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Sexta-feira, 7 de Março de 2003 I Série - Número 95

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE MARÇO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.
Deu-se conta da apresentação do inquérito parlamentar n.º 8/IX, do projecto de resolução n.º 128/IX, da apreciação parlamentar n.º 47/IX e dos projectos de lei n.os 244 e 245/IX.
A Câmara procedeu à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 206/IX - Alteração ao Código Penal, na parte respeitante às organizações terroristas e terrorismo (PS), 207/IX - Transpõe a Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, relativa ao mandado de detenção europeu (PS) e 209/IX - Estabelece o regime em que se processam as buscas nocturnas ao domicílio no caso de flagrante delito e em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada (PS), das propostas de lei n.os 42/IX - Dá cumprimento à Decisão-Quadro, do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-membros e 43/IX - Dá cumprimento à Decisão-Quadro, do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo, e do projecto de lei n.º 212/IX - Altera o Código de Processo Penal, regulamentando a matéria das buscas nocturnas (CDS-PP), que mereceram aprovação. Intervieram, a diverso título, além da Sr.ª Ministra da Justiça (Maria Celeste Cardona) e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes), os Srs. Deputados António Costa (PS), Nuno Teixeira de Melo (PSD), Odete Santos (PCP), Luís Montenegro (PSD), Luís Fazenda (BE), José Magalhães (PS), Telmo Correia (CDS-PP), Guilherme Silva, Paula Carloto e António Montalvão Machado (PSD), Osvaldo Castro (PS), Assunção Esteves (PSD), Alberto Martins (PS) e Guilherme Silva (PSD).
O Sr. Presidente chamou a atenção para algumas regras de funcionamento das reuniões plenárias, o que originou o uso da palavra do Sr. Deputado José Lello (PS).
Foi aprovado o voto n.º 44/IX - Sobre a situação política, económica e social que se vive na Guiné-Bissau (CDS-PP), sobre o qual intervieram os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), José de Matos Correia (PSD) e Vítor Ramalho (PS).
A Câmara rejeitou, na generalidade, o projecto de lei n.º 58/IX - Altera a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro, que adopta medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional (Os Verdes).
O projecto de lei n.º 117/IX - Medidas para o controlo do consumo de ecstasy (BE) também não mereceu aprovação na generalidade.
Por último, também na generalidade, mereceu aprovação a proposta de lei n.º 45/IX - Altera a Lei de Programação Militar.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Agostinho Veloso da Silva
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama

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Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Antonino Aurélio Vieira de Sousa
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Maria Abrunhosa Sousa
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Joana Beatriz Nunes Vicente Amaral Dias
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: inquérito parlamentar n.º 8/IX - Constituição de uma comissão parlamentar de inquérito à concessão da gestão do Hospital Amadora-Sintra a uma entidade privada, à utilização dos dinheiros públicos nesta unidade e ao efectivo acompanhamento da execução do contrato (PCP); projecto de resolução n.º 128/IX - Sobre a criação de um regime especial das pequenas explorações de pedreiras para calçada ou outros inertes (CDS-PP); apreciação parlamentar n.º 47/IX (PCP) - Do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, que altera o regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto; e os projectos de lei n.os 244/IX - Elevação da povoação de São João da Talha à categoria de vila (PCP), que baixou à 4.ª Comissão, e 245/IX - Elevação da povoação de Serra d'El-Rei à categoria de vila (PCP), que também baixou à 4.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje é preenchida pela discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 206/IX - Alteração ao Código Penal, na parte respeitante às organizações terroristas e terrorismo (PS), 207/IX - Transpõe a Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, relativa ao mandado de detenção europeu (PS), 209/IX - Estabelece o regime em que se processam as buscas nocturnas ao domicílio no caso de flagrante delito e em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada (PS)

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e, com a anuência do Partido Socialista, visto ser um agendamento potestativo, das propostas de lei n.os 42/IX - Dá cumprimento à Decisão-Quadro, do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-membros e 43/IX - Dá cumprimento à Decisão-Quadro, do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo, e ainda do projecto de lei n.º 212/IX - Altera o Código de Processo Penal, regulamentando a matéria das buscas nocturnas (CDS-PP).
Podemos já assentar que as votações regimentais serão feitas no final deste debate, o que permitirá votarmos já estas iniciativas legislativas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que, segundo regras de funcionamento normais da Câmara, havendo diversas iniciativas, duas das quais são da autoria do Governo, seria curial esperar pela presença da Sr.ª Ministra da Justiça…
Era este o sentido da interpelação, mas verifico que o Governo acaba de dar entrada na Sala.

O Sr. Presidente: - Parece que o Governo estava à espera dessa interpelação para fazer uma entrada solene, com todas as atenções nele concentradas. Aproveito para dar as boas-vindas aos membros do Governo.
Tem a palavra, para iniciar o debate, o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista utilizou o seu direito de agendamento potestativo para submeter à apreciação do Plenário três projectos de lei.
O primeiro transpõe para o direito interno a Decisão-Quadro do Conselho, que cria o mandado de detenção europeu, em substituição da extradição, nas relações entre os Estados-membros da União Europeia.
O segundo transpõe para o direito interno a Decisão-Quadro que harmoniza o direito penal dos Estados-membros relativo aos crimes de terrorismo e de organização terrorista.
O terceiro vem regulamentar as buscas domiciliárias nocturnas, admissíveis desde a última revisão constitucional.
Este agendamento potestativo exprime a postura do PS na oposição. Oposição que tem por função fiscalizar a acção do Governo, criticar as suas opções, mas oposição que assume a iniciativa e que dá corpo a uma alternativa política.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta tem sido e é a nossa postura de serviço ao País.

Aplausos do PS.

O PS não se limitou a atacar o Governo pela traição à promessa eleitoral do "choque fiscal". O PS honrou as suas próprias promessas eleitorais, aqui confrontando a maioria, por exemplo, com o projecto de criação das farmácias sociais.
O PS não se limitou a dizer "não" ao pacote laboral. O PS apresentou um pacote de medidas de reforço da competitividade da economia e da produtividade das empresas, assente nos vectores estratégicos da inovação, da formação, da reforma da administração pública.
O PS não se limitou a criticar a política orçamental do Governo. O PS apresentou um conjunto de propostas de combate à fraude e evasão fiscais, de repartição socialmente justa da tributação, que permitiam sustentar um elevado nível de investimento público na qualificação das pessoas e no desenvolvimento de infra-estruturas.
Aqui estamos hoje a dar continuidade a esta postura.
O PS não se limita a reclamar do Governo a prioridade do combate ao crime. O PS toma a iniciativa do reforço dos meios de combate à criminalidade.

Aplausos do PS.

E o PS tomou esta iniciativa em boa hora. Em boa hora, porque o prazo de transposição da Decisão-Quadro sobre o terrorismo já se tinha esgotado, sem que o Governo tivesse tomado qualquer iniciativa; em boa hora, porque Portugal assumira o compromisso de adoptar o mandado de detenção europeu no 1.º trimestre deste ano e o tempo corria sem iniciativa do Governo; em boa hora, porque a revisão constitucional aguarda regulamentação desde o início da Legislatura, perante a passividade do Governo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em boa hora, porque o PS confrontou o Governo e a maioria com a sua própria inacção, permitindo-nos contar hoje com o seu contributo prepositivo, o que, aliás, saudamos.

Aplausos do PS.

Seria caso para dizer "antes tarde que nunca!", mas não o dizemos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já o disse!

O Orador: - A área da justiça deve ser um espaço de convergência de vontades, de consenso político alargado. Deve sê-lo pela sua dimensão de política de Estado, mas deve sê-lo também, porque a Constituição, ao fixar um amplo domínio de competência legislativa reservada à Assembleia da República, impõe uma estreita e necessária cooperação institucional entre o Governo e o Parlamento no sector da justiça.
Não correremos, por isso, para nos anteciparmos à iniciativa de outros, nem viremos a correr imitar iniciativa alheia. Foi este o nosso comportamento no governo, e é este, e desejamos que possa continuar a ser, o nosso comportamento na oposição.

Aplausos do PS.

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Esperamos que seja este, no futuro, o comportamento do Governo e da maioria.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todo o crime é um mal, e nenhum crime deve ficar impune.
Mas é hoje claro que a política criminal não pode confundir os distintos tipos de criminalidade e que deve adoptar estratégias de prevenção, meios de investigação, instrumentos de sancionamento diferenciados em função da tipologia criminal.
Esta diferenciação teve, na anterior Legislatura, expressão estruturante com a aprovação da Lei de Organização da Investigação Criminal, que especializou a Polícia Judiciária na investigação da criminalidade mais grave, complexa e organizada, que requer um corpo superior de polícia científica, e que valorizou as competências da PSP e da GNR na investigação da pequena criminalidade, que requer uma polícia de proximidade.
A partir desta distinção estruturante foi executado um intenso programa legislativo - que recolheu, aliás, quase sempre a unanimidade da Câmara - que dotou a Polícia Judiciária e as autoridades judiciais de um importante arsenal de meios legais de combate ao crime e que tem produzido bons resultados.
Há que dar continuidade a este trabalho. A definição e a condução da política criminal compete ao poder político soberano não através de inadmissíveis intromissões nos processos,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - … domínio da exclusiva e intocável competência das autoridades judiciárias,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - … mas através do instrumento legal, das opções políticas que se expressam na afectação, organização e gestão dos meios e também, desejamos nós, na definição, com carácter geral e abstracto, por resolução da Assembleia da República, de orientações de política criminal que definam critérios e prioridades na execução desta política.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Só no domínio legislativo, que é da exclusiva competência desta Assembleia, impõem-se dois trabalhos de fundo.
Em primeiro lugar, uma avaliação serena e global do processo penal, que permita identificar as causas e encontrar respostas adequadas para questões centrais, como a ainda excessiva morosidade, o baixo índice de recurso a penas alternativas à prisão, o elevado número de presos preventivos, uma mais activa participação das vítimas no próprio processo.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - O PS já agendou para o próximo dia 20 um projecto de resolução que propõe uma metodologia de trabalho a realizar no âmbito parlamentar com este objectivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, há que romper o tabu e aprofundar a reflexão sobre o tratamento penal da criminalidade associada à toxicodependência. Já não me refiro ao consumo - questão encerrada -, nem especificamente ao tráfico, falo, sim, desta realidade conhecida, que não podemos colectivamente fingir ignorar, de uma parte muito significativa da criminalidade, designadamente dos crimes contra o património, ser praticada por toxicodependentes para o financiamento do seu próprio consumo.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - O que está aqui em causa não é, não pode ser, a descriminalização destes crimes por serem praticados por toxicodependentes, mas temos de adoptar um tratamento penal próprio, adequado à específica natureza desta criminalidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tendo reconhecido que a toxicodependência é uma doença, teremos de nos interrogar se a prevenção geral e especial desta criminalidade não é, porventura, melhor assegurada pelo sistema de saúde do que pelo sistema de justiça.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que é mais eficaz para a protecção da sociedade e para a reinserção social do toxicodependente? O tratamento ou o julgamento? O CAT ou a prisão?
Este é um debate que urge e que temos de ter a coragem de enfrentar.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A modernização da sociedade portuguesa, o desenvolvimento económico, a integração europeia alteraram também a tipologia da nossa criminalidade. O crime em Portugal já não é só a pequena criminalidade urbana, o homicídio passional ou as questões de vizinhos do mundo rural. O crime económico e financeiro, a criminalidade violenta, organizada e transnacional, têm uma importância crescente na nossa sociedade, impondo a adequação dos instrumentos de combate ao crime a esta nova realidade. Não se combatem as redes criminosas com os instrumentos concebidos para a repressão dos "pilha-galinhas" ou dos "ratos de automóveis".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quase 30 anos decorridos sobre o 25 de Abril, Portugal tem hoje um Estado de direito democrático consolidado, mas tem também uma memória - felizmente viva - do que foram 48 anos de repressão ditatorial.

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Não são fantasmas, como alguns dizem, para branqueamento póstumo da ditadura, é a recordação de uma realidade duramente vivida por quem corajosamente se bateu pela liberdade e pela democracia e uma memória que as novas gerações têm o dever de conservar.

Aplausos do PS.

É esta memória que reforça a legitimidade moral do nosso Estado de direito na afirmação da sua autoridade e na repressão das violações à legalidade democrática. É esta memória que constitui uma vacina contra os abusos de autoridade. É esta memória que não nos permite confundir o Portugal democrático com o Portugal da ditadura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Num Estado de direito a polícia não é uma ameaça à liberdade; é a garantia da liberdade dos cidadãos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Os tribunais não são um instrumento da repressão; são uma garantia dos direitos dos cidadãos. Urge, por isso, dar exequibilidade à possibilidade, aberta pela última revisão constitucional, da realização de buscas domiciliárias nocturnas em caso de flagrante delito, ou que envolva criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada.
Os fins não justificam necessariamente os meios, nem mesmo em democracia. Por isso, a busca domiciliária nocturna deve ter sempre um carácter excepcional, respeitar os princípios da necessidade e da proporcionalidade, só ocorrer em flagrante delito, ou para certo tipo muito preciso de crimes e ser sujeita a mandado ou a controlo judicial.
No entanto, é um instrumento de que o Estado de direito não deve ter a ingenuidade de abdicar no seu combate contra a criminalidade especialmente violenta e altamente organizada com que hoje se defronta.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A globalização também globalizou a criminalidade e a Europa sem fronteiras também franqueou a livre circulação aos criminosos.
Constitui, por isso, pura ilusão pensar que as funções de segurança e justiça podem permanecer áreas reservadas da soberania nacional. As fronteiras hoje já não impedem a livre circulação do crime e dos criminosos. Pelo contrário, só limitam a actuação das autoridades policiais e judiciais.
O mandado de detenção europeu, cuja aprovação hoje aqui propomos, é um marco fundamental na construção de um espaço de liberdade, segurança e justiça na União Europeia. Pela primeira vez, se admite o reconhecimento automático de uma decisão judicial de qualquer tribunal de qualquer Estado-membro por todos os outros tribunais de todos os outros Estados-membros.
Um mandado de detenção emitido por um tribunal português dará lugar directamente à detenção e entrega às autoridades nacionais da pessoa procurada, onde quer que se encontre no território da União; assim como pode ser directamente detido e entregue por Portugal uma pessoa objecto de mandado de detenção emitido por qualquer tribunal de um qualquer outro Estado-membro.
A substituição do processo de extradição pelo novo mandado europeu constitui um marco histórico. Significa o início da superação de uma União Europeia fragmentada em múltiplos territórios judiciais, ilusoriamente soberanos, que se constituíam como oportunidades de fuga à justiça para os criminosos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Significa que um criminoso, onde quer que se encontre no território da União, responderá pelo crime de que é acusado, onde quer que este tenha ocorrido.

Aplausos do PS.

Do mesmo modo, o processo de harmonização do Direito Penal, eliminando as diferenças entre o que constitui crime num Estado e já não constitui no outro, ou entre as penas aplicáveis em cada Estado a um mesmo crime, é essencial para retirar aos criminosos a oportunidade de explorarem as vantagens comparativas que podem retirar de diferentes ordens jurídicas.
A Decisão-Quadro sobre o terrorismo permitirá, pela primeira vez, que o terrorismo seja tipificado como crime em todos os Estados-membros da União Europeia, que as mesmas acções sejam consideradas terroristas em todos eles e que todos punam este crime por igual.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de um passo da maior importância para a segurança europeia, mas é também a prova da vitalidade dos Estados de direito, tão importante de afirmar no preciso momento em que se torna de novo necessário recordar que o combate ao terrorismo se trava em nome da democracia e inspirado pelos valores da liberdade e da justiça, o que exige o respeito estrito pela legalidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só no respeito pela lei e por força da justiça se combate o terrorismo, seja no espaço nacional ou internacional.

Aplausos do PS.

A história destas duas Decisões-Quadro, a do mandado de detenção e a do terrorismo, ilustram a importância decisiva, a ambição, mas também as fragilidades institucionais do processo de construção do espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia.
Provavelmente, sem o bárbaro atentado de 11 de Setembro, as propostas da Comissão ainda hoje se arrastariam pelo Conselho, onde, ainda assim, permaneceram quase 10 meses, paralisadas pelo veto do Sr. Berlusconi.
Desde a sua aprovação pelo Conselho, em Junho último, só o Reino Unido, a Espanha e a França concluíram

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o processo de transposição para o direito interno - e, agora, Portugal, por iniciativa do Partido Socialista -, não sendo possível prever quando estarão efectivamente em vigor em todo o território da União.
Infelizmente, esta não é a excepção mas a regra do chamado Terceiro Pilar da União Europeia, onde vigora o pior de dois mundos, conseguindo-se associar a máxima ineficácia ao máximo défice democrático.
É, por isso, decisivo que não se perca a oportunidade única de que a Constituição europeia, agora em elaboração, consagre a comunitarização integral das áreas justiça e assuntos internos, reforçando, naturalmente, a participação dos Parlamentos nacionais e europeu no processo legislativo.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com este agendamento potestativo, o PS exprime a importância que atribui ao valor da segurança, indissociável, para nós, dos valores da justiça e da liberdade. O PS reafirma a sua fidelidade a uma política criminal que saiba distinguir os diferentes tipos de criminalidade e combinar o sentido humanista da reinserção social com a afirmação clara da autoridade do Estado na repressão da criminalidade.
No governo, ou na oposição, criticando ou propondo, o PS está sempre ao serviço de Portugal e dos portugueses.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça (Maria Celeste Cardona): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há momentos na política em que o adversário é um e os aliados somos todos, sem excepção.
Há momentos na história dos países e dos povos em que o sentimento tem de ser o mesmo e as opções têm de ser idênticas.
Há momentos em que só o acordo é possível e em que toda a divisão seria insustentável.
Temos as mesmas preocupações, defendemos as mesmas causas e partilhamos os mesmos valores.
Vivemos em liberdade, democracia e segurança. E partilhamos, com os nossos aliados europeus e atlânticos, um espaço de liberdade, justiça, democracia e segurança de que nos orgulhamos e que é único na história da Humanidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Nunca tantos países foram Estados de direito. Nunca tantos Estados foram democracias. E, no entanto, nunca tantos cidadãos foram vítimas potenciais de um mesmo inimigo. Um inimigo cobarde, que usa a violência indiscriminada contra inocentes; um adversário quase invisível que desconhece fronteiras; um adversário cruel, que ignora valores morais ou éticos, que explora as lacunas jurídicas existentes nos ordenamentos jurídicos, que emprega sofisticados recursos tecnológicos, que funciona em rede e que goza de uma grande mobilidade e dispersão de meios por uma pluralidade de países.
Há crimes que, pela sua natureza, se preparam num lugar e se cometem noutro. Há crimes que, pelas suas características, se praticam num Estado e os efeitos se sentem em outro.
Combater esses crimes, perseguir a deslocalização de mafias, grupos terroristas e criminosos organizados ao sabor da lei que mais lhes convém é um dever de todos.
Parlamentos nacionais, governos dos Estados-membros e autoridades judiciárias, o objectivo é o mesmo, as opções são idênticas e a tarefa é uma só.
O Governo português, tal como os restantes Estados-membros da União Europeia, entende que o espaço de liberdade, justiça e segurança, que somos e queremos continuar a ser, deve servir os cidadãos, jamais os criminosos.
A liberdade de todos não pode ser a impunidade de alguns.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - As leis, que protegem e continuarão a proteger os cidadãos, não podem facilitar a vida aos criminosos.
O direito que temos não pode ser o mesmo quando a criminalidade é diferente.
As penas que se aplicam a crimes transnacionais, que podem ser preparados ou cometidos em Portugal, Espanha, Irlanda ou qualquer outro Estado-membro da União Europeia, têm de ser idênticas em Portugal, Espanha, Irlanda ou qualquer outro Estado-membro da União Europeia.
Um terrorista não é, nem será, menos culpado, menos criminoso ou menos perseguido porque se encontra em qualquer um dos Estados-membros da União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo dos últimos anos, desde o 25 de Abril, Portugal soube sempre de que lado estava, de que lado devia estar. Sem equívocos, sem hesitações, o nosso país optou, com convicção, pela liberdade e pela democracia, mas também pela segurança.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Pertencemos a uma tradição histórica de que nos orgulhamos e partilhamos uma visão de futuro que vamos preservar.
Não há terrorismo bom, ou terrorismo menos mau.
Não há, não pode haver, quem acredite que, por vezes, a morte de um inocente pode ter uma qualquer justificação, que pode ser um mal menor ou, sequer, necessário.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - E não há, não pode haver, neste Parlamento, quem julgue que o combate à criminalidade é uma prova de atletismo em que o importante é quem chegou mais depressa, ou em primeiro lugar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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Combater o crime é uma prova de esforço e de minúcia, de coordenação e de cooperação, de vontade e de determinação e de serenidade. Tem sido esta a posição do Governo e assim vai continuar a ser: combater com determinação o terrorismo; combater com coragem o crime transnacional; combater com firmeza os que acreditam que há países mais brandos para com o crime.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo vem hoje apresentar ao Parlamento duas propostas de lei e dar conta de uma recente decisão do Conselho Superior de Segurança Interna que, estou ciente, tornam Portugal mais seguro e fazem do nosso país um Estado empenhado na aliança contra o crime internacional e, em especial, o terrorismo.
Apresentamos a proposta de lei de combate ao terrorismo que condena a penas pesadas os terroristas que agirem ou se encontrarem em Portugal.
Apresentamos igualmente a proposta de lei relativa ao regime jurídico do mandado de detenção europeu, que consagra na nossa ordem jurídica um meio através do qual se pretende suprimir a complexidade e a morosidade inerentes ao actual processo de extradição.
Gostaria, ainda, de dar conta ao Parlamento da criação recente da unidade de coordenação do combate ao terrorismo que partilha, troca e trabalha a informação, de modo a que possam ser coordenadas acções eficazes contra o terrorismo.
Sr.as e Srs. Deputados: São três medidas, três provas de que o Governo age com determinação, serenidade e com a inabalável vontade de proteger o direito dos cidadãos à liberdade e o dever do Estado de perseguir e condenar os criminosos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Em primeiro lugar, a proposta de lei que procede à adaptação do direito interno à Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo, com o objectivo necessário de aproximar e harmonizar a legislação penal dentro do espaço comunitário.
Neste diploma prevêem-se e punem-se os actos e as organizações terroristas, revogando-se as disposições que a este respeito constavam do Código Penal. A opção por uma lei autónoma resulta da percepção que o Governo tem da absoluta transnacionalidade dos crimes com esta natureza.
Como bem salientava a este propósito o Comissário António Vitorino, nos debates sobre a aprovação desta Decisão-Quadro, o acto terrorista, nos termos da definição proposta e constante da Decisão-Quadro, é cometido com uma dupla intenção: ameaçar pessoas, populações e instituições e subverter substancialmente, ou mesmo destruir, as estruturas políticas, económicas e sociais do país visado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Esta concepção foi acolhida e partilhada pelo Governo quando optou pela apresentação a esta Assembleia de uma proposta de lei de combate ao terrorismo.
Justifica-se, a nosso ver, também e por outro lado, um diploma que dê um sinal claro à comunidade portuguesa e internacional de que crimes que violam bens jurídicos supranacionais merecem do Estado português uma tutela clara, severa, mas tranquilizadora.
Sr.as e Srs. Deputados: Está, assim, subjacente ao novo regime a ideia de que os crimes de terrorismo e de organizações terroristas violam bens jurídicos, que constituem graves violações dos valores universais da dignidade humana, da liberdade, da igualdade, da solidariedade e do respeito pelos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Mais uma vez, fazendo apelo às palavras do Comissário António Vitorino, diria que o terrorismo se combate em nome dos direitos humanos. É isso também, no contexto deste diploma, que o Governo pretende e crê ter sido assegurado.
Em conformidade com a assunção da gravidade e universalidade deste fenómeno, o novo regime apresenta como traços característicos o aumento das penas e a responsabilização das pessoas colectivas.
Passaremos a punir a participação numa organização terrorista com uma pena nunca inferior a 8 anos e de 15 a 20 anos para quem chefiar ou dirigir organizações terroristas.
Prevemos, também, a responsabilidade penal das pessoas colectivas, quando actos terroristas forem cometidos em seu nome ou quando tenha sido tornado possível a prática daqueles crimes.
Contudo, é necessário adequar as sanções à natureza específica das pessoas colectivas, consagrando-se um sistema punitivo próprio, com penas principais eficazes e suficientemente dissuasoras de multa e dissolução e pena acessória de publicação da decisão, quando a gravidade da infracção e demais circunstâncias tornarem adequada a sua imposição.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como já referi, o Governo apresenta também a esta Assembleia da República a proposta de lei que procede à transposição da Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002, que consagra o mandado de detenção europeu.
O mandado de detenção europeu é, assim, a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo, pedra angular da cooperação judiciária.
Constitui-se um sistema simplificado de entrega de pessoas procuradas, no âmbito da União Europeia, para efeitos de procedimento criminal, cumprimento de pena ou medida de segurança privativa de liberdade, visando, num espaço de liberdade, segurança e justiça, acelerar e simplificar os actuais processos de extradição.
As regras relativas à extradição, previstas na Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, deixam de ser aplicáveis aos pedidos de entrega de pessoas com origem nos Estados-membros, suprimindo-se, deste modo, a complexidade e a morosidade inerentes ao actual processo de extradição, que se tem demonstrado incompatível perante esta nova realidade que vivemos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Os pedidos de extradição com origem em Estados-membros passam a reger-se pelo regime jurídico do mandado de detenção europeu, instrumento este que poderá, também, ser utilizado pelas autoridades judiciárias nacionais, a fim de obter a entrega de pessoas que,

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ao encontrarem-se noutros Estados-membros, sejam sujeitas a procedimento penal ou ao cumprimento de pena em Portugal.
Estes dois instrumentos legislativos, quer o combate ao terrorismo, quer o mandado de detenção europeu, são passos significativos e importantes no que diz respeito à manutenção e à salvaguarda do espaço de liberdade, segurança e justiça na União Europeia.
Como as Sr.as e os Srs. Deputados todos sabem, a aprovação, nomeadamente deste último instrumento legislativo, tem a sua origem, o seu fundamento e a sua base na revisão extraordinária da Constituição, em 2001, que possibilitou que Portugal, com as suas características próprias e específicas, pudesse, hoje, estar de corpo inteiro, participando, com os restantes Estados-membros da União Europeia, neste espaço que, volto a repetir, é de segurança, de liberdade e de justiça.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Por último, e ainda no sentido do combate ao terrorismo, foi deliberado criar, em reunião extraordinária do Conselho Superior de Segurança Interna, a unidade de coordenação anti-terrorismo.
A esta unidade compete garantir a coordenação e a partilha de informações, no âmbito do combate ao terrorismo, entre os serviços que a integram - Polícia Judiciária, Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares, Serviço de Informações de Segurança e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - e, em geral, entre as forças e serviços de segurança. Compete ainda a esta unidade coordenar a cooperação internacional em matéria de terrorismo e actuar como órgão especialista de consulta nesta área.
A criação deste mecanismo de coordenação corresponde à dimensão da gravidade de que se reveste hoje o terrorismo internacional, para cujo combate eficaz a presidência grega da União Europeia recomendou o intercâmbio de informação, tendo o Conselho Europeu consensualizado também que, em sede de estratégias nacionais a aplicar neste combate, a informação é o primeiro pilar fundamental.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que aqui hoje nos traz é o dever de prevenir. Portugal, em particular, não está sob ameaça, mas o mundo em que vivemos está.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

A Oradora: - O que hoje aqui nos traz é o dever de garantir a liberdade, a segurança e a justiça.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Portugal, e a Europa a que pertencemos, tem uma tradição de boa convivência entre culturas. Ao suposto conflito de civilizações, que alguns crêem inevitável e outros consideram ignorável, só se pode dar uma reposta: a Europa é um território livre para os cidadãos e severo para os criminosos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O que aqui hoje nos traz é a vontade de dizer ao País que, quando é o momento de combater o grande crime e o terrorismo, falamos a mesma língua e dizemos todos o mesmo: Portugal não é, nem vai ser, paraíso dos fora-da-lei ou refúgio dos terroristas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Portugal luta contra o crime e aqui não se dá abrigo a criminosos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por último, o que aqui nos traz hoje é a intenção de, através da legislação que hoje aqui apresentamos, bem como outra legislação apresentada por outros grupos parlamentares, no mesmo domínio e visando o mesmo objectivo, deixar uma mensagem clara e um sinal inequívoco à comunidade nacional e à comunidade internacional de que respeitamos os nossos compromissos e de que combateremos, sem tréguas, a criminalidade organizada, a criminalidade transnacional e os terroristas que ameaçam este espaço, que queremos preservar, de segurança, de liberdade e de justiça.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Compreenderão que, desta discussão conjunta, salientemos, de entre várias, a iniciativa legislativa do meu partido, o CDS-PP.
Sem equívocos e sem falsas questões, elegemos ontem, como elegemos hoje, o combate à criminalidade como um objectivo primeiro da nossa acção política.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E desenganem-se aqueles que, tentando desmotivar-nos neste nosso esforço, lançam repetidamente falsas questões, suscitam conversas de pendor mais ou menos doutrinário, balizam a discussão com os direitos de todos e demais, convencidos de que, dessa forma, nos desviam do essencial. E, para nós, o essencial - sem prejuízo do trabalho, e muito trabalho, que possa ser feito para além desta sede, que é esta discussão na generalidade - é a defesa das vítimas, é a perseguição dos que prevaricam, é a cassação dos bens dos que enriquecem à custa do sofrimento alheio.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - No que de nós dependa, se alguém trafica estupefacientes e, com isso, enriquece à custa da morte e do sofrimento de muitos mais, esse alguém não pode encontrar na lei forma de melhor defender essa sua actividade.
No que de nós dependa, se alguém espalha o terror, com recurso a uma actividade como a do terrorismo, esse alguém não pode encontrar na lei forma de melhor ocultar as provas que procura quem os investiga.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - No que de nós dependa, se alguém fomenta a guerra, traficando ilegalmente armas, esse alguém não poderá ver na lei, em nenhum momento, de forma alguma, a maneira de impedir o trabalho de quem investiga essa actividade.
Daí a razão primeira da nossa iniciativa legislativa. O projecto de lei n.º 212/IX, que visa alterar o Código de Processo Penal, regulamentando a matéria das buscas nocturnas, é, neste espírito - e no decurso de uma iniciativa legislativa que também foi do CDS-PP -, o passo lógico a dar.
A iniciativa primeira do CDS-PP teve que ver, como é obvio, com a alteração do artigo 34.º da Constituição, que naturalmente teve de ter o merecimento de todos os demais Srs. Deputados necessários desta Câmara para esse efeito, mas que carecia desta concretização. Ora, o projecto de lei que hoje discutimos mais não é, nesta lógica de passo subsequente à alteração da Constituição, do que um passo que esclarece e define esta mensagem: a mensagem de um combate inequívoco à criminalidade e, de entre esta, em particular, à criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes.
Por isso, nos propomos alterar o artigo 177.º do Código de Processo Penal, por forma a que, mesmo sem o consentimento dos visados (e observados naturalmente certos requisitos que são também eles legais e constitucionais), possam ser efectuadas buscas domiciliárias entre as 21 horas e as 7 horas, desde que em causa estejam alguns destes crimes que acabei de referir.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O combate à criminalidade, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, só é possível se a quem investiga forem facultados os meios. E a lei deve, neste combate incessante, ser, do ponto de vista de quem investiga, o último dos entraves e, do ponto de vista de quem prevarica, o primeiro dos meios. Ou seja, a lei deve ser a primeira das armas de que quem investiga dispõe, no sentido da defesa dos direitos e das liberdades de todos os demais, porque é da defesa dos direitos e das liberdades de todos os demais que falamos, quando em causa estão iniciativas legislativas de que a que hoje vos apresentamos é exemplo.
Continuamos, por outro lado, a entender que a fórmula que propomos no nosso projecto de lei é, na fórmula e na eficácia que também propõe, mais avisada do que aquela que é proposta pelo Partido Socialista na sua iniciativa legislativa. Não que entendamos que a iniciativa do Partido Socialista não é, em si mesma, positiva - é-o, de facto, mas continuamos a achar que a fórmula que propomos é, apesar disso, mais eficaz, é, apesar disso, mais abrangente, numa certeza óbvia, que é esta: a de que a discussão não acaba aqui, muito há a fazer, e naturalmente que, em sede de especialidade, procuraremos esgrimir estes e outros argumentos, nomeadamente com o Partido Socialista, também com base na sua iniciativa legislativa.
Sem me querer demorar excessivamente, cabe obviamente na discussão a referência possível às demais iniciativas legislativas. Desde logo, às que têm a ver com as matérias JAI, que estão na ordem do dia na União Europeia e constituem uma vasta gama de políticas que afectam o quotidiano de todas as pessoas que vivem neste espaço da União.
É neste âmbito que se inserem a Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/475/JAI, relativa à luta contra o terrorismo, e a Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-membros, ambas de 13 de Junho de 2002.
A execução destas decisões-quadro é concretizada, hoje, em várias iniciativas legislativas. No que toca à Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/475/JAI, relembra-se que a União Europeia tomou numerosas medidas específicas para lutar contra o terrorismo e o crime organizado, considerando-o como uma das mais graves violações dos valores universais da dignidade humana, da liberdade, da igualdade, da solidariedade, do respeito pelos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais. E tanto o projecto de lei como a proposta de lei que, no âmbito desta decisão-quadro, são apresentados, procuram, com maior ou menor detalhe, fazer prevalecer estas preocupações.
O mesmo se diga relativamente às preocupações subjacentes à Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI e, naturalmente, ao projecto de lei n.º 207/IX e à proposta de lei n.º 42/IX. Nesta sede, a decisão-quadro remete-nos expressamente para as conclusões do Conselho Europeu de Tampere, cujo ponto 35 previa a abolição do processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas embora ausentes cuja sentença já tenha transitado em julgado, bem como a aceleração dos processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infracção. Também neste caso concreto, e como é evidente, as iniciativas legislativas, analisadas que foram - e foram-no com cuidado -, de uma forma ou de outra, procuram espelhar estas decisões.
Por último, naturalmente que o nosso sentido de voto, nesta discussão na generalidade, será também consentâneo com a visão que temos dessas iniciativas legislativas, quer dos projectos de lei quer das propostas de lei, que entendemos serem contributos muito úteis, sem prejuízo também de, posteriormente, em sede de especialidade, argumentarmos com ideias que temos e procurarmos contribuir para um processo legislativo que é, afinal, de todos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de passarmos aos pedidos de esclarecimento aos diversos oradores, devo dar a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos para, na qualidade de relatora de dois destes diplomas, apresentar as conclusões do relatório, atribuindo-lhe a Mesa, para o efeito, 3 minutos.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, vou ser muito sintética. Aproveito a apresentação das conclusões para assinalar que, durante o debate do relatório na 1.ª Comissão, teve um papel muito importante a Sr.ª Presidente da Comissão, pelo que quero daqui saudá-la. É porque, através dos seus conhecimentos e da sua experiência, foi possível tirar uma conclusão (salvo erro, a constante do

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ponto 5), que deixa claro que o n.º 3 do artigo 34.º da Constituição da República não pode desligar-se do artigo 18.º igualmente da Lei Fundamental e, assim, só serão possíveis buscas domiciliárias nocturnas se forem necessárias, se aquilo que visam obter não puder obter-se de outra maneira. Foi esse o entendimento adoptado, por maioria, na Comissão e é o entendimento correcto, porque não pode entrar-se em casa de uma pessoa durante a noite "por dá cá aquela palha"…

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - … e quando se podem obter as provas, as finalidades, de outra maneira.
Aliás, já Maia Gonçalves diz, numa anotação ao artigo 177.º do Código de Processo Penal, anterior à alteração da Constituição, que, quando se pesam dois bens jurídicos, se estiver em causa a protecção da vida humana, mesmo sem a Constituição o dizer, já era possível entrar de noite na casa de uma pessoa.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Agora, não pode é instituir-se uma regra como a que resulta das conclusões quer do projecto de lei do CDS-PP quer do projecto de lei do PS, porque também o do PS não respeita inteiramente esta conclusão, embora seja mais cauteloso e dê mais garantias que o projecto do CDS.
Isto porque o projecto do CDS, para além de nem sequer definir o que é criminalidade especialmente violenta deixa isso ao arbítrio dos juízes. Assim, é violado o princípio da legalidade em Direito Processual Penal, diminuindo-se as garantias de defesa e permitindo que se usem as buscas domiciliárias nocturnas de qualquer forma e de qualquer maneira.
Este é um entendimento errado da Constituição, esta não diz isso, pois a inviolabilidade do domicilio é um direito conquistado já há muito séculos. Na Revolução Francesa o direito à inviolabilidade do domicílio durante a noite era já assinalado, por isso mesmo, não podem os projectos de lei ignorar o artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa sob pena de serem verdadeiramente inconstitucionais.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Ministra da Justiça, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Montenegro, Odete Santos, Luís Fazenda e José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, em primeiro lugar, gostaria de saudar V. Ex.ª pelas iniciativas que traz em nome do Governo e integrar nesta saudação a valorização que o Governo tem dado à área da justiça e que esteve patente aquando da vinda do Sr. Primeiro-Ministro à Assembleia, na semana passada, para debater esta área específica quando outros, que hoje valorizam o seu poder de iniciativa, pretendiam discutir outras matérias

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Oradora: - Gostaria, ainda, de dizer-lhe que a proposta de lei n.º 42/IX, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre Estados-membros, assume uma particular relevância pelo facto de permitir que uma decisão judiciária ganhe plena eficácia em toda a União Europeia.
Concretiza-se o princípio do reconhecimento mútuo das decisões e simplifica-se o processo de entrega de pessoas afastando-se a burocracia de um processo de extradição. Sobre a necessidade de clareza, rapidez e simplicidade do processo, que agora se quer introduzir, pergunto-lhe, Sr.ª Ministra, quais são as razões para a opção de adoptar um texto legislativo autónomo que cria, desenvolve e especifica o regime jurídico do mandado de detenção europeu, não o intrometendo na Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, a lei de cooperação judiciária em matéria penal.
A outra proposta relativa à luta contra o terrorismo reveste também ela, por razões óbvias, e julgo que extensivas a todas as bancadas, uma importância capital: o Sr. Deputado António Costa suscitou na sua intervenção a questão de a Decisão-Quadro apontar para o prazo de transposição até 31 de Dezembro de 2002.
A Sr.ª Ministra já disse que não estamos propriamente numa prova de atletismo e é verdade que não estamos, mas mesmo que estivéssemos…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Anda alguém a correr atrás das lebres!

O Orador: - … importa recordar que a governação, nomeadamente, a boa governação, deve ser uma prova de regularidade e importa saber aquilo que VV. Ex.as faziam com as transposições, quando eram governo, e que em muitas datas foram também elas expiradas.
Sr.ª Ministra, coloco-lhe a última questão que tem que ver com o terceiro anúncio que V. Ex.ª aqui trouxe relacionado com a criação da Unidade anti-terrorista…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo terminou, faça favor de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia, a minha última questão tem a ver com a criação da unidade anti-terrorista pelo Conselho Superior de Segurança Interna, assim pergunto-lhe: como se articulam os dois instrumentos legislativos hoje aqui trazidos com esta unidade anti-terrorista, agora criada, e, nomeadamente, com todas as entidades que giram em torno dela?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra da Justiça, pretende responder aos pedidos de esclarecimentos dos oradores um a um ou responde em conjunto?

A Sr.ª Ministra da Justiça: - Sr. Presidente, responderei a cada grupo de dois pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr.ª Ministra.
Para um pedido de esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, apesar de ter pouco tempo, gostaria de colocar-lhe duas perguntas, uma vez que o mandado de detenção europeu aparece aqui no meio do terrorismo.
Assim, pergunto-lhe: isto de a pena não ser inferior a 12 meses para possibilitar o mandado de detenção não tem que ver com o terrorismo, não é verdade? Em Portugal, se eu dou uma bofetada a uma pessoa, e não lhe provoco ferimentos, a pena é até três anos de prisão.
Assim, noutros países, se forem causados danos como, por exemplo, nas manifestações de Génova contra a globalização em que se partiram vidros, temos aqui um óptimo meio para conseguir através da União Europeia que uma pessoa seja mandada circular para esse país, para o Sr. Berlusconi, que o quer punir ou colocar na prisão, e ficamos aqui sem garantias de defesa.
Na verdade, aqui há audição, mas não há direito a recurso... Vou ler melhor a proposta de lei, mas não me parece que haja direito a recurso.
De qualquer forma, repito, não tem as garantias que tem um processo de extradição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - As burocracias!

A Oradora: - Não são burocracias, porque, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, essa é uma frase tão do agrado do Sr. Bush que é "justiça sem limites", mas é claro que a justiça tem limites, a justiça tem os limites nas garantias da pessoa que pode ser inocente e está a ser acusada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E, Sr. Deputado, vê-se bem que V. Ex.ª não tem experiência dos tribunais, porque as burocracias, efectivamente, têm de ser reduzidas, mas não podem eliminar-se os direitos das pessoas, o direito a defenderem-se.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - De facto, o mandado de detenção europeu é um armamento da União Europeia que tem países com vários ordenamentos jurídicos - e isto não é nada contra os polícias -, e o que pretende facilitar os poderes policiais quando se exercem à margem da legalidade.
Quanto à segunda questão, gostaria de saber se aquilo que leio na proposta sobre quem auxiliar, ou apoiar, a imigração ilegal poder ser enviado para outro país é ou não verdade. Ou seja, se eu dar abrigo a um imigrante clandestino de quem tenho pena, abrigo-o na minha casa - isto consta no artigo 2.º, n.º 2 - da proposta, e sujeito-me a ir para o abrigo, noutro país claro, a ser reenviada para lá.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não leu bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, agradeço-lhe as questões que colocou e gostaria de responder-lhe sublinhando o seguinte: já tive ocasião de referir que o Governo tem privilegiado a área da justiça, porque é uma área que tem que ver com o dia-a-dia dos cidadãos, tem que ver com o funcionamento da nossa sociedade e o bom funcionamento do Estado de direito. É isso que o Governo tem privilegiado repito e não se tem cansado de tomar, e aprovar, as medidas que considera adequadas para a prossecução desse objectivo fundamental.
No que respeita à filosofia que presidiu à transposição para a nossa ordem jurídica do mandado de detenção europeu, ele tem, sobretudo, a ver, como deve imaginar, pela concretização que foi proporcionada pela Assembleia da República, aquando da revisão extraordinária da Constituição e que possibilitou, pelas alterações nela introduzidas que hoje, salvaguardas as especificidades próprias da nossa ordem jurídica, participemos com os restantes Estados europeus na criação deste espaço de segurança, liberdade e justiça.
A esse propósito quero também dizer-lhe que a proposta de lei que o Governo apresenta nesse domínio no que respeita às garantias que as autoridades judiciárias podem pedir às autoridades judiciárias emissoras do pedido de detenção podem ser de acordo com o projecto que aqui apresentámos de três ordens diferentes: a primeira tem que ver com a aplicação de penas privativas de liberdade de natureza perpétua, outra tem que ver com a circunstância de ser facultada à pessoa que é objecto do pedido de detenção a possibilidade de interpor um recurso quando haja sido julgada noutro Estado-membro, não estando lá presente, ou não tendo sido notificada dessa decisão, bem como podendo nós pedir que o cumprimento da pena seja feito no Estado de que é nacional a pessoa que é alvo do pedido de extradição. Estes são os fundamentos da proposta que o Governo apresenta e julgo que com boas razões.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas o recurso é só no caso de audiência! Eu tinha razão!

Entretanto, assumiu a Presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Oradora: - Julgo, aliás, que as divergências que, porventura, possam existir entre os processos aqui apresentados pelo Governo, quer no que respeita ao terrorismo quer no que respeita ao mandado de detenção europeu, não são significativos porque eles têm o mesmo objectivo.
Como eu disse da Tribuna, todos neste domínio falamos a mesma linguagem, porque todos partilhamos e defendemos os mesmos valores.
No que respeita à questão que colocou da transposição da Decisão-Quadro sobre o terrorismo devo dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: nós estamos de par com a generalidade dos restantes países europeus no cumprimento desta Decisão. Não sei o tempo que demorou a preparar esta Decisão-Quadro, mas ainda há pouco ouvi o líder do Grupo Parlamentar do Partido Socialista referir mais de 10 meses no Conselho Europeu.
Porém, Sr. Deputado, informo-o de que demorámos menos e na altura não era este Governo que participava

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no Conselho Europeu. Devo dizer-lhe que no primeiro em que participei naturalmente que dei o voto a favor deste Governo a esta Decisão-Quadro e, desde logo, aliás, notificámos a Comissão, em Dezembro, de que iríamos dar início ao processo de transposição.
Mas mais importante do que isso, Sr. Deputado, porque julgo que isso é pouco importante, neste momento e neste contexto, é que estamos a discutir e a apresentar projectos fundamentais que visam combater este fenómeno que destrói os fundamentos do Estado de direito com a apresentação da proposta de lei do Governo que estamos hoje aqui a discutir conjuntamente.
É, sobretudo, isto que queria significar neste debate, ou seja, a importância do tema que aqui nos traz.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Ministra, o seu tempo terminou.

A Oradora: - A uma questão da Sr.ª Deputada Odete Santos julgo que já respondi, mas como já não tenho tempo, responderei no próximo período de respostas.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, pelo alcance das iniciativas legislativas relativamente à transposição da Decisão-Quadro do Conselho na luta contra o terrorismo verifica-se - aliás, isso é admitido genérica e globalmente - que o Código Penal, no essencial, já tinha os dispositivos necessários para combater o terrorismo.
Esta é a primeira singularidade deste debate, apesar de tudo aquilo que o precedeu. É porque, afinal de contas, pese embora ter ocorrido o 11 de Setembro, o Código Penal e a legislação portuguesa já tinham um conjunto de dispositivos que permitiam fazer todo o combate anti-terrorista. De modo que há alguma "virtualidade" política que me parece diminuída pelo alcance destas iniciativas, não será um ou outro aperfeiçoamento, uma ou outra actualização, uma ou outra quase até semântica no conjunto das iniciativas que fará disto uma ruptura, uma alteração de qualidade, um caso novo a ter em conta.
Mas a iniciativa do Governo, essa, verdadeiramente, causa-nos perplexidade: por que é que o Governo adopta uma lei autónoma? Porque é que desapossa estes dispositivos do Código Penal? Porquê? Não se vê motivo para isso. Fundamenta a Sr.ª Ministra da Justiça - e disse-o há pouco na sua intervenção - que é por que quer conferir uma latitude de transnacionalidade a esta lei; mas no nosso Código Penal existe um conjunto de dispositivos que têm todos a ver com a transnacionalidade, muitos deles têm a ver com os direitos humanos, com os direitos das pessoas em variadíssimas áreas - porquê esta? Porquê esta singularidade, porquê esta iniciativa circunscrita a um único domínio? Eu só encontro uma explicação e gostaria que a Sr.ª Ministra da Justiça o confirmasse ou desmentisse, que é a de mostrar serviço do ponto de vista da propaganda política internacional, para dizer que adoptámos uma lei anti-terrorista que, afinal, é igual, praticamente, ao Código Penal que já existia, e o 11 de Setembro, rigorosamente, não contou em muito para isso mas agora é mais fácil dizer no Conselho Europeu, para Washington ouvir, para outros fora internacionais, que Portugal acabou de adoptar, novinha em folha, pronta a estrear, uma lei anti-terrorista - porque ela é basicamente o que já estava no Código Penal! De facto, é uma novidade dos tempos… Creio que será - perdoe-me a expressão - uma "contrafacção política" aquilo a que estamos aqui a assistir…!
Um outro domínio tem a ver com o mandado de captura europeu: gostava de perguntar à Sr.ª Ministra da Justiça, relativamente ao artigo 12.º (recusa facultativa da execução do mandado), se acha que é justificável que…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou.

O Orador: - Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Perguntava eu se V. Ex.ª acha justificável que alguém que já foi julgado por um delito possa ser entregue, ou se alguém não pode ser acusado num país por crime que entretanto já prescreveu e possa ser entregue a país terceiro.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Justiça e Sr. Secretário de Estado, Sr.ª Ministra, o que hoje aqui nos traz, utilizando a sua expressão, é uma iniciativa do PS. Conseguimos persuadir a maioria parlamentar e o Sr. Presidente da Assembleia da República a agendar este conjunto de iniciativas num momento em que não havia qualquer iniciativa do Governo - e nós orgulhamo-nos deste estilo de oposição, como o Sr. Deputado António Costa aqui bem sublinhou. Cumprimos o nosso dever, não queremos aplausos, mas V. Ex.ª haverá de reconhecer e dar uma palavra simpática sublinhando que esta iniciativa é, institucional e politicamente importante e oportuna - não ouvimos essa palavra, o que seria simpático e adequado.
Em segundo lugar, nós travamos aqui três batalhas bastante difíceis: primeiro, a batalha contra a tendência da maioria para fugir para uma agenda ilusória - o PSD teve de guardar na gaveta a ideia que tinha na campanha eleitoral de controlar o Ministério Público a partir do Ministério da Justiça, talvez porque não esteja no Ministério da Justiça!...
De qualquer das maneiras, essa ilusão está afastada e temos combatido essa ilusão com êxito. Agora, há, na moção de estratégia do Dr. Paulo Portas, uma outra ideia: a de fiscalizar o poder judicial, que eu espero que o Sr. Secretário de Estado Miguel Macedo ajude a combater ao seu lado, porque é uma ideia "abortícia" e inconstitucional. Aliás, a moção nem se encontra! Não é "não estar na net"…, é que não há! Não tenho uma edição integral em papel, tenho uma citação…
A segunda batalha é uma batalha que julgamos que pode ser travada com êxito, que é a de não deixar o Governo esquecer-se. Sr.ª Ministra, é absurdo que se deixe passar um prazo de transposição de decisões-quadro e de directivas europeias! E V. Ex.ª já o fez não só neste caso como noutros: Sr.ª Ministra, onde é que está a transposição da directiva sobre protecção de dados pessoais? V. Ex.ª apresentou

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com um atraso bárbaro a directiva sobre a segurança nas transacções comerciais.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Ainda não está?!

Risos do PS.

O Orador: - Bárbaro! Um atraso de meses! Há outra de que V. Ex.ª, aparentemente, nem se apercebe! Acorde, Sr.ª Ministra! Acorde! O nosso papel é o de um despertador institucional - e temos muito orgulho nisso quando se trata de uma boa causa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A terceira é a batalha da qualidade - e essa não é uma batalha simples! A Sr.ª Deputada Odete Santos acertou quando sublinhou, no bom trabalho que fez na Comissão, que há aspectos melindrosamente inconstitucionais numas iniciativas que estão presentes, da origem da bancada que apoia a Sr.ª Ministra. Mas há uma questão que já foi aqui suscitada e que é gravíssima: como é que V. Ex.ª pretende apresentar-se na União Europeia dizendo que o Código Penal português foi mutilado da parte do tratamento do terrorismo usando o argumento, um pouco simplório, de que se trata de ter em conta que o crime terrorista é transnacional?

O Sr. António Costa (PS): - Então, e as FP?

O Orador: - Sr.ª Ministra, o Código não foi revisto para combate ao terrorismo? Aliás, terrorismo interno, o terrorismo que levou ao desmantelamento e à aniquilação das FP? Não podemos mutilar o Código Penal de uma solução desse tipo!!...

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, Sr.ª Ministra…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Ministra esqueceu-se outra vez! Esqueceu-se de transpor a decisão-quadro sobre as equipas de investigação conjunta e tenho o prazer de lhe anunciar que V. Ex.ª vai ter em preparação - já que nós temos em preparação e apresentámos o projecto de lei - uma proposta de lei sobre as equipas de investigação conjunta que temos de transpor ao abrigo da decisão-quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002, cujo prazo (despertador outra vez!) acabou! Acorde V. Ex.ª que o projecto de lei já cá está! São estas as questões. Julgo que a Sr.ª Ministra podia ter uma palavra também de simpatia e de agradecimento institucional em relação a este nosso papel.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, é no sentido de esclarecer esta Câmara sobre se está hoje aqui em discussão, como parece depreender-se das palavras do Sr. Deputado José Magalhães, alguma moção partidária, ou se são iniciativas legislativas. Pareceu-me decorrer da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães que quereria que aqui fosse discutido o teor de uma moção partidária que vai ser levada a um congresso e não iniciativas legislativas, que devem, estas sim, ocupar o nosso tempo. Eu gostava que fosse definido o âmbito da discussão e é nesse sentido que faço esta interpelação.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, todos os Srs. Deputados conhecem bem qual é a matéria que está hoje em discussão. O Sr. Deputado José Magalhães formulou o pedido de esclarecimento nos termos em que entendeu fazê-lo.
Sr. Deputado José Magalhães, pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PS): - Também para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, serei brevíssimo. É evidente que nunca me passou pela cabeça deixar de discutir as iniciativas por cujo agendamento o PS se bateu. Mas este agendamento é a demonstração, Sr.ª Presidente, para nós, de que esta é a agenda real - é a agenda do País real. A agenda da moção de estratégia do Sr. Ministro Paulo Portas é outra "invencionice" populista que desvia os debates, que é inútil, que suga energias e que eu tenho, que nós temos todo o direito de discutir aqui. Só faltava que alguém quisesse esconder essa moção (que, aliás, ninguém encontra!) só porque nela está um dislate inconstitucional que o CDS-PP quer, a todo o custo, disfarçar, esconder, meter debaixo da mesa - nós não deixamos! Tenham paciência!

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Telmo Correia, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, uma vez que o Sr. Deputado José Magalhães insiste nesta matéria, quero também interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, quero dizer que não me parece que seja normal que a Assembleia da República queira substituir-se um congresso partidário…

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A Assembleia da República quer - e V. Ex.ª preside, e bem, a uma comissão para esse efeito - fazer as alterações que tiver de fazer em termos de reforma do sistema político e de lei dos partidos, mas substituir-se a um congresso partidário, isso acho que ainda não será propriamente função da Assembleia da República. Quero dizer, aliás, que essa moção foi apresentada, é pública,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Onde é que está?

O Orador: - … será divulgada, será discutida, mas só será, Sr. Deputado José Magalhães, documento oficial do CDS-PP depois de discutida e, como eu espero, aprovada em congresso - liberdade que nós temos porque somos um partido democrático.

O Sr. José Magalhães (PS): - Até lá, é secreta?

O Orador: - O que a moção diz e está anunciado é que o CDS-PP está preocupado com o sistema judicial, está preocupado, como estamos todos, com o funcionamento da justiça em Portugal, e trará as suas propostas. Não creio que V. Ex.ª queira também impedir o CDS-PP de ter propostas - não creio que vá tão longe!
Em qualquer caso, Sr. Deputado, e com a maior tranquilidade lhe digo, sublinho a atenção que o PS dedica ao congresso do CDS-PP - é bom para o CDS-PP!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E apesar de ser um caso inédito, posso, em nome do meu partido, assumir a responsabilidade de convidá-lo (é um caso inédito mas não temos problemas com isso) a participar nos nossos trabalhos, se quiser, e a discutir a moção. Vai ver que, apesar das suas propostas, continuará a sair coisa boa.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos regressar à ordem do dia, por favor.
Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, fará o favor de pensar que o trabalho que nós apresentamos aqui, na Assembleia da República, não tem outro objectivo que não seja esse: dar conta do nosso trabalho a quem, nos termos da Constituição, deve fiscalizar-nos. Portanto, não esteja preocupado com essa questão de dar conta de trabalho feito fora deste espaço, que é aquele que tem competência para fiscalizar as acções do Governo.
No que diz respeito à questão que colocou, da opção por uma lei autónoma, ela prende-se, como eu referi há pouco, com a convicção que o Governo tem de que assim dá um sinal muito claro à comunidade nacional e à comunidade internacional. Mas tem outra razão de ser, Sr. Deputado: como sabe, o Ministério da Justiça enviou, há alguns meses atrás, à 1.ª Comissão um documento em que identificava os trabalhos que tinha em curso, a razão de ser dos mesmos e a própria revisão coerente e sistemática de algumas regras do Código Penal, uma delas, carecida de profunda revisão, é a responsabilidade penal das pessoas colectivas.
Se o senhor bem se recorda, eu não me recordo de que, desde 1990, quando foi publicada legislação que punia as pessoas colectivas por infracções fiscais (legislação em cuja elaboração me orgulho de ter participado, numa comissão presidida pelo actual Presidente do Tribunal de Contas) e, mais recentemente, a Lei n.º 15/2001, haja tratamento sistemático, coerente e doutrinário quanto à responsabilidade penal das pessoas colectivas.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Tem de ler o Figueiredo Dias e o Costa Andrade, Sr.ª Ministra!

A Oradora: - É fácil incluir no Código Penal medidas avulsas - é fácil! - mas é mais difícil, do ponto de vista da criminalização das pessoas colectivas, fazê-lo sem olhar atentamente para a própria coerência do Código Penal. De facto, era fácil, Sr. Deputado, colocar nos crimes contra a sociedade, em vez de ser nos crimes contra Humanidade, os tipos que agora aqui trazemos.
Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer-lhe uma coisa: o senhor quer felicitações - eu dou-lhas!

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós agradecemos!

A Oradora: - Sabe porquê? Porque eu, quando estive sentada na bancada do CDS-PP, fiz exactamente o mesmo que os senhores fizeram! Apresentei projectos e iniciativas, como compete a qualquer Deputado e a qualquer grupo parlamentar. O senhor fez o seu trabalho, mas há uma coisa que quero dizer-lhe: o Governo também fez o seu trabalho!!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - E foi isso, Sr. Deputado - muito mais do que o senhor auto-qualificar-se como despertador, o senhor é que sabe…! -, muito mais do que isso, o que hoje aqui vim fazer. E também aquilo que o Grupo Parlamentar do PS aqui veio fazer - e bem! - foi discutir um tema que interessa a todos nós,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - … à comunidade nacional e à comunidade internacional. A não ser que o senhor queira discutir consigo próprio, coisa que eu não considero plausível.
Sr. Deputado José Magalhães, muito mais importante do que tudo, do que os adjectivos que utilizou relativamente a esta questão, é discutirmos em concreto aquilo que aqui viemos fazer.
Quanto ao mandado de detenção europeu, Sr. Deputado, como sabe, nós estamos…

O Sr. José Magalhães (PS): - E as equipas de investigação?

A Oradora: - Não vale a pena fazer isso, Sr. Deputado! Não vale a pena!
Quanto ao mandado de detenção europeu, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que o Governo cumpriu, como lhe competia,

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a antecipação desta nova legislação a nível comunitário para o primeiro trimestre deste ano. Foi uma decisão que foi assumida pelo anterior governo e que nós, com orgulho, concretizamos. Nós temos uma noção de Estado e de serviço público que pode, porventura, por vezes, fazer alguma confusão, mas é aquela que nós temos. Quanto ao mandado de detenção, Sr. Deputado, estamos a cumprir os prazos.
No que toca à outra matéria, Sr. Deputado, se fosse a si, não falava tanto de transposição de directivas porque nesse domínio, Sr. Deputado José Magalhães, porventura, também, o anterior governo em algumas áreas e matérias não actuou em conformidade com os respectivos prazos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Ministra, o tempo de que dispunha esgotou-se.

A Oradora: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Mas mais uma vez lhe digo, Sr. Deputado José Magalhães: não queira ser "despertador", não queira discutir consigo próprio; discuta o terrorismo e discuta o mandado de detenção europeu.
Foi isso que vim aqui fazer hoje. É isso que é importante para quem está lá fora a ouvir o debate que aqui quisemos travar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Para interpelar a Mesa sobre um acto que pratiquei junto desta e que gostaria que ficasse registado publicamente, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, acabei de entregar há pouco na Mesa um projecto de lei do Grupo Parlamentar do PS, subscrito por vários Srs. Deputados, cujo tema versa sobre a mesma matéria sobre a qual fiz uma pergunta à Sr.ª Ministra. O tema do projecto de lei, como V. Ex.ª já terá tido ocasião de verificar, não é o mandado europeu de detenção mas a formação de equipas conjuntas de investigação ao abrigo da Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002, designadamente sobre o combate ao terrorismo, tráfico de droga, tráfico de pessoas, etc., facto de que, aparentemente, a Sr.ª Ministra não se apercebeu.
Nesta matéria, também estamos em falta. E sobre essa matéria o Governo, Sr.ª Ministra, deve apresentar uma proposta de lei que suba conjuntamente com este projecto de lei apresentado pelo PS, porque estamos em falta, e isso faz falta para o combate à criminalidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há lá directores-gerais que tratam disso!

O Orador: - Há um equívoco, Sr.ª Ministra, e julgo que é muito simples para a Mesa aclarar esse equívoco.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Nós somos a lebre!…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas também há cães para apanhar as lebres!…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, de facto, deu entrada na Mesa um projecto de lei que está a correr os seus trâmites normais. Provavelmente ainda não chegou aos intervenientes parlamentares.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Para interpelar a Mesa sobre esta matéria, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.ª Presidente, estamos todos ansiosos por ver esse projecto de lei do Partido Socialista e queremos deixar o registo de que o Partido Socialista está efectivamente bastante falho de inspiração, porque insiste, pura e simplesmente, nesta tarefa de se transformar num partido "transpositor" dado que agora as iniciativas do Partido Socialista consistem na transposição de directivas.

Risos do PSD.

Querem fazer, praticamente, o papel de um director-geral,…

O Sr. José Magalhães (PS): - De director-geral?!…

O Orador: - … que propõe as directivas, que o Governo depois, naturalmente, traz à Assembleia.
Vejam lá se, efectivamente, conseguem ter melhor inspiração, porque, senão, ainda ficam com este cognome dos "transpositores"!…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, eu não estava presente quando o projecto de lei deu entrada. De facto, deu entrada na Mesa, mas ainda nem sequer foi admitido pelo Sr. Presidente.
Portanto, Srs. Deputados, terão de ter um pouco de paciência, até que os trâmites normais tenham lugar e todas as pessoas possam ter conhecimento do texto em causa.

A Sr.ª Ministra da Justiça: - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Justiça: - Sr.ª Presidente, muito brevemente, apenas para referir que o Sr. Deputado José

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Magalhães é mesmo carente de felicitações!… Eu dou-lhas de novo.
Mas não foi isso que viemos aqui fazer hoje. Estamos a discutir duas propostas apresentadas pelo Governo, uma, relativamente ao mandado de detenção, e outra, de combate ao terrorismo.
Quando o seu projecto de lei for admitido e levado à discussão, cá estaremos naturalmente a discuti-lo, como deve ser, como, aliás, mandam as regras de funcionamento desta Assembleia.
Além disso, Sr. Deputado José Magalhães, deixe-me dizer-lhe que não estamos aqui num campeonato. Se o senhor quer entrar num campeonato, esteja à vontade!… Mas nós não estamos num campeonato, nós estamos aqui, tão simplesmente e tão humildemente quanto é possível, para resolver os problemas que se colocam aos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Costa (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, por favor, não vamos continuar a discutir um projecto de lei que ainda nem sequer foi admitido pelo Sr. Presidente.
Sr. Deputado António Costa, pediu a palavra sobre que matéria?

O Sr. António Costa (PS): - Sr.ª Presidente, a Sr.ª Ministra pronunciou-se agora de uma forma, creio, equívoca sobre a ordem de trabalhos do dia de hoje.
Penso que, para encerrar este incidente, convém repor a verdade dos factos, para que de uma vez por todas possamos passar à fase seguinte.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr.ª Presidente, hoje é um dia de agendamento potestativo do Partido Socialista, isto é, foi o Partido Socialista que fixou a ordem do dia. E fixou-a agendando três projectos de lei que tinha apresentado em Janeiro deste ano.
A pedido do Governo, o PS aceitou que fossem também debatidas hoje duas propostas de lei sobre as mesmas matérias, que o Governo não tinha ainda apresentado,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - … mas que o Sr. Ministro se comprometia a apresentar na semana seguinte ao agendamento.
Naturalmente que não nos opusemos a que o Governo viesse também com iniciativas idênticas àquelas que nós já tínhamos apresentado. No mesmo regime, aceitámos que o CDS-PP agendasse, também para hoje, um diploma sobre uma matéria coincidente com uma outra que já tínhamos agendado.
Portanto, era só para esclarecer que hoje não estamos aqui a discutir duas propostas de lei do Governo. Hoje, estamos aqui a discutir, por agendamento potestativo do PS, os três projectos de lei que o PS apresentou,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Nós já tínhamos apresentado!

O Orador: - … duas propostas de lei do Governo, as quais subiram a reboque, e mais um projecto de lei do CDS-PP, que entretanto apareceu.
Creio que é tudo normal e que podemos agora passar à discussão da substância de que temos andado ligeiramente afastados nas últimas intervenções.

Aplausos do PS.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Ministro?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Para interpelar a Mesa sobre esta questão, Sr.ª Presidente, que, já agora, gostaria de clarificar, embora seja um pouco ridículo que a meio de um debate sobre a substância da matéria estejam a ser discutidas questões laterais.
Com franqueza, não sei como é que o Parlamento dessa maneira se prestigia!…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, gostaria de dizer que é em parte verdade o que o Sr. Deputado António Costa diz. Na verdade, trata-se de um direito potestativo, mas de um direito potestativo especial, uma vez que em circunstâncias normais estaríamos apenas, para uma única matéria, a discutir um único projecto.
Ora, em consenso com a maioria e com o Governo, estabeleceu-se o princípio, bom para todos, de que várias matérias conexas seriam agendadas para o mesmo momento, sem prejuízo do direito de iniciativa do Partido Socialista.
Portanto, é justamente o que a Sr.ª Ministra referiu. Ou seja, numa matéria desta natureza como é a da área da justiça, que pode, e deve, ser consensual, estabeleceu-se um princípio que nos permitiu ganhar uma tarde ao discutir em conjunto várias matérias. Julgo que é isto que é importante.
Por isso, o apelo que faço é o de que possamos continuar a discutir a substância das matérias, porque as lateralidades, seguramente, não prestigiam ninguém nem contribuem para a eficácia do nosso debate.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Corroborou, merece aplauso!…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Vamos, então, tentar concluir a fase de apresentação dos projectos de lei e das propostas de lei que estão em discussão.
Falta ainda um pedido de esclarecimentos dirigido ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo pela Sr.ª Deputada Paula Carloto.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Paula Carloto (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nuno Melo, ouvi com atenção a sua exposição sobre o conteúdo e alcance do projecto de lei n.º 212/IX, que visa alterar o Código de Processo Penal regulamentando a matéria das buscas nocturnas, dada a alteração introduzida em 2001 no texto constitucional.
Em geral, admite-se que o projecto apresenta uma solução coerente.
Faz todo o sentido, do ponto de vista técnico-jurídico, que as disposições a alterar sejam as relacionadas com a matéria da busca domiciliária definida no actual artigo 177.º do Código de Processo Penal e, por outro lado, que se verifiquem alterações no âmbito do artigo 251.º, no que respeita a buscas e a revistas.
Concordamos, especialmente, com o disposto no projecto de lei para o n.º 3 do artigo 177.º, que, do ponto de vista prático, limita o impulso, eventualmente menos ponderado, dos órgãos de polícia criminal, dado que obriga, prévia e sistematicamente, à ponderação sobre a moldura penal atribuível ao crime que suporta o flagrante delito.
Por outro lado, a estipulação também projectada para o artigo 251.º traduz, em nosso entender, a concretização necessária ao cumprimento de um bem fundamental nas sociedades modernas, a saber: a segurança pública dos cidadãos.
Mas, atento à vida real e à prática dos órgãos de polícia criminal, que nem sempre coincidem integralmente com as estipulações dos ordenamentos jurídicos, cumpre-nos ponderar muito bem a solução a adoptar quanto a esta matéria.
É que se, numa primeira linha, se torna evidente que a concretização do preceito constitucional visa ser um importante auxiliar da investigação e prevenção criminais e um contributo activo para o combate ao terrorismo - sobretudo, o transnacional, tão em evidência depois do 11 de Setembro -, também é verdade que não se podem esquecer as garantias do cidadão que a Constituição assegura, bem como o incontornável direito fundamental da ordem jurídica portuguesa da intimidade da vida privada.
Quem já assistiu a buscas em domicílios ou ouviu relatos das mesmas tem de reconhecer a violência psicológica que as mesmas são para todo o agregado familiar, muito particularmente para as crianças, que assistem à entrada de uma força policial pela sua casa dentro, local que, por definição, é o terreno seguro da vida familiar. E o cenário é claramente agravado sendo nocturno.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É por tudo isto nosso dever garantir o integral cumprimento dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico e, sobretudo, impedir, por todos os meios ao nosso alcance, que, por excesso, se potencie o abuso legitimado pelo impulso e pela tensão dos momentos.

A Sr.ª Presidente: - Terminou o tempo de que dispunha, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Porque nos cumpre a todos legislar de acordo com esses mesmos direitos fundamentais, garantindo o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, e porque tal questão foi suscitada em sede de 1.ª Comissão, e agora aqui relembrada pela Sr.ª Relatora do projecto de lei, cumpre-me solicitar-lhe que, perante o Plenário, explicite as razões que sustentam a constitucionalidade do projecto de lei apresentado, bem como a garantia do cumprimento integral dos limites no mesmo impostos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Paula Carloto, é evidente que ao CDS-PP se afigura que a fórmula que propõe é absolutamente constitucional.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - Compreendemos, de todo o modo, a argumentação que, em tese, poderia fazer sentido face a alguns apresentada pela Sr.ª Deputada Odete Santos. No entanto, há uma ideia que está subjacente ao projecto de lei por nós apresentado e que é claríssima: nós preocupamo-nos com o combate à criminalidade, naturalmente com respeito absoluto pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é a Coreia do Norte!

O Orador: - Contudo, temos de perceber que se, por um lado, o direito à inviolabilidade do domicílio é um direito efectivo com consagração constitucional, há também um outro direito, e esse é um direito colectivo, que é o de combate à criminalidade. Aliás, é um direito e um dever! Ora, entre dois direitos conflituantes deve prevalecer aquele que é mais importante. No caso concreto, e no caso dos crimes que suscitamos no nosso projecto de lei, naturalmente que o direito colectivo de combate à criminalidade prevalece face ao direito da inviolabilidade do domicílio.
De resto, devo dizer que não faz muito sentido…, mas depois, numa outra intervenção, terei oportunidade de falar sobre este aspecto mais detalhadamente.
Veja bem, não percebo, por exemplo, por que é que a Sr.ª Deputada Relatora, a propósito do projecto de lei do Partido Socialista,…

O Sr. José Magalhães (PS): - O relatório foi aprovado!

O Orador: - … não suscitou o facto de, na designação que é feita para os crimes especialmente violentos, um dos quais é o crime de sequestro, esse crime, na forma simples, apenas ser punível com pena de prisão até três anos ou multa e nem sequer ser punível com uma pena de prisão superior a cinco anos, necessária para que esse crime possa ser configurado como crime particularmente violento!? Que me conste, isso não suscitou à Sr.ª Deputada qualquer reserva.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O relatório foi aprovado com a abstenção do PSD!

O Orador: - Percebo a preocupação do Partido Socialista em querer designar expressamente os tipos de crime que cabem no conceito de "criminalidade especialmente violenta", mas, se analisarmos os crimes que designa como tal, a Sr.ª Deputada e os Srs. Deputados do Partido Socialista verificarão que ficam de fora, por exemplo, os crimes contra a autodeterminação sexual de menores e os crimes de pedofilia. Nestes casos, se nos reportarmos exclusivamente ao projecto de lei do Partido Socialista, tout cour, tal como está redigido, crimes como estes ficam fora do conceito…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … e, portanto, nesses casos, a busca nocturna não poderá ser efectuada.
Naturalmente que aquilo que hoje aqui apresentamos é um projecto de lei para discussão na generalidade, que, como é evidente, poderá ser aperfeiçoado na especialidade, se os argumentos que aí nos apresentarem colherem. Agora, também vemos no projecto de lei do Partido Socialista deficiências, que entendemos que o nosso não tem, por isso, vamos bater-nos pela nossa fórmula, naturalmente abertos a todos os argumentos.
Numa próxima intervenção, terei ocasião de falar mais detalhadamente sobre isto com a Sr.ª Deputada Odete Santos e com os restantes Srs. Deputados.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sobre que assunto, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, penso que a Mesa terá em seu poder o relatório da 1.ª Comissão sobre a questão das buscas nocturnas e, portanto, poderá dizer ao Sr. Deputado Nuno Melo se houve votos contra ou não.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, todos os Srs. Deputados têm acesso ao relatório.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, mas conviria que ficasse claro que não houve votos contra o relatório.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, presumo que todos os Srs. Deputados conhecem o texto do relatório e qual foi a respectiva votação na 1.ª Comissão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se eu estivesse lá…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O que é que fazia?! Diga lá!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Votava contra!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tenha maneiras! Ainda estamos numa democracia!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, podemos continuar?

Pausa.

Sr. Deputado António Montalvão Machado, faça favor de usar da palavra.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Assembleia da República discute hoje, na generalidade, três importantes medidas normativas de política criminal. Em duas dessas três medidas, o Governo e o maior partido da oposição apresentaram iniciativas que visam transpor para a ordem jurídica portuguesa decisões-quadro do Conselho da União Europeia, uma, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-membros, e outra, relativa à luta contra o terrorismo.
No que se refere à primeira iniciativa, creio que a questão é pacífica. É indispensável criar-se um regime jurídico simplificado de entrega de pessoas condenadas entre os Estados-membros, para efeitos de execução de sentença, e de entrega de pessoas suspeitas, para efeitos de procedimento penal. Um regime que se distancie do que está previsto na lei actualmente em vigor - a lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal - para entrega de pessoas entre quaisquer Estados, regime este com as características de complexidade e de morosidade próprias do tradicional processo de extradição.
A nossa integração no chamado "espaço europeu" implica, assim, que o regime a adoptar seja bem mais simplificado do que aquele que se regista quando estão em causa pedidos de entrega de pessoas com origem em Estados que não sejam membros da União Europeia.
No novo sistema ora plasmado, intervirão apenas autoridades judiciárias, suprimindo-se, assim, a intervenção do Governo e a tramitação procedimental será pautada pela eficácia, simplicidade e celeridade.
Bem pode dizer-se, pois, que a adopção no nosso ordenamento do chamado "mandado de detenção europeu" constitui um primeiro passo para a criação de um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal no espaço comum de liberdade, segurança e justiça.
Ao apresentar a esta Câmara a iniciativa legislativa referida, bem pode concluir-se que o Governo, neste caso, a Sr.ª Ministra da Justiça, cumpriu a sua palavra, bem pode dizer-se que o Governo cumpre, assim, mais um dos pontos do seu Programa, pois que dele consta o "reforço da cooperação judicial no quadro do espaço europeu de liberdade, segurança e justiça".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - E é exactamente isto que devia preocupar os Deputados desta Assembleia, porque é exactamente isto que preocupa também os portugueses.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem

O Orador: - Sinceramente, interessa lá saber se foi o partido A ou o partido B que teve a iniciativa em primeiro lugar!? Os portugueses que nos olham, os portugueses que nos ouvem querem é serviço feito, querem obra realizada, querem metas alcançadas. Não querem saber, seguramente, se foi o Governo que sugeriu uma determinada medida num certo dia 10 e um partido sugeriu mais ou menos a mesma medida no dia 11 ou se ocorreu exactamente o contrário. Os portugueses querem é as medidas. E ponto final!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, se isso é assim tão importante para o Partido Socialista, ficam VV. Ex.as com as medalhas!… Aliás, hoje já foram chamados de "Deputados carentes", de "Deputados transpositores", de "Deputados despertadores" e, agora, ficam Deputados medalhados! Pronto!… Está resolvido!…

Risos e aplausos do PSD e do CDS-PP.

Os senhores ficam, de facto, com as medalhas, mas nós ficamos com a responsabilidade de governar Portugal…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… e convenhamos que, se as medalhas são um entretenimento, a governação do nosso país é uma honrosa responsabilidade, que só nos dignifica e que nunca descuramos!
Resta, pois, saber se a transposição da Decisão-Quadro há-de ser feita através de alterações a introduzir na já dita "lei de cooperação judiciária internacional", como preconiza o Partido Socialista, ou através de um diploma autónomo, como sugere o Governo.
Creio que a questão é de técnica legislativa e ainda pode chegar-se a qualquer consenso, quando todos temos o mesmo objectivo, qual seja o de legislar bem.
Apesar disso, sempre direi, numa primeira abordagem, que me parece que a opção governamental é a mais correcta, na medida em que os procedimentos relativos à entrega de pessoas, constantes na lei de cooperação, são bem distintos dos que agora se adoptam e, sobretudo, porque os destinatários são outros também. Na lei de cooperação internacional, fica o regime para entrega de pessoas com origem em Estados que não sejam membros da União Europeia; na que hoje se vota, fica um regime diferente desse, mas igual para todos os Estados-membros, de entrega de pessoas com origem no espaço comunitário.
A segunda Decisão-Quadro insere-se no combate, que todos temos de travar, contra esse hediondo e cobarde acto humano em que consiste o terrorismo. Não podemos vacilar. O assustador crescimento do número de actos terroristas por todo o mundo e as desastrosas consequências, com perda da vida de centenas e de milhares de inocentes e indefesos, exigem, de facto, mão pesada para as respectivas penas.
Ao adoptarmos penas mais severas para tais actos, não estamos só a sancionar por sancionar, estamos também a colaborar com todo o mundo civilizado e democrático num programa enérgico de repressão e de desmantelamento do terrorismo.
Não há, nestas palavras, qualquer processo de "dramatização da violência", no sentido de que é ela que "encosta a sociedade à parede" a fim de que esta reaja com a severidade das penas. O que sucede é o seguinte: a sociedade não pode continuar desarmada face a manifestações tão drásticas, tão intoleráveis e tão dramáticas de criminalidade.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Continuam algumas vozes a clamar terem sido as primeiras e que foram outras as segundas e as terceiras na iniciativa. Que importante! Essas vozes, de novo socialistas, dizem que o prazo para transpor a directiva até já tinha passado. Essas vozes socialistas - as vozes da caducidade e do marasmo - confundem o mérito da actuação do Governo com a técnica político-formal de quem chega primeiro e aonde.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A urgência legislativa é a que é.
No próprio preâmbulo do projecto de lei do Partido Socialista se diz: "Boa parte das medidas inseridas na Decisão-Quadro está já devidamente acautelada no Direito Penal e Processual Penal interno.
Com efeito,…" - ainda estou a ler o vosso projecto - "… no Código Penal, encontram-se já tipificados os crimes (…) que (…) cobrem todas as situações enumeradas nas alíneas do artigo 1.º da Decisão-Quadro, em alguns casos, com um âmbito mais vasto."
Sendo assim, resta, de novo, saber se a transposição da Decisão-Quadro há-de ser feita através de alterações a introduzir no Código Penal, como preconiza o Partido Socialista, ou através de um diploma autónomo, como sugere o Governo.
Só que, agora, entendo que não se trata apenas de técnica legislativa. Infelizmente, o terrorismo é uma matéria candente, actual, conjuntural,…

O Sr. António Costa (PS): - Conjuntural!?…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É conjuntural porque a direita está no poder!

O Orador: - … internacional, que não pode mais compadecer-se com dois simples artigos do Código Penal.
É, de facto, importante que surja, com autonomia e credibilidade, uma lei do terrorismo, assim se dando um sinal e um impacto públicos que um singelo remendo normativo jamais proporcionaria.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A última medida em análise prende-se com os dois projectos de lei, um do PS e outro do CDS-PP, a propósito das buscas domiciliárias nocturnas. Sabemos que se trata de um assunto deveras melindroso,

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porque coloca em atrito os interesses da comunidade e da sua segurança com os direitos fundamentais dos cidadãos.
Em todo o caso, sejamos já frontais: uma eficaz luta contra a criminalidade constitui em si mesmo uma tarefa legítima do Estado de direito.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - As buscas domiciliárias nocturnas previstas nos dois projectos de lei, mesmo aquelas que são realizadas sem autorização judiciária, devem constituir, de facto, um regime excepcional que só em situações excepcionais pode ser aplicado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deverão sempre vigorar o princípio da adequação e o princípio da exigibilidade, ou seja, a constatação de que não há outro meio alternativo que consiga a obtenção do mesmo fim.
A relatora destas iniciativas legislativas, a Sr.ª Deputada Odete Santos, levantou, em sede de Comissão, algumas dúvidas ou, até, hesitações sobre a constitucionalidade dos projectos de lei. Fez bem em levantar as questões, porque proporcionou, de facto, um profícuo debate em sede de Comissão, que se estendeu adequadamente a esta Câmara.
Vamos, evidentemente num espírito de solidariedade responsável, trabalhar empenhadamente para aperfeiçoar as propostas, se for caso disso, e encontrar, até, um texto que possa corresponder ao espírito deste Plenário.
Dentro da legalidade, sempre dentro da legalidade, e da legalidade democrática, não tenhamos, no entanto, receio em afrontar tabus: o suspeito nestes crimes horrendos (ou, até, noutros quaisquer) não pode ser considerado como titular ou portador exclusivo dos direitos, interesses ou bens jurídicos,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E a presunção de inocência?!

O Orador: - … cuja salvaguarda exagerada possa ditar, em concreto, balizas à descoberta da verdade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.ª Presidente, creio que a Assembleia a que V. Ex.ª preside pode hoje sentir-se orgulhosa do debate que teve lugar. É exactamente isto que os portugueses esperam da sua Assembleia da República e creio que é exactamente por isto e para isto que tive a honra de ser eleito pelos meus concidadãos, e não propriamente para discutir assuntos alheios a este debate.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que, em relação à questão das buscas domiciliárias nocturnas, pouco mais há a acrescentar além daquilo que referi na qualidade de relatora.
Devo dizer que, penso, a Comissão firmou uma doutrina muito importante relativamente a esta matéria das buscas nocturnas no domicílio, porque, ao contrário do Sr. Deputado António Montalvão Machado, eu tento, apesar de todas as ideias em contrário, começar a pensar a partir da presunção de inocência e não digo que a pessoa que vê o seu domicílio invadido é culpada, como o Sr. Deputado António Montalvão Machado, que disse que uma pessoa que faz crimes horríveis deve suportar a violação do domicílio.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Não percebeu nada daquilo que eu disse!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não disse nada disso!

A Oradora: - Disse! Partiu da presunção da culpabilidade!
Em relação ao projecto de lei do CDS-PP, gostava de vincar que não pode defender-se que, numa matéria destas, seja usado num projecto de lei um conceito totalmente aberto, como o da "criminalidade especialmente violenta", sem se dizer o que se entende por isso, porque, embora em processo penal se possa recorrer à analogia, isso não pode ser feito quando represente uma diminuição das garantias do arguido. Esse conceito aberto, que dava margem para que o Ministério Público ou um juiz entendessem qualquer facto como especialmente violento, representaria uma grave diminuição das garantias do arguido, do suspeito, e, portanto, não podem usar-se esses conceitos abertos dessa maneira.
Gostava também de me referir, embora disponha de pouco tempo, a mais duas ou três questões.
Em relação à questão do mandado de detenção europeu, eu tinha razão. Quando é para decidir se se cumpre ou não o mandado, já não na execução da pena, mas antes, só há recurso naqueles casos muito limitados que a Sr.ª Ministra da Justiça referiu, que é no caso de ter sido julgado na ausência. Mas, se tiver sido julgado estando presente, não há recurso. Não há contraditório neste processo! Desta maneira, pretende-se prosseguir um objectivo a que eu, há pouco, me referi, dizendo que a justiça tem limites.
A justiça tem os limites do tempo para permitir que um cidadão se defenda! A justiça tem os limites do contraditório para permitir que um cidadão se defenda. E, neste processo, não há contraditório! A justiça tem os limites do recurso para permitir que o cidadão, em processo penal, que é um processo que tem a ver com as liberdades, possa obter outra solução! E nada disto encontramos.
Mas isto serve também para o PS…

O Sr. António Costa (PS): - Não serve, não!

A Oradora: - Serve, serve!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Lá se vai a união de esquerda!

A Oradora: - Eu critico-vos, porque, de facto, não há um sistema jurídico europeu, há várias legislações! E os

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senhores também estão de acordo com a perda de soberania e em que Portugal entregue os seus nacionais a outro país. Para quê?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para serem julgados!

A Oradora: - Segundo a proposta de lei do Governo - e em relação a isso não me foi dada qualquer resposta -, se um italiano ou um alemão, no seu país…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Parece um discurso americano demais!

A Oradora: - Eu dizia-lhe um poema muito bom do Walt Witman, ou seja, que a liberdade não é a primeira a partir, nem a segunda, nem a terceira. Primeiro, partem todos os homens e mulheres e só depois é que parte a liberdade!
Mas gostava de dizer - e em relação a isso nada foi dito - que, se um alemão ou um italiano, nos respectivos países, ajudarem um emigrante clandestino - e este "ajudou" sem ter tirado proveito - e, depois, vêm para Portugal, temos de os entregar.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Inconcebível!

A Oradora: - Uma pessoa que agiu humanitariamente!… Mas que humanidade da Europa é esta que os senhores aqui nos querem retratar?!…

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Por fim, porque só tenho mais 2 minutos, gostava de acrescentar o seguinte: o terrorismo já é punido no Código Penal. A justificação que a Sr.ª Ministra deu para a existência de uma lei à parte foi a de que se tratava de um crime transnacional. Ora adeus!… Então, não temos outros crimes transnacionais no Código Penal?! Não está lá o crime contra o tráfico de pessoas! Essa justificação da Sr.ª Ministra não colhe, é muito má, porque isso equivale a dizer que temos um direito penal de excepção, temos um processo penal de excepção e, um dia, talvez!, venhamos a ter tribunais de excepção, como na América, em que há tribunais militares…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não exageremos!

A Oradora: - … para julgarem pessoas que têm os seus direitos absolutamente negados. São pessoas sem quaisquer direitos que estão em Guantánamo!

Vozes do PCP: - É uma vergonha!

A Oradora: - Gostava de terminar da seguinte maneira (aliás, estes vícios que vou apontar não encontramos no projecto de lei do PS sobre o terrorismo, e nós estamos de acordo no combate ao terrorismo): gostava que os Srs. Deputados lessem o último relatório do ano 2000 das Nações Unidas sobre o terrorismo - tenho-o aqui -, o relatório presente à Assembleia Geral, em que se realça a importância de garantir os direitos fundamentais no combate ao terrorismo como prevenção, a garantia dos direitos fundamentais. Porque os terroristas servem-se, de facto, da denegação de direitos fundamentais aos cidadãos!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Esse é que é o "caldo" do terrorismo!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha terminou.

A Oradora: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso, nós temos no Código Penal!

A Oradora: - Exactamente!
A terminar, direi que o artigo 2.º da proposta de lei, da maneira como está redigido - e isto foi denunciado em França pelo sindicato da magistratura…

Vozes do PS: - Claro, claro!

A Oradora: - e arma o neoliberalismo contra aqueles que pretendem efectivamente alterar as estruturas económicas, injustas, do neoliberalismo -, permite, permissão, essa, absolutamente incrível,…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha terminou.

A Oradora: - Vou mesmo terminar, Sr.ª Presidente.
Como estava a dizer, permite, entre outras coisas, que a simples ameaça de ser cometido um crime contra a segurança dos transportes, com a finalidade de alterar estruturas económicas, seja considerada terrorismo. Se os trabalhadores dissessem ao Sr. Ministro do Trabalho "retire o código do trabalho do debate…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Estamos no limite da apologia do crime!

A Oradora: - … porque, se não, cortamos as vias de comunicação para Lisboa", segundo o que aqui está, estes trabalhadores eram terroristas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é na "lei de excepção"!

A Oradora: - Está na lei do Governo! Eu disse que estava a falar da "lei de excepção" do Governo!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado António Costa inscreveu-se para fazer um pedido de esclarecimento, mas a Sr.ª Deputada Odete Santos não dispõe de tempo…

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O Sr. António Costa (PS): - Sr.ª Presidente, o PS dispensa algum tempo à Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Quanto tempo, Sr. Deputado António Costa?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ó Sr. Deputado António Costa, não me faça uma pergunta muito difícil!

Risos.

O Sr. António Costa (PS): - De quanto tempo precisa, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso depende da pergunta!

Risos.

O Sr. António Costa (PS): - Chegam 3 minutos?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - São suficientes 2 minutos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - A Mesa registou a informação.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado António Costa para formular o pedido de esclarecimento.

O Sr. António Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, convirá que não pode, simultaneamente, apontar para o PS a dizer "esses vícios também são todos vossos" e, depois, dizer "bom, de facto, não estão cá, mas a vossa maldade é outra!".

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A maldade de base é a mesma!

Risos de Deputados do PS.

O Orador: - Entendamo-nos: no nosso projecto, o mandado de detenção tem direito a recurso, tem direito a contraditório, tem direito a defesa - tem todos os direitos garantidos. O que não tem direito é à impunidade, nem a que cada Estado-membro seja refúgio para os criminosos que têm liberdade de livre circulação.
A questão que coloca - e eu percebo qual é a sua divergência - é quanto à questão da soberania. Queria saber era se não pensa que a vossa postura sobre esta matéria é, hoje, assente numa ilusão: a de que cada Estado-membro se mantém soberano.
O que é que nós, hoje, temos? Hoje, temos uma União Europeia onde, felizmente, deixou de haver fronteiras, ou seja, onde nós podemos circular livremente, onde os produtos podem circular livremente, onde os capitais podem circular livremente. Mas nesta liberdade de circulação vai também a liberdade de os criminosos circularem livremente, de os produtos dos crimes circularem livremente, de o branqueamento dos capitais circular livremente. Essa soberania, hoje, já não serve para impedir nem a circulação dos criminosos, nem dos produtos do crime, nem do branqueamento dos produtos do crime. Ela já só serve para uma coisa: para impedir as autoridades policiais e as judiciárias de poderem prosseguir o crime para lá das suas próprias fronteiras.
Portanto, hoje, temos esta situação extraordinária: as fronteiras são uma prisão para o poder do Estado e a liberdade é para os criminosos! Ora, esta contradição tem de ser superada e demonstra a ilusão que constitui, hoje, essa ideia de que a justiça pode e deve continuar a ser uma função soberana de cada Estado. Para termos soberania na justiça, temos que a exercer de forma partilhada no espaço da União Europeia. E isso é que é decisivo.
Nós não podemos ter a liberdade das fronteiras e, simultaneamente, o velho processo de extradição,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … porque é o velho processo de extradição que permite aos diferentes criminosos ou, enfim, aos diferentes procurados subtraírem-se à perseguição da justiça - seja a portuguesa, indo para fora, seja a dos outros Estados-membros, vindo para Portugal - com bastante facilidade.
Portanto, essa ideia de soberania, hoje, é uma ilusão! E quando na revisão constitucional extraordinária, propusemos - e foi introduzida - uma norma que veio constitucionalizar a constituição do espaço de liberdade, segurança e justiça, bem como retirar o mandado de detenção europeu das regras da extradição, fizemo-lo porque isto é essencial. Julgo que essa sua posição é completamente errada, sobretudo vindo de um partido de esquerda.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Por acaso, não julgo!

O Orador: - Sabe porquê? Porque o exemplo que dá é puramente académico. Porque ninguém foge do País por um crime de agressão simples, ninguém foge do País por um crime de injúrias, ninguém foge do País por um pequeno crime de furto. Quem foge e quem beneficia com a liberdade de circulação é a grande criminalidade: é a criminalidade organizada, é o crime económico e financeiro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Esses, sim, é que podem beneficiar desta liberdade que hoje têm, mas que têm de deixar de ter!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou.

O Orador: - Vou já terminar, Sr.ª Presidente.
Também não é por acaso que foi o Sr. Berlusconi, e mais ninguém, quem andou durante meses a vetar, no Conselho, esta Decisão-Quadro. E custa-me muito ver os nossos vizinhos à minha direita neste arco parlamentar partilharem e reproduzirem aqui o discurso que, lá fora, já só é feito pelo Sr. Berlusconi!!

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Penso que há uma nova reflexão que também têm de fazer sobre a Europa nesta matéria da construção do espaço de liberdade, segurança e justiça.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada Odete Santos, tenho um outro pedido de esclarecimentos do Sr. Deputado António Montalvão Machado - aliás, o PSD também lhe vai ceder 2 minutos - e eu queria saber se a Sr.ª Deputada quer responder já ou depois desse pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Respondo depois, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Muito bem. A Mesa tomou nota de que a Sr.ª Deputada responderá, conjuntamente, no final.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado para pedir esclarecimentos.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, como sabe, tenho por si uma enorme consideração. Há já uns tempos que trabalhamos juntos com sucesso e amizade em diversos diplomas e há uma coisa de que eu não duvido: da sua seriedade intelectual e do seu empenho. Portanto, só justifico, só compreendo, a sua intervenção, certamente, por falta de tempo ou descuido de leitura.
É que a Sr.ª Deputada disse aqui (e encheu a boca com isto) que a proposta de lei é absolutamente inadmissível porque não respeita o contraditório, não respeita a liberdade das pessoas, não há recursos… Ora, não é nada disso! Não é rigorosamente nada disso!…
Disse, até, que nós agora íamos ter de remeter os nossos concidadãos portugueses para outros países… Também não é nada disso!…

O Sr. António Costa (PS): - É, é!

O Orador: - Se V. Ex.ª quiser ter a maçada de ler o artigo 12.º da proposta de lei,…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

… verificará que diz o seguinte: "A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: (…)", alínea g), "A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal (…)". Portanto, não há dúvida!
Quanto à questão dos recursos, diz a Sr.ª Deputada que não há contraditório, que não há recurso. Não é verdade! Há recurso! Há recurso, justamente nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alíneas a) e b) da proposta de lei! E há, principalmente, recurso, a interpor da Relação para o Supremo - não poderia ser da Relação para a 1.ª Instância, não é assim? - da decisão final sobre a execução do mandado de detenção europeu.
Portanto, pergunto-lhe: sinceramente, leu ou não a proposta de lei?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Li, li!

O Orador: - Bem, parece que não leu, desculpe!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, respondo ao Sr. Deputado Montalvão Machado, dizendo-lhe, muito simplesmente, que leia disposições anteriores, porque está a referir-se a dois momentos diferentes. Nesses casos que V. Ex.ª mencionou, sei que há recurso e, além disso, a Sr.ª Ministra respondeu-me que havia recurso no caso da pessoa ter sido julgada, estando ausente. Foi essa a resposta da Sr.ª Ministra e pode ver que há momentos diferentes neste processo. De maneira que o Sr. Deputado não me pode responder invocando o artigo 24.º da proposta de lei. É que há um momento anterior, muito anterior, a esse.
De resto, aproveito para dizer que as questões levantadas pelo Sr. Deputado Luís Fazenda são muito pertinentes, porque a recusa naqueles casos é facultativa. O que quer dizer que a pessoa pode ser julgada duas vezes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Duas vezes?!

O Orador: - O que quer dizer que, de facto, pode o crime ter prescrito…

Protestos do PSD.

Leiam, Srs. Deputados, "recusa facultativa". Então, o que quer dizer "recusa facultativa"?! Quer dizer que não é obrigatória, não é? Então, façam o favor de ler o artigo 12.º, alíneas d) e e), sobre a recusa facultativa da execução do mandado.
Bom, mas, em relação ao Sr. Deputado António Costa, gostava de lhe dizer o seguinte: V. Ex.ª esqueceu-se de uma coisa quando falou na questão da grande criminalidade. Por acaso, esqueceu-se de referir que o mandado de detenção europeu diz respeito a crimes puníveis com uma pena não inferior a 12 meses de prisão. Que grande criminalidade!…

O Sr. António Costa (PS): - Olhe que até é!

A Oradora: - E diz respeito a condenações numa pena não inferior a quatro meses. Que grande criminalidade, Sr. Deputado António Costa!… Isto, aliás, quando se combatem as penas curtas de prisão!

Protestos do Deputado do PS Jorge Lacão.

O Sr. Deputado também falou na questão de uma pessoa que fugisse. Mas eu não lhe falei da questão de uma pessoa que fugisse, falei, sim, de uma pessoa que se fosse manifestar a outro país, como aconteceu em Génova, e regressasse a Portugal. Portanto, não é uma hipótese académica aquela que coloquei.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - É uma hipótese que pode efectivamente verificar-se, porque as manifestações antiglobalização capitalista não vão terminar!!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. António Costa (PS): - E ainda bem!

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A Oradora: - Termino da seguinte maneira: com essas ideias que os senhores têm, aconteceu que, na França, no tempo do Jospin, aprovaram uma lei da segurança quotidiana, com revistas, com buscas de qualquer forma, julgando que era eleitoralista. Mas, depois, "tropeçaram" e perderam as eleições, porque o povo bem sentiu sobre quem se abatia a repressão!…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo. Dispõe de mais 3 minutos cedidos pelo PSD, que já estão reflectidos no quadro electrónico.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Compreendemos, como é evidente, que se veja com algum temor iniciativas que se prendem com direitos, liberdades e garantias. É óbvio! E devo dizê-lo com a maior serenidade. Tanto mais que a nossa Constituição sai de um regime totalitário, muitas vezes repressivo, e, portanto, do ponto de vista da consagração constitucional, muito do que lá vem, se não tudo, faz hoje sentido; no entanto, à data, não fazia, por isso votámos contra, como se recordarão.
Só que, hoje, a verdade é que vivemos numa democracia que está consolidada e, porque assim vivemos, há riscos que são do passado e que já não fazem sentido, pelo menos, em Portugal. Farão sentido, porventura, em Cuba! Em Cuba, poderão fazer sentido…

Protestos do PCP.

… mas, em relação a Cuba, da parte da Sr.ª Deputada Odete Santos, até hoje, não ouvi nada.
Farão sentido, porventura, na Coreia do Norte, que os Srs. Deputados do Partido Comunista, ao que parece, por vezes, até consideram levemente democrática, porventura, por causa do nome. Será?! República Democrática de Cuba, República Democrática Popular da Coreia…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Farão sentido, ainda hoje, na China comunista! Muito sentido!… Ainda hoje!… Mas, que me conste, ainda não vi delegações de Deputados do Partido Comunista, muito menos de Deputados europeus do Partido Comunista, irem à China e baterem-se pelos direitos humanos, tendo em conta a violação que deles é feita no território chinês, ao contrário do Iraque. Bom!
Faria sentido, com certeza, no passado, a leste do Muro de Berlim, na generalidade daqueles países totalitários,…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Onde é que você já foi?!

O Orador: - … relativamente aos quais o Partido Comunista, durante anos, desde 1974 até hoje, nunca se bateu.
Em Portugal, nos tempos que correm,…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Em Portugal, lutamos pela liberdade!

O Orador: - … quer parecer-nos que não faz sentido. E não faz sentido por uma razão: porque as iniciativas legislativas que hoje se propõem visam, efectivamente, salvaguardar os direitos, liberdades e garantias que constitucionalmente estão consagrados. Visam salvaguardá-los, mas visam também outra coisa: numa lógica de conflito de direitos, visam dar maior eficácia à investigação criminal. E, entre dois direitos que são conflituantes, como eu disse há pouco, entre o direito à inviolabilidade do domicílio e o direito colectivo à investigação criminal, na defesa dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, deve prevalecer este último direito.
Tenho a certeza de que, nomeadamente, a Sr.ª Deputada Odete Santos, mas também alguns Srs. Deputados a quem se suscitaram dúvidas sobre o nosso projecto de lei, não desconhecerão que, hoje em dia, muitos criminosos usam precisamente o direito à inviolabilidade do domicílio, tal como está consagrado, para a prática da sua actividade criminosa.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não me diga que os terroristas têm as bombas em casa?!

O Orador: - É que estas redes, que, muitas vezes, são organizadas e fortemente sofisticadas,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não me diga que os terroristas agora têm as bombas em casa?!

O Orador: - Lá vamos nós!…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Onde é que o Sr. Deputado já foi?! À China! E, daqui a bocadinho, vamos…

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, eu vou onde quiser, quando estou no uso da palavra,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! E eu não posso ir?!

O Orador: - … sendo certo que, nas divagações de V. Ex.ª, a ouço com toda a atenção!

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - A Sr.ª Deputada vai na sua e na dos outros!

O Orador: - Bom! A Sr.ª Deputada não duvidará do que eu estava a dizer, até porque estas associações criminosas têm plena consciência e conhecimento do nosso ordenamento jurídico. Como a Sr.ª Deputada também tem consciência, certamente, de que, em muitos dos bairros onde se trafica droga neste país, é precisamente durante este horário que esse comércio ilícito se faz, justamente por causa de um expediente legal que usam, em benefício de uma actividade que é ilícita.
Portanto, é bom de ver que aquilo que quisemos apresentar, com o nosso projecto de lei, foi um diploma que permitisse a investigação criminal mas com uma lógica suficientemente flexível que não pusesse de parte a investigação de crimes tão hediondos e tão abomináveis que merecem ser tão combatidos como aqueles que o Partido Socialista refere, e bem, no seu projecto de lei. Aliás, daí a observação que fiz há pouco, porque a Sr.ª Deputada

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Odete Santos, no seu relatório, suscitou a questão da não especificação da criminalidade especialmente violenta mas esqueceu-se, de facto, repito, da consagração que o Partido Socialista faz, no seu projecto de lei, do crime de sequestro, o qual, na forma simples, só é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa e, portanto, não cabe no conceito de criminalidade especialmente violenta, porque, para isso, teria de ser punido com pena de prisão superior a 5 anos.
Compreende-se, pois, a razão de ser do nosso projecto, quando se faz uma consagração não taxativa, até para não ficarem de fora crimes como os que referimos há pouco, contra a liberdade sexual e a autodeterminação sexual, os crimes de pedofilia, por exemplo, que são crimes hediondos que estão na ordem do dia e mereceram inúmeras iniciativas legislativas das várias bancadas, e também do Governo. Ora, com base apenas no projecto de lei do Partido Socialista, tal como está redigido, essa criminalidade não cabe na sua previsão e o mesmo se diga das buscas realizadas nesse âmbito, durante essa fase.
No entanto, é preciso que se perceba um outro aspecto que nos parece particularmente importante: nós estamos a falar de buscas, meus senhores! Nós estamos a falar de buscas! E as buscas, no nosso ordenamento jurídico, são objecto de um controlo judicial que faz com que a reacção contra actos, em tese, ilegais seja imediata e com que ele esteja ao serviço de um arguido ou de quem não seja, eventualmente, um suspeito. Se, porventura, no âmbito de uma busca, aquele que, por ela, é visado entender que os seus direitos foram violados, tem o recurso às vias judiciais, precisamente no sentido de acautelar os seus direitos, liberdades e garantias. Isto não sucederia, naturalmente, nos tais regimes totalitários que citei ou até no regime português antes de 1974.
Portanto, há toda uma protecção legal que faz com que, do nosso ponto de vista, a redacção que damos a esta disposição, no nosso projecto de lei, seja inteiramente constitucional, por muito que a Sr.ª Deputada Odete Santos queira trazer à discussão aquele que é o entendimento da Sr.ª Presidente da Comissão, que muito respeito mas com o qual posso concordar ou não. Nada tem a ver e, assim sendo…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi o da maioria da Comissão, não foi o da Deputada Odete Santos!

O Orador: - Não sei onde é que a Sr.ª Deputada arranjou esse triste hábito de não deixar as pessoas falar e, em cada intervenção, sistematicamente, desatar aos gritos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, não lhe fica bem e, ainda por cima, só demonstra que a Sr.ª Deputada não gosta de ouvir argumentos contrários. Tem de ser tolerante, Sr.ª Deputada! A Sr.ª Deputada tem de saber moldar essa cultura pouco democrática, que não sei de onde vem, e tem de aprender a ouvir os outros!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Olha quem fala!

O Orador: - Termino, dizendo o seguinte: saibam os Srs. Deputados que esta iniciativa legislativa que hoje lhes apresentamos não é, naturalmente, um projecto fechado, como sucede, aliás, com todas as que apresentamos. É um projecto que trazemos para discussão, entendemos que faz sentido nos termos em que está redigido mas, se necessário for, se nos convencerem da justeza dos argumentos contrários que nos apresentem ou, eventualmente, da falta de razão de ciência da nossa fórmula, ele poderá ser alterado em sede de especialidade.
Assim, com toda a tolerância e abertura, termino, dizendo que este é um contributo que queremos dar no combate à criminalidade e, por isso, na discussão de hoje, acentuámos essa lógica do combate à criminalidade. Pena é que outros, podendo passar a latere das questões legais e doutrinárias, tendo até em conta a discussão na especialidade que vai ocorrer, só se tenham detido nas questões doutrinárias e constitucionais, pois mais parece que só visam causar entrave a um desenvolvimento legislativo que, hoje, toda a classe jurídica tem como presente e verdadeiramente prioritário. Nós contribuímos com o nosso esforço, quem quiser contribuir no sentido de lançar pedras para o caminho, de impedir que o combate à criminalidade seja, efectivamente, um objectivo também deste Parlamento, dos tribunais e dos órgãos de polícia criminal, que o faça! Talvez por isso, uns estão sentados desse lado, do lado das bancadas da oposição, outros estão sentados deste lado, do lado das bancadas da maioria, com muito gosto nosso.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Tanta arrogância num jovem! Tanta sobranceria! Parece impossível!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Ainda bem que os jovens não são todos assim!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - A Sr.ª Deputada Odete Santos inscreveu-se para exercer o direito regimental de defesa da sua honra pessoal, pelo que lhe darei a palavra no final do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Justiça: O projecto de lei n.º 206/IX pretende tão-só dar cumprimento à Decisão-Quadro do Conselho da União Europeia, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo, a que o Governo não deu o imperativo seguimento até à data limite de 31 de Dezembro de 2002.
É certo que o Código Penal português já acautelava, na sua essência, os crimes de organização terrorista e de terrorismo, desde logo na sua versão originária e, de modo particular, através da revisão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março. Ou seja, o nosso Código Penal já hoje cobre, em larga medida, as situações tipificadas na generalidade do artigo 1.º da Decisão-Quadro, por vezes até com maior alcance.
No entanto, decorrem da própria Decisão-Quadro aspectos inovatórios que urge acautelar. Ou seja, a transnacionalidade, a sofisticação organizativa e de meios e o estado

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de terror gerado nos cidadãos em geral, nomeadamente a partir de recentes atentados de larga dimensão mediática, impõem o aperfeiçoamento e o alargamento de âmbito de algumas das disposições previstas nos artigos 300.º e 301.º do Código Penal.
Visando uma dissuasão mais consequente, agrava-se a moldura penal, no seu limite mínimo, de 5 para 8 anos de prisão, no tocante a promotores, fundadores, aderentes e apoiantes de organizações terroristas. Igualmente se agrava a moldura penal no concernente aos dirigentes desse tipo de organizações. Trata-se de um inequívoco sinal de repressão e combate a este crime de perigo abstracto, a que subjaz a "especial perigosidade que representa a mera existência de organizações terroristas", no sentido que, aliás, vêm defendendo, entre outros, Figueiredo Dias e Jorge Godinho.
Por outro lado, visa-se, no corpo do n.º 2 do artigo 300.º, tornar mais precisa a defesa das instituições políticas, constitucionais, económicas ou sociais do Estado português mas, atenta a transnacionalidade, prevenir, igualmente, as mesmas instituições de Estados estrangeiros ou de organizações públicas internacionais.
Considerando o recrudescimento e sofisticação tecnológica do terrorismo, alarga-se às comunicações informáticas e respectivos suportes e infra-estruturas, bem como às armas biológicas e químicas, o âmbito do já previsto na alínea b) do n.º 2 do citado artigo 300.º.
Igualmente se procede, na linha da referida Decisão-Quadro, ao aperfeiçoamento inovatório da criminalização do fabrico, aquisição, fornecimento e transporte, investigação e desenvolvimento de armas nucleares, biológicas ou químicas, para além da mera posse já prevista anteriormente.
Aditam-se ao artigo 301.º dois novos números, visando incriminar mais adequadamente a fabricação e uso de documentos falsos, assim se deixando clara a diferença entre a falsificação de documentos para uso de organização terrorista ou para finalidades de terrorismo daquela outra, tipificada no artigo 256.º, onde se prevêem todos os tipos de falsificação de documentos.
Por último, adita-se ao Código Penal um novo artigo, com o número 301.º-A, epigrafado como "Responsabilidade criminal de pessoas colectivas". Sublinha-se que tal decorre directamente do artigo 7.º da já referida Decisão-Quadro. Sendo certo que temos presente o disposto no artigo 11.º do Código Penal, ou seja, que "Salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal", a verdade é que também aqui sufragamos a melhor doutrina que sustenta que a regra geral em direito criminal é a de que só as pessoas físicas são passíveis de responsabilidade criminal mas que também admite que, excepcionalmente, pode haver fortes razões pragmáticas que aconselhem outras soluções. E aqui sigo de perto a anotação de Maia Gonçalves no seu Código Penal.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Vão, aliás, no mesmo sentido as asserções de Figueiredo Dias e Costa Andrade, ao considerarem que a excepcionalidade prevista no artigo 11.º do Código Penal quebrou a rigidez do princípio societas delinquere non potest, o que ficou a dever-se à pressão da criminologia do "white collar crime".
Daí que, e acompanho esses eminentes professores de Coimbra, não deva estranhar-se que a criminalidade económica, fiscal ou ecológica surjam como área privilegiada de punição das pessoas colectivas. E se tal digo, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados e Sr.ª Ministra, é apenas porque consideramos que nada justifica que a proposta de lei apresentada pelo Governo venha extirpar ao Código Penal dois dos seus artigos referenciais em matéria de combate ao terrorismo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nada, mesmo nada, nem sequer o propalado equilíbrio do Código Penal, justifica a ablação dos artigos 300.º e 301.º do nosso Código Penal e a criação de uma lei autónoma ou de excepção. Aliás, nem se compreende que se argumente que o nosso projecto de lei sobre branqueamento de capitais deva aguardar pela futura revisão do Código Penal, como defendem Deputados da maioria, o que presume a sua hipotética inclusão no seu articulado, quando, como é sabido, aí se punem criminalmente as pessoas colectivas infractoras, e, pelo contrário, se pretenda retirar do Código Penal, em nome de idêntica punição, os artigos relativos ao terrorismo, que lá estão, pelo menos, desde 1982.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Aí está!

O Orador: - É por isso, Sr.ª Ministra, que, em nome do espaço de liberdade, segurança e justiça, que tanto sublinhou, e bem, na sua intervenção, lhe quero aqui dizer o seguinte: o nosso Código Penal é o lugar substantivo do espaço de liberdade, segurança e justiça,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - … razão por que mutilá-lo e extirpá-lo dos normativos relativos ao terrorismo é apunhalar a boa técnica legislativa e desequilibrar, isso, sim, o capítulo dos crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra: Termino, dizendo apenas que, lá porque o PS tomou a dianteira no cumprimento da Decisão-Quadro,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Lá vem!…

O Orador: - … não é caso para tomar medidas que rasguem páginas do Código Penal. É que a justiça, como sempre temos dito, é matéria demasiado séria e tendencialmente convergente no nosso sistema democrático.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

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O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à transposição da Decisão-Quadro, creio que são oportunas algumas observações, uma das quais é a de que, por aqui, mais uma vez, no processo europeu, e não nos guardando nenhuma questão "soberanista", se pode ver um défice da construção europeia, um défice democrático. É que há um enxerto parafederal, como é este mandado de captura, há uma construção superestrutural de um espaço de segurança e de liberdade e, no entanto, marca passo qualquer tipo de harmonização da legislação dos Estados-membros, o que, aliás, é absolutamente visível nos trabalhos da Convenção que ora ocorrem. E, seguramente, não chegarão a bom porto em nenhuma harmonização…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não podemos desistir, Sr. Deputado!

O Orador: - … nem farão qualquer progresso em relação à compatibilização de legislação penal. É isto que se pode depreender dos relatórios parcelares e daquilo que vamos apreendendo.
Mas há uma outra observação que me parece pertinente, que é a de que tudo isto tem medidas de adequação política, dependendo, na actual arquitectura europeia, da força dos Estados. Apesar de ser um mero exercício de intenção, não creio que, estando em vigor esta Decisão, estando transposta para todos os Estados-membros, com absoluta validade jurídica, o Reino Unido, no caso que opôs um tribunal do Reino Unido a um tribunal espanhol, tivesse entregue Pinochet ao tribunal espanhol.

O Sr. António Costa (PS): - Tinha de entregar!

O Orador: - Encontraríamos toda uma série de subterfúgios políticos para que esta Decisão-Quadro não tivesse sido aplicada!

O Sr. António Costa (PS): - Mas tinha de entregar!

O Orador: - Portanto, creio que nos compete também a nós, como Parlamento de um Estado-membro, e de um Estado pequeno, ter a noção do realismo político e das diferentes velocidades com que este tipo de orientações podem ser aplicadas no quadro europeu. Não podemos julgar, de mão beijada, que há aqui um princípio de equidade e equilíbrio político que se irá aplicar, de igual forma, a todos.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, apesar de o Sr. Deputado António Costa, nas suas funções de Ministro, se ter batido, e bem, para que não houvesse uma directa ligação à entrega de alguém que pudesse ficar sujeito a uma pena de prisão perpétua - e há uma revisão de penas aos 20 anos e a eventual aplicação de medidas de clemência -, a verdade é que esse é um difícil equilíbrio que poderá funcionar mas também poderá ser uma folha de parra para que medidas de pena perpétua se apliquem por outra qualquer forma perversa. E convém não esquecer este facto, apesar daquilo que foi alcançado na Decisão-Quadro, porque esse facto também obstou aqui a que várias bancadas pudessem acompanhar esta decisão e esse assunto não foi, total e cabalmente, resolvido.
Quero ainda registar, Sr.ª Ministra da Justiça, que não respondeu às questões que lhe coloquei sobre o artigo 12.º da proposta de lei n.º 42/IX, concretamente sobre as suas alíneas d) e e), relativamente às quais me parece, salvo melhor opinião, que implicam que alguém que já foi julgado por um crime possa novamente ser julgado pelo mesmo crime, abolindo princípios basilares de direito, e que alguém possa ser entregue a um país terceiro quando já não pode ser criminalmente alvo de processos em Portugal, porque prescreveu a causa desse eventual crime. Gostaria que confirmasse ou não que essas alíneas d) e e) dão o devido curso, nas razões facultativas da execução do mandado - é isso que me parecem -, a verdadeiras violações de princípios basilares de direito.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma breve intervenção sobre a questão das buscas domiciliárias, designadamente as buscas domiciliárias nocturnas, para exprimir a ideia, que é consensual, e que a Constituição traduz de forma nítida, de que as buscas domiciliárias nocturnas têm um carácter excepcional, como têm ainda carácter excepcional as próprias buscas domiciliárias diurnas. As buscas domiciliárias e as revistas, naturalmente, colidem com um valor fundamental consagrado na Constituição, o da inviolabilidade do domicílio, que é, em grande medida, um direito de privacidade ou uma liberdade individual.
A questão que se coloca no nosso ordenamento constitucional é o facto de ser a própria Constituição a afirmar as restrições que ela mesma consente no âmbito da possibilidade das buscas domiciliárias nocturnas. Por isso, sendo esta uma matéria sensível, deve ser tratada com sensibilidade, com rigor, com exigência e, nesse sentido, o projecto que apresentamos vai ao encontro desta exigência essencial, que surgiu no âmbito do debate sobre a revisão constitucional.
E lembro aqui que este impulso da revisão constitucional foi da iniciativa do CDS-PP, mas cingia-se à matéria respeitante ao tráfico de estupefacientes,…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ouviu, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo?!

O Orador: - … que o alargamento desta matéria se deveu à necessidade de criar um sistema articulado de combate à criminalidade altamente violenta ou especialmente violenta e, nesse sentido, as dificuldades da consagração legal e da sua prática radicam na seguinte ideia: como é que estas buscas podem ser feitas? Em termos normais, mediante autorização judicial, de acordo com a proposta que apresentamos, para densificar o procedimento e torná-lo mais exigente, mediante requerimento do Ministério Público. E, naturalmente, em relação a um tipo de crimes cujos casos são taxativos, para evitar quaisquer

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medidas atrabiliárias, discricionárias, e que não sejam proporcionados ao bem segurança pública e segurança comunitária que esta medida pretende alcançar no combate à criminalidade especialmente violenta. Nesse sentido, identificamos um elenco de crimes, os quais, e nos casos que nele estão subsumidos, só mediante autorização judiciária e por proposta ou requerimento do Ministério Público.
Questão diversa coloca-se em relação ao flagrante delito, que é igualmente uma matéria profundamente delicada. Entendemos que o caso de flagrante delito não chega à sua existência como na situação normal de uma detenção, que é já prevista no caso da busca domiciliária diurna pelo Código de Processo Penal, mas é exigível que seja por autoridade judiciária, e a Sr.ª Deputada relatora, no relatório que elaborou, e cuja qualidade é aquela a que a Sr.ª Deputada Odete Santos nos habituou,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Obrigada, mas o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo não pensa isso!

O Orador: - … coloca uma questão pertinente, que vale a pena aprofundar, e que é a seguinte: se a medida de procedimento condicionante que nós propomos, que é a autoridade judiciária, será bastante, na proporcionalidade, relativamente a um outro bem de liberdade pública e de salvaguarda do domicílio, que deve ser preservado.
Naturalmente que a restrição de um direito tem de atender à exigibilidade, adequação e proporcionalidade estrita do outro e a questão que se coloca é se deve ser ou não densificado.
Acompanhamos a Sr.ª Deputada nessas dúvidas e julgamos que, em matéria de especialidade, podemos alcançar uma solução consistente, sendo que, para nós, a solução do próprio Código Penal hoje vigente, a de "adendar" pena de prisão à detenção em flagrante delito, em geral parece-nos, ela mesma, suficientemente densificada e consistente para preservar os valores que aqui estão em causa e que são, naturalmente, os da liberdade pessoal e da vida privada.
Srs. Deputados, nós sabemos, de ciência certa, que a segurança é uma condição da liberdade, mas sabemos também que a liberdade é a vida do Estado democrático e, por isso, é um valor prevalecente.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Alberto Martins, congratulo-me com a abertura com que apresenta o projecto de lei do PS em matéria de buscas nocturnas, que dará possibilidade de muitos melhoramentos em sede de comissão. No entanto, não queria deixar de fazer algumas considerações e sobre elas umas concretas perguntas.
Quando a revisão constitucional de 2001 introduziu o artigo 34.º, n.º 4, não fez mais do que abrir as portas à ruptura com uma proibição radical de intromissão nocturna no domicílio. Ao abrir as portas a essa ruptura, a Constituição apresentou duas condições: o flagrante delito ou o tratar-se de criminalidade violenta ou altamente organizada, nos termos em que dispõe o artigo 34.º, n.º 4.
Estas condições não chegam para legitimar as buscas nocturnas. Abrem a porta à proibição radical que até aqui constava da Constituição, mas exigem ao legislador um conjunto de ponderações à luz do artigo 18.º da Constituição.
A funcionalidade marginal do artigo 34.º é apenas essa. Romper com a proibição radical. Não chega, porém, para preencher o domínio de justificação das restrições que se concretizam com as buscas nocturnas. Esse domínio de justificação tem de ser procurado no âmbito do artigo 18.º, segundo os critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
Isto põe de relevo vários problemas. Em primeiro lugar, exige uma estratégia legislativa de buscas nocturnas particularmente restritiva e cautelosa; em segundo lugar, exige um nível de densificação às medidas legislativas, de tal modo que os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade não fiquem na margem de improvisação das autoridades judiciárias e policiais. Porque a grande falácia que se pode aqui criar no raciocínio da tomada de medida legislativa nesta matéria é justamente a de iludir estes critérios materiais com o arrimo nas condições do flagrante delito e da criminalidade altamente organizada e na autorização judicial. Não chega!
A autorização judicial e a intromissão policial estão sujeitas a critérios de legalidade e se a lei não explicar quais são os casos em que a intromissão nocturna é permitida, então a lei é inconstitucional, desde logo com base numa falta de densificação suficiente, no facto de ela própria não conseguir erigir-se em critério de aferição das medidas policiais tomadas.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou.

A Oradora: - Vou ser muito rápida, Sr.ª Presidente.
Claro que a legitimação de medidas que aqui se tomam é evidente. O crime de terrorismo tem de ser combatido com eficácia, mas confrontamo-nos com valores que fazem parte do património constitucional mais antigo, como sejam as garantias do processo penal e da inviolabilidade do domicílio. Isso exige-nos uma particular cautela contra a vertigem da dissolução da cultura constitucional em nome do combate ao terrorismo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O que queria perguntar ao Sr. Deputado é o seguinte: não acha que o projecto que apresenta carece de maior concretização, que deve indicar quais são os casos em que pode haver buscas nocturnas, mesmo sobre este pressuposto legitimatório de abertura do flagrante delito e dos crimes intensos?

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Oradora: - Permita-me só que termine, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem de ser muito rápida, Sr.ª Deputada.

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A Oradora: - Não acha, Sr. Deputado, que o próprio flagrante delito, como diz, não pode ser iludido com a legitimação por um critério de autorização do juiz? Não acha que, aqui, é preciso identificar os casos, por exemplo a não destruição de prova ou a protecção da vítima? Identificar os casos de necessidade dessas medidas? A mera detenção justificará a intromissão nocturna no domicílio? Não justifica.
Os casos não estão…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, desculpe mas não posso deixá-la continuar.

A Oradora: - Eu termino.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Não, não, Sr.ª Deputada, está terminado.

A Oradora: - Os casos não estão aqui clarificados.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins, que dispõe de mais 2 minutos, cedidos pelo PSD.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente e Sr.ª Deputada Assunção Esteves, devo dizer-lhe que me identifico, no essencial, com as preocupações que acaba de exprimir e constato uma grande dificuldade, nesta matéria, de harmonização das posições do PSD com as do CDS-PP.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é o caso!

O Orador: - V. Ex.ª tem uma preocupação que radica numa questão essencial, a de não reduzir o alcance fundamental de preceitos constitucionais, neste caso o preceito da inviolabilidade do domicílio, que é uma liberdade fundamental. Nós temos essa mesma preocupação, e no nosso projecto, na parte que respeita aos crimes especialmente violentos que permitem as buscas domiciliárias mediante autorização judicial competente, fizemos um elenco muito preciso, taxativo, dos casos em que isso se verifica. E na questão dos crimes altamente violentos, definimos que eram quatro, para além daqueles que a Constituição define:…

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Não chega!

O Orador: - … o rapto, o sequestro, a escravidão e a tomada de reféns.
Nesta matéria, a nossa precisão foi a de complementar o texto constitucional, dando-lhe um sentido útil e uma eficácia efectiva sem lhe reduzir o alcance mas compatibilizando-o, naturalmente, com o valor fundamental da inviolabilidade do domicílio. Creio que, neste ponto, o nosso texto responde de forma satisfatória.
Relativamente ao flagrante delito, já tive a oportunidade de dizer que vemos vantagem em densificar o conceito. Ele está densificado, no caso vertente, em termos da lei vigente no Código de Processo Penal quanto às buscas diurnas, quando admite que elas podem ter lugar, no caso de detenção em flagrante delito, com a moldura penal de prisão efectiva.
Como também já tive a oportunidade de dizer, temos dúvidas, na densificação deste preceito, que isso seja bastante e por isso estamos abertos a uma densificação que vá ao encontro desse princípio essencial da proporcionalidade que a Sr.ª Deputada citou que é o da adequação, a necessidade e a proporcionalidade estrita.
Por isso, estamos convencidos que com o nosso projecto encontraremos uma solução consistente. Já não podemos dizer o mesmo das soluções, um pouco casuísticas, impensadas e cerceadoras de direitos fundamentais efectivos que nos é proposta pelo projecto do seu parceiro de coligação, o CDS-PP.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Decorreu deste debate, e não vale a pena acentuar, a importância das duas propostas de lei que o Governo trouxe à Assembleia da República.
Sabemos dos antecedentes destas duas matérias no âmbito da União Europeia e da cooperação que Portugal deu na sua preparação e definição; sabemos que as questões que estamos aqui a tratar estão, muitas vezes, no fio da navalha da necessidade que temos, cada vez mais, de nos defendermos relativamente a uma criminalidade cada vez mais organizada, mais sofisticada e internacionalizada, com particular realce para o terrorismo internacional.
Temos a consciência perfeita de que vivemos hoje, nalguns aspectos, o dilema das garantias cegas e absolutas dos direitos e liberdades fundamentais e, face à sofisticação e actuação brutal (a que vamos, infelizmente, assistindo cada vez mais, aqui ou ali) de actos de terrorismo, não podemos ter a ingenuidade de não acentuar estas vertentes no sentido de "armar" o Estado e de cooperar internacionalmente no combate a estes flagelos.
As soluções agora transpostas por estas directivas souberam encontrar, nesta filigrana jurídica, os limites que asseguram a conquista dos direitos fundamentais, sendo a nossa Constituição, aliás, um dos textos mais amplos na sua consagração.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E, se foi necessário alterar a Constituição, designadamente para a questão das buscas nocturnas, temos de convir que vamos encontrar na formulação legislativa final a mesma linha de preocupações que torne o Estado mais eficaz nesse combate, quer interna quer externamente, no quadro das cooperações a que estamos vinculados e que devemos alargar e acentuar. Desta forma, os direitos que Abril nos trouxe e que a Constituição consagra não serão, com certeza, afectados e o Estado não deixará de estar devidamente "armado"

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na defesa de vidas inocentes, na defesa da segurança de todos.
Bem-haja, Sr.ª Ministra da Justiça, por estas duas iniciativas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos para defesa da honra pessoal, que se sentiu agravada por uma expressão utilizada durante o debate pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo. Dispõe de 3 minutos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, a expressão utilizada pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo foi, exactamente, "cultura pouco democrática".
Gosto do debate, aceito críticas, nomeadamente quando são feitas em relação a algumas questões que tenha estado a interpretar mal, mas não reconheço ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo nenhuma autoridade para, sobre essa matéria, se pronunciar.
Sei que este é o tempo dos grandes inquiridores, das pessoas que apontam a dedo os outros por não pensarem da mesma maneira. Contudo, não lhe reconheço autoridade nem para ser pequeno inquiridor nem para ser ajudante de pequeno inquiridor, porque os seus apartes podem não estar registados, mas tenho ouvido muitos que, em relação à minha pessoa, são desprestigiantes, como aquele em que, uma vez, quando discutíamos uma matéria em que eu tinha toda a razão, me disse que me ia oferecer um Código Civil.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não fui eu!

O Orador: - De qualquer maneira, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, sobre a questão da democracia, o senhor não tem nada a ensinar-me.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Posso aprender com muitas outras pessoas, mas o senhor não tem nada a ensinar-me.
Para terminar, visto que também lhe fazem falta muitos dos valores da década de 60, quero dizer-lhe que não "desespere". Está em gáudio, mas é melhor conter a sua alegria, porque cantava-se outrora "we shall overcome" e, agora, continua a cantar-se!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para dar explicações, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, dentro do limite de tempo regimental.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, julgo que não há dúvida nenhuma, e ninguém leva a mal que cheguemos a essa conclusão, de que em termos de democracia somos completamente diferentes. Somos, efectivamente!
De resto, a Sr.ª Deputada, há pouco tempo, deu uma entrevista em que até se confessava admiradora de Estaline.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Há pouco tempo?! Eu?! Deve estar muito enganado!

O Orador: - Devo dizer-lhe que, para mim, Estaline continua a ser um tremendo de um assassino.
Mas não lhe levo a mal por essas diferenças, que considero salutares e que nos colocam no nosso devido lugar: a Sr.ª Deputada no lugar daqueles que democraticamente consideram que Estaline foi um grande homem e eu no lugar daqueles que consideram, democraticamente, que Estaline foi um tremendo de um assassino. Daí não vem mal ao mundo.
Sr.ª Deputada, compreenda bem o alcance daquilo que lhe disse. A Sr.ª Deputada, reiteradamente, sempre que alguém desta bancada fala, desata aos gritos - não se trata de apartes para que sejam registados - por forma a que quem está no uso da palavra não se faça ouvir.
Sr.ª Deputada, das duas uma: esse tipo de atitude ou significa falta de tolerância democrática (expressão que usei) ou é falta de educação (expressão que não usei).
E, confesso, como tenho a Sr.ª Deputada por pessoa educada, só posso entender a sua atitude como uma demonstração de falta de tolerância democrática, que reafirmo na exacta medida do que lhe disse antes.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não disse não! Disse "cultura pouco democrática"! Se vamos falar de tolerância, veremos quem é tolerante!

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, declaro, pois, encerrado o debate, na generalidade, deste conjunto de projectos e propostas de lei, a cuja votação iremos proceder no período de votações regimentais que se segue.
Sr.as e Srs. Deputados, enquanto aguardamos uns minutos para que cheguem alguns Srs. Deputados retardatários, peço a atenção da Câmara para o que vou comunicar.
Recebi ontem uma carta do Sr. Presidente do Parlamento Europeu, apresentando as suas desculpas por não ter podido cumprir o programa que para ele tinha sido preparado na Assembleia da República. Por razão da morte de uma pessoa de família, teve de voltar, antecipadamente ao que contava, ao seu país, à Irlanda.
Espero que, noutra oportunidade, o Sr. Presidente do Parlamento Europeu possa aceitar um convite da Assembleia da República para nos visitar em termos oficiais e poder, assim, realizar o programa previsto, nomeadamente ter um contacto com a Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa.
Quero também dar conhecimento à Câmara que hoje reuniu, pela primeira vez, a Conferência dos Presidentes das Comissões Parlamentares, que é um órgão novo previsto no nosso Regimento. Hoje teve lugar a sua primeira reunião, que foi extremamente frutuosa, tendo ficado assente que nos reuniríamos com regularidade quinzenal, pelo menos nestes primeiros meses, para que possamos tirar todo o partido de uma interessante iniciativa da Assembleia na altura em que procedeu à revisão do seu Regimento.
Gostava também de pedir a atenção de todos para o seguinte: ontem, em Conferência de Líderes, procedemos

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a uma apreciação da experiência dos dois primeiros meses de vigência do Regimento revisto e congratulámo-nos, muito justamente, com o facto de alguns institutos novos ou profundamente reformulados estarem a funcionar com eficácia.
Por outro lado, ao reflectirmos sobre o funcionamento das sessões plenárias e das comissões, concluímos que avanços substanciais têm sido feitos e que é preciso continuar neste mesmo caminho de assegurar a pontualidade no início das nossas sessões e o respeito rigoroso das regras sobre o quórum de funcionamento - o que tem acontecido, e que tem sido favorável à eficiência da Assembleia da República.
Há, no entanto, algumas questões em aberto, para as quais gostava de contar com a cooperação de todos. Talvez a mais importante, no imediato, seja o respeito pelos tempos regimentais de intervenção.
Os tempos regimentais não são uma arbitrariedade, mas uma defesa dos direitos de todos, visto que o tempo destinado ao funcionamento das sessões plenárias é limitado. Todos os Deputados têm direitos iguais - não há Deputados mais iguais do que outros - e se, porventura, algum se exceder para além do tempo que está estabelecido regimentalmente, fá-lo sempre com o prejuízo de um dos seus colegas. Quando termina o tempo previsto para o período de antes da ordem do dia, entra-se imediatamente na ordem do dia e muitas vezes tenho verificado que há oradores inscritos que acabam por ser prejudicados e não usar da palavra em consequência desta falta de autodisciplina dos membros do Parlamento. Peço, pois, a todos, o maior empenho no respeito pelos tempos regimentais.
É uma das funções mais árduas, difíceis e antipáticas por parte de quem dirige os trabalhos retirar a palavra a quem quer que seja. Faço-o sempre com grande resistência. Mas também me pesa o papel de estar a apelar aos Srs. Deputados para que concluam as suas intervenções, além de que alguns nem sequer dão sinal de ter ouvido o meu apelo. Apesar de às vezes ter de o fazer em tom maior, os apelos repetem-se e as intervenções para além do tempo regimentalmente previsto continuam.
Quero prevenir a Câmara de que, a partir de agora, só farei uma chamada de atenção, precisamente na altura em que o tempo regimental atribuído se conclui, para que realmente a intervenção termine, não voltando a chamar a atenção do Deputado em causa, desligando-lhe simplesmente o microfone.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Infelizmente, não encontro outra forma para que nos habituemos todos a respeitar os tempos regimentais.
Portanto, quando o tempo terminar, chamarei a atenção do Deputado que estiver no uso da palavra e a seguir desligar-lhe-ei o microfone, dando a palavra ao orador seguinte. Tenho imensa pena de proceder assim, mas espero que, com um período de alguma dificuldade na adaptação, entendam que é melhor para todos e para o prestígio do Parlamento.
Por fim, quero referir-me à questão dos telemóveis. Os telemóveis não devem estar ligados durante as sessões plenárias, contudo não só estão ligados e tocam, como vibram. Quando vibram, não se ouvem, mas de qualquer modo é ostensivo o facto de alguns Srs. Deputados atenderem os telemóveis dentro da Sala.
Apelo, pois, uma vez mais, para que se abstenham de atender os telemóveis durante as reuniões plenárias e que se tiverem de atender uma chamada o façam fora da Sala.
Julgo que, se tal continuar a acontecer, não vou ter outro remédio senão chamar a atenção da Sr.ª ou do Sr. Deputado que vir a falar ao telemóvel (interrompendo quem estiver a falar) e de lhe pedir o favor de sair da Sala para atender o telemóvel. Não vejo outra maneira de lidar com este assunto.
Isto não é uma teima, a questão é que os telemóveis têm influência negativa sobre o sistema áudio da Sala e, portanto, prejudicam o funcionamento do Parlamento.
Srs. Deputados, vamos então proceder à verificação do quórum de votação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como estes dois pedidos de palavra, podem ter a ver com algum dos comentários que teci, e não quero privar ninguém de usar da palavra, vou, antes de mais, dar-lhes a palavra.
Assim, tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para que debatêssemos o voto que está sujeito a discussão e votação, mas, entretanto, foi ultrapassada a questão que motivara esse pedido de palavra.
Portanto, estamos em condições de passar à discussão e votação do mesmo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, os alertas que V. Ex.ª fez a todos os Srs. Deputados suscitou-me algumas considerações muito breves.
A primeira dessas considerações tem a ver com o cartão electrónico que usamos para a votação electrónica, que, em minha opinião, não é muito dignificante para a Assembleia da República. Digo isto porque - V. Ex.ª desculpará estes remoques vindos desta parte, que foi tão zurzida pela intervenção de V. Ex.ª - um cartão que tende a ressaltar a dignidade do Parlamento e que tem como identificativo apenas a marca de uma multinacional não é extremamente dignificante.
A segunda consideração tem a ver com o próprio software. É que temos estado compaginados com uma situação, que também não é dignificante, quanto ao sistema funcionar, ou não. Se calhar, seria bom que este software permitisse a introdução do cartão em qualquer circunstância, que não condicionasse, que desse a possibilidade de as pessoas que não carregaram no botão no preciso momento o poderem fazer e serem reconhecidas pelo sistema.
Estes pequenos pormenores não são de molde a ressaltar o prestígio que V. Ex.ª tão bem procurou defender no alerta que fez aos Deputados relativamente a questões que,

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às vezes, não são muito exaltantes mas também não são muito importantes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Lello, devo registar que não pretendi zurzir ninguém, muito menos V. Ex.ª. Portanto, não se considere zurzido indevidamente.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Quanto às sugestões que faz relativamente aos cartões, informo que os serviços estão a preparar uma nova edição dos mesmos, devidamente identificados como sendo da Assembleia da República.
No que diz respeito ao software, será tido em consideração. No entanto, parece-me difícil que o software consiga resolver todos os problemas que podem surgir nessas circunstâncias, mas tudo se fará para que seja o mais eficaz possível.
Srs. Deputados, vamos, agora, entrar no período regimental de votações e, para isso, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 188 presenças, pelo que temos quórum de votação.
Srs. Deputados, temos, em primeiro lugar, o voto n.º 44/IX - Sobre a situação preocupante na Guiné-Bissau (CDS-PP) e, de acordo com o Regimento, cada um dos grupos parlamentares dispõe de 2 minutos para intervir sobre esta matéria, após o que será votado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, procurando corresponder ao seu apelo, o de intervir em apenas 2 minutos, quero dizer que o CDS-PP tomou a iniciativa de apresentar este voto porque considera que, no espaço da própria CPLP, deve haver uma preocupação com a situação que se está a viver na Guiné-Bissau e que esta Assembleia não deve alhear-se deste mesmo problema.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Chamo a atenção de que, para além da situação económica, a própria situação política, neste país de língua oficial portuguesa, tem vindo a agravar-se substancialmente nos últimos tempos.
Existe um impasse constitucional - a Constituição aprovada ainda não foi promulgada - e, por outro lado, na sequência da dissolução do parlamento, têm existido várias situações que são graves e preocupantes.
Não existindo propriamente pessoas sujeitas a prisão política, têm-se verificado sistematicamente detenções por algum tempo, seja de políticos, seja de dirigentes da oposição, seja de jornalistas, com um intuito que parece ser, nalguns casos, claramente intimidatório.
De resto, além desta matéria das detenções, há a somar ainda o facto de, em matéria de liberdade de expressão, ter sido encerrada uma das principais estações de rádio, com o argumento de que era crítica em relação à actual situação política, e a própria RTP, que viu encerrada a respectiva delegação e expulso um dos seus jornalistas.
Termino, dizendo que as preocupações que vertemos neste voto que propomos à Câmara, sobre um país em relação ao qual somos sensíveis, que é a Guiné-Bissau, não são exclusivamente nossas, são exactamente as manifestadas pelas Nações Unidas, designadamente num relatório do representante do Sr. Secretário-Geral Kofi Annan,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … onde alerta, ponto por ponto, para várias destas matérias que nós próprios suscitamos.
Sublinho, ainda, que a esta preocupação do Sr. Secretário-Geral das Nações Unidas soma-se uma declaração da maior importância, que teve lugar hoje mesmo, por parte dos Srs. Bispos de Bissau e de Bafatá, que sublinharam este aspecto humanitário e a preocupação essencial de que o processo democrático possa decorrer neste país, que é um país irmão.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): - Sr. Presidente, duas breves palavras para dizer que nos associamos com muito gosto ao voto proposto pelo CDS-PP.
Como democratas que somos, é óbvio que a situação de degradação política e económica que se vive em qualquer país deve preocupar-nos, especialmente quando ao país em causa nos ligam laços históricos, afectivos, muitas vezes pessoais, como é o caso de um país membro da CPLP, como é a Guiné-Bissau.
Por isso, a situação de instabilidade política, por um lado, e a degradação económica, por outro, a que se tem vindo a assistir nesse país é, de facto, de grande preocupação e deve merecer a atenção de todos quantos na comunidade internacional se preocupam com a defesa da democracia.
O Sr. Deputado Telmo Correia já se referiu a uma importantíssima intervenção pública dos Srs. Bispos de Bissau e de Bafatá, que teve lugar ontem mesmo, chamando a atenção para o agravamento da situação na Guiné-Bissau.
De igual modo, ontem, o Conselho de Segurança das Nações Unidas teve ocasião de se debruçar sobre a situação e de apreciar um relatório do representante especial do Secretário-Geral para a Guiné-Bissau, onde também foram analisadas com cuidado as questões associadas à instabilidade política e económica naquele país.
Por isso, julgo que a nossa intervenção, enquanto parlamentares portugueses, tem plena justificação e que a mesma deve ser lida como um duplo apelo.
Por um lado, um apelo veemente às autoridades guineenses, mas também, de um modo geral, às forças políticas guineenses, para que, num espírito de concordância e de democracia, possam gerar os consensos indispensáveis ao respeito pela democracia na Guiné-Bissau.
Por outro lado, um apelo à comunidade internacional para que pressione as autoridades da Guiné-Bissau e ajude este país a manter o bem mais precioso que existe em política, a democracia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS não deixará de votar favoravelmente o voto que é apresentado pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP quanto à situação na Guiné-Bissau, embora, se tivesse sido eu a redigi-lo, tê-lo-ia feito em termos diferentes no que toca aos considerandos.
Ao votá-lo favoravelmente queremos reafirmar o que sempre foi a postura do Partido Socialista, distinguindo as relações de fraternidade e de solidariedade entre os povos de fala comum da postura que se pode assumir relativamente aos regimes que os governam.
A este propósito, quero relembrar que, durante toda a luta colonial, os dirigentes dos movimentos de libertação acentuaram esse facto. Em particular, Amílcar Cabral, um dirigente histórico precisamente da Guiné-Bissau e, então, de Cabo Verde, fê-lo com muita ênfase, jamais confundindo a solidariedade devida ao povo português com o regime que então vigorava, opressor dos povos comuns.
É nesta esteira de pensamento que o Partido Socialista se coloca e, ao considerar este voto, não pode deixar de apelar às autoridades da Guiné-Bissau, o que fez, aliás tempestivamente, a que cessem as prisões arbitrárias, facto que recentemente foi significativamente atenuado. O Partido Socialista não deixou de se solidarizar com as vítimas dessas arbitrariedades, nem sequer com a privação da audição da única estação de rádio privada que existe neste momento na Guiné-Bissau.
É nesta lógica, relembrando exactamente os movimentos de libertação, os respectivos dirigentes e a luta comum dos povos, que nos solidarizamos com o povo da Guiné-Bissau.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que vamos passar à votação do voto n.º 44/IX - Sobre a situação política, económica e social que se vive na Guiné-Bissau (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 44/IX
Sobre a situação política, económica e social que se vive na Guiné-Bissau

Tendo em conta que a Guiné-Bissau vive num cenário de grande tensão social por causa da grave crise económica, motivada por mais de seis meses de salários em atraso na função pública, onde há cada vez mais dificuldade em se alimentar e onde a insegurança é uma constante na vivência dos cidadãos, pondo em causa a sua cidadania;
Que o agravamento da situação económica, social e política na Guiné-Bissau é preocupante, sendo necessárias medidas urgentes para restaurar a confiança e a estabilidade no país;
Considerando ainda que a Guiné-Bissau vive, actualmente, um impasse constitucional que gera um conflito entre os vários órgãos de poder, designadamente entre o executivo, o sistema judicial e o legislativo;
E que, desde a dissolução do Parlamento, passados largamente os 90 dias previstos constitucionalmente e após forte pressão internacional, as eleições legislativas estão finalmente marcadas para o dia 20 de Abril;
Que, neste percurso, se tem vindo a assistir a inúmeras prisões arbitrárias, a graves violações à liberdade de imprensa, como foi o caso da expulsão de um jornalista português, delegado da RTP África na capital guineense, impedindo assim a sua emissão a partir de Bissau;
E, ainda, que em Dezembro passado já as Nações Unidas se pronunciaram, pela voz do Secretário-Geral da Organização, sobre as dificuldades que este país de língua oficial portuguesa atravessa, manifestando toda a preocupação pelo que se está a passar;
A Assembleia da República, reunida em Plenário, delibera:
1 - Expressar a sua preocupação face à situação política, económica e social na Guiné-Bissau;
2 - Apelar às autoridades guineenses no sentido de que sejam asseguradas as liberdades democráticas naquele país e, designadamente, o respeito pelas liberdades de expressão e de imprensa;
3 - Chamar a atenção da comunidade internacional para a situação da Guiné-Bissau e para a necessidade de acompanhamento do processo eleitoral como forma de garantir a sua democraticidade e a realização de eleições livres.
Deste voto será dado conhecimento à Embaixada da República da Guiné-Bissau, ao Secretário-Geral das Nações Unidas e à CPLP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 58/IX - Altera a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro, que adopta medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional (Os Verdes).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do BE e de Os Verdes e abstenções do PS e do PCP.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para comunicar à Câmara que eu próprio e um grupo de Deputados do PSD vamos subscrever uma declaração de voto sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Muito bem. Façam o favor de a fazer chegar à Mesa dentro dos próximos três dias.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 117/IX - Medidas para o controlo do consumo de ecstasy (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP, votos a favor do BE e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 45/IX - Altera a Lei de Programação Militar.

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Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, este diploma baixa à 3.ª Comissão, para a discussão na especialidade.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 206/IX - Alteração ao Código Penal, na parte respeitante às organizações terroristas e terrorismo (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 207/IX - Transpõe a Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, relativa ao mandado de detenção europeu (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes.

Este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 209/IX - Estabelece o regime em que se processam as buscas nocturnas ao domicílio no caso de flagrante delito e em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, votos contra do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD, do CDS-PP e do BE.

Este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 42/IX - Dá cumprimento à Decisão-Quadro, do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-membros.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes.

Este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 43/IX - Dá cumprimento à Decisão-Quadro, do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes.

Este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos, finalmente, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 212/IX - Altera o Código de Processo Penal, regulamentando a matéria das buscas nocturnas (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Este diploma baixa igualmente à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, com isto, terminámos as votações, assim como os nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 10 horas, dela constando um período de antes da ordem do dia e tendo como ordem do dia a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 47/IX (PS), o debate do projecto de resolução n.º 87/IX (PCP) e a apreciação do Decreto-Lei n.º 314-A/2002, de 26 de Dezembro [apreciações parlamentares n.os 43/IX (PCP) e 44/IX (PS)].
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

--

Declaração de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas:

À votação na generalidade do projecto de lei n.º 58/IX
(Os Verdes)

A apresentação do projecto de lei n.º 58/IX - Altera a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro (Adopta medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional), por parte do Grupo Parlamentar de Os Verdes, vem incidir sobre uma situação de premente perigosidade para a saúde pública, decorrente do tráfico e consumo de drogas no interior das cadeias portuguesas e da transmissão de doenças infecto-contagiosas associadas a este comportamento.
Mereceu, porém, o voto contrário dos Deputados do PSD subscritores da presente declaração de voto, pelos motivos e com os fundamentos seguintes:
Reconhecer que a droga ingressa e circula nas cadeias portuguesas é assumir uma grave realidade e um autêntico escândalo nacional que deve ser combatido com a determinação e o empenho de todos, sem demagogia ou preconceitos.
De facto, como demonstra um estudo desenvolvido pelo IPDT, em 2001, decorrente de um inquérito sobre o consumo de substâncias psicoactivas a nível da população reclusa nacional, cerca de 62% da população reclusa em Portugal já tinha consumido substâncias ilícitas. Contudo, quando se constata que cerca de 47,4% dos reclusos declararam ter consumido, pelo menos uma vez, uma qualquer substância ilícita, já na condição de reclusão, esta realidade assume uma maior gravidade a que não podem ficar indiferentes os responsáveis políticos e prisionais.
Dos dados disponíveis, o recurso, dentro do estabelecimento prisional, às drogas injectáveis por via endovenosa, foi admitido por 11% da população prisional entrevistada, correspondendo a 26,8% dos reclusos que declararam já terem consumido drogas.
No que respeita a novos consumidores, ou à iniciação ao consumo de substâncias ilícitas dentro das cadeias, esta foi mesmo reconhecida por quase 5% da população prisional entrevistada.
Como refere o Relatório Anual de 2002 sobre a evolução do Fenómeno da Droga na União Europeia e na Noruega, "a população prisional pode ser encarada como um grupo de alto risco em termos de consumo de droga", adiantando que "a reclusão não significa o fim do consumo de droga. A maior parte dos consumidores tendem a

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parar ou a reduzir o consumo depois da reclusão, devido à menor disponibilidade de drogas ilícitas. No entanto, alguns continuam a consumir drogas, em certos casos até em maior quantidade, e outros ainda começam a consumir depois da reclusão".
Os comportamentos de risco associados a esta prática ilícita, tais como a partilha do material para a injecção, consubstanciam um elevado perigo de transmissão de doenças infecto-contagiosas, tais como a SIDA, a tuberculose, ou as hepatites.
Relevando o diagnóstico desta problemática feito pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, cumpre, todavia, ter sobre esta realidade uma visão de conjunto que não se compadece com o simples fornecimento de seringas para estupefacientes por via endovenosa, quando solicitados por reclusos toxicodependentes, como prescreve o n.º 1 da proposta de aditamento do novo artigo 5.º-A à Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro.
Não enjeitamos in futurum, esta solução, até porque a problemática da toxicodependência tem de ser avessa a quaisquer tabus ou dogmas, por parte de quem seriamente procure alcançar soluções para esta chaga social.
Porém, como refere o supracitado Relatório Anual de 2002 sobre a evolução do fenómeno da droga na União Europeia e na Noruega, "As estratégias prisionais de luta contra a droga abrangem normalmente um leque de medidas para tratamento dos reclusos, dissuasão do consumo e redução da oferta".
Ora, o projecto recusado pelos Deputados subscritores desta declaração de voto, nos termos em que é apresentado, transmite aos consumidores reclusos a mensagem da derrota das políticas de tratamento e reabilitação social dos toxicodependentes.
Em contrapartida, outras políticas de tratamento são possíveis e desejáveis. Na Suécia, por exemplo, 10% das instalações prisionais estão reservadas para tratamento voluntário ou compulsivo de toxicodependentes. Em Portugal, cabe prosseguir o projecto das unidades de tratamento sem droga nas cadeias, criando novas alas livres de droga, bem como realizar rastreios sistemáticos de doenças infecciosas.
Medidas como estas são fundamentais e determinantes para o combate ao tráfico e consumo de estupefacientes, designadamente no interior das cadeias, que se quer arrojado e mobilizador da sociedade portuguesa. Urge, igualmente, repensar as medidas de segurança e controlo dos estabelecimentos prisionais, de modo a evitar a entrada dos estupefacientes nas cadeias.
A política que propugnamos é a da recuperação dos toxicodependentes reclusos, a par da redução de danos, e nunca a da resignação e do conformismo perante o terrível e cego vício das drogas.

Os Deputados do PSD, Alexandre Simões - Carlos Rodrigues - Daniel Rebelo - Fernando Lopes - Gonçalo Breda Marques - Gonçalo Capitão - João Moura - Jorge Nuno Sá - Jorge Pereira - Luís Montenegro - Pedro Alves - Pedro Duarte- Ricardo Fonseca de Almeida - Rodrigo Ribeiro.

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À votação na generalidade da proposta de lei n.º 45/IX

O XV Governo Constitucional, constituído pelo Partido Social Democrata e pelo Centro Democrático Social - Partido Popular, submeteu à Assembleia da República uma proposta de revisão da Lei de Programação Militar que determina a aquisição da totalidade das seis aviões de transporte militar de grande dimensão para a Força Aérea Portuguesa aos norte-americanos da Lockeed Martin. A opção pelo modelo C130J da Lockeed Martin é acompanhada do abandono da hipótese de participação na construção e aquisição de aparelhos A400M ao consórcio europeu Airbus.
Este programa de afirmação europeia de uma política de defesa comum permitia a Portugal não só participar na indústria europeia de aeronáutica, sendo parte na construção dos respectivos aviões não só daqueles que à partida viabilizaram o consórcio como em todos aqueles que viessem a ser construídos, o que iria permitir uma taxa de cobertura da ordem dos 70% a 80%, mas também implicava para a indústria aeronáutica volumes de trabalho proporcionais à participação portuguesa, oscilando entre 1,2% e 1,7% do valor global do programa. As consequências seriam altamente positivas para as OGMA, a Empresa de Investigação e Desenvolvimento (EID) e a Empresa de Serviços e Desenvolvimento de Software, S.A. (ESDS). O acréscimo previsível da facturação seria de milhões de euros por ano assim como o volume de crescimento de emprego, para além da nossa participação na investigação e desenvolvimento (concepção do projecto), bem como a fabricação, diminuindo o custo unitário dos bens a adquirir.
A opção do Governo PSD/PP decreta a inutilidade dos avultados investimentos realizados pelas OGMA na preparação de recursos humanos e materiais para esta parceria e representa uma "machadada" irreversível nas indústrias de defesa e na indústria nacional.
Face ao exposto, considerando as preocupações expressas pelo Sr. Presidente da República Portuguesa, Dr. Jorge Sampaio, e a ausência de explicações sobre o impacto da Lei de Programação Militar no funcionamento e futuro das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), localizadas em Alverca do Ribatejo.
Considerando ainda a relevância económico-social ímpar que as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico assumem para os cidadãos da freguesia de Alverca do Ribatejo e do concelho de Vila Franca de Xira, abstive-me na votação da proposta de lei n.º 45/IX pelo previsível impacto negativo da opção Lockeed no volume de trabalho e na gestão dos recursos humanos das OGMA.

O Deputado do PS, António Galamba.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Henrique José Monteiro Chaves
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
José Manuel Pereira da Costa
Manuel Filipe Correia de Jesus
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha

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4031 | I Série - Número 095 | 07 de Março de 2003

 

Partido Socialista (PS):
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Luís Manuel Carvalho Carito
Maria Isabel da Silva Pires de Lima

Bloco de Esquerda (BE):
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Fernandes da Silva Braga
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Popular (CDS-PP):
Narana Sinai Coissoró

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Henriques de Pinho Cardão
António Paulo Martins Pereira Coelho
Jorge José Varanda Pereira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Francisco José Pereira de Assis Miranda
João Rui Gaspar de Almeida
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Luís Manuel Capoulas Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta

Partido Popular (CDS-PP):
João Rodrigo Pinho de Almeida

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