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3101 | I Série - Número 074 | 16 de Janeiro de 2003

 

Falta-nos, no entanto, capacidade para responder ao desafio que ele enfrentou: nenhuma experiência de vida permite avaliar a morte e João Amaral, de quem se pode fazer a apreciação de toda a vida política, de toda a coragem, de todas as ideias, enfrentou também, como nenhum de nós, em nenhuma circunstância, um desafio profundíssimo. E é sobre ele que queria dizer duas palavras.
Nós somos avaliados na luta política, e João Amaral será homenageado por isso; nós somos avaliados pelas ideias, e João Amaral bateu-se pelas suas; nós somos avaliados pela coerência, e ninguém pode dizer uma palavra de crítica sobre a coerência de João Amaral.
Mas somos, sobretudo, avaliados da forma mais intensa, mais dramática mas também mais serena por aqueles que nos são mais próximos. E não encontro melhor forma de lembrar João Amaral senão dizendo-vos estas palavras de seus filhos:
"Nenhum de nós os quatro, com idades entre os 19 e os 30 anos, se lembra de ver o nosso pai exercer qualquer actividade que não fosse de natureza político-partidária. Na Assembleia da República desde 1976, primeiro no Grupo Parlamentar do PCP, depois como Deputado, fomos assistindo, ano após ano, à forma como se entregava a esta, para nós estranha, forma de vida.
O ser comunista, que não foi nunca apenas uma intenção mas uma profunda convicção a que se entregou diariamente, e o ser Deputado, que não foi nunca apenas uma profissão, definiram a sua estrutura de vida, a que todos tivemos de nos moldar.
Na nossa relação com o pai existiu sempre o PCP, exactamente na mesma medida em que enquanto profundamente envolvido nos seus ideais, nessa crença infinita nos valores humanos e nas ideias de esquerda, o militante João Amaral se encontrava também marcado, profundamente envolvido, nas suas batalhas diárias.
Naturalmente tivemos alguns momentos de raiva e sentimos outras tantas vezes que o partido, o País ou a política ocupavam um lugar que nos pertencia a nós, seus filhos, por direito, mas a mágoa por essas grandes ausências foi sempre compensada pela firmeza, mas principalmente pela justeza das suas posições públicas e privadas e pela coragem da sua conduta.
A nossa relação com o nosso pai foi principalmente marcada, desde sempre, por uma profunda amizade e por um desmedido orgulho na forma abnegada e sincera como se envolvia e cumpria aquilo a que se propunha."
E por isso terminam dizendo: "O nosso apoio, solidariedade, amizade e orgulho por tudo o que o nosso pai fez, mas principalmente por tudo e pelas grandes batalhas que enfrenta neste momento, com a coragem e a capacidade de luta que sempre o caracterizaram."
Quando estas palavras foram escritas, João Amaral sabia que ia morrer e os seus filhos também. Não creio que haja homenagem mais vibrante à coragem, à integridade e à determinação de um homem do que esta, a que os seus filhos puderam escrever um dia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, não é fácil falar de João Amaral, porque estamos a falar de alguém que não desperdiçou um dia da sua vida.
Seguramente que todas as palavras que aqui possamos dizer serão escassas para caracterizar uma vida que ele desde sempre dedicou aos ideais que abraçou: a luta pela justiça, a luta contra a ditadura, a luta pela liberdade, a luta pela paz. E foi essa luta, que muito longe ele iniciou aderindo ao Partido Comunista e que manteve, que pautou toda a sua vida: uma vida plena, uma vida de dedicação total àquilo em que acreditou e uma vida marcada pela qualidade, por um espírito vivo e por uma inteligência verdadeiramente surpreendente.
Foi referido que ele era elegante na forma e irónico. Ele era também verdadeiramente surpreendente e desafiador. Esse desafio é, na luta política, a marca que deixa em toda a sua passagem pelos cargos públicos que exerceu, a marca que deixa num projecto que abraçou com enorme entusiasmo, como muitos outros, sempre do lado esquerdo e na margem esquerda da vida, por uma transformação profunda na cidade de Lisboa; a marca que deixou neste Parlamento em múltiplas e múltiplas intervenções riquíssimas, sempre com a riqueza, com a interrogação, com uma qualidade e com uma exigência que, numa relação que por vezes não era fácil com ele, marcou sempre a sua forma de estar na vida.
É, porventura, por tudo isto que não é fácil falar do João. O João que foi capaz de desafiar, encarar e enfrentar a morte, quando, brincando, às vezes dizia que tinha sido capaz de a enganar porque tinha ultrapassado o seu próprio prazo. O João que nos fez compreender que "todos estamos a prazo" e que não podemos desperdiçar nenhum dia da nossa vida na entrega total - tal qual ele fez, com desinteresse - em defesa do interesse público, em defesa das causas e dos valores em que convictamente acreditava.
É essa entrega, esse exemplo, esse não desperdício da vida que ele nos deixa como lição. Sobretudo, deixa-nos uma outra lição, que me parece extremamente importante lembrar e que está intimamente ligada à sua personalidade: a interrogação. Se não abdicamos do sonho, temos o dever de nos interrogar, porque não há verdades absolutas. Há busca de verdades para que a justiça, a transformação da sociedade, o desenvolvimento, a igualdade e a paz não sejam utopias, mas sejam, de algum modo, realidades tangíveis.
Era essa entrega, esse testemunho e, de algum modo, essa aprendizagem que ele nos deixa que eu queria aqui testemunhar.
Nestas breves palavras, não quero deixar de saudar a sua mulher e os seus quatro filhos, que estiveram sempre num espaço do seu coração, mesmo podendo não estar, muitas vezes, no espaço que ele queria ter podido reservar-lhes. É essa aprendizagem que fica e que hoje aqui queria lembrar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao evocarmos, muito justamente, a memória de João Amaral estamos, acima de tudo e em primeiro lugar, a lamentar e a lastimar uma enorme perda para a nossa democracia.
João Amaral conquistou, muito justamente, um lugar de destaque na democracia portuguesa: um lugar de destaque pela qualidade, pela inteligência e pela coerência das suas intervenções políticas; um lugar de destaque pela coragem e pela frontalidade com que assumia sempre as suas convicções,

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