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Sexta-feira, 28 de Março de 2003 I Série - Número 105

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE MARÇO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado José Pereira da Costa (PSD) falou sobre o concelho da Figueira da Foz e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Victor Baptista (PS).
O Sr. Deputado Luís Miranda (PS) realçou a importância da realização da Ovibeja e dos principais projectos estruturantes necessários ao desenvolvimento do Alentejo. No fim, deu resposta aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rodeia Machado (PCP) e Miguel Raimundo e Fernando Pedro Moutinho (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco José Martins (PSD) congratulou-se com a forma como decorreu o processo, ontem encerrado, de discussão na especialidade da proposta de lei n.º 29/IX - Aprova o Código do Trabalho, tendo depois respondido aos pedidos de esclarecimento dos Sr. Deputado Rui Cunha (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado João Pinho de Almeida (CDS-PP) enalteceu a forma como o Governo procedeu à correcção da situação resultante das fraudes que rodearam a entrada de alunos do ensino recorrente no ensino superior, após o que respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Cristina Granada (PS) e Gonçalo Capitão (PSD).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Vieira da Silva (PS) teceu considerações sobre as razões que levaram o Sr. Presidente da República a recusar a promulgação do Decreto Assembleia da República n.º 34/IX - Revoga o Rendimento Mínimo Garantido previsto na Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho, e cria o Rendimento Social de Inserção.
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) insurgiu-se contra várias medidas contempladas no código do trabalho apresentado pelo Governo.

Ordem do dia. - A Câmara procedeu à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 27/IX - Regime jurídico das terapêuticas não convencionais (BE) e 263/IX - Lei do enquadramento base das medicinas não convencionais (PS) e do projecto de resolução n.º 135/IX - Regulamentação da osteopatia (CDS-PP), tendo, depois, sido aprovado um requerimento, apresentado pelo PSD, PS, CDS-PP e BE, de baixa à 8.ª Comissão, sem votação, pelo prazo de 60 dias, dos referidos diplomas. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Joana Amaral Dias (BE), Luísa Portugal (PS), Álvaro Castello-Branco (CDS-PP), João Teixeira Lopes (BE), José António Silva (PSD), Isabel Castro (Os Verdes) e Bernardino Soares (PCP).
A Assembleia discutiu também o projecto de deliberação n.º 16/IX - Adopta medidas contra os efeitos do tabagismo activo e passivo (Os Verdes), que foi aprovado e sobre o qual usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), José Manuel Cordeiro (PSD), Maria de Belém Roseira (PS), Miguel Paiva (CDS-PP), Joana Amaral Dias (BE) e Bernardino Soares (PCP).
Foi, ainda, apreciado o Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro, que altera o Decreto-Lei n.º 364/99, de 17 de Setembro (Aprova o processo de reprivatização da GESCARTÃO, SGPS, S. A) [ apreciação parlamentar n.º 45/IX (PCP)]. Pronunciaram-se, a diverso título, além do Sr. Ministro da Economia (Carlos Tavares), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Pinho Cardão (PSD), Maximiano Martins (PS), Herculano Gonçalves (CDS-PP), Capoulas Santos (PS) e Miguel Raimundo (PSD).
Entretanto, depois de o Sr. Secretário da Mesa Ascenso Simões (PS) ter procedido à leitura do voto n.º 48/IX - De pesar pela morte do ex-Deputado José Barros Moura (PS), usaram da palavra, além do Sr. Presidente e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes), os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Maria Eduarda

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Azevedo (PSD), António Filipe (PCP), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes) e Francisco de Assis (PS), após o que a Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.
Foram aprovados o projecto de resolução n.º 137/IX -
Renovação do mandato da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político (PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes) e, em votação final global, o texto final , apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 47/IX - Altera a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, criado pela Lei n.º 14/90, de 9 de Junho (PS).
A Câmara aprovou, ainda, três pareceres da Comissão de Ética, um de substituição de um Deputado do PSD, outro de retoma de mandato de um Deputado do mesmo partido e, ainda, um outro autorizando um Deputado do PS a depor, como testemunha, em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Agostinho Veloso da Silva
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro

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Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Antonino Aurélio Vieira de Sousa
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Bloco de Esquerda (BE):
Joana Beatriz Nunes Vicente Amaral Dias
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa diversos requerimentos.
Nas reuniões plenárias de 19 e 20 de Março - ao Sr. Primeiro-Ministro e aos Ministérios da Economia, Saúde e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados António Galamba, Clara Carneiro, Massano Cardoso, Ascenso Simões, José Miguel Medeiros, Rui Cunha, Bernardino Soares, João Teixeira Lopes, Ana Manso, Miguel Coleta, Fernando Cabral e Fernando Moniz; aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho e da Economia, formulados pelos Srs. Deputados Capoulas Santos e Rodeia Machado; aos Ministérios da Administração Interna e da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados Maria Santos, Eduardo Moreira, Renato Sampaio e José Apolinário; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; aos Ministérios da Defesa Nacional, das Obras Públicas, Transportes e Habitação e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe.

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O Governo respondeu aos requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 20 de Março - Luís Fazenda, Isabel Castro, José Apolinário, Joaquim Ponte, Luísa Mesquita, Osvaldo Castro, Maria Santos, João Teixeira Lopes, Fernando Pedro Moutinho, Diogo Feio e Ana Manso.
Nos dias 24 e 25 de Março - Vitalino Canas, José Apolinário, Gonçalo Breda Marques, Honório Novo, Bruno Dias, Isabel Gonçalves, João Pinho de Almeida, Heloísa Apolónia, José Manuel Pavão e José Junqueiro.
Nos dias 20, 24 e 25 de Março, foram respondidos os requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Ascenso Simões e António Galamba.
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Há Srs. Deputados inscritos para fazerem declarações políticas, mas não tiveram o cuidado de se apresentar à hora prevista. Temo que vão ficar prejudicados nas suas respectivas inscrições. Peço aos respectivos grupos parlamentares para verificarem o que se passa com os Srs. Deputados Francisco José Martins e João Pinho de Almeida.
Assim para uma intervenção de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado José Pereira da Costa.

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Embora eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa, por que criado e residente desde sempre na cidade da Figueira da Foz - terra natal dessa inesquecível figura da História de Portugal que é Manuel Fernandes Thomaz, nossa companhia habitual nesta Câmara -, entendi ser oportuno chamar a atenção de VV. Ex.as, durante breves minutos, para esta bonita cidade "à beira-mar plantada" (como diria o poeta), bem como da região onde a mesma se encontra inserida.
E faço-o agora, na minha primeira intervenção política desta tribuna, o que muito me apraz e honra, para assinalar algo que há muito os figueirenses, mas não só eles, ambicionavam, desejavam e de que tanto necessitavam.
Falo, naturalmente, da recente adjudicação da obra referente ao troço da auto-estrada do litoral, denominada A17, que vai ligar Marinha Grande, Figueira da Foz e Mira, finalmente e após se ter esperado cerca de 15 anos (repito 15 anos) pela conclusão da auto-estrada A14, que liga Figueira da Foz a Coimbra - apesar do relevo nacional e até internacional que reconhecidamente têm uma e outra cidade.
Sabem VV. Ex.as que na Figueira da Foz se encontram localizadas das mais prestigiadas empresas deste País, algumas das quais de elevado e reconhecido prestígio internacional?

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - São, seguramente, muito poucas as cidades de província por essa Europa fora que, para além de todos os seus inigualáveis recursos naturais, têm dentro das suas fronteiras territoriais empresas como a Soporcel, a Celbi, a Saint-Gobain, a Plasfil (hoje maioritariamente detida pela multinacional espanhola CIE-Automotiv), a Sociedade Figueira Praia (proprietária do casino da Figueira da Foz e pertencente ao Grupo Amorim), a Sorefoz, a Helix, a Litocar, a Microplásticos, a Unitefi, o Grupo Somitel e muitas outras. São empresas geradoras de muitos milhões de euros e criadoras de milhares de postos de trabalho.
A par disto, não foi seguramente por acaso que, durante décadas e em tempos não muito remotos, a Figueira da Foz foi conhecida como a "rainha" das praias de Portugal - é esta minha e nossa cidade uma das mais conhecidas e visitadas em todo o País.
A Figueira da Foz, ao longo de todo o sempre, tem vindo a evidenciar a sua pujança em termos de recursos naturais, o que lhe permite continuar a ser um dos mais prestigiados destinos turísticos em Portugal e na Península Ibérica.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tem, todavia, sido escassa a intervenção do homem no que concerne a tal prestígio e notoriedade, ao longo de muitos anos e diversos governos, bem como de muitas e variadas expectativas sempre criadas.
Lembro-me, aliás - e faço-o sem qualquer reserva mental, porque acredito que fosse essa a sua convicção -, de uma deslocação do Sr. Eng.º João Cravinho, ao tempo Ministro das Obras Públicas, à Figueira da Foz, em 1999, em que previa, então, a sobredita adjudicação da A17 já dali a alguns meses.
Infelizmente para ele, para os figueirenses, para a região centro e para o País, tal não veio a verificar-se. E só agora, cerca de quatro anos após, tal adjudicação se veio a concretizar, quando seria naturalmente desejável que há muito estivesse concluída.
O mesmo, mutatis mutandis, se poderá dizer sobre o porto da Figueira da Foz, o qual, apesar dos muitos e diversos investimentos que nele têm sido sucessivamente realizados, está muito aquém de obter o resultado e o alcance prático desejáveis, porque, por muitos que sejam os investimentos já efectuados, nada resolverão enquanto se não resolver o problema matricial existente a montante, ou seja, a regularização da entrada da barra do porto da Figueira da Foz e seu desassoreamento, bem como o inevitável prolongamento do molhe norte.
São assuntos que, sem exagero, ouço e leio desde os meus tempos de escola primária, mas tal como as acessibilidades rodoviárias vão certamente chegar com muitos anos, senão mesmo décadas, de atraso.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os figueirenses têm sabido esperar pacientemente e, estou certo, continuarão a saber fazê-lo, mas conforme dita a sabedoria popular "quem espera desespera".
Até há muito pouco tempo, numa cidade vocacionada para o turismo, não havia uma piscina pública! Assistia-se ao deplorável espectáculo de extracção de areias na principal praia da Figueira da Foz!
Reclama e luta a Figueira da Foz, há intermináveis anos, pela instalação no concelho de um campo de golfe!
Há décadas que não existia uma sala de teatro condigna e apenas havia uma modesta sala de cinema!
Será que num espaço territorial de cerca de 400 km2, independentemente de questões ligadas ao ambiente, naturalmente sempre a preservar e respeitar, não se encontra um pequeno canto para a instalação de um campo de golfe, infra-estrutura de indiscutível e primordial importância para o bom e harmonioso desenvolvimento da cidade, da região e do País, pela qual, repito, os figueirenses e a região há tanto tempo lutam e anseiam?

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Felizmente e no que ao aspecto cultural concerne, alguém (oportunamente e em boa hora) lá passou e procedeu à construção de um equipamento cultural digno de qualquer cidade desenvolvida da Europa, motivo de orgulho não só para os figueirenses e habitantes da região centro, mas certamente que para todos os portugueses.

Aplausos do Deputado do PSD Marco António Costa.

Refiro-me ao Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, cuja obra teve o seu início em 2000 e foi inaugurada em Junho do transacto ano de 2002, na presença de S. Ex.ª o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, entre inúmeras personalidades dos mais diversos quadrantes políticos e de vários sítios do País, muitas aqui presentes, as quais, sem excepção, sobre tal espaço teceram os mais diversos encómios.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Construíram-se também diversas piscinas espalhadas por todo o concelho, centenas de fogos para habitação social; pavimentaram-se estradas; criaram-se espaços verdes e de lazer para jovens e idosos; recuperaram-se escolas; realizaram-se muitos quilómetros de saneamento básico; entre muitas outras iniciativas e empreendimentos.
Ainda assim e apesar do progresso sentido nos últimos anos, muito há por fazer!
Tudo isto apesar da estratégica inserção da Figueira da Foz na região centro do País, também ela tantas vezes esquecida em detrimento das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, "devoradoras" habituais da maior fatia dos sucessivos PIDDAC, o que se por um lado se entende e aceita por outro não deixa de fazer transparecer uma gritante injustiça relativamente ao resto do País. É curioso comparar, ao longo da última década, os valores inscritos em PIDDAC para Lisboa e Porto e os para toda a região centro, com particular destaque para o distrito de Coimbra.
E para quando um aeroporto na região centro? Será que o seu desenvolvimento económico e empresarial, a sua densidade populacional e a sua vocação para o turismo, nomeadamente religioso, entre outros, já o não justificam há muito?
A Figueira da Foz irá, finalmente e a curto prazo, ter o seu aeródromo municipal, mas, evidentemente, não chega!
A este propósito, julgo oportuno relembrar alguns dados estatísticos, que, inelutavelmente, jogam a favor da região centro: tem cerca de um quarto da população nacional; cerca de um terço das PME excelência são da região centro; é responsável por cerca de 30% do PIB; tem um dos mais elevados níveis de empresas certificadas do País; cerca de 1500 empresas da região centro com mais de 20 trabalhadores foram responsáveis, nos últimos anos, por cerca de 10% da riqueza anualmente gerada pela indústria transformadora; tem um enorme potencial de interface com Espanha e suas regiões fronteiriças; é a única região do País que tem uma rede associativa empresarial verdadeiramente operativa, através do Conselho Empresarial do Centro (CEC), o qual, todavia, tem sido sistematicamente esquecido nas deslocações oficiais mais importantes de Portugal ao estrangeiro, onde sempre têm lugar cativo as suas congéneres de Lisboa e do Porto - já agora, para quando a inclusão do CEC no Conselho de Concertação Social?
As acessibilidades - obras da exclusiva responsabilidade da administração central, conforme é consabido - são instrumentos e meios absolutamente indispensáveis e imprescindíveis ao desenvolvimento de qualquer cidade ou região, pelo que, ao terminar, saúdo de novo a adjudicação da obra referida no início desta minha intervenção, a auto-estrada A17, a qual inclui também o troço da IC8 para ligação à A1, de igual importância para a cidade da Figueira da Foz, bem como para toda a região.
É abundante a argumentação e soberana a oportunidade, para que os figueirenses e a região centro sintam que a distribuição dos recursos disponíveis do País se faz de modo justo e equilibrado.
A Figueira da Foz e a sua região querem e merecem ser o centro das atenções e não o centro do esquecimento!
Espero, assim, de modo sincero, que este Governo, que entusiasticamente apoio, não seja nesta matéria igual a outros que o antecederam.
Estou certo de que o não será!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Pereira da Costa, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Pereira da Costa, gostei de ouvi-lo, mas a sua intervenção teria sido mais entendível, se, porventura, tivesse reconhecido o conjunto de investimentos realizados pelo governo anterior no concelho da Figueira da Foz.
Desde logo, registo a parte final da sua intervenção, onde diz, e muito bem, que foi agora adjudicada a obra para a auto-estrada que vai ligar a Marinha Grande a Mira. Contudo, só foi possível lançar essa obra a concurso - e o atraso na adjudicação, como sabe, resulta de um contencioso administrativo entre os concorrentes - pelo governo anterior.
Também foi o governo anterior que construiu a auto-estrada entre Coimbra e Figueira da Foz e que resolveu - espero que definitivamente - a questão do porto da Figueira da Foz e a possibilidade de nele entrarem barcos de 3000 t.
Sr. Deputado, da sua intervenção retiro uma questão de fundo. Falou no aeroporto da região centro - não sei se estaria a sonhar com aquele dito aeroporto de que, em determinada altura, se falou para a Figueira da Foz… Se é isso, assuma e diga a este Governo, ao qual pertence, que quer o aeroporto para a Figueira da Foz, porque bem me recordo das críticas que o PSD lançou quando um autarca do PS da Figueira da Foz falou no assunto.
Espero bem mais que se concretize o aeroporto que todos desejamos, a norte do aeroporto existente, que o governo anterior assumiu e que o actual Governo tem atrasado. Espero que também colabore e que o Governo resolva definitivamente essa questão.
Esperava que tivesse abordado na sua intervenção a questão da remodelação da linha de caminho-de-ferro entre a Pampilhosa do Botão e a Figueira da Foz, mas não o fez. Penso que teria tido a oportunidade de deixar esse desafio ao Governo. A meu ver, essa linha poderia ter uma

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potencialidade industrial com a instalação de indústrias ao longo dela.
Falou sobre o concelho da Figueira da Foz, mas se alguém fez obra na Figueira da Foz foi o governo anterior.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado José Pereira da Costa.

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Baptista, fico satisfeito por a minha intervenção ter suscitado uma questão da sua parte, porque, como teve oportunidade de verificar, tive a preocupação de ser justo e isento relativamente à minha e nossa Figueira da Foz e à região centro.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Todavia, devo recordar-lhe que na Figueira da Foz, nos últimos seis anos, só me lembro de uma obra: uma rotunda. A única obra da responsabilidade do governo socialista na Figueira da Foz foi a construção de uma rotunda perto da estação de serviço da Galp.

Protestos do PS.

Mas lembro-me de mais coisas: lembro-me de que os figueirenses, como aqui referi, anseiam, há décadas - e o senhor sabe isso -, pela construção de um campo de golfe. Alguém conseguiu "descobrir" um lince ibérico no local e não nos deixaram construir o campo de golfe!... Queríamos construir o aeródromo e… - não vou adjectivar - "descobriram o samouco" e não nos queriam deixar construir o aeródromo.
Devo recordar-lhe que o PSD - e bem! - opôs-se sempre à construção do aeroporto na Figueira da Foz. Não quero o aeroporto na Figueira da Foz. Entendo, pelos motivos aduzidos na minha intervenção, que a região centro, que é a sua também, merece e justifica ter um aeroporto. Contudo, não o quero só para mim, não o quero só para a minha cidade; quero-o para toda a região e não duvido que o Sr. Deputado Victor Baptista estará comigo nesta luta, quando ela um dia se iniciar com mais profundidade.
Quanto às auto-estradas, Sr. Deputado Victor Baptista, não foi o governo socialista que fez a A14. A vossa memória, às vezes, é curta.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Foi, foi!

O Orador: - Não foi quem fez, mas quem a acabou, com muitos e muitos anos de atraso.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Quanto à A17, também não foram os senhores que a começaram, mas que a encravaram, precisamente na parte em que vai passar na Figueira da Foz, porque o contencioso a que se refere - como jurista que sou, tenho maioria de razão para lho dizer - bateu todos os recordes possíveis e imaginários!

Protestos do PS.

Essa obra esteve meses, absolutamente inadmissíveis, para ser adjudicada, porque VV. Ex.as, à semelhança do que faziam sempre, nunca tiveram a coragem de decidir qual dos consórcios deveria ganhar o concurso. Essa é que é a verdade!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - É completamente falso!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Miranda.

O Sr. Luís Miranda (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Decorre, entre 22 e 30 de Março, a vigésima edição da Ovibeja, certame que é hoje ponto obrigatório e de referência na tradição e na cultura do povo alentejano e prova inequívoca da capacidade de iniciativa e realização das gentes do Baixo Alentejo, que são tão capazes como as demais desde que disponham de iguais oportunidades.
Cumpre-nos, pois, saudar aqui a Associação de Criadores de Ovinos do Sul e todos aqueles que, ao longo dos últimos 20 anos, contribuíram para a criação, afirmação e confirmação da Ovibeja como a "grande feira do Sul".
Quis o Sr. Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, dar a honra à Ovibeja de presidir à sessão inaugural da sua vigésima edição e, aproveitando a oportunidade da sua deslocação a Beja, realizar uma sessão de trabalho, na qual participou o Sr. Ministro das Obras Públicas com os presidentes das empresas responsáveis pelos três grandes projectos estruturantes da região - Alqueva, aeroporto de Beja e porto de Sines -, com o objectivo de fazer o balanço e a análise das perspectivas criadas desde a realização, em Junho passado, da Presidência Aberta no distrito de Beja, até ao momento presente.
Do Sr. Presidente da República, esperávamos palavras de estímulo e ouvimos essas palavras.
Do Governo, esperávamos decisões e realizações e obtivemos o enumerar de um rol de diferimentos, adiamentos, dúvidas e falta de calendarização das acções a desenvolver no futuro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Da parte do Sr. Presidente da EDIA, ouvimos o anúncio de um conjunto de estudos, em realização, nas áreas do ambiente, do turismo, da água, da energia e da inovação, com os quais se pretende cumprir o desígnio da EDIA enquanto Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, que merecem o nosso apoio.
Mas não obtivemos respostas em relação a questões fundamentais para o desenvolvimento do projecto no domínio agrícola.
Assim, para quando o início da construção da rede primária de rega que faça chegar a água, entretanto armazenada na albufeira de Alqueva, aos perímetros de rega já construídos ou a construir?
Qual o faseamento da construção da rede secundária dos novos perímetros de rega? E como obter, para o efeito, os financiamentos necessários?
Ouvimos, mais uma vez, falar das potencialidades do aproveitamento civil da Base Aérea de Beja e de como, com um pequeno investimento, se pode concretizar um grande empreendimento, mas não ouvimos o anúncio da

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data da assinatura do protocolo de utilização da Base Aérea de Beja entre a Força Aérea Portuguesa e a EDAB. E para quando a concessão de exploração do aeroporto à EDAB?
Sem a concretização destes instrumentos não é possível desenvolver um eficaz plano de negócios que inspire a necessária confiança aos potenciais investidores interessados na utilização desta infra-estrutura.
Anuncia-se agora o início das obras necessárias para o aproveitamento civil da base aérea para o início de 2004, quando, em Junho de 2002, o Sr. Primeiro-Ministro se tinha comprometido à entrada em funcionamento do aeroporto civil até ao final do ano de 2003.
Quanto ao porto de Sines, ouvimos o seu presidente assumir que as acessibilidades próximas ao porto estariam concluídas até final do próximo mês de Abril e a entrada em funcionamento do Terminal XXI, já concluído em Março, se concretizaria em Maio de 2003.
A posição geográfica de Sines e o reconhecimento internacional da PSA são as alavancas-chave para a captura de transhipment, sendo, portanto, necessário garantir que a ligação à PSA não seja ensombrada por quaisquer quebras ou adiamentos de concretização de compromissos anteriormente assumidos.
No entanto, a obtenção do potencial de transhipment requer a captação de tráfego de hinterland e, por isso, o sucesso do porto de Sines, bem como o sucesso do aeroporto de Beja e do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva estão intimamente ligados e dependentes da melhoria das acessibilidades regionais.
Mas foi relativamente a esta temática que o discurso do Sr. Ministro das Obras Públicas mais apreensões nos criou.
Ninguém pode compreender que o Sr. Ministro das Obras Públicas ainda tenha dúvidas quanto ao tipo de via que o IP8 virá a ser e muito menos que ainda ponha a hipótese de esta via apenas no troço de Sines e Grândola, na ligação à A2, poder vir a ter quatro faixas de rodagem, passando a dispor de apenas duas faixas nos troços Grândola (A2) - Beja e Beja -Vila Verde de Ficalho.
O IP8, ligação de Sines a Espanha, é um eixo determinante no processo de desenvolvimento integrado do Baixo Alentejo. Em termos regionais, concretiza a ligação dos terminais do porto de Sines e da sua plataforma industrial ao futuro aeroporto de Beja e ao Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva. Em termos ibéricos, irá concretizar a ligação à rede espanhola de autovias, com ligação em Rosal de La Frontera, via Sevilha.
Hoje, já ninguém compreenderia que uma auto-estrada espanhola chegasse a Portugal e tivesse continuidade com uma rodovia simples de apenas duas faixas de rodagem.
O IP8 terá, pois, de ser concretizado como uma via de quatro faixas que coloque Alqueva, Beja e Sines em ligação com os grandes eixos rodoviários ibéricos e europeus.
Para levar estes projectos por diante sabemos que precisamos de contar com a solidariedade nacional, com o acesso aos fundos comunitários e que o Governo os encare como prioridades suas. Mas também sabemos que estes projectos que, embora se situem no Baixo Alentejo, transcendem o mero interesse regional e são, com toda a certeza, projectos de interesse nacional.
Mas para além dos grandes projectos e das suas componentes regionais, não podemos esquecer as zonas mais débeis do Baixo Alentejo, onde a influência daqueles pouco se fará sentir positivamente, sendo mesmo possível que as influências negativas se venham a fazer sentir com maior intensidade se não forem devidamente acauteladas.
"Não podemos perder mais tempo", foram as palavras finais do discurso do Sr. Presidente da República, na cerimónia de inauguração da Ovibeja, mas elas poderiam ter sido proferidas por um qualquer alentejano.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal não se pode dar ao luxo de interromper ou adiar a concretização destes importantes projectos, tão decisivos para inverter o ciclo de desertificação de uma parte tão significativa do território nacional e tão determinantes para que uma das regiões mais pobres da Europa possa aspirar ao desenvolvimento e à melhoria das condições de vida dos seus habitantes.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Bloco de Esquerda o tempo de 2 minutos que me cedeu.
Sr. Deputado Luís Miranda, trouxe à colação a questão do Alentejo e, em particular, do distrito de Beja e as obras e infra-estruturas que são necessárias e fundamentais para o seu desenvolvimento.
A questão não é de hoje nem é nova. Basta ver a obra de Alqueva que levou mais de 20 anos para avançar, por culpa de vários governos, mas que acabou por avançar em 1995.
Quanto aos projectos que são estruturantes para o Alentejo - Base Aérea de Beja, Alqueva e porto de Sines -, com todos os problemas que têm, devo dizer que, por si só, não resolvem a questão, é necessário que as acessibilidades sejam executadas, como o Sr. Deputado bem disse. Fundamental para o desenvolvimento do distrito de Beja é, por exemplo, a construção do IP8 com a ligação a Espanha, o qual também é fundamental para o desenvolvimento do porto de Sines que, de contrário, não avançará, sendo também essencial a resolução da questão do aeroporto de Beja.
Aliás, o Sr. Presidente da República veio trazer a debate esta matéria na sua segunda visita a Beja, enquanto o Sr. Ministro das Obras Públicas, que se comprometeu sobre isto, nada avançou sobre a matéria, tal como o próprio Sr. Primeiro-Ministro. Diria que os projectos estão hoje como estavam há mais de um ano atrás, embora com perspectivas de avanço pontual aqui ou ali.
É importante e fundamental que seja acelerada a construção das acessibilidades, não só rodoviárias como ferroviárias, precisamente para dar vazão ao porto de Sines e ao aeroporto de Beja.
É essencial que o aeroporto de Beja avance de uma vez por todas. Chega de criar dificuldades ao projecto, com estudo atrás de estudo. O último estudo é do LNEC e dá como certo que a pista pode ser aberta ao tráfego aéreo civil, embora com algumas condicionantes.
Para bem do desenvolvimento do distrito de Beja mas também de todo o País, façamos força para que estes projectos, que são estruturantes, avancem o mais rapidamente possível.
Pergunto-lhe, pois, Sr. Deputado, se está disponível para trabalhar nesse sentido juntamente connosco.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Miranda, tem mais dois pedidos de esclarecimento. Responde imediatamente ou no fim?

O Sr. Luís Miranda (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. Luís Miranda (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, como sabe, sempre estivemos disponíveis para trabalhar no sentido do desenvolvimento do Alentejo e, em particular, do Baixo Alentejo.
A prova mais evidente de que tal é uma realidade foi o ciclo de investimentos a que se assistiu durante o tempo do governo socialista. Certamente houve coisas que não correram da melhor forma, mas sabemos que nunca, na história mais recente do Baixo Alentejo, se assistiu a um tão volumoso investimento como o que foi feito nos últimos anos.
Sabemos que estes projectos unem todos nós que somos da região - o PCP, o PS e também os militantes do PSD e do CDS-PP.
Estes projectos são estruturantes e vitais para a nossa região, mas, pela nossa parte, não queremos ser "notários", isto é, não queremos atribuir paternidade a nenhum destes projectos, queremos é que sejam realizados o mais rapidamente e da melhor maneira possível. Estaremos sempre disponíveis para essa luta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Raimundo.

O Sr. Miguel Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Miranda, é sempre bom ouvi-lo falar da Ovibeja. De facto, trata-se de um certame de enorme importância para o sector agrícola do Alentejo.
De qualquer forma, não posso deixar de dizer-lhe que a importância deste certame também é devida às associações de agricultores, de produtores de uma variada gama referente ao sector agrícola.
Relativamente à edição deste ano da Ovibeja, não posso deixar de salientar o papel importantíssimo do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e do actual Ministro. Louvo, pois, a sua acção que se prende com a realização da Ovibeja de 2003.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Passo agora à questão que quero colocar-lhe.
Relativamente ao Alqueva, a infra-estrutura que referiu foi inaugurada pelo anterior executivo socialista sem estar completamente concluída. Faltava, Sr. Deputado, o equipamento eléctrico que permitisse testá-la, tendo-se verificado depois que alguns pormenores não estavam concluídos.
Assim, pergunto a V. Ex.ª se pode pormenorizar qual era a situação financeira relativamente ao Alqueva quando executivo socialista cessou funções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Miranda.

O Sr. Luís Miranda (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Raimundo, começo pelo fim, respondendo-lhe ao que referiu relativamente às questões financeiras.
Os problemas financeiros da EDIA, se existem, têm de ser resolvidos.

Vozes do PSD: - Ah!…

O Orador: - E com certeza terá de ser este Governo a resolvê-los. O Sr. Deputado certamente não espera que seja a oposição a resolver os problemas financeiros da EDIA.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem podíamos ficar à espera…!

O Orador: - Quanto ao Alqueva e à infra-estrutura 12, tanto quanto me é dado saber - e visitei a mesma várias vezes -, a empreitada estava concluída quando foi inaugurada. No entanto, como em todas as obras públicas, as empreitadas têm recepção provisória e recepção definitiva. O período de recepção provisória é para ser feita a correcção dos problemas existentes.
Que eu saiba, o Governo do partido a que V. Ex.ª pertence está em funções desde há mais de um ano…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Que eu saiba, os problemas relativamente a falhas de construção acontecem em todas as obras, tanto feitas pelos governos do PS como pelos do PSD. Portanto, os problemas de construção existem, há mecanismos legais para resolvê-los e espero é que haja capacidade por parte da administração da EDIA, com o apoio do Governo, para a resolução destes problemas e para a referida infra-estrutura poder começar a funcionar.
Quanto à importância da Ovibeja, é reconhecida por todos como uma parceria público/privada, contando com a iniciativa do movimento associativo do Baixo Alentejo.
Quanto ao apoio do Ministério da Agricultura à Ovibeja, penso que não faz mais do que o seu dever.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Miranda, ouvi a sua intervenção e há algumas matérias que me suscitam algumas interrogações, a primeira das quais relativamente à referência que fez acerca do volumoso investimento feito no Baixo Alentejo, nos últimos anos.
É que, Sr. Deputado, a não ser que esteja a contar com o investimento no Alqueva, não se pode concretizar essa sua afirmação.
Ainda em relação a investimento feito no Baixo Alentejo, vale a pena referir que a decisão de construção da

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barragem do Alqueva partiu de um governo em que estava representado o PSD e em cuja vigência foi garantido o financiamento da obra e respectiva viabilidade com verbas do Quadro Comunitário de Apoio.
Independentemente de todas as mistificações que os senhores têm feito ao longo deste processo do Alqueva, devo dizer-lhe que conheço detalhadamente todo processo por ter estado presente na cerimónia em que foi tomada a decisão e, portanto, esses louros não são para vós. Ainda que os tivessem, Sr. Deputado, fazer o Alqueva não chega.
O conjunto de investimentos de que carece o Baixo Alentejo - infra-estruturas rodoviárias e ligações ferroviárias - e, sobretudo, dar-se uma oportunidade à economia do região é o mínimo exigível a um governo que esteve em funções durante seis anos. Ora, sobre isso, o Sr. Deputado disse nada, mas já nos disse aqui, hoje, que espera que este Governo vá fazer o que os senhores não fizeram durante o tempo de governo do Partido Socialista.
Sr. Deputado, é verdade que vamos ter de fazer aquilo que os senhores não fizeram. Só que, infelizmente, perdemos mais seis anos, o Baixo Alentejo perdeu seis anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Miranda.

O Sr. Luís Miranda (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, já tive oportunidade, na resposta que dei ao Sr. Deputado Rodeia Machado, de dizer que os certificados de paternidade não interessam muito aos baixo-alentejanos. O que os baixo-alentejanos querem é que os projectos que sempre foram, e continuam a ser, assumidos sejam uma realidade.
Quanto à negociação dos fundos comunitários, o que o Sr. Deputado disse é falso - nada mais tenho a dizer.
Nós sabemos que o Baixo Alentejo é uma das regiões mais pobres da Europa, sabemos que os investimentos necessários para o Baixo Alentejo dependem da solidariedade nacional e também sabemos que, para serem feitos, eles têm de ser assumidos como prioridade do Governo porque, se não forem assumidos como tal, o dinheiro não irá para o Baixo Alentejo.
Portanto, Sr. Deputado, o que espero de si é que se junte ao Partido Socialista e aos outros partidos e faça com que estes projectos, tantas vezes adiados, sejam uma realidade neste Governo do partido a que V. Ex.ª pertence.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Para uma rápida interpelação à Mesa sobre este assunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se é sobre este assunto, não é uma interpelação à Mesa, Sr. Deputado.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - É sobre a condução dos trabalhos e uma afirmação aqui feita, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas a Mesa nada tem a ver com as afirmações que foram feitas. Isso não tem influência sobre os nossos trabalhos.
Pode pedir a palavra para fazer um protesto, se quiser.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Não se trata de um protesto, Sr. Presidente, mas, de certa forma, de uma solicitação à Mesa para que um assunto que aqui foi abordado seja esclarecido, face a uma informação anterior dada à Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas.

O Sr. Presidente: - E qual é esse assunto, Sr. Deputado?

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, então, se me permite, passo a explicitá-lo: na visita efectuada pela Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas ao Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, fomos informados de que não teria havido auto de recepção provisória da obra referente à infra-estrutura 12.
Ora, durante este debate, foi afirmado que houve este auto de recepção, pelo que peço à Mesa o favor de esclarecer este assunto, solicitando ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas o auto de entrega provisória da infra-estrutura 12.
Era este o pedido, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que formalize esse requerimento por escrito, para lhe poder ser dado andamento.
Srs. Deputados, hoje, começámos o período de antes da ordem do dia pelas intervenções de interesse político relevante dado que, à hora de início da sessão, nenhum dos Srs. Deputados inscritos para declarações políticas se encontrava no Hemiciclo.
Para uma declaração política, tem, então, agora, a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais terminou, ontem, o debate, na especialidade, da proposta de lei n.º 29/IX, com a aprovação do Código do Trabalho, que se publica em anexo e dela faz parte integrante.
Tal facto é para nós, Partido Social-Democrata, motivo de regozijo, que hoje e aqui evidenciamos, desde logo porque o novo diploma decorre de um processo de formação da lei assente no diálogo e na concertação sociais, princípios que privilegiamos sempre que estão em causa questões de natureza laboral, e, por outro lado, pela importância que o novo diploma significa para o País.
É sabido que a proposta de lei n.º 29/IX emerge de uma decisão do XV Governo Constitucional, consubstanciada no seu Programa de Governo, aprovado nesta Assembleia da República, no sentido de proceder a uma profunda reforma da legislação laboral.
Na verdade, o Governo sublinhou que "A legislação laboral em vigor carecia, nalguns dos seus aspectos, de urgente revisão em ordem à sua sistematização e adaptação às novas necessidades da organização do trabalho e ao reforço da produtividade e da competitividade da economia nacional".

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Cremos convictamente que, sendo correcto esse diagnóstico, os propósitos programáticos do Governo foram amplamente conseguidos, à luz do normativo aprovado em sede de comissão.
Mas permitam-nos que aqui recordemos, ainda que de forma sintética, o processo que, de forma exemplar, conduziu à versão final da nova lei.
Em 18 de Julho de 2002, foi aprovado, na generalidade, no Conselho de Ministros, o anteprojecto do Código do Trabalho, o qual foi apresentado aos parceiros sociais, em reunião da Comissão Permanente de Concertação Social, em 25 de Julho desse mesmo ano.
Na sequência, decorreu um debate no âmbito do Conselho Permanente de Concertação Social, entre os dias 12 de Setembro e 7 de Novembro de 2002, enquanto o anteprojecto do Código do Trabalho permitiu um amplo debate a nível nacional, envolvendo a sociedade civil.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em 14 de Novembro de 2002, e como corolário do debate promovido à luz do anteprojecto do Código do Trabalho, o Governo apresentou nesta Assembleia da República aquela que é a proposta de lei n.º 29/IX.
Tendo sido admitida por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, a proposta de lei baixou à Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais, sendo certo que o período legalmente estabelecido para a consulta pública, nos termos constitucionais e legais, que habitualmente é estabelecido em 30 dias, foi alargado, tendo decorrido entre 15 de Novembro de 2002 e 8 de Janeiro de 2003.
Neste período de consulta pública, a Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais tomou a iniciativa de promover um debate alargado no âmbito da Comissão, para tanto tendo procedido à audição do Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho, do Presidente do Conselho Económico e Social, dos vários parceiros sociais e outras organizações laborais, e ainda de especialistas na área do Direito do Trabalho e outras associações, e tendo o PSD organizado um colóquio, a nível internacional, nesta Assembleia da República, enquanto o Governo continuou o debate sobre o novo diploma, em sede de Conselho Permanente de Concertação Social.
Após elaboração, discussão e aprovação do respectivo relatório da proposta de lei, em comissão, esta subiu a Plenário, tendo o debate, na generalidade, ocorrido em 15 de Janeiro de 2003 e a proposta de lei sido aprovada, na generalidade, em 16 de Janeiro de 2003, com baixa à 8.ª Comissão.
Na sequência, foi, então, iniciada e promovida a discussão na especialidade e votação da proposta de lei n.º 29/IX, o que significou um amplo e participado debate entre os Deputados de todos os partidos políticos, à luz dos artigos que integram a proposta de lei e o próprio Código do Trabalho, e bem assim das centenas de propostas de alteração e/ou de substituição apresentadas por todas as forças partidárias, cujo processo, como atrás referi, terminou ontem, com a votação de todos os artigos que integram a proposta de lei e o Código do Trabalho anexo.
E com tudo isto se concluiu uma discussão, na especialidade, que permitiu uma análise e uma reflexão, em alguns casos exaustivas, de todas as matérias, em ordem a que se tivesse consagrado no texto final o resultado das propostas que se julgaram mais adequadas ao futuro Código do Trabalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, entendemos que, hoje e aqui, devemos sublinhar, com enorme satisfação, a forma firme, empenhada e participada com que todos intervieram no processo de formação da lei, evidenciando o quanto pertinente foi a iniciativa do Governo, à luz das suas linhas programáticas, e bem assim as virtualidades que decorrem do diálogo social quando estão em causa questões do foro laboral.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É que, na esteira do que repetidas vezes o Sr. Primeiro-Ministro, Dr. José Manuel Durão Barroso, tem dito, o Partido Social-Democrata perfilha, e assume como seu referencial nesta área, o princípio de que se deve privilegiar a concertação, em detrimento da confrontação.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mas se todo este processo de formação da nova lei significa para nós motivo de regozijo, sentimos ainda mais orgulho pela circunstância de estarmos conscientes do quanto significará para o País a aprovação do novo Código do Trabalho.
Na verdade, entendemos que o novo normativo procura encontrar o equilíbrio entre coesão económica, responsabilidade social e justiça redistributiva, para tanto promovendo, nomeadamente, melhores níveis de produtividade e competitividade da economia portuguesa, ao mesmo tempo que acentua o respeito e a observância pelas condições de trabalho para os trabalhadores e o reconhecimento do mérito da sua prestação de trabalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Se fosse verdade, era bom!

O Orador: - Neste contexto, enumeramos algumas matérias que, entre outras e pela importância e pelo alcance de que se revestem, evidenciam positivamente o conteúdo do novo diploma, a saber: a promoção da adaptabilidade e a flexibilidade da organização do trabalho, por forma a aumentar a competitividade da economia e das empresas; a criação das condições que permitem flexibilizar os horários de trabalho, estabelecendo igualmente as condições para uma melhor gestão de trabalho e um maior desenvolvimento do trabalho a tempo parcial, com vista a facilitar a adaptação aos desafios colocados pela globalização; a consagração do respeito pelos direitos de personalidade dos trabalhadores; a protecção da família, com a manutenção e alargamento de novos direitos; o reconhecimento do mérito pelo desempenho e assiduidade; a promoção de adequadas condições de trabalho, com respeito pelas normas de segurança, higiene e saúde no trabalho; e a revitalização da contratação colectiva.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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Por outro lado, o novo diploma significará a defesa da ideia de um verdadeiro Estado de direito.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como referi no início desta minha intervenção, terminou ontem um importante processo legislativo que irá conduzir à aprovação do novo Código do Trabalho.
Trata-se de mais uma reforma estrutural, que o Governo, apoiado pelo Partido Social-Democrata e pelo Partido Popular, promoveu, a qual responde a um propósito programático, mas sobretudo a um imperativo do próprio País.
Por isso, e em conclusão, saudamos a forma como foi desenvolvido todo o processo de formação da lei e a aposta séria e responsável no diálogo social.
E saudamos ainda a introdução, no próximo futuro, de um novo quadro legal regulador das relações de trabalho em Portugal, com observância pela Lei Fundamental e pressuposto da promoção de melhores níveis de produtividade e maior competitividade das empresas, tudo isto salvaguardando e acentuando os direitos dos trabalhadores e a ideia do Estado de direito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco José Martins, disse o Sr. Deputado que este processo decorreu de forma exemplar. Eu diria que decorreu de uma forma sui generis, pois, durante o período de tempo em que o anteprojecto esteve em discussão em sede de Comissão Permanente de Concertação Social, nunca o Governo encetou um processo de negociação e muito menos de concertação.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Os cinco parceiros, tanto patronais como sindicais, foram unânimes em afirmar, em sede de Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais, que nunca tinha decorrido um processo de negociação e que o Governo se tinha limitado a apresentar as suas ideias e a ouvir os parceiros sem com eles negociar e muito menos concertar.

Vozes do PSD: - Não é verdade! É falso!

O Orador: - Após a entrega da proposta de lei na Assembleia da República, após esse momento em que o Governo já não podia fazer qualquer alteração ao diploma mas tão-só retirá-lo, só a partir desse momento é que, de uma forma sui generis, o Governo decidiu então negociar com os parceiros sociais. Pergunto-me até se o Governo terá negociado com esses mesmos parceiros sociais no seu todo ou só em parte…
Sr. Deputado Francisco José Martins, foi aqui dito pelo Sr. Ministro Bagão Félix, aquando da discussão na generalidade, que havia a disponibilidade do Governo para, em sede de especialidade, encontrar consensos com a oposição. Mas, afinal, o que é que se verificou em sede de especialidade? Em primeiro lugar, que a matriz era tão defeituosa - como, aliás, nós sempre dissemos - que os partidos da maioria se viram obrigados a apresentar mais de 200 propostas de alteração à proposta de lei aqui discutida na generalidade.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Pobre Governo!…

O Orador: - E, depois, que o Partido Socialista, que apresentou mais de 300 propostas de alteração, só viu aprovados um número, uma alínea e três artigos. Foi esta a "disponibilidade" manifestada aqui pelo Sr. Ministro Bagão Félix para encontrar consensos!…

Aplausos do PS.

Esta é a forma autocrática como a maioria encara a discussão de um diploma na especialidade.

Vozes do PSD: - Não colaboraram!

O Orador: - Terminada a discussão e votação na especialidade, verificamos que este código, em matéria de direitos individuais, é altamente gravoso para os trabalhadores, porque, em termos de adaptabilidade, não serve os trabalhadores nem as empresas, e, em matéria de direitos colectivos, proporciona situações graves, já que permite que uma convenção possa caducar sem que uma outra entre em vigor, deixando os trabalhadores não cobertos por qualquer convenção colectiva de trabalho.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - É verdade!

O Orador: - Essa falácia que foi lançada, de que este código…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em suma, este código não serve as empresas, não serve os trabalhadores, não serve a economia nacional.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado…

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Cunha, todos nós constatámos, particularmente os Deputados que estiveram envolvidos na discussão na especialidade, a posição incómoda do Partido Socialista perante todo o processo de formação desta lei.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desde logo, por aquilo que não fez anteriormente - e esteve seis anos e meio no governo! - e, depois, por aquilo que este Governo se propôs fazer, realizou e vai realizar e que é inovador.
Este novo código é fundamental e será, indiscutivelmente, um instrumento adequado para o País regular as relações de trabalho e um instrumento que ajudará a criar melhores níveis de produtividade em Portugal e uma maior competitividade entre as empresas.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Nem o senhor acredita nisso!

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O Orador: - O Partido Socialista falhou inevitavelmente.

Protestos do PS.

Ó Srs. Deputados, tenham paciência! Os senhores tiveram oportunidade para, em seis anos e meio, fazer algo de concreto, mas nada fizeram para alterar aquilo que é o quadro legal das relações de trabalho em Portugal.
Se quiserem ouvir, explico…

Protestos do PS.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Se não sabe o que há-de dizer, esteja calado!

O Orador: - Os factos são claros e as palavras não podem contestá-lo: tivemos um processo com princípio, meio e fim.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - É pena o fim ser péssimo!

O Orador: - O Governo discutiu amplamente - nada nem ninguém pode negá-lo. E, no dia em que o Governo trouxe a proposta de lei à Assembleia da República, o Partido Social-Democrata e o Partido Popular tiveram a abertura para a discutir exaustivamente, para ouvirmos a sociedade civil e para falarmos com os parceiros sociais - fizemo-lo!
O que o Partido Socialista não fez, Sr. Deputado Rui Cunha, e é triste, foi apresentar um código alternativo para discussão em sede de especialidade, tal como se tinha proposto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Por conseguinte, o que, de forma serena, queremos evidenciar…

O Sr. Presidente: - O seu tempo esgotou-se, Sr. Deputado.

O Orador: - O que nós queremos evidenciar - e esta é a nota final - é que a minha intervenção traduz…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A falta de recursos naturais, e de outros meios que nos permitam afirmarmo-nos por aí, implica que Portugal, para ser um país competitivo, tenha de apostar decisivamente na qualificação dos portugueses. É por isso que essa necessidade é imperiosa para o nosso país. Só assim poderemos assegurar uma competitividade que seja satisfatória e que contribua para o desenvolvimento de Portugal!
É por isso que a área da educação é determinante para nós sabermos se somos, ou não, um País moderno, competitivo e que se possa afirmar na realidade internacional; é por isso que é preciso que tenhamos um sistema de ensino que seja eficaz, justo e com regras que sejam respeitadas; é por isso que a educação não pode ser uma brincadeira e é por isso que há realidades que são absolutamente intoleráveis para que consigamos dar este salto e ser competitivos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Entre estas realidades que são inaceitáveis está aquilo que aconteceu nos últimos anos com o ensino recorrente no nosso país.
Pouco depois de tomar posse, este Governo viu-se confrontado com um grave problema: em Outubro de 2001, vários alunos que haviam concorrido ao ensino superior, denunciaram uma situação inaceitável à Inspecção-Geral da Educação e ao Sr. Provedor de Justiça. Alegavam eles que tinham sido preteridos em favor de alunos com médias mais altas, mas tendo essas médias sido obtidas através de uma utilização indevida do ensino recorrente, utilização sem a qual nunca teriam obtido resultados que lhes permitissem passar à frente destes alunos queixosos.
Mas será que estes alunos tinham obtido essas médias só por si, utilizando perversamente o sistema? Infelizmente, não, infelizmente, havia um enquadramento jurídico duvidoso que permitiu que esta prática existisse no nosso país.
Isto porque o ensino recorrente, tal como a designação o diz, é um ensino de recurso. Ao abrigo do previsto no artigo 20.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, este sistema serve só, e apenas, para aqueles que já não se encontrem na idade normal de frequência dos ensinos básico e secundário, ou para aqueles que não tiveram a oportunidade de se enquadrar no sistema de educação escolar, na idade normal de formação.
De facto, só para esses é que o sistema devia funcionar, mas não era o caso da maioria destes alunos que obtiveram médias que lhes permitiram entrar na Universidade. No entanto, depressa se percebeu o que estava a acontecer, até porque, tal já se tinha passado, infelizmente, em anos anteriores: havia alunos que estavam a aproveitar este tipo de ensino de recurso para conseguirem notas bastante mais altas do que aquelas que conseguiriam no sistema normal; havia alunos que estavam a usar o sistema de uma forma perversa e que estavam a ultrapassar outros que, por cumprirem com a legalidade e por serem honestos estavam manifestamente a ser prejudicados. Ora, isto é, a todos os títulos, intolerável! A situação, aliás, já tinha sido levantada pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, nesta Legislatura, aqui na Assembleia da República, em Maio de 2002.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Mas voltemos ao enquadramento legislativo e regulamentar desta matéria: é de salientar que, apesar de o artigo 20.º da Lei de Bases do Sistema Educativo dizer taxativamente que este sistema se aplicaria apenas a maiores de 18 anos, havia um conjunto de despachos que permitia interpretações duvidosas e até interpretações contrárias ao espírito e ao texto da Lei de Bases do Sistema Educativo e que permitiam que outros alunos, que não cumpriam os requisitos inseridos na Lei de Bases do Sistema Educativo, pudessem frequentar este tipo de ensino. Havia também inclusivamente, despachos de várias direcções-regionais de educação que ajudavam a que

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este sistema fraudulento fosse um sistema que vigorasse no nosso país.
Mas, felizmente, em 17 de Março de 2002, as coisas mudaram. O novo Governo tentou, de imediato, tomar medidas para pôr cobro a esta flagrante injustiça. A Inspecção-Geral da Educação começou a averiguar e a investigar, tendo-se depressa confirmado a existência de irregularidades graves. Alguns dados, em particular, eram especialmente gritantes. Só a título de exemplo: no ano de candidatura ao ensino superior de 1998/1999, o número de alunos inscritos oriundos do ensino recorrente era de 1787.
Mas vejamos a evolução que esta realidade teve em apenas cinco anos: em 1999/2000, já eram 4030; em 2000/2002, já eram 7461; em 2001/2002, eram já 10 929; e em 2002/2003, chegaram aos 18 524.
Ou seja, em apenas cinco anos, passamos de 1787 alunos do ensino recorrente a entrarem no ensino superior para 18 524 que entraram directamente no ensino superior. Isto seria positivo se também tivessem entrado os outros, mas infelizmente, assim não aconteceu. Estes alunos entraram em vez de outros frequentando a via normal que, ao respeitarem a lei, foram manifestamente prejudicados.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, este processo chegou ao fim. Foi já publicado o relatório final do grupo coordenador da acção de verificação das colocações no ensino superior dos alunos oriundos do ensino recorrente. É de salientar que esse foi um processo da maior delicadeza, mas que o Ministério da Educação conduziu com rigor e celeridade notáveis, que hoje, obviamente, aqui fazemos questão de salientar.
Os alunos que ilegitimamente beneficiaram deste tipo de ensino tiveram procedimentos que, embora eticamente reprovável, não terão mais consequências, única e exclusivamente, porque estão já ultrapassados os prazos de anulabilidade de actos administrativos e, em alguns casos, foram as próprias circulares, como já disse, das direcções-regionais que, admitindo equivalências e testes de posicionamento, deram origem a situações verdadeiramente mirabolantes.
No entanto, é importante salientar que a posição de favor destes alunos é ilegítima com o desvalor ético grave que só será consolidada devido às regras de um Estado de direito que permitem que, neste momento, sejam anuladas essa mesmas matrículas e os outros actos administrativos que conduziram a esta situação.
Convém, porém, vermos como foi feito todo este processo: foram instaurados 274 processos de inquérito a escolas do ensino secundário públicas e privadas, para apuramento de eventuais fraudes relacionadas, com o ensino recorrente.
Deste total, 221 são escolas do ensino público e 53 do ensino privado, 94 em Lisboa, 83 no Porto, 57 na Direcção-Regional de Educação do centro, 25 no Alentejo e 15 no Algarve.
Foram também instaurados processos de inquérito às Direcções-Regionais de Educação Norte, Centro e Lisboa; foram adoptadas medidas compensatórias - e isto é muito importante - aos alunos injustamente preteridos no concurso de acesso ao ensino superior em 2002/2003. Serão criadas cerca de 800 vagas supranumerárias para os alunos penalizados, dos quais cerca de 200 estão na área da saúde - e isto é muito importante porque 200 alunos na área da saúde é um peso brutal para o número de vagas que temos para ensino superior nesta área em Portugal.
Ora, a partir destas vagas supranumerárias a justiça será reposta e esses alunos terão finalmente direito àquilo que fraudulentamente lhes foi retirado. Ou seja, este Ministério vai fazer justiça compensando a injustiça que foi feita pelo governo anterior.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Mas não se fica por aqui, por fazer justiça em relação ao passado: o Ministério está a trabalhar em conjunto com o Ministério da Ciência e do Ensino Superior para que sejam clarificadas as regras, para que este tipo de situações não voltem a acontecer e para que este tipo de fraudes não se voltem a verificar.
Esta é, naturalmente, uma situação lamentável e não podem ser escamoteadas as responsabilidades governativas de quem anteriormente conduziu o Ministério da Educação.
Também na educação os 6 anos de desgoverno socialista conduziram a situações de injustiça e laxismo completamente intoleráveis, mas agora temos um Governo e uma maioria que repõem a legalidade, a justiça e que repõe Portugal no caminho da qualificação dos portugueses.
É esse o nosso caminho!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Granada.

A Sr.ª Cristina Granada (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, em primeiro lugar, quando acusa de laxista e de injusta a governação anterior creio que não está a fazer uma plena consideração sobre todo o trabalho empreendido.
Assim, à luz disto, pergunto-lhe como é que avalia que, neste momento, as escolas estejam sem resposta para os seus trabalhos, estejam sem acompanhamento e sem articulação, sem diálogo para inúmeras questões que se vão levantando? Veja os reduzidos orçamentos que impedem estabelecimentos escolares de terem, por exemplo, um perfeito aquecimento…
Como é que classifica uma situação em que inúmeras pessoas encontravam resposta no ensino recorrente, como uma segunda alternativa, porque durante o seu percurso, durante a sua vivência, não obtiveram outra possibilidade para se formar?
Consideramos correcto que se puna quem prejudica os outros, quem prevarica, mas não que se tome a parte pelo global, porque isso não é justo para quem tem aí uma resposta adequada. Deste modo, como é que justifica que se prejudique tanto e se deite a perder tanto trabalho bem feito e bem conduzido?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, João Pinho de Almeida, o senhor falou - e bem! - no ensino recorrente como um ensino de segunda oportunidade.
Sabemos, porém, que o que resultou maioritariamente deste tipo de ensino foi uma mensagem de facilitismo por

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parte do Estado, franqueando as portas a alunos com menos de 18 anos e fazendo uma fiscalização, meramente esporádica. Ora, foi isso, talvez, que permitiu, segundo um estudo vindo a público, que 101 em 155 candidatos aos cursos de Medicina tivessem entrado com uma média de 20.
Ora, isto representa uma percentagem de 65,2% comparada com 5,8% do ensino regular, não esquecendo que, para além da falta de ordenação da rede escolar, o que se defraudou foram alunos que se esforçaram por cumprir as regras, foram famílias que independentemente da sua cor partidária fizeram muitos sacrifícios para terem os filhos a estudar pelas regras normais do ensino regular e de uma Nação que procura recuperar o atraso em matéria de qualificação dos portugueses.
Por isso, associo-me à sua saudação a este Governo no rigor que tenciona impor e, por outro lado, por ter optado por compensar quem ficou prejudicado sem atacar, digamos assim, quem aproveitou um caminho facilitista, embora eticamente reprovável, facultado pelo Estado.
Sr. Deputado, gostaria de perguntar-lhe se é assim ou não que se faz justiça, se é ou não verdade que a falta de rigor do árbitro chamado Estado pode assinalar "grandes penalidades" que prejudicam toda uma carreira de um jovem estudante. Como é que se sentiria se tivesse tido a responsabilidade do pacote que se falou neste PAOD? É verdade ou não que este relativismo redunda em libertinagem?
Por fim, pergunto-lhe se é este caminho de rigor que quer seguir, porque, se é esse o seu caminho, esse é também o nosso caminho!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cristina Granada, V. Ex.ª tentou, naturalmente, desviar o assunto da intervenção que aqui hoje fiz e eu não vou desviar o assunto na resposta.
A matéria que hoje aqui tratamos é uma matéria de tal forma importante e de uma responsabilidade tão grande para o Estado, independentemente do governo que assumiu responsabilidades antes ou depois deste problema, que não permite que se vá para além do tema que aqui estamos a tratar. A Sr.ª Deputada chegou a falar de aquecimento das escolas e digo-lhe a sua intervenção em relação ao ensino recorrente foi "zero" e, portanto, "não aqueceu nem arrefeceu".

Vozes do PS: - "Zero" foi a sua resposta!

O Orador: - Quanto ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Gonçalo Capitão, a questão é saber se temos coragem ou não para fazer justiça; a questão é saber se o Estado tem ou não coragem para assumir as responsabilidades de que está incumbido, porque é muito fácil dizer a todos que sim, é muito fácil criar um sistema e a seguir pervertê-lo de maneira que o inicial não funcione, de maneira que funcione à maneira de cada um, de maneira que funcione para ajudar uns aqui e outros ali sem perceber que, se não houver uma linha clara de justiça, nunca se está a ter o rigor necessário independentemente das considerações, com falta de rigor também elas do ponto de vista da Ciência Política, que são atribuídas a quem tem a coragem de ter esta postura.
Assim, não são as considerações com falta de rigor do ponto de vista da Ciência Política feitas pelas bancadas da esquerda que vão inibir a minha bancada, e certamente também a do PSD, de continuar a seguir uma linha de justiça, a justiça que permitiu denunciar a fraude, que permitiu punir a fraude e que, acima de tudo, e é o mais importante, permitiu que aqueles que foram prejudicados tenham agora uma nova oportunidade e possam entrar para o ensino superior.
Srs. Deputados, com o desgoverno do Partido Socialista era a asneira que era recorrente, connosco não vai ser!!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira da Silva.

O Sr. Vieira da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Presidente da República devolveu à Assembleia da República sem promulgação o diploma que visa instituir o rendimento social de inserção e, assim, alterar alguns aspectos da prestação social do rendimento mínimo garantido.
Esta decisão seguiu-se a um primeiro veto, por inconstitucionalidade, de uma anterior versão deste mesmo diploma. O Tribunal Constitucional reconheceu, então, que uma norma da lei que instituía o rendimento social de inserção violava o direito a um mínimo de existência condigna, inerente ao princípio do respeito pela dignidade humana decorrente da nossa Constituição.
Na segunda leitura efectuada pela Assembleia da República, há umas semanas atrás, cabia a esta Câmara responder coerentemente, resolvendo de forma clara a inconstitucionalidade em causa. Nessa altura, o Partido Socialista apelou a que a maioria o fizesse de forma frontal e inquestionável e que o pudéssemos concretizar de forma amplamente maioritária.
Conforme então afirmámos, as propostas da maioria aqui aprovadas não foram nesse caminho.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo e a maioria resistiram à correcção da inconstitucionalidade, reagiram com reserva mental e não souberam entender o veto do Sr. Presidente da República e o acórdão do Tribunal Constitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Lamentável!

O Orador: - O pedido de reapreciação agora enviado pelo Sr. Presidente da República e a mensagem que o fundamenta são claros e, no nosso entender, inquestionáveis.
Ouvimos da parte de alguns dirigentes da maioria, em especial do CDS-PP, afirmar que não compreendiam o sentido da devolução nem, lendo e relendo a mensagem, percebiam a posição assumida pelo Sr. Presidente da República ao considerar que as alterações introduzidas não resolviam o problema da inconstitucionalidade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Notou-se que não percebiam!

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O Orador: - Mas elas são claras e cristalinas, e só não as entende quem não as quer entender!!

Aplausos do PS.

Mas, Srs. Deputados, façamos mais uma tentativa.
Primeiro, o acórdão do Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade duma norma que retirava a um conjunto de cidadãos o direito a uma prestação social fundamental para garantir o direito a um mínimo de existência condigna, direito esse que a nossa Constituição consagra; segundo, a maioria, na segunda leitura, continuou a restringir esse direito, ainda que de forma diferente, a um grupo de cidadãos; terceiro, a maioria alargou, inclusivamente, esse conjunto de cidadãos discriminados negativamente, passando dos jovens dos 18 aos 25 anos para os cidadãos até aos 30 anos. Para a maioria, aos que têm entre 18 e 30 anos não lhes basta provar que vivem em extrema pobreza, exige-se-lhes que só após, pelo menos, meio ano de carência extrema possam aceder ao rendimento de inserção.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - É o humanismo!

O Orador: - Conclusão: a proposta aprovada pela maioria não resolveu o problema da inconstitucionalidade e manteve uma atitude discriminatória que nada justifica.

Vozes do PS: - Exactamente!

Vozes do PSD: - Mentira!

O Orador: - Cabe de novo a palavra a esta Assembleia. A maioria tem mais uma oportunidade para mostrar se aceita uma prestação social de apoio à extrema pobreza, sem reticências e sem reserva mental.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De novo apelamos à maioria para que corrija a inconstitucionalidade que se mantém e não persista num erro e numa obstinação incompreensíveis.

Aplausos do PS.

E só há uma forma de o fazer: retirando as condições mais restritivas de acesso dirigidas aos mais jovens.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quer isto dizer que não devemos privilegiar a inserção pelo trabalho, a disponibilidade total de todos os cidadãos para serem eles próprios os agentes primeiros da sua inserção social? Nada disso. Ao contrário do que alguns querem fazer querer, não é isso que nos divide.
O Partido Socialista propôs, nesta Assembleia, que a lei configurasse a obrigatoriedade de todos os desempregados se inscreverem como tal e obedecerem a todas as exigências dos centros de emprego caso fossem candidatos ou beneficiários ao rendimento de inserção.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Uma obrigação para todos, sem discriminação e sem os seis meses de antecedência.
A maioria não aprovou essa proposta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Fez mal!

O Orador: - Insistiu em discriminar e tentar, aliás com pouca subtileza, fingir que corrigia a ilegalidade. E assim não soube, ou não quis, expurgar a inconstitucionalidade da lei que aprovara.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Mas não enganaram ninguém!

O Orador: - Tem a maioria de novo a palavra. Nesta matéria a maioria está isolada e não tem razão.
Insistir neste caminho pode ser uma prova de força, mas nunca será uma prova de razão.

Aplausos do PS.

Espantosas são, no entanto, as palavras do Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho, que se mostrou indignado e afirmou - de forma que terei de classificar como pouco responsável - que a não promulgação da lei significava que "em Portugal é muito difícil fazer reformas de fundo".

O Sr. José Magalhães (PS): - Sobretudo inconstitucionais!

O Orador: - Eis que regressa assim, pela voz do Ministro Bagão Félix, a tese das forças de bloqueio.
Mas, então, de quem é a responsabilidade desta situação? De quem é responsabilidade daquela que era uma "jóia da coroa" do Programa do Governo estar, um ano após a sua tomada de posse, tão longe de brilhar?
Vejamos: temos um Governo e um Ministro que enviam para a Assembleia da República uma lei mal formulada, tecnicamente incompetente e ferida de inconstitucionalidade. O Governo foi por nós avisado atempadamente.
Insistiu.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Tal e qual!

O Orador: - Viu confirmada a inconstitucionalidade, não a quis resolver com a necessária clareza. Novamente avisámos o Governo.
Insistiu.
Viu então, naturalmente, o diploma não promulgado. E agora queixa-se?! Faz o papel de vítima? Sabemos que o Governo gosta muito de representar o papel de vítima, mas, também aqui, "não fica nada bem na fotografia"!...

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a viver uma crise económica séria. O Governo empurrou o País para a recessão e nem assim parece disposto a mudar de políticas, mas os reflexos sociais da recessão já aí estão: desemprego a crescer como nunca cresceu e a atingir sectores bem frágeis - num ano o desemprego dos jovens cresceu 30% e dos cidadãos entre os 25 e os 35 cresceu 50%.

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É nestas alturas que os fenómenos de extrema pobreza mais se agudizam. É certo que o Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho é pródigo em anúncios de medidas de política social, tão pródigo que algumas delas já as anunciou três vezes! A concretização é que ainda não a vimos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo possível, com bom senso e responsabilidade, responder positivamente ao apelo do Sr. Presidente da República. Corrigir a inconstitucionalidade da lei em causa não a torna uma boa lei, mas torna-a uma lei melhor.
Esperamos que a Assembleia da República faça essa correcção, mas, se não a fizer, o Partido Socialista não deixará de usar todos os meios ao seu alcance para que a Constituição seja respeitada e a solidariedade social defendida.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem apalavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está prestes a chegar ao fim (mas ainda não chegou) a operação empreendida pelo Governo contra a Constituição laboral nascida com Abril e gerada nas duras lutas dos trabalhadores portugueses contra o fascismo.
A operação código do trabalho foi conduzida ao novo estilo texano do Governo, proclamando a necessidade de modernização da legislação, para ser conseguido mais investimento e mais emprego. Brevemente foi desmistificada esta operação, que podemos designar - parafraseando os falcões militaristas que querem dominar o Mundo - por "choque e pavor", do Ministro Bagão Félix.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O encerramento de fábricas aumentou, aumentou a deslocalização de empresas, procedeu-se a despedimentos colectivos à revelia da lei, tudo contando com o beneplácito da inércia dolosa do Ministro que deixou cair a pasta de Ministro do Trabalho para sobraçar os dossiers da globalização capitalista.
A máscara da modernização caiu para mostrar a carcaça de uma dama envelhecida que não consegue disfarçar a idade adiantada. Caída a máscara, a "operação código" mostrou-se como era: uma operação tosca, visando restrições aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, quando não o seu aniquilamento!

Aplausos do PCP.

A coberto da crise mundial e das tentativas de destruição do Direito Internacional, a "operação código" pretendeu, nesta fase final, passar sem rumor, docemente, convindo aos seus autores um agendamento apressado - não contarão connosco!
A obra, que se encontra na parte final, contém soluções técnico-jurídicas que suscitarão perplexidade seguida de sorrisos, quando não de uma sonora gargalhada, quando não da aflição dos aplicadores do direito.
Exemplo emblemático temo-lo numa das bandeiras do Ministro, já sem a pasta que lhe foi atribuída: a da pseudo-criminalização da exploração do trabalho infantil. O que se fez foi baixar a moldura penal e tornar quase ininteligível os requisitos do crime - porque este crime já se encontra previsto no artigo 152.º do Código Penal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Contra as malfeitorias do código, entre as quais se distinguem os ataques aos direitos colectivos dos trabalhadores, há barreiras importantes: a barreira da resistência e da luta, a barreira da Constituição laboral de Abril e do Direito Internacional, que faz parte do Direito português - artigo 8.º da Constituição - e que o Governo esquece.
O código viola o direito à negociação colectiva através da tentativa de imposição a trabalhadores filiados livremente num sindicato de contrato colectivo de trabalho celebrado por outro sindicato sem qualquer representatividade, por sindicato amigo do patrão, que obtém contrato colectivo por entre apertos de mão e palmadinhas nas costas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Com isto se viola, também, o direito à liberdade sindical e, ao mesmo tempo, infringem-se convenções da OIT ratificadas por Portugal.
Percebe-se em tudo isto a saudade daqueles países, como a Venezuela, em que os sindicatos amigos dos patrões do petróleo obstaculizam a luta dos trabalhadores em defesa do regime constitucional nascido de eleições. Mas também aqui a nossa Constituição laboral impõe uma barreira intransponível. Tem de render-se, Sr. Ministro!
Sabemos como as organizações de trabalhadores lhe causam uma verdadeira alergia, Sr. Ministro sem pasta! Daí que, num assomo de arrogância e agressividade, e mesmo à última hora, numa proposta, a maioria deu o dito por não dito quanto às comissões de trabalhadores. E, tal como o PCP teve oportunidade de denunciar na comissão, veio desdizer-se, negando o que tinha afirmado: afinal o que consta da lei das comissões de trabalhadores não vai continuar em vigor.

Vozes do PCP: - Uma vergonha!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pode caber nesta intervenção o recenseamento de todas as malfeitorias da operação código "choque e pavor". Muitas das denunciadas no debate na generalidade confirmaram-se, às vezes com agravamentos, como acontece relativamente ao direito à greve, através de uma disposição destinada a facilitar a substituição de grevistas. E, também, à última hora, foi apresentada uma proposta, depois retirada, que pretendia legalizar o lock-out.
Mas não pode deixar de referir-se que, através da caducidade das convenções colectivas de trabalho sem que outra esteja em vigor, se fazem caducar direitos dos trabalhadores, violando-se desta forma, à luz do recente acórdão do Tribunal Constitucional sobre rendimento social de inserção, o princípio da confiança no Estado de direito democrático.
Também não pode deixar de referir-se que ficam em risco os trabalhadores com salários em atraso, pois rejeitadas as propostas do PCP nesta matéria fica sem se saber que regime irá o Sr. Ministro adoptar.
Ficou a saber-se, e confirmou-se, que o Governo não respeita a convenção da OIT sobre protecção do salário e

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que o código configura uma total precarização da vida do trabalhador, quer através do alargamento da contratação a termo, quer através da mobilidade funcional e geográfica, quer através da violação do preceito constitucional sobre proibição dos despedimentos sem justa causa - não por pudor mas por ter medo de uma maior censura constitucional é que o Governo e a maioria recuaram nalgumas matérias (não nestas, noutras).
A maioria não poderá contar com o apagamento desta página negra da sua história. Terá a mesma sorte de todas as tentativas de tripudiar sobre os direitos, liberdades e garantias dos povos, porque a prova da solidariedade entre os direitos dos trabalhadores e os direitos dos cidadãos, está feita. Marcham a par e passo, são direitos humanos!
Parafraseando Gedeão, para os direitos humanos não há poderes que os domem.
Para os trabalhadores, com a sua força organizada, não há ventos que não prestem, nem marés que não convenham.

Aplausos do PCP.

Também parafraseando Shakespeare - e, a partir dele, recordo aqui o Dia Mundial do Teatro -, "É antes do amanhecer que a escuridão é mais profunda". Antes do amanhecer, Srs. Deputados!

Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, começo por assinalar que os grupos parlamentares que apresentaram candidaturas à eleição de órgãos externos à Assembleia da República previstas para hoje solicitaram a retirada dessas candidaturas, o que obriga a retirar também o respectivo agendamento, que será realizado oportunamente. Portanto, as eleições não se realizarão hoje.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, queria apenas esclarecer que não se tratou de retirada das candidaturas, mas, simplesmente, de um pedido de adiamento das eleições - as candidaturas mantêm-se.

O Sr. Presidente: - Então, verifica-se apenas o adiamento do acto eleitoral, que será agendado oportunamente.
Informo também que o projecto de resolução n.º 134/IX, relativo à viagem do Sr. Presidente da República à Argélia, e que estava agendado para hoje, foi retirado da ordem do dia. O Sr. Presidente da República comunicou que, devido à situação internacional, esta viagem ficou adiada sine die.
Posto isto, Srs. Deputados, vamos proceder à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 27/IX - Regime jurídico das terapêuticas não convencionais (BE) e 263/IX - Lei do enquadramento base das medicinas não convencionais (PS) e do projecto de resolução n.º 135/IX - Regulamentação da Osteopatia (CDS-PP).
Para apresentar o projecto de lei n.º 27/IX, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A saúde é um bem essencial e um direito fundamental e a medicina tão velha quanto a Humanidade, tendo ao longo de milénios multiplicado os seus saberes, aperfeiçoado as suas capacidades e desenvolvido toda a sua ampla gama de potencialidades.
A medicina tradicional chinesa, por exemplo, e mais concretamente uma das suas faces - a acupunctura -, já era sistematicamente praticada 2500 anos antes de Cristo.
Na Europa, nos últimos 30 anos, aumentou de forma exponencial o recurso às medicinas não convencionais, designadamente a medicina tradicional chinesa, a acupunctura, a homeopatia, a osteopatia, a naturopatia, a fitoterapia e a quiropraxia. E, nos países europeus, estima-se que estas medicinas sejam utilizadas por 25% a 60% da população e calcula-se que três em cada quatro europeus conhecem estas práticas.
Se é verdade que no seio do corpo médico convencional tende a generalizar-se a opinião de que diferentes métodos de tratamento não se excluem (muitos médicos fazem o encaminhamento de doentes para as medicinas alternativas quando nenhum outro tratamento convencional obteve resultados), existe um vasto leque de disciplinas naturológicas que não são reconhecidas em alguns países europeus. Contudo, outras já o são: em França, a acupunctura é reconhecida pela Academia de Medicina há mais de cinquenta anos e os medicamentos homeopáticos são reembolsados pela segurança social; no Reino Unido, foram instituídos, no início da década de noventa, o Osteopaths Act, que regulamenta a profissão de osteopata, e o Chiropractors Act, que legaliza a quiropraxia, também regulada nos Estados Unidos, Canadá, Noruega, Suécia e Austrália.
É na convergência deste progressivo e legítimo reconhecimento das medicinas não convencionais e do seu respectivo regime jurídico que a Organização Mundial de Saúde, que já tem elaborado recomendações prioritárias neste campo, pelo menos desde 1978, no seu relatório de Maio de 2002, fixa quatro objectivos a cumprir até ao ano de 2005.
Estas metas centram-se, efectivamente, na importância de "integrar as medicinas tradicionais e alternativas nos sistemas nacionais de saúde; promover a sua segurança, eficácia e qualidade, pela disponibilização de orientações sobre os padrões e regulação de assistência; melhorar a disponibilidade e acessibilidade; e promover o uso terapeuticamente correcto pelos consumidores e fornecedores.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Também na União Europeia observamos esta preocupação e vontade, tendo o Conselho adoptado em 1992 directivas importantes relativas aos medicamentos homeopáticos, criando um enquadramento legal que permita o acesso informado, e o Parlamento Europeu, na sua resolução de Maio de 1997, sugeriu o reconhecimento e a regulamentação das sete medicinas não convencionais a que já aludimos.
Em Portugal, também podemos observar uma curiosidade e um recurso crescentes a estas terapêuticas - calcula-se que 3 milhões de portugueses já recorreram às medicinas não convencionais -, pelo que não podemos ignorar a sua existência. Urge garantir aos utentes a maior

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liberdade possível de escolha do método terapêutico, oferecendo-lhes o mais elevado nível de segurança e a mais idónea informação sobre a qualidade e eficácia das diversas disciplinas e especialidades.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Apesar de todos estes avanços, continua a existir uma lacuna legislativa sobre as medicinas não convencionais que importa suprimir, integrando-as no sistema de saúde e em harmonia com a Lei de Bases da Saúde. É indispensável legalizar o estatuto dos profissionais que lhe correspondem, fixando, naturalmente, as condições de formação e certificação, prevendo também a comparticipação dos cuidados e medicamentos por parte do Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Deste modo, o presente projecto de lei procura lançar as primeiras bases de uma regulamentação das medicinas não convencionais, retomando os termos do texto de substituição aprovado na Comissão de Saúde da Assembleia da Republica, nos finais da legislatura anterior, estabelecido após audições e discussão suscitadas pelo projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda e aprovado na generalidade.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Pretendemos, assim, que a lei reconheça como terapêuticas não convencionais as praticadas pela medicina tradicional chinesa e acupunctura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiropraxia, reconhecendo o direito individual de opção, a defesa da saúde pública e dos utentes, bem como a promoção da investigação e da autonomia técnica e deontológica.
Defendemos que a prática de terapêuticas não convencionais seja devidamente tutelada e credenciada pelo Ministério da Saúde, definindo-se as condições de formação e certificação e criando-se uma comissão, também no âmbito do Ministério da Ciência e do Ensino Superior, que estude e proponha os parâmetros gerais de regulamentação.
Testemunho também do valor deste debate foi a entrega de uma petição à Assembleia da República na passada semana.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, falo de uma petição com mais de 82 000 assinaturas, verdadeiramente excepcional, que apela à regulamentação destas terapias, evidenciando que o vazio legal põe em causa a saúde pública devido ao risco de burla, assim como sublinha a oportunidade crucial de definir o estatuto sócio-profissional correspondente, salvaguardando a autonomia técnica e científica. Enfim, um direito há muito reclamado pelos praticantes, utentes e adeptos.
Ou se conclui agora um processo legislativo responsável ou se permite que se continue a premiar a irresponsabilidade; ou se defende a saúde pública e se protege o direito de escolha dos doentes e dos muitos profissionais competentíssimos e dedicados nesta área ou se pactua pelo silêncio com a charlatanice e a discriminação.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Para que a saúde não seja um privilégio de poucos e uma falta para muitos, para que algumas medicinas não se reclamem como sendo as únicas científicas, negando a sua própria ancestralidade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal, que apresenta o projecto de lei n.º 263/IX.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista hoje, como ontem, entende que encarar a dimensão social das medicinas não convencionais e resolver as questões legais e de segurança que elas levantam é uma necessidade incontornável.
É por esta razão que, tal como dizemos no preâmbulo do projecto de lei que apresentamos à discussão neste Plenário, com a crescente complexidade, diversidade e exigência das sociedades actuais, nenhum país pode ignorar os contributos positivos que podem ser dados na prestação de cuidados de saúde pelos diferentes domínios do saber, incluindo as medicinas não convencionais.
A tendência actual na Europa e no Mundo é para deixar de olhar com preconceito e desconfiança aquelas terapêuticas, sendo cada vez mais difícil justificar a falta de reconhecimento do papel que podem desempenhar nas sociedades modernas pela cada vez maior aceitação de disciplinas, como a homeopatia, a osteopatia, a quiropraxia e a acupunctura.
Recomendações da Organização Mundial de Saúde, da União Europeia, do Conselho da Europa e até do relatório oficial realizado em Portugal, sob a tutela da Direcção-Geral de Saúde, em 1989, vão todas nesse sentido. Portugal não pode ficar à margem deste processo global em que as medicinas não convencionais são entendidas como um potencial ainda por aproveitar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de apresentar aqui cinco pontos de reflexão que justificam a necessidade da regulamentação das medicinas não convencionais.
Primeiro ponto: as noções de corpo, doença e saúde são construídas culturalmente e, assim, variam de sociedade para sociedade, mas mesmo dentro da mesma sociedade encontramos diferentes atitudes face à doença e à sua representação.
Todos os profissionais de saúde sabem que uma mesma doença produz vários doentes diferentes, sendo que cada um deles exige uma abordagem individualizada, baseada na sua história, no seu quadro de referências, nas suas crenças, nos ambientes em que se move, e os resultados atingidos dependem mais destes factores do que dos cuidados de saúde disponíveis e institucionalizados.
A doença é, assim, um facto com uma dimensão social determinante, vivida como uma incapacidade involuntária e qualquer intervenção do exterior tem de ter em conta o contexto particular do doente, o seu grau de sofrimento, a sua capacidade de comunicação e a sua expectativa de cura.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A saúde é um estado subjectivo de equilíbrio, associado a uma representação mental sobre a condição individual, o controlo do sofrimento, o bem-estar

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físico e o conforto psicológico, emocional e espiritual e, por isso, não oponível ao conceito de doença.
A ciência médica dita clássica, fruto da sua grande e crescente especialização, "combate" a doença entendida como uma ameaça, resolve sinais e sintomas, mas muitas vezes deixa de fora o corpo, a pessoa no seu todo e, portanto, as suas expectativas de bem-estar e equilíbrio. Estes são os principais domínios de actuação das medicinas não convencionais.
Por outro lado, assistimos a um interesse cada vez maior de profissionais médicos por esta realidade, mostrando que poderá existir uma sã complementaridade nos cuidados de saúde ao aproximar as diferentes abordagens no sentido de uma cooperação e reconhecimento mútuos.
Segundo ponto: a acessibilidade. Existem cada vez mais cidadãos que utilizam estes cuidados, a que chamamos medicinas não convencionais para harmonizar com a designação proposta pela Organização Mundial de Saúde, e recorrem a eles tanto mais quanto aumenta a descrença num único modelo de cuidados, baseado num único tipo de profissionais, para a resolução dos seus problemas de doença ou a melhoria do seu potencial de saúde. Cada vez mais a prestação de cuidados de saúde se enquadra num trabalho de equipa, com vários profissionais com funcionalidade complementar, cada um com a definição dos seus limites de actuação, com os seus saberes diferentes, com as suas competências e desempenhos, embora com um objecto comum que é o bem-estar dos cidadãos doentes ou não.
A preocupação sobre os efeitos adversos dos fármacos químicos e a maior informação sanitária dos cidadãos e ainda o número crescente das doenças crónicas por envelhecimento da população, são outras das razões que levam ao recurso de terapêuticas complementares, menos invasivas, mais centradas na pessoa e por vezes mais económicas. Frequentes vezes, no entanto, o recurso a práticas de medicinas não convencionais põe em causa a saúde dos cidadãos. Como todas as áreas marginais, não controladas, podem ter o efeito perverso indesejável de pôr em causa a saúde pública. Há definitivamente que criar as condições necessárias para que o acesso se realize em condições dignas, com respeito por opções de saúde diferentes, mas baseadas em padrões de qualidade e rigor onde a crendice e a ignorância, que muitas vezes estão associadas a estas práticas, sejam definitivamente afastadas.
Não obstante este risco existir, a procura crescente das medicinas não convencionais é uma realidade em Portugal mas também em países com níveis de cuidados de saúde muito mais elevados do que o nosso, como os Estados Unidos da América, a Alemanha, a França, a Finlândia ou o Canadá.
Em terceiro lugar, a segurança e a qualidade dos cuidados prestados e dos produtos utilizados são preocupações fundamentais para o Partido Socialista. A garantia da qualidade dos produtos usados e a segurança para os cidadãos que recorrem às medicinas não convencionais só será possível com a formação credenciada desses profissionais, com a exigência de que os resultados positivos aconteçam não por mero acaso, mas com evidência comprovada, com recurso a investigação dirigida e credível, que amplie o conhecimento e prove a eficácia destas terapêuticas. Existe uma obrigatoriedade de regulação e fiscalização por parte do Estado que não pode ser esquecida, e existem já estruturas com capacidade para desenvolver esta tarefa. A informação aos consumidores tem que ser também regulada, como salvaguarda dos seus interesses e como forma de promover adequadamente a sua capacidade de escolha e o seu consentimento informado.
Quarto ponto de reflexão: os profissionais. A formação e a certificação dos profissionais é de importância determinante - como venho a dizer ao longo desta intervenção - para a qualidade e a credibilidade que se exige a todos os que prestam cuidados na saúde e na doença. Só a responsabilidade, competência e definição de limites de intervenção proporcionará um respeito mútuo na complementaridade de cuidados que se pretende. A autonomia e a participação dos profissionais em todo este processo de definição deverá ser garantido.
Quinto e último ponto: as políticas necessárias. Adoptando as estratégias propostas pela Organização Mundial de Saúde para 2002-2005, sintetizamo-las em mais três pontos: necessidade de reconhecer e regulamentar de forma faseada as práticas das medicinas não convencionais, definir as respectivas áreas de intervenção e dignificar uma actividade que, se agora não tem existência legal, se desenvolve no terreno de forma subterrânea e semi-clandestina que a todos devia preocupar; dar garantias de qualidade nos produtos existentes e utilizados, e defender os consumidores no seu direito a ter uma informação correcta sobre as terapias e os métodos; necessidade, ainda, de criar um mecanismo de formação e credenciação dos profissionais, para que a sua responsabilização possa ser exigida e definitivamente afastar todos os que abusam da boa-fé dos cidadãos que muitas vezes em desespero a eles recorrem.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, afastando os preconceitos, é este o impacto que pretendemos com o projecto de lei agora apresentado, em favor de todos os profissionais que tenham condições de formação para serem credenciados, mas principalmente para defesa dos consumidores em particular e da saúde pública em geral.
No concreto, discutimos aqui hoje dois projectos de lei, a que se juntou, à ultima hora, um projecto de resolução, que, visando alcançar objectivos semelhantes, apresentam soluções finais distintas. O Partido Socialista cria um conjunto mínimo de princípios que garantam o reconhecimento do exercício das medicinas não convencionais e a salvaguarda dos direitos dos cidadãos no seu direito de escolha, mas também garantindo a segurança e a qualidade, sempre num quadro de prudência, de rigor e de intervenção mínima, de modo a evitar a aprovação de normativos de difícil aplicabilidade, sob pena de não cumprirmos os nossos objectivos fundamentais.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Portugal, congratulamo-nos com a iniciativa do PS, tendo contudo algumas dúvidas que gostaríamos de ver esclarecidas por V. Ex.ª.
As nossas dúvidas centram-se, nomeadamente, nos motivos pelos quais o projecto do PS exclui dos seus intuitos de regulamentação a medicina tradicional chinesa, a naturopatia e a fitoterapia. E passo a apresentar os motivos

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da minha dúvida: em primeiro lugar, a acupunctura e a fitoterapia são parte integrante da medicina tradicional chinesa, que é uma entidade indissociável - qualquer especialista lhe dirá que a acupunctura isolada e desgarrada deste contexto da medicina tradicional chinesa não tem qualquer sentido e é um risco e um erro do ponto de vista técnico e científico, já que todos os princípios filosóficos orientadores e técnicos da prática de acupunctura estão na medicina tradicional chinesa.
Em segundo lugar, do ponto de vista estritamente técnico, na medicina tradicional chinesa a acupunctura serve apenas para a distribuição de energia, ficando de fora o que os especialistas nesta área chamam a promoção de energia, que é extremamente relevante, como saberá, na doenças crónicas e que é garantida, justamente, pela fitoterapia, que não é, como já sublinhei, contemplada no seu projecto.
O terceiro e último motivo da minha questão, talvez o mais relevante, é que a fitoterapia ocidental é a mais praticada em Portugal: ela é parte da naturopatia e é a mais comum, a mais praticada - não existe uma aldeia em Portugal que não tenha uma ervanária!
Portanto, no intuito desta regulamentação - estamos de acordo que ela urge, é importante, quer para os utentes quer para os profissionais; é uma questão de saúde pública e de correcção de formação e de credenciação - como é possível excluir a maior fatia deste problema, que é a questão da fitoterapia e da naturopatia?

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço as questões que me colocou pois dá-me oportunidade de fazer uma explicitação mais concreta da minha exposição - parece que não fui suficientemente clara, ou então assim não foi entendido.
De facto, as três disciplinas que apontou - não sei se podemos chamar-lhes disciplinas, talvez seja o corpo de todas as outras disciplinas - são indissociáveis, estando toda a sua prática baseada na filosofia da medicina tradicional chinesa, a fitoterapia nos princípios da naturopatia - não temos dúvidas, concordo com aquilo que disse. Mas penso que temos de ser um pouco práticos nas ocasiões em que há um profundo vazio em Portugal. Havendo um vazio, há que enchê-lo, há que dar-lhe consistência e, de alguma forma, fazer crescer uma regulamentação.
Não entendeu, pois, o PS que este fosse o momento de abrir toda a janela; entendemos que o sol entrará por uma meia janela e que, em determinada altura, a janela abrir-se-á. O nosso projecto, aliás como o vosso, assume um número em que, a seguir ao conhecimento que se tiver e até da prática de critérios de regulamentação destas quatro disciplinas, está a janela aberta, inclusive sem ter de voltar à Assembleia da República, ficando à responsabilidade do Governo a continuação do processo.
Neste momento, o PS entendeu como prioritário, definitivamente, iniciar a legalização e a defesa dos cidadãos e da saúde pública com esta proposta. Não entendemos que, de repente, partindo de um vazio que existe, tudo…

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Mas a acupunctura e a fitoterapia são parte da medicina tradicional chinesa!

A Oradora: - Podemos discutir se são medicinas, se são práticas, se são terapêuticas - ficará, eventualmente, para a especialidade. Neste momento, pensamos que há que abrir a porta, há que iniciar um processo que é necessário; às vezes, escancarar a porta nem sempre é prudente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para apresentar o respectivo projecto de resolução, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Referiu na sua intervenção a Sr.ª Deputada Luísa Portugal que o projecto de resolução apresentado pelo CDS-PP entrou à última hora. Não entrou, Sr.ª Deputada, entrou dentro do prazo regimental e, além do mais, foi admitido pela Mesa no mesmo dia em que admitiu o projecto de lei apresentado pelo PS.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É manifesto o interesse crescente da população nas medicinas não convencionais. Não é possível continuar a ignorar a existência desta realidade. Importa, face a esta realidade crescente, tomar medidas, no interesse da defesa da saúde dos cidadãos, obrigação do Estado consubstanciada na exigência de rigor na qualidade dos serviços de saúde prestados à comunidade.
No entanto, a abordagem das medicinas não convencionais requer uma análise muito cuidada de algumas questões prévias. Uma primeira questão relaciona-se com o conceito destas práticas e como posicioná-las. Sugere a Comissão Europeia a divisão em alternativas, que são as práticas caracterizadas por uma alternativa total à medicina convencional; práticas complementares, onde as práticas poderiam complementar outras medicinas; e, por último, práticas com finalidades terapêuticas, que são as que englobam apenas atitudes terapêuticas.
A segunda questão prende-se com a formação académica necessária para as diferentes práticas.
A terceira questão relaciona-se com a validação ou certificação, colocando alguns a dúvida de a ciência actual, com a aplicação de métodos estatísticos, ser apenas uma verdade "ocidental", o que, a ser assim, questionaria toda a ciência médica actual. Não é a nossa opinião. Assim, metodologia científica deve ser sempre o método de validação.
No que respeita à legalização das medicinas não convencionais, o CDS-PP entende que esta só deve ser efectuada após prova de eficácia, através de métodos científicos, quer de actos diagnósticos, quer de actos terapêuticos, bem como a eficácia e segurança dos produtos usados, para que a livre escolha seja efectuada com a segurança e qualidade de todo um processo e assim protegida a saúde pública. Legalizar sem provas inequívocas é questionar a ciência e a qualidade científica.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Saliento, de resto, a coerência do CDS-PP, mas também do PSD, nesta matéria, pois o que dizemos hoje é o que dissemos sempre.
Neste sentido tem de, num primeiro momento, haver uma identificação, prévia e clara, de cada uma das disciplinas das medicinas não convencionais, sendo para tal conveniente realizar estudos clínicos, avaliações dos resultados de tratamentos, estudos fundamentais. É importante criar mecanismos de acção e outros estudos científicos ou investigações académicas para avaliar a eficácia das terapias utilizadas, partindo-se necessariamente do princípio de que esta avaliação deve ser efectuada segundo as metodologias habituais em qualquer terapêutica humana, ou seja, baseada nos conhecimentos científicos do momento, particularmente os específicos das ciências biológicas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É corrente reconhecer-se que o conhecimento sobre determinadas práticas ainda é limitado e que se devem promover estudos aprofundados sobre este tema. E é neste ponto que, na nossa perspectiva, se deve colocar a questão principal: no estudo aprofundado, de carácter científico e rigoroso, na certeza de que, ao legislar, estaremos a fazê-lo com a plena consciência de que é em prol da saúde pública e da qualidade prestada aos portugueses que recorrem a estas práticas.
Paralelamente a esta certeza científica, que efectivamente terá de existir, posiciona-se a fiscalização que terá de incidir sobre os profissionais destas práticas. A fiscalização sobre a formação de quem exerce estas profissões, assim como em que circunstâncias as exerce, salvaguardando sempre, e em todos os momentos, que estão a ser cumpridas as mais elementares normas éticas e deontológicas. Só partindo destes dois vectores fundamentais - certeza científica e fiscalização - se conseguirá garantir e defender para os portugueses uma melhor saúde e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida.
Em bom rigor, os princípios orientadores de qualquer prática não convencional devem passar primeiro pela eficácia e deve haver comparação com os métodos utilizados para a mesma finalidade, no sentido de se validar qual o mais eficaz ou eficazes. A defesa da saúde dos cidadãos é uma obrigação dos Estados de direito e das sociedades democráticas modernas. Essa obrigação, como já referi, consubstancia-se na exigência de rigor, na qualidade dos serviços de saúde prestados à comunidade, bem como na vigilância e protecção desses mesmos cidadãos frente a práticas não científicas e lesivas, por acção ou omissão, da sua integridade e do seu direito a uma saúde de qualidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é opinião do CDS-PP que algumas destas práticas devem ser regulamentadas. Somos daqueles que entendem que não se deve reprimir esta realidade, que se queira ignorar a existência destas práticas, mas também não aceitamos que se embarque em experimentalismos fáceis ou que se queira fazer demagogia barata à custa da saúde das pessoas. Nesta matéria toda a prudência é boa conselheira.
Entendemos, assim, que é necessário que se possam dar os passos certos para o reconhecimento destas práticas, mas para que tal se faça impõe a seriedade da discussão que o façamos com um critério claro, indiscutível, eticamente inabalável, que represente o que são os axiomas sobre os quais assenta a nossa civilização. Sendo assim, o critério não pode ser outro senão o da validação científica destas práticas.
Sr.as e Srs. Deputados, a ciência médica aceita como boas algumas terapêuticas que são praticadas por não-médicos, como é o caso das técnicas de manipulação que os osteopatas executam, forma já diversas vezes comprovada por métodos científicos no tratamento da dor ou de doenças ou sintomas específicos músculo-esqueléticos. No entanto, situação distinta prende-se com o diagnóstico. Este método não deverá ser aplicado sem um diagnóstico prévio, correctamente efectuado por quem tem competência para o fazer. O CDS-PP entende que a osteopatia deve ser ensinada, praticada e regulada como profissão complementar ou auxiliar da medicina, isto é, desde que os tratamentos executados por esses profissionais sejam executados como consequência de um diagnóstico médico.
Neste sentido, apresentamos, nesta Câmara, um projecto de resolução para a regulamentação da osteopatia. Entendemos que a osteopatia poderá ser um bom exemplo para começar a regulamentar estas práticas. A osteopatia, enquanto prática clínica, apareceu nos Estados Unidos da América, por volta de 1870, numa época em que ainda não existiam as realidades que hoje são correntes no exercício da medicina, tais como a anestesia, a cirurgia em condições de esterilização, os anti-sépticos e os antibióticos e também os raios X. Há, em Portugal, um número indeterminado de profissionais desta área a exercer esta profissão, sem que exista uma moldura legal que enquadre a sua prática e exercício. Uma vez que não é uma especialidade médica, a sua organização, método de ensino e verificação da aplicação das normas deontológicas não recaem sob a alçada da Ordem dos Médicos, verificando-se a inexistência de um órgão de regule e controle o exercício dos osteopatas. Neste sentido, o CDS-PP manifesta grande preocupação com a dificuldade de, nestas circunstâncias, garantir ao cidadão a qualidade e legalidade da prática da osteopatia. Entendemos que é essencial definir o âmbito de actuação profissional da osteopatia, assim como definir as articulações possíveis com o Sistema Nacional de Saúde.
Paralelamente à questão da regulação da prática da osteopatia, coloca-se igualmente o problema da certificação e acreditação das escolas de formação de osteopatia. Para ser possível regular esta profissão, garantindo qualidade e seriedade para os seus utentes, é indispensável criar um organismo que defina a educação e formação contínua de investigação e ética, com a determinação clara dos objectivos a atingir e a metodologia de avaliação desses mesmos fins.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O que queremos, e por essa razão apresentamos este projecto de resolução, é uma forma clara e um critério científico credível. A nossa cautela é a defesa da saúde pública.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Teixeira Lopes.
Como o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco já não dispõe de tempo para responder, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes disponibiliza-lhe 1 minuto para o efeito.

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco, não compreendo por que razão é que um partido como o CDS-PP, que tanto defende a decisão e a acção e tanto critica anteriores governos por falta dela, venha propor, neste projecto de resolução, nada mais nada menos do que um estudo e uma comissão!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - É uma contradição espantosa! Tanto mais que, Sr. Deputado, comissões e estudos sobre esta questão existem inúmeros! Vou dar-lhe alguns exemplos: existe um estudo e uma resolução do Parlamento Europeu de 1997; existe um estudo e uma recomendação da Comissão de Saúde do Conselho da Europa de 1999; existe um trabalho, um longuíssimo trabalho feito em Portugal, com uma série de intervenientes, do Ministério da Educação, da Ordem dos Médicos, do INFARMED, um estudo com conclusões que estão, inclusivamente, incorporadas no nosso projecto de lei! Por isso, francamente, não percebo por que razão o CDS-PP manifesta uma timidez tão grande em relação a matérias como esta, em que o que existe é um desfasamento tremendo entre a realidade e o ordenamento jurídico.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Não estudam!

O Orador: - A realidade é esta, Sr. Deputado, faz parte dos nossos princípios civilizacionais, faz parte da nossa cultura. Há séculos e séculos que as medicinas não convencionais são utilizadas no tratamento de doenças. É algo que está incorporado no modo de ser dos portugueses. Por isso mesmo, Sr. Deputado, não vamos perder mais tempo!
Ainda por cima, o projecto de resolução apresentado pelo CDS-PP apenas contempla a osteopatia, ou seja, está totalmente desligado das restantes medicinas não convencionais.
O nosso projecto de lei tem, precisamente, a preocupação de "separar o trigo do joio", de prever requisitos profissionais bem definidos e requisitos deontológicos bem claros. Trata-se de credenciar profissionais qualificados.
O que não podemos é continuar com corporativismos de certos grupos profissionais instalados, nem podemos, tão pouco, continuar com os estudos e comissões, que, francamente, já nada adiantam, porque esta uma prática consolidada em inúmeros países, dos Estados Unidos à Finlândia, passando por inúmeros países europeus.
Certamente, o que CDS-PP quer com este projecto de resolução é que tudo fique na mesma. Mas nós não estamos dispostos a que tudo fique na mesma!

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Muito bem!

O Orador: - Os portugueses não estão dispostos a que tudo fique na mesma!

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr. Deputado João Teixeira Lopes, muito obrigado pela questão que me dirigiu. Não sei se a sua cultura é oriental. A minha é ocidental. Respeito que, eventualmente, o Sr. Deputado tenha ligações ao Oriente mais fortes do que as minhas, mas a minha cultura é a ocidental!
De qualquer maneira,…

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Que ignorância, Sr. Deputado! Não conhece as próprias origens da medicina ocidental!

O Orador: - Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias, se não se importa, tenho pouco tempo e estou a falar com o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Não estudam!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Estudamos, mas é por outros compêndios!

O Orador: - Sr. Deputado, o que é importante para nós é que estamos a falar de saúde pública. E quando falamos de saúde pública - o que já foquei noutras intervenções - entendemos que com a saúde dos portugueses não se brinca. Portanto, nestas questões não ultrapassamos a cautela que tem de se usar quando se fala de saúde pública.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, respondendo que a osteopatia, entre todas estas medicinas não convencionais, é aquela que está mais avançada, é aquela que em todos os países está mais validada e é aquela que tem mais complementaridade com a medicina tradicional.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José António Silva.

O Sr. José António Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A procura crescente de terapêuticas não convencionais fez com que as mesmas tenham sido regulamentadas na maioria dos países da União Europeia.
Em Portugal, sobretudo a partir da década de 70, surge um crescente número de praticantes destas terapêuticas, número que tem vindo a aumentar nos últimos anos, pelo que não se pode continuar a ignorar a sua existência.
A Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases da Saúde responsabilizam o Estado pela prestação de saúde dos indivíduos e das comunidades, reservando-lhe o papel regulador e fiscalizador das organizações que asseguram cuidados de saúde.
Enquanto maior partido português, o PSD, agora também com responsabilidades governativas, ao contrário do que fizeram outros no passado, não se demite de debater esta questão.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Devem ser desencadeadas medidas que protejam o cidadão do exercício não qualificado destas actividades terapêuticas. Porquê? Porque entendemos não dever continuar a permitir que qualquer pessoa, em qualquer

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local, muitas vezes sem qualificação e sem conhecimentos técnicos, exerça esta actividade, colocando em risco a saúde e muitas vezes a vida das populações.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nas práticas destas actividades existe uma grande anarquia. É um "salve-se quem puder"!
É contra esta anarquia que devemos dirigir o nosso trabalho, na defesa da saúde dos portugueses. Temos que "separar o trigo do joio"! É nossa obrigação acabar com os charlatães, com a farsa que muitos homens e mulheres sem escrúpulos, valendo-se da ignorância e/ou desespero de quem os procura, visam o lucro fácil, pessoas para quem o dinheiro se sobrepõe ao carácter, ao decoro que a todos deve ser exigido.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - No primeiro governo do Partido Socialista e à boa maneira socialista, por despacho da Sr.ª Ministra da Saúde de então, foi constituído um grupo de trabalho como primeiro passo para uma tomada de posição sobre as terapêuticas alternativas em ordem a uma possível legalização.
No relatório final desse trabalho, concluía-se que as terapêuticas mais utilizadas pelos cidadãos eram a homeopatia, a acupunctura, a osteopatia, a quiropraxia, a fitoterapia e a naturopatia, a exemplo do que se passa na maioria dos países da União Europeia. Foi um passo importante, mas não suficiente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o PSD é inevitável e não tem recuo a regulamentação das terapêuticas não convencionais. Para o PSD é fundamental e necessário elaborar normas que regulem cada uma das actividades terapêuticas não convencionais, isto é, que actividades podem ser exercidas e quais os requisitos para o seu exercício, de modo a que protejam o cidadão e a comunidade em geral do exercício não qualificado destas actividades.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Há necessidade de se fazer o reconhecimento das instituições que leccionam, quer sejam nacionais ou estrangeiras, como possuidoras de idoneidade para a formação destes técnicos. Isto porque só devem ser certificados os profissionais que apresentem documentação emitida por escolas nacionais ou estrangeiras que venham a ser reconhecidas como idóneas.
Há necessidade de definir o processo de acompanhamento e controlo do exercício de tais práticas terapêuticas, por forma a evitar e punir todos aqueles que não obedeçam aos requisitos que forem estabelecidos.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não queremos nem podemos aceitar que os portugueses continuem sem saber a quem e onde podem recorrer sem colocarem em risco a sua saúde.
Em suma, e para o PSD, é necessário regulamentar e disciplinar o exercício destas terapêuticas não convencionais e enquadrar e punir todos aqueles a quem não é reconhecida idoneidade e preparação técnico-científica para o exercício destas terapêuticas.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não existe actualmente qualquer legislação que regule o estatuto dos profissionais das terapêuticas não convencionais, nem a possível comparticipação por parte do Serviço Nacional de Saúde neste tipo de cuidados terapêuticos e nos medicamentos utilizados.
No entanto, cumpre referir o Decreto-Lei n.º 94/95, de 9 de Maio, que transpôs para a nossa ordem jurídica a Directiva n.º 92/73/CEE, que visa, sobretudo, garantir a qualidade e segurança da utilização de produtos homeopáticos e assegurar aos seus utilizadores o fornecimento de informações claras sobre o seu carácter homeopático e a sua inocuidade, conforme o disposto no preâmbulo do referido diploma. O Decreto-Lei n.º 94/95, não faz qualquer referência aos profissionais das terapêuticas não convencionais.
Cumpre igualmente referir a Lei de Bases da Saúde que, na Base I, n.º 1, prevê, como princípio fundamental a "liberdade de procura e de prestação de cuidados, nos termos da Constituição e da lei".

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Embora a Lei de Bases da Saúde seja completamente omissa quanto às terapêuticas não convencionais e aos seus profissionais, o mesmo diploma estabelece, na Base II, que "a política de saúde tem um carácter evolutivo, adoptando-se permanentemente às condições da realidade nacional, às suas necessidades e aos seus recursos".
Já na Base V, n.º 3 , prevê que a "liberdade de prestação de cuidados de saúde tem as limitações decorrentes da lei, designadamente no que respeita a exigências de qualificação profissional".
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar de discordarmos do articulado dos projectos de lei apresentados quer pelo Bloco de Esquerda, quer pelo Partido Socialista sobre o regime jurídico das terapêuticas não convencionais, assumimos a nossa disponibilidade para discutir esta matéria na especialidade, colocando os interesses dos portugueses acima da mera ideologia política. Eis mais um exemplo de como para nós, PSD, o cidadão é a razão de ser do nosso trabalho, o centro das nossas preocupações.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, com tempo cedido pelo PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Congratulamo-nos por finalmente ver nesta Câmara, numa nova legislatura, algum consenso nesta matéria, antevendo a possibilidade e a importância de regulamentar estas práticas.
Contudo, não queremos deixar de referir à bancada do CDS-PP que só numa espécie de "cambalhota" demagógica é que se pode dizer que é irresponsabilidade pretender-se esta regulamentação, porque, como já sublinhámos, só em Portugal existem cerca de 3 milhões de pessoas que recorrem a este tipo de medicinas não convencionais.
Portanto, parece-nos que irresponsabilidade é seguir uma política cega de continuar a fazer com que estas

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práticas existam sem assegurar qualquer espécie de qualidade!
De facto, a saúde pública não é uma brincadeira, a saúde dos utentes não é uma brincadeira e há que assegurar o rigor nesta prática e os direitos dos utentes, salvaguardando, evidentemente, os princípios que norteiam as questões da saúde pública e que estão devidamente legislados em Portugal.
Por conseguinte, o que nos parece ser irresponsável é deixar esta situação arrastar-se, Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco, não olhando para os exemplos de décadas nos Estados Unidos, no Canadá, na África do Sul, em países onde os cuidados de saúde são prioritários.
O meu colega Deputado João Teixeira Lopes já evidenciou vários estudos que, se calhar, são de recomendar, porque a questão que o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco coloca do ocidentalismo face ao orientalismo revela alguma falta de estudo da sua parte em relação à história da cultura do que são algumas das bases mais importantes da cultura ocidental e da influência enorme em vários domínios que teve a cultura oriental e vice-versa.
Julgo, pois, que esta questão não pode ser colocada em termos de irresponsabilidade. É preciso olhar para a realidade e para os factos. Os números são os que descrevemos e entendemos ser necessário partir para a acção.
Como o Sr. Deputado fez questão salientar esta clivagem, gostaria de dar-lhe um exemplo relativamente aos medicamentos que são usados no Ocidente, dizendo-lhe que cerca de um terço dos princípios activos vem directamente da naturopatia, ou seja, não são produtos especificamente de natureza ocidental.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje, de novo, a discutir na Assembleia da República as medicinas não convencionais e, desde logo, a necessidade e a prioridade de as regulamentar, tendo pela frente os projectos de lei do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista e um projecto de resolução do CDS-PP.
Começo por falar da importância que atribuímos às medicinas não convencionais, por alguns, durante muito tempo, consideradas alternativas, que devem, em nosso entender, ser vistas como um complemento daquilo que é fundamental, ou seja, do bem-estar dos seres humanos, para isso fazendo uso do riquíssimo património - que é milenar nalgumas das medicinas de que estamos a falar -, um património que é fundamental na abordagem da compreensão do ser humano, na sua complexidade e na capacidade de encontrar vias para melhorar a sua qualidade de vida.
É neste sentido que nos parece da maior importância a discussão sobre as medicinas não convencionais e a necessidade de as regulamentar.
Trata-se de uma necessidade que há muitos anos outros países europeus e de fora da Europa sentiram, por um lado, para fazer pleno uso deste conhecimento e, por outro, para evitar aquilo que é manifesto e que existe actualmente no nosso país, ou seja, a não delimitação dos diferentes territórios, que inviabiliza e não acautela a saúde pública na medida em que não separa aqueles que intervêm neste domínio e que estão habilitados para o fazer daqueles que se aproveitam das necessidades das pessoas de recorrer a alternativas para exercer práticas que não são, às vezes, devidamente fundamentadas.
Por isso, segundo a razão da importância que atribuímos a esta discussão, a necessidade de regulamentar, ou seja, a necessidade de, pela via da legalização, validar e reconhecer, no plano institucional, no plano legal e no plano prático, a enorme importância de todas estas práticas. Estejamos nós a falar numa visão mais restrita daquilo que o Partido Socialista nos propõe - osteopatia, homeopatia, acupunctura ou quiropraxia - ou estejamos nós a falar numa perspectiva mais abrangente e, do nosso ponto de vista, mais enriquecida da medicina tradicional chinesa, da fitoterapia ou da naturopatia.
Em nosso entendimento é esta abrangência, é a necessidade de aliar este conhecimento e estas práticas à medicina convencional que permitem melhorar a qualidade de vida das pessoas e garantir um terceiro aspecto, que para nós tem importância: o direito de escolha.
Hoje, muitos se questionam sobre a medicina convencional. Hoje, por razões filosóficas ou outras, há cidadãos que desejam aceder às medicinas alternativas em exclusivo, não tendo, pela inexistência de regulamentação, meios de garantia daqueles que a estão a exercer.
O passo que vamos dar (e chamo a vossa atenção para o receio que temos de que estes diplomas fiquem parados e que exista um veto de gaveta), e que esperamos conduza à regulamentação desta prática, irá permitir exercitar um direito de escolha; irá permitir credenciar as condições de aprendizagem; irá permitir definir um estatuto sócio-profissional dos que exercem a medicina não tradicional; e irá ainda - esperamos que seja, em consequência, naturalmente, o passo seguinte - permitir que o acesso a estas medicinas não fique excluído do regime de comparticipações, como sucede noutros países, o que, para nós, é fundamental
Por isso, globalmente, pensamos que estes projectos são positivos, pois recuperam o tempo de atraso que no nosso país tem existido devido a hesitações em adoptar medidas a este nível. E esperamos que, em sede de especialidade, seja possível uma abrangência que enriqueça, de facto, mudança e melhorias, eventualmente, na composição da comissão técnica que procede a escolhas e a dar um passo que não queremos seja fictício.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, peço-lhe que termine, pois já esgotou o seu tempo.

A Oradora: - Em relação ao projecto de resolução do CDS-PP, pensamos que se trata de uma proposta curiosa, ainda que, de algum modo, contraditória.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que a primeira coisa que é preciso dizer num debate como este, e foi, aliás, assim que começámos um debate anterior sobre esta matéria, é que hoje cada vez mais os cuidados de saúde assentam numa enorme multidisciplinaridade e numa complementaridade dos saberes das várias profissões que prestam os cuidados de saúde e que neles se integram para a garantia da saúde das populações. E é este o princípio que deve, nesta como em outras matérias, enformar a nossa intervenção, e não

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qualquer princípio de prioridade de uns saberes em relação a outros.
É verdade também que no nosso país assistimos, durante anos, e continuamos a assistir, a uma falta de regulamentação das medicinas não convencionais que deixa desprotegidos os profissionais que seriamente as praticam, os utentes que a elas querem recorrer e a saúde pública, que não se vê assim garantida por falta da regulamentação legal necessária.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - É inaceitável a ausência de regulamentação nesta matéria por parte dos vários governos, exibindo uma falta de coragem e uma falta de noção da necessidade desta regulamentação que não é, mais uma vez, aceitável.
É evidente que a regulamentação deve ser feita, em primeiro lugar, com a participação dos próprios interessados, dos que praticam e têm competência para praticar estas medicinas não convencionais.
É preciso que seja feita exclusivamente assente em critérios científicos e, portanto, que se alicerce na comprovação científica de cada uma das práticas e das suas validades e competências, como concluiu a Comissão de Saúde na anterior legislatura, reconhecendo que algumas delas - e isso está presente no texto encontrado e em ambos os projectos de lei que hoje temos aqui em discussão - são inquestionáveis e que, portanto, se pode, desde já, estabelecer a sua necessidade de regulamentação, sem prejuízo de se poderem admitir outras, sempre com o mesmo critério da justificação científica da sua validade.
É evidente que, nesta questão, a desprotecção dos utentes, a certificação dos profissionais e dos locais de prática destas medicinas não convencionais e a possibilidade das queixas e do controlo deontológico são essenciais.
Portanto, empenhar-nos-emos em contribuir também para que estes projectos que foram apresentados sejam aprovados, para que se possa, de uma vez por todas, avançar no sentido da regulamentação destas práticas.
Não se compreende o aparecimento neste debate do projecto de resolução, devo dizer tardio, do CDS-PP em relação a esta matéria, e, aliás, nem se compreende e nem foi explicado na intervenção porque é que ele se debruça apenas sobre uma das práticas e a distingue das outras, quando, na Comissão, já todos os partidos estavam de acordo de que havia quatro que eram consensuais…

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Muito bem!

O Orador: - … e também porque é que se atira para uma comissão e para um estudo a regulamentação desta matéria.
Quero ainda referir-me ao debate anterior para citar alguns trechos de uma intervenção, que dizia: "Haja a coragem de discutir a elaboração das normas que devem regular cada uma das chamadas medicinas não convencionais! Haja a coragem de discutir o reconhecimento ou não das instituições nacionais e estrangeiras como possuidoras de idoneidade para a formação em medicinas não convencionais! Haja a coragem de definir o processo de acompanhamento e controlo do exercício das medicinas não convencionais! Haja a coragem de integrar nesta reflexão os representantes das medicinas não convencionais!". Quem dizia isto era o então Deputado Carlos Martins, hoje Secretário de Estado.
Termino, dizendo: haja a coragem de avançar, de uma vez por todas, com a regulamentação destas matérias!

Aplausos do PCP.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminámos a discussão dos projectos de lei n.os 27 e 263/IX e do projecto de resolução n.º 135/IX.
Passamos à apreciação do projecto de deliberação n.º 16/IX - Adopta medidas contra os efeitos do tabagismo activo e passivo (Os Verdes).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com este projecto de deliberação, Os Verdes pretendem propor à Câmara que adopte para si uma regra de conduta, e esta proposta é feita em nome da saúde. Trata-se de definir os efeitos negativos resultantes do tabagismo.
Aliás, a questão do tabagismo, quer activo, quer passivo, é crescentemente uma preocupação da Organização Mundial de Saúde, que, entretanto, e já depois da entrega deste projecto de deliberação, concluiu uma convenção que visa, precisamente, responder àquilo que é um problema gravíssimo de saúde pública, não só mundial mas também do nosso país.
De acordo com os últimos dados da OMS, seis pessoas morrem, em cada minuto, afectadas pelo tabagismo; 4,9 milhões de pessoas morrem, por ano, em resultado do tabagismo; e pelo menos 25 doenças são identificadas como directamente decorrentes do tabagismo. E se esta é uma realidade para os fumadores, ela também afecta os não fumadores, ou seja, os que indirectamente são afectados pelo fumo do tabaco. Aliás, é referido que os não fumadores, portanto os fumadores passivos, expostos ao fumo do tabaco têm, tomando como exemplo o cancro, 25% mais de probabilidades de contrair esta doença.
É, pois, tendo em conta esta realidade; tendo em conta o evidente, e, aliás, visível no espaço da Assembleia da República, aumento do consumo de tabaco e do número de fumadores, nomeadamente nas salas de trabalho, nas salas das comissões; tendo em conta o direito à saúde; tendo em conta o direito que os não fumadores têm de que o espaço de trabalho em que estão seja considerado um espaço não poluído e livre dos efeitos de uma escolha que não é sua; e tendo em conta, para concluir, que a liberdade de uns fumarem não deve colidir com a liberdade dos outros de não serem atingidos por essa prática, que pensamos que a Assembleia deve retomar a resolução adoptada no passado, há muitos anos, mas que, gradualmente, e lamentavelmente, pensamos nós, foi sendo perdida, nomeadamente nas comissões parlamentares.
Em suma, é tendo em conta o reconhecimento de que o direito à protecção implica medidas neste sentido, que relembramos essa velha prática, que não visa penalizar o vício, procura, isso sim, proteger a saúde.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Cordeiro.

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O Sr. José Manuel Cordeiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A relação fumadores/não fumadores não é simples nem tão-pouco pacífica, muitas das vezes. Se os primeiros têm liberdade de fumar, os segundos têm o direito de não querer fumar o fumo que os outros expelem.
É, desde logo - e reconheçamo-lo -, um problema de saúde pública. É que 8 em cada 10 europeus dizem-se incomodados pelo fumo do tabaco, por isso importa compreender como actua o fumo passivo no organismo do não fumador. O fumo contém milhares de substâncias, não só tóxicas como, reconhecidamente, cancerígenas, estimando-se que o não fumador pode absorver, ao fim de uma hora, quantidades de fumo equivalentes às que absorveria se tivesse ele próprio fumado um cigarro.
Enquanto o fumo inalado directamente pelo fumador sofre uma ligeira filtração, nos não fumadores o fumo não passa por qualquer sistema de depuração, pelo que contém muito mais monóxido de carbono, nicotina e outros poluentes do que o fumo exalado pelo fumador.
Calcula-se que, na Europa, morram anualmente 5000 pessoas vítimas do fumo passivo. E aqui pode colocar-se, desde logo, um problema de cidadania, na medida em que é o direito que transfere para cada cidadão a responsabilidade pelos seus próprios actos, devendo, por isso, deixar-se aos fumadores passivos também a capacidade de recorrerem e exigirem a defesa da sua própria condição.
O tabagismo é também um problema de convivência cívica. Os governos dos países desenvolvidos têm adoptado legislação no sentido de protegerem os direitos dos não fumadores, e Portugal não é excepção, visto que a proibição de fumar tem vindo a ser alargada progressivamente a novos espaços. Depois dos locais públicos fechados e dos transportes públicos, chegou a vez dos restaurantes e dos locais de trabalho, estes por decisão autónoma.
O Conselho de Prevenção do Tabagismo considera até que a comissão de trabalhadores e a administração de cada empresa devem chegar a acordo sobre um regulamento interno que estabeleça pacificamente as regras de convivência entre fumadores e não fumadores.
Estamos, assim, também, perante um problema de educação cívica.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A legislação portuguesa é uma das mais avançadas na Europa nesta matéria. Protege os não fumadores, sem perseguir os fumadores. Mas existe realmente um abismo entre a lei e os hábitos dos cidadãos, e, no que se refere à gestão social do fumo do tabaco, há ainda um longo caminho a percorrer. Ao problema se refere a Lei n.º 22/82 e os Decretos-Leis n.os 226/83 e 287/89, e, em consequência, a recomendação ora apresentada já se encontra em vigor na Assembleia da República, não tendo, porém, sido cumprida até ao presente. Daí que sejamos sensíveis à questão que o projecto de deliberação do Partido Ecologista Os Verdes suscita e que consideremos positivo o conteúdo e a razão da matéria em apreço.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para saudar esta iniciativa e para dizer que, muito frequentemente, refiro que o tabaco mata muito e mata muito mal.
Mata muito, porque é a causa próxima de um número grande de doenças, nas quais se incluem as primeiras causas de morte, designadamente em Portugal, como as doenças cardiovasculares e as doenças oncológicas. E mata mal, sob duas perspectivas: mata mal porque mata precocemente, pois é a primeira causa de morte evitável nos países desenvolvidos, e mata mal porque mata com muito sofrimento - basta lembrar as doenças respiratórias e os seus sintomas, o sofrimento que induzem, bem como o conjunto de outras doenças directamente relacionadas com o fumo do tabaco.
E Portugal tem aqui obrigações, na medida em que foi pioneiro na aprovação de legislação desincentivadora do uso do tabaco, desde logo a proibição da publicidade do tabaco, que não foi uma medida consensual nem fácil a nível da União Europeia, e tem também obrigações porque está envolvido em muitos projectos europeus, designadamente o ESFA, que pretende promover a saúde e a desabituação da utilização do tabaco, em especial na população jovem.
A este respeito, não me esqueço que, em inquéritos feitos no âmbito desse projecto, muitos pais, interrogados pelos próprios filhos (era assim o conteúdo do projecto) sobre se tinham consciência de que o fumo do tabaco prejudicava a saúde dos filhos, eles diziam que sim, que tinham consciência, mas que não estavam dispostos a deixar de fumar. Isto é arrepiante pelo que significa de falta de sensibilidade e de falta de noção do exercício de direitos, que temos não por nós próprios, mas para defender os direitos dos outros, como é o caso típico do poder paternal.
Portanto, só posso associar-me a esta iniciativa e dizer que, no caso de ela vir a ser aprovada, como me parece ser o tom geral nesta Câmara, devia ser objecto de divulgação, porque a Assembleia da República tem especiais responsabilidades na pedagogia que pode exercer junto do conjunto de cidadãos.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Termino, dizendo que me congratulo com esta iniciativa e penso que ela deve ser assumida por esta Assembleia, porque ela própria será virtuosa na desabituação progressiva do tabagismo que vai induzir junto da "população" da Assembleia da República e também, sobretudo, porque pode dar uma lição cívica, que deve começar nesta Casa, como Casa que também tem obrigações nesse domínio.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Castro, quero, desde já, dizer-lhe que não sou fumador. Que me perdoem os fumadores, mas a ideia de torrar os pulmões e conspurcar o cabelo, os olhos e, enfim, tudo em redor com fuligem, cinza e fumo não é actividade que me entusiasme particularmente.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A verdade, porém, é que devo ser uma pessoa com sorte, porque, Sr.ª Deputada, nas reuniões em que tenho participado no âmbito de comissões, subcomissões e grupos de trabalho desta Assembleia, nenhum Sr. Deputado ou Sr.ª Deputada tem fumado.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Está cheio de sorte!

O Orador: - Congratulo-me, pois, com o facto de reunir com pessoas de tamanha elevação moral e cívica que, quando querem fumar, vão para o exterior da sala.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O mesmo não acontece, ao que se vê, com V. Ex.ª. Não lhe digo que cada um tem aquilo que merece,…

Risos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.

… não tenho merecimento algum que me torne credor de tamanha deferência, mas digo-lhe, Sr.ª Deputada, que há pessoas que têm azar na vida; ou, dito de outro modo, "é a vida"!

Risos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.

Para lhe fazer face, pretende V. Ex.ª que a Assembleia da República estabeleça uma proibição de fumar nas comissões parlamentares. Quanto aos considerandos, aos pressupostos, estamos, naturalmente, todos de acordo, só que nos parece haver aqui uma inadequação de procedimento.
De facto, nos termos do artigo 38.º, n.º 1, alínea h), do Regimento da Assembleia, cabe a cada comissão especializada permanente elaborar e aprovar o respectivo regulamento, onde, além do mais, se fixam as regras e modos de funcionamento, deliberando-se, assim, sobre questões como a que está aqui em discussão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Assim sendo, esta medida proibitiva deveria ser preconizada, formulada e apresentada em cada uma dessas comissões parlamentares. E aí, sim, naquelas onde eu estiver, estarei, naturalmente, disponível para analisar esta questão e ponderar uma solução para o problema.
Agora, da forma como o problema é aqui trazido e apresentada a solução, entendo que o projecto de deliberação é inadequado e revela, mesmo, algum autoritarismo desnecessário e despropositado,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … se não mesmo uma clara intromissão nos poderes alheios.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Eu sei que a Sr.ª Deputada é defensora de um dirigismo,…

Vozes do PS: - Eh!…

O Orador: - … de um centralismo revolucionário, que a habilitará, porventura, a decidir o que cada um faz, como e onde.

Protestos do PCP.

Convirá que não é essa a minha opinião, não é essa a concepção desta bancada.
Por isso e pelas razões que procurei explicar, esta vossa iniciativa não colhe por uma questão de procedimento e não por uma questão de substância, porque, aqui, naturalmente, estaremos de acordo.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

Vozes do CDS-PP: - Ó Sr.ª Deputada!

O Sr. Presidente: - Qual é o motivo do seu agravo, Sr.ª Deputada? Eu não assisti ao debate…

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - O Sr. Presidente não assistiu ao debate e, provavelmente, dispensou-se de assistir a um exercício que considero lamentável neste espaço, porque estamos a falar de direitos. E, quando falamos de direitos, é pena que alguém que é Deputado da República Portuguesa não perceba que matérias de direitos não são matérias de Regimento, são matérias estruturantes, pelo que não se resolvem de forma administrativa, numas regras de funcionamento.

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

Estamos a falar de legislação existente na República Portuguesa; estamos a falar de direitos que existem na Constituição portuguesa; estamos a falar de conflitos entre direitos e quem não percebeu isto estará, seguramente, no espaço errado, atendendo à forma como a questão foi colocada.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, sinceramente, acho que a sua intervenção não foi uma defesa da honra, tomo-a mais como uma interpelação à Câmara. Assim, parece-me que não vale a pena dar a palavra ao Sr. Deputado Miguel Paiva para dar explicações.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, damos à Sr.ª Deputada Isabel Castro os parabéns por esta iniciativa.

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De facto, como já foi demasiado sublinhado, o tabagismo é uma preocupação, é uma das causas principais de mortalidade e de morbilidade, uma das dependências mais complicadas, nomeadamente, na Europa e em Portugal.
Penso que esta questão deve ser, contudo, olhada sem fanatismos, sem fundamentalismos e sem radicalismos. Não me parece que a questão do tabagismo e da defesa e protecção dos não fumadores deva ser posta em termos de conspurcar o cabelo ou os olhos, e, portanto, com radicalismos.
Aliás, aproveito para lembrar ao Ex.mo Sr. Deputado Miguel Paiva, por oposição aos comentários que acabou de fazer à esquerda, que os Estados Unidos da América são os principais bastiões na defesa incondicional dos direitos dos não fumadores.
Concluímos dizendo que também é uma medida exemplar no sentido de vermos como, a este nível das dependências, é possível conciliar a protecção dos direitos de todos sem haver colisão nas liberdades individuais de nenhuma das partes, neste caso, do fumador e do não fumador.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer, em primeiro lugar, que este problema deve ser tratado com toda a seriedade, e é neste registo que queremos intervir neste debate.
É evidente que a questão do tabagismo e do combate ao tabagismo é muito séria e tem consequências importantes na saúde pública. Com este projecto de deliberação, acautela-se, sem dúvida, a saúde de todos, fumadores e não fumadores, que fazem da Assembleia da República, incluindo as suas comissões, um espaço de trabalho, sejam eles Deputados, funcionários ou, até, convidados.
Também é importante, como já foi dito pela Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, como medida simbólica dada por este órgão de soberania. No entanto, o que é verdadeiramente de assinalar é que esta proibição, que já existia, não tenha sido cumprida,…

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … o que, agora, justifica o reavivar dessa proibição, para ver se se obtém o seu cumprimento.
Mas também é verdade, e termino com isto, que, em matéria de tabagismo, o problema fundamental está na prevenção, na sensibilização das camadas mais jovens para os seus malefícios, na limitação do apelo da publicidade, hoje, felizmente, já muito limitada, ao cigarro e ao tabaco. E, em matéria de prevenção, os tempos não auguram boas notícias, porque ela é feita fundamentalmente ao nível da saúde escolar, da intervenção dos profissionais de saúde nos cuidados primários de saúde. Mas, com as reformas que o Governo vai implementando - a entrega, com base na lógica do lucro, destas vertentes e destes equipamentos de saúde à intervenção privada, certamente por não serem lucrativos em termos económicos, embora sejam muito lucrativos em termos sociais e de saúde pública -, esta é uma daquelas prioridades que vai ficar para trás.
A prevenção ao tabagismo vai ser, certamente - esperemos que assim não seja, mas será provavelmente! -, uma das vítimas da política mercantilista que está em vigor no Serviço Nacional de Saúde e na saúde em Portugal. E esta preocupação tem, neste momento, de ficar aqui registada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que beneficia de cedência de tempo do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de acrescentar neste debate um aspecto para o qual não chamei a atenção da Câmara, mas, em relação ao qual, julgo, a esmagadora maioria dos Deputados será sensível.
Se é verdade que os Deputados que se encontram a participar nos trabalhos de uma comissão têm a possibilidade de sair da sala para fumar, satisfazendo aquela que é uma necessidade sua - e aqui não há juízos morais nossos, de crítica, em relação seja a quem for, porque não temos a pretensão puritana de penalizar ou de julgar vícios -, há outras pessoas, como os funcionários que dão apoio às comissões, que não têm essa escolha e a sua saúde está em jogo.
Penso, pois, ser importante que esta Câmara, na sua decisão, pondere aquela que é a necessidade de protecção dos seus direitos, que têm sido postos em causa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate do projecto de deliberação n.º 16/IX, cuja votação será feita ainda hoje, no momento oportuno.
Vamos passar à apreciação do Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro, que altera o Decreto-Lei n.º 364/99, de 17 de Setembro (Aprova o processo de reprivatização da GESCARTÃO, SGPS, S. A.) [apreciação parlamentar n.º 45/IX (PCP)].
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Valeria a pena, se este fosse o momento e se tivéssemos tempo, aproveitar esta oportunidade para debater a estratégia do Governo para o sector da pasta e do papel em Portugal e, neste contexto, a estratégia global de privatização da Portucel. Não é esta a questão, mas seguramente que, na próxima oportunidade, se justifica, aqui ou na Comissão de Economia e Finanças, reflectirmos sobre este tão importante sector para a economia portuguesa.
Hoje, trata-se de discutirmos o Decreto-Lei n.º 19/2003 e de apreciarmos as suas virtudes, na base do nosso requerimento, para a sua ratificação.
Como é sabido, com o Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro, foi dado mais um passo no sentido de isentar a Sonae, principal accionista da IMOCAPITAL, das obrigações que assumiu quando se candidatou e lhe foi adjudicada a GESCARTÃO, empresa do universo Portucel.
A saga é longa e, como o Sr. Ministro da Economia concordará comigo, pouco prestigiante para o Estado.
O Decreto-Lei n.º 364/99, de 17 de Setembro, que define as condições de reprivatização do Grupo GESCARTÃO, que agrupa as empresas Portucel Viana, Portucel Embalagem e Portucel Recicla (esta última, em Mourão), nunca foi cumprido.

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Entre as condições previstas estava a obrigatoriedade do concorrente que ganhasse o processo de privatização, que, no caso, foi a Sonae, enquanto principal accionista da empresa IMOCAPITAL, construir em Mourão, e cito o artigo 26.º do respectivo caderno de encargos, "(…) uma nova unidade fabril, destinada à indústria de papel reciclado (…)" em substituição da que foi desmantelada por se situar numa cota que irá ser submergida pela albufeira de Alqueva. Esta nova unidade corresponderia a um investimento da ordem dos 150 milhões de euros (cerca de 30 milhões de contos) e deveria ter iniciado a sua actividade até Dezembro de 2001, consoante data expressamente determinada no caderno de encargos da privatização, absorvendo, além do mais, o volume de emprego existente na unidade desmantelada.
Por esta razão, a Sonae comprou 65% do capital social do Grupo GESCARTÃO por apenas 19,985 milhões de contos, quando o Grupo estava avaliado em 42,480 milhões de contos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Um escândalo!

O Orador: - Uma diferença, para menos, de, portanto, cerca de 23 milhões de contos. Essa diferença, explicou o governo à época, correspondia ao valor do investimento que a Sonae iria fazer na construção da nova unidade.
Então, o governo do Partido Socialista, com o Eng.º António Guterres e o então ministro da economia Pina Moura, chegaram mesmo a promover uma lamentável encenação de um falso lançamento de uma primeira pedra…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - A pedra está lá!

O Orador: - … para a construção da nova fábrica, no local, em véspera de eleições, quando eles próprios sabiam que nem sequer a pedra estava no local.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Nem a pedra!

O Orador: - Aliás, já referi aqui uma vez que fui eu, depois, descobrir a pedra, escondida dentro da fábrica.

Risos do PCP.

Desde o início do processo que a Sonae se comportou com reserva mental em todo este caso. E foi sempre criando pretextos para não cumprir as obrigações que tinha assumido. Os prazos foram passando e a fábrica não foi construída.
Passadas as eleições autárquicas e nas vésperas das eleições legislativas de Março, outra insólita cerimónia foi arquitectada, de novo com a cumplicidade do Governo: a Sonae já não construiria a fábrica de papel a que se tinha obrigado, no valor de cerca de 30 milhões de contos, mas, em alternativa, poria de pé uma "fábrica de móveis" - é quase a mesma coisa -,…

Risos do PCP.

… cujo valor de investimento rondava tão-somente os 3 milhões de contos. Para isso foi realizado um filme, mostrados uns slides; realizada uma operação de engano dos trabalhadores, com a assinatura até de um protocolo, envolvendo a IMOCAPITAL, os municípios de Mourão e Reguengos e a própria comissão de trabalhadores. Tenho aqui, na minha mão, fotocópias dos slides da tal fábrica de móveis.
Enquanto isto ia decorrendo, iam sendo feitas pressões sobre os trabalhadores para aceitarem a rescisão dos seus contratos de trabalho, livrando-se, assim, a Sonae e o governo de mais um problema social. E a verdade é que, dos 148 trabalhadores existentes no início do processo, se chegou, nessa altura, a 24 trabalhadores. Hoje, já só restam 14 trabalhadores.
Mas nem a fábrica de móveis se concretizou e, por isso, veio agora este Governo, com o Sr. Ministro da Economia, acredito que contristado mas cedendo à vontade e à chantagem da Sonae, alterar o diploma legal da privatização, desobrigando o Sr. Eng.º Belmiro de Azevedo de cumprir as obrigações que tinha assumido, como, aliás, ele sempre reclamou.
Afinal, já nem a fábrica de papel, nem a de móveis, se constrói em Mourão. Agora, em seu lugar, talvez venha a ser feito um simples investimento numa unidade de embalagens de cartão, no valor máximo de 10 milhões de euros e abrangendo 20 postos de trabalho, quando o que estava inicialmente previsto era um investimento de 125 milhões de euros, garantindo 148 postos de trabalho.

O Sr. Honório Novo (PCP): - É parecido!

O Orador: - Tudo isto será acompanhado da criação de uma sociedade de capital de risco para hipotéticos investimentos na zona com parceiros que não existem e com objectivos que ainda não foram definidos.
Agora, a Sonae, ainda não satisfeita, faz pressões sucessivas por causa da 2.ª fase de privatização da PORTUCEL, SGPS, S. A.
Todo este processo, convenhamos, Sr. Ministro da Economia, constitui um escândalo que deveria envergonhar todos quantos se lhe associaram e que mostra bem a influência determinante dos grandes grupos económicos e a dependência do Estado em relação aos interesses privados e ilegítimos daqueles.
Disse o governo do Partido Socialista, em resposta a um requerimento que, à época, formulei, e cito, que a IMOCAPITAL foi informada "(…) de que, para o Estado, é facto assente e indiscutível que a construção da nova fábrica constitui uma obrigação da referida sociedade". Viu-se!
Agora, o Governo do PSD/CDS-PP, pela pena do Sr. Ministro da Economia, representando o mesmo Estado, confirma e aceita o não cumprimento, e cito, da "obrigação inicialmente prevista no contrato de compra e venda das acções da GESCARTÃO".
Estas são as razões, mais do que justificadas, para requerermos a apreciação do diploma que altera e isenta a Sonae do cumprimento das suas obrigações iniciais.
Só há, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, um caminho prestigiante para o Estado e que responde aos compromissos estabelecidos, à necessidade de investimento e de emprego naquela parte do Alentejo: a revogação, pura e simples, do diploma que hoje estamos a apreciar e o retorno às condições iniciais, com a anulação do processo de privatização e o impedimento de a Sonae não só exercer a opção de compra em relação aos restantes 35% da empresa GESCARTÃO como de concorrer à próxima fase de privatização da PORTUCEL, por manifesto incumprimento das condições previstas no caderno de encargos de privatizações do anterior processo.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É, Sr. Ministro da Economia, uma questão de dignidade do Estado e de se clarificar quem manda no País: se é o Eng.º Belmiro de Azevedo ou se é o Estado!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Cardão.

O Sr. Pinho Cardão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Comunista Português pediu a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro, que altera o Decreto-Lei n.º 364/99, de 17 de Setembro, que aprovou o processo de reprivatização da GESCARTÃO, SGPS, S. A.
A fundamentação já foi aqui apresentada pelo PCP, pelo que não a irei repetir.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E está de acordo com ela!

O Orador: - No que ao caso presente diz respeito, o Partido Comunista Português não pode ser acusado de falta de coerência nas suas atitudes e tomadas de posição.
Foi contra a privatização da GESCARTÃO em 1999 e considerou que a privatização era feita a "preço de saldo".

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Absolutamente!

O Orador: - Continuou a ter a mesma posição em Dezembro de 2002, como se deduz dos termos de um requerimento apresentado ao Governo sobre a matéria, aqui, todavia, com uma pequena nuance: exigia, agora, que fossem cumpridos os termos exactos definidos para a privatização, o que iria, em termo final, anular a operação, revertendo-se à situação anterior à da privatização.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Seria pior!

O Orador: - E continua a ser coerente, agora, quando pede a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - É um partido coerente!

O Orador: - A posição do Partido Comunista Português é, pois, coerente.
O Sr. Ministro da Economia, na sua intervenção, irá explicar a situação encontrada. Tem, no entanto, interesse conhecer a causa da coisa, isto é, por que razão se chega ao ponto de ter de alterar os termos de um decreto-lei que estabeleceu as regras de privatização de uma empresa. E convém conhecer, mais do que como crítica ao passado, sobretudo como lição para o futuro!
A história, que pode valer pelos ensinamentos que nos traz, teve o seu início visível em 17 de Setembro de 1999, com a publicação do Decreto-Lei n.º 364/99, que aprova o processo de reprivatização da GESCARTÃO, e deveria ter tido o seu epílogo em Março de 2001, com o início da actividade da fábrica de papel reciclado, data prevista no artigo 27.º do caderno de encargos anexo àquele decreto-lei. Isto é, o episódio teve o seu início e deveria ter tido o seu fim no tempo do governo do Partido Socialista.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas não teve, e esta foi mais uma pesada herança deixada ao novo Governo.
Com efeito, em Abril de 2002, aquando da tomada de posse do actual Governo, a fábrica não só não estava ainda construída como não havia qualquer sinal do início da construção, quando esta deveria ter iniciado a sua actividade um ano antes, em Março de 2001, ou, o mais tardar, em Dezembro de 2001, depois da autorização da prorrogação do prazo de construção.
A fábrica não estava construída mas foi teatralizado o início da sua construção, como ficou dito no requerimento do Partido Comunista Português atrás citado. O governo do Partido Socialista chegou mesmo, e transcreve-se, "a encenar o lançamento de uma primeira pedra, que nunca existiu, com direito a comunicação social e bênção, no local onde se deveria erguer a nova fábrica". Associado ao lançamento da primeira pedra terá existido também, penso eu, um pergaminho.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Exactamente! Um pergaminho!

O Orador: - Assim, para além dos problemas que o PS nos deixou, também deixou um problema para os arqueólogos vindouros que vierem a descobrir esse pergaminho, pois terão de encontrar explicação - à míngua de não encontrarem qualquer vestígio ou testemunho arqueológico da fábrica mas apenas o pergaminho da sua construção - para o mistério da desmaterialização da fábrica!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Lançada, assim, a primeira pedra, as coisas decorreram calmamente, certamente sem grandes preocupações por parte do governo, que aceitaria, aliás, a prorrogação do prazo de construção de Março para Dezembro de 2001, ao estilo de uma boa e fecunda sesta alentejana.
Um pequeno atraso, ligeiro acidente de percurso, as coisas até estavam a acontecer, caso contrário não haveria prorrogação de prazo. E tanto estavam a acontecer que o governo pensou em prorrogar ainda esse mesmo prazo até Setembro de 2002, tendo até, para o efeito, solicitado parecer à Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, que foi favorável. Mas, como as coisas estavam a correr mesmo bem, o governo não achou necessário prorrogar o prazo, sinal de que, até 31 de Dezembro de 2001, haveria, de facto, fábrica. A calma imperava no governo!
Menos calma, porventura mesmo algo inquieta, deveria estar a IMOCAPITAL, vencedora do concurso, que, em 27 de Dezembro de 2001, resolveu enviar uma carta ao governo, a dar-lhe conhecimento de que não tinha construído a dita fábrica. Diz a IMOCAPITAL, no último período dessa carta: "(…) dado estarmos a quatro dias do termo do prazo previsto no caderno de encargos para o início da actividade da nova unidade, sente-se esta sociedade obrigada a dar conhecimento a V. Ex.ª da situação existente (…)", isto é, da não existência da fábrica.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Repare-se na frase: "(…) sente-se esta sociedade obrigada a dar conhecimento (…)", o que significa que foi uma atitude activa, por parte da IMOCAPITAL, a de dar conhecimento ao governo, não se tratando de uma mera resposta a qualquer questão levantada por este. Tanto é assim que o governo, em carta de 23 de Janeiro de 2002, acusa a recepção da carta da IMOCAPITAL, através da qual, e cita-se, "somos informados pela IMOCAPITAL, de que se considera impossibilitada de cumprir a sua obrigação da construção de uma nova fábrica (…) em Mourão", e termina afirmando que, "do incumprimento pela IMOCAPITAL da obrigação assumida perante o Estado (…) não deixará o Estado de retirar as devidas consequências (…)".
Retiram-se daqui duas conclusões: a primeira é a de que o governo tomou conhecimento, em 27 de Dezembro, de que a fábrica não poderia ser construída no período dos quatro dias seguintes, isto é, até 31 de Dezembro. E, se tomou conhecimento, é porque não sabia!

Risos de Deputados do PSD.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Bem observado!

O Orador: - A segunda é a de que só na data de 23 de Janeiro de 2002 considerou que o adquirente estava em incumprimento, não por observação directa mas, certamente, pelo facto de aquele se ter autodenunciado.
Para o governo, até 27 de Dezembro de 2001, o adquirente não estava em incumprimento, porque faltavam quatro dias para terminar o prazo e, neste tempo, de grande rapidez de execução de tarefas, ainda teria expectativas de que a fábrica se fizesse.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Era um governo muito rápido!

O Orador: - Para sermos mais precisos, o Governo ainda deu ao adquirente o benefício da dúvida, concedendo-lhe mais 23 dias, porque a carta é de 23 de Janeiro de 2002. Bom, pelo menos em 23 de Janeiro de 2002, o governo declarou o adquirente em incumprimento. Mas esta situação de incumprimento terá durado muito pouco tempo.
Com efeito, em 5 de Março de 2002, isto é, passados cerca de 40 dias após 23 de Janeiro, foi assinado um protocolo entre a IMOCAPITAL, a Comissão de Trabalhadores da PORTUCEL e os municípios de Mourão e de Reguengos em que, de boa fé, se acordava e aceitava a substituição do investimento na fábrica de papel por outro tipo de medidas.
Acontece que no ponto 8 dos considerandos do referido protocolo é expressamente referido que "o Estado, a IMOCAPITAL e a PORTUCEL SGPS, estão a analisar as implicações e a negociar as medidas necessárias à implementação das alterações e dos investimentos adicionais anteriormente referidos". Estava, assim, apagado o incumprimento e iniciada uma nova negociação. Tal é confirmado pela carta do Ministério da Economia, de 27 de Março de 2002, para a IMOCAPITAL, carta essa que capeia um "memorando de encerramento das negociações relativas ao processo de reprivatização da GESCARTÃO".
Nos considerandos deste mesmo memorando, é tomado como referência o protocolo com as Câmaras Municipais de Mourão e Reguengos.
Analisada a carta de 27 de Março de 2002 e a reposta da IMOCAPITAL, fica-se com a convicção de que as "negociações" levadas a cabo pelo governo com a IMOCAPITAL foram, como se diz na gíria popular, "para inglês ver" ou, mais propriamente, "para alentejano ver", dado que essas negociações decorreram em pleno período eleitoral das eleições legislativas antecipadas de 2002, não se fazendo, obviamente, qualquer juízo de intenção sobre a coincidência.
Com efeito, no ponto 7 do memorando, chamado pomposamente de "Encerramento das Negociações", redigido no Ministério da Economia e remetido à IMOCAPITAL, em 27 de Março de 2002, o então Ministro da Economia entende que "a circunstância de o actual Governo ser um governo de gestão aconselha a que não sejam praticados actos que comportem uma limitação significativa dos poderes de decisão política do futuro governo". Isto é, de uma penada, o governo fez e desfez e, no fim, nada fez! Fez um memorando de encerramento e desfê-lo seguidamente, ficando tudo como estava antes.
A IMOCAPITAL, por seu lado, mostrou entender muito bem a posição do governo.
Assim, como resposta, entre outras considerações, a IMOCAPITAL afirma que, e passo a citar, "atendendo à estrutura accionista da IMOCAPITAL se exige a convocação do seu Conselho de Administração para que se pronuncie sobre o teor do memorando recebido".
O Ministério da Economia, em carta imediata, afirma a sua surpresa pela necessidade de submissão do memorando ao Conselho de Administração da IMOCAPITAL, face às conversações havidas. E, assim, morreu o assunto! Exemplar!
Entretanto, um organismo do Ministério do Ambiente, o Instituto para a Conservação da Natureza, tinha apresentado uma queixa junto da Comissão europeia, ao abrigo da directiva relativa às aves selvagens, contra a construção da fábrica, isto é, em termo final, contra a concretização do disposto no decreto-lei da reprivatização da GESCARTÃO. É, assim, governo contra governo!
O Decreto-Lei n.º 364/99 é assinado pelos ex-Ministros Jaime Gama, Sousa Franco e Vítor Ramalho e referendado pelo ex-Primeiro-Ministro. A este decreto-lei opôs-se o Instituto para a Conservação da Natureza, organismo tutelado pelo Ministério do Ambiente, e com total sucesso! Tratou-se de um combate entre forças, já não digo de uma coligação mas de uma mesma unidade.
Em suma, independentemente das medidas tomadas ou não tomadas pelo anterior governo, a situação objectiva encontrada pelo actual Governo era a seguinte: incumprimento parcial do caderno de encargos na parte referente à construção da unidade de Mourão; processo de infracção ambiental instaurado pela Comissão europeia contra Portugal, ao abrigo da directiva relativa às aves selvagens, que impedia a construção da fábrica, como, aliás, reconheceu a Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações; e dúvida sobre se a construção da fábrica, por parte do adquirente, configurava um incumprimento efectivo de uma das obrigações do caderno de encargos ou se, por outro lado, a não concretização de tal obrigação decorreria de uma responsabilidade objectiva superveniente.
Como alternativa, na defesa do interesse público, o actual Governo veio a utilizar o artigo 793.º do Código Civil, que prevê a possibilidade de o credor, com o acordo do devedor, alterar o conteúdo da prestação tornada supervenientemente impossível, tendo obtido, para o efeito,

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parecer positivo da Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações.
Daí a nova definição de obrigações da IMOCAPITAL, a que, segundo julgo, o Sr. Ministro da Economia se irá referir.
A aprovação do Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro, permitiu ao Governo uma salvaguarda dos interesses públicos em presença, quer do ponto de vista económico e financeiro, na medida em que são impostas obrigações de investimento acrescidas relativamente à situação anterior, quer do ponto de vista social e regional, porquanto não só foi mantida como válida a obrigação prevista no artigo 28.º do caderno de encargos, protegendo os trabalhadores visados pelo encerramento da fábrica, como foi também incrementada a obrigação de investimento no Alentejo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Pelo que ficou exposto, não encontra o PSD qualquer fundamento para sustentar o mérito e a oportunidade da presente apreciação parlamentar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora regimental de votações, pelo que vamos, agora, interromper a apreciação do Decreto-Lei n.º 19/2003, que retomaremos após as votações.
Porém, antes de mais, temos de proceder à verificação do quórum de votação por meio electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 175 presenças. Houve alguns Srs. Deputados que não inseriram o cartão em tempo e, portanto, não foram contabilizados, mas temos quórum mais do que suficiente para proceder às votações.
Temos, em primeiro lugar, o voto n.º 48/IX - De pesar pela morte do ex-Deputado José Barros Moura (PS). A este propósito, assinalo a presença, na galeria dos convidados, de familiares próximos do Sr. Deputado José Barros Moura, a quem apresento os meus cumprimentos.
Peço ao Sr. Secretário que proceda à leitura do voto que o PS nos propõe.

O Sr. Secretário (Ascenso Simões): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

No dia 25 de Março, José Barros Moura perdeu o seu último combate, vivido até ao fim com impressionante coragem e lucidez. A sua morte, aos 58 anos, causou generalizada consternação e pesar, constituindo pesada perda.
José Barros Moura é um dos mais destacados expoentes de uma geração decisiva para a instauração da democracia em Portugal.
Viveu, com intensidade apaixonada, tanto as vicissitudes da luta contra a ditadura como os problemas da construção da democracia e, em especial, os reptos que a difícil transição para o século XXI tem vindo a colocar à esquerda.
Adepto da actualização dos ideais históricos da luta pela transformação da sociedade, pela liberdade e pelo socialismo, buscou, ao longo da vida, com persistência, a melhor forma de aproximar a realidade da utopia, assumindo e explicando as suas opções de adesão e de ruptura com verticalidade, clareza e dignidade invulgares.
Protagonista inesquecível de duros combates estudantis contra o obscurantismo e a ditadura nas "crises académicas" de 1965 e 1969, foi participante e dirigente do movimento estudantil de Coimbra (Vice-Presidente da Associação Académica de Coimbra, em 1964/65) e nacional (tendo sido membro da Comissão Nacional dos Estudantes Portugueses, em 1969).
Teve mais tarde intervenção empenhada nas batalhas cruciais que, em 25 de Abril de 1974, abriram a Portugal os caminhos da liberdade, assinalando sempre com justo orgulho a sua participação no Secretariado da Comissão Coordenadora do MFA na Guiné-Bissau (em 1973/74).
Após o advento do regime democrático, José Barros Moura assumiu e honrou crescentes responsabilidades na construção da mudança política e social, prestigiando-se em múltiplos domínios.
Jurista insigne, com especial autoridade no domínio jus-laboral, exerceu importantes funções no mundo sindical. Participante nas primeiras reuniões da Intersindical, exerceu actividades no âmbito dos Sindicatos dos Bancários e da CGTP.
Director-Geral das Relações Colectivas de Trabalho do Ministério do Trabalho em 1974/75, foi, durante quase duas décadas, Coordenador e técnico do Gabinete de Estudos da CGTP-IN e Conselheiro Técnico da Delegação dos Trabalhadores a sucessivas Conferências Internacionais do Trabalho.
José Barros Moura insistiu sempre em conciliar a militância sindical e política com a investigação e a docência. Licenciado pela Faculdade de Direito de Coimbra e Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Clássica de Lisboa, tem relevante obra publicada e foi professor universitário nos domínios do Direito do Trabalho e Segurança Social, Teoria Geral do Direito Civil e Direito Comunitário.
Homem de cultura, avesso ao entrincheiramento numa só esfera de acção, foi participante activo numa vastíssima miríade de iniciativas nos variadíssimos domínios pelos quais se interessou, com especial destaque para as questões da construção europeia.
Em poucos anos, José Barros Moura qualificou-se como um dos mais destacados Eurodeputados portugueses. Foi, entre 1986 e 1991, membro e Vice-Presidente da Comissão dos Assuntos Sociais e membro da Comissão de Assuntos Externos do Parlamento Europeu, membro da Comissão do Desenvolvimento e Cooperação, Vice-Presidente da Assembleia Paritária ACP-CEE. Renunciou ao mandato em Dezembro de 1991, na sequência de ruptura com o PCP, de que era militante desde 1964.
Fundador e dirigente da Plataforma de Esquerda, pertenceu-lhe a concepção e o lançamento, em 1992, da petição e do Movimento Nacional Pró-Referendo sobre o Tratado de Maastricht.
José Barros Moura regressou ao Parlamento Europeu em Julho de 1994, eleito como independente nas listas do PS.
Membro do Grupo do Partido Socialista Europeu, exerceu prestigiantes funções na vida parlamentar europeia,

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tendo sido, igualmente, Vice-Presidente do Conselho Português do Movimento Europeu.
Aderiu ao PS em Janeiro de 1999, vindo a ser eleito Deputado à Assembleia da República, pelo círculo eleitoral do Porto, nas eleições de Outubro de 1999.
Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PS, bateu-se, de forma vertical e sem receio de polémica, pela concretização dos objectivos da maioria parlamentar que ajudou a construir.
Assumiu também intervenção no plano autárquico, batalhando intensamente pelas suas convicções.
Prevalecendo-se da sua larguíssima experiência profissional e política, pôde fazer ouvir a sua voz com particular força e autoridade na reflexão sobre o futuro da União Europeia, tendo sido um dos representantes da Assembleia da República na Convenção que elaborou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Ao reflectir sobre a necessidade de mudança, José Barros Moura gostava muito de citar os famosos versos do poeta Alexandre O'Neill:
"Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
(...)
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós".
Cuidou, no entanto, de esclarecer, no último livro que nos deixou, a sua convicção profunda sobre o futuro.
Escreveu Barros Moura: "A comum motivação destes textos é Portugal: o combate pela superação das causas do arcaísmo e ineficiência das instituições, pela modernização da economia e da sociedade e pela igualdade de oportunidades entre os cidadãos do nosso País".
Empenhado em "rasgar a cortina dos mitos e ilusões que frequente e historicamente falsifica a imagem de nós próprios", quis deixar bem claro que o seu não era um olhar "desencantado e, muito menos desesperado, sobre as possibilidades que temos de nos aproximarmos dos países mais desenvolvidos, fazendo simultaneamente justiça aos portugueses que vivem pior".
José Barros Moura partilhava antes a convicção de que "podemos fazer melhor, com preparação, organização, disciplina, brio e determinação", aliando o "pessimismo da inteligência" ao "optimismo da vontade".
A Assembleia da República exprime a sua profunda mágoa pelo falecimento de José Barros Moura, inclina-se perante a sua memória e presta-lhe sentidamente uma derradeira e merecida homenagem, endereçando sinceras condolências à família enlutada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reconhecido jurista e sindicalista, militante comunista, Deputado europeu por este partido, ideólogo e criador da Plataforma de Esquerda, aderiu posteriormente ao Partido Socialista. Conheci-o pessoalmente já na última Legislatura, como, de resto, muitos dos Deputados que integram esta bancada, e com ele travamos, porventura, algumas das mais duras batalhas políticas.
Aprendemos a admirá-lo até pela forma como sempre soube separar o plano político do plano pessoal: no plano político, a força e a convicção com que defendia as suas ideias e o partido que sempre soube representar; no plano pessoal, acabada a refrega política, sabia tratar todos com a urbanidade devida, reconhecendo a todos um papel indispensável nomeadamente neste Parlamento.
Pelo seu desempenho como político, pela sua postura como homem, sempre soube prestigiar os partidos que representou, contribuir para o enriquecimento das instituições onde trabalhou e soube sempre - e é aquilo que mais nos toca - dignificar, como poucos, esta Casa, a que, de resto, todos pertencemos.
Por isso, neste momento, prestamos-lhe a nossa homenagem sincera. Desejamos, naturalmente, que esteja em paz e apresentamos também sentidos pêsames à família enlutada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta palavra de merecida homenagem, e já de saudade, a José Barros Moura, começo por sublinhar o perfil do homem que construiu o seu caminho marcado por rupturas com a ditadura, a guerra, o estalinismo e a falta de ética na vida política.
Em termos pessoais, tive um relacionamento estreito e marcante com o Barros Moura, sobretudo quando, como representantes da Assembleia da República à Convenção sobre os Direitos Fundamentais, desenvolvemos intenso, proveitoso e gratificante trabalho, sentido que contribuíamos activamente para a elaboração da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e que as nossas posições políticas, diferentes, eram tantas vezes um complemento das propostas que gostosamente subscrevíamos em conjunto.
Nessa parceria viva vinha normalmente ao de cima o seu europeísmo genuíno e convicto, a visão federalista do projecto europeu e a defesa do modelo social europeu, numa união tímida, na concretização da vertente económica.
A nossa relação funcional e política alimentou grandes debates sobre a Europa e rapidamente se completou na dimensão pessoal. Com ele mantive algumas vivas polémicas, à conta da turbulência natural dos debates políticos em comissão e no Plenário, mas nunca ultrapassámos os limites que o respeito e mesmo a admiração recíproca nos ditavam.
Há um ano, já fora destas lides, encontrei o Barros Moura numa conferência e debati com ele a Convenção sobre o Futuro da Europa. Continuava intelectualmente em forma, atento, expectante e empenhado nos desafios europeus: o alargamento e o projecto da Constituição Europeia. E falámos em retomar essas discussões.
Hoje, sei que só o destino nos vai impedir de concretizar esse projecto.
Neste momento, em que a Assembleia da República exprime a sua mágoa pelo falecimento de José Barros Moura, endereço à família enlutada as mais sinceras condolências, em meu nome e no do meu partido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi com um profundo pesar que tomámos conhecimento do falecimento de José Barros Moura.

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Como se sabe, José Barros Moura foi membro do PCP entre 1964 e 1991 e nessa qualidade desenvolveu uma actividade política e social de grande mérito e desempenhou com grande brilho funções, designadamente, de Deputado ao Parlamento Europeu.
Posteriormente, José Barros Moura continuou a ter uma actividade política destacada e merecedora do nosso respeito, como Eurodeputado, eleito pelo Partido Socialista, e como Deputado e Vice-Presidente da bancada do Partido Socialista nesta Assembleia.
As conhecidas divergências que mantivemos com José Barros Moura ao longo da última década não nos impedem de nos curvarmos com respeito perante a sua memória e de sentirmos um profundo pesar pelo seu desaparecimento, que constitui uma grande perda para a vida política portuguesa.
Conheci José Barros Moura há mais de 20 anos, quando fui seu aluno de Direito do Trabalho, na Faculdade de Direito de Lisboa. Mais tarde, tive a oportunidade de com ele trabalhar mais de perto, quando desempenhou funções de Deputado do PCP no Parlamento Europeu, e sempre admirei o rigor que punha em todo o seu trabalho e a grande qualidade da sua intervenção, quer política, quer académica.
José Barros Moura destacou-se e notabilizou-se em vários domínios: como dirigente estudantil, como membro do MFA, na Guiné-Bissau, como académico no Direito do Trabalho e no Direito Comunitário, como activista do movimento sindical e estudioso do fenómeno sindical e laboral, como Deputado nacional e como Deputado europeu.
O desaparecimento prematuro, quase súbito, de José Barros Moura do nosso convívio é motivo de uma profunda tristeza.
Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, envio sentidas condolências ao Partido Socialista e aos seus familiares e amigos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sentimos com pesar e até como uma infelicidade cruel o falecimento de José Barros Moura. Habituámo-nos a lidar com a sua lealdade, com o seu espírito comprometido de combatente que não deixava causas a meio, de uma irrepreensível honestidade intelectual, de um sentido ético muito apurado. Por isso, esta fatalidade priva-nos do convívio com um dos eleitos dos eleitos nesta Assembleia da República.
À família enlutada e ao Partido Socialista queremos enviar as nossas condolências e manifestar o nosso pesar nesta hora.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer tão-só, neste momento em que invocamos Barros Moura depois do seu súbito falecimento, que ele deixa uma marca muito forte da sua personalidade, que se reflectiu na sua intervenção política, na sua conduta, na sua vida. É a marca de alguém que se dedicou totalmente às causas em que acreditou.
Fê-lo antes do 25 de Abril, na luta académica, em Coimbra, contra a ditadura; fê-lo no MFA antes ainda de Abril; e fê-lo mais tarde, deixando um património importante de investigação com o seu envolvimento activo no movimento sindical, na CGTP.
Mas deixa também o prestígio com que exerceu o seu mandato de Deputado europeu e, nesta Câmara, a marca do seu forte empenhamento em tudo aquilo que acreditou com convicção e o exemplo de uma grande combatividade na forma como encarou sempre o exercício do seu mandato, durante o qual foi da maior frontalidade, e soube sempre respeitar as normas de conduta que são tão importantes, designadamente para quem está na vida política.
É esta verticalidade e esta força que hoje queremos sublinhar, no dia em que lembramos o seu desaparecimento, e é este também o registo que quero deixar, por um lado, ao Partido Socialista, partido a que pertenceu, e, por outro e em primeiro lugar, à sua família, aqui presente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, apesar de a morte fazer parte desta nossa estranha condição humana, ela aparece-nos sempre de uma forma dolorosamente trágica quando rouba do nosso convívio, tão precocemente, um homem como Barros Moura.
Barros Moura foi um homem grande, grande pela lucidez da sua inteligência, grande pela integridade do seu carácter. Teve um percurso de excepção desde a juventude: alinhou nos grandes movimentos juvenis de contestação à ditadura, participou em todos os combates, granjeando aí um prestígio de que falava com enorme pudor.
Barros Moura nunca usou o seu passado como uma espécie de renda política para acautelar o seu futuro. Foi também nisso um homem superior.
Travou grandes combates, sempre na esquerda, primeiro no Partido Comunista Português, de que viria depois a afastar-se. Esteve também ligado ao movimento sindical, foi Eurodeputado, aproximou-se do PS e acabou por aderir ao Partido Socialista.
Conheci-o durante muito pouco tempo. Outros nesta bancada poderiam, talvez com mais propriedade, falar do Barros Moura, do velho combatente, do homem que esteve nas Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra e que aí participou nesses movimentos.
Eu conheci-o nos últimos anos. Mas raríssimas vezes, na vida pública, alguém me causou uma impressão tão profunda como aquela que, desde o primeiro instante, Barros Moura me causou, precisamente pela dimensão ética que o caracterizava. Ele era, nesse plano, um homem de uma extraordinária intransigência.
Barros Moura desprezava o mero calculismo político com que às vezes se constroem as carreiras superficiais. Ele era um homem de valores, um homem disposto a correr todos os dias todos os riscos em nome dos valores em que acreditava. E muitas vezes foi incompreendido, em muitos momentos não foi devidamente tratado. Mas este é o tributo que os homens livres têm muitas vezes de pagar pela sua persistência, pela sua vontade de serem fiéis a esses princípios.
Eu e Barros Moura colaborámos na direcção da bancada do Partido Socialista durante três anos. Sendo um espírito livre, era também um espírito solidário. Era um homem de causas, de convicções e de partido. Serviu exemplarmente o Partido Socialista ao longo destes anos. Tinha um

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único limite à solidariedade, o limite que a sua própria consciência lhe impunha, o limite que os ditames da ética lhe fixavam em cada momento.
Barros Moura partiu com uma amargura, que eu não quero, nesta circunstância, deixar de referir: Barros Moura foi um dos mais brilhantes Deputados da última legislatura nesta Assembleia da República. Serviu exemplarmente o Grupo Parlamentar do PS e ele teria gostado de permanecer como Deputado na presente Legislatura.
Esta foi, talvez, a amargura do seu último ano de vida; este é, indiscutivelmente, o nosso remorso desta hora.
Barros Moura foi um homem grande e a grandeza, às vezes, é um alvo fácil da pequenez e da mediocridade.
Não posso deixar de, neste momento, me dirigir à família, aqui presente, e de recordar algo que aconteceu há poucas horas e que marcará indelevelmente a minha vida: no domingo, já na antecâmara da morte, Barros Moura telefonou-me, telefonou-me para me abraçar. Barros Moura era daqueles que também me teria telefonado se eu tivesse perdido o combate em que estava envolvido, porque ele era desses homens que nunca desertam, desses homens que estão nas boas e nas más horas em nome das causas e das convicções. Mas telefonou-me e eu jamais esquecerei aquela voz à beira do abismo final, porque aquela era mais do que a voz de um homem moribundo, era mais do que a voz de um grande camarada e de um grande amigo. Aquela era a voz dos mais nobres valores da vida pública, aqueles que sempre têm de prevalecer sobre as contingências dos nossos destinos tão contraditórios, dos nossos destinos individuais.
Barros Moura foi, inquestionavelmente, uma das grandes referências na minha vida. Tive oportunidade de privar com ele nos últimos anos da sua vida.
Espero que a sua memória nos ilumine a todos nos caminhos do futuro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pedi a palavra para, em meu nome pessoal e em nome do Governo, que aqui represento, me associar à homenagem justa que o Parlamento presta ao Dr. Barros Moura.
Não tenho este gesto por qualquer razão de circunstância ou de pró-forma, antes, de uma forma sentida.
Sou daqueles que não privou durante muito tempo com o Dr. Barros Moura. Bem pelo contrário, o nosso conhecimento e o nosso contacto resulta sobretudo dos últimos anos aqui, na Assembleia da República.
Mas já antes de o conhecer pessoalmente tinha por ele, pela forma como se colocava como cidadão e como político, um enorme respeito.
Em muitos momentos, em conversas com um meu amigo, meu conterrâneo e familiar do Dr. Barros Moura, várias vezes me pude aperceber da profundidade e da nobreza do seu carácter e da forma íntegra com que defendia as suas ideias. E mais tarde, sobretudo aqui, na Assembleia da República, enquanto Deputados, pude, de uma forma mais pessoal, constatar isso mesmo; ou seja, pude constatar que era um homem íntegro, um homem de pensamento, um político com convicções.
Pese embora todas as diferenças de opinião, aquilo que, antes e depois de o conhecer pessoalmente, mais respeitava e admirava na sua conduta eram estas duas coisas: o ser um homem de convicções e o assumir as suas convicções com uma enorme coragem. Penso que estas duas características são, por si só, mais do que suficientes para aqui ter pedido a palavra e para dizer que, como Deputado ao Parlamento Europeu, como Deputado nesta Assembleia e como autarca, o Dr. Barros Moura foi sempre uma marca muito singular, uma marca de princípios, de valores e de convicções que assumia com inteligência, por um lado, e com frontalidade, por outro.
Quando a política é feita assim, mesmo com adversários ou com pessoas que pensam de maneira diferente, só contribui para a riqueza da nossa democracia.
Por isso, é desta forma sentida que quero aqui também prestar homenagem, a minha e a do Governo que aqui represento, ao Dr. Barros Moura, a solidariedade à família enlutada e as nossas condolências também ao Partido Socialista, onde ultimamente militava.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, em meu nome pessoal e em nome da Mesa, associo-me às palavras justíssimas que foram proferidas pelos representantes de todos os grupos parlamentares e do Governo relativamente ao antigo Deputado José Barros Moura.
Guardamos todos dele a recordação das suas brilhantes intervenções em debates sempre acalorados.
Hoje, num comovido silêncio, evocamos a sua distinta personalidade e homenageamos a sua memória.
Aos seus familiares, aqui presentes, e ao Partido Socialista apresento as minhas condolências.
Vamos, então, votar o voto n.º 48/IX - De pesar pela morte do ex-Deputado José Barros Moura (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

O voto que aprovámos será transmitido oficialmente aos familiares do Dr. José Barros Moura.
Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de resolução n.º 137/IX - Renovação do mandato da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político (PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos, agora, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 47/IX - Altera a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, criado pela Lei n.º 14/90, de 9 de Junho (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos votar o requerimento, apresentado pelo PSD, PS, CDS-PP e BE, de baixa à 8.ª Comissão, sem votação, pelo prazo de 60 dias, dos projectos de lei n.os 27/IX - Regime jurídico das terapêuticas não convencionais (BE) e 263/IX - Lei do enquadramento base das medicinas não convencionais (PS) e do projecto de resolução n.º 135/IX - Regulamentação da osteopatia (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Com a aprovação do requerimento ficam prejudicadas as votações, na generalidade, destes diplomas.
Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de deliberação n.º 16/IX - Adopta medidas contra os efeitos do tabagismo activo e passivo (Os Verdes).

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, tendo em conta a votação que vamos fazer, gostaria de recordar uma deliberação desta Casa, a Deliberação da Assembleia da República n.º 10-PL/88, que estabelece a proibição de fumar nas comissões parlamentares especializadas. Segundo esta deliberação, a Assembleia da República, na sua reunião plenária de 5 de Julho de 1988, deliberou não ser permitido fumar nas salas onde decorram os trabalhos das comissões parlamentares especializadas. E esta deliberação foi assinada pelo Sr. Presidente da Assembleia da República à data, o Dr. Vítor Pereira Crespo.
Sr. Presidente, que me conste, não faz sentido deliberar-se duas vezes sobre a mesma coisa. Sentido faria votar-se o contrário disso. Ou seja, se fosse aqui apresentado, por um qualquer partido político, um projecto de deliberação em sentido contrário, revogatório da deliberação, faria sentido.
A interpelação que faço à Mesa, Sr. Presidente, é no sentido de saber se o facto de haver já uma deliberação sobre este assunto não prejudica a votação deste projecto de deliberação. Entendendo V. Ex.ª que não, gostaria de saber em que plano é que fica este projecto de deliberação.
Como V. Ex.ª sabe, sou presidente de uma comissão, ainda que não permanente, que tinha esta deliberação como boa, e gostaria de saber em que plano é que ficamos, ou seja, se a podemos continuar a invocar ou não.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se o projecto de deliberação for aprovado, substitui a deliberação anterior sobre a mesma matéria.
Julgo, aliás, que as queixas derivam de que, para muitos, essa deliberação caiu em desuso.

Risos do CDS-PP.

Embora não seja razoável as leis caírem em desuso, o certo é que pode ter acontecido.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, sobre este assunto, gostaria de dizer que, a meu ver, esta observação não tem sentido. Aliás, a Mesa admitiu este projecto de deliberação.
Mais: a discussão de hoje permitiu concluir não só da validade do seu conteúdo como, porventura, da existência, nesta Câmara, de diferentes leituras sobre essa proibição, pelo menos por parte de um grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o projecto de deliberação n.º 16/IX - Adopta medidas contra os efeitos do tabagismo activo e passivo (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções de Deputados do PSD, do PS e do CDS-PP.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de relatórios e pareceres da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em primeiro lugar, temos um relatório e parecer da Comissão de Ética referente à substituição, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Deputados, do Deputado José Manuel Pavão (PSD) (círculo eleitoral de Bragança), por Miguel Miranda, por um período de 90 dias, com início em 1 de Abril de 2003, inclusive.
O parecer é no sentido de que a substituição em causa é de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos um outro relatório e parecer da Comissão da Ética referente à retoma de mandato, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 6.º do Estatuto dos Deputados, do Deputado Tavares Moreira (PSD) (círculo eleitoral de Braga), cessando Agostinho Silva, em 31 de Março corrente, inclusive.
O parecer é no sentido de que a retoma do mandato em causa é de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 1.ª Secção do 3.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa - Processo n.º 193/2002 -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Jorge Coelho (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, vamos retomar a apreciação do Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro, que altera o Decreto-Lei n.º 364/99, de 17 de Setembro (Aprova o processo de reprivatização da GESCARTÃO, SGPS, S. A) [apreciação parlamentar n.º 45/IX (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins.

O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que nos é dado discutir neste fórum tem a ver com o Decreto-Lei n.º 19/2003 relativo ao processo de reprivatização da GESCARTÃO, SGPS, S. A.
A GESCARTÃO, recordo, é um universo que inclui a Portucel Viana, a Portucel Recicla e a Portucel Embalagem, cujo processo de reprivatização continha um conjunto de objectivos e de obrigações para a entidade que ficasse responsável pelo mesmo.
Recordo que os dois objectivos definidos à altura, em 1999, pelo Decreto-Lei n.º 364/99, de 17 de Setembro, eram, por um lado, o desenvolvimento do sector papeleiro nacional e, por outro, o desenvolvimento regional numa área com atrasos económicos e sociais e sem alternativas para o reemprego dos trabalhadores ligados ao processo de encerramento da fábrica de Mourão, decorrente do enchimento da barragem de Alqueva.
É bom relembrar, nesta oportunidade, que o referido processo envolve dois objectivos: por um lado, o desenvolvimento estratégico da indústria papeleira nacional e, por outro, o desenvolvimento regional. A compatibilização destes objectivos era, e é, da máxima importância, e seria bom que os grupos parlamentares, nas respectivas intervenções, não ignorassem a importância simultânea destes dois objectivos.
É sabido, e já foi referido, que o desentendimento entre as partes bloqueou o normal desenvolvimento do processo de reprivatização.
O decreto-lei em apreciação contém vários elementos conducentes à obtenção do acordo para o processo os quais obrigam a IMOCAPITAL a construir uma fábrica de papel reciclado para embalagem fora do concelho de Mourão, ao contrário do que estava previsto, sabendo-se agora, em concreto, que será em Viana do Castelo, implicando um investimento de 125 milhões de euros e fixando-se prazos para entrega do pedido de licenciamento bem como para o início subsequente de actividade.
A IMOCAPITAL fica, ainda, obrigada a construir, no concelho de Mourão, um investimento industrial que absorva a totalidade dos postos de trabalho remanescentes da fábrica de papel Portucel Recicla, estando também fixadas, e bem, as responsabilidades inerentes.
A IMOCAPITAL fica, igualmente, obrigada a investir 40 milhões de euros em projectos na região relativamente a outras actividades, enquanto o Estado fixa normas de verificação do cumprimento destas obrigações.
A este propósito, quero referir, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, quatro ou cinco aspectos que nos parecem essenciais.
Em primeiro lugar, o actual Governo optou por não accionar os mecanismos jurídicos de responsabilização do investidor privado pelo incumprimento das cláusulas iniciais do processo de reprivatização da GESCARTÃO e consequente anulação do concurso. É uma opção que deve ser respeitada, mas a responsabilidade da decisão é do Governo e não vejo vantagens em que este debate se desenvolva por outras vias.
Penso que há que respeitar tal decisão, repito, mas creio que, da parte do Governo, há que assumir a responsabilidade por tal acto.
Em segundo lugar, o Governo, com esta solução, assume integralmente a paternidade de uma renegociação com aspectos jurídicos melindrosos que sempre estiveram presentes em todo este processo. De igual modo, todas as responsabilidades supervenientes serão assumidas pelo Governo, que é o que me parece importante sublinhar nesta altura.
Em terceiro lugar, o processo de reprivatização da GESCARTÃO visava, como referi inicialmente, objectivos de racionalização e desenvolvimento da indústria papeleira nacional, mas também objectivos de coesão económica, social e territorial. É matéria relativamente à qual estaremos muito atentos no que diz respeito ao desenvolvimento da assunção de responsabilidades pelas partes.
Estamos perante dois objectivos potencialmente conflituantes cuja conciliação, no âmbito da política económica, é indispensável. E o Sr. Ministro da Economia é, evidentemente, o responsável pela boa gestão destas duas valências de conciliação obrigatória: por um lado, a que está ligada ao desenvolvimento primordial da fileira florestal, que é um trunfo do desenvolvimento económico deste país, e, por outro, o desenvolvimento dos aspectos da coesão económica, social e territorial.
A este propósito, devo dizer que não é de menor importância a natureza do projecto que vier a instalar-se no concelho de Mourão relativamente ao conjunto de projectos que vierem a ser instalados, importando num total de 40 milhões de euros. É que não basta assumir e obrigar à responsabilidade de um investimento desta ordem de grandeza para projectos, há que garantir a natureza estruturante e os efeitos que tais projectos venham a ter sobre a região. Caso contrário, teremos um conjunto de projectos que não implicarão uma parte significativa do desenvolvimento regional.
Em quarto e último lugar, relativamente aos interesses financeiros do Estado no processo de reprivatização, considero que é a boa a opção do Governo, a qual gostaria de ver reafirmada, neste momento, através de uma OPV para a parte remanescente de capital em reprivatização.
Importa ser firme e célere neste processo, pelo que aproveito para pedir ao Sr. Ministro da Economia que reafirme a opção tomada e para questioná-lo sobre o processo relativo a esta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Gonçalves.

O Sr. Herculano Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro, reflecte a necessidade de encontrar uma solução alternativa à construção da fábrica de papel de Mourão. Não uma qualquer solução, mas uma que respondesse aos objectivos socioeconómicos subjacentes às imposições constantes do Decreto-Lei n.º 364/99, de 17 de Setembro, que se verificou não ser viável implementar.
Consideramos que o interesse público e regional, nomeadamente na sua dimensão social, se encontra assegurado através das obrigações substitutivas previstas no

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decreto-lei em apreciação. E devem sublinhar-se os méritos das soluções aí consagradas.
Por um lado, será efectuado, em Mourão, um investimento industrial num valor mínimo de 10 milhões de euros, o que garante o emprego aos trabalhadores antes afectos à fábrica agora desactivada.
Por outro lado, a solução encontrada não levanta questões de natureza ambiental, uma vez que respeita as restrições decorrentes do facto de se tratar de uma zona protegida especial (ZPE).
A este propósito, recorde-se o processo iniciado pela Comissão Europeia contra Portugal por infracção ambiental relativamente à instalação de uma fábrica de papel reciclado em Mourão, prevista nos termos do caderno de encargos anexo ao Decreto-Lei n.º 364/99. Parece, assim, que uma impossibilidade objectiva superveniente obstaria ao cumprimento das obrigações aí estabelecidas.
Àquele investimento industrial em Mourão acresce, ainda, parte de outro, a realizar nos concelhos de Mourão, Reguengos e Portel, nos sectores agrícola, agro-industrial e turismo, investimento que se eleva a 40 milhões de euros, 10 dos quais, no mínimo, se destinam a projectos a realizar naqueles concelhos.
Irá ser aplicado um fundo ou uma sociedade de capital de risco no valor de 40 milhões de euros, nas áreas de investimento agrícola, agro-industrial, industrial ou dos serviços, inclusive turismo, num prazo de 36 meses.
Os objectivos que se visavam atingir no âmbito do Decreto-Lei n.º 364/99, quer o de natureza económica quer o dos problemas sociais resultantes da desactivação da fábrica de papel, estão, assim, resolvidos.
Mais: a solução agora encontrada constitui um importante contributo para o desenvolvimento económico do Alentejo.
Ficam ainda salvaguardados os aspectos económico-financeiros subjacentes a esta questão, na medida em que as obrigações de investimento são claramente alargadas em relação às anteriormente impostas.
De facto, o investimento mínimo a efectuar pela IMOCAPITAL, SGPS, S. A., passou de 125 para 175 milhões de euros, além de se terem definido prazos determinados para a apresentação e a realização dos respectivos projectos.
Deve notar-se também que integram o novo contrato garantias de boa execução, garantias essas não previstas anteriormente e que lhe conferem uma outra segurança.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Entendemos que os objectivos da reprivatização a prosseguir, através da construção da nova fábrica em Mourão, são susceptíveis de ser prosseguidos através de projectos com maior racionalidade económica e financeira. Mas são, sobretudo, adequados a restabelecer o equilíbrio das prestações contratuais, com vantagens para os interesses locais, regionais e nacionais, em particular, os interesses sociais, económicos e ambientais.
Parece-nos, pois, que a opção tomada pelo Governo, de alterar a obrigação inicialmente prevista no caderno de encargos anexo ao Decreto-Lei n.º 364/99, salvaguarda inteiramente o interesse público.
Pelas razões apresentadas, o CDS-PP entende adequado o regime contido no Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro, e, consequentemente, votará em conformidade com tal posição.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia (Carlos Tavares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Lino de Carvalho, devo dizer-lhe que este seu pedido de apreciação parlamentar e a forma como o fundamentou me causaram grande perplexidade. Já sabemos que nem sempre temos as mesmas opiniões - em alguns casos, temos, mas frequentemente não temos -, mas o que era de esperar era que, ao fazer este pedido de apreciação, tivesse estudado o assunto. Porém, aquilo que disse, porque lhe atribuo honestidade intelectual, mostra que não estudou o assunto, pois só assim se compreende que nada do que aqui disse seja exacto.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - Tirando a história do processo, que são factos,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas essa é que é a questão central!

O Orador: - … nenhuma das afirmações que fez, quanto às conclusões que tirou desses factos, é exacta.
Aliás, alguns factos também não são exactos. Por exemplo, o Sr. Deputado diz que o Governo, através deste decreto-lei, dispensou a IMOCAPITAL, não a SONAE (e, para sua informação, o consórcio é de 50%/50%), do cumprimento das suas obrigações, quando a verdade é que o Estado aumentou as contrapartidas que a IMOCAPITAL tem de realizar no âmbito do concurso a que se candidatou.
Como sabe, as obrigações iniciais limitavam-se à construção de uma fábrica de papel reciclado em Mourão, num valor aproximado de 125 milhões de euros, quando, agora, não só tem de construir a mesma fábrica de papel reciclado num local onde seja possível, mas dentro do País - como sabe, nenhuma garantia existia de que era possível construir aquela fábrica em Mourão, pois havia um processo levantado pela Comissão Europeia, já na fase de opinião fundamentada, questionando a atribuição da licença ambiental pelo Governo português a uma fábrica de papel reciclado em Mourão por violar a já referida directiva relativa às aves selvagens -, como, além disso, o Governo lhe impôs obrigações adicionais, no montante de 50 milhões de euros, essas, sim, na região do Alentejo. Ou seja, passámos de 125 para 175 milhões de euros.
Se isto é dispensar a IMOCAPITAL do cumprimento das suas obrigações, da realização das contrapartidas… O Sr. Deputado far-me-á o favor de explicar como é que entende isso.
Em segundo lugar, Sr. Deputado Lino de Carvalho e também Sr. Deputado Maximiano Martins, quando este Governo herdou esta situação, herdou um problema. Herdou uma situação de não cumprimento de facto das contrapartidas do concurso; herdou uma situação que o governo anterior tinha decidido, Sr. Deputado Maximiano Martins, que era a de entrar numa negociação com a SONAE, sem qualquer fundamento para o fazer; herdou uma situação em que havia, inclusive, legítimas expectativas criadas à IMOCAPITAL de uma solução negociada, que só não se concretizou porque a IMOCAPITAL não assinou um protocolo que lhe foi enviado, nos últimos dias

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de funções do governo anterior, como projecto de acordo, que dispensava a construção da fábrica em Mourão e a transferia para outro sítio, substituindo-a pela tal fábrica de móveis em Mourão - e só não herdámos esse projecto de protocolo assinado porque, como referi, a IMOCAPITAL não o assinou, já que o governo, nessa altura, era um governo de gestão.
Ora, para resolver este problema, Srs. Deputados, tínhamos duas vias: ou a anulação do concurso, que era a única alternativa que nos restava a uma solução negociada - aliás, concluímos isso, ouvindo a auditoria jurídica do Ministério e a Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações -, ou a modificação das contrapartidas, sendo que esta teria de ser feita por acordo, segundo o próprio parecer da Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações.
E a solução de cada uma destas duas vias era diferente. A anulação do concurso poderia dar origem a uma solução contenciosa, faria Portugal e o Alentejo esperarem não se sabe quantos anos pela realização dos investimentos de contrapartida, com o eventual arrastamento do processo pelos tribunais, com a eventual realização de novo concurso não se sabe quando - e não nos podíamos dar ao luxo de estar vários anos à espera da realização de 175 milhões de euros de investimentos!!...

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A alternativa foi a de encontrar uma solução que é mais gravosa, do ponto de vista financeiro, para os promotores e que reflecte o facto de a solução de investimento encontrada ser mais racional do ponto de vista económico. É que a realização do investimento em Mourão tinha um valor económico líquido negativo (segundo as contas que vi) de cerca de 18 milhões de euros e, Srs. Deputados, o País também não está em condições de fazer investimentos com valor económico negativo! Por isso, era uma solução irracional, também do ponto de vista económico. E, já agora, aproveito para corrigi-lo neste aspecto: também segundo os números que herdei, o valor de avaliação da GESCARTÃO não era de 44 milhões de contos mas, sim, de 95 a 100 milhões de euros, com o valor líquido negativo de 18 milhões de euros da nova fábrica de Mourão.
Quais são as vantagens da solução que encontrámos? É mais racional para o País porque evita-se construir uma unidade com um valor líquido negativo; é igualmente defensora dos interesses do Alentejo porque obriga a fazer investimentos de 50 milhões de euros em regiões do Alentejo, parte dos quais obrigatoriamente em Mourão e no triângulo Reguengos/Portel/Mourão; e evita um arrastamento da situação porque permite que a contrapartida seja realizada imediatamente. A solução que encontrámos, que é totalmente legal (do ponto de vista jurídico e pelos pareceres que obtivemos, fundamentamo-nos totalmente nela), permite que os investimentos sejam realizados de imediato. Aliás, os primeiros pedidos de licenciamento, seja da fábrica de papel reciclado, a qual, provavelmente, será feita em Viana do Castelo - e, segundo me consta, Viana do Castelo também é Portugal e também é importante do ponto de vista do desenvolvimento do País e do desenvolvimento regional -, seja do projecto em Mourão, terão de dar entrada até ao próximo dia 4 de Abril, que, por coincidência, é o dia do meu aniversário, mas o Sr. Deputado não encontrará aí nada de extraordinário…

Risos.

Portanto, até ao dia 4 de Abril, os promotores terão de entregar os projectos de licenciamento dos novos investimentos.
Onde é que estaríamos se tivéssemos ido pela via que o Sr. Deputado queria, que, aliás, não sei exactamente qual era?…

Vozes do PSD: - Nem ele próprio!

O Orador: - Ainda estaríamos a discutir, e a discutir, e a adiar investimentos que são importantes para o País.
Efectivamente, é muito importante que o País tenha uma fábrica (em Viana do Castelo, por exemplo), com um investimento de 125 milhões de euros, que produza mais papel do que aquele que é hoje importado. E também é importante que a população de Mourão possa ter, tão depressa quanto possível, um novo investimento e, se possível, outros a seguir.
Mais do que isso, Sr. Deputado: o novo decreto-lei introduz mecanismos, que o anterior não previa, de garantia de execução das obrigações. É que as garantias que existiam (e que aqui foram referidas, aliás de forma pouco precisa, pelo Sr. Deputado Maximiano Martins), eram garantias de boa execução que valiam apenas 6 milhões de contos e não davam a garantia da execução do projecto.
Ora, o que é que se passa agora? Se, por exemplo, a IMOCAPITAL não entregar os projectos de licenciamento no período determinado, 4 de Abril, o que é que isso implica? O Estado tem uma garantia, um penhor, sobre 51% das acções da GESCARTÃO, que pode executar de imediato, obtendo de novo o controlo da companhia e podendo novamente dispor das acções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, além de encontrarmos uma solução, encontrámos uma solução que tem totais garantias de ser executada. Isto foi uma melhoria significativa em relação à situação anterior, que corria o risco de ser inexequível, além de que era impossível, Sr. Deputado, determinar de quem era a culpa do incumprimento face às questões ambientais e também face às questões de indisponibilidade de infra-estruturas energéticas, que, aliás, tinham de ser colocadas, em Mourão, a expensas do Estado.
Ou seja, com esta solução, defendemos o interesse do Estado, o interesse da população de Mourão, o interesse do País, com investimentos acrescidos.
O Sr. Deputado poderá dizer que não era esta seguramente a vontade dos promotores, mas foi aquela, Sr. Deputado, que entendemos defender melhor os interesses do Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos 35% de remanescentes (a parte remanescente de capital em reprivatização), referidos pelo Sr. Deputado Maximino Martins, optámos por tentar realizá-los pela via que melhor defende os interesses patrimoniais do Estado. É que poderíamos simplesmente ter optado por nada fazer e deixado que a IMOCAPITAL exercesse a opção de compra por um valor que é, reconhecemo-lo, claramente inferior ao valor da empresa hoje. Nós lançámos a OPV no momento em que o podíamos

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fazer - não o poderíamos ter feito antes de sanada a situação anterior e antes de publicado o novo decreto-lei. Aliás, até avançámos com o processo da OPV logo que o decreto-lei foi promulgado, antes mesmo da sua publicação. Acontece que, nesse momento, tínhamos um prazo de praticamente um mês para realizar uma OPV, que seria um prazo recorde em Portugal e não dependia apenas de nós, porque era a primeira vez em que o oferente das acções não controlava a empresa. Por isso, tivemos de sujeitar-nos à disponibilidade dos elementos que foram facultados pela empresa. E a empresa facultou-os com a diligência que entendeu ser normal, mas já para além daquele que seria o prazo limite para a emergência do direito de opção de compra pela empresa.
Esperamos levar a OPV até ao fim, tendo em conta esta dificuldade. Foi essa a nossa opção e esperamos que ela se conclua. Tentaremos, por todas as vias possíveis, salvaguardar o melhor possível os interesses patrimoniais do Estado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Capoulas Santos.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O Sr. Ministro da Economia e alguns Deputados da maioria referiram, várias vezes, a herança do governo anterior. Congratulo-me que o façam, porque, no caso do Alentejo e do projecto de Alqueva, é, de facto, a herança que, há muito, os alentejanos reclamavam e mereciam. Aliás, alguns dos problemas que, hoje, estamos aqui a discutir têm precisamente a ver com esse acto arrojado de dar ao Alentejo o que o Alentejo há muito merecia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O concelho de Mourão é seguramente um dos mais pequenos do País e vai ficar com cerca de um terço do seu território inundado. Seria lamentável que o preço que os habitantes do concelho de Mourão tivessem de pagar pelo desenvolvimento do Alentejo fosse exactamente o acréscimo do seu subdesenvolvimento.
Ora, foi por essa razão que o governo anterior condicionou a privatização à garantia da manutenção dos postos de trabalho equivalentes aos que se perderam com o desmantelamento e a consequente submersão da área onde se localizava a fábrica.
Aparentemente, o governo anterior levou até ao extremo e conseguiu que os violadores da lei, neste caso, os beneficiários da privatização o empurrassem para o terreno onde queriam colocá-lo. Ora, isto é uma batalha jurídica de duração indeterminada. O actual Governo, aparentemente, parece ter cedido a essa pretensão dos violadores da lei ao ter encontrado uma alternativa que os favorece naquele que é o seu objectivo principal que é, pura e simplesmente, ganhar tempo.
Nestes termos, gostaria de colocar ao Sr. Ministro duas questões: Sr. Ministro, a eventual comparticipação financeira pública nos investimentos que venham a ser efectuados no âmbito desse plano podem vir a ser retiradas das dotações do Quadro Comunitário de Apoio, nos seus diversos instrumentos atribuídos à Região do Alentejo?
Ou seja, estes investimentos vão retirar meios que poderiam ser utilizados por outros se o Governo fizesse cumprir o contrato a que os beneficiários da privatização se obrigaram?
E ainda, Sr. Ministro, como é que garante que esses hipotéticos e difusos instrumentos vão garantir o número de postos de trabalho equivalente àquele que foi perdido com o desmantelamento da fábrica da Portucel de Mourão?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Economia, V. Ex.ª dispõe, apenas, de 16 segundos para responder, a não ser que o PS lhe ceda o restante tempo para responder.

Vozes do PS: - Nós cedemos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito bem, o PS cede o tempo restante, os 28 segundos.
Se o Sr. Ministro conseguir ser muito sintético, tem a palavra para responder.

Vozes do PSD: - Sr. Presidente, cedemos mais um minuto.

O Sr. Presidente: - Muito bem! Sr. Ministro, tenha a bondade de responder.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, creio que serão colocadas outras questões, pelo que gostaria de responder no fim.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, se o Sr. Deputado Capoulas Santos nada objectar a isso, responderá então no final.
Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, mas é para uma intervenção e não para colocar questões ao Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Eu sei, Sr. Deputado!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, eu julgava que tinha sido feito um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Pois, mas o Sr. Ministro pediu para intervir em primeiro lugar para eventualmente obtemperar algum argumento que venha a ser expendido por outro dos participantes no debate.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, eu esperava que o Sr. Ministro viesse usar todos os argumentos menos afirmar que nós não conhecemos o processo. É certo que o Sr. Ministro, depois, entrou em contradição: disse que, perante os factos e a História, nós tínhamos razão; mas só não tínhamos em relação à conclusão. Ó Sr. Ministro, eu até estou pronto a reconhecer que a principal responsabilidade deste processo não é deste Governo, nem do Sr. Ministro…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … que até esperava, da parte do Partido Socialista, uma palavra de autocrítica e um pedido de desculpas à população do Alentejo e de Mourão…

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ora bem!

O Orador: - … por nos terem enganado sucessivamente, em relação a este processo, em actos no mínimo indecorosos, como foi o célebre "lançamento de uma primeira pedra" que não existia no local e que, como eu disse há pouco, fui descobrir atrás da fábrica.
Isto porque "lançamento de uma primeira pedra" envolveu, aliás, o Sr. Arcebispo de Évora, e a bênção sobre a fábrica nunca se chegou a realizar porque a pedra nem sequer existia lá.

Risos do PSD.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - É falso!

O Orador: - Não é falso, não, Sr. Deputado. Eu até lhe digo a data em que foi, se for preciso, porque a tenho aqui comigo.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Está a faltar à verdade!

O Orador: - Não é verdade, Sr. Deputado. Fui eu que numa visita, posterior, à fábrica, fui levado pela comissão de trabalhadores ao sítio onde a tal pedra que era para ser lançada estava escondida, atrás da fábrica.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Ah, era para ser lançada!

O Orador: - Portanto, nunca foi lançada. O ex-primeiro-ministro António Guterres foi lá, nunca chegou a ser lançada e, de tal modo, que à última da hora o ex-primeiro-ministro se veio embora, para não ser cúmplice de uma cerimónia falsa de "lançamento da primeira pedra".

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Era para ser!

O Orador: - Era para ser? Pois, os senhores fizeram a cerimónia, não lançaram a pedra e disseram que lançavam a primeira pedra com o Sr. Arcebispo ao lado!…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há diálogo! Quem está no uso da palavra é o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Orador: - Bom, mas vamos à questão.
Mas a verdade é esta, Sr. Ministro: no decreto-lei de 1999, o que é dito é que, primeiro, "o concorrente adquirente obriga-se a tomar todas as medidas que se revelem necessárias à construção de uma nova unidade fabril a situar no concelho de Mourão, destinada à indústria de papel reciclado".
Mais à frente, refere-se que ela deveria iniciar a sua actividade até Março e, posteriormente, até Setembro de 2001. E diz ainda "o concorrente adquirente assegura que não se procederá à cessação dos contratos de trabalho existentes na anterior unidade", que eram de 148 trabalhadores.
Qual é a solução que agora é adoptada, Sr. Ministro? É porque a IMOCAPITAL é desonerada desse encargo. Em relação a Mourão, a unidade que vai construir - se construir… - é de 10 milhões de euros e sabe quantos postos de trabalho é que vai absorver, Sr. Ministro? 20! O resto é uma sociedade de capital de risco, a construir, se tiver parceiros no local, para objectivos que ainda não estão definidos.
Portanto, é óbvio, Sr. Ministro que não é a mesma coisa!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Uma segunda questão, Sr. Ministro: como sabe, na altura do concurso, houve concorrentes internacionais (um, pelo menos) que desistiu de participar no processo de privatização, exactamente porque estava em desacordo com esta cláusula da necessidade de construir uma unidade em Mourão.
O que dirão esses concorrentes internacionais quando tiverem conhecimento de que as cláusulas na base das quais prescindiram de participar no concurso foram alteradas depois de o concurso ter sido fechado? Penso que mesmo do ponto de vista das regras dos processos de mercado de privatização não é seguramente uma coisa curial.
Uma outra questão, Sr. Ministro: agora, descobriu-se um parecer da Comissão Europeia relativo às questões ambientais. O Sr. Ministro sabe o que é que dizia esse parecer?

O Sr. Ministro da Economia: - Não é um parecer, é um processo!

O Orador: - Sabe de que ano é esse processo? É de 2000! Eu tenho-o aqui. Tenho aqui a resposta, é de 2000, repito.
Mas, Sr. Ministro, eu, em 2002, recebi do governo português, do Estado, uma resposta dois anos depois, desse tal parecer que, agora, é invocado, como razão para não se poder construir lá a fábrica. Recebi dois anos depois uma resposta em que se diz: "A IMOCAPITAL foi informada de que para o Estado é facto assente e indiscutível que a construção da nova fábrica, em Mourão, constitui uma obrigação da referida sociedade...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - … e de que o Estado dispõe de distintos meios e instrumentos legais, e contratuais, para efectuar o cumprimento da referida obrigação e de ser ressarcido dos prejuízos causados".
Nada disto foi cumprido, Sr. Ministro!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se!

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente!
O Governo pode até ter encontrado agora uma solução imediata, para resolver um contencioso que existia, mas a verdade, Sr. Ministro, é que os compromissos inicialmente existentes, de um determinado volume de investimento, com um determinado volume de emprego, numa determinada região - que é Mourão - não foram cumpridos e a entidade adquirente não foi desonerada desse encargo.
Esta é uma questão de princípio, Sr. Ministro, independentemente de a solução que o Governo agora encontrou ser a solução possível. Não é, mas independente disso, repito, é uma questão de princípio!

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O Governo lançou um processo de privatização, esse processo de privatização tinha condições, o concorrente que a adquiriu contra outros concorrentes não as cumpriu, desde o início que teve um processo de reserva mental porque sempre disse que concorria mas nunca cumpriria aquela cláusula. Chegou-se ao fim e a solução adoptada foi aquela que o concorrente exigiu mas não aquela que o Estado português previu no processo inicial.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E isto, Sr. Ministro, é uma questão de princípio!
Nós podemos estar em desacordo com os processos de privatização - e estamos! -, mas, iniciado este processo, o Estado, se é uma pessoa de bem, tem de fazer cumprir a quem ganhou o concurso as cláusulas desse concurso.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se o não fez, a única solução que teria, mesmo que adviessem prejuízos supervenientes, era anular o processo de privatização e impedir esse concorrente de concorrer a futuros processo de privatização, enquanto não tivesse cumprido as cláusulas a que se obrigou. Era a única questão que um Estado de bem deveria ter e deveria cumprir. Não o fez porque o concorrente chama-se SONAE e Engenheiro Belmiro de Azevedo!
E a parte mais fraca é Mourão, é o Alentejo e são as responsabilidades assumidas e os compromissos perante o povo e o desenvolvimento da região.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lino de Carvalho "foi salvo", no último segundo, pelo toque do gongo, ou seja, pela cedência de tempo por parte do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes.
Vamos ver como é que a Mesa vai organizar o restante tempo deste debate…

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defender a honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Acha que o Sr. Deputado Lino de Carvalho o desonrou?

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho acabou por dizer que o Partido Socialista se comportou neste processo cometendo uma fraude.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, espero que seja breve. Tem a palavra.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - E uma vez que o Sr. Presidente disse que tinha tocado o gongo, eu espero que com este esclarecimento possa colocar o Sr. Deputado Lino de Carvalho completamente KO.

O Sr. Presidente: - Vamos a ver!

O Sr. Capoulas Santos (PS): - É que o Sr. Deputado Lino de Carvalho não perde uma única oportunidade para, em vez de atacar os responsáveis pelos problemas, dar - peço desculpa pela expressão - umas "caneladas" ao Partido Socialista.
Compreendo que assim seja, porque há meia dúzia de anos a CDU tinha maioria absoluta no concelho de Mourão e, neste momento, não consegue, sequer, eleger um vereador nessa câmara municipal.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Porque será?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - As eleições é que lhe interessa, os direitos das pessoas não!

O Orador: - O Sr. Deputado Lino de Carvalho começou por dizer neste debate que tinha sido fraudulentamente colocada um pedra inaugural numa fábrica que não chegou a existir, que até sabia a data e que foi conduzido pelos trabalhadores a esse local, para, dois minutos depois, dizer que, afinal, essa pedra não tinha sido colocada, tinha havido uma hipotética intenção de o fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, desejo esclarecer que participei, com o Sr. Primeiro-Ministro do Governo anterior, numa sessão em Mourão onde foi anunciada a decisão do governo relativamente à privatização da Portucel e à exigência de colocar, no mesmo concelho, uma fábrica com igual número de postos de trabalho e que tal só não se concretizou porque quem deveria ter honrado os seus compromissos, a outra parte contratante, que não o governo, não os honrou.
Assim, deveria caber a este Governo, enquanto representante do Estado português, fazer cumprir a lei e garantir o cumprimento do clausulado que implicava a construção de uma fábrica com o mesmo número de postos de trabalho no concelho de Mourão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, tem a palavra para dar explicações.
Peço-lhe que não exceda o tempo utilizado pelo Sr. Deputado Capoulas Santos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Eu só vou ler, se o Sr. Presidente me deixar.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Orador: - Passo, então, a ler: "Em 10 de Fevereiro de 1999, o Sr. Primeiro-Ministro Eng.º António Guterres confirmou a construção da nova fábrica da Portucel Recicla até 31 de Dezembro de 2001, numa cerimónia local de lançamento da primeira pedra, em que estiveram presentes inúmeras individualidades do Governo e da Igreja Católica, bem como os autarcas dos concelhos de Mourão e de Reguengos de Monsaraz.".
A tal primeira pedra fui eu encontrá-la depois, atrás da fábrica, porque nunca existiu. Mas a cerimónia existiu, e foi uma cerimónia fraudulenta.

Protestos do PS.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Cite o autor!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Raimundo.

O Sr. Miguel Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A minha primeira

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palavra é de saudação para com os trabalhadores da Portucel Recicla de Mourão.
Eu pensava que o Partido Socialista viesse aqui reconhecer a sua incapacidade de resolução deste assunto, mas não, não teve essa seriedade. O Partido Socialista é bom a diagnosticar, mas aplicar a receita é que não é com o PS. Isto é, são bons a falar, mas a executar "zero"!
O Sr. Deputado Lino de Carvalho já referiu o que se passou, e efectivamente foi assim. Mas eu vou mais atrás: no dia 4 de Junho de 1997, o Sr. Ministro do Equipamento, Eng.º João Cravinho, esteve nas instalações da antiga fábrica e garantiu a construção da nova fábrica de papel reciclado. Depois, houve uma visita do Dr. Durão Barroso à fábrica de Portucel de Mourão, que eu acompanhei.
Na sequência da visita, no dia 10 de Fevereiro de 1999, do Sr. Primeiro-Ministro da altura, Eng.º António Guterres, este confirmou a construção dessa nova fábrica da Portucel Recicla até 31 de Dezembro de 2001 e disse o seguinte: "penso que, de novo, há no Alentejo esperança, confiança e convicção, penso que os alentejanos estão conquistados para a modernização e desenvolvimento da sua região e espero que este acto, em que uma nova unidade industrial que aqui vai nascer, signifique uma nova visão em relação ao futuro."
Resultado: uma mão cheia de nada! Zero!
Sr. Ministro, vá em frente! Os alentejanos acreditam que seja o senhor e o seu Governo a resolver este problema!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Têm essa obrigação!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins.

O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, Srs. Deputados: Gostaria de referir dois ou três aspectos no pouco tempo que me resta.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o que hoje está em causa é a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 19/2003.

Protestos do Deputado do PCP Lino de Carvalho.

Sou Deputado pela primeira vez, mas temo que haja aqui uma coligação de interesses algo estranha…

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Exactamente!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - A "coligação de esquerda" hoje não está a funcionar bem!

O Orador: - Sr. Ministro da Economia, não ouvi da sua parte um comentário à questão muito importante da natureza dos projectos a constituir na zona. O Governo tem de acompanhar de forma muito próxima a execução dos projectos, porque o seu valor pode não ter qualquer significado para o desenvolvimento real da região e das populações.
Também ouvi uma contradição que tem de ser explicada. O Sr. Ministro referiu que o memorando foi apresentado à empresa e por esta devolvido, mas o Sr. Deputado Pinho Cardão, pelo contrário, disse-nos que o memorando foi retirado pelo governo, que considerou que era um governo de gestão e, como tal, não se deveria comprometer. Há, pois, aqui uma contradição entre o Governo e a sua base de apoio que, sem dúvida, deve ser clarificada, uma vez que se trata de matéria pertinente e de grande importância.
Finalmente, o facto de o valor actualizado da fábrica ser negativo era, certamente, do conhecimento dos concorrentes, Sr. Ministro. Portanto, não é um facto superveniente ao processo reprivatização.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando este Governo tomou posse herdou um problema. Curiosamente, nunca antes se preocuparam com o problema e agora estão preocupados com a solução!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - A intervenção do Sr. Deputado Capoulas Santos surpreende-me, porque dá a ideia de que não fazia parte do governo anterior! Surpreendentemente, o Sr. Deputado referiu que este Governo optou pela via da facilidade e ignora que o governo anterior tinha proposto à Imocapital uma via mais fácil do que esta.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Exactamente!

O Orador: - E quando põe em causa as questões do Quadro Comunitário de Apoio ignora, provavelmente (também não conheço todo o processo), que o governo anterior tinha assumido perante a Imocapital um compromisso - e não podia fazê-lo - de comparticipação com fundos comunitários para além do que é normal, coisa que este Governo nunca assumiu na discussão e no acordo que fez e que serviu de base a este decreto-lei. Portanto, não vejo quem está na via da facilidade.
Este Governo escolheu uma via que é, de facto, melhor para o Estado e pior para os privados, porque impõe contrapartidas mais gravosas do que impunham quer o decreto-lei original quer o acordo que os senhores tinham celebrado com os promotores. Salvaguardámos o interesse público porque garantimos a execução das contrapartidas, aspecto que o governo e o decreto-lei anteriores não garantiam.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Protegemos o interesse do Alentejo, protegemos o interesse de Mourão, protegemos o interesse do País com melhores investimentos. E, quando refiro que o investimento anterior tinha valor actualizado líquido negativo, quero dizer que este não terá e é melhor para o País. Além do mais, não estamos em condições de desperdiçar recursos com investimentos de valor negativo.
Portanto, estamos a salvaguardar os interesses do Estado, os interesses do País, os interesses de Mourão, os interesses do Alentejo.

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Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não sei como é que o Sr. Deputado Lino de Carvalho os queria salvaguardar!?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Estado devia reassumir as suas co-responsabilidades como parte, como accionista!

O Orador: - Só entrando numa guerra jurídica, numa discussão sem fim, em que o Alentejo ficava à espera - tal como esteve à espera, durante três anos, de promessas que estavam no papel e nunca foram cumpridas!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate do Decreto-Lei n.º 19/2003, de 3 de Fevereiro, que altera o Decreto-Lei n.º 364/99, de 17 de Setembro (Aprova o processo de reprivatização da Gescartão, SGPS, S. A) [apreciação parlamentar n.º 45/IX (PCP)].
Comunico à Câmara que amanhã não estarei presente na sessão da manhã, pois deslocar-me-ei ao Porto, a convite da Câmara Municipal daquela cidade, para assistir à Sessão Solene do Dia dos Municípios com Centro Histórico. Amanhã é o dia do aniversário natalício de Alexandre Herculano e foi essa a data escolhida para os municípios portugueses celebrarem.
Srs. Deputados, a nossa sessão plenária de amanhã, às 10 horas, terá como ordem do dia a apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 224/IX - Assegura a competência plena dos tribunais portugueses face à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (Altera o Código Penal Português em matéria do crime de genocídio, dos crimes contra a Humanidade e dos crimes de guerra) (PSD) e 262/IX - Altera o Código Penal, para garantia do julgamento em Portugal dos autores de crimes previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional (PCP).
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

--

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Arménio dos Santos
Henrique José Monteiro Chaves
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Eduardo Artur Neves Moreira
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
João Rui Gaspar de Almeida
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
Luís Manuel Carvalho Carito

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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4454 | I Série - Número 105 | 28 de Março de 2003

 

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