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2808 | I Série - Número 066 | 12 de Dezembro de 2002

 

para Fins Estatísticos (NUTS), impõe-se como um acto de resgate da decência democrática devida no tratamento de um assunto que, pela sua óbvia delicadeza, exigiria do Governo uma solução minimamente participada e suficientemente consensual.
O que está em causa é o modo como se estruturam os espaços regionais para fins estatísticos, tanto nacionais como europeus, mas, também, para efeitos de concepção e de execução dos programas operacionais de desenvolvimento regional, bem como de racionalização dos serviços desconcentrados da Administração Pública, além de se tratar de um guia indicativo para o associativismo municipal.
O que está em causa, face ao referido Decreto-lei, é o modo encapotado como se pretendeu levar a cabo um revisionismo regionalizador, sem regionalização no sentido próprio, democrático-constitucional.
Tendo o povo recusado a instituição das regiões administrativas de forma directa, torna-se evidente que um governo, qualquer que seja, carece de legitimidade suficiente para intentar, ainda que por portas travessas, à margem de toda a participação democrática, alterações unilaterais num dos elementos nucleares da estruturação regional, precisamente a configuração territorial dos espaços regionais.
Foi, todavia, este o censurável procedimento do actual Governo. Usando, aliás, de lamentáveis habilidades para escapar ao controlo da Assembleia da República: ao tomar decisões depois de premeditadamente esperar pela interrupção dos trabalhos parlamentares devido ao período de férias; ao conduzir reuniões parcelares com autarcas, convocando uns, esquecendo-se de outros, sem conferir a ninguém tempo para avaliação ponderada dos problemas e das alternativas; e ao correr a comprometer-se com Bruxelas na perspectiva da aprovação, pela União Europeia, de um regulamento visando rigidificar os processos de decisão nacional sobre o âmbito territorial das respectivas NUTS.
O problema, na origem, sabemos todos qual é: na perspectiva do alargamento da União Europeia a mais dez países, com índices de desenvolvimento inferiores ao de Portugal, adivinham-se como muito difíceis as negociações de um qualquer novo quadro comunitário de apoio com vigência para além de 2006. Problema, aliás, que, embora de modo mais circunscrito, por efeito do chamado phasing out em relação às regiões de objectivo 1 - com incidência específica na área de coordenação de Lisboa e Vale do Tejo -, implicou, no QCA II, em vigor, delicadas engenharias financeiras na configuração dos respectivos programas operacionais em articulação com o investimento público de responsabilidade nacional.
Fizeram-se, evidentemente, sentir os efeitos, ainda que compensados, da impossibilidade de, através da regionalização, tal como o PS a havia proposto, se ter logrado, em tempo útil, a autonomização da Área Metropolitana de Lisboa em face do Ribatejo e do Oeste. A solução mereceu, então, como todos nos lembramos, a mais viva oposição dos partidos da direita. Precisamente aqueles que, agora, à revelia da mais elementar coerência, aparentam apoiar uma orientação ad hoc, ela, sim, de todo contra natura.
E quando se esperaria disponibilidade democrática de concertação, respeito pelos sinais da pretérita vontade popular, o que se assiste é à subversão das mais evidentes realidades do País que somos. Atente-se: são os municípios da bacia e do vale do Tejo desagregados de tal modo que os da Lezíria recebem guia de marcha para o Alentejo, incluindo aqueles que, como Azambuja, Santarém, Cartaxo ou Rio Maior se situam inteiramente aquém do Tejo; por outro lado, os do Médio Tejo, muitos deles municípios ribeirinhos do próprio Tejo ou dos seus afluentes, vêem-se arremessados para a Região Centro, numa amálgama de 100 municípios para onde são igualmente catapultados os do Oeste.
O contra-senso é total. Fazer inserir os municípios do Oeste, e até os do Médio Tejo, numa área de coordenação dependente de Coimbra, quando a sua articulação real se faz com Lisboa ou, então, se poderia fazer num novo espaço regional com integração natural, revela total falta de senso.
No ordenamento do território e no ambiente, na agricultura, na educação e na cultura, na saúde e na segurança social é um absurdo que se submetam as populações à dependência de serviços desconcentrados com sede ou na área da CCR de Coimbra ou da CCR de Évora, inteiramente em contraciclo face à regularidade das suas vidas e das suas actividades. Irónica forma esta de contribuir para a produtividade geral do País, afastar o mais possível a administração dos seus utentes e instalar a confusão nos serviços concentrados da Administração Pública.
Mas o contra-senso continua. Desintegrar os espaços ribeirinhos do Tejo, transferindo uns municípios para "parceiros" dos municípios ribeirinhos do Douro e, outros, do Guadiana, quando uns e outros integram, afinal, a mesma bacia do Tejo, é condená-los a ficarem artificialmente de costas voltadas entre si e para as realidades que lhes são inteiramente co-naturais.
Só que o território de um país não é manipulável como peças de lego. E tal como as populações alentejanas ou do Centro não hão-de gostar de saber que, com a incorporação de territórios que lhe são alheios, lhes fazem subir artificialmente a média do PIB per capita, arriscando seriamente a solidariedade que lhes é devida, também o Ribatejo e o Oeste não ficarão indiferentes à morte anunciada das suas identidades, mesquinhamente apagadas da matriz e da visibilidade competitiva dos espaços regionais, tanto para efeitos internos como europeus.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Por certo até o Sr. Almeida Garrett, que ali, nos Passos Perdidos, eventualmente nos escuta, se interrogará sobre se alguma vez os que hoje nos governam terão passado os olhos pelas Viagens na Minha Terra e se, tendo-o feito, souberam reter alguma coisa dos valores do Portugal que ancestralmente somos, a começar pelas memórias culturais dos homens e das mulheres que dão vida ao património perene de um país.
Só há, na verdade, agora, um gesto político a fazer: revogar o iníquo Decreto-Lei e encetar de origem uma serena reflexão sobre as melhores soluções a promover na reorganização das NUTS, o que, por certo, implicará a criação de uma nova NUTS que abarque o vale do Tejo e o Oeste. Por um lado - o que é desejável e possível - , há que não prejudicar as possibilidades negociais do País no quadro das instituições europeias, mas, por outro - e é por aqui que tudo começa -, impõe-se respeitar os mais elementares factores da evidência e da coerência da geografia física e humana, cultural, económico-social e administrativa do País.
Este é um apelo empenhado ao regresso do bom senso. Mas poderá ser, também, se não for ouvido, entendido como a denúncia mais vigorosa de uma autocrática e absolutamente condenável subversão de identificação de um País: Portugal.

Aplausos do PS.

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