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Quinta-feira, 19 de Dezembro de 2002 I Série - Número 68

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE DEZEMBRO DE 2002

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 36/IX, das propostas de resolução n.os 23 a 25/IX, dos projectos de lei n.os 175 e 176/IX, dos projectos de resolução n.os 70 a 72/IX, de requerimentos e da resposta a alguns outros e de um relatório da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente relativo à apreciação parlamentar n.º 1/IX (PCP).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética, autorizando um Deputado do CDS-PP a prestar depoimentos no âmbito de um processo que corre em tribunal.
Sob a forma de interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) insistiu na disponibilização do Governo à Assembleia de cópia dos contratos que recentemente estabeleceu com a PT e com a Brisa, tendo também usado da palavra sobre o mesmo assunto os Srs. Deputados António Costa (PS) e Luís Marques Guedes (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado António Costa (PS) teceu diversas críticas à acção governativa e, na sequência das jornadas parlamentares do seu partido, elencou uma série de iniciativas legislativas a apresentar à Câmara.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes (BE) acusou o Governo de, para cumprir o défice orçamental deste ano, estar a criar uma crise económica e social, tendo-se insurgido contra a reintrodução de portagens na CREL, bem como contra o aumento das despesas correntes do Governo Regional da Madeira anunciado pelo seu Presidente para 2003.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) contestou as medidas de carácter orçamental tomadas pelo Governo, nomeadamente a reintrodução de portagens na CREL.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Sérgio Vieira (PSD), ao evocar as eleições autárquicas de Dezembro de 2001, de que o seu partido saiu vencedor, fez um balanço positivo de um ano de gestão do Dr. Rui Rio à frente da Câmara Municipal do Porto.

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A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes), em declaração política, referiu-se ao relatório anual da Comissão Europeia sobre as emissões de gases com efeito de estufa e criticou o Governo por nada fazer para a redução dessas mesmas emissões.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), a propósito do acidente com o petroleiro Prestige, realçou o serviço prestado pelas entidades portuguesas, no que toca à informação e ao apoio, com o envio de voluntários portugueses, à Galiza, e chamou a atenção para a urgência na tomada de medidas de prevenção, dissuasão e combate aos crimes ambientais, nomeadamente as medidas previstas nos pacotes Erika I e Erika II. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Deputado Capoulas Santos (PS), a propósito da Cimeira de Copenhaga, fez um balanço das conclusões a que se chegou.
O Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho (PSD) falou do abandono a que o distrito de Coimbra foi votado, quer pelo anterior governo quer pelo anterior poder autárquico, e responsabilizou a governação socialista pela concepção e/ou execução da ponte Europa, em Coimbra, tendo, no fim, respondido aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Victor Baptista (PS).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, o Sr. Ministro da Presidência (Morais Sarmento) falou sobre as novas opções do Governo para o audiovisual e respondeu, depois, aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Bruno Dias (PCP), Manuel Maria Carrilho (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes) e Luís Campos Ferreira (PSD), bem como ao protesto formulado pelo Sr. Deputado António Costa (PS).
O Sr. Presidente comunicou à Câmara que os documentos que o Governo tinha prometido enviar à Assembleia da República, relativos aos contratos com a PT e com a Brisa, só durante a tarde tinham sido despachados. A este propósito, usaram da palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) e o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes).
O Sr. Presidente comunicou, ainda, que já estavam disponíveis na Internet as actas da Comissão Parlamentar de Inquérito aos Actos do XV Governo Constitucional que Levaram à Demissão de Responsáveis pelo Combate ao Crime Económico, Financeiro e Fiscal, Três Meses Depois da sua Nomeação e lembrou que, amanhã, se irá proceder ao descerramento do retrato do antigo Presidente Almeida Santos na Galeria dos Retratos dos Presidentes da Assembleia da República.

Ordem do dia. - Procedeu-se à apreciação conjunta dos
projectos de resolução n.os 71/IX - Grupos Parlamentares de Amizade e 72/IX - Delegações e Deputações Parlamentares (Presidente da AR, PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes), tendo intervindo os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Edite Estrela (PS) - que também interveio na qualidade de relatora da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa -, Gonçalo Breda Marques (PSD) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Foram também apreciadas as Contas Gerais do Estado dos anos de 1999 e de 2000. Após os Srs. Deputados Victor Baptista (PS) e Rosário Cardoso Águas (PSD) terem feito a síntese dos relatórios da Comissão de Execução Orçamental referentes à Conta Geral do Estado do ano de 1999 e à Conta Geral do Estado do ano de 2000, respectivamente, produziram intervenções, além daqueles oradores, os Srs. Deputados Pinho Cardão (PSD), Joel Hasse Ferreira (PS), Diogo Feio (CDS-PP), Honório Novo (PCP), Duarte Pacheco (PSD) e Elisa Ferreira (PS).
Por fim, a Câmara apreciou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o relatório do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, tendo proferido intervenções os Srs. Deputados António Montalvão Machado (PSD), Odete Santos (PCP), Jorge Lacão (PS), Narana Coissoró (CDS-PP) e João Teixeira Lopes (BE).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João António Pistacchini Calhau
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Agostinho Veloso da Silva
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Rodrigues Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins

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Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 36/IX - Autoriza o Governo a prorrogar o prazo de vigência das medidas preventivas de ocupação na área potencial do novo aeroporto; propostas de resolução n.os 23/IX - Aprova, para ratificação, o Acordo de Cooperação Técnico-Militar entre a República Portuguesa e a República Democrática de Timor Leste, assinado em Dili, em 20 de Maio de 2002, que baixou à 2.ª Comissão, 24/IX - Aprova, para ratificação, o Tratado entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, assinado em Brasília, em 5 de Setembro de 2001, que baixou à 2.ª Comissão e 25/IX - Aprova, para adesão, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, assinada em 23 de Maio de 1969, que baixou à 2.ª Comissão; projectos de lei n.os 175/IX - Alteração do Estatuto dos Deputados (PSD e CDS-PP) e 176/IX - Alteração à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu (PSD), que baixaram à 1.ª Comissão; projectos de resolução n.os 70/IX - Criação de corredores ecológicos (Os Verdes), 71/IX - Grupos Parlamentares de Amizade (Presidente da AR, PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes) e 72/IX - Delegações e Deputações Parlamentares (Presidente da AR, PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).
Foram também apresentados na Mesa diversos requerimentos.

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Nas reuniões plenárias de 4, 5 e 6 de Dezembro - ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior, formulados pelos Srs. Deputados Gonçalo Capitão e Bruno Dias; ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério da Defesa Nacional, formulados pelos Srs. Deputados Jamila Madeira e Miranda Calha; aos Ministérios da Economia e Segurança Social e do Trabalho, formulados pelos Srs. Deputados Osvaldo Castro, Lino de Carvalho, Odete Santos e Rodeia Machado; ao Ministério da Agricultura Desenvolvimento Rural e Pescas, formulados pelo Sr. Deputado José Apolinário; ao Director Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território e à Câmara Municipal da Mealhada, formulados pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo; ao Ministro da Presidência e aos Ministérios da Defesa Nacional e Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Ciência e do Ensino Superior, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Alberto Gonçalves e Carlos Luís; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Habitação e da Segurança Social e do Trabalho, formulados pelos Srs. Deputados Mota Andrade e Jerónimo de Sousa; a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado da Administração Educativa, formulados pelo Sr. Deputado João Pinho de Almeida; aos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e da Economia, formulados pelos Srs. Deputados Honório Novo e Rodeia Machado; aos Ministérios da Justiça e da Segurança Social e do Trabalho, formulados pela Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro; à Ministra de Estado e das Finanças, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.
Nos dias 9 e 10 de Dezembro e na reunião plenária de 11 de Dezembro - ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Cabral; aos Ministérios da Administração Interna e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho e da Economia formulados pelo Sr. Deputado Bruno Dias; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Habitação, da Economia e das Finanças formulados pelo Sr. Deputado António Costa.
Por sua vez, foi recebida resposta a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
Nos dias 6 e 9 de Dezembro - João Teixeira Lopes, Maria Eduarda Azevedo, Fernando Cabral, Maria Manuela Aguiar, Ascenso Simões, Luísa Mesquita, António Galamba, Augusto Santos Silva e Vitalino Canas, Carlos Luís, José Saraiva, Heloísa Apolónia, Isabel Castro, António Galamba e Isabel Gonçalves.
No dia 10 de Dezembro - Luísa Mesquita, Miranda Calha, Jerónimo de Sousa e José Vera Jardim.
No dia 11 de Dezembro - José Magalhães, António Filipe, Rodeia Machado, Gonçalo Capitão, Fernando Pedro Moutinho e Jorge Tadeu Morgado.
Deu também entrada na Mesa um relatório da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente relativo à apreciação parlamentar n.º 1/IX (PCP) - (Decreto-Lei n.º 112/2002, de 17 de Abril, que Aprova o Plano Nacional da Água), que informa terem sido rejeitadas todas as propostas de alteração apresentadas.
Entretanto, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Alcanena, Processo n.º 119-E/1996 - Secção Única, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Herculano Gonçalves (CDS-PP) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação este parecer da Comissão de Ética.
Como não há inscrições, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, porque tem directamente a ver com os nossos trabalhos presentes e futuros, queria chamar a atenção para o facto de, numa interpelação, feita, aliás, por outra bancada, mas tanto quanto percebi apoiada por todas, ter sido solicitada ao Governo - o que teve assentimento do Ministro Marques Mendes - a disponibilização, antes do debate com o Primeiro-Ministro que se realiza amanhã, de cópia dos contratos que o Governo estabeleceu com a PT e com a Brisa, neste último caso no que diz respeito às portagens na CREL. Tais documentos são de máxima importância, mas não os recebemos até agora e presumo que ninguém os recebeu.
Queria, pois, Sr. Presidente, pedir-lhe que diligenciasse junto do Governo de forma a que possamos obter ainda hoje essa documentação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, ainda ontem questionei o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares sobre esse assunto, num encontro que tive com ele. Na altura, o Sr. Ministro assegurou-me que já tinha enviado essa documentação ao Parlamento, mas, na realidade, a mesma ainda não tinha dado entrada no meu Gabinete. Logo que chegue, disponibilizá-la-ei a todos os grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa, igualmente para uma interpelação à Mesa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, relativamente à matéria em questão, recebi ontem uma resposta, creio que parcial, ao requerimento que tinha dirigido ao Governo .
De facto, foram-me enviados os respectivos projectos de decreto-lei e a minuta do contrato celebrado com a PT, faltando a minuta do contrato relativo à Brisa, pelo que enviei uma segunda carta ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, solicitando-lhe o envio desse documento, visto que o próprio, por telefone, me tinha transmitido dúvidas sobre a existência daquele último documento, não obstante ser expressamente referido no texto do projecto de decreto-lei.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, o mais natural é que esses documentos se encontrem em trânsito para o Parlamento.

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Logo que cheguem, providenciarei no sentido de que sejam distribuídos.
Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Talvez possa esclarecer a Câmara sobre este assunto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de contribuir para esclarecer a Câmara, expressando alguma estranheza relativamente à questão levantada, dado que o meu grupo parlamentar tem a indicação de que toda a documentação referida foi ontem enviada à Mesa.
Peço, portanto, ao Sr. Presidente que diligencie junto dos serviços no sentido de verificarem se a documentação já deu entrada, já que, repito, o meu grupo parlamentar tem a indicação de que foi ontem enviada à Mesa.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Mas já recebeu?

O Sr. José Magalhães (PS): - Já receberam?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós já temos!

O Sr. Presidente: - Pelos vistos, o Sr. Deputado Marques Guedes obteve a documentação directamente. Se a Mesa a tivesse em seu poder, já a teria feito chegar aos demais grupos parlamentares.
Esperemos, portanto, que, rapidamente, esses documentos estejam disponíveis para todos.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa, para o que dispõe de 10 minutos.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O País vive hoje um preocupante estado de desânimo, depressão e desconfiança nas instituições. Este estado do País é fruto de três erros fundamentais cometidos pela nova maioria.
O primeiro erro é o de que a maioria considerou que lhe bastava ser oposição ao anterior governo. Considerou-se, por isso, dispensada de propor ao País um objectivo estratégico mobilizador, de apresentar uma estratégia. A maioria abdicou do seu programa eleitoral e não revela, na sua actuação, novo programa de governo, enleada como está em avanços, recuos e contradições.
A maioria revela-se, assim, incapaz de resolver problemas cujas soluções estavam encontradas e que quis abandonar, caso da co-incineração. A maioria tem de regressar a soluções que tinha contrariado, agora recuando relativamente ao que propôs no início da legislatura.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Depois dos exemplos da Ota e do TGV, ontem mesmo vimos o Governo anunciar ao País, com pompa e circunstância, que, afinal, o segundo canal do serviço público de televisão já não é para encerrar nem para privatizar, pelo contrário é para continuar a ser explorado como segundo canal de serviço público.
Exemplo do estado de paralisia deste Governo é o facto de, nove meses passados sobre o início de funções, a Assembleia da República não dispor, para apreciação, de mais do que três propostas de lei - repito, três propostas de lei! - apresentadas pelo Governo e que aguardam debate nesta Câmara.

O Sr. José Magalhães (PS): - É escandaloso!

O Orador: - O segundo erro fundamental resultou de a maioria ter confundido as causas com as consequências e ter transformado um problema orçamental numa grave crise económica que, aliás, agravou o problema orçamental.
O estado das nossas finanças levou a que o Governo, em desespero, tivesse de recorrer à receita extraordinária ou à antecipação da receita de anos futuros para, este ano, procurar cumprir o único objectivo em que resolveu afunilar toda a acção governativa. O resultado é que, hoje, temos uma economia em que o desemprego cresce, uma economia em que, pela primeira vez desde 1993, Portugal vai crescer menos do que a média comunitária.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Claro!

O Orador: - O terceiro erro fundamental da maioria foi o de que desprezou o valor da credibilidade das instituições. Começou com o Primeiro-Ministro a cometer uma grosseira violação das suas promessas eleitorais, seguiu-se o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional a fugir à Assembleia da República, a fugir a vir dar as explicações que eram devidas para restabelecimento da sua própria credibilidade.
Em nove meses de acção governativa, o Governo sucedeu-se em conflitos com as instituições, com a chefia das Forças Armadas, ameaçando e pondo em causa a credibilidade de serviços de informações e ameaçando a confiança que os cidadãos depositam na própria Polícia Judiciária, como os exemplos recentes são cabal demonstração dos erros e da gravidade que constitui o facto de o Primeiro-Ministro adiar, há mais de dois meses, a prática daquele acto essencial para o saneamento e o restabelecimento da credibilidade das nossas instituições.

Aplausos do PS.

Como aqui anunciámos, o Congresso do Partido Socialista marcou um ponto de viragem.
O Partido Socialista não aceita ficar reduzido e enclausurado na paupérrima agenda parlamentar a que a maioria submete a Assembleia da República.
O Partido Socialista não aceita que a vida parlamentar decorra de caso em caso, num circuito político-mediático que ignora os principais e os reais problemas do País.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Grupo Parlamentar do PS tem dado corpo a esta viragem de página.
Elegemos como prioritária a definição de novas políticas que permitam reforçar a produtividade das empresas e a competitividade da nossa economia.
O País tem de vencer o desânimo, a depressão e a desconfiança, o País tem de reencontrar-se num objectivo mobilizador.

Aplausos do PS.

A presidência portuguesa da União Europeia levou a União a eleger um objectivo claro para a Europa, o de a Europa se tornar, no prazo de 10 anos, um espaço mundial com uma economia baseada no conhecimento da inovação

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mais dinâmica do mundo, capaz de sustentar elevados níveis de emprego e de coesão social. Os nossos objectivos na Europa são também os nossos objectivos para Portugal.
Nas últimas semanas, desenvolvemos um trabalho em que procurámos ouvir especialistas. Visitámos um conjunto de empresas de diferentes regiões do País, da península de Setúbal à Marinha Grande, da Marinha Grande a Aveiro, de Aveiro ao distrito de Braga, empresas diversas, umas nacionais, outras multinacionais, umas da indústria automóvel, outras da indústria de ponta, outras, ainda, dos sectores tradicionais, como as madeiras ou as cutelarias.
Escolhemos empresas que são empresas de sucesso, não para fazer a rota do miserabilismo porque, para essa rota, já chega o Governo que temos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A nossa rota é a rota do Portugal e dos portugueses que acreditam em si, nas nossas potencialidades e na nossa capacidade de vencer os desafios do futuro.

Aplausos do PS.

Trata-se de empresas que têm elevadas taxas de produtividade e que são altamente competitivas no mercado internacional, empresas que não se refugiam no "choradinho" proteccionista do Estado ou na busca de uma sociedade onde os direitos dos trabalhadores são fragilizados para procurarem vencer no mercado mundial.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - São empresas que constituem boas práticas e que devem ser exemplares das mudanças de que o País precisa. E as mudanças de que o País precisa são aquelas que podem melhorar os diversos factores de competitividade.
Culminámos este nosso trabalho com as jornadas parlamentares que realizámos no passado fim-de-semana e onde aprovámos seis projectos de lei que tive a oportunidade de apresentar hoje na Mesa da Assembleia da República.
Um primeiro, insidente sobre a área institucional: trata-se de um projecto de lei-quadro das entidades reguladoras, de forma a enquadrá-las e a fortalecê-las, porque somos dos que acreditamos que não há um mercado forte sem entidades reguladoras fortes que assegurem os direitos dos consumidores e a livre concorrência.

Aplausos do PS.

Segundo: uma lei de bases da reforma do sistema de registos e notariado, principal interface da Administração Pública com a nossa economia, um projecto de lei que não se limita nem se reduz à pura questão da privatização do notariado, antes abre para aquilo que é decisivo, do ponto de vista da simplificação e da adopção de um modelo de controlo único da legalidade dos actos, para libertarmos os cidadãos e a economia do excesso de regulação e de burocracia que tolhe a sua dinâmica.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Um terceiro diploma, que constitui um contributo para o rejuvenescimento do nosso tecido empresarial, em particular das pequenas e médias empresas e das empresas de base familiar. Este projecto de lei prevê a isenção do imposto sobre doações na transmissão de participações sociais de pais a filhos, desde que os filhos assegurem a manutenção da titularidade durante um mínimo de cinco anos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Um quarto projecto, que visa dinamizar o desenvolvimento das infra-estrutras de telecomunicações, para pôr fim ao monopólio de facto da Portugal Telecom nos serviços ao Estado e à Administração, favorecendo a concorrência no mercado das telecomunicações e a própria extensão e modernização das infra-estrutras de comunicações.

Aplausos do PS.

Um quinto diploma, que visa dar força de lei a um acordo unânime obtido na concertação social sobre o direito de formação profissional dos trabalhadores portugueses, assegurando, nos termos desse acordo - que o Governo, aliás, ignorou totalmente no projecto de legislação laboral que apresentou -, um mínimo de 20 horas de formação profissional certificadas por trabalhador, já em 2003, até ao máximo de 35 horas certificadas de formação profissional, em 2006.

Aplausos do PS.

O sexto e último diploma visa um importante alargamento dos incentivos fiscais à inovação, à investigação e ao desenvolvimento, alargando, por um lado, a base das despesas elegíveis para dedução majorada - agora também há os custos em design ou em prototipagem -, prevendo, sobretudo, dois importantes prémios fiscais à inovação, que permitirão uma redução da taxa nominal do IRC até um mínimo de 20% como prémio por cada patente que seja registada e efectivamente explorada no mercado nacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que este conjunto de seis diplomas são um contributo positivo que o Grupo Parlamentar do PS apresenta não só para sintonizar a agenda parlamentar com a agenda das preocupações do País, mas também para constituir um contributo positivo para vencermos o desânimo, a depressão e a desconfiança e centrarmos, todos nós, agentes políticos, económicos e sociais, o nosso esforço no grande objectivo que deve mobilizar Portugal, o de vencermos o atraso estrutural que nos separa da União Europeia. Essa é a convergência real, essa é a convergência que nos tem de mobilizar, essa deve ser a nossa agenda, essa será, seguramente, a agenda do PS.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passaram oito meses - o País está mais pobre, menos produtivo, menos motivado, mais crispado, mais indignado, mais afastado da União Europeia.
Passaram oito meses - enquanto o Governo se afunda em escândalos, continua a existir, apenas, um objectivo: 2,8% de défice. E para cumprir esse objectivo o Governo não se importa de acrescentar crise à crise, resolvendo ou tentando resolver uma crise orçamental e de finanças públicas através de uma crise económica e social; não se importa de criar uma situação económica insustentável; não se importa de comprometer o desenvolvimento do país. Tudo vale para uma vitória contabilística. O País derrotado será a "festa" deste Governo.
Mas que se desengane quem acredita que todos "os cintos se vão apertar". A crise, como sempre, está a ser paga pelos do costume: pelos que pagam impostos, pelos que trabalham por conta de outrem, pelos jovens precários, pelos que vivem nas periferias das cidades.
A reintrodução das portagens na CREL e a proposta de estender essas mesmas portagens à futura "CREP" é mais um episódio da ausência completa de estratégia de desenvolvimento, contrária, inclusivamente, à recente aprovação, nesta Assembleia, das figuras das grandes áreas metropolitanas e das autoridades metropolitanas de transportes. A CREL, criada como uma via dissuasora, serve, antes de mais, para distribuir o tráfego penetrante na zona central da região metropolitana e para desviar o tráfego de atravessamento da cidade, evitando o congestionamento das vias radiais. A CREL beneficia todos, com ou sem carro, os que vivem nos subúrbios ou os que vivem na cidade.
Com esta decisão, o Governo pune os automobilistas que menos afectam a vida da cidade, fazendo os seus trajectos na coroa exterior da zona metropolitana. O que o Governo está a dizer, a mensagem que está a fazer passar àqueles que vivem nos arredores é para virem por dentro da cidade. Aí, sim, é de borla. Para "desentupir" as finanças, o Governo "entope" a cidade de Lisboa e torna a vida de quem vive nos arredores num inferno insustentável. A desordem parece ser a palavra de ordem, quando se exigia ordenamento e coordenação.
Para justificar um truque contabilístico ou passe de mágica, que visa antecipar receitas sem que nenhuma estratégia de mobilidade nas áreas metropolitanas justifique tal medida, a Ministra Manuela Ferreira Leite disse-nos, sem qualquer pudor pela demagogia utilizada, que a população de Trás-os-Montes não tem de pagar a CREL.
Se a defesa da ideia de "quem usa paga" vingar, que se preparem os portugueses mais necessitados de apoio na saúde, porque terão de pagar encargos vultuosos, já que, segundo este Governo, quem tem saúde não terá de pagar as doenças dos outros. Que se preparem as famílias com filhos em escolas do Estado, porque quem não tem filhos não tem obrigações para com as crianças. Que se preparem as populações do interior, porque os lisboetas e os portuenses não usam o IP4 ou o IP5.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Lemos ontem num jornal, e não queríamos acreditar, que Alberto João Jardim vai aumentar em 7,3% as despesas correntes do Governo Regional da Madeira. Jardim vai gastar mais 14,3% no desporto! O mesmo político disse ainda que, primeiro, se fazem as inaugurações e, depois, que logo se vê quem paga, contraindo um empréstimo de 190 milhões de euros, para financiar investimentos com o aval do Governo, que, assim, se desacredita a si mesmo.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - No meio da crise, Jardim goza com o País e a maioria aplaude.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - O funcionamento das emergências médicas está em risco, mas as inaugurações de Jardim não param! A educação, a nossa única arma para a convergência com a Europa, está de rastos, mas não falta dinheiro para o Euro 2004! Os trabalhadores contam "tostões", mas os bancos somam benefícios fiscais!
Sr.as e Srs. Deputados, estamos em Portugal. Aqui e agora, quem financia o Estado é quem menos ganha! Aqui e agora, o Estado pune quem lhe paga as contas e favorece quem lhe faz as despesas! Aqui e agora, quem vive longe do trabalho paga o défice! Aqui e agora, um dirigente do partido que está no Governo despreza o esforço de todos e é aplaudido pelos companheiros de partido! Aqui e agora, manda quem pode e paga quem não manda!
Perante este cenário, tudo está à venda, tudo está em saldo.
Quando tiver vendido todas as jóias de família, restará a este Governo vender a própria família. Quando acabarem as "promoções" de 2002, o que restará então para vender? E como cumprirá, então, o défice, com o País mergulhado numa crise irreversível?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este ano talvez se cumpram, por toques de prestidigitação, os 2,8% de défice, se a União Europeia aceitar esta receia fácil. Talvez não! Seguramente, no entanto, o País viável ficará uma vez mais por cumprir.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente, depois de um conjunto de operações de "malabarismo" orçamental (para citar um ilustre ex-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD) e de contabilidade criativa; depois de um conjunto de decisões desgarradas que congelam o futuro da economia e que não resolvem qualquer problema de fundo do País; depois de múltiplas medidas extremamente gravosas para o rendimento e o emprego dos portugueses, o Governo está pronto para anunciar, como se de uma vitória se tratasse, que cumpriu a obsessão fixada para o défice de 2002. E mesmo que seja só do subsector Estado, a Ministra das Finanças lá dirá que o resto já não é da responsabilidade do Governo, mas das autarquias e do Serviço Nacional de Saúde. Seja como for, o "cenário está montado".
Mas, sejamos claros, nas condições em que, eventualmente, o venha a anunciar (se o conseguir, apesar de todos os truques) não há lugar à abertura de qualquer garrafa de champanhe. Pelo contrário, o conjunto de opções desnecessárias e erradas tomadas desde Maio podem satisfazer o ego do Primeiro-Ministro e da Ministra das Finanças, mas estão longe de constituírem um verdadeiro

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processo de consolidação orçamental e vão traduzir-se, em particular no ano de 2003, em nefastas consequências para a economia, para todos quantos dependem dos rendimentos do seu trabalho, para o mundo empresarial, especialmente para as micro e as pequenas empresas.

Aplausos do PCP.

A verdade é que o Governo se enganou em todos os cálculos de receitas fiscais que apresentou no Orçamento rectificativo de Maio passado - como, aliás, na altura tínhamos previsto. No final deste ano, teremos, provavelmente, menos cerca de 620 milhões de euros do que as previsões, e isto se se mantiver em Dezembro a curva de receitas idêntica à do passado.
Assegurou aumentar o IRC em 5,6% e iremos atingir o final do ano com menos 5,2%! Disse que aumentava o IRS em 2,4% e, no final, será exactamente o inverso: menos 2,4%! Também assim é no IVA (apesar do agravamento em dois pontos percentuais), no imposto automóvel ou no imposto de selo. O único que vai gerar receitas superiores às projectadas é o imposto sobre os produtos petrolíferos, à custa em grande parte do aumento efectivo do respectivo imposto.
Face à evidente derrapagem das receitas fiscais - que tanto o Governo, em especial a Ministra das Finanças, criticava ao Partido Socialista -, aí fomos sofrendo os efeitos desse comportamento esquizóide do Governo, com medidas desesperadas e irracionais que não preparam, pelo contrário hipotecam, o futuro e vão transformar 2003 num ano negro para os portugueses.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - Começou pela dramatização do discurso sobre o estado das finanças públicas, lançando, só com isso, a inquietação e a retracção no País. Ficaremos, aliás, na história da União Europeia como o único País que implorou, por meras e inaceitáveis razões de combate político interno, para que lhe agravassem o défice das contas públicas que tinha apresentado e o penalizassem por isso.

Vozes do PCP: - Uma vergonha!

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - A seguir, tivemos a venda do património do Estado ao desbarato, sem nenhuma programação, muitas vezes sem se dar conta, sequer, do que estava a vender a rastos de barato, contrariando tudo quanto a própria Ministra das Finanças, então Deputada, tinha criticado ao Governo do Partido Socialista, em Setembro de 2000.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Depressa se esqueceu!

O Orador: - Como esta operação se revelou um fracasso, congelou-se metade no Estado e 80% nos Serviços e Fundos Autónomos, de forma cega, das verbas ainda disponíveis para despesas até ao final do ano, colocando em colapso o funcionamento de muitos serviços, adiando para o ano de 2003 o pagamento de dívidas aos fornecedores e amputando-se brutalmente as despesas de investimento, seguramente acima de 20%.
Como tal não se revelou suficiente, criou-se um novo perdão fiscal, que também tanto o PSD tinha criticado no passado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Renegociou-se a dívida de Angola em condições que estão longe de estar esclarecidas; obriga-se grandes empresas com capitais públicos a antecipar por conta o pagamento de IRC; vendeu-se a correr a rede fixa de telecomunicações da PT que, em 1994, o mesmo PSD tinha decidido manter na propriedade do Estado por razões de interesse nacional - veremos se, dentro de algum tempo, este bem público não estará também em mãos não nacionais; e, finalmente, aí temos o último "coelho tirado da cartola" - falta o IPE, que será, porventura, o último! -, contra todas a promessas do PSD: a reposição de portagens na CREL, com a respectiva antecipação de receitas a pagar pela Brisa.
Esta última medida, pelo seu carácter totalmente irracional, tem merecido - e bem - o protesto generalizado das populações e dos autarcas, incluindo alguns ilustres eleitos do PSD. Com tal decisão o Governo sacrifica ainda mais as já penalizadas populações das zonas limítrofes de Lisboa, prejudica a economia da região e, ao arrepio de todo o bom senso em matéria de planeamento e ordenamento rodoviário, vai atirar de novo para dentro de Lisboa - sem que isso pareça incomodar o Presidente da Câmara de Lisboa - muito do tráfego que hoje circula pela CREL.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Mas, mais do que isso, tudo aponta, Srs. Deputados, que com esta operação de financiamento junto da Brisa quem fez um excelente negócio, altamente lucrativo para si própria, foi a Brisa, como, aliás, foi indiciado ontem pelo Sr. Ministro Valente de Oliveira.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O Governo tem, pois, muito ainda a esclarecer sobre os verdadeiros contornos do negócio e de como se chegou, com base em que estudos de tráfego, à verba de 288 milhões de euros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pela taxa de desconto, a contrapartida pela qual a Brisa se remunerou, que o Ministro ontem divulgou, é legítimo afirmar desde já que, com esta operação, o Estado perde pelo menos um valor idêntico ao que se propõe encaixar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Um escândalo!

O Orador: - Mas, feito isto tudo, sobra uma pergunta: e agora? Esgotados todos os números de ilusionismo, vendidos os anéis e os dedos, o que é que sobra para 2003, onde o Governo se propõe atingir um défice de 2,4% e a situação económica ainda vai ser pior?
O País está, pois, confrontado com um conjunto de decisões tresmalhadas do Governo, sem uma estratégia sustentada para o futuro, com o único fito de conseguir receitas imediatas e a qualquer preço, da forma mais fácil

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e mais rápida, só para salvar a face da Ministra das Finanças. Estará o País numa situação de tal modo desesperada, à beira de um qualquer precipício, sob qualquer inevitabilidade de sanções externas que, em todo o caso, justificassem este desespero? Contra as ideias feitas que o Governo tem vendido e que muitos alegados analistas repetem até à exaustão, é preciso responder claramente que não.
Primeiro, é visível que depois do Conselho ECOFIN de Novembro, com a situação orçamental da Alemanha e da França e com os efeitos de uma conjuntura económica global desfavorável, a Comissão Europeia foi obrigada a reconhecer a "estupidez" do Pacto de Estabilidade e a introduzir mecanismos de flexibilização das suas regras.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não havia, pois, já lugar para nenhuma ameaça de sanção, mesmo que Portugal apresentasse, no final de 2002, um défice superior a 3%.
Por outro lado, se é necessária uma política de disciplina nas contas públicas, nada, mas mesmo nada, na doutrina económica - como temos repetido - faz coincidir rigor com a necessidade, a todo o transe, de se atingir um défice de 3% ou menos, mais a mais em período de travagem das economias. De tal modo que começa já a fazer caminho a necessidade de determinadas despesas de investimento não contarem para o cálculo do défice corrente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se em 2002 a situação é já a que é devido a uma política orçamental estupidamente restritiva e, ela própria, recessiva, será no próximo ano, em 2003, que os portugueses irão sentir todo o peso das políticas erradas e socialmente desequilibradas.
O aumento dos impostos aprovados pela maioria no Orçamento do Estado vão, como dissemos, abater-se em particular sobre os trabalhadores dependentes, com o agravamento do IRS e as micro e as pequenas empresas com o aumento exponencial dos pagamentos especiais por conta e das liquidações no regime simplificado. Os primeiros aumentos dos preços, acima da inflação oficialmente assumida pelo Governo no Orçamento, já estão a ser anunciados: 2,8% na electricidade, 3,5% nas taxas de portagens; 5% nos medicamentos de custo inferior a 5€ e o mais que está para vir.
A quebra do poder de compra dos portugueses já é visível agora, no Natal, e vai agravar-se para o próximo ano; o desemprego está a subir, com particulares consequências para os contratados a prazo; a taxa oficial do INE, que, como sabemos, está muito abaixo da realidade, já está nos 5,1%, acima, aliás, da taxa com que o Governo se tinha comprometido no Plano Nacional de Emprego para 2002. Mas, confirmando o que sempre temos dito, é o próprio Secretário de Estado do Trabalho que afirmou recentemente que a verdadeira taxa de desemprego está 30% acima da taxa oficial, o que a atira para a ordem dos 6,6%, isto é, para a ordem dos 360 000 desempregados. E para o ano, seguramente, aproximar-nos-emos da barreira dos 400 000 trabalhadores sem emprego.
Contrariando todas as promessas - aqui, como no resto -, os aumentos de pensões de reforma e do salário mínimo nacional para 2003 são os mais baixos de sempre. Entretanto, todos os indicadores de confiança e projecções para 2003 perspectivam não uma recuperação mas o acentuar de uma grave crise económica e social.
Neste contexto, a política do Governo, subordinada de forma extrema e fundamentalista à questão do défice, é exactamente a oposta daquela que o País precisa: corte no investimento público quando se exigia o contrário; agravamento de impostos para os sectores mais fragilizados e medidas desgarradas de perdão fiscal e, em contraste, alívio escandaloso da tributação dos rendimentos obtidos no offshore da Madeira, anulação definitiva da tributação dos ganhos em bolsa e das SGPS, ausência de uma política séria de combate à fraude e à evasão fiscal.
Continuamos a ser o País da Europa onde 2/3 das empresas não pagam um tostão de imposto sobre os lucros, onde é maior a fuga nos impostos especiais de consumo, onde cada trabalhador por conta de outrem paga, em média, três vezes mais de IRS do que um profissional liberal e seis vezes mais do que um empresário em nome individual.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em vez de se apostar em políticas que promovessem a competitividade por via da melhoria da organização e da gestão das empresas e da Administração Pública e ajudassem ao aumento da produtividade pelo lado da formação e qualificação profissional e da melhoria das políticas de educação e ensino, a única medida visível que o Governo propõe é um código laboral que permita desregulamentar as relações de trabalho e reduzir ainda mais os custos de trabalho.
Em suma, são sempre os mesmos a pagar a crise e a sofrer as opções erradas e de classe do Governo, acentuando-se as injustiças e as desigualdades sociais.
Se o PSD e o CDS-PP tivessem falado verdade aos portugueses durante a campanha eleitoral e tivessem divulgado metade que fosse das medidas que têm vindo a tomar seguramente que hoje não seriam Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Deve ser por causa das consciências pesadas, Sr. Presidente, de que enganaram os portugueses, que agora, quando abrimos o site da Direcção-Geral do Orçamento, temos música de Natal a acompanhar-nos. De tal modo intensa e permanente que até perdemos a vontade de ir consultar os negros números da execução orçamental - não vá a ilusão perder-se!
Disse o Primeiro-Ministro, no final da semana passada, que o Governo tinha metido travão às quatro rodas e invertido a marcha do País. Acreditamos que sim, invertida a marcha a caminho de um desastre maior que pode e deve ser interrompido - e sê-lo-á, com o movimento social de descontentamento e protesto, com a necessária convergência das forças que neste Hemiciclo se opõem à derrapagem do Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

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O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há um ano atrás, realizaram-se eleições autárquicas, eleições que representaram um marco histórico para o PSD e um virar de página em Portugal.
Em 16 de Dezembro de 2001, o PSD voltou a ser o maior partido do poder local em Portugal, e ganhou de uma forma tão categórica as eleições que, anteriormente, nunca um partido tinha conseguido obter a presidência de um número tão significativo de câmaras municipais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nas eleições autárquicas de 2001, o PSD triunfou nos principais centros urbanos - por exemplo: Lisboa, Porto, Coimbra, Faro, Portalegre, Sintra, Cascais ou Famalicão -, ganhou 11 das 20 capitais de distrito, obteve o pleno na Região Autónoma da Madeira e continuou a ser, de forma destacada, o primeiro partido do poder local nos Açores.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estas vitórias do PSD foram, acima de tudo, vitórias por Portugal,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … porque as eleições autárquicas foram determinantes para o futuro do País.
Em 16 de Dezembro de 2001, os portugueses expressaram uma clara censura ao Governo do Partido Socialista.

A Sr.ª Adriana de Aguiar Branco (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Censuraram de uma forma tão clara um Governo laxista e sem coragem reformadora que o então Primeiro-Ministro, Eng.º António Guterres, conhecendo certamente o "pântano" em que colocou a calamitosa situação do País, aproveitou para fugir da presidência do Governo de Portugal.

Aplausos do PSD.

Mas não foi só um acto de censura ao Governo e aos executivos camarários do PS que encerrou o resultado destas eleições. O voto dos portugueses traduzia, também, uma inequívoca manifestação de esperança na alternativa que o PSD e o seu líder, Dr. Durão Barroso, protagonizavam.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me, ao evocar as eleições autárquicas de 2001, centrar parte da minha intervenção naquela que, muito mais do que capital do meu círculo eleitoral, é a cidade onde tive a felicidade de nascer e à qual pertenço de corpo e alma: a antiga, "mui" nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto.
A vitória no Porto da coligação "Pelo Porto, sempre", formada pelo PSD e pelo CDS-PP, liderada pelo Dr. Rui Rio, foi um verdadeiro "terramoto político", porque foi uma candidatura de ruptura com todos os modelos de gestão autárquica anteriores e de ruptura com uma certa "forma" de fazer e de estar na política no Porto.

Aplausos do PSD.

Os portuenses, em Dezembro do ano passado, não quiseram saber do "politicamente correcto", não se intimidaram com algumas sondagens que anunciavam vitórias antecipadas; os portuenses acreditavam e acreditaram que era possível inverter o estado caótico em que a cidade tinha mergulhado.
E hoje, no Porto, a mudança está, irreversivelmente, lançada.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Para pior!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No primeiro ano de gestão autárquica na Câmara Municipal do Porto, o executivo da coligação "Pelo, Porto sempre", liderado pelo Dr. Rui Rio, e com a participação do PCP, está a pôr a "casa em ordem" e a lançar os primeiros passos que traduzem as novas prioridades para a cidade.
Este primeiro ano de liderança do Dr. Rui Rio tem sido marcado, inevitavelmente, pela complicada herança deixada ao longo dos anos. Obras inacabadas, ruas desfeitas, aumento da burocracia e um enorme buraco financeiro são alguns dos legados que resultam da incompetência e da irresponsabilidade do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

No Porto, a situação financeira, em termos relativos, conseguiu ser pior do que a do País, com uma dívida herdada de 61,7 milhões de euros e com inúmeras obras ainda por pagar, tendo sido, assim, necessário começar a limpar os graves erros que outros, irresponsavelmente, cometeram e começar a "arrumar a casa" para poder governar com eficácia.
O primeiro ano de gestão autárquica no Porto serviu também para lançar as primeiras medidas, para dar os primeiros passos nas novas prioridades da Câmara Municipal, porque é também nas prioridades para a cidade, a par do rigor financeiro, que também se faz a ruptura com um passado laxista, irresponsável e incompetente.
As novas prioridades para a cidade são claras: a habitação social, porque quando cerca de 50 000 portuenses vivem em condições precárias é necessário iniciar uma acção social profunda e sistemática, erradicar as barracas e realojar condignamente, mas também apostar, como nunca, na dignificação dos bairros sociais, através da sua recuperação e conservação; a mobilidade, porque, sendo um dos problemas mais sérios do Porto, é determinante tentar resolver o problema de obras eternamente adiadas e há muito atrasadas e, igualmente, a Câmara empenhar-se na viabilização de eixos viários fundamentais; o urbanismo, porque, perante uma cidade tão agredida pelo betão, a câmara, não podendo evitar tudo o que o anterior Executivo já tinha autorizado, está empenhada em inverter a densidade de construção, revitalizando as zonas nobres e valorizando os espaços verdes;…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … o renascimento da baixa portuense, porque é necessário "regressar à cidade", estando a actual câmara, em colaboração com o Governo, a trabalhar num plano que restitua a dignidade perdida aos históricos quarteirões; a reintegração dos arrumadores, porque este fenómeno, com proporções únicas no Porto, não pode continuar a ser encarado pelo poder político como uma fatalidade - à inércia e laxismo de anteriores executivos,

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a actual câmara está a pôr em prática um plano que alia solidariedade social ao apoio à autoridade policial;…

A Sr.ª Adriana de Aguiar Branco (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … o combate à corrupção e à burocracia, porque a câmara deve estar ao serviço dos cidadãos e, por isso, o actual Executivo tem lançado um forte combate contra a corrupção, contra as baixas fraudulentas e contra a burocracia camarária; e uma nova forma de afirmação política da cidade, porque a postura excessivamente bairrista menospreza o Porto e a câmara municipal tem-se pautado por uma postura séria, independente e corajosa, mas também tranquila.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No Porto, muito do que a actual câmara municipal, presidida pelo Dr. Rui Rio, tem vindo a fazer só será visível dentro de alguns anos. Mas a verdade é que a mudança, no Porto, está irreversivelmente lançada.
No Porto, como no País, apesar das dificuldades, estamos a cumprir e vamos continuar a cumprir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há poucos dias, foi tornado público o relatório anual da Comissão Europeia sobre as emissões de gases com efeito de estufa. Os resultados revelados são muito pouco ou nada animadores em relação às metas a atingir nos anos de 2008 a 2012, determinadas no Protocolo de Kyoto. Ao nível global, a redução de gases com efeito de estufa deveria atingir, entre 2008 e 2012, os 5%, com valores de referência de 1990. Neste processo, caberia à União Europeia um esforço de redução de emissões de 8%. O certo é que já ultrapassámos metade do período determinado e a União Europeia apenas conseguiu uma redução de 3,5% e já perspectiva que não conseguirá atingir os menos 8%.
Tudo isto é extremamente preocupante. A União Europeia, que tem tido um papel relevante na busca de apoios para a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, é, agora, a própria a admitir que pode não o cumprir. Isto descredibiliza um mecanismo determinante de combate às alterações climáticas, que, neste momento, depois da ratificação do Canadá e da Austrália, aguarda a decisão da Rússia para entrar em vigor.
O incumprimento do Protocolo de Kyoto poderá levar os Estados Unidos da América a considerar legitimada a sua vergonhosa posição de recusa de ratificação deste instrumento de acção sobre as alterações climáticas quando são aqueles que mais contribuem para o efeito de estufa e que, mesmo nestas circunstâncias, recusaram prestar o seu contributo e a sua obrigação para a resolução deste problema no Planeta, declarando, desta forma, mais uma guerra, uma verdadeira guerra ambiental ao mundo, que, de acordo com o último parecer do IPCC, poderá trazer, a médio prazo, consequências dramáticas aos níveis da saúde pública, social, ambiental e económico, sem fronteiras definidas.
A União Europeia tem, pois, a obrigação de fazer tudo para credibilizar o Protocolo de Kyoto, para a concretização da diminuição das emissões de gases com efeito de estufa, e, por isso, tem o dever imperioso de o cumprir e de atingir as metas determinadas.
Mas detenhamo-nos ainda sobre o conteúdo do relatório anual divulgado pela Comissão Europeia. Não restam dúvidas de que o potencial incumprimento das obrigações assumidas pela União Europeia se deve ao péssimo comportamento de países como Portugal. No "bolo" global correspondente ao objectivo de redução em 8% de gases com efeito de estufa, a União Europeia procedeu a uma repartição de encargos de diminuição de emissões entre os diferentes Estados-membros. Nesse âmbito, uns países, diminuíam, outros, aumentavam as emissões, tendo em conta os valores registados em 1990, com limites expressamente limitados.
Portugal foi o país da União Europeia que acordou o maior aumento de emissões (27%), questão, na altura, veemente contestada pelos ecologistas e, aliás, aproveitada na 6.ª Conferência das Partes para dar força à posição dos Estados Unidos na contestação do Protocolo de Kyoto, dado que havia países industrializados constantes do Anexo A, como Portugal, que, em vez de procederem a um esforço de diminuição, afinal, ainda tinham margem para aumentar significativamente as suas emissões.
Mas, mesmo neste quadro e perante as metas a que Portugal se comprometeu, o certo é que, em 2000, já o nosso país tinha ultrapassado em 16,6% os objectivos assumidos, ou seja, já tínhamos aumentado as nossas emissões de gases com efeito de estufa em mais de 40%, quando não deveríamos ultrapassar o aumento de 27%. Estávamos, e continuamos, perante um desnorte total nesta matéria. E aqui devemos remeter-nos, de imediato, para o estudo produzido pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, que referia expressamente que, na ausência de medidas positivas, Portugal, em vez de atingir os 27%, atingiria um aumento de emissões de 52%, em 2010, valor que o relatório da União Europeia já remete para perto dos 60%.
E a questão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que, em Portugal, apesar de se conhecer tudo isto, não se está a fazer nada com o objectivo que, neste momento, já tem de constituir um grande esforço para a redução das nossas emissões. O relatório da União Europeia diz expressamente que Portugal não tem estimativas em relação às metas que se poderiam atingir, através de políticas e medidas a tomar em diferentes sectores, como a indústria, a energia, os transportes, a agricultura, etc. Mas é preciso ter em conta que essa ausência de estimativas, de relação causa/efeito entre medidas e níveis de emissões, se deve à inexistência de políticas e acções concretas de combate às alterações climáticas. Temos uma Estratégia Nacional para as Alterações Climáticas e um Programa Nacional para as Alterações Climáticas que, afinal, não nos servem para nada, porque não são aplicados.
Peguemos no exemplo do sector dos transportes, que, de acordo com o relatório da União Europeia, é o sector que mais tem aumentado os níveis de emissões de gases com efeito de estufa e que apresenta uma tendência para continuar a evoluir. De 1990 a 2000, aumentou 18% e prevê-se que, até 2010, aumente mais 28%. Neste sector, Sr. Presidente e Srs. Deputados, Portugal é o único país da União Europeia - sublinho, o único Estado-membro - que não apresentou políticas e medidas tomadas no sector dos transportes, com vista ao combate às alterações climáticas.

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Os Verdes foram incansáveis nos alertas feitos na Assembleia da República e fora dela e, se o anterior governo teve responsabilidades nesta situação a que chegámos, este Governo não vai assumir responsabilidades menores.
O combate às alterações climáticas foi apresentado no programa eleitoral do PSD como uma prioridade ambiental. Quando discutimos aqui, na Assembleia da República, o Programa do Governo, Os Verdes alertaram e criticaram o facto de esse documento não fazer uma única referência às alterações climáticas e à necessidade de diminuição de gases com efeito de estufa. Deixou de ser uma prioridade ambiental. Provavelmente, por orientação do CDS-PP - sabe-se lá!…
Depois destes meses, a explicação está dada: é que, de facto, este Governo não tencionava fazer nada relativamente à matéria em causa. E esta certeza obtivemo-la mais quando, num órgão da imprensa nacional, tivemos oportunidade de ler, no fim-de-semana passado, um artigo de opinião do Sr. Secretário de Estado do Ambiente, que referia expressamente que a intenção do Governo português é "embarcar" totalmente na compra e venda de direitos de emissão, ou seja, na comercialização de créditos de quotas de poluição, sendo que Portugal se disponibilizará totalmente para a compra de créditos de emissão de gases com efeito de estufa a outros países ou a empresas de outros países, como a Alemanha e a Inglaterra, que têm os seus objectivos mais que cumpridos.
Portanto, face a este mecanismo que a União Europeia (mal, na opinião de Os Verdes) decidiu experimentar já em 2005, o Governo português considera remendar o problema podendo continuar a aumentar as emissões, sem fazer nada para inverter esta tendência, e o mercado - bem pago, diga-se de passagem - resolve o resto, na perspectiva do Governo. É a visão de "tapar o sol com a peneira" e contribuir, mais e mais, para o agravamento do problema das alterações climáticas. Isto, quando o Programa Nacional para as Alterações Climáticas referia, em 2001, que era possível cumprir as metas da redução com recurso apenas às políticas e medidas internas, sem a utilização de mecanismos de flexibilização. Assim houvesse vontade política nesse sentido!…
É também por isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que foi sem espanto que ouvimos o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente referir que as portagens na CREL são muito úteis em termos ambientais, como se se estivesse a tomar uma medida eficaz e de fundo na redução do transporte individual. Esquece o Sr. Ministro que as portagens não servem uma política de ambiente no sector dos transportes, quando, especialmente, não existem alternativas e ofertas concretas de opções diferentes, nomeadamente uma rede de transportes colectivos eficiente. Esta medida nada tem de preocupações ambientais; reduz-se a uma opção de pôr sempre os mesmos a pagar a obsessão do défice.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é possível continuar a admitir uma atitude profundamente irresponsável por parte de Portugal no que diz respeito ao combate às alterações climáticas. A demissão de intervenção do Governo em relação a políticas e medidas internas de redução de emissão de gases com efeito de estufa já lembra a atitude hedionda dos Estados Unidos da América no que concerne a efeitos práticos.
A Assembleia da República, no âmbito das suas competências de fiscalização da acção do Governo, deve procurar que o Governo inverta a sua opção, deve procurar o cumprimento dos objectivos a que nos propusemos no âmbito do Protocolo de Kyoto. Com esse objectivo, Os Verdes solicitarão a presença do Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente na Assembleia da República, o que esperemos aconteça rapidamente, enquanto é tempo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: No dia 19 de Novembro, o petroleiro Prestige afundou-se em frente da costa da Galiza. Hoje, continua a contaminar o mar e a terra.
Com este afundamento, 50 000 t de fuelóleo permanecem a 3500 m de profundidade, dentro de um casco gretado, que mantém a Espanha, França e Portugal em constante vigilância. Mais de 500 km de costa "envenenada", 26 000 pescadores parados e 6000 embarcações ancoradas. E este é um balanço ainda provisório desta calamidade.
O Prestige converteu-se numa verdadeira ameaça para a costa galega e para a costa portuguesa, uma ameaça imprevisível como são todos os acidentes deste tipo. E não exageraremos ao dizer que, no fundo do Atlântico, está uma bomba relógio!
Durante todo este processo, Portugal e a Galiza dividiram preocupações, angústias, insónias e trabalhos. Todos nós sabíamos da amizade e do carinho que a Galiza sempre nutriu por Portugal, mas, hoje, temos a tradução prática desse carinho, assim como o respeito e o agradecimento que o povo galego tem por Portugal, nesta circunstância difícil.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Recebi, em nome do CDS-PP, uma delegação de uma força política galega que me transmitiu esta mesma mensagem. Estou certo de que os diferentes partidos desta Casa receberam mensagem idêntica.
Na Galiza, as informações que eram escutadas com mais atenção na rádio e na televisão eram disponibilizadas, permanentemente, pelo Governo português. Nos meios de comunicação social de referência de Espanha, eram, e são, inúmeras as citações às instituições portuguesas que mais de perto estudavam este acidente. O Instituto Hidrográfico e o Instituto Superior Técnico, por exemplo, são hoje familiares ao público do país vizinho.
Com gratidão, o povo galego assistiu à aprovação de um voto na Assembleia da República Portuguesa, onde se exprimia total solidariedade com as populações afectadas.
O Governo, como aqui foi referido, defendeu o interesse nacional, defendendo a zona económica exclusiva portuguesa, ao não permitir a aproximação do Prestige.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E o Governo português foi célere na resposta que deu à iminência de perigo para Portugal: estudou, informou com verdade, procurou todos os meios que pudessem combater este perigo e disponibilizou-se a apoiar

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o envio de voluntários portugueses para a Galiza, para prestarem auxílio na limpeza das praias afectadas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, cerca de um mês após o acidente, importa registrar o excelente serviço que as Forças Armadas Portuguesas, o Instituto Hidrográfico, a Direcção-Geral da Autoridade Marítima, a Protecção Civil e os representantes dos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, das Obras Públicas, Transportes e Habitação, da Ciência e do Ensino Superior e dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas prestaram ao País.
Sr.as e Srs. Deputados: Este não é um dossier fechado! É urgente que se definam medidas de prevenção, dissuasão e combate aos crimes ambientais e que se reforcem os planos de contingência e os meios disponíveis para esse combate.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Este dossier deve ser estudado e discutido, sem polémicas estéreis, em busca de medidas de maior segurança para o transporte marítimo.
As marés negras não são fruto de casualidades. Empresas petrolíferas de todo o mundo aproveitam-se do laxismo do sistema de regulação, que não controla as suas actividades e as exime de responsabilidade.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É larga a lista de catástrofes como a que ocorreu com o Prestige: Erika, Exxon Valdez, Mar Egeo são nomes infelizmente célebres. Todas estas catástrofes receberam atenção política quando sucederam, mas, infelizmente, uma vez passada a onda mediática, as medidas preventivas caem no esquecimento, quando chocam directamente com o poderoso lobby petrolífero - e isto, até à próxima catástrofe.
Sr.as e Srs. Deputados: É minha intenção, com esta intervenção, chamar à atenção desta Câmara, do Governo e do público em geral para certos aspectos muito importantes.
Barcos como o Prestige existem em grande quantidade e centenas deles atravessam, regular e constantemente, o corredor de segurança em frente às costas portuguesa e galega.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Este não foi um problema casual. É um problema diário que urge resolver, para que não volte a acontecer!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Depois do desastre ecológico provocado, no Alaska, pelo Exxon Valdez, os Estados Unidos da América adoptaram, unilateralmente, o Oil Pollution Act, endurecendo os requisitos de segurança para os navios que se aproximem da sua costa.
Além do duplo casco, passou a exigir-se aos armadores uma garantia de 1000 milhões de dólares, bem como a existência de um representante da empresa em território americano, ao qual se possa exigir, com eficácia, eventuais responsabilidades civis. Isto fez com que só as melhores companhias operem nos Estados Unidos e que estas mesmas empresas sejam as primeiras interessadas em evitar acidentes.
A Europa só tomou as primeiras medidas significativas depois do afundamento do Erika em frente à costa da Bretanha, em Dezembro de 1999. O Conselho de Ministros dos Transportes da União Europeia adoptou, em Junho de 2001 um pacote de legislação em matéria de segurança marítima (Erika I) que incluía, além da exigência, a prazo, do duplo casco, a homologação das sociedades que emitem os certificados de segurança e o reforço das inspecções.
A este primeiro pacote de medidas, seguiu-se um outro, o Erika II, que prevê elevar a 1000 milhões de euros a responsabilidade civil por derramamento de combustível. No entanto, ao contrário do que se passa nos Estados Unidos da América, este pagamento não está a cargo do armador ou de quem o segura mas de um fundo de compensação nutrido por uma quota sobre o petróleo descarregado em portos europeus.
Este sistema garante assim o ressarcimento dos danos, mas carece, há que reconhecê-lo, do efeito dissuasor sobre os contaminadores.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - No transporte marítimo são as indústrias petrolíferas que, em última instância, decidem se utilizam o transporte mais económico ou o mais seguro, ficando sempre isentas da responsabilidade por esta escolha.
A frota mundial de navios de transporte de combustível (mais de 7000 no total) tem vindo a sofrer um constante envelhecimento nos últimos anos. A sua idade média ronda as duas décadas, mas mais de 60% supera os 15 anos; e, em 1985, a mesma percentagem não chegava a 25% do total. Estamos, pois, a assistir a um agravamento, em termos de segurança, das condições de transporte de combustíveis e de mercadorias perigosas.
Uma das questões que se coloca é o incumprimento sistemático das normativas de segurança por parte de países que facilitam bandeiras de conveniência. Este facilitismo faz com que as multinacionais do petróleo continuem a utilizar o transporte mais barato possível, não atendendo à qualidade desse mesmo transporte, que, normalmente, é feito com barcos altamente desgastados e com tripulações de nula qualificação profissional.
No caso do Prestige, por exemplo, todos os pormenores da sua operação tinham sido calculados para evitar impostos, obrigações do dono do barco e inspecções de segurança.
O importante para este tipo de companhias - há que reconhecer - é poupar, mesmo que isso ponha em causa a segurança. Esta situação não pode prosseguir.
Depois das decisões do último Conselho de Ministros dos Transportes da União Europeia que abordou este assunto, convém agirmos no novo quadro.
Os 15 aprovaram um conjunto de iniciativas para prevenir novas catástrofes ecológicas, que inclui a retirada imediata de circulação de petroleiros monocascos com mais de 15 anos, e acordaram também a possibilidade de os portos recusarem a entrada de navios que transportem substâncias

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perigosas e a possibilidade de estes navios serem alvo de inspecções reforçadas. Até agora, e de forma aleatória, apenas 25% dos navios eram inspeccionados.
Em Espanha, através de real decreto, o governo prepara-se também para combater o "mau transporte de substâncias perigosas". Neste real decreto encontramos uma proibição à entrada de todos os petroleiros de casco único que transportem substâncias perigosas, qualquer que seja a sua idade e bandeira, em qualquer porto ou terminal marítimo espanhol.
A Espanha prepara-se também para aumentar as inspecções a navios que entrem na sua zona económica exclusiva, tentando salvaguardar a segurança da navegação e prevenir a contaminação do meio marinho.
Sabemos que o Governo português está já a preparar a adopção, sem demoras, das normas nacionais às novas directivas comunitárias, de que o nosso país foi, e bem, um dos principais apoiantes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Só uma cooperação forte e eficaz dos países da fachada atlântica (Portugal, Espanha e França) poderá evitar este tipo de acidente. É preciso que se aperte o controlo dos navios que operem nas zonas da fachada atlântica. O aumento da fiscalização quer a navios incumpridores quer a navios que evidenciem perigo aparente é prioritário. E esta fiscalização deve ser acompanhada por uma vigilância exaustiva e pró-activa de todos os barcos que transportem fuel, alcatrão, derivados do petróleo e produtos tóxicos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, é urgente que as medidas previstas nos pacotes Erika I e Erika II entrem efectivamente em acção e é importante que se garanta que a União Europeia não se demita das responsabilidades que tem.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O Governo português tem de ser ousado, implacável e intransigente na defesa destas preocupações junto da União Europeia. Temos vantagem numa legislação europeia unificada e não em legislações dos vários países, se bem que fortemente convergentes.
Na ressaca de mais uma catástrofe ambiental cabe-nos a responsabilidade da acção, sendo que, neste caso, a melhor acção é garantir a melhor prevenção.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que Portugal, a par de uma acção, digamos, normativa e fiscalizadora da União Europeia, deve prosseguir com firmeza e determinação o desejo de abrigar entre nós a Agência Europeia da Segurança Marítima, pretensão que vimos defendendo desde há vários anos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia trouxe a Plenário uma questão extremamente importante, para a qual Os Verdes há muito chamam a atenção, que é a da segurança marítima, da prevenção da poluição e da necessidade absoluta de termos uma política do mar, que não se feche em retórica estéril.
Aliás, Sr. Deputado, presumo que chamou a atenção para algo que nos parece evidente ao manifestar a sua solidariedade com a Galiza e sublinhar o papel extremamente importante que o Instituto Hidrográfico português tem tido no apoio à comunidade da Galiza. A este propósito devo dizer que, na sexta-feira, estive numa reunião com os autarcas de Vigo e tomei consciência de que se não fosse o Instituto Hidrográfico português os espanhóis, pela censura que as autoridades de Espanha têm imposto, pura e simplesmente, não teriam tido qualquer informação.

Vozes do CDS-PP e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Aliás, admito que a sua intervenção seja um desabafo e uma crítica velada ao facto de ver, amargamente, institutos com um papel tão importante serem "asfixiados" financeiramente pelo Orçamento do Estado - e estes institutos são fundamentais, porque têm o conhecimento,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - … para resolverem situações de manifesta gravidade como esta.
Sr. Deputado, todavia, há uma coisa que eu gostaria de dizer. Como sabe, Os Verdes não subscreveram o voto de solidariedade para com a Galiza, e o sentido do nosso voto foi muito claro. Aliás, fomos o único partido nesta Câmara que se absteve em relação a esse voto, porque - e nisto estou inteiramente de acordo consigo - a gravidade da situação em desastres desta dimensão tornam evidente que, por um lado, a poluição não conhece fronteiras e que, por outro, há muito pouco a fazer quando se deixa para trás a prevenção. E, a meu ver, a lição que importa retirar daqui é: o que vamos fazer a partir de agora.
Neste sentido, Sr. Deputado, muito francamente espero que a sua bancada não continue a inviabilizar algumas propostas de Os Verdes, estando já uma delas agendada para o próximo dia 8 de Janeiro, porque, apesar de estar de acordo consigo, quando diz que é importante que os pacotes Erika I e Erika II, aprovados em 1999, "saiam da gaveta" e sejam tornados realidade, a verdade é que, tanto o Sr. Deputado como eu, tememos os interesses da União Europeia e o risco de algumas das medidas que agora Copenhaga vagamente enuncia poderem "tropeçar" nesses grandes interesses, nomeadamente do Reino Unido e da Holanda.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua, pois já se esgotou o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente, com uma pergunta concreta.
Sr. Deputado, concordo que é preciso uma intervenção conjunta, a qual, na nossa opinião, não dispensa que se utilize o exemplo dos Estados Unidos da América - a intervenção conjunta não nos dispensa de agir em defesa própria. Ora, sendo esta uma das propostas que Os Verdes já enunciaram, e vão apresentar, o Partido Popular apoiará uma medida semelhante àquela que as autoridades de Madrid tomaram em relação ao seu próprio território?

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, fico muito satisfeito por a minha intervenção ter provocado uma pergunta largamente consensual da parte da bancada de Os Verdes. Penso que os problemas ambientais são largamente transversais a todos os partidos políticos, e, portanto, pensarmos que havia o monopólio de iniciativa nesta matéria era diminuirmos a importância dela mesma.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Julgo que Os Verdes estão naturalmente contentes por um partido como o meu ter estas preocupações, e tem-nas há muito tempo.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, não sou um homem de desabafos, mas quero dizer-lhe que não precisei de ir a Vigo, na sexta-feira, visitar os estragos. Na verdade, eu já lá tinha estado antes, não dei foi conhecimento à comunicação social.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Gosto de tratar estas questões com discrição, e devo dizer-lhe que fiquei profundamente chocado com o estado de destruição da costa galega, e vamos ter ali um problema durante muito tempo. E também tive ocasião de ver o crédito da boa actividade dos organismos portugueses nesta matéria, principalmente a desempenhada pelo Instituto Superior Técnico e pelo Instituto Hidrográfico português - basta ler a imprensa espanhola, seja o El Pays ou o ABC, e, se quiser, tenho comigo os recortes de imprensa, para ver que usam frequentíssimas vezes os mapas de situação fornecidos por estes organismos.
Ora, isto leva-nos a pensar que, em termos da União Europeia, tem de existir um conjunto de países, que denomino de "fachada Atlântica" (Portugal, Espanha e França), que actue, porque, normalmente, passada a onda da emoção, surgem os interesses laxistas que a Sr.ª Deputada Isabel Castro nomeou e que, por norma, estão ligados aos benefícios da exploração comercial, sem terem em conta os riscos da má exploração comercial, como seja, por exemplo, o transporte feito sem as devidas precauções.

Vozes do CDS-PP: - Exacto!

O Orador: - Sr.ª Deputada, quero garantir-lhe que, se a proposta de Os Verdes tiver a bondade técnica, não teremos qualquer hesitação em a apoiarmos. Há muito que dizemos que para apoiarmos determinado número de propostas é, para nós, importante que haja, digamos assim, competência técnica. Eu próprio tenho dito várias vezes que o que não é tecnicamente demonstrável não é politicamente defensável!
Em contrapartida, também espero que a Sr.ª Deputada venha, aqui, louvar as iniciativas das transcrições da legislação comunitária, a qual está, segundo sei, prevista pelo Governo para breve.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sem partis pris, defenderemos os interesses do País e do meio ambiente correcto.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Capoulas Santos.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Cimeira de Copenhaga, concluída no passado dia 13, revelou dois aspectos profundamente negativos para o nosso país, sendo o primeiro para os agricultores.
A agricultura portuguesa, digo-o com mágoa, averbou a maior derrota desde a adesão de Portugal à União Europeia e perdeu um montante de apoios financeiros que pode atingir cerca de 130 milhões de euros por ano.
O segundo aspecto negativo tem a ver com a exposição pública do comportamento do Sr. Primeiro-Ministro. Ao proclamar alto e em bom som uma clamorosa vitória para o País, procurando iludir grosseiramente os portugueses, veio confirmar uma infeliz falta de sentido de Estado e dar um contributo mais para o descrédito das instituições políticas e dos seus titulares. Nesta qualidade, senti-me envergonhado pela atitude demagógica e irresponsável do Primeiro-Ministro do meu país naquela circunstância.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por que é que, contrariamente ao que foi dito pelo Primeiro-Ministro, Portugal perdeu em Copenhaga?
A agricultura portuguesa perdeu clamorosamente na frente europeia, porque este foi o segundo momento que pôs a nu a suicida estratégia adoptada pelo actual Governo, a qual tenho vindo a denunciar, e continuarei a fazê-lo, com toda a veemência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O primeiro momento foi o Conselho de Bruxelas, em 25 de Outubro, onde, sem um lamento do Governo e com a sua total anuência, foi acordado congelar o orçamento futuro da Política Agrícola Comum (PAC) e reparti-lo por mais 10 ou 12 Estados-membros.
O PSD é não só o responsável pela situação actual da agricultura portuguesa face à PAC - foi um ministro do PSD que negociou a adesão, tendo como chefe de fila das negociações técnicas o actual titular da pasta -, como não tem qualquer ideia quanto ao futuro da agricultura europeia.
A situação deixada pelo governo do PS quanto a esta matéria foi substancialmente melhor do que a que encontrou em 1995, ainda que continuemos inconformados com a situação actual, e daí a luta incessante que temos mantido, e continuaremos a manter, para alterar o actual modelo da PAC, única forma de alterar a situação que, incompreensivelmente, o Governo do PSD insiste em manter.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O governo do PS nos seis anos do seu mandato obteve mais quotas e direitos de produção ou

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valores unitários mais elevados em quase todos, ou todos, os dossiers: no açúcar de beterraba obteve mais 17%; nos bovinos mais 30 000 prémios; nos citrinos mais 28%; no leite obteve mais cerca de 100 000 t, incluindo as 73 000 t transitórias para os Açores; no olival mais 30 000 ha; na pêra mais 66%; na vinha mais 25 000 ha de novos direitos de plantação e outros 20 000 ha para restruturação; no tomate mais 213 000 t; e no trigo rijo mais cerca de 83 000 ha.
Mas o governo do PS conseguiu ainda um maior volume de meios financeiros para o País.
As verbas do FEOGA para o desenvolvimento rural cresceram 114%, a tal ponto que, para 2003, o Ministério da Agricultura requereu menos 10 milhões de contos do que o plafond atribuído a Portugal por não ser capaz de os utilizar.
As transferências do FEOGA, através da Organização Comum de Mercado, aumentaram cerca de 150 milhões de euros/ano, no período de 2000/2006. O FEOGA-Orientação, que financia o quadro comunitário de apoio aumentou para o mesmo no período mais 13,6%.
Mais: Portugal, com os ganhos obtidos pelo governo do PS, deixou de ser contribuinte líquido da PAC em 2001, situação que se verificou até essa altura.
Em 1993, esse contributo negativo era de 246 milhões de euros; em 1998, era de 107 milhões de euros, e hoje é já positivo.
Em Copenhaga o Governo não só não obteve um único dos objectivos que fixou (e publicitou), como saiu da Cimeira com a confirmação da redução do orçamento agrícola para o período pós 2006, decidida em Outubro, em Bruxelas, e que, no caso português, pode ascender a cerca de 130 milhões de euros/ano. O Governo não só não obteve qualquer aumento de quotas nas actividades que pediu (leite, açúcar, algodão, trigo rijo, milho e bovinos), como, contrariamente ao que tem proclamado - e ainda hoje, falsamente, um ilustre Deputado do PP, que acaba de se ausentar da Sala, repetiu-o, em artigo de jornal -, não viu reconhecida especificidade de coisa alguma; antes, se agarrou ao reconhecimento, esse, sim, obtido em 25 de Março de 1999, na Cimeira de Berlim, pelo Primeiro-Ministro António Guterres.

Aplausos do PS.

Para que não subsistam dúvidas, passo a citar a declaração inscrita no Comunicado Final do Conselho de Copenhaga: "Portugal solicitou ao Conselho Europeu que tomasse medidas em consonância com as Conclusões do Conselho Europeu de Berlim, de 24 e 25 de Março de 1999, sobre a especificidade da agricultura portuguesa.
O Conselho Europeu registou que Portugal considera que subsiste um problema específico decorrente da forma como a PAC é actualmente aplicada à agricultura portuguesa. Para o efeito, a Comissão foi convidada a apresentar um relatório de análise da situação e ainda a estudar a situação noutros pontos da União Europeia onde possam existir problemas específicos da mesma natureza.". Esta é a declaração de Copenhaga, esta é uma declaração que vale zero!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que acabo de dizer, o PS responsabiliza integralmente o Governo e os seus aliados de ocasião pelas consequências negativas futuras para o sector agrícola resultantes da desastrosa estratégia negocial adoptada e cujos resultados, infelizmente para o sector e para o País, começam a ser dramaticamente visíveis. Eles resultam também da demagogia desenfreada utilizada na campanha eleitoral, prometendo aumentos de quotas de produção e de montantes de valores unitários de ajudas a tudo e a todos, com o único objectivo da conquista do poder a qualquer preço. O PS não calará nunca a denúncia das promessas incumpridas e das políticas erradas e estará na oposição, com a mesma firmeza e determinação, na defesa dos interesses da agricultura nacional e dos consumidores, como esteve antes de 1995 e depois no Governo.

Aplausos do PS.

O País, os agricultores portugueses e os consumidores sabem que podem contar com o PS e com a clareza das suas posições na busca de uma política agrícola comum socialmente mais justa e mais equilibrada entre Estados-membros, regiões da Europa e agricultores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Coimbra tem sido, nos últimos anos, alvo de algumas afrontas e muitos esquecimentos. Nos últimos sete anos, foi notícia pelas malfeitorias com que o governo de então soube brindar uma cidade e uma região que o não merecia.
Lembro o episódio da intenção do governo socialista lá instalar a co-incineração de resíduos perigosos, à qual, em boa hora, o actual Governo pôs termo.
Lembro ainda o completo abandono a que foi votado o meio empresarial e industrial - assisti ao seu desmembramento e progressivo definhar -, com um olhar distante e sobranceiro do mesmo governo socialista.
Lembro ainda o hospital pediátrico e o tribunal de justiça que nunca passaram de vãs promessas do mesmo governo socialista.
Mas se o governo socialista foi ingrato para Coimbra, tal só foi possível pela postura laxista e incompetente do poder autárquico socialista que governou o concelho nesses tempos. É talvez a esse mesmo governo socialista autárquico que devemos atribuir as responsabilidades pelas afrontas a que Coimbra foi sujeita e que a sua região sofreu, porque foram incompetentes, arrogantes e, com a sua atitude, prejudicaram, em alguns casos irremediavelmente, o futuro da nobre cidade de Coimbra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento, pretendo centrar a minha intervenção num caso que poderá ficar na história como um exemplo do desgoverno e irresponsabilidade que pautou a actuação do governo socialista - trata-se da, já famosa, ponte Europa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vivíamos o período negro da ameaça da co-incineração. O governo socialista ameaçava tudo e todos, exibindo uma arrogância, mas, felizmente, a sociedade

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civil, os partidos da oposição de então e algumas honrosas excepções socialistas, como é o caso do Sr. Deputado Manuel Alegre, conseguiram travar tal ameaça, que o actual Governo definitivamente afastou.
O poder socialista autárquico de então, fruto de uma gestão desastrosa, exigia contrapartidas para tentar iludir a opinião pública e, para isso, lá conseguiu que o projecto da ponte Europa fosse por diante - ideia que, aliás, já tinha vários anos de espera. Estávamos em 1999, ano de eleições legislativas, quando, em Abril, foi lançado pelo Instituto das Estradas de Portugal (IEP) um projecto-base. Com base neste projecto, é lançado o concurso de projecto de execução e construção, que foi adjudicado em Novembro de 1999 e consignado em 5 de Janeiro de 2000.
Todos lembramos esse premonitório dia, em que o Sr. Ministro do Equipamento Jorge Coelho, com uma grande comitiva, anunciava, com pompa e circunstância, que a obra teria de ser cumprida nos prazos e custos pré-determinados, ou seja, 700 dias. Ameaçava até que não admitiria nem mais um dia, nem mais um escudo - era assim que titulava a imprensa da época!
Compreendia-se bem o ênfase da questão dos 700 dias: é que era necessário que a obra estivesse terminada antes das eleições autárquicas de Dezembro de 2001. Só que a pressa é inevitavelmente inimiga da eficiência e da boa gestão dos dinheiros públicos, e assim aconteceu o que é já hoje uma vergonha não para Coimbra mas para Portugal e para os contribuintes, que somos todos nós.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a verdade é que, desde o início da obra, tudo ficou bem às claras: por um lado, porque a obra parou logo nos dias a seguir, por as expropriações não estarem sequer concluídas. Mais tarde, em Agosto de 2001 - repito, em Agosto de 2001 -, começa o conflito de responsabilidades técnicas, de eventual má concepção e/ou execução da obra. Nesta altura, ninguém quis assumir qualquer responsabilidade, e lá continuou tudo como se nada acontecesse, porque as eleições a isso obrigavam.
Entretanto, muda a tutela e a pasta passa para a nova equipa ministerial - o Dr. Ferro Rodrigues -, que nada fez para debelar os problemas já claramente detectados. É já em 2002 que o conflito entre o IEP e o consórcio construtor se agudiza e surge, como epílogo, a paragem das obras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os prejuízos para Coimbra são inevitáveis, mas importa, antes de tudo, responsabilizar quem cometeu tais actos, que, como se prova, foram ditados pela vontade política para cumprir calendários eleitorais, pois não há memória de uma obra desta envergadura ter sido lançada como esta foi. Mais, é preciso denunciar que, para que esta obra se realizasse e fosse apoiada pelo Fundo de Coesão, o governo socialista, com a anuência dos autarcas socialistas de então, alterou o IC3, e fê-lo de tal modo que classifico-a como o maior atentado perpetrado contra Coimbra, pois ficámos privados de uma verdadeira circular externa que desviaria o trânsito nacional da cidade. Pasme-se, meus senhores, que passou pela cabeça daqueles senhores fazerem passar o IC3 pelo centro da cidade de Coimbra, dividindo-a em dois! É uma vergonha!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tudo isto se passou e nós exigimos responsabilidades, quer aos que as cometeram por acção, quer aos que as cometeram por omissão. Isto porque a obra foi dada como tecnicamente impossível de realizar, o que obrigou à revisão do projecto, de fio a pavio (o que, aliás, ainda decorre), e tudo aponta para que o custo final dobre o custo inicial - estamos a falar de milhões de contos que tanta falta fazem para outras obras -, só em obra a mais, os custos já ultrapassam os 2 milhões de contos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As gentes de Coimbra, o seu Presidente de câmara, Dr. Carlos Encarnação e os Deputados do PSD eleitos por este círculo eleitoral não aceitam o actual estado de coisas. É imperioso que haja uma solução imediata, sob pena de se esgotar a paciência dos cidadãos, além de que, cada dia que passa, a obra só fica mais cara.
Assim, apelamos aos actuais responsáveis a que encontrem uma solução rápida para a imediata retoma da obra, mas também a que não fiquem impunes aqueles que, irresponsavelmente, são os autores morais deste desastre, que muito se assemelha ao caso do Metro de Lisboa.
O aparecimento de casos sucessivos de leviana gestão de fundos públicos ilustra bem a incompetência e a cega obediência a propósitos eleitorais, que, em muitos casos, foram o único motivo da governação socialista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, em bom rigor, está já esgotado, até com excesso, o tempo destinado às intervenções do período de antes da ordem do dia.
Mas há ainda a inscrição do Sr. Deputado Victor Baptista, para pedir esclarecimentos, a quem vou dar a palavra, com a tolerância de todos, incluindo a minha, não sem antes lhe pedir o favor de ser breve.
Tem a palavra, Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, e caro amigo, Paulo Pereira Coelho, são sempre bem-vindas as intervenções sobre Coimbra, em particular quando elas permitem recordar aquilo que foi algum trabalho desenvolvido pelo governo anterior no distrito de Coimbra.
Desde logo, devo dizer que é, para mim, uma surpresa que o Sr. Deputado venha trazer à Assembleia da República uma preocupação sobre a construção do novo hospital pediátrico em Coimbra quando, ainda recentemente, aquando da discussão do Orçamento e do PIDDAC, aqui mesmo, nesta Casa, a maioria votou contra uma proposta apresentada pelo PS, sem qualquer explicação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para além disto, fala num conjunto de investimentos - vou recordar-lhe alguns investimentos que o governo anterior fez no distrito.
Recordo-lhe, porque é sempre bom fazê-lo, particularmente a estrada nacional n.º 342. O então Ministro, o Engenheiro Ferreira do Amaral, nem sequer recebia os autarcas do distrito para a construção ou reconversão desta via importante, foi o governo anterior que, depois dessa luta de mais de 10 anos, conseguiu concretizar esse investimento.
Recordo-lhe também uma outra obra, o troço Arzila/Taveiro, que V. Ex.ª bem conhece. O vosso governo anterior tinha projecto e expropriações pagas há mais de 20 anos, foi governo durante 10 anos, e não iniciou sequer a obra. No entanto, a primeira fase, o primeiro troço está construído e é ao governo anterior, naturalmente, que também se deve.

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Mas não foram só estradas que se fizeram no nosso distrito, Sr. Deputado; o concelho de Oliveira do Hospital, que tão bem conhece, também passou a contar com o ensino superior politécnico, que tão importante é para o seu desenvolvimento.
O Sr. Deputado chamou à colação a co-incineração… Pensei que, neste momento, o Governo, a maioria PSD e PP, já teria uma solução nesta matéria para o País. Afinal, o que é que observamos? Decorreram mais de oito meses e o Governo não tem soluções, não tem alternativas e não tem propostas concretas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem assim se comporta, tem, evidentemente, poucas possibilidade para criticar seja o que for!
Mas recordo-lhe mais algumas outras obras.
Como sabe, a ligação de Coimbra a Figueira da Foz, por auto-estrada, foi uma obra iniciada e concluída pelo anterior governo, e sempre defendemos que as auto-estradas deveriam ter portagens pagas, como bem se recorda. Mas tenho uma dúvida, que é a seguinte: é verdade ou é mentira que, agora, o Governo se apressa a passar a portagem de Montemor-o-Velho para a Figueira da Foz? Espero bem que isto não seja mais uma contribuição para resolver as dificuldades orçamentais do próprio Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Para terminar, recordo-lhe a obra do porto da Figueira da Foz. Com intervenção do anterior governo, hoje é possível entrarem barcos de 3000 t no porto, que tão importante é para o desenvolvimento da região e do distrito de Coimbra em particular.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Baptista, da sua pergunta, que agradeço, retiro desde logo a seguinte ilação: V. Ex.ª preferiu falar de tudo menos daquilo que eu falei. Ou seja, eu falei em ponte Europa; V. Ex.ª, se calhar, com algum peso na consciência, prefere falar sobre caminhos, atalhos, derivações, eventuais caminhos menos próprios...!
Seja como for, quero dizer-lhe que lamento porque V. Ex.ª até teve algumas responsabilidades nessa trapalhada que foi a divisão dos Institutos de Estradas e por isso deveria também aqui ter contribuído para o esclarecimento do que se passa com esse escândalo que é a ponte Europa. Foi disso que eu falei! Lembrei ligeiramente a questão da co-incineração, que sei que é algo que o atrapalha.
Entretanto, V. Ex.ª aproveitou para dizer outra coisa que todos nós, nesta época que estamos a atravessar, não deixámos de registar com apreço: é que V. Ex.ª também pertence àquela faixa do PS que é a favor das auto-estradas com portagem! Por isso é que folgo em vê-lo a defender também esse desiderato, que é importantíssimo - aliás, fica-lhe bem e, por isso, felicito-o! Mas gostaria que V. Ex.ª uma vez, pelo menos, tivesse pronunciado estas duas palavras: ponte Europa. Não o fez porque V. Ex.ª sabe que foi, de facto, o maior atentado feito contra Coimbra, contra os dinheiros públicos, contra os contribuintes, e VV. Ex.as, se não tivessem a consciência pesada nessa matéria, já teriam sido os primeiros a vir colocar aqui o problema, porque agora o Governo já não é vosso - se não o fazem, é porque bem sabem que todos vós, em conluio, perpetraram aquele atentado contra Coimbra. Essa é que é a grande verdade! Isto dói-vos! E que fique bem claro para a posteridade que VV. Ex.as têm de ser responsabilizados por tudo aquilo que fizeram ou, por outra, pelas tais obras que deveriam ter feito e que não concretizaram.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Ministro da Presidência, que a solicitou ao abrigo do artigo 83.º, n.º 2, do Regimento, para uma intervenção subordinada ao tema: novas opções para o audiovisual. Conforme o que dispõe o Regimento, tem 10 minutos para a sua intervenção. Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, fiz questão de vir pessoalmente apresentar à Assembleia da República as novas opções para os operadores públicos de televisão e rádio e para o sector do audiovisual. Era necessário definir opções, partindo da RTP e da RDP, que marcassem todo o sector do audiovisual, resolvendo bloqueios que têm mais de 10 anos, actuando na regulação, na integração entre televisão, telecomunicações, cultura e educação, e na interacção com os operadores privados e a produção de conteúdos. E é como conjunto que estas opções devem ser avaliadas - uma pedra sozinha não faz uma casa, mas um conjunto de pedras soltas também não!
O que vos apresento é um edifício completo e estruturado de medidas que, no seu conjunto, procedem a uma reestruturação até agora nunca feita em todo o sector do audiovisual...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... partindo da certeza - que para nós, ao contrário de outros, nunca esteve em causa - da importância do serviço público de televisão.
A televisão pública e o serviço público de televisão são factores indispensáveis à coesão nacional e à identidade cultural. Esta foi, desde o início, a nossa convicção, não por causa do Estado, não por causa dos privados mas por causa do interesse dos portugueses. E foi partindo desta certeza que alicerçámos as nossas opções: na regulação - o Governo aposta numa nova instância reguladora que concentre e centralize as competências de regulação hoje dispersas; no serviço público - queremos um serviço público de qualidade nos conteúdos, independente face aos vários interesses, criterioso na gestão dos recursos públicos que lhe estão afectos. Queremos uma ética de antena que recuse a violência, o "voyeurismo", a vulgaridade e a desinformação,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… em que é fundamental que os operadores privados participem, de forma mais activa, através de janelas de programação no serviço público de produção independente e programas de serviço público nos canais privados, através

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de conteúdos para a RTP Internacional e RTP África e através do apoio à produção independente de conteúdos pelo ICAM. Este é um ponto que, só por si, constitui uma mudança radical no sector do audiovisual.
Nos operadores públicos, a RDP Antena 1 será reestruturada; a Antena 2 deve aproximar-se dos públicos jovens, abrir-se à produção cultural e procurar parcerias com produtores de conteúdos de forma a ganhar novos públicos; a Antena 3 mantém-se na RDP porque entendemos que é indispensável para a reestruturação e a dinamização do conjunto da empresa.
Sr.as e Srs. Deputados: A RTP está em franco processo de rejuvenescimento.
Queremos uma RTP ambiciosa, que acredite em si própria, apostada em conteúdos diferenciados face às televisões privadas, que incentive a produção independente de conteúdos, que assuma novamente responsabilidades na formação de novos quadros, que se sustente economicamente sem dependência de publicidade, em suma, que efectivamente cumpra serviço público de televisão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, cumprindo o Programa do Governo, a televisão pública manterá apenas um canal generalista de serviço público, o Canal 1.
Nas emissões regionais haverá um processo gradual de autonomização no respeito pelas obrigações de serviço público das emissões regionais.
Nas emissões internacionais levaremos até ao fim a reestruturação já iniciada. A RTP Internacional e a RTP África integradas passarão a incluir conteúdos dos operadores privados já acordados entre o Estado e esses operadores.
Nas emissões por cabo lançaremos o canal memória e o canal regiões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No primeiro caso, ultrapassando uma indesculpável omissão de utilização de um património nacional único que são os Arquivos da RTP; no segundo caso, aproveitando a estrutura da RTP para estabelecer uma ligação mais próxima entre as populações e as suas regiões e, no aproveitamento desses conteúdos, entre os nossos emigrantes e a sua terra natal.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Falemos do Canal 2. Perante a hipótese de o manter no seio do operador público de televisão, utilizando-o ou não, ou de o entregar aos privados, preferimos uma opção muito clara: a sua entrega à sociedade civil.

O Sr. José Saraiva (PS): - O que é isso?

A Sr.ª Maria Santos (PS): - O que é a "sociedade civil"?

O Orador: - Será um canal aberto à sociedade no que configura um desafio a todas as instituições com vocação e interesse…

O Sr. José Saraiva (PS): - O que é isso?

O Orador: - Oiça que percebe.
Como eu dizia, será um canal aberto à sociedade no que configura um desafio a todas as instituições com vocação e interesse na produção de conteúdos televisivos com natureza de serviço público para a realização de uma parceria comum. Trata-se de um modelo que define as respectivas áreas de programação, sendo que os parceiros institucionais são desafiados a desenvolvê-lo e aos quais será concessionado.
Pretendemos que seja uma via de comunicação e de relacionamento directo entre esses diferentes parceiros e o público sem intermediação do Estado. Terá particularmente as seguintes áreas de vocação: cultura, educação, acção social, desporto amador, produção independente, cinema português e experimentalismo audiovisual.
Este modelo, apoiado inicialmente pelo operador público, que se manterá como parceiro, terá uma gestão económico-financeira autónoma procurando a auto-sustentação com um orçamento global inicial que se estima, desde já, em 50% do orçamento actual do Canal 2. Há quem diga que a sociedade civil é uma "bela adormecida". Aproveite a sociedade esta oportunidade para acordar e demonstrar que sabe ser activa. É este o desafio.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto ao modelo económico da RTP e da RDP e ao seu financiamento pelo Estado o Governo entende que a RTP não dependerá para o seu normal funcionamento dos proveitos de publicidade, em coerência com o conceito de serviço público de referência e como incentivo a uma programação não determinada apenas pelos níveis de audiência.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, é importante ainda assim a manutenção de publicidade na televisão pública como elemento componente e caracterizador do modelo de televisão, como garante de uma ligação saudável ao mercado, porque constitui uma alternativa para os anunciantes de televisão, contribuindo assim para normalizar o mercado que é hoje disfuncional e que o seria ainda mais em regime de duopólio.
Em relação ao Canal 1, canal generalista, proceder-se-á, assim, a uma redução de publicidade que poderá repetir-se até ao limite do nível da publicidade institucional em função da análise da situação da RTP, do mercado e da interacção com os operadores privados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é o resultado de um trabalho que tem vindo a ser desenvolvido desde há seis meses. Gostaria, por isso, brevemente de lhes dar conta de várias medidas já tomadas e resultados já alcançados: extinção da direcção-geral de antena com autonomização da informação e programação; redução dos custos de grelha com uma poupança de 20 milhões de euros já em 2003; redução dos custos de funcionamento das RTP/RDP em 110 milhões de euros entre 2001 e 2003.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Redução dos custos com o futebol, estimando-se uma poupança de 7 milhões de euros em 2003; redução prevista de mais de 600 funcionários na RTP e em empresas participadas só até ao final de 2002, sempre em clima de mútua cooperação; criação de uma central de compras e redução de fornecimentos externos com uma

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poupança de 6 milhões de euros em 2003; alienação da TV Guia com um défice de 2,5 milhões de euros por ano; partilha das estruturas dos centros regionais com o encaixe na alienação de instalações de 1,5 milhões de euros; implantação da futura sede conjunta com uma estimativa de encaixe de 90 milhões de euros.
A verdade é que no audiovisual, como em outros sectores do País, em apenas seis meses, fez-se mais do que nos últimos seis anos. Há seis meses dei-vos os pontos cardeais do caminho que o Governo queria traçar; apresentamos, hoje, a mais profunda reforma integrada já feita na RTP, na RDP e no sector do audiovisual.
Nestes seis meses provámos que é possível melhorar e mudar, que não nos impressionamos nem recuamos perante as dificuldades.
O caderno de encargos está, pois, definido, os instrumentos clarificados, a nossa determinação é a de sempre. Não nos afastaremos do caminho que nos levará às metas traçadas, porque acreditamos firmemente que só assim estaremos a servir o interesse dos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - À intervenção do Sr. Ministro da Presidência segue-se, também para uma intervenção, o Sr. Deputado Francisco Louçã.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Morais Sarmento, em oito meses, esta é a terceira proposta que nos apresenta para a RTP. Era bom que tivéssemos a certeza de que "esta é para contar", porque é preciso acabar com esta instabilidade. Por isso, vou fazer um comentário e três críticas.
Primeiro: estamos de acordo com a criação de uma entidade reguladora do audiovisual - aliás, já o tínhamos proposto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Acolhemos essa convergência e parece-nos indispensável que assim aconteça.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Estou convencido de que as três críticas merecerão o igual aplauso das bancadas da maioria.
Primeira: Sr. Ministro, não é aceitável reduzir a publicidade da RTP sem contrapartidas orçamentais que garantam o seu funcionamento, mas muito menos aceitável é não ter querido tomar a decisão, que era indispensável, de regular a publicidade também nos privados, nomeadamente de proibir a publicidade dentro dos blocos informativos. Há consenso largo na sociedade para isso, era uma questão de determinação, a qual lhe faltou!
Em segundo lugar, gostaria de saber, Sr. Ministro, o que é que faz com os Arquivos da RTP. Eles vão para a Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (ANIM), mas de quem é a propriedade desses Arquivos? É uma delapidação patrimonial da RTP (porque é uma riqueza incalculável!) ou, pelo contrário, é uma forma de gestão?
Terceira crítica, e fundamental: não fica claro o que é que quer com a RTP 2. Que venham Universidades ou fundações para participar na RTP 2, ainda bem! Mas quem as vai escolher é o Governo ou são os amigos do Governo? E a "sociedade civil", que não sabemos onde é que tem morada e número de telefone, como é que vai gerir a RTP? Como é que vai gerir pessoas e finanças na RTP? Como é que vai escolher grelha ou informação da RTP? Desconfio que os meios e as decisões são da própria RTP, mas se a RTP garante tudo, então por que é que perde a licença do canal?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, pelo que terá de concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Isso não tem sentido, a não ser que estejamos perante um "cavalo de Tróia" que anuncia a privatização ou a destruição do Canal 2, para a qual aliás precisa de uma lei desta Assembleia.
Não lhe peço, Sr. Ministro, que nos apresente soluções justas ou decididas, ou que sequer concordemos com elas, mas esperava só que apresentasse propostas clarificadoras, com cabeça, tronco e membros, o que infelizmente não fez aqui.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Seguidamente, também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, para o que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, o Sr. Ministro Morais Sarmento trouxe um conjunto de medidas que pressupõem uma alteração extensa da legislação, nomeadamente leis da Assembleia da República e mesmo da Constituição da República Portuguesa, no que respeita à legislação referente à Alta Autoridade para a Comunicação Social.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Ora bem, enquanto estas alterações não forem feitas, o Governo tem que cumprir a lei actual e o quadro legislativo que está em vigor.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Aliás, o Governo não pode dar por adquirido um quadro legal que não foi sequer ainda apresentado. E isto é tanto mais importante, Sr. Ministro, quanto é importante clarificar que tutelar a empresa não é governar pela televisão e talvez seja pela razão que vou aduzir que vemos aqui tão poucos Deputados da maioria a assistir a este debate.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Oh...!

O Orador: - É que, primeiro, o Sr. Ministro convoca uma conferência de imprensa; segundo, dá entrevistas aos canais de televisão; e, terceiro, no dia seguinte, vem trazer um documento à Assembleia da República que está disponível desde ontem na Internet. Sr. Ministro, isto é uma falta de respeito para com um órgão de soberania!

Aplausos do PCP.

Sr. Ministro, muito rapidamente, quanto ao telenegócio da publicidade, é de perguntar qual é a justificação

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para esta medida que não seja a de favorecer os canais privados. É que aqui o mercado já não é bom para VV. Ex.as, já não é bom para o Governo, que intervém activamente no mercado, impedindo a RTP de ter acesso à receita publicitária, ao espaço publicitário. É uma cedência aos interesses privados, que, aliás, ontem, em reacções às notícias, demonstraram uma satisfação própria de quem vê uma reivindicação cumprida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Canal 2 da actual RTP temos uma nebulosa indefinição. Temos perante nós um conceito caótico, incoerente, situado algures entre o serviço mínimo e o serviço cívico. Serviço público é que talvez seja mais difícil. É uma "manta de retalhos" que acaba com a complementaridade e com a coerência de programação e de estrutura do serviço público de televisão, Sr. Ministro.
Aliás, para efeitos de operação de um canal e de exploração de tempo de antena, o que é a "sociedade civil", Sr. Ministro? É uma cooperativa?... É uma associação?... É uma S. A.?... É uma reunião de amigos da televisão portuguesa?...
Bom, e a mesma dúvida se coloca relativamente ao extraordinário património que é o Arquivo da RTP, que, pelos vistos, será transferido para o Arquivo Nacional de Imagens em Movimento, mas em que circunstâncias, com que contornos, com que contrapartidas para a RTP?
Recordo, Sr. Ministro, que da última vez em que o PSD esteve no Governo o resultado para a RTP foi ser espoliada de um património fundamental, que era a rede de transmissão de sinal terrestre, pagando hoje por esse serviço mais do que recebeu para o vender. E é perigoso que, hoje, os mesmos contornos já se comecem a prefigurar para um negócio como este relativamente ao arquivo.
Para terminar, Sr. Presidente, o Governo está a defraudar e a "mandar às ortigas" as promessas que fez aos portugueses em campanha eleitoral. Foi o IVA, foram as portagens.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
São os salários e as pensões de reforma, é o código laboral.
Mas há dois portugueses que poderão dizer que o Governo promete e cumpre: são o Srs. Drs. Miguel Paes do Amaral e Francisco Pinto Balsemão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Seguidamente tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, dispondo de 6 minutos.

O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, vi o Sr. Ministro da Presidência ontem na RTP, num directo de 50 minutos, onde já antecipou praticamente tudo o que veio aqui hoje dizer e espero que não antecipe também uma forma de governamentalização que defina a nova RTP, numa operação que era, claramente, ontem, mais do que uma reportagem, um tempo de antena preparado em gabinete ministerial.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O relatório que foi apresentado, Sr. Ministro, tem coisas boas e coisas más. Tem coisas boas sem dúvida no que diz respeito à gestão, mas não vamos aqui discutir aspectos de gestão.
Dir-lhe-ia sobretudo que as coisas boas que tem - e que penso que são de felicitar o Governo, e sobretudo a administração - não são originais, são ideias que vêm sendo defendidas há muito, como de resto outros aspectos relativos à regulação, que acabaram de ser referidos, e que vinham sendo preparados por comissões que conhece, as quais foram nomeadas por governos anteriores.
Mas é caso para dizer que o que é bom não é original e neste documento o que é original não é mesmo bom. Por isso, espero que o Sr. Ministro complete agora este périplo de apresentações do seu relatório com uma ida à 1.ª Comissão, onde, em detalhe, se possam discutir estas ideias que apresenta para o sector do audiovisual, habituados que estamos a que o Governo (e neste caso o Sr. Ministro não tem, de facto, o exclusivo), quando promete, na maior parte das situações, fá-lo mesmo com a intenção de não cumprir e depois faz o contrário do que promete. Neste caso, penso que há, quanto a este documento, muita matéria para ser discutida na Assembleia e que, em geral, é aquela que melhor define as opções políticas de um Governo, como seja a matéria legislativa. Foi anunciado aqui que iam ser alterados 13 diplomas, mas não se disse uma palavra sobre as alterações que se pretendem fazer.
Portanto, gostaria muito que o Sr. Ministro acolhesse esta minha ideia e viesse por sua iniciativa à comissão, se não, naturalmente que o chamaremos para, numa discussão séria e fundamentada, apresentar este relatório.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por hoje ficaria com uma pergunta que irá directa à matéria central que é a definição de serviço público e a questão dos dois canais.
Começo com uma alternativa muito clara, porque são as alternativas que nos permitem obter respostas claras, quanto ao que se pensa sobre o Canal 2, que é a seguinte: ou o Governo reconhece hoje que não tinha razão quando anunciou a sua política há vários meses, e não se vê então para que é que pretende "inventar a roda", em vez de seguir o modelo que tem vingado do ponto de vista europeu com a satisfação das populações (isto é, ou Governo reconhece que não tinha razão, e não se vê para que é que tudo isto serve); ou o Governo insiste que tinha razão e, então, é de suspeitar que algo se esconde por detrás do documento apresentado.
Este esclarecimento é muito importante, sobretudo quando vemos o Sr. Ministro afirmar em relação ao Canal 2, como afirmou ontem (de resto, pensei que fosse um equívoco nas suas palavras, mas encontrei depois a mesma formulação no relatório e numa entrevista que deu hoje ao

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jornal Público), que entre o Estado e os privados "optámos (…) pela sociedade civil".

Risos.

Mas o que é isto?!… O que é isto?!…

Risos do PS.

Onde é que está esta sociedade civil?! Se não está nos privados, onde é que está?! Como é que é possível avançar com uma noção da qual se faz depender inteiramente a solução apresentada, que, por sua vez, nunca é definida?! Pergunto: se não está nos privados que constituem a sociedade civil (repito que não estou a falar dos operadores, estou a falar dos privados na totalidade), onde é que está?!…
O que verificamos depois - com a ideia das Universidades, com a ideia de Misericórdias e com a ideia de Fundações, que todos conhecemos e que são entidades capazes de investir a fundo perdido numa instituição de serviço público - é a definição de uma panóplia, de um autêntico bazar, uma rapsódia que não vejo possa ter qualquer sentido de serviço público, prejudicando, desde já, a definição do serviço público que se anuncia para o Canal 1, uma vez que não há qualquer complementaridade entre uma e outra coisa.
Como já hoje tive ocasião de dizer, o Sr. Ministro fala do serviço público como se tratasse de um loteamento ou talvez mesmo da gestão de um condomínio privado...! O Sr. Ministro diz: "Eu entrego, eu dou, eu faço, eu decido"... Sr. Ministro, as coisas não são assim! Sobretudo quando o Sr. Ministro diz que o objectivo é entregar aos parceiros "em concessão da licença". Ora, como o Sr. Ministro sabe, o n.º 7 do artigo 38.º da Constituição interdita isso! Portanto, como é que o Sr. Ministro pode dizer - e cito-o - que o objectivo é "entregar a parceiros a concessão da licença"?! Não pode fazê-lo! O que lhe pergunto é o que é que realmente quer fazer com o Canal 2?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, penso que é preciso não confundir serviço público, bem público e domínio público, que são questões fundamentais. Mas mais do que isso, Sr. Ministro: é preciso mudar, para que possamos saber o que estamos a discutir, clarificando de uma vez por todas - e termino com este desafio que lhe faço - se o Canal 2 é público, e então é altura de nos deixarmos de fantasias, como esta panóplia que se pretende que defina o Canal 2, ou se o Canal 2 é privado. Ora, se a linha é ser privado, então é preciso fazer concurso, como a Constituição impõe, para se concessionar a licença.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas sejamos claros e acabemos com as evasivas!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me que comece por saudar o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho.
Folgo em verificar que agora, pelo menos, na oposição, conseguiu aquilo que no governo nunca tinha conseguido, que foi destronar o seu colega e Deputado Arons de Carvalho e o Sr. Deputado José Sócrates - que, segundo parece, não está presente na discussão de questões tão importantes como estas à volta da RTP. Portanto, é bom de ver que, ao menos, agora, na oposição, conseguiu algo que o Eng.º António Guterres nunca o deixou fazer!...

Risos do CDS-PP e do PSD.

Mas deixe-me também que lhe diga, Sr. Deputado, que para quem falou a propósito de ideias boas e originais, V. Ex.ª poderia ter arranjado como exemplo uma frase porventura mais recente e mais original, porque esta também já é um bocadinho antiga.
Como é bom de ver, hoje, a atenção com que o PCP o ouve na discussão destas questões da RTP...! Dá-me até vontade de relembrar o que o Deputado António Filipe dizia em 2 de Março de 2000, quando, numa intervenção, afirmava que: "No momento em que é publicado, o artigo do Ministro Carrilho põe mais em evidência a 'inconsistência estratégica' da política do seu Governo. Dois dias depois de o Ministro Armando Vara ter reduzido a sua estratégia para a RTP a uma operação de engenharia empresarial, vem o Ministro Carrilho encimar o seu artigo com a afirmação de que o problema da RTP não é empresarial, o que equivale a dizer que, em matéria de serviço público de televisão, a estratégia do governo…" - é bom de ver, do governo do PS - "… é igual a zero". É bom de ver que o tempo passa e algumas coisas mudam!
Sr. Ministro, dirigindo-me agora a V. Ex.ª, congratulo-me e saúdo-o por ver que temos um Governo que age, um Governo que reforma, um Governo que quer, finalmente, resolver os problemas e principalmente um Governo que não tem medo de tomar decisões nem as toma em função de critérios meramente eleitoralistas. Passados nove meses de governação, este Governo foi já capaz de atacar problemas antigos, diagnosticados há muito tempo, em várias áreas - na justiça, no trabalho, na economia e também no audiovisual -, com uma frontalidade que, infelizmente, no passado nunca tinha sido exemplo.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que durante anos ouvimos a esquerda - e desde logo a esquerda no poder - argumentar sobre o precipício para que caminhava a RTP. Só que durante anos nunca vimos essa mesma esquerda apresentar propostas para resolver o problema da RTP para inverter esse caminho, a começar, desde logo, Sr. Ministro, pela questão do passivo.
Quando este Governo tomou posse, o passivo da RTP era de 200 milhões de euros, mil milhões de contos. Certamente que não foi um problema que surgiu nesse momento, vinha de trás, problema esse que V. Ex.ª e o Governo de Portugal herdaram. A primeira questão que lhe deixo, Sr. Ministro, é a seguinte: o que é que este Governo fez já, durante estes cerca de 9 meses de governação, para reduzir os custos comuns da RTP e da RDP?

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Em concreto, o que é que o Governo já fez e, mais importante, em que é que isso se vai repercutir em favor dos contribuintes? Ou seja: quanto é que os contribuintes vão poupar por força dessas medidas?
A segunda questão que lhe deixo, Sr. Ministro, é no sentido de precisar, na medida do possível, aquilo que entende que será a intervenção da sociedade civil na nova estratégia do Governo, apresentada agora por V. Ex.ª

O Sr. António Filipe (PCP): - Ó diabo!…

O Orador: - Com certeza que o Sr. Ministro não terá qualquer problema em dar esta informação.
E por muito que agora o Sr. Deputado António Filipe invoque o diabo, certamente que, depois de o ouvir, em vez de invocar o diabo, dará graças a Deus, porque verá que os problemas da televisão estarão finalmente resolvidos em Portugal!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, gostaria de me deter num comentário inicial que fez aquando da sua intervenção. O Sr. Ministro falou do facto de "ter feito questão de vir ao Parlamento".
É bom que nos situemos: o senhor "fez questão de vir ao Parlamento", um dia depois de ter estado na televisão e antes de ter aprovado um conjunto de medidas que são essenciais para que, eventualmente, tudo aquilo que taxativamente ontem disse que vai ser feito possa, de facto, acontecer, o que significa que, em matéria de respeito pelo Parlamento, estamos conversados e que para o Governo este Parlamento é cada vez mais a sua caixa de ressonância.
É evidente, Sr. Ministro, que, na sua longa intervenção de 50 minutos, o que anunciou é um conjunto, muito vago e abstracto, de questões ainda totalmente herméticas. O senhor anunciou, como se fosse uma coisa importante, a redução da publicidade. É óbvio que a redução e a disciplina da publicidade são importantes, mas é óbvio para toda a gente que essa era a grande revindicação dos canais privados e é óbvio também que a necessidade de disciplinar publicidade teria de ser alargada aos privados. O Sr. Ministro não o fez!…
Outro aspecto importante é o de que, aparentemente, não se sabe qual é o destino do valiosíssimo Arquivo da RTP. Era bom que esclarecesse esta Câmara sobre o que vai fazer. O Sr. Ministro nada diz sobre isto! Anda à volta da questão, e não esclarece exactamente qual é a sua intenção.
Diz o Sr. Ministro, por exemplo, que vai alienar os Centros de Produção Regionais da Madeira e dos Açores fazendo entrar os operadores privados. Portanto, a minha pergunta vai no sentido de saber se o Governo entende que o todo nacional não deve ser coberto.
Refere ainda o Sr. Ministro "a sociedade civil", inventando um conceito que esperamos seja esclarecido.
Por conseguinte, Sr. Ministro, diria que as medidas anunciadas são seguramente a intenção de o serviço público estar em câmara lenta, mas, seguramente, condenado à morte.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: felicito o Governo, e o Sr. Ministro em particular, por estar aqui, hoje, mais uma vez, a debater as novas opções para o audiovisual.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Congratulo-me, igualmente, pelo trabalho sério e exaustivo que provocou reformas estruturais neste sector.
Sr. Ministro, em oito meses de funções, este Governo apresenta nesta matéria trabalho com três pilares fundamentais - estratégia, coragem e capacidade de decidir -, apresentando propostas e resultados concretos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que toca à estratégia, é hoje claro para os portugueses que o Governo tem uma estratégia, um rumo para o audiovisual.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Concorde-se ou discorde-se, há de forma inequívoca uma estratégia clara e bem definida, o que contrasta com o que se passou nesta área nos últimos anos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É facilmente perceptível que as indecisões dos últimos seis anos fizeram com que este sector batesse no fundo e que as coisas tivessem chegado infelizmente onde chegaram.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Ministro, dou-lhe os parabéns, porque houve capacidade e coragem de decidir!

Aplausos do PSD.

No passado, faziam-se estudos mas não se tomavam decisões; agora, estudou-se e decidiu-se. E decidiu-se ouvindo pessoas livres e independentes.
A decisão de um único canal de televisão de serviço público generalista é coerente, é séria e é credível!!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A decisão de a segunda licença de televisão ser concessionada à sociedade civil é inovadora e ambiciosa;...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... é, sobretudo, uma clara abertura à defesa e à afirmação de serviço público. Foi talvez por não

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saber o que é "a sociedade civil" que o PS perdeu as eleições em Março último...

Aplausos do PSD.

A decisão de fazer os operadores privados participarem na programação da RTP Internacional e na da RTP África é louvável e é justa. O melhor que se produz em Portugal deve ser transmitido para o mundo inteiro - em particular, para o mundo que fala a língua portuguesa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A decisão da criação de uma entidade reguladora nesse sector é oportuna e é necessária. É necessária porque o sector tem de ter regras e não pode aqui imperar, como já imperou, a "lei da selva"!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É oportuna porque os portugueses sentem que é tempo de cada um exercer os seus direitos com liberdade e de cumprir os seus deveres com responsabilidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

No que respeita ao terceiro pilar fundamental - isto é, às propostas e aos resultados concretos - endereço-lhe também os meus mais sinceros parabéns, porque, ao contrário do que muitas vezes sucede, não estamos perante ideias vagas ou abstractas; estamos perante orientações claras, objectivas e muito concretas.
Quer se concorde quer não se concorde, cada português sabe hoje o que o Governo quer, que objectivos tem e quais os instrumentos que apresenta para gerir este sector de media sob responsabilidade do Estado.
Mas mais do que isto, Sr. Ministro, do Verão para cá, a sua determinação já produziu resultados muito palpáveis, sobretudo no que diz respeito à reestruturação da RTP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro esteve aqui há uns meses - há poucos meses atrás - e fez o diagnóstico; o Sr. Ministro está aqui hoje e já pode apresentar resultados da "terapia" que começou a aplicar. A RTP já começou a "emagrecer". É bom e é positivo!
A RTP já alienou participações que não lhe eram essenciais e que, mais do que isso, eram deficitárias; é bom e é positivo!
A RTP começou a deixar de ser um eterno sorvedouro de dinheiros públicos; é bom e é positivo!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exactamente!

O Orador: - A RTP já começou a ganhar credibilidade, inegavelmente com a dedicação e o mérito de muitos dos seus profissionais, e o País hoje já reconhece isso claramente; é bom e é positivo!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Por tudo isto, Sr. Ministro, a nossa mais viva e sincera saudação. V. Ex.ª fez, em poucos meses, o que outros prometeram, mas não fizeram em vários anos. Fê-lo contra "velhos do Restelo", contra preconceitos criados e contra a instrumentalização alarmista, irresponsável e demagógica da "esquerda unida".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Deixe-me dizer-lhe, Sr. Ministro, com toda a justiça: fê-lo de uma forma frontal, transparente e mobilizadora de muitas personalidades ligadas ao Estado e à sociedade.
Hoje todos reconhecem que a RTP, a RDP em particular e o sector audiovisual em geral estão a mexer e estão a mudar para melhor. E isto é muito importante, é um ponto de partida e um passo de gigante para um futuro com mais qualidade e mais exigência. É, sobretudo, um contributo decisivo para que o audiovisual, todo ele, público e privado, seja factor de enriquecimento do País e de elevação do nível cultural da nossa sociedade. Vá em frente, Sr. Ministro, porque vai muito bem!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência. Dispõe, para o efeito, de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero deixar aqui uma nota prévia e seis pontos de resposta.
A nota prévia é sobre a minha presença aqui. Poderia o Governo ter vindo a esta Câmara apenas no momento da formalização das propostas legislativas de alteração dos diplomas referidos e também de outros que têm de ser alterados, mas entendi que devia fazê-lo no momento em que tomo as opções que se vão traduzir nessas alterações legislativas, precisamente para que o Parlamento possa, numa fase de definição e de discussão do modelo, exprimir atempadamente a sua opinião. Fiz o que não era habitual o governo anterior fazer nas poucas vezes em que tomava decisões.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Os seis pontos de resposta são os seguintes:
Em primeiro lugar, quando, há uns meses, aqui vim, as críticas de que me recordo eram que a RTP ia fechar, que o Canal 1 seria esquizofrénico e que o Governo preparava um telenegócio. Afinal, a RTP não fechou, está aberta, de boa saúde e com futuro; o Canal 1 faz hoje mais serviço público do que alguma vez os dois canais de televisão fizeram nos seis anos anteriores;…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e, quanto ao telenegócio, já ninguém tem coragem de o apontar.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, a gestão. Percebo que o Partido Socialista não queira falar da gestão e das alterações na gestão da RTP e da RDP. Não querem falar deste

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ponto, porque foi precisamente por aqui que começou o descalabro no sector do audiovisual. Nos últimos seis anos, a RTP e a RDP custaram ao povo português 1959 milhões de euros. É o número da vergonha do Partido Socialista e a razão pela qual ele não quer falar da gestão que agora se faz na RTP e na RDP.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Dou apenas dois números: entre 2001 e 2003, a diferença no orçamento de funcionamento da RTP e da RDP será de 110 milhões de euros, isto é, em apenas dois anos reduzimos em 22 milhões de contos o custo da RTP e da RDP;…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … no universo total das pessoas, como é sabido, até ao final de 2002, teremos menos 650 pessoas na RTP. Mais de 200 pessoas aderiram já ao programa de rescisão por mútuo acordo, reforma antecipada ou não renovação de contratos. Haverá, portanto, um total de aproximadamente 1000 pessoas que, no universo das duas empresas, estará a menos no final do ano 2002, sem prejuízo da qualidade do serviço prestado.
Em terceiro lugar, o Canal 2. Percebo que faça confusão esta afirmação de que, entre o Estado e os operadores privados, optámos pela sociedade civil. Ao Partido Comunista porque só há uma opção, que é o Estado, e ao Partido Socialista talvez porque a sua única medida de fundo, tanto quanto me recordo, tenha sido a que tomou, há uns anos atrás, em benefício exclusivo dos privados, de redução da publicidade no Canal 1 e da sua supressão no Canal 2, sem que se conheça, até hoje, uma única contrapartida oferecida pelos privados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Também percebo que não acreditem na sociedade civil porque nunca acreditam na sociedade civil. Nós acreditamos! Mas talvez isso não aconteça com todos os Deputados do Partido Socialista, porque ainda hoje eu li, com agrado, uma afirmação de um seu colega que dizia: "O Partido Socialista não tem nenhuma oposição de princípio à abertura da RTP-2 à sociedade civil". Foi o anterior Ministro da Cultura do Partido Socialista que disse isto esta manhã.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em quarto lugar, publicidade e contrapartidas. Sejamos claros: reduzimos a publicidade da televisão pública por convicção, ao contrário do Partido Socialista que a reduzia para interesse dos privados e, depois, não financiava a televisão pública,…

Vozes do PCP e do BE: - Ah!…

O Orador: - … porque entendemos que o modelo de programação diferenciado das televisões privadas significa que a televisão pública não pode viver da publicidade para o seu normal funcionamento, mas, ainda assim, deve tê-la, e deve tê-la pelas razões que apontei e que me abstenho de repetir. No entanto, pedimos contrapartidas: interacção com conteúdos privados na RTP-Internacional e na RTP-África, sem pagar um euro;…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … janelas de programação nas televisões privadas para programas de serviço público e para produção de conteúdos independentes, financiada no ICAM, sem pagarmos um cêntimo; cumprimento do financiamento no que respeita ao ICAM e aumento do financiamento pelas televisões privadas em 1% dos seus resultados líquidos, sem pagarmos um cêntimo; finalmente, aceitação pelos privados da alteração das regras de regulação, sem as quais nunca teremos ordem na tal selva de que se falava, sem invocação de alteração dos pressupostos da concessão. São pontos claros, contrapartidas claras.
Em quinto lugar, Arquivos. Está na pág. 25 do documento, portanto, não vou repetir.
Em sexto lugar, é para dizer que não tivemos a preocupação de ser originais. A diferença não está na originalidade ou na não originalidade, a diferença está em fazer ou não fazer. Tivemos seis anos de discurso, de teorias, de documentos e, no final, tivemos a RTP e a RDP na situação em que as encontrámos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Aquilo que estamos a fazer…

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que conclua, pois o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Vou terminar imediatamente, Sr. Presidente.
Aquilo que estamos a fazer é muito simples: estamos a fazer melhor com menos dinheiro. As poupanças estão à vista e a opinião sobre o serviço público de televisão na RTP está espelhada na comunicação social.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Ministro da Presidência beneficiou de tempo cedido pela bancada do PSD.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada.

Vozes do PSD: - Ah!…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de indicar a razão do seu agravo.

O Sr. António Costa (PS): - Só o ouvir estas manifestações de fairplay da bancada do PSD já é um bom motivo.
Sr. Presidente, houve várias expressões menos próprias por parte do Sr. Ministro, creio eu,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem 2 minutos para fazer um protesto.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, devo reconhecer que estávamos aqui numa dificuldade: eu não tinha tempo para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro e o Sr. Ministro também não tinha tempo para me responder, no entanto, creio que ele tem interesse em que eu a formule.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há tempo, não há perguntas!

O Orador: - Por isso, vou deixar cair as expressões gravosas, que creio que são do seu estilo. Mesmo quando o debate é sereno, não resiste ao agravo.
No entanto, sem prejuízo do trabalho profundo que tem de ser feito na 1.ª Comissão com o Sr. Ministro, uma coisa terá de explicar de forma a percebermos e podermos determinar com rigor se estamos de acordo ou em desacordo com o que propõe relativamente ao segundo canal.
Quando nos diz que "entre o Estado e os privados, optámos pela sociedade civil", trata-se de uma frase bonita, um bom slogan, passou bem. Agora, o que é essencial é sabermos o que é isso da "sociedade civil". Porque eu não conheço sociedade civil sem privados. O que é que quer dizer? Quer dizer que não é com o mercado e que, portanto, recua relativamente àquela sua ideia de Junho de que o segundo canal da RTP ou era encerrado ou era privatizado? Se interpreto bem o que vem no relatório, o Sr. Ministro desistiu de encerrar o segundo canal ou de, em alternativa, o privatizar.
O Sr. Ministro vem agora propor uma nova ideia: o segundo canal fica fora da RTP, mas mantém-se no serviço público e numa lógica complementar do canal generalista, que assim permanece na RTP.
Ora, o que é que acontece a este segundo canal? Sai da RTP e vai para onde? Vai para a "sociedade civil"! Mas em que entidade jurídica é que se personaliza essa "sociedade civil"? É uma sociedade comercial? É uma cooperativa? Com quem? Com o Estado? E o Estado tem a maioria do capital? O Estado está representado através da RTP?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Ou não está? Quem são essas entidades da "sociedade civil"? Se não são empresas com fins lucrativos, são associações? São fundações? É a Gulbenkian? São associações sociais? Quem são e qual o seu papel?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso não é nenhum protesto mas perguntas fora dos termos regimentais. Tenha a bondade de terminar imediatamente.

O Orador: - Terminarei imediatamente, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, sobretudo, o que queremos saber é quem paga, então, esse segundo canal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É a sociedade civil? É o Estado? Ou é uma despesa partilhada? Queremos saber quem paga para percebermos verdadeiramente qual é a natureza desse segundo canal.
Sr. Presidente, devo confessar que me pareceu que seria da maior utilidade para o debate formular estas perguntas do que defender a consideração, permitindo, assim, ao Sr. Ministro responder a problemas reais e a questões concretas que devem ser esclarecidas para benefício do próprio debate.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, tenho de lhe recordar que os debates têm regras - e penso que nem sequer seria preciso dizer isto ao líder do maior partido da oposição! -, portanto as perguntas devem ser feitas dentro do tempo atribuído a cada um dos partidos. O Sr. Deputado, manifestamente, "passou a marca"…
Mas, enfim, como estamos no Natal, vou dar a palavra ao Sr. Ministro, que disporá também de 2 minutos para esclarecer este assunto. Mas, desde já, digo que não vou dar a palavra a mais ninguém, passando imediatamente à ordem do dia.
Tem a palavra, Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, espero que, neste período de Natal, me dê os mesmos 3 minutos que deu ao Sr. Deputado António Costa para eu poder responder.

O Sr. Presidente: - Tem razão. Dispõe de 3 minutos.

O Orador: - Muito obrigado.
Quero começar por dizer ao Sr. Deputado António Costa que não desisti de coisa alguma, porque nunca afirmei que encerrava ou que alienava o segundo canal.

O Sr. António Costa (PS): - Não?!

O Orador: - Nunca! Em lado algum! Em momento algum! Veja as actas desta Assembleia.

Risos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Os senhores é que quiseram criar essa ficção! E nem era o segundo canal, era a RTP inteira que ia ser fechada!…

O Sr. António Costa (PS): - Era o segundo canal!

O Orador: - Aliás, o Partido Comunista era mais radical. Para ele era a RTP inteira; para os senhores era o segundo canal. Aí variaram, de facto! E variaram entre a acusação de que fechávamos ou de que vendíamos. E, de facto, não fechamos nem vendemos.
Mas a responsabilidade de ausência de imaginação para encontrar outra solução não é minha. Esta solução do segundo canal começou a ser desenhada, como bem sabe, por Helena Vaz da Silva, em Abril - não foi de agora! Foi um trabalho de meses, que apenas não foi apresentado mais cedo porque isso significaria cair no mesmo erro em que caiu o Deputado Manuel Maria Carrilho, que era o de não conseguir contrapartidas dos operadores privados. E eu achei que era fundamental, para defender o interesse público, que houvesse uma interacção séria com os operadores privados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Não vou dizer-lhe se é a Gulbenkian ou se não é a Gulbenkian, mas, como vê, facilmente chegamos a exemplos, a bons exemplos, de quais podem ser os parceiros.
Quanto ao modelo - e, hoje de manhã, percebi, ouvindo-o, que o Deputado Manuel Maria Carrilho tinha dificuldade em perceber -, tenho a certeza de que o Sr. Deputado António Costa consegue explicar-lhe, do ponto de vista jurídico, que não há concessão de licença.

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O Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho não é jurista, diga-se, mas não há concessão de licença: ou há concessão ou há licença! Quando tratamos de coisa pública, tratamos de concessão; quando tratamos de coisa privada, tratamos de licença.
Sr. Deputado António Costa, explique-lhe essa diferença para que ele perceba que falamos de concessão - e na concessão não há concurso.
Portanto, aquela ideia atabalhoada de que teremos de fazer um concurso público para uma licença… Não há realidade privada, não há licença e, por isso, não há concurso público.
Mas, infelizmente, não me cabe a mim ultrapassar essas suas lacunas, tem eminentes juristas que podem explicar-lhe como é que, numa lógica de concessão - porque é de serviço público de que falamos -, podemos formalizar o segundo canal em que o operador de serviço público será um parceiro com conteúdos…

O Sr. António Costa (PS): - Não, não!

O Orador: - Está no documento.
… e será, na fase inicial, o facilitador do funcionamento deste canal.
Como? Está dito! Com os recursos humanos, com os seus equipamentos, facilitando a realização de conteúdos por estes parceiros. São estes parceiros que assumem a concessão, permanecendo o operador público como o parceiro com conteúdos…

O Sr. António Costa (PS): - Mas é uma nova entidade?

O Orador: - É uma nova entidade! Já disse mais de cinco vezes que, quando estiver estabilizado o conjunto das parcerias, é uma nova entidade, como o Sr. Deputado bem sabe.

O Sr. António Costa (PS): - Pública ou privada?!

O Orador: - Se não houvesse uma nova entidade, não poderia haver a atribuição de uma concessão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Qual é o assunto da sua interpelação, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, no princípio desta sessão, foi distribuído pelo Sr. Ministro, juntamente com a sua intervenção, um documento intitulado Novas Opções para o Audiovisual.
Este documento tem 54 páginas: 53 são de texto de propostas do Governo e de anexos e a última, a 54.ª, refere cinco documentos, que desapareceram do relatório. São eles: Relatório Serviço Público; Relatório Boston Consulting Group; Relatório Media Parque; Relatório Regulação; e Estudos de Preparação do Novo Operador, que nos são anunciados nesta página. A partir daí, é o vácuo…
Pedia que estes documentos fossem distribuídos.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Vou tomar as devidas providências para mandar distribuir esses documentos, conforme o seu pedido.

O Sr. Ministro da Presidência: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Ministro?

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, é para explicar…

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, dou-lhe, então, a palavra para uma interpelação à Mesa explicativa, para esclarecer a Mesa.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, é apenas para responder à dúvida que foi colocada, portanto para ser útil.
Foi entregue à Mesa não só o documento que os Srs. Deputados têm ao vosso dispor mas também o conjunto dos anexos, pelo que, necessariamente, esse conjunto, que contém os cinco documentos, irá ser distribuído pela Mesa.
Para que o pudessem ter mais cedo, eu distribui desde logo apenas o primeiro documento, uma vez que é menos extenso do que os outros.

Vozes do PCP: - Desapareceram!

O Orador: - Não desapareceram! Estão na Mesa do Plenário da Assembleia.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, durante o debate, o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho e eu próprio insistimos no sentido de que o Governo se disponibilizasse a ir, rapidamente, à 1.ª Comissão para discutirmos esta matéria.
Ao contrário do que me pareceu subentender na última intervenção do Sr. Ministro, não estamos necessariamente em divergência. Contudo, não podemos determinar convergências e divergências sem perceber e sem que o Sr. Ministro tenha a gentileza de se dignar explicar a estes "espíritos limitados" que estão do lado onde me encontro algumas coisas básicas como sejam se vai ou não haver nova entidade, quem a integra e quem paga.

Aplausos do PS.

São perguntas às quais o Sr. Ministro não teve, certamente por falta de tempo, oportunidade de responder.
Permitia-me insistir, junto de V.ª Ex.ª, Sr. Presidente, para que, tão brevemente quanto possível (e o ideal seria nos próximos dois dias antes da interrupção dos trabalhos parlamentares), o Sr. Ministro pudesse deslocar-se à 1.ª Comissão a fim de esclarecer este manto de dúvidas, que certamente ele terá a possibilidade de desvanecer numa rápida explicação de meio minuto.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

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Certamente, a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão, a benefício das iniciativas que delas tomem os Srs. Deputado, tomará as providências necessárias para solicitar a presença do Sr. Ministro da Presidência na dita Comissão.
Srs. Deputados, antes de passarmos ao período da ordem do dia, gostaria de fazer três comunicações à Câmara.
Primeira, rectifico uma declaração minha sobre os documentos que o Governo tinha prometido enviar à Assembleia da República relativos aos contratos com a PT e com a Brisa. Rigorosamente, esses documentos deram entrada no meu Gabinete, têm o carimbo com a data de ontem, mas não me foi possível despachá-los ainda ontem e hoje de manhã porque estive com outras actividades, nomeadamente na Conferência de Líderes, pelo que só esta tarde é que lhes dei despacho. Esses documentos já estarão na mão dos Srs. Deputados uma vez que foram entregues a todos os grupos parlamentares.
Portanto, esta minha declaração é no sentido de rectificar o que disse antes e para que não fiquem quaisquer dúvidas sobre o cumprimento, por parte do Governo, da apresentação desses documentos e do seu envio à Mesa. Eles estavam no Gabinete do Presidente da Assembleia da República.
Quero também comunicar à Câmara que há cerca de 40 minutos que estão disponíveis na Internet as famosas actas da Comissão Parlamentar de Inquérito aos Actos do XV Governo Constitucional que Levaram à Demissão de Responsáveis pelo Combate ao Crime Económico, Financeiro e Fiscal, Três Meses Depois da sua Nomeação. Não vejo a corrida geral dos Srs. Deputados em irem consultar a Internet, mas é sinal que poderão, depois, consultá-la durante o serão… Elas estão disponíveis, conforme, aliás, foi solicitado e correspondendo a uma deliberação soberana tomada pela Assembleia no sentido de que essas actas seriam divulgadas.
Finalmente, lembro todos os Srs. Deputados que, amanhã, às 14 horas e 45 minutos, se procederá ao descerramento do retrato do antigo Presidente Almeida Santos na Galeria dos Retratos dos Presidentes da Assembleia da República. Todos os membros do Parlamento estão convidados para esta cerimónia e estou certo de que estarão presentes.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, ainda a propósito dos contratos com a PT e a Brisa e os respectivos projectos de decreto-lei, gostava de dizer que, de facto, eles chegaram às nossas mãos.
Porém, aproveitando a presença do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pedi a palavra para chamar a atenção para o seguinte: ontem, na Comissão, solicitámos ao Governo que disponibilizasse os estudos de volume de tráfego e os estudos técnicos económico-financeiros que permitissem perceber e compreender de que forma, com que metodologia, é que se chegou à remuneração que a Brisa paga ao Estado de 288 milhões de euros.
O Sr. Ministro Valente de Oliveira informou que iria dar instruções ao Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Dr. Vieira de Castro, para que, em articulação com o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, rapidamente fizesse chegar essa parte dos estudos à Assembleia, o que não se verificou.
Ora, isso é fundamental, porque o que nós temos na mão é importante, mas é o articulado dos projectos de decreto-lei. Sem ter na base os estudos económico-financeiros e os estudos de volume de tráfego que levaram ao contrato e à verba em concreto, dificilmente poderemos apurar se o negócio foi justo ou injusto para o Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, a interpelação foi dirigida à Mesa mas, uma vez que ainda está presente o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que entretanto também pediu a palavra, vou dá-la porque é natural que ele possa esclarecer a Câmara sobre a questão que foi suscitada pelo Sr. Deputado.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, como é evidente, o Governo está sempre a cooperar para o bom funcionamento da Assembleia da República e para o melhor esclarecimento de todos os Srs. Deputados.
De resto, a documentação que foi solicitada na semana passada e que ontem aqui chegou é a prova disso mesmo, tanto mais que constam alguns diplomas, entre eles dois projectos de decreto-lei, já aprovados em Conselho de Ministros mas ainda não promulgados pelo Sr. Presidente da República. Maior consideração para com a Assembleia não pode existir!
Os documentos que o Sr. Deputado Lino de Carvalho refere também serão, obviamente, facultados à Assembleia da República; não posso é garantir quando, em concreto, o serão.
Foi-me pedido que, antes do debate que vai realizar-se amanhã, fossem disponibilizados todos os documentos essenciais e eu cumpri religiosamente. Quanto aos outros documentos, também chegarão, não posso é, repito, neste momento, garantir quando.
Sr. Presidente, isto para tranquilizar o Sr. Deputado Lino de Carvalho e demais Srs. Deputados, porque o Governo prestará sempre toda a informação e esclarecimento, até porque VV. Ex.as, seguramente, irão ficar satisfeitas com o contributo importante que aquelas medidas deram para um grande objectivo nacional que o País se propunha alcançar durante 2002.
Agora, que estamos a chegar ao fim de 2002, é motivo para o assinalar com muita satisfação, porque obviamente que queremos a alegria de todas as bancadas, porque todas as bancadas estiveram empenhadas neste objectivo nacional - refiro-me ao défice orçamental, evidentemente, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Amanhã, voltaremos a perguntar!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas.

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ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 71/IX - Grupos Parlamentares de Amizade e 72/IX - Delegações e Deputações Parlamentares, subscritos por mim próprio e por todos os grupos parlamentares.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação e respectiva votação pela Assembleia da República, por iniciativa do Sr. Presidente, deste conjunto de normas regulamentares específicas dirigidas ao enquadramento dos grupos parlamentares de amizade e das delegações e deputações parlamentares ao exterior é, sem dúvida, uma iniciativa útil e importante.
De facto, penso que tínhamos um défice, que era o do enquadramento regulamentar dessas delegações e deputações parlamentares e desses grupos parlamentares de amizade no sentido de a Assembleia da República poder tirar delas os melhores resultados possíveis não só em matéria de visibilidade externa mas também em matéria de relacionamento com os outros parlamentos e com os povos de outros países.
Por isso mesmo, e depois da procura aturada de consenso que o Sr. Presidente, em boa hora, promoveu e com o qual colaborámos e partilhámos, não só subscrevemos os textos como, obviamente, os iremos votar favoravelmente.
Ainda duas notas muito breve, Sr. Presidente.
Primeira, tanto em relação às delegações e deputações parlamentares como em relação aos grupos parlamentares de amizade penso que seria útil que, sem prejuízo das funções e da autonomia próprias institucional e constitucional da Assembleia da República, tanto quanto possível, houvesse uma articulação entre essas delegações e deputações parlamentares e esses grupos parlamentares de amizade e alguns aspectos estratégicos da política externa do Estado português. Isto porque, sem prejuízo da pluralidade dessas delegações e no caso, por exemplo, de delegações permanentes sem prejuízo do ponto de vista que cada grupo parlamentar e cada partido expressam nos fóruns onde intervém - e estou a lembrar-me do caso do Conselho da Europa onde cada partido tem autonomia própria -, há, muitas vezes, questões de interesse nacional que importa conjugar, para as quais importam convergir esforços e em relações às quais muitas vezes, eu diria quase a maior parte das vezes, não há informação.
Penso, aliás, que, ao contrário do que sucede com outros países (e estou a lembrar-me da Espanha), é um défice da nossa intervenção parlamentar externa a informação permanente por parte do governo a essas delegações e a esses grupos de material informativo que lhes permita contribuir, com a sua iniciativa e os seus contactos no exterior, para potenciar o interesse nacional quando for caso disso.
A segunda nota - e, de certo modo, os regulamentos prevêem isso - tem a ver com a necessidade de valorizar, do ponto de vista dos trabalhos parlamentares e da opinião pública em Portugal, a actividade que os grupos parlamentares de amizade e, em particular, as deputações e delegações da Assembleia da República exercem no exterior. Nem sempre isso tem sido feito, nem sempre as deputações e delegações parlamentares têm sido valorizadas, muitas vezes têm sido desvalorizadas ou criticadas por aspectos relativamente menores.
Nesse sentido, Sr. Presidente, estamos de acordo com os projectos de resolução, subscrevemo-los, vamos votá-los favoravelmente e fazemos votos que com eles se valorizem e se qualifiquem não só a actividade dos grupos parlamentares de amizade como, em particular, das delegações e deputações parlamentares externas à Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela para, na qualidade de relatora da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa, apresentar o respectivo relatório referente aos dois projectos de resolução.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, de facto, irei intervir na qualidade de relatora da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa e também em nome do Partido Socialista. Portanto, tentarei na minha intervenção usar das duas qualidades.
Enquanto relatora, gostaria de sublinhar que a Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa realçou a importância, a oportunidade e a pertinência desta iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República. De tal maneira que o debate sobre estas duas iniciativas foi muito participado, todos os Deputados de diferentes grupos parlamentares apresentaram sugestões, enriqueceram o documento e, com esses contributos, o parecer foi aprovado por unanimidade. E, de facto, estes dois diplomas, que emanaram da Presidência da Assembleia da República, merecem a nossa concordância, uma vez que visam promover a actualização e o aperfeiçoamento do regime normativo vigente aplicável à criação e ao funcionamento dos grupos parlamentares de amizade.
Importa dizer que a experiência recente, dos últimos 10 anos, não é muito positiva no que diz respeito ao funcionamento dos grupos parlamentares de amizade, pelo que consideramos um aspecto negativo que urge ser corrigido. Efectivamente, foram criados cerca de 25 grupos parlamentares de amizade na VII Legislatura e 28 na VIII Legislatura e alguns deles nem sequer chegaram a eleger os seus órgãos, ou seja, não funcionaram.
Acresce também que não se tinha em conta se havia, nos parlamentos homólogos dos países com quem se estabeleciam relações de amizade, o mesmo tipo de grupo, ou seja, se havia um interlocutor parlamentar válido. Donde, no que diz respeito à deliberação sobre grupos parlamentares de amizade, nos congratulamos com o facto de, com esta iniciativa, estarem agora criadas condições para que os grupos possam funcionar e cumprir cabalmente os seus objectivos. Desde logo, ao estabelecer-se que não pode haver grupos parlamentares de amizade relativos a países que não tenham parlamentos pluripartidários, livremente eleitos.
Por outro lado, consagra-se a composição dos grupos parlamentares de amizade em moldes mais flexíveis, isto é, podem ter uma composição variável, com um mínimo de 7 e um máximo de 12 Deputados.
É também aplicável aos grupos parlamentares de amizade o regime de funcionamento das comissões permanentes, ou seja, há uma dignificação dos grupos parlamentares de amizade.

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Portanto, consideramos que este documento vai cumprir bem os objectivos propostos e que estas soluções normativas contribuirão também para imprimir uma maior eficácia e uma maior eficiência ao funcionamento dos grupos parlamentares de amizade.
Por isso, o Partido Socialista irá votar favoravelmente.
No que diz respeito ao regulamento sobre delegações e deputações parlamentares, também a Comissão se pronunciou favoravelmente e o parecer foi, igualmente, aprovado por unanimidade. E, de facto, consideramos que é desejável que haja normas que sejam empregues por todos e por todos atendidas.
Neste domínio, fomos um pouco mais longe, promovendo algumas alterações, umas de fundo, outras de forma. Dado que as alterações de forma têm pouca importância, refiro apenas as de fundo.
Procedeu-se ao aditamento de um novo capítulo relativo a missões do Sr. Presidente da Assembleia da República, porque considerámos que também é desejável que se saiba qual o enquadramento normativo das delegações que acompanham o Sr. Presidente da Assembleia da República e, nesse sentido, também as missões do Sr. Presidente da Assembleia da República no domínio das relações internacionais estarão regulamentadas.
No que diz respeito aos requisitos e obrigações gerais já não referentes ao Presidente da Assembleia da República, obviamente, mas às delegações e deputações parlamentares, propusemos algumas alterações no sentido de a chefia das delegações ou deputações parlamentares caber, em princípio, ao representante do partido da maioria, porque casos há em que já está pré-fixado um presidente ou um vice-presidente fixos.
Depois, também considerámos que a penalização prevista para o Deputado que não elabore o relatório da missão de que foi incumbido, ou seja, a de que não mais possa representar a Assembleia numa delegação ou deputação parlamentar durante a legislatura em vigor, apenas deve suceder por motivo injustificado, isto é, quando não haja justificação para a falta do relatório, porque casos há em que o Deputado pode muito bem não apresentar o relatório, no prazo previsto de 15 dias, por estar, designadamente, ao serviço da própria Assembleia da República noutras missões ou noutras funções.
Portanto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é bom que a Assembleia da República funcione com toda a transparência, que haja normas, que haja regras que a todos se apliquem e que todos saibamos também dar o nosso contributo para a valorização internacional da Assembleia da República, designadamente quando a representamos.
Nesse sentido, o Partido Socialista vai votar favoravelmente estas duas iniciativas, ao mesmo tempo que se congratula com o facto de elas existirem e de serem um contributo importante para, como já disse, o cumprimento das competências dos Deputados, designadamente no que diz respeito à representação da Assembleia a nível internacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que concedi à Sr.ª Deputada Edite Estrela um suplemento de tempo derivado do facto de também ter falado na qualidade de relatora da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Breda Marques.

O Sr. Gonçalo Breda Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Somos hoje chamados a apreciar projectos de resolução da iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República sobre grupos parlamentares de amizade e deputações desta Assembleia.
As minhas primeiras palavras são, muito justamente, para saudar e cumprimentar V. Ex.ª, Sr. Presidente, por, em boa hora, ter dado mais um passo no sentido de tornar mais claro e transparente o funcionamento do Parlamento.
Na verdade, sendo o Parlamento a sede da democracia portuguesa, não é aceitável que, como sucedeu no passado bem recente, os grupos parlamentares de amizade surjam a uma velocidade estonteante. Evidentemente, com grupos parlamentares de amizade a nascerem como cogumelos, percebe-se que, num espaço temporal de cerca de 15 anos, tenham sido criados mais de 50 grupos, cuja maioria não desenvolveu qualquer iniciativa que se conheça. Chegou-se mesmo ao ponto caricatural de a maioria desses grupos não ter, sequer, procedido à eleição dos seus órgãos. Dir-se-á que daqui não resulta grande dano. Pura ilusão!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na verdade, daqui resultam danos verdadeiramente irreparáveis, porque se trata de danos na credibilidade do Parlamento junto dos cidadãos. Ninguém consegue perceber que, no âmbito da Assembleia da República, se criem grupos parlamentares de amizade que não se destinam a ter qualquer actuação, que não visam desenvolver qualquer actividade, que não conseguem, sequer, eleger os seus próprios órgãos.
Mas há ainda outro tipo de danos que resultam desta situação: a banalização e descaracterização destes organismos no seio do Parlamento. E, contudo, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os grupos parlamentares de amizade podem e devem desenvolver um importante e relevante papel. Desde logo, podem e devem desenvolver um importante papel em matéria de afirmação do Parlamento português no mundo e, por esta via, serem um precioso instrumento da política de relações externas da Assembleia da República Portuguesa.
Tendo o Governo português assumido como prioridade a diplomacia económica enquanto factor de promoção do nosso país do ponto de vista do investimento e do produto, podem os grupos parlamentares de amizade, através do contacto pessoal, ser um factor de potenciação da diplomacia económica. A afirmação de Portugal no mundo não se faz por esta via, mas este pode e deve ser um importante contributo para esse desígnio.
Hoje, num mundo globalizado, num mundo em que os problemas são cada vez mais transnacionais, a criação de espaços de diálogo entre parlamentares de países que devem trilhar caminhos comuns na busca de soluções efectivas ganha especial importância.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a existência ou não de grupos parlamentares de amizade pode ser também um sinal inequívoco de total inflexibilidade na defesa da democracia. E, nesse sentido, quero aqui saudar a proposta de V. Ex.ª, Sr. Presidente, no sentido de ser condição inultrapassável para a criação destes grupos a existência de democracia política nos países com que se pretendem estabelecer especiais laços, traduzida, como não pode deixar de ser, na existência efectiva de parlamentos pluripartidários que resultem da livre expressão da vontade popular.

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O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Também no que diz respeito ao novo regulamento das deputações parlamentares deve afirmar-se que os Deputados do PSD - e, estou certo, todos os Deputados desta Assembleia - são os mais interessados em criar condições de transparência e de responsabilização pelos trabalhos que desempenham, em nome da Assembleia, no estrangeiro.
Trata-se, pois, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, de uma importante iniciativa que, como tal, não poderá deixar de merecer o nosso apoio e concordância.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a maior brevidade, quero apenas, desde já, apreciar e registar o forte consenso em redor destas iniciativas, o que demonstra bem que todos os Srs. Deputados e Sr.as Deputadas entenderam que, efectivamente, havia necessidade de criar regras sobre esta questão tão importante das deputações parlamentares e dos grupos parlamentares de amizade.
De resto, entendemos que tal facto adquiriu até carácter particularmente prioritário a partir da altura em que especulações foram feitas em alguns momentos, as quais resultaram apenas da omissão de regulamentação precisa sobre estas questões, perante o que muitos, precisamente por falta dessa regulamentação, se permitiram dar como certo aquilo que nunca tinha sido, sequer, regulamentado. E V. Ex.ª, Sr. Presidente, teve mais uma iniciativa no sentido de estabelecer regras, regras essenciais ao bom funcionamento desta Casa e com vista à sua dignificação.
Posto isto, Sr. Presidente, quero relevar, mais uma vez, o esforço de V. Ex.ª e dizer que, naturalmente, o meu partido vai votar favoravelmente estas iniciativas, juntando-se a todos os outros na sua apreciação.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Não há mais oradores inscritos, pelo que declaro encerrado o debate conjunto dos projectos de resolução n.os 71 e 72/IX. Amanhã, procederemos à votação destes diplomas, nos termos regimentais.
Passamos, imediatamente, ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, que diz respeito à apreciação das Contas Gerais do Estado dos anos de 1999 e de 2000.
Tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista para, na qualidade de relator da Comissão de Execução Orçamental, fazer a apresentação do respectivo relatório referente à Conta Geral do Estado do ano de 1999. Pergunto, desde já, se entende que 5 minutos serão suficientes para a apresentação do seu relatório.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Vou fazer por isso, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, para a apresentação do relatório, considero importante referir uma parte que consta do mesmo e que me parece relevante.
É que, no âmbito da discussão do relatório e parecer em Comissão, registaram-se duas posições distintas quanto ao entendimento que cada um dos dois maiores grupos parlamentares tinha relativamente à assunção do parecer do Tribunal de Contas e das recomendações que faz aos serviços: enquanto o Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera como parte integrante do relatório da Comissão de Execução Orçamental o parecer integral do Tribunal de Contas, os Deputados do Grupo Parlamentar do PSD entendem dever destacar, nos diferentes capítulos da Conta Geral do Estado, comentários do Tribunal de Contas. Não sendo este o entendimento do relator, foi acordado, em Comissão, integrar esses comentários no texto do presente relatório e parecer, com expressa referência de que traduzem a posição assumida pelos Deputados do Grupo Parlamentar do PSD.
Sr. Presidente: Analisar a Conta do Estado é, naturalmente, também, permitir uma comparação entre o que foi o Orçamento aprovado para o ano de 1999 e a sua execução. E qualquer Orçamento traduz, do ponto de vista macroeconómico, políticas a serem implementadas no decurso dessa mesma execução.
Assim, o relatório aborda a evolução da economia quer nacional, quer internacional e europeia e, concretamente sobre a economia portuguesa em 1999, regista um crescimento real, o que confirmou um crescimento acima da média europeia, tendo o produto interno bruto crescido 3,8%, valor acima dos 3,1% que constam da Conta Geral do Estado, segundo o último relatório do Banco de Portugal sobre esta matéria.
Apesar deste crescimento de 3,8%, constatamos também um abrandamento do consumo privado e, por outro lado, uma aceleração do consumo público. O abrandamento da procura global reflectiu um menor crescimento das importações de bens e serviços - que se situou nos 7,5%, contra os 13,8% que se verificaram no ano de 1998 - e a taxa de desemprego foi de 4,4%, contra os 5% de 1998, apesar de a população activa ter crescido 1,2%. E se compararmos esta taxa de desemprego, como, de resto, o relatório o faz, com a taxa de desemprego, na Europa, de países como a Alemanha, a Espanha, a França, a Itália e o Reino Unido, constatamos que estes países tinham taxas de desemprego que variavam entre 6% e 15% e que a média europeia dos Quinze se situava nos 9,2%.
A inflação também desacelerou e o crescimento médio de preços, medido pelo índice de preços ao consumidor, foi de 2,3%, contra 2,8% no ano anterior, e o diferencial de média situou-se em 1,1%, comparativamente à Europa.
O défice orçamental nas Administrações Públicas, em 1999, traduziu-se numa redução para 2% do PIB contra 2,3% no ano anterior.
As alterações orçamentais totalizaram 229 milhões de contos, colocando o Orçamento final no valor de 8988 milhões de contos.
A execução orçamental totalizou 90% do Orçamento. A dívida pública directa totalizou 12621,6 milhões de contos - mais uma vez, ficou-se abaixo de 60% - e, de acordo com o relatório do Banco de Portugal, situa-se em 54,3% do PIB.

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As receitas fiscais foram cobradas em 99,9% do que estava orçamentado e o investimento do Plano foi realizado em 95,7% do que estava previsto.
Sr. Presidente, há, contudo, algumas questões que este relatório referencia. Dele sobressai uma continuada preocupação do Tribunal de Contas quanto à metodologia e ao acompanhamento da execução orçamental e, nessa medida, há uma referência expressa quanto à necessidade de iniciativas relacionadas com a normalização e a regulamentação da execução orçamental, em particular quanto ao controlo e à centralização das receitas, bem como uma clara definição da perspectiva contabilística quanto às despesas a constarem da Conta.
Há, ainda, uma inclusão das rubricas "Subsídios, créditos e outras formas de apoio concedidas pelo Estado", "Património Financeiro", "Operação de Encerramento da Conta" que, não fazendo parte da Conta Geral do Estado, foram incluídas por sugestão do PSD, por constar da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosário Cardoso Águas para, na qualidade de relatora da Comissão de Execução Orçamental, fazer a apresentação do respectivo relatório referente à Conta Geral do Estado do ano de 2000.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apreciação e a aprovação ou não da Conta Geral do Estado é da exclusiva competência desta Assembleia após a emissão do parecer e relatório do Tribunal de Contas.
A Comissão de Execução Orçamental aprovou o seu relatório, mas, por uma questão de limitação de tempo, vou tentar sintetizar, referindo apenas os pontos deste relatório que considero mais relevantes.
Começo por fazer um ponto prévio.
Embora, no nosso país, não seja tradição atribuir à Conta Geral do Estado a relevância política que, em nossa opinião, este documento merece, entendo oportuno sublinhar que a Conta Geral do Estado é a tradução quantitativa da actividade económica e financeira do Estado e, por isso, é o documento único, formal, que permite avaliar a execução do Orçamento do Estado.
A verdade é que o Orçamento do Estado é um indicador e um orientador da natureza da política económica, mas todos sabemos que há milhões de contos que passam à margem do Orçamento, e, dessa forma, ao controlo da Assembleia da República, na fase da sua discussão e aprovação.
Por esta razão, mais importante se torna a apreciação da Conta Geral do Estado que é tecnicamente fiscalizada pelo Tribunal de Contas e que nos permite aferir o grau de cumprimento do Orçamento, ou seja, o grau de cumprimento das intenções orçamentadas.
Pena é que, com o devido respeito, enquanto a discussão do Orçamento do Estado é feita em 15 horas, a Conta Geral do Estado é discutida em apenas 25 minutos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O Tribunal de Contas detectou, em relação à Conta do ano 2000, a existência de deficiências graves no sistema de apuramento das receitas e despesas públicas, a utilização de práticas de desorçamentação e o desrespeito pelos princípios contabilísticos aplicáveis.
Por estas razões e porque os documentos não traduzem com exactidão a situação financeira das operações realizadas, a posição do Tribunal de Contas é de reserva quanto aos valores apresentados na Conta Geral do Estado de 2000, para a despesa, para a receita e, consequentemente, para o deficit.
Pela análise que fizemos dos documentos e do relatório do Tribunal de Contas, a Comissão foi de opinião que a Conta Geral do Estado do ano 2000 merece pouca confiança, seja quanto aos valores inscritos seja também em relação aos procedimentos contabilísticos adoptados.
O Tribunal de Contas, em relação à receita, detectou deficiências no processamento contabilístico e no controlo interno que não garantem a fiabilidade dos números. Caso comum, e como exemplo, é a não coincidência entre os valores registados na Conta Geral do Estado e os registados nas tabelas de execução orçamental, havendo desvios de milhões de contos.
Outro exemplo da falta de rigor das contas é a falta de consistência nos critérios contabilísticos adoptados, como é o caso de cerca de 25 milhões de contos de reembolsos de IVA que, no final do ano 2001, ainda foram deduzidos às receitas do ano 2000, quando já se conheciam os números de 2000, porque dava mais jeito a sua contabilização no ano seguinte.
A situação quanto à receita é tão grave que leva o Tribunal de Contas a dizer que a única certeza que é possível ter sobre a receita efectivamente obtida é a de que o seu valor não corresponde ao que se encontra inscrito na Conta Geral do Estado.
A despesa efectiva paga durante o ano 2000 foi 6,8 mil milhões de contos; contudo, este é apenas o valor registado na Conta, porque não inclui todos os encargos assumidos, vencidos e não pagos, por não terem a necessária cobertura orçamental.
Um bom exemplo desta situação é o caso, não único, das despesas do Serviço Nacional de Saúde, cujo saldo transitado e não registado na Conta foi de 224 milhões de contos e que teve um aumento de 78% em relação ao ano anterior.
Gostava também de me referir ao PIDDAC, já que este foi um tema discutido há muito pouco tempo, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2003.
A execução financeira do PIDDAC no ano 2000 foi de 761 milhões de contos. Este número não quer dizer nada, mas a percentagem foi de, apenas, 68%, portanto, uma execução bem aquém do que eram os objectivos do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto à dívida pública, o programa de financiamento para o ano 2000 previa um financiamento de 1751 milhões de contos, o que, a acontecer, representaria um decréscimo no endividamento líquido de 125 milhões de contos, ou seja, uma redução de 30%. Contudo, não só não se verificou uma redução como se excederam

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largamente as previsões. O financiamento líquido de 2000 foi de 645 milhões de contos, o que representa mais 100% do que o valor inicialmente previsto.
Srs. Deputados, a prática contabilística utilizada nas contas de 2000, que apenas exemplifiquei aqui muito sumariamente mas que vem longamente descrita tanto no relatório do Tribunal de Contas quanto no relatório desta Comissão tem um impacto relevante negativo, não só na avaliação da Conta Geral do Estado mas, mais importante, põe em causa a credibilidade, a transparência e o rigor das contas públicas.
Ora, se o Tribunal de Contas tem feito relatórios exaustivos, recomendando inúmeras alterações - isso aconteceu em 1998, em 1999, em 2000 e muito pouco foi feito -, a dúvida que subsiste é a de saber qual foi o motivo que levou os anteriores governos a não acatar as orientações do Tribunal de Contas, procedendo às reformas administrativas indispensáveis, quando se sabe que o mau funcionamento dos organismos e das instituições envolvidas gera enormes encargos para o erário público.
A incerteza e a falta de rigor detectadas em relação às contas do Estado são muito prejudiciais aos interesses do País. Parece-me imperioso que a Assembleia da República faça a apreciação das contas do Estado em tempo útil, permitindo que sejam melhorados os procedimentos subjacentes à sua elaboração.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, vamos passar à fase do debate propriamente dito sobre as Contas Gerais do Estado dos anos de 1999 e de 2000.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Cardão.

O Sr. Pinho Cardão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Conta Geral do Estado de 1999 é objecto de importantes reservas no parecer do Tribunal de Contas. Tal parecer constitui, por razões constitucionais, um elemento essencial à apreciação, pela Assembleia da República, dessa mesma Conta.
Sendo um elemento essencial, torna-se necessário que os Srs. Deputados tomem conhecimento de que, no relatório do Tribunal de Contas, expressam-se, de forma continuada e incisiva, notas de observações, de irregularidades, de reservas e, mesmo, de ilegalidades que abrangem todos os fluxos financeiros do Estado, desde as receitas às despesas, desde os investimentos do Plano à dívida pública, desde os activos aos passivos financeiros, desde os fluxos com a União Europeia aos subsídios, aos créditos e a outras formas de apoio concedido pelo Estado, ao património financeiro e abrangem, mesmo, as contas da segurança social. São notas que abrangem o processamento e a contabilização, mas também decisões de natureza política com impacto orçamental, decisões tomadas à margem do Orçamento.
Conclui-se dessas notas de irregularidades, de reservas e de ilegalidades que as Contas do Estado não vão bem (ou, pelo menos, que as de 1999 não iam bem!…)
Basta referir, em síntese, o que o Tribunal de Contas explicita quanto às receitas: "(…) nestas condições, a única certeza que é possível ter sobre a receita orçamental efectivamente cobrada é que o respectivo valor não corresponde ao que se encontra inscrito na Conta Geral do Estado (…)" - vide pág. 7 do Volume I do Relatório do Tribunal de Contas.
Mas também quanto à despesa, o Tribunal de Contas expressa um número significativo de dúvidas e reservas quanto à execução do Orçamento e que têm a ver com: assunção de encargos sem dotação orçamental e realização de despesas à margem do Orçamento; realização, em 2000, depois do prazo previsto no decreto de execução orçamental, de alterações orçamentais; sobrevalorização e subvalorização da despesa paga; não inclusão em Contas de Ordem de parte das despesas financiadas por receitas próprias, o que leva a que esses montantes não passem pelos cofres do Tesouro.
Se algum ente de outro planeta, não familiarizado com os usos e costumes terrenos e, mais particularmente, com os vigentes no Terreiro do Paço, em Lisboa, no ano de 1999, descesse à terra e lesse, já não digo o Relatório do Tribunal de Contas no que respeita à despesa, apenas as páginas 10 a 15 das Conclusões e Recomendações pensaria certamente que o Estado português seria um Estado original em que o Orçamento era uma formalidade, pois que o seu governo o alteraria, a todo o momento e a seu bel-prazer, como qualquer entidade privada dona de uma quinta que a ninguém tivesse de prestar contas, porventura nem à família…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esse pensamento mais se consolidaria ao verificar que a própria conta da Assembleia da República, à qual compete apreciar a Conta do Estado, não integra a Conta Geral do Estado desde 1994, isto devido ao facto de a mesma, segundo a Direcção-Geral do Tesouro, nunca ter sido disponibilizada.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar do que fica dito, não se comete a injustiça de tomar a parte pelo todo e partir das observações críticas ou muito críticas sobre diversos aspectos para reprovar a Conta na sua globalidade.
Mas se não se "toma a nuvem por Juno", também não se pode ignorar as nuvens de dúvidas, de interrogações, de irregularidades e, mesmo, de ilegalidades invocadas pelo Tribunal de Contas como afectando a Conta do Estado. O que, além de um mal em si, é um péssimo sinal de que o Estado dá às empresas e a outras instituições.
Já dizia o filósofo grego Aristóteles: "É, pois, claro que a virtude do bom cidadão não é a virtude do governante. Nós chamamos homem bom e prudente ao governante responsável e dizemos que o político deve ser prudente. Governante e governado devem adquirir virtudes distintas. Existe uma autoridade própria do governante". Pergunto eu: que autoridade ou que virtude tem o Estado para exigir contas correctas se as suas próprias sofrem de grandes incorrecções?
Quando Aristóteles dizia que a virtude do bom cidadão não é a virtude do governante, não tinha razão, pelo menos olhando para Portugal, em 1999, já que a virtude do Estado e a virtude do cidadão comum, que não apresentam contas correctas, tendem mesmo a equiparar-se.

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Ainda a este propósito, digo: como é longa a distância entre essa lassidão anterior, que propiciava irregularidades, e a exigência actual, que chega a revestir aspectos fundamentalistas, sobre as medidas para a agricultura ou para controlar o défice, ou sobre as portagens, que ainda hoje aqui vimos evidenciadas em intervenções e reacções agastadas e nervosas, de quem saiu há pouco do governo ou de quem nunca lá entrou, dizendo como se deve fazer o que nunca fizeram ou souberam fazer!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E aqui volto novamente à filosofia de Aristóteles, que dizia: "Devido aos benefícios derivados dos cargos públicos e do exercício do poder, os homens desejam a ocupação permanente desses cargos. É como se os ocupantes dos cargos fossem doentes e apenas recuperassem a saúde quando estão em funções".
Com as medidas tomadas, os senhores continuarão doentes por muito tempo - doentes politicamente, quero eu dizer.
Mas se a Assembleia deve ficar com a consciência de que existe um problema com as contas do Estado, também deverá ficar certa de que este problema não se resolverá por acção de uma varinha mágica, em 2001 ou em 2002.
Pensa-se que a Assembleia da República não pode ignorar a posição do Tribunal de Contas, tanto mais que é este mesmo Tribunal que afirma que se mantém a apreciação desfavorável do Tribunal de Contas quanto à fiabilidade dos resultados inscritos na Conta Geral do Estado. E, em 1999, o governo anterior já tinha cumprido quatro anos de funções!
Face à repetição das irregularidades e à posição reiterada do Tribunal de Contas, sugere-se que a Assembleia da República, para além de tomar a Conta, tome como sua a recomendação ao governo no sentido de estabelecer uma programação de trabalhos que permita, até ao fim da Legislatura, a contabilização adequada e os procedimentos correctos, de forma a que a elaboração da Conta Geral do Estado cumpra todos os preceitos técnicos, regulamentares e legais e o controlo seja eficaz.
Tem-se como natural que a elaboração de um documento de tal complexidade, como é a Conta Geral do Estado, nunca possa ser uma obra perfeita, mas todos reconhecemos que muita coisa há a fazer e seria mais um bom serviço que o actual Governo faria ao País.
Queria, por fim, dizer que a presente intervenção, algo crítica, não põe em causa a seriedade pessoal dos responsáveis (ministros ou altos funcionários) ou dos diversos intervenientes no processo de elaboração da Conta.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. ausentes Membros do Governo:…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Só se for o Sousa Franco!

Risos do PSD.

O Orador: - Encontramo-nos aqui, com Aristóteles, a apreciar a Conta Geral do Estado de 1999 e a Conta Geral do Estado de 2000. O papel da Assembleia da República nesta apreciação deve ser eminentemente político, articulando essa análise política com as vertentes económicas e financeiras que relevam da análise estruturada das próprias Contas.
Por um lado, congratulamo-nos com a recuperação que se tem levado a cabo, nos últimos anos. Em 1996, estávamos a analisar as Contas do princípio dos anos noventa. Gradualmente, a antiga Comissão de Economia, Finanças e Plano foi progredindo na recuperação temporal, esforço que tem sido continuado pela nova Comissão de Execução Orçamental.
Desta vez, tendo em conta as longas horas dispendidas em comissão parlamentar a debater os mais variados aspectos das Contas de 1999 e 2000 e mesmo o tempo que aqui estamos a utilizar, não poderá o ilustríssimo Presidente do Tribunal de Contas reproduzir a crítica que recentemente formulou relativamente a uma época que já se perdeu na noite dos tempos, em que algumas Contas do Estado teriam sido debatidas com excessiva celeridade.
Não se estava, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesses tempos de 1999 e 2000, na fase em que se procuram transferir custos das administrações para o PIDDAC, conforme se estará a fazer hoje em dia. Destinar-se-á essa manobra a camuflar parcialmente a brutal queda do investimento decidida pelo actual Governo e a sua incapacidade global para controlar as despesas correntes, nomeadamente as que se referem aos custos das administrações.
Integrando os dados das Contas de 1999 e 2000 numa perspectiva mais alargada, lembraríamos que, por intermédio do Deputado João Cravinho e de outros colegas, já aqui foi focado o forte agravamento que durante os governos de Cavaco Silva, sofreram os custos das administrações. Conjuga-se durante esse período, no consulado do pai do "monstro", um acréscimo de gastos com as administrações, influenciado pela falta de sistemas e de adequados métodos de controlo das despesas correntes dos serviços, com um agravamento dos custos de pessoal, em remunerações certas e permanentes, devidos (não só, mas também) à introdução do chamado "novo sistema retributivo".
Sr. Presidente, a subida das despesas correntes que se verificou globalmente durante a governação de socialistas e independentes, dirigida pelo primeiro-ministro António Guterres, teve a ver essencialmente com o acréscimo das despesas de carácter social e com as transferências para as autarquias locais, regiões autónomas e segurança social.
É claro que algumas outras coisas se poderiam ter feito no período 1999/2000. Por exemplo, a proposta de Lei Geral Tributária, se aqui discutida logo que apresentada, poderia ter gerado, caso a Assembleia o tivesse querido, uma outra dinâmica, eventualmente mais consensual e acelerada, do processo de reforma do sistema fiscal. Este processo foi remetido em boa parte para a Legislatura que se

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iniciou no final de 1999 e que veio, ainda no decurso de 2000, a integrar a reforma dos impostos sobre o rendimento, aprovada no final desse mesmo ano de 2000 e cujas contas estão também em apreciação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os anos de 1999 e 2000 integram a fase central da governação de Guterres, o período em que, segundo alguns comentadores políticos, se poderia (ou deveria) ter desencadeado uma política anticíclica, prevendo o impacto que a evolução da conjuntura económica internacional poderia ter.
O PSD, subido ao poder em fase de contraciclo, resolve entretanto aprofundar as dificuldades económicas que o País vive, transformando, como tem sido dito, uma situação orçamentalmente difícil numa crise económica, criando um clima pré-recessivo, que passa pelo actual marasmo económico e a que se associam as políticas de contra-reformas, impropriamente alcunhadas, por distraídos comentadores e intrépidos políticos, de reformas estruturais.
Srs. Deputados, nestes anos do meio, de 1999 e 2000, prosseguiu a subida gradual das despesas sociais, com um conjunto de medidas concretizadas nomeadamente nas áreas da protecção e do apoio social, bem como um maior investimento na educação, exprimindo a coerência da prática com as propostas políticas de qualificação das pessoas e apoio aos mais carenciados, alvo essencial das políticas de solidariedade que então se desenvolveram.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, as Contas de 1999 e 2000 integraram uma outra vertente essencial, a qual correspondeu ao adequado cumprimento da legislação relativa às transferências para as autarquias locais, para as regiões autónomas e para a segurança social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em contrapartida, foi preciso chegar-se aos dias de hoje, para que um ministro, oficialmente cristão-democrata e popular, assumisse o incumprimento da transferência dos montantes legalmente estipulados e socialmente consensualizadas para o sistema da segurança social. Pecados que, de facto, não se verificaram nem em 1999, nem em 2000.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante este período de 1999 e 2000, não houve "fantasias", como diria a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, de vender a rede fixa da PT (o que achámos bem, quando Durão achava mal), nem absurdas políticas de extinguir repentinamente a principal holding do Estado, também em parte para financiar o défice do sector público administrativo. Não se criaram portagens, onde elas tinham sido extintas, nem se procurou vender património edificado e imobiliário do Estado, pondo em causa os condicionamentos urbanísticos municipalmente decididos, muito menos os compromissos do próprio Governo da República.
Aliás, falando dos dias de hoje, "para quem tomou por credíveis as previsões governamentais, o balanço só pode ser classificado de desilusão", como diz a Associação Empresarial de Portugal (AEP).
Nada disto se passou e nenhum comentário deste tipo foi feito nos anos em análise, de 1999 e 2000.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pelo contrário, 1999 e 2000 foram anos em que se deram passos céleres no sentido de uma maior justiça social, no aumento da eficiência fiscal, na redução do défice orçamental, no processo de participação na zona euro, no caminho tão difícil para independência de Timor, na redução do desemprego, no acréscimo de investimento e da obtenção de mais recursos para o País e no aumento do rendimento disponível das famílias.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Já se esqueceram!

O Orador: - No relatório sobre as Contas de 1999, salienta-se que: "O ano de 1999 consagra, contra algumas expectativas," (leia-se, por exemplo, as de Manuela Ferreira Leite) "o sucesso da introdução do euro, em Portugal, e constitui um marco histórico na construção europeia, dando início à terceira fase da União Económica e Monetária".
Sublinha-se, ainda no mesmo relatório, do Sr. Deputado Victor Baptista, que "Há, no entanto, a realçar o crescimento real da economia portuguesa em 1999, que confirmou um crescimento acima da média europeia".
Os anos de 1999 e 2000 foram claramente um período de convergência com as economias europeias, processo que o actual Governo, de concentração das direitas, está a inverter.
Não se tinha atingido o despautério na técnica orçamental que os finais de 2002 estão a evidenciar para qualquer observador que não resida em Sirius ou num planeta distante, e que obrigarão a Deputada Maria do Rosário Águas, se ainda o for, a fazer aqui uma crítica violenta às contas de 2002, quando elas aparecerem.
Também já não se estava no período em que, segundo o genial professor (e meu ilustre amigo) Jorge Braga de Macedo, Mário Soares, teimosamente sentado em Belém, pelo voto popular e com a estranha mania de exercer os poderes que lhe estavam confiados, teria impedido que Portugal entrasse no oásis prometido por corifeus do cavaquismo, e em que Manuela Ferreira Leite conseguiu a proeza de atingir o maior défice orçamental de que há memória, pelo menos desde que Portugal entrou na União Europeia.

Risos do PSD.

A verdade custa! A verdade dói! Não há Aristóteles que apague isso, ainda que mal citado pelo Deputado Pinho Cardão.
Srs. Deputados, é claro que nem tudo o que se fez em 1999 e 2000 é isento de crítica.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso já nós sabemos!

O Orador: - Sabe, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas sabe pouco e entendeu mal!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sabemos, sabemos!

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O Orador: - Isto não é a Fórmula 1, nem a discussão sobre a pedofilia na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias!
Como dizia, nem tudo o que se fez em 1999 e 2000 é isento de crítica, nomeadamente na área dos impostos sobre os combustíveis (cuja discussão abrangeu, então, a própria área socialista). Mas quanto à criatividade orçamental, qualquer pecadilho então detectável não tem comparação com o que hoje se passa. Registamos as críticas do Tribunal de Contas com a consciência do enorme trabalho que foi feito, ao longo dos anos, para melhorar a situação existente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A própria Lei de Enquadramento Orçamental, baseada num anteprojecto do Prof. Sousa Franco e em cuja elaboração o Prof. Fernando Pacheco teve um papel destacado, é exemplo desse esforço, no caminho de um maior rigor e de um melhor controlo orçamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O caminho no sentido do aperfeiçoamento das contas públicas e da melhor execução orçamental exige gradualismo, rigor e realismo, bem como o respeito pelo próprio papel do Parlamento.
Desta forma, consideramos profundamente negativa a recente recusa pelo Plenário da Assembleia, na voragem do debate orçamental, das propostas de auditorias no domínio dos impostos (à DGCI) e na área da saúde (ao IGIF da saúde). Tais auditorias, se aprovadas pela Assembleia, exprimiriam a vontade dos Deputados de intervirem, realmente, no acompanhamento das contas do Estado (e não de copiar extractos dos relatórios do Tribunal de Contas), na real execução orçamental (e não de "engolir" o que aqui é trazido por um governante distraído), e terem um papel determinante na escolha dos segmentos do sistema a serem auditados e não em reproduzirem um qualquer assunto que uma qualquer ministra lhes envia para debitarem. Enfim, uns querem boas contas, outros dizem que as querem!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espero ter contribuído para um debate predominantemente político das Contas do Estado de 1999 e 2000, que facilite a assunção de uma posição política por cada Deputado, por cada grupo parlamentar, face ao que se passou nestes anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Prometendo, desde já, que não irei citar Aristóteles, começo por uma afirmação que não constituirá novidade para ninguém, de acordo com a qual se, por um lado, o Orçamento do Estado traduz, no plano financeiro, o que o Governo pensa fazer num determinado ano, é certo também que a Conta do Estado revela, ou deveria revelar, o que efectivamente se fez ou deixou de fazer, pemitindo a comparação entre o previsto e o realmente executado.
Esta última é, aliás, um instrumento que permite a apreciação da gestão financeira do Estado e a avaliação sobre a utilização dos dinheiros públicos, à luz do critério da economia, da eficiência e da eficácia.
A Conta assume a maior importância e constitui uma garantia fundamental para os cidadãos quanto ao controlo da aplicação dos recursos financeiros públicos. Representa precisamente a tradução quantificada da actividade económica e financeira da Administração Pública durante cada exercício económico e é, por isso, um instrumento sobre o qual deve ser exercido o controlo político que cabe à Assembleia da República.
É por isso difícil de aceitar, não obstante o reforço e alargamento do âmbito de actuação do Tribunal de Contas, o facto repetido, e já aqui referido, de a Conta Geral do Estado ser apreciada vários anos após o exercício económico a que se reporta, o que pode retirar sentido útil a essa mesma apreciação.
Parece, então, forçoso reconhecer que, assim, a Assembleia da República acaba por ver enfraquecida a sua capacidade de controlo político da Conta do Estado.
Num outro plano, esse facto leva a que, inevitavelmente, o conteúdo dos relatórios do Tribunal de Contas acabe por ficar desvalorizado.
Isso mesmo é comprovado pela sua leitura sistemática, pois desta resulta claro que, ano após ano, subsistem as mesmas deficiências no sistema de apuramento das receitas e despesas públicas, as mesmas falhas no controlo interno e a verificação contínua de práticas de desorçamentação.
Em consequência destas situações, pode até chegar a concluir-se que a Conta Geral do Estado não consegue apresentar de forma fidedigna a situação financeira resultante do exercício económico a que respeita.
Ora, era importante que assim não fosse, pois não só a Assembleia da República deve fazer a sua apreciação política em tempo útil como também dessa apreciação política devem ser retiradas as conclusões necessárias. Isto é, as conclusões que podem levar à responsabilização política dos intervenientes mas que, sobretudo, devem contribuir para a alteração dos procedimentos, de modo a garantir a boa aplicação dos recursos públicos e a sua gestão rigorosa e transparente. A prestação de contas, rigorosas e transparentes, é imprescindível para a credibilização das instituições do Estado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A leitura atenta das Contas Gerais do Estado de 1999 e 2000 demonstra de forma muito vincada a necessidade de, em Portugal, ser absolutamente imperativo levar a cabo medidas no sentido de reforçar de modo crescente a transparência desses documentos.
Por outro lado, fica totalmente demonstrado que é necessário reforçar algo que se tornou imperativo, um sistema coerente de controlo financeiro, interno e externo, que assegure a legalidade no domínio financeiro e que se inscreva no esforço de modernização da gestão pública.
As Contas do Estado de 1999 e 2000 mereceram, por parte do Tribunal de Contas, algumas severas reservas. Reservas quanto aos valores globais da receita e da despesa e, consequentemente, dúvidas quanto ao défice apurado.
Por outro lado, reservas quanto ao subsector da segurança social, pois foram expressas dúvidas quanto ao facto de as respectivas demonstrações financeiras reflectirem

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de forma adequada e com rigor a situação económica e financeira daquele subsector.
Reservas também quanto aos procedimentos e métodos de contabilização utilizados no registo das receitas do Estado, que, aliás, têm vindo a ser sistematicamente repetidas pelo Tribunal de Contas devido ao facto de não garantirem a exactidão dos registos e nem sequer a contabilização da totalidade das operações de receitas na Conta Geral do Estado.
Fica então claro, perante a leitura dos pareceres e relatórios relativos à Conta Geral do Estado de 1999 e 2000, que o Tribunal de Contas fez repetidas chamadas de atenção. Pena é que essas recomendações não tenham tido, infelizmente, qualquer consequência.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto a uma delas, é evidente que os graves problemas que posteriormente se vieram a revelar quanto ao défice de 2001 vêm demonstrar o fundamento das reservas do Tribunal de Contas, e confirmar, ainda, as chamadas de atenção por este produzidas em relação ao modo como estas matérias vinham a ser tratadas.
Não pondo em causa algum esforço, por parte de serviços e direcções-gerais, para suprir os problemas detectados - aliás, isso mesmo é reconhecido pelo Tribunal -, a verdade é que, do ponto de vista da eficácia, esse esforço acabou por não levar a grandes resultados, já que as contas de 2000, por exemplo, continuavam a apresentar elevado nível de inexactidão.
Alguma indiferença face às sucessivas recomendações do Tribunal de Contas, ou até uma certa falta de empenhamento na tomada de medidas eficazes para suprir as deficiências, e a existência, na prática, dos mesmos erros, que na sua maior parte, são até reconhecidos pelos serviços responsáveis, resultaram numa duvidosa utilidade do trabalho desenvolvido pelas instituições.
Seguindo os relatórios apresentados e de uma forma genérica, podemos identificar como principais factores da falta de rigor da Conta Geral do Estado de 1999 e 2000 os seguintes: primeiro, deficiências no sistema de apuramento das receitas e despesas públicas; segundo, informatização dos serviços administradores das receitas; terceiro, a não compatibilização e integração de aplicações informáticas; quarto, duplicidade de critérios no tratamento de informação e registo de operações; quinto, falhas de controlo interno, conciliação de valores e validação de dados e informações; sexto, não cumprimento dos princípios contabilísticos, dos quais destacamos a prática de desorçamentação, que altera significativamente os valores registados na Conta Geral do Estado de 2000.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe à Assembleia da República a responsabilidade de analisar, fiscalizar e debater, com a necessária ênfase, esta matéria por forma a que a Conta Geral do Estado represente com verdade as operações económicas e financeiras e possa merecer a confiança inequívoca e o parecer favorável dos organismos responsáveis pela sua auditoria técnica, o que levará os portugueses a passarem a ter, no Estado, um exemplo de correcção, rigor e transparência.
Por isso mesmo, o actual Governo manifestou já a intenção de mudar os maus hábitos instituídos. No entanto, esse facto não desobriga a Assembleia da República de exigir que seja dada prioridade a esta matéria, o estabelecimento de mecanismos e a afectação de meios necessários para modificar a situação.
Porventura, se tivessem sido levadas em consideração as múltiplas recomendações do Tribunal de Contas em anos anteriores, Portugal teria certamente sido poupado ao descrédito interno e externo a que estiveram sujeitas as suas contas públicas, e a própria discussão da Conta Geral do Estado ganharia em dignidade parlamentar, pois não deve ser apenas a previsão financeira a assumir essa relevância.
Esperamos, e confiamos, que, no futuro, o caminho seja bem diferente, a bem da credibilidade nacional.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar dos avanços ocorridos ao longo dos últimos anos, apesar do encurtamento verificado nos tempos que costumavam mediar entre o momento de fecho das Contas do Estado e o da respectiva aprovação parlamentar, a verdade é que estamos ainda longe do cumprimento pleno do que está estipulado quanto aos prazos constitucionalmente previstos para que a Assembleia da República aprove as contas públicas, após, naturalmente, a necessária ponderação e análise dos pareceres obrigatórios e indispensáveis, entre os quais se destaca o parecer do Tribunal de Contas.
Estamos hoje, portanto, a discutir e a aprovar as Contas de Estado dos anos de 1999 e 2000, que deveriam ter já sido parlamentarmente encerradas até 31 de Dezembro dos anos subsequentes àqueles em que ocorreram. É importante, e esta é a primeira ilação que devemos tirar, que se adoptem medidas e processos que permitam, num tempo tão curto quanto possível e desejável, aprovar as Contas do Estado de acordo com os prazos previstos de forma clara e explícita no artigo 162.º da Constituição da República.
Em relação ao conteúdo propriamente dito das Contas do Estado, os pareceres do Tribunal de Contas tornam mais uma vez clara a preocupação quanto à metodologia e acompanhamento das execuções orçamentais.
De facto, continuam a ser adoptadas metodologias e processos tão diferenciados que os resultados apurados, designadamente quanto ao apuramento de receitas, são significativamente diferentes conforme sejam as origens da informação. Continuava a existir nos anos de 1999 e 2000, como existe hoje, claramente, um enorme descontrolo no sistema de contabilização de receitas, que contribui de forma notória e evidente para a descredibilização das Contas do Estado.
Ainda que se deseje que algumas medidas concretas entretanto introduzidas possam vir a contribuir para a resolução destes problemas - e o PCP deseja, de facto, que isso ocorra -, o PCP considera igualmente positivos passos dados já nesta legislatura para melhorar o acompanhamento parlamentar, designadamente com a criação da Comissão de Execução Orçamental. Apesar disto tudo, julgamos que é possível fazer ainda mais e melhor, nomeadamente

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no que respeita à articulação entre a actividade e o acompanhamento da evolução da execução orçamental com o trabalho do Tribunal de Contas, por exemplo, com a criação da possibilidade deste Tribunal poder aceder a informação atempada do Ministério das Finanças, por exemplo, com informação on-line, sobre os dados relativos à evolução da execução orçamental durante o seu decurso.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No que respeita às despesas relativas ao investimento do plano, são novamente, e de forma recorrente, patentes as dificuldades de análise de execução do PIDDAC, isto é, do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central.
De toda a forma e apesar dessas dificuldades, é possível registar como claramente negativo o facto de em 2000, por exemplo, a taxa de execução do PIDDAC se ter limitado a uns parcos 68%, apesar de o PCP considerar como atenuante o facto de o Orçamento desse ano ter sido aprovado já no decurso de 2000 e, ainda, o facto do III Quadro Comunitário de Apoio também se ter iniciado durante o decurso desse mesmo ano.
Este último facto, relativo ao Quadro Comunitário de Apoio, manifestou-se, aliás, de forma bem evidente nas transferências dos fluxos financeiros com origem na União Europeia, que no ano 2000 atingiram valores 20% abaixo dos que haviam sido inicialmente previstos em sede orçamental. No entanto, e apesar deste contexto atenuante, é de salientar pela negativa o facto da execução da despesa comunitária se ter situado apenas num valor de cerca de 10%, o que consideramos manifestamente insuficiente em relação ao que estava programado para esse ano.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma última nota relativa às observações relativas ao orçamento da segurança social.
Tal como decorre da lei, as contas mostram que o financiamento do orçamento da segurança social foi consequência da afectação das contribuições legais e, ainda, das transferências do Orçamento do Estado para as despesas decorrentes dos regimes não contributivos e da acção social. Por outro lado, as Contas do Estado confirmam, igualmente, a existência de dívidas muito elevadas à segurança social, que, agora, também, em sede de aprovação das contas públicas, não podem ser esquecidas pelo PCP.
Não é aceitável que as dívidas à segurança social tenham crescido cerca de 14% entre 1999 e 2000 e que se torne patente, pela análise das contas públicas, que de um universo de cerca de 14 000 empresas em dívida, apenas 6% estivessem, na altura, a liquidar as suas obrigações e, ainda, que dos contribuintes com acordo de regularização em vigor em 2000, por exemplo, mais de 1/3 não estivesse a cumprir com as suas obrigações.
A segurança social não pode, como acontecia no final de 2000, continuar com créditos superiores a 600 milhões de contos, isto é, um valor superior a 3000 milhões de euros, a menos que, naturalmente, o Governo actual queira deliberadamente e intencionalmente comprometer o futuro da segurança social. Portanto, têm que ser adoptadas medidas destinadas a promover a liquidação das dívidas para que, consequentemente, sejam garantidas as receitas orçamentais necessárias para assegurar o financiamento actual e futuro do sistema público da segurança social.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar das evoluções recentes que deixamos registadas ao longo deste debate, a verdade é que subsistem elementos que confirmam de forma clara e recorrente a falta de transparência e a falta de credibilização das contas públicas, tal como subsistem, infelizmente, elementos que conflituam inclusive com a conformidade legal em vigor.
Por isso, o PCP não pode, de forma alguma, suportar a aprovação pela Assembleia da República das Contas do Estado relativas aos anos de 1999 e 2000 e irá votar contra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República está a apreciar dois documentos fundamentais num Estado de direito, as Contas do Estado.
A análise feita nesta Câmara é eminentemente política, não se devendo desprezar as considerações que foram proferidas por outros órgãos do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há minutos, o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira tentou baralhar, falar de tudo para esconder o que aqui estamos verdadeiramente a discutir: as Contas Gerais do Estado de 1999 e de 2000.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A apreciação destas Contas permite retirar duas conclusões. Em primeiro lugar, as Contas do Estado em análise espelham o estilo da governação socialista:…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!

O Orador: - … falta de rigor, de objectividade, de seriedade, numa actuação estilo "contabilidade criativa", para esconder a realidade dos factos e dos números.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, evidenciam uma execução orçamental miserável, em que as previsões não correspondem minimamente à realidade e, pior, as execuções não têm qualquer correlação com o orçamentado, numa política tipicamente socialista de governar ao sabor do vento, sem estratégia e sem rumo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, as conclusões referidas resultam da avaliação política que o PSD faz dos documentos em causa e da governação que eles representam,

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mas está suficientemente escudada na apreciação feita por um órgão independente, como é o Tribunal de Contas, que emitiu pareceres devastadores para a Conta do Estado e para o governo socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A título exemplificativo, pela sua importância e gravidade, permitam-me que repita afirmações do Tribunal de Contas no que concerne, por exemplo, aos valores da receita de 1999. Esta instituição faz uma apreciação desfavorável quanto à fiabilidade dos resultados inscritos, afirmando mesmo "que a única certeza que é possível ter sobre a receita orçamental efectivamente cobrada é que o respectivo valor não corresponde ao que se encontra inscrito na Conta Geral do Estado".

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Que pouca-vergonha!

O Orador: - No entanto, também no que concerne à despesa, a posição do Tribunal de Contas não podia ser mais clara, criticando todo o processo da sua contabilização, concluindo por pôr "em causa a fiabilidade e a utilidade da Conta para a análise económica das despesas do Estado".
Mais, refere o Tribunal de Contas que detectou "(…) situações de repetida assunção de encargos sem cobertura orçamental, com clara violação da Constituição e da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado. O pagamento desses encargos em dívida por operações de tesouraria significa a completa desorçamentação, ou seja, não foram liquidados por despesa orçamental no ano em que se constituíram nem no ano em que são pagos".
Infelizmente, esta prática não se resumiu ao ano de 1999, pois correspondia a todo um estilo de governação. E, assim, no ano 2000, o Tribunal de Contas concluiu "pela não fiabilidade e consistência de alguns dos valores constantes da Conta Geral do Estado, quer em relação à receita quer em relação à despesa e consequentemente do défice".

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - Mas, sobre o processo de consolidação da segurança social, o Tribunal de Contas vai mais longe, "considerando não poder formular um juízo sobre o processo de consolidação da Conta da segurança social", tal é falta de informação contida na Conta do Estado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Baralhada total!

O Orador: - De facto, a incerteza e a falta de rigor detectados pelo Tribunal de Contas em relação às Contas do Estado são prejudiciais aos interesses do País e só aproveitam a quem queira governar manipulando a verdade dos números.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta autêntica "trapalhada" contabilística evidencia ou uma incompetência na gestão dos dinheiros públicos ou uma intenção deliberada de não transparência das contas públicas, de modo a evitar responsabilidades por uma gestão hoje reconhecidamente calamitosa.
Com efeito, receitas subavaliadas e despesas acima do orçamentado, frequentemente fora dos quadros de pagamentos e atiradas para exercícios posteriores, numa lógica de camuflar o verdadeiro défice do Orçamento do Estado de Portugal, não podem ter qualquer outra explicação. Aliás, hoje é praticamente seguro que o verdadeiro valor do défice de 2000 não correspondeu aos 2,9% do PIB anunciado mas um valor superior a 3%, evidenciando que não foi só em 2001 que Portugal não cumpriu os seus compromissos no âmbito do Pacto de Estabilidade, mas já em 2000 a derrapagem das contas públicas era uma realidade, numa trajectória rumo ao abismo, descredibilizadora do País e verdadeiramente criminosa para as futuras gerações, mas, felizmente, interrompida graças à mudança de governo, que permitiu a Portugal reencontrar o caminho do rigor, da seriedade e da persistência no alcançar de objectivos previamente traçados.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Já não era sem tempo!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A verdade dói aos responsáveis por esta situação, e dói porque, mais do que palavras e debate político, estamos perante factos, perante afirmações de um Tribunal, perante números concretos que demonstram o desnorte que reinou em Portugal durante os últimos anos…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … e evidenciam o enorme esforço que este Governo teve de realizar para, em apenas seis meses, colocar o País no rumo certo.
A História e os portugueses avaliarão uns e outros. Por nós, não tememos o juízo, que decerto nos será largamente favorável.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Para uma intervenção, Sr. Presidente. Como apenas disponho de 55 segundos, beneficiarei da cedência de algum tempo pelo Bloco de Esquerda.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, até este momento, o Bloco de Esquerda não comunicou à Mesa essa cedência de tempo, mas, enfim, tomo como boas as palavras do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
Nesse caso, pergunto quantos minutos cede o Bloco de Esquerda ao Partido Socialista.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - 3 minutos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse

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Ferreira, que dispõe de 3 minutos cedidos pelo Bloco de Esquerda.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, convinha dizer que algumas das considerações feitas pelo Sr. Deputado Honório Novo sobre o PIDDAC e o Quadro Comunitário de Apoio não são correctas e isso poderá ser esclarecidas oportunamente, através de uma nota técnica. O valor ajustado da realização do Capítulo 50 é totalmente diferente, oscila entre os valores de 89,5 e 94,1, de acordo com os dados disponíveis. Portanto, há uma confusão na utilização dos dados.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Falei do PIDDAC!

O Orador: - Sim, refiro-me ao PIDDAC, Capítulo 50.
Não há "contabilidade criativa" como a deste Governo, pois nunca nenhum governo, até agora, tinha ousado fazer as manipulações que este Governo está a fazer, assim como não existe qualquer estratégia política neste Governo que não seja o afundamento da economia nacional.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Falso!

O Orador: - Efectivamente, a passagem por uma situação de alguma dificuldade orçamental torna necessário enquadrar as Contas de 1999 e de 2000 no processo a que elas correspondem. Estamos aqui não como contabilistas mas como políticos e por isso estar a respigar frases tiradas a esmo do relatório do Tribunal Contas… Se fossemos pegar nos relatórios feitos sobre as Contas do chamado "cavaquismo declinante", de 1991 a 1994, as críticas feitas pelo Tribunal de Contas eram tão ou mais graves do que as hoje apresentadas.

Protestos do PSD.

Não é grunhindo nem fazendo ruídos inaudíveis que me interrompem! Quem quiser intervir que se inscreva! Os Srs. Deputados que estão a fazer esses ruídos já falaram o suficiente, incluindo o Sr. Deputado Guilherme Silva.
Neste caso, o défice de credibilidade é deste Governo. Até hoje, nunca ninguém em Portugal, em democracia, tinha utilizado estratégias e manipulações como as que este Governo está a utilizar.

Vozes do PSD: - Falso!

O Orador: - Portanto, devo dizer que as Contas de 1999 e de 2000 se integraram numa estratégia de desenvolvimento económico e solidariedade social, para a qual este Governo se revela incapaz. A manipulação feita pela Sr.ª Ministra das Finanças e pelo Governo, com a cobertura dada pelo Grupo Parlamentar do PSD, ultrapassa todos os limites e será julgada em seu devido tempo. Nós nunca tivemos medo do julgamento dos eleitores nem nunca nos agarrámos ao poder.
Do ponto de vista político e económico, os anos de 1999 e 2000 foram positivos. Aliás, em relação ao ano de 1999, isso mesmo foi reconhecido pelos eleitores. VV. Ex.as podem dizer e fazer o que entenderem, podem tentar apagar o completo disparate que está a ser política deste Governo na área económica e financeira, porque nós estamos conscientes das críticas que têm sido feitas e, nesse sentido, temos proposto medidas e sistemas para regularizar e melhorar a situação. Mas VV. Ex.as fogem a aprovar as auditorias que aqui propomos; VV. Ex.as fogem "como o diabo da cruz" a um sistema mais adequado de controlo das contas públicas; VV. Ex.as fogem a qualquer controlo, querem manipular o défice, manipular as Contas e não desenvolver o País. Por esse caminho, nós não seguiremos!
Aceitamos de bom grado as críticas que são feitas pelo Tribunal de Contas mas, efectivamente, não vos acompanhamos na forma como estão a dar cabo da economia nacional, manipulando as finanças públicas como se de uma quinta vossa se tratasse.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, seguramente que a palavra "grunhindo", na forma como se dirigiu aos seus colegas, não é propriamente a mais adequada à relação entre os parlamentares e bom seria que ela não constasse da acta.
Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco, que dispõe de tempo cedido pelo Bloco de Esquerda.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, agradeço a generosidade do Bloco de Esquerda para podermos aqui desenvolver mais um pouco este debate.
Faço esta segunda intervenção apenas para dizer o seguinte: por um lado, compreendo a última intervenção do Partido Socialista, de fuga a falar sobre as Contas de 1999 e de 2000. É que é verdadeiramente deprimente falar sobre esse facto!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E essa depressão que sentem é transmissível a todos os portugueses, porque falar sobre essa parte da nossa história, que vai deixar marcas tão tristes, é algo que a ninguém agrada. Mas temos de falar sobre isso, porque é essa a realidade dos factos e foi para esse efeito que este debate foi convocado.
A segunda nota, Sr. Presidente, é que a intervenção do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira resulta de uma dor de alma que nós já sentimos. Durante anos houve desestabilização, agora houve recuperação; fizeram o mal, nós recuperamos e, além do mais, cumprimos o que dizemos.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Dissemos que o défice seria de 2,8%, e o défice vai ser de 2,8%. Essa é uma dor de alma que está a passar pelo Partido Socialista, mas vão ter de a sentir durante muito tempo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Inscreveu-se ainda, no tempo que resta ao Partido Socialista, o Sr. Deputado Victor Baptista, para uma intervenção.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Duarte Pacheco, em termos de informação macroeconómica, está mais adequada àquele velho fado Ó Tempo Volta para Trás, porque nessa matéria, infelizmente, não há grande dúvida sobre o que vai acontecer nas contas referentes a 2002. E os dados macroeconómicos constam, evidentemente, do relatório de 1999.
Sr. Deputado Duarte Pacheco, vou referir uma outra matéria de que falou na anterior intervenção, a questão da desorçamentação. Não foi por acaso que fiz uma declaração de voto sobre essa matéria, fi-la intencionalmente. Sr. Deputado, onde é que há desorçamentação? Se o pagamento desses encargos é registado por operações de tesouraria, conforme diz, as operações de tesouraria, que eu saiba, constam da Conta e do próprio Orçamento.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Quer ler o relatório do Tribunal de Contas?

O Orador: - Quanto muito, Sr. Deputado, estaria em causa uma deficiência de registo contabilístico.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha chegou ao fim, peço-lhe para concluir.

O Orador: - Tenho pena, Sr. Presidente, de não ir mais longe, porque nessa mesma declaração de voto também tinha a resposta exacta sobre outra matéria que aqui foi abordada de forma profundamente errada, confundindo, de resto, aumentos com diminuições.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, os pedidos de palavra sucedem-se e seria bom que estabilizássemos por aqui, embora os grupos parlamentares sejam livres de utilizar o tempo como entenderem.
Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosário Cardoso Águas.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Victor Baptista vai na linha da do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, ou seja, focou questões que não são as agendadas. Estamos a falar das Contas de 1999 de 2000 e o que afirmamos está suportado por um relatório de uma entidade isenta, embora nós saibamos que, de vez em quando, há senhores que põem em causa esse facto, essa isenção, mas nós não pomos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Aliás, instituição essa a que os senhores, nos últimos anos, até reforçaram as competências e pergunto-me por que é que agora têm tantas dúvidas
O Sr. Deputado já tem referido, várias vezes, que sabe muito de contabilidade e põe em causa o conhecimento de contabilidade dos outros, mas, perdoe-me, Sr. Deputado, acredito mais no Tribunal de Contas.
Ora, o que o Tribunal de Contas diz é que se verificam situações de repetida assumpção de encargos sem cobertura orçamental, com clara violação do artigo 105.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 3.º, do n.º 2 do artigo 9.º e do artigo 18.º da Lei de Enquadramento Orçamental e que o pagamento desses encargos em dívida por operações de tesouraria significa a sua completa desorçamentação. Ou seja, não foram incluídos no Orçamento quando foram inscritos nem sequer quando foram pagos. É o que se passa com as despesas do Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - O Partido Ecologista Os Verdes cedeu um minuto ao Partido Socialista, sendo que o Sr. Deputado Victor Baptista tem um minuto. Não lhe desconto os 30 segundos negativos que já tem, mas peço que se limite exactamente a esse minuto, dado que ainda temos outro ponto da ordem de trabalhos para debater.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, quando a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Águas referiu a matéria macroeconómica parece que se esqueceu que o PIB cresceu 3,8%, que o desemprego foi de 4,4%, quando na Europa a média era de 9,2%, etc.
Sr.ª Deputada, quanto à matéria contabilística, não se pode falar em desorçamentação quando as contas de ordem fazem parte do Orçamento. Esse é um princípio básico do entendimento contabilístico.
Já agora, também quero informá-la do seguinte: não costumo fazer juízos de valor sobre outros Deputados, mas, para sua informação, não sou só economista, sou também contabilista.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, é evidente que há grupos parlamentares que ainda têm tempos e que os estão a disponibilizá-los. Em todo o caso, chamo a atenção do Hemiciclo para o facto de ainda termos um ponto na ordem de trabalhos por discutir.
O Partido Ecologista Os Verdes cedeu agora um minuto ao PSD, pelo que, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Cardão.

O Sr. Pinho Cardão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Julgava que esta questão da Conta Geral do Estado de 1999 deveria levar a um exercício de humildade democrática por parte do Partido Socialista. Ora, acontece exactamente o contrário. Ao fim e ao cabo, o Partido Socialista, quando fala da Conta do Estado de 1999, diz que está certa, e nos intervalos em que não fala da Conta do Estado de 1999 fala de outros assuntos que nada têm a ver com esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não vou insistir e só direi que o Tribunal de Contas diz, mais uma vez,…

Protestos do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira.

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Os senhores não podem "tomar a nuvem por Juno"! De facto, a Conta do Estado tem graves imperfeições. Não é só uma "nuvem passageira". Os senhores realizem e ponham na vossa cabeça que isto é assim!

Protestos do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira.

Não vale a pena negar aquilo que é inegável! Quando o Tribunal de Contas diz que há situações de repetida assumpção de encargos sem cobertura orçamental e quando diz que, em consequência disso, se mantém a apreciação desfavorável do Tribunal de Contas quanto à fiabilidade dos resultados inscritos na Conta Geral do Estado, face às deficiências detectadas na forma de registar informação e no controlo exercido sobre esse registo, o que é que os senhores querem mais?! Para a próxima têm de fazer melhor!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - O Partido Ecologista Os Verdes voltou a ceder um minuto do seu tempo, desta vez ao PCP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, fui desmentido numa informação factual que dei e vinha confirmá-la.
O relatório do Tribunal de Contas, ponto 4, Investimento do Plano, página 32, n.º 8, diz claramente que a taxa de execução financeira do PIDDAC global, no ano 2002, foi de 68%.
Mais à frente, no capítulo respeitante aos fluxos financeiros, ponto 3 das Conclusões e Recomendações, confirma aquilo que eu tinha dito, ou seja, há uma diminuição em cerca de 20% dos fluxos financeiros a partir da União.
Finalmente, no ponto 6 do mesmo capítulo, vem confirmar que, da despesa comunitária programada para 2000, foi executada a taxa de 9,44%. Aqui enganei-me porque disse 10%, mas, de facto, foi 9,44%.

Vozes do PCP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - A Sr.ª Deputada Elisa Ferreira pediu a palavra para interpelar a Mesa. Pode informar, Sr.ª Deputada, sobre que aspectos da condução dos trabalhos?

A Sr.ª Elisa Guimarães Ferreira (PS): - Sr. Presidente, é para dar algumas informações de carácter técnico a propósito do modo como se faz a contabilização dos fundos comunitários e a propósito da taxa de execução do PIDDAC.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elisa Guimarães Ferreira (PS): - Relativamente à taxa de execução do PIDDAC, o número que aqui foi divulgado corresponde ao número global, que inclui uma comparação do executado com o inicial global. Normalmente, para se saber da capacidade de execução do Estado refere-se o capítulo 50, sendo essa taxa ajustada pelas retenções que são feitas inicialmente. Essa taxa, para o ano 2000, é de 91,6%. Não há incompatibilidade entre os dois números. O que há é o juízo e a interpretação que se faz do valor.
No que diz respeito à questão dos fundos comunitários, chamo a atenção para o facto de que os pagamentos de fecho do II Quadro Comunitário de Apoio (QCA II), que terminou em 1999, não podem ocorrer no momento em que se terminam os projectos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, isto não é uma interpelação!

A Oradora: - Ocorrem, sim, depois do fecho técnico, que demora seis meses. Portanto, 20% dos pagamentos do QCA II ficam retidos.
Relativamente ao QCA III faz-se uma antecipação, tendo Portugal recebido antes de qualquer outro país. Não há, portanto, um fluxo de chegada de dinheiro à medida que os projectos…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Suponho que está dada a explicação, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Eu posso providenciar uma peça técnica, mas é custoso…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, está feito o esclarecimento técnico, podendo essa matéria ser aprofundada em sede de Comissão.
Srs. Deputados, chegados ao fim da discussão deste ponto da ordem de trabalhos, passamos à apreciação do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o relatório do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Refere o artigo 209.º, n.º 2, da Constituição da República que podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz, embora os julgados de paz tenham estado desenhados na lei sem propriamente estarem esboçados, na prática, desde 1977.
Na verdade, na anterior legislatura, através de um esforço comum do PSD, do PS, do CDS-PP e do PCP, em trabalho múltiplo e eficaz, conseguiu-se produzir a Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, que organizou o funcionamento dos julgados de paz.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a actuação dos julgados de paz é vocacionada para permitir a participação cívica dos interessados, para estimular a justa composição dos litígios por acordos das partes, sendo certo que os procedimentos, isto é, as tramitações processuais dos julgados de paz estão concebidas e são orientadas por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual.

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Importa ainda, nesta fase preliminar, dizer que, como é sabido, a competência dos julgados de paz é estritamente declarativa e apenas para acções de pequeno valor, isto é, acções cujo valor não exceda o da alçada da primeira instância.
O governo anterior instalou, a título experimental, quatro julgados de paz, em Lisboa, Vila Nova de Gaia, Seixal e Oliveira do Bairro. Havia que fazer, nos termos da lei, um parecer e fez-se o Conselho de Acompanhamento da instalação e funcionamento dos julgados de paz, do qual fazem parte alguns Deputados desta Câmara, que reuniu um número infindável de vezes, ora para nomear, ora para substituir, ora para dar posse aos juízes de paz, ora para acompanhar no terreno o funcionamento e a evolução dos julgados de paz, ora mesmo para elaborar múltipla documentação indispensável ao seu futuro.
O que é importa é que o Governo actual enunciou no seu Programa, na área da justiça, o reforço do projecto dos julgados de paz.
Ora, no nosso entender, reforçar um projecto só pode querer significar potencializar, redimensionar aquilo que continua a ser um projecto, porque entendemos que é ainda prematuro tirarem-se conclusões seguras. O tempo foi muito escasso, o número de processos julgados ou de questões resolvidas foi também muito diminuto e, por isso, não é ainda seguro obtermos conclusões.
Em todo o caso, e dando seguimento a uma grande coerência demonstrada, o Governo anunciou já para breve a instalação de outros seis julgados de paz, nomeadamente em Terras do Bouro, Esposende, Castelo Branco e regiões autónomas, entre outros.
Parece-nos, sem dúvida, fundamental, antes de mais, o aumento do número de freguesias que caberá na jurisdição territorial de cada julgado de paz. Há hoje uma complexidade, uma confusão, sobretudo em Lisboa, em Vila Nova de Gaia e no Seixal, pelo que é bom que os cidadãos saibam quais são as freguesias que cabem e as que não cabem na competência territorial de cada um dos julgados de paz. Isso tem sido pernicioso para o bom funcionamento dos mesmos.
Por outro lado, estamos inteiramente de acordo com a necessidade de pôr em funcionamento mais julgados de paz e com a possibilidade de se aumentar o leque das suas competências declaratórias no processo civil.
Mas o ponto que me parece mais importante é o de resolver um conflito positivo de competências que existe entre os julgados de paz e os tribunais de comarca. É que os tribunais de comarca continuam a julgar precisamente as mesmas acções que são da competência dos julgados de paz e enquanto esta situação se mantiver os julgados de paz não têm sucesso. É mais do que negativo para o bom funcionamento dos julgados de paz enquanto os juízes dos tribunais de comarca se sentirem com competência para decidir e apreciar esse tipo de questões. Há, pois, que resolver esse conflito positivo de competências, e há que resolvê-lo rapidamente e eficazmente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Creio que o Conselho de Acompanhamento fez um relatório bastante arrojado, solicitando o alargamento das competências dos julgados de paz, até para processo-crime, até para processo executivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Interrogamo-nos todos sobre o acerto desse projecto no sentido de que, como bem sabemos, nos julgados de paz imperam critérios de equidade, de oportunidade e de conveniência, onde não têm aplicação os princípios da legalidade estrita, isto é, quase ligados à tramitação dos processos de jurisdição voluntária.
Tenho, portanto, algumas reservas sobre a conciliação deste alargamento de competências à dimensão dos julgados de paz.
Creio bem que os julgados de paz devem muito da sua experiência, que é saudável, aos juízes de paz, sobretudo aos mediadores, que tiveram um aceno de grande solidariedade para com eles, que tiveram de auto-regulamentar-se porque a Direcção-Geral da Administração Extrajudicial (DGAE) não soube regulamentá-los. Portanto, os julgados de paz podem vir a ser um sucesso.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Social Democrata, quer na oposição, colaborando, quer no Governo, conduzindo, saberá sempre dar um passo a caminho do benefício da justiça portuguesa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A experiência dos julgados de paz tem quase um ano e tem de ser avaliada dentro do quadro legal que foi posto à sua disposição.
Não era esse exactamente o quadro proposto pelo PCP no seu projecto de lei sobre os julgados de paz, quero no entanto abrir um parêntesis para salientar que a atitude assumida pelo então Sr. Ministro da Justiça, agora Deputado, António Costa foi importante, que, afirmando que o projecto do PCP era uma boa proposta de trabalho, se aprestou a dar a colaboração do Ministério da Justiça para a elaboração de uma lei que acabou por recolher a unanimidade da Assembleia da República.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Penso que, sem dúvida nenhuma, de facto, em muitos aspectos, o projecto do PCP foi melhorado. Continuo, no entanto, a pensar que houve alguma timidez em certas soluções. E considero timidez, por exemplo, a questão da competência geográfica. Houve freguesias que foram excluídas, como aconteceu, por exemplo, em Lisboa, bem como a freguesia da Amora, no Seixal, apesar de esta situação já estar reparada pelo despacho do Sr. Secretário de Estado da Justiça, Dr. Miguel Macedo.
Além disso, houve timidez em relação a uma questão de que o Sr. Deputado António Montalvão Machado já falou. Eu acompanho essa crítica, embora pense que neste caso não há unanimidade, mas o PCP não propôs que

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houvesse uma competência concorrente entre os julgados de paz e os tribunais judiciais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A nossa opinião era, já na altura em que apresentámos o projecto, e continua a ser, a de que o que é competência do julgado de paz é competência do julgado de paz, e não deve haver uma competência concorrente dos tribunais judiciais. Esta era e continua a ser a nossa opinião. Portanto, a ambiguidade da lei, quanto a nós, deve ser corrigida.
Por outro lado, em termos de competência material, também é sabido que a proposta do PCP, no seu projecto, era no sentido de mais competências em razão da matéria em relação às questões penais. O PCP propunha que, depois de haver um despacho do Ministério Público dizendo que àquele crime não se deveria aplicar pena de prisão, então era da competência do julgado de paz a matéria penal.
Há uma experiência em Itália, a partir de uma lei do ano de 1999, que foi entretanto regulamentada no ano de 2000 ou de 2001, de atribuição de competências ao julgado de paz em matéria penal. Nós consideramos que isso era importante, porque há determinadas chamemos-lhe bagatelas penais em que é extremamente pedagógico e contribui para pacificar as relações entre a vizinhança que haja uma intervenção do juiz de paz para tentar a composição das partes, mesmo em matéria penal, em pequenas coisas: há os crimes particulares de injúrias, de difamação, em que um juiz passa um dia ou um dia e meio a julgar aquilo e, de facto, muitas vezes, com uma conversa e uma pacificação das partes pode acabar. Portanto, nós continuaremos a lutar para que se estude esta competência em matéria penal.
Já em relação a outras competências referidas num relatório dos julgados de paz - e aí também acompanho o Sr. Deputado António Montalvão Machado, só que eu estava sozinha (não estava bem sozinha, mas não tinha a maioria), nomeadamente em que a questão da competência em matéria laboral e da competência em acções de despejo não aparecesse como uma recomendação tão exacta - o que se conseguiu introduzir no relatório é que deviam ser ouvidos os organismos representativos dos interesses nessas questões. Tenho muitas dúvidas de que casos relativos a matéria laboral, por exemplo acidentes de trabalho, sejam resolvidos por um juiz de paz. Bem como outras questões, relacionadas com…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, terminou o seu tempo. Tem de concluir.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Teria mais alguma coisa a dizer, mas vou terminar dizendo apenas que tenho algumas reservas em relação ao alargamento das competências. Finalmente, diria que, de qualquer forma, têm de se alargar as competências em razão da matéria, e penso que em matéria penal isso irá resolver muitos problemas e aliviar a chamada justiça formal. Penso que a experiência demonstrou que, normalmente, os processos que têm os juízes de paz demoram menos de dois meses a resolver, revelou que muitas questões não chegavam aos tribunais porque as pessoas desistiam - e isto é muito importante. Em relação, por exemplo, a questões de condomínio, as pessoas não iam levar os casos aos tribunais, mas apresentavam-nas ao julgado de paz.
Esta experiência revelou, portanto, as suas virtualidades, que devem efectivamente ser aproveitadas no sentido da aproximação da justiça aos cidadãos e dos cidadãos à justiça.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, informo-a que beneficiou de tempo cedido pelo BE.

A Oradora: - Muito obrigada!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que podemos partilhar o sentimento de que a apreciação da matéria dos julgados de paz é uma matéria que apreciamos sempre com atraso histórico. Infelizmente, no início da década de 80, a apreciação parlamentar de um decreto-lei, que, nessa altura, visou integrar na ordem judiciária portuguesa justamente os julgados de paz, veio, na apreciação desse decreto-lei, a obter a recusa parlamentar de uma maioria já conservadora, no sentido que inviabilizou que esta experiência pudesse ter tido lugar mais cedo no nosso ordenamento judiciário. Depois, com a revisão constitucional de 1997, foi constitucionalizada a figura dos julgados de paz e, por uma iniciativa legislativa da autoria do PCP, tal como já aqui foi lembrado pela Sr.ª Deputada Odete Santos, a matéria esteve presente em debate nesta Assembleia da República e mereceu na altura, do Governo e do PS, um fortíssimo empenhamento no sentido de se conseguir um consenso tão amplo quanto possível que, felizmente, se saldou por uma posição de unanimidade quanto, finalmente, à criação dos julgados de paz. Foi, na altura, como não podia deixar de ser, a experiência intentada em termos de solução experimental a partir de quatro julgados de paz criados em vários pontos do País.
Ora, diz a lei criadora dos julgados de paz que um conselho de acompanhamento desse mesmo processo apresentaria, em meados de Junho, um relatório de apreciação da experiência. O relatório foi efectivamente apresentado, de forma tempestiva e no cumprimento da lei, à Assembleia da República. Não podemos congratular-nos pela circunstância de só agora, em Dezembro, estarmos a apreciar esse relatório, e se o estamos foi porque, também aqui, o Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz diligenciou para a Assembleia da República cumprisse o seu dever nos termos em que a lei o prevê. Ou seja, dito de outra maneira, temos de reconhecer que nem o Governo actual nem a maioria que o suporta diligenciaram para, de forma tempestiva, esta matéria ser agendada e apreciada na Assembleia da República.
E porque é que eu digo "em termos tempestivos"? Pela circunstância de a lei de criação dos julgados de paz também prever outro aspecto. E esse aspecto é o de que, na sequência da apreciação parlamentar do relatório elaborado pelo Conselho - coisa que estamos a fazer agora -, competia ao Governo, em prazo posterior de 90 dias, a

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apresentação de uma proposta de resolução para definir o futuro dos julgados de paz, designadamente quanto à extensão territorial e outros aspectos de revisão da respectiva regulamentação. Ora, inicialmente previa-se que tudo isso, designadamente a consumação dos 90 dias, pudesse acontecer até ao final deste ano para que no início do próximo ano quer a revisão do enquadramento legal, quer as decisões fundamentais de extensão territorial dos julgados actualmente existentes, quer a criação de novos julgados no País, tudo isso pudesse ser feito de forma mais tempestiva.
Verificamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Governo, que primou por omissão de iniciativa, também primou por estar ausente na apreciação deste relatório, em que poderia sinalizar as suas verdadeiras intenções e o seu efectivo compromisso com o futuro dos julgados de paz. Consequentemente, a Assembleia da República cumpre, embora com atraso, o seu dever. Mas fica aqui uma grande interrogação: poderemos nós ficar descansados com a circunstância de, indirectamente, se saber, pela voz do Sr. Deputado António Montalvão Machado, que o Governo prevê, para o próximo ano, a criação talvez de quatro, talvez de cinco, talvez de seis novos julgados de paz disseminados pelo conjunto do território nacional? Pergunto: é esta a verdadeira aposta de quem queira fazer dos julgados de paz uma solução de justiça alternativa, de justiça flexível, de justiça mais próxima dos interessados, com desformalização, com oralidade e com possibilidade de uma muito maior eficácia e humanização na solução de muitos litígios que o próprio concurso das partes pode vir a obter? A verdade é que o Governo não apresentou até ao momento nenhuma proposta de revisão do enquadramento legal nem se pronunciou sobre a multiplicidade de propostas de especialidade que o Conselho de Acompanhamento já formulou, quer à Assembleia da República, quer ao Governo, para que as ponderassem em tempo.
Só me resta, portanto, fazer um voto: um voto de que a aprovação, agora, do relatório que estamos aqui a analisar não seja um mero voto pio e que o consenso de que falamos não seja um consenso meramente ritualizado e que nos empenhemos todos para que a experiência dos julgados de paz seja verdadeiramente frutuosa a favor de uma justiça de eficácia e de proximidade em que os cidadãos sejam sujeitos participantes e activos dessa mesma administração da justiça.

Aplausos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje aqui a apreciar o parecer do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz e não para dizer aquilo que já dissemos amplamente quando estes julgados de paz foram criados. Estamos hoje aqui para ver se a experiência de um ano nos permite tirar algumas ilações e lições para o futuro. A verdade é que, com muita felicidade, podemos dizer que os julgados de paz provaram ser um instrumento excelente para tratamento das questões que estão previstas para a sua jurisdição.
Naturalmente que nem tudo podia estar excelente. Há tribunais de comarca ou tribunais comuns que julgam que a competência em certos casos é deles, porque as partes assim o querem - as partes, em vez de irem para os julgados, vão para os tribunais de comarca e estes, enquanto não lhes for retirada esta competência, têm de julgar, não podem dizer que a competência é dos outros; não sei também se as partes ficariam satisfeitas se o tribunal de comarca dissesse que não julgava e que o litigante deveria ir para o julgado de paz. Em segundo lugar, há problemas relativos à instalação destes tribunais: verificamos que nem sempre foi fácil instalá-los, porque havia despesas a fazer a cargo das câmaras municipais para montar estes tribunais, dedicar os edifícios, comprar as mobílias, fixar os aparelhos, em suma, dar as condições que as câmaras, pelo menos o caso de uma que eu conheço, não estavam preparadas para fazer. Para se dizer que se pode, de um momento para o outro, multiplicar pelo país fora esta experiência tem de se tomar em consideração que nem todos os municípios estão ainda suficientemente habilitados para receber estes tribunais dos julgados de paz.
Por outro lado, é preciso também verificar que ainda há alguns problemas, como sejam os problemas de recrutamento e de formação destes juízes, que não estão resolvidos. Normalmente, aparecem-nos jovens advogados - por exemplo, hoje demos posse a uma juíza, depois de 11 anos de advocacia, o que é um bom sinal.
Questionou-se aqui, quando se fez a lei dos julgados de paz, onde iríamos recrutar os mediadores, onde iríamos recrutar os juízes para estes tribunais. Este relatório adianta uma solução: a de que devia haver uma espécie de curso de pós-graduação nas universidades, destinado a licenciados em Direito, para serem juízes e mediadores e tomarem a seu cargo os lugares nestes tribunais. Mas pode haver outras soluções, como por exemplo a de as próprias faculdades organizarem as matérias de modo a existirem cadeiras de mediação, de julgamento de determinadas questões, uma maneira fácil de processo incluídos nos curricula das faculdades de direito, em vez de obrigar as pessoas a fazer, depois da licenciatura em Direito, mais um curso de pós-graduação, porque, hoje em dia, os cursos de pós-graduação ou de mestrado são extremamente caros - isto seria uma espécie de curso paralelo ao curso do CEJ. Portanto, é preciso também ver como é que estes juízes e estes mediadores são formados.
Também quanto à mediação há que simplificar as suas regras. Actualmente, existe a pré-mediação, existe depois a ante-mediação e, por fim, existe a mediação. Nós já dissemos, aquando da elaboração da lei, quando debatemos esse problema, que isso devia ser revisto. Não o foi totalmente e é preciso ser tomado em consideração.
Quanto à ampliação das matérias, estou de acordo com o Sr. Deputado António Montalvão Machado em que é preciso ter cuidado porque não se pode fazer entrar pela janela o que se expulsou pela porta - nem todas aquelas matérias em que é preciso obediência à estrita legalidade podem ser deixadas ao julgados de paz, porque os julgados de paz são julgados de jurisdição voluntária, privilegiam a equidade, são para tentar a composição dos conflitos. Por isso, se for necessário recorrer ao critério de legalidade e de preservação das garantias das partes, que

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dele advém, estas garantias dos litigantes têm de ser defendidas por um tribunal judicial.
Por isso mesmo, temos de ver o que é que não reclama a estrita legalidade. Se as garantias das partes podem ser, de algum modo, "beliscadas" isso nunca poderá acontecer, pelo que só podem passar para os julgados de paz aquelas competências que não requerem nem a estrita legalidade nem o respeito das garantias dos litigantes.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, o seu tempo chegou ao fim, pelo que terá de concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Por isso mesmo, podem ser atribuídas aos julgados de paz pequenas bagatelas criminais que não envolvam prisão, grandes multas ou contra-ordenações com coimas bastante exageradas ou casos de uma grande complexidade. Podiam ainda ser-lhes atribuídos assuntos como os arrendamentos ou os condomínios, algumas das matérias que hoje atafulham os tribunais das comarcas.
É uma boa experiência para levar para a frente, e não é preciso correr depressa, pois devagar se anda para a frente e vai-se longe… - é este o nosso conselho.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, gostaria de, muito brevemente, reforçar alguns pontos que já aqui foram salientados, designadamente a vantagem que existe na proximidade face aos cidadãos dos julgados de paz.
De facto, em particular para as camadas mais desprovidas de recursos, inclusivamente de recursos culturais, no sentido estrito da palavra, a arquitectura jurídica e os procedimentos processuais complexos são uma forma de profunda inibição, que acabam por ser também socialmente selectivos. Por isso mesmo, esta proximidade face ao cidadão, esta forma de justiça mais próxima e inclusivamente mais informal acaba por ter também reflexos socialmente muito positivos.
Por outro lado, a questão da celeridade e da libertação de algum peso de que os tribunais hoje sofrem é também uma vantagem a ter em conta.
No entanto, somos de opinião que seria importante considerar dois aspectos: por um lado, o alargamento efectivo do âmbito territorial, na medida em que as experiências-piloto, como aliás consta do relatório, estão concentradas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e seria importante disseminá-las por todo o território, embora, evidentemente, com alguma prudência. Por outro lado, as competências devem ser alargadas a alguns tipos penais como aqueles que foram aqui referidos, designadamente as injúrias, as difamações ou as questões relativas aos condomínios. Parece-nos que esta seria também uma boa forma de libertar os tribunais de um peso que os sufoca e que sufoca evidentemente a própria justiça em Portugal.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): -Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Não havendo mais inscrições, este debate chegou ao seu termo.
O parecer que foi submetido ao Plenário será, nos termos da lei, votado amanhã, à hora regimental.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, e a ordem do dia, que já foi distribuída, será preenchida com o debate mensal com o Sr. Primeiro-Ministro e com a discussão conjunta de várias propostas de resolução.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António Paulo Martins Pereira Coelho
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José Manuel Pereira da Costa
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
António de Almeida Santos
Augusto Ernesto Santos Silva
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Nelson Madeira Baltazar

Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Paula Rodrigues Malojo
Daniel Miguel Rebelo
Eduardo Artur Neves Moreira
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Luís Filipe Alexandre Rodrigues

Partido Socialista (PS):
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Luís Manuel Carvalho Carito
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

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