «darwinismo» social no seu pior, é a filosofia da competição pela competição, da lei dos mais fortes, dos vencedores!
Repare, Sr. Ministro: se houvesse, nesta proposta de lei, questões concretas no que se refere à requalificação das escolas que obtêm resultados considerados negativos pelos processos de avaliação, então, aí, sim, os rankings poderiam ter alguma razoabilidade. Mas não há processos de requalificação previstos. As referências são escassas, vagas e ambíguas.
O que vamos ter, Sr. Ministro, se, de facto, a questão dos rankings for a pedra-de-toque desta proposta, é a transformação das escolas em autênticas máquinas de instrução e não de educação, que é algo muito mais vasto. Vamos ter as escolas transformadas em autênticas fábricas de publicidade, de marketing, a querer recrutar os melhores alunos, o que vai significar necessariamente que aqueloutros que têm menos possibilidades, que têm socialmente recursos menos volumosos, também vão ter menor possibilidade de escolha, porque as escolas não os querem e vão tratá-los como «lixo social». Estas são as consequências perversas dos rankings que estão claramente patentes na proposta de lei em discussão.
Por isso mesmo, Sr. Ministro, pergunto-lhe: por que não divulgar os resultados por médias nacionais? Por que não divulgar os resultados territorialmente, pelas direcções regionais de educação, como propomos? Ter-se-ia, assim, um retrato territorial do País, da diversidade de situações e, então, sim, a avaliação cumpriria o seu objectivo. O objectivo é o da auto-regulação, da autocorrecção, da difusão de boas práticas, da detecção de pontos fracos para os eliminar e da potenciação de pontos forte para os disseminar. Caso contrário, temos, uma vez mais, uma visão punitiva, tanto mais que, repito, escasseiam as referências à recuperação e ao apoio às escolas com maiores dificuldades.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Terminarei de imediato, Sr. Presidente.
O ranking é, de facto, a melhor ilustração da filosofia de escola que os senhores defendem, de uma escola selectiva, de uma escola para os mais fortes, de uma escola que, obviamente, tenderá a transformar-se numa escola elitizada.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, começo por reafirmar que estou de acordo consigo quando diz que a avaliação é necessária, e gostaria que isto ficasse bem claro - a avaliação é necessária, e, naturalmente, estaremos todos de acordo a este respeito -, e está prevista na Lei de Bases do Sistema Educativo, também sabemos todos. E a Lei de Bases do Sistema Educativo diz claramente, no seu artigo sobre esta matéria, que a avaliação deve ser abrangente e realizada com autonomia e independência. O Sr. Ministro sabe que é assim; está lá!

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Consequentemente, a questão que se levanta é a de saber se esta proposta, que, hoje, o Sr. Ministro nos traz aqui, é uma avaliação abrangente e cria condições para ser autónoma e independente. Em nossa opinião, não! Não é nenhuma das três coisas! Não é abrangente e não cria condições para a sua autonomia e para a sua independência. Não sabemos avaliar o «quê» nem o «porquê»; não sabem os avaliados «por que» e «para quê» vão ser avaliados. A única coisa que sabemos, depois da leitura de todo o articulado da proposta de lei, é que o Governo, e particularmente a tutela, quer avaliar para classificar, exclusivamente para classificar, sem nenhum outro objectivo. E porque quer avaliar para classificar, esta proposta cria condições, governamentalizando o processo de avaliação, reduzindo e maltratando os serviços de Inspecção-Geral de Educação, colocando na área do Conselho Nacional de Educação a função de consultor da tutela, para emitir pareceres e opiniões de acordo com os documentos e as informações que o Sr. Ministro lhe fará chegar, fechando o círculo. O Sr. Ministro envia os documentos que entende para o Conselho Nacional de Educação opinar, para, depois, o Sr. Ministro mandar publicar e publicitar.
Portanto, o círculo está fechado…

Protestos do Ministro da Educação.

Ó Sr. Ministro, se não era isto o que queria, foi isto o que escreveu!
Sr. Ministro, na proposta que hoje aqui nos traz a avaliação fica centralizada exclusivamente numa qualidade que é redutora no processo da procura da excelência, do mérito e do demérito. E mais nada! E, Sr. Ministro, não nos traz nada de novo. Poder-se-ia aprender com os outros países da Comunidade Europeia, com outros que já fizeram a glorificação dos vencidos e a destruição dos próprios vencidos e vencedores, com outros que já apostaram neste jogo e que já descobriram que este não era o caminho. Lembro, por exemplo, o Reino Unido, onde se recuou e se sabe hoje que o ranking das classificações não é caminho para qualquer melhoria.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
As escolas bem classificadas continuam bem classificadas, e as más classificadas continuam no fim do ranking, sem qualquer intervenção.
O que eu peço, Sr. Ministro, é que, quanto à necessidade do sistema educativo e à necessidade das nossas escolas e de toda a comunidade educativa, diga alguma coisa, coisa essa que não disse na lei. Diga-o hoje, que tem tempo para isso.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, invariavelmente, as intervenções sobre problemas de avaliação, por parte do Partido Socialista, do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda, têm a opção dos rankings. Por mais variáveis que possamos introduzir na avaliação, por mais dimensões e perspectivas, por mais enriquecimentos que possamos ter, os senhores estão obcecados pelos rankings. Mais do que eu alguma vez estive quando era oposição. Mas, tudo bem, vamos pegar nos rankings. Não tenho qualquer problema relativamente a isso.
Agora, tenhamos consciência do seguinte: primeiro, há um sistema de informação que, neste momento, não funciona, ou seja, a informação é limitada e, em muitos casos, é incoerente, pelo que temos de melhorar significativamente o sistema de informação do Ministério; segundo, temos compromissos e há exigências internacionais, nomeadamente por parte da OCDE, da Comissão Europeia, designadamente do EUROSTAT, e de outras organizações internacionais, no sentido de lhes fornecermos indicadores precisos, coerentes, para integrar naquilo a que o Sr. Eng.º António Guterres, enquanto Primeiro-Ministro, designava por benchmarking internacional - e aqui estamos perfeitamente de acordo.
Portanto, nesta perspectiva, o que é fundamental aqui assegurar é um bom sistema de informação e, com essa informação, poder analisar o desempenho não só das escolas mas do sistema educativo em geral, o desempenho das próprias políticas!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

O Orador: - Porque um dos problemas da educação em Portugal é o facto de as políticas se irem sobrepondo e sedimentando umas em cima das outras sem que uma inviabilize a outra. E, portanto, esta política sedimentar da educação é o pior que tem acontecido! Por exemplo, já alguma vez se fez uma avaliação dos tapes? Já alguma vez se fez uma avaliação da gestão flexível dos currículos? Já alguma vez se fez a avaliação das várias práticas, as chamadas «boas práticas», de inovação?

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - Já! Já!

O Orador: - Não há! E mesmo a avaliação que é feita - já que falaram no relatório da Inspecção-Geral de Educação - está condicionada por determinado tipo de problemas, nomeadamente, logo à partida, pela capacidade de pôr no terreno as equipas necessárias para se fazer a avaliação. Lembro que, nestes dois relatórios, foram avaliadas cerca de 792 escolas, o que quer dizer que foi avaliado cerca de 5,4% do total do parque escolar. A este ritmo, aquilo que deveria demorar oito anos demorará, pelo menos, 100 anos. É esta a avaliação que querem?! Penso que não!
Aquilo que propomos é precisamente um modelo mais eficaz, que produza informação on line, em tempo real, para que possamos ter bons indicadores de gestão e bons indicadores de avaliação. Aqui, o problema dos rankings é claramente supletivo.
Meus caros, há ou não há seriação, por parte da opinião pública, relativamente às escolas? Há! Toda a gente sabe que há pais que escolhem a escola A em detrimento da escola B, que se situa ao lado, e há até problemas, relativamente ao encerramento de escolas, devido a concepções elitistas desse tipo de escolas. Pois há! E por acaso gostaria de ver alguma solidariedade, por parte daqueles que condenam as concepções elitistas da escola, relativamente a algumas iniciativas que este Governo tomou. E, ainda hoje, acerca delas ouvi o silêncio!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Não demos por elas!

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O Orador: - Portanto, nesta perspectiva, o importante é destacar que a publicação dos resultados é fundamental - é um direito dos cidadãos!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Hierarquizados?

O Orador: - Hierarquizados e classificados! Mas, se quiser utilizar o termo ranking, dir-lhe-ei que são rankings múltiplos, leituras múltiplas, para darmos às pessoas o máximo de informação, para que elas possam perceber por que é que há escolas com melhores desempenhos e escolas com piores desempenhos. Nem que seja para responsabilizar o Ministério, mostrando-lhe que, em relação a algumas escolas, tem de investir mais, tem de criar melhores condições físicas, que, relativamente a outras, é preciso apostar, por exemplo, na maior estabilidade do corpo docente…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sempre!

O Orador: - … e que, ainda em relação a outras escolas, é necessário conceder apoios de carácter social, para que os desempenhos possam ser melhores.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir.

O Orador: - Vou acabar, Sr. Presidente.
Mas isto só se consegue se tivermos uma visão multidimensional e o mais abrangente possível.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - De mérito e demérito.

O Orador: - Também, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte, que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, não querendo ferir a susceptível veia democrática do Sr. Deputado António Braga, começo por saudar a vinda do Sr. Ministro a esta Câmara e por felicitá-lo pela proposta de lei que aqui nos traz. E faço-o com uma profunda e uma fortíssima convicção. Todos nós sentimos e fazemos um diagnóstico, que, hoje em dia, é consensual, diria mesmo quase unânime, na sociedade portuguesa, particularmente negativo do estado do nosso sistema de ensino e da forma como preparamos os nossos recursos humanos para os tempos que aí vêm.
Isso, hoje, é-nos claramente dito através de vários estudos, de vários relatórios, de várias comparações, dos vários rankings que, a nível internacional, vão sendo feitos, e é-nos também - empiricamente todos o vamos reconhecendo -, no nosso dia-a-dia, manifestado no contacto que temos, mais próximo ou menos próximo, com a realidade que vai existindo nas nossas escolas e nas nossas instituições de ensino superior.
Perante este diagnóstico consensual, temos duas opções, que poderemos assumir: uma delas é o imobilismo, a estagnação, a resignação ao actual estado das coisas; a outra é a coragem, a vontade política, a acção, o assumir de uma atitude diferente daquela que, infelizmente, tem caracterizado, nos últimos seis anos, a área do sistema de ensino no nosso país. E eu quero saudá-lo vivamente porque sinto, como Deputado mas também como cidadão, que, finalmente, ao fim de tantos anos, o nosso país está claramente a dar passos em frente, no sentido de melhorar o seu sistema de ensino - e podemos observar isto em várias circunstâncias e em várias atitudes. Mas eu gostaria de enaltecer a proposta de lei que hoje aqui nos traz, porque, de facto, a avaliação é o princípio de tudo se nos quisermos manter nesta cultura de rigor, de exigência, de desempenho, de resultados, de preparação para a competitividade e nesta adaptação à sociedade dita de informação em que vivemos, como todos reconhecemos. Porém, se quisermos, como parece que alguns querem, manter a educação numa espécie de ilha, à parte, onde a sociedade de informação não penetra e onde a informação continua a ser classificada, vamos, obviamente, continuar a regredir ou, pelo menos, a permanecer estagnados no panorama global.
Por isso saúdo-o, e faço-o porque estou certo de que, assim, iremos ter o melhor ensino. No entanto, quero deixar-lhe duas questões muito concretas.
Em primeiro lugar, gostava de saber se podemos, com segurança, interpretar que o primeiro objectivo desta avaliação que se pretende para as nossas escolas, para o nosso ensino, para a nossa educação não superior, é um melhor desempenho futuro do nosso sistema de ensino em geral e das nossas escolas em particular.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já não dispõe de tempo.

O Orador: - Em segundo lugar, gostava que me dissesse se o elencar, bem rigoroso, dos parâmetros e dos critérios de avaliação, que consta desta proposta, tem também e finalmente a vantagem de nos preservar contra esses rankings, altamente perigosos e perversos, que, no passado, nomeadamente no ano lectivo passado, vieram à evidência, única e exclusivamente, através da classificação de alguma nota ou de algum exame.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, vamos olhar para este diploma com a tranquilidade com que costumamos fazer as leis no Parlamento, e, em primeiro lugar, devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que pode contar com o Partido Socialista para se chegar a um sistema de avaliação o mais consensual possível.
Concordo consigo quando afirma que a história e a tradição do nosso país não tem, muitas vezes, um suporte de avaliação para a tomada de muitas medidas, o que corresponde a uma certa cultura, que, diga-se com justiça - e não estamos aqui a ter posições eleitoralistas, porque as eleições já tiveram lugar -, foi o Partido Socialista que iniciou, e foi duro e difícil. É bem verdade, e consta, aliás, de inúmeros relatórios que foram publicados. E tenho aqui um, para servir de exemplo, porque, segundo creio, o Sr. Ministro teve uma interpretação injusta sobre o trabalho da Inspecção-Geral de Educação - aliás, Sr. Presidente, para efeitos de ética parlamentar, declaro que sou membro da Inspecção-Geral da Educação. Esta instituição, Sr. Ministro, produziu um trabalho, o primeiro trabalho,

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justamente por impulso do governo socialista, de auditoria às escolas, num esforço tremendo, porque não havia, como o senhor bem sabe, indicadores de comparação…

Protestos do Deputado do PSD Jorge Nuno Sá.

Sr. Deputado, estamos a falar a sério.
Como eu dizia, a Inspecção-Geral da Educação produziu uma auditoria às escolas, num esforço tremendo, porque não havia indicadores de comparação com razoabilidade para se perceber ou ter uma leitura transversal de todo o sistema e das escolas. E este foi um esforço assinalável, que tem sido traduzido em muitos relatórios.
O problema, Sr. Ministro - e esta é a questão central -, é sabermos quais são as consequências da leitura das avaliações, independentemente dos rankings. Temos divergências quanto a saber se o ranking traz ou não benefícios ao sistema educativo, se traz ou não benefícios à escola - eu entendo que não, que não traz qualquer benefício à escola pública especialmente. Porém, não vamos ter esta discussão, vamos, isso sim, saber quais são as consequências da avaliação, do ponto de vista prático, na sua tradução concreta.
O Sr. Ministro deixa-nos algumas pistas na proposta que aqui nos traz, mas há, fundamentalmente, um compromisso político, que tem a ver com o facto de, ao lermos o resultado das avaliações, termos a consciência da necessidade da disponibilização de meios para obviar a que as escolas possam ter um enquadramento negativo quanto às suas circunstâncias. O que pretendemos é que as boas escolas possam continuar a ser boas e, de preferência, melhores, que as suficientes possam melhorar, que as medíocres possam ser boas, possam ultrapassar os seus problemas, e para isso é preciso sabermos quais são, é preciso conhecê-las, para que se possa intervir.
No entanto, não podemos fazer com que isso possa ter uma leitura separatista das escolas relativamente à escolha da população escolar, quanto a um princípio - peço desculpa por estar sempre a lembrá-lo disto - consagrado na Constituição da República Portuguesa. Não podemos descair nesta pretensão, que pode muitas vezes transparecer, ou transparece até no texto desta proposta de lei.
Por isso, Sr. Ministro, com esta disponibilidade da bancada do Partido Socialista para construirmos um sistema de avaliação que se traduza em consequências objectivas relativamente à melhoria do sistema, a questão é saber até que ponto o Governo está disponível para, em sede desta discussão, nos enquadrar das soluções que tem para a escola pública, porque estou preocupado com aquela ideia de querer liquidar o célebre monopólio da escola pública que o Sr. Ministro defendeu. E com este diploma da avaliação, com a tentativa de diminuir as competências da Inspecção-Geral da Educação, parece que o Sr. Ministro ou a sua equipa estarão tentados a entregar a privados a eventual avaliação das escolas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, nas questões que me foram colocadas há dois pontos em comum: avaliação para quê, com que objectivos e com que consequências.
Penso que a pergunta colocada pelo Sr. Deputado Pedro Duarte aponta, desde logo, para a filosofia que está subjacente a esta proposta de lei, que, no fundo, é avaliar para corrigir e, acima de tudo, avaliar para aumentar a qualidade e os melhores desempenhos. Tanto quanto isto e não mais do que isto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O problema que o Sr. Deputado António Braga coloca é, em meu entender, importante, que é saber, não obstante estar consagrado na própria Lei de Bases do Sistema Educativo uma componente de avaliação dentro das competências da Inspecção-Geral da Educação, se deverá ser a Inspecção-Geral da Educação que deverá ter a responsabilidade de avaliação das escolas. Ou seja, se quem tem a competência para inspeccionar, fiscalizar e, de certa forma, em nossa opinião, promover auditoria deve também ter a responsabilidade de avaliar. Este é um problema de filosofia básico, que considero insuperável.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - Não há nenhuma escola que consiga distinguir a atitude inspectiva de uma instituição da atitude ou da posição avaliativa. E esta é a principal crítica que faço, que é da responsabilidade, obviamente, não da Inspecção-Geral da Educação mas de quem lhe deu as orientações políticas para fazer este tipo de avaliação. E não fui eu, Sr. Deputado!

O Sr. António Braga (PS): - Está na Lei de Bases do Sistema Educativo!

O Orador: - Não está só na Lei de Bases do Sistema Educativo, tem a ver com o tipo de avaliação que se faz. E, nessa perspectiva, devo dizer-lhe que a filosofia está inquinada à partida, as respostas que são dadas estão adulteradas à partida. Qualquer bom historiador que perceba um pouco de crítica de fontes percebe que há aqui uma confusão, à partida, de quem dá a informação.
Por outro lado, há algo que também é importante: não se podem fazer avaliações sistemáticas por amostra. É um erro que está tecnicamente demonstrado, e que, na verdade, o projecto de lei do Bloco de Esquerda vem repor, chegando até ao ponto de querer fazer avaliações por amostra simples, nem sequer é estratificada. Fico parvo como é que tecnicamente se pode fazer para o secundário, para o básico, para os 2.º e 3.º ciclos, para as escolas profissionais, para as escolas de ensino recorrente, etc., pura e simplesmente, uma amostra aleatória simples.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Já vamos ver isso!

O Orador: - Fico impressionadíssimo com o nível de conhecimento que, na verdade, se demonstra com este tipo de propostas.
O problema da Inspecção-Geral da Educação já não está na definição da amostra, está, por exemplo, na taxa de não-resposta. A taxa de não-resposta aos inquéritos que foram lançados é elevadíssima e perverte completamente a amostra. É por isso, também, que os resultados são discutíveis.

Protestos do Deputado do PS António Braga.

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Ó Sr. Deputado António Braga, não tem a ver com a Inspecção-Geral da Educação mas com o modelo e com as orientações políticas que lhe foram dadas, e são estas que quero alterar.
Este sistema de avaliação proposto pretende superar as limitações de carácter institucional e de orientação política do que se quer da avaliação. Portanto, Sr. Deputado, nesta perspectiva, não introduza aqui o problema da relação do Ministro com a Inspecção-Geral da Educação - não o faça porque não tem sentido -, porque o problema tem a ver com uma crítica de carácter técnico e de carácter institucional, no sentido de se perceber o que se pode ou não fazer. É tão-só isto.
Quanto à questão da privatização da avaliação, Sr. Deputado, já vi um anúncio, pago por um sindicato, onde se coloca esse problema. Admito que um sindicato, para fazer alguma chicana política ou sindical, possa fazer um grande anúncio e colocar esta questão, mas o Sr. Deputado António Braga…

O Sr. António Braga (PS): - Vai fazê-lo, ou não?

O Orador: - Não! A nova Lei do Orgânica do Ministério da Educação vai criar uma estrutura específica e directamente vocacionada para fazer a avaliação. Aliás, está muito claro na proposta de lei que a estrutura orgânica resulta da confluência entre os serviços do Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação. Por que é que vamos inventar aquilo que não está lá?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Para o Bloco de Esquerda a avaliação é essencial para uma cultura de qualidade, mas não é um fim em si mesmo. A avaliação é um meio.
A avaliação permite que os estabelecimentos de ensino definam com clareza os seus objectivos, os recursos disponíveis e que os resultados se possam compatibilizar com aquilo que se pretende. A avaliação deve ser um processo pluridimensional que induza a participação e, neste aspecto, concordamos com a maior parte dos indicadores definidos na proposta de lei.
De facto, é absolutamente impensável reduzir a avaliação aos resultados escolares dos alunos. Isto é absolutamente perverso, reducionista e linear. Todo o sistema, todas as políticas educativas estão em causa - o funcionamento das escolas, a ligação às comunidades educativas, a ligação ao meio, a relação pedagógica -, o que exige, necessariamente, do ponto de vista técnico e metodológico, eclectismo, que apliquemos inquéritos, sem dúvida, que apliquemos e construamos dados estatísticos, mas exige também a presença no terreno, a observação da relação pedagógica na sala de aula, o trabalho de campo. E isto é absolutamente essencial.
Por outro lado, a avaliação deve ser centrada nos processos, no ensino/aprendizagem, e isto dar-nos-á uma pista para a questão da amostragem, a que me irei referir daqui a pouco.
Parece-nos também que a avaliação interna, tal como propomos, terá de ser obrigatória, induzindo, obviamente, à auto-regulação e à autocorrecção. E deverá ser contínua, deverá decorrer durante todo o ano lectivo. Não há momentos sem avaliação e momentos com avaliação. A avaliação é algo que deve fazer parte da prática corrente, recorrente, rotineira, quotidiana. Deve ser uma rotina, no melhor sentido da palavra.
Propomos que a avaliação seja regulamentada por um conselho nacional de avaliação do ensino não superior, um conselho com ampla participação de múltiplos agentes. Temos dúvidas quanto à questão do Conselho Nacional de Educação. O Conselho Nacional de Educação é um órgão que nos merece todo o respeito, que tem de ser dignificado e cujos pareceres não devem ficar remetidos para a gaveta burocrática. No entanto, também sabemos que é preciso dar meios próprios e que, porventura, este órgão não tem vocação para assumir estas funções.
Por outro lado, não somos contra a transparência; pelo contrário, os resultados devem ser divulgados - a transparência do processo é uma condição indispensável -, mas propomos a divulgação desses resultados de forma a permitir uma apreciação das médias nacionais por direcção regional, o que permitirá também obter um retrato territorial do país que temos no que respeita ao sistema de ensino, e recusamos, obviamente, a classificação, a hierarquização, os rótulos que os rankings vão permitir.
Defendemos ainda algo que nos parece fundamental, que são as medidas de discriminação positiva, que se devem verificar em dois casos: nos casos em que os contextos territoriais são particularmente desfavoráveis às escolas, como, por exemplo, os casos em que os sistemas produtivos locais são de molde a promover o trabalho infantil, ou os casos em que as famílias têm claramente recursos abaixo da média; e nos casos em que nas escolas exista uma percentagem muito significativa de crianças descendentes de pais não portugueses.
Aliás, foi mesmo o Sr. Primeiro-Ministro que referiu, citando dados do Ministério da Educação, que neste momento, nas escolas portuguesas, existem alunos de 93 nacionalidades. Temos de ter em conta esta realidade e potenciá-la, considerando-a um elemento de acréscimo da diversidade; o outro acrescenta-nos, o outro e o diferente trazem-nos sempre algo de novo. Mas é evidente que estes alunos têm dificuldades especiais e, por isso mesmo, as medidas de discriminação positiva justificam-se claramente nestes casos.
Quanto à proposta de lei, concordamos com o princípio da conjugação da avaliação interna e externa e concordamos com boa parte dos critérios e dos indicadores enunciados, mas, já agora, vamos falar da questão da amostragem.
Sr. Ministro, quando nos referimos a uma amostragem simples, ela é ou terá de ser sempre estatisticamente representativa. Quer isto dizer, como é evidente, que na amostra estão reproduzidas as características do universo.

O Sr. Ministro da Educação: - Podem não estar!

O Orador: - Estão! O senhor sabe que há técnicas estatísticas que o permitem. Amostras de 10% permitem-no, por exemplo.
Se o Sr. Ministro quer analisar cerca de 9000 estabelecimentos de ensino - ou seja, o universo -, não vai ter recursos financeiros para o conseguir, ou, então, reduz a avaliação meramente à questão dos resultados escolares, ou a um inqueritozinho, que se distribui pelas escolas. O senhor

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não tem, e sabe disso, recursos humanos suficientes para fazer uma avaliação em relação a todo o universo.
Quando falamos de amostragem, falamos, obviamente, de uma amostragem que seja suficientemente ampla para ser estatisticamente representativa, o que quer dizer que o universo e as suas características serão respeitadas.
Permita-me também que lhe refira aquilo que nos parece ser uma grave lacuna deste diploma e que tem a ver com aquilo que há pouco referi sobre as questões da discriminação positiva. Sr. Ministro, onde estão os planos de requalificação, de que tanto falou em sede de comissão, no Programa do Governo? Por que é que eles não estão aqui previstos?

O Sr. Ministro da Educação: - Estão!

O Orador: - Não estão!

O Sr. Ministro da Educação: - Estão!

O Orador: - Estão vagamente na exposição de motivos. Mas diga-nos onde estão os programas de requalificação? O que pretende fazer para melhorar a qualidade das escolas que obtêm fracos resultados? Porque, como o Sr. Ministro bem sabe, na questão que aqui se coloca, avaliar é uma exigência, dotar a escola de bons equipamentos, de um corpo profissional estável, de um clima de participação alargado é essencial. Porém, não permitir às escolas ultrapassar as situações deficitárias em que se encontram é condená-las a uma espécie de inferno, onde vão permanecer durante muito tempo.
Nós não queremos escolas no limbo ou no inferno. Queremos - isso, sim, Sr. Ministro! - que todas as escolas tenham possibilidade de obter os melhores resultados. A questão está em aceder ao que de melhor existe e não, obviamente, em rotular, em estigmatizar, em classificar, porque, como o Sr. Ministro sabe, quem classifica, classifica-se. E o que acontece muitas vezes é que as classificações feitas desta forma, feitas por ranking, acabam por dizer muito mais acerca da filosofia de quem classifica do que propriamente acerca dos classificados.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Sérgio Vieira, quero apenas lembrar a Câmara de que, como é entendimento dos diversos grupos parlamentares, ainda hoje iremos proceder à votação, quando retomarmos a sua apreciação, do Decreto n.º 3/IX, da Assembleia da República, que foi objecto de veto por parte do Sr. Presidente da República.
Deixo este alerta, conforme me foi solicitado por mais do que um grupo parlamentar, para que se garante o quórum de votação e, obviamente, no interesse de cada partido, a presença dos respectivos Deputados.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: O XV Governo Constitucional tem pela frente a árdua tarefa de equilibrar as contas públicas, relançar a economia e implementar as reformas que o País necessita e exige.
Os primeiros passos do Governo de coligação PSD/CDS-PP têm demonstrado, nomeadamente na área educativa, um impulso reformista de que Portugal tanto carecia para alcançar os níveis de desenvolvimento que nos retirem da cauda da Europa.
É hoje claro que, em Portugal, com este Governo, existe uma nova atitude política e uma outra prática de governação.
Uma nova atitude política que rompeu com o conformismo, a resignação e até o laxismo que caracterizou o anterior governo socialista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Uma prática de governação de acção face aos problemas que o País enfrenta, em contraste com o anterior governo que pautava a sua actuação somente pela reacção.
Assim, com o claro objectivo, plasmado no Programa do Governo, de ganhar o desafio da educação e da formação dos portugueses, tivemos já oportunidade de debater, por iniciativa do Governo, o regime jurídico do desenvolvimento e qualidade do ensino superior e o estatuto do aluno do ensino não superior.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: O XV Governo Constitucional, através do Ministério da Educação, traz hoje ao Parlamento a sua proposta de lei que aprova o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior.
O Governo tornou claro o desígnio estratégico de apostar decisivamente na qualificação dos portugueses, e, para alcançar este desígnio, é fundamental aumentar os níveis de exigência e responsabilidade do sistema educativo.
Ganhar o desafio da educação, da formação e qualificação dos portugueses exige assumir uma cultura de avaliação global e continuada do nosso sistema educativo, envolvendo todos os agentes que nele participam: escolas, professores, alunos, funcionários e também outras entidades.
O grande desafio que se coloca ao nosso sistema de ensino é o desafio da qualidade, e a proposta de lei que hoje debatemos demonstra claramente, o que merece o nosso apoio e aplauso, aquele que é o entendimento do Ministério da Educação: a qualidade do nosso sistema educativo exige avaliação transparente e sistemática.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Permitam-me, no entanto, Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação e Sr.as e Srs. Deputados, que, antes de entrar na apreciação dos propósitos e medidas preconizadas na proposta de lei, que hoje discutimos, sublinhe duas questões que o Grupo Parlamentar do PSD considera muito relevantes.
Em primeiro lugar, importa sublinhar que a proposta de lei que aprova o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior é o primeiro diploma que enquadra o processo de avaliação no nosso sistema educativo.
De facto, desde 1986, ano da aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, é a primeira vez que o Ministério da Educação desenvolve o regime previsto nessa lei, determinando o processo de avaliação da educação e do ensino não superior.
Face à ausência de um modelo organizado de avaliação do sistema educativo, esta proposta de lei é um sinal claro, e muito importante, por parte do Ministério da Educação, sobre a relevância que atribui à necessidade de Portugal assumir definitivamente uma cultura de avaliação global e continuada do sistema.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, importa também sublinhar o facto de o Ministério da Educação, sobre a questão da avaliação, legislar a sua política em forma de proposta de lei, convocando-nos a todos para a sua discussão e apreciação.
É uma iniciativa que, em nosso entender, deve merecer o aplauso de todo o Parlamento, porque traduz o significado nacional que o Ministério da Educação atribui a esta matéria, porque possibilita uma ampla discussão sobre a questão da avaliação e, também, porque valoriza o papel da Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei convoca o País para a necessidade de uma forte aposta na avaliação, qualitativa e quantitativa, do sistema educativo não superior.
Orientar as actuações pedagógicas, promover a excelência, distinguir as boas práticas e identificar os seus melhores termos de referência são os objectivos da avaliação transparente e sistemática que, agora, o Governo nos propõe. Um sistema de avaliação que se perspectiva de forma dinâmica e que pretende aprofundar o sentido de responsabilidade e o compromisso dos agentes educativos perante a escola, a sociedade e o País é o espírito da lei que nos é proposta pelo Ministério da Educação.
Um processo de avaliação que melhore a gestão do sistema, a eficiência da sua organização e funcionamento, a eficácia na obtenção dos resultados, respeitando e aprofundando a autonomia das escolas, mas exigindo uma maior responsabilização, são desideratos claramente plasmados na proposta de lei que hoje discutimos e que merecem o apoio claro e inequívoco do Grupo Parlamentar do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: Está o Governo e, sobretudo, o Ministério da Educação, de parabéns.
O processo de avaliação da educação e do ensino não superior, tal como nos é proposto pelo Governo, é um instrumento insubstituível de apoio à formulação e ao desenvolvimento das políticas de educação e formação. É um elemento que, como tão claramente traduz a exposição de motivos e o articulado da proposta de lei, melhora o sistema educativo, desenvolve a autonomia, incrementa a eficiência e a eficácia do funcionamento da administração e gestão das escolas e incentiva a participação e a colaboração entre os principais actores educativos.
Não poderia também, sobretudo, deixar de sublinhar que, mais do que uma análise de diagnóstico, o que o Ministério de Educação nos propõe, em termos de avaliação, é a identificação de caminhos e estratégias de correcção das anomalias detectadas e afectação mais eficaz dos recursos necessários.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: Para além de uma palavra de felicitação, importa também, neste momento, deixar uma palavra de incentivo ao Sr. Ministro da Educação.
Uma palavra de incentivo para a aplicação de um processo de avaliação da educação e do ensino não superior que seja transparente, sistemático e dinâmico. Uma avaliação que tenha consequências e cujos resultados não sejam escondidos dos agentes educativos e do público em geral.
Uma palavra de incentivo, sobretudo, para que prossiga esta mudança qualificadora do nosso sistema educativo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Benavente.

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Centra-se este debate na proposta de lei sobre «o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior».
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: o senhor é o «ministro não Pedro Lynce»? É o «ministro que não é do ensino superior»? O senhor tem nome, é o Ministro David Justino. Também a educação básica e o ensino secundário têm nome e identidade e não podem ser designados pelo que não são. Considero isto lamentável, Sr. Ministro, tanto mais que esta designação de inferioridade se repete ao longo do texto, tem sido repetida pelas bancadas que o apoiam e não augura nada de bom quanto ao rigor que os senhores tanto apregoam.

Aplausos do PS.

Quanto à avaliação das escolas, quero repetir que somos a favor de uma cultura de avaliação. Caso contrário, não teríamos consolidado os exames nacionais, não teríamos criado o Gabinete de Avaliação Educacional, não teríamos lançado as provas aferidas para todos os alunos do ensino básico, nem se teria iniciado o trabalho da Inspecção-Geral da Educação.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Aliás, actualmente, há 700 escolas que são objecto deste trabalho que, progressivamente, tenderia a abranger a totalidade das escolas, como o Sr. Ministro sabe.
A propósito, Sr. Ministro, não humilhe os profissionais do Ministério da Educação.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Tem-no feito aos responsáveis que, por vezes, de um dia para o outro, são informados de que têm de abandonar as respectivas funções. Fê-lo agora relativamente à Inspecção-Geral da Educação, ao anunciar, com alarde, que não concorda com o trabalho de avaliação que por ela é conduzido e que nem sequer o entende.
Como acha que se sente um profissional criticado na praça pública pelo responsável máximo do Ministério da Educação? Não é sério! Não é leal, não cria relações de confiança e hipoteca o trabalho em curso, aliás, num momento de grande visibilidade internacional do mesmo.

Aplausos do PS.

Sr. Ministro, gostava de perguntar-lhe se a Inspecção-Geral da Educação vai parar a avaliação que está a conduzir.

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Gostava que me respondesse, porque os Deputados da bancada do seu partido não permitiram que pudéssemos reunir consigo em sede de comissão ainda no presente ano lectivo.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Têm medo da resposta do Sr. Ministro! Não sei porquê!

A Oradora: - Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta do Governo não é uma proposta de lei, é uma mistura de repetições do que já se faz, de intenções vagas, de regulamentos incompletos e de silêncios inexplicáveis.
O Conselho Nacional de Educação tem, entre outras, as competências pelo acompanhamento e a elaboração de pareceres sobre a avaliação e pode criar, como, aliás, já fez, as comissões especializadas que entender. Para quê repeti-lo?
A avaliação das escolas actualmente em curso é interna e externa, pedagógica e administrativa, a tal avaliação integrada com a qual o Sr. Ministro diz não concordar, mas é tal qual o que se lê nos artigos 6.º e 8.º.
Quanto às intenções, diz o diploma que a avaliação terá carácter continuado e permanente - muito bem! - e será obrigatória para todas as escolas. Pergunto-lhe: para todas ao mesmo tempo? São mais de 17 000 escolas, Sr. Ministro, se contarmos com as do 1.º ciclo!
Actualmente, a inspecção corresponde a uma parte importante do trabalho de mais de 300 inspectores relativamente a cerca de 700 escolas. Quem vai fazer a avaliação externa de todas as escolas, todos os anos? Quem e com que formação? E quanto custa tal processo, Sr. Ministro? Já fez as contas?

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Certamente!

Vozes do PS: - Não!

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Quem não fazia as contas eram vocês!

A Oradora: - Aliás, é curioso verificar que não se diz quais são os serviços do Ministério envolvidos neste trabalho de avaliação. Nunca aparece uma referência ao Gabinete de Avaliação Educacional que, actualmente, é responsável por toda a avaliação externa dos alunos. O Gabinete de Avaliação Educacional, que tinha a função de ensaiar e testar novas metodologias para serem alargadas a todas as escolas, tem a sua extinção anunciada.
O Departamento de Avaliação, Prospectiva e Planeamento, responsável pela prospecção, parece que vai desaparecer.
A inspecção, o único serviço referido, é, pelo Sr. Ministro, «arrastado pelas ruas da amargura».
Assim, pergunto-lhe: quais são, então, os serviços do Ministério responsáveis pela avaliação das escolas?
Mais importante ainda: quem os coordena e como se coordenam?
Quem manda, Sr. Ministro? Quem assegura a credibilidade do modelo de avaliação? Quem garante a coerência do processo e a comparabilidade nacional e internacional?
Nada se diz sobre a operacionalização destas intenções e destes propósitos.
Quem assegura a relevância científica e a utilidade pedagógica dos critérios a utilizar? Que significado terão para a Administração e para a política?
A leitura da proposta nada nos diz sobre estes aspectos, decisivos para que se passe das intenções à prática.
No artigo 11,º, lê-se que a estrutura orgânica do sistema de avaliação integra o Conselho Nacional de Educação e os serviços do Ministério que têm competência nesta área. Não sabemos quais serão. Diz-se ainda, na proposta de lei, que ao Conselho Nacional de Educação cabe acompanhar e produzir pareceres e recomendações, mas não tem a tutela sobre os serviços do Ministério.
O Sr. Ministro acabou de anunciar que vai criar uma nova estrutura. Afinal, quer extinguir serviços não para simplificar o Ministério mas para criar outros serviços. Era bom que o Sr. Ministro nos dissesse hoje que competências vão ter esses novos serviços e como vão ser constituídos.
Quanto ao conteúdo desta avaliação interna e externa, os parâmetros e critérios são apresentados de modo avulso, quando, em organizações internacionais, tais como a OCDE, que o Sr. Ministro tanto gosta de referir, há indicadores claros para a avaliação das escolas, indicadores de contexto, de recursos, como, por exemplo, a despesa por aluno, indicadores de processo na escola e na aula, como o ensino estruturado, as oportunidades de aprendizagem, avaliação frequente, etc., indicadores de resultados, incluindo, por exemplo, o estatuto socioeconómico dos alunos.
No entanto, não são esses os indicadores que encontramos na proposta de diploma. Na mesma refere-se, entre outros, adopção de manuais, grau de concretização do projecto educativo, etc.
Sr. Ministro, melhore as suas assessorias para que, ao menos, os indicadores que refere sejam pertinentes e adequados e olhe para os recursos que tem no próprio Ministério, não os desbarate.
Não posso terminar sem referir alguns silêncios inexplicáveis.
Sr. Ministro, não é dita uma palavra sobre a avaliação dos professores. Porquê? Serão as corporações…?
Qualquer avaliação tem três pólos - escolas, alunos, professores - e as políticas educativas têm de centrar-se nos três. Aqui, só temos as escolas e os alunos.
Por outro lado, a palavra ranking nunca aparece neste texto, depois de o Sr. Ministro tanto defender os rankings nesta Assembleia. Ainda bem que não aparece, mas gostava de saber porquê, tanto mais quanto o Sr. Ministro acabou de explicar que, afinal, continua nas suas intenções uma hierarquização dos resultados.
Sr. Ministro «do ensino não superior», perdeu uma boa ocasião de elaborar uma lei-quadro da qualidade e da avaliação. É esse caminho que, actualmente, se percorre na Europa, pois a avaliação só ganha pleno sentido quando se define o seu papel na construção da qualidade. Não queira impor às escolas tantas tarefas de avaliação desconexas que fiquem sem tempo para ensinar.
Já que nos apresenta esta proposta de lei, diga-nos, Sr. Ministro, quando teremos os resultados desta avaliação de todas as escolas e o que fará com os mesmos.
As propostas concretas que, segundo o artigo 14.º, devem resultar deste trabalho terão que estatuto? Quem se compromete com a sua concretização?
Em suma, ficamos sem saber o que é esta avaliação, como vai ser feita, por quem e quais as suas consequências. Na pior tradição política, anuncia-se um terramoto, desfazendo o que já se fazia, tal Penélope sem Ulisses.

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Uma lei-quadro da avaliação? Sem dúvida! Somos a favor, mas ainda há muito trabalho a fazer para chegarmos a uma proposta útil e credível. Estamos disponíveis para, na Assembleia da República, dar o nosso contributo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira, dispondo de 3 minutos.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Benavente, permita-me que comece por tentar dar uma explicação a V. Ex.ª sobre alguns nomes que invocou.
«Pedro Lynce» significa «Ministro da Ciência e do Ensino Superior»,…

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - … que, em três meses de governação, já trouxe a esta Assembleia um diploma estrutural e estruturante sobre a qualidade e o desenvolvimento do ensino superior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - «David Justino» significa «Ministro da Educação», que, hoje, nos trouxe uma proposta de lei do estatuto do ensino não superior e traz-nos, agora, uma reforma estrutural sobre a avaliação do nosso sistema de ensino.
Julgo que fica um pouco mais esclarecida, Sr.ª Deputada.
Mas permita-me, ainda, um outro esclarecimento: V. Ex.ª teve oportunidade de dizer, na sua intervenção, que o PSD tinha inviabilizado a vinda do Sr. Ministro da Educação à Comissão. Ora, com certeza que inviabilizámos a presença do Sr. Ministro para vir discutir uma matéria que já tínhamos discutido com o mesmo em sede de Comissão de Educação e em Plenário.

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - Não senhor!

O Orador: - Aliás, como sempre, fizeram essa proposta a reboque de uma iniciativa do Bloco de Esquerda, já apresentada um mês antes.

Aplausos do PSD.

Sr.ª Deputada Ana Benavente, já compreendemos que a questão da avaliação não é uma questão estrutural e fundamental para o Partido Socialista…

Vozes do PS: - É, é!

O Orador: - Gostaria de saber como é que V. Ex.ª pergunta ao Sr. Ministro da Educação se fez contas. «Se fez contas»?! V. Ex.ª, que integra o Partido Socialista cujo governo deixou um défice de 56 milhões de contos no Ministério da Educação, pergunta ao Sr. Ministro da Educação se fez contas?!...
VV. Ex.as, que aprovaram uma revisão curricular em que não existe um único estudo de impacte financeiro, como é que podem perguntar ao Sr. Ministro da Educação se fez contas?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Benavente.

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Vieira, a Lei de Bases do Sistema Educativo nomeia cada grau de ensino com uma designação correcta, rigorosa, que é a que devemos utilizar.
Digo-lhe até que, para quem trabalha na educação há muitos anos, é chocante que a educação pré-escolar, que é a primeira etapa da educação básica, e o ensino secundário sejam sistematicamente definidos como «ensino não superior». É uma espécie de complexo de inferioridade, de definição pela negativa…

Protestos do PSD.

Por isso, naturalmente, perguntei ao Sr. Ministro, com ironia, se era o «ministro não Pedro Lynce», pessoa que conheço perfeitamente.
Em segundo lugar, tivemos ocasião de dizer que, para o PSD, é mais confortável tornar a dizer que a avaliação não é importante para o PS. Ora, para o PS, a avaliação é fundamental. Nunca houve tanta avaliação no sistema educativo português como com o governo do Partido Socialista.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Exactamente!

A Oradora: - Exames no ensino secundário, Gabinete de Avaliação Educacional, provas aferidas, avaliação integrada que nunca tinha sido feita…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Para nada!

A Oradora: - Não é «para nada»! É «para nada» se, agora, os senhores derem cabo dela, pois o caminho está iniciado.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Aliás, tanto quanto podemos avaliar, os exames no ensino secundário e o Gabinete de Avaliação Educacional vão continuar.
Quanto à questão de o Sr. Ministro não ter vindo à Comissão, espero que o Sr. Deputado tenha alguma má consciência. É que a vinda do Sr. Ministro foi reiteradamente proposta em sede da Comissão, tendo sido dito, inclusive, que o fim do ano lectivo é um momento muito importante para se proceder à clarificação das medidas políticas que vinham a ser tomadas e referir a questão da reorganização curricular do ensino básico, sobre a qual não temos qualquer notícia, mas os senhores, sistematicamente, recusaram a vinda do Sr. Ministro, tanto perante solicitações do Bloco de Esquerda como do Partido Socialista.
Assim, quero agradecer ao Sr. Ministro a disponibilidade que hoje manifestou para vir à Comissão sempre que entendermos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: A proposta de

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lei que, de forma apressada, o Governo e os grupos parlamentares que o sustentam agendaram para hoje poderia e deveria, em nossa opinião, ter resultado de uma ampla e participada reflexão, mas o pragmatismo governamental do «encerra» e do «extingue» e depois se verá não o permitiu.
O Governo diz pretender, com esta iniciativa, criar um sistema de avaliação da educação e do ensino não superior.
É um objectivo legítimo, necessário e enquadrado legalmente no texto da Lei de Bases do Sistema Educativo, que, no seu artigo 40º, determina que o sistema deve ser objecto de avaliação continuada e deve ter em conta os aspectos educativos e pedagógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e ainda os de natureza político-administrativa e cultural. Mas acrescenta que esta avaliação «incide, em especial, sobre o desenvolvimento, regulamentação e aplicação» da Lei de Bases do Sistema Educativo.
E se o objectivo é legítimo e necessário, a sustentação e a concretização ao nível do texto que o Sr. Ministro apresenta à Assembleia da República não o é. E não o é porque o Sr. Ministro e o seu Governo pretendem convencer o País e, particularmente, a comunidade educativa de que os males do sistema e os maus resultados da formação e da qualificação da população portuguesa resultam da inexistência de um sistema de avaliação, como um fim em si mesmo, de matriz punitiva e cujo objectivo final é a medalha de mérito ou demérito das listas classificativas.
E é esta leitura finalística da avaliação que permite ao Governo afirmar, na Exposição de motivos, que a ausência ou a presença de um modelo de avaliação é factor exclusivo e determinante na qualidade da organização, do funcionamento e das aprendizagens do sistema, sustentando que o aumento da despesa pública nesta área tem sido desperdiçado porque não se classificam em bons, suficientes ou maus, as escolas, os professores, os alunos, os funcionários e os pais e encarregados de educação.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: O conteúdo da Lei de Bases do Sistema Educativo é claro. A avaliação deve ser feita, deve ser continuada, deve abranger todas as áreas do sistema e tem como objectivo fulcral, prioritário e indispensável a aplicação e o aprofundamento das matérias enunciadas na lei matricial do sistema educativo.
E isto quer dizer que as avaliações interna e externa das instituições devem ser feitas para viabilizar um melhor conhecimento da realidade e, por isso, permitir corrigir e aperfeiçoar essa mesma realidade.
Estes dois tipos de avaliação devem ter um carácter complementar, dando corpo a uma avaliação institucional que contribua para a melhoria da qualidade de todas as escolas, de modo formativo e cooperativo, sem recurso a processos de seriação e de classificação, que só podem conduzir a climas de antagonismo e crispação entre os elementos que compõem a comunidade educativa.
Muitos têm sido os processos de avaliação, uns mais independentes do que outros, mas as conclusões são, fundamentalmente, as mesmas. São conhecidas as insuficiências e as necessidades. É urgente uma escola com mais qualidade, mais democrática, mais inclusiva e mais solidária e este objectivo, Sr. Ministro, não se concretiza com esta proposta de lei.
Esta proposta de lei avalia para classificar; avalia para publicitar; avalia para premiar os melhores; avalia para identificar e estigmatizar os mais fracos; avalia para desresponsabilizar a administração central e o Governo; e avalia para responsabilizar as escolas, os professores, os alunos, os pais e encarregados de educação e os funcionários por um financiamento insuficiente face às necessidades, por um corpo docente contratado, que constitui resposta permanente de trabalho, por um quadro de pessoal reduzido e precário que não pode garantir o funcionamento das instituições, pela ausência de infra-estruturas e recursos humanos capazes de responder socialmente às crianças e aos jovens que frequentam as nossas escolas, pela ausência de medidas de combate ao abandono e insucesso escolares, e pela ausência de materiais e equipamentos adequados ao cumprimento dos projectos educativos.
Isto não é um processo pedagógico, Sr. Ministro, não é um processo formativo, não é um processo solidário, não é um processo democrático.
Um processo de avaliação tem de ter consequências. Devemos saber porque e para quê estamos a avaliar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Devemos saber porquê e para quê estamos a ser avaliados.
O Governo já apresentou os seus motivos: propõe este sistema de avaliação para, em primeiro lugar, informar publicamente o País de quais as instituições e as comunidades educativas que são responsáveis pelo estado a que isto chegou e, em segundo lugar, se eximir das suas responsabilidades e da avaliação das suas políticas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não é este o caminho, na nossa opinião. A avaliação tem de ter consequências na qualidade do sistema, tem de servir para detectar lacunas e, num momento seguinte, para traçar estratégicas que permitam a sua superação.
Uma avaliação séria não admite exclusivamente grelhas universais, regras uniformizadoras ou interesses e lógicas de mercado, criando climas de concorrência e reforçando as assimetrias existentes. Uma avaliação séria não pode ser um uniforme que sirva a tudo e a todos. Uma avaliação séria não pode sustentar-se em análises redutoras e simplistas. Uma avaliação séria não pode apostar na governamentalização e dificultar a autonomia e a independência do processo, desvalorizando exactamente um organismo que, de acordo com a Lei de Bases, «goza de autonomia (…) e tem como função avaliar e fiscalizar a realização da educação escolar (…)».
Uma avaliação autónoma e independente não pode confinar-se ao carácter consultivo do Conselho Nacional de Educação, remetendo o fundamental das informações e decisões para o Governo, particularmente para a tutela, entidades cujo carácter de omnisciência dispensa qualquer cooperação.
Mas é exactamente este processo que o Governo propõe. E se conjugarmos este propósito com a «adopção de exames nacionais como condição de acesso ao nível imediatamente superior e ainda o desenvolvimento do sistema de avaliação aferida em cada um dos ciclos do ensino básico visando a sua integração no sistema de avaliação regular», consoante consta do Programa do Governo, ficamos com um quadro esclarecedor.

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Pretende-se um sistema educativo que sobrevalorize a instrução em detrimento da educação. E por isso não se pretende um processo de avaliação que recolha informações, para melhor conhecer, diagnosticar e permitir orientações, opções e práticas políticas operativas e discriminativas em favor das escolas e das comunidades educativas mais carenciadas. Pretende-se, sim, um ranking público e prometem-se penitências, mas só de alguns.
Naturalmente, por esta razão, o Sr. Ministro maltratou e descredibilizou o trabalho realizado pela Inspecção-Geral da Educação, organismo que tutela, acusando os Srs. Inspectores de terem formulado uma avaliação «a martelo».
Talvez porque os Srs. Inspectores, atentos ao processo de avaliação em curso, chamaram a atenção do governo do Partido Socialista e, agora, do PSD para o perigo do estabelecimento de rankings que transformariam as escolas, e particularmente os professores, em bodes expiatórios de situações cuja solução está, no essencial, fora do seu alcance e das suas competências, desviando a atenção do País dos principais responsáveis pelos dramas do nosso sistema educativo: o Ministério da Educação, quer a nível central quer a regional.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A avaliação do serviço público de educação é necessária para garantir a qualidade do serviço prestado.
A identificação dos constrangimentos do sistema educativo e das escolas é condição necessária e suficiente para obrigar o Governo (este ou outro) à concretização de medidas compensatórias, indispensáveis à concretização dos princípios constitucionais de uma educação pública, gratuita e de qualidade, que garanta a todos a igualdade de oportunidades.
Mas estes princípios, Sr. Ministro e Srs. Deputados da maioria, não estão salvaguardados na proposta de lei que o Governo aqui trouxe hoje para discussão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo nos traz hoje aqui sobre o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior resulta da execução de um compromisso do Programa do Governo, que é assumido, desde logo, na Exposição de motivos desta mesma proposta e que é uma aposta decisiva na qualificação dos portugueses, como desígnio estratégico nacional. E, para apostarmos decisivamente na qualificação dos portugueses, temos de saber, antes de mais, como funciona e qual é a qualidade ou a ausência dela no sistema que exactamente os pode qualificar ou não. E, para termos uma noção clara, obviamente que essa avaliação tem de ser tão profunda quanto possível.
Ora, esta proposta de lei contém uma série de pressupostos que, a nosso ver, fazem com que esta avaliação vá no caminho certo.

O Sr. António Filipe (PCP): - É uma enormidade!

O Orador: - O primeiro, que ainda ninguém aqui referiu, é que esta avaliação é qualitativa e quantitativa, ou seja, não é uma mera expressão de resultados, não é uma mera quantificação, mas é também qualitativa. Este pormenor, no qual, se calhar, os Srs. Deputados fizeram por não reparar na proposta de lei, é para nós muito significativo e distingue aquilo que é uma avaliação sem ponderação daquilo que é uma avaliação ponderada e muito mais séria.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Esta avaliação é, assim, qualitativa e quantitativa, porque pretende que se criem orientações pedagógicas para promover a excelência. Ou seja, é indicado na proposta de lei qual é o objectivo e qual é a consequência desta avaliação. Ao contrário do que alguns Srs. Deputados aqui disseram, esta não é uma avaliação que sirva, única e exclusivamente, para o Sr. Ministro ter na parede do seu gabinete uma classificação de escolas como um treinador de futebol teria provavelmente a classificação do campeonato em que participasse a sua equipa. Esta é uma avaliação que tem consequência, a qual está claramente assumida na proposta de lei.
Por outro lado, quanto à questão da autonomia, obviamente que à autonomia têm de corresponder critérios de responsabilidade. É que se a autonomia for atribuída às escolas sem haver uma exigência de responsabilidade, essa autonomia perde toda a razão de ser. A autonomia serve para que as escolas sirvam melhor aqueles que estão a servir. Por isso, se a autonomia é dada sem critérios de responsabilidade e de exigência, obviamente que esse afastamento vai servir não para que a educação seja melhor mas para que seja necessariamente pior.
Ainda em relação ao sistema, a divulgação de resultados é, para nós, fundamental. E é fundamental porque entendemos que fazer uma avaliação e, depois, esconder os resultados é contrariar, desde logo, um princípio de transparência que achamos que, nesta matéria, deve sempre existir.
Em relação à palavra provavelmente mais vezes referida neste debate, mas que, como já alguém disse, e bem, não é referida na própria proposta de lei, o dito ranking, gostaria de dizer que ela não é referida na proposta de lei, e bem, porque, como disse aqui uma vez o ex-Deputado Rosado Fernandes, ranking é uma palavra estrangeira e nós temos no nosso léxico palavras idênticas que exprimem exactamente a mesma realidade, como é o caso de «classificação»…

O Sr. António Braga (PS): - Seriação!

O Orador: - … ou de «seriação», por exemplo. Porém, não foi a proposta de lei que falou de ranking; foram os Srs. Deputados os primeiros a dar o mau exemplo, em termos de educação, ao utilizarem repetidamente uma expressão que, do ponto de vista da língua portuguesa, não é necessariamente a mais feliz.
Por outro lado, quero salientar a preocupação que o Ministério da Educação manifesta na colaboração e na troca de informações com instituições internacionais, como a União Europeia, a OCDE, a UNESCO ou o Banco Mundial. Isto para, de uma vez por todas, deixarmos de, em muitas matérias e talvez por vergonha, «meter a cabeça na areia» e não partilharmos estas mesmas experiências, não partilharmos resultados e modelos.

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No entendimento da bancada do CDS-PP, o objectivo fundamental de um projecto deste género deve ser o de credibilizar o ensino, em Portugal. E para credibilizar o ensino em Portugal é fundamental que haja uma cultura de responsabilidade, a qual, por sua vez, tem de ser implementada e avaliada, para que se consiga, ao longo de todo o percurso, corrigir os eventuais desvios e as eventuais falhas que ocorram nesse mesmo objectivo fundamental.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de dizer que pior do que estar, como infelizmente já estamos muitas vezes, na cauda das estatísticas, é nem sequer termos dados para figurar nelas e nem sequer sabermos qual é a nossa realidade.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo traz hoje para discussão nesta Câmara uma proposta de lei sobre o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior.
Gostaria, em primeiro lugar, de desfazer um equívoco que, aliás, o Sr. Ministro, em resposta a alguns pedidos de esclarecimento, teimou em construir, dizendo que a esquerda é contrária à avaliação. Assim, quero salientar que, para Os Verdes, a avaliação é um auxiliar importante, do ponto de vista daquilo que em nosso entendimento a escola deve ser: um espaço de qualidade e de igualdade de oportunidades, em que todos devem ser responsáveis e, nessa exacta medida, sujeitos à avaliação. E quando dizemos todos, dizemos todos, o que significa que os professores, eles próprios, têm de ser avaliados.
Porém, a verdade e aquilo que seguramente não merece, pelo menos da nossa parte, aceitação e concordância é o facto de estarmos perante uma avaliação que não é entendida como um diagnóstico, como um instrumento de transformação, como um mecanismo que permita identificar fragilidades, que permita fazer um retrato exacto de uma realidade - significando que esse retrato obriga a olhar para além das fachadas e, portanto, não pode ter padrões iguais para realidades que são distintas - que para nós só faz sentido, não para ser utilizado como um instrumento de diferenciação mas como um instrumento de trabalho, de correcção, para que o Governo assuma as suas próprias responsabilidades no sentido de corrigir as fragilidades que identifique.
Ora, a verdade é que a avaliação de que estamos a falar, os parâmetros que analisa, por um lado, ignoram os diferentes contextos em que os estabelecimentos de ensino se movem e, por outro lado, não têm como objectivo preciso, pelo menos não têm como objectivo enunciado na proposta que nos foi dada para discutir e apreciar, qualquer preocupação no sentido de correcção. Ou seja: o Governo limita-se a fazer a «sua avaliação», no fundo é o ranking, publica-o, distancia-se e aí encerra o seu papel no sentido em que esta avaliação tal como é proposta, do nosso ponto de vista, vai traduzir-se.
Isto porque a nossa originalidade não é tamanha que não incorramos nos mesmos perigos que outros, aliás, já testaram, e dos quais se distanciaram, de apartheid social, de uma segregação... No fundo, aquilo que nós iremos ter é uma carta ou uma nova geografia da mediocridade neste caso democrática, porque publicada nesse exacto sentido. Mas só isso na medida em que ela não tem como propósito último aquilo que deveria ter, isto é, correcções, introdução de mecanismos que propiciassem a todos por igual, na sua desigualdade, condições para sucesso e para que a escola cumpra a função que, do ponto de vista constitucional, tem, a que está obrigada e que, do nosso ponto de vista, não deve ser dispensada.
Aliás, será, porventura, antecipar o cenário futuro, mas é previsível que essa publicação de resultados da avaliação conduza àquilo que de uma forma discreta, mas sub-repetícia, tem estado presente em muitos outros actos de decisão do actual Governo, nomeadamente em relação ao encerramento, ao abandono, porque é disso que se trata, do ensino recorrente e, de algum modo, deixar a porta aberta e o convite implícito para que os alunos sejam obrigados, por ausência de alternativas, a recorrer ao ensino privado, que, aliás, o Estado continua a financiar.
Por isso, para nós, esta não é uma boa proposta e este não é, seguramente, o caminho para corrigir aquilo que tem de ser corrigido e para solucionar um problema que julgo que manifestamente todos reconhecemos que existe. Mas não é esta a solução nos termos em que é preconizada.

O Sr. Presidente: - Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação, que beneficia de cedência de tempo, por parte do PSD.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, quero aproveitar para responder a algumas das questões que foram levantadas... De resto, penso que nas intervenções foram pedidos mais esclarecimentos do que propriamente durante os pedidos de esclarecimento, aliás a Sr.ª Deputada Ana Benavente podia ter aproveitado os três minutos a que tem direito para pedir esclarecimentos sobre a proposta e não o fez, utilizou-os para uma intervenção e, por isso, é que eu tenho de intervir agora e utilizar todo este tempo de forma a responder objectivamente a isso.
Passo a responder directamente às dúvidas e às questões levantadas pela Sr.ª Deputada Ana Benavente. A Sr.ª Deputada fez duas ou três referências que eu penso que são marginais, mas que não deixam de ser importantes. A primeira pergunta que colocou foi se eu fiz contas relativamente ao custo da avaliação e a segunda onde é que estão os meus assessores para me poderem fornecer informação nomeadamente da OCDE, informação essa de que eu deveria dispor.
Devo dizer-lhe que a especialista na OCDE é V.ª Ex.ª. Assim sendo, estou a aguardar o relatório da última reunião em que V. Ex.ª participou para dispor da informação necessária para poder pensar e reflectir precisamente sobre estas questões...!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Devo igualmente dizer-lhe que os meus assessores, em quem eu tenho uma grande confiança, são em número reduzido face à dimensão, por exemplo, que tinha em número de assessores e de adjuntos o seu gabinete na altura em que era Secretária de Estado.

Aplausos do PSD.

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E isto por uma razão muito simples: é porque quando eu entrei para o Governo a estimativa relativamente ao défice do orçamento do meu gabinete já era negativa.
Portanto, como é natural, tive de sacrificar em número de assessores, mas pode ter a certeza de que são poucos, mas muito bons, aqueles que estão a trabalhar comigo!

Aplausos do PSD:

Relativamente a «fazer contas», fi-las e basta olhar para os custos que a chamada avaliação integrada apresentou. Na verdade, posso dizer-lhe que consigo fazer e dotar o Ministério de um sistema de avaliação muito mais eficaz, muito mais presente, e muito mais actualizado, do que aquele que a Sr.ª Secretária de Estado promoveu junto da IGF.
E digo-lhe mais: dá-me a sensação de que temos aqui duas concepções diferentes do que é a avaliação. Eu nunca falei aqui da chamada avaliação educacional, portanto, a Sr.ª Deputada não pode introduzir aqui o problema que decorre da avaliação de alunos, de exames, etc. E embora essa avaliação educacional seja um contributo do sistema de avaliação, não é ela que está aqui em discussão, é a avaliação do sistema educativo.
Portanto, Sr.ª Deputada, não acredito que não perceba esta diferença e se lança esta confusão poderá ser para outros fins que não aqueles que este diploma pretende atingir.
Mas há aqui uma diferente concepção: é que a Sr.ª Deputada tem uma concepção da avaliação que é claramente inspectiva, a minha não é; ou seja, eu para fazer avaliação de sistema não preciso de lançar os inspectores junto das escolas. Essa é uma pequeníssima componente de formar grandes equipas, obviamente, caras, obviamente, de elevados custos, mas também, em melhor oportunidade, posso dizer-lhe por cada resultado obtido relativamente às escolas qual foi o custo dessa inspecção e dessa avaliação. Digo-lhe, ainda, que relativamente aos resultados vou consegui-los muito mais baratos, muito mais rápidos e muito melhores. Não tenha qualquer dúvida sobre isso!

Uma voz do PS: - Precisam é de mais imaginação.

O Orador: - Bem preciso, Sr. Deputado, porque o estado em que deixaram o Ministério da Educação não permite outra coisa que não seja mais imaginação... É porque dinheiro não há, meu caro! É tão simples quanto isto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Relativamente à avaliação dos professores, a Sr.ª Deputada Ana Benavente encontra no artigo 3.º, de forma explícita e implícita, a definição dos objectivos da avaliação. Mas também lhe digo que, com este modelo, a minha preocupação não é fazer a avaliação de professores mas, sim, avaliar escolas e dotá-las dos instrumentos necessários para que sejam elas próprias a fazer a sua auto-avaliação e a avaliação dos professores, se o quiserem fazer! Pode ter a certeza de que, para já, preocupo-me em fazer a avaliação do sistema educativo - é o que está na epígrafe do diploma - e não do resto.
Também em relação às questões da avaliação, a Sr.ª Deputada falou do problema da avaliação integrada e da Inspecção-Geral de Educação e usou um termo que me permito lembrar: a «lealdade» do Ministro relativamente aos seus serviços. E teve ainda oportunidade de referir algumas demissões e substituições que se operaram no Ministério da Educação. Ora, sobre isso, tenho a dizer-lhe duas ou três coisas, em termos muito directos: a lealdade do Ministro é recíproca relativamente à lealdade dos serviços para com o Ministro.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E há coisas que o Ministro não atura, nomeadamente algumas manobras políticas cujo efeito não é necessariamente para aumentar a qualidade da educação...!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, digo-lhe, Sr.ª Deputada Ana Benavente, que estou muito atento aos critérios da lealdade dentro do Ministério da Educação. E também devo acrescentar que os serviços podem sempre contar com a transparência, a frontalidade do Ministro para dizer o que pensa e não com um Ministro que anda constantemente a enganar os serviços. Isso eu não faço!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, os serviços sabem com o que contam, sabem o que o Ministro pensa; os próprios serviços já sabiam o que o Ministro pensava antes de ser Ministro e deveriam ter em consideração, nas declarações públicas que fazem, qual é o pensamento do Ministro e qual é o Programa do Governo. Quando tal não acontece, entendo que há requisitos que não estão a ser respeitados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Deputada terá oportunidade de ver como vamos fazer e qual o serviço que vai fazer essa avaliação. Está em curso, neste momento, um estudo da Lei Orgânica do Ministério da Educação que, a seu tempo, será divulgado, portanto satisfarei a sua curiosidade nessa altura. Permita-me que não avance, desde já, quaisquer elementos sobre esse estudo.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não é uma questão de curiosidade, é a vontade soberana do povo!

O Orador: - Esta lei prevê e impõe a existência de um serviço exclusivamente dedicado à avaliação. E, desde já, fica garantido que a nova lei orgânica irá contemplar e respeitar o que estatui esta proposta de lei, no caso de ela ser aprovada.
Pergunta-me a Sr.ª Deputada para quando os primeiros resultados da avaliação. Como sabe, no que diz respeito a esta proposta de lei, prevê-se a existência de relatórios sectoriais, parciais, anuais e trienais. São estes os quatro tipos de relatórios que estão previstos e, portanto, estou convencido de que (dado que o sistema global de avaliação implica que haja um sistema de informação a funcionar como deve ser) dentro de dois ou três anos o total, o global do sistema de avaliação estará a funcionar, o que não quer dizer que sectorialmente, a partir de relatórios parciais, tal não possa ser feito já este ano! Ou seja, não

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vou estar à espera de ter todo o sistema a funcionar para obter informação parcial e especializada - aliás, a própria proposta de lei prevê que ela deverá existir!
Devo já adiantar que não vou publicar os resultados dos exames do 12.º ano da mesma forma que o vosso governo publicou. Garanto-vos que não vou cometer a asneira - permitam-me o termo - de divulgar dados em bruto sem qualquer aferição, sem confronto com outros indicadores e sem contextualizar esses dados. Quem divulgou esses rankings não foi o actual Governo mas, sim, o anterior. Que fique bem claro, Sr.ª Deputada!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o tempo de que dispunha esgotou-se, por isso peço a sua compreensão.

O Orador: - Sr. Presidente, antes de terminar, queria fazer apenas dois reparos.
O Sr. Deputado do Bloco de Esquerda falou de discriminação positiva, e eu também sou adepto da discriminação positiva, mas tenha em atenção a formulação que utiliza, quando fala de discriminação positiva nos casos em que a comunidade educativa é caracterizada por um elevado número de estudantes descendentes de pais não portugueses (estou a pensar, eventualmente, nas comunidades inglesa ou alemã). Sei o que está a pensar, sei qual é a sua preocupação - é a minha também - e pode ter a certeza de que, nos sistemas de avaliação, terá de introduzir sempre a existência de condicionantes de ordem social e cultural que influenciam os bons ou os maus desempenhos. E, portanto, como é natural, a lei contempla essas situações.
Relativamente aos comentários da Sr.ª Deputada Isabel Castro, devo dizer que a Sr.ª Deputada continua a criticar esta proposta de lei não por aquilo que ela não contém mas pelo que contém, nomeadamente tudo o que referiu que ela não tinha tem! Portanto, permita-me que lhe diga que os artigos 14.º e 15.º da proposta respondem objectivamente às perguntas e dúvidas que colocou.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Ana Benavente pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - Para defesa da honra pessoal, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Educação referiu que eu teria participado numa reunião da OCDE e não apresentei um relatório. Gostava de dizer que, desde que o Sr. Ministro exerce a suas funções, não participei em reunião alguma do Comité de Educação da OCDE, a que pertenço como especialista da educação - trata-se de um comité ligado à inovação e aos cenários e trabalhos sobre a escola de amanhã -, e pode ter a certeza, Sr. Ministro, nesse Comité, jamais o Instituto de Inovação Educacional seria extinto, porque é uma das instituições portuguesas que trabalha com ele.
Quanto às questões da avaliação dos alunos e dos professores, é pelo menos estranho que se possam avaliar o sistema educativo e as escolas sem ter em conta o desempenho dos professores e os resultados dos alunos. Portanto, registo que o Sr. Ministro acabou de dizer que satisfaria a nossa «curiosidade» - gostei da palavra, porque as palavras têm significado, tal como a expressão «ensino não superior»... - sobre como será feita esta avaliação.
Penso que não podemos debater, em consciência, esta proposta de lei sem ter essas informações rigorosas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Benavente, eu não disse que o seu relatório estava em falta, apenas referi que estou a aguardar. É tão simples quanto isso.
Sr.ª Deputada, para sermos objectivos, pode ter a certeza de que não vou fazer com a Sr.ª Deputada o que V. Ex.ª, enquanto Secretária de Estado da Educação, fez com o seu antecessor, o Prof. Joaquim Azevedo. Não tenha dúvidas de que não o farei!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em segundo lugar, tenho um respeito institucional pelos cargos e pelos desempenhos dos altos dirigentes no Ministério da Educação e de todas as pessoas que, pela sua competência, podem contribuir para a melhoria do sistema educativo, do Ministério da Educação e da própria sociedade portuguesa. Conte com isso, porque tenho uma visão institucional desses cargos e dessas competências.
Posso dizer-lhe igualmente que a referência que fiz ao Instituto de Inovação Educacional não creio que lhe afecte a honra, porque terá, como eu disse, a oportunidade de constatar quais são os organismos, os serviços que, de acordo com a nova lei orgânica, responderão, não só à avaliação mas, também, à inovação, ao desenvolvimento curricular, à gestão de recursos humanos e tudo o mais que faz o Ministério. Terá oportunidade de debater, de contribuir até para que essa lei orgânica possa ser um grande e claro avanço relativamente a um Ministério que está perfeitamente anquilosado. Foi nessa forma que os senhores o deixaram: um Ministério anquilosado!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estando esgotada a lista dos oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 13/IX e do projecto de lei n.º 77/IX. A votação destes dois diplomas far-se-á, nos termos regimentais, na primeira oportunidade, que é amanhã.
Antes de voltarmos ao tema da apreciação do diploma vetado pelo Presidente da República, dou a palavra ao Sr. Secretário da Mesa para dar conta da entrada na Mesa de alguns diplomas, alguns dos quais teremos até eventualmente de votar amanhã.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de deliberação n.º 6/IX - Autoriza o funcionamento das comissões parlamentares fora do período normal de funcionamento da Assembleia da República (PSD); proposta

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de resolução n.º 7/IX - Aprova a Convenção Consular entre a República Portuguesa e a Federação da Rússia, assinada em Moscovo, em 26 de Outubro de 2001; proposta de lei n.º 18/IX - Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, concedendo a todas as instituições de crédito o acesso à informação disponibilizada pelo Banco de Portugal relativa aos utilizadores de cheque que oferecem risco; e proposta de resolução n.º 6/IX - Aprova, para ratificação, o Convénio Internacional do Café de 2001, aprovada pelo Conselho Internacional do Café, em 28 de Setembro de 2000, que baixou à 2.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, vamos retomar a discussão do primeiro ponto da nossa ordem do dia, que é a apreciação do Decreto n.º 3/IX.
Retomamos a discussão no ponto em que a deixámos, que foi a convocação da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para elaborar um parecer sobre o recurso interposto por Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
O parecer foi entregue, foi feito circular e o Regimento dispõe que seja lido e votado no Plenário, podendo cada grupo parlamentar produzir uma intervenção de duração não superior a 3 minutos.
Assim, e havendo dois relatores, começo por dar a palavra ao primeiro, que é o Sr. Deputado António Montalvão Machado, para ler o parecer.
Este parecer tem anexa uma declaração de voto, pelo que darei depois a palavra a um dos seus subscritores para a ler.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou então passar a ler o parecer a propósito do recurso de admissão das propostas de alteração ao Decreto n.º 3/IX.
É do seguinte teor: «As propostas de alteração ao Decreto n.º 3/IX foram apresentadas num contexto de processo extraordinário segundo a deliberação pela Assembleia da República, face a um veto do Presidente da República fundado num acórdão de inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional.
Trata-se de um processo regulado especialmente nos artigos 168.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, nos termos dos quais cabe aos Deputados apresentar até ao termo do debate na generalidade eventuais propostas de alteração, caso em que se abrirá uma discussão na especialidade.
Em bom rigor, portanto, não há lugar a uma admissão formal, por parte da Mesa, relativamente às propostas apresentadas, cabendo à própria Assembleia sobre elas deliberar, em votação na especialidade. Tanto assim é que, no limite, pode até a Assembleia, neste processo especial, deliberar contrariar a própria decisão de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional e, dessa forma, concluir o processo legislativo pela confirmação do decreto.
Nestes termos, é entendimento da Comissão que quaisquer propostas, desde que incidam sobre o objecto do decreto em segunda apreciação, devem ser admitidas à discussão e votação, não fazendo, pois, sentido, recusar ou condicionar esse debate.
Assim, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias foi de parecer que não devia ser dado provimento ao recurso em análise.»

O Sr. Presidente: - Dado haver uma declaração de voto subscrita pelos Srs. Deputados Jorge Lacão e José Magalhães, dou a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª vai dar-me a palavra para uma declaração de voto ou para fazer alegações, nos termos regimentais, como é direito dos grupos parlamentares?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dei-lhe a palavra para ler a sua declaração de voto e depois dar-lha-ei bem como a um Deputado de cada grupo parlamentar para o efeito de declararem as respectivas posições.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, os Deputados do PS, na Comissão de Assuntos Constitucionais, apresentaram uma declaração de voto do seguinte teor: «Os Deputados do Partido Socialista, nos termos regimentais, em particular do artigo 139.º do Regimento, apresentaram, com fundamento em inconstitucionalidade, recurso de admissão da proposta de alteração ao Decreto n.º 3/IX, quanto ao n.º 2 do seu artigo 3.º
O Sr. Presidente da Assembleia da República mandou baixar a matéria à Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do n.º 3 da referida decisão regimental. Ao fazê-lo, firmou um entendimento salutar e correcto do quadro aplicável.
Na verdade, quando os Deputados sejam confrontados, em momento de segunda apreciação de um diploma votado por inconstitucionalidade, com matéria totalmente nova relativamente ao conteúdo inicial do decreto, dado o valor autónomo, as novas iniciativas, fundamentando um renovado juízo por parte do legislador, tornam-se susceptíveis de impugnação de admissão por suspeição de inconstitucionalidade.
Não pode alegar-se que em processo de segunda deliberação todas e quaisquer propostas, mesmo as inconstitucionais, teriam de ser admitidas. De facto, ou a Assembleia da República opta pela via do expurgo das inconstitucionalidades ou, na hipótese ora verificada, está constitucionalmente impedida de perpetrar violações da Lei Fundamental.
É também descabido afirmar que, como a Assembleia da República pode confirmar decretos inconstitucionais por maioria qualificada de dois terços, poderia também, por similitude, apreciar propostas inovadoras de cunho inconstitucional. É que o poder de confirmação tem carácter absolutamente excepcional, sendo de resto polémico, não cabendo generalizações ou extensões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o debate na 1.ª Comissão confirmou a inexistência de argumentos que justifiquem a inconstitucionalidade suscitada pelo PS. Do n.º 2 do artigo 3.º proposto pelo PSD e pelo CDS-PP decorre uma situação de vazio de protecção, com consequente perda de exequibilidade do disposto no n.º 6 do artigo 38.º da Constituição.

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Ao considerar que o novo artigo 6.º - que institui um regime de nomeação e exoneração condicionada a parecer vinculativo dos directores - só seria aplicável aos titulares nomeados a partir da data da entrada em vigor da lei nova, o PSD e o PP asseguram que, ao desaparecimento de qualquer parecer em sede de nomeação do Conselho de Administração da RTP, se some uma situação fáctica, transitória, de livre destituição dos directores, o que significa «luz verde» para saneamentos sem controlo.
Ao instituir a completa e integral dependência governamental da relação funcional do Conselho de Administração, o PSD e o PP expõem os directores em exercício a um poder incontrolado por qualquer entidade independente. Uns - os administradores - ficam livres de qualquer sujeição vinculativa ao órgão independente de controlo; outros - os directores - ficam sem qualquer protecção de entidade independente e plenamente sujeitos à cadeia de poder, que tem no topo o Governo.
Em terceiro lugar, é no período em que se cria esse hiato que o Governo pretende levar a cabo as suas opções que afectarão decisivamente o futuro do serviço público, frustando totalmente as exigências de independência estabelecidas na Constituição, tal como decisivamente reiteradas no Acórdão do Tribunal Constitucional.
A maioria ignora, de novo, as advertências, não aprende com os erros pretéritos e acaba por contribuir para agravar ainda mais a longa trapalhada em que se transformou o processo legislativo sobre o destino da RTP.»
Foi esta a declaração de voto dos Deputados socialistas na 1.ª Comissão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos do Regimento, vou dar a palavra aos oradores que pretendam dela usar, sendo que cada grupo parlamentar só pode proferir uma intervenção de duração não superior a 3 minutos. Lembro que estamos a discutir agora apenas o parecer da Comissão sobre essa matéria.
A primeira inscrição é a do Sr. Deputado António Filipe, a quem dou desde já a palavra.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na Comissão de Assuntos Constitucionais, votámos contra o parecer aprovado em Comissão sobre esta matéria.
Trata-se de um parecer espantoso, no mau sentido, e que só esperamos que não faça doutrina nesta Assembleia. É que o parecer conclui, basicamente, o seguinte: a Assembleia da República pode, no limite, por maioria de dois terços, confirmar uma disposição que foi declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, donde, a partir daí, toda e qualquer proposta pode ser admitida nesta Assembleia, por mais absurdamente inconstitucional que ela seja, pela simples razão de que, no limite, a Assembleia pode sempre confirmá-la por maioria de dois terços.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um absurdo!

O Orador: - Ora bem, esta doutrina faria com que, daqui para a frente, todas e quaisquer disposições constitucionais e regimentais relativas à aferição da constitucionalidade de qualquer proposta aqui apresentada passassem a ser absolutamente letra morta.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à norma em causa, ela é, do nosso ponto de vista, manifestamente inconstitucional. Porquê? Porque o PSD e o CDS-PP propõe aqui acabar com a intervenção do Conselho de Opinião na nomeação do Conselho de Administração da RTP, o que foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional - aliás, é por isso que aqui estamos. Bom, e como é que o PSD e o CDS-PP propuseram compensar esta inconstitucionalidade? Atribuindo carácter vinculativo a um parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre a nomeação dos directores de informação e de programação; simplesmente, tal como com a norma que o PSD propõe, na parte final do diploma que foi objecto de impugnação, essa norma, a ser aprovada, não entraria logo em vigor - isto é, só entraria em vigor depois de o Governo ter exonerado livremente os actuais directores. Ou seja, durante esse período, desde a entrada em vigor da lei e até que essa exoneração se processasse e fossem nomeados novos directores, não haveria controlo absolutamente nenhum sobre a destituição destes directores, o Governo fá-lo-ia livremente. Portanto, nem Conselho de Opinião nem Alta Autoridade!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Nem nada!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - É evidente que, não havendo nenhum controlo de natureza alguma, por maioria de razão, a inconstitucionalidade é manifesta e, nesse sentido, pareceu-nos que o recurso foi bem apresentado, que faz todo o sentido e é lamentável que esta Assembleia, que está hoje a tentar expurgar uma norma declarada inconstitucional, reincida e, desta vez, de uma forma absolutamente grosseira, em aprovar novas inconstitucionalidades.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Não quero deixar de dar oportunidade ao Sr. Deputado Guilherme Silva para poder responder-me, tendo desistido agora da sua inscrição!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, estamos perante um parecer absolutamente extraordinário - o parecer não aprecia as questões de constitucionalidade que foram suscitadas; o parecer diz que o Presidente da Assembleia da República não devia ter admitido o recurso de impugnação e, portanto, indefere liminarmente a sua apreciação. Isto, em bom rigor, a 1.ª Comissão não pode fazê-lo porque da decisão de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República de admissão do nosso recurso o que VV. Ex.as deveriam ter feito era recorrer para o Plenário, impunham com a vossa maioria uma derrota ao Sr. Presidente da Assembleia da República, o recurso não era admitido e não tinham de se pronunciar sobre ele. Mas o Sr. Presidente decidiu, VV. Ex.as não recorreram, o recurso estava admitido e a 1.ª Comissão tinha de se pronunciar sobre o objecto do recurso.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Portanto, o que a 1.ª Comissão fez foi uma omissão de pronúncia!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - A Comissão não quis analisar as inconstitucionalidades!

Vozes do PS: - É uma vergonha!

O Orador: - Há algo que tenho de vos elogiar: fica-vos bem não terem engendrado argumentação para sustentar uma inconstitucionalidade evidente! Mas o que é feio é que, mais uma vez, e pela segunda vez no mesmo processo legislativo, a Assembleia não aprecie preventivamente uma inconstitucionalidade que transita para outra instância e que não poderá ser passada em claro! Porque a Constituição não vigora um dia sim e um dia não - a Constituição tem de vigorar todos os dias, em todas as circunstâncias, quando convém ao Sr. Ministro da Presidência mas também quando não convém ao Sr. Ministro da Presidência!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que temos aqui quanto ao fundo - e, quanto a isso, nem o Governo falou, nem o CDS-PP falou, nem o PSD falou - é uma inconstitucionalidade gritante. O que vêm dizer-nos é o seguinte: interrompe-se a constitucionalidade até sanearmos a direcção da RTP; depois, «a programação - ou seja, a Constituição - seguirá dentro de momentos»!...

Risos do PS.

Isto não é aceitável! Isto é uma grosseira violação da Constituição! E vamos, mais uma vez, desprestigiar a Assembleia da República aprovando, por força da maioria, uma norma que os senhores sabem inconstitucional: Mais: uma norma de que os senhores nem se atrevem a sustentar a constitucionalidade - estiveram duas horas fechados na 1.ª Comissão, não sustentaram nunca a sua constitucionalidade e inventaram aqui um argumento a desoras de que o Sr. Presidente da Assembleia da República não podia ter admitido o recurso que admitiu e que a 1.ª Comissão tinha de apreciar e não apreciou!
Portanto, as questões estão claríssimas.
Sr. Presidente, tal como fiz há pouco, saúdo mais uma vez V. Ex.ª por ter adoptado desta vez a posição correcta de admitir o recurso. Nada no Regimento excepciona este processo legislativo do dever de apreciação preventiva pela Assembleia da República da constitucionalidade das normas que debate. Lamento profundamente que a maioria tenha imposto na 1.ª Comissão a omissão de pronúncia e que, sobre a questão de constitucionalidade suscitada, nem a 1.ª Comissão, nem o CDS-PP, nem o PSD tenham produzido um único argumento a rebater aquilo que sustentamos - aliás, fazem-no, tenho de o reconhecer, por total ausência de argumentos que teriam para sustentar a constitucionalidade.

Aplausos do PS do BE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados, devo dizer que, mais uma vez, os Srs. Deputados da esquerda parlamentar, desde logo, o Sr. Deputado António Filipe e o líder da bancada socialista, não têm razão. E, no que toca à argumentação do Sr. Deputado António Filipe, devo dizer-lhe que está a tentar iludir o objecto desta discussão e daquilo que o objecto do recurso; porquê, Sr. Deputado? Como V. Ex.ª sabe, o que está aqui em causa não é um novo agendamento - o que está aqui em causa são, tão somente, propostas de alteração de um agendamento que já tinha sido admitido. O que significa…

O Sr. José Magalhães (PS): - Propostas novas!

O Orador: - Não são propostas novas - versam exactamente o mesmo objecto!

Protestos do PS.

E, se de propostas novas se tratassem, não faria sentido que o PS igualmente as apresentasse, como apresentou, suscitando questões que as bancadas do PSD e do CDS-PP suscitaram e, relativamente a elas, de novas, nenhum argumento seja utilizado. O que significa que a argumentação que o PS quer utilizar relativamente à bancada do PSD e à bancada do CDS-PP não a toma como sua; e aquilo que para nós vale, para o PS não serve. Portanto, não têm razão. E, Srs. Deputados, há outro aspecto que releva aqui e que, necessariamente, não querem considerar porque não vos convém - que é este e que, de resto, está plasmado no parecer: em bom rigor, esta Assembleia pode confirmar a votação de uma deliberação que, pelo Tribunal Constitucional, foi declarada inconstitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah, sim? Por duas vezes?

O Orador: - Aquilo que os Srs. Deputados do PS queriam, mas não conseguiram, era estabelecer um juízo de censura sobre o poder deliberativo deste Parlamento! E isso é que nós não podemos aceitar. Por esta razão, Srs. Deputados: nós poderíamos até, em tese (e não é verdade!), pronunciar-nos no sentido da confirmação de um diploma inconstitucional, mas fazíamo-lo no exercício de um direito.

O Sr. António Costa (PS): - Façam-no!

O Orador: - E impedi-lo, como VV. Ex.as tentaram - e nós não queremos, porque as inconstitucionalidades foram expurgadas -, seria, como disse, limitar o poder deliberativo deste Parlamento.
Com isto termino: não está sequer em causa a confirmação de um diploma que foi declarado inconstitucional - está em causa a deliberação sobre um diploma cuja inconstitucionalidade, no nosso entendimento, foi expurgada; ora se, no caso da inconstitucionalidade, podia haver nova deliberação, se «o mais pode o menos», quanto mais ainda deliberar sobre um diploma que inconstitucionalidade já não deverá ter. Portanto, Srs. Deputados, neste aspecto, VV. Ex.as não têm razão e bem foi decidido, em sede de 1.ª Comissão, por muito que custe ao Sr. Deputado António Costa.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, a Câmara está certamente ciente de que a razão desta discussão é um veto do Sr. Presidente da República, depois de ouvido o Tribunal Constitucional, o que exige desde logo algum esclarecimento, porque essa situação foi declarada impossível pela maioria que teve a força do voto para decidir as normas que o Tribunal considerou - e bem! - inconstitucionais e que o Presidente, em consequência, decidiu vetar.
Simplesmente, o Tribunal Constitucional argumentou que retirar a eficácia vinculativa do parecer do Conselho de Opinião sem o atribuir a outro organismo era um enfraquecimento do n.º 6 do artigo 38.º da Constituição, que garante o princípio da independência na gestão do serviço público de televisão.
O que acontece naquilo que está a ser discutido, que suscitou o recurso do Partido Socialista - recurso que apoiámos na 1.ª Comissão, e que nos leva a rejeitar o parecer que aqui tem sido defendido pela maioria -, é precisamente a interpretação factualmente indiscutível de que há um momento em que esta norma substitutiva, a nova norma que é apresentada na sequência da deliberação do Tribunal Constitucional, que deve garantir a independência - sem ponderar agora do seu conteúdo e da sua razoabilidade -, não entra em vigor. Durante esse período não pode haver, portanto, qualquer garantia de independência nem em relação à nomeação do Conselho de Administração, visto que isso foi abolido, nem em relação à nomeação ou exoneração dos cargos de director de antena, director de informação ou director de programas. Portanto, há uma inconstitucionalidade.
Percebo a dificuldade das bancadas da maioria nomeadamente pela intervenção que ouvimos e talvez com as palavras que venhamos a ouvir do Sr. Ministro a este respeito. Não há qualquer resposta senão uma resposta procedimental e regimental fraca sobre o conteúdo essencial que estamos a discutir. Estamos a discutir se todas as normas podem ou não ser escrutinadas a respeito da sua constitucionalidade; a maioria diz que não e a oposição diz que sim, que todas as normas, todas as propostas, todas as alterações são escrutináveis sobre o princípio da sua constitucionalidade em função do mandato desta Assembleia. Esta matéria já merecia que fosse feita uma discussão nesta sede.
Em segundo lugar, esta medida concreta vai abolir, durante um determinado prazo, o princípio da independência. O argumento, aliás, é o mais extraordinário. E devo dizer a este respeito que nós somos dos que pensamos que esta direcção da RTP é parte do problema e não é parte da solução. Mas isso não nos permite vergar em nenhuma matéria constitucional e o que está em causa é que o argumento aqui invocado é o de, em nome da defesa dos direitos dessas pessoas, se abolir a possibilidade de haver algum controlo independente sobre a nomeação ou sobre a exoneração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
O que é extraordinário é o argumento de que não pode haver retroactividade, portanto, uma nova lei não se pode aplicar. Mas, em nome da não retroactividade, ou seja, da preservação desses direitos, retira-se qualquer direito. Ora, além de ser um direito, é uma obrigação pública controlar a independência destas normas. É portanto uma «pescadinha de rabo na boca» em que nunca fica nenhuma resolução, nenhuma capacidade de decisão e a Constituição desaparece nestes termos.
Isto é inaceitável e deve ser recusado e por isso se percebe que este parecer nada diga sobre o que está em causa.

Aplausos do BE, do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, há uma coisa que tenho por indiscutível: é que os portugueses esperam há muito que haja uma resposta das instituições para esta grave situação em que se encontra a televisão e nós estamos, mais uma vez, a tratar de questões processuais e a deixar que todos os dias os portugueses sejam desembolsados de milhares de contos, que fazem falta a muitos sectores da vida nacional, a muitos sectores da nossa população.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Queremos todos cumprir a Constituição, queremos todos acatar a decisão do Tribunal Constitucional e queremos todos aceitar que o Regimento seja utilizado em toda a sua amplitude. Mas VV. Ex.as não podem fazer duas leituras da Constituição e duas leituras do Regimento.
O que está em causa, no recurso que baixou à 1.ª Comissão, é saber se devemos ou não admitir a proposta de alteração tal qual foi apresentada e o parecer da Comissão é no sentido de a proposta dever ser admitida e discutida, sendo indispensável que o seja para se encontrar a solução que o Tribunal Constitucional impôs à Assembleia, de forma a resolvermos o problema da televisão.
É nesse sentido que temos que caminhar e não fazendo a «viagem» que o Sr. Deputado António Costa queria continuar a fazer, que consistia no agravamento diário da situação da RTP, no adiamento desta situação, na não resposta e na não prestação de um verdadeiro serviço público de televisão, serviço público de televisão a que os portugueses têm direito. Aquilo a que vimos assistindo não é serviço público, não é gestão, não é Administração, não é o que Portugal exige aos seus eleitos, os quais tomaram compromissos perante os eleitores!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nós queremos cumprir o nosso compromisso!
O Sr. Deputado António Filipe, há pouco, rebelou-se com a circunstância de ser estranho que o Governo quisesse cumprir o seu Programa do Governo a este propósito. Pois, Sr. Deputado, digo-lhe que o Governo quer cumprir o Programa, porque é ele que vai garantir pluralidade, independência e eficácia à televisão. E quer fazê-lo, dando passos no sentido de nomearmos uma administração, no sentido de nomearmos novos elementos para a direcção de programas,…

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O Sr. José Sócrates (PS): - Ah! Nomear «novos elementos»!

O Orador: - … e para a direcção de informação, com o parecer vinculativo da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que é constitucional - aliás, foi nesse sentido que o Tribunal Constitucional se pronunciou. É para isso que estamos aqui e temos de ir mais depressa, mas sem boicotes, sem adiamentos e sem os incidentes que VV. Ex.as levantam.

Risos do PCP.

Não é para isso que estamos aqui! A nossa «viagem» é outra! O que temos de fazer é uma «viagem» ao serviço dos portugueses! É essa que temos de fazer!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defender a minha honra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pode indicar a razão do seu agravo?

O Sr. António Filipe (PCP): - O Sr. Deputado Guilherme Silva acabou de me acusar de ter acusado o Governo de querer cumprir o seu Programa, quando o que eu disse não foi rigorosamente isso. Gostaria, pois, de repor a verdade dos factos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, pedindo-lhe, no entanto, que seja breve.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, serei breve, com certeza.
O Sr. Deputado Guilherme Silva disse que, numa intervenção que fiz há pouco, critiquei o Governo porque o que este queria era cumprir o seu Programa. O Sr. Deputado lembrar-se-á que o que eu disse não foi isso. O que eu disse foi que o Governo, espantosamente, queria nomear um conselho de administração da RTP não com o objectivo de salvaguardar, como lhe competiria, a independência e a isenção do serviço público de televisão mas cumprir o Programa do Governo. Foi isso que eu disse e é isso que está registado! O objectivo que deve presidir a um qualquer conselho de administração da RTP é o de, como a Constituição e a lei impõem, salvaguardar a independência do serviço público de televisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Posso criticar o Programa do Governo, mas não critico o Governo por querer cumpri-lo. Critiquei, isso sim, o Governo por querer impor que um conselho de administração do serviço público de televisão tenha por incumbência cumprir o Programa do Governo.
Quanto ao resto, o Sr. Deputado diz que estamos aqui para respeitar o Tribunal Constitucional. Então, se é esse o vosso intuito, ninguém percebe por que é que apresentam normas que são grosseiramente inconstitucionais! Isso é que ninguém poderá perceber!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Filipe confirma que não leu, ou não soube ler, o Programa do Governo. É que o Governo, ao querer nomear uma nova administração - e vem até reforçar, através das alterações que apresentou, o estatuto de independência dos membros do Conselho de Administração, estatuto que não tinham e que o Governo quer agora dar-lhes -, está a fazê-lo porque do seu Programa consta o compromisso de garantir uma televisão plural, isenta e independente, o que também se faz nomeando pessoas capazes e à altura dessas tarefas. Isto não tem acontecido com a televisão pública, como V. Ex.ª bem sabe, até porque combinou com o Partido Socialista algumas das alterações à Lei da Televisão de que já aqui falámos noutras alturas. V. Ex.ª sabe bem do que falo, não me faça retomar outra vez essa discussão!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa agora!

O Sr. António Filipe (PCP): - Retome, retome!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais oradores inscritos, vamos proceder à votação do parecer apresentado pela 1.ª Comissão, cujo teor foi lido e debatido. Antes, porém, gostaria de comunicar que, de acordo com a contagem da Mesa, encontram-se presentes na Sala 2 Deputados de Os Verdes, 3 Deputados do BE, 9 Deputados do PCP, 14 Deputados do CDS-PP, 61 Deputados do PS e 102 Deputados do PSD.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do parecer da 1.ª Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, uma vez que o parecer foi aprovado, vamos, então, nos termos do artigo 139.º do Regimento, proceder ao debate das propostas que foram apresentadas. Para esta discussão na especialidade, a Conferência de Líderes decidiu atribuir 5 minutos a cada grupo parlamentar e ao Governo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, antes de começar a intervenção, gostava de saber se, durante este debate na especialidade, vamos discutir e intervir artigo a artigo.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Como a Conferência de Líderes distribuiu 5 minutos a cada grupo parlamentar para toda a discussão na especialidade, entendo, salvo melhor opinião, que a discussão se faz sobre o conjunto das propostas de alteração que foram apresentadas. Lembro, por isso, que há propostas apresentadas pelo PSD e CDS-PP, por um lado, e, por outro, pelo Partido Socialista.
Como tal, a discussão será sobre o conjunto das várias propostas e a votação, naturalmente, far-se-á proposta a proposta.

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O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente. Nesse caso, não estamos restringidos a uma única intervenção sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que penso é que cada grupo parlamentar tem 5 minutos para discutir estas propostas. No entanto, se quiser gastar o tempo de que dispõe em duas intervenções, não tenho nada a opor.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, foi já clara no debate anterior a dificuldade de explicação, sublinhada, aliás, pela vivacidade que é particular do Sr. Deputado Guilherme Silva, dos fundamentos constitucionais desta matéria. No entanto, além do tema que já foi aqui discutido, quero insistir num outro tópico não menos importante.
O primeiro artigo da proposta apresentada pelo PSD, que altera o artigo 6.º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto, relativo à nomeação e exoneração de directores, deveria ser - suponho que na opinião dos proponentes assim será - a forma de suprir a inconstitucionalidade que convocou o veto do Presidente da República. Ora, trata-se, neste caso, de um claro insulto ao Tribunal Constitucional.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não apoiado!

O Orador: - Ou, para ser mais preciso, trata-se talvez de uma chacota em relação à decisão do Tribunal Constitucional. Penso que vale a pena olhar para o detalhe deste artigo. Ele diz o seguinte: «O parecer sobre a nomeação ou exoneração de directores tem natureza vinculativa sempre que estiver fundamentado na violação das garantias do artigo 38.º da Constituição.» Uma parte desta norma é clara: a exoneração, naturalmente, decorre de actos que, tendo comprovadamente violado o preceito constitucional que garante a independência destes órgãos, podem ser evocados e identificados, levando, portanto, à penalização que constitui a exoneração. Esta parte não suscita dúvidas.
Contudo, a aplicação desta norma em relação ao princípio da nomeação é um nevoeiro cerrado. Entendamo-nos bem! Como é que um parecer se torna vinculativo a respeito da nomeação de um director de informação, por exemplo, se, para ser vinculativo, tem de estar fundamentado na violação das garantias do artigo da Constituição?! De duas, uma: ou se pode razoavelmente saber que determinada pessoa vai, por certo, violar essas normas, ou se sabe que já teve comportamento conducente a essa violação. Caso contrário, não é possível em nenhum caso emitir parecer vinculativo, visto que o carácter vinculativo depende da fundamentação nesta violação.
Poder-se-ia dizer em alternativa que, então, a Alta Autoridade para a Comunicação Social reserva-se a possibilidade de dizer o seguinte: «Não sendo visível nenhuma violação, porque ainda nada fez, não tendo tomado o cargo, o director pode ser nomeado.» No entanto, nesse caso, temos um parecer que, evidentemente, não é vinculativo, porque só é vinculativo quando alude ou se baseia na violação da Constituição. Não se tratando de factos passados, como ocorre no caso da exoneração, não sendo possível mobilizar factos que denotem a violação da Constituição para a nomeação, é preciso que se possa argumentar que fulano ou sicrano é portador potencial de uma violação da Constituição. Isto é, torna-se necessário dizer que um director proposto é um director «violante», que vai violar naturalmente a Constituição. Como tal, tem de se atribuir a uma natureza pessoal desse director indigitado, a uma característica genética, talvez, a capacidade ou a vontade de violar a Constituição. O que isto quer dizer, Sr.as Srs. Deputados, é que para a nomeação dos directores de informação, de antena ou de programação nunca é possível invocar a autoridade da Alta Autoridade para a Comunicação Social para emitir um parecer vinculativo.
Acresce, ainda, que a própria análise do poder que dá o carácter vinculativo a esta decisão não pode estar nas mãos da Alta Autoridade, porque só pode ser o Tribunal Constitucional a medir se a invocação da violação da Constituição é suficiente para ter carácter vinculativo.
Isto não tem sentido nenhum, é totalmente inaplicável e creio que só é proposto por ser totalmente inaplicável. Como tal, cremos que o proposto viola o princípio do Tribunal Constitucional e que, por isso, deve ser rejeitado!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que a primeira coisa a fazer nesta discussão na especialidade - e compreendo bem por que é que o Sr. Deputado Francisco Louçã não o fez - é saudar o Partido Socialista pela forma como, nas suas próprias propostas de aditamento e na proposta de alteração, veio dar razão em aspectos muito importantes às propostas das bancadas do Partido Social Democrata e do Partido Popular.
Senão, vejamos: nós defendemos a atribuição de um parecer de carácter vinculativo à Alta Autoridade para a Comunicação Social nos casos de nomeação e exoneração dos responsáveis pela informação e programação. Pois bem, o Partido Socialista, na sua primeira proposta de aditamento, sugere algo exactamente no mesmo sentido. Saudamos a opção do Partido Socialista!
Mas mais: as bancadas do Partido Social Democrata e do Partido Popular defenderam o fim do carácter vinculativo do parecer do Conselho de Opinião. Pois bem, também o Partido Socialista veio agora propor, na sua segunda proposta de alteração, que ao parecer do Conselho de Opinião seja retirado o carácter vinculativo. Como tal, também neste ponto saudamos a iniciativa do Partido Socialista e sabemos que, assim, não lhe restará outra alternativa que não seja a de votar favoravelmente as propostas de alteração apresentadas pelo Partido Popular e pelo Partido Social Democrata, começando desde logo pelos seus artigos 1.º e 2.º!
Questão diversa é a que está relacionada com a expurgação das inconstitucionalidades suscitadas pelo Tribunal Constitucional. O princípio da separação de poderes inibe-nos, mais ainda nesta Casa, de comentar decisões de natureza jurisdicional. De resto, o líder da minha bancada já o referiu e por isso que não comentamos, de um ponto de vista crítico, o doutíssimo acórdão do Tribunal Constitucional, como não o fazemos relativamente a nenhum dos votos de vencido que dele também constam, no que toca

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às respectivas argumentações. Importa, sim, conformar a nossa iniciativa legislativa com as determinações constitucionais.
Ora, é exactamente isso que as bancadas parlamentares pretendem com as propostas de alteração apresentadas, desde logo no que toca às bancadas parlamentares do CDS-PP e do PSD. Porquê? Foi entendimento vertido no acórdão do Tribunal Constitucional que: «(…) deixar inteiramente ao Governo o poder de nomear e, sobretudo, o poder de destituir o conselho de administração da RTP seria incompatível com o imperativo constitucional de independência dos meios de comunicação social no sector público perante o Governo,…» - e atente-se a isto, Srs. Deputados - «… na ausência de outros mecanismos susceptíveis de assegurar o cumprimento deste imperativo.»
Conclui, ainda, o acórdão do Tribunal Constitucional no seguinte sentido: «De todo o modo, e decisivamente, o decreto da Assembleia da República n.º 3/IX - ao eliminar a competência do Conselho de Opinião da RTP para dar parecer vinculativo sobre a composição do órgão de administração da empresa concessionária do serviço público de televisão e ao substituí-la pela competência do mesmo Conselho para dar parecer, não vinculativo, sobre a nomeação e destituição dos directores que tenham a seu cargo as áreas de programação e informação -, não tendo instituído qualquer outro mecanismo na estrutura da televisão pública que, directa ou indirectamente, salvaguarde a independência da sua actuação perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, não respeita a exigência constante do artigo 38.º, n.º 6, da Constituição.»
Pois bem, Sr.as e Srs. Deputados, é bom de ver que, com as propostas de alteração por nós apresentadas e, mesmo, as primeiras, que referi, do Partido Socialista, se superam quaisquer dúvidas de natureza constitucional. Porquê? Porque, de acordo com estas propostas, e segundo o artigo 39.º da Constituição, «O direito à informação, a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem como a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política são assegurados por uma Alta Autoridade para a Comunicação Social.» Ninguém duvidará, por isso, face a este preceito constitucional, da independência da Alta Autoridade para a Comunicação Social!
Ora, o que se pretende é, precisamente, alterar a lei, por forma a atribuir a esta entidade independente, que se chama Alta Autoridade para a Comunicação Social, parecer vinculativo quando recaia sobre a nomeação e exoneração dos directores que tenham a seu cargo as áreas de programação e informação.
Fica, assim, salvaguardada a preocupação manifestada no acórdão do Tribunal Constitucional, atribuindo-se intervenção vinculativa na parte de um órgão, que não ao Governo, no processo de designação dos ditos directores.
Mas vai-se ainda mais longe ao propormos que «Os membros do conselho de administração da concessionária do serviço público de televisão não podem ser destituídos em momento anterior ao do termo do respectivo mandato (…)».

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tem de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
E o que se diz no acórdão do Tribunal Constitucional é claro: «(…) o estabelecimento de mecanismos atinentes à estrutura da televisão pública que permitam assegurar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos não exige…» - e o Sr. Deputado António Costa, certamente, estará recordado disso! - «… que tais mecanismos digam respeito à intervenção externa na nomeação e destituição do órgão de administração da RTP.»
Portanto, pode ver V. Ex.ª que, pela redacção das propostas de alteração que as bancadas do CDS-PP e do PSD, propõem vai-se ainda mais longe do que aquilo que foi o imperativo constitucional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - Daí que, do nosso ponto de vista e sem prejuízo de outro entendimento, que poderá ser douto, estas propostas de alteração estão em condições de ser votadas favoravelmente.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pode indicar a razão da ofensa, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a razão da invocação desta figura regimental é o facto de o Sr. Deputado Nuno Melo ter distorcido de maneira grave a posição do Partido Socialista consubstanciada nas propostas de alteração agora apresentadas, prolongando, de resto, uma linha de insinuações políticas com as quais não podemos resignar-nos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado. Peço-lhe que seja muito breve.

O Sr. José Magalhães (PS): - Vou ser, certamente, Sr. Presidente. Nem a hora aconselha outra coisa!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, tive ocasião, esta tarde, de discutir com o Sr. Deputado Nuno Melo o alcance da proposta que o PSD e o PP apresentaram em segunda leitura e fico surpreendido por, a esta hora, o Sr. Deputado ainda revelar o embaraço que revela em relação ao n.º 2 do artigo 3.º, que cria a tal «lei do hiato», a lei da livre destituição dos directores em funções.
O Sr. Deputado faz enormes exercícios e imputa-nos coisas terríveis! Mas, francamente, ou não percebeu em absoluto qual é o regime em vigor e quais são os sistemas de controlo… É que o sistema é dual: há um Conselho de Opinião que deveria intervir, na nossa leitura, ainda que - diz o Tribunal Constitucional - sem parecer vinculativo, e há a intervenção da Alta Autoridade para a Comunicação Social em relação aos responsáveis de informação e programação. Estes dois «planetas» fazem parte da mesma «galáxia» e têm interacções.
O Sr. Deputado diz que o Partido Socialista decaiu nas suas propostas originárias. Nada de menos rigoroso! E o Sr. Deputado, na insistência de não as perceber, «traz água no bico».
Gostaria, portanto, que o Sr. Deputado declarasse aqui, publicamente, o que realmente pensa.

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O que é que nós propomos? Primeiro, não propomos nenhuma «lei do hiato»! Não propomos nenhuma inconstitucionalidade! Não propomos que haja livre destituição daqueles que exercem funções à data da entrada em vigor da lei!
Esta é a diferença capital entre a nossa visão e a vossa visão, quem quer que a tenha produzido, não quero saber quem é o autor desta trapalhada.
Nós temos uma visão de um sistema, que é lógico, que é harmonioso, e VV. Ex.as têm um expediente de «algibeira»! Ainda por cima, um expediente com uma extraordinária miopia!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Onde é que está a defesa da honra?

O Orador: - Nós poderíamos calar-nos e deixaríamos que os senhores perpetrassem uma inconstitucionalidade, à luz da vossa teoria abstrusa de que, na segunda leitura, é possível propor n'importe quoi, o que quer que seja que vos ocorra. Mas não o fizemos! O nosso sistema propõe…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por favor!

O Orador: - Sr. Presidente, nem esgotei os 3 minutos…

O Sr. Presidente: - É um apelo, Sr. Deputado, para que seja mais conciso.

O Orador: - O Sr. Deputado não compreende que a nossa proposta institui uma forma de controlo pelo Conselho de Opinião, sem reservas, e institui uma forma séria de intervenção da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Porque VV. Ex.as eliminam uma garantia muito importante de um juízo livre da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Portanto, por favor, nada de misturas! Mas se quer comparar a sua proposta com a nossa, compare-a com rigor e com fidelidade! Assuma as diferenças, mas não distorça!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo. Peço-lhe, também, que seja breve, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, darei as explicações, necessariamente, no sentido equivalente daquelas que foram as dúvidas suscitadas pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Sr. Deputado, é bom de ver que, sem prejuízo do douto entendimento - como sabe, no âmbito do Direito, nem tudo é tão linear como VV. Ex.as pretendem -, o que está consagrado nessa disposição, salvo melhor opinião, repito, é a consagração do princípio da não retroactividade.
No fundo, pretendeu-se que seja aplicado aos titulares nomeados o mesmo regime jurídico que existia à data em que foram nomeados. É que nós não estamos em matéria penal, não estamos em matéria laboral, e, portanto, nem sequer poderia invocar um hipotético (que não sei se é) princípio da aplicação da lei mais favorável, porque, sinceramente, não sei se é mais favorável ou menos favorável.
Mas, Sr. Deputado, compreendo bem a razão do seu embaraço. A razão do embaraço de V. Ex.ª está no facto de nós termos denunciado aqui a colagem que VV. Ex.as fazem às nossas propostas.
Sr. Deputado, sei que ficou embaraçadíssimo, porque, tendo dito «cobras e lagartos» (suponho que, na prática regimental, será possível o uso da expressão)…

O Sr. Presidente: - É, é, Sr. Deputado!

O Orador: - … da limitação dos poderes do Conselho de Opinião, V. Ex.ª, afinal, vem agora propor o fim do carácter vinculativo do parecer do Conselho de Opinião.
Compreendo que isso os constranja e que tenham de o justificar perante algumas pessoas, como compreendo o constrangimento ainda maior quando o Sr. Deputado António Costa, há pouco tempo, disse que ia votar a favor da nossa proposta no sentido de dar carácter vinculativo ao parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social, hoje tenha vindo dizer que, afinal, já não o ia fazer mas, depois de lida a vossa proposta, cá está: parecer vinculativo para a Alta Autoridade para a Comunicação Social.

O Sr. António Costa (PS): - Claro!

O Orador: - Compreendemos bem o seu embaraço, Sr. Deputado! Só que a grande diferença da vossa bancada relativamente à minha, Sr. Deputado, é que na minha não damos cambalhotas. E se tivéssemos que as dar, não as consideraríamos naturais, ao contrário do que VV. Ex.as pretendem fazer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Connosco é tudo clarinho e linear!
A nossa proposta está aqui! Resta votá-la! Temos a certeza de que, na parte que é concordante, VV. Ex.as vão votá-la favoravelmente.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma vez mais, estamos a discutir propostas que decorrem, como já foi recordado, de um diploma aprovado pela Assembleia da República, que suscitou, por parte do Sr. Presidente da República, uma apreciação pelo Tribunal Constitucional e, na sequência dessa apreciação, um veto do mesmo Tribunal.
A questão que está colocada, como, aliás, já foi referido a propósito do parecer que a maioria impôs na 1.ª Comissão ao recurso apresentado pelo Partido Socialista, que nós apoiámos, é, uma vez mais, a teimosia e a insistência em encontrar uma solução viciada e ferida de inconstitucionalidade.
Não me alongo mais, mas sempre direi que, independentemente dos exercícios que, nomeadamente, o Partido Popular pretendeu fazer para justificar a bondade das propostas de alteração do Decreto n.º 3/IX que estão em discussão, procurando mascarar a realidade e pretendendo colar-se às propostas apresentadas pelo Partido Socialista, sintetiza a bondade daquilo que é dito, porventura, com maior clareza, a leitura do n.º 2 do artigo 3.º da proposta

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que a maioria apresenta, onde está clarificado o vício da proposta, que se consubstancia no facto de a nova redacção que é dada só ser aplicável aos titulares nomeados a partir da entrada em vigor da presente lei.
É este o exacto sentido, que retira toda a sustentabilidade à hipotética clareza e capacidade da proposta do Governo em ultrapassar o veto e, no fundo, a razão de ser da apreciação do Tribunal Constitucional, quando, com grande clareza, torna óbvio que o serviço público tem de ter independência em relação ao poder político. Ora esta solução é, manifestamente, viciada e não procura tão-pouco contornar o problema de forma habilidosa, antes o faz de forma grosseira. Portanto, o problema continua a subsistir e, seguramente, vai dar, daqui a alguns meses, origem a uma nova discussão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começando por me pronunciar sobre a proposta apresentada pelo PSD e PP para o artigo 6.º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto, relativo à nomeação e exoneração de directores, gostaria de dizer, em primeiro lugar, que, do nosso ponto de vista, ela não resolve o problema da inconstitucionalidade da norma que os senhores aqui aprovaram e que foi objecto de declaração de inconstitucionalidade.
Isto, porque, como muito bem refere a Alta Autoridade para a Comunicação Social no seu parecer, subsiste o problema da independência estrutural do serviço público de televisão, que tem a ver com a intervenção de uma entidade independente na nomeação do conselho de administração, que, como sabe, tem uma importância decisiva para a garantia de independência e de isenção do próprio serviço público.
Portanto, aquilo que os senhores propõem não resolve esse problema da independência estrutural.
E também não resolve, do nosso ponto de vista, de uma forma satisfatória o problema da intervenção que a Alta Autoridade para a Comunicação Social deve ter relativamente à nomeação e exoneração dos directores de programação e de informação da RTP. E não resolve porque os senhores propõem uma norma que é um verdadeiro absurdo.
Sempre defendemos - é preciso salientá-lo - que o parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social relativamente à nomeação e exoneração dos directores de programação e de informação tivesse efeito vinculativo, tivesse eficácia vinculativa, porque, de facto, só assim é que consideraríamos que haveria um efeito vinculante relativamente às garantias de isenção e independência no exercício desse cargo.
Agora, o que os senhores aqui propõem é um absurdo, porque, enquanto a Alta Autoridade para a Comunicação Social se pronuncia, evidentemente, na base de um perfil que lhe é apresentado, do perfil de alguém que lhe é proposto para o exercício de um determinado cargo, sobre a sua adequação ao exercício do cargo de director de programas ou de director de informação da RTP, os senhores vêm dizer que a natureza vinculativa deste parecer não tem a ver com a apreciação que seja feita sobre esse perfil mas, sim, com as garantias previstas no n.º 6 do artigo 38.º da Constituição.
O que é que isto quer dizer? Quer dizer que, daqui para o futuro, se esta proposta for aprovada, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, perante uma proposta que lhe é feita, pode concluir que a pessoa em causa não tem quaisquer condições para dirigir uma televisão, não percebe nada de televisão, não tem qualquer relação com o sector e que, portanto, essa nomeação seria um verdadeiro desastre para o serviço público de televisão. Ora, como este parecer não tem eficácia vinculativa, o Governo, se quiser, nomeia a pessoa em causa.
Mas se a Alta Autoridade para a Comunicação Social, perante uma proposta que lhe é feita, disser que essa pessoa tem perfil, é um grande profissional de televisão, percebe imenso da matéria, mas que desconfia de ela dê garantias de cumprir o n.º 6 do artigo 38.º da Constituição, então aqui já tem eficácia vinculativa, e essa pessoa já não pode ser nomeada.
Os senhores dir-me-ão: «Bem, mas isso é um exemplo absurdo!». O absurdo não é o exemplo, porque ele resulta exactamente da norma que os senhores aqui propõem e que pretendem consagrar. O absurdo está na norma que propõem e não no exemplo que acabei de dar.
Relativamente ao artigo 3.º da vossa proposta de alteração, que cria um hiato que daria total liberdade ao Governo para, sem qualquer controlo, exonerar os actuais directores, já debatemos essa matéria.
Finalmente, quero pronunciar-me a propósito de uma proposta que o Partido Socialista faz de criação de uma comissão eventual, que terá o nosso voto favorável, mas a que já sabemos que o PSD se vai opor, como já disse publicamente, dizendo que já há uma comissão, supostamente independente, que o Governo nomeou.
O Governo jura constantemente a independência desta comissão, mas nós entendemos que essa independência deve ser, acima de tudo, uma independência em relação ao interesses que se movem nos sectores da televisão e do audiovisual. Essa é que é a independência que aqui é verdadeiramente relevante, por isso, em nome da minha bancada, quero deixar aqui um desafio ao Governo para solicitar às pessoas que convidou para integrar esta comissão que tornem públicos os interesses que têm relativamente aos sectores da televisão e do audiovisual.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Isto não é nada demais, pois os Deputados fazem-no, os membros do Governo fazem-no, ao preenchem o seu registo de interesses.
Portanto, solicitamos ao Governo que peça às pessoas que convidou para terem a fineza de tornar públicos - se quiserem, emprestamos os boletins, mas não é necessário - as avenças e as relações profissionais que têm, em particular, em relação aos sectores da televisão e do audiovisual, para que haja transparência neste processo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Só nesta base de transparência é que, efectivamente, sabemos com quem estamos a lidar e podemos verificar se estamos, de facto, perante uma comissão que é independente ou se a maioria dos seus membros tem relações de dependência profissional ou outras com entidades do sector.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

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Deixamos aqui este desafio ao Governo, mas se o Governo não o quiser transmitir, ele aqui fica feito publicamente aos próprios membros da comissão. Esperemos que ele possa chegar ao seu conhecimento e que respondam favoravelmente.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho.

O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de começar por referir, nesta discussão na especialidade, um ponto que me parece muito claro. Tem-se referido muitas vezes que a condução deste processo tem revelado um Governo trapalhão, mas, hoje, concluo de outro modo: penso, e parece claro para todos, que a palavra certa, a palavra que deve ser aqui dita, não é a palavra «trapalhão» mas, sim, a palavra «dependência». A obsessão do Governo na condução deste processo é a dependência.
Começou por anunciar uma comissão independente e acabou por criar um grupo de «governodependentes», um grupo de trabalho cuja presidente anunciou de imediato as conclusões a que iria chegar ao fim de dois meses. Por outro lado, quer o conselho de administração na sua dependência e já quer falar do Tribunal Constitucional como se estivesse submetido ao Parlamento. Há todo um articulado que mostra um autoritarismo claro e uma dificuldade muito óbvia em aceitar a independência pelo qual o Tribunal Constitucional zelou, e muito bem.
Hoje, o objectivo do Governo é muito claro: é o de criar, com a nova proposta, as condições necessárias para, ao abrigo da nova lei, nomear o conselho de administração, e, ao abrigo da anterior, alterar a direcção de antena, fazendo assim o que quer sem haver, em nenhuma instância, qualquer parecer vinculativo!

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - É este o objectivo do Governo, é este o objectivo que a maioria de direita pretende viabilizar e é este o problema que os senhores, certamente, aqui virão de novo resolver, dentro de alguns meses.
Desse ponto de vista, é muito curioso o silêncio do Sr. Ministro da Educação, silêncio que antecipo que, no fim deste debate, queira interromper,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é verdade!

Protestos do CDS-PP.

O Orador: - … uma vez que tem mostrado alguma dificuldade em assumir aqui o contraditório.
Mas, respondendo ao Sr. Deputado Guilherme Silva, gostaria de dizer que não é por causa do Parlamento que o Governo não está a resolver este problema.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - O Governo não está a resolver o problema da RTP, porque não o sabe resolver, desde o princípio,…

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

… e opta por vias impossíveis, recorre a instrumentos inadequados, mostrando que não conhece a legislação, os normativos, as vias correctas para o resolver. É esse o problema e é isso que está na origem da degradação do serviço público de televisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é por isso que, do ponto de vista do País,…

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

… um país que todos os estudos de opinião vão mostrando estar longe das opções do Governo, porque quer uma outra televisão, quer dois canais, como ainda hoje foi claramente demonstrado em sondagens,…

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

O Sr. Deputado Guilherme Silva quer falar?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A seu tempo!

O Orador: - Como dizia, do ponto de vista do País, precisamos de um novo serviço público de televisão. Ninguém tem dúvidas sobre isso!
Agora, não é assim, com estes procedimentos, que lá chegaremos, nem invocando, como se tem feito, aqui ou ali, maus exemplos.
Gostava de sublinhar que, na proposta apresentada pelo Partido Socialista, a nossa preocupação (e é por isso que percebo os incómodos que ela causa) tem que ver justamente com a questão da independência. Não procuramos iludir a situação, antes assumimos claramente qual era o problema, e é por isso que a posição do líder parlamentar foi, ao contrário do que se tem dito, muito clara.
Assumimos que o Conselho de Opinião deve continuar a pronunciar-se sobre o conselho de administração.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Conselho de Opinião é um órgão representativo da sociedade civil que deve continuar a ter um papel de dar parecer sobre o conselho de administração. É o parecer do Conselho de Opinião que se deve equilibrar com o parecer da Alta Autoridade, que, esse, sim, deve ser vinculativo, mas não mitigado, como os senhores agora sugerem que se deve só exercer sempre que estiver fundamentado na violação das garantias previstas no n.º 6 do artigo 38.º da Constituição. Este ponto já foi muito referido e deixa, mais uma vez, tudo nas mãos do Governo. Percebemos que é esse o objectivo: o de que este parecer se torne inútil.
Para lá destes dois pontos - do parecer vinculativo da Alta Autoridade e do parecer do Conselho de Opinião sobre a administração -, insistimos na proposta de uma comissão parlamentar de acompanhamento deste processo. É aqui, no Parlamento, que as alterações anunciadas, vislumbradas, faladas pelo Sr. Ministro da tutela, mas sobre as quais, efectivamente, nada se sabe, é aqui que, a fazer-se alguma coisa, tudo terá de ser decidido. Sr. Ministro, penso que sabe isso e só se ganhava se o Parlamento, através de uma comissão, procurasse, desde já, realizar trabalho e avançar nessa via.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Penso que o Governo e a maioria têm nesta discussão uma ocasião de ouro para mostrar, já não digo competência, porque manifestamente não a têm mostrado, mas abertura e capacidade de corrigir um caminho que, no fundo, tantos dissabores e desaires lhes tem causado e que é mau para o Governo, mas que é, sobretudo, mau para o País.
Espero que saibam aproveitar esta ocasião!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Todo este processo da televisão e o comportamento dos partidos da oposição está cheio de curiosidades.
A primeira curiosidade é esta: o Partido Socialista, a dado momento, não podendo esconder as responsabilidades na situação financeira da RTP, dizia: «bem, de facto, financeiramente, isto foi um desastre, mas nós desgovernamentalizámos a televisão». Imagine-se, diziam: «desgovernamentalizámos a televisão» e puseram à frente da televisão um «boy», um «cartão rosa», que tinha sido Deputado, Ministro, dirigente socialista, e tudo isto passou pelo Conselho de Opinião, que considerou tudo muito bem!
Entretanto, temos o Partido Social Democrata e o Governo da coligação a indigitar para presidente da televisão alguém da área socialista, isto, repito, num governo da área social democrata, e o Conselho de Opinião não quer este conselho de administração!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Vejam lá as contradições, os paradoxos de todo este processo!
Depois, vimos o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, que se bateu, enquanto Ministro, para ter a tutela da televisão, sendo sempre afastado dessa sua vertigem, dessa sua atracção, tornar-se hoje, de repente, num «passe de mágica», o porta-voz do Partido Socialista para esta área. Não prestou para ter a tutela, enquanto Ministro, dessa área, mas hoje é o porta-voz do Partido Socialista para a mesma!
A confirmação da desgovernamentalização da televisão, por parte do parte do Partido Socialista, consta de um escrito do Deputado Arons de Carvalho, que diz que tiveram de aguentar uns programas sem qualquer interesse, mas que o governo lhes impôs, por várias vezes, interferindo, solicitando, e que não tinham interesse comercial, nem cultural, mas lá tiveram de se fazer esses programas - Deus sabe para servir que interesses! -, que o contribuinte foi pagando.

Risos do PSD.

Depois, na área financeira, a televisão tinha dificuldades. Então, o Sr. Primeiro-Ministro recebeu o Dr. Carlos Monjardino, da TVI, e o Dr. Pinto Balsemão, da SIC, e, nesse dia, decidiu dar ouvidos às reivindicações dos dois representantes dessas televisões, acabando com a publicidade no Canal 2 e reduzindo a do Canal 1. Tratou-se de dar mercado aos privados, foi a conclusão do Sr. Deputado Arons de Carvalho, e foi assim que se permitiu que a SIC tivesse lucro e que a TVI não entrasse em falência.
E são estes senhores que vêm agora pregar moral em torno da televisão e da isenção da sua gestão?! Meus senhores, é preciso o mínimo de pudor!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - É, é!

O Orador: - É deste quadro que partimos para a análise desta questão da televisão e da resolução deste problema grave.
Em relação à solução que aqui se adopta, devo dizer que é muito curioso ver a leitura que os Srs. Deputados vêm fazendo do Acórdão do Tribunal Constitucional: só lêem o que lhes interessa!

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Só lêem uma parte, de forma truncada. Da mesma forma, é interessante ver a leitura que fazem do parecer da Alta Autoridade. Não tiveram a hombridade de dizer que, em lado algum do seu parecer, a Alta Autoridade põe em causa o n.º 2 do artigo 3.º por nós proposto!

Vozes do PS: - Somos nós!

O Orador: - Em nenhum lado, a Alta Autoridade levanta essa questão. Mas vamos a ela!

O Sr. José Magalhães (PS): - Vamos, vamos! Finalmente!

O Orador: - É do mais elementar, nos princípios de Direito, e, designadamente, em sede constitucional, a não retroactividade…

Protestos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ouçam!

O Orador: - É óbvio que sim! As leis dispõem para o futuro…

O Sr. António Filipe (PCP): - É para o futuro imediato!

O Orador: - … e os senhores querem impor aqui uma norma retroactiva!
Mas vejam o paradoxo da vossa solução: se os senhores insistissem nessa ideia da retroactividade, então, para serem consequentes, iriam aproveitar a deliberação da Alta Autoridade contra a nomeação do actual Director de Programas, tornando-a vinculativa, e ficava resolvido o problema do actual Director de Antena!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi por unanimidade!

Protestos do PS.

O Orador: - É que a retroactividade tinha necessariamente de importar essa leitura e essa consequência, sob pena de incoerência e…

Protestos do Deputado do PCP António Filipe.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Assim, já não dava jeito!

O Orador: - … sob pena de absurdo!

Vozes do PS: - Então, é retroactiva ou não?!

O Orador: - Quando está em causa o estatuto de determinadas entidades ou soluções relativas à sua nomeação ou destituição, ou o que for, naturalmente que tem de haver o cuidado de impor que isso é uma solução para o futuro!
Faz algum sentido que alguém que foi nomeado num sistema que nada tem que ver com aquele que vai vigorar para o futuro passe a ser submetido a um parecer vinculativo para a destituição?! Não faz sentido!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, o seu tempo esgotou-se, pelo que tem de concluir.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado José Magalhães lembra-se da lei constitucional de 1997, que alterou o estatuto dos membros da Alta Autoridade?

O Sr. José Magalhães (PS): - Lembro!

O Orador: - Lembra-se V. Ex.ª do que se disse a propósito do artigo 39.º da Constituição, que fazia essa alteração? Dizia-se que o disposto no artigo 39.º, relativamente à alteração da Alta Autoridade e às suas nomeações, só passava a aplicar-se a partir da entrada em vigor da presente lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - A partir da entrada em vigor da presente lei! Exactamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):- Olhe que não! Aplica-se às nomeações a realizar a partir daí! Leia!…

O Orador: - Ás nomeações a realizar a partir daí! Exactamente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Eu até escrevi!

O Orador: - Escreveu, mas já se esqueceu!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Já tinha percebido que VV. Ex.as estavam todos muito esquecidos!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, desde logo para dar prazer aos Srs. Deputados da maioria, que gostam sempre de ouvir-me…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa figura regimental não está prevista, nem a de dar prazer nem a de maltratar.

O Orador: - … Não, Sr. Presidente, tratam-me sempre bem, não sou masoquista! Mas pedi a palavra também para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - E por que razão a sua bancada se sentiu agravada, Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Presidente, devido à forma desprimorosa, como certamente terá reparado, com que o Sr. Deputado Guilherme Silva se referiu à bancada do Partido Socialista.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não reparámos!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a estas horas da noite as ofensas já começam a ser muito curtas, portanto, peço-lhe o favor de ser breve na sua defesa da honra.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, registo que quanto ao fundo da questão nada disse, apenas referiu uma pequena intriga sobre se Manuel Maria Carrilo foi, não foi, vai ser, ou deixa de ser.
Quanto ao fundo da questão, é muito simples:…

O Sr. António Nazaré Pereira (PS): - Já foram ao fundo!

O Orador: - … a nossa proposta diz que deve haver intervenção do Conselho de Opinião para designação da administração, e até concedemos que não tenha uma intervenção vinculativa, porque o Tribunal Constitucional não disse que o Conselho de Opinião não podia intervir sobre a administração, o que disse foi que não podia intervir sem carácter vinculativo se isso não tivesse uma compensação. E nós temos a compensação, que é o parecer vinculativo da Alta Autoridade para a Comunicação Social para a exoneração e designação dos directores. Mas há uma enorme diferença relativamente à vossa proposta: é que o nosso parecer é vinculativo de modo incondicional e o de VV. Ex.as é vinculativo sob condição, em razão do fundamento, não esclarecendo, aliás, quem é que determina se o fundamento é vinculativo ou não.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem o faz é a Alta Autoridade para a Comunicação Social ou é o Governo?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto é uma defesa da honra, Sr. Presidente?

O Orador: - Quem é que decide qual foi o fundamento? Portanto, quem é que vai decidir se tem, ou não, natureza vinculativa?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto não é uma defesa da honra, Sr. Presidente.

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme Silva, não me venha com a retroactividade. Não houve ainda nenhuma exoneração, há-de haver uma, pelo que VV. Ex.as já anunciaram, e é para essa exoneração futura que tem de haver um intervenção vinculativa,…

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O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - … para respeitar o acórdão do Tribunal Constitucional!
Isto é uma coisa linear, e os senhores fazem mal, muito mal, em persistirem nesta teimosia!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, manifestamente, a sua intervenção não é de defesa da honra.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, peço-lhe o favor de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, pelas relações cordiais que tenho com o Sr. Deputado Guilherme Silva, não estou a fazer uma defesa da honra incendiária, é particularmente polida, mas não deixa de ser uma defesa da honra.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Creio, aliás, que deveria dar-me crédito e não penalizar-me pela forma polida com estou a dirigir-me ao meu colega Guilherme Silva, líder da bancada do PSD.

O Sr. Presidente: - Bem sei que está a ser muito polido, mas, manifestamente, a sua intervenção não é de defesa da honra. Portanto, peço-lhe o favor de concluir.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Portanto, Sr. Deputado Guilherme Silva, se os senhores deixarem os «fantasmas» e formos ao que interessa, o que tem de dizer é o seguinte: por que é que agora já não quer que o Conselho de Opinião intervenha sobre a administração? Por que razão quer que o parecer seja vinculativo sob condição de o fundamento ser a e não ser b?

Vozes do CDS-PP: - Sr. Presidente, isto não é uma defesa da honra!

O Orador: - Por que razão é que o Sr. Deputado entende que deve haver um hiato da Constituição? Por que é que a Constituição só «segue» dentro de momentos? E ainda não foi capaz - e quanto a isso honra lhe seja feita - de sustentar essa posição.
Mas faz mal em ter essa posição. Sabe porquê? Porque desta vez a proposta não vem do Governo e, portanto, vão ser os senhores, a sua bancada e a do CDS-PP, a pagar o opróbrio. Quando aquela «coisa» redigida «em cima do joelho» por um adjunto qualquer dos Srs. Ministros vier «chumbada», são os senhores que vão passar a vergonha! E o Sr. Deputado merece bastante mais do que passar pela vergonha de assumir as «dores» de um adjunto qualquer incompetente, que, esse sim, deveria estar irremissivelmente demitido, muito mais do que estar aqui a sustentar, só por uma honra frágil, uma inconstitucionalidade que sabe que existe e que não tem defesa!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, penso que V. Ex.ª tinha uma forma, que não é fácil, de defender a honra da sua bancada, que era explicar aos portugueses e pedir-lhes desculpa por 200 milhões de contos de passivo da televisão,…

Protestos do PS.

… por dívidas de 150 milhões de contos à banca estrangeira, de 50 milhões de contos à banca portuguesa, por 2 milhões de contos de juros, por 40 milhões de contos de dívidas a fornecedores e por 300 milhões de contos de prejuízos acumulados em seis anos. Não é fácil!

Aplausos de PSD.

V. Ex.ª estava preocupado com o facto de termos de pagar uma eventual inconstitucionalidade, mas V. Ex.ª tem um custo muito mais elevado para pagar.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, para pedir um mero esclarecimento à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a Mesa ajudar-nos-á. O nosso pedido de esclarecimento tem que ver com a interpretação deste processo legislativo e a questão que coloco é a seguinte: eu estava convencido que se falava em retroactividade da lei quando pretendia aplicar-se a lei a factos ocorridos no passado,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - … mas depois da intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, que disse que existe retroactividade quando se aplica a lei a uma exoneração que ocorrer no futuro, fiquei baralhado sobre o sentido da retroactividade e pergunto à Mesa se pode ajudar-nos nesta inquietação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, nestas matérias jurídicas, como sabe, há sempre muitas opiniões e a Mesa não vai dar a sua.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi extraordinário que neste debate, como aliás parece ser comum nas maiorias, se visse qual é o refrão do Governo actual. O refrão não é obviamente «deixem-nos trabalhar», porque isso, face a estes três meses, seria assustador para a população portuguesa.

Risos do PS.

Mas o refrão foi uma história que o Sr. Deputado Guilherme Silva aqui explicou melhor do que qualquer outro, como seria de esperar, que é a de um profeta que depois de uma longa e penosa travessia do deserto chegou à nossa terra e trouxe a palavra, o livro dos livros, que é o programa do PSD.
Mas o livro dos livros, nesta matéria, do qual aliás só poderíamos ser devotos seguidores, diz-nos o seguinte: «no que concerne ao actual sector público de comunicação social, o objectivo é desgovernamentalizar desde logo». Extraordinária realização: anuncia-se a desgovernamentalização e consegue-se - porque hoje o Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento conseguirá, com a votação que vamos ter - a governamentalização absoluta da RTP.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, quero dar-lhe os parabéns e reconhecer também que quando o Sr. Ministro fala pouco convence muito bem os Deputados da maioria e, porventura, quando fala menos convence melhor do que quando fala muito.

Risos do PS.

O certo é que temos aqui este resultado, e ele é óbvio: a RTP sai daqui governamentalizada.
Mas, Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento, recebendo os meus sinceros parabéns pelo seu silêncio, pela sua contenção, portanto, pela força da sua argumentação, não quero deixar de dizer-lhe que é a principal vítima desta resolução, porque ao longo deste tempo arrastou três meses por uma inconstitucionalidade, arrastou três meses não dizendo o que quer fazer da RTP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
De uma coisa o seu Governo não pode escapar, que é ter de tomar decisões sobre o futuro do serviço de televisão. Não o fez até agora, tem de o fazer e o País exige-o, e talvez fosse de saber neste momento, Sr. Ministro, o que é que tem a dizer-nos ou do que é capaz nesta matéria.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Ainda há um orador inscrito, que obviamente só pode ser o Sr. Ministro da Presidência.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

Vozes do PS: - Ah! Que surpresa!

O Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento): - Sr. Presidente, Sr.as e…

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Ministro.
O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Costa (PS): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, quero perguntar à Mesa se houve, entretanto, alguma alteração regimental, no sentido de os membros do Governo usarem da palavra apenas quando já não podem ser interpelados pelas bancadas, convertendo o debate parlamentar num monólogo.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

É que sei que o Sr. Ministro da Presidência é um homem determinado, corajoso e que não se refugiaria, com certeza, nestes truques para não ter de responder à oposição. Portanto, deve ter sido, certamente, uma imposição regimental que o levou a guardar-se para o fim, para só usar da palavra quando já ninguém pode intervir. Deve ser, certamente, por isso, Sr. Presidente!…

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, a sua interpelação, naturalmente, é retórica, mas posso dizer-lhe, isso, sim, que não há qualquer alteração regimental.
No entanto, o Sr. Ministro, como qualquer dos Srs. Deputados, inscreve-se para intervir quando melhor o entende. De resto, é muito natural até que o Sr. Ministro aproveite este momento para responder às objecções que lhe foram feitas por parte de diversos Srs. Deputados.
Em todo o caso, o Sr. Ministro inscreveu-se para usar da palavra, tem o pleno direito de o fazer e, por conseguinte, vai usar da palavra.
Faça, então, o favor de dar início à sua intervenção, Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tomo a palavra no final deste debate não para confirmar as capacidades premonitórias do Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, porque entendo que essas ficaram completamente comprovadas quando previu, há uns meses atrás, a queda do Governo socialista,…

O Sr. António Costa (PS): - Convém continuar a ler!…

O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Já fiz outra previsão!

O Orador: - … na sequência da desgovernação em que a coisa andava, mas, sim, por entender que este debate surge na sequência de propostas de alteração apresentadas pelos grupos parlamentares, cabendo ao Governo respeitar a iniciativa e o protagonismo dos grupos parlamentares na discussão das diferentes propostas, e porque o Governo não se furta, como não se furtará nunca,

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a responder a todas as questões colocadas. E a responder não àquelas questões que foram aqui capciosamente colocadas, e foram muitas, ao longo do debate, por parte dos Srs. Deputados Francisco Louçã, António Filipe e António Costa, como relativas a uma proposta que o Governo aqui trazia hoje. A essas não respondo, porque o Governo não trouxe, hoje, a esta Assembleia, nenhuma proposta, nem lhe cabia fazê-lo,…

Vozes do PS: - Lave as mãos!

O Orador: - … mas às que têm a ver com o sentido do debate que aqui foi travado.
Respondendo directamente ao Partido Socialista, quero dizer que, quando, há pouco mais de dois meses, assumi esta responsabilidade, a responsabilidade relativa ao sector público da comunicação social e, em particular, a de procurar fazer o que os senhores revelaram ser incapazes de fazer durante seis anos, aceitei que seria difícil fazer esta reforma mas nunca pensei que a vaidade fosse maior do que a vergonha.

Protestos do PS.

E quando ouço, hoje, o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho falar como falou, mais preocupado - parece-me!… - com o facto de o Ministro da Presidência, alguma vez, procurar disputar com ele a liderança de algumas revistas da especialidade mundana do que com a essência deste debate,…

Protestos do PS.

… devo dizer-lhe que não se preocupe, porque nunca estarei nesse campeonato, não me preocupo com discussões a esse nível,…

Protestos do PS.

… estou aqui, isso sim, não para responder a ataques, que, aliás, não me afectam, porque ofende quem pode e não ofende quem quer - e o Sr. Deputado, por muito que queira, não pode - e, portanto, não lhe respondo a muitos dos comentários que aqui fez,…

O Sr. António Costa (PS): - Então, diga lá ao que é que está?!

O Orador: - … estou aqui, repito, e mais uma vez, para me limitar a discutir as questões relativas à televisão pública.
Sobre essas questões e aquilo que foi hoje aqui discutido, devo dizer o seguinte: este Governo, na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional, sugeriu o seu entendimento aos grupos parlamentares, e assume-o nesta Assembleia, o qual foi consonante com o entendimento dos grupos parlamentares - e o Governo não o esconde, aliás comunicou-o publicamente e sublinha-o hoje de novo -, da suficiência da alteração proposta no que respeita às direcções de programação e informação relativamente à garantia da independência e pluralidade na televisão pública. É isso que resulta, de forma evidente, do acórdão do Tribunal Constitucional e que foi, de resto, repetido, de forma clara, pelos responsáveis daquele Tribunal.
Mas o Governo teve o cuidado de ir mais longe…

O Sr. António Costa (PS): - Criando uma nova inconstitucionalidade!

O Orador: - … e, de facto, como disse o Sr. Deputado Nuno Melo, mais longe do que o Partido Socialista se atreveu a ir na proposta de alteração que hoje trouxe a este Plenário. Dissemos que queremos mais e propusemos aos grupos parlamentares que, na proposta de alteração, constasse também, como consta, uma garantia de independência do Conselho de Administração, a qual existe, Meus Senhores, a partir do momento em que o Conselho de Administração entra em funções. O Conselho de Administração, quando decidir, se entender decidir, a substituição da Direcção de Programação e Informação é um conselho de administração que tem garantias de independência para além daquelas que os Srs. Deputados do Partido Socialista, agora, lhe pretendiam dar.

O Sr. António Costa (PS): - Falso!

O Orador: - Tem mais do que aquilo que os senhores lhe pretendiam dar!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

É um Conselho de Administração que tem garantias de independência e inamovibilidade em tudo iguais às que existem para o Banco de Portugal, para a ANACOM, para a CMVM, para a Comissão Nacional de Protecção de Dados e para tantas outras entidades em que os senhores consideram como suficiente, para garantir a independência, a inamovibilidade durante o exercício das funções.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, esgotou o tempo de que dispunha, pelo que lhe peço para concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É mais do que constitucional a proposta aqui apresentada, pelo que me espanta, de facto, que o Partido Socialista venha com pactos de regime, que há dois meses recusava, e sugerir não votar favoravelmente o que, há 15 dias, propunha como favorável. Com tudo isto, o Partido Socialista faz apenas uma coisa: procura esconder a enorme responsabilidade que tem num problema que este Governo nem hoje, nem nunca - pena é o tempo que já se perdeu -,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Por vossa responsabilidade!

O Sr. António Costa (PS): - E vai perder!

O Orador: - … se demitirá de resolver, que é o problema que os senhores criaram na RTP, na televisão pública, que este Governo, sem a extinguir, pelo contrário, reestruturando-a, garantirá aos portugueses que continuará a existir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho?

O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Para defender a honra pessoal e da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe para ser muito breve, Sr. Deputado. Tem a palavra.

O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - O Sr. Ministro da Presidência, desde a última vez que aqui esteve, bem como vários Deputados da maioria de direita, citaram abundantemente múltiplos dos meus trabalhos, e fizeram-no de tal modo que tal chegou a ser, na altura, um ponto referido por várias bancadas, como o Sr. Presidente se lembrará. Quis, pois, apenas, retribuir a sua gentileza dessa altura e a de tantas pessoas e procurei encontrar declarações proferidas pelo Sr. Ministro durante estes meses sobre a matéria. Não estamos a falar de revistas «rosa», estamos a falar de revistas/semanários, onde eu só consegui encontrar duas declarações do Sr. Ministro, porque, durante três meses, o Sr. Ministro, que tem a tutela do serviço público de televisão, reiteradamente mostrou que não tem uma ideia sobre o serviço público,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Zero!

O Orador: - … uma ideia sobre o audiovisual,…

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… uma ideia sobre a articulação do serviço público com os operadores privados, uma ideia sobre plataformas digitais! O senhor não tem ideia nenhuma, como acabou agora mesmo de mostrar! E por isso é que fica para o fim do debate, porque foge ao contraditório, porque foge à discussão, porque não sabe o que está a fazer!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Desde o princípio que o Sr. Ministro teve todas as condições para conduzir este processo, e se estamos hoje no ponto em que estávamos há três meses é por uma única razão: o Sr. Ministro conduziu mal este processo!

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Não foi a oposição que lhe fez nenhum bloqueio, foi o Sr. Ministro que conduziu mal este processo, como já foi aqui repetidamente dito! E digo-lhe mais uma coisa, Sr. Ministro: não vou continuar à procura das suas declarações, porque já compreendi que não valem a pena, mas vamos, eu, este Parlamento e, certamente, 10 milhões de portugueses, em directo, continuar a acompanhar as suas performances e a avaliar aqui, em breve, o estado em que os senhores vão deixar o serviço público de televisão. Isso é algo que fica garantido!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, não continue à procura de declarações deste Governo, olhe para as acções deste Governo!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PS: - São zero!

O Orador: - O Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, pelos seis anos da governação socialista, está habituado a olhar a declarações, porque os senhores só faziam declarações! Só diziam coisas, não faziam nada!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Costa (PS): - E o senhor, o que é que já fez?

O Orador: - Principalmente, não as procure nas revistas «rosa», porque - permita-me ter um gosto diferente do seu - não vai lá encontrar-me!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado, uma ideia sobre serviço público? É simples!

O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Está na lei!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - O Sr. Deputado tem um tique de uma «pretensialite» intelectual: gosta de criticar, mas pensa que não pode ser criticado!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não por quem seja menor!

O Orador: - Mas, se Deus quiser, vai ter-me aqui por muito e bom tempo para criticar aquilo que não foi capaz de fazer e aquilo que continua a não ser capaz de propor. Não se preocupe que estarei cá, pelo que terá muitas oportunidades para ganhar esse hábito salutar de ser criticado! Vai ter muitas oportunidades!
Uma ideia sobre serviço público de televisão? Uma ideia sobre a relação com os operadores privados? Ó Sr. Deputado, é simples (vamos ao negativo): serviço público de televisão é nada daquilo que os senhores fizeram até hoje,...

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

... ou seja, é os operadores privados não serem recebidos pelo Primeiro-Ministro e fazer-se, sem justificação, negócios que significam perda de receita para a televisão pública! Isso não, de certeza!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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Portanto, não se preocupe, ter-me-á aqui sempre para, em cada momento, explicar... É que explicar tudo de entrada, como os senhores gostariam, se calhar era continuar a fazer o negócio que os senhores começaram com os canais privados no tempo do vosso governo! Defenderei os activos da televisão pública de forma independente!
O espanto dos espantos é que o senhor, que não disse uma linha quando um ex-governante socialista «saltou» do governo para a presidência da RTP, venha afirmar agora que o Governo que, para além do que é exigido pelo acórdão do Tribunal Constitucional, diz querer uma administração, qual seja - e esta não tem nenhum militante do PSD…

Vozes do PS: - Está ali, na bancada do PSD!

O Sr. Presidente: - Peço à bancada do PS que tenha calma e ao Sr. Ministro que conclua as suas explicações, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, espero que seja descontado no tempo de que disponho o tempo das irritações do PS!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Como estava a dizer, este Governo propõe uma administração para a RTP que não integra nenhum militante do PSD ou do CDS-PP,…

O Sr. António Costa (PS): - É Deputado do PSD!

O Orador: - ... pelo que me parece o espanto dos espantos que o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho venha falar em independência de uma televisão que o anterior governo deixou nas mãos de um ex-governante do PS, sem que o Sr. Deputado, nessa altura, se tenha incomodado minimamente!
Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, a autoridade moral não vem de se repetir mil vezes uma mentira, que não se transforma em verdade por causa disso. A autoridade moral não vem do pretenso verniz intelectual que pomos em cima das declarações. A autoridade moral vem das nossas acções, e as acções do PS espelham bem a coerência e a moral com que se apresenta nesta Assembleia!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Se a interpelação se referir à ordem de trabalhos, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação tem a ver com a votação que se segue.
Gostaria de saber se algum Deputado entregou a V. Ex.ª uma declaração de conflito de interesses em relação à votação que vamos realizar.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, não foi entregue na Mesa qualquer declaração de conflito de interesses.

O Orador: - Sr. Presidente, se bem me recordo de todo este processo, creio que esta alteração legislativa visa viabilizar a nomeação de uma nova administração para a Radiotelevisão Portuguesa por parte deste Governo. Portanto, esta lei visa permitir a nomeação de um conselho de administração que este Governo indigitou. Ora, um dos indigitados, que será administrador da RTP, é Deputado nesta Casa e creio estar presente na Sala, o que configura uma situação de conflito de interesses, que o próprio deve declarar e ficar registado em acta.
Sr. Presidente, eu não teria feito esta declaração publicamente se não tivesse previamente suscitado a questão junto da direcção da respectiva bancada parlamentar. Também não o teria feito se o Sr. Ministro não tivesse agora procurado iludir a Câmara, escondendo o facto de querer nomear para a administração da RTP um Deputado do PSD que se encontra na Sala.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Após o Sr. Deputado Guilherme Silva usar da palavra também para interpelar a Mesa, certamente sobre a mesma matéria, darei a minha resposta sobre o assunto.
Faça favor, Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Costa saberá das incompatibilidades e dos impedimentos dos seus Deputados! Das incompatibilidades e dos impedimentos desta bancada sei eu!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS e do BE.

O senhor fará as leituras que entender do Estatuto dos Deputados; a nossa leitura é inspirada na Constituição e no sentido restritivo desses impedimentos e dessas incompatibilidades! É esta a postura que a Constituição indica!
O Sr. Deputado referido por V. Ex.ª não se encontra em nenhuma situação de conflito de interesses ao votar esta lei. Se se encontrasse não ficaria à sua espera para o ter declarado na altura própria!
Muito obrigado, Sr. Deputado, mas esteja atento à sua bancada que eu estou atento à minha!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, também para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa sobre esta matéria, colocando duas questões.
Em primeiro lugar, quero perguntar à Mesa se o Sr. Deputado agora referido pelo Sr. Deputado António Costa votou, ou não, a proposta inicial sobre esta matéria, há cerca de um mês e meio, e se alguma questão foi levantada na altura.

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O Sr. António Costa (PS): - Não sabíamos!

O Orador: - É que, verdadeiramente, Sr. Presidente, a matéria de hoje é o desenvolvimento da proposta inicial, e a primeira coisa a considerar é que levantar esta questão agora não é apenas um acto de chicana política, é uma total desconsideração para com a pessoa em causa e uma vergonha política para o Parlamento.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS) - Está na lei!

O Sr. António Filipe (PCP): - Leia o Estatuto dos Deputados!

O Orador: - Segunda nota muito rápida: também não deixa de ser curioso que, agora, o Partido Socialista se tenha especializado nesta matéria. À falta de ideias, especializou-se nas tricas processuais, regimentais e na chicana política. Há umas semanas atrás, noutro debate, tentou ofender o Deputado Pinho Cardão, agora fez o mesmo com outro Deputado. Penso que o Sr. Deputado António Costa tinha um caminho muito mais sério e muito mais responsável por onde seguir, o de ter outro respeito,…

O Sr. António Costa (PS): - Mas agora o Governo pronuncia-se sobre isto?

O Orador: - …mais ideias e uma postura mais construtiva.
Sr. Deputado, penso que é tempo de ser menos azedo e mais construtivo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, não releva, neste momento, nem a opinião que qualquer Deputado ou grupo parlamentar tenha sobre as propostas que temos em discussão em concreto nem o facto de, noutro momento, esta questão não ter sido invocada ou declarada pelo próprio. O que releva, neste momento, é que tem de aplicar-se, em cada situação, pelo próprio,…

O Sr. António Braga (PS): - Exactamente!

O Orador: - … e não por responsabilização de qualquer grupo parlamentar, a norma do artigo 27.º do Estatuto dos Deputados, que diz: «Os Deputados, quando apresentem projecto de lei ou intervenham em quaisquer trabalhos parlamentares, em Comissão ou em Plenário, devem previamente declarar a existência de interesse particular, se for caso disso, na matéria em causa.»

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Qual é o interesse particular?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se for caso disso!

O Orador: - Sr. Presidente, o que é evidente é que esta consideração de «interesse particular» a que o Estatuto dos Deputados se refere não quer apenas dizer que da discussão em causa se vá tirar um qualquer lucro económico! Quando se refere a «interesse particular», o Estatuto dos Deputados quer dizer que se das decisões que aqui se tomarem houver alguma situação em que o Deputado tenha um interesse próprio na solução adoptada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente, se, tal como foi anunciado, há um Sr. Deputado está para ser nomeado para o Conselho de Administração da RTP, cujo regime de nomeação está aqui em discussão, é impossível alguém dizer que não há, neste caso, um interesse particular.
De resto, a dramatização desta questão é absolutamente incompreensível, porque daqui não decorre mais nada senão a obrigação de o Sr. Deputado dizer que tem, nesta matéria, interesse particular. E prosseguimos o debate e a votação em conformidade com o Regimento e com o Estatuto!

Aplausos do PCP, do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Também para se pronunciar sobre esta mesma matéria, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro, não se pronunciou esta bancada anteriormente sobre o incidente ocorrido com o Sr. Deputado Pinho Cardão. Entendemos, na altura, que os factos se reportavam ao passado e que a sua incidência era discutível. Não é o caso do que estamos aqui a apreciar.
Tivemos, aliás, conhecimento, como foi o caso da bancada que está em causa e certamente de todas as outras, que esta questão foi suscitada em tempo útil, o que permitiria tanto à bancada ter uma atitude sensata quanto ao próprio Sr. Deputado interpretar uma situação de extrema incomodidade em que aceitou colocar-se e que poderia ter evitado com toda a elegância e dentro das normas regimentais e estatutárias, acima de qualquer crítica e de qualquer discussão.
Lamento que a bancada do PSD e o Sr. Deputado tenham preferido esperar pelo incidente, tenham desejado o incidente, mas lamento ainda muito mais que o Sr. Deputado Guilherme Silva tivesse dito aquilo que ninguém pode aceitar nesta Assembleia, ou seja, que esta é uma matéria do foro interno da própria bancada.
Não, Sr. Deputado, o Estatuto, o regime de incompatibilidades e o Regimento, sejam eles mal ou bem interpretados, dizem respeito a todos. O certo é que o rigor dessa interpretação depende exclusivamente de toda a responsabilidade política que partilhamos em relação à honra de cumprirmos as funções electivas que aqui nos trazem.
Não se trata, portanto, de uma matéria exclusiva de uma bancada e nenhum proteccionismo pode impedir a clareza deste debate e o rigor pelo qual ele deve pautar-se.
Por isso, a atitude do Sr. Deputado Guilherme Silva é lamentável nesta matéria, porque pretende extrair do debate aquilo que sabia que ocorreria, que podia ter evitado e que, em nome da cordialidade e da tranquilidade parlamentar, tinha de ter evitado.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A única e exclusiva responsabilidade deste incidente é do Sr. Deputado Guilherme Silva e do Deputado que está em causa, que deviam ter evitado esta situação e não o fizeram. E podiam tê-lo feito, porque, naturalmente, esta votação - e com isto concluo, Sr. Presidente - tem como função abrir as portas a uma solução que o Governo pretende impor, da qual o Sr. Deputado em causa é parte integrante como candidato à administração da RTP.
Isto é o mesmo que dizer que nesta matéria só a clareza podia vencer. E foi a clareza que os Srs. Deputados do PSD não quiseram, para sua vergonha.

Aplausos do BE, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Costa pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, era para, em função das palavras proferidas pelo Sr. Deputado Guilherme Silva e pelo Sr. Ministro Luís Marques Mendes, formular um protesto, mas creio que, neste momento, o incidente está devidamente esclarecido.
Tratou-se de um episódio lamentável e gostaria de apelar à bancada do PSD para que, da próxima vez, evite colocar a Câmara ou qualquer dos seus Deputados na situação lamentável em que foram colocados.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Também para se pronunciar sobre esta matéria, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é para dizer, sinteticamente, que o Estatuto dos Deputados e o Regimento da Assembleia da República se aplicam a todos os Deputados, sem excepção, e não permitem interpretações distintas.
Esta é uma situação que configura, manifestamente, um conflito de interesses e penso que a Assembleia da República e todos nós deveríamos ser dispensados de um comportamento que é desprestigiante para o Parlamento e que devia ser rapidamente sanado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Gonçalo Reis, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Gonçalo Reis (PSD): - Sr. Presidente, é para dizer que, embora considere que não há interesse particular ou mesmo conflito de interesses, e que, portanto, estaria legitimado para votar, para evitar uma questão de pura regatearia política, não votarei este diploma.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, e como vamos proceder a votações sistemáticas, peço ao Sr. Deputado Gonçalo Reis que deixe o Hemiciclo.

Neste momento, o Sr. Deputado do PSD Gonçalo Reis saiu da Sala.

Antes de passarmos às votações, informo que a Mesa procedeu a uma nova contagem dos Deputados presentes, da qual resultou a constatação de que os números se encontram perto dos que revelei anteriormente, ou seja, estão presentes 99 Deputados do PSD, 55 do PS, 14 do CDS-PP, 9 do PCP, 3 do BE e 2 de Os Verdes.
Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação, na especialidade, das propostas de alteração relativas ao Decreto n.º 3/IX.
Vamos começar por votar a proposta de alteração do artigo 6.º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto, apresentada pelo PSD e CDS-PP.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

É a seguinte:

«Artigo 6.º
Nomeação e exoneração de directores

1 - ................................................................................
2 - O parecer referido no número anterior, quando recaia sobre a nomeação e exoneração dos directores que tenham a seu cargo as áreas da programação e informação do operador público de televisão, tem natureza vinculativa sempre que estiver fundamentado na violação das garantias previstas no n.º 6 do artigo 38.º da Constituição.
3 - (anterior n.º 2)»

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que a proposta de aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 27º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, apresentada pelo PS, se encontra prejudicada.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, está efectivamente prejudicada. Propúnhamos que o parecer da Alta Autoridade tivesse efeito vinculativo e incondicional, no entanto a maioria desta Câmara já impôs a intervenção com controlo da Alta Autoridade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é por essa razão!

O Orador: - Portanto, está obviamente prejudicada a fiscalização plena e o efeito vinculativo da intervenção da Alta Autoridade e está efectivamente prejudicada a independência da RTP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a sua intervenção tratou-se de uma declaração de voto, o que contraria o Regimento. Peço-lhe o favor de não o voltar a fazer.
Está, então, prejudicada esta proposta de aditamento.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração do artigo 43.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, apresentada pelo PSD e CDS-PP.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do BE.

Página 1098

1098 | I Série - Número 027 | 04 de Junho de 2002

 

É a seguinte:

«Artigo 43.º
(Concessionária do serviço público)

1 - ................................................................................
2 - ................................................................................
3 - Os membros do conselho de administração da concessionária do serviço público de televisão não podem ser destituídos em momento anterior ao do termo do respectivo mandato, salvo ocorrendo falta grave comprovadamente cometida pelo titular no desempenho das suas funções ou no cumprimento de qualquer outra obrigação inerente ao cargo, ou em caso de incapacidade permanente.
4 - (anterior n.º 3)
5 - (anterior n.º 4)»

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado? Se é para fazer uma declaração de voto disfarçada, não lhe dou a palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a sugestão que gostaria de fazer tem a ver com a ordem e a sequência da votação das propostas.
Quanto à matéria que vai ser apreciada seguidamente, o PSD e o CDS-PP propõem a eliminação de qualquer intervenção do Conselho de Opinião e o PS tem uma proposta de reformulação.
Nesse sentido, Sr. Presidente, sugerimos que a proposta do PS seja votada em primeiro lugar, para permitir uma sequência lógica das votações. De contrário, seria considerada prejudicada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É evidente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, as propostas de alteração da mesma natureza devem ser votadas por ordem de entrada na Mesa, a não ser que seja requerido diferentemente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, estou a requerer a alteração da ordem de votação das propostas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado verificar não haver consenso para que se vote o requerimento, passamos à votação da proposta de alteração do artigo 48.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, apresentada pelo PSD e CDS-PP.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

É a seguinte:

«Artigo 48.º
Conselho de Opinião

1 - ................................................................................
2 - Compete ao Conselho de Opinião:

a) [anterior alínea b)]
b) [anterior alínea c)]»

O Sr. Presidente: - A proposta de alteração do artigo 48.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, apresentada pelo PS, está prejudicada.
Passamos à votação da proposta de aditamento de um novo artigo 58.º-A, inserido no novo capitulo V-A («Fiscalização parlamentar»), à Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, apresentada pelo PS.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Era a seguinte:

«Artigo 58.º-A

1 - É criada a Comissão Parlamentar de Avaliação do Serviço Público de Televisão e de Política do Audiovisual.
2 - A Comissão visa, designadamente:
estudar e propor, sob a forma de resolução, o conceito estratégico do serviço público de televisão e a clarificação das formas de garantir a máxima eficiência e complementaridade entre os vários canais de serviço público presentemente existentes;
intervir na definição legal do âmbito, do conteúdo e das obrigações do serviço público de televisão;
intervir no estudo e actualização do modelo de financiamento do serviço público de televisão;
estudar medidas tendentes ao desenvolvimento da produção audiovisual nacional, dinamizando formas de apoio à produção pública e privada e a respectiva articulação.
3 - A Comissão, em cooperação com a Alta Autoridade para a Comunicação Social, procede ainda à avaliação do cumprimento actual da lei de televisão em vigor pelos operadores público e privados, elaborando e publicitando relatórios periódicos.»

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente, no sentido de dar uma sugestão relativamente à forma de votação, exercendo, aliás, um direito da nossa bancada.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o artigo 3.º apresentado pelo PSD e CDS-PP, que tão polémico se revelou, é composto por duas partes: o n.º 1 e o n.º 2.

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1099 | I Série - Número 027 | 04 de Junho de 2002

 

Visto o n.º 1, que se refere à entrada em vigor da presente lei, apresentado pelo PSD e CDS-PP, coincidir com o apresentado pelo PS, propomos que as duas propostas sejam votadas simultaneamente.
Quanto ao n.º 2 da proposta do PSD e CDS-PP, solicitamos que seja votado em separado.
Ou seja, requeremos a votação separada dos n.os 1 e 2 do artigo 3.º proposto pelo PSD e CDS-PP.
O direito de requerer a votação separada é completamente inquestionável, obviamente, e estou a exercê-lo. Quanto à votação conjunta de propostas iguais, Sr. Presidente, há uma norma que também sugere que propostas iguais sejam votadas simultaneamente, independentemente da data de apresentação, e é o caso.
Portanto, o que requeremos não é nada de especial.

O Sr. Presidente: - Não há qualquer problema em que assim se faça. Portanto, vamos passar à votação conjunta da proposta apresentada pelo PSD e CDS-PP, do n.º 1 de um artigo 3.º, e da proposta apresentada pelo PS, de um artigo 3.º, cuja redacção é igual.

Submetidas à votação, foram aprovadas, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e abstenções do PCP, do BE e de Os Verdes.

É a seguinte:

1 - A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de aditamento do n.º 2 a um artigo 3.º, apresentada pelo PSD e CDS-PP.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

É a seguinte:

2 - A nova redacção dada ao artigo 6.º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto, só é aplicável aos titulares nomeados a partir da data da entrada em vigor da presente lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global das propostas de alteração entretanto aprovadas.

Submetidas à votação, foram aprovadas, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O texto aprovado baixa à 1.ª Comissão para efeito de redacção, que espero que possa ser feita com a maior rapidez.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, segundo o n.º 3 do artigo 171.º do Regimento, só se a Assembleia deliberar é que o texto volta à comissão para efeitos de redacção. Neste sentido, informo o Sr. Presidente que, pela nossa parte, o texto aprovado não necessita de voltar à 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Visto o Sr. Deputado Luís Marques Guedes invocar o n.º 3 do artigo 171.º do Regimento, vou lê-lo: «O texto que na segunda deliberação tenha sido objecto de expurgação das normas julgadas inconstitucionais pode, se a Assembleia assim deliberar, voltar à comissão para efeito de redacção final».
Portanto, na interpretação do Sr. Deputado, é preciso uma deliberação da Assembleia para voltar à comissão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente. Mas como nós não deliberamos, não volta!

O Sr. Presidente: - É, portanto, necessário uma deliberação da Assembleia para voltar à comissão, não basta um simples despacho presidencial.
Sendo assim, resta-me perguntar à Assembleia se deseja que o diploma volte à 1.ª Comissão, ou não,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós não queremos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - … porque, se ninguém requerer e havendo esta norma no Regimento, o texto aprovado não descerá à 1.ª Comissão para efeitos de redacção final.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, como acabou de ler e bem, a baixa à comissão depende do Plenário. A nossa opinião é que deve baixar à comissão, e cremos, até, estar a fazer um grande favor ao Governo nesta matéria.
Portanto, requeremos que baixe à 1.ª Comissão para redacção final.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entendendo a intervenção do Sr. Deputado Francisco Louçã como um requerimento de baixa à 1.ª Comissão, para efeitos de redacção, do texto aprovado, vamos votá-lo sem discussão.

O Sr. António Filipe (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é para, através de uma interpelação à Mesa, fazer um apelo ao bom senso.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, peço desculpa, mas agora estamos perante um requerimento, que tem de ser votado.

Página 1100

1100 | I Série - Número 027 | 04 de Junho de 2002

 

Srs. Deputados, vamos votar o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Francisco Louçã.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, e terá, além de um período de antes da ordem do dia, como ordem do dia, a discussão dos projectos de resolução n.os 35 a 38/IX (Presidente da AR), a discussão do projecto de deliberação n.º 6/IX (PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes), a discussão do projecto de resolução n.º 41/IX (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), o debate do Orçamento suplementar da Assembleia da República, bem como a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 15/IX e dos projectos de lei n.os 76/IX (BE), 82/IX (PCP) e 91/IX (PS) e a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 61/IX (PS) e 75/IX (BE), e ainda o período regimental de votações.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 22 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia

Partido Socialista (PS):
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Jerónimo Carvalho de Sousa

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Henrique José Monteiro Chaves
João Eduardo Guimarães Moura de Sá

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto de Sousa Martins
Augusto Ernesto Santos Silva
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
Maria Isabel da Silva Pires de Lima

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