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Sexta-feira, 12 de Julho de 2002 I Série - Número 32

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE JULHO DE 2002

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 106 e 107/IX e 111 a 113/IX, bem como do projecto de resolução n.º 42/IX.
Foram discutidos, na generalidade, os projectos de lei n.º 86/IX - Altera a Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, e o Decreto-Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (PSD e CDS-PP) e 93/IX - Altera a Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, que proíbe como contra-ordenação os espectáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses neles lidadas (PCP). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Rodeia Machado (PCP), Vitalino Canas (PS), Pedro do Ó Ramos, Fernando Penha e Paulo Pereira Coelho (PSD), Isabel Castro (Os Verdes) e Manuel Alegre (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 11 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Trigo de Morais de Albuquerque Reis
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda

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Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Santos de Magalhães
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 106/IX - Integração do lugar de Carregais na freguesia de Ribeira de Frades e desanexação da freguesia de Taveiro (PS), que baixa à 4.ª Comissão, 107/IX - Elevação da vila de Mealhada, no concelho de Mealhada, à categoria de cidade (Deputado do PSD Gonçalo Breda Marques), que baixa à 4.ª Comissão, 111/IX - Banco de terras e fundo de mobilização de terras (PS), que baixa à 10.ª Comissão, 112/IX - Adopta medidas legais tendentes a instituir e viabilizar o cartão do cidadão (PS), que baixa à 1.ª Comissão, e 113/IX - Consagra o direito das associações de pessoas com deficiência de integrarem o Conselho Económico e Social (Os Verdes), que baixa à 8.ª Comissão; e projecto de resolução n.º 42/IX - Suspensão da cobrança ou redução do valor de portagens em casos especiais (PSD).
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Sr. Deputados, vamos iniciar a ordem do dia de hoje, que prevê a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 86/IX - Altera a Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, e o Decreto-Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (PSD e CDS-PP), e 93/IX - Altera a Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, que proíbe como contra-ordenação os espectáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses neles lidadas (PCP).

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, gostaria de solicitar a V. Ex.ª a informação sobre se tem alguma notícia de que o Governo vai assistir a este debate, uma

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vez que se trata de um tema que atribui competências a um departamento ministerial e que, manifestamente, visa resolver um problema do Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tenho qualquer notícia sobre a presença ou não do Governo. Há pouco tentei falar com o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e não consegui. Lembrei-me, depois, que o Conselho de Ministros reúne quinta-feira de manhã. No entanto, se o Governo vier, será sempre bem-vindo, obviamente.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, também peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, não tendo qualquer informação sobre a presença ou não do Governo e sabendo, como V. Ex.ª acabou de dizer, que o Governo está reunido em Conselho de Ministros, gostaria apenas de dizer que não me parece lógico nem normal que o Sr. Deputado Vitalino Canas faça, em relação aos proponentes dos projectos de lei, uma insinuação quanto ao seu conteúdo antes de eles próprios os poderem apresentar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Peço a palavra para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vou dar-lhe a palavra, Sr. Deputado Vitalino Canas, mas não vamos entrar nesse pingue-pongue, senão nunca mais começamos os trabalhos. Peço-lhe que seja brevíssimo.
Tem a palavra.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de lhe pedir que faça chegar ao Sr. Deputado Telmo Correia o organigrama do Governo, onde ele poderá comprovar que também há secretários de Estado que normalmente não estão presentes nas reuniões dos Conselhos de Ministros.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - E quanto à outra questão, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vitalino Canas, é provável que o Sr. Deputado Telmo Correia disponha desse organigrama e, assim, a Mesa dispensa-se de fazer uma fotocópia e enviar-lhe.
Srs. Deputados, vamos, então, dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 86/IX - Altera a Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, e o Decreto-Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (PSD e CDS-PP), e 93/IX - Altera a Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, que proíbe como contra-ordenação os espectáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses neles lidadas (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, que dispõe de 20 minutos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Ss. Deputados: Quero, em primeiro lugar, recordar que a discussão que aqui travamos hoje com base em dois projectos de lei - um, subscrito por Deputados do PSD e do CDS-PP, do qual sou subscritor, e outro oriundo da bancada do PCP - não é a primeira sobre este tema, ainda que tenhamos a convicção de que possa ser a última.
Várias vezes aqui se discutiu, com base em vários projectos provenientes da nossa bancada, da do Partido Comunista Português e da do Partido Socialista, a questão das festas com touros de morte realizadas anualmente na vila alentejana de Barrancos.
O que está em causa nesta discussão é, sobretudo, a realização das festas em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, que têm profunda natureza popular e religiosa. São festas realizadas por uma população pacífica do interior,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … por uma população que vive próximo da raia de Espanha.
A natureza pacífica desta população, que faz a sua festa na praça central de Barrancos, demonstra-se, entre outros, pelo facto, que aqui foi lembrado em tempos pelo Sr. Deputado Rodeia Machado, de ser, provavelmente, um dos locais com menor criminalidade do País e também, como recentemente ficámos a saber, de ser um dos locais onde a participação na vida escolar e, até, o sucesso escolar são dos mais elevados do País.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Estas festas são para aquela população não só um património fundamental como, provavelmente, o seu maior património. Os barranquenhos, à semelhança do que acontece com outras localidades e, até, com outros povos e países, têm uma festa que não se esgota num dia nem naquele momento na praça central, mas que leva, pelo que pude constatar e conversar com eles, largos e largos meses de envolvimento da população na preparação daquela celebração.
É por isso que aquela festa é tão importante para aquela gente esquecida do interior. É por isso que aquela festa é mais do que uma simples corrida de touros; é factor fundamental da sua identidade, da sua maneira de ser e é aquilo que têm de mais precioso e de mais rico no seu património cultural.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O que está em causa com este debate, Sr. Presidente e Sr. Deputados, é uma coisa muito simples: é saber se esta população pacífica, de tradições culturais fortes, pode ou não fazer a sua festa sem estar sujeita a ameaças, a pressões, a uma tensão, a toda uma angústia que, nos últimos anos, tem envolvido a preparação e realização dessa festa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É isto que está em causa. Não vejo que possa estar em causa mais do que isto!
Não se trata, como alguns pretendem, de uma questão ideológica de fundo que oponha cidadãos urbanos, civilizados e portadores de uma mensagem nova contra uma população rural que vive na barbárie ou na ignorância.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - E a demonstração disso é que, quando há liberdade, quando há direito de opinião, quando não há alguém que tente impor regras de disciplina de voto a Deputados que, no passado, assinaram projectos muito parecidos com estes, há em todas as bancadas quem seja a favor e quem seja contra. E nós não podemos deixar de respeitar quem está a favor e quem está contra, porque nesta matéria está envolvida também uma questão de sensibilidade.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - É evidente que quem for contra qualquer tourada e as quiser até proibir, por maioria de razão, será contra a realização desta festa de Barrancos. Isso é natural e decorre da sensibilidade de cada um. Contudo, como aqui foi dito, não é essa a questão fundamental.
A questão fundamental é a do respeito, ou não, por um princípio que tem a ver com a realidade da terra e com a sua população. A população de Barrancos conhece melhor a realidade da sua terra, a relação com os próprios animais, do que conhecem cidadãos urbanos, pretensamente muito civilizados mas muito distantes da realidade dessa população rural.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

Quando muito, o que está aqui em causa, menos do que um princípio ideológico, é um princípio de diversidade, aquilo a que modernamente se chama multiculturalismo. Fundamentalmente, o que aqui está em causa é saber se uma população, que tem uma prática e uma festa que é, provavelmente, diferente - e acredito que assim seja! - daquilo que se verifica na generalidade do País, pode ou não fazer e viver essa sua festa.
A terminar esta minha primeira intervenção, Sr. Presidente, gostaria de deixar claríssimo o seguinte: não está em causa a tauromaquia em geral, em Portugal. As touradas são permitidas em Portugal e quanto a essa matéria não há qualquer alteração. Insinuar que isso pode estar em causa é deturpar o que se pretende.
Muito menos está em causa a proibição geral da realização de corridas com touros de morte. Em Portugal, são proibidas as corridas com touros de morte, e nós pensamos que essa proibição deve ser mantida com clareza e com firmeza! Não é isso que está em causa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Muito menos está em causa, como já ouvimos insinuar com alguma desonestidade intelectual, que o que está a ser discutido tem a ver com outras realidades, com outros animais, com outro tipo de espectáculos ou com outro tipo de actividades. Não é isso que está aqui a ser discutido. Quanto a essa matéria, não há qualquer alteração.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Li várias vezes o nosso projecto de lei (e lerei as vezes que forem precisas) e o que ele diz é: «As touradas com touros de morte são excepcionalmente autorizadas (…)». Não se escreveu, nem se poderia escrever nunca, «corridas com pombos de morte», porque essa é uma realidade que não conhecemos e não é dela que estamos a tratar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Unicamente do que se trata, sem que se permita que se desvie a atenção por parte de quem quer que seja, é saber se, excepcionalmente, aquela festa de Barrancos se pode ou não realizar.
Mas há um segundo argumento: o de que, mesmo com os requisitos que constam nos projectos de lei e que serão apresentados num texto único proveniente da 1.ª Comissão, no sentido de que só uma tradição ancestral e ininterrupta com, pelo menos, 50 anos permitirá a realização deste evento, ainda assim, há quem diga que o que se pretende é a generalização. Não concordo! Penso que, apesar da lei que actualmente existe e que foi feita pelo Partido Socialista (que, na altura, queria mais, mas, à última hora, recuou e não foi capaz de resolver o problema), se continuarmos a ter uma festa à margem da lei ou se continuarmos a ter dificuldade em aplicá-la, estaremos a permitir muito mais a generalização do que se aceitarmos, concordando ou não, uma situação que está profundamente enraizada naquela população e se mantivermos, inquestionavelmente, a proibição geral no País. É que esta legislação não pode destinar-se a quem, oportunisticamente, queira introduzir as corridas com touros de morte em locais onde não existe tal tradição, argumentando, por exemplo, que, em 1950, um touro foi ilegalmente morto durante uma corrida, ou que, em 1974, quando toda a gente andava distraída com a Revolução, foram mortos outros dois algures.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Esta legislação não pode, pois, servir para abranger tais casos nem consideramos aceitável que assim seja.
Por outro lado, em relação à questão da autoridade do Estado, aos que, no passado, defenderam tudo e o seu contrário, tiveram tantas dúvidas quanto a esta matéria e apresentaram projectos de lei iguais ao actual, subscritos por Deputados que, se calhar, agora, vão respeitar a disciplina de voto, aos que defenderam tudo e, agora, estão tão cientes da autoridade do Estado, quero dizer que a autoridade do Estado é um valor importante…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Pois é!

O Sr. Vitalino Canas (PS): - É uma questão de coerência!

O Orador: - Não fale em coerência, Sr. Deputado! Não fale em coerência porque o senhor não tem nenhuma legitimidade para o fazer!
Continuando, direi que sei como vão votar alguns dos Srs. Deputados que sempre foram coerentes nesta matéria, como é o caso, por exemplo, do Sr. Deputado Manuel Alegre, o qual, embora ainda não o tenha afirmado explicitamente, não tenho dúvidas de como procederá.
Quero saber qual será o sentido de voto de outros Deputados da sua bancada que, no passado, subscreveram um projecto de lei igual a este que está em discussão,…

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Não era igual! O vosso projecto permite tudo, até mesmo lutas de cães!

O Orador: - … mas que, agora, porque os senhores querem criar mais um incidente político, certamente vão

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mudar o respectivo sentido de voto, acatando a disciplina que o líder da vossa bancada quer impor. Aí é que se põe a questão da coerência.
A autoridade do Estado é importante mas não é um valor absoluto. Só em ditaduras é que a autoridade do Estado é um valor absoluto, só as ditaduras é que não respeitam a diversidade entre as populações.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em Portugal, mesmo durante a ditadura, esta tradição manteve-se e esta festa sempre foi realizada. Portanto, não vão por aí porque irão por mau caminho.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda, para o que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, não farei juízos de valor sobre o mérito desta iniciativa legislativa, antes vou colocar-lhe duas perguntas muito concretas.
Em primeiro lugar, sendo a lei de lei carácter geral, o clima que o rodeia e a própria intervenção do Sr. Deputado deixaram claro que se trata do caso de Barrancos.
Assim, pergunto se o Sr. Deputado está em condições de garantir que a lei que daqui vai resultar é única e exclusivamente aplicável ao caso de Barrancos. Faço-lhe esta pergunta porque, para além do conteúdo da lei, temos de atender à intencionalidade política.
Em segundo lugar, embora sendo da competência da Inspecção-Geral das Actividades Culturais a concessão de autorização para corridas com touros de morte, pergunto se considera aceitável que apenas seja necessária a verificação por parte da câmara municipal interessada quanto aos requisitos que a lei contempla para a prática de tais corridas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, que dispõe igualmente de 3 minutos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, não poderia estar mais de acordo consigo quanto à necessidade do carácter geral e abstracto da lei. Efectivamente, assim é e por isso, no passado, tivemos algumas reservas relativamente a projectos de lei sobre esta matéria nos quais se tipificava, precisamente, o caso de Barrancos, dizendo-se «é aplicável a Barrancos», o que não seria admissível.
Este projecto de lei que apresentamos tem, quanto a nós, carácter geral e abstracto porque define os requisitos para que a lei possa ser aplicada, dizendo-se que «A realização de qualquer espectáculo com touros de morte é excepcionalmente autorizada no caso em que sejam de atender tradições locais que se tenham mantido de forma ininterrupta, pelo menos, nos 50 anos anteriores à entrada em vigor do presente diploma, como expressão de cultura popular, nos dias em que o evento histórico se realize.»
Creio ser do conhecimento geral que esta situação é, claramente, a de Barrancos e que não há dúvida de espécie nenhuma sobre isso. Poderá haver dúvidas quanto a saber se terá havido interrupções, designadamente durante a Guerra Civil de Espanha, mas sabemos que esta é a situação do caso de Barrancos.
Não tenho conhecimento de mais nenhuma situação no País - e creio que seria difícil apurar que haja alguma outra que possa corresponder a esta «malha» tão apertada e a estes requisitos tão exigentes.
Quanto aos casos de que tenho ouvido falar e que há pouco citei no meu discurso, em que um touro foi morto em 1950, um outro em 1960, e mais um outro não sei onde, posso dizer-lhe que não constituem argumento para serem incluídos nesta situação e, claramente, não se lhes aplicará este projecto de lei.
De resto, em relação a essas situações, há um contra-argumento que tenho ouvido várias vezes, embora o Sr. Deputado Luís Fazenda não o tenha utilizado agora. Tal argumento é o de que, nalguns casos, a tradição acabou por força da própria lei. Está bem! Será verdade! Mas isso é a demonstração de duas coisas: primeiro, a de que esta tradição resistiu, apesar da lei, apesar da ditadura, apesar de tudo o que possa ter acontecido; segundo, se há uma tradição que acabou, não podemos tê-la em conta como fenómeno perante factos que já não existem há muitos anos.
Portanto, penso que o que acabo de dizer responde à sua pergunta.
Em minha opinião, Barrancos encontra-se na situação prevista no projecto de lei. Penso ser muito difícil demonstrar que existem outros casos, mas a lei tem carácter geral e abstracto, pelo que tal demonstração teria de ser feita, ainda que, repito, não me pareça que exista mais nenhum caso.
Posto isto, aproveito para sublinhar que o princípio da autoridade do Estado, que alguns tanto esqueceram quando estiveram no poder mas que, agora, tanto querem lembrar, não é, efectivamente, um valor absoluto.
Agradeço até a forma cordata como colocou a sua pergunta que, de resto, vai muito no sentido de algumas posições vindas até do próprio Bloco de Esquerda, designadamente a defendida por Daniel Oliveira, o qual penso que conhece e cuja posição é de uma inteira razoabilidade quanto à defesa da diversidade e do respeito pela identidade cultural do povo de Barrancos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por cumprimentar os eleitos de Barrancos que hoje estão a assistir a esta discussão, no Plenário da Assembleia da República.
Ao longo de muitos e muitos anos, Barrancos e a sua população viveram em paz e tranquilidade, prosseguindo uma velha e larga tradição cultural, enquadrada nas suas festas anuais levadas a efeito em Agosto de cada ano.
Durante muitos e muitos anos, sucessivos governos não quiseram saber se aquela população tinha estradas em condições, se era ou não servida de água e electricidade, se os cuidados primários de saúde eram ali prestados, ou em que condições viviam os seus habitantes.
Durante muitos e muitos anos, muitos não quiseram saber se tinham emprego ou se as suas relações comerciais, económicas e culturais eram mais ligadas a Portugal ou a Espanha.
Barrancos vivia praticamente isolada do resto do País, com as suas especificidades, os seus valores culturais ancorados

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nas suas vivências tradicionais e ligados de forma permanente ao lado de cá e ao lado de lá da fronteira.
A aculturação entre os povos raianos foi, e ainda é, um valor em si mesma, que não pode ser desligado das festas religiosas e populares em Barrancos, que se realizam em Agosto de cada ano e que decorrem de uma vivência colectiva que tem o seu valor próprio.
Portugal não é, não foi, nem será nunca um país uniforme nos seus valores culturais. Existe mesmo um velho ditado popular que o afirma com uma total frontalidade: «Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso».
Quem, como eu, conhece aquela terra e aquela gente há mais de 40 anos não pode nem deve ficar indiferente às suas aspirações e ao seu modo de vivência colectiva.
O centro da vila de Barrancos é, para aquela população, o centro do universo. É ali que se desenvolvem todas as festividades, é ali que é passado o Natal colectivo, onde uma enorme fogueira, na praça, com lenha recolhida por toda a comunidade, serve de consolo a todos quantos (e é a grande maioria da população) ali passam a noite da Consoada.
É ali, também, onde decorrem as tradicionais festas de Agosto em honra de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da vila de Barrancos. Festas de cariz religioso e popular, cujas tradições se perdem na memória do tempo.
É também ali, no centro da vila, na praça da vila de Barrancos, onde decorrem os festivais taurinos, numa arena improvisada onde são lidados touros bravos, e que culminam com a morte do touro na arena.
Aquela população é gente ordeira, é gente de paz que preza a sua cultura e as suas festividades e querer arredá-los da sua matriz popular é, como atrás se disse, negar a sua própria vivência colectiva e a sua cultura muito própria.
Respeitamos, naturalmente, as opiniões contrárias às alterações legislativas que, hoje, aqui estão propostas, mas consideramos que a população de Barrancos tem legítimo direito à sua identidade cultural.
Assinale-se, no entanto, que muitos dos que, agora, legitimamente exprimem estas opiniões só há poucos anos descobriram Barrancos, só há poucos anos verificaram que existia uma comunidade com usos e costumes diversos e singulares.
Em anos seguidos, sucederam-se várias iniciativas, até de carácter judicial, mas as festas sempre se realizaram, porque a população sempre defendeu, de forma ordeira e pacífica, mas também de forma muito firme, a sua cultura e as suas tradições.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Só o bom senso da população, dos seus eleitos autárquicos e das forças de segurança fez com que umas festas pacíficas e de raiz popular e religiosa não se transformassem, nos últimos anos, numa situação de conflito, de confrontos físicos de contornos inimagináveis.
Ninguém conseguiu quebrar a vontade daquela população, nem o fascismo, com o Decreto n.º 15 355, de 1928, foi capaz de impedir essa vontade, já que ali nunca se aplicou, caindo em desuso, o que, aliás, até foi reconhecido numa decisão judicial, que passo a citar. «Sem necessidade de se determinar se, presentemente, tais touradas são proibidas por lei, mas mesmo admitindo que o sejam, certo é que o legislador, que parece não ter grande reacção contra elas, não se pronunciando com toda a clareza para pôr termo a dúvidas que ainda existam, pode pretender autorizá-las em determinadas circunstâncias excepcionais, nomeadamente em atenção à vontade de alguma população.»
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Face a estas questões, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou, na VII Legislatura, um projecto de lei que visava criar uma excepção para Barrancos e que subiu para discussão ao Plenário da Assembleia da República, conjuntamente com outros projectos de lei oriundos dos Grupos Parlamentares do PS e do CDS-PP. Na altura, estes projectos de lei baixaram à comissão especializada, sem votação, no sentido de conciliar os textos, o que nunca foi conseguido.
Já na VIII Legislatura, o Grupo Parlamentar do PCP voltou a apresentar o referido projecto de lei, que foi discutido em 16 de Dezembro de 1999, conjuntamente com iniciativas de outros grupos parlamentares, mas que não obtiveram vencimento, porque o Grupo Parlamentar do PSD votou contra e, também, com votos contra de muitos Deputados do Partido Socialista.
É justo lembrar a responsabilidade que o PSD assumiu neste processo, instrumentalizando a questão de Barrancos, como se o tratamento pacífico da sua especificidade pusesse em causa a autoridade do Estado. Felizmente, hoje, encontraram um caminho mais sensato.
Em 25 de Maio de 2000, o Plenário da Assembleia da República discutiu uma proposta do Governo para descriminalização das touradas com touros de morte, revogando o Decreto n.º 15 355, de 1928, criando um regime sancionatório de contra-ordenações e fixando o valor máximo das coimas a aplicar.
Em momento posterior, o governo, através do Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23 de Agosto, fixa o regime contra-ordenacional e o valor mínimo das coimas, nas situações em que a tradição se tenha mantido de forma continuada e remetendo para o governador civil a determinação e a aplicação dessas sanções.
É, aliás, pouco compreensível que o Partido Socialista, que, então no governo, avançou com estas alterações, certamente considerando a especificidade de Barrancos (já para não falar em outros projectos de Deputados do PS), se apresente agora numa posição aparentemente fechada a alterações que, de uma vez por todas, ponham fim a esta polémica, não sei se planeando utilizar esta questão de forma semelhante à que o PSD utilizou no passado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, apesar desta alteração, logo na primeira vez em que este regime contra-ordenacional foi aplicado revelou-se mesmo assim desajustado à especificidade das festas de Barrancos. Aí não existem fronteiras entre a denominada «Comissão de Festas» e a população, como também não existe praça de touros, pois o centro da vila, a via pública, é em si mesmo o centro de todas as festividades.
Por tudo isto, torna-se necessário e urgente uma verdadeira excepção que contemple a especificidade barranquenha.
Que fique claro, Sr.as e Srs. Deputados, que defendemos a manutenção da proibição das touradas com touros de morte em Portugal, mas entendemos justificar-se um regime excepcional para o caso concreto de Barrancos, e só para este. E fazemo-lo, independentemente das conjunturas políticas, locais ou nacionais.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que cada um assuma as suas responsabilidades. Desde há muito, o Grupo Parlamentar do PCP assumiu as suas, ou seja, a de estar ao lado da população barranquenha.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, mais uma vez, nesta Assembleia da República, a magna questão dos touros de morte. Não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira. Desconfio que não será a última.
As novidades deste debate, dois anos depois do último sobre o mesmo tema, não são muitas. Mas destaco uma, politicamente significativa: é a primeira vez que um projecto de lei que visa a despenalização de touros de morte é subscrito, nesta Casa, por Deputados do PSD.
Já houve projectos de Deputados de vários partidos. Nunca houve nenhum projecto assinado por Deputados do PSD, sós ou acompanhados por Deputados de outros partidos. É a primeira vez que recebem autorização para subscrever um projecto desta natureza.
O facto de o PSD ser, hoje, o principal partido do Governo não é, certamente, uma simples coincidência.
Que me perdoem os Deputados do PCP e do CDS-PP, porque essa não será, reconheço-o, a sua posição nem a sua intenção, mas, entre os subscritores e entre os eventuais votantes deste projecto, haverá, seguramente, muitos Deputados que estão menos preocupados com as tradições de Barrancos do que com a imagem do Governo.
Porque um Governo formado por partidos com o verbo sempre cheio de autoridade do Estado tem receio de não conseguir - mais: não quer correr o risco de não conseguir - fazer cumprir a lei em Barrancos.
Não o querem reconhecer, nunca o reconhecerão, mas essa é, rigorosamente, a grande questão. O Governo teme não poder fazer cumprir a lei em Barrancos e deseja ardentemente que o projecto dos Deputados da maioria e do PCP seja aprovado.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não mostrou o Governo coragem suficiente para vir aqui, à Assembleia, defender uma solução de despenalização dos touros de morte em certas circunstâncias.
Não teve o Governo sequer a coragem de introduzir, por acção própria, modificações na lei em vigor, reduzindo ou eliminando sanções em casos especiais.
Poderia fazê-lo, mas escusou-se a assumir frontalmente tal opção. Preferiu refugiar-se à sombra de um conjunto de Deputados, uns, legitimamente interessados em introduzir uma excepção para Barrancos por causa da tradição, outros, objecto de uma séria suspeita de que só votam por causa de uma traição, a traição a opções de outros tempos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não será novidade a posição que o Partido Socialista assumirá neste debate. A minha bancada defende a orientação que sustentámos aqui há dois anos. Quero, pois, dizer-lhe, Sr. Deputado Telmo Correia, que a minha bancada vai votar este ano da mesma forma que votou há dois anos. Quem vai votar de forma diferente não é o PS, mas Deputados do PSD.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Somos pela continuação da lei tal como está e somos pela aplicação estrita dessa lei. Revemo-nos na actual lei porque é proporcional, adequada, equilibrada e não ofende a consciência jurídica do nosso povo.
Sabemos que não satisfaz quem prefere uma solução, porventura, mais radical. Não satisfaz quem gostaria de ver as touradas de morte ainda mais restringidas e mais penalizadas, inclusive através de sanções criminais. Também não satisfaz quem gostaria que essas touradas deixassem de ser ilícitas. São ambas, aliás, posições legítimas, mas radicais, neste campo.
Mas isso não é uma circunstância anormal, antes pelo contrário. O que é regra é que a lei incorpore compromissos e não profissões de fé em relação a posições radicais.
E a lei em vigor é um bom compromisso. Por um lado, espelha aquilo que parece ser a consciência jurídica da comunidade em que nos inserimos. Tal como o Partido Socialista o interpreta, o sentimento jurídico dos portugueses parece inclinar-se maioritariamente a favor de decretar ilícito, por ferir valores de civilidade e de moderação, o espectáculo baseado exclusiva, ou fundamentalmente, no objectivo da morte de um animal.
Por outro lado, o actual regime jurídico retirou este ilícito do campo criminal. Embora os touros de morte afectem valores jurídicos que merecem protecção, eles não põem em causa bens jurídicos fundamentais (vida, integridade física, liberdade, etc.). Por esse motivo, entende-se que basta que eles fiquem sob a alçada do direito contra-ordenacional.
Acresce, ainda, que este equilíbrio se faz com a necessária plasticidade. A lei em vigor autoriza que casos especiais tenham uma ponderação especial. No quadro legal actual, é possível modular as sanções de acordo com especificidades locais.
Em contrapartida, o projecto de lei sob apreciação rende-se a um e um só argumento fácil: há uma tradição local, que deve ser respeitada, não deve ser reprimida, sob pena de se lesar a identidade de um povo.
O argumento é fácil, porque apela ao nosso sentido «identitário». Num mundo globalizado e impessoal, nada como uma boa tradição para nos fazer sentir membros de alguma coisa, de um grupo, de uma comunidade, de um ambiente. É irreprimível sentir simpatia pelas tradições. Todavia, o argumento da tradição requer cautelas. As tradições não podem ser o fundamento ou o pretexto do esvaziamento de valores civilizacionais e constitucionais nucleares.
Mas há ainda outro aspecto relevante. Em casos como o de Barrancos, o argumento da tradição e da cultura popular poderia ter força decisiva há alguns anos atrás, quando essa tradição ainda permanecia imune ao processo de mediatização da diferença que os nossos tempos trouxeram. Quando as festas da Nossa Senhora da Conceição eram uma coisa só do povo de Barrancos e de alguns amigos e visitantes fiéis, a tradição era, porventura, local. Hoje que as festas se transformaram num acontecimento nacional, discutido regularmente nesta Assembleia e em todo o País e transmitido em directo pelas televisões, particularmente no exacto momento em que o touro é morto,

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é certamente difícil defender que a lei do País as considere do mero interesse dos barranquenhos. Nesse sentido, a festa de Barrancos acaba por ser vítima da sua força e da sua notoriedade.
Estes argumentos de princípio são coadjuvados por outros de natureza política. Com a devida vénia, peço emprestadas as palavras de um Deputado desta Casa para os resumir: «Esta iniciativa legislativa só tem uma explicação: o Governo é incapaz de fazer cumprir a lei vigente». E este mesmo Deputado acrescentava pouco depois, sobre o diploma em discussão naquela altura, que ele vinha «contra a maré e contra a universalização do combate a cenas de violência e espectáculos de violência sobre os animais que é uma conquista da nossa civilização».

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Estas palavras só merecem duas notas: foram injustas, no momento em que foram aqui proferidas, e referiam-se a uma proposta do XIV Governo. Hoje seriam totalmente justas, mas tudo leva a crer que não serão retomadas pelo seu autor, o Sr. Deputado Guilherme Silva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para além destas objecções de carácter geral, o projecto resiste mal a um olhar mais atento. Por exemplo: quem consegue explicar que o único e exclusivo requisito para alguém poder ver reconhecido o privilégio de realizar espectáculos com touros de morte (e atente-se em que se fala de espectáculo e não de evento cultural ou tradicional) seja a prova de que violou a lei ininterruptamente por um período de 50 anos?
Estou mesmo a ver a frase final do requerimento do promotor do espectáculo: «Mais protestam os signatários que violaram a lei, consistente e ininterruptamente, nos últimos 50 anos. Pedem deferimento».
Faz isto sentido? É aceitável e dignificante dos arquétipos de Estado de direito e da autoridade democrática do Estado uma lei da República exigir como requisito para obter um privilégio a violação ininterrupta da lei, ainda que em nome da tradição?
E porquê só quando a violação da lei se iniciou em 1952? O que é que houve de transcendente em 1952, Srs. Deputados? Por que não exigir uma tradição com 20, 30 ou 40 anos? E por que é que, se houver uma tradição hoje com 48 anos e que complete os 50 em 2004, não pode ser também considerada? Há alguém que possa apresentar uma boa resposta a isto?
Olhemos para a intervenção das câmaras. Alguém sabe verdadeiramente o que lhes vai ser pedido?
A câmara, diz o diploma, é consultada. Quer isto dizer que a câmara só diz se concorda ou discorda, ou também tem de apresentar ou avaliar provas da tradição ininterrupta? E é a ela que cabe a prova? É a ela que cabe a certificação da tradição ininterrupta? Se sim, o que sucede quando a posição da câmara suscita dúvidas? Se não, quais os instrumentos de que a Inspecção-Geral das Actividades Culturais dispõe para fazer a prova e instruir o processo em 15 dias?
Aliás, os 15 dias suscitam outra perplexidade: será realmente possível que a Inspecção abra o processo, promova a consulta à edilidade, recolha todos os elementos de prova para aquilatar do preenchimento dos requisitos legais e ainda dê tempo para todas as reclamações e recursos graciosos a que as decisões estão sujeitas, com a respectiva tramitação, tudo isto em 15 dias? E se, em vez de um só requerimento, do tal requerimento em que todos estamos a pensar, houver 32? Ou houver 308? Ou houver 500? Não vai sobressaltar, por um minuto, a dúvida?
As fragilidades do diploma em apreço são imensas, mas os seus proponentes acham que ele vai resolver um problema: o problema de Barrancos.
Há algo que tem de ser dito aqui: este projecto de lei tem todos os condimentos para funcionar como uma verdadeira «caixa de Pandora».

Aplausos do PS.

Em troco de um problema resolvido, podem surgir 31 potenciais problemas por resolver. Aliás, eles têm nome, já os conhecemos! Chamam-se: Alcácer do Sal, Alcochete, Alijó, Almeirim, Alter do Chão, Angra do Heroísmo, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Benavente, Calheta (Açores), Cartaxo, Fronteira, Golegã, Lagoa (Algarve), Lisboa,…

Vozes do CDS-PP: - Lisboa?!

O Orador: - Escutem, agora, Srs. Deputados, para, depois, não dizerem que não foram avisados!
Continuando a enumeração dos potenciais problemas: Moita, Monforte, Moura, Pinhel, Pombal, Póvoa do Varzim, Santarém, Setúbal, Tavira, Vagos, Velas, Viana do Alentejo, Vila Franca de Xira, Vila Nova da Barquinha, Vila Nova de Poiares e Montijo.
Estes são os nomes dos potenciais e já anunciados novos problemas. Todos eles membros da secção de municípios com actividade tauromáquica da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Todos eles, pelo que se tem dito, interessados em que o privilégio de Barrancos lhes seja concedido.
Aliás, a propósito de Associação Nacional de Municípios, vale a pena assinalar que, no trânsito dos dois projectos autónomos, o do PSD e do CDS-PP e o do PCP, para o projecto comum que hoje aqui discutimos PSD/CDS-PP/PCP, se aproveitou para retirar aos municípios o poder de autorização conjunta, brindando-os, em contrapartida, com o valioso direito de serem consultados. Uma evolução centralizadora, exactamente inversa da que os municípios, aliás, pretendem! Mais uma pequena dessincronização entre o discurso descentralizador do Governo e da maioria e a prática, que não escapará aos municípios!

O Sr. António Filipe (PCP): - Em que é que ficamos?!

O Orador: - Estas novas competências dos organismos do Ministério da Cultura, e, em última análise, do próprio Ministro da Cultura (que não deixará de ser chamado a dar instruções e a resolver recursos hierárquicos), suscitam um derradeiro comentário.
Que prodigiosa ironia, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que seja no Sr. Ministro da Cultura que se deposite toda a responsabilidade de evitar que o PSD e o CDS-PP tenham de engolir tudo aquilo que andaram a dizer sobre a quebra da autoridade do Estado, em Barrancos!
Que prodigiosa ironia caber a um homem de cultura reconhecer que é uma tradição ancestral e ininterrupta e

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expressão de cultura popular algo que um decreto do Setembrismo, de 19 de Setembro de 1836, considerava um «divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas»!

Aplausos do PS.

Dirijo-me, pois, ao Sr. Ministro, desejando-lhe as maiores felicidades. O Sr. Ministro não está aqui, mas, provavelmente, estará a ver-nos pela televisão ou terá posto o seu assessor a ver-nos pela televisão, o qual seguramente lhe endereçará estas palavras de simpatia: Sr. Ministro, desejo-lhe todas as felicidades. O Governo confia em si para evitar que a autoridade do Estado pereça em Barrancos juntamente com o touro. A credibilidade do Governo, essa, já não pode ser salva.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Telmo Correia e Pedro do Ó Ramos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, gostaria de assinalar que, na sua intervenção, há elementos que me parecem claramente contraditórios e, por isso, não percebi exactamente em que é que ficávamos.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Então diga!

O Orador: - Vou dizer, Sr.ª Deputada.
É que o Sr. Deputado diz que isto é uma coisa muito grave e muito preocupante, porque municípios por todo o País reivindicam uma tradição igual à de Barrancos. E, depois, citou uma lista, que, penso, era a lista dos municípios com praça de touros - não podia ser outra…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Alijó não tem!

O Orador: - Alijó não tem?! Então, tinha a lista mal elaborada. Mas pareceu-me que era porque, realmente, nunca me apercebi de que, em algum desses municípios, existisse, há pelo menos 50 anos (há quem diga que é há 100), uma festa anual com a participação da população, que inclui uma corrida de touros e em que, no fim, há a morte dos touros. Nunca me apercebi de que em algum desses municípios isso acontecesse e, portanto, achei estranha essa sua invocação.
Ainda mais estranho, Sr. Deputado, porque não se percebe realmente em que é que ficamos, é o seguinte: o Sr. Deputado, por um lado, acha isto muito grave e muito preocupante porque todos esses municípios fazem esse pedido, mas, por outro, pareceu-me criticar que a competência para a autorização fosse efectivamente da Inspecção-Geral das Actividades Culturais, depois de consultados os municípios. É contraditório! O que é que o Sr. Deputado acha? Que deviam ser os municípios a decidir ou que deve ser a Inspecção-Geral a decidir, depois de consultados os municípios? Era bom que o Sr. Deputado desse uma opinião concreta sobre essa matéria, porque, de facto, aí é contraditório.
Em relação às questões de coerência, não vou envolver-me mais nelas, Sr. Deputado. Vou só lembrar-lhe que no Partido Socialista, e estou convencido de que no seu grupo parlamentar, há pessoas que, no passado, assumiram uma posição clara sobre esta matéria e que certamente vão mantê-la. Lembro-lhe que um projecto de lei muito parecido com este era assinado, entre outros, por Manuel Alegre, Alberto Martins, Rui Vieira, Acácio Barreiros e António Galamba, todos eles Deputados do Partido Socialista.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - É totalmente diferente! Este não dá abertura!

O Orador: - Quer que lhe leia o projecto, Sr.ª Deputada? Eu leio! Dizia o seguinte: «Não existe exclusão de ilicitude quando existe uma tradição ininterrupta». Era isto que o projecto dizia, ou seja, exactamente o mesmo que agora está em discussão.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Não é isso!

O Orador: - Lembro-lhe, ainda - e isto a propósito de uma outra questão que quero colocar-lhe - que, na legislatura anterior, quando discutimos esta matéria, o então Ministro da Administração Interna, Dr. Fernando Gomes, defendeu publicamente uma solução exactamente deste tipo. E, na base das declarações do Dr. Fernando Gomes, foi elaborada, em sede de 1.ª Comissão, uma proposta que ia ao encontro da solução por ele defendida na altura.
Assim sendo, esta questão não é nova. E se há alguma incoerência nesta matéria, não é certamente nossa…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, excedeu o tempo de que dispunha. Faça favor de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Se há alguma incoerência nesta matéria, não é certamente nossa, mas de quem defendeu uma coisa e agora parece querer defender outra, completamente diferente. Que isto fique bem claro, Sr. Deputado.
São basicamente estas as questões que queria colocar-lhe e com que queria confrontá-lo.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, aquando da discussão e votação desta matéria, em 2000, o PSD deu liberdade de voto aos seus Deputados e hoje volta a fazer o mesmo. Portanto, não me parece correcto que o Sr. Deputado tenha citado a posição do nosso líder parlamentar, porque provavelmente ela não mudou e vai ser a mesma.
Por outro lado, também aquando dessa discussão, em 2000, o PS deu liberdade de voto à sua bancada, mas hoje obriga a uma disciplina de voto.
O Sr. Deputado disse que o PSD e o CDS-PP estariam mais interessados na imagem política do Governo do que na tradição de Barrancos. Ora, eu utilizo o mesmo argumento para dizer que, se calhar, os Deputados do Partido Socialista estão mais interessados numa derrota política

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destes dois partidos do que, eventualmente, na tradição de Barrancos, tradição esta que, na altura, era defendida por alguns dos Srs. Deputados, pelo que vamos ver qual vai ser hoje a posição deles.

Aplausos de Deputados do PSD e do CDS-PP.

Não querendo alongar-me mais, pergunto: afinal, o que é que mudou para o Partido Socialista obrigar, hoje, à disciplina de voto? Por que é que, hoje, o Partido Socialista vai votar contra este diploma, permitindo apenas que cinco Deputados possam ter essa dita liberdade de voto? Gostaria que nos dissesse, Sr. Deputado Vitalino Canas, se não é precisamente para tentar obter uma vitória política e causar embaraço ao PSD e ao CDS-PP. Sejamos coerentes, tenhamos memória e tomemos agora a mesma posição que tomámos em 2000.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado Vitalino Canas, regimentalmente tem 5 minutos para responder. Em todo o caso, a sua própria bancada solicita-lhe que, por uma questão de gestão do tempo, se atenha a 3 minutos na resposta às perguntas que lhe foram colocadas.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, para sua informação, uma vez que não conhece a realidade sobre a qual pretende legislar, existe uma secção de municípios com actividade tauromáquica, que é uma secção da Associação Nacional de Municípios, e é esta secção que tem estes membros que têm manifestado interesse em que a excepção de Barrancos lhes seja estendida.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é a de Barrancos, é outra!

O Orador: - O Sr. Deputado falou de contradições. Ora, há aqui essencialmente duas contradições: em primeiro lugar, o próprio projecto de lei é uma contradição e os senhores verificaram que assim era. É que, na sua versão inicial, este projecto de lei continha a possibilidade de a autorização ser conjunta, câmara e Inspecção-Geral, mas deixou de o ser. Porquê? Porque os Srs. Deputados verificaram que, apesar de essa ser a solução correcta, pois são as câmaras que têm conhecimento das tradições locais, isso poderia ajudar à proliferação de outros casos. Só que não vão ter a possibilidade de evitar esses problemas.
Sr. Deputado, contradição existe apenas na bancada do PSD, que teve mais uma oportunidade de a fazer realçar aqui e não o fez. Não há contradição alguma na bancada do PS, que vai votar hoje exactamente como votou há dois anos, aquando da aprovação da lei que está hoje em vigor.

O Sr. António Costa (PS): - Fomos nós que a aprovámos!

O Orador: - Portanto, não há qualquer contradição. Foi o PS o autor dessa lei e foi o PS, juntamente com Deputados de outros grupos parlamentares, que fez com que essa lei fosse votada e aprovada nesta Assembleia.
Ao Sr. Deputado Pedro Ramos direi que o que nos preocupa é, sobretudo, uma questão de Estado de direito, uma questão de dignidade e uma questão de valores constitucionais.
Não foi apenas o Sr. Deputado Guilherme Silva que se expressou em nome do PSD no último debate, também o Sr. Deputado Miguel Macedo, hoje membro do Governo, se expressou no mesmo sentido do Sr. Deputado Guilherme Silva. Portanto, o PSD assumiu aqui uma posição, havendo ou não liberdade de voto - verificou-se depois, na votação, que o PSD estava contra a iniciativa do governo -, através de dois Deputados que aqui vieram defender que a proposta de lei, hoje em vigor, não deveria ser aprovada, porque atentava contra os valores civilizacionais e atacava o Estado de direito.
Vê-se bem, em termos de coerência e em termos de contradição, a quem as acusações feitas pelo Deputado Telmo Correia devem ser dirigidas neste momento!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 86/IX pretende completar e ajustar a Lei n.º 12-B/2000, que pune com contra-ordenação os espectáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses neles lidadas.
Sem pôr em causa a regra geral de proibir os toiros de morte em Portugal, importa, no entanto, ter em conta situações de excepcional especificidade em que as populações integram nas suas culturas ancestrais costumes e tradições de raiz histórica como ocorre na vila de Barrancos, onde a festa anual constitui parte importante da sua identidade, da sua etnografia e do seu património cultural.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Respeitando o direito de cidadania e os valores de identificação cultural consubstanciados em costumes populares, importa compatibilizar estes com o cumprimento da legislação, salvaguardando de forma excepcional a especificidade cultural das referidas regiões e suas populações.
Num Portugal que continuadamente defende a preservação dos seus valores, evocando as especificidades portuguesas entre os países da União Europeia, é primordial respeitar e preservar as especificidades das suas próprias regiões no seio do todo nacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Identificamo-nos todos com a protecção dos animais…

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Que hipocrisia!

O Orador: - … sem obrigação de cair em fundamentalismos que põem em risco a razão da existência dos mesmos. Sem touradas não existirão toiros de lide, condenando-os a uma raça em extinção.
A matéria em análise atravessa transversalmente todos os grupos parlamentares. Importa tratá-la com o maior cuidado e, acima de tudo, sem paixões sectaristas mas com muita serenidade.
A questão dos denominados movimentos de protecção dos animais não pode ser correctamente interpretada sem

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uma prévia separação dos sistemas de protecção fundamentalistas e dos sistemas de protecção sensatos e respeitadores da identidade cultural de cada país ou de alguma região de cada país.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, não é possível ignorar que os movimentos radicais de protecção dos animais, por vezes autênticos demolidores de culturas, estão muitas vezes associados a forças políticas igualmente radicais que usam essa temática como uma via fácil para a obtenção de um sucesso político de doutrinas frequentemente desrespeitadoras do próprio Homem.
Ideologicamente, os movimentos protectores dos animais estão divididos em duas correntes: uma, radical, de «tudo ou nada», como ela própria se intitula, oriunda dos países anglo-saxónicos, e outra mais moderada, que tem vingado na legislação das «Nações civilizadas».
A primeira entende que, para que a legislação obtenha resultados eficazes, só a atribuição de direitos aos animais os protegeria convenientemente, sendo de condenar qualquer meio termo pelas excepções que tem vindo a permitir. Não se pode, contudo, ignorar que esta doutrina é oriunda de minorias de países anglo-saxónicos, cujos ordenamentos jurídicos são radicalmente diferentes do nosso em termos sistemáticos, e que nem nesses países esta doutrina foi acolhida.
Com efeito, a atribuição de direitos aos animais poria em causa toda a sistemática do direito português. Isto porque a figura do direito subjectivo, em qualquer ordenamento romano-germânico, está associado à autonomia privada e, como tal, à liberdade de o exercer ou não, estando a respectiva atribuição aos animais arredada, enquanto estes estiverem impedidos de comunicar racionalmente.
A segunda corrente ou doutrina, denominada welfarista ou da protecção do bem-estar dos animais, que o legislador acolheu na Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, é a que tem sido acolhida pelas legislações das «Nações civilizadas» por ser mais consentânea e adaptável à realidade de cada país, pretendendo proibir apenas a violência gratuita e sádica para com os animais e, acima de tudo, harmonizar a protecção dos mesmos com o respeito de outros valores tutelados pelos ordenamentos jurídicos nacionais.
Esta corrente envereda, em suma, pela criação de deveres das pessoas para com os animais em detrimento da atribuição de direitos àqueles. Daqui se conclui que os animais não são titulares de direitos, nomeadamente do direito à vida e à integridade física, que, a serem considerados, nos conduziriam a realidades surrealistas, como a da imposição aos portugueses de que passassem a ser vegetarianos, sob pena de violarem permanentemente tais direitos.
Todavia, como se disse, se os animais não são titulares de direitos, os homens, esses, têm deveres para com eles. Só que a protecção dos animais constitui um valor a respeitar e o património cultural constitui outro valor a ter em conta. Acresce que, no plano jurídico, o segundo tem consagração constitucional, enquanto o primeiro não tem.
A caça, a pesca desportiva e as touradas são modalidades desportivas em que, eventualmente, são sacrificados animais. No essencial, as razões que podem justificar umas são idênticas às que podem justificar qualquer das outras: são actividades lúdicas e recreativas a que o homem se tem entregue ao longo dos tempos, por uma tradição que é cultural.
Não existem dúvidas de que a caça, a pesca desportiva e as touradas são consentidas por lei. Também não existem dúvidas de que em todas estas modalidades se pode, eventualmente, infligir a morte aos animais.
Como actividades lúdicas ou desportivas que são, tais actividades agradarão a uns e a outros não; serão por uns consideradas arte, por outros barbárie e por outros, ainda, simplesmente ignoradas.
Ninguém pode negar é que constituem parte integrante do património cultural de um país ou de regiões suas, neste caso de Portugal, para o qual concorrem factos históricos, tradição e enraizamentos nas populações que não é lícito, não é possível nem democrático eliminar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o presente projecto de lei, como se refere no preâmbulo, pretende-se ter em conta, excepcionalmente, circunstâncias em que os touros de morte integram as específicas tradições locais bem acolhidas pela sua população, porque se integraram nos seus costumes ancestrais.
Não se pretende pôr em causa a regra geral de proibição dos touros de morte, repito. O projecto de diploma é perfeitamente claro e inequívoco, restringindo as touradas com touros de morte aos casos em que sejam de atender tradições locais e ancestrais, nos dias em que o evento histórico se realize, como sucede na vila de Barrancos.
Embora a norma tenha carácter genérico, não conheço outro local ou região de Portugal onde ocorra, como em Barrancos, uma tradição ancestral de touradas com touros de morte. Mas constituirá esta realidade algum impedimento? Penso que não! A democracia, como regime aberto, plural e tolerante que é, exige bom senso, tolerância, compreensão pelas razões dos outros e da sua história, aceitação de culturas específicas e próprias, como é a do povo de Barrancos, que nunca regateou o seu portuguesismo. A democracia não pode ser a ditadura da maioria sobre minorias titulares de tradições ancestrais, tudo em nome do «politicamente correcto», num determinado momento.
No modelo de sociedade que defendo não cabe perseguir pessoas: ou porque são consideradas elitistas, ou porque se presumem selvagens, ou apenas porque têm gostos diferentes.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não é aceitável que uma parte dos cidadãos se torne inquisidora e se julgue juiz do comportamento dos outros.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Há que conceder o direito à diferença.
Aqui, o direito à diferença consubstancia-se na liberdade de cultivar uma tradição ancestral, como sucede na vila de Barrancos.
Uma sociedade que não contemple tal abertura não é, pura e simplesmente, democrática.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Não se pretende que os que não gostem de touradas passem a gostar, mas tão-só que àqueles que gostam seja permitido o direito de continuar a gostar.
Estes, os que gostam de tauromaquia, são os primeiros a defender os toiros de lide e são a razão da sua existência. O toiro de lide é a figura central e ícone de uma identidade

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cultural de determinadas regiões de Portugal onde se enraizou e floresceu o gosto e a arte relacionada com o mundo do toiro, do cavalo e da tauromaquia.
A lezíria ribatejana, a planície alentejana, o toiro, o cavalo, o campino, o toureiro, o cavaleiro e o forcado dão cor, vida, folclore e alegria a um dos quadros mais típicos e genuínos do nosso rico e diversificado património cultural. Caracterizam as suas regiões, são parte da alma e do sentir do seu povo, dos valores que o distinguem e personalizam, fazem parte da vida e da convivência colectiva do povo que ama e deseja preservar a sua identidade.
Saibamos honrar e respeitar esses valores, usos, costumes e tradições. É bom exemplo a França que, com um indiscutível papel na defesa dos valores civilizacionais de dimensão universal que a História inequivocamente regista, contempla na sua legislação a salvaguarda de excepção deste tipo para a região sul do país.
Saibamos também nós reconhecer e aceitar as nossas diversidades. O apelo do Sr. Presidente da República é a consciência nacional dessa necessidade, e a isso nos aconselha.

Aplausos de Deputados do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Caro Amigo Fernando Penha, a minha intervenção surge, naturalmente, no contexto da sua e visa questioná-lo sobre alguns posicionamentos que têm vindo a ser tornados públicos ao longo desta sessão, nomeadamente em relação àqueles que, como nós, têm liberdade de voto nesta matéria e, por isso, irão decidir em consciência sobre o diploma em apreço.
Ora, gostaria de perguntar-lhe se as bancadas que impuseram uma disciplina de voto nesta matérias, bancadas essas que, normalmente, são arautas do diálogo, arautas da defesa da consciência das pessoas, não estarão, de facto, com esse «tacticismo» político, a empurrar todos os outros para iguais posições de carácter meramente político e de muito menos consciência.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O PS, com o seu «tacticismo» político, tem de aprender que não vai colher quaisquer frutos, porque mais uma vez, como no passado, o PS não anda nem para trás nem para a frente, antes pelo contrário: faz como sempre, esconde a cabeça na areia! Por isso, através de uma pretensa disciplina de voto, quer contribuir, pura e simplesmente, para o chamado «nivelamento por baixo» deste debate. Não é essa, porém, a nossa maneira de estar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A pergunta que lhe deixo é esta: será que, com este posicionamento do PS, muitos daqueles que, na bancada do PSD, ainda têm dúvidas sobre o seu sentido de voto não estarão claramente a ser empurrados para aquilo que não gostariam de votar?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, a sua questão é altamente pertinente. Com efeito, e como já aqui foi reconhecido, o Partido Socialista, que fez aprovar uma legislação em 2000 e, na altura, deu liberdade de voto à sua bancada, hoje, perante um projecto de ligeira alteração dessa mesma legislação (na qual se prevê a situação específica de Barrancos e se defende a especificidade de um povo, de uma vila, o gosto que têm por uma festa, à qual adicionam o ritual da sua tourada), está rigorosamente contra e ordenou a disciplina de voto contra este projecto de lei à sua bancada. Isto é rigorosamente claro.
É evidente que o Partido Socialista apresenta aqui, hoje, a postura de outros, ditos «bem pensantes», que têm, de facto, tentado ostracisar e até magoar a população de Barrancos. E cito: «Os barranquenhos interiorizaram já, no mais profundo da sua essência, as suas festas anuais e o ritual da sua tourada, que ousaram defender ao longo das décadas e que nem os tempos da ditadura os conseguiram subjugar nem levar a desistir. Os barranquenhos jamais compreenderão por que uns, supostamente «bem pensantes», pretensamente donos da vontade de todos os outros, os tratam como facínoras e selvagens, e a continuada investida destes, supostamente «bem pensados», dará cada vez mais força à razão dos barranquenhos».
Assim, apesar desta proposta do Partido Socialista contrariar mais uma vez a especificidade de Barrancos, também esperamos que todos, neste Parlamento, tenham o bom senso de respeitar a especificidade desta vila bem portuguesa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - O Sr. Deputado António Costa pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Costa (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sobre que matéria, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, para esclarecer a incidência das regras de funcionamento interno do Grupo Parlamentar do PS no andamento dos trabalhos.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, penso que essa informação se destina mais ao Grupo Parlamentar do PS. Apesar disso, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, tenho visto vários dos Srs. Deputados, designadamente do PSD, muito preocupados com as regras do funcionamento interno do PS, pelo que gostaria de esclarecer que as regras de funcionamento do PS são claras: a regra normal do grupo parlamentar, como, aliás, creio que a de todos, é a disciplina de voto, mas o PS concedeu, designadamente para esta votação de hoje, liberdade de voto aos Deputados que entenderem fazê-lo. Aliás, o Sr. Deputado Manuel Alegre está inscrito para expressar a sua posição pessoal sobre a matéria, que é divergente da do conjunto do grupo parlamentar, mas o conjunto do grupo votará pela manutenção

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da lei que o PS fez aprovar há dois anos nesta Assembleia da República.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tal qual um ritual político que, sazonalmente, se repete em cada ano, eis que a questão dos touros de morte está de novo lançada, em discussão na opinião pública e também para decisão hoje no Parlamento. Dito de outro modo, está lançada a discussão e, aqui, a decisão sobre se, sim ou não, se deve - ainda que a título excepcional, afirma-se - autorizar espectáculos tauromáquicos em que os animais lidados sejam, de imediato, mortos pelo toureiro na própria arena.
Uma polémica acesa que invariavelmente tem confrontado - por vezes, há, que reconhecê-lo, com demasiada agressividade e mesmo falta de respeito por parte dos opositores a esta prática - diferentes opiniões. Um confronto, acima de tudo, que, mais do que dividir posições políticas (que, porventura, nesta matéria, só Os Verdes sempre tiveram com clareza), confronta sobretudo atitudes éticas, filosóficas e culturais totalmente distintas e por vezes antagónicas.
Posições, de um lado, daqueles que, em nome dos interesses fundamentais dos animais, em defesa dos seus direitos, pelo dever da sua protecção, contra a crueldade infligida no espectáculo das touradas em geral, e obviamente, por isso também, contra os touros de morte, se opõem à possibilidade de excepcionar, numa zona do País, aquilo que, na sua generalidade, se considera crime e divertimento impróprio, ou seja, o espectáculo em que o acto de matar é feito festa e a morte do touro, na arena, a sua consagração.
Posições, de outro lado, de outros que, em relação a uma pequena comunidade raiana, a de Barrancos, reclamam, em nome do seu direito à memória, em nome da força de uma tradição viva, durante anos e anos mantida pela vontade de manter uma prática ancestral intimamente ligada à vida comunitária, aos cultos religiosos e às suas formas pagãs, no direito de celebrar rituais.
Um confronto entre duas visões radicalmente opostas, um confronto que não é, seguramente, entre politicamente correcto ou não, que não é seguramente um confronto entre bárbaros e pretensos civilizados, mas é de certo um confronto que é totalmente distinto na abordagem e que parte de pressupostos diferentes. Uns, como Lorca, aqueles que consideram «a tauromaquia a festa mais culta que há no mundo», e outros, como Victor Hugo, que o recusam frontalmente por entenderem (e com esta posição nos identificamos) «que a protecção dos animais faz parte da moral e da cultura dos povos». Visões totalmente distintas e uma posição muito clara de Os Verdes sobre esta matéria, desde sempre, desde 1990, data em que tivemos a primeira iniciativa política nesta matéria, aliás, uma posição que radica na nossa própria condição ecologista, na nossa identidade política, que está intimamente ligada aos valores pelos quais nos pautamos, aos princípios que orientam a nossa intervenção, à atitude que temos perante a vida, a natureza e tudo o que nos cerca.
É, pois, nesta perspectiva que, para Os Verdes, o que é fundamental nesta discussão não é se sim ou não à violência acrescida que, hipoteticamente, a morte de um touro na arena pode significar. Aliás, isto é duvidoso e, pessoalmente, considero bem mais perversa a possibilidade de um animal, depois de ser dilacerado o seu corpo, torturado e obrigado a um confronto desigual com o homem, seja obrigado a morrer em condições pouco dignas para a sua condições, fora dos olhos daqueles que assistiram ao espectáculo.
A questão que está colocada, para Os Verdes, e é em função dela que pautamos e sustentamos a nossa posição política, é que não se trata aqui de dizer sim ou não à preservação de uma tradição e à manutenção de uma herança cultural, por minoritária que seja. Não é essa a questão nem se trata de menosprezo pela especificidade cultural de uma região. Para nós, o que se questiona são as próprias tradições enquanto tal - a sua sacralização é uma via que repudiamos. Provavelmente, se nunca o tivéssemos feito, ainda teríamos hoje mantido, por tradição, a pena da morte, ainda teríamos mantido a violência contra as mulheres como uma prática, ainda teríamos mantido a não atribuição do voto às mulheres.
É pois porque assim pensamos que iremos, de acordo com os nossos valores, dizer não a esta proposta e continuarmos, hoje como sempre, a bater-nos contra os touros de morte, porque nos batemos contra todas as touradas em Portugal.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com todo o respeito por quem pensa de maneira contrária, a começar pela maioria do meu grupo parlamentar, a quem agradeço o tempo concedido, votarei de acordo com aquilo que sempre tenho defendido. Não estou minimamente preocupado com a imagem do Governo, mas também não esqueço que esta questão foi, em parte, empolada e artificialmente criada por quem quis pôr em causa a imagem do governo anterior. Houve até gente que parecia empenhada em que o governo do PS fizesse correr o sangue de pessoas em Barrancos, em nome de uma distorcida e autoritária concepção do Estado de direito. Felizmente que isso não aconteceu!

Vozes do PS: - Muito bem! Bem lembrado!

O Orador: - A mim, o que me preocupa é a questão em si, e o que deve preocupar esta Câmara é também a questão em si: a da tradição, mas não da tradição como um valor absoluto. Penso que o que está em causa é, sobretudo, um problema de diversidade cultural, de direito identitário, e a democracia deve preocupar-se com os novos direitos identitários e com o costume como fonte de direito.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não vou chamar bárbaros aos que não gostam de touros nem bárbaros aos que gostam; eu gosto da corrida, gosto da corrida de touros de morte e não preciso de me escudar em grandes figuras aqui citadas, algumas até não citadas, como o grande poeta alemão Rainer Marie Rilke, que era também um aficcionado dos touros. Ninguém pode obrigar ninguém a gostar ou a não, mas não é isso que aqui se discute neste momento, o que se discute é o respeito ou não por uma diversidade cultural.

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Creio que a diversidade cultural de Barrancos é parte integrante do património cultural português. É, portanto, pelo respeito pelo povo de Barrancos que votar como sempre tenho defendido que se deveria votar.

Aplausos de alguns Deputados do PSD, do CDS-PP e do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, invoca-se hoje aqui a tradição e práticas culturais para legalizar a festa dos touros com morte. A maioria traz-nos até uma versão alargada deste tema: invoca o multiculturalismo! Devo notar que as bancadas da maioria são, normalmente, muito avaras em reconhecer o multiculturalismo quando se trata de questões centrais do comportamento humano, como a sexualidade e outros, mas, neste caso, invocam com uma alargada generosidade o multiculturalismo.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Olha-se para aquilo que se quer, não se olha para aqui que se não quer!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Esta não é uma questão de sexualidade!

O Orador: - Mas, voltando à questão, temos para nós que esta prática cultural foi superada pelo tempo. A sociedade evoluiu, não há já o contexto económico e social em que esta tradição surgiu - e as tradições não têm, de facto, valor absoluto - e nem sequer podemos dizer hoje que, do ponto de vista da relação entre as pessoas, entre os seres humanos, práticas sacrificiais sejam aceitáveis do ponto de vista dos nossos valores. Não queremos impor os nossos valores, mas temos de dizer que, nos nossos valores, não é aceitável tal facto.
Isto porque a relação entre humanos não deve pressupor um espectáculo de violência, isto tem tudo a ver com as relações sociais e com a relação entre os seres humanos e, do nosso ponto de vista, é um retrocesso cultural face à evolução da nossa sociedade aceitar esse tipo de espectáculo com violência e com morte, já que ele é regressivo do ponto de vista da cultura humana.
Tudo aquilo que envolvia ou incorporava práticas sacrificiais ou tinha uma componente religiosa, que passou, ou tinha uma outra componente, que era a do domínio, a da celebração do domínio do homem sobre a natureza, simbolizada nessa prática sacrificial. Hoje, a sociedade emerge doutros valores: é a ciência, são os direitos positivos, é a tecnologia, são estas as formas de celebrar o seu domínio sobre a natureza.
Não nos assiste aqui nenhum fundamentalismo, nenhuma soberba cultural nem nenhuma ideia de que a cidade, ou certo tipo de cidade, tem de pretender impor a uma população rural os seus modelos culturais. Trata-se de uma questão muito simples: respeitamos em absoluto o povo de Barrancos, não temos qualquer noção de que as nossas ideias ou os nossos valores sejam «superiores», mas entendemos que há que escolher valores e, na escolha destes valores, sem qualquer suserania cultural - que, aliás, é indevida -, dizemos que optamos por estes valores e não entendemos que essa diversidade cultural seja mais aceitável - isto sem molestar o povo de Barrancos e sem ter qualquer tipo de atitude sobranceira sobre as práticas, a cultura ou as pessoas de Barrancos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos outras razões limite dos direitos humanos que não apenas a não violência, num espectáculo que é feito por seres humanos, temos outras razões para entender que é um péssimo precedente avançar com esta iniciativa legislativa, que não será local porque a mediatização vai ser nacional.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - Acerca disso, não há qualquer dúvida e é inútil e será até, de algum modo, cínico dizer que se está a preservar apenas uma iniciativa local. Aliás, quem o defendeu, do ponto de vista da diversidade cultural, defende-o de uma forma mais generalizada, e tem todo o direito de o fazer. Mas também penso que é uma verdadeira «caixinha de surpresas» o que vai suceder a seguir, porque veremos, mais cedo do que tarde, que outras localidades que têm práticas ancestrais, porventura não continuadas, irão tentar fazer a sua interpretação do que é que significa essa tradição, da injustiça relativa de ser atribuída a alguns essa possibilidade e de não lhes ser atribuída a eles. Não faltarão pessoas que venham testemunhar e abonar da ancestralidade de tais práticas, que sabemos que existem em algumas localidades continentais ou até insulares!
Muito para além disso, o sinal que nos é dado pela Secção Taurina da Associação Nacional de Municípios não deixa sobre isso a menor dúvida: interesses eleitoralistas e interesses económicos vão colocar-se aqui no caminho e não faltarão reivindicações. Apesar de não ter qualquer poder para adivinhar o futuro, como se calcula, deixem-me que vos diga que temo muito que alguns dos que hoje estão aqui tão enfaticamente a defender uma excepção para Barrancos venham dizer, futuramente, que a realidade da sociedade portuguesa evoluiu, que será necessário não haver um conjunto de discriminações, que são negativas, e teremos a legalização e a abertura de um processo muitíssimo mais vasto. Essa é a «caixinha das surpresas» que se esconde, mais cedo do que tarde, por trás desta lei.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados, é por um imperativo de direitos humanos, sem qualquer manifestação de segregação de nenhuma comunidade nacional mas na ideia de que têm de se escolher valores, os valores que escolhemos são os da rejeição do touro de morte. E, Sr.as e Srs. Deputados, pensamos que, ao contrário do que aqui se disse, qualquer que seja o desfecho, isto não vai ficar por aqui.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, está terminado este debate. As votações serão feitas logo à tarde, à hora regimental.
A próxima sessão plenária realiza-se logo, pelas 15 horas, com a seguinte ordem do dia: discussão conjunta da proposta de lei n.º 20/IX e dos projectos de lei n.º 64/IX (PCP) e n.º 80/IX (BE), relativos ao sistema de segurança social.

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Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Diogo Alves de Sousa de Vasconcelos
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa

Partido Popular (CDS-PP):
Acílio Domingues Gala

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Bruno Jorge Viegas Vitorino
José Manuel Pereira da Costa
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
José da Conceição Saraiva
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta

Partido Popular (CDS-PP):
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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