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Quinta-feira, 6 de Dezembro de 2002 I Série - Número 64
IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE DEZEMBRO DE 2002
Presidente: Ex.mo Sr. Maria Leonor Couceiro P. Beleza M. Tavares
Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Ascenso Luís Seixas Simões
António João Rodeia Machado
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 35/IX, do projecto de resolução n.º 67/IX, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado José Magalhães (PS) propôs que a Assembleia accionasse os mecanismos adequados no sentido do esclarecimento de notícias veiculadas pela comunicação social relativas a irregularidades de actuação do SIEDM, tendo também usado da palavra os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), António Filipe (PCP) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Drago (BE), a propósito da greve geral nacional marcada para o próximo dia 10, teceu críticas ao Governo, nomeadamente à proposta de código de trabalho que apresentou ao Parlamento.
O Sr. Deputado Eugénio Marinho (PSD) contestou a instalação de novas superfícies comerciais no concelho de Fafe e defendeu a definição de novas regras para essa actividade, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP) e Maximiano Martins (PS).
O Sr. Deputado José Manuel Pavão (PSD) defendeu a proibição das discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência e fez referência à comemoração do dia do deficiente.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes) comunicou à Câmara as diligências levadas a cabo pelo Governo com vista ao esclarecimento do assunto referenciado pelo Sr. Deputado José Magalhães (PS) no início da sessão, tendo, a propósito, usado da palavra, além deste orador, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, o Sr. Ministro Administração Interna (António Figueiredo Lopes) falou da reforma do Sistema Nacional de Protecção Civil. Usaram também da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Rodeia Machado (PCP), Francisco Louçã (BE) - que também prestou esclarecimentos ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o qual, em interpelação à Mesa, informou da razão da não presença dos Srs. Ministros de Estado e da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas -, Vitalino Canas (PS), Francisco José Martins (PSD) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Ordem do dia. - Procedeu-se à apreciação conjunta das propostas de resolução n.os 8/IX - Aprova, para ratificação, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000, 10/IX - Aprova
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o Acordo entre a República Portuguesa e o Principado de Andorra relativo a Transportes Internacionais Rodoviários de Passageiros e Mercadorias, assinado em Andorra, em 15 de Novembro de 2000, 11/IX - Aprova, para ratificação, o Acordo-Quadro de Cooperação entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, assinado em Macau, a 23 de Maio de 2001, 14/IX - Aprova, para ratificação, o Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-membros, por um lado, e a República da África do Sul, por outro, assinado em Pretória, em 11 de Outubro de 1999, e 17/IX - Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a Organização Internacional do Trabalho relativo ao estabelecimento de um escritório da organização em Lisboa, assinado em Lisboa, em 8 de Julho de 2002, as quais foram aprovadas em votação global. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Carlos Costa Neves), os Srs. Deputados Artur Penedos (PS), Teresa Morais (PSD), Ana Drago (BE), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Capoulas Santos (PS), Arménio Santos (PSD), Narana Coissoró (CDS) e Rosa Maria Albernaz (PS).
Procedeu-se à apreciação do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que revê o regime de tributação das mais-valias estabelecido no Código do IRS e o regime aplicável aos rendimentos dos fundos de investimento no Estatuto dos Benefícios Fiscais [apreciação parlamentar n.º 6/IX (PCP)], tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Vasco Valdez), os Srs. Deputados Honório Novo (PCP), Graça Proença de Carvalho (PSD), Eduardo Cabrita (PS), Francisco Louçã (BE), Manuel Paiva (CDS-PP), Fernando Serrasqueiro e Joel Hasse Ferreira (PS).
Foi aprovado o projecto de deliberação n.º 11/IX - Autoriza a publicação da transcrição dos depoimentos prestados perante a Comissão Parlamentar de Inquérito aos Actos do XV Governo Constitucional que Levaram à Demissão de Responsáveis pelo Combate ao Crime Económico, Financeiro e Fiscal Três Meses Depois da sua Nomeação (PSD e CDS-PP). Sobre este assunto, e em interpelação à Mesa, usaram da palavra os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Luís Marques Guedes (PSD) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP)
Foram também aprovados, na generalidade, a proposta de lei n.º 24/IX - Estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos e os projectos de lei n.os 110/IX - Altera a forma de constituição dos órgãos e reforça os poderes e meios de actuação das estruturas e funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (PCP) e 125/IX - Acesso universal à Internet em banda larga (BE).
A Câmara aprovou, ainda, quatro pareceres da Comissão de Ética, autorizando três Deputados, dois do PS e um do PSD, a deporem em tribunal e denegando autorização a um Deputado do PS a prestar depoimento.
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 25 minutos.
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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João António Pistacchini Calhau
João Carlos Barreiras Duarte
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Rodrigues Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
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José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
ANTES DA ORDEM DO DIA
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 35/IX - Autoriza o Governo a aprovar o novo Regime Jurídico do Notariado e a criar a ordem dos notários; projecto de resolução n.º 67/IX - Medidas para o combate à violência doméstica (PCP).
Foram também apresentados diversos requerimentos.
Nas reuniões plenárias de 27, 28 e 29 de Novembro - aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Habitação e da Segurança Social e do Trabalho, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho e Gonçalo Breda Marques; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Cabral e Carlos Carvalhas; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Luís, Francisco Louçã e Eduardo Moreira; ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Narana Coissoró e Luís Carito; aos Ministérios da Justiça, das Finanças, da Administração Interna e da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Governo, a diversos ministérios e à Secretaria de Estado dos Transportes, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho e da Economia, formulados pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; à Ministra do Estado e das Finanças e aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho, da Administração Interna e das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho, das Obras Públicas, Transportes e Habitação, da Justiça e à Secretaria de Estado da Habitação, formulados pela Sr.ª Deputada Ana Drago; aos Ministérios da Economia, das Obras Públicas, Transportes e Habitação e à Secretaria de Estado dos Transportes, formulados pelo Sr. Deputado João Teixeira Lopes; aos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, das Obras Públicas, Transportes e Habitação e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, formulados pelo Sr. Deputado José Apolinário; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Ricardo Fonseca de Almeida e João Rui de Almeida; ao Ministro da Presidência, formulado pelo Sr. Deputado Pedro Duarte; ao Ministério da Economia, formulados pelos Srs. Deputados Paulo Batista Santos; ao Ministério da Economia e à Direcção-Geral de Energia, formulado pelo Sr. Deputado Diogo Feio.
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Por sua vez, foi recebida resposta a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 29 de Novembro - Isabel Castro, António Galamba, José Apolinário, António Filipe, Jerónimo de Sousa e Bruno Dias.
No dia 2 de Dezembro - Rodeia Machado, Isabel Castro, Osvaldo Castro, António José Seguro, José Apolinário, Francisco Louçã, Paulo Batista Santos, Honório Novo, António Galamba, Maria Manuela Aguiar, Herculano Gonçalves e Jerónimo de Sousa.
Nos dias 29 de Novembro e 2 e 3 de Dezembro - Narana Coissoró e António Galamba.
Em termos de expediente é tudo, Sr.ª Presidente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, importa-se de especificar o conteúdo da interpelação?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, trata-se de, em nome do Grupo Parlamentar do PS, requerer à Mesa uma diligência.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, o Grupo Parlamentar do PS, face a notícias que vieram a público, com títulos do tipo SIEDM vigiou ex-ministros, dirigiu uma carta ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações da República no sentido de serem accionados os mecanismos adequados para o desencadeamento de uma acção de fiscalização que esclareça, nos termos que a lei prevê, o sucedido, por forma a não deixar qualquer dúvida.
Sr.ª Presidente, gostaríamos de pedir à Mesa diligências especiais no sentido de esta comunicação, ou pedido de acção, ter uma tramitação especialmente célere, atenta a gravidade dos factos indiciados ou discutidos publicamente. É neste sentido, Sr.ª Presidente, que gostaria de deixar em acta este nosso pedido, certo de que a Mesa ponderará a gravidade e a importância da diligência que solicito em nome do Partido Socialista.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Vou estudar essa questão durante a tarde, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr.ª Presidente, gostaria de dar uma informação à Mesa sobre o assunto referido pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Hoje de manhã, o Grupo Parlamentar do PSD dirigiu um ofício, nos termos normais, à Presidente da 1.ª Comissão, solicitando a marcação de uma audição com a Comissão de Fiscalização competente, nos termos da lei, Comissão essa que, como a Sr.ª Presidente sabe, funciona junto da Assembleia da República, embora seja uma entidade independente.
Portanto, solicitámos já a marcação dessa audição porque, normalmente, é através da 1.ª Comissão que é feito o acompanhamento dos Serviços de Informações da República.
Sr.ª Presidente, era este o esclarecimento que pretendia dar à Câmara.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, ainda sobre a mesma questão, gostaria de dar conta à Câmara que o Grupo Parlamentar do PCP tomou a iniciativa de solicitar à Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão que fosse realizada uma reunião com o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações por forma a apurar da veracidade das notícias tornadas públicas sobre a actividade do SIEDM, as quais são de uma extraordinária gravidade do ponto de vista do cumprimento da lei e da Constituição, a que esses serviços estão obrigados.
Portanto, esperamos que essa reunião possa ter lugar o mais brevemente possível para que a Assembleia e o País sejam esclarecidos sobre o que se está a passar.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem, de novo, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, não coloquei esta questão por não ser directamente da competência do Plenário, mas, pelos vistos, há uma convergência de iniciativas, uma vez que a bancada do PS propôs também à 1.ª Comissão, e isso está formalizado, que tenha lugar uma audiência com o teor já referido. Não aduzirei mais nada sobre esse tema, a não ser o nosso empenhamento em que a audição se realize com carácter de urgência para um cabal esclarecimento dos factos, que são, indiciariamente, muito graves.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, quero apenas dizer que temos conhecimento do requerimento subscrito pelos Srs. Deputados do PSD relacionado com o assunto em causa. Naturalmente, damos ao mesmo inteira concordância e julgamos também que o esclarecimento da verdade deverá ser feito, e será, mas sempre nos termos da lei e salvaguardando, obviamente, a imagem e a eficácia das instituições, para que essa não seja questionada hoje, como em nenhum momento. Portanto, também em sede de 1.ª Comissão, teremos ocasião de fazer valer esta nossa posição quanto ao assunto em discussão.
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Se bem traduzo a opinião dos grupos parlamentares que se exprimiram, a ideia é que a questão seja tratada com urgência na 1.ª Comissão.
Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
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A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Para o próximo dia 10 está marcada uma greve geral que tem como lugar de encontro e ponto de partida o combate contra a proposta de código do trabalho que o Governo apresentou nesta Assembleia.
Dissemos ao Governo, dissemos, aliás, aos Srs. Deputados da maioria, vezes e vezes sem conta, que esta é uma proposta que mata o cerne da própria noção de Direito do Trabalho, que sabe que entre trabalhador e empregador há uma relação assimétrica de poder e, portanto, cabe ao Estado legislar no sentido de proteger a parte mais fraca, no sentido de proteger o trabalhador.
No dia 10, quer queiram quer não, os Srs. Deputados da maioria e o Governo terão de ouvir-nos, a nós, aos trabalhadores portugueses, aos dirigentes políticos de vários partidos (do PCP, do PS e do BE) que têm vindo a apoiar esta greve, aos sindicalistas e aos cidadãos que têm vindo a avisar-vos da inaceitabilidade da política que os senhores tão teimosamente, e persistindo no erro, insistem em impor ao País.
Esta proposta de código do trabalho, tal como foi inicialmente apresentada há já alguns meses, foi claramente "pescada", todos o sabemos, de uma qualquer gaveta de um qualquer interesse que se prefere manter anónimo, onde estava já pronto, aguardando alguém que entendesse por bem levar a cabo esta tarefa.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
A Oradora: - Os Srs. Deputados da maioria e o vosso Governo aceitaram cumprir esta tarefa, aceitaram aniquilar o modelo social e civilizacional que assenta na defesa intransigente dos direitos sociais como base de um Estado democrático moderno e que tem regido as relações de trabalho em Portugal nos últimos quase 30 anos.
Tal como surgiu, este código do trabalho, feito à medida de interesses que preferem escudar-se no silêncio, foi sempre, todos os dias, justificado pelas piores razões e pelos piores argumentos.
Foi sustentado pelas piores razões porque apontou o dedo aos trabalhadores como se estes fossem o bode expiatório de um modelo de desenvolvimento económico que é dado como esgotado há já vários anos, quando não são os trabalhadores, e todos o sabemos, que definem as políticas macroeconómicas nem as estratégias empresariais, não são os trabalhadores que gizam e definem os modelos de organização do trabalho.
Foi pelas piores razões que este código do trabalho foi justificado na praça pública, a partir de uma retórica, enganadora e falsa, de que os trabalhadores portugueses, não se sabe se pelo clima ou pela raça, são por natureza preguiçosos e mandriões, quando, comparados com a média europeia, são os que mais horas trabalham por dia, são vítimas de uma sinistralidade laboral e das doenças profissionais que excedem todos os limites do aceitável, como o demonstram, aliás, as estatísticas de pesadelo da segurança no trabalho. São ainda os mais expostos à arbitrariedade do poder patronal, num País em que a fiscalização da legislação laboral nunca esteve no rol das prioridades políticas de sucessivos governos.
Em terceiro lugar, este é um código do trabalho feito à medida das piores intenções no que toca à regulação das relações de trabalho, pois foi elaborado no sentido de precarizar os vínculos laborais, num País em que já sabemos que a força de trabalho é a mais precarizada, em especial entre os jovens, ou seja, entre aqueles que ainda estão a tentar organizar a sua vida pessoal e familiar, e as mulheres, que cuidam já da rede de protecção à família, quando este Governo, apesar das piedosas declarações no abstracto, não cuidou ainda de tomar a seu cargo.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
A Oradora: - Os objectivos da legislação proposta, os objectivos que conhecemos deste código do trabalho, estão, pois, à vista e são bastante claros: desregulamentar para desproteger os trabalhadores; precarizar para obrigar quem trabalha a baixar os seus níveis de exigência na protecção do trabalho e a nível salarial; flexibilizar no sentido de dispor do tempo e da vida dos trabalhadores, independentemente da sua vida pessoal e familiar. A ser aprovada, esta será a legislação que passa por cima de todos os direitos consagrados e que ignora toda a dignidade do trabalhador. Basta ver que a liberdade de expressão é limitada por tudo o que coloque em causa o "normal funcionamento da empresa".
A reserva da vida privada terá de ser moderada pela prestação de informações pessoais que, eventualmente, interessem ao empregador para que este possa cumprir as exigências das actividades da empresa.
A reintegração por motivo de despedimento sem justa causa é agora ajustada à vontade do empregador, que passa a poder pagar para cometer nada mais, nada menos, do que uma injustiça.
O direito à estabilidade e segurança no emprego terá a enorme excepção de mais de 18 anos que pode atingir a renovação dos contratos a prazo.
E, claro, o direito à greve, o direito fundamental e histórico dos trabalhadores, que custou tanta luta, é agora lançado para um canto.
O código do trabalho é, no fim de contas, tudo aquilo que o patronato sem escrúpulos não ousaria até hoje pedir em voz alta, mas que o Governo vem agora dar-lhe de mão beijada. É a morte da contratação e da negociação colectiva entre trabalho organizado e empregador e, nesta medida, é a morte de um modelo de sociedade que sustentou a construção e a consolidação da democracia portuguesa nos últimos quase 30 anos.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
A Oradora: - É por isso que a política dos Srs. Deputados da maioria e do Governo é a política da vingança social, servida fria tal como uma vendetta, a qual vai ao encontro dos interesses de quem espera há já muitos anos para recuperar o velho estilo bafiento e autoritário que pensávamos ter enterrado de vez, e que diz que os direitos são para quem pode e manda e os deveres e a desprotecção são para quem não tem outro remédio. E tudo isto surge pela mão, tão subtil, do Sr. Ministro Bagão Félix, que, sem pudor, aos direitos de quem trabalha vem chamando interesses e aos interesses de quem mais pode vem agora chamar direitos.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
A Oradora: - A greve geral do próximo dia 10 é um grito que exprime os avisos que os portugueses vos têm dirigido, mas que os senhores têm tentado ignorar e fingem não ouvir. É um grito de indignação de um País que está cansado e irritado, de tão cansado que está, dos senhores e do vosso Governo.
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Os senhores prometeram impostos mais baixos, crescimento económico, prioridade para os problemas sociais e, afinal, não cumpriram nada. Em oito meses, deitaram a perder todo o capital de esperança e são, nesta medida, uma promessa falhada.
Os senhores entram em cada matéria que discutem com a arrogância de quem tem a certeza de tudo, de quem não precisa ouvir, e pensam, aliás, que a negociação é sinal de fraqueza, quando já deviam saber que o autoritarismo é o principal sinal de falta de autoridade.
Para os senhores, como têm dito, tudo está à venda: a saúde está à venda; a educação está a venda; as reformas estão à venda; os direitos também estão à venda. São aqueles que não podem comprar tudo o que os senhores querem vender que, no dia 10, vão fazer greve.
Vão fazer greve contra um Governo que, em quase oito meses, teve sempre como estratégia saltar de escândalo para caso mediático e de caso mediático para escândalo, sempre numa fuga em frente, tentando lançar todos contra todos e tendo como único lema privatizar e desregulamentar, sendo titubeante em todas as matérias em que esta máxima se não aplica.
Neste momento, Portugal é um país triste, deprimido e descrente. Mas há um outro Portugal, que está zangado, indignado e revoltado. Um e outro vão encontrar-se no dia 10 e mostrar-vos que não podem fazer tudo, que o poder não se conquista de quatro em quatro anos, merece-se, ou não, todos os dias.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
A Oradora: - Todos nós, os cidadãos e os vários partidos representados na Assembleia, temos a liberdade de travar-vos, porque o vosso Governo, o Governo dos Srs. Deputados da maioria, é passageiro, mas as nossas vidas vão continuar. Temos, por isso, a obrigação de travar-vos, porque tudo o que conquistámos custou demasiado. Temos urgência em travar-vos, porque tudo o que os Srs. Deputados estão a fazer conduzirá, nada menos nada mais, a enfiar o nosso país num buraco.
É quem trabalha que vai parar no próximo dia 10! É quem paga impostos que vai parar no próximo dia 10! É quem nunca pára, todos os dias, que vai parar, afinal, no próximo dia 10!
É por isso que peço aos Srs. Deputados da maioria o seguinte: quando, no dia 10, vierem para este Parlamento e virem as ruas sem transportes, pensem; quando, no dia 10, vierem para este Parlamento e virem as repartições públicas, as escolas, o metro, os centros de saúde, os hospitais ou os correios fechados, pensem, porque o recado é para os senhores! Meditem nele!
Aplausos do BE.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta minha intervenção é motivada pela reacção dos comerciantes de Fafe à instalação de novas superfícies comerciais no concelho, as denominadas Unidades Comerciais de Dimensão Relevante (UCDR).
Têm vindo a público diversas notícias que dão conta da revolta dos comerciantes do meu concelho pela forma displicente como a autarquia trata a matéria dos licenciamentos de unidades comerciais de média dimensão. De tal forma as trata que o Sr. Presidente da Câmara até se permite proceder à sua inauguração, antes mesmo de ter sido emitida a competente licença de funcionamento.
Por que tanto interesse suscitam as UCDR ao poder instalado em Fafe? Sendo Fafe um concelho com apenas 50 000 habitantes, e tendo a cidade cerca de um terço daquele número, dificilmente se compreende como pode coexistir e sobreviver o comércio tradicional com um conjunto tão alargado de unidades comerciais de dimensão média, que com ele concorre directamente.
Actualmente, encontram-se já implantados em Fafe o Pingo Doce, o Intermarché, o LIDL e mais recentemente o Plus, estando a aguardar autorização de licenciamento o Modelo, o Leclerc e o Vétimarché.
Deste exemplo concreto importa tirar ilações e analisar se o regime legal vigente, que decorre do Decreto-Lei n.º 218/97, de 20 de Agosto, e da Portaria n.º 739/97, de 26 de Novembro, é o adequado e serve os legítimos interesses, quer dos comerciantes quer dos consumidores. Na nossa modesta opinião a resposta é negativa.
Sabemos que o Governo tem esta matéria em estudo e que, muito provavelmente em breve, teremos um novo regime legal. Com efeito, o actual regime legal para a atribuição de licenças para as UCDR assenta em enormes equívocos e permite situações díspares e até disparatadas. Desde logo, porque definiu uma quota de mercado para este tipo de unidades comerciais de 35% do valor global, a qual se encontra presentemente esgotada. Isto quer significar que actualmente não são permitidos novos licenciamentos, quando muitos concelhos não possuem quaisquer unidades comerciais do género. Ao invés, outros há, como o de Fafe, que possuem UCDR em excesso.
Não existem, pois, critérios de rigor definidos que permitam, com clareza e de forma objectiva, atribuir licenças ou, pura e simplesmente, recusá-las. Mas, mais: um dos factores necessários para o licenciamento é a definição da área de influência, a qual é arbitrariamente escolhida pela firma interessada na instalação da unidade comercial, que não tem em linha de conta a realidade mas, sim, a mera sustentabilidade teórica. Tudo isto conta, quase sempre, com a complacência da respectiva autarquia local, que emite parecer geralmente favorável.
Impõe-se, por isso, a definição de novas regras. Essas regras devem ter em conta o índice populacional, a proximidade a outras cidades de maior dimensão onde já existem implantadas unidades comerciais de grande dimensão, a verificação, no terreno, das necessidades efectivas de novas unidades comerciais para posterior atribuição de licenças, o tecido empresarial existente e a malha social do concelho, bem como, e em paralelo, preocupações em termos de ordenamento do território, designadamente pela definição de locais onde as mesmas possam vir a implantar-se, de molde a potenciar o comércio tradicional existente e a não contribuir para a sua fragilização.
Devem, ainda, estas unidades comerciais de média ou grande dimensão ser obrigadas a contribuir com meios financeiros para a dinamização dos locais onde se encontra localizado o comércio tradicional.
Não nos podemos esquecer que, muito raramente, tais unidades comerciais são factor de desenvolvimento dos concelhos onde se localizam. Raramente as suas receitas são reinvestidas ou aplicadas no concelho onde se encontram implantadas. Quase sempre recorrem à contratação de trabalhadores por tempo determinado, contornando as regras
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legais e contribuindo para a precaridade no emprego. Localizam-se - e refiro-me às de média dimensão - na periferia das cidades, afastando os consumidores dos centros das cidades, onde habitualmente se localiza o comércio tradicional. Implantam-se em pavilhões sem grandes condições de funcionalidade e mesmo sem grande dignidade. Apostam em produtos quase sempre de menor qualidade e, consequentemente, de inferior preço. Assentam a sua base de sustentação no consumismo exacerbado, que leva os consumidores a adquirir, tanto os produtos que precisam como aqueles que dispensavam.
Importa, por isso, que o Governo actue rapidamente, legislando por forma a que a instalação e funcionamento das UCDR se enquadre num quadro legal que obedeça às regras de concorrência e que não prejudique o comércio tradicional.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não queremos, como é evidente, impedir a livre concorrência. Não queremos um Estado interventor, mas pretendemos que, cada vez mais nesta área concreta, o Estado se afirme como agente regulador e verificador das regras de competição em mercado, por forma a que a actuação de todos os agentes económicos seja analisada e regulada, para impedir distorções que ponham em causa uns a favor de outros, que sempre são os mais poderosos.
Aplausos do PSD.
Não podemos, porém, esquecer que, um pouco por todo o País, tal como no meu concelho, o concelho de Fafe, o comércio tradicional foi a base de sustentação municipal ao longo de muitas décadas e também o grande motor do desenvolvimento local.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não podemos esquecer que, durante décadas, as derramas incidiam quase e só sobre os comerciantes locais, que, por isso, deram forte contributo à intervenção autárquica de melhoria da qualidade de vida dos seus munícipes.
Não queremos e nem podemos deixar que as cidades, hoje locais aprazíveis e frequentados por todos, se transformem em locais desertos, sem vida, atreitos à marginalidade e sem solução de futuro.
Não foi, com certeza, por acaso que recentemente o Governo investiu milhões de contos no projecto PROCOM, que serviu para modernizar o comércio tradicional. Não deve ter sido em vão, também, que muitos milhares de comerciantes se candidataram ao PROCOM, que investiram receitas próprias, do Estado e de fundos comunitários, para modernizarem os seus estabelecimentos comerciais.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não foi, com certeza, também em vão que as autarquias aproveitaram os investimentos efectuados pelos comerciantes para, através do URBCOM (Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial) e paralelamente à modernização dos estabelecimentos comerciais, modernizarem os espaços públicos, como ruas, passeios, zonas de lazer, equipamentos urbanos, etc.
Muitas destas autarquias - como foi o caso da Câmara Municipal de Fafe - elegeram como bandeira, na última campanha eleitoral autárquica, as obras que executaram nos centros das suas cidades, à custa do esforço dos comerciantes que investiram na modernização dos seus estabelecimentos comerciais.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não é, por isso, legítimo que, depois de tudo isto, depois de se servirem e de beneficiarem da actuação do comércio tradicional, o abandonem, o desprezem, cedam facilmente aos pedidos formulados por inúmeras unidades comerciais de média ou grande dimensão e não tenham a coragem de limitar, por todas as formas ao seu alcance, a instalação selvagem deste tipo de superfícies comerciais.
Importa aqui deixar uma palavra para aqueles autarcas que têm resistido à tentação fácil de abrir, de par em par, as portas dos seus concelhos para a instalação das UCDR. Porém, por razões de coerência, acabam por ter de cair no exagero, fechando-se por completo e permitindo que os seus munícipes se desloquem para os concelhos vizinhos.
Para tudo é preciso um meio termo. No entanto, no actual quadro legal, é difícil encontrá-lo.
Não queria, por fim, deixar de expressar a minha opinião acerca do funcionamento das UCDR ao domingo. Esse é um dos maiores motivos de crítica dos comerciantes do comércio tradicional, designadamente dos do meu concelho. Merece, também, a minha discordância.
O domingo, ainda há uns anos atrás, era um dia reservado à família e ao culto religioso, para aqueles que o praticam. Hoje, porém, é mais um dia destinado às compras.
Ao invés de se aproveitar o domingo para o merecido e indispensável descanso, utiliza-se este dia para aumentar o desgaste semanal e para aumentar o dispêndio médio mensal. Ao invés de se aproveitar este dia para um são e sadio convívio entre familiares e amigos, utiliza-se para percorrer espaços saturados de gente e para ampliar o stress já acumulado durante a semana de trabalho.
Entendo que todos ganhávamos se a legislação das UCDR impedisse, terminantemente, o funcionamento destas superfícies comerciais ao domingo. É nestas matérias que o Estado tem de, corajosamente, assumir posições de rigor e de inflexibilidade.
Há valores mais altos a preservar e, se não for o Estado a zelar pela preservação dos mesmos, está provado que não é a sociedade, através de mecanismos de auto-regulação, que o consegue.
Ficamos, por isso, a aguardar as iniciativas que brevemente o Governo anunciará e esperamos que, corajosamente, assuma o que, sem meias medidas, tem de ser assumido.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Eugénio Marinho, inscreveram-se os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo, Bernardino Soares e Maximiano Martins.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Eugénio Marinho, como sabe, conheço bem o concelho de Fafe. Fui eleito Deputado pelo distrito de Braga, estive várias vezes no concelho de Fafe em
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campanha eleitoral e, de todo o modo, há razões afectivas que me ligam também a esse concelho.
Sr. Deputado, no que toca a grandes superfícies comerciais e à pouca defesa e definhamento do comércio tradicional, neste momento verificamos que a realidade que acabou de descrever - e bem - não é uma realidade apenas presente no concelho de Fafe, mas, infelizmente, em numerosos concelhos do distrito de Braga, de que Fafe é também exemplo paradigmático.
Outros exemplos poderia dar. Poderia pensar, concretamente, no concelho de Braga, onde abundam grandes superfícies que não se percebe bem como foram licenciadas dados os locais onde estão instaladas; poderia citar o caso de Vila Nova de Famalicão, outro concelho de forte densidade urbana, onde também existem várias grandes superfícies; poderia dar inúmeros outros exemplos dos 14 concelhos que existem no distrito de Braga. Contudo, há um denominador comum que me parece existir ao nível de todos estes concelhos e gostava que o Sr. Deputado me ajudasse a perceber se resulta de pura coincidência ou se, efectivamente, é mais do que isso. É que, curiosamente, todos os concelhos onde é mais visível o definhamento do comércio tradicional e onde há um maior favorecimento da implantação de grandes superfícies são ou foram, até as últimas eleições autárquicas, governados pelo Partido Socialista.
Dou-lhe o exemplo do concelho de Braga, governado por um "dinossauro socialista", o Eng.º Mesquita Machado, onde sabemos bem o que fez ou o que não fez pelo comércio tradicional e o que fez pelas grandes superfícies.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Dou-lhe o exemplo do concelho de Vila Nova de Famalicão, que foi governado, até às últimas eleições autárquicas, pelo Dr. Agostinho Fernandes, autarca socialista durante cerca de 20 anos.
Refiro também, naturalmente, o caso do concelho de Fafe, de resto citado por V. Ex.ª, também governado, há outros tantos anos, pelo Partido Socialista.
Dou-lhe ainda o exemplo do impulso que, curiosamente, já se começa a notar no sentido do licenciamento destas grandes superfícies, com particular intervenção da autarquia, ao nível de outro concelho que, não tendo sido governado pelo Partido Socialista até há muito pouco tempo, nas últimas eleições autárquicas passou a ser.
Sr. Deputado, para terminar, pergunto-lhe se não podemos interpretar este denominador comum, que é a existência de executivos socialistas a par do favorecimento de colocação de grandes superfícies e do definhamento do comércio tradicional, como mais do que um denominador comum, como mais do que mera coincidência e como uma motivação política concertada no sentido do privilégio das grandes superfícies.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado Eugénio Marinho deseja responder no final de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Eugénio Marinho, fiquei estupefacto com a sua intervenção e com a demagogia que, vindo da bancada do PSD, ela significa.
O Sr. Deputado não sabe que, no último Orçamento, a sua bancada aprovou normas que prevêem que as pequenas empresas sujeitas ao regime simplificado vejam aumentados os montantes mínimos de tributação em IRC em mais de 28%?! O Sr. Deputado não sabe que o limite mínimo dos pagamentos especiais por conta em IRC para estas empresas, para os pequenos comerciantes, foi aumentado em 150%?! Não sabe, Sr. Deputado?!
Não sabe o Sr. Deputado que o Governo ainda não procedeu à adequação dos critérios do regime simplificado a determinadas actividades específicas do pequeno comércio, em que por vezes o volume de vendas é elevado, mas a margem de lucro é muito pequena?! Não sabe, Sr. Deputado?!
Se sabe, esqueceu-se disso, na sua intervenção!
E não considera o Sr. Deputado que os pequenos comerciantes, de que aqui veio falar, são altamente prejudicados com a redução do poder de compra dos trabalhadores e que a política salarial que este Governo impõe aos funcionários públicos, aos trabalhadores da Administração Pública, aos reformados se vai reflectir também nos pequenos comércios, que, em Fafe e em todo o País, são muitos e que tanto dependem dos rendimentos dos trabalhadores?
O Sr. Deputado não sabe disso ou foi por hipocrisia e demagogia que se esqueceu de falar dessa matérias?
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins.
O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Eugénio Marinho, permitiu-nos assistir a algo surreal, para o que, confesso, não estava totalmente preparado, porque é uma intervenção absolutamente estranha, é uma intervenção de oposição ao Governo.
Vozes do PSD: - Oposição ao governo socialista!
O Orador: - Não é, certamente, ao governo socialista, porque esquecem-se que este Governo já leva oito meses de governação. O Sr. Deputado vem aqui fazer críticas deslocadas no tempo, com grande incoerência e de desacordo, por exemplo, com o apoio às PME no âmbito do urbanismo comercial, esquecendo que, antes da política de apoio ao urbanismo comercial, existia um vazio absoluto. O PSD, enquanto foi Governo, não teve qualquer ideia útil de políticas públicas relativas ao urbanismo comercial e de apoio às PME.
Depois, apresenta também uma discordância face à política de licenciamento de grandes superfícies. Mas, Sr. Deputado, qual é a discordância material? O que é que traz aqui de novo de discordância, face àquilo que existe? E, se há discordância, o que é que impede o actual Governo de fazer política que seja mais do que criticar o governo anterior?
Ou seja, a sua intervenção é surpreendente, estranha, surreal, vazia de conteúdo e de grande incoerência política, para além do facto, já antes aqui sublinhado, de ser uma enorme contradição pela total falta de sensibilidade no apoio ao pequeno comércio.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr.ª Presidente, começando por responder ao Sr. Deputado Maximiano Martins, quero dizer-lhe que não percebi o conteúdo das suas afirmações. Aliás, era suposto V. Ex.ª interpelar-me relativamente a alguma coisa, mas não me interpelou relativamente a nada.
O Sr. Maximiano Martins (PS): - Lamento! Não percebeu!
O Orador: - V. Ex.ª fala deste Governo. Não se esqueça que a legislação existente é de 1997, é do vosso governo!
O Sr. Maximiano Martins (PS): - Porque é que não a mudaram?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso é verdade!
O Orador: - Essa é a primeira das questões, que, pelos vistos, o Sr. Deputado desconhece.
Em segundo lugar, eu disse que, brevemente, o Governo vai anunciar medidas nesta matéria, sendo esta minha intervenção um contributo para que o Governo, na nova legislação a implementar, não se esqueça de a considerar.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Relativamente ao urbanismo comercial, Sr. Deputado, é verdade que o então Sr. Secretário de Estado do Comércio do governo do Partido Socialista, hoje nosso colega Deputado, teve uma intervenção interessante, mas não conseguiu, depois, conciliar a parte das UCDR, destas unidades de grande dimensão, com medidas concretas que implementou no terreno na área do urbanismo comercial.
Sr. Deputado, não chega ter boas estruturas ao nível do urbanismo comercial e melhorias ao nível do comércio tradicional quando, depois, se colocam na periferia das cidades quantidades enormíssimas de unidades comerciais de dimensão relevante, que a seguir esgotam ou retiram por completo toda a clientela ao comércio tradicional. Isso é dar com um mão e tirar com a outra, Sr. Deputado! Foi aquilo que os senhores fizeram ao longo do vosso governo.
Espero que o actual Governo - estou, efectivamente, convencido disso - proceda às necessárias alterações legais, no sentido de impor, nesta matéria concreta, o equilíbrio que se deseja.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Bernardino Soares, V. Ex.ª aproveitou a minha intervenção para vir falar de questões que não têm nada a ver, em concreto, com esta matéria.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não têm nada a ver?!
O Orador: - Sr. Deputado, gostava de ter ouvido a sua opinião relativamente à questão das Unidades Comerciais de Dimensão Relevante.
VV. Ex.as, por vezes, arvoram-se em defensores dos mais pobres, dos mais pequenos, dos trabalhadores, mas, em termos concretos, nesta área temática, não apresentam nenhuma proposta legislativa para inflectir a actual situação.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É completamente falso!
O Orador: - Essa é que é a realidade!
Pelo contrário, VV. Ex.as vêm aqui com diatribes, vêm levantar questões que não têm, em concreto, a ver com esta,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não têm a ver?!
O Orador: - … e que ainda nem sequer estão testadas.
Vamos ver o que é que, ao longo do ano de 2003, os pequenos comerciantes vão dizer relativamente àquilo que o Sr. Deputado afirmou. Não é o senhor que tem a verdade na sua mão nem nas suas palavras. Vão ser os pequenos comerciantes, vão ser os pequenos investidores a dizer se, efectivamente, o senhor tem, ou não, razão. Vamos ver!
O Sr. Deputado sabe também muito bem que a actual situação económica do País, que conduziu a estas medidas restritivas, não é da responsabilidade do actual Governo. É da responsabilidade dos senhores, do Partido Socialista! Agora, temos de actuar com estas dificuldades todas no sentido de limpar as asneiras que o anterior governo fez.
O Sr. Maximiano Martins (PS): - Isto é surreal!
O Orador: - Sr. Deputado Nuno Melo, dos três Deputados que me interpelaram, foi verdadeiramente o único que me colocou uma questão, que agradeço.
É verdade - V. Ex.ª sabe-o tão bem como eu - que, de facto, os autarcas socialistas são aqueles que abrem as portas a todo este tipo de unidades comerciais. Não se sabe bem porquê, mas é um facto, é a realidade concreta no terreno.
Saliento aqui o exemplo do autarca da Câmara Municipal de Barcelos, o meu companheiro Dr. Fernando Reis, que tem impedido este tipo de situações. Trata-se de um autarca social-democrata que se tem batido em defesa do comércio tradicional.
Mas é evidente que, face às regras legais em vigor, é extremamente complexo para alguns autarcas como ele conseguirem resistir indefinidamente. E não há dúvida, Sr. Deputado, que estes privilégios têm sido, sistemática e constantemente, concedidos ao longo dos anos pelo Partido Socialista. Inclusivamente, citei-lhe o caso concreto do presidente de câmara do meu concelho, que se permite fazer uma inauguração não tendo sequer ainda sido emitida a respectiva licença de funcionamento. Como V. Ex.ª muito bem sabe, se se tratasse de um pequeno comerciante, ainda que deixasse abrir a unidade, ele fugia à inauguração.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pavão.
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O Sr. José Manuel Pavão (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há pouco mais de uma semana, teve lugar nesta Câmara um debate sobre a proibição das descriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência, durante o qual parece ter ficado provado que, afinal, a justiça, ou antes, a procura da justiça social é um caminho comum a percorrer, tantas foram as coincidências de razões e de argumentos entre os intervenientes partidários.
Por curiosa coincidência, anteontem comemorou-se entre nós o Dia do Deficiente, que ficou marcado por numerosas iniciativas, lembrando quanto nos falta ainda percorrer para garantir a esses concidadãos aquilo que é um legítimo direito e um dever de solidariedade para quem tem da cidadania uma ideia de dignidade e de profundo respeito. Por isso, sobre esta matéria, direi que foi um debate e uma comemoração importante, oportuna e devida.
Importante, porque diz respeito a centenas de milhar de portugueses - há fontes que referem mesmo um milhão - que carregam, no corpo e na alma, alguma forma de deficiência e, ainda, porque se trata de um tema a que a sociedade é, de um modo geral, bastante sensível. Oportuno, porque não sendo ainda tarde nem tão pouco a más horas, como diz o povo, é matéria que pela repercussão social bem podemos dizer que quanto mais cedo melhor. E, finalmente, é devido, porque se trata de um abrir de portas à igualdade, o que traduz, afinal, uma questão de desejada justiça.
Nós não desconhecemos - bem pelo contrário, reconhecemos - quanto se tem feito em política de apoio ao cidadão com deficiência, tendo em vista transformar o que é desigual em igual.
Medidas de redução fiscal, introdução e adaptação de veículos de transporte público e privado, alterações arquitectónicas de acesso a estabelecimentos oficiais, residências e locais de trabalho, igualdade de oportunidades, reeducação, reintegração, ensino especial e apoio psicológico são uma amostra que honra quem cria e decide os direitos e benefícios sociais do cidadão deficiente.
Permitam-me, então, Sr.as e Srs. Deputados, que, sem pôr em causa debates e comemorações, aqui alerte e insista, mais uma vez, na vantagem da educação e da formação em matéria de prevenção na deficiência.
Faço-o resguardo por três décadas de trabalho regular nas urgências dos grandes hospitais, última etapa onde desaguam acidentes da vida e onde os cidadãos esperam resposta pronta e condigna e também pela prática de uma actividade cujo cartão de visita é o combate à doença congénita, visível e invisível, que ora traduz e ora conduz, de modo inexorável, à deficiência. E não se deduza que são assim tão poucos se comparados com a multidão de deficientes do nosso país. Asseguro-vos que são os bastantes para provocar uma indesejada alteração na taxa de mortalidade infantil, com cujos valores actuais nos devemos congratular, porque são corolário de uma política materno-infantil corajosamente iniciada na década de 80 pelos governos sociais-democratas.
Todavia, se em matéria de assistência médico-cirúrgica tomamos medidas a preceito e demos, até ao presente, os passos necessários, já não podemos dizer que na prevenção dos acidentes domésticos, ambiente escolar e circulação rodoviária tenhamos posto em prática políticas de prevenção em que a inteligência da estratégia ou o rigor na disciplina do seu cumprimento nos conduzam a um plano estatístico de vanguarda.
É que, infelizmente, são muitos os episódios trágicos por excesso de confiança, desinformação ou negligência que desabam traiçoeiramente sobre a inocência das nossas crianças. Tóxicos, medicamentos, queimaduras eléctricas e líquidos ferventes, quedas em altura, afogamentos e um número crescente de acidentes em espaços de recreio escolar, como é do vosso conhecimento, ou em transportes citadinos atestam que não estão ainda em pleno os programas de educação e medidas de prevenção por que tanto ansiamos.
Com que tristeza, Sr.as e Srs. Deputados, olhamos o panorama estatístico dos acidentes nas estradas nacionais, que põe a nú a realidade da tragédia, enlutando famílias e sobrepovoando os hospitais com longos e intermináveis internamentos, onde o monstro da deficiência aguarda a sua vez, fazendo-me até lembrar, por triste ironia, que é capaz de ter razão o filósofo salamantino que nos apelidou de povo suicida. E com que raiva constatamos os repetidos acidentes na construção civil e actividades afins, onde são esquecidas as mais elementares medidas de segurança.
Sr.ª Presidente, Sr.as Srs. Deputados: Se aqui trago estas considerações é porque, reconhecendo embora o dever da não discriminação, a importância da recuperação e a necessidade da reintegração social e profissional, é na prevenção através da educação e da formação que vejo a melhor via, não para alcançar a utopia mas uma sociedade de cidadãos iguais nos direitos, nas oportunidades e nos deveres.
É que, apesar da nossa vivência em regime democrático e republicano, que nos assegura sermos todos iguais, permitam-me VV. Ex.as que aqui evoque o espírito e o pensamento owrelliano para firmar que, em questão de respeito, há cidadãos que são mais iguais do que os outros. É para eles que eu dirijo a minha voz, atenção e solidariedade.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, acaba de dar entrada na Mesa uma carta do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares sobre a questão levantada pelo Sr. Deputado José Magalhães no início dos nossos trabalhos.
O Sr. Secretário vai proceder à sua leitura.
O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a carta é do seguinte teor:
A Sua Excelência, o Presidente da Assembleia da República
Acerca das notícias hoje vindas a público e que têm a ver com a actuação do SIEDM, gostaria de informar V. Ex.ª e, por seu intermédio, toda a Câmara do seguinte:
1 - O Governo, através do Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional, obteve da anterior Direcção do SIEDM - ontem substituída - garantias de que nenhuma irregularidade foi cometida e que nenhuma iniciativa à margem da lei foi realizada.
2 - Sem prejuízo das competências próprias do Parlamento, o Governo, através do Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional, solicitou hoje mesmo, ao Sr. Presidente do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações uma averiguação imediata a esta situação, por forma a que nenhuma dúvida persista e nenhuma suspeição possa minar o bom funcionamento das instituições do Estado de direito democrático.
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A Sr.ª Presidente (Leonor de Beleza): - O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para que efeito?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, estávamos a absorver a informação e a ponderar se poderíamos, através de interpelação à Mesa, solicitar que o Governo, uma vez que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares está presente, aclare a forma como pretende compatibilizar as diligências que agora accionou com as diligências que, há pouco, eu e Srs. Deputados de outras bancadas tivemos ocasião de propor e que envolvem não apenas a intervenção da 1.ª Comissão como, eventualmente, uma investigação especial feita pelo Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, que julgo será convergente - se bem entendi o ofício do Sr. Ministro - com aquela que acaba de ser pedida pelo próprio Governo.
Essa articulação é muito importante, porque a 1.ª Comissão tem de definir não só o calendário como o programa dos seus próprios trabalhos e, portanto, o momento da realização das diligências não deve ser desarticulado mas, sim, programado em cooperação institucional, uma vez que é do mais alto interesse que o esclarecimento se faça depressa, bem e sem colisões de carácter institucional.
Nesse sentido, talvez pudéssemos aclarar o pensamento do Governo para podermos tomar decisões.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria reafirmar, na sequência da interpelação do Sr. Deputado José Magalhães, o que o Governo quis transmitir à Câmara, e que foi lido há instantes
Em primeiro lugar, os serviços de informações existem no nosso Estado de direito democrático para defender e proteger as pessoas e o próprio Estado de direito e não, naturalmente, para ameaçar as pessoas ou a segurança do Estado.
Nessa conformidade, os serviços de informações têm, como é sabido, uma fiscalização permanente de base parlamentar. E, não obstante (como está dito na carta) o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional ter obtido da anterior direcção do SIEDM, que ontem mesmo foi substituída, garantias de que nenhuma irregularidade foi cometida, de que nenhuma lei foi violada, de que as garantias dos cidadãos não foram atingidas, e porque nestas matérias, com toda a serenidade mas com toda a clareza, nenhuma dúvida deve existir e nenhuma suspeita deve persistir, hoje mesmo o Sr. Ministro da Defesa Nacional solicitou ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações uma averiguação imediata sobre esta matéria, sem prejuízo das competências próprias da Assembleia da República.
Foi, aliás, no uso dessas competências que hoje, ao princípio da tarde, vários partidos requereram informações da mesma natureza. Julgo, por isso, que são atitudes convergentes no sentido de que, com toda a serenidade, mas também com toda a clareza e firmeza de princípios, nenhuma dúvida possa existir a este respeito, sem prejuízo das garantias que foram dadas pela anterior direcção.
A partir daqui, obviamente - a articulação é sempre útil e positiva, porque todos estamos empenhados na defesa do bom funcionamento das instituições e do Estado de direito -, o Governo estará totalmente disponível para a articulação que for considerada útil, sem prejuízo das competências próprias do Parlamento.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado Francisco Louçã pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para uma interpelação a respeito de uma perplexidade suscitada por esta intervenção, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
Mas vamos tentar não entrar agora num debate sobre esta questão.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Com certeza, Sr.ª Presidente.
Sr.ª Presidente, registei o conteúdo da carta - peço que seja distribuída a todos os grupos parlamentares-, e quero, no entanto, assinalar que tanto a carta como a intervenção do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares é cirurgicamente precisa ao escolher não nos dar a garantia de que precisávamos.
Precisávamos de saber se o Governo está hoje em condições de dizer que nenhuma pessoa foi investigada nas condições descritas pelo Diário de Notícias, que são totalmente ilegais e inaceitáveis.
Ora, se bem ouvi a carta, agora reafirmada, o que o Governo nos diz é que o Ministro da Defesa Nacional obteve garantias da anterior direcção do SIEDM mas não dá garantias por si próprio, e que, nesta situação, pede averiguações. O que quer rigorosamente dizer que o Governo hoje, dia 5 de Dezembro, não está em condições de desmentir a notícia publicada no Diário de Notícias, que se afirma, aliás, suportada por documento escrito. E essa é uma conclusão de enorme importância.
Espero, naturalmente, que venhamos a saber, em sede de 1.ª Comissão, no Plenário ou através de esclarecimentos do Ministro dos Assuntos Parlamentares ou do Ministro da Defesa, tudo o que haja a saber a este respeito. Em qualquer caso, não pode ficar em claro que, nestas circunstâncias, o Governo não nos garante aquilo que a República precisava de saber, isto é, que não houve ilegalidade dos serviços. Nada sabemos a esse respeito.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, informo que, imediatamente após a sua leitura, determinei que a carta fosse distribuída a todos os grupos parlamentares. Presumo que tal estará a ser feito neste momento.
Também para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, peço desculpa por voltar a pedir a palavra para mais uma interpelação, mas não quero que, obviamente, no que diz respeito ao Governo, fique qualquer dúvida.
Em primeiro lugar, julgo que a todos nos interessa que as dúvidas desapareçam, mas a todos nos interessa também preservar o bom funcionamento das instituições e do Estado de direito democrático.
Posto isto, diria o seguinte: o SIEDM teve uma direcção em funções até ao dia de ontem, dia em que tomou posse uma outra direcção. O que o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional, através da minha carta, transmite ao Parlamento é que obteve garantias da direcção que cessou funções de que estas notícias vindas a público não correspondiam à verdade e que, em consequência, nenhuma irregularidade tinha sido cometida. Clareza total!
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Tendo a notícia vindo a público, é importante que o órgão de fiscalização (que, além do mais, depende desta Assembleia, mas em relação ao qual o Governo tem competência para solicitar averiguações) possa fazer a averiguação normal, exaustiva e imediata. Tão simples quanto isto! Ou seja, é absolutamente essencial que as dúvidas sejam clarificadas, sem prejuízo de a direcção anterior responsável pelos serviços ter garantido ao Sr. Ministro da Defesa Nacional que estas informações não tinham qualquer tipo de fundamento.
Quanto ao mais, julgo que é positivo. Tal como evidenciaram as iniciativas de vários partidos esta tarde, também o Governo apenas quis transmitir ao Parlamento que, já esta manhã, tinha feito solicitação idêntica.
Ou seja, numa palavra, estas são informações que o Governo tem o direito e, sobretudo, o dever de dar à Assembleia da República, numa linha de firmeza de princípios, de total serenidade e de defesa das instituições. Quanto ao mais, vários partidos pediram as diligências que pediram, o Governo também já as tinha solicitado esta manhã, e são convergentes.
Julgo que é útil tudo quanto seja feito, sem introduzir combate político-partidário numa matéria que o não justifica, preservando as instituições mas dissipando todas as dúvidas; todas essas diligências são úteis porque a todos nós compete defender as instituições, defender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, o que é particularmente importante, e, no limite, defender o Estado de direito democrático. É tão simples e tão claro quanto isto.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, vamos, então, dar início ao debate, nos termos do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, sobre a reforma do Sistema Nacional de Protecção Civil.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (António Figueiredo Lopes): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Agradeço, Sr.ª Presidente, a oportunidade que me é concedida para, em breves minutos, expor as linhas fundamentais que balizam a reforma que estamos a levar a cabo na área dos bombeiros e da protecção civil.
Seja-me, porém, permitido sublinhar, antes do mais, que, neste como nos restantes domínios da administração interna, as reformas que preconizamos obedecem a uma estratégia e a valores fundamentais enunciados no Programa do XV Governo. A nossa acção reformadora está subordinada a uma orientação com valor estratégico e a um objectivo político prioritário, que é o de tudo fazermos para a consolidação de um Estado com autoridade, moderno e eficaz.
Queremos que os cidadãos tenham confiança nas instituições e não se vejam frequentemente confrontados com a complexidade burocrática e a impotência do Estado na resolução dos graves problemas que nos afectam.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Temos de reconhecer que, hoje, nos confrontamos com a ocorrência de catástrofes e riscos colectivos de origem natural, ou tecnológica, ou mesmo originados pela mão do homem, que nos preocupam e inquietam do mesmo modo que o crescimento exponencial de incêndios florestais no nosso país e a brutal realidade da sinistralidade rodoviária nas estradas de Portugal. Tudo isto são factores que contribuem para aumentar o quadro de ameaças à segurança das pessoas e dos bens e reclamam a mobilização e o alerta permanente de meios e recursos de protecção e de socorro, da responsabilidade do Estado, mas também de uma sociedade civil organizada e solidária.
Mas o que é grave é que este aumento do quadro de riscos e ameaças à segurança das pessoas e dos bens é acompanhado por uma tendência para o desaparecimento do espírito comunitário na sociedade dos nossos dias, com sinais preocupantes de instalação de uma cultura de irresponsabilidade e de impunidade - tudo é com os outros, nada é connosco -, o que, em si mesmo, contribui para afectar a coesão nacional.
A dinamização das políticas de segurança e de protecção civil que queremos executar num quadro de parceria e de co-responsabilização entre o Estado e a sociedade civil organizada podem por isso, em minha opinião, constituir pólos nucleares de sustentação da coesão das comunidades, porque, nestas matérias, todos somos responsáveis, mas o Estado tem de ser o primeiro a dar provas de que é capaz de fazer melhor tudo aquilo que é, em primeira mão, da sua exclusiva e inalienável responsabilidade.
Racionalizar, formar, acolher e integrar o voluntariado, eis algumas das questões do elenco de orientações que estruturam uma política séria de intervenção e valorização da inigualável riqueza que constitui o universo das nossas organizações públicas e privadas de protecção civil e de bombeiros.
Eu acredito, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, que, com instituições competentes e prestigiadas, é mais fácil garantir a intervenção mobilizada de todos, quando for preciso apelar para a prática efectiva dos valores da solidariedade e da entreajuda, perante a urgência de socorrer quem carece de protecção.
Estes são valores tradicionais dos portugueses que, sem dúvida, irão contribuir para fomentar o espírito de voluntariado das populações e a sua inestimável contribuição para a prevenção e o combate a incêndios florestais e noutras formas de socorro normalmente confiadas aos corpos de bombeiros. Este é, também, um dos nossos objectivos.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em 1992, esta Assembleia, através da Resolução n.º 10/92, integrou na ordem jurídica interna um conceito amplo de protecção civil que integra um vasto conjunto de tarefas necessárias para o restabelecimento e manutenção da ordem nas zonas sinistradas, o restabelecimento de urgência dos serviços de utilidade pública indispensáveis e a ajuda para a salvaguarda dos bens essenciais à sobrevivência.
Sob o ponto de vista orgânico-funcional, o conceito e a política de protecção civil contam hoje com duas unidades operativas corporizadas no Serviço Nacional de Protecção Civil (SNPC) e no Serviço Nacional de Bombeiros (SNB).
Se compararmos as estruturas orgânicas centrais e desconcentradas destes dois serviços e se cotejarmos os respectivos quadros de atribuições e competências, constatamos uma evidente sobreposição e duplicação de funções, meios humanos, materiais e financeiros e de áreas territoriais de jurisdição.
Tal situação de sobreposição e de duplicação, habitualmente fonte de descoordenação, de falta de eficácia e de desperdício de meios, contribui, normalmente, no terreno, para a morosidade nas respostas a situações de emergência concretas, para as quais os cidadãos e o interesse público exigem medidas de socorro imediatas e atempadas. Tal é o caso, designadamente, com a ocorrência sazonal dos incêndios florestais ou das cheias.
Perante a evidência das ineficácias e dos desperdícios do actual dispositivo, o Governo decidiu criar um novo serviço, corporizado numa pessoa colectiva de direito público
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- um serviço público dotado da acrescida autoridade que decorre da aplicação efectiva do princípio operativo da unidade de comando, organização e direcção.
Este novo serviço, que será designado "Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil" sucederá, pois, ao Serviço Nacional de Protecção Civil, ao Serviço Nacional de Bombeiros e à Comissão Nacional Especializada em Fogos Florestais, os quais serão extintos, colhendo-se destes organismos públicos o capital de experiência, os recursos humanos, financeiros, tecnológicos e materiais e, bem assim, o respectivo património, racionalizando-os e reformulando-os para satisfazer as novas exigências.
Este projecto assenta numa estrutura de órgãos e serviços centrais e locais, com competências de carácter consultivo, executivo e inspectivo, de que destaco os seguintes: o Conselho Nacional de Bombeiros, presidido pelo Ministro da Administração Interna, que funcionará como órgão superior de consulta e por ele passará o plano anual de subsídios a atribuir aos corpos de bombeiros e o seu parecer será indispensável na revisão dos critérios de financiamento das suas actividades; a Escola Nacional de Bombeiros, cuja acção formativa será alargada agora aos agentes da protecção civil; o Centro Nacional de Operações de Socorro e Emergência para assegurar a coordenação, acompanhar a evolução das operações e garantir o desencadeamento das acções de emergência; os Centros Distritais de Operações de Socorro e Emergência que serão organizados de acordo com as necessidades resultantes de riscos naturais, tecnológicos ou da actividade humana que se verifiquem na respectiva área territorial; o Gabinete de Apoio ao Voluntariado, para promoção da actividade dos bombeiros junto das escolas e das populações e para apoio das associações de bombeiros voluntários, na divulgação das virtualidades do voluntariado.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Como referi no início da minha exposição, o Governo reconhece a relevância deste projecto no quadro da segurança dos cidadãos e, por isso, decidiu dá-lo a conhecer desde já a esta Assembleia mesmo antes de o apreciar em Conselho de Ministros.
Julgo que estamos perante uma boa prática que confirma a importância e o relevo que o Governo confere às relações com o Parlamento.
Consequentemente, estaremos disponíveis para analisar - em Plenário ou em sede da 1.ª Comissão - todas as sugestões que os Srs. Deputados queiram fazer-nos chegar. Não hesitaremos em acolher aquelas que, de alguma forma, acrescentem valor ao projecto que genericamente vos apresentamos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Rodeia Machado, Francisco Louçã, Vitalino Canas e Francisco José Martins.
Lembro que, nos termos da grelha própria para este debate, os grupos parlamentares dispõem dos tempos que constam do quadro electrónico de tempos e o Governo dispõe de um total de 5 minutos para responder. Naturalmente, tanto cada grupo parlamentar como o Governo gerirão os respectivos tempos nos termos em que entenderem.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.
O Sr. Rodeia Machado (PCP). - Sr.ª Presidente, o Sr. Ministro da Administração Interna veio expor ao Parlamento a situação da fusão do Serviço Nacional de Bombeiros, do Serviço Nacional de Protecção Civil e da Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais (CNEFF).
O Sr. Ministro veio pôr à apreciação do Parlamento esta matéria, mas não apresentou um documento escrito, onde nos pudéssemos basear para termos naturalmente uma intervenção. No entanto, percebemos perfeitamente qual é a intenção do Governo relativamente a esta matéria. E antes de lhe fazer duas perguntas concretas, quero lançar-lhe um desafio concreto sobre esta matéria.
Quanto à questão da coordenação de meios, estamos de acordo que haja uma coordenação de meios dos serviços que prestam socorro em Portugal - e tanto assim é que o PCP apresentou nesta Assembleia um projecto de resolução, exactamente sobre os meios de protecção civil, de combate a fogos florestais e a unidade de comando que deve ser centralizada. Portanto, este é contributo concreto que o PCP dá ao Governo relativamente a esta matéria.
No entanto, há duas questões que quero colocar-lhe por me parecerem extremamente importantes, uma das quais diz respeito ao financiamento dos corpos de bombeiros, embora não tenha um documento escrito em que possa suportar-me.
A este respeito, dir-lhe-ei que, sem financiamento, V. Ex.ª dificilmente conseguirá atingir os objectivos da sua proposta. Há, em Portugal, 464 associações e corpos de bombeiros e há uma discrepância entre a dotação do Estado aos bombeiros, no seu apoio, e aquilo de que dispõem os bombeiros sapadores pagos pelas câmaras municipais.
Dou-lhe um exemplo: 464 associações e corpos de bombeiros recebem de subsídio, em regra geral, 5 milhões de contos/ano; mas só o Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa custa à Câmara Municipal de Lisboa mais de 6 milhões de contos/ano. Portanto, por aqui se verifica a discrepância entre uma situação e a outra.
Logo, se se pretende a sustentabilidade de um sistema, que suporta 40 000 homens e mulheres em regime de voluntariado, terá de haver financiamento por parte do Governo.
Pergunto-lhe: como vai ser o financiamento dos corpos de bombeiros, não apenas no Conselho Nacional de Bombeiros, com uma distribuição de verbas, mas indo ao encontro de uma situação central, que é a tipificação dos corpos de bombeiros, com critérios objectivos, por forma a que cada um saiba atempadamente qual é o financiamento que o Governo lhe vai atribuir em cada ano.
Vou passar à outra questão, porque o tempo está a esgotar-se.
Esta entidade a criar vai ser uma pessoa colectiva de direito público, vai ter suporte financeiro para funcionar, agregando o Serviço Nacional de Bombeiros, o Serviço Nacional de Protecção Civil e a CNEFF. Gostaria, então, de saber como é que vai funcionar, qual é a sua articulação, quais são os meios, qual é a funcionalidade, porque, naturalmente, não basta enunciar os objectivos, há que concretizá-los e, para os concretizar, há que dar-lhes suporte real e capaz.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, o Governo escolheu
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fazer, hoje, uma declaração sobre a constituição deste novo serviço de bombeiros e de protecção civil, o que é certamente uma discussão importante que teremos a seu tempo na Assembleia da República.
Pela nossa parte - e digo-lho com a frontalidade que é indispensável nestes debates -, consideramos que, hoje, deveria estar aqui o Ministro de Estado e da Defesa Nacional, porque há duas matérias incontornáveis no debate político: a primeira é sobre uma das questões mais graves, a da preservação das liberdades e do rigor no funcionamento do SIEDM, em relação à qual precisávamos de ter uma certeza, porque ficou a dúvida.
A segunda razão para a presença do Ministro de Estado e da Defesa Nacional é o que se passou em Timor, que é de enorme importância, como é de enorme gravidade a actuação hierárquica na decisão de controlar directamente as forças militares portuguesas, passando por cima do que deveria ser a regulação por via da ONU. Era necessário que houvesse uma discussão sobre isto, e acolheríamos de muito bom grado que estivesse aqui quem nos pudesse dar respostas a este respeito.
Em qualquer caso, falando de protecção civil, quero lembrar-lhe que este Governo, na mesma altura em que decidiu legislar sobre o aumento da taxa mínima permitida de alcoolemia nas estradas, prometeu-nos - e ficou a dever-nos essa promessa - um plano geral de combate à sinistralidade rodoviária, que é o aspecto determinante na protecção civil em Portugal, e sobre isto nada foi feito até agora, e é indispensável que se tomem medidas.
O Bloco de Esquerda contribuirá para esse debate com a apresentação de um projecto de lei de bases da segurança rodoviária e convidamos o Governo a apresentar as suas propostas nesta matéria, mais do que a fazer declarações genéricas de intenções, porque ficou uma mensagem de facilitismo quando era necessário uma mensagem de rigor. Por isso mesmo, se a protecção civil é para ser levada a sério, como tem de ser, convido-o, Sr. Ministro, a dar o seu contributo para decisões neste sentido, decisões melhores do que a de aumentar a taxa mínima permitida de alcoolemia.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr.ª Presidente, o Sr. Ministro da Administração Interna teria, naturalmente, muitos motivos para vir a esta Assembleia relacionados com o seu Ministério. Poderia vir falar, com todo o rigor, de temas como o problema recente da GNR; poderia vir falar de imigração; poderia vir falar de questões relacionadas com as forças de segurança e respectivos agentes, que, neste momento, estão numa posição muito ansiosa, mas escolheu vir falar sobre a criação de um novo serviço, o serviço nacional de bombeiros e protecção civil. E pensámos que viria trazer-nos grandes novidades. Não aconteceu assim, Sr. Ministro, e lamento dizê-lo.
Na verdade, o que nos transmitiu foi um conjunto de princípios gerais, com os quais, porventura, todos estaremos de acordo, e, depois, transmitiu-nos duas ou três ideias muito gerais, que, aliás, não são acompanhadas por nenhum diploma que nos permita concluir o que as complementa e que deixam por responder ao essencial do que está em causa.
As minhas perguntas são muito mais concretas, Sr. Ministro - espero não o perturbar! -, do que o que veio dizer-nos.
Vejamos, por exemplo, a questão do financiamento.
Sabemos que, em anteprojectos que fez distribuir por várias instituições, não está definido qual o sistema de financiamento para o novo serviço, nomeadamente nada está dito sobre aquela percentagem proveniente de seguros que, nesta altura, vai para os bombeiros. Assim, como vai ser o financiamento deste novo serviço?
Passemos à questão dos recursos humanos.
O Sr. Ministro já admitiu no passado, nesta Assembleia, que poderia haver casos em que poderia prescindir-se de alguns recursos humanos. Aliás, o Sr. Ministro referiu várias vezes a necessidade de racionalização. Será que "racionalização" significa que vai prescindir de recursos humanos quer da área da protecção civil quer da área dos bombeiros? Ou não quer dizer isto?
Para além disso, esta questão tem vindo a ser tratada, há vários meses, por si próprio e pelos seus Secretários de Estado - tenho comigo recortes de imprensa, de há 4, 5, 6 meses, todos eles a dizerem a mesma coisa, e, hoje, o Sr. Ministro também nada disse de diferente.
Uma das questões que se levantava e que continua a levantar-se é a de saber se esta reforma, que poderá ser importante - mas depende, teremos de ver -, já é consensual entre aqueles a quem diz respeito, nomeadamente a Liga de Bombeiros Portugueses e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
O Sr. Ministro ainda nada disse sobre isso, mas gostava de saber se vem anunciar-nos a criação deste novo organismo, tendo previamente adquirido esse consenso ou se o mesmo ainda não existe.
O Sr. José Magalhães (PS): - Boa pergunta!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.
O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, em primeiro lugar, quero saudá-lo e sublinhar a importância da sua iniciativa de vir a este Parlamento partilhar uma medida extremamente importante no âmbito do que já é um quadro de medidas concretas que este Ministério vem realizando.
E neste particular, permita-me também que, em duas palavras, evidencie aqui a minha satisfação pessoal e a do PSD por, ontem mesmo, em Conselho de Ministros, ter sido aprovado um novo diploma sobre a imigração. É sabido que esse diploma emerge de uma autorização legislativa desta Assembleia, que foi aqui se iniciou um amplo debate sobre esta matéria, tendo o Governo realizado (é importante que se diga) uma reflexão partilhada sobre esta problemática com toda a sociedade civil, ao nível de entidades como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Inspecção-Geral do Trabalho, associações patronais, associações sindicais, associações de imigrantes, num diálogo que temos de sublinhar e evidenciar, como temos de evidenciar a importância deste novo normativo e daquilo que ele vai significar para o País.
De resto, importa também sublinhar que ele é complemento de um plano nacional para a imigração, que o Governo, sob a alçada do Ministro da Presidência, está a realizar e está já em plena execução - exemplo disso é o Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas. De facto, trata-se de um conjunto de medidas que, neste âmbito e ao nível do apoio aos imigrantes, se está a implementar no País, com a abertura de centros de apoio,
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centros de apoio jurídico e centros de apoio ao nível da informação, sendo o corolário daquilo que é uma prioridade deste Governo e que nunca é demais aqui evidenciar.
Quanto ao particular, àquilo que o Sr. Ministro e o Governo aqui trouxeram, trata-se de mais uma medida, como foi sublinhado, contida no Programa do Governo, uma medida que temporalmente estava definida em termos da importância que o próprio Governo lhe dava. Ora, ao invés de se evidenciar o que de bom tem esta vinda do Sr. Ministro aqui, há quem ponha em causa aquilo que o Governo pretende, e que temos de sublinhar como muito importante, ou seja, tendo presente um projecto de uma reforma que é importante para o País, começar aqui, no próprio Parlamento, a discutir essa matéria, visando obter contributos decisivos para aquilo que será um diploma muito importante.
Penso que não temos qualquer dúvida… Aliás, num passado recente, tivemos oportunidade de assistir a algo que naturalmente nos deixou a todos muito apreensivos. O Verão passado trouxe-nos muitos incêndios, trouxe-nos a destruição da riqueza do nosso país, o que nos deixou seguramente muito tristes, até pela nossa impotência, por vezes, para combatermos essas adversidades. Mas isto, independentemente (e temos de dizê-lo aqui) do total empenho, da total dedicação…
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.
O Orador: - Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Sublinhando a importância daquilo que foram os pressupostos em que o Sr. Ministro assentou a sua intervenção, gostaria de formular duas perguntas ao Governo.
O Sr. Ministro sublinhou aquilo que pode ser o papel da sociedade civil no âmbito desta problemática e, no particular, o voluntariado. Assim, coloco-lhe a seguinte questão: neste ponto, como é que a futura proposta de lei vai evidenciar esta articulação e como vai funcionar?
Uma segunda questão é esta: como é que o Governo vê, no futuro, aquilo que é a inspecção e, portanto, a problemática da segurança para incêndios?
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo. Peço-lhe desculpa, Sr. Deputado, por, há pouco, ter omitido o seu nome na lista dos Deputados inscritos para pedir esclarecimentos.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, antes de mais, gostaria de dirigir-me ao Sr. Deputado Vitalino Canas para lhe dizer o seguinte: Sr. Deputado, pela sua voz, ficámos a saber algo de extraordinário, que é que, para o PS, ao que parece, a protecção dos cidadãos não é um assunto suficientemente relevante. Prefeririam que o Sr. Ministro da Administração Interna viesse aqui discutir outros temas, porventura, mais mediáticos, que, logo à noite, fossem transmitidos nos vários canais de televisão e, amanhã, ocupassem mais páginas dos jornais, no fundo, dessem mais atenção àquilo que o Partido Socialista gostaria que fosse dito.
Porém, gostávamos que o Sr. Ministro da Administração Interna soubesse, desde logo e como questão prévia, que, para nós, a segurança dos cidadãos é algo de muito importante. E este tema que hoje aqui nos traz não só é muito importante como é determinante. Para nós, é bom verificar que o Governo continua numa onda reformista, desde logo, dos serviços públicos, no sentido de os dotar de racionalidade e de eficácia, para que possam prosseguir com aquilo para que foram criados. E se há matéria que impunha uma atenção dos governantes, não hoje mas já ontem (mas, ao menos, hoje), era esta.
Verifica-se que VV. Ex.as, com respeito, desde logo, pelo princípio da unidade de comando, se propõem criar um serviço nacional de bombeiros e protecção civil que unirá três outros serviços dispersos, com competências específicas, mas sendo que com aproveitamento dos recursos de pessoal e meios técnicos, no fundo, dotando-os de maior eficácia, tendo em conta precisamente o interesse público, que hoje torna prioritária esta discussão nesta Câmara.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Ministro, isto faz todo o sentido, desde logo, porque quer-nos parecer que, já hoje, a protecção civil assenta fortemente nas corporações de bombeiros. Portanto, até por isso, essa unidade de comando se justifica.
A questão que, de todo o modo, lhe colocava, Sr. Ministro, é a de saber se poderá concretizar algo mais acerca da forma como vai ser feita a integração desses serviços dispersos e, desde logo, dos seus meios técnicos e humanos, na nova entidade a criar, o serviço nacional de bombeiros e protecção civil, bem como do timing em que pensa que isso será possível.
E, mais uma vez, Sr. Ministro, da parte desta bancada, as nossas saudações por mais uma medida muito importante, que demonstra bem da responsabilidade com que estes governantes estão a tomar em conta o exercício das suas funções.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, a Mesa foi informada de que o Governo intervirá no fim do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr.ª Presidente, este debate viverá naturalmente das respostas que o Sr. Ministro da Administração Interna aceder aqui a dar-nos e elas ainda não foram dadas, havendo, no entanto, boas perguntas.
É que o discurso do Sr. Ministro foi altamente abstracto. É claro que, depois, houve alguns incidentes, dos quais podemos tirar algumas conclusões. A saber, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo deu-me aqui o ensejo de tirar uma conclusão interessante.
O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo acha que falar de imigração - e esse foi um dos temas sobre o qual sugeri que o Sr. Ministro viesse aqui falar - não é importante, é mediático; acha que falar da questão da GNR e dos problemas graves que têm vindo a lume e que, aliás, suscitaram da parte do PS um pedido de presença do Sr. Ministro na 1.ª Comissão (ainda não concretizada), não é um assunto grave para os cidadãos, é um assunto mediático;…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Só que isto também é!
O Orador: - … e acha que falar da questão dos agentes das forças de segurança não é um assunto grave e
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importante para a segurança dos cidadãos, é um assunto mediático.
Assim sendo, interrogo-me: quando o CDS-PP se preocupava com estes assuntos, o que parece já não ser o caso, preocupava-se porque eram assuntos mediáticos ou porque eram assuntos graves para a segurança dos cidadãos? Gostava de ouvir a resposta a esta pergunta.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Está a perguntar ao CDS-PP?
O Orador: - Nós preocupamo-nos não por serem assuntos mediáticos, mas por serem assuntos importantes para a segurança dos cidadãos.
Quanto a este debate, ele depende naturalmente, como já referi, das respostas que o Sr. Ministro nos der, mas ele ainda não resolveu um problema que continuamos a ter em relação aos bombeiros e à protecção civil, que é o de saber se esta reforma, na qual nos revemos, porque foi iniciada pelo governo do PS, está a ser suficientemente bem estruturada. Ora, aquilo que sabemos é que há ainda aspectos graves que não foram suficientemente resolvidos. Sabemos, nomeadamente, que há problemas relacionados com o financiamento e com os recursos humanos, que não estão resolvidos e que nos fazem temer pela operacionalidade do sistema. Ou seja, os sistemas que temos têm problemas de coordenação que devem ser resolvidos, mas corremos o risco, se esta reforma não for bem feita (e não estamos convencidos de que esteja a sê-lo), de estes dois sistemas, que têm problemas de articulação e de coordenação, serem substituídos por um sistema que não assegura a operacionalidade, podendo, portanto, agravar as situações que já verificámos existirem a vários níveis.
Ora, é isso que gostaríamos que fosse aqui tratado hoje e que estas dúvidas fossem esclarecidas pelo Sr. Ministro.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Muito brevemente, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Vitalino Canas que as questões que, agora, suscitou são para nós efectivamente relevantes, são até muito relevantes.
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Ainda bem!
O Orador: - O que não significa que esta outra questão, que, hoje, o Governo aqui nos traz, não seja tanto ou, porventura, mais relevante.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Razão pela qual a circunstância de essas outras questões não serem discutidas não nos deixa tristes, como parece que VV. Ex.as ficaram, pelo facto de, hoje, estarmos a discutir a segurança dos cidadãos. Portanto, Sr. Deputado Vitalino Canas, é bom que saiba, como nós sabemos, que este Governo, com o mesmo sentido de responsabilidade e com o sentido de Estado com que, hoje, discute aqui a segurança dos cidadãos e a criação desta nova entidade, o serviço nacional de bombeiros e protecção civil, irá certamente discutir esses outros assuntos, quando houver que discuti-los nesta Câmara.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Agora, o que V. Ex.ª naturalmente não pretenderá é discutir tudo e mais alguma coisa num único dia, pois isso significaria, isso sim, conferir menos importância ao que hoje aqui nos traz. A questão da segurança dos cidadãos, da criação do serviço nacional de bombeiros e protecção civil e os termos em que tudo isto vai ser feito é uma questão suficientemente séria e importante para que, por si só, seja hoje aqui discutida.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.
O Orador: - Vou concluir, Sr.ª Presidente.
E seja discutida sem que a nossa atenção possa ser dispersa noutros assuntos, que, por igualmente importantes, têm de ser discutidos em sede própria e no momento oportuno.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados (e dirijo-me, em especial, ao Sr. Deputado Vitalino Canas): Tenho de confessar algum desconforto mas, sobretudo, muito desapontamento.
É que, sendo esta uma matéria que não é da competência da Assembleia da República, o Governo podia ter desenvolvido este projecto, como está a fazer, tratá-lo e, inclusivamente, negociá-lo com as forças a ele associadas, os bombeiros e os elementos da protecção civil, mas entendi eu, e entendeu o Governo, que era forçoso, por uma questão de respeito pela Assembleia da República, e que era um gesto (não quero usar a expressão boa vontade) de consideração e de respeito para com a Câmara que, à discussão de matérias que têm a ver com a segurança das pessoas e dos bens, com questões fundamentais da democracia, ou seja, autoridade do Estado, maior capacidade do Estado e envolvimento da sociedade civil nas questões que têm a ver com todos nós, fossem associados os Srs. Deputados, para debatermos as linhas fundamentais desta reforma.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Era este exclusivamente o meu objectivo. Não tenho memória curta e sei que já prometi, ainda há muito pouco tempo, na 1.ª Comissão, que o nosso projecto, assim que estivesse concluído, seria entregue na 1.ª Comissão, dispondo-me aí a debatê-lo, durante 2, 3 ou 4 horas, o tempo que for necessário, artigo por artigo, medida por medida, respondendo a todas as questões que os Srs. Deputados quiserem formular.
Portanto, Srs. Deputados, o que, para mim, importa agora sublinhar é que nós esperamos que VV. Ex.as dêem a vossa contribuição para o debate das linhas gerais da reforma.
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Por outro lado, gostaria também de dizer que estamos a actuar em relação a um sector de extrema importância para a sociedade portuguesa, para todos os portugueses, e que, nesta matéria, como, de resto, em muitas outras, da Administração Pública e do Governo do País, lamentamos que tanto e tanto tempo se tenha perdido em reflexões, em consultas e nada, nada, se tenha decidido.
Aliás, o Sr. Deputado Vitalino Canas já confessou aqui - e todos o sabemos - que estas ideias, estes projectos e estas iniciativas, que deveriam ter sido iniciadas há muito tempo, não o foram, nem tiveram qualquer conclusão. Por isso, somos nós agora que, no quadro da responsabilidade que assumimos no Programa do Governo perante os portugueses, estamos a dar-lhes concretização.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
E estamos a fazê-lo claramente em obediência a um timing, a um calendário de que os Srs. Deputados têm conhecimento. Eu disse, há muito tempo, em sede de comissão, que este projecto de fusão do Serviço Nacional de Bombeiros com o Serviço Nacional de Protecção Civil seria apresentado até ao fim deste ano. Estamos a desenvolver um trabalho de grande diálogo, que hoje nos pode levar a dizer que há já um consenso adquirido com todas as entidades associadas a esta matéria, nomeadamente iniciámos este debate não ontem, não hoje, não no mês passado mas em 16 de Junho deste ano.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Reunimos para cima de 1000 bombeiros, representando as suas corporações, as federações, as associações, que, connosco, durante um dia inteiro, debateram as linhas fundamentais para a reforma destes serviços. E hoje adquirimos já uma certeza: os bombeiros portugueses estão com o Governo; eles compreenderam há muito tempo que os estamos a entender e que estamos a ir ao encontro da satisfação das suas necessidades.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD). - Muito bem!
O Orador: - É neste quadro de preocupações que eu hoje queria, desejava ardentemente, debater convosco as linhas fundamentais deste projecto.
Em relação aos detalhes técnicos, como eu disse, estarei à vossa disposição para os debater em sede de comissão.
Gostaria ainda de dizer ao Sr. Deputado Francisco Louçã, não só porque me questionou sobre uma matéria relativamente à qual tenho o dever de informar mas também porque a Câmara poderia ficar com uma ideia errada, que o Sr. Deputado habilidosamente lança com frequência, que é a de promessas não cumpridas, de projectos não concluídos, etc., que sabemos que nos comprometemos, perante a 1.ª Comissão, a apresentar até ao fim deste ano, que termina a 31 de Dezembro, o plano nacional de prevenção rodoviário. Ora, este plano nacional de prevenção rodoviário está a ser desenvolvido de uma maneira intensa, com reuniões frequentes, com todas as entidades que têm a ver com a questão da sinistralidade, e estamos a preparar medidas a médio prazo, medidas que serão desenvolvidas durante os próximos três anos.
Vozes do PSD e CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Porém, Sr. Deputado, não é justo ignorar os esforços que este Governo tem desenvolvido desde o Verão passado para reduzir drasticamente aquilo que é, de facto, uma calamidade no nosso país: os mortos nas estradas. Sr. Deputado, aumentámos drasticamente a fiscalização nas estradas; lançámos desde o início do mês de Novembro o plano especial, que, normalmente, os governos que nos antecederam apenas lançavam 3, 4 dias ou uma semana antes do Natal e do fim do ano, mas nós antecipámos em mais de um mês no relançamento desse reforço de fiscalização; lançámos sistemas rigorosos para acabar com a impunidade ao desrespeito permanente às regras do Código da Estrada; iniciámos este mês o processo de pagamento imediato das multas, através da distribuição de aparelhos e de meios técnicos para esse efeito.
Sr. Deputado, quando quiser criticar o Governo, em especial o Ministro da Administração Interna, peço-lhe que seja rigoroso. Nós seremos sempre rigorosos com as nossas promessas, mas, sobretudo, rigorosos com os portugueses cuja segurança, cuja protecção, consideramos a maior das nossas prioridades.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Informo que o Sr. Ministro da Administração Interna utilizou tempo cedido pelo PSD, razão por que o não interrompi.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Muito obrigado, Sr.ª Presidente.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pode especificar o objecto da sua interpelação?
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado Francisco Louçã, no início de uma pergunta que formulou ao Sr. Ministro da Administração Interna, fez duas insinuações em relação ao Governo. Ora, penso que seria útil, ainda que de uma forma breve, dar duas informações à Câmara, através de V. Ex.ª, Sr.ª Presidente, se me permitir.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado Francisco Louçã, há instantes, completamente a despropósito - estávamos no debate sobre a reforma do sistema nacional de protecção civil -, veio aqui acusar o Governo de que, em vez do Sr. Ministro da Administração Interna, deveria estar aqui, hoje, o Sr. Ministro da Defesa Nacional pela razão que invocou, o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM), e/ou o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas por causa dos acontecimentos de Timor. E é bom que as coisas fiquem claras, porque, independentemente das divergências de opinião sobre a substância das matérias que possamos ter, há regras de devem ser observadas.
Primeiro: sobre a questão dos serviços de informações, repito, pela terceira vez, que, se os factos vindos a público fossem verdadeiros, seriam absolutamente inaceitáveis. O Sr. Ministro da Defesa Nacional já transmitiu, através
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da mensagem que aqui deixei, o desmentido da Direcção do SIEDM, a sua iniciativa, ele próprio, junto do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, e, ao transmitir todas estas informações à Assembleia da República, está a cumprir o seu dever e a sua obrigação democráticos.
Vozes do PSD e CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Segundo: quanto ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e aos acontecimentos graves e preocupantes que ocorreram em Timor, devo dizer que, ontem mesmo, no dia em que os acontecimentos ocorreram, o Governo disponibilizou-se, ele próprio - ninguém lhe pediu -, para vir à Assembleia da República informar a respectiva comissão parlamentar de tudo quanto tinha acontecido, das informações que o Governo dispunha e das iniciativas que estava a tomar. O Governo disponibilizou-se de manhã e a reunião ocorreu à tarde. Não há memória de muitos casos neste Parlamento de uma rapidez tão acentuada na cooperação do Governo para com a Assembleia da República, como aconteceu na semana passada, com os acontecimentos da Casa Pia. Ninguém obrigou o Governo a vir aqui e o Governo veio!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Como, hoje, ninguém obrigava o Sr. Ministro da Administração Interna a vir aqui, pois era uma matéria da exclusiva competência do Governo, e veio.
Ou seja, tudo isto para dizer, de uma forma muito clara, que podem acusar o Governo de tudo, Sr. Deputado Francisco Louçã e Srs. Deputados, a divergência política é normal e é saudável em democracia, mas não encontram, nem encontrarão nunca, qualquer falha do Governo na cooperação para com a Assembleia da República, porque o nosso comportamento é este, e muito simples: o Governo depende da Assembleia da República, tem um grande respeito pelo Parlamento e terá, como teve até aqui, sempre um comportamento impecavelmente democrático. É isto o que os portugueses querem, não querem guerrilhas - querem cooperação e solidariedade entre todos os órgãos de soberania.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, o Sr. Ministro Luís Marques Mendes tem uma visão declarativa das interpelações, eu não vou segui-lo tão extensamente como ele o fez, mas pretendo, ao mesmo título, dar-lhe um esclarecimento.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, o Sr. Ministro Luís Marques Mendes começou por dizer que eu tinha feito duas insinuações na minha intervenção.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E fez!
O Orador: - Sr. Ministro Luís Marques Mendes, não faço insinuações. Fiz duas declarações claríssimas, que nada têm de insinuação. Valem absolutamente pelo seu valor facial.
Primeiro, declarei que entendia ser oportuno que o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional esclarecesse hoje o País, da forma que entendesse, nomeadamente aqui, na Assembleia, em primeiro lugar, uma matéria de enorme importância, a respeito da qual acabou, na sua intervenção, de confirmar a relevância. É claro, Sr. Ministro, que, se fosse verdade o que é dito hoje num jornal de referência, seria de uma gravidade inaceitável - seria como se um serviço secreto militar andasse atrás do Dr. Manuel Monteiro ou do Engenheiro Ângelo Correia a presumir que eles eram uma espécie de guerrilheiros talibãs disfarçados, infiltrados em profundidade na sociedade portuguesa. É inadmissível! Seria inadmissível! Precisamos de certezas, pois ficámos com dúvidas!
Segundo, não fiz qualquer insinuação, mas uma declaração de que o que se passa em Timor é, a todos os títulos, muito importante e merece um esclarecimento por parte do Governo, e, quando o entender, receberá, naturalmente, todo o empenho para que o debate político seja valorizado. E há questões que têm a ver com a nossa cooperação com as autoridades independentes do Estado de Timor, que não é uma província ultramarina portuguesa, e que têm a ver com a cooperação com a ONU, que é uma instituição com a qual temos de ter a melhor articulação para protecção dos interesse internacionais na cooperação com o Estado independente de Timor-Leste.
Sobre isto, o que fiz foram declarações claras: entendi que deveriam ser discutidas, nos termos próprios do debate parlamentar, qualquer destas matérias.
A intervenção do Sr. Ministro, reafirmando a posição do Governo a este respeito, é certamente a melhor confirmação que poderíamos ter nesta Assembleia da República da importância de qualquer destas duas questões.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate feito nos termos do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento.
Eram 16 horas e 55 minutos.
ORDEM DO DIA
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a apreciação conjunta das propostas de resolução n.os 8/IX - Aprova, para ratificação, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000, 10/IX - Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e o Principado de Andorra relativo a Transportes Internacionais Rodoviários de Passageiros e Mercadorias, assinado em Andorra, em 15 de Novembro de 2000, 11/IX - Aprova, para ratificação, o Acordo-Quadro de Cooperação entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, assinado em Macau, a 23 de Maio de 2001, 14/IX - Aprova, para ratificação, o Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-membros, por um lado, e a República da África do Sul, por outro, assinado em Pretória, em 11 de Outubro
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de 1999, e 17/IX - Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a Organização Internacional do Trabalho relativo ao estabelecimento de um escritório da organização em Lisboa, assinado em Lisboa, em 8 de Julho de 2002.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Carlos Costa Neves): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Procurarei apresentar estas cinco propostas de resolução numa mesma intervenção, passando, obviamente, de umas a outras propostas, e começo pela ordem dada pela Sr.ª Presidente.
Em relação ao Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, devo dizer que, no essencial, ele se destina a fazer face a um problema que não tem fronteiras e onde a cooperação entre Estados assume ainda uma maior importância. Destina-se este Protocolo a reforçar o quadro jurídico, estabelecido pela Convenção sobre os Direitos da Criança, contra os fenómenos que são referidos no próprio título e estabelece, nomeadamente, as seguintes obrigações para os Estados: em primeiro lugar, a incriminação da venda de crianças para fins de exploração sexual, da venda de órgãos e da submissão de crianças a trabalhos forçados; em segundo lugar, a incriminação da oferta, obtenção ou utilização de crianças para fins de prostituição infantil; e, em terceiro lugar, a incriminação da produção, distribuição, divulgação, importação, exportação, oferta, venda ou posse para quaisquer destes fins de pornografia infantil.
Estabelecem-se instrumentos de jurisdição sobre os crimes acima referidos; faz-se a definição destas infracções como passíveis de extradição; estabelecem-se medidas adequadas para proteger as crianças que forem vítimas das práticas proibidas neste Protocolo; e, por último, prevê-se - como eu dizia no início da minha intervenção - o reforço da cooperação internacional nesta matéria.
Portanto, para um problema, que é de todos, a busca de uma maior cooperação internacional.
O Acordo entre a República Portuguesa e o Principado de Andorra relativo a Transportes Internacionais Rodoviários de Passageiros e Mercadorias visa permitir aos transportadores estabelecidos numa das Partes Contratantes o direito de transportar passageiros ou mercadorias por estrada entre os respectivos territórios ou em trânsito através desses territórios e também regularizar o regime fiscal e aduaneiro na base dos princípios da reciprocidade e da não discriminação.
Como é habitual nestes tipos de acordos, prevê-se a constituição de uma comissão mista, que ficará encarregue de, periodicamente, passar em revista as questões relativas à execução do Acordo.
Em terceiro lugar, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, com a proposta de resolução n.º 11/IX visa-se a aprovação do Acordo-Quadro de Cooperação entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, assinado em Macau, a 23 de Maio de 2001. Este Acordo-Quadro tem em vista fortalecer as relações existentes entre Portugal e aquele antigo território sob administração portuguesa e procura, por essa via, preservar e acentuar os laços de relação historicamente existentes entre os portugueses e os naturais daquele território.
É naturalmente um instrumento de Direito Internacional, em que se estatuem as bases gerais da cooperação a estabelecer entre as duas Partes. Portanto, estamos no domínio de uma norma habilitante, isto é, de uma norma que abrirá espaço à celebração de outros acordos em domínios mais específicos, no âmbito económico, financeiro, técnico, científico e cultural.
É, portanto, um trabalho que continuará ao abrigo desta previsão que agora aqui se propõe e, tal como o faz o diploma anterior, prevê-se também a constituição de uma comissão mista para levar a cabo a respectiva execução.
Continuando a apresentar este conjunto de propostas, referir-me-ia agora, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, ao Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da África do Sul, por outro, fazendo também neste caso uma síntese do conteúdo da proposta que visa dar um enquadramento adequado para um aprofundamento da relação entre as Partes, portanto, União Europeia, Estados-Membros e África do Sul, promovendo o estabelecimento de relações em todos os domínios abrangidos pelo acordo.
Com este Acordo visa aprofundar-se a cooperação regional, a integração económica na região da África Austral, procurando-se, deste modo, dar um contributo acrescido para o desenvolvimento económico e social nesta área que engloba a África do Sul.
Simultaneamente, promovem-se a expansão e a liberalização das trocas comerciais de mercadorias, serviços e capitais e tudo isto se faz tendo em conta a cláusula habitualmente considerada de direitos fundamentais, ou seja, prevê-se que exista um respeito estrito pelos princípios democráticos e pelos direitos fundamentais do homem, enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como pelos princípios do Estado de direito, presidindo às políticas internas e externas da comunidade da África do Sul - e considera-se que esse é um elemento essencial do presente Acordo.
Por último, referiria a instalação de um escritório da Organização Internacional do Trabalho em Lisboa. Com a proposta de resolução que aqui se traz procura-se criar condições ao desenvolvimento deste Acordo com a Organização Internacional do Trabalho, assinado em 8 de Julho deste ano. Com o estabelecimento deste escritório em Lisboa visa-se não só, através da colaboração no domínio da cooperação técnica, esta relação da Organização Internacional de Trabalho com o nosso país mas também favorecer uma melhoria qualitativa da Organização Internacional do Trabalho em países de língua oficial portuguesa, o que me parece politicamente relevante.
Portanto, partindo deste acordo para o estabelecimento do escritório de Lisboa, pretende-se alargar o trabalho da OIT, também de uma forma mais presente, aos países de língua oficial portuguesa.
Como é natural, prevê-se uma distribuição de responsabilidade com o funcionamento deste escritório em Lisboa, havendo, portanto, algumas responsabilidades que serão do Estado português: facilidades concedidas, instalações e algumas despesas de funcionamento em coordenação com responsabilidades assumidas pela própria OIT.
É o que se me oferece dizer sobre os cinco temas em discussão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.
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O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Através da proposta de resolução n.° 17/IX visa o Governo obter da Assembleia da República a aprovação do Acordo entre o Estado português e a Organização Internacional do Trabalho, assinado em Lisboa, em 8 de Julho de 2002, relativo ao estabelecimento de um escritório da Organização no nosso país.
A OIT (Organização Internacional do Trabalho), criada em 1919, sob a égide da Sociedade das Nações, constitui, como é consabido, uma organização internacional tripartida de reconhecido valor no mundo das relações laborais.
Com efeito, a Organização Internacional do Trabalho, de que Portugal é membro fundador, tem contribuído, ao longo da sua história, de forma decisiva, para a melhoria das condições de trabalho e para a afirmação dos direitos sociais dos trabalhadores a nível mundial, nomeadamente através da adopção de convenções e de recomendações dirigidas aos Estados-Membros, da assistência técnica que presta aos governos e do amplo leque de actividades de pesquisa que desenvolve nos domínios económico, social e técnico das relações do trabalho.
Neste contexto, o estabelecimento de um escritório da OIT em Portugal, para além de contribuir para um melhor desempenho das funções daquela organização, concorre igualmente para o reconhecimento do papel de Portugal no seio da OIT e para o prestígio do nosso país, correspondendo ao coroar de uma antiga e legítima reivindicação apresentada pelos representantes de Portugal junto daquela organização.
O Partido Socialista - nunca é demais recordar - sempre defendeu, quer enquanto oposição quer enquanto governo, a necessidade e o respeito pelo cumprimento dos compromissos assumidos no quadro da OIT e, nessa medida, promoveu a ratificação de várias das suas convenções, nomeadamente a totalidade das respeitantes aos core labour standards, promoveu programas de cooperação técnica nacional e internacional no âmbito da OIT, tornando Portugal num dos seus membros mais activos, e empreendeu de modo continuado esforços com vista à criação de um escritório daquela Organização no nosso país.
Deseja-se, pois, que o escritório da OIT a instalar em Portugal possa contribuir designadamente para um estreitamento ainda maior das relações entre o nosso país e aquela Organização, para um olhar mais atento sobre a evolução das condições de trabalho e sobre a afirmação dos direitos sociais no nosso país e ainda para estabelecer um canal privilegiado de relacionamento entre a OIT, o Governo português, as associações patronais e sindicais e os PALOP.
Em suma, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vota favoravelmente a proposta de resolução n.° 17/IX na convicção de que a mesma, para além de corresponder à assunção de compromissos internacionais que vinculam o Estado português, reforça o papel da OIT a nível mundial e espelha a concretização de uma aspiração do povo português.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Morais.
A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Está hoje em apreciação nesta Câmara a proposta de resolução n.º 8/IX, que Aprova, para Ratificação, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, Adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000.
Este Protocolo, em vigor desde 18 de Janeiro de 2002, assinado por 105 países e já ratificado por 43 Estados, surge como um documento fundamental ao nível dos instrumentos internacionais de carácter vinculativo e culmina um trabalho de mais de seis anos no âmbito das Nações Unidas.
Sobre esta matéria existem já várias recomendações e resoluções do Conselho da Europa, de que é exemplo a Recomendação 16/2001 sobre a protecção das crianças e contra a sua exploração.
Também ao nível comunitário existe um conjunto de normativos a considerar de que saliento a Acção Comum 97/154 JAI, de 24 de Fevereiro de 1997 e a nova Decisão-Quadro n.º 2002/629/JAI do Conselho, de 19 de Julho de 2002.
Não nos faltam normativos internacionais da mais diversa índole sobre esta matéria; falta-nos seguramente eficácia neste combate. Só assim se explica que, apesar de todos os esforços, este continue a ser um drama mundial em crescimento, cuja avaliação estatística é impossível fazer-se com rigor, em Portugal como no mundo.
A UNICEF, com toda a autoridade que lhe é reconhecida, aponta números prováveis de 1 milhão de crianças a entrarem anualmente no negócio do tráfico sexual.
São mais raparigas do que rapazes e são, em cada ano que passa, mais novas, o que parcialmente se explica pela errada e terrível convicção de que a probabilidade de contaminação com o vírus da sida é menor nas crianças do que nos adultos.
É o tal monstruoso mito da purificação através do acto sexual praticado com crianças, a cuja manutenção o mundo tem assistido não direi passivamente, mas, com certeza, posso dizê-lo, com profundo insucesso, e que continua a levar milhões de crianças à prostituição, à contaminação e à morte.
O Protocolo de que hoje aqui se trata é um instrumento fundamental no combate a esta situação.
Destaco como obrigações fundamentais nele estabelecidas: a incriminação da venda de crianças - e por venda entende-se qualquer acto ou transacção pelo qual uma criança é transferida por qualquer pessoa para outra contra remuneração ou retribuição; a incriminação da oferta, obtenção ou utilização de crianças para fins de prostituição infantil; a incriminação da produção, distribuição, divulgação importação, oferta, venda ou posse de pornografia infantil.
Também nesta matéria, e no que respeita ao caso português, se deve reconhecer que outros, mais do que nós, têm muito a fazer no que respeita à compatibilização das suas ordens jurídicas internas com os imperativos resultantes da ratificação deste Protocolo. No entanto, também nós teremos de proceder a alterações da nossa lei penal.
Esta é uma matéria importante e delicada, que não cabe no tempo desta intervenção, mas em que não gostaria de me bastar com uma abordagem de mera circunstância.
Permitam-me, por isso, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que saliente aqui alguns aspectos dos mais relevantes a ter em consideração.
Em primeiro lugar, Portugal deverá alargar a protecção que a nossa lei determina para menores de 14 anos, nuns casos, e de 16, noutros casos, aos menores de 18 anos.
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Tome-se como exemplo o artigo 176.º do Código Penal que tipifica o lenocínio e tráfico de menores. Deveremos nós continuar a considerar para este efeito que menor é o que tem menos de 16 anos? O artigo 172.º, que tipifica o crime de abuso sexual de menores, deverá continuar a abranger apenas menores de 14 anos?
Criança é, em todos os instrumentos internacionais a que estamos sujeitos, o menor de 18 anos. E quando alguns desses normativos admitem excepção é para salvaguardarem a situação de países em que a maioridade se atinge legalmente mais cedo, o que não é o nosso caso.
Em segundo lugar, a importação e a oferta de material pornográfico envolvendo crianças não estão incriminadas e deveriam estar. O artigo 172.º, n.° 3, do Código Penal abrange a utilização de crianças em fotografias, filmes ou gravações pornográficas e penaliza a exibição, a cedência e a detenção com o propósito de os exibir ou ceder, mas não pune a sua importação e oferta, como não pune a sua mera posse.
Em terceiro lugar, mais do que qualquer outra medida, impõe-se que a ordem jurídica portuguesa tipifique como crime a venda de crianças, que não é actualmente crime por si só no nosso Direito Penal. Isto significa que, por vezes, só com algum artificialismo se chega à incriminação de alguém que vende uma criança, se for possível considerar que houve sujeição a escravidão ou que foi praticado lenocínio ou tráfico de menores. Ora, a venda de crianças deve, em si mesma e independentemente dos objectivos que com ela se pretendam obter, ser considerada crime.
Estas são algumas das alterações que se nos impõem. Outras, porém, deverão ser consideradas. Dou apenas um exemplo: fará sentido que, por força da moldura penal que hoje temos, alguém que realiza filmes pornográficos com crianças não possa ser preso preventivamente, possibilitando-se assim que o agente continue a sua acção em liberdade?
Outra matéria que deverá merecer a nossa atenção num futuro próximo é a da possibilidade de utilização das declarações para memória futura nos depoimentos de crianças em processos de abuso sexual, de modo a poder dispensar-se a repetição do relato das suas experiências tão traumatizantes ao longo de todo o processo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Não estou, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a ceder à tentação de apoiar tendências securitárias excessivas e ultrapassadas perante a mais moderna filosofia penal, embora o momento e as circunstâncias em que estamos a viver pudessem compreensivelmente impulsionar essas teses. Limito-me a salientar algumas alterações que se impõem ou que nos aconselham em face dos normativos internacionais a que estamos vinculados.
Para terminar, diria apenas que, porque estamos emocionalmente abalados com tudo o que soubemos nos últimos dias, existe o risco de, passada a maré de atenção a estas matérias, atingirmos o cansaço e sermos tomados de uma certa exaustão relativamente a elas.
É sabido que uma sobrecarga emocional provoca, nas pessoas e nos grupos, uma espécie de catarse libertadora, uma ultrapassagem fictícia dos problemas que, na nossa mente, atingem uma espécie de esgotamento. Ora, isso é precisamente o que não nos pode acontecer no que diz respeito à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia que envolve crianças.
A ratificação deste Protocolo é, para citar a directora executiva da UNICEF, "um excelente testemunho do nosso compromisso para com as crianças".
Permitam-me, Sr. ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que aqui faça um agradecimento, porque é esta a melhor oportunidade que tenho para o fazer, às equipas da Polícia Judiciária que diariamente trabalham nesta área tão complexa que é a do tráfico de crianças e do abuso sexual de menores, especialmente às Dr.as Leontina Trigo e Rosa Mota, que ainda há poucos dias, comovidas e orgulhosas, me mostravam uma sala, recentemente conseguida, que consideram ser a "menina dos seus olhos". Nessa sala de trabalho não existem secretárias nem computadores, o chão está atapetado de borracha colorida com patos e borboletas. Há uma mesa e várias cadeiras em miniatura, e a decoração completa-se com peças de Lego - é a sala onde os investigadores brincam com as crianças, gerando nelas a amizade e a confiança que permitem que, muitas vezes, entre duas peças de Lego, se contem vidas que a mais mórbida imaginação não consegue alcançar.
Aplausos do PSD, do CDS-PP e de alguns Deputados do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: De acordo com o relatório de actividades da UNICEF de 2002, todos os anos milhões de crianças são vítimas de violência e de abuso, vêem a sua infância perdida e o seu futuro comprometido. Sabemos que, em todo o mundo, as crianças tornaram-se vítimas de exploração sexual e de violência doméstica, trabalham em locais perigosos, vivem nas ruas, são injustamente detidas e são terrivelmente traficadas através de fronteiras para serem utilizadas como mão-de-obra escrava ou para o turismo sexual.
Nos últimos dias, percebemos que, nesta Câmara, nos une uma concepção de direitos das crianças que nos leva a considerar absolutamente inaceitável que estas possam ser olhadas e tratadas como mercadorias, que possam ser vendidas e compradas e que possam ser submetidas a todo o tipo de explorações. Contudo, sabemos que, todos os anos, milhões de crianças - rapazes e raparigas - continuam a ser comprados e vendidos numa indústria sexual que se tornou global. Por isso, é preciso que Portugal, nesta matéria, tome uma decisão e escolha um lado da luta. Sabemo-lo também porque, infelizmente, e pelas piores razões, os direitos das crianças e a monstruosidade deste tipo de actos foi, nos últimos dias, uma matéria bastante discutida nesta Câmara e no País, perante um escândalo envolvendo abusos sexuais sobre menores que abalou as nossas consciências. E é essa a importância da Convenção e do Protocolo Facultativo à Convenção que hoje discutimos.
De facto, embora a Convenção sobre os Direitos das Crianças, assinada em Nova Iorque no ano de 2000, determine que os Estados-Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e de violência sexuais, bem como de todas as formas de exploração prejudiciais a qualquer aspecto do seu bem-estar, entendeu-se também que era necessário alargar as medidas que os Estados-Partes devem adoptar para garantir a protecção da criança, e foi por esse motivo que foi elaborado o Protocolo cuja ratificação aqui hoje discutimos.
Trata-se de um protocolo que vai no bom sentido e que estabelece - pensamos - um conjunto de linhas de acção
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que nos parecem importantes. No entanto, é pena que este Protocolo não tenha ido mais longe e não tenha incluído também o abuso sexual de menores de qualquer tipo, que é, de facto, o que está na base da existência da prostituição infantil e da pornografia infantil, porque sabemos que é o abuso sexual de menores que fomenta e alimenta aquilo que é hoje o turismo sexual global e é responsável pelo incremento e disponibilização de pornografia infantil na Internet e através de outros suportes electrónicos.
É hoje consensual que o desenvolvimento democrático de cada Estado se mede na exacta medida em que ele trata as crianças que habitam no seu território nacional. Elas são quem, não tendo qualquer poder, merecem todos os direitos. E, de facto, só quando os Estados em todas as suas políticas, do trabalho à educação, da cultura à saúde, colocam a criança no centro das suas preocupações é que podemos acreditar que situações como aquelas que temos abundantemente discutido nesta Câmara deixarão de suceder. É por isso essencial que sejam tomadas medidas no seio de todos os Estados para pôr um ponto final a estes crimes contra as crianças e que seja estabelecida uma forte cooperação entre os diversos Estados, de modo a possibilitar esse combate.
Note-se que não deixa de ser, contudo, preocupante, quando olhamos para os Estados que assinaram esta Convenção, que, dos 100 Estados que assinaram a Convenção, apenas 42 ratificaram o Protocolo que aqui hoje discutimos. E não deixa também de ser preocupante que entre os Estados que já o fizeram se encontrem, por exemplo, o Bangladesh, Marrocos ou a Namíbia e, contudo, faltem os ditos Estados civilizados, que são olhados como garantistas dos valores da protecção das crianças...!
Sabemos que o comércio sexual destrói totalmente a vida das crianças, porque destrói o próprio direito à sua infância, pelo que não pode ser tolerado, nem por mais um dia, nem por mais uma hora. Por isso, os Estados não se podem limitar apenas a fazer promessas: é preciso que as assumam e as cumpram!!
Lembremos que a história da Casa Pia de Lisboa foi o exemplo maior, no nosso país, de que entre as palavras e as intenções que nos unem e o empenhamento real das instituições no que toca a estas matérias há muitas vezes um enorme abismo. Lembremos, pois, quais são as nossas responsabilidades em dar efectividade às preocupações e intenções que hoje aqui parecemos partilhar.
Vozes do BE: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão que hoje aqui fazemos é, infelizmente, oportuna. E digo infelizmente porque nos lembra algo que mais atormentou a opinião pública e a consciência de todos os portugueses nos últimos tempos, que foi o caso da Casa Pia, um caso grave, chocante e hediondo, de que o País tomou consciência.
Mas, infelizmente, este não foi caso único no passado, não é no presente e também não será no futuro. Por isso, é preciso que todos nós individualmente, os Estados e as organizações internacionais tenham consciência desta realidade preocupante e actuem no sentido de, tão fortemente quanto possível, evitar este crime, que é um dos mais chocantes, graves e repugnantes de que há conhecimento em termos da Humanidade.
Estamos a falar do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil. Estas matérias são já abordadas em algumas convenções e tratados internacionais, com o é o caso da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada na Assembleia Geral da ONU, em Novembro de 189; do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados - outra realidade muito preocupante que, embora não esteja directamente relacionada com a proposta de resolução que hoje aqui apreciamos, passou também por esta Assembleia há pouco tempo e deve também merecer a nossa preocupação e o nosso empenhamento, porque a participação de crianças em conflitos armados, a instrumentalização e o abuso que é feito dessas crianças são também repugnantes, e, por isso, aproveito esta oportunidade para, mais uma vez, registar que esta Assembleia se empenhará sempre também no combate contra a utilização de crianças em conflitos armados e contra a sua instrumentalização; a Convenção relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, da Conferência de Haia "Direito Internacional Privado - Maio de 1993"; e a Convenção n.º 182 da OIT.
Ou seja: há vários documentos em termos internacionais que, directa ou indirectamente, tratam desta questão das crianças, mas não tratam especificamente da questão da venda, e há problemas, por exemplo, em relação ao nosso ordenamento jurídico nacional. Portanto, é preciso que toda esta Câmara faça uma reflexão e se empenhe em melhorar em termos penais aquilo que é actualmente a legislação portuguesa.
Há ainda lacunas, em termos penais, em relação a estas matérias. A Sr.ª Deputada Teresa Morais referiu - e muito bem! - grande parte ou a totalidade dessas lacunas, que têm a ver, por exemplo, com a não previsão, em termos penais, da venda de crianças e da utilização de fotografias e de meios audiovisuais como crime. Devemos empenhar-nos no combate sério a estas lacunas. É uma questão que ultrapassa completamente as questões ideológicas e as questões partidárias e é fundamental que ultrapasse também completamente as questões mediáticas e as questões do protagonismo. Não faz qualquer sentido, nem do ponto de vista político nem do ponto de vista da comunicação social e dos media, que se disputem protagonismos em questões como estas. São questões que devem ser tratadas com a maior dignidade e com a maior delicadeza, mas, nunca por nunca ser, essa dignidade e essa delicadeza, que são fundamentais, devem pôr em causa o empenho que cada um de nós deve dedicar a esse trabalho.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Foi por isso, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que, já no passado e também há pouco tempo, esta Assembleia evoluiu e contribuiu para a evolução da nossa lei penal nestas áreas. Na altura em que foi aprovada a Lei n.º 99/2001, que introduziu algumas modificações no que diz respeito ao combate à pedofilia e a estas questões ligadas ao tráfico de crianças e à utilização da pornografia infantil, o CDS-PP também contribuiu com o projecto de lei n.º 408/VIII, que dizia exactamente respeito à posse de fotografias, filmes ou gravações pornográficas que envolvessem crianças. É neste sentido que todos nós temos de trabalhar: no sentido referido
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no próprio Protocolo, que é específico quando diz que os Estados devem preocupar-se com aquelas áreas.
No que se refere à questão da prática generalizada e contínua do turismo sexual, temos no nosso país, infelizmente, algumas áreas que sabemos que são abrangidas por este turismo sexual. Várias vezes têm sido referidas questões relacionadas, por exemplo, com a Região Autónoma da Madeira, onde, infelizmente, cidadãos, muitas vezes estrangeiros, procuram junto de crianças de famílias muito pobres ou de famílias sem possibilidades a satisfação de prazeres que são altamente repugnantes, que são totalmente inaceitáveis e que têm de merecer da nossa parte um combate muito forte, não apenas por serem crianças portuguesas mas, sim, porque são crianças e, acima de tudo, seres humanos.
É pela dignidade da pessoa humana, mas, acima de tudo, pela dignidade daquelas pessoas humanas que têm menos condições para se defender e uma enorme dificuldade em fazer valer os seus direitos, que são as crianças, que temos de nos bater, por isso devemos aprovar não só esta proposta de resolução mas também avançar no combate à pedofilia, ao turismo sexual, à venda de crianças, à pornografia infantil e a todos estas realidades que não podem só repugnar-nos têm de merecer o nosso maior empenho e o nosso maior trabalho, porque é um dever que temos para com toda a nossa civilização e para com a dignidade da própria pessoa humana.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Aquando da discussão dos projectos de lei que deram origem à lei que o Sr. Deputado João Pinho de Almeida referiu - e um deles era do PCP -, em sede de alterações ao artigo 169.º do Código Penal, foi apreciada, na especialidade, a possibilidade de se elevar a idade de protecção para os 18 anos em relação aos crimes sexuais cometidos contra crianças, pois, nos termos da Convenção, é-se criança até aos 18 anos.
E, por exemplo, alguns especialistas, como a Dr.ª Eliana Gersão, afirmaram que, em relação a crimes tão graves como o tráfico, o subir a idade para os 18 anos não causava efectivamente qualquer choque, isto tendo em conta que a imputabilidade penal, à face do nosso Código Penal, verifica-se aos 16 anos. De qualquer forma, em relação a algumas alterações que se tenham de operar no Código Penal, isto tem de ser ponderado, porque acima dos 16 anos já são julgados como maiores. Tem de haver aqui, portanto, alguma ponderação.
Em relação a esta matéria, gostava de dizer que a maneira como o mundo dos adultos olha o mundo das crianças é contraditória, porque oscila entre dois extremos: ora se lembram de que as crianças são titulares de direitos humanos, e ainda bem que se lembram, e nesse aspecto temos as convenções que são aprovadas, como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças - lamentavelmente, há três Estados que ainda não a ratificaram, um deles percebe-se porquê, porque é um Estado muito recente, que é Timor Leste, e os outros dois são a Somália e os Estados Unidos da América, porque aplicam a pena de morte a menores e não querem, por causa disso mesmo, ratificar uma Convenção que proíbe essa aplicação, o que é um escândalo -, ora consideram em certas alturas as crianças como uns seres passíveis dos maiores horrores, e temos exemplos entre nós, porque até já houve tentativas de descer a idade da imputabilidade penal,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E bem!
A Oradora: - ... pelo menos proclamadas, Sr. Deputado Narana Coissoró, pelo seu partido. Isto é verdade!
Vozes do CDS-PP: - E bem!
A Oradora: - Ai, pareces-lhe bem que se baixe?!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Para certos crimes, sim!
A Oradora: - Está bem, então, parece-lhe bem que se baixe...!
Mas é só no Reino Unido, quando há casos pontuais (repito: pontuais!) de certos comportamentos de menores, que são elevados à generalidade.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E na União Soviética, como é que era?!
A Oradora: - Em resultado disto, o que temos - e é por isso que temos os fenómenos que temos, mesmo entre nós! - é que se estabelecem relações de abuso de poder de adultos contra crianças; o que temos é que se convencem as crianças de que os adultos podem abusar delas;…
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Uma coisa nada tem a ver com a outra!
A Oradora: - … o que temos é que se silencia o que se silencia! Até que, finalmente, o horror emerge dessa consideração e, então?!…
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é demagogia!
A Oradora: - Então, vem ao de cima que, efectivamente, as crianças são titulares de direitos: têm o direito à autonomia, têm o direito à participação e o direito a serem ouvidas sobre o seu próprio destino...
Na comunidade internacional há uma coisa que tem sido repetida, e bem: é que para haver eficácia é preciso combater a pobreza! Este é o ponto fundamental e isto quer a OIT, que tem um relatório muito importante sobre trabalho infantil, onde mostra que 8 milhões de crianças estão envolvidas nas piores e mais horríveis formas de trabalho infantil, entre as quais a prostituição, e todos estes relatórios (há vários) salientam que, de facto, para haver um combate eficaz, é preciso combater a pobreza, promover o desenvolvimento! Trata-se de 1,2 milhões de crianças que são vítimas de tráfico - números recentíssimos da UNICEF.
O fosso entre pobres e ricos alarga-se! - os documentos internacionais dizem isto; o Secretário-Geral das Nações Unidas disse que a década de 90 a 99 foi de muitas promessas para as crianças mas de poucas realizações; o relatório do FNUAP (Fundo das Nações Unidas para as Actividades em Matéria de População) salienta que, efectivamente, é preciso acelerar o combate à pobreza e é a pobreza que dá origem à exploração de crianças.
Por isso, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, ainda bem que a OIT, como já foi salientado, vai abrir um escritório
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aqui - estaremos mais perto, seguramente, para ouvirmos os resultados de estudos. Mas este combate às piores formas de tratamento do ser humano é um combate que tem de perpassar pelo desenvolvimento!
Aplausos do PCP e do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o documento que temos para aprovação - o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil - estamos a falar seguramente de um dos domínios mais delicados em matéria de direitos humanos.
Estamos a falar, pois, de direitos humanos, mas estamos a falar de direitos humanos cujos titulares são precisamente aqueles que se encontram numa posição mais frágil, ou seja, aqueles a quem importa que a comunidade, a sociedade, o Estado sejam capazes de ser, em todos os momentos, os seus provedores, na medida em que são aqueles que se encontram em condições da maior fragilidade e mais passíveis de exploração sexual, humilhação e abuso.
Ao falarmos sobre esta proposta de resolução, do nosso ponto de vista, é importante ter presente, desde logo, por um lado, a responsabilidade acrescida que o Estado português passa a assumir, a partir do momento em que ratifica este documento, em que o submete à aprovação pela Assembleia da República. Por outro lado, importa que estes documentos não sirvam apenas para uma reflexão sobre as causas directas e indirectas, à escala mais alargada - a global - ou sobre as razões que estão na origem e explicam que, hoje, no século XXI, seja possível as crianças serem vendidas, prostituídas, abusadas sexualmente, e serem, elas próprias, facto de exploração e geradoras de lucro; mas importa igualmente que esta reflexão nos conduza à assunção da responsabilidade que temos, todos, de cuidar das crianças e cuidar das crianças cuja história de vida mais facilmente explica todas as razões que estão na origem deste documento.
Eu gostaria de chamar a atenção para o facto de este Parlamento ter aprovado, há um ano, uma lei importante sobre abuso sexual sobre menores, abuso este que, em grande medida, constitui um dos factores associados às razões pelas quais acontecem a venda de crianças e a prostituição infantil. Penso que a aprovação dessa lei da República foi um passo importante, mas importa também que a sociedade não se desresponsabilize, que não feche os olhos em relação ao destino dos meninos e dos jovens a quem, não tendo quem os proteja, assiste o direito de exigirem a protecção da sociedade.
Manifestamente, nestas últimas semanas, a propósito de algo que esteve em discussão, chocou o País e merece a nossa reflexão - os factos que envolveram a Casa Pia - constataram-se factos que, de algum modo, vêem pôr a nu a fragilidade imensa, a desresponsabilização e alguma desumanização com que as instituições lidam com as crianças e que, de certa maneira, estão pouco vigilantes e actuantes, em relação à protecção de que elas carecem.
Uma outra questão, que, do nosso ponto de vista, é importante associar a esta proposta de resolução e ao seu debate, consiste numa perspectiva mais alargada de responsabilidade que cabe a cada país, nos diferentes fora internacionais em que se debatam problemas, e de acordo com os compromissos que assumam, no sentido de dar continuidade àquilo que são problemas que desresponsabilizam toda a comunidade mais alargada, que é aquela de que fazemos parte - a comunidade internacional.
Quando pensamos, por exemplo, na Conferência do Rio, há 10 anos; quando pensamos na Cimeira de Joanesburgo este ano; quando pensamos que o desenvolvimento continua a tropeçar e a ser entravado pela não resolução e não tomada de medidas para eliminar a pobreza, nem para combater a exclusão, nem para reduzir toda uma lógica armamentista e belicista - que, após a 2.ª Guerra Mundial, se vem traduzindo em milhares e milhares de refugiados e de crianças ao abandono, significando isso que os meios que deveriam estar a ser utilizados e prioritariamente investidos no desenvolvimento, na eliminação da pobreza, no combate ao analfabetismo, esses meios continuam, muitas das vezes, a ser utilizados na proliferação de armamento e em conflitos militares; todos estes aspectos que ressaltam quando pensamos em tudo isto significam, do nosso ponto de vista, que seguramente há algo de errado, significa que, não obstante a hipocrisia de alguns, a comunidade internacional tem sido capaz, no essencial, de identificar os problemas e definir as terapêuticas, mas que ela tem revelado uma enorme incapacidade para pô-las em prática.
Portanto, em nossa opinião, é necessário favorecer um desenvolvimento equilibrado, socialmente justo e ambientalmente equilibrado, com tudo o que isso representa de eliminação da pobreza e da exclusão, de eliminação das causas da exclusão e de fim de uma lógica de conflito, tal como é nossa obrigação, enquanto parte integrante deste todo que é a comunidade Terra de que fazemos parte e enquanto País. Este entendimento denota, seguramente, que o Estado português - não abstractamente "todos e nenhum" mas, sim, o Estado e as suas instituições - tem de zelar melhor por aqueles que são mais os desprotegidos e seguramente detentores de direitos humanos que são as crianças.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Capoulas Santos.
O Sr. Capoulas Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Srs. Deputados: O Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da África do Sul, por outro, assinado em Pretória, em 11 de Outubro de 1999, cuja ratificação nos é proposta, hoje, no âmbito do pacote aqui em discussão, abrange e regulamenta um vasto conjunto de questões relacionadas com a livre circulação de mercadorias, com a liberalização do comércio de serviços, com a livre circulação de capitais, assim como um conjunto diversificado de questões conexas com o comércio, tais como o direito de estabelecimento, a política de concorrência e os auxílios estatais.
O Acordo abrange e regulamenta, ainda, em detalhe a cooperação económica, a cooperação para o desenvolvimento e a cooperação em outros domínios, tais como o ambiente, a cultura, os assuntos sociais, a informação, o audiovisual, os recursos humanos e a luta contra a droga e o branqueamento de capitais.
Do amplo e complexo conjunto de matérias abrangidas pelo presente Acordo, revelaram-se, durante a fase de negociação
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(em que eu tive oportunidade de participar enquanto Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas), particularmente sensíveis para os interesses portugueses, as questões relacionadas com os compromissos referentes ao Vinho do Porto constantes do Anexo X e que foram responsáveis pelo voto negativo de Portugal no Conselho de Ministros das Pescas, de 17 de Dezembro de 1999. Essa posição foi fundamentada essencialmente na ausência de garantia de condicionalidade entre o Acordo global e o acordo sobre vinhos e na incerteza de uma vinculação da África do Sul aos elementos, constantes desse compromisso, do Anexo X.
O voto favorável de Portugal só veio a ser concedido no Conselho de Ministros da Agricultura, de 21 de Janeiro de 2002, uma vez considerada garantido de forma satisfatória pela África do Sul o seguinte: para além da impossibilidade de exportar vinhos com a denominação de origem "Porto", desde logo, para o mercado europeu, a África do Sul ainda aceitou três períodos de transição para o abandono desta denominação de origem, de cinco, oito e 12 anos, respectivamente, em primeiro lugar, para países terceiros; para o SADC (que corresponde a cerca de 14 países da África Austral); e para o chamado mercado interno da África do Sul que diz respeito, concretamente, a quatro países - o Lesoto, a Namíbia, a Suazilândia e a própria África do Sul.
Pelo exposto e pelas próprias responsabilidades do Partido Socialista, enquanto governo, no plano europeu, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista votará, como é óbvio, favoravelmente este pedido de ratificação.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.
O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Srs. Deputados: Todos nós conhecemos a importância que o Organização Internacional do Trabalho desempenha nos domínios da cooperação técnica, bem como na harmonização de princípios e regras no campo do trabalho. Procura também a OIT que os Estados e os vários representantes das áreas empresarial e laboral marquem as suas relações por valores de justiça e reconhecidos como os mais adequados ao desenvolvimento dos povos.
A proposta de resolução n.º 17/IX, apresentada pelo Governo, aqui, na Assembleia da República, visa instalar em Lisboa um escritório da OIT, facto que nos merece inteiro apoio.
A aprovação desta resolução vai confirmar o Acordo, já celebrado em 8 de Julho último, entre o Governo português e a OIT, com o qual se pretendem alcançar dois objectivos fundamentais: em primeiro lugar, reforçar a colaboração técnica com o nosso país, o que é relevante a todos os títulos; em segundo lugar, aproveitar a experiência portuguesa para reforçar a presença da OIT nos países de língua oficial portuguesa e também nos países em processo de transição, da Europa central e do leste. Qualquer destes objectivos deve merecer a nossa plena disponibilidade, em especial quando se centram no campo técnico e se destinam a países que falam a nossa língua e a países europeus que estão a desenvolver um grande esforço para caminhar no sentido do modelo social europeu.
Por estas razões, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o PSD vai votar favoravelmente, e com satisfação, esta proposta de resolução.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No rol das propostas de resolução que hoje estamos a apreciar figura a respeitante ao Acordo celebrado pelo Ministro Jaime Gama e pelo Chefe do Executivo Edmund Ho, sobre a cooperação entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China. É, efectivamente, um protocolo, uma lei-quadro, digamos assim, que pudemos estabelecer, libertos de má ou boa consciência, com aquele território, onde sempre, durante 450 anos, as duas Partes tiveram a consciência de que, por um lado, pelo lado de Portugal, se estava numa terra alheia num tempo emprestado e, por outro, pelo lado da China, se tratava de uma porta aberta sobre o Ocidente que não se podia fechar de um momento para o outro, enquanto não chegasse o tempo para esse fim.
Naturalmente, depois da transferência de soberania, houve o sindroma da rejeição, como sempre sucede nos territórios descolonizados. Floresceram certos propósitos nacionalistas, houve até propósitos de violação da Lei Básica, houve propósitos de rejeitar alguns dos compromissos que devem vigorar durante 50 anos, como período transitório firmado na Declaração Conjunta e na Lei Básica, mas parece, segundo as últimas declarações do Chefe do Executivo, feitas há uma semana, na Assembleia Legislativa de Macau, que estes tempos serão ultrapassados. Disse o Chefe do Executivo, Dr. Edmund Ho, grande amigo de Portugal, que é chegado o tempo de Macau retomar a sua História, os seus valores culturais e, por isso, estabelecer laços especiais com Portugal e com todos os países da lusofonia. Foi uma declaração feita na Assembleia Legislativa, como já referi, a propósito da apresentação do orçamento.
Este curto espaço de tempo que medeia entre essa declaração de Edmund Ho e a aprovação, hoje, desta proposta de resolução serve mesmo para mostrar como estes dois países - e não digo que Macau seja um país mas é uma parte da China -, a Região Administrativa Especial de Macau e Portugal, podem apertar as mãos para uma cooperação descomplexada. E digo descomplexada, porque, da parte de Portugal, sabe-se que Portugal não tem nem terá qualquer ideia de firmar em Macau qualquer tipo de hegemonia ou de relação privilegiada, senão o privilégio que nos confere a própria História, e, da parte de Macau, também sabe que pode contar com Portugal, que será sempre a plataforma para Macau estar presente, como é próprio do seu estatuto de Região Administrativa Especial, nas organizações internacionais, como a União Europeia, a Organização Mundial do Comércio e outras e até a própria ASEAN, ao lado de Portugal, o que representa um valor acrescido para Macau.
Em Macau vigora o Direito de matriz portuguesa adaptado, vigora a administração de matriz portuguesa, vigora uma economia de mercado, dentro do princípio de um Estado, um País, dois sistemas,…
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha, pelo que lhe peço o favor de concluir.
O Orador: - … e vigora também a nossa presença como uma presença amiga.
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Este Acordo é um acordo entre irmãos e, por isso mesmo, saudamo-lo efusivamente.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz.
A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 8/IX Aprova, para Ratificação, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000. Este instrumento internacional visa realizar os objectivos da Convenção sobre os Direitos das Crianças e a aplicação das suas disposições.
Com efeito, perante o significativo e crescente tráfico internacional de crianças para esses fins, a ratificação deste Protocolo torna-se imperiosa e indeclinável.
Assim, a eliminação da venda de crianças, da prostituição e da pornografia infantil serão facilitadas pela adopção de uma abordagem global que tenha em conta os factores que contribuem para a existência de tais fenómenos.
Nos termos do seu artigo 1.°, o Protocolo tem por objecto nuclear a proibição de venda de crianças, a prostituição e a pornografia infantis.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O bem-estar e os direitos das crianças tornaram-se uma preocupação nuclear das Nações Unidas, desde a sua criação, em 1945. Assim, um dos primeiros actos da Assembleia Geral foi o de estabelecer a UNICEF, a qual constitui o principal pilar da assistência internacional às crianças.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pela Assembleia Geral em 1948, reconheceu que as crianças deverão ser alvo de protecção e atenção especiais. Desde esse marco histórico, as Nações Unidas passaram a proteger os direitos das crianças em tratados internacionais tais como o Pacto Internacional de Direitos Humanos e um instrumento mais específico, a Declaração sobre os Direitos da Criança.
É, no entanto, a Convenção dos Direitos das Crianças, de 1989, que dá o passo em frente nos direitos das crianças, tornando-se um instrumento poderosíssimo na mudança de atitudes. Como Direito Internacional que é, implicou mudanças na legislação nacional e na aplicação prática; e, como foco de diálogo entre os responsáveis, ajudou a identificar o problema e possíveis soluções e mobilizou recursos para a implementação de soluções necessárias.
A maior parte das organizações internacionais já denunciou, várias vezes, este problema gravíssimo, atentatório dos mais elementares direitos do homem.
O Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual de Crianças para Fins Comerciais, organizado pela UNICEF, que decorreu em Agosto de 1996, foi revelador de uma tomada de consciência, graças ao seu impacto mediático, e sublinhou a necessidade de lutar por acções concertadas e coordenadas ao nível internacional.
O Conselho da Europa associou-se, de forma estreita, a esta conferência e não deixará de promover, ao seu nível, as recomendações do Congresso de Estocolmo.
Em Portugal, igualmente se detectou um aumento crescente da pedofilia e a utilização de novas tecnologias ao serviço deste ilícito penal, designadamente a Internet, vieram colocar ao legislador penal e à sociedade em geral novas realidades.
Sublinhe-se, no entanto, que foi feito um esforço considerável no nosso país dirigido a esse mesmo combate. O sentido das últimas alterações ao Código Penal foi o de reforçar a punição dos crimes contra as pessoas, sobretudo contra as mais indefesas, as mulheres e as crianças, ou os que são praticados com especial violência, visando, essencialmente, proteger as vítimas e a sociedade, embora sem prejuízo das garantias dos arguidos.
A discussão, ocorrida na Assembleia da República, sobre a publicitação do crime de abuso sexual de crianças constitui mais um salto qualitativo no combate a este drama. Há que avaliar se é preciso adoptar medidas adicionais que removam obstáculos à investigação e à prova dos crimes e há que transpor para a lei portuguesa as medidas em preparação no quadro da União Europeia.
A protecção é um dos objectivos fundamentais dos direitos humanos e do direito humanitário em geral mas é, seguramente, também uma realidade que ganha importância acrescida quando considerada em relação a pessoas particularmente vulneráveis, como são as crianças.
Por isso, a nossa adesão em relação a esta importante ratificação.
Aplausos do PS e da Deputada do PCP Odete Santos.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminada a discussão conjunta das propostas de resolução n.os 8, 10, 11, 14 e 17/IX, deveríamos proceder, de imediato, às votações. Lamento, no entanto, informar que não temos quórum para votar.
Assim sendo, vamos proceder à apreciação do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que revê o regime de tributação das mais-valias estabelecido no Código do IRS e o regime aplicável aos rendimentos dos fundos de investimento estabelecido no Estatuto dos Benefícios Fiscais [apreciação parlamentar n.º 6/IX (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, ainda aqui presente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta apreciação parlamentar poderia constituir, ela própria, uma importante oportunidade para se conhecer da sinceridade das preocupações de todos quantos enchem, muitas vezes, os discursos com a necessidade de se aumentar a receita fiscal do Estado, pondo a pagar impostos quem não paga - "poderia", dizemos nós, digo eu, se o PSD e o CDS-PP ou, melhor dizendo, o Governo tivesse um comportamento mais adequado e, porque não, minimamente sério nesta matéria.
Todos conhecemos a história da saga das mais-valias à moda de Portugal, à portuguesa. Com a parcialmente defunta reforma fiscal introduziu-se, na nossa ordem fiscal, pela primeira vez, a tributação das mais-valias de ganhos bolsistas em resultado da venda de acções, obrigações e outros títulos. Não fizemos mais do que se faz na generalidade dos restantes países da União Europeia, de que tantos sectores deste Hemiciclo falam mas só para copiarem o que interessa aos interesses que, de facto, representam.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Antes da reforma fiscal, os ganhos em bolsa eram teoricamente tributados à taxa liberatória de 10%. Teoricamente, eram tributados a esta taxa, porque,
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na realidade e de facto, não existindo qualquer forma de registo ou controle, obviamente, nem esse valor era pago.
A reforma fiscal de 2000, com a Lei n.º 30-G, de 29 de Dezembro, com o contributo forte do PCP, passou a determinar que as mais-valias fossem tributadas - diga-se! - de forma extremamente moderada. Recordemos que o saldo apurado entre as mais e as menos-valias era apenas considerado em 50% do seu valor, em certos casos, e que, na alienação de acções, o valor dos rendimentos sujeitos a tributação era considerado em apenas 30%, 40%, 60% e 75%, conforme os títulos em causa fossem detidos, respectivamente, durante 60 meses ou mais, entre 24 e 60 meses, entre 12 e 24 meses ou, finalmente, por menos de 12 meses.
Recordamos que, na altura, também passaram a ser tributadas em sede de IRC as mais-valias realizadas pelas SGPS na venda do seu património e que o Governo do PSD/CDS já teve o cuidado de revogar, na lei orçamental, recentemente aprovada, para o ano de 2003.
Mas todos nos lembramos também da reacção violenta, arrogante, diria mesmo chantagista dos grandes interesses, que passariam, finalmente, a ser obrigados a pagar impostos. Basta lembrar o tom e a postura do Sr. Belmiro de Azevedo, com a sua ameaça de deslocalizar as suas holdings para a Holanda!
Ainda a reforma fiscal não tinha entrado em vigor e já, por outro lado, o próprio Partido Socialista, dando uma curva de 180º, violando a boa fé de quem, como o PCP, com ele tinha viabilizado a reforma fiscal e cedendo, entretanto, à chantagem desses interesses, suspendeu a tributação das mais-valias, adiando-a de 2001 para 2003 e, mesmo assim, reduzindo a sua tributação a metade.
Chegado o PSD/CDS ao Governo, uma das primeiras medidas, porventura a sua primeira grande medida, foi o pedido de autorização legislativa - a Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio - para acabar de enterrar completamente a reforma fiscal no que se refere a esta componente da tributação das mais-valias em sede de IRS, o que acabou por ser executado com o Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que hoje, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, chamamos à apreciação parlamentar.
A tributação das mais-valias passou, assim, à situação existente antes da reforma fiscal do ano de 2000: deixaram de ser tributadas e nem sequer contam para efeitos de determinação da taxa ou, se quisermos ser mais rigorosos, voltaram à tributação em taxa liberatória de 10% e só para as acções detidas há menos de 12 meses.
E aqui pasme-se sobre o que está para acontecer, segundo notícias que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não desmentiu até hoje (mas ele não está presente para continuar a desmentir ou para confirmar), e que se resumem ao seguinte: no quadro da reforma fiscal, tinha também sido introduzida a obrigatoriedade de os operadores da bolsa organizarem uma conta-corrente com os resultados, por investidor, dos rendimentos das transacções efectuadas em bolsa, o que, apesar de tudo, poderia constituir um instrumento para que fosse possível, mesmo no actual quadro de anulação da tributação das mais-valias, reter na fonte os 10% a que estas passaram novamente a estar sujeitas. Pois nem isso o Governo do PSD/CDS quer manter - nem a obrigatoriedade de fazer esta conta-corrente o Governo quer manter!
Cedendo, de novo, às exigências dos operadores e da Associação Portuguesa de Bancos, o Governo, segundo notícias divulgadas pela comunicação social, prepara-se para dispensar os intermediários financeiros de continuar a reter na fonte os tais 10%, o que deveriam começar a fazer a partir de Janeiro do próximo ano. No mínimo, o Governo teria a estrita obrigação (se estivesse presente o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, mas, pelos vistos, não está!) de dizer hoje ao País se esta vergonha se confirma, sem prejuízo de entendermos que o necessário é, obviamente, regressarmos às normas originais da reforma fiscal, e para isso temos esta apreciação parlamentar.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quando o Governo afirma a extrema necessidade de aumentar as receitas fiscais do País para poder cumprir o "sacrossanto" deficit público; quando o Governo agrava a carga fiscal sobre os portugueses de mais baixos rendimentos, os que vivem dos rendimentos do seu trabalho, os pensionistas e reformados, como resulta do Orçamento do Estado para 2003, recentemente aprovado; quando o Governo, em nome dos sacrifícios que exige aos portugueses (mas só a uma parte dos portugueses!), impõe praticamente o congelamento salarial na função pública, com diminuição real dos seus rendimentos; quando anuncia o mais baixo aumento das pensões de reforma dos últimos anos; quando propõe um aumento do salário mínimo nacional de 2,4%, que fica abaixo da própria taxa de inflação prevista pelo Governo para o próximo ano - facto que acontece, aliás, pela primeira vez desde o 25 de Abril; quando o Governo se prepara para aumentar o imposto sobre os combustíveis, constitui um verdadeiro escândalo que os rendimentos obtidos na bolsa continuem a estar isentos de qualquer tributação.
Mas por que razão, com base em que conceito de justiça fiscal, é que, se alguém ganhar 500 000$/mês a trabalhar, paga 34% de IRS, mas, se obtiver o mesmo rendimento jogando na bolsa, não paga nada, paga "zero"?! Isto, de facto, não tem qualquer justiça!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Saibam, Sr.as e Srs. Deputados, que tanto falam nos exemplos da Europa, que, recentemente, a Alemanha, para fazer face às dificuldades orçamentais e à dramática quebra de receitas fiscais, decretou a introdução de uma taxa de 15% sobre as mais-valias obtidas em bolsa.
Neste quadro, entregámos na Mesa várias propostas de alteração ao decreto-lei que estamos a apreciar, cujo sentido fundamental é o regresso às normas de tributação previstas na reforma fiscal de 2000.
Neste momento, registou-se burburinho na Sala.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, peço que façam silêncio na Sala, pois é muito difícil ouvir o nosso colega que está a falar nestas condições.
O Orador: - Agradeço a sua intervenção, Sr.ª Presidente, pois parece-me que esta matéria é suficientemente importante e de justiça social para merecer um pouco mais de atenção.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Lançamos, assim, um desafio ao Governo e, naturalmente, ao Partido Socialista para, em comissão, nos acompanharem e votarem a favor da reintrodução
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de alguma justiça no nosso sistema fiscal. Se o não fizerem, quanto a nós, ficam definitivamente sem qualquer autoridade moral para continuarem a pedir sacrifícios aos portugueses que vivem dos rendimentos do seu trabalho, aos trabalhadores por conta de outrem e, também, aos pequenos e médios empresários.
Aplausos do PCP.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, peço-lhe que especifique o objecto da interpelação, por favor.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr.ª Presidente, pretendo questionar a Mesa sobre se o Governo foi informado deste debate, se houve alguma remodelação governamental e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais já foi substituído ou se estará a preparar as respostas que queremos sobre a estranha situação das receitas ficais.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Como o Sr. Deputado sabe, a Mesa não tem resposta para as suas perguntas.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, gostaria de informar a Mesa que, obviamente, o Governo está aqui representado e que, dentro de instantes, estará presente o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Portanto, quer eu próprio quer o Sr. Secretário de Estado responderemos a todas as questões que os Srs. Deputados quiserem.
O ligeiro atraso do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais deve-se ao facto de ter estado prevista a realização das votações antes do início da presente discussão. Porém, como não havia quórum para as votações, iniciou-se o debate, mas o Sr. Secretário de Estado chegará dentro de poucos instantes. É tão simples quanto isto. Não há necessidade de fazermos daquilo que não é um caso um caso, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Graça Proença de Carvalho.
A Sr.ª Graça Proença de Carvalho (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antecipando, desde já, a argumentação, aliás, repetidamente invocada pelo Partido Comunista, de que a revisão do regime das mais-valias não é mais do que defender o que hoje ouvi aqui chamar de "os grandes interesses" ou "os interesses do grande capital" em detrimento da tributação dos rendimentos do trabalho, gostaria de, antes de mais, chamar a atenção para o que considero ser o verdadeiro papel das bolsas numa economia de mercado.
Os mercados de capitais devem ter um papel significativo como fonte de financiamento das empresas em alternativa ao crédito bancário. A capacidade de um mercado para atrair investidores e as suas poupanças está directamente relacionada com o desenvolvimento do tecido empresarial, e vice-versa.
No caso português, cabe ao Estado criar as condições legais e regulatórias que promovam o desenvolvimento e atractividade das empresas ao mercado de capitais. Se as empresas que estão no mercado de capitais conseguem atrair investidores, maior é o seu potencial de crescimento e de criação de valor, podendo, dessa forma também, contribuir para a criação de postos de trabalho.
É na criação de condições competitivas para o nosso tecido empresarial que contribuímos para a criação de riqueza de um país e dos seus cidadãos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Se, pelo contrário, optarmos por tomar medidas que possam constranger esse desenvolvimento, podemos seriamente pôr em causa não só a viabilidade das empresas mas também os trabalhadores das mesmas.
Tomando também nota da argumentação do Grupo Parlamentar do PCP de que faz esta apreciação parlamentar porque está a haver um recuo do caminho que devemos seguir no sentido de um regime de tributação equitativo e justo, levantam-se aqui questões de extrema importância.
Em primeiro lugar, o contexto em que vivemos hoje é o de uma economia global e competitiva, onde todos os países, incluindo Portugal, disputam o mesmo investimento. Como sabemos, porque, inclusivamente, é hoje tema de grande debate em Portugal, ainda não atingimos níveis de competitividade que nos proporcionem um desenvolvimento económico salutar.
Em segundo lugar, o espaço económico em que estamos inseridos - a União Europeia - ainda não trouxe à discussão, de uma forma ampla e consensual, o tema da harmonização fiscal, estando ainda nas mãos dos actuais governos de cada país o estabelecimento de regimes fiscais que melhor se coadunam com a realidade de cada um, desde que sejam salvaguardadas as regras já estabelecidas pela Comissão Europeia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Em terceiro lugar, e de certa forma consequência das questões que aqui levantei, põe-se também o problema da eficácia de um regime equitativo, por um lado, pelo enquadramento internacional aqui referido, no qual, eventualmente, poderíamos dessa forma estar a promover a deslocalização dos capitais que aqui se encontram sediados para localizações fiscalmente mais atractivas, e, por outro lado, pela dificuldade de pôr em prática um regime fiscal complexo nas condições actuais da administração tributária, que ainda não detém mecanismos de controlo suficientemente eficazes, como, aliás, vem sido referido pelo Governo.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa desculpa já é velha!
A Oradora: - Esta, sim, tem sido a argumentação do Grupo Parlamentar do PSD no sentido de refutar iniciativas que, à partida, não têm razoabilidade e eficácia e que
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podem ser contrárias ao interesse de aumentar a competitividade da nossa economia.
É também do conhecimento de todos, até porque já foi tema de debate nesta Câmara, a nossa posição em relação aos constrangimentos que a reforma da tributação, levada a cabo em Dezembro 2000 pelo então governo socialista, criou no mercado de capitais.
A falta de sentido de oportunidade penalizou o desenvolvimento do mercado de capitais português, especialmente num momento em que as economias mais desenvolvidas começavam a mostrar sinais significativos de abrandamento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Posteriormente, o próprio governo socialista ganhou consciência dos efeitos nefastos de tal reforma e da sua inexequibilidade e decidiu suspendê-la durante um ano, precisamente até 1 de Janeiro de 2003.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Em Maio, o actual Governo solicitou uma autorização legislativa que permitisse avançar com a revogação do imposto de mais-valias, cumprindo a promessa apresentada no seu Programa Eleitoral e no seu Programa de Governo, como medida de promoção da estabilidade e da clarificação do regime fiscal das mais-valias, demonstrando, assim, o seu interesse em apostar na dinamização do mercado português através de um dos poucos instrumentos que ainda tem à sua disposição.
Através do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, o Governo mais não faz do que dar execução à autorização concedida pelo Parlamento em Maio, consagrando na lei, de forma coerente e consequente, o que consta do Programa do Governo e que, aliás, se encontra de acordo com a posição sempre defendida pelo PSD neste Parlamento.
O PSD congratula-se, assim, pela iniciativa do Governo de seguir uma política fiscal que melhor pode contribuir para a dinamização continuada do mercado de capitais, dando condições mais vantajosas para os pequenos investidores - porque é em sede de IRS que a questão está colocada - que desejam aplicar as suas poupanças numa lógica de médio e longo prazos, seja directamente ou através de fundos de investimento, tributando apenas as mais-valias consideradas especulativas, ou seja, de curto prazo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, como neste momento temos quórum, pergunto se algum grupo parlamentar se opõe a que façamos as votações imediatamente.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr.ª Presidente, peço algum tempo porque, em relação às duas primeiras votações que vamos fazer, precisamos ainda de fazer algum apuramento nos próximos minutos.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Vamos, então, proceder da seguinte maneira: está ainda inscrito o Sr. Deputado Eduardo Cabrita, que irá usar da palavra para uma intervenção, finda a qual procederemos às votações.
Tem a palavra, Sr. Deputado Eduardo Cabrita.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É particularmente difícil intervir neste debate, a propósito de uma apreciação parlamentar suscitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, sobre aquela que foi a primeira prioridade em matéria de política fiscal do Governo, estando o Governo representado neste debate pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e por um Sr. Secretário de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Com todo o respeito que temos pelos Srs. Membros do Governo aqui presentes, é particularmente surpreendente que seja nestes termos que é travado um debate em torno daquilo que foi a primeira prioridade em matéria de política económica trazida a este Parlamento pelo novo Governo.
Protestos do PSD.
Como nos recordamos, ainda antes da apresentação do Orçamento rectificativo, trouxe o Governo a esta Assembleia um pedido de autorização legislativa que, em matéria de política fiscal, visava não propriamente dar início ao processo de redução da tributação das empresas tributadas em sede de IRC correspondente ao "choque fiscal" apresentado pelo então candidato José Manuel Durão Barroso, aquando da campanha eleitoral,…
Protestos da Deputada do PSD Natália Carrascalão.
… nem sequer uma revisão do regime de tributação das áreas sujeitas a regime fiscal privilegiado, as chamadas "áreas offshore", também anunciado em Janeiro pelo então candidato José Manuel Durão Barroso, como contrapartida para as eventuais perdas de receita resultantes da apresentação da proposta do "choque fiscal", mas, sim, um pedido de autorização legislativa que visava isentar de tributação em IRS os ganhos especulativos resultantes de mais-valias bolsistas.
Foi essa a primeira prioridade, justificada, aliás, pelas alegadas significativas deslocações de actividade empresarial, significativos prejuízos para o funcionamento do mercado de capitais e efeitos na perda de competitividade da economia resultantes do regime que iria entrar em vigor, fruto das modificações introduzidas no Orçamento do Estado para 2002, apenas no início de 2003. Mas foi essa a prioridade logo no início de Maio, ainda antes da apresentação, nesta Assembleia, do Orçamento rectificativo. Portanto, o decreto-lei objecto de apreciação parlamentar corresponde à utilização dessa autorização legislativa.
Mas, no momento em que é discutida aquela que foi a prioridade absoluta em matéria de política fiscal, importa esperar que o Governo nos traga um balanço daquela que foi a alteração nos mecanismos de competitividade no funcionamento do mercado de capitais resultantes deste Decreto-Lei, que, entretanto, visou dar um sinal diferente ao mercado de capitais, um sinal diferente aos empreendedores.
Hoje, ao fim de oito meses de governação, em matéria de política fiscal, o que é conhecido é isto:
Previa o Governo, em Maio, um crescimento da receita do IRS em 3,5%, mas as receitas estão a diminuir mais
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de 3%; previa o Governo, em Maio, o crescimento das receitas em IRC acima dos 6%, mas acertou no número, acertou no dígito, porque, de facto, as receitas estão a cair mais de 6%!
Propôs o Governo um aumento da taxa normal do imposto sobre o valor acrescentado de 17% para 19%, projectando um crescimento de receita superior a 10%, mas a receita, não respondendo aos apelos do Governo, cresce timorata apenas uns escassos 6%!
Previa o Governo um crescimento de 4,5% nas receitas do imposto automóvel, mas aquilo que nos dizem as associações do sector é que a crise no mercado automóvel é comparável apenas à existente no início da década de 90 e as receitas fiscais do imposto automóvel estão 1,5% abaixo das verificadas até Outubro de 2001!
O único caso em que, de facto, as receitas, em Outubro, estão manifestamente acima do ocorrido em 2001, mesmo acima da previsão do Governo, é no imposto sobre os produtos petrolíferos, em que o Governo beneficia da evolução da cotação do dólar e da evolução do preço do petróleo ajustado àquilo que será, em Dezembro, a interrupção de uma adequação aos mecanismos de mercado, passando a manipular politicamente as receitas do imposto sobre os produtos petrolíferos, com vista a gerar, em Dezembro, um acréscimo de receitas de mais alguns milhões de euros.
É por isso que é fundamental que, hoje, o Governo esclareça em relação a esta matéria duas questões.
Em primeiro lugar, e aproveitando a chegada do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (mais vale tarde do que nunca!…) a este debate,…
Protestos do PSD.
… é necessário um esclarecimento - que certamente não deixará de prestar na comissão parlamentar competente - sobre um conjunto de instrumentos de última hora: do perdão fiscal à antecipação de receitas relativamente a agentes económicos tributados em IRC; quanto ao caminho de arrecadação de receitas da venda da rede fixa da PT; e no que diz respeito às estranhas perspectivas sobre arrecadação de receitas de IVA, que apontam para uma estratégia de desespero, de procurar, à última hora, inverter aquilo que são as consequências em matéria fiscal de uma política económica recessiva.
Relativamente àquilo que hoje está aqui em causa, gostaria de saber quais são os efeitos económicos e fiscais desta primeira prioridade, da isenção da tributação das mais-valias bolsistas, quanto é que a bolsa recuperou desde então, quanto é que a actividade económica recuperou desde então, quais são os efeitos, quais são os sinais de um Governo que aumentou o imposto sobre quem paga, mas que veio, à pressa, isentar, garantidamente, as mais-valias bolsistas.
Já agora, gostaria que esclarecesse se é verdade aquilo que tem vindo a ser dito, de que pretende eliminar o dever de retenção na fonte dos ganhos, na escassa medida em que eles continuariam a ser tributados a partir do início de 2003.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, face a algumas referências que foram feitas à ausência, até há momentos, do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, vejo-me obrigada a lembrar as condições em que estamos, neste momento, a proceder a esta apreciação parlamentar e a recordar que eu própria não cumpri a cortesia que habitualmente a Assembleia tem para com o Governo de esperar que, na bancada do Governo, estejam os membros do Governo que o próprio entende que devem estar presentes nesse debate.
Eu própria falhei neste dever de cortesia, porque não me apercebi de que o Governo, na altura, não estava representado pelos membros do Governo que entendia que deviam estar presentes.
Srs. Deputados, vamos, neste momento, proceder às votações que estão marcadas para hoje.
Para efeitos de quórum, a Mesa regista a presença de 145 Deputados, sendo 81 do PSD, 42 do PS, 11 do CDS-PP, 7 do PCP, 3 do BE e 2 de Os Verdes.
O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sobre que matéria, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, sobre as duas primeiras votações que vamos realizar, as quais incidem sobre o regime de publicação de actas da Comissão de Inquérito aos Actos do XV Governo Constitucional que Levaram à Demissão de Responsáveis pelo Combate ao Crime Económico, Financeiro e Fiscal Três Meses Depois da sua Nomeação.
Quanto à primeira - que, evidentemente, será votada em primeiro lugar -, fizemos diligências junto da bancada dos proponentes, do PSD e do PP, a fim de aclarar o sentido preciso do projecto de deliberação.
O ponto em dúvida, como V. Ex.ª sabe, é o de saber se a redacção prevista no projecto de deliberação n.º 11/IX inclui a divulgação integral das actas da Comissão de Inquérito ou apenas de depoimentos. O que nos foi transmitido foi que, na intenção dos autores - coincidindo, aliás, com a visão dos autores do projecto de deliberação n.º 12/IX -, se tratava de fazer uma publicação integral, porventura com a reserva apenas daquilo que decorra de segredo de justiça. O Sr. Presidente da Assembleia da República colocou essa questão aos depoentes, numa carta que lhes foi dirigida. Portanto, há uma coincidência quanto a este ponto.
Também nos foi dito e asseverado que, em Conferência de Líderes, seriam apoiadas quaisquer diligências no sentido de o Sr. Presidente da Assembleia da República determinar a publicação electrónica das actas respectivas no portal da Assembleia da República na Internet, o que ocorrerá, certamente, nos termos usuais.
Nesse sentido, a votação do primeiro projecto de deliberação dará por consumido o sentido útil do segundo, o que, para os efeitos regimentais, V. Ex.ª muito sabe o que determina.
Julgo que esta clarificação é útil, antes de se encetar o processo de votações e que foi, por isso, positivo terem sido realizadas as diligências que tiveram lugar e que permitiram esta aclaração.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, peço também a palavra para interpelar a Mesa nos exactos termos em que o Sr. Deputado José Magalhães o fez.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
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A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, gostava de precisar exactamente o que vamos votar, sendo certo que, não obstante a informação agora prestada, o texto do projecto de deliberação n.º 11/IX, subscrito pelo PSD e pelo PP, não inclui o depoimento da Sr.ª Ministra da Justiça.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é verdade!
A Oradora: - Por outro lado, aquilo que está previsto no projecto de deliberação n.º 11/IX é a publicação de depoimentos e não a publicação integral das actas.
Gostaríamos de ver clarificada esta questão, porque, penso, aquilo que nos obriga é um texto e não qualquer outra coisa.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, quanto a esta questão, há um ponto sobre o qual queria informar a Câmara, apesar de já ter sido referido pelo Sr. Deputado José Magalhães, que pediu a palavra e não me deu tempo para eu própria informar.
O Sr. Presidente da Assembleia da República, tal como foi referido, dirigiu-se aos depoentes na Comissão de Inquérito, perguntando, em primeiro lugar, se autorizavam que os respectivos depoimentos fossem publicados - o que, como sabem, a lei exige que aconteça para que a publicação tenha lugar - e, em segundo lugar, se entendiam que alguns pontos, daquilo que tinha sido dito na Comissão de Inquérito, estavam cobertos por segredo de justiça, situação em que não poderão ser objecto de publicação.
Não há ainda resposta a estas perguntas e, naturalmente, teremos de entender que, seja qual for o sentido da votação que aqui vai ter lugar, as publicações serão feitas em relação aos depoimentos cujos autores permitam a publicação e não serão feitas em relação aos pontos que, eventualmente, estejam cobertos por segredo de justiça.
Portanto, sobre estes pontos, suponho que estamos todos esclarecidos.
Em segundo lugar, em relação ao sentido - se são os depoimentos ou as actas -, presumo que, neste momento, todos sabem que são as actas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr.ª Presidente, quero apenas confirmar aquilo que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado José Magalhães e pela Sr.ª Presidente.
A razão de ser de o projecto de deliberação subscrito pelo PSD e pelo CDS-PP falar na transcrição dos depoimentos é apenas porque, nos termos do artigo 15.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Paramentares, é a transcrição dos depoimentos que carece de uma autorização expressa do Plenário. Portanto, é isso que o Plenário tem de decidir.
No entanto, é evidente - e o compromisso é total - que, independentemente de ser obtida esta autorização relativamente à transcrição dos depoimentos, do nosso ponto de vista, na íntegra, todas as actas devem ser libertadas para publicação.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Esta é a posição inequívoca quer da parte do PSD quer, presumo - o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo falará pelo seu partido -, da parte do CDS-PP.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, dá-me licença que também use da palavra?
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, quero apenas confirmar o que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes e esclarecer a Sr.ª Deputada Isabel Castro - que, certamente por lapso, referiu que o depoimento da Sr.ª Ministra da Justiça não estaria previsto - que, como sabe ou deveria saber, foi feito um aditamento ao projecto de deliberação, onde se esclarece que só por lapso não foi mencionado o nome da Sr.ª Ministra da Justiça…
Vozes do PS: - Esqueceram-se!…
O Orador: - … e, portanto, obviamente, também o depoimento da própria deveria ser publicado. Supunha que a Sr.ª Deputada tivesse estado atenta, mas, como tal não aconteceu, fica o esclarecimento.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos, então, votar o projecto de deliberação n.º 11/IX - Autoriza a publicação da transcrição dos depoimentos prestados perante a Comissão Parlamentar de Inquérito aos Actos do XV Governo Constitucional que Levaram à Demissão de Responsáveis pelo Combate ao Crime Económico, Financeiro e Fiscal Três Meses Depois da sua Nomeação (PSD e CDS-PP).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, o projecto de deliberação n.º 12/IX - Autoriza a publicação das actas da Comissão Parlamentar de Inquérito aos actos do XV Governo Constitucional que Levaram à Demissão de Responsáveis pelo Combate ao Crime Económico, Financeiro e Fiscal Três Meses Depois da sua Nomeação (PS, PCP, BE e Os Verdes), está prejudicado.
Vamos passar à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 24/IX - Estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PS e abstenções do PCP, do BE e de Os Verdes.
A proposta de lei n.º 24/IX baixa à 4.ª Comissão.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 110/IX - Altera a forma de constituição dos órgãos e reforça os poderes e meios de actuação das estruturas e funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (PCP).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções do PSD, do PS e do CDS-PP.
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O projecto de lei n.º 110/IX baixa, igualmente, à 4.ª Comissão.
Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 125/IX - Acesso universal à Internet em banda larga (BE).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções do PSD, do PS e do CDS-PP.
Srs. Deputados, o projecto de lei n.º 125/IX baixa à 9.ª Comissão.
Vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 8/IX - Aprova, para ratificação, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Passamos à votação global da proposta de resolução n.º 10/IX - Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e o Principado de Andorra relativo a Transportes Internacionais Rodoviários de Passageiros e Mercadorias, assinado em Andorra, em 15 de Novembro de 2000.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 11/IX - Aprova, para ratificação, o Acordo-Quadro de Cooperação entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, assinado em Macau, a 23 de Maio de 2001.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Passamos à votação global da proposta de resolução n.º 14/IX - Aprova, para ratificação, o Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-membros, por um lado, e a República da África do Sul, por outro, assinado em Pretória, em 11 de Outubro de 1999.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 17/IX - Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a Organização Internacional do Trabalho relativo ao estabelecimento de um escritório da organização em Lisboa, assinado em Lisboa, em 8 de Julho de 2002.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, o Secretário vai proceder à leitura de quatro pareceres da Comissão de Ética.
O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, 1.º Juízo, Processo n.º 260/1998, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Laurentino Dias (PS) a prestar depoimento, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, Processo n.º 288/1997, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Gonçalo Capitão (PSD) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, Processo n.º 300/00.0TBCVL, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado José Sócrates (PS) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelos Serviços do Ministério Público de Sintra, Processo n.º 18344/01.2TDLSB, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Edite Estrela (PS) a depor, por escrito, na qualidade de arguida, nos autos de inquérito n.º 18344/012TDSLB que correm termos na 5.ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Sintra.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, findo o período regimental de votações, vamos retomar a apreciação do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Muitas vezes, a bancada do Bloco de Esquerda tem criticado o Governo por insensibilidade aos problemas sociais, por falta de conhecimento dos problemas económicos, até por incompetência, mas, na matéria que agora estamos a discutir, que é a do tratamento fiscal das mais-valias, essa é certamente uma crítica que não podemos fazer.
O Governo é absolutamente competente no que diz respeito ao tratamento fiscal das mais-valias, tem um conhecimento detalhado destes dossiers. O Governo nunca
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se engana e raramente tem dúvidas no que diz respeito às mais-valias! É mesmo um governo cuja bandeira principal é a mais-valia!
Por essa razão e porque, como outros oradores, registámos um novo passo nesse contributo do Governo para a gestão económica, que, ao que diz a comunicação social, passará pela abolição da retenção na fonte dos 10% que ainda seriam tributáveis em sede de mais-valias, a partir de 1 de Janeiro, propusemos um debate de urgência que ficou em ponderação na Conferência de Líderes e que, eventualmente, terá lugar no próximo dia 11, se assim houver decisão a tempo.
Esta é, portanto, uma matéria de grande importância, que justifica a consideração, em apreciação parlamentar, deste Decreto-Lei, que justificará esse debate de urgência e que justifica a grande atenção e, até, o carinho que a Câmara tem de dar a esta matéria, a da mais-valia, em que o Governo não deixa os seus créditos por mãos alheias.
Importa, no entanto, discutir esta matéria no terreno específico da decisão que o Governo nos propõe com este Decreto-Lei mas talvez, também, aceitando o convite que a Deputada Graça Proença de Carvalho nos fez acerca da consideração geral sobre o mercado bolsista e o seu significado para a economia nacional.
A Sr.ª Deputada, em nome do PSD, explicou-nos que uma boa razão para este cuidado paternal que o Governo tem em relação às mais-valias e à sua valorização económica nas empresas é a de que este é um dos meios de financiar empresas. E é verdade. Hoje em dia, as empresas financiam-se ou por via de crédito na banca ou até, algumas delas, as mais poderosas porventura muito mais, pelo financiamento na bolsa. Por isso mesmo é que temos de ter esta discussão.
Desde Março de 2000, há mais de dois anos, começou uma crise nas bolsas internacionais que arrastou a bolsa portuguesa, crise esta que, naturalmente, começou nas mais poderosas, em particular na bolsa americana, e que, ao longo destes anos, segundo os índices, desvalorizou os níveis de capitalização bolsista em 40%, 50%, e até 70%, em alguns casos. Em pouco mais de dois anos, dissolveram-se 7 triliões de dólares na bolsa norte-americana.
Ora, isto coloca a questão de saber quem pagou e quem beneficiou e tem a ver, justamente, com o problema do financiamento das empresas.
Todos os casos em que as cotações estão abaixo da sua emissão, que é grande parte destes 7 triliões de dólares, significam que as bolsas obtiveram um financiamento que foi um roubo às pequenas ou grandes poupanças que investiram na bolsa. Por outras palavras, a bolsa internacional - e a bolsa portuguesa não é excepção - funcionou como uma gigantesca "D. Branca" à escala internacional: conseguia o dinheiro de muitos para pagar muito a alguns poucos que iam tendo rentabilização - o tal financiamento -, uma "D. Branca" que, no entanto, não acabou na prisão porque, neste caso, nunca há culpados, há só vítimas!…
Os 7 triliões de dólares que foram perdidos nas bolsas, no que foi a mais gigantesca bolha especulativa de toda a história das economias ao longo dos séculos XX e XXI, são, em proporção do Produto americano, muito mais do que o que foi perdido na crise de 1929 e 1930.
É por isso que são precisos instrumentos de regulação. É por isso que temos de evitar que o financiamento das empresas seja feito sem qualquer regra, como aconteceu com a Enron, com a MacWorld e com uma série de outras empresas que, estimulando a especulação bolsista, se financiaram sobre as suas próprias acções para obter um "efeito dominó" em que um financiamento facilitava o financiamento seguinte.
O problema das bolsas não é a sua existência ou não, é a regulação estrita das regras que devem ser impostas.
Por isso, o que faz o Governo português é errado. O que o Governo faz é facilitar a isenção fiscal, alterar a retenção na fonte de forma que nem sequer a taxa liberatória possa ser aplicada, permitir um domínio de isenção. O Estado não existe em relação às mais-valias, como se a inexistência do Estado e do escrutínio público fosse uma boa regra de contas públicas, ou de contabilidade, ou de seriedade. Não é! Não pode ser! Por isso, o Estado não se pode demitir do único princípio rigoroso que tem de haver a este respeito, que é o do englobamento. Não se justifica que nenhum rendimento obtido de uma forma seja tributado de uma forma diferente em relação ao que o comum dos cidadãos tem de pagar.
Por isso, as mais-valias têm de ser tributadas. Por isso, esta decisão tão competente do Governo é absolutamente injusta do ponto de vista social e, se bem que afirme o que é o "código genético" deste Governo, não deixa, no entanto, de mostrar ao País que esse "código genético" é a absoluta injustiça.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza). - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.
O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sr.as e Srs. Deputados: A presente apreciação parlamentar, suscitada por Deputados do PCP, configura a modificação da tributação das mais-valias como um recuo no sistema fiscal ou, mais rigorosamente, no percurso para um sistema fiscal cada vez mais justo.
De modo algum partilhamos desta visão pessimista e negativista. Consideramos mesmo não ser esta uma leitura objectiva do diploma.
A verdade, porém, é que partimos de pressupostos diferentes, se não mesmo opostos. Nós defendemos a economia de mercado, acreditamos numa economia de concorrência, nas potencialidades da iniciativa individual e empresarial, num contexto global em que ao Estado cabem funções fundamentais na economia e um papel preponderante de regulação.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E, nesse contexto, não podemos ignorar que o agravamento da tributação sobre as mais-valias pode ocasionar a descapitalização da nossa economia e comprometer as condições essenciais para a internacionalização das nossas empresas, com retorno a Portugal dos ganhos aí realizados.
De facto, tem sido referido até à exaustão: vivemos numa economia integrada e globalizada e num cenário de "concorrência fiscal", que os diversos países realizam entre si com finalidades de captação de riqueza, crescimento económico e, consequentemente, de arrecadação de mais receita.
Na verdade - sempre o dissemos -, só é possível distribuir riqueza se ela for criada.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
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O Orador: - Ora, a determinação do regime fiscal pode ser um instrumento fundamental para a prossecução de objectivos de natureza económica e de consolidação das finanças públicas, como também um meio para a efectiva criação de riqueza.
Mas o decreto-lei ora em apreciação constitui igualmente - e isso nem sequer é o menos importante - um estímulo, um incentivo adicional, para levar ao investimento no mercado bolsista nacional.
E aqui falamos de milhares de pequenos aforradores, cujo esforço de poupança e investimento na bolsa é positivamente diferenciado, se comparado com a canalização desses mesmos recursos financeiros para outros investimentos ou para o consumo imediato. É que aquele, Sr.as e Srs. Deputados, é um investimento reprodutivo e socialmente útil. Possibilitará financiar o crescimento das empresas, mediante recurso a meios financeiros que lhes permite apostar na modernização, na competência e na eficiência. E tudo isto com redução da sua dependência do financiamento bancário e, também por essa via, contribuindo para a criação de riqueza e, consequentemente, de condições para pagar melhores salários e conseguir mais justiça social.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - É evidente que este acréscimo de investimento tanto pode vir do pequeno como do grande investidor. Agora, a verdade é que, seja como for, faz crescer a economia e tem na sua base a utilização da poupança, que será tanto maior quanto menos for onerada.
Este é o caminho oposto ao assumido pela anterior reforma fiscal, que, diga-se em abono da verdade, de reforma pouco teve, ficando-se por meras alterações pontuais e parciais, reforma essa que esquecia por completo a nossa realidade económica e, por isso, teve efeitos tão negativos do ponto de vista da competitividade das nossas empresas e do racional e adequado funcionamento do mercado de capitais. E aqui lembro a tão falada deslocalização de capitais, a falta de liquidez na bolsa para acudir às necessidades de financiamento das empresas e o empobrecimento contínuo dos pequenos aforradores.
Agora, que tanto se fala da matéria do crescimento e da competitividade da nossa economia, de modo algum é aceitável continuar a ignorar a necessidade do mercado de capitais.
Não pretendo aqui defender que é apenas com esta medida se consegue revitalizar o mercado de capitais, fazer crescer o investimento privado e o financiamento das empresas e, assim, aumentar a riqueza. Agora, o que digo claramente é que, com toda a certeza, esta é uma das acções fundamentais de um pacote mais amplo, do qual, de resto, o Governo já nos deu algumas seguras, claras e boas indicações.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Perante isto, compreendo, de facto, a posição do PCP e, devo dizê-lo, aceito-a com naturalidade: defende um modelo distinto deste que aqui descrevi, pelo que, naturalmente, está contra medidas como esta.
Mas isso em nada modifica aqueles que são os nossos pressupostos nesta matéria: sempre nos manifestámos aqui contra um modelo fiscal que esquece por completo as necessidades dos investidores nacionais, das nossas empresas e de todos aqueles que pretendem rentabilizar as suas pequenas poupanças.
Sempre defendemos que o sistema fiscal deve estar ao serviço da família, da propriedade, da criação de riqueza, numa perspectiva de equidade e de valorização do homem, com base num conceito cristão e humanista.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Assim, com certeza que todos compreendem a razão pela qual nos mantemos na primeira linha da defesa de opções como esta.
Não deixarão, por certo, de nos reconhecer coerência, também nesta matéria, ainda que possam não concordar connosco.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Coerência, sim! Justiça, não!
O Orador: - Por isso mesmo, votaremos contra o pedido de apreciação proposto pelo PCP.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Vasco Valdez): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Recordando muito sumariamente, foi em 8 de Maio deste ano que o Governo teve a oportunidade de vir a esta Câmara apresentar a proposta de lei, cujo respectivo decreto-lei está hoje aqui em discussão, por iniciativa do PCP. Nessa altura, tive oportunidade de dizer, em nome do Governo, que essa proposta vinha na sequência de um conjunto de iniciativas legislativas respeitantes à tributação das mais-valias.
Recordando muito sumariamente, desde 1989, tínhamos tido um regime que era próximo daquele que hoje ainda vigora e continuará a vigorar, espero, a partir de 1 de Janeiro de 2003, sendo que, fundamentalmente, as mais-valias eram tributadas, desde que as pessoas singulares detivessem essas acções há menos de um ano, à taxa de 10%, sendo isentas se detidas por um período superior a um ano.
Este quadro legislativo foi mantido estavelmente ao longo de vários anos, na sequência da reforma fiscal de 1989. Sucede, porém, que houve uma alteração de facto, no âmbito da reforma fiscal levada a cabo pelo Partido Socialista, em 2001, da autoria do Dr. Ricardo Sá Fernandes. E, nesse particular, como é sabido, estas mais-valias passaram a ser objecto de englobamento, com uma tributação a 50% dessas mesmas mais-valias.
E não deixa de ser curioso que o Sr. Deputado Eduardo Cabrita tenha procurado falar da evolução da receita e praticamente nada tenha dito quanto à iniciativa legislativa hoje aqui em causa. Talvez por dificuldade do Partido Socialista, porque, de facto, o Partido Socialista foi o primeiro a não saber exactamente qual era o quadro legislativo que queria. Efectivamente, apresentou uma proposta da iniciativa da equipa ministerial de então, onde essa tributação se fazia por englobamento, mas foi o próprio Partido Socialista que imediatamente pôs em causa essa reforma legislativa, suspendendo essa medida e fazendo com que continuasse a vigorar o quadro que ainda hoje se mantém.
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Isto significa que, nesta matéria, a incoerência não é nossa - poderá ser de outros, mas não é com certeza nossa.
Quanto às críticas que são feitas, de que estas medidas, porventura, não surtiram todos os efeitos pretendidos, diria que, num mercado de capitais pequeno como é o nosso, como tive oportunidade de referir nessa altura, é evidente que todos os estímulos que possamos dar ao mercado de capitais, pelas razões já anteriormente aduzidas, são estímulos essenciais, com vista a que o nosso mercado de capitais procure sedimentar-se e ter alguma importância e para que os nossos capitais não se deslocalizem definitivamente para fora do espaço nacional e que isso seja um entrave ao financiamento das próprias empresas.
Diria, por consequência, que, do ponto de vista do Governo, a legislação tal como está e, principalmente, num contexto como aquele que se vive hoje em dia, sobretudo de menos-valias e de menos mais-valias, significa basicamente que temos de continuar a acarinhar o mercado de capitais e a privilegiar as iniciativas que dotem esse mesmo mercado de capitais, neste caso, de medidas de política fiscal que permitam a sua utilização plena.
Gostaria, a esse propósito, de dizer que, se enveredássemos por um puro e simples englobamento dessas mesmas mais-valias, também teríamos de englobar as menos-valias - e esta era, suponho, a proposta do Sr. Deputado Francisco Louçã, pois certamente não englobaria só as mais-valias, deixando de fora as menos-valias. Porém, nesse caso, e face aos não digo triliões, mas, no nosso caso, milhões de contos de perdas na bolsa, interrogo-me, hoje, sobre qual era o efeito que isso teria tido, em sede de IRS, na receita fiscal.
De facto, aquilo que o Sr. Deputado estaria a preconizar, que era um englobamento pleno, teria tido um efeito verdadeiramente avassalador e arrasador da receita fiscal, nos exercícios de 2001 e de 2002.
Portanto, se estamos a atravessar algumas dificuldades…
Protestos do Deputado do PS Eduardo Cabrita.
O Orador: - Descanse, Sr. Deputado Eduardo Cabrita, que, depois, verá os números da execução orçamental!
De qualquer modo, isso contribuiria activamente, de uma forma muito poderosa, para a erosão da base tributável, como deve compreender, em matéria de IRS.
Quanto a outras observações, para além das dificuldades que o Sr. Deputado Eduardo Cabrita teve na definição de uma linha clara e estratégica do Partido Socialista neste domínio, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que nós, reconhecidamente, aumentámos em 1 cêntimo (€ 0,01) o ISPP para 2003. Mas manipular as receitas do ISPP?! Isso é deste Governo?! Não foi o seu governo particularmente especialista na manipulação das receitas do ISPP e na contenção da receita através dos estratagemas de todos conhecidos?!
Finalmente, um ponto abordado por diversos oradores tem a ver com uma questão eminentemente técnica. É evidente que a questão da tributação mantém-se. Ou seja, quando houver mais-valias e elas não estejam isentas, há lugar à tributação a uma taxa de 10% e, hoje, essa tributação é feita por via declarativa. Estava pensado um sistema, que, aliás, está neste momento na lei e cuja manutenção, ou não, estamos a ponderar. Porém, não vale a pena fazermos disso um problema eminentemente político, pois ele é fundamentalmente técnico: é o de saber se faz sentido fazermos uma retenção na fonte à taxa de 10%, sendo certo que a tributação, no máximo, é de 10%, em relação ao saldo positivo das mais e das menos-valias.
De qualquer forma, Srs. Deputados, devo dizer que a questão continua a ser esta: o facto de haver uma via declarativa não significa que não haja pagamento de imposto. E, para que isso aconteça, torna-se evidentemente necessário que haja mais-valias, que essas mais-valias sejam evidenciadas pelos operadores económicos, neste caso, pelas pessoas singulares, e que, por consequência, estes façam a respectiva declaração do saldo positivo entre as mais e as menos-valias e apurem um determinado resultado positivo, o qual é sujeito à tributação a 10%. A questão está em saber se, de facto, faz sentido fazer essa aplicação de uma taxa de 10%, a título de retenção na fonte.
Todavia, seja como for, devo dizer que temos a preocupação fundamental de que essas mesmas mais-valias sejam evidenciadas e, consequentemente, tributadas. Significa isso que, independentemente das declarações que os contribuintes venham a fazer nesse domínio, há sempre a preocupação de que essas mesmas mais-valias e menos-valias sejam, sobretudo, tratadas (refiro-me às declarações provenientes dos intermediários financeiros) no sentido de acautelar e assegurar que essa receita seja efectivamente arrecadada.
Consequentemente, Srs. Deputados, do ponto de vista do Governo, faz todo o sentido a legislação que apresentou em devido tempo e continua a fazer sentido, não só na altura em que foi apresentada mas sobretudo para o futuro próximo, a bem do mercado de capitais e a bem do financiamento das nossas empresas.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Honório Novo e Fernando Serrasqueiro. Quero ainda informar que o PSD cedeu 2 minutos ao PCP e essa alteração já consta do quadro de tempos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, vou colocar-lhe algumas questões que não tive oportunidade de colocar aquando da minha intervenção inicial.
De facto, com este decreto-lei, do qual pedimos a apreciação parlamentar, é inequívoco e torna-se bem evidente que o fundamental das medidas fiscais do PSD estão cumpridas. E prova-se, pelas medidas fiscais e por aquilo que foi aprovado em sede de Orçamento do Estado, que os senhores tratam com muito carinho, com desvelado carinho, quem aposta na bolsa, quem aposta no "casino bolsista", e tratam bastante mal quem vive do seu trabalho.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - De facto, quando se refere - e já ouvi aqui alguns colegas referir isso ao defender esta injustiça fiscal - que estamos numa economia de mercado, talvez fosse melhor se se dissesse que estamos numa economia não de mercado mas de flagrante injustiça.
A não ser assim, Sr. Secretário de Estado, por que é que, por exemplo, a Alemanha, num contexto internacional semelhante, de menos-valias, com problemas de receitas fiscais, de investimento nas suas empresas e de auto-investimento, e tendo uma economia de mercado, acaba de decretar e de estabelecer, para o orçamento de 2003, precisamente uma taxa de 15% para as mais-valias?
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É, de facto, uma flagrante injustiça, Sr. Deputado Manuel Paiva, que possamos defender, com alguma parcimónia, que, neste país, com este decreto-lei que anula e enterra (mas não para sempre, certamente!) a reforma fiscal e a tributação das mais-valias, uma pessoa que ganhe 500 contos - tal como no exemplo inicial que referi - em trabalho por conta de outrem possa pagar cerca de 34%, em termos ilíquidos, de taxa de IRS e, simultaneamente, uma pessoa que ganhe 500 contos em resultados bolsistas pague zero!
Voltava a colocar uma questão que, do meu ponto de vista, não foi suficientemente respondida pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para além da questão internacional da Alemanha. Refiro-me ao aspecto da retenção na fonte, que foi um sistema de controlo introduzido na actual reforma fiscal. Gostaria que o Sr. Secretário de Estado confirmasse claramente, ou desmentisse, se o Governo se prepara para anular essa obrigatoriedade de retenção na fonte. É que, com a anulação imposta à tributação das mais-valias, regressa-se ao sistema anterior, à taxa liberatória de 10%. Porém, como o senhor sabe tão bem como eu, ninguém pagava esses 10%! E porquê? Simplesmente porque não havia qualquer espécie de controlo.
A retenção na fonte fez com que houvesse algum controlo e que, pelo menos…
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou, queira concluir, por favor.
O Orador: - Concluo já, Sr.ª Presidente.
Como dizia, tal fez com que pelo menos esses 10% de taxa liberatória fossem pagos por quem tivesse acções há menos de 12 meses. Ao anular este controlo, o Sr. Secretário de Estado vai estabelecer a "lei da selva", a lei da total ausência de qualquer espécie de controlo, por mínimo que seja, na actividade bolsista.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Está a aprofundar ainda mais a injustiça, Sr. Secretário de Estado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Secretário de Estado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Se me é permitido, respondo já, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Então, tem a palavra.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, é evidente que há aqui uma questão que nos separa - e nem contava que conseguisse convencer o Sr. Deputado da bondade das propostas que apresentámos neste domínio. De facto, o nosso posicionamento é diferente do do Partido Comunista neste campo e, pelos vistos, continuará a sê-lo.
Procurei, provavelmente não com a eloquência que seria desejável, justificar as razões pelas quais apresentámos a proposta de lei que, mais tarde, haveria de materializar-se com o decreto-lei autorizado. Consequentemente, devo dizer que, em função das questões que se colocam, a tributação não pode ser rigorosamente igual porque também nós, feliz ou infelizmente, seja qual for o nosso posicionamento, estamos a lidar com realidades distintas. Ou seja, dito por outras palavras, evidentemente, no campo dos princípios, podemos estar todos de acordo em que a tributação deveria ser, toda ela, igualitária e por englobamento. Simplesmente, na realidade - e esse é, provavelmente, o posicionamento em relação ao qual divergimos -, temos de ter em atenção que há factores que são mais móveis do que outros, que se deslocalizam mais do que outros e a economia portuguesa, em alguns aspectos, apresenta muito mais fragilidades do que outras economias europeias e mundiais.
Tal significa, portanto, como as situações não são rigorosamente idênticas, feliz ou infelizmente, que também o tratamento não é o mesmo. Porventura, no campo dos princípios, todos estaríamos de acordo em que, de facto, deveria haver uma tributação, toda ela, igualitária, tratada da mesma forma, independentemente dos problemas que levantei há pouco e que o Sr. Deputado, de alguma maneira, também levanta. Refiro-me ao facto de, porventura, com um englobamento total, podermos ter aqui uma situação de franca perda de receita por virtude da dedução das menos-valias, aspecto que importa ter em linha de conta.
De qualquer forma, muitas vezes, aquela que é a situação concreta em termos teóricos, depois, na prática, não pode ser eficazmente levada a cabo, porque comporta inúmeros riscos. Tal significa que, face a um mercado de capitais como o nosso, que é muito menos desenvolvido do que o de outros países, temos de adoptar, por agora, um tratamento fiscal diferente daquele que vigora noutras jurisdições - porventura, na Alemanha! Evidentemente, a situação da Alemanha é diferente da nossa em muitos aspectos e, infelizmente neste caso, é com certeza bem melhor do que a nossa.
Quanto à questão da retenção na fonte, Sr. Deputado Honório Novo, devo dizer que estamos a ponderar esta matéria, não há decisão tomada. No entanto, a haver decisão nesse sentido, ela passa previamente pela adopção de medidas de controlo que permitam assegurar que essas declarações dos contribuintes sejam feitas.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.
O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, queria aproveitar a sua presença para o questionar sobre matéria que não tem directamente a ver com as mais-valias mas, sobretudo, com o IVA. Já fiz um requerimento nesse sentido, mas como estamos a chegar ao final do ano e o Governo tem uma autorização legislativa que caduca no final do ano, cujo objectivo é cobrar mais receita - por isso, a minha questão até é uma ajuda que lhe quero dar -, pergunto se, porventura, o Sr. Secretário de Estado está a pensar, por via de decreto-lei, dar sequência à autorização legislativa que permite que o IVA possa ser descontado em termos de IRS. Essa autorização caduca no final do ano e, como sabe, os contribuintes têm de se preparar para justificar os descontos com os documentos respectivos, designadamente com facturas quer de restaurantes, quer de reparações de imóveis, quer de reparações dos veículos, etc.
Por outro lado - o mais importante -, tinha sido dito que essa era uma possibilidade de angariar mais receita,
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porque haveria uma pressão sobre os contribuintes que normalmente são menos frequentes na prática da emissão da factura para que o fizessem. Portanto, tal até funcionaria, na óptica da administração fiscal, no sentido de obter mais receita. Nesse sentido, gostaria de questionar se o Sr. Secretário de Estado ainda está a pensar que isso se possa fazer. E, como sabe, quanto mais prontamente o fizer, mais capacidade dá aos contribuintes para poderem obter as respectivas facturas.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Informo a Câmara que o CDS-PP cedeu algum tempo ao PS, já reflectido no quadro dos tempos, e o restante ao Governo, cedência que ainda não está visível no quadro. Peço, portanto, que essa alteração seja feita.
Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr.ª Presidente, muito obrigado, mas penso que os 37 segundos de que ainda disponho são suficientes para responder ao Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro. Muito claramente, a resposta é que vamos utilizar a autorização legislativa a que fez referência.
O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Quando?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Este mês!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, agradeço o tempo que me foi cedido por outros grupos parlamentares para dizer, sinteticamente, o seguinte: o Sr. Secretário de Estado chegou tarde ao debate, já sabemos que por razões que não lhe são imputáveis, mas este correu-lhe mal. E por que é que lhe correu mal? Em primeiro lugar, porque não tinha este assunto bem preparado, embora seja um profundo conhecedor de matéria fiscal.
Em matéria de reforma fiscal, não gostamos de ficar com o que não nos diz respeito apenas a nós, e a reforma fiscal a que se referiu, do Dr. Sá Fernandes - aliás, Pina Moura era o ministro de então -, foi aprovada neste Parlamento, por maioria, depois de um trabalho aturado…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Do Dr. Octávio Teixeira!
O Orador: - … de um grupo de trabalho que reuniu meses a fio, durante bastante tempo, no qual participaram os Deputados Hugo Velosa, Carvalho Martins (não sei se sabem, mas tratam-se de Deputados do PSD), a Dr.ª Maria Celeste Cardona (com certeza, saberão quem é), os Deputados Octávio Teixeira e Luís Fazenda. Portanto, tratou-se de um trabalho levado a cabo no Parlamento, integrado e eficaz, e foi dele que saiu, de facto, essa proposta. Obviamente, o PS - que foi um dos proponentes - e o PCP estiveram de acordo, bem como os demais grupos parlamentares de esquerda.
Quanto à questão do ISPP, o Sr. Secretário de Estado também está a fazer alguma confusão, porque o que se passou foi algo bem diferente. Se o Sr. Secretário de Estado tivesse memória, se estivesse atento - sei que tem alguma picardia com o meu colega Eduardo Cabrita, que penso que vem dos tempos antigos, mas não tenho muito a ver com isso… -, saberia que, pelo contrário, houve um debate no interior do PS, debate esse que foi público e claro, que conduziu à alteração da política do Governo quanto ao ISPP. Tal teve a ver com o problema das manifestações dos camionistas e com o papel do ISPP em todo esse processo.
Portanto, quanto a esse ponto, o Sr. Secretário de Estado ou está fora do tempo ou está a pensar noutro país… O que referiu não foi, de facto, o que se passou aqui.
Quanto à questão das receitas fiscais e das receitas extraordinárias, o Sr. Secretário de Estado diz que estejamos tranquilos quanto às receitas fiscais. Contudo, o que temos visto, pelos números relativos à execução saídos em 15 de Novembro, não tranquiliza nada nem tranquiliza ninguém neste país. O que falta, a continuar aquele andamento das receitas fiscais, como o Sr. Secretário de Estado sabe, chegará muito perto de 1 milhar de milhões de euros.
A verdade é que, apesar da explicação que deu em relação ao que tenciona fazer com o IVA (e queremos que venha até à comissão competente explicar esse conjunto de questões), não estamos nada tranquilos quanto às receitas fiscais.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se, queira concluir, por favor.
O Orador: - Julgo que não, Sr.ª Presidente. Foi-me dada a indicação de que dispunha de mais 2 minutos. Em qualquer caso, irei terminar, mas creio que há qualquer desfasamento na Ex.ma Mesa.
Em matéria de receitas extraordinárias, não sabemos se devemos estar ou não tranquilos, porque não se resolve o problema de fundo da estrutura das receitas. Em todo o caso, queremos que o Sr. Secretário de Estado venha à Comissão de Execução Orçamental explicar esses assuntos.
Independentemente das nuances e das graças que queira fazer com alguma análise da realidade concreta, a questão é esta: nós defendemos, de facto, um funcionamento equilibrado da economia e uma tributação justa; o Sr. Secretário de Estado é dos que está convencido de que uma tributação injusta facilita o funcionamento da economia. Nós não estamos nada convencidos disso.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr.ª Presidente, a minha intervenção é muito breve. Da intervenção do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira fiquei sem saber qual das reformas fiscais é que apoiou!
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi a do Octávio Teixeira!
O Orador: - Afinal de contas, qual é o posicionamento de V. Ex.ª nesta matéria? Apoiou a primeira reforma fiscal ou a segunda reforma fiscal? Talvez fosse bom que V. Ex.ª tivesse oportunidade de esclarecer a Câmara (e a mim, se possível) sobre qual o posicionamento que subscreveu, se a primeira se a segunda reforma fiscal.
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2721 | I Série - Número 064 | 06 de Dezembro de 2002
Pergunto ainda se, realmente, está de acordo com a situação que agora propomos, isto é, entende que deve ser agravada a economia portuguesa, através da questão da tributação das mais-valias ou, pelo contrário, entende que tal é um fomento à economia portuguesa. Portanto, V. Ex.ª terá de resolver, tal como a sua bancada, essa questão que vos há-de acompanhar, pelo menos nesta matéria. Sei que é incómodo para os senhores que o PCP venha trazer à discussão, mais uma vez, esta matéria, mas, na realidade, essa é uma questão que têm de dirimir internamente.
Por outro lado, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, em matéria de receita fiscal e do défice, vamos aguardar pelo final do ano, serenamente. Mas, independentemente disso, é evidente que VV. Ex.as são as pessoas que menos indicadas para falarem de défice orçamental!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, por lapso, não informei a Câmara que o PSD cedeu ao Governo o restante tempo de intervenção de que dispunha.
O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira pediu a palavra para uma interpelação à Mesa e eu pergunto se pode especificar o objecto da interpelação, por favor.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr.ª Presidente, fui pessoalmente referido pelo Sr. Secretário de Estado, que, de facto, está mal informado, não teve tempo de estudar os assuntos devidamente, o que compreendo. Queria, por isso, transmitir à Mesa uma informação, que uma grande parte da Câmara conhecerá mas que o Sr. Secretário de Estado não conhece, se me der autorização, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, vou dar-lhe a palavra para esse efeito, mas pode acontecer que, na sequência, tenha de a dar a algum outro interveniente parlamentar.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Com certeza!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr.ª Presidente, o Sr. Ministro Marques Mendes já está a dizer "com certeza" e nem sequer sabe do que vou falar - está sempre pronto, o que é uma qualidade. Obviamente, para tranquilizar o Sr. Ministro Marques Mendes, não vou referir o record de défice orçamental conseguido pela então Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento, Manuela Ferreira Leite.
Protestos do PSD.
Apenas vou dizer ao Sr. Secretário de Estado Vasco Valdez, que não tem a obrigação de acompanhar o trabalho do Parlamento nem de estudar os dossiers anteriores, que quem coordenou esse grupo de trabalho que se encarregou da reforma fiscal é o mesmo Deputado que está aqui à sua frente, Joel Hasse Ferreira, trabalho esse que não foi aprovado pelo Dr. Sá Fernandes mas, sim, por este Parlamento. E, repito, fui eu quem coordenou o grupo de trabalho.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Isto é verdade, Sr. Secretário de Estado!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Também para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, é evidente que a reforma fiscal foi aprovada por esta Câmara. E, em virtude do que referiu, depreendo que V. Ex.ª apoiou a visão que defendia a maior tributação das mais-valias e, portanto, não subscreveu, com certeza, a alteração legislativa que foi introduzida a seguir. É o que registo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr.ª Presidente, o Sr. Secretário de Estado faz menções pessoais de coisas que ele ignora e gosta muito de brincar com isto, mas eu estou aqui com seriedade. Sei que ele tem um grande "treinador" ao pé, mas queria apenas esclarecer que eu nem sequer era Deputado nessa altura. Portanto, a brincadeira do Sr. Secretário de Estado pode parar. Dedique-se a obter mais receitas fiscais!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim desta apreciação parlamentar. Informo a Câmara que, nos termos do n.º 2 do artigo 208.º do Regimento, deram entrada seis alterações ao Decreto-Lei n.º 228/2002, da iniciativa do PCP.
A próxima reunião plenária da Assembleia da República terá lugar amanhã, sexta-feira, às 10 horas, e a ordem do dia será preenchida com perguntas ao Governo.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Parente Antunes
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eulália Silva Teixeira
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fausto de Sousa Correia
Jorge Lacão Costa
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2722 | I Série - Número 064 | 06 de Dezembro de 2002
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Paulo José Fernandes Pedroso
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
Lino António Marques de Carvalho
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
João Bosco Soares Mota Amaral
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL