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Sábado, 8 de Março de 2003 I Série - Número 96

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE MARÇO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Ascenso Luís Seixas Simões



S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes (BE) atribuiu às políticas económicas e laborais do Governo a responsabilidade pela degradação crescente da qualidade de vida dos portugueses, nomeadamente do aumento do desemprego na área do grande Porto.
A Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão (PS), a propósito da passagem do Dia Internacional da Mulher a comemorar amanhã, falou da necessidade de se trabalhar no sentido da paridade real entre géneros. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Joana Amaral Dias (BE), Adriana de Aguiar Branco (PSD), Isabel Gonçalves (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, o Sr. Ministro da Administração Interna (Figueiredo Lopes) apresentou à Câmara o Plano Nacional de Prevenção Rodoviária subordinado ao tema "Trânsito - Acção pela vida", tendo-se seguido um debate no qual intervieram, além do Sr. Ministro, os Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho (PSD), João Teixeira Lopes (BE), Rodeia Machado (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), Miguel Coelho (PS), Paula Carloto (PSD) e Nelson Baltazar (PS).

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 74 a 80 do Diário.
Foi apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 47/IX - Altera a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, criado pela Lei n.º 14/90, de 9 de Junho (PS), tendo intervindo os Srs. Deputados Maria de Belém Roseira (PS), Adriana de Aguiar Branco (PSD), Joana Amaral Dias (BE), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e António Filipe (PCP).
O projecto de resolução n.º 87/IX - Visa a reintrodução durante o ano de 2003 da dupla afixação de preços de bens e serviços (PCP) foi também apreciado, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Maximiano Martins (PS), Luís Campos Ferreira (PSD), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Diogo Feio (CDS-PP) e Luís Fazenda (BE).
A Câmara apreciou ainda o Decreto-Lei n.º 314-A/2002, de 26 de Dezembro, que aprova as modificações ao contrato de concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas outorgado à Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A. [apreciações parlamentares n.os 43/IX (PCP) e 44/IX (PS)], tendo-se pronunciado, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas (Vieira de Castro), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Edite Estrela (PS), Machado Rodrigues (PSD), Luís Fazenda (BE) e Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP).
Deu-se conta da apresentação do projecto de resolução n.º 130/IX.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Fernando de Pina Marques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Agostinho Veloso da Silva
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Pereira da Costa
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda

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Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Antonino Aurélio Vieira de Sousa
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Maria Abrunhosa Sousa
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho

Bloco de Esquerda (BE):
Joana Beatriz Nunes Vicente Amaral Dias
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes:
Nas reuniões plenárias de 27 e 28 de Fevereiro e 5 de Março - ao Ministro da Presidência, ao Governo e às Secretarias de Estado das Comunidades Portuguesas e dos Transportes, formulados pelos Srs. Deputados Maria Manuela Aguiar, Joaquim Ponte e Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério da Economia, formulados pelos Srs. Deputados Alberto Arons de Carvalho e Bruno Dias; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação e à Secretaria de Estado da Juventude e Desporto, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Cabral, Miranda Calha e Alberto Antunes; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Ascenso Simões; ao Sr. Primeiro-Ministro e aos Ministérios da Administração Interna, Defesa Nacional e Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; a diversos Ministérios, à Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e à Junta de Freguesia de Caldas de S. Jorge, formulados pelos Srs. Deputados Rodeia Machado, Ana Manso, Antero Gaspar, Miguel Paiva, Odete Santos e Honório Novo; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado João Teixeira Lopes; ao Ministro Adjunto do Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro; à Secretaria de Estado das Obras Públicas, formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário; ao Ministério da Saúde, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; ao Ministério da Justiça e ao Instituto Nacional de Desporto, formulados pelo Sr. Deputado Miguel Coleta; e ao Ministério da Segurança Social e do Trabalho, formulado pelo Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme ficou combinado, na anterior sessão plenária, faremos um breve período de antes da ordem do dia que estava destinado a uma declaração política por parte do BE, a cargo do Sr. Deputado João Teixeirta Lopes, e também uma intervenção sobre um assunto de interesse relevante tendo ficado com a palavra reservada a Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão.
Acontece, porém que o Governo, ontem, solicitou usar também da palavra, ao abrigo das disposições regimentais, para apresentar uma comunicação sobre política de segurança rodoviária. O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, em contacto com os Presidentes dos vários grupos parlamentares, obteve a anuência destes pelo que esta intervenção corresponderia a uma alteração da ordem de trabalhos estabelecida na Conferência de Líderes. Assim, com o consenso de todos, irá realizar-se essa intervenção que tem uma grelha própria, que todos conhecemos, mas decorrerá depois das intervenções que estão previstas para esta manhã.
Como temos uma agenda muito carregada há que fazer um grande esforço para respeitar rigorosamente os tempos regimentais. Peço, assim, a colaboração de todos porque aplicarei as regras que ontem de defini, após prévia consensualização na Conferência de Líderes.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Empresas "camaleão"; investimento "beduíno"; deslocalizações e capital virtual; patrões invisíveis e que desaparecem em manhãs de nevoeiro; economia do anonimato e da mais pura ilegalidade; falências e desemprego a aumentarem em flecha; precariedade, intermitência e trabalho temporário; reforço dos modos de produção domésticos, paternalistas e vorazmente necessitados de mão-de-obra infantil e adolescente. É este presente o Portugal futuro?
Atente-se em alguns dados: em 2002 os processos de falência afectaram 2417 sociedades, representando um aumento de 146%. Ficaram em dívida para com os trabalhadores - entre salários e indemnizações - mais de 350 milhões de euros. De acordo com dados do INE (3.° trimestre de 2002) mais de 600 mil portugueses trabalhavam sob a "espada de Dâmocles" dos contratos a prazo e quase um milhão na ambígua condição de trabalhadores por conta própria (a recibo verde).
De facto, a taxa real de desemprego, de acordo com os especialistas, aproxima-se perigosamente dos 10% e os mesmos especialistas falam de "estado de alerta". Nas actuais circunstâncias, o desemprego ameaça generalizar-se, pois não se trata, apenas, de períodos relativamente curtos de inactividade, ligados até, como no passado, à procura explícita de melhores colocações, vivemos uma situação transversal a vários sectores, grupos profissionais e regiões.
Uma das regiões mais afectadas é o distrito onde vivo, o Porto. O aumento das falências, em 2002, representa mais de 20% do todo nacional. Importantes empresas de capitais estrangeiros iniciaram, há já vários meses, os habituais mecanismos de intimidação, ameaçando sair da região e do País para impor restrições inaceitáveis às condições de trabalho. A economia do medo anda à solta!
No Norte do País, em Janeiro último, e face ao mês homólogo, o desemprego aumentou quase 24%, com incidência especial no grande Porto. A oferta de emprego, correlativamente, decresceu 35% - a pior situação a nível nacional.
Entretanto, vislumbramos a estratégia do Governo, porque - quanto a isso estamos certos - de uma verdadeira estratégia se trata: planeada, explícita, coordenada!
As solidariedades informais, de base social e familiar, atenuarão o impacto socialmente desastroso da situação. O assistencialismo, tão patente no espírito e na letra do Rendimento Social de Inserção, fará o seu caminho. A pretexto da subsidiariedade, o Estado desresponsabilizar-se-á em crescendo, apoiando, casuisticamente, uma ou outra instituição de apoio social. Mais uns remendos e temos, no seu esplendor negativo, a teoria das "almofadas sociais": atenuar, limitar, esconder e, principalmente, evitar o protesto, a justa indignação, a reivindicação organizada, ainda que, com a juda, bem entendido, das ameaças explícitas ou veladas aos trabalhadores, fragmentando, dividindo (como na inaceitável proposta de ridículos aumentos apenas para uma parte dos assalariados da Função Pública) e, acima de tudo, assustando.
Diz o inefável Ministro Bagão Félix que assistimos a uma crise "profiláctica". A destruição de postos de trabalho é "profiláctica" e anuncia um "admirável mundo novo" de novos padrões de especialização produtiva, de formação profissional qualificante, de retoma económica pela porta grande da globalização, e não pelo caixote do lixo do crescimento subalterno, como até agora. Lembro-me, de imediato, de outro Ministro, o da Agricultura, profundamente crente - como afirmou nesta Assembleia - do carácter terapêutico dos nitrofuranos, que, afinal, até é um antibiótico...! Srs. Deputados, morremos da cura com tanta profilaxia!!...
Mas não diz Bagão Félix, apesar de o saber, que aumentam os desempregados de longa duração, que, para muitas e muitos portugueses, a vida activa chega precocemente ao fim, e que é cruel e desumano (nada de novo no "estilo" deste Ministro) dizer-lhes que a precarização das suas existências é profiláctica!
Aliás, a destruição de postos de trabalho não tem sido acompanhada pela criação de novas oportunidades. O desemprego afecta crescentemente os grupos profissionais qualificados, além de que, como advertem muitos reputados especialistas, se vislumbra um agravamento da posição de Portugal no contexto internacional onde estamos inseridos. Basta observar os indicadores de insucesso em todos os níveis do sistema educativo e o brutal desinvestimento público - quiçá, também "profiláctico"... - nesta área.
Percebemos a "jogada"! Nenhuma pressão fiscal sobre as grandes empresas, nenhuma medida de real justiça redistributiva, édenes fiscais, fim do conceito de serviço público nas mais diferentes áreas, privatização do "céu" e da "terra".
Entretanto, nenhum exemplo, nenhum rigor vindo de cima: os escandalosos salários dos administradores da TAP, os chorudos complementos de pensões de executivos de topo, as regalias absurdas dos assessores do Ministro Paulo Portas - o tal que da retórica moral usa e abusa!...
O País entregue ao "pato bravismo", sem lei nem "roque", num clima de impunidade para gestores fraudulentos e empresários corsários, o "caixote do lixo" da globalização!
Que me perdoe a memória do poeta Ruy Belo, por truncar os seus versos, mas não é assim que eu imagino o "Portugal Futuro"!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão.

A Sr.ª Maria do Carmo Romão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É amanhã, que assistiremos, por todo o mundo, às comemorações do Dia Internacional da Mulher.
Para elas, não se trata apenas de lembrar uma efeméride, longínqua e abstracta, mas de integrar na comemoração a voz e a luta das mulheres concretas - as cidadãs, as trabalhadoras, as mães, as vítimas de violência - que ainda continuam a reclamar a realização dos seus direitos humanos e o respeito pela sua dignidade. Um dos primeiros desses direitos é o da igualdade.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Tem sido um caminho árduo o percorrido ao longo de séculos por esta imensa vontade de justiça que não recuou perante perseguições, desdém social e marginalização. E porque as mulheres sabem que são

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metade da Humanidade e lhes pertence, por isso, metade da terra, têm conseguido, nas últimas décadas, relevantes avanços em vários domínios, como, por exemplo, nos da educação e do emprego. Entretanto, também, a sociedade foi percebendo que homens e mulheres são um todo indissociável e que a elevação e os direitos de uns beneficia necessariamente os outros.
Com efeito, os direitos humanos que sempre estiveram referenciados aos homens foram, pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em 1993, declarados como direitos humanos das mulheres, tendo sido recomendado vivamente "o gozo completo e igual de todos os direitos humanos pelas mulheres e que tal seja uma prioridade para os governos e para as Nações Unidas".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Alimenta-se, assim, a esperança de que o séc. XXI seja o século dos direitos para todas as pessoas, em todos os lugares de mundo. Para que tal aconteça, contam as mulheres com os esforços das Nações Unidas, cujo papel preponderante e insubstituível nunca é demais realçar. Mas não chega! Quem reforma as estruturas sociais e modela as normas são os poderes instituídos em cada Estado; quem faz palpitar o coração das causas são os movimentos da sociedade civil que aumentam o grau de consciência pública quanto aos imperativos a prosseguir e esta consciência é fundamental, porque "A verdadeira e duradoura igualdade só pode ser conseguida quando a igualdade de género for aceite por todos como moralmente certa e economicamente justa".
No caso português, apesar da nossa conceituada legislação, mesmo a constitucional, estamos muito longe de alcançar uma participação económica satisfatória e distantes dos mínimos plausíveis de participação política.
No campo das oportunidades económicas, as disparidades entre os sexos continuam a verificar-se, sobretudo, no que respeita à tomada de decisão, à segregação ocupacional, aos salários, ao desemprego, temendo-se que alguns avanços conseguidos venham a ser postos em causa por via do modelo de sociedade perfilhado e da competição globalizada, sem grandes compromissos sociais.

Aplausos do PS.

No que se refere à participação política, bastará que olhemos em redor: a política não tem mulheres! O mínimo de 30%, recomendado em 1990 - há 13 anos - pelas Nações Unidas, como massa crítica para que elas possam exercer alguma influência está longe de se verificar no nosso Parlamento, no Governo e noutras instâncias. Para a Assembleia da República, em 2002, foram eleitas 45 Deputadas, número que ronda os 20% do total dos seus membros. Para este valor contribuíram, de forma decrescente, Os Verdes com 100%, o PS com 27,8%, o PCP com 20%, o PSD com 12,3% e o CDS/PP com 6,7%.
Aliás, já sintomático, e ao arrepio do que é recomendado pelas normas internacionais, quanto a mecanismos e medidas positivas para vencer os obstáculos à igualdade, é o facto de, nesta Legislatura, se ter eliminado a Comissão Parlamentar da Paridade, vocacionada para a ponderação especial e transversal das questões de género, retrocesso inconcebível num momento em que aqueles mecanismos e medidas foram consagrados como não discriminatórios pelas Nações Unidas, estão consentidos pela nossa Constituição e são aconselhados, pelas mais variadas instâncias, nomeadamente, pela União Europeia.
Valha-nos que uma parte cada vez mais alargada da sociedade, vai compreendendo que a igualdade entre as mulheres e os homens é uma aquisição civilizacional e que só ela, para além da legitimidade que tem em si mesma, permitirá fazer avançar o desenvolvimento humano global para maiores níveis de educação, de saúde e longevidade e de rendimento, isto porque maior habilitação e mais utilização do potencial criador das mulheres, está provado, resulta em benefícios para todos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a Constituição da Republica erigiu como tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre mulheres e homens e o artigo 109.° considerou a sua participação como condição e instrumento de consolidação do sistema democrático, determinando que a lei promova a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos.
Perguntar-se-á se, e como, foi promovida pela lei a igualdade prevista nestes preceitos constitucionais.
O Partido Socialista bem tentou cumprir a Constituição propondo, em iniciativas legislativas, um limiar mínimo de participação para o sexo sub-representado. Não conseguiu!
Até ao aparecimento do artigo 109.° da Constituição, argumentava-se que as medidas de acção positiva requeriam apoio da Lei Fundamental, mas quando este apoio chegou, como chegou, passaram os opositores a defender que os mínimos de representatividade deviam resultar de auto-regulamentação dentro das forças políticas - e bem se viu o resultado da auto-regulamentação nas últimas eleições legislativas!...
Não é sem razão que o povo se queixa de que as leis são virtuosas, mas algumas não se cumprem!
Auto-regulação praticou, afinal, o Partido Socialista que já aumentou, estatutariamente, de 25% para 33% o número de presenças de homens e mulheres nas listas eleitorais, prevendo-se que limiares superiores sejam atingidos no futuro, até se alcançar a paridade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por tudo o que falta cumprir, o Dia Internacional da Mulher é um momento a assinalar como um dia de balanço e de exigência, um dia de novos alentos e de novas lutas, mas também um dia de esperança, um dia de partilha e conciliação para que a sociedade, olhando para dentro de si mesma, seja capaz de assumir que a igualdade de género é um direito fundamental, uma condição de democracia, um pressuposto do desenvolvimento humano, e também a ponte que nos conduz à eliminação da pobreza e da violência, um dia, para que, todos, aspiremos a que a igualdade se cumpra!

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão, saúdo-a pela pertinência da sua intervenção, nomeadamente porque esta amanhã, sábado, se assinala o Dia Internacional da Mulher. Contudo, julgamos que esta data deve, seguramente, conduzir a mais uma oportunidade para uma reflexão séria e justa sobre os direitos das mulheres.

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De facto, muitos dos direitos das mulheres, como a Sr.ª Deputada acabou - e muito bem! - de frisar estão ainda por cumprir e pelo mundo continuam a ser milhões as mulheres vítimas de violência e de abuso sexual, vendidas para a prostituição, alvo de mutilação genital e que morrem de aborto clandestino.
As desigualdades no emprego e na maternidade continuam e relembramos que as mulheres comparadas com os homens de dois terços de horas trabalhadas auferem, apenas, um décimo do seu rendimento.
Denunciamos, portanto, a discriminação laboral da mulher no trabalho, nos contratos desiguais, no salário, na formação e na carreira.
A violência doméstica, que, aliás, passou a ser considerada crime público - o Bloco de Esquerda levou esse projecto de lei ao debate parlamentar -, é, efectivamente, ainda, uma situação particularmente preocupante e estima-se que em Portugal, por semana, cinco mulheres sofrem de atentados a vida, não só ameaças à sua integridade moral, psíquica ou violência física, maus tratos mas efectivos atentados à vida.
O actual Sistema Nacional de Saúde, como o demonstram vários estudos, continua também a descriminar os mais pobres e carenciados, nomeadamente as mulheres e especialmente as mulheres com a situação social mais desfavorável.
Não quero deixar de aproveitar a oportunidade para relembrar que, em 1995, na Plataforma de Acção de Pequim, aprovada pelo Estado português consagraram-se os direitos das mulheres como parte integrante dos Direitos Humanos onde foi declarado que os direitos humanos das mulheres incluem o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a saúde sexual e reprodutiva e decidir responsavelmente sobre essas questões, sem coacção, descriminação ou violência.
O Bloco de Esquerda sempre defendeu a informação responsável, nomeadamente o acesso à pílula do dia seguinte, reduzindo as gravidezes indesejáveis entre as adolescentes - no mundo são 80 milhões e Portugal é o segundo país com a taxa mais elevada -, lutou para que a compra de preservativos fosse considerada uma despesa de saúde e reafirma que deve haver uma nova lei que impeça qualquer mulher de ser julgada por aborto legalizando-se o direito de escolha.
Em Portugal, a situação encontra-se ainda na era da pré-modernidade, sendo que é crime a interrupção voluntária da gravidez.
Em 2002, em Portugal, e relembramos, no Tribunal da Maia 17 mulheres acusadas de terem praticado aborto clandestino foram julgadas num processo de tremenda violência, exposição, humilhação e ao arrepio de tudo o que constituiu a defesa da integridade física, psíquica, moral e social de um cidadão.
Longe da civilização, Portugal, onde 98% dos abortos são ilegais, contribui para engordar um dos números do terror: no mundo, por ano, cerca de 108 000 mulheres morrem de aborto e milhões de gravidezes são indesejadas. Em Portugal, estima-se que uma em cada 200 raparigas entre os 15 e os 19 anos já praticou aborto ilegal.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Celebremos, então, o Dia Internacional da Mulher, que só pode ser um dia de luta - e é disso que falamos quando falamos de direitos das mulheres: falamos de direitos e de dignidade, uma dignidade que pertencerá assim a todos, homens e mulheres.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana de Aguiar Branco.

A Sr.ª Adriana de Aguiar Branco (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão, queria também, antes de mais, saudá-la pela iniciativa de ter trazido aqui um tema que é tão caro a todas nós. Vou ser muito rápida, porque me revejo em muito daquilo que disse. Tenho a certeza de que todas as mulheres atribuem igual relevância a esta causa. Arrisco até afirmar que a maioria dos Srs. Deputados - mal seria se assim não fosse - partilham connosco o entendimento de que uma maior participação das mulheres é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equilibrada e que, por isso, nos acompanham na luta pela igualdade, que se impõe.
O exemplo porventura mais gritante desses desajustamentos, dessa desproporcionalidade é - pasme-se! - o facto de, nesta Casa, a Casa da Democracia, a representatividade das mulheres ser apenas de 20% quando, no total nacional, é de 53%. E não se caia na falácia de pensar que é indiferente a composição em género desta Câmara, porque é verdade, Srs. Deputados, que somos diferentes - devemos orgulhar-nos todos dessas diferenças, desenvolvê-las e potenciá-las. Vou dar apenas um exemplo, entre muitos que poderia dar: não tenho grandes dúvidas de que as barbáries que têm ocorrido em diferentes instituições de suposta protecção de mulheres não teriam ocorrido do modo que ocorreram se as chefias dessas mesmas instituições fossem em maior número mulheres.
O que lhe pergunto, Sr.ª Deputada, é que medidas concretas poderemos desenvolver, nomeadamente aqui, no seio do Parlamento e dos partidos, para promover essa maior participação - até para não perdermos mais uma oportunidade, uma vez que estamos justamente a trabalhar na reforma do sistema político.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.

A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão, eu gostaria de cumprimentá-la e felicitá-la por ter trazido, hoje, a esta Câmara este tema relacionado com o dia que amanhã comemoramos, o Dia Internacional da Mulher, tema que, como já aqui foi dito, a todos nós é grato.
Falou na verdadeira igualdade e disse que é um direito fundamental - todas nós concordamos. Todos nós sabemos que já existem leis para promover a igualdade, que claramente referem a igualdade; no entanto, a existência das leis não quer dizer que as realidades efectivamente existam. Concordando na generalidade com tudo o que V. Ex.ª aqui disse, gostaria de referir que há ainda que trabalhar muito para promover essa igualdade efectiva, que

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ainda não existe na realidade - igualdade de oportunidades em todas as políticas económicas, sociais e culturais.
Falou da violência e há que prevenir a violência, destacando aqui também a violência doméstica; há que promover a igualdade no acesso ao emprego, que também ainda não existe; há que criar condições para a conciliação da vida privada e profissional e para a protecção social da família e da maternidade.
Poderemos verificar ainda que, em Portugal, são as mulheres que mais trabalham a tempo inteiro - as estatísticas dizem-nos isso; são as mais atingidas também pelo desemprego e são também aquelas que ainda auferem salários mais baixos. As mulheres continuam a ser também as maiores vítimas de crimes contra as pessoas, ressaltando aqui as ofensas à integridade física, incluindo as de carácter sexual; os crimes de coacção, de abuso e de fraude sexuais, tipificados com a revisão do Código Penal apenas em 1995, ocorrem em maior proporção em vítimas do sexo feminino; ocorrem ainda em grande proporção também os crimes categorizados como violência doméstica, que já aqui referi, os danos corporais graves - e recordo que trouxemos aqui, a esta Câmara, recentemente, uma iniciativa de alteração do Código Penal no sentido de tipificar e clarificar o crime de mutilação genital feminina.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir, senão o seu microfone desligar-se-á.

A Oradora: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
No entanto, deixando esta parte, eu gostaria de referir que as mulheres são as que executam também em grande parte as tarefas domésticas e as tarefas familiares - são o "braço da família", ainda.
Uma pergunta só que gostaria de deixar-lhe, Sr.ª Deputada: o facto de não haver mais mulheres na vida política…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada, celebrando-se amanhã o Dia Internacional da Mulher, é oportuna a sua intervenção para o assinalar e para chamar a atenção para a situação do mundo feminino que é, aliás, a maioria do nosso mundo. Mas eu gostaria que a comemoração desta data, como de outras, não se transformasse num mero ritual…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … que é celebrado para cumprir calendário e é esquecido no dia seguinte.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E para que ele não se transforme num mero ritual, é necessário que ele seja precedido e seguido de medidas de política efectiva que conduzam à solução dos problemas que, nestes dias, são geralmente detectados e geralmente consensualizados.
Diz a Sr.ª Deputada - e bem! -, lamentando, que é necessário aumentar a participação das mulheres na vida política e eu diria na representação parlamentar.
A União Interparlamentar publicou recentemente um mapa bastante importante sobre a participação das mulheres no Parlamento, onde Portugal está situado em 30.º lugar, a concordar com estes números: 18,7%, muito longe ainda, naturalmente, de países como a Noruega, a Finlândia, a Dinamarca ou a Suécia, que atingem ordens entre 30% a mais de 40%, mas felizmente também muito longe de outros países onde as mulheres não têm direitos e onde a participação das mulheres no Parlamento se resume a zero! Nesse aspecto, Sr.ª Deputada, e apesar de ainda muito caminho que há a fazer, há que reconhecer que Portugal já fez um caminho positivo depois do 25 de Abril.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em todo o caso, é evidente que o aumento da participação das mulheres na vida política não se pode, em minha opinião, decretar administrativamente. As decisões de ordem administrativa podem eventualmente ajudar, ser uma alavanca; mas, sobretudo, a questão central está na modificação do modelo do desenvolvimento económico, das condições sociais, da partilha de responsabilidades na vida quotidiana entre todos nós, que permitam disponibilizar a uma parte do nosso mundo, que é o mundo feminino, as condições para uma efectiva e real melhoria de participação na vida social e na vida política. E esse penso que é o caminho. Nesse quadro, Sr.ª Deputada, gostaria de chamar a atenção e de a ouvir reflectir sobre o facto de isso ser muito difícil quando é sobre as mulheres que, no nosso país, recai com mais peso o desequilíbrio das relações sociais, o desequilíbrio de relações de emprego.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir, senão o seu microfone desligar-se-á.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É sobre as mulheres que recai a maior taxa de desemprego, a maior precarização das relações laborais, é sobre as mulheres que recaem as maiores dificuldades de poder conciliar a sua vida profissional com a vida de intervenção política e social. Essas são as medidas que é preciso tomar e era sobre isso que eu gostava de ouvi-la pronunciar-se.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão, julgo que é extremamente importante ter assinalado, porventura mais este ano do que em qualquer outro, o Dia Internacional da Mulher porque me parece, podendo isto parecer contraditório, que o sentido da transformação que ocorre na nossa sociedade, independentemente de haver um aprofundamento formal dos direitos, é um sentido que, pelo menos na nossa leitura, é extremamente preocupante. É evidente que a violência contra as mulheres é hoje compreendida como um crime, é evidente que a igualdade está consagrada na lei, é evidente que a Constituição da República impôs ao Estado o dever de garantia dessa igualdade, é evidente também que hoje se compreende que não há categorias na sociedade - há homens e mulheres, e as mulheres e os homens no todo são e têm de ser parceiros no desenvolvimento.

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Mas verdade é também, Sr.ª Deputada - e penso que todos nós temos essa consciência -, que a realidade e muito do discurso político dominante hoje contrariam frontalmente estes factos.
Aliás, penso que, se há coisa importante para fazer no Dia Internacional da Mulher, é não fazer aquilo que, seguramente, as mulheres normalmente recusam: a hipocrisia. As mulheres mergulham na realidade, o seu quotidiano, a sua intervenção, a sua vida é feita de realidade - e eu penso que a melhor forma de assinalar o Dia Internacional da Mulher é não fazer discursos do faz-de-conta. E por não fazer discursos do faz-de-conta, penso que não podemos escamotear uma discussão que, há poucos dias, alguns de nós partilhámos, numa comissão parlamentar desta Câmara, em que ouvimos, parecendo estar a fazer uma viagem ao passado, falar de mulheres como categoria e como um grupo.
Penso que é importante discutir isto quando temos pela frente uma sociedade em que, do ponto de vista dos direitos e a seguir ao 25 de Abril, houve mudanças muito grandes do ponto de vista formal na participação pública e na vida pública, mas há, por exemplo, no domínio privado, uma mudança que não aconteceu, nomeadamente na partilha de papéis. Penso que isso é fundamental e aquilo que, no Dia Internacional da Mulher, que a Sr.ª Deputada tão bem decidiu assinalar, me parece importante fazer é um discurso frontal, pondo em causa aspectos que são graves, perigosos, que são recuos, nomeadamente em relação a direitos fundamentais, direitos sexuais e reprodutivos, direitos de igualdade de oportunidades, direitos de participação em plenitude no desenvolvimento - porque esses direitos, tristemente, este ano que assinalamos estão a ser postos em causa.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão.

A Sr.ª Maria do Carmo Romão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, agradeço a todos os Srs. Deputados que intervieram, as palavras simpáticas que dirigiram à lembrança da intervenção sobre o Dia Internacional da Mulher. Gostaria de dizer o seguinte: em primeiro lugar, não há dúvida de que é a falta de poder que as mulheres ainda têm na nossa sociedade, de um modo geral, que faz com que elas sejam vítimas de violências, inclusive violências domésticas, que sejam mais frequentemente desempregadas e que tenham mais dificuldade em arranjar emprego, que sejam sujeitas a toda uma série de constrangimentos que todas e todos nós conhecemos, nomeadamente um aspecto que foi aqui referido e que é fundamental, que é extremamente importante, que é a acumulação de tarefas e de trabalho sobre as mulheres sem partilha por parte dos restantes familiares, designadamente dos homens, aspecto que, quer pelas Nações Unidas quer por todas as organizações, particularmente das mulheres, vem sendo contestado por todas estas entidades.
Seria realmente fundamental que as mulheres pudessem partilhar essas tarefas com os homens e seria igualmente fundamental que, em Portugal, tal como se está a fazer noutros países, fosse medido, em termos de horas de trabalho, o tempo que as mulheres despendem quer em trabalho familiar não remunerado, quer em trabalho doméstico, quer nos cuidados com os filhos. Chegaríamos assim à conclusão de que as mulheres trabalham, no mínimo, três, quatro, cinco horas por dia a mais do que trabalham os homens, sendo este também um factor que tem conduzido a que as mulheres tenham muito mais dificuldade de entrar na vida política e de realizar outros objectivos igualmente justos, como sejam o seu próprio desenvolvimento pessoal, como seja uma participação cívica mais aprofundada e como seja, digamos, terem também direito ao lazer.
Portanto, as medidas concretas a realizar serão no sentido de envidarmos todos os esforços, mesmo a nível legal, para que a conciliação de responsabilidades familiares e profissionais se efective. Contudo, não estamos a verificar que, no actual projecto de Código do Trabalho, este seja um interesse muito relevante. Por isso, julgo que esta seria a sede para, realmente, reflectir esta grande preocupação das mulheres.
Quanto ao outro aspecto relevante, que é o problema de dar mais poder às mulheres, gostaria de salientar que as mulheres realmente não podem ser promovidas através de medidas administrativas. Mas o mundo já percebeu que sem medidas administrativas não chegamos lá senão daqui a mais de 100 anos!…
Ora bem, as mulheres, que têm tido este percurso tão longo, desejam e têm o direito, que é um direito à igualdade, a que a participação política se faça o mais depressa possível. Quando falo em participação política, refiro-me à tomada de decisão em geral, porque não se trata apenas de participação política mas também a participação noutros órgãos.
Designadamente, em Portugal, estamos nos 20%, e já passaram quase 30 anos desde a Assembleia Constituinte. Por isso, pergunto: quantos anos faltam mais para atingirmos o mínimo das Nações Unidas, que foi já ultrapassado por muitos países com um nível de desenvolvimento equiparável ao nosso?
Evidentemente que não falo de países menos desenvolvidos, onde obviamente o problema da mulher é muito superior ao nosso. Mas vivemos na Europa! E na Europa, por exemplo no Parlamento Europeu, estamos na cauda, somos o terceiro país a contar de baixo. Portanto, é também da Europa que se trata.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Por conseguinte, há que conseguir convencer os Srs. Deputados, as Sr.as Deputadas - mas dirijo-me mais aos homens, obviamente -, os políticos em geral, no sentido de nos ajudarem e de colaborarem, porque as questões da igualdade de género não são nem podem ser questões de mulheres, são questões da sociedade, todos têm de compreender que a sociedade só pode evoluir no sentido positivo com melhores índices, como há pouco referi, de desenvolvimento humano para todos, se tivermos realmente os mínimos estabelecidos administrativamente enquanto não se chegar àquilo que é necessário.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Vocês têm de começar pelo vosso partido!

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Para dar uma informação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de informar que o Partido Socialista apresentará no âmbito da reforma do sistema político um projecto de lei relativo à participação das mulheres na vida política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Fica registado. A Mesa aguarda o envio do diploma referido.
Srs. Deputados, seguidamente tem lugar a declaração do Governo ao abrigo do artigo 84.º, n.º 2, do Regimento. Para a produzir, dou a palavra ao Sr. Ministro da Administração Interna, chamando-lhe a atenção para o facto de que dispõe de 8 minutos. Assim, avisá-lo-ei quando esse tempo terminar e, passada uma tolerância prudencial, desligar-lhe-ei o microfone.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Figueiredo Lopes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apresentámos no passado sábado ao País o Plano Nacional de Prevenção Rodoviária com o lema: "Trânsito - Acção pela Vida". Fizemo-lo, e com esta designação, porquanto entendemos que é da defesa da vida que tratamos quando discutimos este gravíssimo problema que afecta a nossa sociedade.
Estamos a falar de um drama nacional, uma realidade que muitas vezes nos deixa sem palavras, mas que não nos pode deixar sem resposta. A sinistralidade rodoviária em Portugal constitui com efeito um grave problema que o Governo está a enfrentar com muita determinação.
No Programa do Governo, aprovado neste Parlamento há menos de um ano, assumimos como prioridade nacional o combate firme e determinado à sinistralidade rodoviária e ao número de vítimas existentes no nosso País, e que nos colocam na cauda da tabela da União Europeia.
No nosso país morrem por dia, em média, 4 pessoas e 155 ficam feridas em resultado de acidentes rodoviários. A frieza dos números esconde tragédias que afectam milhares de pessoas e enlutam muitas famílias.
Chegou a altura de dizer basta!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ao longo destes 11 meses, o Governo, através do Ministério da Administração Interna, desenvolveu uma estratégia em dois níveis: por um lado, adoptámos um conjunto de medidas que de forma imediata pudessem contribuir para a redução dos números da sinistralidade; por outro lado, iniciámos um conjunto de estudos e avaliámos o problema da sinistralidade rodoviária, em colaboração com várias entidades públicas e privadas; enunciámos medidas e elaborámos programas de acções para dar corpo a um plano.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Com este Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, Portugal vai ter, pela primeira vez, uma estratégia verdadeiramente integrada de combate à sinistralidade, uma estratégia plurianual, multidisciplinar e tecnicamente fundamentada.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Na convicção de que esta matéria tem um carácter nacional e transversal com interesse para todos os portugueses, trazemos hoje o assunto ao Plenário da Assembleia da República, depois de termos já promovido o envio do Plano para a Subcomissão de Segurança Rodoviária, onde oportunamente esperamos poder ouvir as contribuições de todas as forças políticas e esclarecer detalhadamente quaisquer dúvidas.
É objectivo claro deste Plano obter concretamente uma redução de 50% do número de mortos e feridos graves até ao ano 2010, tendo como base de referência a média da sinistralidade dos anos de 1998 a 2000.
Com este grande objectivo em vista, a estrutura do Plano Nacional de Prevenção Rodoviária assenta em três áreas essenciais, desenvolve-se em função de nove objectivos prioritários e integra um Programa de Acções a desenvolver nos próximos três anos.
O limitado tempo e a finalidade desta intervenção não me permitem o desenvolvimento destas medidas. Todavia, gostaria de citar aquilo que são as três áreas estruturantes em que assentam as propostas que iremos fazer, bem como os nove principais objectivos que vamos desenvolver nos próximos três anos.
São áreas estruturantes: em primeiro lugar, a formação contínua do utente; a formação e a educação. A educação, desde logo, na família, na escola e também na formação profissional, e também o ensino da condução é uma prioridade.
Em segundo lugar, o ambiente rodoviário seguro é também para nós, sem dúvida, uma preocupação.
Em terceiro lugar, um quadro legal onde temos de desenvolver medidas e alterações que vão no sentido de contribuir para, por exemplo, no âmbito do domínio do Processo Penal reduzir drasticamente o tempo que decorre entre a infracção e a sanção e no domínio do Código Penal aumentar e agravar as penalidades.
No que diz respeito aos objectivos prioritários que temos em vista neste projecto temos: desenvolver a prática de velocidades mais seguras; uma maior segurança para os peões; maior segurança para os utentes dos veículos de duas rodas; combate à condução sob a influência do álcool e de drogas; combate à fadiga na condução; mais e melhor utilização dos dispositivos de segurança; utilização de material retroflector, como por exemplo a exigência do colete de alta visibilidade nos casos em que é obrigatória a instalação do triângulo, entre outras; menor sinistralidade envolvendo veículos pesados; nova e mais exaustiva regulamentação do controlo dos tempos de condução e repouso e implementação de tacógrafos electrónicos; infra-estrutura rodoviária mais segura (é fundamental definir manuais técnicos que permitam a quem planeia e constrói as estradas ter em conta esta realidade que é a de um ambiente rodoviário nem sempre favorável à boa condução); finalmente, actuar também no quadro de um melhor socorro às vítimas de acidente e garantir o efectivo funcionamento dos sistemas e postos SOS e promover a instalação de novos postos ao longo das estradas de Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ao falarmos nos três vectores fundamentais não quero deixar de

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sublinhar a importância que atribuímos de modo muito claro à educação.
Repito esta referência porque, para nós, a questão da sinistralidade rodoviária é eminentemente uma questão de incivilidade. É necessário que através da educação cívica, desde logo nas escolas, nos programas de formação, se ensine o exercício da cidadania. E é no quadro do exercício e da aprendizagem da cidadania que temos de desenvolver questões tão importantes como as da prevenção rodoviária.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este é um Plano que contou na sua elaboração e vai contar na sua execução com o empenhamento e a acção de vários Ministérios e diversas estruturas da sociedade civil. Mais de três dezenas de organismos públicos e associações privadas deram contributos muito concretos ao longo destes quatro meses da sua elaboração.
Para garantir a sua execução em conformidade com os respectivos programas, será criada uma comissão mista de acompanhamento composta por representantes dos Ministérios que mais directamente nele intervêm e por um grupo de técnicos e especialistas nestas matérias. Tudo faremos para não só garantir a efectiva execução do Plano mas também fornecer periodicamente informações sobre o avanço dos trabalhos.
Na internet, no site do Ministério da Administração Interna, haverá um link especial ao Plano. Através dele qualquer cidadão pode conhecer não só o conteúdo pormenorizado das acções que programámos como acompanhar a sua execução.
Ao longo desta semana tivemos já vários sinais visíveis de um apoio generalizado da sociedade e da opinião pública portuguesas.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o tempo de que dispunha esgotou-se.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Algumas das associações mais representativas exprimiram mesmo por escrito ou em intervenções na comunicação social o seu apoio, sublinhando que é a primeira vez que se aborda este problema desta forma e com esta metodologia em Portugal.
Temos a consciência de que se trata de uma grande ambição, mas tudo faremos para agir, e para agir como é nosso dever, que é agir em favor da vida, pela vida e contra a morte nas estradas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP:

O Sr. Presidente: - A primeira intervenção no debate cabe ao Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, que dispõe de um máximo de 7 minutos.
Aliás, Sr. Deputado, dispõe de menos tempo dado que há um outro pedido de palavra do seu partido. Por isso, se não quer prejudicar o seu colega, tem de falar em menos tempo.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, antes de mais nada gostaria de agradecer esta disponibilidade do Governo e a vontade por ele demonstrada em vir à Assembleia da República apresentar este pacote dado que o mesmo é muito importante.
Além disso, gostaria de fazer uma pergunta ao Governo sobre uma matéria que está indirectamente ligada à área que está aqui a ser suscitada pelo Governo, questão essa que deixarei para o final da minha intervenção.
Primeiro, quero manifestar um grande elogio a esta disponibilidade do Governo - aliás, outra coisa não seria de esperar - no sentido de actuar contra as causas profundas da morte nas estradas e não contra aquelas que mediaticamente são as mais atendíveis ou eventualmente as que têm mais flash. Isto porque, infelizmente, atender e resolver o problema da mortalidade nas estradas é atacar as suas causas profundas.
O Sr. Ministro fez referência, efectivamente, à questão da cidadania. Na verdade, é um acto de cidadania aquilo que temos de fazer, nomeadamente o acto de convencer o conjunto dos nossos cidadãos a agir de forma a que a redução da sinistralidade em Portugal aconteça de facto e não só como mera estatística.
Por isso, Sr. Ministro, julgo que o Governo está de parabéns. Penso que se trata de uma boa medida. E pode contar com este grupo parlamentar para tudo aquilo que puder ser feito sobre esta matéria, para que essas medidas sejam implementadas. Porque tudo aquilo que se puder fazer será, com certeza, bem vindo, uma vez que cada vida é uma vida, e essa é irrecuperável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, quero colocar-lhe agora uma pergunta. Foi noticiada num órgão de comunicação social, mais precisamente num canal de televisão, a intenção de se realizar uma sindicância à Direcção-Geral de Viação relativamente a um conjunto de questões menos claras e irregularidades que se terão processado neste organismo.
Ora, sendo esta uma matéria extremamente séria e importante para a credibilidade de tudo aquilo que se faz a nível da prevenção rodoviária e também a nível de outro tipo de preocupações - que é, no fundo, aquilo de que estamos aqui a tratar, a questão da cidadania e de como ela se aplica ao nível das estradas em Portugal -, gostaria de saber, Sr. Ministro, o que é que tem para dizer à Assembleia da República sobre esta matéria, que é uma matéria que efectivamente nos traz preocupados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: É importante que este documento contemple, coisa que, até ao momento, não é vulgar em documentos desta natureza, que esta é uma questão de saúde pública.
Trata-se de uma questão de enormes custos sociais, económicos e, principalmente, humanos para o País. No entanto, não se compreende que, neste plano, não exista uma avaliação cabal e rigorosa dessas incidências negativas e desses custos.

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Em matéria de sinistralidade rodoviária, Portugal, durante a década de 90, ocupou, tristemente, o primeiro lugar no contexto europeu.
Mas por que razão este plano não prevê, em nenhuma das suas acções, um estudo em concreto que permita superar as deficiências de conhecimento sobre a realidade rodoviária que o próprio plano reconhece existirem? Por que razão não prevê uma grande auditoria a toda a rede nacional de estradas? E, já agora, por que razão não diz claramente quem vai monitorizar a execução deste Plano? Será o Ministério da Administração Interna ou o Conselho Nacional de Segurança Rodoviária, que o mandou fazer formalmente e que se tem revelado tão inoperante? Por que razão não cria uma alta autoridade para a segurança rodoviária, numa perspectiva integrada, interministerial, com a participação directa de todos os interessados, inclusivamente dos próprios utentes, tal como propomos no nosso projecto de lei de bases para a segurança rodoviária? Por que razão não prevê a redução dos níveis de alcoolemia admissíveis para os condutores profissionais, tal como a Comissão Europeia sugere? Por que razão nada diz sobre a possível e necessária criminalização dos responsáveis, inclusivamente públicos, pela má ou deficiente concepção, planeamento e execução das infra-estruturas rodoviárias? Por que razão nada diz sobre a necessidade de o Governo dar o exemplo no cumprimento dos limites de velocidade, coisa que não faz, como é sabido?
Este plano foi feito com grande rapidez, em apenas um mês, por isso mesmo é um plano…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, porque já esgotou o seu tempo, senão o seu microfone desligar-se-á.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, este plano foi feito com grande rapidez, por isso mesmo é um plano muito mais de emergência do que um plano estratégico de segurança rodoviária.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: A sinistralidade em Portugal é uma matéria extremamente complexa, eu diria mesmo que é uma catástrofe nacional, tendo em conta tudo aquilo que acontece dia-a-dia nas estradas portuguesas.
Este plano, que, naturalmente, não pode ser discutido neste curto período de tempo no Plenário, terá de ser discutido, seguramente, na Subcomissão de Prevenção Rodoviária, mas eu diria, de uma forma muito genérica, que há duas acções que o plano contém: uma punitiva e outra preventiva.
Deixemos a acção punitiva para ser discutida, naturalmente, quando o Governo apresentar concretamente os diplomas sobre esta matéria e falemos da acção preventiva que o plano comporta. Há o enunciado de uma série delas, desde logo, situações que é necessário aprofundar e que no plano não estão devidamente aprofundadas. Diria que o termos passado, nos últimos 30 anos, de cerca de 500 000 veículos para 4 milhões de veículos é também um problema para reflexão.
Por outro lado, naturalmente, existe aqui uma série de situações em concreto que tem a ver com o mau estado de grande parte das estradas do País, que são "pontos negros" devidamente assinalados e que deveriam merecer da parte do Governo um estudo muito concreto sobre esta matéria.
Dito isto, é necessário também dizer, nas acções preventivas, o que é que o plano comporta. Comporta uma série de situações, umas extremamente positivas e outras nem tanto. Eu diria que é necessário, ao nível da prevenção, trabalhar ainda muito mais.
Gostava também de saber, neste momento - e é a pergunta concreta que lhe deixo sobre esta matéria -, que suporte financeiro é que o Governo vai traduzir para "levar a bom porto" este plano que ora apresenta.
Mas sobre esta matéria é necessário também afirmar que, para além das acções de formação - formação dos condutores numa condução defensiva nas escolas de condução, nos centros de verificação de veículos, etc., numa panóplia de situações -, é preciso levar à prática acções preventivas.
Gostaria, numa outra situação, de socorro às vítimas, colocar duas perguntas ao Governo.
O Governo faz afirmações, nomeadamente que o SNB tem uma série de centrais de despacho, designadamente a nível dos corpos de bombeiros, dizendo que existem 430 centrais de despacho com ineficiência do pessoal ou com pessoal pouco experiente e pouco especializado sobre esta matéria. Estamos de acordo com isso.
O que é que o Governo vai fazer actualmente nas áreas de formação, concretamente para essas áreas de despacho, para o INEM, para aquilo que está feito neste momento entre a criação de um novo serviço, o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil? O que é que vai em concreto articular com o INEM, nesta perspectiva? As acções de formação são fundamentais, acreditamos que sim, mas é necessário também dotar de meios financeiros os corpos de bombeiros, para que consigam resolver esta questão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois esgotou o seu tempo, senão o seu microfone desligar-se-á.

O Orador: - Para quando o pagamento aos corpos de bombeiros que têm cerca de 8 milhões de euros em dívida neste momento?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: É óbvio para todos que a questão da sinistralidade é um gravíssimo problema nacional, com todas as implicações que isso tem do ponto de vista social, do ponto de vista da saúde, do ponto de vista económico. Por isso, a discussão de planos e de uma estratégia sustentada para combater a sinistralidade é da maior importância.
Mas, Sr. Ministro, se se quer combater a sinistralidade, penso que este Plano, independentemente da necessidade de um debate mais aprofundado, é um documento demasiado superficial.

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Há seis meses, um projecto de lei de Os Verdes que tocava no aspecto concreto da segurança no transporte escolar foi chumbado, a pretexto de, muito proximamente - falava-se em dias! -, o Governo ir apresentar medidas. Afinal, decorreram seis meses!…
Quando olhamos para este Plano, algumas perguntas se nos colocam.
A primeira tem a ver com o facto de, para nós, a prevenção ser uma questão essencial e a correcção de situações que estão identificadas, nomeadamente deficiências nos traçados e questões de sinalização, implicam, obviamente, custos financeiros. Ora, não vejo nenhum quadro que dê suporte a este Plano, correndo o risco de ser um amontoado de meras intenções.
A segunda questão, Sr. Ministro, tem a ver com uma das causas associadas à sinistralidade, que é a fadiga,…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tenha a bondade de concluir. O tempo de que dispunha esgotou-se.

A Oradora: - … a qual está associada ao transporte pesado. Pergunto que medidas restritivas é que vão existir não em relação aos camionistas mas em relação às empresas.
A última questão, Sr. Ministro, tem a ver com boas práticas…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Algumas notas relativas a este anúncio feito pelo Governo.
Aguardamos a recepção do Plano para, em sede de comissão competente, podermos pronunciar-nos de forma mais detalhada.
De qualquer das formas, a primeira nota que deixo é que pensamos, pelo que nos é dado conhecer, que se trata de um documento tecnicamente consistente, que cobre todos os campos de actividade que têm a ver com a segurança rodoviária.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não é estranho o conjunto, quase diria, o coro de congratulações que o Governo recebeu nesta matéria, sendo de destacar, naturalmente, as da maior associação de automobilistas, que é o ACP, e também as da associação que representa aqueles que mais sofreram com os desastres, a Associação dos Cidadãos Automobilizados.
Este Plano - e é a segunda nota que deixo - insere-se numa estratégia europeia: a de reduzir o número de vítimas em cerca de 50% nos próximos anos. Na Europa comunitária, são cerca de 40 000 os mortos por ano em desastres de viação; na Europa alargada, contando com os países de Leste e com a ex-União Soviética, são cerca de 100 000 mortos; e existem 2 milhões de feridos todos os anos em acidentes rodoviários.
Entre nós, trata-se de um pingar de lutos, de um pingar de sofrimento e de custos que é preciso estancar pelos que morrem e por aqueles que ficam marcados para toda a vida.
Neste aspecto, congratulo-me também com a iniciativa do Governo, numa visão um pouco mais alargada do que é costume neste tipo de documentos, de decidir abrir mais três centros de reabilitação, porque penso que aqueles que tiveram ocasião de visitar o que, actualmente, é o único centro digno desse nome, o Centro do Alcoitão, têm, com certeza, uma imagem de horror que lhes permite pensar duas vezes naquilo que todos nós automobilistas andamos a fazer na estrada.
Saudamos, igualmente, o aumento de fiscalização à velocidade e ao controlo do álcool e da droga, o aumento de protecção às crianças e, também, o que é novo, o combate à utilização do telemóvel enquanto se conduz. A este respeito, as estatísticas são claras: 95% dos acidentes devem-se à falta de cintos de segurança, ao álcool e ao excesso de velocidade. Portanto, vale a pena procurar outras fórmulas, mas vale a pena, sobretudo, sabermos que aqui se concentram 95% dos acidentes.
Saudamos, também, a acção de sensibilização dos jovens - por isso, gostaria de saber o que está pensado fazer-se em concreto a nível das escolas - e agrada-nos (é indispensável, diria eu) a colaboração com as autarquias.
Devo dizer que 70% dos acidentes dão-se hoje fora dos eixos nobres de circulação, fora dos itinerários principais e dos itinerários complementares. Temos o dobro da taxa europeia no que diz respeito aos acidentes com motociclistas e aos acidentes com peões, sendo que a taxa de acidentes com peões está a aumentar em Portugal, enquanto as outras estão a regredir.
Sr. Ministro, vai ser necessária firmeza e constância, vai ser necessário agir por antecipação. Em todo o caso, sempre direi que existe uma nova mentalidade e essa nova mentalidade leva a que, hoje, poucos reclamem amnistias, ao contrário do passado, o que originou muito do nosso atraso nesta matéria.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Julgo que estamos perante um grande passo, estamos perante um passo em frente. Não é, por certo, um plano único e acabado, tem de ser um plano aberto,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - … tem de ser um plano assumido pelos cidadãos, pelas famílias e, também, pelos partidos, enfim, tem de ser assumido pela sociedade.
Por isso, Sr. Ministro, estamos à espera do documento, para, em sede de comissão especializada, darmos a nossa colaboração.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: A recente aprovação em Conselho de Ministros do Plano Nacional para a Prevenção e Segurança Rodoviária vem ao encontro de um compromisso programático do Partido Socialista.
De facto, é inadmissível que continuem a perder-se anualmente milhares de vidas humanas, vítimas muitas vezes da sua própria incúria, mas também, por vezes, vítimas

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da incapacidade que o Estado tem revelado de fazer cumprir a lei, por deficiente fiscalização, ou da própria responsabilidade do Estado ao nível das deficientes condições de utilização de algumas vias, nomeadamente, por exemplo, no que respeita à sinalização das nossas estradas.
As consequências têm sido trágicas e levam-nos a encarar também o problema da segurança rodoviária como um grave problema de saúde pública, com as inerentes consequências sociais e económicas.
Considerando, portanto, que esta sinistralidade é traduzida, em grande parte, por comportamentos inadequados a que não é também estranha a degradação do ambiente rodoviário, importa tomar medidas políticas e técnicas que criem e mantenham níveis elevados de segurança. Daí a importância da existência de um plano de segurança exequível e eficaz para a mudança de comportamentos de todos os intervenientes, nomeadamente, mudança de comportamento dos cidadãos que andam na estrada e mudança de atitude do próprio Estado.
Tememos que esteja a perder-se uma boa oportunidade para se iniciar um processo de alteração do actual estado de coisas. Com efeito, este Plano, que assume propósitos importantes, poderei mesmo dizer ambiciosos, é assustadoramente vago e impreciso quanto à forma como poderá ser concretizado.
Em primeiro lugar, sendo a segurança rodoviária uma questão transversal, nas suas vertentes, a diversos ministérios, não estão aqui assumidas concretamente as necessárias formas de cooperação entre os mesmos, por exemplo, ao nível do Ministério da Administração Interna com os Ministérios das Finanças, da Saúde e da Educação.
Falou-nos na comissão mista. Mas que poderes concretos, que competências, terá esta comissão mista? Falou-nos na educação escolar, na formação. Será esta uma disciplina obrigatória na formação escolar? Não está explicado.
Sendo ambicioso quanto aos objectivos, não estão nem quantificados os custos da implementação das medidas e propostas nem está explicada como irão ser implementadas no terreno.
A fiscalização é factor determinante para o sucesso deste Plano. Como vão ser criadas as condições para a sua melhoria? Vão ser admitidos mais agentes? Vão ser utilizados, por exemplo, helicópteros com meio de controlo às eventuais infracções e às próprias condições de circulação? Intensificando-se, e bem, a fiscalização à condução sob os efeitos do álcool, não estão quantificados os meios adicionais que terão de ser utilizados para tal, nem quantificados, nem orçamentados. Vão dotar-se as brigadas de trânsito de todos os meios necessários para uma eficaz fiscalização preventiva? Não há resposta. Aliás, em matéria de custos, nada está orçamentado nem está explicado como serão financiadas todas estas operações.
Em suma, estamos, talvez, perante mais uma iniciativa apresentada com o intuito de "encher o olho" aos portugueses (passe a expressão), de nos convencer de que agora é que vamos passar a dedicar mais atenção a este gravíssimo problema, o da sinistralidade nas estradas portuguesas, mas que poderá não ter aplicação prática, por ausência de planificação quanto à sua execução e por ausência de afectação de meios.
Que não seja apenas o intuito de se fazer algum show off sobre esta matéria. Oxalá, esteja enganado!

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está enganado, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Carloto.

A Sr.ª Paula Carloto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr. Ministro da Administração Interna, começo por saudar a sua presença neste Parlamento, bem como felicitar o Governo, na pessoa de V. Ex.ª, quanto à recente aprovação das medidas sobre sinistralidade rodoviária.
De todas as medidas tomadas, permita-me salientar uma que considero particularmente feliz e que se relaciona com a protecção das crianças e o uso obrigatório dos sistemas de retenção. É uma solução positiva e meritória, que, aliás, mereceu, pública e notoriamente, um elogio da Associação para a Promoção da Segurança Infantil.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Reduzir em 50% até 2010 o número de mortos e de feridos graves nas estradas portuguesas é, de facto, um objectivo ambicioso e que terá de envolver toda a sociedade.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - A expressão "mão pesada", usada pelo nosso Primeiro-Ministro para este combate, traduz vivamente o empenhamento do Governo na defesa da vida humana e é o primeiro passo, em nosso entender, para obrigar a uma nova consciência, invertendo mentalidades. Conduzir com precaução e segurança tem de ser, definitivamente, sinónimo de inteligência, civismo e modernidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mas porque o sucesso destas medidas implica algumas concretizações, julgo ser essencial que o Sr. Ministro esclareça, neste Plenário, de que forma pensa o Governo garantir que estas medidas vão ser efectivamente implementadas e não são só mais uma medida legislativa no ordenamento jurídico português.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Bem lembrado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de colocar uma questão e centrar a minha intervenção numa perspectiva que, julgo, também está abordada neste Plano.
A apresentação do Plano, como V. Ex.ª referiu, foi feita em 8 minutos e, portanto, provavelmente, como disse e muito bem, não terá tido tempo para falar de tudo.
Falou-se já, neste Plenário, nas questões que se prendem com a saúde pública e todos nós temos a noção de que este é um problema de saúde pública.

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Gostaria de centrar a minha intervenção numa questão também já aqui falada, mas que não foi suficientemente vincada.
Hoje, a sinistralidade é maior, em percentagem, por atropelante de peões. Ou seja, a sinistralidade, como também já foi dito, pelo menos a mais grave, a que tem maior mortalidade, a que tem maior taxa de incidência do ponto de vista de feridos, ocorre, fundamentalmente, nas localidades, ou seja, no ambiente urbano, como o Sr. Ministro referiu.
Pergunto: quais são as regras e a regulamentação para intervenção na área urbana? Vamos tê-las neste Plano? Vamos tê-las a partir deste Plano? Como é que vai ser? O que está pensado, neste Plano, relativamente ao licenciamento securitário? Por exemplo, os gabinetes de apoio técnico querem técnicos formados adequadamente para este efeito de, de uma forma securitária, fazerem o licenciamento de obras em ambiente urbano? Foi uma das preocupações que o Sr. Ministro aqui deixou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tocando nas questões já aqui aludidas - e com isto termino -, tais como a afirmação do Sr. Primeiro-Ministro no sentido de que as autoridade rodoviárias tenham "mão pesada", sendo que V. Ex.ª também aqui aludiu ao combate à condução sob o efeito do álcool, pergunto: está pensada alguma intervenção no retorno à taxa de alcoolémia de 0,2%, ou outra mudança?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna. Beneficia de cedência de tempo por parte do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero agradecer os contributos de todos os Srs. Deputados que quiseram colocar-me questões e, sobretudo, sublinhar aquilo que me parece ser a existência de um consenso nesta Câmara em torno dos grandes objectivos do Plano.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Muito bem!

O Orador: - Como é normal, dado o pouco tempo de que disponho, não posso responder detalhadamente e com o pormenor que desejaria a todas as perguntas que me foram feitas. Mesmo assim, gostaria de sublinhar três ou quatro questões e tentar encontrar resposta a muitas preocupações que me foram expressas.
Em primeiro lugar, devo dizer que este Plano é produto de um trabalho intenso, que se iniciou, rigorosa e concretamente, em Setembro do ano passado e no qual participaram muitas organizações, e há pouco citei 30 entidades participantes neste projecto. Este Plano foi acompanhado directamente pela comissão técnica coordenadora responsável pela elaboração do Plano Nacional de Prevenção Rodoviária e teve o envolvimento de seis Ministérios.
Quero assegurar que, na sua execução, nós contámos com a permanência do empenhamento que foi transmitido de modo tão directo, tão concreto e tão construtivo por todos quantos estiveram connosco a elaborar o projecto, em particular, o empenhamento financeiro dos seis Ministérios que dão e assumem directamente responsabilidades na execução dos programas que estão identificados em anexo ao Plano, como terão ocasião de ver.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra observação que gostaria de fazer é a de que o Plano não nos fez parar.
Iniciámo-lo muito cedo, desde logo, porque, depois de termos tomado posse, estávamos perante o dramático panorama que, normalmente, o Verão nos oferece nas estradas portuguesas, pelo que tivemos de agir, intervindo com medidas pontuais no sentido de reforçar a fiscalização, introduzir novos meios de controlo, introduzir novas formas de promoção da ideia de segurança rodoviária nas escolas, através de incentivo de campanhas, do maior reforço da Brigada de Trânsito (aliás, aproveito para dizer que, não obstante todos os problemas por que passou, esta Brigada de Trânsito oferece-nos, hoje, resultados francamente positivos em termos de reforço de número de fiscalizações que foram efectuadas durante o ano de 2002) e tudo o que continuou, e continua, a ser feito em paralelo com a execução deste grande Plano. Isto porque o Plano tem uma função estruturante: é um plano a médio prazo, multidisciplinar e, por isso, terá de ser bem estudado e bem apoiado em programas e acções muito concretas.
Se tiveram ocasião de ler, como espero, os anexos ao nosso Plano, verão que lá estão detalhadas, pelo menos, 36 acções, com todo o pormenor - desde os objectivos a atingir, as entidades envolvidas, bem como quem responde e por quê -, as quais serão, agora, objecto de calendarização e, naturalmente, também das atribuições efectivas dos meios que vão requerer.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de referir mais três questões que foram suscitadas e que também nos merecem uma atenção muito especial.
Em primeiro lugar, o papel das autarquias. Temos a satisfação de ver que as autarquias estão associadas connosco, estando, aliás, representadas, através da Associação Nacional de Municípios Portugueses, no mesmo grupo que elaborou o Plano.
Pensamos que as autarquias têm um papel fundamental em, pelo menos, dois factores de sinistralidade que nos preocupam sobremaneira.
Em primeiro lugar, a sinistralidade atingindo os peões. É, normalmente, nas cidades, nos aglomerados urbanos que se verifica esta calamidade, traduzida na falta de segurança dos peões. Assim, desafiámos, colaborámos e vamos continuar a colaborar com as autarquias com vista a introduzir medidas que vão no sentido de, obrigatoriamente, reduzir a velocidade permitida no interior das cidades (propomos uma redução para 30 km/h), criar zonas pedonais que também dêem a cidade ao peão, de modo a que a cidade não seja ocupada de uma maneira, quase diria, tirânica pelos automóveis. O cidadão tem o direito ao seu espaço e o peão não pode continuar a ser vítima e, neste aspecto, as autarquias têm um papel primordial.

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Em segundo lugar, as escolas. Como tive ocasião de referir, pensamos que temos de actuar, mesmo ao nível curricular, na educação, introduzindo não só conteúdos que vão directamente orientados para a formação rodoviária mas também meios que permitam às crianças e aos jovens começarem, desde logo na sua formação inicial, a ter a consciência do que é a responsabilidade de lhes vir ser confiado um veículo e de transitarem por estradas com muitas dificuldades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Srs. Deputados, não posso deixar de responder a uma questão colocada por um Sr. Deputado e que tem que ver com a situação da Direcção-Geral de Viação.
Com efeito, esta Direcção-Geral é um dos instrumentos principais para dar execução a este Plano. Ora, nós temos um conceito muito claro de serviço público. O serviço público tem uma ética e tem de ser praticado e desenvolvido com sentido moral muito claro, em obediência à lei e com comportamentos que não nos mereçam a menor dúvida.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, só com instituições fortes e obedientes à lei e rigorosamente fora de qualquer suspeita é que podemos contar para desenvolver programas tão ambiciosos como este.
E, perante a existência de suspeitas, que me surgiram durante algum tempo, relativamente a comportamentos do passado de alguns funcionários da Direcção-Geral de Viação, perante relatórios em que, de molde muito expresso, me eram relatadas situações que me mereciam, e continuam a merecer, muita preocupação, tomei a iniciativa de actuar em dois sentidos.
Em primeiro lugar, constituir, sob a dependência directa do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, que tem a delegação desta área, uma comissão de acompanhamento que vai avaliar a organização, o funcionamento, o processamento e o modo de trabalhar desta Direcção-Geral. Sabemos que muitos dos actos de corrupção, por vezes, são o resultado de uma organização confusa, não transparente e complexa e, nesta perspectiva, vamos resolver esse problema.
Em segundo lugar, perante situações muito concretas, pedi à Procuradoria-Geral da República que fizesse avançar as averiguações…

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - … e determinei à Inspecção-Geral de Administração Interna do Ministério da Administração Interna que procedesse às averiguações globais para termos a certeza de que esta Direcção-Geral funciona com transparência,…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … com honestidade e continua a merecer-nos todo o respeito e consideração.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 11 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 74 a 80 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 15, 16, 17, 22, 23, 24 e 29 de Janeiro de 2003.

Pausa.

Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 47/IX - Altera a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, criado pela Lei n.º 14/90, de 9 de Junho (PS).
Tratando-se de uma matéria consensual, ficou decidido em Conferência de Líderes que cada grupo parlamentar disporá de 5 minutos.
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista tomou a iniciativa de apresentar um projecto de lei relativo à composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Este projecto de lei foi já objecto de relatório no âmbito da 1.ª Comissão. A Sr.ª Deputada Relatora apreciou-o, e bem, designadamente, detectando um lapso relativamente à sua composição, que se referia à ausência involuntária da Ordem dos Advogados, que, obviamente, não poderia deixar de estar presente, em face das implicações jurídicas de todas as questões relativas à bioética.
Penso que aquilo que é, sobretudo, importante salientar a nível do Conselho é o facto de ele dever assegurar a representação das várias sensibilidades e das várias formas de ver relativamente às implicações éticas no âmbito da biomedicina.
Recordando aquilo que a APELE dizia, no sentido de que as normas éticas são as que resultam do consenso a que a humanidade chega, é bom que, a nível do Conselho, estejam, efectivamente, representadas as várias sensibilidades que caracterizam a comunidade portuguesa. E aquilo que quero referir é que esta nova lei orgânica, no caso de vir a ser aprovada, merece e deve até ser objecto de algumas correcções, no sentido de introduzir eventuais alterações que o funcionamento do Conselho, ao longo dos seus mais de 10 anos de existência, já tenha, eventualmente, diagnosticado.
Aquilo para que é fundamental, neste momento, chamar a atenção é para a importância que a bioética vem assumindo nos dias de hoje, o crescente campo da sua aplicação, a importância da reflexão ética relativamente aos crescentes avanços científicos e o facto de hoje, designadamente no que se refere ao genoma humano, e na sequência do artigo 1.º da Declaração da Unesco relativamente a esta questão, ele dever ser considerado património comum da humanidade.
Importa referir que, infelizmente, em Portugal, estamos ainda longe de um estádio legislativo que nos permita regular determinadas práticas que já hoje são correntes e a ausência de regulamentação específica poderá confrontar-nos com práticas eventualmente menos correctas e menos conformadas aos princípios estabelecidos quer na Declaração

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de Helsínquia, a nível geral da ética e da investigação em medicina, quer a nível de tudo aquilo que a Convenção de Oviedo, depois da sua ratificação, nos permite transcrever para aquele que será o próprio direito aplicável. Penso, no entanto, que, estabelecendo a Convenção de Oviedo, como se diz no seu próprio preâmbulo, ou visando estabelecer equilíbrios justos mas difíceis entre os direitos e os interesses dos indivíduos, da sociedade, da ciência e da espécie humana e devendo presidir a todas as apreciações e avaliações nesta matéria os princípios éticos da dignidade, autonomia e liberdade da pessoa humana, da beneficência e da equidade, o papel que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida desempenha no nosso país é um papel de relevante interesse nacional. E, neste momento, em que vamos ter a alteração dos membros que o compõem, designadamente do seu presidente, quero, por testemunho vivido, prestar uma sincera homenagem a todas as pessoas que aí dedicadamente trabalharam. Penso que todos aqueles que cessam as suas funções são credores de um agradecimento por parte do nosso país.
Querendo ainda fazer, nesta minha pequena e curta intervenção, uma final homenagem ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, invocaria umas palavras do Professor Luís Archer, seu presidente, que vai cessar funções, dizendo que bioética é a lembrança e a esperança. Há lembrança feliz da original humanidade holista, hoje pulverizada pela ciência e tecnologia, mas há também esperança e desejo de que ela ressurja, de modo novo, no futuro. É, por isso, saudade do futuro.
Que construamos um futuro justo para todos são os meus votos.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana de Aguiar Branco.

A Sr.ª Adriana de Aguiar Branco (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No decurso dos mais de 10 anos volvidos após a criação do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, ocorreram, como se sabe, desenvolvimentos e descobertas extraordinárias ao nível das ciências da vida.
Questões como a terapia génica, a descodificação do genoma humano, as novas formas de procriação medicamente assistida, a clonagem e a xenotransplantação são apenas alguns exemplos de quão vasto é este admirável mundo novo.
Esta nova realidade trouxe para a ordem do dia a necessidade de compatibilizar valores à primeira vista inconciliáveis, como a inviolabilidade da dignidade humana, a autonomia individual, a liberdade de investigação, a protecção da saúde humana e a não discriminação com base em características genéticas.

A Sr.ª Paula Carloto (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Responder, adequada e simultaneamente, aos cidadãos, que se interrogam sobre as questões éticas da experimentação genética, aos doentes, que vêem na genética uma oportunidade de cura, e aos cientistas, que desconhecem a base legal da investigação, não será tarefa fácil.
O desafio é enorme e todos estaremos de acordo quanto à necessidade e urgência de, em conjunto, procurarmos consensos que simultaneamente respeitem os princípios éticos da dignidade e integridade da vida humana mas também a protecção do bem-estar social e da saúde humana.

A Sr.ª Paula Carloto (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Face ao quase vazio legislativo no campo da genética humana e aos perigos daí decorrentes, nomeadamente o florescimento do livre arbítrio, o nosso papel é fundamental.
Promover iniciativas legislativas em matérias como a reprodução medicamente assistida, os testes genéticos, os biomedicamentos, a fármaco-genética, a utilização de dados, a patenteabilidade ou a investigação sobre células estaminais e embriões humanos é, além de necessário, urgente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Como urgente se torna também a produção de legislação que limite a experimentação desregrada na área genética e da medicina da reprodução, prevenindo, desse modo, a proliferação do aventureirismo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Deve também fomentar-se e ter-se como prioritária a participação e a reflexão o mais alargada possível, uma vez que estas matérias produzirão transformações em praticamente todos os campos e áreas de actividade e serão responsáveis por impactos sociais e políticos de grande significado.
O diálogo com a sociedade civil assume, assim, primordial importância, já que a diversidade é o valor fundamental da bioética nas sociedades democráticas e plurais.
Não nos escudemos na ausência de consensos sobre estas matérias para adiar a concretização da tomada de iniciativas, pois é nossa convicção de que dessas iniciativas resultará o impulso decisivo para o diálogo e o debate tão necessário mas tantas vezes adiado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Pode, neste âmbito, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida assumir um papel de primordial importância, porquanto, ao debruçar-se de forma sistemática, directa e positiva sobre problemas éticos suscitados pelos progressos científicos, estará numa posição privilegiada para servir de suporte de informação.
Efectuando análises ponderadas, promovendo reflexões profundas e cuidadas e, em consequência, emitindo pareceres claros, directos e objectivos para os órgãos de soberania e, simultaneamente, passando à sociedade civil uma informação completa e honesta do que são as intervenções da ciência hoje realizáveis e suas consequências, prestará um serviço de inegável valor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de alteração à constituição do Conselho Nacional

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de Ética para as Ciências da Vida, que hoje discutimos, assume, assim, a maior oportunidade, pois é urgente que se criem as condições para que o Conselho, como órgão independente que é, possa funcionar em plenitude e sem constrangimentos, por forma a cumprir os objectivos que estiveram subjacentes à sua criação. A nosso ver, já se perdeu demasiado tempo.
A maior parte das modificações propostas pelo PS em relação à constituição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida resultam da alteração da designação das entidades responsáveis pela escolha dos seus membros, sendo, assim, de toda a oportunidade.
Propõe, ainda, o PS a inclusão de um membro designado pela Ordem dos Biólogos, o que, do nosso ponto de vista, também se justifica, face aos inúmeros avanços já referidos.
Entende, porém, o Grupo Parlamentar do PSD que, sendo as questões em debate bioéticas, pois passam pela ponderação de valores que a sociedade reconhece como superiores, tais como a dignidade humana, a liberdade individual e a autonomia da decisão no que à pessoa diz respeito, e existindo já em Portugal várias entidades ligadas à bioética,…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, esgotou-se o tempo de que dispunha. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, existindo já em Portugal várias entidades ligadas à bioética, que justamente se debruçam sobre esse tipo de problemáticas, faz todo o sentido que as mesmas possam também designar um membro.
Assim, o Grupo Parlamentar do PSD propõe a baixa à 1.ª Comissão do projecto de lei em debate pelo prazo de oito dias, a fim de que ao mesmo sejam introduzidas as alterações propostas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que tem como principais competências analisar os problemas morais suscitados pelos progressos científicos, reveste-se, seguramente, da maior importância, especialmente quando, nos últimos anos, assistimos a uma crescente complexidade dos problemas originados pelo desenvolvimento no campo da medicina, da biologia e da genética.
Nas matérias fundamentais da vida, que são a essência da bioética, há que ter em conta a vertiginosa evolução destas ciências, não esquecendo que as janelas abertas por estes desenvolvimentos abalam, muitas vezes, as nossas mais profundas convicções ou confrontam-nos com uma conciliação que, muitas vezes, nos parece impossível.
Esta amplitude, de que são recentes exemplos a possibilidade da clonagem humana e a sequenciação do genoma humano, como, aliás, já foi, de resto, aqui sublinhado, torna também particularmente difícil a elaboração legislativa neste segmento da realidade social, como, aliás, também médicos e biólogos reconhecem, deparando-se com a insuficiência das normas deontológicas para legitimarem a prática científica.
A este propósito, aproveitamos para relembrar que foi com a Convenção de Oviedo, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, que o direito internacional passou a dispor de uma regulação bem definida que orienta as escolhas fundamentais neste domínio.
O artigo 1.º desta Convenção determina que as partes protegem o ser humano, na sua dignidade e na sua identidade, e garantem a toda a pessoa, sem discriminação, o respeito pela sua integridade e pelos seus outros direitos e liberdades fundamentais, face às aplicações da biologia e medicina. O artigo 2.º, para nós, da máxima importância, estabelece o primado do ser humano, nomeadamente, que o interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou da ciência.
O projecto de lei apresentado hoje pelo Partido Socialista visa, sobretudo, alterar e alargar a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, integrando um membro designado pela Ordem dos Biólogos e outro designado pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior.
A questão que gostaríamos de deixar aqui é a de saber se, em face da cadência veloz de desenvolvimentos e de alterações profundas nesta área, não seria, igualmente, de reequacionar, de forma mais estreita, a própria estrutura e funcionamento do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, isto é, o seu papel, que, no nosso entender, só se pode revestir de uma importância crescente, acompanhando a evidente expansão destas ciências e dos problemas éticos e legais que em torno dela gravitam. Ou seja, a discussão do presente projecto de lei deve constituir-se como ocasião para uma futura retoma do debate e reflexão sobre estas matérias, já que, e fazendo nossas as palavras do Professor Rui Nunes, a supressão das barreiras normativas tornaria possível a livre prática de actos contrários ao respeito eminente da dignidade do ser humano e susceptíveis de lesar direitos constitucionalmente consagrados.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida desempenha um papel muito importante numa área que nos coloca questões todos os dias e que, obviamente, tem um desenvolvimento tão grande que dificulta, algumas vezes, o acompanhamento que fazemos da sua evolução, colocando-nos até questões para que não estamos preparados, de modo a responder de uma forma clara e rigorosa, principalmente porque a área da bioética suscita questões que, por um lado, para uns, podem parecer exclusivamente científicas mas, por outro, para outros, podem parecer, única e exclusivamente, questões de princípios. É nessa conciliação entre os princípios e o natural, pretendido e querido desenvolvimento científico que se colocam as questões que devem ser respondidas pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, é fundamental que, da parte da Assembleia da República, haja um claro e sincero apoio ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, no sentido de ele desempenhar um papel muito mais importante até, se calhar, do que o que tem desempenhado até aqui, porque os desafios são também maiores, não têm absolutamente nada a ver com o trabalho que se fez até agora e é importante e fundamental que esse trabalho continue a ser desenvolvido.
São também exemplo desta preocupação outras medidas que têm sido tomadas no âmbito do Ministério da Ciência e do Ensino Superior, nomeadamente no que diz respeito a um dos problemas mais importantes que se coloca neste momento, que é o problema da clonagem humana, e a uma discussão que, em Portugal, está atrasada no tempo. Temos de ter a noção de que estamos atrasados neste tipo de discussões e não podemos continuar a perder tempo para a abordagem deste tipo de matérias.
É exactamente no campo da liberdade, da autonomia e da dignidade da pessoa humana que se devem centrar todas estas discussões. Essa dignidade, essa autonomia e essa liberdade não põem, obviamente, em causa o natural progresso científico. É até fundamental e importante que se apoie esse progresso científico, no sentido de permitir que todas essas características do ser humano sejam desenvolvidas, mas também não podem pôr em causa o equilíbrio de toda esta realidade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, a legislação a ser feita nesta área terá sempre de ser uma legislação enquadradora - não pode ser uma legislação proibicionista nem aventureirista, tem de ser uma legislação enquadradora - que dê espaço à ciência, para a ciência se desenvolver, mas que garanta os princípios, porque esses são fundamentais e têm sempre de ser mantidos. É exactamente neste campo, é exactamente no equilíbrio tão difícil, tantas vezes, destas duas áreas que deve residir uma política para as ciências da vida.
É nesse sentido que, obviamente, damos o nosso apoio não só ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida como a este projecto de lei do Partido Socialista, que saudamos, porque introduz alterações na composição do Conselho que nos parecem importantes, nomeadamente a existência de um representante da Ordem dos Biólogos, área de conhecimento que não existia na altura que foi criado o Conselho. A Ordem dos Biólogos existe hoje em dia e faz todo o sentido que esteja representada no Conselho para que este seja tão abrangente quanto possível e, assim, permita o desejado equilíbrio.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 47/IX, do Partido Socialista, propõe que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida passe a ser representado pela Ordem dos Biólogos, assim como pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, entidades que na altura em que o Conselho foi constituído não existiam, pelo menos com a designação ou configuração que têm actualmente.
Este projecto de lei parece-nos inteiramente pertinente, pelo que iremos dar a nossa concordância, votando favoravelmente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos, está encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 47/IX. A respectiva votação na generalidade será feita oportunamente.
Passamos ao debate do projecto de resolução n.º 87/IX - Visa a reintrodução durante o ano de 2003 da dupla afixação de preços de bens e serviços, apresentado pelo PCP.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A introdução do euro foi acompanhada por uma recomendação da Comissão Europeia de 23 de Abril de 1998, visando a adopção da dupla afixação de preços - em euros e na respectiva moeda nacional - nas tabelas dos bens a retalho e de prestação de serviços.
Em Portugal, o Governo entendeu que a afixação de preços em euros e escudos só seria obrigatória até 28 de Fevereiro de 2002, apesar da generalidade dos agentes económicos terem continuado, depois dessa data e até hoje, a informar os seus clientes e consumidores com base no duplo valor, por reconhecerem - e bem! - que a população ainda necessita dessa referência como elemento fundamental de informação e de ajuda à percepção da dimensão do valor da moeda, bem como para facilitar o cálculo mental que todos ainda fazemos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta é hoje, aliás, a questão central que coloca ainda na ordem do dia a necessidade de se prolongar por mais algum tempo essa dupla afixação.
Não desconhecemos que a proposta que fazemos tem vantagens e desvantagens. Tem a enorme vantagem de continuar a disponibilizar à generalidade dos cidadãos um instrumento que os ajude a pensar em euros e a materializar, a tornar tangível na consciência de cada um, o valor da nova moeda através da sua comparação com a informação que a memória ainda conserva do escudo. É também um instrumento que ajuda os consumidores a poderem exercer algum controlo sobre os preços para evitar, ainda hoje, que a conversão se traduza, como se traduziu, num disparar de preços, designadamente em produtos de retalho.
Contudo, não deixamos de reconhecer, como afirmam alguns, que a nossa proposta pode atrasar a conversão mental automática do raciocínio em euros.
A questão está no balanço entre vantagens e eventuais desvantagens e, do nosso ponto de vista, o resultado desse balanço é manifestamente favorável às vantagens que implica a existência durante mais algum tempo da dupla afixação.
Quando da apresentação pública deste projecto de lei, alguns comentadores entenderam afirmar que a dupla afixação constituiria um retrocesso. Não estamos, de todo, de

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acordo. É um raciocínio de quem desconhece o país real, como bem foi exemplificado em muitos depoimentos de pequenos comerciantes e de cidadãos diversos de vários pontos do País, quando da realização de um fórum sobre a nossa iniciativa que a TSF resolveu fazer a 17 de Janeiro.
É comum, como todos temos experiência disso, que, no acto da compra, as pessoas perguntem quanto é que vale "na nossa moeda" ou "quanto é em escudos". Ou ainda, como todos ouvimos e dizemos, "parece que estou a gastar mais dinheiro com os euros". E, se a generalidade dos comerciantes e dos agentes económicos tem um comportamento eticamente sério, tal não evita que alguns se aproveitem da falta de informação para especular e aumentar os preços de forma irracional.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não há, em Portugal, estudos sustentados sobre as consequências para o aumento do custo de vida da introdução do euro. O Banco de Portugal afirma que a transição se concretizou de forma pacífica e que é residual o aumento de preços resultante da entrada do euro no circuito económico.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - É verdade!

O Orador: - Não estamos seguros de que assim tenha sido.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Mas foi!

O Orador: - Não foram efectuados estudos sustentados nem em Portugal nem em praticamente nenhum país da zona euro, o que só por si é significativo. Porque é que a Comissão Europeia e o Eurostat, que têm análises estatísticas para tudo, não as fizeram para este caso? Dá para desconfiar! O mais que o Eurostat apresentou foram estimativas, que, apesar do seu carácter limitado, demonstram que não estamos somente perante um fenómeno de "inflação percebida", mas de uma real "inflação efectiva", designadamente no "sector dos serviços relacionados com o turismo e em pequenos serviços destinados às famílias". E a verdade é que a realidade da vida confirma a existência de situações de abuso e de especulação.
Num inquérito feito pelo Eurobarómetro nos países da zona euro, subordinado à pergunta "Tem a sensação de que com a conversão ao euro os preços aumentaram?", as respostas afirmativas oscilaram entre os 62% do Luxemburgo aos 93,6% da Holanda, com Portugal a situar-se na ordem dos 73,8%. E, em resposta à pergunta "Em que moeda faz o cálculo mental no acto da compra?", 45,9% dos portugueses afirmaram que o faziam em escudos, 47,3% nas duas moedas e somente 10,8% exclusivamente em euros, particularmente nas compras de maior valor.
Entretanto, nesta semana foram divulgados os resultados de um novo inquérito feito pelo Eurobarómetro em Novembro último, que vêm ao encontro da proposta que hoje fazemos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - De facto, à pergunta sobre se desejariam que o comércio continue com a dupla afixação, 47% dos portugueses respondem que sim e 3% não têm opinião. É um valor só por si significativo, que não pode ser ignorado.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E as conclusões do mesmo inquérito afirmam que a necessidade de ser efectuado um último esforço de comunicação foi largamente sublinhado pela maioria dos cidadãos.
Aliás, a própria Comissão Europeia reconhece, na sua comunicação de 19 de Dezembro passado, que "a continuação da dupla afixação de preços contém aspectos positivos e negativos", como também o sublinhamos. Por isso, admite que a prática da dupla afixação se prolongue até 30 de Junho de 2003.
Face à realidade específica do nosso país, o projecto de resolução que apresentamos recomenda ao Governo que retome a obrigatoriedade da dupla indicação de preços até ao final de 2003 - o que não será original, Srs. Deputados. Em Espanha, como noutros países europeus, o Governo decidiu, fazendo-se eco de um pedido das organizações de comerciantes e empresários, prolongar a dupla afixação durante todo o ano de 2003.
É por isso que, ponderadas as vantagens e os inconvenientes, nos pronunciamos de forma clara pela reposição, durante o ano de 2003, da obrigatoriedade (ou, no mínimo, da recomendação) da dupla indicação de preços em euros e escudos. É vantajoso para os consumidores, designadamente para aqueles muitos cidadãos que ainda têm dificuldade com a conversão e com a apreensão do valor da moeda, mas também é vantajoso para o comércio e para os prestadores de serviços, porque uma maior transparência reduz os fenómenos de suspeição sobre alegadas especulações, e para a economia nacional, porque constituirá também uma forma de melhor controle da própria inflação.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Maximiano Martins.

O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, esta iniciativa do Partido Comunista Português, muito embora possa ter, como qualquer iniciativa, vantagens e inconvenientes, , a nosso ver, não corresponde a uma necessidade objectiva sentida quer pelas associações empresariais, designadamente representativas do comércio, quer pelas próprias organizações de defesa dos consumidores.
O processo de introdução do euro em Portugal correu bem sob vários aspectos. É evidente que existiram acertos inflacionistas, que o Banco de Portugal estima em valores muito baixos - de 0,1 a 0,2 pontos percentuais -, mas que, na percepção dos consumidores, se traduz num valor mais elevado, dado que incidiu sobre um conjunto de bens e serviços que pesam um pouco no "cabaz de compras".
É evidente que a introdução do euro pode ter trazido alguma ilusão monetária, mas no essencial todos os dados mostram que o processo correu de uma forma

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satisfatória. Portanto, a questão que se coloca é: porquê retardar a adaptação? Este processo é imparável, pelo que qualquer iniciativa deste ponto de vista significaria apenas retardar por algum tempo, o que é inexorável.
A dupla afixação teria uma vantagem única: a de aumentar a informação ao consumidor. Mas devo dizer que, do ponto de vista da política comercial das empresas, sempre que haja a percepção de que o cliente valoriza a afixação em moeda nacional, a própria empresa naturalmente o faz, na medida em que com isso satisfaz uma exigência do consumidor.
No entanto, a dupla afixação tem alguns inconvenientes, que é bom ponderar até à votação deste projecto de resolução. Tem, necessariamente, custos de administração, que, como é evidente, devem ser valorizados, para além de que os dados do Eurobarómetro vêm mostrar que, no essencial, a questão não se põe com acuidade. E à pergunta feita aos portugueses sobre se o manuseamento do euro lhes causa alguma dificuldade no acto de compra, praticamente dois terços respondem que não, o que, curiosamente, é um valor mais elevado do que em França.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr.ª Presidente.
Portanto, como os portugueses não têm dificuldade nessa área, não parece existirem bons fundamentos para a iniciativa do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Maximiano Martins, afirmou que esta proposta de reintrodução da dupla afixação tem vantagens e inconvenientes.
Quando o Sr. Deputado ainda não estava na Sala, referi que a dupla afixação tem as vantagens, como agora reconheceu - e não são pequenas - de continuar a fornecer uma melhor informação aos consumidores e um instrumento que os ajude ainda a percepcionar a dimensão do valor da moeda e que pode ter a desvantagem (que reconhecemos) de atrasar o raciocínio automático da conversão.
O que dizemos - e a Comissão Europeia não põe de parte - é que entre vantagens e inconvenientes, perante a realidade concreta do nosso país, a balança pende para o lado da vantagem de se manter essa dupla afixação.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente! Essa é a questão!

O Orador: - Sr. Deputado, não é verdade que a totalidade das organizações empresariais e de consumidores se pronunciem contra a dupla afixação. Ouvi, por exemplo, o Presidente da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, em comunicado, defender a manutenção da dupla afixação.
Também o valor chamado "residual" da inflação resultante da introdução do euro está por demonstrar. O próprio inquérito do Eurobarómetro distingue entre inflação percebida" e real inflação efectiva e, na inflação efectiva, os valores não são tão pequenos como aqueles que o Banco de Portugal refere. E a verdade é que o consumidor, designadamente, do pequeno comércio, sente que houve conversões especulativas.
Contudo, neste momento, a questão central já nem sequer é essa. A questão central é a de continuar a fornecer um elemento de informação aos cidadãos, sobretudo àqueles que têm mais dificuldades em fazer a conversão, que lhes permita ter uma percepção da dimensão do respectivo valor.
E, Sr. Deputado, não somos os únicos a ter este raciocínio. A Espanha acabou de decidir que, durante todo o ano de 2003, vai manter a dupla afixação de preços; a Itália vai fazê-lo; a França está a pensar fazê-lo. Será que, estranhamente, somos os cidadãos melhor informados do mundo e com menos problemas?!
O Sr. Deputado citou alguns dados estatísticos, mas volto a citar o inquérito que ontem foi divulgado pelo Eurobarómetro, que afirma claramente algo que não podemos deixar de ter em conta: à pergunta "Desejam que os comerciantes continuem com a dupla afixação dos preços?", 47% dos portugueses responderam que sim e 3% não têm opinião.
Portanto, mesmo que me digam que 50% responderam "não", o valor dos que responderam "sim" é suficientemente significativo.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou.

O Orador: - Pode corresponder a uma parte dos cidadãos, porventura, menos informados, mas é um valor suficientemente significativo para justificar a manutenção da dupla afixação.
É este o sentido da nossa proposta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Comunista Português apresenta este projecto de resolução, que visa a reintrodução, durante o ano de 2003, da dupla afixação de preços de bens e serviços, à partida, suposta ou ingenuamente, cheio de boas intenções.
Revela, em primeiro lugar, uma pretensa preocupação com o consumidor e, em segundo lugar, uma pretensa preocupação com a subida da inflação, supostamente causada pela introdução do euro, o que, como todos sabemos, não é totalmente verdade. Segundo o Eurostat, a introdução da nova moeda representa, apenas e no máximo, 0,16% da progressão mensal dos preços.
Agora, de duas uma: ou esta aparente boa intenção é causada pelo desconhecimento da realidade - o que, embora já seja um hábito, continua a ser mau - ou por trás dela está já o conhecido e famigerado método do Partido Comunista Português de, por todas as vias ao seu alcance, atrasar, dificultar e, se possível, boicotar o processo de uma verdadeira construção europeia.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não é verdade, Sr. Deputado!

O Orador: - Senão, vejamos: Portugal foi dos países que mais cedo iniciou a dupla afixação de preços - mais cedo do que muitos dos outros países da zona euro.
Assim, e não sendo o povo português diminuído em relação aos seus parceiros europeus, facilmente se conclui que o nosso período de adaptação, embora mais longo, foi, com toda a certeza, válido e eficaz.
Nesta medida, dizem-nos os dados mais recentes do Eurobarómetro que os portugueses se adaptaram bem à nova moeda fiduciária: 81% dizem-se à vontade com o uso da moeda e 72% confessam-se mesmo ligados ao euro.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Esta é que é uma boa estatística!

O Orador: - Portugal foi dos países, em comparação com os seus parceiros europeus, que com mais facilidade e empatia aderiu a esta nova realidade.
Como os Srs. Deputados do Partido Comunista devem estar informados, o escudo já não tem curso legal. Como tal, e de uma forma puramente objectiva, não pode nem deve fazer parte integrante das etiquetas de afixação dos preços dos produtos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como é fácil de verificar, o Partido Comunista, ao apresentar este projecto de resolução, revela, como referi, um desconhecimento da realidade do nosso país e, pior do que isso, da matriz cultural do nosso povo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

Risos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Orador: - Porém, se não for por desconhecimento da realidade, será com o intuito de atrasar o processo de consolidação do euro? Talvez! Mas aí, meus caros Deputados do Partido Comunista, o alargamento do prazo da dupla afixação de preços iria apenas diferir temporariamente a problemática em causa, no caso de ela existir.
Tudo na vida, Srs. Deputados, tem um princípio, um meio e um fim. O processo de transição foi suficiente longo e válido.
Os portugueses já tratam o euro por "tu": recebem os seus vencimentos em euros, levantam dinheiro das caixas Multibanco em euros, nas suas carteiras e nos seus bolsos só têm euros. O processo é, como vemos, irreversível.
Neste quadro e passado que foi o período de transição, podemos concluir com total garantia que Portugal e os portugueses já fazem as contas em euros, enfim, já pensam em euros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Apetece-me mesmo citar um ditado português bem conhecido: "Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje".
O prolongamento que VV. Ex.as pretendiam só iria atrasar, se não mesmo fazer andar para trás, o processo de cálculo mental da passagem do escudo para o euro.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas há mais, e VV. Ex.as não podem ser insensíveis a isso. A dupla afixação traz custos para todo o tecido económico, nomeadamente o comercial. Estes custos são desnecessários e completamente prescindíveis.
O que é fundamental, caros Deputados do Partido Comunista, é fornecer ao consumidor uma melhor informação quanto ao bem ou serviço, de forma a que ele possa avaliar a justeza do preço praticado. E não é através da comparação entre euros e escudos que isso se obtém.
Por último, a alusão que fazem à recomendação n.° 98/287 da Comunidade Europeia é imprecisa. Trata-se, tão-só, de uma simples comunicação e dela não decorre qualquer recomendação para os Estados-membros alargarem temporariamente a dupla afixação de preços.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Eu sei que, em muitas matérias, os Srs. Deputados do Partido Comunista gostavam que o tempo voltasse para trás. Mas permitam-me, nesta sexta-feira, algum sentido de humor: não se esqueçam que o vosso hino é o Avante, Camarada e não a célebre canção Ó Tempo Volta Para Trás.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga, com toda a serenidade, como são confrangedoras algumas das intervenções que os Srs. Deputados aqui fazem - e a sua própria, neste caso concreto - em relação aos temas em debate.
Os senhores não são capazes de usar argumentos com substância e, portanto, fazem um discurso perfeitamente marginal. Isso é confrangedor, Sr. Deputado. Acho que não dignifica a Assembleia, não o dignifica a si próprio como Deputado.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

Risos do Deputado do PSD Gonçalo Capitão.

O Orador: - "Intenção de atrasar", "Ó Tempo Volta Para Trás"… Sr. Deputado, tire essa cassette!

Vozes do PSD: - Cassette?!

O Orador: - Estude os problemas, entre no debate sério dos problemas! Isto não o valoriza!
O Sr. Deputado não ouviu a minha intervenção? Ouviu o cuidado com que apresentei o tema? Teve atenção ao equilíbrio com que procurei fazê-lo? Ouviu as vantagens e as desvantagens?

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Acha que é despiciendo este inquérito do Eurobarómetro que foi publicado ontem, segundo o qual metade dos portugueses entende que a dupla afixação deve manter-se por uma questão de informação?
Acha que o Governo de Espanha, que, aliás, é de centro-direita, ao manter a dupla afixação durante todo o ano de 2003, está a querer atrasar a introdução do euro em Espanha?
Em relação ao que ouvimos todos os dias na rua e, por exemplo, no programa Fórum, da TSF, em que os cidadãos são de opinião que se deve manter a dupla afixação por uma questão de informação, acha que é uma questão desprezível?
Sr. Deputado, o que pretendemos é ajudar, de facto, a dar uma informação ao consumidor. É nesta base séria que queremos fazer o debate.
Os senhores podem ter diferenças de opinião, discutam-nas com uma base séria e não na base de slogans completamente ultrapassados, completamente marginais ao debate, completamente confrangedores.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, pensei que, entre outras coisas boas - porque há algumas -, o Partido Comunista ainda tinha salvo o humor, mas, pelos vistos, até esse tem perdido,…

Risos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ó Sr. Deputado!

O Orador: - … o que, infelizmente, não contribui para o bom espírito cívico e democrático que deve reinar nesta Assembleia.
Com toda a certeza não ouviu a minha intervenção com a atenção que ela merecia e, mais do que isso, com a atenção com que ouvi a sua própria. É que os argumentos que aduzi, quanto ao outro lado da mesma questão, são tão suportados e tão estruturados como os seus próprios.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ouviu-se!

O Orador: - Deixe-me dizer-lhe duas coisas em relação ao que afirmou, além de que, como deve calcular, não lhe reconheço legitimidade para fazer julgamentos de competência, porque não é essa a sua missão aqui na Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deixe-me dizer-lhe que Espanha, exemplo que citou e que até deveria citar mais vezes - mas fico agradado por vê-lo fazer essa citação de vez em quando -, começou muito mais tarde do que nós o processo de transição, ou seja, necessita de mais tempo para habituação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está enganado! Não é verdade!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Prove-o!

O Orador: - Deixe-me dizer-lhe, ainda, que o que não dignifica a Assembleia é a sua terminologia, as suas constantes interrupções e o seu nervoso miudinho que começa a ser um hábito, mas que lhe fica mal e é feio.
Deixe-me dizer-lhe que os últimos dados do Eurobarómetro mostram que 81% dos portugueses sente-se à vontade com o uso da moeda e 72% confessa-se mesmo ligado a ela.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não diga asneiras! O senhor é ignorante!

O Orador: - Quanto à percentagem dos que não se sentem à vontade com o uso da moeda, 19%, tomara o Partido Comunista ter esta votação!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa que discutimos merece uma atenção especial e, por isso, deve ser analisada com todo o rigor, designadamente no plano técnico.
Por que motivo decidiu a Comissão Europeia, em Abril de 1998, recomendar a dupla fixação de preços? A fim de garantir, no período de transição, imediatamente antes e depois da introdução física do euro, uma rigorosa informação ao consumidor e a possibilidade de este fazer a comparação com base nas taxas de conversão dos preços e serviços do sector retalhista.
Aliás; em complemento dessa medida, adoptaram os Estados-membros, e especialmente Portugal, providências especiais de fiscalização a cargo da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, a fim de garantir a inexistência de abusos, designadamente em relação aos arredondamentos.
Daí que o Governo português tenha, pelo Decreto-Lei n.° 132/2001, complementado e executado a recomendação da Comissão, obrigando a dupla indicação de preços, entre 1 de Outubro de 2001 e 28 de Fevereiro de 2002, para a venda de bens a retalho e de prestação de serviços.
É evidente que a questão está em que terminou, há mais de um ano, esta obrigação da dupla fixação. É o ponto em que nos encontramos.
Dir-se-á que se verifica, em Portugal e noutros países do euro, um aumento de preços de muitos produtos e serviços para além da aplicação da taxa de conversão, indiciando uma prática especulativa de muitos agentes económicos, aproveitando a introdução da moeda única. Afirmar-se-á ainda que, com o fim da dupla fixação, este procedimento se agravou sem que o consumidor tenha possibilidade de controlar a conversão do preço de escudos em euros. Salvo melhor opinião, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estas considerações carecem em absoluto de razão, por cinco motivos de ordem estritamente técnica que eu resumiria.
Em primeiro lugar, hoje, a formação de preços a partir dos custos já não se faz em escudos mas em euros. Logo,

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deixou de fazer sentido fazer-se o controlo pela dupla fixação. De facto, a dupla fixação faz sentido num momento de transição, designadamente quando a maior parte dos custos foram avaliados e são expressos em escudos, coisa que não acontece hoje.
Em segundo lugar, se há especulação (e devemos ser absolutamente exemplares na sanção desta prática), ela já não se deve à conversão mas, sim, a práticas contrárias à concorrência ou à violação de normas relativas às actividades económicas - e estas têm de ser objecto da nossa atenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, se há práticas comerciais que caem na citada previsão de incumprimento das mais elementares normas de saudável prática do bom comércio, elas continuariam mesmo que a dupla fixação existisse, pois esta se faria no método inverso ao adoptado no período de transição. O comerciante fixaria o preço em euros e converteria este preço em escudos, pelo que ficaríamos exactamente na mesma.
Em quarto lugar, o modo de contrariar eventuais práticas especulativas ou tensões inflacionistas não é o que aqui vem proposto mas, sim, uma rigorosa e permanente fiscalização.
Em quinto lugar, a aprendizagem da nova moeda, que tem sido, em Portugal, excepcionalmente positiva, ao contrário do que muitos, num passado recente, antecipavam, não se aperfeiçoa com recuos ou com medidas que em nada protegem os consumidores ou os seus direitos, como ficou claramente demonstrado.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Bastaria ver, aliás, a atitude das principais associações de consumidores nesta matéria.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, por muito respeito que me mereça a associação de consumidores que refere, trata-se de uma pequena associação de consumidores, muito pouco representativa, como sabe. Basta comparar o número de associados das principais associações de consumidores com os da que referiu. Mas todas são de respeitar e, Sr. Deputado, é importante que refira essa associação. No entanto, a principal associação de consumidores não advoga esta solução, pelas razões que acabei de invocar.
Por outro lado, Sr. Deputado Lino de Carvalho, há duas razões técnicas adicionais que me permito referir.
Primeiro, o Banco de Portugal fundamentou num estudo técnico a conclusão a que chegou relativamente à incidência, muito reduzida, na inflação, da transição para o euro, sendo que o valor, em escudos, do euro já permitiria tensões inflacionistas. É que se o euro correspondesse a cento e noventa e nove escudos e qualquer coisa, teria pendência anti-inflacionista, mas como corresponde a duzentos escudos e qualquer coisa, exige, de facto, que tenhamos atenção a isso. E essa atenção foi tida em consideração devida.
É preciso vermos a opinião dos consumidores e, naturalmente, estamos atentos ao que referiu. Por acreditarmos no mercado, entendemos que cabe aos próprios comerciantes, na relação comercial, que essa informação ao consumidor seja feita, se for necessária.
No entanto, não faria sentido, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estarmos a regressar a mais de um ano atrás, uma vez que isso não fizeram os espanhóis. Não houve qualquer solução de continuidade relativamente à solução espanhola e os nossos prazos, Sr. Deputado, foram, de facto, mais apertados.
Nesse sentido, a circulação do escudo já terminou e o período de troca relativamente ao escudo também já terminou.
Naturalmente, Sr.as e Srs. Deputados, a grande questão é outra, é a questão do respeito pelo mercado e pelas regras da concorrência. Essas têm de ser nossa preocupação, designadamente na vigência da Autoridade da Concorrência, e sempre entendemos que deve ser salvaguardada a maior independência dessa Autoridade para que a concorrência seja perfeitamente salvaguardada.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, isto é o essencial que tenho a dizer sobre esta matéria.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de resolução que nos é apresentado tem na sua base preocupações importantes e meritórias, desde logo a questão da defesa dos consumidores, e, por outro lado, uma hipotética questão de inflação. É bom que esta matéria seja debatida.
No entanto, a forma como a questão nos é apresentada gera em nós as maiores dúvidas.
Não vou tanto para o aspecto mais secundário que poderia gerar dúvidas, sendo originário de quem é. Possivelmente, melhor seria, para alguns, que o euro nem sequer existisse. Mas não é essa a questão fundamental que aqui nos traz. Consideramos que este projecto de resolução falha nos meios, esquece a realidade, tem deficiências de natureza técnica, não levaria ao resultado que todos pretendemos.
Vamos, então, à realidade. Vamos ver o que aconteceu.
Como certamente sabem, a introdução da moeda única foi a maior operação de moeda da História. Necessitou da intervenção de particulares, de empresas, de instituições públicas, levou até a uma enormíssima campanha de informação em relação aos cidadãos, levou, também - e este é o aspecto fundamental que há pouco foi referido -, a importantes operações de fiscalização que têm precisamente o objectivo que o Sr. Deputado Lino de Carvalho expressou, o da defesa dos consumidores e, também, o da defesa de uma sã economia de mercado.
Não se pode dizer que a introdução da nova moeda tenha sido feita a um ritmo lento. Não foi. É preciso recordar dados de Janeiro de 2002, que são importantes e que, desde logo, nos relançam na realidade que vivemos.
Logo durante o mês de Janeiro de 2002, a maioria dos pagamentos em numerário já era efectivamente feita em euros. As grandes superfícies comerciais serviram quase como uma espécie de aspirador em relação à antiga moeda. Portanto, o circuito económico foi rapidamente invadido pelos euros.
Repare, Sr. Deputado: no dia 1 de Janeiro, apenas 10% do total dos levantamentos feitos foi realizado em escudos. Durante os primeiros dias desse ano, aproximadamente 25% a 30% das transacções do pequeno comércio é que ainda eram feitas em escudos; depois, para o fim do mês,

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estávamos com valores totalmente diferentes. E, obviamente, não é necessário continuar, porque se sabe bem do sucesso ocorrido e do sucesso que também ocorreu nas transacções do pequeno comércio.
Por outro lado, parece-me, Sr. Deputado, que, em relação à questão da inflação, há uma falha. É que, se virmos esse aumento da inflação a nível geral da União Europeia, encontramos claramente diferentes factores para explicá-lo que não propriamente o euro. Pense no aumento de certos impostos; no aumento dos preços petrolíferos; no aumento em relação a bens de natureza alimentar. E numa pequena parte, que está estimada em aproximadamente 0,16%, é que se considera o tal fenómeno do euro. Portanto, a primeira das preocupações que exprimiram com este projecto não tem razão de ser quanto à solução que apresentam.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas falemos também no que pensam os cidadãos. E o juízo sobre, por exemplo, a eficiência da fase preparatória, daquela que nos preparou para a entrada do euro, leva a que, em média, três quartos dos cidadãos se consideravam muito bem preparados já no dia 1 de Janeiro de 2002. Por exemplo, em relação à questão de manusear os euros, uma pessoa em cada cinco declarou, no fim de Janeiro desse ano, ainda ter dificuldades, mas já só uma em cada 35 declarou ter muitas dificuldades - estamos a falar de dados que já são de há mais de um ano.
Mas vamos também ao país real, ao país real que há pouco referiu. E aí vemos, pelo tal Eurobarómetro, que 81% dos portugueses usam com facilidade o euro, 72% dos portugueses já assumem uma relação verdadeiramente eficiente com o mesmo, e que as empresas também conseguiram que as suas contabilidades estivessem, de facto, e de forma eficiente, estabelecidas em euros.
É evidente que é necessário um período de transição, ninguém o nega. Mas esse período de transição já existiu. É como tudo: há um dia em que acaba. E há um dia em que não é tecnicamente possível continuarmos com soluções como aquelas que os senhores aqui nos trazem. Desde logo, porque há outras que são melhores. Por exemplo, a fiscalização, ou seja, tomar uma opção mais activa em relação à necessária fiscalização e à defesa da sã concorrência, numa economia de mercado como aquela que claramente defendemos.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A adopção do euro, goste-se ou não, é um processo irreversível. Por isso, parece-me que não teria muita lógica, no plano, desde logo, legal, assumir uma referência a uma moeda que deixa de ter curso legal. E mesmo que existam - e não se pode aqui negá-lo - algumas dificuldades de adaptação, se calhar marginais, em relação ao euro, não era estabelecendo, porventura, mais confusão - e mais confusão de uma forma generalizada - que iríamos resolver o problema.
O mercado e a opção dos comerciantes são aí obviamente fundamentais. E nós defendemos essa mesma liberdade. Agora, o que não podemos considerar é uma determinação como aquela que pretendiam aqui fazer, porque isso poderia gerar confusão em relação àquelas pessoas que, desde há muito tempo, recebem os seus extractos bancários e as suas variadas contas domésticas em euros e, portanto, poderíamos estar a incorrer numa situação que apenas iria criar mais dificuldades. Ora, o que pretendemos é não só que exista o euro mas também que a realidade do euro seja uma realidade eficiente, no que diz respeito à concorrência e à utilização de uma economia de mercado.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ninguém poderá ignorar que a introdução do euro, do ponto de vista do seu manuseamento e do cálculo mental, foi um êxito entre os portugueses.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - De algum modo, já assim se esperava porque, em economias "dólarizadas", com níveis de alfabetização popular bastante inferiores à portuguesa, havia um domínio muito razoável de um câmbio constante. O mesmo se esperava em relação ao nosso país, e assim aconteceu. E isso também foi facilitado por uma taxa de conversão que era relativamente mais fácil do que outras taxas de conversão de outros países na União Europeia.
O que estamos aqui a discutir é uma iniciativa com mérito e que deve ser apreciada pelo seu mérito. E talvez não seja justificável desenvolver um conjunto de polémicas que nada têm a ver, creio, com os considerandos desta iniciativa.
Não estamos aqui a discutir se ela é anacrónica ou diacrónica, se é patriota ou europeísta, se é antagónica ou não da fiscalização ou, pura e simplesmente, se é o único instrumento de defesa do consumidor. Os autores da proposta não a justificaram dessa forma e não é disso rigorosamente que se trata.
Aliás, também não sei em que estudos de epistemologia sobre o processo cognitivo se inspiraram alguns dos opositores a esta proposta para descobrir que o facto de haver uma dupla afixação de preços dificulta um cálculo mental unívoco apenas em euros. Isso seria uma descoberta científica espantosa, que não conheço, de psicólogos do conhecimento, assim como desconheço qualquer pessoa que, tendo obra em epistemologia, tenha chegado a uma tal conclusão. Mas, às vezes, aqui, às sextas-feiras de manhã, aprende-se qualquer coisa…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Oh!

O Orador: - Entrando no essencial, e afastando um conjunto de polémicas que não têm qualquer sentido, a verdade é que, Sr.as e Srs. Deputados, na Europa, em vários Estados-membros, há dupla afixação de preços, até por iniciativa das cadeias comerciais. Também os extractos bancários de bancos muitíssimo superiores a qualquer banco nacional continuam, em vários Estados-membros, a ter dupla indicação de valores, na antiga moeda nacional e em euros. Por exemplo, em França, na Alemanha, na Holanda, em Espanha (exemplo já aqui citado) mantém-se a dupla afixação de preços. Não vejo, pois, por que motivo isso não poderia ser aplicado entre nós! Aliás, em Portugal, há cadeias de supermercados, há vários comerciantes que mantêm a dupla afixação de preços.

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O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Mas não é obrigatório!

O Orador: - Portanto, não seria nenhuma ruptura, descontinuidade, retrocesso, involução ou algo de diabólico o que se está aqui a propor, mas tão-só uma ajuda ao consumidor, e uma ajuda que, pragmaticamente, podia ser feita.
De que consumidor estamos nós a falar? Estamos a falar dos consumidores mais idosos, dos menos instruídos, dos menos cultos e tendencialmente dos mais pobres da nossa sociedade.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - E se esses pudessem ter uma ajuda durante mais algum tempo para se habituarem à nova moeda e à conversão dos preços, nós estaríamos seguramente a defender, e durante um período razoável e transitório, um dos elos mais frágeis da nossa sociedade.
Sem olvidar, porque é disso que se trata, que o processo objectivo de domínio da moeda é, como se pode atestar em qualquer estudo sobre o assunto, a partir da percepção do rendimento em determinada moeda, o caminho do rendimento para o consumo. É isso que faz a percepção objectiva da moeda e isso fará inevitavelmente o seu curso, como está a fazer.
Saúdo, pois, esta iniciativa do Partido Comunista Português, que nada tem de involução, visando tão-só ajudar alguns dos sectores mais frágeis da nossa sociedade a passar melhor esta transição para um outro domínio monetário.

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, a quem o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes cedeu 2 minutos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero registar e até agradecer aos Srs. Deputados Luís Fazenda, Diogo Feio e Guilherme d'Oliveira Martins os termos em que intervieram no debate, designadamente estes dois últimos, porque, embora discordando, avançaram com argumentos substanciais que, em sua opinião, entendem poder demonstrar a inoportunidade de se voltar à dupla afixação de preços defendida no nosso projecto de resolução.
Permitam-me, em todo o caso, Srs. Deputados, discordar dos vossos argumentos. Em primeiro lugar, porque o debate foi descentrado. De facto, nós não estamos a propor a reintrodução do escudo, não estamos a propor a reposição do período de transição entre as duas moedas. Nem estamos a discutir as condições de maior ou menor facilidade com que o euro passou a fazer parte do nosso quotidiano.
O que estamos a defender é simplesmente a necessidade de, face à experiência acumulada, aos próprios inquéritos do Eurobarómetro que citei e que saíram ainda ontem e à experiência de outros países, se poder manter, durante mais algum tempo (a Comissão Europeia propõe até Junho de 2003, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - … e nós propomos até Dezembro de 2003, face à realidade específica do nosso país), essa dupla afixação, exactamente porque, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins - e essa foi uma frase curta da sua intervenção, mas significativa -, Portugal foi um dos países que teve os prazos mais apertados em relação à transição e à obrigatoriedade de, por via legal, manter a dupla afixação. Ora, é exactamente porque teve os prazos mais apertados que, se calhar,…

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Já terminaram!

O Orador: - Reconhecemos que já terminaram, Sr. Deputado! Mas é exactamente por isso que, se calhar, não se criaram condições instrumentais suficientes para ajudar o cidadão a percepcionar a dimensão do valor da moeda - já não estamos a fazer a discussão sobre se contribuiu muito ou pouco para a inflação, isso já passou!
E a verdade, o que o país real nos diz, Srs. Deputados, é que, em muitos pontos do nosso país, nas zonas rurais, se nota que as populações mais idosas, mas também as populações mais jovens (estranhamente, a acreditar no inquérito ontem divulgado) sentem ainda a necessidade de ter alguma alavanca que os ajude a fazer mentalmente o cálculo e a percepcionar a dimensão do valor da moeda.
Nós reconhecemos, Sr. Deputado Diogo Feio, que o que propomos pode ter uma desvantagem: a de atrasar o cálculo mental automático. Reconhecemo-lo. Mas é neste balanço entre uma maior informação aos consumidores, como dizia o Sr. Deputado Maximiano Martins, e bem, e alguma desvantagem que isso pode ter que nós nos posicionamos. E, em nossa opinião, tendemos claramente para a vantagem de repor esta dupla afixação, nem que seja como mera recomendação, como hoje, aliás, ainda acontece com muitos agentes económicos que a mantêm, …

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou.

O Orador: - … porque reconhecem essa necessidade, e como está a acontecer em vários países da Europa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, também para uma segunda intervenção.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, intervenho apenas para dizer que gostaria que este debate funcionasse pedagogicamente junto dos comerciantes e dos consumidores, no sentido de ser sempre prestada a máxima informação. Penso, porém, que esta iniciativa não permite resolver o problema que lhe está subjacente e que existe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, concluída a discussão deste projecto de resolução, passamos

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ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, que consta da apreciação do Decreto-Lei n.º 314-A/2002, de 26 de Dezembro, que aprova as modificações ao contrato de concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas outorgado à Brisa - Auto-Estradas de Prtugal, SA [apreciações parlamentares n.os 43/IX (PCP) e 44/IX (PS)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresenta hoje, durante este debate, um projecto de resolução determinando a cessação de vigência do Decreto-Lei que reintroduziu as portagens na CREL.
Do nosso ponto de vista, será essa a única solução justa, a única solução lógica para o ordenamento das acessibilidades na parte norte da Área Metropolitana de Lisboa e que corresponde ao sentimento, quase generalizado, das populações, dos utentes e dos autarcas que se preocupam realmente com o bem-estar e a qualidade de vida dos seus munícipes.
Quando, em 1995, o Governo de então decidiu abolir as portagens na CREL, cumprindo, aliás, uma promessa eleitoral, pesou nessa decisão, segundo o preâmbulo do diploma que efectuou essa abolição, o facto da CREL ser "a única via de grande capacidade que permite aliviar a pressão no centro urbano de Lisboa do tráfego que se desloca no eixo oeste/norte, sem necessidade de penetrar na cidade".
Na verdade, a CREL corresponde a uma via estruturante decisiva para o descongestionamento dos acessos à cidade de Lisboa, na medida em que permite evitar que todo o trânsito proveniente dos concelhos de Cascais, Sintra e Amadora com destino ao norte do País e à zona norte de Lisboa seja canalizado pelo IC19 e pela 2.ª circular (zonas já congestionadíssimas) e permite, igualmente, que as populações provenientes dos concelhos de Vila Franca de Xira, Loures e Odivelas possam aceder às zonas sul e oeste de Lisboa sem terem de passar pela A1 ou pela Calçada de Carriche.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A reintrodução de portagens na CREL não tem qualquer lógica do ponto de vista do ordenamento do trânsito nos acessos a Lisboa, e tem apenas como objectivo a angariação pelo Governo de recursos financeiros que lhe permitam, no curto prazo, cumprir objectivos de redução do défice público. A palavra de ordem do Governo em relação à CREL é simples: os utentes que paguem a crise!
Com esta decisão, os utentes pagam a crise com "língua de palmo" (como se costuma dizer). Quem tiver de efectuar, diariamente, o trajecto correspondente à CREL nos dois sentidos, desembolsa diariamente 5 euros, o que, como está bem de ver, pesa muito duramente na bolsa de uma família ao fim do mês.
Quais são as consequências desta medida? Para já, uma redução de 25% da circulação na CREL, segundo estimativas recentes, e perguntar-se-á para onde foram esses utentes. Obviamente, muitos andam no IC19 e na 2ª circular, outros andam na A1, entre Alverca e Lisboa, outros andam na A8 a caminho da Calçada de Carriche, todos a ter de suportar os congestionamentos diários que caracterizam essas vias.
Afirma o Governo que a extinção da portagem da CREL, em 1995, correspondeu a uma medida eleitoralista. Direi melhor: que correspondeu ao cumprimento de uma promessa que havia sido feita, com muita insistência, na campanha eleitoral e que foi objecto de um debate pré-eleitoral intenso na Área Metropolitana de Lisboa. Agora, o que se pode dizer desta medida do actual Governo é que se tratou de uma medida pós eleitoralista, porque não consta de nenhum documento de campanha eleitoral, nem do PSD, nem do CDS-PP, nem do Programa do Governo.
O PSD e o CDS-PP, antes das últimas eleições, prometeram, de facto, muitas coisas: prometeram baixar os impostos; prometeram melhores salários e prometeram melhores reformas e pensões, mas não prometeram, em momento algum, e em documento algum, repor as portagens na CREL.
E ninguém esperaria que o fizessem, tendo em conta as posições que o PSD e CDS-PP manifestaram na última Legislatura em matéria de portagens.
A propósito das portagens na A8, até ao Bombarral, os Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP afirmaram a pés juntos que nunca teria sido intenção dos governos do PSD, até 1995, onerar essa auto-estrada com portagens, na medida em que não existia uma alternativa aceitável para o acesso à Região Oeste.
E desenvolveram, ao nosso lado, uma intensa luta contra as portagens do Oeste, que incluiu até a apresentação de uma iniciativa legislativa nesta Assembleia, visando a sua abolição, e suscitou, até, uma iniciativa editorial da parte do actual Secretário de Estado Feliciano Barreiras Duarte, que tem permanecido estranhamento silencioso em todo este processo.
Importa perguntar quais são as alternativas oferecidas aos utentes que não queiram, ou não possam, pagar as portagens na CREL. As "alternativas" são conhecidas: IC19, 2ª circular, A1, Calçada de Carriche, ou seja, não há alternativas! E foi precisamente por não haver alternativas que se construiu a CREL, por se reconhecer que a existência de uma circular exterior era indispensável para descongestionar o trânsito nos acessos a Lisboa e para desviar o trânsito de passagem do interior da cidade.
Vem agora o Governo dizer que, como contrapartida ao pagamento de portagens na CREL, serão construídas novas vias e criadas algumas alternativas de transporte que não teriam sido feitas devido à falta de portagens na CREL. Agora sim, que há portagens, é que irão avançar a CRIL, o IC16, o alargamento do IC19, e por aí fora.
Importa dizer, a esse respeito, que essas tais vias se encontram prometidas há muitos anos, que muitas delas já deveriam estar concluídas há muito se todos os Governos cumprissem as promessas que fazem e que nunca nenhum Governo fez depender a sua execução da imposição de portagens na CREL.
O facto de o Governo reconhecer que a CRIL já deveria estar concluída, e não está (nem se sabe quando estará ou sequer quando serão recomeçadas as obras do troço em falta); o facto de o Governo reconhecer que o IC16 e o IC30 deveriam estar concluídos, e não estão; o facto de o Governo reconhecer que o IC19 deveria estar alargado, e ainda não está; o facto de o Governo reconhecer

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que já deveria estar concluída a ligação da CREL ao nó do Carregado, e também não está; o facto de o Governo reconhecer que já deveria estar concluído o eixo norte-sul, e também não está; o facto de o Governo reconhecer que a linha de Sintra deveria ser quádrupla até ao Cacém, e também não é; o facto de o Governo reconhecer que já deveria existir metropolitano até à Amadora, até Odivelas e até Sacavém, e ainda não existe, são todas estas razões não para haver portagens na CREL, mas precisamente para não haver.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O facto de todas estas medidas estruturantes estarem por concretizar só revela a tremenda injustiça da existência de portagens na CREL, tanto mais que o Governo está farto de saber que o dinheiro que os utentes agora pagam não tem nenhuma relação directa com essas obras, mas apenas com os objectivos de cumprimento do défice público imposto pelo Pacto de Estabilidade. Até porque a reintrodução de portagens na CREL é uma medida avulsa de carácter orçamental.
O Decreto-Lei de 1995 aboliu todas as portagens nos primeiros troços de auto-estrada contíguos aos dois grandes centros urbanos do País. Foram, assim, abolidas as portagens na CREL, no troço Porto-Ermesinde da A4 e no troço Porto-Maia da A3, e ainda bem para os utentes e para o País que o Governo não se lembrou de reintroduzir todas as portagens que foram eliminadas nessa altura! Seria uma tremenda injustiça, mas o facto de só ter reintroduzido as portagens na CREL revela o carácter avulso dessa medida e a sua completa falta de lógica.
O PCP considera inteiramente pertinente e adequado que não existam portagens nos primeiros troços de auto-estrada contíguos aos centros urbanos de Lisboa e do Porto e daí que considere que não devem existir portagens dentro dos limites correspondentes ao perímetro da CREL, em Lisboa, e da CREP, no Porto.
É esse, aliás, o sentido de um projecto de lei que o PCP vai entregar na Mesa da Assembleia da República e é também nesse sentido que o PCP propõe a cessação de vigência do decreto-lei que reintroduziu as portagens na CREL. A maioria, hoje, poderá opor-se, contrariando um elementar dever de justiça e insistindo em penalizar violentamente as populações da Área Metropolitana de Lisboa, mas o PCP continuará a lutar, ao lado das populações e dos autarcas que prezam as populações que representam, contras as portagens na CREL, e estamos certos de que será essa a solução num futuro mais ou menos próximo.

Entretanto, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No dia 9 de Setembro de 1995 foi inaugurada a CREL. Os veículos de classe 1 e 2 pagavam portagem, os restantes veículos estavam isentos. Três meses depois, mais precisamente a 16 de Dezembro, o novo Governo, eleito em Outubro, decreta a abolição das portagens na CREL por esta ser "a única via de grande capacidade para retirar o tráfego do centro de Lisboa".
E porque, lamentavelmente, mudando os governantes, mudam as opções, sete anos depois, sem qualquer justificação, as portagens são reintroduzidas na Circular Regional Exterior de Lisboa, com a originalidade de obrigar ao pagamento todo o tipo de veículos, incluindo os de transporte de mercadorias, designadamente os que abastecem o MARL.
Trata-se, assim, de uma decisão inaceitável, desenquadrada de uma análise global do grave problema das acessibilidades e mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa e não articulada com a criação das autoridades metropolitanas de transportes. A introdução de portagens na CREL não tem, pois, justificação. É tecnicamente errada, socialmente injusta, ambientalmente incorrecta e financeiramente inaceitável.

Aplausos do PS.

É tecnicamente errada, porque, tratando-se de uma via distribuidora de tráfego, não deve ter barreiras. E por ser uma via circular, que retira o trânsito da capital, não deve penalizar os utentes.
É socialmente injusta, uma vez que sobrecarrega os magros orçamentos familiares de quem não tem alternativa e já perde anos de vida nas deslocações casa/trabalho, o que significa também desgaste psicológico e perda de produtividade.
É ambientalmente incorrecta, porque, ao criar barreiras à livre circulação, obriga muitos utentes a optarem pelo atravessamento dos centros urbanos, aumentando o consumo de combustível e a poluição.
É financeiramente inaceitável, porque a receita das portagens não se destina a investir na melhoria da rede viária e do sistema de transportes públicos da Área Metropolitana de Lisboa, servindo apenas para reduzir artificialmente o défice orçamental.

Aplausos do PS.

A Oradora: - Tudo isto porquê? Para o Ministério das Finanças poder arrecadar, mesmo no final de 2002, providencialmente, 288,42 milhões de euros. Esta receita extraordinária a somar aos 365 milhões de euros da venda da rede fixa de telecomunicações representam um expediente utilizado pelo Governo para fingir que controlou o défice público.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - Esta forma de malabarismo pode ser que resulte, mas, no futuro, como vai ser? Vendidos os "anéis" em 2002, resta ao Governo vender os "dedos". Será que vai portajar todos os itinerários principais e complementares e repor, inclusive, a portagem na ponte de Vila Franca, abolida no tempo da Eng.ª Lurdes Pintasilgo?
Bem pode o Governo argumentar a favor das portagens na CREL que não convence: a Sr.ª Ministra das Finanças invocou o princípio do utilizador/pagador, acrescentando não achar justo que os transmontanos, por exemplo, paguem os custos de uma via que não utilizam.
Argumento demagógico e perigoso este, pois, por esta ordem de ideias, as infra-estruturas da Madeira não deveriam ser pagas pelos impostos dos continentais, que as não usam, e que, na sua maioria, nem sequer conhecem o arquipélago.

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Aplausos do PS.

A Oradora: - A distribuição dos dinheiros públicos deve ser feita por todo o território em função das necessidades e das disponibilidades gerais e independentemente da capacidade de cada região gerar riqueza. Aliás, em nome da justiça social, da correcção das assimetrias regionais e da coesão nacional, a concentração do investimento público deve ser proporcionalmente maior nas zonas mais pobres, mais carenciadas e que menos produzem.
Este tipo de argumentação - quem utiliza é que deve pagar - não é aceitável e pode lançar portugueses de uma região contra portugueses de outra.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas acha que as auto-estradas devem ser portajadas. Estamos de acordo, desde que os utentes tenham alternativa não paga. Acontece que, neste caso, infelizmente não têm, Sr. Secretário de Estado.
O mesmo Governo que obriga a pagar a utilização da única via que pode retirar trânsito dos centros urbanos da Área Metropolitana de Lisboa é o responsável pelo atraso da obra de alargamento de mais um troço do 1C19 e pela anulação do concurso de construção/concessão do 1C16, IC30 e do fecho da CRIL, o que representa um inaceitável compasso de espera para os que vivem, trabalham e estudam nos concelhos servidos pelo saturadíssimo IC19, especialmente os do concelho de Sintra que, sublinhe-se, é o segundo maior concelho do País.

Aplausos do PS.

Custa, aliás, a crer que este Governo, que, repito, anulou o concurso de construção do IC16, do IC 30 e do fecho da CRIL e que está a atirar para as calendas a resolução do grave problema das acessibilidades, tenha o desplante de penalizar ainda mais os já sacrificados contribuintes, obrigando-os a pagar a mobilidade que lhes nega e as alternativas que não constrói.
O Governo tomou uma decisão errada, injusta, inaceitável! Faz, por isso, todo o sentido a apreciação parlamentar requerida pelo Partido Socialista. O Governo fez um péssimo negócio para o Estado e para as pessoas, há, por isso, perguntas pertinentes a exigir resposta.
Qual o momento previsível para o alargamento da via de três para quatro faixas? Com que movimento? Em que ano? E como se compatibilizam os encargos contratuais da Brisa com a diminuição de 25% do tráfego (pela introdução de portagens) e mais 25% quando for concluída a CRIL? Quantos quilómetros vão ser alargados, tendo em conta a ligação à A10? O Governo isentou a Brisa do alargamento dos túneis? Se não o fez, como vai ser feito esse alargamento?
São estas, e outras perguntas, que constam do requerimento que entregaremos no final da minha intervenção.
Com este pedido de apreciação parlamentar, o PS pretende confrontar o Parlamento com o problema de muitos milhares de portugueses, esperando que os eleitos do povo não fujam às suas responsabilidades para que, com o seu voto, anulem a decisão do Governo.

Aplausos do PS.

Recordo, a propósito, que autarcas de todos os partidos enviaram moções, repudiando a medida e delegando nos Deputados a solução do problema. Serve de exemplo o texto da Câmara Municipal de Sintra, aprovado por unanimidade, aprovado pelos quatro partidos representados no executivo: "Que sejam por este órgão de soberania exercidas as suas competências, utilizando os respectivos mecanismos de controlo democrático, no sentido da suspensão da deliberação do Conselho de Ministros, em nome da justiça, igualdade e coesão nacional".

Aplausos do PS.

Do Governo, já se viu, não podem os cidadãos esperar solidariedade. E da Assembleia da República? Dos Deputados que os representam? A causa é nobre, o desafio está lançado, o resultado depende exclusivamente da vossa vontade, Sr.as e Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Machado Rodrigues.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Os Grupos Parlamentares do Partido Socialista e do Partido Comunista requereram a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 314-A, de 26 de Dezembro de 2002, que aprova as modificações ao contrato de concessão outorgado à BRISA, nas quais está incluída a reintrodução de portagens na CREL.
Com esta reintrodução das Portagens na CREL, fecha-se a malha da rede com portagens entre a A1 e a A5…

O Sr. José Junqueiro (PS): - E fecha-se a malha dos impostos!

O Orador: - … e coloca-se a utilização da CREL no mesmo regime, ou seja, em condições de igualdade com o previsto no Decreto-Lei n.º 119-B, de 14 de Abril de 1999, do governo do Partido Socialista, para o IC24 - Circular Regional Exterior do Porto.
Entre esta deliberação governamental de reintrodução das portagens na CREL e esta apreciação parlamentar ouviram-se algumas vozes e assistiu-se a alguns movimentos de contestação com marca política evidente e pouca expressão popular.
Tanto assim é que as vozes foram baixando de tom e os movimentos foram perdendo aderentes, da contestação às portagens na CREL passou a assistir-se a contestações a todas as portagens, só que quanto maior passou a ser o leque das portagens visadas, menor passou a ser a expressão da contestação, o que significa que nem entre os opositores há o reconhecimento de justificação para tratamentos diferenciados, porventura com a excepção, para cada um, do caso que pessoalmente lhe toca.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Não se iluda, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a minha apreciação e a do Grupo Parlamentar do PSD da deliberação tomada pelo Governo é a de que foi uma decisão certa, por três ordens de razões: em primeiro lugar, porque é socialmente justificada; em segundo lugar, porque era necessária; e, em terceiro lugar, porque é estrategicamente correcta.
A reintrodução das portagens comporta a reafirmação do princípio do utilizador/pagador e a inerente equidade que esta solução comporta.

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Os investimentos de utilização pública, salvo nalguns casos muito específicos em que constituem contrapartidas de benefícios obtidos por entidades privadas, encontram o seu suporte financeiro numa de duas origens: ou são pagos pelos seus utilizadores ou são pagos pelos contribuintes de todo o País.
Num país como o nosso ainda é hoje, com necessidades básicas ainda por satisfazer, com as funções sociais do Estado condicionadas por meios financeiros limitados e com a maior parte do território nacional apresentando níveis de riqueza da sua população bem longe da média nacional, a prioridade da aplicação dos impostos dos portugueses não reside, certamente, em conferir a utilização gratuita de auto-estradas aos transportes individuais que circulam nas zonas mais desenvolvidas do País e às frotas das empresas que nessas zonas têm as suas actividades.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como alguém dizia recentemente, há com certeza outras necessidades mais prementes para a solidariedade dos portugueses.
Por outro lado, é urgente diminuir os enormes custos colectivos em termos de poluição, consumo energético e utilização de espaço associados ao uso excessivo de transporte individual, nomeadamente nas zonas mais congestionadas, geralmente coincidentes com áreas metropolitanas.

O Sr. José Sócrates (PS): - Não sabe do que está a falar!

O Orador: - Para isso têm de se criar transportes públicos modernos e eficazes. A sua existência pressupõe investimento que, em boa parte, é suportado pelos impostos dos portugueses e que irá beneficiar aqueles que agora são chamados com o pagamento de portagens a não sobrecarregarem o Orçamento do Estado, permitindo redireccionar meios para a consecução mais rápida do desenvolvimento do transporte público.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por todas estas razões, considerei socialmente justificada a decisão que, hoje, apreciamos e, Sr. Presidente e Srs. Deputados, considerei-a também necessária.
O governo do Partido Socialista lançou um conjunto de concessões de auto-estradas em que o pagamento de portagens seria a suportar pelo erário público. São as célebres SCUT.
As projecções dos encargos para o Estado com estas concessões mostram que o Estado teria de desembolsar, até ao ano 2031, um montante de cerca de 15 000 milhões de euros (3000 milhões de contos), o que representa seis vezes a verba inscrita no Capítulo 50 do PIDDAC de 2003 - que espelha os encargos directos do Estado - para o conjunto de todos os ministérios.
Isto dá bem a ideia da magnitude da questão: depois de o encargo anual com as SCUT atingir, já em 2004, mais de 63 milhões de euros, mais que quadriplica em 2005, ascende a valor superior a 630 milhões de euos em 2007 e mantém-se em valores dessa ordem de grandeza nos 15 anos seguintes.
Fixemo-nos no ano de 2008, em que o valor dos encargos do Estado com as SCUT correspondentes às portagens virtuais, de acordo com as projecções feitas, seria de 650 milhões de euros e procuremos enquadrar esse valor no que seriam, nesse ano, as verbas do PIDDAC relativas a encargos do Estado, ou seja, as inscritas no Capítulo 50.
Se adoptarmos um crescimento de 4,5% ao ano para as verbas que constam do PIDDAC para 2003, teríamos em 2008 as seguintes dotações: na totalidade dos ministérios, 3080 milhões de euros; no sector de transportes e comunicações, 1027 milhões de euros, dos quais para as rodovias, que é de onde os pagamentos das portagens virtuais teriam de sair, e eles não são comparticipados, 703 milhões de euros.
Ou seja, os encargos com portagens representariam mais de 20% do total das dotações do orçamento de investimento do Estado nesse ano, mais de 65% dos investimentos na área dos transportes e comunicações e esgotariam, praticamente, a totalidade dos investimentos no sector rodoviário.
Quer dizer, não restariam quaisquer verbas nem para reparar e conservar estradas ou pontes, nem para construir novas vias, nem sequer para fazer as expropriações de terrenos onde as novas vias deveriam passar.
Com razoabilidade se há-de reconhecer que não se pode deixar que aconteça este cenário, o cenário para o qual a imprudência e o facilitismo dos governos do Partido Socialista, se não fossem corrigidos pelo voto popular de Março de 2002, empurrariam o País.

O Sr. João Pedro Moutinho (PSD): - É uma vergonha!

O Orador: - São necessárias correcções, correcções difíceis mas necessárias, e para as fazer é indispensável que, previamente, estejam corrigidas situações de conteúdo similar relativamente às quais muito menos razão haveria para que o Estado assumisse os encargos com portagens que, reconhecidamente, não pode suportar extensivamente.
Por tudo isto, a decisão de reintrodução de portagens na CREL foi, na minha opinião, além de socialmente justa, necessária.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a terceira ordem de razões que mencionei para considerar certa a decisão tomada, é de que ela é estrategicamente correcta.
A mobilidade nas áreas metropolitanas com grande pressão populacional exige soluções e investimentos, tão mais difíceis e mais complexos quanto mais essa pressão aumenta, com os custos inerentes à sua realização a crescerem cada vez mais.
Naturalmente que, para a economia do País, no seu todo, os encargos reais das actividades desenvolvidas nessas regiões, ou das produções aí realizadas, incorporam esses custos.
Mas quando o Estado assume esses custos, progressivamente mais vultosos, como disse, e necessariamente os dilui na totalidade da população do País, está indirectamente a subsidiar os custos de produção - chamemos-lhe assim - de certas áreas, no caso as áreas de maior densidade populacional e de maior poder de compra e a distorcer artificialmente a competitividade relativa das várias regiões do País.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Distorção que tem como efeito perverso, e espero que todos o consideremos perverso, favorecer as macrocefalias, com todo o cortejo de consequências, de agravamento dos problemas e de aumento da espiral de custos para os resolver.
Distorção que, simetricamente, contraria as desconcentrações dos grandes meios, enviesa decisões de localização de investimentos, não trava fluxos de população fragilizantes e limita as possibilidades do desenvolvimento das zonas menos desenvolvidas, agravando as assimetrias entre as várias regiões e os desequilíbrios no conjunto do País.
E, assim sendo, Sr.as e Srs. Deputados, não há coerência nem racionalidade nas posições, que, por vezes, vemos, dos mesmos que reclamam contra as portagens na CREL e tantas outras matérias da mesma índole e, simultaneamente, aparecerem a defender o desenvolvimento regional.
Por tudo isto, na medida que não acolhe este tipo de distorção artificial da competitividade relativa entre as grandes metrópoles e o resto do País em favor das primeiras, a decisão do Governo de reintrodução das portagens na CREL é estrategicamente correcta e confirma que este Governo, entre a popularidade fácil e o interesse geral, não hesita.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O que é isso de popularidade fácil?!

O Orador: - Por ser necessária, socialmente justificada e estrategicamente correcta, a deliberação que apreciamos foi uma deliberação certa, à qual, convictamente, dou, e damos, o nosso apoio.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Até o Sr. Secretário de Estado Vieira de Castro está espantado!

O Orador: - Portugal tem de ser pensado e governado numa óptica de gerações e não na visão curta de interesses e facilitismos imediatos. Esta é a diferença que o País exige.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: Muito rapidamente e em curtos comentários, começo por dizer que, em momento oportuno, o BE já se pronunciou contra a reintrodução das portagens na CREL, quer em declaração política, quer em perguntas ao Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas.
Por razões que já aqui foram identificadas, e salvo o devido respeito, este seria um debate realista a travar com Sr. Secretário de Estado do Orçamento e não exactamente com o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, porque creio que, desta operação da concessão e com a consequente reintrodução das portagens, o seu Ministério terá sido um dos últimos a ter conhecimento dela, já que, na realidade, tudo isto se tratou no âmbito das finanças e de uma operação de maquilhagem em relação ao défice orçamental.
Não encontrámos, já o dissemos, qualquer consistência, do ponto de vista técnico, da percepção e concepção do planeamento dos transportes, dos direitos à acessibilidade, de qualquer ideia integradora para a Área Metropolitana de Lisboa - ninguém poderá sustentar a medida que foi adoptada. Portanto, a sua razão tem de ser vista noutra sede, e ela está claramente identificada: tem a ver com questões orçamentais. Calhou ser a CREL, mas poderia ter sido qualquer outra coisa, pois há aqui um paradeiro de indeterminação na causa! Calhou ser na CREL! Poderia ter sido outra coisa qualquer!
O segundo comentário é sobre a intervenção do Sr. Deputado Machado Rodrigues, do PSD, que acabámos de ouvir, a qual não foi, a meu ver, um discurso mas, sim, uma ameaça! Depois de ouvir o Sr. Deputado sustentar, com toda a lógica, esse desenvolvimento propositivo do princípio do utilizador-pagador, os habitantes do Grande Porto que se cuidem, porque serão os próximos!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E os de Bragança!

O Orador: - Foi a única consequência que retirei do que ouvi. E, se houver alguma telepatia entre o Sr. Deputado Machado Rodrigues e a Sr.ª Ministra Manuela Ferreira Leite, creio que temos de os avisar rapidamente, porque, para o ano, para ajudar o "deficezinho" do Orçamento, devem ser as portagens do Grande Porto!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas: As apreciações parlamentares que hoje fazemos dizem respeito às modificações ao contrato da concessão, construção, conservação e exploração de auto-estradas, que foi outorgado à BRISA. O Decreto-Lei n.º 314-A/2002, de 26 de Dezembro, alterou a anterior concessão à BRISA e repôs em vigor a situação de concessão existente em 1997, alterando as Bases I e XXVII, passando a CREL a estar incluída no conjunto das auto-estradas com pagamento de portagem. Foi uma decisão, pelo que nos foi dado ver, ponderada, enquadrada e assumida, cumprindo o papel de parte integrante num sistema de transportes, que tem de ser entendido como tal.
Aquando da supressão das portagens da CREL, tivemos ocasião de referir que, do ponto de vista da coerência do sistema e da gestão do tráfego, esta era uma decisão errada. Numa área metropolitana com as características da Área Metropolitana de Lisboa é fundamental a existência de vias onde o tráfego seja fluido, garantindo a possibilidade de deslocações rápidas, seguras e com o adequado consumo de combustível.
É preciso abordar esta apreciação parlamentar também num sentido mais lato, e parece-me oportuno referir algumas questões de âmbito geral.
A utilização do automóvel na Área Metropolitana de Lisboa é excessiva e tende a agravar-se. Em 1991, mais de 50% das deslocações eram realizadas em transporte público; 10 anos depois, menos de 40% das deslocações

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na Área Metropolitana de Lisboa, são feitas no mesmo tipo de transporte. O excesso de circulação automóvel provoca externalidades negativas que acarretam custos a terceiros, nomeadamente a poluição e os congestionamentos, denegrindo substancialmente a qualidade de vida dos cidadãos domiciliados nessas localidades, bem como aqueles que trabalham ou estudam nas mesmas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ainda falando num âmbito mais largo, parece-me importante, em termos de política de investimentos - e há pessoas nesta Câmara que conhecem perfeitamente esta temática -, referir que o Livro Branco sobre os transportes, que foi publicado pela Comissão Europeia, é perfeitamente claro. Segundo este livro 10% das estradas europeias estão congestionadas e o crescimento económico previsto é da ordem dos 30% nos próximos 10 anos. A este propósito, é importante referir que o crescimento de passageiros anda à roda de 1,2% e o crescimento de mercadorias à volta de 1,5% por cada 1% de crescimento económico. Ora, sendo o crescimento económico previsto da ordem dos 30% nos próximos 10 anos, será extremamente difícil aos poderes públicos - eu diria, os poderes públicos de qualquer país - terem capacidade para investir nos próximos anos pelo menos mais 30% daquilo que foi investido desde sempre, o chamado cúmulo histórico.
Existe portanto, neste momento, um consenso generalizado - existe, e as pessoas que seguem as questões comunitárias sabem-no bem - sobre a necessidade de tarifar total ou parcialmente (e aqui surgem os elementos de incerteza que levam a que se diga "será bom que a política seja bem estudada e ponderada antes de ser anunciada") a utilização das estradas. E os agentes económicos, sobre esta matéria, sabem perfeitamente que é muito mais barato pagar portagem, o direito a um transporte de qualidade, do que pagar os custos do congestionamento.
Do ponto de vista formal, foi um decreto-lei que, em 1995, libertou a CREL de portagens e volta a ser um decreto-lei que repõe estas mesmas portagens. Como a concessão nunca tinha sido retirada à BRISA - faço esta referência, porque foi assunto de alguma discussão -, apenas tinha sido posta em portagem zero, esta operação foi executada tendo como interlocutor natural a mesma BRISA. Mas também temos de apreciar esta medida num enquadramento num todo.
Com a conclusão da CRIL, do IC16 e do IC30, que, apesar de portajadas, terão naturalmente influência no tráfego da CREL - e os estudos sobre a determinação de montantes do tráfego apontam que, na CREL, existirá uma quebra de tráfego na ordem dos 17% nos anos 2006 e 2007 -, e com o alargamento do IC19 e a conclusão do Eixo Norte-Sul a mobilidade nesta região, nesta sub-região, será alterada, eu diria, muito melhorada. Isto significa que, quer com portagens, como é o caso do IC16 e do IC30, quer sem portagens, como é o caso da CRIL, do Eixo Norte-Sul e do IC19 alargado, não faltarão alternativas para as pessoas se moverem nesta área, e só quem não vê é que não reconhece que neste momento as alternativas são difíceis e impõem 2 a 3 anos de algum sacrifício aos utentes.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Aos utentes!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Dois ou três anos?!

O Orador: - Até 2006.
A CREL é uma alternativa de qualidade e é neste sentido que é portajada.
Depois da realização e ponderação dos estudos de tráfego, da actualização dos cash-flow e da análise dos vários factores externos chegou-se à conclusão de que seria 288 milhões de euros o montante que o Estado deveria receber pela devolução à BRISA da sua concessão plena. Mas aqui parece-me ser importante também salientar alguns números que não têm merecido toda a atenção.
O Estado libertou-se do encargo que lhe competia, de dever suportar os alargamentos, estimado em 91 milhões de euros…

Protestos do Deputado do PS José Junqueiro.

Sr. Deputado José Junqueiro, no fim, dou-lhe 30 segundos.
Será bom recordar que, nestes últimos sete anos, a CREL custou ao Estado o montante que se estima em de 74 milhões de euros e que o Estado, nesse período, deixou de receber mais de 50 milhões de euros.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Estes montantes fizeram falta para outras situações, como, por exemplo, para a sinalização rodoviária, a reabilitação e a requalificação das estradas, mesmo nas áreas metropolitanas teriam sido úteis no completamento da malha rodoviária.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Além de, a meu ver, ser um sinal claro de que a política de mobilidade não pode continuar a ser "tudo pelo automóvel, nada contra o automóvel", o Estado deixa de pagar - recebeu uma quantia substancial que serviu para ajudar a recuperar as finanças públicas depauperadas pela política de "borlas" - …

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … e vai continuar a receber.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, atente-se os valores expressivos de IRC e de IVA que, ao longo deste período de concessão, as receitas da CREL constituem e, entre o modelo adoptado por este Governo e o modelo das "borlas", separa-nos qualquer coisa como 600 a 900 milhões de euros.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nestas questões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não podemos ler apenas os números que nos agradam, devemos lê-los com o espírito frio e com toda a racionalidade.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas.

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas (Vieira de Castro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que as minhas primeiras palavras sejam para constatar a manifestação de compreensão que os utentes da CREL tiveram…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - "Só contaram p'ra você"!

O Orador: - … pela reintrodução da cobrança de portagens. Foram sensatos e prova disso é que resistiram à tentação de…

O Sr. António Filipe (PCP): - É tudo gente civilizada!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, peço-lhe que ouça em silêncio, pois o Sr. Deputado também foi ouvido em silêncio!
Sr. Secretário de Estado, peço desculpa pela interrupção. Faça favor de prosseguir.

O Orador: - Como eu dizia, os utentes da CREL foram sensatos e prova disso é que resistiram à tentação de alguma instrumentalização política de que alguns se quiseram aproveitar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, e o Fernando Seara?

O Orador: - Enalteço, portanto, a compreensão dos utentes da CREL pela reintrodução da cobrança de portagens.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Eram só autarcas comunistas!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Fernando Seara já é comunista?!

O Orador: - Eu gostava de dizer aos Srs. Deputados que o Governo não tem qualquer receio em falar sobre cobrança de portagens…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … sempre que a mesma se justifique.
Também numa outra sexta-feira, há uns tempos atrás,…

Vozes do BE: - Sexta-feira 13!

O Orador: - … anunciei aos Srs. Deputados que o Governo iria lançar três concessões para três novas auto-estradas, a saber: a Circular Regional Externa do Porto (CREP), o lanço Amarante/Vila Real e o IC16/IC30, todos com portagens. Porquê com portagens? Porque as auto-estradas são infra-estruturas muito caras e com um nível de qualidade superior em economia de tempo, em segurança e em comodidade.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - E os buracos na A1?

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Não! É tudo de óptima qualidade!

O Orador: - Por isso, é justo que a cobrança de portagens seja um instrumento, um meio, para financiar o acréscimo de custo que estes investimentos têm. Os Srs. Deputados sabem certamente que 1 km de estrada com perfil de auto-estrada custa entre 4 e 5 milhões de euros, mas comparam-no com o custo de uma estrada de uma por uma via, que varia entre 1,5 a 2 milhões de euros. Há aqui uma diferença; e não é justo que infra-estruturas deste tipo, que exigem um tão grande esforço de investimento, sejam pagas por todos,…

O Sr. Alberto Martins (PS): - E a diferença de tráfego?

O Orador: - … por aqueles que não as utilizam e por aqueles que, decerto, jamais as utilizarão, pela simples circunstância de que, infelizmente, não têm nível de vida para poderem ser possuidores de um automóvel.

Protestos da Deputada do PS Edite Estrela.

Isto é falar verdade! Isto é ser sério! O resto é demagogia política pura.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Quanto ao Partido Socialista, eu diria que estamos próximos no que toca à construção europeia. Apetecia-me recomendar ao Partido Socialista que lesse bibliografia da Comissão Europeia sobre esta matéria, sobre a tarifação das infra-estruturas de transportes.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos da Deputada do PS Edite Estrela.

O Orador: - Há alusões a este tema em pelo menos dois livros brancos e no relatório de um grupo de alto nível. E estão sentados na bancada do Partido Socialista alguns Srs. Deputados que, acerca desta matéria, sabem tanto quanto eu.
Tenho pena que, aproveitando esse conhecimento, o Partido Socialista ainda não se tenha dado conta, decorridos sete anos, que cometeu um erro ao abolir as portagens da CREL.

O Sr. José Junqueiro (PS): - É o que veremos agora!

O Orador: - Não aceito que esse erro tenha sido cometido, mas ainda lhes dou o benefício da dúvida ao pensar que foi no calor de uma campanha eleitoral. Não foi outra razão senão a de conquistar uns votos, à pressa, na Área Metropolitana de Lisboa.

O Sr. José Junqueiro (PS): - A introdução das portagens constava do vosso programa eleitoral?!

O Orador: - O Sr. Deputado António Filipe socorreu-se do preâmbulo do decreto-lei que aboliu a cobrança de

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portagens na CREL. Ó Sr. Deputado, eu era capaz de o aconselhar a não atender muito aos preâmbulos dos decretos-leis do governo anterior!

Vozes do PCP: - Ah!…

O Orador: - Sabe porquê? Porque também há um decreto-lei, publicado em 1999, onde o governo do Partido Socialista dizia que até 2001 completaria toda a rede de IP e 50% da rede de IC!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Já sabe isso de cor!

O Orador: - Vou relembrar ao Sr. Deputado qual foi o desvio, em relação ao propósito, que está no preâmbulo desse decreto-lei: 1705,5 km.
Diga-me lá, Sr. Deputado António Filipe, se não tenho razão quando o aconselho a não ler os preâmbulos dos decretos-lei do governo do Partido Socialista!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Nem de uns nem de outros!

Protestos do PS.

O Orador: - A Sr.ª Deputada Edite Estrela, na sua intervenção, fez-me uma sugestão, e julgo que valia a pena o Parlamento aproveitá-la, que era a de fazermos aqui uma discussão sobre as verdadeiras causas dos congestionamentos do IC19.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Acho muito interessante!

O Orador: - Acho que valeria muito a pena, para determinarmos bem as causas, sabermos se é o IC19 que é estreito, ou se é o território que está completamente desordenado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Seria bom sabermos quem é que tem responsabilidade sobre esse desordenamento. Era capaz de valer a pena fazermos aqui essa discussão.
Depois, a Sr.ª Deputada Edite Estrela pergunta, a dada altura, se bem compreendi, para quando é que o Governo alarga o IC19 para quatro por quatro vias.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Eu?!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não, não! É a CREL!

O Orador: - Acho isto extraordinário! O governo do Partido Socialista não alargou o IC19 para três por três vias, mas, agora, está a dizer ao Governo do Partido Social Democrata, que chegou há um ano, que o IC19 já deveria estar alargado para quatro por quatro vias!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ouviu mal! É a CREL!

O Orador: - Se os senhores, quando estiveram no governo, tivessem trabalhado assim tão depressa, certamente que ainda continuariam no governo.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - E o défice seria de 8%!

O Orador: - Olhe, Sr.ª Deputada Edite Estrela, vou dar-lhe boas notícias acerca do IC19.
Há duas semanas atrás foi dispensada a avaliação de impacte ambiental, o que significa que as obras entre Queluz e o Cacém vão ser iniciadas mais cedo.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Isso é uma boa notícia para quem?

O Orador: - Acerca do IC16 e do IC30, o Governo vai aprovar, nas próximas semanas, um decreto-lei que inclui nessa concessão a conservação das vias da Área Metropolitana de Lisboa, a saber: o IC19, o IC2, a CRIL e o IC22. Foi para termos melhor conservação nessas vias que alterámos o objecto dessa concessão.

O Sr. António Filipe (PCP): - Já agora acabe a CRIL!

O Orador: - Tenho uma outra boa notícia para a Sr.ª Deputada Edite Estrela. A Sr.ª Deputada disse que o IC16/IC30 ia ser atirado para as calendas. Não vai! A concessão vai ser lançada este ano e a obra será começada este ano. Cá estaremos, a Sr.ª Deputada e eu, para vermos!
Sr.ª Deputada, nós só fazemos estas afirmações quando temos todas as datas sob controlo. É uma grande diferença em relação à postura que os senhores tinham enquanto governo.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - É, sim!

O Orador: - Nós comprometemo-nos, porque sabemos que, quando chegar o julgamento, cumprimos aquilo que dissemos.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - "Gaba-te cesto…!".

O Orador: - Gostaria, ainda, de dizer que, em 1991, o governo do Partido Social Democrata, que estava em funções, lançou esta concessão com portagens. Não enganou ninguém! E agora, o actual Governo, do PSD e do CDS-PP, corrigiu o erro que o Partido Socialista cometeu em 1995. Não há aqui drama algum! Tratou-se apenas de corrigir um erro que os senhores cometeram. Nada mais!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos de Deputados do PS.

O Orador: - Finalmente, deixo uma última palavra acerca da intervenção do Sr. Deputado Machado Rodrigues, e não o faço pelo facto de o Sr. Deputado pertencer ao Grupo Parlamentar do PSD, que também é o meu partido.
Na minha óptica, o Sr. Deputado analisou muito bem a questão das portagens e o princípio do utilizador-pagador, e fez umas contas, que também já aqui fiz em tempos, que têm a ver com os encargos com as SCUT. Penso que, verdadeiramente, são contas que não devem ser apenas pensadas por nós aqui mas também pelos lá de fora; ou seja, o país deve pensar sobre elas, porque tem de

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encontrar-se uma solução para a mais terrível herança que o governo do Partido Socialista deixou ao País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero registar que o Governo e o PSD, nesta matéria, têm dois pesos e duas medidas. Isto porque importa perguntar se aquilo que é válido relativamente à CREL não é válido, porventura, segundo a vossa lógica, também para os outros dois troços de auto-estrada cuja portagem foi abolida na mesma altura, em 1995. Em 1995, foram abolidas as portagens de três troços, mas, agora, os senhores só falam de um, o da CREL, o que revela efectivamente que há aqui uma medida avulsa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Ainda bem que os senhores mantiveram a abolição das portagens que foram abolidas em 1995 na Área Metropolitana do Porto. Ainda bem que mantêm essa abolição!
Não se percebe por que é que são os utentes da Área Metropolitana de Lisboa que têm de pagar a crise, que têm de pagar o facto de o Governo querer atingir determinadas metas em termos orçamentais. Esta é que é a questão.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Têm de reconhecer que é uma boa questão!

O Orador: - Esta medida é uma agressão, pura e simples, aos utentes da Área Metropolitana de Lisboa,…

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - … às pessoas que têm de trabalhar todos os dias e que se deslocam numa zona em que as acessibilidades são extremamente difíceis, com transportes de má qualidade e que não respondem às necessidades. E essas pessoas pagam os mesmos impostos!
O Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia lamentava os impostos que todos os portugueses pagam, mas, que eu saiba, estes utentes pagam os mesmos impostos que os utentes das outras regiões. Só que, para além de pagarem os mesmos impostos pesados - e, segundo me consta, não há qualquer uma isenção especial pelo facto de se ser utente da CREL ou da Área Metropolitana de Lisboa - e que impendem sobre quem trabalha, ainda têm de pagar a portagem da CREL para utilizarem esta via para se deslocarem de casa para o trabalho e do trabalho para casa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, é uma verdadeira agressão a toda esta população, e os autarcas desta região, mesmo os do PSD, reconheceram-no e contestaram e contestam esta medida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado Vieira de Castro falava em demagogia e na hipocrisia relativamente a esta matéria.
Srs. Deputados, o que me parece ser uma pouca vergonha é confrontar as posições que o PSD tomou na última Legislatura em relação às portagens do Oeste,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - … tendo, inclusive, apresentado um projecto de lei para extinção das mesmas, com os discursos que ouvimos agora em defesa do princípio do utilizador-pagador. Estes discursos não os ouvimos nessa altura.

Vozes do PCP: - Aí é que está!

O Orador: - Nessa altura, o Sr. Secretário de Estado era Deputado do PSD e não o vi aqui levantar a voz contra a posição do PSD, que era a de que deveriam ser abolidas as portagens da A8 até ao Bombarral.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Portanto, um partido que na Legislatura anterior tomou essa posição em relação às portagens do Oeste…

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Pareciam uns fanáticos!

O Orador: - … e que, agora, toma a posição de repor as portagens na CREL, dizendo que em todas as auto-estradas, porque são infra-estruturas muito caras, deve haver portagens, desprestigia a vida política aos olhos dos cidadãos. Isto é uma verdadeira pouca vergonha, e não podemos deixar de o referir aqui com toda a veemência.

Aplausos do PCP e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Seguidamente, para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É politicamente significativo que o PSD tenha escolhido para intervir sobre este tema um Deputado que não foi eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa, não obstante estarem aqui presentes Deputados eleitos por este círculo - …

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - … compreendemos, naturalmente, o embaraço de quem foi eleito e se comprometeu com os seus eleitores -, mas, sim, um Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Bragança, que, curiosamente, suspendeu o mandato para não votar o "brilhante" PIDDAC apresentado pelo Governo à Assembleia da República.

Aplausos do PS, do PCP e do BE.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Bela imagem!

A Oradora: - Quanto ao princípio do utilizador-pagador, gostaria de lembrar ao Sr. Deputado Machado Rodrigues que, por essa ordem de ideias, também o IP4 deveria ser portajado, uma vez que não devem ser os contribuintes da Área Metropolitana de Lisboa a suportar esse investimento.

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O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É só coerência!

A Oradora: - Só que não é este o nosso princípio, não é isto que advogamos. Pensamos que nada é mais penalizador para as regiões deprimidas do que querer impor esse princípio. Somos pela coesão nacional, pela solidariedade!

Aplausos do PS.

Falou numa decisão corajosa do Governo. Ó Sr. Deputado, coragem seria anunciar antes das eleições.

Aplausos do PS.

Antes das eleições os senhores anunciaram a redução dos impostos; depois de ganharem as eleições, introduziram portagens na CREL e fizeram aumento nos impostos. Se fosse hoje, certamente não teriam a mesma confiança dos eleitores.
O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas falou de tudo, menos do essencial.
Invocou o exemplo da União Europeia - por acaso até gostei muito que o senhor tivesse invocado o exemplo da União Europeia. A Espanha não pertence à União Europeia?! É que eu, ainda muito recentemente, fui de Lisboa a Madrid e só paguei portagens em Portugal; em Espanha não paguei portagens.

Aplausos do PS.

E sei que se pode ir até Andorra sem pagar portagens em território espanhol. Portugal é dos países mais portajados da União Europeia. E, sendo um país pequeno e com muitas carências, não deveria ser assim.
Por outro lado, também gostei muito que tivesse falado das causas do congestionamento do IC19. É uma autocrítica, Sr. Secretário de Estado?! Pergunto por que foi o PSD que, durante 14 anos, enquanto responsável pela gestão municipal de Sintra, aprovou as grandes urbanizações,…

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - … como a Tapada das Mercês, o Casal do Cotão, a Urbanização de S. Marcos…

Aplausos do PS.

O Sr. Secretário de Estado falou do que não sabe! Enganaram-no! Se pensava que eu "enfiava o barrete", enganou-se, não enfio. Estou disponível para prestar contas de tudo o que fiz. As consequências urbanísticas dos meus mandatos ainda não estão visíveis,…

Vozes do PSD: - Ah!…

A Oradora: - … porque o que está a ser construído ainda é o que foi aprovado pelos senhores. Dê um exemplo de uma grande urbanização que tenha sido aprovada no meu tempo.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, seria bom que tivéssemos aqui este debate, agora também seria bom que os senhores emendassem o erro, porque persistir no erro, penalizando uma população que já é muito penalizada, é duplamente errado. Mas, pelos vistos, os senhores, com a arrogância e o autoritarismo que lhes advém de terem uma maioria absoluta na Assembleia da República, persistem no erro.
Espero que os eleitores da Área Metropolitana de Lisboa também lhes dêem a resposta adequada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Os Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP cederam os seus tempos disponíveis ao Governo, o que permite ao Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas usar novamente da palavra.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Sr. Secretário de Estado nada mais tem a dizer!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas.

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas: - Sr. Presidente, agradeço aos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP esta cedência de tempo, que me permite suprir uma falha imperdoável que tive relativamente à Sr.ª Deputada Edite Estrela.
Eu falei no IC16 e no IC30, falei no IC19, mas não lhe falei - e a Sr.ª Deputada está, com certeza, curiosa - da CRIL e do Eixo Norte-Sul. Também é este ano que vamos acabar o Eixo Norte-Sul e a CRIL.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Quando?!

O Orador: - Vem tarde a conclusão dessa obra. Vem tarde, vem sete anos depois, mas foram os anos em que não estivemos no governo, ela está parada desde 1995.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Muito bem!

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - A obra já começou, não foi vossa a iniciativa!

O Orador: - Está suprida a lacuna. Eu tinha a obrigação de dar esta informação à Sr.ª Deputada.
Já agora, vai permitir-me também que lhe apresente desculpas. Como vamos, efectivamente, iniciar as obras do IC19, apresento à Sr.ª Deputada e aos utentes que por aí passam os incómodos que vamos causar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sobre a CREL, nada!

O Sr. Presidente: - Como não há mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate das apreciações parlamentares n.os 43 e 44/IX.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de resolução n.º 130/IX - Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 314-A/2002, de 26 de Dezembro, que aprova as modificações ao contrato de concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas outorgado à BRISA - Auto-Estradas de Portugal, S.A. (PCP), cuja apreciação parlamentar estivemos a discutir hoje. A sua votação será feita na primeira sessão em que houver votações regimentais.
Srs. Deputados, a próxima sessão plenária realizar-se-á na próxima quarta-feira, dia 12, às 15 horas, com um período

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de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia com o debate conjunto da proposta de lei n.º 41/IX e do projecto de lei n.º 113/IX e o debate conjunto das propostas de resolução n.os 22, 23, 24 e 26/IX.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Joaquim Almeida Henriques
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Henrique José Monteiro Chaves
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
António José Martins Seguro
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Antero Gaspar de Paiva Vieira
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Popular (CDS-PP):
Narana Sinai Coissoró

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Henriques de Pinho Cardão
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Luís Filipe Soromenho Gomes
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fernando Pereira Cabodeira
Francisco José Pereira de Assis Miranda
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Nelson da Cunha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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