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1316 | I Série - Número 032 | 12 de Julho de 2002

 

da lei que o PS fez aprovar há dois anos nesta Assembleia da República.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tal qual um ritual político que, sazonalmente, se repete em cada ano, eis que a questão dos touros de morte está de novo lançada, em discussão na opinião pública e também para decisão hoje no Parlamento. Dito de outro modo, está lançada a discussão e, aqui, a decisão sobre se, sim ou não, se deve - ainda que a título excepcional, afirma-se - autorizar espectáculos tauromáquicos em que os animais lidados sejam, de imediato, mortos pelo toureiro na própria arena.
Uma polémica acesa que invariavelmente tem confrontado - por vezes, há, que reconhecê-lo, com demasiada agressividade e mesmo falta de respeito por parte dos opositores a esta prática - diferentes opiniões. Um confronto, acima de tudo, que, mais do que dividir posições políticas (que, porventura, nesta matéria, só Os Verdes sempre tiveram com clareza), confronta sobretudo atitudes éticas, filosóficas e culturais totalmente distintas e por vezes antagónicas.
Posições, de um lado, daqueles que, em nome dos interesses fundamentais dos animais, em defesa dos seus direitos, pelo dever da sua protecção, contra a crueldade infligida no espectáculo das touradas em geral, e obviamente, por isso também, contra os touros de morte, se opõem à possibilidade de excepcionar, numa zona do País, aquilo que, na sua generalidade, se considera crime e divertimento impróprio, ou seja, o espectáculo em que o acto de matar é feito festa e a morte do touro, na arena, a sua consagração.
Posições, de outro lado, de outros que, em relação a uma pequena comunidade raiana, a de Barrancos, reclamam, em nome do seu direito à memória, em nome da força de uma tradição viva, durante anos e anos mantida pela vontade de manter uma prática ancestral intimamente ligada à vida comunitária, aos cultos religiosos e às suas formas pagãs, no direito de celebrar rituais.
Um confronto entre duas visões radicalmente opostas, um confronto que não é, seguramente, entre politicamente correcto ou não, que não é seguramente um confronto entre bárbaros e pretensos civilizados, mas é de certo um confronto que é totalmente distinto na abordagem e que parte de pressupostos diferentes. Uns, como Lorca, aqueles que consideram «a tauromaquia a festa mais culta que há no mundo», e outros, como Victor Hugo, que o recusam frontalmente por entenderem (e com esta posição nos identificamos) «que a protecção dos animais faz parte da moral e da cultura dos povos». Visões totalmente distintas e uma posição muito clara de Os Verdes sobre esta matéria, desde sempre, desde 1990, data em que tivemos a primeira iniciativa política nesta matéria, aliás, uma posição que radica na nossa própria condição ecologista, na nossa identidade política, que está intimamente ligada aos valores pelos quais nos pautamos, aos princípios que orientam a nossa intervenção, à atitude que temos perante a vida, a natureza e tudo o que nos cerca.
É, pois, nesta perspectiva que, para Os Verdes, o que é fundamental nesta discussão não é se sim ou não à violência acrescida que, hipoteticamente, a morte de um touro na arena pode significar. Aliás, isto é duvidoso e, pessoalmente, considero bem mais perversa a possibilidade de um animal, depois de ser dilacerado o seu corpo, torturado e obrigado a um confronto desigual com o homem, seja obrigado a morrer em condições pouco dignas para a sua condições, fora dos olhos daqueles que assistiram ao espectáculo.
A questão que está colocada, para Os Verdes, e é em função dela que pautamos e sustentamos a nossa posição política, é que não se trata aqui de dizer sim ou não à preservação de uma tradição e à manutenção de uma herança cultural, por minoritária que seja. Não é essa a questão nem se trata de menosprezo pela especificidade cultural de uma região. Para nós, o que se questiona são as próprias tradições enquanto tal - a sua sacralização é uma via que repudiamos. Provavelmente, se nunca o tivéssemos feito, ainda teríamos hoje mantido, por tradição, a pena da morte, ainda teríamos mantido a violência contra as mulheres como uma prática, ainda teríamos mantido a não atribuição do voto às mulheres.
É pois porque assim pensamos que iremos, de acordo com os nossos valores, dizer não a esta proposta e continuarmos, hoje como sempre, a bater-nos contra os touros de morte, porque nos batemos contra todas as touradas em Portugal.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com todo o respeito por quem pensa de maneira contrária, a começar pela maioria do meu grupo parlamentar, a quem agradeço o tempo concedido, votarei de acordo com aquilo que sempre tenho defendido. Não estou minimamente preocupado com a imagem do Governo, mas também não esqueço que esta questão foi, em parte, empolada e artificialmente criada por quem quis pôr em causa a imagem do governo anterior. Houve até gente que parecia empenhada em que o governo do PS fizesse correr o sangue de pessoas em Barrancos, em nome de uma distorcida e autoritária concepção do Estado de direito. Felizmente que isso não aconteceu!

Vozes do PS: - Muito bem! Bem lembrado!

O Orador: - A mim, o que me preocupa é a questão em si, e o que deve preocupar esta Câmara é também a questão em si: a da tradição, mas não da tradição como um valor absoluto. Penso que o que está em causa é, sobretudo, um problema de diversidade cultural, de direito identitário, e a democracia deve preocupar-se com os novos direitos identitários e com o costume como fonte de direito.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não vou chamar bárbaros aos que não gostam de touros nem bárbaros aos que gostam; eu gosto da corrida, gosto da corrida de touros de morte e não preciso de me escudar em grandes figuras aqui citadas, algumas até não citadas, como o grande poeta alemão Rainer Marie Rilke, que era também um aficcionado dos touros. Ninguém pode obrigar ninguém a gostar ou a não, mas não é isso que aqui se discute neste momento, o que se discute é o respeito ou não por uma diversidade cultural.

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