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2027 | I Série - Número 050 | 18 de Outubro de 2002

 

Para terminar, esta medida tem uma importância simbólica que vale a pena ressaltar: trata-se de um entendimento de que o campo da actividade política deve ser ampliado e não deve ser restrito, e que o caminho moderno na reforma do sistema político é o do alargamento da responsabilidade e, portanto, dos direitos dos cidadãos.
A política não pode nem deve ser entendida como um monopólio ou um exclusivo nem sequer dos representantes que, para a actividade legislativa, foram mandatados: 230 homens e mulheres com mandato de um legislatura não têm este privilégio, este monopólio da actividade legislativa, nos termos da Constituição - e a Constituição tem razão a este respeito. Têm uma responsabilidade bem definida pela Constituição, mas a qualidade da democracia depende também da sua abertura à proposta, à iniciativa e a um debate popular que seja consequente na assumpção de uma responsabilidade pelo facto de cidadãos se fazerem promotores de uma iniciativa, e esse é o sentido dos projectos de lei que temos aqui. Por isso os aprovaremos e por isso esperemos que eles dêem origem a uma lei desta Assembleia da República que seja tão significativa para o País e tão depressa quanto possível.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Também para apresentar o projecto de lei do seu partido, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 51/IX, do PS, visa honrar um compromisso há muito assumido por esta Câmara junto dos cidadãos, o de lhes dar poder de impulso legislativo através do instituto universalmente designado de iniciativa legislativa popular.
O recorte doutrinário e jurídico deste instituto permitem distingui-lo de outros instrumentos de democracia participativa, como são o direito de petição e a iniciativa popular do referendo, que a Constituição portuguesa também consagra, e de institutos da democracia directa, como a iniciativa popular para revisão da Constituição ou o referendo tal como previstos na Constituição suíça.
A iniciativa legislativa popular ocupa um lugar de honra na história e na formação do constitucionalismo democrático. Embora episódica, não deixou de ser significativa a sua primeira aparição no período da Revolução Francesa, pela mão de Condorcet, autor do projecto de Constituição que apresentou à Convenção de Fevereiro de 1793. Mais de um século após, na Constituição de Weimar, que neste, como noutros aspectos, foi pioneira, a iniciativa legislativa popular vai surgir com configuração e com intenções semelhantes às actuais.
Na verdade, em Weimar, a iniciativa legislativa popular era já um instrumento de incorporação efectiva dos cidadãos na vida política, não se perfilando como uma alternativa aos instrumentos da democracia representativa mas, sim, como um complemento da mesma de modo a garantir o desiderato - hoje, como então, dramaticamente actual - da aproximação entre governantes e eleitores.
Como é bem conhecido, a Constituição de Weimar é uma referência em muitos campos do direito constitucional e do ideário democrático, mas não teve um final feliz. Mas o que ela iniciou frutificou noutras latitudes.
Logo a Constituição austríaca de 1920 inaugurou o conceito e a fórmula de iniciativa legislativa popular que depois seriam adoptados por outras constituições. Alimentada pelo prestígio e pelo peso das concepções de Hans Kelsen, a iniciativa legislativa popular de lei ordinária ficou consagrada na Constituição austríaca como forma de participação dos cidadãos na formação da vontade estatal. Ela era vista como um contributo importante para a consolidação do parlamentarismo e da democracia representativa e não como sua alternativa.
Na Constituição austríaca de 1920, a iniciativa legislativa popular perdeu a natureza de instrumento de democracia directa, isto é, de instrumento ao dispor dos cidadãos para decidirem directamente sobre questões políticas, assumindo-se claramente como instrumento da democracia participativa. A iniciativa legislativa popular é, na Constituição austríaca, uma forma de os cidadãos desencadearem um processo legislativo, ficando porém os deputados com o poder de decidir, livremente e em definitivo, se a solução apresentada pelos cidadãos deve ou não ser transformada em lei.
Com essa configuração, a iniciativa legislativa popular reemerge na Constituição republicana espanhola de 1931; na Constituição italiana de 1947, notando-se aí o "dedo" qualificado de Constantino Mortati; e, outra vez, na Constituição espanhola actual, de 1978. Um pouco mais tarde e mais recentemente, foi consagrada na Constituição brasileira de 1988.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta viagem pela história deste instituto serve para mostrar que a iniciativa legislativa popular ostenta uma linhagem democrática brilhante. Não desonra, por isso a Constituição portuguesa de 1976 o facto de se ter querido juntar, a partir da revisão constitucional de 1997, na sequência de propostas do PS e do PCP, ao escol de textos constitucionais que a consagra. Mas, não obstante as suas sólidas raízes e embora a sua consagração constitucional não se esgote nos textos que citei, é ainda uma figura pouco familiar, pouco difundida. E mesmo nos sítios onde tem consagração constitucional e presença consolidada, o seu uso fica normalmente aquém daquilo que se poderia esperar.
O projecto de lei n.º 51/IX, do PS, está bem ciente da arqueologia deste instituto, dos seus pontos fortes mas também das suas fragilidades. Com esse projecto, queremos dar expressão a duas convicções: primeiro, a iniciativa legislativa popular é um poderoso instrumento de aproximação e de envolvimento dos cidadãos na política e nos circuitos do político; segundo, a iniciativa legislativa popular não é um instrumento alternativo aos instrumentos próprios da democracia representativa, é, sim, mais um instrumento que concorre para o aperfeiçoamento da representação política.
Estando o PS convicto sobre estes dois pressupostos, está também ciente de que a eficácia, a acessibilidade e o uso razoável do instituto da iniciativa legislativa popular requerem bom senso e equilíbrio na sua concretização legislativa.
A Constituição portuguesa não fixa o número de subscritores necessário para que a iniciativa possa ser admitida, ao contrário do que fazem as Constituições italiana, espanhola ou brasileira. Diferentemente da opção espanhola (artigo 87.º, n.º 3), não estabelece outros limites quanto às matérias que possam versar, para além dos genericamente previstos para toda e qualquer iniciativa, qualquer que seja

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