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Quinta-feira, 3 de Abril de 2003 I Série - Número 107

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE ABRIL DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. Narana Sinai Coissoró

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética de retoma de mandato de um Deputado do CDS-PP.
Em interpelação à Mesa, a Sr.ª Deputada Jamila Madeira (PS) informou a Câmara de que o PS vai entregar na Mesa um requerimento à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o regime jurídico das manifestações, tendo, a este propósito, também usado da palavra os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), Luís Fazenda (BE), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e Ricardo Fonseca de Almeida (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes (BE) falou da guerra no Iraque e exigiu do Governo esclarecimentos adicionais sobre a participação de Portugal neste conflito armado. Respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Telmo Correia (CDS-PP) e deu explicações à defesa da honra da bancada proferida pelo mesmo Deputado.
O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), em declaração política, a propósito da guerra no Iraque, referiu o papel de Portugal no mundo e na União Europeia e elogiou a mudança de atitude do PS face ao conflito, tendo, no fim, respondido ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Marco António Costa (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado João Cravinho (PS) responsabilizou o Governo pela situação económica e social do País, após o que respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Diogo Feio (CDS-PP) e Jorge Neto (PSD).
O Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP), também em declaração política, teceu considerações sobre o actual estado da economia e do desenvolvimento económico nacionais. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Diogo Feio (CDS-PP) e Patinha Antão (PSD).
Por último, ainda em declaração política, o Sr. Deputado Costa e Oliveira (PSD) abordou a questão do bem-estar animal, ligando-a à da segurança alimentar, e respondeu, depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado José Apolinário (PS).

Ordem do dia. - A Câmara procedeu à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 96/IX - Altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (PS), 97/IX - Aprova um novo código de justiça militar e revoga a legislação existente sobre a matéria (PS), 98/IX - Aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público (PS), 156/IX - Aprova as bases gerais da justiça e disciplina militar (PCP), 257/IX - Aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público (PSD e CDS-PP), 258/IX - Altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (PSD e CDS-PP) e 259/IX - Aprova o novo código de justiça militar e revoga a legislação existente sobre a matéria (PSD e CDS-PP). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Vitalino Canas (PS), António Filipe (PCP), João Rebelo (CDS-PP), Rui Ribeiro e Rui Gomes da Silva (PSD), Luís Fazenda (BE), Rodrigo Ribeiro (PSD) e Marques Júnior (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro

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Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Antonino Aurélio Vieira de Sousa
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís José Vieira Duque
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Bloco de Esquerda (BE):
Joana Beatriz Nunes Vicente Amaral Dias
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, antes de mais, peço a vossa atenção para o seguinte: o Sr. Presidente Mota Amaral não preside hoje à sessão plenária por se encontrar na cidade de Ponta Delgada, onde se comemora o Dia da Cidade. Nessas comemorações, entre outros acontecimentos, o Dr. Mota Amaral vai ser homenageado como cidadão ilustre dos Açores e de Portugal. Gostaria, pois, que a Câmara se associasse a esta homenagem com uma salva de palmas.

Aplausos gerais, tendo os Deputados do PSD e do CDS-PP aplaudido de pé.

Peço, agora, ao Sr. Secretário que proceda à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa, no dia 25 de Março e na reunião plenária de 26 de Março, requerimentos aos Ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, da Economia, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e da Segurança Social e do Trabalho,

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formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário e Miranda Calha.
O Governo respondeu, no dia 26 de Março, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Luís Rodrigues, Maria Santos, Isabel Castro, José Miguel Medeiros, Honório Novo, Fernando Pedro Moutinho, Fernando Cabral, Rodeia Machado, Jorge Nuno Sá, Luís Fazenda e António Filipe.
Foram ainda respondidos, no dia 26 de Março, os requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Ascenso Simões e António Galamba.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, importa ainda apreciar e votar um parecer da Comissão de Ética, relativo à retoma de mandato, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 6.º do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado Luís Duque (CDS-PP) (círculo eleitoral de Santarém), cessando Herculano Gonçalves, em 2 de Abril corrente, inclusive.
O parecer é no sentido de que a retoma de mandato em causa é de admitir.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, quero apenas informar que vamos fazer chegar à Mesa, de imediato, um requerimento dirigido à 1.ª Comissão, no sentido de a mesma se debruçar e pronunciar, com carácter de urgência, sobre o regime jurídico das manifestações, de modo a aclarar, de forma rápida e, posso mesmo repetir, urgente, a temática que hoje circula nos jornais relativamente a esta questão.
Peço, pois, a maior atenção do Sr. Presidente, no sentido de esta diligência ser o mais acelerada possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, nos mesmos termos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, quero também anunciar que, esta manhã, o Grupo Parlamentar do PCP dirigiu um requerimento ao Governo que tem a ver com o caso específico da manifestação de hoje dos estudantes do ensino superior.
Precisamos de saber, com muita urgência, se o Governo já revogou o despacho da Sr.ª Governadora Civil de Lisboa, elaborado com base numa interpretação da legislação que, para nós, é claramente abusiva e que se reveste e traduz numa intenção de bloquear, impedir ou desenvolver uma manobra intimidatória da referida manifestação, a qual conta com a mobilização de milhares de estudantes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido, perante esta extraordinária novidade de interpretação jurídica, que introduz na ordem do dia a apreciação sobre o horário a que se pode fazer uma manifestação, cerceando claramente o direito de manifestação, constitucionalmente garantido no nosso país, numa tradição democrática de praticamente três décadas, a questão que se coloca é a de o Governo se pronunciar e responder rapidamente a este requerimento, dizendo se vai ou não dar cobertura a este despacho da Sr.ª Governadora Civil de Lisboa, ou se, pelo contrário, vai repor a tradição democrática que tem imperado no nosso país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, peço também a palavra para uma interpelação à Mesa, nos mesmos termos que as precedentes.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, quero também informar a Mesa de que o Bloco de Esquerda, a igual título, apresentou hoje um requerimento ao Governo, pretendendo que seja suspenso o despacho da Sr.ª Governadora Civil e restaurada aquela que tem sido a praxe e que é o conteúdo mais elementar do direito de manifestação, o qual não pode ser cerceado, muito menos àqueles que são os mais jovens dos nossos concidadãos e que querem seguir o passo da democracia que tão árdua e dificilmente foi conquistada.

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça favor, Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito rapidamente, quero também manifestar, da parte da bancada do CDS-PP, a nossa perplexidade pelos anúncios que acabam de ser feitos.
Naturalmente, também acompanhamos com atenção esta matéria e até com bastante interesse aquilo que se vai passar hoje à tarde, para sabermos se o que está em causa é uma falha na mobilização dos estudantes e um arranjar desculpas para essa falha, ou se é, de facto, um problema de legalidade, que não nos parece que exista.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ai não?!

O Orador: - Pela nossa parte, entendemos, e daí manifestarmos aqui a nossa posição, que o cumprimento da lei

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incumbe não só aos governos civis mas também aos governos e a esta Assembleia da República.
A Sr.ª Governadora Civil de Lisboa agiu no cumprimento da lei, aplicou a lei ao caso concreto, fê-lo bem e, portanto, entendemos que os requerimentos que acabam de ser aqui anunciados não fazem qualquer sentido.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - O melhor é ninguém se manifestar! Tudo caladinho!

O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, vou dar também uma informação à Câmara, embora não o pretendesse fazer, tendo em conta o meu passado de dirigente estudantil.
Todas as manifestações de estudantes, num passado recente, e também num passado longínquo, foram sempre proibidas pelos governos civis, atendendo a um preceito legal.
A todas as associações de estudantes que convocam e pedem autorização para estas manifestações o governo civil responde sempre…

Protestos do PCP.

É consultar os registos das autorizações nos diferentes governos civis para se ver que nunca autorizam. E nunca autorizam porque não se espera que os governos civis autorizem uma coisa que é, manifestamente, ilegal.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É ilegal porquê?! O direito de manifestação agora é ilegal?!

O Orador: - No entanto, não foi por causa desse preceito que as sucessivas manifestações deixaram de se realizar.
De qualquer forma, a questão que aqui suscitaram e que é, para nós, essencial é a de saber se, de facto, há ou não razão para a manifestação. E, na nossa opinião, não há qualquer tipo de razão,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essa agora!

O Orador: - … até porque estamos a discutir diplomas fundamentais para a legislação do ensino superior, a qual está a ser alterada de acordo com as pretensões dos próprios estudantes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Só nos faltava essa!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, como se trata de requerimentos feitos ao Governo, serão enviados ao Governo e, naturalmente, os partidos terão de esperar pela resposta deste.
Assim, dou por encerrado este tema e estas interpelações e…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa pela interrupção. Permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado José Magalhães também pretende intervir sobre este problema?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Presidente, verdadeiramente só queria que V. Ex.ª pudesse corrigir uma coisa que referiu talvez por lapso.
Nem todos os requerimentos mencionados são feitos ao Governo, Sr. Presidente, designadamente o do Partido Socialista, que visa a convocação urgente de uma reunião da 1.ª Comissão e, como a Sr.ª Deputada Jamila Madeira sublinhou, solicita à Mesa a especial urgência na tramitação desse pedido, uma vez que há um tempo útil para realizar essa diligência. Mas, sublinho, isto passa-se no interior dos organismos da própria Câmara e não na sua relação com o Governo.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado José Magalhães, é óbvio que, se é solicitada urgência, o requerimento será enviado, de imediato, à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos, agora, iniciar o período destinado a declarações políticas, sendo que o primeiro orador inscrito é o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O pano caiu! Assistimos hoje à realidade nua e crua da guerra! Quem acredita, ainda, nos eufemismos da propaganda?! "Danos colaterais" são residências civis destruídas, mercados arrasados, hospitais da Cruz Vermelha e maternidades bombardeados. "Operações cirúrgicas" traduzem-se por destruições generalizadas. "Choque e pavor" - talvez aqui resida o busílis da estratégia.
Quantidades inimagináveis de bombas lançadas sobre Bagdad - quantidades "históricas", dizem os "falcões da guerra". Decerto haverá lugar, nas páginas sombrias da história humana, para um tão evidente e sinistro crime contra a Humanidade.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Como diria a poetisa Gertrude Stein, a guerra é a guerra, é a guerra, é a guerra. E esta é uma guerra particularmente criminosa.
É a própria CNN quem o noticia: o exército americano tem usado napalm nas operações guerreiras. Napalm! A mesma arma utilizada no Vietname!
Multiplicam-se provas da utilização rotineira de bombas de fragmentação, expressamente proibidas por várias convenções internacionais e que se destinam, precisamente, a dizimar populações civis. Percebe-se agora o significado de "armas de destruição maciça" e compreende-se melhor por que razão os Estados Unidos da América nunca assinaram tratados de eliminação de armas químicas ou de proibição

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de minas antipessoais. É toda uma imensa máquina de guerra que está em funcionamento, no apogeu do horror.
A verdade acaba por vir ao de cima. Sabemos, agora, que o general que vai reconstruir o Iraque (depois de o País ser sistemática e meticulosamente arrasado) preside a uma empresa que fornece tecnologia de alta precisão para o sistema de mísseis Patriot. Sabemos, igualmente, que existem já contratos adjudicados a grandes empresas americanas, cujo pagamento deverá sair da conta da ONU do Programa "Petróleo por Alimentos". É o saque, em todo o seu esplendor!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por cá, algumas novidades assemelham-se a actos de uma tremenda farsa.
O Ministro da Defesa afirma, com o desplante que se lhe conhece, que não enviamos tropas para a guerra porque, na realidade, não existe uma segunda resolução do Conselho de Segurança da ONU que suporte legalmente tal envio. Estará o Sr. Ministro a brincar com a nossa inteligência?! Tomar-nos-á por seres destituídos de percepção crítica?! Então, não foi precisamente este Governo quem menosprezou a possibilidade e a utilidade de tal resolução, quer através da carta do "bando dos oito", quer pela reiterada afirmação de que jamais, em qualquer circunstância, permaneceríamos neutrais?! A farsa tem limites: os limites da decência!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, ainda ontem, na Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa, a maioria recusou a vinda do Ministro dos Negócios Estrangeiros para esclarecer a modalidade em que foi concedida a utilização incondicional da Base das Lajes, mesmo com a nossa anuência de que a audição se desenrolasse à porta fechada. Entendamo-nos, Sr.as e Srs. Deputados! Tal utilização, por parte do exército americano, constitui, como já dissemos, o contributo objectivo e material do nosso país para esta guerra criminosa - contribuição à margem da Carta das Nações Unidas. De Novembro até agora mudou o status quo internacional. Exige-se, por isso, um conjunto adicional de esclarecimentos. O silêncio e a recusa explícita em informar a Assembleia da República prejudicam gravemente o seu papel fiscalizador.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - De que tem medo o Governo? O que pretende esconder? Que protocolos ocultos foram firmados com os Estados Unidos? Estaremos a falar de contrapartidas, como a aqui anunciada pelo Primeiro-Ministro, referente à manutenção do comando da NATO em Oeiras? Há um prémio pela participação de Portugal nesta guerra? A recusa em colaborar com esta Assembleia autoriza todas as suspeitas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta guerra consagra a vitória suprema de Bin Laden. Quantos terroristas fanáticos são forjados por cada bomba assassina?! Quantos cidadãos árabes não abdicarão do bom senso e da moderação, perante a evidência da chacina?! Não é este o "caldo" onde fervilham os piores integrismos?!
Esta guerra envergonha-nos na nossa Humanidade. Infelizmente, o nosso Governo contribui para este enorme desprestígio.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, não sei se vou fazer propriamente um pedido de esclarecimentos, já que este pressupõe a existência de um diálogo. Eu pergunto, o senhor responde e tentamos entender-nos. E eu acho, sinceramente, que, em relação às posições do Bloco de Esquerda nesta matéria, não há diálogo possível, nem entendimento possível,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … porque existem, basicamente, três posições nesta matéria: os que consideram que a guerra não era desejável mas que foi inevitável, posição que perfilho; os que entendem que não havia circunstâncias, designadamente do ponto de vista do direito internacional, que justificassem a intervenção neste momento, posição que conhecemos, da qual discordo mas que respeito;…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e os que, sistematicamente, têm uma posição que se limita, ao fim e ao cabo, a uma defesa do regime iraquiano.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta é a vossa posição. E eu registei, das palavras que proferiu da tribuna, que não houve uma única - uma única, Sr. Deputado - palavra de condenação ao regime de Saddam Hussein. Nem uma!

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É um regime que trata os prisioneiros de guerra como sabemos, que os exibe, que os enxovalha, que poderá mesmo tê-los executado; um regime que utiliza civis como escudos humanos; um regime que sempre recorreu, e continua a recorrer, à tortura; um regime que apela à utilização de comandos suicidas. E os senhores não tiveram, mais uma vez, uma única palavra de crítica em relação ao regime iraquiano.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Por isso, Sr. Deputado, sem querer propriamente fazer-lhe perguntas, limito-me a constatar dois factos. Primeiro, quando o senhor diz, "os aliados, a coligação, os Estados

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Unidos e o Reino Unido dizimam voluntariamente populações", o senhor está a dizer uma mentira,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … que, até hoje, só tínhamos ouvido ao Ministro da Informação iraquiano ou a Ali Hassan al-Majid, o Ali "o Químico".

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - E mesmo assim de uma forma mais honesta!

O Orador: - Só a eles, a mais ninguém! Nem a Al-Jazeera, nem televisão nenhuma do mundo diz isso! Só ouvi isto a duas ou a três pessoas até hoje: aos responsáveis do regime iraquiano e ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque mais ninguém no mundo acredita que os Estados Unidos e o Reino Unido estejam, nesta batalha que travam, voluntariamente a dizimar populações.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É evidente que há situações lamentáveis. A morte de civis é lamentável, ainda que, como se sabe - o que também é lamentável -, na sua origem esteja o apelo a comandos suicidas e todo o nervosismo que isso gerou.
Portanto, quando o senhor diz "o pano caiu", é verdade que caiu. Mas esse era o "pano" debaixo do qual os senhores se escondiam, o pano do tal suposto pacifismo.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esse é que caiu!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem de terminar, Sr. Deputado, pois já se esgotou o tempo regimental.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, repetindo que foi esse o "pano" que caiu.
Disse o Sr. Deputado que o Sr. Ministro da Defesa Nacional brinca com a vossa inteligência. Eu acredito que seja possível brincar com a vossa inteligência, mas, em qualquer caso, devo dizer-lhe que Portugal referiu que graduaria a sua posição em função da existência, ou não, de um aval das Nações Unidas. E V. Ex.ª sabe, e por isso mentiu mais uma vez, que isto foi dito no dia 23 de Janeiro, naquela tribuna e pela voz do Sr. Primeiro-Ministro. Os senhores sabem que isto é verdade desde o princípio e, portanto, mais uma vez, o Sr. Deputado está, pura e simplesmente, a faltar à verdade, a dizer uma mentira.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, embora não tivesse havido qualquer pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - De facto não houve perguntas, Sr. Presidente, mas, sim, um conjunto de verdades feitas por parte do Sr. Deputado Telmo Correia, que, mais uma vez, nos veio trazer aqui o seu radicalismo, aliás bem traduzido nas acusações que faz, tais como "o senhor mentiu, o senhor mentiu".
Sr. Deputado Telmo Correia, o seu radicalismo é tal que o cega ao ponto de chamar mentirosos aos que difundem estas informações, a CNN e a Reuters. Eu citei fontes da CNN e da Reuters. A CNN afirmou o uso de napalm; a Reuters noticiou hoje,…

Protestos do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.

… por parte dos americanos…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Dizimam as populações voluntariamente?!

O Orador: - O senhor, com certeza, é muito selectivo nas fontes de informação que utiliza, eu não sou; eu utilizo todas as fontes de informação.
O que eu gostava de dizer-lhe, Sr. Deputado Telmo Correia, é que a sua dicotomia redutora é, de facto, um insulto, não a nós mas, sim, à inteligência dos portugueses. Foi a isto que me referi.
Quando o Sr. Ministro da Defesa Nacional diz que não envia tropas, porque não há uma segunda resolução, e o Governo diz, aqui, anteriormente, que "não vamos ser neutrais, estaremos, em qualquer circunstância, com os Estados Unidos", é, de facto, um insulto à inteligência dos portugueses.

Vozes do CDS-PP: - Não é!

O Orador: - E, permita-me que lhe diga que o Sr. Deputado já ouviu aqui, várias vezes, contestarmos, de forma muito viva, o regime de Saddam Hussein. Várias vezes! Aliás, já dissemos que quem armou o governo de Saddam Hussein não fomos nós,…

Vozes do CDS-PP: - Foram os russos!

O Orador: - … foram governos portugueses onde esteve presente o Sr. Primeiro-Ministro!
Por conseguinte, Sr. Deputado Telmo Correia, é bom que renove os seus argumentos, porque o povo português e a opinião pública internacional já não acreditam nessas dicotomias.
No que diz respeito aos prisioneiros de guerra, lembro-lhe ainda que essa deplorável mostra dos prisioneiros de guerra, que nós vivamente condenamos, tem também o seu equivalente nos Estados Unidos da América. Por parte dos Estados Unidos e das forças que o senhor diz aliadas - e é curioso dizer "aliadas", porque há três ou quatro países a participarem militarmente na coligação (nós não estamos, que eu saiba, ou, melhor, não se sabe se estamos, pois há uma espécie de esquizofrenia do Governo português nesta matéria) -,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

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O Orador: - … também assistimos a cenas lamentáveis de prisioneiros iraquianos a serem mostrados às televisões. Aliás, os Estados Unidos têm 1000 prisioneiros em Guantanamo, sem qualquer direito, e as leis antiterroristas dos Estados Unidos, segundo os tribunais desse país, violam direitos fundamentais.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado Telmo Correia, entre o maniqueísmo das suas posições, entre a selectividade das suas fontes de informação e aquilo que nós defendemos, que é, no fundo, o que constitui o carácter distintivo da Humanidade, não há diálogo possível.

Aplausos do BE.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Telmo Correia, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração da minha bancada, em função de expressões usadas ao longo da intervenção do Sr. Deputado João Teixeira Lopes, acusando-nos de maniqueísmo, radicalismo, etc.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, se maniqueísmo e radicalismo são ofensas…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - No caso são, Sr. Presidente.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Para nós, são! Para outros, se calhar, não!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - É uma interpretação muito subjectiva, mas como quero encerrar este debate o mais cedo possível, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, não me referi à esquizofrenia, porque ela é clinicamente demonstrável, e, portanto, não valia a pena.

Risos do CDS-PP e do PSD.

Assim, só as outras expressões é que poderiam ser ofensivas.
Em relação ao maniqueísmo e ao radicalismo, o Sr. Deputado, ao responder-me, fugiu à essência da acusação que lhe fiz na minha pergunta. V. Ex.ª veio falar no uso de armamento, em informações que terá ouvido, ou que terá constatado em vários órgãos de informação, na Reuters, na CNN, onde quiser.
Sr. Deputado, sobre isso nada sei, porque, confesso-lhe, de armamento percebo muito pouco. Nada sei de armamento, nem sei que fontes são verdadeiras. Além do mais sabemos que qualquer situação de guerra está sujeita a manobras de propaganda e de contra propaganda, de um lado e do outro. Não tenhamos dúvidas a este respeito!
Porém, eu não me referi a isso - o Sr. Deputado fugiu - mas, sim, àquilo que o Sr. Deputado disse, que os Estados Unidos e o Reino Unido dizimam deliberadamente populações civis.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - E isto é uma calúnia em que ninguém, a não ser o senhor e o Ministro da Informação do Iraque, acredita. Mais ninguém acredita nisso!
Foi a este ponto concreto que me referi, e é a ele que o senhor tem de responder. Isto, efectivamente, é uma falsidade, e é uma falsidade sua, e é ofensivo dizer-me que estou a ser radical, porque não estou a ser. Estou a dizer-lhe que, nesse ponto, o senhor cometeu uma falsidade, como comete uma falsidade quando diz que o Governo português queria envolver tropas. Não queria.
Quanto às bases, o senhor sabe que países com uma posição tão crítica em relação a este conflito, como a Alemanha, cederam bases. Sabe que as bases alemãs estão a ser usadas? Tem consciência disto? O mesmo acontece com espaço aéreo. Tem consciência disto? Certamente que tem!
Ora, o Governo português definiu aqui uma posição claríssima, como já lhe disse. Mas posso voltar a repetir que, no dia 23 de Janeiro, o Sr. Primeiro-Ministro disse, aqui, que seria desejável que houvesse um aval expresso das Nações Unidas para esta intervenção. Porém, o Bloco de Esquerda era contra a intervenção, com ou sem aval, com ou sem Nações Unidas. Porquê? Porque achava que Saddam Hussein deveria ficar no poder em qualquer circunstância.
Agora, o Primeiro-Ministro disse, aqui, que era desejável uma intervenção das Nações Unidas. Mais: disse que Portugal graduaria a sua posição e o seu envolvimento em função da existência ou não dessa resolução. Isto ficou claro no dia 23 de Janeiro!
Portanto, Sr. Deputado, o que o senhor diz, atribuindo essas intenções ao Governo português, é, mais uma vez, uma falsidade.
No entanto, Sr. Deputado, querendo finalmente estabelecer diálogo, termino saudando-o. O senhor sabe que os detidos em Guantanamo não são presos de guerra. Mas, apesar de tudo, o senhor já condenou, um bocadinho, quase nada, mas já o fez por uma vez, o Iraque por aquilo que tem feito aos prisioneiros de guerra. Já é uma conquista nossa, ainda bem.
Conseguimos que o Bloco de Esquerda, num bocadinho que fosse, condenasse o regime de Saddam Hussein. Já não é mau!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, é muito curioso, porque quem recentemente tem vindo a acusar o Iraque são os senhores, mas estiveram calados muito tempo.

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Sr. Deputado, nós, na nossa história - e provas disso podemos dar -, sempre acusámos o Iraque de ser governado por um ditador brutal.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Por isso mesmo, é, com certeza, a sua má consciência…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - A minha má consciência?!

O Orador: - Exactamente! É a sua má consciência que o leva a tomar tal atitude. E deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que o senhor defendeu a honra dos Estados Unidos, não defendeu a sua honra!

Protestos do CDS-PP.

Foi aqui um autêntico porta-voz dos interesses guerreiros.

Vozes do BE e de Deputados do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que basta ouvir o Rumsfeld dizer que a operação "Choque e pavor" teria como resultado o lançamento histórico de uma quantidade maciça de bombas sobre Bagdad para se perceber que, obviamente, também se pretende atingir populações civis. E é evidente para todos, mas, pelos vistos, só o senhor, mais uma vez o digo, na sua cegueira selectiva, é que não quer ver, a quantidade de bombas que tem falhado sistematicamente os seus alvos e dizimado populações civis.
Quando se fala em "choque e pavor", fala-se em causar um sentimento tal de pânico, que só é possível numa situação de, pura e simplesmente, arrasar cidades inteiras. Por isso, "choque e pavor" é a doutrina militar dos Estados Unidos e é aquilo que os senhores vêm aqui defender.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Já agora, Sr. Deputado Telmo Correia, se diz que está tudo claro, que o Governo já afirmou aqui, alto e em bom som,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - No dia 23 de Janeiro!

O Orador: - … tudo o que tinha a dizer sobre a Base das Lajes, por que razão é que o Governo vem agora invocar o seu segredo de defesa? Por que razão o Governo tem medo em vir a esta Assembleia e impede que ela exerça o seu papel fiscalizador?

Vozes do BE: - Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Que protocolos ocultos existem para a cedência da Base das Lajes? De que tem medo o Governo? Venha cá o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros,…

Vozes do PSD: - Outra vez!

O Orador: - … venha cá o Sr. Ministro da Defesa, queremos ouvi-los.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Outra vez?!

O Orador: - Não se escudem no segredo de defesa, porque isso é sinal apenas de que os senhores têm, com certeza, algo a esconder.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal é um país europeu, mas Portugal é também um país de vocação atlântica e universalista. Por este facto, a vocação nacional de Portugal transcende, em muito, o espaço físico territorial do País e, devo dizê-lo, até mesmo o espaço físico territorial da União em que nos integramos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Do relacionamento universal em todas as suas vertentes fizemos parte da nossa História - História de que nos orgulhamos e que todos os dias honramos. Porém, a verdade é que ofuscados, porventura, e até oprimidos, de certa maneira, pelo peso deste passado muitos têm sido os governantes e muitos mais têm sido alguns dirigentes políticos, principalmente de alguma esquerda, que nos querem prender à inevitabilidade da irrelevância futura no plano internacional e que com esta descrença vem comprometendo o papel justamente devido a Portugal no mundo.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Para estes governantes e para estes dirigentes de alguma esquerda, a propósito do papel de Portugal no mundo, há apenas dois tons: o tom glorioso e evocativo do passado, do Portugal que deu mundos ao mundo, do Portugal que se superou nas suas gentes e transcendeu as suas fronteiras, do Portugal do compêndio de História; um outro tom, o único que propõem em alternativa, o tom presente, o tom do conformismo futuro, o tom do País que se tem pequeno, o tom do País sem recursos, o tom do País sem relevo.
Deste último tom a consequência tem sido evidente: a criação de um pessimismo nacional que nos afecta todos os dias na nossa confiança, nas nossas decisões, nos nossos actos, nas nossas vidas. Melhor dito ainda, que nos afectava até hoje!
Com o actual Governo - graças, principalmente, à sua política externa - o mundo começou a aperceber-se que Portugal está a mudar e que reclama um outro papel para este país no mundo.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - O mundo começou a aperceber-se de um Portugal que se quer assumir com consciência do seu valor e do valor das suas gentes, que não confunde dimensão territorial com pequenez, que não se resigna com o destino que alguns lhe querem traçar e que reclama o papel a que tem direito.
O que digo, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, é bom de ver, não é mais um mero exercício de retórica. São os factos que já o demonstram.
Quando em causa estiveram recentemente - e estão ainda por força de factos conhecidos que estão em curso, as liberdades de um povo - a defesa dos direitos humanos e a segurança mundial, Portugal soube estar à altura das suas responsabilidades, soube, finalmente, assumir, a par de outros, com a pequenez que alguns lhe querem atribuir mas que não reclama, um papel liderante em todas as decisões tendentes a assegurar a defesa universal.
É evidente que choveram críticas. Outra coisa não era de esperar. Faz parte, designadamente do discurso político.
Quando alguns, com mais visão, como é o caso daqueles que hoje conduzem Portugal, não se conformam e agem, os conformistas sem fé reagem. É velho, porque, afinal, os "Velhos do Restelo" não são apenas história do passado.
Porém, mais recentemente, tem sido também Portugal a liderar um outro papel importante no seio da União Europeia e do mundo:…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - A liderar?!

O Orador: - … o papel que aponta para a intervenção, como antes, das Nações Unidas no momento posterior ao da reposição da legalidade que se pretende para o Iraque e que está em curso por intervenção dos aliados e da comunidade internacional.
O esforço do Governo é, também agora - diga-se - louvado pelo maior partido da oposição, que, arrepiando caminho nas críticas, pela voz, finalmente mais avisada, da Dr.ª Ana Gomes, lá vai afirmando que este é o caminho (disse-o ontem e vem hoje em toda a comunicação social).
Este esforço, diga-se também em abono da verdade, tem servido para demonstrar na União Europeia o papel e o reconhecimento que Portugal reclama aos seus membros.
O lugar que hoje Portugal quer no mundo e na União Europeia é o de um país solidário, unido com todos os demais e empenhado na construção da União, mas é também o de um país que não aceita como estigma a sua dimensão territorial, a sua localização geográfica, ou até o número da sua população residente.
Por isso, Portugal é, para este Governo, um país que não aceita que apenas alguns, muito poucos, como aconteceu recentemente, decidam unilateralmente sobre questões que a todos respeitam e a todos procurem comprometer com essas suas decisões, invocando-se, sem mandato - esses, sim -, perante o mundo, porta-vozes de toda a União.
Portugal, pela voz deste Governo e desta maioria, não aceita que haja no país quem queira transformar a voz de apenas dois - sejam franceses ou alemães - na voz de todos e na voz de portugueses que nunca foram ouvidos, que são muitos mais do que aqueles que se pronunciaram.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Vem isto a propósito, também, de outro facto. Na reunião ocorrida ontem no Luxemburgo, que reuniu os líderes de sete países - Portugal, Luxemburgo, Bélgica, Holanda, Finlândia, Áustria e Irlanda -, muitos foram os países que agora, tal como Portugal, querem demonstrar a todos os demais que não aceitam uma União Europeia constituída por países de primeira e por países de segunda. Muitos começam já a ser os países que, tal como Portugal, reclamam para si um papel paritário face aos demais e a todos aqueles que constituem a União Europeia.
Justiça seja feita também aqui ao Partido Socialista, que, ainda pela voz da Dr.ª Ana Gomes, veio elogiar, uma vez mais, a acção do Governo e do Primeiro-Ministro e dizer, uma vez mais, pela segunda vez, que este é o caminho.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é um bom sinal e um sinal particularmente importante, por uma razão: é sinal que também este Partido Socialista estará, porventura, a mudar. É um sinal que também nos enche de esperança, porque pode significar o retorno do Partido Socialista ao partido com sentido de Estado que, historicamente, até há pouco tempo, o vinha caracterizando.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Hoje, uma decisão de sete países, no espaço de uma União de muitos mais, é para o Partido Socialista razão de regozijo. Há poucas semanas, uma decisão de oito países (mais um do que estes sete) era para o Partido Socialista razão de divisão e de apresentação de uma moção de censura.
Significa, portanto, que, no espaço de apenas algumas semanas, o Partido Socialista mudou e percebeu que no seio da União Europeia, quando estejam em causa razões essenciais, nomeadamente de defesa de direitos humanos, mas também de afirmação do papel de Portugal no mundo, os países não têm de pronunciar-se todos de forma consensual para que as decisões sejam legítimas.
Portanto, também com isto, o Partido Socialista mostra hoje arrependimento quanto à moção de censura que apresentou recentemente, o que, naturalmente, registamos e, mais do que isso, aceitamos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que internacionalmente, pelo esforço do actual Governo, a Europa e o mundo têm vindo a reconhecer, dia após dia, a importância de Portugal como país e a reclamar um crescente papel interventor de Portugal na cena internacional.
É bom que assim seja, num esforço que deve ser nacional e que, por isso, deve contar também, como começa já a acontecer, com o apoio do maior partido da oposição, o Partido Socialista, porque, para bem de todos, este é o caminho para Portugal.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marco António Costa.

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O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, a sua intervenção trouxe a esta Câmara uma questão central e essencial, no presente momento da vida internacional e nacional, que é a existência de uma visão construtiva e positiva relativamente ao nosso papel no mundo e também, obviamente, na Europa onde nos inserimos.
Fazendo apelo a essa visão construtiva e positiva da imagem e da acção de Portugal no enquadramento que referi, é bom que recordemos a atitude do Governo português e de Portugal na questão da crise do Iraque.
Já hoje, nesta Câmara, foi aqui trazida essa questão. Contudo, é bom recordar que Portugal, relativamente a esta matéria, revelou sempre uma atitude de grande serenidade, equilíbrio e clareza.
Desde a primeira hora, Portugal defendeu que as Nações Unidas deveriam ser chamadas a intervir nesta matéria e que qualquer intervenção que viesse a existir no Iraque deveria ser no âmbito do Conselho de Segurança; mas também, desde a primeira hora, Portugal referiu que, se houvesse uma intervenção militar unilateral de um conjunto de países liderados pelos Estados Unidos da América, entre um regime ditatorial e um regime democrático, nosso amigo de longa data e aliado, não hesitaríamos em apoiar um aliado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - No entanto, Portugal, pela voz do Primeiro-Ministro, também referiu sempre, em vários momentos, nomeadamente na declaração que o Primeiro-Ministro proferiu já de madrugada, após uma intervenção do Sr. Presidente da República, que, na crise do Iraque, o papel de Portugal perante a Europa e o mundo seria no sentido de alavancar a intervenção das Nações Unidas e da Europa na reconstrução e no momento pós-bélico.
Sr. Deputado, o encontro realizado ontem que referiu, liderado pelos países mais pequenos da União Europeia, e onde o Primeiro-Ministro português teve um papel importantíssimo e relevante, levantou uma outra questão, para além da ajuda posterior da União Europeia ao Iraque através das Nações Unidas: a da convenção e da reorganização do futuro da Europa.
Mais uma vez, entre os países mais pequenos, Portugal foi a voz mais activa de defesa de uma posição que garanta aos países mais pequenos da União Europeia que, efectivamente, a sua identidade, o seu peso específico e a sua posição política não sejam relegados para segundo plano e que sejam garantidos no futuro da reorganização da Europa.
Portanto, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, pergunto-lhe se não considera que a posição de Portugal face ao conflito do Iraque e a posição assumida ontem nesta reunião não é garantia de que a sua voz vai ser cada vez mais ouvida, mais atenta e mais respeitada no plano internacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marco António Costa, a propósito da questão que me coloca, digo-lhe que "antes tarde do que nunca".
É evidente que o Governo sabia que estava no caminho certo. Sabia que estava no caminho certo quando assinou a "Carta do Oito", quando aqui persistiu nos seus argumentos e quando criticou o Partido Socialista por se ter aliado à esquerda mais radical, apresentando uma moção de censura nos termos em que apresentou.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A evolução que assistimos, desde então até agora, é só uma: o Governo e a maioria parlamentar mantêm-se exactamente na mesma posição, mas, agora, o Partido Socialista veio "dar a mão à palmatória".

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E isto é muito importante, porque se é evidente que bastava o Governo para, por si só, marcar a posição de Portugal no mundo - uma posição muito firme e convicta, que, de resto, já vinha merecendo o elogio da comunidade internacional -, também é evidente que causava alguma estranheza que, na cena internacional, Portugal fosse elogiado e que internamente fossem os próprios portugueses, principalmente pela voz de um partido supostamente responsável, como é o maior partido da oposição, a criticarem aquilo que era uma opção com sentido de Estado.
Esta evolução é muito importante, pelo que se regista, porque dá dimensão nacional à postura do Governo e mostra que o Partido Socialista, primeiro, criticou profundamente a subscrição de uma carta por apenas oito países da Europa, alguns deles pequenos - um deles é, inclusivamente, como sabe, governado por um partido trabalhista, e faz parte da Internacional Socialista -,…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - … e, depois, passado muito pouco tempo, porque foram apenas umas semanas, deu uma volta tremenda, passando a considerar, desta feita pela voz, avisada - aleluia! -, da Dr.ª Ana Gomes, que, afinal, uma posição tomada mais tarde por apenas sete países da Europa pode e deve ser legítima e que defende os interesses de Portugal.
Portanto, como o Partido Socialista tem andado aos ziguezagues nos últimos tempos, esperamos, e digo isto com alguma reserva, naturalmente, porque é uma mera esperança, que possa continuar durante mais algum tempo neste "zague" e que ele represente um rumo ao futuro para que se atinja o consenso necessário nestas questões internacionais prioritárias e para que a voz do Governo seja, como hoje é, manifestamente representativa.
Vamos continuar no nosso caminho, de reclamar a participação das Nações Unidas no processo de reconstrução do Iraque numa fase pós-intervenção, no sentido não só da reposição da legalidade internacional mas também de dar àquele povo a dignidade e a liberdade que merece. Esperamos

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contar também com o Partido Socialista - mais à esquerda duvidamos, porque não esperamos que o discurso dessa ala nos possa trazer grandes surpresas.
Portanto, se assim for, sabemos que continuamos a ir no bom caminho e que estamos a dar a Portugal o papel liderante que merece e a que tem direito na Europa e no mundo.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento, o Governo encontra-se completamente perdido, sem estratégia, sem bússola, no meio de uma grave crise económica e social que ele próprio ajudou a criar.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Confundindo determinação com teimosia, lançou-se numa acintosa gestão de expectativas, por razões puramente partidárias, e subordinou toda a política económica a uma visão puramente contabilística do défice.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Deste modo, como o PS avisou repetidas vezes, o Governo tornou-se responsável pela transformação da recente crise orçamental na mais grave crise económica e social desde 1985.
É mais que tempo de travar essa corrida para o abismo, usando a margem de manobra ainda existente na aplicação inteligente e benéfica do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É esta intimação que o PS traz a este Parlamento, em nome da grande maioria dos portugueses que se recusam a aceitar a desnecessária e injusta punição que o Governo está a infligir ao País, através de uma política que só poderá agravar a recessão e o desemprego.

Aplausos do PS.

Perspectiva-se uma recessão prolongada, bem como o aumento brutal do desemprego e a diminuição da capacidade competitiva da nossa economia. Com este Governo, em menos de um ano, há mais 100 000 desempregados e haverá possivelmente mais outros 100 000 no fim deste ano. O investimento caiu quatro pontos percentuais em 2002 e, em 2003, cairá outro tanto, pelo menos. E, sem investimento de qualidade em maior quantidade, não se criam postos de trabalho, não se aumenta suficientemente a produtividade, não se ganha competitividade e aumenta-se a divergência em relação aos países europeus.
Por detrás de uma fachada contabilística construída à base de golpes de receitas extraordinárias,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … a actual política orçamental não tem credibilidade e a pouca que tinha está a perder todos os dias.
O Governo, em vez de baixar significativamente a despesa corrente, corta no investimento, porque é mais fácil, mas é também totalmente irresponsável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não tem sentido continuar a baralhar no mesmo saco despesa corrente e despesa de investimento, como faz a Sr.ª Ministra das Finanças. Como disse Miguel Cadilhe,…

Vozes do PSD: - Ah!…

O Orador: - … o País precisa de mais e melhor investimento público e privado. Concordamos integralmente com a supressão do mau investimento, mas discordamos com igual força da repressão do bom investimento que a Sr.ª Ministra das Finanças tão cegamente nos promete.

Aplausos do PS.

O crescimento futuro terá de ser comandado pela produtividade e o factor instrumental decisivo será o bom investimento nas pessoas, nos equipamentos e nas infra-estruturas.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - No seu último relatório sobre Portugal, a OCDE demonstrou que o investimento na educação e na formação é responsável por cerca de metade do crescimento da produtividade nas últimas décadas.
Demonstrou igualmente que, apesar de inegáveis problemas de qualidade, a superioridade da nossa taxa de investimento em relação à média da OCDE é responsável por um extra de crescimento anual de 0,5 pontos percentuais do PIB e, entre 1993 e 2000, mudou muito acentuadamente a estrutura das nossas exportações.
Julga a Sr.ª Ministra que não se fez isso senão pelo investimento? O problema é que a Sr.ª Ministra pode saber de contabilidade, mas, para governar um país, a contabilidade não é mais do que um mero instrumento que serve, sim, para se saber para onde vai a política e que, nesse caso, a política em Portugal não vai, pára ou até regride.

Aplausos do PS.

É, assim, evidente que a Sr.ª Ministra das Finanças está totalmente enganada. O País, as empresas, as pessoas precisam de mais e melhor investimento. Se este instrumento continuar a ser cegamente sacrificado, a crise prolongar-se-á no futuro, por falta de suficiente capacidade competitiva e por deficiência de produtividade. Reclamar o aumento de produtividade e de competitividade e desprezar o investimento necessário para atingir esses objectivos só prova o irrealismo total da actual política.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Nem se diga que não é possível aumentar o investimento para evitar recorrer ao exterior ou por deficiência da poupança interna. De facto, as importações de bens de equipamento caíram, em 2002, mais de 10% - um desastre e não um benefício para todos, excepto para a Sr.ª Ministra.
A estratégia tem de ser orientada para o controlo do consumo e para o desencorajamento do endividamento externo para financiar o consumo. Tratar da mesma maneira o investimento é um terrível ónus para o futuro.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Exactamente!

O Orador: - A escolha estratégica entre o investimento e o consumo tem de aparecer na nossa política, o Governo não pode continuar a ser tão daltónico.

Aplausos do PS.

O Governo está a afastar-se radicalmente da Resolução da Assembleia da República, aprovada em 9 de Janeiro deste ano, sobre a revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento. Até agora, nada fez para garantir a requalificação da despesa (n.os 2 e 9 dessa Resolução)…

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Fez o contrário!

O Orador: - … e não me parece ter qualquer estratégia precisa, com prioridades definidas (n.º 7). Por outro lado, não só o Governo continua a não entender que "(…) o equilíbrio nas finanças públicas deve ser articulado com uma política económica e social que aumente a confiança, diminua a incerteza, garanta a estabilidade social e promova a actividade económica" (n.º 4)…

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - … como também se coloca contra a posição unânime da Assembleia da República que, há três meses, reafirmou "a necessidade de assegurar níveis estáveis e significativos de investimento público, instrumento fundamental para, no horizonte do PEC, garantir a absorção dos fundos estruturais comunitários, acelerar a modernização infra-estrutural e promover a convergência real com a União Europeia" (n.º 11).
Não é o Pacto de Estabilidade e Crescimento que impede o Governo de ajustar anti-ciclicamente a sua política à recessão e à severidade da situação internacional.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como disse a Sr.ª Ministra em declarações recentes (28 de Março), "o Orçamento do Estado para 2003 pressupõe uma redução do défice estrutural maior do que a recomendação da Comissão Europeia no contexto da actual interpretação do Pacto". Lê-se, ouve-se e não se acredita!

Vozes do PS: - Muito bem

O Orador: - Que a Sr.ª Ministra queira submeter o País a um tratamento tão masoquista sai fora de qualquer entendimento. Razão tem Miguel Cadilhe, quando pede mais e melhor investimento público. Na realidade quando pede mais e melhor investimento público, talvez peça outro governo ou um governo - este, porventura - com outro ministro.

Aplausos do PS.

É que há margem de manobra no Pacto de Estabilidade e Crescimento para alterar esta política, tanto mais que tudo indica que se está perante uma "situação excepcional e transitória".
Porém, reconhecendo a Sr.ª Ministra o facto de as três principais economias mundiais (Estados Unidos, Japão e Alemanha) estarem simultaneamente em dificuldade, "o que é raro", nas suas palavras, e acrescendo ainda a perturbação criada pela crise do Iraque, a Sr.ª Ministra diz: reconheço isso tudo, mas não ligo. É preciso que este país sofra para saber quem é Ministro.

Risos do PS.

Embora reconheça tudo isso, a Sr.ª Ministra quer ser "mais papista do que o Papa" à custa dos portugueses. Terá de ser responsabilizada, se não mudar de orientação, por mais 100 000 desempregados este ano, por acrescidas dificuldades de competitividade e de produtividade das nossas empresas, por quebra de investimentos infra-estruturais necessários à atracção de novas iniciativas.
É preciso acelerar a execução do Quadro Comunitário de Apoio, como forma de sair da crise melhor equipados a baixo custo público. Por cada 100 euros de investimento no Programa Operacional da Economia há apenas 15 euros de recursos públicos nacionais. Que o Governo entenda que, ao acelerar esses investimentos, faz muito mais pela retoma da confiança do que todos os discursos juntos da Sr.ª Ministra. Esses só assustam e desanimam. O melhor é que não sejam feitos!!

Aplausos do PS.

Parafraseando a Sr.ª Ministra, mas em sentido contrário, sem investimento não há melhoria da produtividade nem ganhos de competitividade, não há convergência real com a União Europeia, não há relançamento da economia. Nesse ponto, o Dr. Cadilhe tem razão. Bem-vindo ao nosso clube! E o Governo que se acautele.
Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, daqui lhe digo que…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, nas suas próprias palavras, o Pacto de Estabilidade e Crescimento dá-lhe, isto é, dá-nos margem de manobra para inverter a recessão, para combater o desemprego, para apoiar o investimento de qualidade, dentro dos limites do Pacto.
Não queira ser "mais papista do que o Papa"! Os portugueses não o merecem. Cumpra toda a Resolução n.º 7/2003, aprovada nesta Assembleia. Essa é a alternativa, a alternativa que o PS aqui propôs e fez aprovar.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, eu considerava que nesta Assembleia seria possível ouvir quase tudo da bancada do Partido Socialista.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ainda não ouviu nada!

O Orador: - E hoje fiquei convencido disso depois do estrondoso elogio que V. Ex.ª fez daquela tribuna ao Dr. Miguel Cadilhe.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Tempos houve em que não acreditava que isso fosse possível.
Sr. Deputado João Cravinho, ambos conhecemos as posições que o Dr. Miguel Cadilhe tem tomado sobre o euro e sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento. São posições próprias, talvez singulares, mas sabemos quais são essas posições.
O que estranhamos é a actual posição do Partido Socialista. Não que o Partido Socialista se tenha preocupado muito em cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento - veja-se, aliás, o que fizeram em relação ao défice -,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … mas sempre tivemos a ideia de que teriam em relação ao mesmo uma atitude diferente. E a dúvida em relação à posição que o Partido Socialista toma nos últimos 12 meses é esta: será que foi por passarem do governo para a oposição? Será que foi por causa disso que mudaram de posição em relação a esta matéria? Esta é, desde logo, uma dúvida que tenho e que pretendia que me tirasse.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sabe que isso é um grande disparate!

O Orador: - Mas, como também sabe, as opiniões são várias e, portanto, gostaria que comentasse algumas afirmações de economistas reputados. Recordando a tal dicotomia, a dicotomia entre a possibilidade da existência de mais investimento público e, por outro lado, a possibilidade de avançar já para uma redução dos impostos, diz, a este propósito, por exemplo, o Dr. Eduardo Catroga: "A questão não é tanto o nível de investimento, que já é elevado, mas a qualidade de investimento".

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas diz também o Professor João César das Neves: "O peso do Estado está a contribuir para o atraso no crescimento económico".
Estes são economistas, possivelmente, ligados à área da actual maioria.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - É verdade!

O Orador: - Mas vamos ao que diz, por exemplo, um ex-ministro das Finanças, o Dr. Pina Moura, sobre o discurso da actual Ministra de Estado e das Finanças: "A intervenção da Sr.ª Ministra densifica, do ponto de vista teórico, as opções da política económica quanto à necessidade de consolidação das finanças,…

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Leia a parte final da coluna!

O Orador: - … das reformas estruturais e ao seu contributo para a melhoria da produtividade da economia e sustentabilidade dos sistemas públicos de ensino, segurança social e saúde". Concordo com essas reflexões. O que pretendo saber é se V. Ex.ª também concorda, se acha que o caminho deve ser precisamente esse. É que, se acha que esse é o bom caminho, parabéns, está no bom caminho, está no caminho da maioria, está no caminho que nós defendemos para Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Vai dizer que concorda, que se enganou!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado João Cravinho, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. João Cravinho (PS): - Já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra.

O Sr. João Cravinho (PS): - Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, relativamente ao comportamento do Partido Socialista, enquanto teve responsabilidades governativas, nada mais digo porque o Sr. Deputado sabe muito melhor do que eu o que é verdade e o que é falso. Em todo o caso, para que não haja dúvidas, aconselho o Sr. Deputado a consultar o último relatório da OCDE sobre Portugal, de Fevereiro de 2003, na pág. 48, quadro VII - e nem refiro os números para o Sr. Deputado não se envergonhar -, e veja o que lá se diz sobre o que foi o Orçamento para 2001 e o que é o Orçamento para 2002. Vá ver, Sr. Deputado, e não se envergonhe muito, porque fica, desde já, perdoado!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - O de 2001 foi aquele em que os senhores estragaram tudo!

O Orador: - Quanto ao resto, Sr. Deputado, o problema é muito simples. Suponho que toda essa gente de que fala tem emprego e não tem o menor risco de perder o seu lugar; suponho até que são funcionários públicos. Embora sejam grandes defensores da privada, a maior parte deles são professores das Universidades públicas - vá lá saber-se porquê!… Ora, nessas condições é muito fácil falar-se do desemprego de mais 100 000, 200 000 ou 300 000 pessoas.

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E o caso é este: nós estamos a fazer uma política que reforça precisamente a criação de desemprego e não de emprego e estamos a cortar muito no investimento e não na despesa pública.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Os dois primeiros meses de Fevereiro deste ano mostram as despesas - as despesas correntes, porque o investimento está em baixo - muito acima daquilo que deveria ser e as receitas muito abaixo. Portanto, é exactamente o contrário! Se for consultar o quadro do Programa de Estabilidade e Crescimento aqui revisto, o que é que ele lhe diz? Que, em 2002, em 2003 e em 2004, em três anos seguidos, a despesa corrente primária é sempre a subir, ou seja, que é exactamente o contrário.
E qual é a política que nós aqui preconizamos? Nem mais nem menos do que aquela que o Sr. Deputado votou! E não seja tão fiel que desminta o seu voto! Seja fiel ao seu voto e diga ao Governo: tenho aqui a Resolução da Assembleia da República n.º 7/2003, que tem alguns pontos que foram votados por unanimidade, quase todos, excepto um, foram votados por mim, Diogo Feio, e venho pedir que não façam troça desta Assembleia e que cumpram a resolução.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, o Sr. Deputado veio aqui, uma vez mais, fazer um exercício de retórica parlamentar, com sabor a déjà-vu, traçando um cenário catastrofista e apocalíptico da política económica do Governo. Nada de surpreendente, porque vem na esteira daquilo a que já nos habituou sempre que se pronuncia sobre a política económica deste Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, deixe-me dizer-lhe que o acerto da política económica deste Governo tem sido sublinhado em vários quadrantes. Ainda hoje, economistas conceituados, desde o Dr. Nogueira Leite ao Professor Miguel Beleza, o Professor Eduardo Catroga ou mesmo o Professor João César das Neves,…

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Também é tudo gente de esquerda!…

O Orador: - … tecem rasgados elogios ao acerto e à bondade desta política económica. É fundamental, é prioritária a consolidação orçamental e, só depois da consolidação orçamental, é que podemos pensar no investimento. Aliás, como já aqui foi referido, o próprio ex-ministro das Finanças socialista, Dr. Joaquim Pina Moura, diz, num artigo hoje publicado no Diário Económico, que efectivamente este é o caminho correcto: consolidação orçamental, primeiro, e investimento público, de seguida, sendo que a pedra-de-toque fundamental para a retoma económica passa pelas reformas estruturais e não por miríficos investimentos públicos, que só aumentariam a despesa e agravariam o desequilíbrio externo. Aliás, esse é o grave problema da economia portuguesa. Se o Sr. Deputado João Cravinho tivesse em atenção as sábias e doutas declarações que, sobre esta matéria, tem proferido o Comissário Pedro Solbes - e, ainda há dias, o referiu, em Portugal - certamente muito arrimo lhe faria no sentido de acertar o passo relativamente à bondade e à correcção da política económica do Governo.
De facto, não é possível ter consolidação orçamental neste momento com mais investimento público. Seria bom que isso fosse possível, mas os desequilíbrios externos herdados do desvario socialista não permitem esse investimento público.
Aliás, Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe que a posição de Miguel Cadilhe não pode ser aqui trazida à colação. O Dr. Miguel Cadilhe, como também já aqui foi dito anteriormente, sempre teve uma posição peregrina e diferente em relação a diversas matérias,…

Vozes do PS: - Peregrina?!

Risos do PS.

… designadamente no que concerne à União Económica e Monetária ou à entrada de Portugal no euro; sempre teve uma posição diferente daquela que era a posição de outros partidos, nomeadamente do PSD. Portanto, não surpreende que haja aqui algumas diferenças. Sendo certo, porém, deixe-me sublinhá-lo - e o Dr. Miguel Cadilhe também com toda a razão o sublinha -, que o fundamental na política económica são as reformas estruturais. Essa é, de facto, a prioridade da política económica portuguesa, pois, sem reformas estruturais que aumentem a produtividade, não será possível corrigir os graves desequilíbrios económicos.
Aliás, o cenário catastrofista e apocalíptico que V. Ex.ª traça é de tal forma arredio da verdade que, deixe-me dizer-lhe, no período conjunturalmente difícil em que se encontra a economia portuguesa, no mês de Janeiro deste ano, as exportações aumentaram 4% e as importações diminuíram também 4%.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito obrigado!…

O Orador: - Isto significa que as medidas de política económica deste Governo vão no bom caminho - e em período extremamente difícil da conjuntura económica nacional!

O Sr. José Magalhães (PS): - Óptimo!…

O Orador: - Posto isto, deixo-lhe duas questões muito simples, Sr. Deputado João Cravinho, a que agradeço responda com frontalidade: V. Ex.ª comunga da perspectiva do Comissário Pedro Solbes ao elogiar a forma notável como foi conduzida a política económica no ano passado pela Sr.ª Ministra das Finanças?
Segunda questão: qual era a alternativa que V. Ex.ª propunha à política económica? Era a continuação do regabofe

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e do desvario socialista, que levou ao descalabro e que levaria a economia portuguesa ao abismo sem retorno?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Neto, esta matéria é suficientemente importante, decisiva mesmo, para poder e dever ser tratada com seriedade.
Quero dizer-lhe que não venho fazer previsões catastrofistas porque, pura e simplesmente, estou a ver o que já está escrito na parede ou o que se realizou e se encontra registado.
Ora, o Sr. Deputado Jorge Neto, que é eleito pelo círculo eleitoral do Porto, certamente não ignora que, neste momento, a taxa de desemprego no Porto é 8,8%.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - Certamente não o ignora porque foi publicado nos jornais há dois ou três dias. Certamente não ignora também que, por este andar, não me admiraria que tal taxa chegasse a 12% dentro de um ano. Isto que digo é razoável, não é catastrofismo.
Portanto, Sr. Deputado, respeite as pessoas, que são milhares e milhares a ir para o desemprego. Se tiverem de ir para o desemprego, então, que seja, como se diz da guerra, "porque nada mais foi possível fazer".
Vem, então, a Sr.ª Ministra das Finanças vangloriar-se, dizendo que no Pacto de Estabilidade e Crescimento, era possível ter maior amplitude numa política anti-cíclica e que está a fazer muito mais do que lhe pedem. Ora, é preciso ter uma grande insensibilidade e uma grande falta de respeito…

Aplausos do PS.

… por todos os que, juntamente com as suas famílias, estão a sofrer neste momento, enquanto a Sr.ª Ministra vem fazer tais declarações.
Por outro lado, relativamente a todas as entidades que citou, estou em profundo desacordo - permita que o diga, embora com respeito por outras opiniões - com uma ideia de política económica sequencial. Faz lembrar aqueles futebolistas que chutam para o lado para onde estão voltados…! Hoje em dia, a política não é assim, nem nunca foi, aliás; a política não é "isto, depois daquilo", é "isto, aquilo e aqueloutro", tudo ao mesmo tempo. Não se pode cortar no investimento e dizer-se que se é pelo aumento da produtividade porque é o investimento que induz o aumento da produtividade no caso concreto português.
Há que combater o endividamento externo, mas é pela visão do consumo, Sr. Deputado - não confunda nem baralhe as coisas! -, não pela do investimento.
A Sr.ª Ministra das Finanças, salvo o devido respeito, veio dizer aquilo a que se chama "uma enormidade" digna de chumbo para um aluno do 1.º ano. A Sr.ª Ministra veio dizer que a poupança doméstica portuguesa, ou seja, a poupança nacional, é inferior à taxa de investimento, logo, não pode haver investimento. Mas onde é que isto alguma vez foi assim, mesmo em Portugal?! Que país em desenvolvimento se torna exportador líquido de capitais ou equilibrado?! Mas quem é que escreveu tal, e que ela só pode ter lido à pressa? É, de facto, uma autêntica barbaridade!
Tal barbaridade não teria importância alguma se correspondesse à opinião pessoal de algum de nós, mas quando é política oficial do Governo e quando leva à supressão de investimentos que seriam possíveis…
A Sr.ª Ministra das Finanças diz que, no passado, o investimento foi de péssima qualidade. Estou integralmente de acordo, apoiá-la-ei sempre, tal como todo o meu partido, para suprimir investimentos de má qualidade que são um crime contra o País.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Não fez isso antes, quando esteve no governo!

O Orador: - Agora não venham dizer-me que a Sr.ª Ministra das Finanças, o Governo e toda a Administração Pública não têm capacidade para distinguir o bom do mau investimento e que, portanto, à cautela, chumbam tudo. Isto é, de facto, uma barbaridade!!
Finalmente, quanto ao Dr. Miguel Cadilhe, é pessoa por quem tenho muito respeito e muita consideração e, no passado, inclusivamente nesta Assembleia, tive grandes debates com ele.
Não quero explorar nada do que ele disse num sentido menos digno. Simplesmente quero dizer que todas as coisas que o Dr. Miguel Cadilhe disse são verdades, duras como punhos, que ninguém pode ignorar, excepto uma que, em minha opinião, é discutível. Refiro-me ao tal choque fiscal imediato que nós temos proposto: diminuição do IRC para a inovação, para o investimento que faz o upgrading e que os senhores vêm chumbando.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: "O défice público não me aflige. Aflige-me é que a recessão se agrave e acho isso demasiadamente provável (…) O bom investimento público é uma medida essencial à indução de um ambiente geral de recuperação económica". Quem o disse, desta vez, não foi o PCP, mas o insuspeito Dr. Miguel Cadilhe.
Será que, a partir de agora, o Governo e a Dr.ª Manuela Ferreira Leite irão ser mais sensíveis às opiniões, críticas e propostas do PCP? Bom seria, mas não parece!! A Dr.ª Manuela Ferreira Leite e a maioria continuam apostadas numa estratégia claramente suicidária: a de trocarem a economia real e o desenvolvimento económico e social do País por uma quase mística dependência fetichista do défice.
É, hoje, já uma evidência que estamos em pleno processo recessivo. Que a desaceleração da economia mundial e portuguesa começou muito antes do 11 de Setembro e da guerra, dissemo-lo há muito. É, portanto, intelectualmente desonesto que alguém venha agora agitar a guerra de

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agressão ao Iraque como razão das dificuldades económicas do País e pretexto para serem exigidos mais sacrifícios ao povo português, em particular a quem vive dos rendimentos do seu trabalho e às pequenas empresas. Que a situação das economias pode - e, seguramente, vai - agravar-se, porque, afinal, a "guerra rápida e cirúrgica" vai ser uma guerra prolongada e sangrenta, é uma verdade. Mas, já agora, não venham aqueles que são responsáveis pelo desencadear de uma guerra unilateral e feita à margem do Direito internacional, entre os quais está, de corpo inteiro, o Governo português, desculpar-se com as consequências do conflito que eles próprios incendiaram. Haja pudor!!

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Produto quase estagnou em 2002, mas o segundo semestre de 2002 foi marcado por uma efectiva diminuição do PIB em 0,7%, em resultado da diminuição acentuada do consumo interno, com particular destaque para o investimento (menos 11,5%, entre Outubro e Dezembro do ano passado), aumento das falências, do encerramento e das deslocalizações de empresas, quebra de todos os indicadores chamados de confiança, aumento acelerado do desemprego.
Em Fevereiro passado tínhamos registados, no Instituto de Emprego, 412 000 desempregados (dados, como sabemos, sempre inferiores à realidade), mais 21,6% do que no mês homólogo do ano anterior, o valor mais elevado dos últimos cinco anos. Já ultrapassámos, seguramente, os 8% da taxa de desemprego. E não se diga que é desemprego não qualificado - e que fosse! Os desempregados com curso superior já são cerca de 30 000 (mais 25% do que em relação ao mesmo mês do ano anterior). Srs. Deputados, até directores de empresas com experiência são registados como desempregados, somando nada mais nada menos do que 4500. Voltam em força os salários em atraso. Eis a radiografia da situação a que chegou a economia portuguesa e as suas consequências no plano social.
E, como também previmos, os valores deliberadamente irrealistas e "martelados", apresentados no Orçamento do Estado para 2003 a partir de projecções macroeconómicas que a realidade já tinha posto em causa na altura do seu próprio debate, estão a ser fragorosamente desmentidos pela realidade. O IRS, de um crescimento previsto de 5,8%, está nos 1,2%. O IVA baixa de uma previsão de aumento de 5,6% para menos 4,4%. O IRC está estagnado.
Desculpa-se o Governo com a conjuntura internacional, mas a verdade é que a economia portuguesa é aquela que pior se comportou dos países da União Europeia, da EFTA (Noruega e Suíça) e mesmo se comparado com os países candidatos.
Só que o Governo foi cego e surdo quando, no horizonte, já eram mais que visíveis os efeitos de erradas políticas económicas e da própria conjuntura. Quando muitos países, e a própria Comissão Europeia, já questionavam os apertados critérios de Maastricht, em particular o valor irracional do défice, e clamavam pela necessidade da sua flexibilização e de não se amarrarem as economias, mais a mais, em período de recessão, a orientações fruto de um errado fundamentalismo monetarista, o Governo português e, em particular, a Ministra das Finanças, continuavam, como continuam hoje, a clamar alegremente no deserto pelo seu estrito cumprimento. A tradução deste comportamento na política orçamental significa que o País está a somar crise à crise por responsabilidade do Governo.
O Governo optou por desacelerar e desvalorizar o investimento público, quando se exige exactamente o contrário como factor de animação da economia; continuou a apostar nas privatizações, na área económica e social e em sectores de manifesto interesse público (como a rede básica de telecomunicações, o sector energético, a área do turismo ou a anunciada venda da TAP). Fá-lo por meras razões de encaixe financeiro e de satisfação dos grupos económicos, alienando instrumentos decisivos de intervenção na economia e até de soberania nacional e entregando-os, as mais das vezes, apesar das "lágrimas de crocodilo", a grupos multinacionais com os centros de decisão situados em Madrid, em Roma ou noutro canto da Europa; apostou na redução enorme do poder de compra dos portugueses e da procura interna, quando do que se necessita é de animar o consumo (mesmo com algum agravamento da balança de transacções) como elemento reanimador da oferta.
Agora mesmo, está em curso um decisivo debate no seio da Organização Mundial do Comércio com vista à aceleração da liberalização do comércio em áreas tão sensíveis para Portugal como a agricultura, os têxteis ou os serviços que, a consumar-se já em Setembro, em Cancum, injectará novas e graves dificuldades para a economia portuguesa. Mas o Governo nada diz sobre esta matéria, não discute com os parceiros, não informa a Assembleia da República.
No plano estrutural, o panorama também é desolador, porque sucessivos governos nunca apostaram efectivamente numa modificação sustentada do perfil da nossa economia. Por muito que no discurso se diga, aqui ou além, o contrário, a verdade é que os baixos salários, a baixa qualificação, o fraco nível do nosso mundo empresarial continuam a ser aquilo que mais caracteriza o nosso tecido produtivo. E, no entanto, já lá vão 10 anos que um governo, também do PSD, encomendou um importante estudo, que deu lugar ao tão celebrado Relatório Porter que apontava algumas medidas, largamente consensuais, para o sempre tão falado reforço da competitividade da economia portuguesa.
Recordemos, então, o que já era proposto em 1993: "Portugal necessita de identificar os sectores que são estratégicos e direccionar os recursos para onde são mais necessários; Portugal necessita de desenvolver indústrias de alta tecnologia; a base industrial de Portugal é demasiado estreita; Portugal necessita de desenvolver economias de escala; os gestores portugueses apresentam deficiências em aptidões básicas, especialmente em marketing, com relevo para a ausência de marcas portuguesas; Portugal necessita de resolver os seus problemas de infra-estruturas, abrangendo questões como a educação; é necessário um maior envolvimento do Governo que deve ser o principal impulsionador da mudança a operar no País". Lendo este conjunto de desafios, percebe-se por que é que o Governo os quer esquecidos… Os nossos gurus do neo-liberalismo já nem com Porter se dão bem!...
Neste ponto, desafiamos o Governo a apresentar ao País um balanço da aplicação do Relatório Porter. Em alternativa, daqui propomos à Comissão de Economia e ao respectivo

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presidente que desencadeie, ela própria, uma audição com este objectivo.
É que alterar as condições de competitividade de uma economia não se faz no tempo de um simples estalar de dedos - leva anos! E quando se perdem as oportunidades, como se perderam, então, em momentos de dificuldades económicas globais, economias de baixo perfil, como continua a ser a nossa, são as que de imediato mais se ressentem. Não é, por isso, de estranhar que, quando a economia europeia ou mundial "se constipam", Portugal "apanhe uma pneumonia"…!

Aplausos do PCP.

Deixamos um conselho ao Governo: se não querem seguir as propostas do PCP para combater a crise, então, dêem atenção ao que diz o Dr. Miguel Cadilhe em matéria de investimento público reprodutivo.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Passou a ser o guru da esquerda!

O Orador: - Mas, já agora, acrescentem: combate à "má" despesa; medidas de combate à fraude e à evasão fiscais que permitam o aumento da receita fiscal sem agravamento dos impostos; estímulos à capacidade de consumo das famílias com o aumento do seu rendimento disponível, para que não se agrave mais o nível de endividamento; aposta realista nas exportações, mas orientadas para mercados onde mais facilmente a oferta disponível em Portugal pode penetrar. E, a médio prazo, aposte-se, de uma vez por todas, na alteração do perfil da nossa economia, na educação, na formação e qualificação dos nossos recursos humanos, sem necessidade de se perder tempo com mais estudos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.ª foi coerente em relação às posições que tem tomado quanto ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, quanto ao peso que o Estado deve ter na economia. Sobre essa matéria, situamo-nos em lados completamente contrários. Portanto, não estranho a sua posição, ao contrário, por exemplo, do que aconteceu em relação à que ouvi há pouco por parte do Partido Socialista, que defendia o Pacto de Estabilidade mas que, agora, parece querer mudá-lo radicalmente. Portanto, compreendo a posição do Partido Comunista.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, concretize o investimento público que disse pretender. Qual era o investimento público que VV. Ex.as defenderiam?
É que o que aconteceu quanto aos enormíssimos aumentos de investimento público foi que não corresponderam a aumentos de produtividade. Verificou-se que aumentos no investimento público se transformam em despesa corrente. Acontece é que derrapagens em obras públicas são derrapagens orçamentais. Deixe que lhe diga que nada disso queremos porque esse investimento público é o mesmo que atirar dinheiro para uma fogueira.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, não sei se usou da palavra para me pedir esclarecimentos, se para fazer uma crítica ao Partido Socialista.
Em todo o caso, fez-me uma pergunta concreta: onde é que preconizamos o aumento do investimento público?
Falei em investimento público reprodutivo e no combate à "má" despesa e posso dar-lhe alguns exemplos.
O Governo deve animar o investimento em segmentos da economia de alto valor acrescentado.
O Governo deve deixar de considerar como investimento público o que são meras obras, por vezes de fachada, como vemos inscritas no PIDDAC, e reorientar esse investimento para a animação de sectores em que temos de apostar, seja na recuperação e modernização de sectores tradicionais - têxtil, vestuário, calçado -, em que podemos ter capacidade competitiva e acesso a mercados que possibilitem o escoamento da nossa produção, seja ao nível do design e dos recursos humanos.
O Governo que aposte nos recursos humanos, Sr. Deputado!!
É porque é consensual o discurso segundo o qual um dos défices de Portugal é ao nível dos recursos humanos, mas, olhando para o Pacto de Estabilidade e Crescimento - que, aliás, teve um apoio largamente maioritário nesta Assembleia, tendo contado com a participação do Partido Socialista -, o que verificamos, por exemplo, em matéria de educação e de recursos humanos, é a diminuição do investimento nos próximos anos, até 2007, é a diminuição das transferências para o ensino superior público e para o ensino secundário.
Então, como podemos apostar em valorizar os recursos humanos enquanto, simultaneamente, o que o Governo anuncia é uma diminuição da despesa pública nessa matéria?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Já agora, Sr. Deputado, não somos só nós que estamos a reflectir sobre esta matéria neste momento. Ainda agora, o Governo de Espanha, do PP, que é da vossa família política,…

Protestos do CDS-PP.

Está bem, é da família política do PSD… Enfim, são todos muito próximos uns dos outros, são "primos"…!
Como dizia, o Governo de Espanha aprovou, ainda anteontem, no Parlamento espanhol, a necessidade do aumento em 4% do que estava estabelecido face ao ano anterior, exactamente por considerar importante o papel do Estado na reanimação da economia.
Isto é central, Srs. Deputados, porque, quando falamos de números, quando falamos em crise, estamos também a

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falar nas pessoas, nas centenas de milhares de desempregados e suas famílias que, neste momento, estão a enfrentar o espectro do desemprego, estamos a falar em pessoal qualificado que, como referi na minha intervenção, também está hoje no desemprego.
É por isso, Sr. Deputado, que dizemos que, se não querem seguir as opiniões do PCP devido a preconceito, pelo menos, em matéria de investimento público, em matéria de défice "virtuoso" - lembram-se de Miguel Cadilhe enquanto ministro? -, sigam as opiniões de Miguel Cadilhe, mas há outros…!
De facto, é necessário que, de uma vez por todas, acabe esta dependência fetichista de um défice irracional que está a levar a economia portuguesa cada vez mais para a crise e a agravar os problemas sociais. É necessário apostarmos numa revisão dos critérios de Maastricht, numa revisão do modelo do Pacto de Estabilidade e Crescimento e, sobretudo, numa animação da economia portuguesa e do poder de compra dos portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, é a terceira vez que ouvimos a retórica da oposição sobre o estado da economia e da política económica. Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que a primeira intervenção que ouvimos nesta Câmara, há uma semana atrás, foi bem mais interessante que estas que acabámos de ouvir, a cargo do Srs. Deputados João Cravinho e Lino de Carvalho, respectivamente. Refiro-me à intervenção da Sr.ª Deputada Teresa Venda que disse exactamente o que VV. Ex.as disseram, mas com outra graça que tem a ver com a sua qualidade de economista e com o seu porte senhoril.

Risos do PCP.

Sr. Presidente, dito isto, qualquer economista que se preze sabe que o desemprego alastra com, pelo menos, 12 meses de diferimento relativamente às medidas de política económica. E desafio qualquer dos Srs. Deputados a dizer o contrário. Certamente, não terão coragem de fazê-lo!
Portanto, este aproveitamento demagógico do crescimento do desemprego tem de ser claramente denunciado nesta Câmara, nestes precisos termos. É o resultado das más políticas económicas que o País teve nos últimos anos e que deram origem a uma crise orçamental gravíssima e também a um problema estrutural de que o Sr. Deputado João Cravinho escarnece: um défice externo que atingiu cerca de 10% do PIB.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Olhe que a pergunta é para a bancada do PCP.

O Orador: - Sr. Deputado, João Cravinho, V. Ex.ª tem a coragem de disputar a necessidade de fazer o reequilíbrio entre a poupança e o investimento? V. Ex.ª disse, nos seus próprios termos, que era "necessário conter o consumo". Meu caro Deputado João Cravinho, conter o consumo é reanimar a poupança, é reequilibrar o défice externo e permitir, por essa via, a retoma do investimento!!
Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.ª defende um modelo que é claríssimo, mas V. Ex.ª não tem a coragem de explicitá-lo e que é o seguinte: tornar pública toda a economia do País com a desgraça que nós sabemos a que isso deu origem ao nível da produtividade, do desequilíbrio, dos custos terríveis que tivemos para criar uma sociedade com competitividade a nível europeu.
Portanto, estamos conversados quanto às propostas do PCP até porque V. Ex.ª ainda não se desviou uma linha do seu habitual discurso. Aliás, quando o ouvi citar o Dr. Miguel Cadilhe, com algum assomo, julguei antever aí uma chispa que o levasse para uma visão da economia fora do seu habitual e conhecido "receituário"…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não seja mal-educado!

O Orador: - Portanto, quanto às vossas propostas estamos, repito, conversados, mas quanto à solução dos problemas é preciso que VV. Ex.as digam aqui se estão, ou não, contra aquilo que dizem economistas de esquerda, de qualidade,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - De esquerda? De qualidade?

O Orador: - … como o Dr. Victor Constâncio, como, inclusive, economistas que tiveram responsabilidades governativas, como o Dr. Joaquim Pina Moura…
Por isso pergunto: quais são os economistas de esquerda que VV. Ex.as citam aqui, na Câmara, em apoio da vossa política alternativa àquela que é seguida por este Governo?

Vozes do PSD: - É o Carlos Carvalhas!

O Orador: - Onde estão esses economistas?

A Sr.ª Elisa Guimarães Ferreira (PS): - Nós! Por exemplo eu e os Deputados Ferro Rodrigues e João Cravinho.

O Orador: - VV. Ex.as citam - e muito bem! - o Dr. Miguel Cadilhe. Sejam bem vindos a uma lucidez quanto à qualidade da política de investimento e daqui a seis meses veremos o que é a qualidade da política de investimento a cargo daquilo que a Agência Portuguesa para o Investimento vai fazer.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
VV. Ex.as esquecem o que foi dito há bocado pelo Sr. Deputado Jorge Neto? As exportações estão a crescer 4%, a reconquistar quotas de mercado… Quais são os outros países que estão a fazer isto?
VV. Ex.as esquecem-se do que disse o antigo ministro socialista espanhol Pedro Solbes que teceu elogios públicos? Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o senhor, como economista, deveria ser o primeiro a aplaudir, pois, graças a

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Deus, foi Bruxelas que referiu que Portugal recuperou a credibilidade externa com a política da Sr.ª Ministra das Finanças.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, de facto, procuramos tratar estas questões de forma séria, podemos ter opiniões diferenciadas, mas procuramos trazer aqui os elementos que nos são dados pelas estatísticas e as propostas que temos sobre esta matéria.
Quando o Sr. Deputado Patinha Antão vem falar na retórica da oposição está a dizer que o Dr. Miguel Cadilhe faz retórica, que o Dr. João Ferreira do Amaral faz retórica, que o Dr. Silva Lopes faz retórica…
Sr. Deputado, é a realidade! Hoje, há um leque imenso de economistas, da esquerda à direita, que têm uma posição bastante diferente da sua e da da sua bancada em relação à condução da política económica e à necessidade do investimento.
Eu sei, Sr. Deputado, que a si ninguém o cita, nem à esquerda nem à direita,…

Risos do PCP.

… mas, tenha paciência, há outros economistas que são citados, porque esses, de facto, conduzem àquilo que é uma reflexão séria sobre os problemas da economia portuguesa.

Aplausos do PCP.

Sr. Deputado, nós defendemos o que defendemos e não vale pena o Sr. Deputado estar a recuperar cassetes e textos de que, eventualmente, o Sr. Deputado foi subscritor, porque essa, Sr. Deputado, não é a nossa posição! Eu defendi o que defendi e fi-lo com a minha declaração política!
Nós entendemos que o Estado tem, obviamente, um papel importantíssimo na animação da economia. Designadamente, em períodos como estes, há lugar para o investimento privado - sempre o dissemos toda a vida, não sei se o Sr. Deputado sempre o disse -, mas o que não há é lugar para políticas económicas que estão completamente cegas, que estão completamente dependentes de critérios que nada têm a ver com as necessidades da economia e do desenvolvimento social e que estão a "amarrar" Portugal cada vez mais a uma crise mais profunda.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, era suposto passarmos ao período da ordem do dia, uma vez que já ultrapassámos o tempo previsto.
No entanto, há mais um orador inscrito, pelo que, se houver consenso, permitirei mais esta intervenção.

Pausa.

Srs. Deputados, como ninguém se opõe, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Costa e Oliveira.

O Sr. Costa e Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A problemática do bem-estar animal reporta, nos dias de hoje, a toda a sociedade portuguesa, obrigando-nos a discuti-la e, não raras vezes, exigindo que, sobre a mesma, sejamos capazes de decidir.
É natural que assim seja!
De facto, os tempos que vivemos são tempos de evolução e modernidade, que se coadunam com regras de consciência, respeito, dignidade, comportamento e mesmo estima e que nos levam a olhar os animais como seres vivos que são, que nos prestam um generoso serviço, seja no campo alimentar, económico, social, lúdico ou cultural. Disto não temos dúvida e, desta forma, queremos pensar e actuar!
Por ser assim, proponho-me abordar esta questão do bem-estar animal. Para tanto irei fazê-lo dissertando sobre o mesmo mas, também, ligando-o a questões de segurança alimentar, pois esta é a minha primeira premissa e entendo que ambas são, claramente, indissociáveis.
Esta mesma Assembleia é muito frequentemente solicitada para um sem número de questões em redor do bem-estar animal, implicando muitos Srs. Deputados, querendo, quem se nos dirige, saber, propor ou mesmo protestar, aspectos como transporte de animais para os matadouros, transporte de animais em transportes públicos, espaço em que vivem estes animais, como se comporta quem com eles lida, se os animais merecem ser contemplados na própria Constituição Portuguesa, etc., etc.
A dar razão a estas tomadas de posição, é interessante notar que a própria União Europeia, utilizando o seu mecanismo preferencial de orientação, a PAC (Política Agrícola Comum), faz questão de dar toda a atenção ao assunto e começa a premiar os agricultores que cumprem as regras dele emanadas a este respeito.
Sendo assim, não restarão dúvidas de que o caminho a seguir é, então, o da consideração pelo bem-estar animal, pelo que importa verificar o que esta Assembleia da República tem feito nesta matéria, constatar, ainda, qual tem sido o comportamento do Partido Social-Democrata em redor do tema e, por fim, verificarmos a forma como o Governo da República tem reagido a tudo isto.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, no que diz respeito à nossa Assembleia, temos sido muito activos: temo-nos desdobrado perante todas as solicitações que nos são dirigidas, ouvindo, propondo e dando seguimento a tudo o que nos parece curial e a merecer atenção, num grande respeito pelo mandato em que estamos investidos.
Foi, assim, e até à data, possível darmos atenção às seguintes solicitações, entre outras: apreciações parlamentares em redor do decreto-lei que estabelece as normas da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, transporte de animais em transportes públicos - recebendo os signatários do tema, a associação nacional representativa dos transportadores - e, também, o transporte de animais vivos
No que diz respeito ao Partido Social-Democrata, estamos, evidentemente, muito sensíveis e disponíveis para a presente temática. Muitas das questões abordadas no seio

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da Comissão Parlamentar de Agricultura Desenvolvimento Rural e Pescas são abordadas a nível estritamente partidário, encontrando-se, mais tarde, embora com excepções, uma interessante consonância de ideias, com as outras sensibilidades políticas participantes.
No que diz respeito ao Governo, observa-se, naturalmente, uma grande atenção e empenhamento para o assunto.
O Deputado Pedro do Ó Ramos e eu próprio temos trabalhado com os seus responsáveis, a diversos níveis, e constato uma clara intenção de legislar. Não será exagero reconhecer que do anterior executivo chegaram ao Governo muitas lacunas na matéria, pelo que importa rapidamente pôr ordem em muita coisa, "arrumando" legislação dispersa, dando atenção a animais de companhia e a animais de produção, harmonizando legislação da União Europeia, privilegiando, com tendência para a sua erradicação, as principais doenças animais.
Enfim, numa palavra, observa-se que o Governo de Portugal está muito empenhado em toda esta problemática razão por que estou seguro que, muito em breve, os Srs. Deputados, e a própria Câmara, terão uma agradável surpresa, tomando conhecimento de um muito significativo pacote de iniciativas que complementará o muito que estava por fazer e fazendo do bem-estar animal um tema que nos dignificará perante todos, que satisfará pessoas e organizações implicadas e que cumprirá, escrupulosamente, com tudo o que, na matéria, é emanado da União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, disse, no início, que não consigo dissociar bem-estar animal da própria segurança alimentar, pelo que me quero referir à mesma, tanto mais por estarmos em tempos em que o tema é largamente discutido, devido à denominada "crise dos frangos".
Não irei dar muita atenção a este tema, pelo muito que já foi dito, mas não resisto a fazer três comentários: primeiro, quero elogiar a pronta e correcta actuação deste Governo e, em particular, do Sr. Ministro da Agricultura, na adopção de medidas de protecção ao público consumidor, o que equivale a dizer, na protecção da saúde pública.
Segundo, referir que a generalidade das pessoas ainda não compreendeu que o actual sistema de alimentação animal resulta de uma necessidade do pós-guerra em alimentar uma Europa carente em alimentos. Por ter sido assim, foi necessário fazer dos animais umas verdadeiras máquinas de produção e das explorações pecuárias umas autênticas fábricas a produzir alimentos para consumo humano.
Agora, estamos perante uma situação que importa inverter, estudando sistemas de alimentação animal que se situem entre este "exagero" dos dias de hoje e o regresso a um passado de produção caseira. Portanto, talvez que o meio termo esteja numa tendência para uma agricultura e pecuária do tipo biológica, conforme a própria União já vai preconizando.
O terceiro e último comentário é para referir que a filosofia atrás exposta foi, sobejas vezes, sugerida ao anterior governo socialista, sem que este tivesse tido qualquer reacção nesta matéria. Se, ao contrário, o PS tem aceite o que na altura lhe foi proposto com a criação, inclusive, de um gabinete de pecuária biológica, talvez a questão dos nitrofuranos pudesse ter sido evitada.
Nesta matéria, estamos todos de acordo: queremos uma alimentação segura e, tal e qual como nós, querem-na todos os europeus que, curiosamente, e num estudo realizado, recentemente, elegeram a segurança e a qualidade alimentares como as primeiras num contexto global das prioridades a adoptar pela Política Agrícola Comum, o que foi verdadeiramente notável, com um resultado quase nos 100%.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se no bem-estar animal estávamos perante uma primeira prioridade aqui, na segurança alimentar, não o estamos menos.
E, em consonância com este pensar e sentir, muito se tem feito. O assunto também não chegou "arrumado" a este Governo, pelo que foi muito importante tomar medidas, desde logo no que diz respeito à muito falada Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar.
A oposição tem dirigido algumas críticas nesta questão, mas sem qualquer razão. De facto, ninguém quis acabar, ou retardar, a criação da dita Agência, pois tão-só se pretendeu melhor definir, e compartimentar, as suas funções.
Na realidade, não fazia sentido lidar com questões como a avaliação do risco e a comunicação do mesmo e com a necessária fiscalização que sobre os mesmos deve incidir. Portanto, tão-só se "separaram as águas", estando a Agência a trabalhar desde o passado mês de Fevereiro.
Mais: através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 131/2002, o Governo aprovou um conjunto de medidas para a área da segurança alimentar, donde se destacam: a redefinição do modelo da Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar; a definição de uma estratégia nacional de reestruturação dos serviços de fiscalização e controle dos bens alimentares; a criação de uma estrutura verticalizada na área da inspecção sanitária; a criação de um sistema integrado de protecção e bem-estar animal; a criação de um sistema centralizado de controle da qualidade do leite e dos produtos à base de leite; a revisão do Sistema Nacional de Identificação de Bovinos; o reforço do sistema de rotulagem da carne de bovino.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso ter abordado um tema de transcendente importância para o grande mundo animal e, com ele relacionado, para a saúde pública e defesa do consumidor.
Nos últimos tempos, temos assistido a um enorme crescendo de atitudes legislativas e orientadoras por parte do Governo, o que se regista com agrado, tanto mais que contrasta com o muito pouco que se fez no passado recente.
Estamos, assim, num caminho de modernidade, progresso e desenvolvimento a exigir um bom entendimento colectivo, para a nobre pretensão de um bem-estar animal e de uma consistente segurança alimentar para a desejável salvaguarda da saúde pública, como todos, decerto, bem desejamos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa e Oliveira, utilizo esta figura para manifestar estupefacção por o PSD insistir em reescrever os

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factos da história. Claro, claro é que entre o conhecimento inicial de algumas estruturas do Ministério e a tomada de iniciativas por parte do Ministério da Agricultura passaram vários meses. Ficou, aliás, claro na própria Comissão de Agricultura que entre o primeiro comunicado da DECO, o primeiro comunicado do Ministério da Agricultura e a tomada de posição do Sr. Ministro passaram 30 dias. O PSD e o PP impediram que viesse à Assembleia da República o anterior Director-Geral da Direcção-Geral de Veterinária, o actual Director-Geral da Direcção-Geral de Veterinária, a Directora de Serviços desta Direcção-Geral, o Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e desconhece-se, hoje, qual foi a intervenção do Sr. Ministro da Saúde ou do Sr. Ministro Adjunto, responsável pelos consumidores.
Isto é, tudo visto e concluído, o PSD e o PP não quiseram um esclarecimento desta matéria e agora veio o Sr. Deputado reescrever os factos da história. Por coerência e, até, por rigor intelectual, faço um apelo ao Sr. Deputado Costa e Oliveira para não reescrever os factos da história. Em matéria de nitrofurano, o Governo fez tudo o que não devia fazer!
Sr. Deputado, coloco-lhe uma só e única pergunta: não considera que este caso foi o melhor facto para provar que o modelo de Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar que dizem querer implementar não é viável? É que, mesmo que ela existisse nos termos que os senhores propõem, este facto verificar-se-ia igualmente.
Como o Sr. Deputado sabe, foi dito pelo Sr. Ministro da Agricultura, na Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, que a primeira iniciativa da Direcção-Geral de Veterinária, quando tomou conhecimento de análises positivas, foi informar os representantes dos produtores! Ou seja, enquanto a estrutura responsável pela inspecção e fiscalização estiver dependente no mesmo ministério da produção a confusão será a regra.
Portanto, Sr. Deputado, se há uma lição a tirar (e é esse o sentido da minha pergunta) é justamente no sentido contrário! Não considera o Sr. Deputado que este é um caso que vem demonstrar a razão de ser da linha defendida pelo governo do Partido Socialista, já aqui apresentada, neste Plenário, pelo Deputado Acácio Barreiros, de que não é possível misturar a componente produção com a componente fiscalização e inspecção? É que essa mistura, essa tutela dá confusão, como este caso veio demonstrar!
Volto a repetir: na Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, o Sr. Ministro da Agricultura disse-nos que a primeira iniciativa da actividade de inspecção foi falar com as associações de produção e não informar os consumidores. Aliás, sobre matéria de consumidores, ainda ontem, ou anteontem, a nova directora da Agência veio criticar o Sr. Ministro, dizendo que se deveria ter informado, desde o início, quais eram as empresas que estavam sob sequestro.
Estas são as duas questões sobre as quais gostava de ouvir o Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa e Oliveira.

O Sr. Costa e Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Apolinário, a interpelação que fez, que agradeço, toca uma imensidão de pequenos aspectos sobre esta questão, que o Sr. Deputado quis centrar na ideia do nitrofurano. Não vou poder comentar todos eles, embora gostasse de o fazer, apenas lhe direi o seguinte: aquando da governação socialista (e, que me lembre, este assunto nunca foi falado na Assembleia da República), os senhores foram várias vezes alertados por técnicos superiores da Direcção-Geral de Veterinária para o facto de ser necessário caminhar no sentido de uma nova alimentação animal, consoante a União Europeia já vinha preconizando, na sequência do que também já propunha no sector agrário propriamente dito.
Os senhores foram sobejas vezes alertados para esta situação e, inclusivamente, foi-vos proposta a criação de um gabinete de pecuária biológica para estudar a problemática da alimentação humana. Foram avisados, mas não deram a devida atenção à matéria! E, salvo erro, estas cinco informações que gravitaram no seio da Direcção-Geral da Pecuária chegaram ao governo da altura, mas os senhores não tomaram qualquer medida nessa matéria. Ora, foi este facto que quis trazer de novo aqui.
O Sr. Deputado questiona se a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar poderia ter evitado esta situação e eu digo-lhe que a Agência apenas sofreu uma pequenina interrupção no seu percurso para modificar a estrutura funcional que os senhores tinham idealizado, e que estava mal idealizada! Aliás, como o Sr. Deputado acabou de dizer, havia matérias que não podiam ser tratadas em conjunto.

O Sr. José Apolinário (PS): - Essa é que é a questão de fundo!

O Orador: - Na minha óptica, esta questão do nitrofurano poderia ter sido evitada se os senhores tivessem prestado atenção àquelas informações que vos foram dadas quando eram governo. Sem dúvida alguma que essa situação poderia ter sido evitada!
Portanto, não creio que se tenha tratado de uma questão de Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar mas, sim, de uma nova filosofia que esta matéria tem de seguir, para a qual os senhores foram alertados mas que não consideraram devidamente. Este é um facto indesmentível que o Sr. Deputado terá de fazer o favor de aceitar, ou seja, os senhores não deram a atenção devida ao assunto, porque, se o tivessem feito, estou convencido de que esta problemática do nitrofurano poderia ter sido evitada.
Penso que o comportamento do actual Ministro da Agricultura vai no sentido de tentar prevenir. E não vou agora discutir se o Sr. Ministro comunicou ou não comunicou, quais as datas, se as pessoas deviam ou não ter sido ouvidas… A minha opinião é que não deviam, pois entendo que tudo estava esclarecido pelo Sr. Ministro da Agricultura e os senhores pretendiam esclarecer o que estava sobejamente esclarecido. Portanto, a nossa opinião foi a de que não havia dados novos.
A informação que foi dada no tempo em que os senhores eram governo, e à qual não prestaram a devida atenção, essa sim, é que me parece ser um elemento extremamente

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relevante e por isso tomei a iniciativa de o trazer a esta Câmara.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, consta que já foi elaborado o Relatório de Segurança Interna referente ao ano de 2002. E digo "consta" porque o relatório já foi apresentado pelo Sr. Ministro da Administração Interna aos jornalistas, tendo na altura revelado que houve um crescimento da criminalidade na ordem dos 5% e, ao mesmo tempo, que estava optimista.
Pergunto ao Sr. Presidente se é possível obter informação sobre se o relatório já deu entrada na Assembleia da República, uma vez que há dois dias que temos conhecimento da sua existência, e, caso tenha dado entrada, solicitar-lhe que o mesmo seja rapidamente distribuído, uma vez que estamos muito curiosos em conhecer as razões do optimismo do Sr. Ministro da Administração Interna, tendo em conta o quadro que nos apresentou.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, a informação que tenho é a de que o referido relatório deu entrada no Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República e que deve estar em circulação ou, em breve, será mandado distribuir.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 96/IX - Altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (PS), 97/IX - Aprova um novo código de justiça militar e revoga a legislação existente sobre a matéria (PS), 98/IX - Aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público (PS), 156/IX - Aprova as bases gerais da justiça e disciplina militar (PCP), 257/IX - Aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público (PSD e CDS-PP), 258/IX - Altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (PSD e CDS-PP) e 259/IX - Aprova o novo Código de Justiça Militar e revoga a legislação existente sobre a matéria (PSD e CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projectos de lei n.os 96, 97 e 98/IX, do PS, ora em apreciação, são resultado do contributo de um conjunto de pessoas que excede largamente a lista dos seus signatários. Trata-se de um trabalho amadurecido pelo XIV Governo Constitucional, com a participação de especialistas de várias origens.
Consciente dos delicados equilíbrios que uma legislação desta natureza materializa, não quis o Grupo Parlamentar do PS ir além da mera inserção de pequenas alterações nas propostas de lei que caducaram com a interrupção da legislatura anterior, sem terem chegado a ser debatidas nesta Câmara.
Vem, aliás, de longe a fatalidade da súbita interrupção dos trabalhos de reforma da justiça militar.
Nas vésperas do 25 de Abril de 1974, preparava-se um novo código de justiça militar, que deveria substituir o de 1925.
A seguir à entrada em vigor da Constituição de 1976, foi preparado, parece que com alguma pressa e sem trabalho de fundo, o Código de Justiça Militar de 1977. Sempre se entendeu que este não promoveu a reforma da justiça militar que a Constituição prometera. Aliás, na medida em que "esticou" - contranatura - o conceito de "crime essencialmente militar" como que praticou uma contra-reforma. A renovação ficou adiada por algum tempo.
Depois da revisão constitucional de 1982 e da Lei de Defesa Nacional, mais uma vez se iniciou um longo processo de revisão da justiça militar, que chegou a traduzir-se em propostas de legislação, rejeitadas por esta Assembleia no final do XII Governo Constitucional, numa votação que, creio, é lembrada por todos.
Sobreveio, depois, a revisão constitucional de 1997, que introduziu marcantes alterações neste domínio.
Gorada, mais uma vez, a hipótese de reforma na legislatura transacta, o que pareceu confirmar a tal fatalidade de várias décadas, estamos agora em condições de reformular os alicerces da justiça militar.
A reforma da justiça militar corresponde a um imperativo constitucional. Em 1997, gerou-se nesta Assembleia um amplo consenso no sentido de extinguir os tribunais militares em tempo de paz, mantendo-se, todavia, a possibilidade da instituição de tribunais militares para o período da vigência do estado de guerra.
Não importa hoje aprofundar os fundamentos dessa decisão constitucional, que tinham natureza sobretudo garantística, racionalizadora e de sistema, sem esquecer o lastro histórico que as instituições inevitavelmente arrastam consigo. A existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de um certo tipo de crimes, como sucede com os tribunais militares, traz à memória, porventura com injustiça, outros tribunais da nossa história.
Contra essa carga histórica pouco pôde o argumento dos que assinalaram justamente que aquilo que se mostra decisivo é assegurar que o tribunal seja rodeado das necessárias garantias de independência, nomeadamente no que toca ao estatuto externo e interno dos respectivos membros que não sejam juízes de carreira, pouco importando, se isso estiver assegurado, que o tribunal tenha competência exclusiva para o julgamento de um certo tipo de crimes - notou, por exemplo, o Professor Figueiredo Dias numa intervenção num colóquio parlamentar.
Neste virar de página, há outros aspectos de alto significado que merecem registo.
Primeiro, a confirmação da autonomia (reconhecida desde 1640) de um direito penal militar autónomo, sistematizado

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num corpus próprio e facilmente apreensível pelos operadores jurídicos.
Podendo e devendo a justiça militar ser administrada pelos tribunais comuns em tempo de paz, entende-se, sem embargo, que ela não se acomoda satisfatoriamente nos quadros do direito penal comum, em razão quer do tipo de bens cuja protecção está em causa quer de especiais exigências de celeridade.
Os bens subjacentes à tipificação própria da justiça militar, isto é, os bens que tal tipificação procura proteger são os bens que servem os interesses militares. Entre esses bens há dois que merecem particular realce: os bens da disciplina e da hierarquia, características estruturais de umas forças militares e militarizadas capazes de cumprir as suas missões.
É a superior dignidade e o carácter vital destes interesses que justifica, ainda hoje, uma ramificação especial do direito penal, o direito penal militar.
Não um direito penal militar que parta de uma concepção de relações especiais de poder. Sim um direito penal militar de raiz plenamente democrática, baseado na necessidade de lidar especificamente com um núcleo material de ilícitos gravemente lesivos de interesses e bens de toda a colectividade.
Este direito penal militar articula-se e forma sistema com as disposições da Parte Geral do Código Penal, do Código de Processo Penal e da organização judiciária, introduzindo meras especialidades em aspectos selectivamente definidos.
Segundo, a redefinição dos limites do direito penal militar. Nuclear na delimitação do âmbito do novo direito penal militar, em sentido amplo (que abrange direito penal material e processual e direito judiciário) é a expressão "crimes estritamente militares".
Em bom rigor, esta expressão não é substancialmente diversa da adoptada pela Constituição, até 1997, de "crimes essencialmente militares". Pode dizer-se que há uma diferença de grau ou de tom, mas não de substância. Na verdade, ambos os conceitos fazem apelo à noção de bens militares, como sendo os bens protegidos; ambos são conceitos vagos ou indeterminados, admitindo alguma margem de densificação por parte do legislador. Mas nessa densificação legislativa não pode ignorar-se o comando de maior restrição subjacente ao conceito de "crimes estritamente militares".
Há crimes que são essencialmente militares e que também são estritamente militares, porque os bens protegidos são exclusivamente bens militares. Mas, por outro lado, há crimes que são essencialmente militares, mas não são estritamente militares porque protegem conjugadamente bens militares e, em menor medida, bens não militares. Por isso ficam de fora do âmbito da norma constitucional definidora do espaço próprio da justiça militar.
O projecto de código de justiça militar do PS procurou interpretar adequadamente a vontade constitucional, diminuindo correspondentemente o número de crimes qualificados de estritamente militares.
Esta delimitação do novo direito penal militar liga-se ao terceiro aspecto que pretendemos salientar: a eliminação, de uma vez por todas, dos vestígios do foro pessoal que persistem na justiça militar. Esse programa, que está desde o início na Constituição de 1976, não foi integralmente cumprido até hoje, uma vez que o Código de Justiça Militar de 1977 manteve, em certos casos e para certos crimes, o foro pessoal.
Agora ficará eloquentemente decretado que o direito penal militar é um direito de tutela de bens jurídicos militares e não um direito penal do agente.
Diga-se, entretanto, que esse objectivo coloca em crise a proposta da maioria no sentido de conferir competência à Polícia Judiciária Militar para a investigação de crimes não estritamente militares, isto é, de crimes comuns, designadamente os cometidos "no exercício de funções militares e por causa delas, bem como os praticados no interior de unidades, estabelecimentos e órgãos militares e os conexos com uns e outros (…)" - citei o projecto de lei dos Deputados da maioria.
Para além de ser de duvidosa utilidade subtrair estas competências à Polícia Judiciária, poderá haver aqui um retorno a uma espécie de foro pessoal no contexto da investigação criminal. Tal suscita dúvidas de constitucionalidade, de sistema, de princípio e de operacionalidade.
Terceiro, importa expurgar do direito penal militar disposições de desproporcionado rigor, quer no plano processual e da organização judiciária quer no plano material.
Penas desproporcionadas, pena de prisão até 28 anos, isto é, além do máximo previsto no Código Penal para os crimes mais horrendos, inexistência da possibilidade da suspensão da execução da pena, ou da substituição da pena de prisão por multa, constituição dos tribunais militares por uma maioria de juízes sem preparação jurídica, lesão de direitos dos arguidos em nome da preocupação central de celeridade, entrega da acção penal a um promotor de justiça, normalmente militar, e não ao Ministério Público, etc., são alguns dos aspectos que urge agora superar.
Sr. Presidente, apraz-me registar que a Assembleia da República, não obstante a complexidade técnica da legislação em causa, entendeu arcar com toda a responsabilidade do processo de reforma da justiça militar. As iniciativas em discussão partiram do seu interior; o procedimento legislativo subsequente será por ela conduzido, com a natural participação de entidades cujo contributo valorizará o produto final.
Esta é, seguramente, uma circunstância que dignificará esta Casa.
A tarefa está facilitada porque os projectos de lei do Partido Socialista e os projectos de lei por último apresentadas pelos Deputados do PSD e do CDS-PP são em altíssima percentagem complementares. Facto que merece ser enaltecido, na medida em que revela um louvável esforço de aproximação dos mesmos Deputados e que assinala uma vontade de consenso. Está criado o ambiente que facilitará uma célere conclusão do processo legislativo, de modo a possibilitar uma entrada em vigor que, desejavelmente, não vá além do último trimestre deste ano.
Apesar desta altíssima percentagem de complementaridade, há, naturalmente, aspectos de divergência. Não sendo de dramatizar essa divergência, julgo que é o que sucede com o tratamento da posição jurídica dos militares da GNR face ao direito penal militar.
Ponderados os bens jurídico-militares em presença, o projecto de código de justiça militar do PS opta por excluir a aplicação de certos tipos de ilícito penal àqueles militares

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em tempo de paz: é o caso do abandono de posto, do não cumprimento dos deveres de serviço, da deserção e da insubordinação por desobediência.
Fundamentalmente, entende-se que em tempo de paz os bens jurídico-militares protegidos por aqueles ilícitos são satisfatoriamente acautelados, no que toca aos militares da GNR, através do ilícito disciplinar. A punição no contexto do ilícito penal seria desproporcionada, tendo em conta o tipo de missões a que os militares da GNR são solicitados em tempo de paz.
Porém, alega a maioria que fica desse modo ameaçada a identidade material do estatuto dos militares das Forças Armadas e da GNR. O argumento surpreende, devo dizê-lo. Em vez de se procurar avaliar se, no plano da aplicação dos princípios da igualdade material e da proporcionalidade, a solução diferenciadora dos militares da GNR e dos militares das Forças Armadas é sustentável, fica-se por uma análise meramente formal: como há quatro tipos de ilícito que não se aplicam à GNR, dizem, está ameaçado o estatuto plenamente militar desta e dos seus profissionais!
Ora, a verdade é que a natureza do estatuto de cada uma das categorias de militares não muda consoante a dimensão - o número… - dos ilícitos penais militares a que cada qual está sujeita.
Por isso, se a situação fosse, por hipótese, inversa, isto é, se aqueles ilícitos se aplicassem em tempo de paz à GNR e não aos restantes militares, ninguém aventaria, certamente, sequer a possibilidade de o estatuto militar destes sair diminuído.
Por isso, também, o facto de o número de crimes estritamente militares em que os civis podem incorrer ser maior ou menor não tem qualquer impacto sobre o seu estatuto, que sempre será civil.
Existem outros desencontros menos pronunciados. É o caso, por exemplo, do respeitante à designação dos juízes militares que passarão a integrar, em minoria, os tribunais comuns para efeitos de julgamento de crimes estritamente militares. O projecto do PS vai no sentido de que aqueles juízes sejam escolhidos entre oficiais do activo, sendo nomeados para comissões de serviço de três anos, renováveis uma só vez pelo Conselho Superior de Magistratura, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior ou o Conselho Superior da GNR.
Diferentemente, o projecto do PSD e do CDS-PP prefere juízes na reserva, ou no activo que transitem para a reserva logo que nomeados. Além disso, os Conselhos de Chefes e da GNR intervêm como proponentes e não apenas como emissores de um parecer obrigatório.
Esta é uma questão vital para a garantia de uma das principais mais-valias desta reforma, a total independência das várias instâncias de julgamento de crimes estritamente militares.
Outro ponto de discrepância respeita ao nível de concentração territorial dos tribunais competentes para o julgamento de crimes estritamente militares. O projecto do PS, pelas razões eloquentemente enunciadas nos relatórios da Comissão de Defesa Nacional e da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, propõe a concentração nas varas criminais de Lisboa e nas secções criminais da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça. Este princípio de concentração tem adequada correspondência ao nível dos tribunais de instrução criminal.
Os Deputados da maioria vão noutro sentido e pretendem que haja outras varas criminais e outro tribunal de Relação a ter também competência nesta área. Trata-se de uma proposta que contraria a argumentação eloquentemente expendida nos relatórios das comissões, mas, naturalmente, iremos tentar encontrar uma solução racional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Merecem referência as audiências realizadas no quadro da Comissão de Defesa Nacional a várias entidades judiciais, militares e associativas. Creio não interpretar abusivamente o sentido geral dessas audiências se concluir que os projectos foram geralmente bem recebidos. Dessas audiências, retive numerosas sugestões que permitirão a melhoria dos textos finais.
Destaco, entre outras: a necessidade de reformular o enquadramento normativo da intervenção de advogados nos tribunais militares extraordinários; a definição de um número restrito de varas criminais a que podem ser distribuídos processos respeitantes a crimes estritamente militares; a atribuição do carácter de "urgente" a todos estes processos; a existência de juízes militares provenientes da GNR na Relação e no Supremo Tribunal de Justiça; e a possibilidade de os assessores militares do Ministério Público não ficarem localizados na Procuradoria Geral da República.
Sr. Presidente, a extinção de tribunais militares em tempo de paz não deve ser identificada com qualquer preconceito anti-militar. Se assim fosse, o Partido Socialista recusaria resolutamente associar-se a ela.
A nova justiça militar e a concomitante extinção dos tribunais militares em tempo de paz visa reforçar direitos, aperfeiçoar o Estado de direito e contribuir para a modernização das Forças Armadas e da GNR.
Pretende-se melhorar a situação no plano dos direitos e das garantias das pessoas. Visa-se melhorar a qualidade do Estado de direito.
Mas não se fica por aí. A reforma da justiça militar será um instrumento de modernização das Forças Armadas e da GNR e de acréscimo do prestígio destas. Umas forças militares e militarizadas modernas, prestigiadas e atraentes requerem uma justiça militar do século XXI, liberta de conceitos e de princípios pré-napoleónicos ou pré-democráticos. É disso que estamos a cuidar aqui hoje.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, ouvi a sua intervenção e gostaria de conhecer a opinião do Grupo Parlamentar do PS relativamente a alguns aspectos neste processo legislativo.
Em primeiro lugar, creio que é de saudar as iniciativas legislativas que acabou de apresentar, na medida em que, tratando-se de uma reforma legislativa que a Constituição determinou em 1997, este debate só pode pecar por tardio, porque já passaram quase seis anos e já há muito tempo que estes passos deveriam ter sido dados. De qualquer forma, obviamente que mais vale tarde do que nunca e, portanto, é sempre tempo para corrigirmos essa omissão.

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Daí que as iniciativas legislativas que apresentou sejam de saudar.
Há alguns aspectos que o Sr. Deputado referiu relativamente aos quais creio que valeria a pena aprofundar um pouco, mesmo agora no debate na generalidade, dado que poderão suscitar, suscitarão seguramente, alguma controvérsia.
Creio que o Sr. Deputado defendeu, e bem, que o desvio do Código de Justiça Militar na definição dos crimes de natureza estritamente militar em relação ao direito penal geral deve ser o mínimo possível, isto é, deve ser justificado apenas por razões ponderosas. As especialidades decorrentes da natureza militar dos crimes devem ser devidamente ponderadas por forma a que não haja uma sobreposição do direito da justiça militar ao direito penal comum.
A questão que coloco é no sentido de saber se, nas iniciativas legislativas em discussão, designadamente no projecto de lei apresentado pelo PSD e CDS-PP, não corremos o risco de não só ir longe demais quanto à extensão dos crimes de natureza estritamente militar, importando crimes previstos e punidos actualmente no Código Penal para o Código de Justiça Militar, aumentando as penas de uma forma desproporcionada, mas também considerar como crimes de natureza estritamente militar crimes que, efectivamente, podem não o ser. Refiro-me, concretamente, ao crime de violação do segredo de Estado, que pode ser um crime estritamente militar mas também pode não o ser. Creio que poderemos correr o risco de criar distorções graves no conjunto do nosso sistema penal através de uma leitura demasiado extensiva daquilo que pode ser crime estritamente militar.
Finalmente, gostaria de pedir ao Sr. Deputado uma opinião mais desenvolvida sobre o estatuto dos agentes da GNR em face do Código de Justiça Militar, porque me parece um pouco absurdo haver esta insistência em proclamar que os agentes da GNR estão sujeitos ao Código de Justiça Militar. Creio que eles estarão sujeitos ao Código de Justiça Militar se praticarem um crime que seja estritamente militar; caso contrário, não estarão. Estou convencido de que, na generalidade das funções que os agentes da GNR desempenham, não se configura facilmente a prática de crimes de natureza estritamente militar.
Daí que me parece um pouco absurdo haver esta insistência, quase obsessiva, em proclamar a sujeição destes cidadãos à aplicação do Código de Justiça Militar quando, nas funções que normalmente desempenham, crimes que possam praticar nesse desempenho em tempo de paz, na sua esmagadora maioria, não serão crimes de natureza estritamente militar, pelo que serão julgados como qualquer cidadão perante os tribunais comuns.
Gostaria de ouvir a sua opinião acerca disso.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, agradeço as perguntas que me fez, as quais tocam questões essenciais desta legislação que está em preparação.
Primeira questão, a de saber exactamente o que é um crime estritamente militar; segunda questão, a de saber até que ponto a GNR e os profissionais da GNR podem ou não estar sujeitos a cometer este tipo de ilícitos criminais.
Em relação à primeira questão, pressinto que a sua pergunta se dirige mais aos projectos subscritos por Deputados da maioria, uma vez que são esses projectos que vão mais longe na extensão do conceito de crime estritamente militar. Eu não tenho ilusão quanto à possibilidade de nós, aqui, podermos definir com toda a precisão e sem qualquer dúvida o que é um crime estritamente militar. Como sabe, anteriormente, havia o conceito de crime essencialmente militar e a doutrina e a jurisprudência continuam a discutir, muitos anos depois - esse conceito já vem do Código de 1925 -, o que é isso do "crime essencialmente militar". Continuaremos, seguramente, a ter esse debate em relação ao conceito de crimes estritamente militares.
Não foi opção do Partido Socialista, por exemplo, transferir alguns crimes que estão no Código Penal e que alguns classificam como "estritamente" (ou de "essencialmente", no passado) militares. Entendemos, por um lado, que é inconveniente fazer uma revisão casuística do Código Penal só por causa disso; por outro lado, em relação a alguns deles, entendemos que é discutível, embora nos pareça (e isso, aliás, está na "Exposição de motivos" do nosso projecto de código de justiça militar) que alguns desses crimes são, efectivamente, crimes de natureza estritamente militar.
Em relação à questão da GNR, estou totalmente de acordo com o Sr. Deputado quando diz que o Código se lhes aplicará se praticarem crimes de natureza estritamente militar e não se lhes aplica se tal não o praticarem - e o mesmo, aliás, se passa com todos nós. Nós, agora, poderemos também praticar crimes estritamente militares. O Código de Justiça Militar deixa de se basear numa ideia de foro pessoal e passa a basear-se na ideia de direito penal do bem protegido. Portanto, creio que estamos plenamente de acordo.
Entendo, contudo, que a lei é bem clara no sentido de determinar que os profissionais da GNR têm funções que estão sujeitas a uma disciplina militar e que estão sujeitas ao direito penal militar. Procurámos corresponder a essa indicação que a lei nos dá, avaliando e valorando aquelas circunstâncias em que nos parece que a GNR e os profissionais da GNR não devem estar sujeitos a esse tipo de ilicitude penal militar.
Sr. Deputado, creio, contudo, que não podem ser acusados os nossos projectos de serem imprudentes nesse campo e que as nossas soluções são equilibradas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na revisão constitucional de 1997, foi tomada a decisão de extinguir os tribunais militares em tempo de paz. Esses tribunais, competentes para o julgamento de crimes essencialmente militares e aos quais a lei poderia atribuir competência para a aplicação de medidas disciplinares, passaram a ter uma existência transitória até à data

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de entrada em vigor da legislação que desse concretização à determinação constitucional da sua extinção e que regulasse a participação de juízes militares nos tribunais chamados a julgar crimes de natureza estritamente militar.
As iniciativas legislativas que estão hoje em debate visam dar concretização a esse imperativo constitucional e são, por isso, de saudar, todas elas, embora se deva assinalar que este debate só peca por tardio.
A revisão constitucional em que se estabeleceu um amplo consenso em torno da extinção dos tribunais militares em tempo de paz - consenso em que, aliás, o PCP participou - ocorreu em 1997 e estamos hoje, passados quase seis anos, a debater, pela primeira vez, iniciativas capazes de colmatar essa longa omissão legislativa.
Em todo o caso, diz o povo que "mais vale tarde que nunca" e, pelo conteúdo dos projectos que hoje apreciamos, temos razões para acreditar que, não obstante algumas divergências (que são divergências naturais, mas que não são de somenos, são divergências, nalguns pontos, em relação a questões importantes), será possível, apesar disso, encontrar terrenos de consenso e consagrar soluções razoáveis em aspectos que são fundamentais.
A revisão constitucional de 1997 impõe uma reformulação profunda do enquadramento legal da justiça militar. Os tribunais militares, que existem ainda e que existiram para julgar crimes essencialmente militares, terão de ser extintos, passando os crimes que até agora se encontram na sua esfera de jurisdição a ser julgados pelos tribunais comuns, com a ressalva de que os tribunais que julguem crimes de natureza estritamente militar terão de incluir juízes militares.
Como já foi assinalado, a mudança de terminologia constitucional de "crimes essencialmente militares" para "crimes estritamente militares" não é uma alteração meramente semântica. Conduz a uma delimitação mais restritiva da competência dos tribunais militares em tempo de guerra, bem como da participação de juízes militares e de assessores militares do Ministério Público junto dos tribunais comuns em tempo de paz.
O direito penal militar vê, assim, o seu âmbito de aplicação mais restringido. Toda a Parte Geral do Código Penal é directamente aplicável aos crimes estritamente militares, cabendo ao Código de Justiça Militar delimitar claramente quais sejam, em concreto, esses crimes.
O PCP considera fundamental que a indispensável reforma do sistema de justiça militar seja precedida ou, no mínimo, acompanhada de uma definição das bases gerais da justiça e disciplina militar.
A Constituição estabelece a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República para a definição das bases gerais da disciplina militar e a necessidade dessa definição legal é também determinada pela lei de bases gerais da condição militar.
Para além disso, é óbvio que as matérias da justiça e da disciplina militar são, em diversos aspectos, indissociáveis, não apenas porque os actuais tribunais militares têm competências em matéria disciplinar constitucionalmente atribuídas mas também porque importa evitar a tentação existente para que as infracções disciplinares sejam tuteladas através de medidas penais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, a reforma da justiça militar, que hoje iniciámos, não ficará completa se não for acompanhada de uma redefinição das bases em que assenta juridicamente a disciplina militar. Não faz sentido, do nosso ponto de vista, adaptar a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e o Código de Justiça Militar às determinações constitucionais e deixar incólumes alguns aspectos do Regulamento de Disciplina Militar que são de mais do que duvidosa constitucionalidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Tanto o Código de Justiça Militar como o Regulamento de Disciplina Militar não devem deixar de atender aos avanços do direito penal, ao progresso das ciências jurídicas, à jurisprudência do Tribunal Constitucional e às soluções do direito comparado.
Nos diplomas a aprovar, devem, pois, ser evitadas clivagens e pontos de fricção com o Código Penal, devendo entender-se o direito penal militar como parte integrante do Código Penal, que, pese embora regulando uma realidade sujeita a condicionalismos específicos, está, no entanto, sujeito aos mesmos princípios penais constitucionais, por vezes apenas expressos ou desenvolvidos no próprio Código Penal.
Nesta matéria, o direito penal militar deve estar em consonância com o princípio do mínimo desvio possível face ao Código Penal, de acordo com o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Assim, devem reservar-se as penas privativas de liberdade para as situações em que esteja em causa o cometimento de crimes, atenta a necessidade de maiores garantias de defesa por parte dos condenados neste tipo de penas e dada a impossibilidade, na prática, da sua anulação depois de cumpridas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nesta matéria, em obediência ao n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, deve impedir-se que, sem se atender aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte profissional de um cidadão militar.
Importa, pois, evitar a tentação existente para que as ofensas disciplinares sejam tuteladas como medidas penais, em obediência a princípios retributivos e de eficácia da pena (embora duvidosa neste caso) e de modo a que, por temor, os valores jurídicos disciplinares sejam respeitados.
Porque tais princípios não podem somente ser sustentados pela inexistência de bases constitucional e doutrinária, deve ficar assente que em tempo de paz a pena de prisão - reacção criminal por excelência - apenas deve ganhar aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas face às necessidades de reprovação e prevenção, só podendo ser aplicada mediante o cometimento de crime que expressamente a preveja.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto a alguns aspectos essenciais que estão em debate, convém ainda dizer algumas palavras, nomeadamente no que diz respeito à questão relativa ao estatuto dos juízes militares.

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Em primeiro lugar, a Constituição determina que os tribunais comuns que julguem crimes de natureza estritamente militar devem ter a participação de juízes militares. Importa precisar qual é, efectivamente, o estatuto destes juízes militares. Relativamente a esta questão, gostaríamos de deixar claros alguns aspectos.
Na verdade, estamos verdadeiramente perante juízes, isto é, embora se trate de militares, eles têm o estatuto de juízes, que não deve ser um estatuto diminuído relativamente ao dos demais juízes dos tribunais comuns. Do nosso ponto de vista, os juízes militares não podem deixar de ter formação jurídica, isto é, para além de serem militares, têm de ser licenciados em Direito, e devem ter um estatuto que lhes dê todas as garantias de independência que devem ter os magistrados judiciais. Nesse sentido, não podem dever qualquer obediência à hierarquia militar enquanto se encontrarem em funções e não devem também ver o seu estatuto determinado por eventuais expectativas de progressão na carreira para o momento em que deixem de ser magistrados judiciais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, este princípio da garantia total das condições de independência dos juízes que sejam militares deve ser uma questão absolutamente salvaguardada neste processo legislativo. Eles são militares, mas são também juízes, vão aplicar o Direito e não podem ser juízes de segunda, devem ser juízes com um estatuto idêntico aos dos juízes que não sejam militares.
Um segundo aspecto que tem estado muito presente neste debate diz respeito ao estatuto dos agentes da GNR.
Tem sido enfatizada a aplicabilidade do Código de Justiça Militar aos agentes da GNR, atento à sua qualidade de militares que é expressa em diversos diplomas legais. A questão é muito relevante. Contudo, parece-nos que está um pouco deslocada neste debate, porque o Código de Justiça Militar não define os tipos de crime em função de quem os comete, mas em função da sua natureza estritamente militar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Se um agente da GNR cometer um crime estritamente militar, como tal regulado no Código de Justiça Militar, é julgado, obviamente, em tempo de paz, num tribunal comum que tenha participação de militares. Se não for um crime dessa natureza, esse agente da GNR é julgado pelos tribunais comuns, sem mais, como acontece, aliás, com todos os cidadãos, sejam eles civis, sejam eles militares. Ou seja, o que releva é a natureza do crime, não é a qualidade do agente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em todo o caso, relativamente ao estatuto da própria GNR, a Constituição da República refere-se à GNR como uma força de segurança, como, aliás, o faz a Lei de Segurança Interna, que inclui a GNR no elenco das forças e serviços de segurança. Vários diplomas legais designam como militares os profissionais da GNR. Isso é um facto!
Mas cumpre notar que os militares das Forças Armadas têm o Estatuto dos Militares das Forças Armadas e os agentes da GNR têm um estatuto próprio; que os ramos militares obedecem a uma Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas e a GNR tem uma lei orgânica própria enquanto força de segurança; que os militares têm o Regulamento de Disciplina Militar e os agentes da GNR têm um regulamento disciplinar próprio, que apenas aplica subsidiariamente o Regulamento de Disciplina Militar em tudo o que não esteja regulado no referido regulamento disciplinar próprio, aliás, aprovado por lei desta Assembleia.
Por conseguinte, dizer que se aplica à GNR o Código de Justiça Militar não faz qualquer sentido em tempo de paz pela simples e óbvia razão de que as suas funções não são militares mas, essencialmente, de segurança pública e de cumprimento da lei.
Portanto, a proclamação da sujeição da GNR à justiça militar é um discurso que pretende legitimar abusos de poder que são cometidos por alguns militares que pretendem exercer o poder sobre a GNR à custa dos direitos fundamentais dos cidadãos que estão sob o seu comando, sendo por isso uma questão lateral ao debate que hoje travamos sobre justiça militar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A terceira questão relevante que gostaria de salientar diz respeito ao elenco de crimes estritamente militares, matéria que, parece-nos, deve ser muito bem ponderada.
O projecto de lei apresentado pelos partidos da maioria transfere alguns artigos que prevêem crimes punidos actualmente nos termos do Código Penal para o Código de Justiça Militar e aproveita em muitos casos para aumentar as penas de uma forma que nos parece desproporcionada. Isto é, se admitirmos que no actual Código Penal existem crimes que, de facto, configuram tipos de crimes que podem ser considerados como estritamente militares e que não estarão mal no Código de Justiça Militar, aquilo que não se deve fazer, sob pena de estarmos a levar a cabo uma reforma penal profunda avulsa, é alterar as molduras penais que estão actualmente previstas, por forma a provocar alterações profundas e a criar distorções no nosso sistema penal, que deve ser, tanto quanto possível, harmonizado.
Julgamos, por isso, que esta matéria deve ser analisada com muito cuidado, até porque, creio, todos concordaremos que as reformas penais devem ser ponderadas, devem ser articuladas entre si e que não deve haver reformas penais avulsas que criem distorções num sistema que, como referi, deve ser, tanto quanto possível, harmonioso.
Por outro lado, é proposto que determinados crimes sejam previstos no Código de Justiça Militar quando esses crimes podem não configurar necessariamente crimes de natureza estritamente militar. Há pouco referi o exemplo que diz respeito à violação do segredo de Estado, que pode ser um crime estritamente militar, mas também pode não o ser. Daí que deva ponderar-se muito bem, antes de transferir este tipo de crime, sem mais, única e exclusivamente, para o Código de Justiça Militar. Dei este exemplo, mas poderia dar outros.

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Finalmente, gostaria de sublinhar que, em face dos vários projectos de lei apresentados, parece-nos que existe uma base de trabalho suficiente para que se possa realizar uma reforma do sistema de justiça militar adequada e razoável. São estes os votos que fazemos!
Pela nossa parte, estamos inteiramente disponíveis para dar a nossa melhor contribuição para este efeito. Pensamos que todas as iniciativas legislativas, não obstante as discordâncias que temos em relação a algumas delas, devem ser viabilizadas e que o debate na especialidade deve ser aprofundado e ponderado, por forma a que se possa, finalmente, colmatar uma omissão constitucional que já perdura desde 1997.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A aprovação da reforma da justiça militar vem pôr termo a um grave problema de autoridade do Estado.
Desde 1982 que a Lei de Defesa Nacional impõe a revisão do Código de Justiça Militar e desde 1997 que a Constituição extinguiu os tribunais militares em tempo de paz, sem que qualquer destas duas disposições tenha passado de letra morta.
Por outro lado, a aprovação dos projectos de lei que hoje discutimos permitirá, no quadro de um compromisso firmado pelo Governo com o Sr. Presidente da República, desbloquear o impasse a que se chegou quanto à nomeação do Presidente do Supremo Tribunal Militar, cargo que está vago desde há um ano.
Preocupa-nos também a dignidade das instituições, que deve merecer o maior realce quando se trata da instituição pública a funcionar ininterruptamente há mais tempo em Portugal. O Supremo Tribunal Militar foi criado em 11 de Dezembro de 1640, como Conselho de Guerra, e desde essa data tem presidido à administração da justiça militar.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é justo que, nesta hora, em que damos por finda a missão dos tribunais militares em tempo de paz, reconheçamos a sua importância e a sua relevância na história da justiça em Portugal.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O significado dos tribunais militares foi claramente reconhecido pela Constituição de 1976, que os excepcionou da proibição da existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes. Mesmo a revisão constitucional de 1997, reduzindo embora o âmbito dessa excepção ao extinguir os tribunais militares em tempo de paz, manteve-os durante a vigência do estado de guerra, quando esta tenha sido formalmente declarada.
Em termos de Direito Comparado, ficámos a meio termo entre a solução adoptada por países como a Espanha e a Itália, por um lado, as quais integram os tribunais militares na categoria dos tribunais comuns, com recurso para o supremo tribunal civil e, por outro, a França, que extinguiu os tribunais militares em tempo de paz sem, como contrapartida, permitir a participação de juízes militares nos tribunais civis.
Esta opção do legislador da revisão constitucional denota uma grande prudência, como que a lembrar aos reformadores da justiça militar a importância dos valores em causa, exortando-os a não esquecer que estas alterações não podem pôr em causa a constituição das Forças Armadas e os princípios sobre os quais repousam a sua existência e a sua acção.
Assim, a elaboração dos presentes projectos de lei procurou guiar-se por uma adequada ponderação dos valores em causa e pela salvaguarda dos bens jurídicos que são pilares do funcionamento das Forças Armadas.
É verdade que a justiça militar deixa de ser uma emanação das Forças Armadas, deixando de estar subordinada a garantir, em primeira mão, a sua eficácia. Mas os operadores judiciários - juízes, Ministério Público e advogados - devem ter sempre presente que a eficácia das Forças Armadas no cumprimento das suas missões é o garante da independência nacional, da integridade do território e da liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas.
Procurámos - CDS-PP e PSD - assegurar nos presentes projectos de lei que na administração da justiça penal relativa a crimes estritamente militares o elemento militar estaria sempre presente, seja nos tribunais de julgamento, seja junto do Ministério Público.
No primeiro caso, não degradámos o juiz militar a um mero assessor militar do tribunal, sem poder de decisão e sem poder influenciar as decisões do tribunal. Entendemos que esta solução é liminarmente rejeitada pela Constituição, que se refere expressamente a "juízes militares" e é fortemente desaconselhada pela especificidade da justiça militar. O juiz militar, tal como o concebemos, deve, em pé de igualdade com os magistrados judiciais do mesmo tribunal, carrear para o julgamento o seu conhecimento técnico, a sua vivência militar e o sentir próprio dos valores da instituição militar, numa lógica de integração de saberes, para que se alcance, a final, uma justiça mais perfeita.
Por entendermos ser este o perfil mais adequado ao juiz militar, rejeitamos a exigência de formação jurídica para o exercício do cargo. Quem o propõe não especifica, aliás, qual o grau dessa formação jurídica. Basta a licenciatura em Direito? É necessária formação complementar? Será que os juízes militares devem ser obrigatoriamente saídos do Centro de Estudos Judiciários, como os demais juízes? Se for este o caso, a reforma da justiça militar só poderá avançar dentro de três anos, que é o tempo que leva a formar um juiz.
Encaremos a realidade: as Forças Armadas e a GNR não têm possibilidade de manter carreiras de juristas até aos postos de vice-almirante ou tenente-general só para assegurar o julgamento de 350 processos por ano e para prestar serviço fora da estrutura militar.
A extinção dos tribunais militares em tempo de paz tem, pelo menos, o mérito de permitir libertar recursos humanos e materiais para a actividade operacional das Forças Armadas. Seria absurdo que depois da extinção dos tribunais militares, as Forças Armadas tivessem que alterar as carreiras existentes e empenhar mais pessoal do que actualmente.

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Concedemos uma especial atenção à presença do elemento militar junto do Ministério Público. A liberdade de acção do legislador é muito apertada nesta matéria, porque a Constituição prevê apenas "formas especiais de assessoria" junto do Ministério Público, entidade à qual compete o exercício exclusivo da acção penal, relativamente a crimes comuns ou estritamente militares.
Dentro dos limites estabelecidos, criámos uma forma de assessoria bastante eficaz. Os magistrados do Ministério Público responsáveis pelo processo, conservando embora a responsabilidade pela decisão, devem ouvir o assessor militar antes da prática dos actos processuais mais relevantes. Entendemos que esta consulta obrigatória e não vinculativa é suficiente para assegurar a presença do elemento militar e a integração dos saberes técnico-militar e jurídico numa área onde não é possível existir colegialidade ou sequer partilha de competências de decisão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos certos de que, também no plano material, na previsão dos crimes estritamente militares, cumprimos a nossa missão de reforma.
É consabido que o actual Código de Justiça Militar se encontra cristalizado, desactualizado e desadequado a aplicar-se a uma realidade em constante mutação, portadora de novas ameaças. Este facto, que poderia e deveria ter sido evitado após a entrada em vigor da Lei de Defesa Nacional e dos conceitos estratégicos de defesa nacional que se lhe seguiram, é agravado pela progressiva desconstrução do Código de Justiça Militar a cargo do Tribunal Constitucional, à força de sucessivas declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Para a reforma deste Código não basta eliminar ou atenuar a sua severidade penal nos casos em que é excessiva ou injustificada, nem uma definição aperfeiçoada dos tipos legais de crime, nem a descriminalização de bagatelas penais e o seu reenvio para a esfera disciplinar ou ainda a remissão da punição de certas condutas para a lei penal comum. Não bastam igualmente a adequação das molduras penais, a conformação das penas maiores ou a previsão de outras penas que não a privação da liberdade.
Todas estas medidas servem a horizontalização do Direito Penal comum e satisfazem as crescentes exigências constitucionais nesta matéria, mas não garantem, por si, uma tutela adequada dos interesses militares da defesa nacional e dos valores cuja prossecução é cometida pela Constituição às Forças Armadas.
Essa garantia só é positivamente conseguida através da definição e previsão de cada um dos crimes estritamente militares. Ao criminalizar as condutas que ofendem a autoridade, a missão, a segurança e a capacidade das Forças Armadas e de outras forças militares, o Estado assume a importância das missões dessas forças como garantes da independência nacional, da integridade do território e da liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas.
Por outro lado, ao punir os crimes de guerra contra civis, a utilização de métodos e meios de guerra proibidos, os ataques contra feridos, náufragos, prisioneiros de guerra e pessoal de assistência humanitária e ao acolher outros crimes previstos pelo direito internacional humanitário, o Estado Português assume uma postura ética de civilização da guerra e estabelece, para os seus militares, um código de conduta.
Encerro com as palavras de um almirante italiano, que, no seu livro Histoire du Soldat, de la Violence et du Pouvoir, dizia: "Há quem pegue em armas por qualquer razão e combata a qualquer preço; mas o soldado tem um código de conduta, é o símbolo de uma civilização, é o sinal de que a paz é possível".

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Ribeiro.

O Sr. Rui Ribeiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegou finalmente a hora, seis anos volvidos sobre a revisão constitucional de 1997, de dar cumprimento a uma das alterações aí estabelecidas: a abolição dos Tribunais Militares em tempo de paz.
Efectivamente, ultrapassada há mais de um quarto de século a guerra colonial, Portugal está inserido numa teia de instituições internacionais, atlânticas, europeias e mundiais que vão garantindo um relacionamento internacional em que o primado do Direito vai gradualmente ganhando terreno sobre o recurso arbitrário à guerra.
Concomitantemente, com a implementação, afirmação e consolidação do regime democrático nas últimas três décadas, decorreu o desenvolvimento de um processo civilista do Estado e da sociedade portuguesa que teria necessariamente, mais cedo ou mais tarde, de ter reflexos na componente da justiça militar.
Abra-se um parênteses para afirmar que esta evolução civilista de Portugal não tem qualquer carácter depreciativo ou de menorização para com as Forças Armadas, antes corresponde, por um lado, ao processo normal e consensual de subordinação das Forças Armadas ao poder político e à sua saída de um casulo relativamente estanque, que as integrará crescentemente na sociedade, mantendo as especificidades inerentes à sua função, mas deixando de ser um corpo estranho ao mainstream social,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … e, por outro, à evolução natural das modernas sociedades ocidentais, em que, como já referi, o recurso à guerra é uma opção cada vez mais difícil de tomar, e, consequentemente, a guerra passou a constituir uma possibilidade mais remota.
Parece uma ironia fazer um discurso neste tom no momento em que os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália estão envolvidos numa guerra no Iraque para remover uma das principais ameaças que subsistem à paz e à segurança internacionais. No entanto, esta guerra não retira validade à asserção de carácter genérico que fiz antes, até porque são sobejamente conhecidos os esforços diplomáticos que foram feitos ao longo de meses no âmbito das Nações Unidas, o investimento infrutífero feito com as inspecções e outras iniciativas paralelas realizadas para evitar o desenlace bélico a que assistimos hoje.
Na realidade, embora permaneçam ameaças à paz e à segurança e a eventualidade de envolvimento numa guerra nunca deva, por uma questão de bom senso e prudência, ser liminarmente afastada, a verdade é que as nossas Forças Armadas estão cada vez mais envolvidas e participam

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em missões humanitárias, de serviço público, de peace-keeping e, no máximo, de peace-enforcement, situações que não constituem típicas acções de guerra, nem envolvem o País numa guerra, mesmo que, ocasionalmente, possam originar situações de confronto militar.
Foi nesta conjuntura de maturidade democrática no plano interno, por um lado, e de gradual evolução dos paradigmas de funcionamento das relações internacionais, por outro, que a Assembleia da República entendeu, na Lei constitucional n.º 1/97, introduzir reformas fundamentais para as Forças Armadas, nomeadamente desconstitucionalizando o Serviço Militar Obrigatório e estatuindo a extinção dos tribunais militares em tempo de paz (artigo 209.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa). Em regime de excepção, os ditos tribunais serão restabelecidos, conforme o artigo 213.º da Constituição, que diz: "Durante a vigência do estado de guerra serão constituídos tribunais militares (…)".
Assim, o projecto de lei n.º 259/IX, apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP, prevê a extinção dos tribunais militares em tempo de paz, sendo as respectivas competências transferidas para as secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação do Porto e de Lisboa, consoante a hierarquia do arguido (artigos 110.º a 113.º do projecto de lei). Esta descentralização contribuirá para evitar o provável congestionamento de processos, que ocorreria se se concentrasse a competência jurisdicional apenas nos tribunais de Lisboa.
O novo Código de Justiça Militar vai além da simples aplicação das alterações impostas pela revisão da Constituição de 1997, incorporando os crimes de guerra previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, ratificado por Portugal em 2001.
À redacção deste projecto de lei presidiu, obviamente, a preocupação de evitar sobreposições legislativas, mormente com o projecto de Lei n.º 224/IX, recentemente apresentado pelo PSD nesta Câmara, que assegura a competência plena dos tribunais portugueses face à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, incorporando no Código Penal português os crimes de genocídio, os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra, que também estão previstos no Código de Justiça Militar. Garantido está, portanto, que o sistema judicial português estará habilitado a proceder ao julgamento de qualquer pessoa capturada em território nacional por prática de crimes de guerra, de crimes de genocídio e de crimes contra a humanidade.
O projecto de lei do PSD e do CDS-PP é particularmente cuidadoso na abordagem da evolução do conceito de crime militar de "crime de natureza essencialmente militar" para "crime estritamente militar", bem patente na definição exaustiva do que constitui material de guerra, como se constata na extensa enumeração elencada no seu artigo 8.º. Esta inovação revelar-se-á de particular importância na definição do que constitui crime militar, quando se tratar de danos de material de guerra (artigos 80.º e 81.º) e de extravio, furto e roubo de material de guerra (artigos 82.º a 84.º).
De particular relevância, do nosso ponto de vista, é o agravamento das molduras penais em matérias de especial gravidade, como são aquelas que põem em causa a soberania e a segurança nacionais e das Forças Armadas portuguesas, bem como aquelas que configurem situações de crimes de guerra.
A título de exemplo, destacaria os crimes de traição à Pátria, cuja pena passa de 10 a 20 anos para 15 a 25 anos (artigo 26.º); de favorecimento do inimigo, com penas de 12 a 25 anos (artigos 28.º e 29.º); de espionagem, com penas de 5 a 16 anos (artigo 36.º); crimes contra a humanidade e crimes de guerra, com penas que podem ascender a 20 anos de prisão (artigos 40.º a 42.º, 44.º e 46.º). Finalmente, destacaria os crimes contra a missão das Forças Armadas, que configuram actos particularmente gravosos para as tropas em combate e para o esforço de guerra do País, tais como a capitulação injustificada, actos de cobardia, abandono de comando, de pessoas e de bens e abstenção de combate, actos que podem ser penalizados até aos 25 anos e que estão previstos no Capítulo III do Código de Justiça Militar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resumindo, os crimes graves considerados mais lesivos do bem público e da soberania nacional vêem a sua moldura penal genericamente agravada, em vários casos até aos 25 anos de prisão, enquanto que, simultaneamente, se aligeiram e flexibilizam as punições para infracções menos graves, introduzindo-se a possibilidade da pena suspensa e da substituição de penas de prisão inferiores a seis meses por multas.
Não obstante estas alterações, mormente a mais relevante, que constitui a extinção dos tribunais militares em tempo de paz, a Constituição continua a reconhecer a particularidade e especificidade do crime militar e a necessidade de participação de militares como juízes nestes processos (artigo 116.º do projecto de lei), bem como a criação de uma assessoria militar com estrutura própria integrada no Ministério Público (artigo 126.º), nomeadamente com a função de coadjuvação na direcção da investigação, no exercício da acção penal e na fiscalização da actividade processual da Polícia Judiciária Militar. Estas funções traduzir-se-ão na emissão de um parecer obrigatório, não vinculativo, para o Ministério Público.
Estas situações estão, aliás, previstas na Constituição da República Portuguesa, no artigo 211.º, n.º 3, no que concerne a composição dos tribunais, e no artigo 219.º, n.º 3, no que respeita à assessoria junto do Ministério Público.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que, com os projectos de lei n.os 257, 258 e 259/IX, particularmente com este último, o PSD e o CDS-PP estão a dar um contributo importante para as reformas estruturais que estão a ser levadas a cabo no âmbito das Forças Armadas, que, para além de ser um imperativo constitucional já com seis anos, faz parte de um vasto programa de modernização e actualização do conjunto das Forças Armadas, ao nível da organização jurídica, ao nível orgânico, do equipamento militar, do pessoal, das infra-estruturas, da racionalização da gestão e dos recursos e da indústria de defesa.
Dado que os projectos de lei apresentados pelo Partido Socialista sobre esta matéria, e hoje também em discussão, apresentam uma significativa proximidade de pontos de vista, é nossa convicção de que, em sede de especialidade, será possível chegar a um projecto final que reflicta um consenso entre, pelo menos, os três maiores partidos representados nesta Assembleia.

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Permitimo-nos prever que, quando terminar a presente Legislatura, o panorama da Defesa e das Forças Armadas em Portugal será substancialmente diferente em relação ao passado recente. E será diferente para melhor, permitindo uma modernização das estruturas militares a todos os níveis, no sentido de construir umas Forças Armadas para o século XXI, capazes de enfrentar os desafios e de defender os interesses de Portugal. Enfim, umas Forças Armadas que sirvam o País com níveis ainda superiores de dignidade e de excelência, nas quais os portugueses se irão rever e orgulhar ainda mais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - De seguida, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Rui Gomes da Silva para apresentar o relatório da Comissão de Defesa Nacional.
Tenho pena, Sr. Deputado, que disponha de pouco tempo para o apresentar. Estive a folheá-lo e penso que ele merecia mais tempo, não só pela sua densidade mas também pelo seu valor intrínseco. No entanto, como tem sido prática do Sr. Presidente atribuir um tempo máximo de 5 minutos para esse efeito, o Sr. Deputado disporá apenas desse tempo.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado pelos elogios, que também transmitirei ao Sr. Deputado Henrique Chaves, mas, apesar de tudo, penso que, em primeiro lugar, haverá que elogiar os proponentes das iniciativas legislativas.
Nesse sentido, dirigiria o primeiro elogio ao Sr. Deputado Vitalino Canas, que teve a iniciativa de desencadear todo este processo, apresentando três projectos de lei, sobre organização e funcionamento dos tribunais judiciais, Código de Justiça Militar e estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público. Seguidamente, refiro o Sr. Deputado António Filipe, por ter continuado este processo, apresentando, noutra perspectiva, as bases gerais da justiça e disciplina militar, tendo depois eu próprio e o Sr. Deputado João Rebelo apresentado três diplomas que abrangem a matéria tratada nos projectos de lei apresentados pelo Sr. Deputado Vitalino Canas.
Diria que esta não é uma matéria nova, lembrando que, já em 16 de Maio de 1994, foi debatida nesta Assembleia a justiça militar. Era, então, presidente da Comissão de Defesa Nacional o Sr. Deputado Miranda Calha, e já nessa altura se falava na necessidade de alteração da justiça militar.
A todos os Srs. Deputados e a todas as pessoas que nos ajudaram, designadamente do próprio Ministério de Defesa Nacional, na elaboração dos relatórios que eu próprio e o Sr. Deputado Henrique Chaves produzimos em 19 de Dezembro de 2002 e 25 de Março de 2003, que tentaram escalpelizar e referir os problemas suscitados pelos diplomas apresentados, queremos também enviar o nosso obrigado.
O primeiro relatório, apresentado e votado em Dezembro de 2002, referia os seguintes aspectos: a análise do direito constituído e a sua comparação com as propostas do Partido Socialista; a importância que esses diplomas tinham face às alterações decorrentes da Constituição de 1997; a consideração dos crimes estritamente militares e a substituição do foro pessoal pelo foro material; o afastamento da GNR do estatuto penal traçado para os militares das Forças Armadas; o cargo de juízes militares confiado a militares no activo; e ainda a proposta de audição de um conjunto de entidades.
Devo dizer que a Comissão de Defesa Nacional teve o cuidado de ouvir todas as entidades, sem qualquer exclusão, sendo de referir o esforço desenvolvido no sentido de abarcar o número máximo possível de entidades. Penso, pois, que das entidades propostas pelos partidos nenhuma ficou por ouvir, o que levou à necessidade de um segundo relatório, que foi apresentado em 25 de Março de 2003, onde se analisaram os projectos de lei do Partido Socialista, os projectos de lei do PSD e do CDS-PP, que eu próprio subscrevi com o Sr. Deputado João Rebelo, cujo conteúdo resumiria da seguinte forma: a inclusão de vários crimes transpostos do Código Penal; a aplicação, por igual, aos militares das Forças Armadas e da GNR, do estatuto penal previsto no Código de Justiça Militar; a criminalização das condutas previstas no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, que a própria Assembleia da República já aqui analisou; a competência territorial, distribuindo-se a mesma entre Lisboa e Porto, sendo as áreas das Relações de Lisboa e Évora atribuídas à Comarca de Lisboa e as Relações do Porto e Coimbra atribuídas à Comarca do Porto; a atribuição à PJM de competência exclusiva na investigação de crimes estritamente militares e de alguns outros; a criação de secções de instrução criminal nos TIC de Lisboa e Porto; a atribuição dos cargos de juízes militares a militares na reserva ou a militares que passem a essa situação depois da sua nomeação; e, ainda, a criação de assessores militares.
Como disse, foram ouvidas todas as entidades e analisadas todas as propostas, e penso, que, apesar das diferentes posições, é possível chegarmos a um consenso.
Penso que não cometerei qualquer crime de lesa-pátria se disser que, nesta matéria, as diferenças entre o Partido Socialista e os Partidos Social Democrata e Popular, uma vez que o Partido Comunista apresenta uma visão mais genérica, resumem-se a três: em primeiro lugar, a existência de uma primeira instância só em Lisboa, que é a posição do PS, ou de uma primeira instância em Lisboa e no Porto, que é a posição do PSD e do CDS-PP; em segundo lugar, a consideração se os juízes militares devem ser militares no activo ou na reserva; e, em terceiro lugar - talvez seja aquilo que mais nos divide, porque penso que, em relação às duas primeiras diferenças, é fácil chegarmos a um consenso -, o estatuto da GNR. Esta última é uma matéria recorrente e que vem dividindo e suscitando a paixão dos autores, por isso penso que esta talvez seja a única questão que teremos de discutir em sede de comissão.
As intervenções dos diferentes partidos, com as diferentes posições, embora o projecto de lei do Partido Comunista não seja voltado para áreas específicas como são os do PS e os do PSD e do CDS-PP, são no sentido de gerar um grande consenso à volta de uma matéria da construção do Estado de direito, uma matéria que urge resolver desde 1997, como todos os Deputados intervenientes aqui referiram.
Penso, por isso, que, em pouco tempo, Portugal pode ter orgulho de ter um Código de Justiça Militar, uma alteração à Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais

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Judiciais e um estatuto dos juízes militares e dos assessores militares eu diria quase de comum acordo e sem problemas de maior.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, como relator, apenas tenho de me congratular com as iniciativas legislativas apresentadas, com a disponibilidade para o diálogo e com a capacidade de, em conjunto, encontrarmos pontos de comunhão em relação a todos os projectos de lei em discussão, e é nesse sentido que iremos trabalhar em comissão.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero registar que acompanhamos o conjunto das iniciativas em discussão, compreendendo que elas derivam de uma directiva constitucional, de uma transformação que urgia fazer-se, porquanto, do ponto de vista jurisdicional e legal, há muitos anos não faz sentido que haja uma espécie de domínio particular no que toca às Forças Armadas.
Devemos, por isso, sublinhar a positividade desta unidade do Direito, a compreensão de que o direito militar penal deve ser um item absolutamente claro no conjunto do Direito Penal e que deve haver uma mudança de filosofia sobre os bens jurídicos a proteger e não exactamente uma orientação penal dirigida individualmente aos agentes das forças militares. Creio que isso melhora e desenvolve as relações e os direitos de cidadania, por isso constituem inegáveis méritos todas as aproximações que se possam fazer a esta nova realidade.
Registado isto, gostaríamos também de salientar que é tempo - e há uma iniciativa nesse sentido - de a Assembleia da República discutir os aspectos disciplinares e não meramente os aspectos jurisdicionais, penais e de política penal. Todos sabemos que, hoje, é neste domínio que há maiores problemas e contradições no interior das Forças Armadas, sendo, por isso, necessária essa reflexão e, eventualmente, uma modificação das bases gerais acerca da disciplina militar, onde radica o Regulamento de Disciplina Militar, porque é tempo de actualizar pensamentos, saber se os conceitos de disciplina militar, designadamente aquilo que está no seu miolo, a hierarquia e o respeito à hierarquia, se mantêm exactamente como, há décadas atrás, eram pensados ou se hoje, numa sociedade moderna e em tempo de paz, não se deverá fazer uma redefinição desses conceitos e, depois, também, dos seus conteúdos operativos.
Nesse sentido, gostaríamos que, na especialidade, para além daquilo que diz respeito ao Código de Justiça Militar e à adequação dos tribunais, se pudesse desenvolver algo que, do ponto de vista de um texto legal, fosse consensual e que, manifestamente, ultrapassasse aquilo que pode ser a fonte de um novo Regulamento de Disciplina Militar. É que a questão da disciplina militar parece ser hoje uma necessidade emergente, que, segundo pensamos, se deveria impor à reflexão de todos os grupos parlamentares.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Ribeiro.

O Sr. Rodrigo Ribeiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, aquilo que nos une é, manifestamente, superior àquilo que, porventura, nos possa dividir - com isto, penso que temos o ponto de partida ideal para esta base de trabalho.
Com a discussão destes projectos de lei, viramos, sem dúvida, uma página na história da justiça militar. Em primeiro lugar, substituímos um Código de Justiça Militar que se sobrepõe largamente ao Código Penal por outro, limitado em função de bens jurídicos fundamentais. Em segundo lugar, pomos fim à vigência de um Código de Justiça Militar que segue de perto a técnica e os conceitos do Código Penal de 1886, substituindo-o por um outro, que, ao acolher a evolução da ciência penal, cumpre o imperativo consagrado na Constituição. Em terceiro lugar, afastamos um Código de Justiça Militar pensado para punir, como crime, qualquer violação do dever militar e substituímo-lo por outro que tutela fundamentalmente a actuação operacional das Forças Armadas, no quadro dos interesses militares da defesa nacional e das missões que a Constituição lhes confere. Por outras palavras, substituímos o foro pessoal pelo foro material.
Srs. Deputados, porém, devemos ser coerentes e extrair todas as consequências desse mesmo foro material. Em concreto, e obedecendo ao imperativo do foro material, devemos prever no Código de Justiça Militar os crimes que ofendam a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer ameaça ou agressões externas ou as que afectem a satisfação dos compromissos internacionais do Estado português no âmbito militar.
O mesmo foro militar implica que se prevejam e punam, no Código de Justiça Militar, aquelas condutas conhecidas como crimes de guerra, à luz do Direito Internacional, sempre que estejam em causa os interesses militares do Estado português e/ou as missões que a Constituição confere às Forças Armadas.
Portugal, à semelhança de outros países, passa a ter um sistema misto que prescreve o julgamento de crimes de guerra ao abrigo do Código de Justiça Militar, sempre que estiverem em causa esses mesmos interesses ou mesmo as missões. Fora destes casos, aplica-se a lei penal comum ou a lei penal especial, que, porventura, venha a ser aprovada.
Quanto à questão da GNR, há duas coisas que este Código de Justiça Militar, manifestamente, não pode fazer: não pode transformar a GNR no "quarto ramo" das Forças Armadas, nem sequer eliminar-lhe, pura e simplesmente, o carácter de força militar. Não podemos rever a lei orgânica da GNR através da aprovação de um novo código de Justiça Militar, pois não é aqui que tal será decidido. A Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, que é uma lei com valor reforçado, manda aplicar o Código de Justiça Militar à GNR, sem distinguir entre paz e estado de guerra.
E porquê? Porque a GNR colabora, a todo o tempo, com as Forças Armadas em missões que, por esta, lhe serão solicitadas, recebendo das mesmas a cooperação julgada necessária. Essa cooperação traduz-se, designadamente

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(mas não só), na formação dos quadros da Guarda da Academia Militar, sendo a sua formação comum à dos oficiais do Exército. A formação comum é reclamada pela especial responsabilidade que cabe aos militares, pelo uso da força. Um militar lida, por natureza, com equipamento de alto poder destrutivo, destinado a neutralizar forças adversárias em combate. Ora, como VV. Ex.as bem sabem, um maior poder implica uma maior responsabilidade, e é por essa especial responsabilidade que tanto os militares das Forças Armadas como os militares da GNR possuem condição militar.
Quando, em 2001, esta mesma Assembleia legislou sobre restrições aos direitos dos militares em efectividade de funções, não distinguiu entre GNR e Forças Armadas. Pelo contrário, utilizou como critério o facto de serem militares e de estarem na efectividade de serviço.
Todavia, e segundo o PS, se um militar da GNR, em tempo de paz, abandonar o seu posto, não cumprir os seus deveres de serviço, desertar ou se insubordinar, não comete um crime; mas se um militar das Forças Armadas praticar os mesmos factos é, por isso, julgado e condenado - estaríamos aqui, sim, perante uma flagrante violação do princípio de igualdade!

Vozes do PSD: - Bem lembrado!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também não faz sentido dizer que a GNR deve estar fora do CJM, porque é uma força de segurança.
Em primeiro lugar, a GNR é uma força de segurança que tem como missão geral colaborar na execução da política de defesa nacional e que pode ser chamada, a todo o tempo, a colaborar em missões das Forças Armadas; em tempo de guerra, ou em situação de crise, pode ser colocada no comando operacional do CEMGFA. Por ser uma força de segurança que desempenha missões militares, a GNR é composta por militares e estruturada como um corpo especial de tropas.
Em segundo lugar, a missão de segurança da GNR é exercida por uma força de características militares e os seus elementos têm e devem - e vão ter - condição militar, o que faz da GNR uma força militar com missão de segurança. E se é uma força militar, não pode ficar sem a alçada do Código de Justiça Militar,…

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … porque não pode admitir-se que, numa força militar, não se considerem crimes a insubordinação, o abandono do posto ou a deserção.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto a exemplos, porque o mundo é profícuo neles, cumpre referir que a solução proposta por esta maioria é adoptada por outros países que possuem forças militares com as características e com a missão da GNR. Em Espanha, por exemplo, a Guardia Civil está submetida ao Código Penal Militar; na França, por exemplo, a Gendarmerie está submetida ao Código Penal Militar; em Itália, quer os Carabinieri quer a Guardia di Finanza estão submetidos ao Código Penal Militar. São vários os exemplos europeus, e não só, em que este sistema misto muito honra o país, como honra as instituições.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A maioria e o PS divergem também quanto ao julgamento dos crimes estritamente militares (o PS propõe apenas em Lisboa e o PSD e o CDS-PP propõem em Lisboa e no Porto), à nomeação dos juízes militares e quanto à competência da Polícia Judicial Militar.
A proposta de julgamento destes crimes nos tribunais de Lisboa e Porto deve-se a estas serem zonas de maior concentração ou proximidade das unidades militares, e tal é aconselhado pela dispersão territorial das Forças Armadas, nomeadamente no Exército, como decerto VV. Ex.as bem sabem.

O Sr. Marco António Costa (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Concentrar a competência em Lisboa poderia, deveria e iria com certeza conduzir a um estrangulamento, independentemente do número (pequeno ou elevado) de processos, à semelhança do que actualmente ainda se verifica no Tribunal Central Administrativo, ou mesmo no Tribunal Marítimo.
Em segundo lugar, é esta mesma preocupação de melhor assegurar a transição do actual sistema de justiça militar para o foro comum que leva o PSD e o CDS a proporem que seja o Conselho de Chefes ou a GNR a propor formalmente as nomeações de juízes militares ao Conselho Superior da Magistratura, ao passo que o PS atribui esse poder de nomeação ao Conselho Superior de Magistratura, após mera audição do Conselho de Chefes e da GNR.
O juiz militar não tem, obrigatoriamente, formação jurídica; é um militar de carreira. Nesse campo, e com essa formação, com o seu posto equivalente ou superior a coronel, leva às formações de julgamento em que porventura participe o seu conhecimento e a sua experiência da instituição militar. Acreditamos que as chefias militares estejam especialmente bem colocadas para formular um juízo sobre a aptidão dos candidatos ao lugar de juiz militar, se bem que a decisão final caiba, em última análise, ao Conselho Superior de Magistratura.
Para finalizar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deixo uma palavra sobre a competência da Polícia Judiciária Militar: Pensamos ser perniciosa a multiplicação de entidades com competência para investigar as Forças Armadas, porque eventuais sobreposições e conflitos, positivos ou negativos, de competências vão reflectir-se manifestamente sobre áreas tão sensíveis como o são a defesa e a segurança nacionais. Não se coloca em causa, nem por um momento, a competência ou a capacidade de investigação de qualquer órgão de polícia criminal, simplesmente entendemos que não será a melhor solução existir uma Polícia Judiciária Militar com competência para investigar os crimes estritamente militares, enquanto a Polícia Judiciária civil, a PSP ou a GNR investigam os crimes comuns ocorridos no interior dessas mesmas unidades militares. Toda essa competência, sem excepção, deve competir à PJM, sob a direcção e na dependência funcional das autoridades judiciárias.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Termino como comecei, com o espírito desta intervenção. Todos os Deputados presentes, sem excepção, prezam e respeitam a condição militar. E essa mesma condição militar, mais do que um orgulho para as respectivas instituições, é um orgulho para este País. Saibamos, pois, todos, limar algumas divergências que, porventura, tenhamos nestas matérias e, a bem da condição militar e a bem de Portugal, levar este trabalho "a bom porto".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Grupo Parlamentar de Os Verdes a cedência de 2 minutos para poder proferir a minha intervenção, que vai ser muito rápida e que tem como objectivo congratular-me com a forma como decorreu este debate sobre a justiça militar e que, aliás, é o reflexo daquilo que se passou na Comissão de Defesa Nacional.
Antes, ainda, quero referir e sublinhar um aspecto a que o Sr. Presidente teve oportunidade de aludir: a qualidade dos relatórios elaborados pelos nossos colegas Rui Gomes da Silva e Henrique Chaves. Trata-se, de facto, de um relatório muitíssimo bem feito, com muita informação, sendo um precioso auxiliar do debate parlamentar.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, desculpe que o interrompa, mas quero também salientar a qualidade do relatório constante do respectivo processo elaborado no âmbito da 1.ª Comissão pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente! Eu também iria referir-me ao relatório elaborado pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que tivemos oportunidade de ler. De facto, este conjunto de relatórios contém aspectos positivos que devem ser sublinhados.
Não sei se todos os Deputados se aperceberam da importância deste debate. Trata-se da reposição daquilo que é um imperativo constitucional, ou seja, uma correcção a aspectos essenciais da nossa Constituição de 1976, na sequência do 25 de Abril.
Recordo que, enquanto membro do Conselho da Revolução, fui um dos autores do Código de Justiça Militar, que está em vigor e que data de 1977, que como já aqui foi dito, está manifestamente desestruturado. Em 1977, nós próprios tínhamos a consciência de que aquele Código pretendia, pura e simplesmente, substituir o anterior ao 25 de Abril, e de que, mesmo no momento em que estava a ser elaborado, estava, desde logo, a necessitar de urgente revisão. Infelizmente, e apesar de tudo, durou 26 anos, e só agora é que estamos, digamos, em fase final da sua própria revisão.
Portanto, falar desta importância é por demais evidente, mas também deve ser dito que, em 1997, quando extinguimos os tribunais militares, estávamos a extinguir uma instituição que foi muito importante para a valorização de Portugal e que tem mais de 360 anos. Não é de somenos importância também sublinhar este facto, no momento em que todos nós consensualizamos a necessidade da revisão da legislação militar, adaptando-a ao novo quadro constitucional e aos novos tempos.
Quero ainda referir, mais uma vez, o consenso que foi possível estabelecer relativamente a esta matéria, a importância das audições para a nossa formação e para a informação necessária à revisão ou à análise, na especialidade, na Comissão, e quero sublinhar, também uma vez mais, a disponibilidade aqui manifestada por todos os grupos parlamentares - repito, por todos os grupos parlamentares! - e expressar a nossa opinião, que já foi sublinhada pelo Sr. Deputado Vitalino Canas, no sentido de, em Comissão, trabalharmos afincadamente no sentido de encontramos um texto que seja digno da democracia e do próprio sistema implantado em 25 de Abril de 1974!

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminado este debate.
Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, quinta-feira, dia 3, às 15 horas. Terá período de antes da ordem do dia e do período da ordem do dia constará a nova apreciação do Decreto n.º 30/IX - Terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, que revê, actualiza e unifica o Regime Jurídico dos Terrenos do Domínio Público Hídrico, a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 47/IX - Cria um novo instrumento de gestão destinado a conferir aos Conselhos Superiores e ao Ministério da Justiça competência para adoptar medidas excepcionais destinadas a superar situações de carência do quadro de magistrados e a apreciação do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, que altera o regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto [apreciação parlamentar n.º 47/IX (PCP)].
Desejo a todos um bom fim de tarde.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Jorge Martins Pereira
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
José Manuel Pereira da Costa
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos

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4510 | I Série - Número 107 | 03 de Abril de 2003

 

Partido Socialista (PS):
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António Fernandes da Silva Braga
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Manuel Alegre de Melo Duarte

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
João Bosco Soares Mota Amaral
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes

Partido Socialista (PS):
António José Martins Seguro
João Barroso Soares
João Rui Gaspar de Almeida
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes

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