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Quinta-feira, 2 de Outubro de 2003 I Série - Número 6

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 1 DE OUTUBRO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da interpelação n.º 8/IX.
Em interpelação à Mesa, a Sr.ª Deputada Celeste Correia (PS) solicitou informação sobre o cumprimento da Lei n.º 10/2001, de 21 de Maio, no que respeita ao envio à Assembleia, pelo Governo, do relatório anual sobre a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Manso (PSD) cumprimentou a Sr.ª Ministra da Família e Promoção da Mulher, de Angola, Dr.ª Cândida Celeste da Silva, presente a assistir à sessão, e falou sobre a ajuda bilateral e multilateral àquele país, no que foi secundada pelo Sr. Deputado Vítor Ramalho (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) teceu críticas à maioria parlamentar por não ter viabilizado a audição, em sede de Comissão de Defesa Nacional, de membros da direcção da Polícia Judiciária Militar a propósito de recentes acusações de graves irregularidades eventualmente cometidas pelo actual director daquele organismo. Depois respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Rebelo (CDS-PP) e Marques Júnior (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Vitalino Canas (PS) abordou a problemática dos fogos florestais, nomeadamente as responsabilidades políticas do Governo na forma como reagiu à calamidade, após o que deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Marco António Costa (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
O Sr. Deputado Telmo Correia (CDS-PP), também em declaração política, deu conta das conclusões saídas do XIX Congresso Nacional do CDS-PP, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Francisco Louçã (BE) e José Magalhães (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE), lembrando que a Conferência Intergovernamental de Roma se realizará em breve, abordou questões relativas à importância do debate da futura constituição europeia, tendo criticado a posição do Governo.
A Sr.ª Deputada Isilda Pegado (PSD) falou acerca da "Marcha Branca", que teve lugar em 28 de Setembro p.p., e dos seus objectivos de protecção e defesa das crianças e jovens, ao que se associou a Sr.ª Deputada Celeste Correia (PS).

Ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação do projecto de lei n.º 354/IX.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do PSD.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 73/IX - Estabelece o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e do projecto de lei n.º 351/IX - Institui o programa nacional de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e à criminalização da economia (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Justiça (Miguel Macedo), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), João Teixeira Lopes (PCP), Osvaldo Castro (PS), Luís Montenegro (PSD) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Foram apreciados, na generalidade, os projectos de lei n.os 252/IX - estatuto do agente da cooperação (PS) e 159/IX - Aprova o estatuto do cooperante (PCP), da proposta de lei n.º 87/IX - Estabelece o enquadramento jurídico do agente da cooperação portuguesa e define o respectivo estatuto jurídico, e

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do projecto de lei n.º 350/IX - Incentivo à acção das organizações e agentes de cooperação para o desenvolvimento (Deputado do BE Francisco Louçã). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Carlos Costa Neves), os Srs. Deputados Luísa Mesquita (PCP), Vítor Ramalho (PS), Natália Carrascalão (PSD), Luís Fazenda (BE), Luís Marques Guedes (PSD), João Rebelo (CDS-PP), Francisco Louçã (BE), Carlos Alberto Gonçalves (PSD) e Carlos Luís (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues

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Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida

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Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Fernando Barbosa Alves Pereira
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra

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Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a interpelação n.º 8/IX - Debate de política geral, centrado sobre as políticas públicas para responder à pobreza e às desigualdades sociais (BE).
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao período destinado a declarações políticas.
Para esse efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso…

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me uma interpelação à Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, nos termos da Lei n.º 10/2001, de 21 de Maio, o Governo deve enviar à Assembleia da República, até ao final de cada sessão legislativa, um relatório anual sobre a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Trata-se de um relatório sobre o progresso da igualdade de oportunidades, como já disse, no trabalho, no emprego e na formação profissional.
Ora, quero perguntar ao Sr. Presidente se o XV Governo já remeteu à Mesa da Assembleia da República o relatório que está previsto na referida Lei e, em caso afirmativo, para quando se estima a sua distribuição pelos Deputados e respectiva discussão em Plenário, com a presença obrigatória do Governo, nos termos legais.
Caso o Governo ainda não tenha remetido esse relatório, gostaria de instá-lo a proceder ao seu envio, por forma a cumprir-se a Lei em questão.
Por último, Sr. Presidente, gostava de dizer que estranhamos tanta inacção e conformismo, da parte do PSD, neste domínio - porque o relatório não veio, até agora, pelo menos nós não temos conhecimento da sua chegada -, postura que é muito diferente da postura activa do PSD enquanto se encontrava na oposição e que está, aliás, plasmada nesta iniciativa legislativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Celeste Correia, respondendo à sua pergunta, na parte que diz respeito à Mesa, esse documento não deu entrada, porque, se tivesse dado entrada, seria, imediatamente, distribuído aos grupos parlamentares, como é minha praxe constante - aliás, minha obrigação -, e remetido à comissão competente para apreciação.

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De qualquer modo, a instância que V. Ex.ª faz, relativamente ao Governo, fica feita, constará do Diário e logo que o documento chegue à Mesa ser-lhe-á dado, imediatamente, o andamento necessário para que aqui seja apreciado, conforme dispõe a Lei a que V. Ex.ª fez referência.
Agora, sim, para uma declaração política, tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permita-me, Sr. Presidente, que as minhas primeiras palavras sejam de saudação à Sr.ª Ministra da Família e Promoção da Mulher, de Angola, Dr.ª Cândida Celeste da Silva, no início desta visita a Portugal, em sequência daquela que o Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento e a Associação para o Planeamento da Família (APF), fizeram a Angola. Angola, onde os afectos e a magia serviram de cenário real a mulheres lutadoras pela cidadania, igualdade, consolidação da paz e reconstrução nacional de que V. Ex.ª, Sr.ª Ministra, é, sem dúvida, um claro exemplo.
Em nome do Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento, relembro que estamos responsavelmente empenhados nos desafios que V. Ex.ª, Sr.ª Ministra, e o povo angolano nos exigem: no reforço da cooperação entre Portugal e Angola, nas temáticas inerentes aos direitos da criança e direitos das mulheres enquanto direitos humanos básicos, nomeadamente no direito à saúde e à educação; em advogar, junto da União Europeia, do FNUAP, da OMS, do IPPF e de outras agências de desenvolvimento, a causa da população angolana, para maximizar a actuação em prol da erradicação da pobreza, da inclusão social e do desenvolvimento, canalizando recursos financeiros e humanos para programas e projectos em Angola; em promover encontros temáticos e a capacitação de recursos entre organizações congéneres angolanas e portuguesas, no quadro da lusofonia; em aumentar o número de materiais pedagógicos e informativos em língua portuguesa, em Angola; e, ainda, em promover o diálogo intersectorial na construção das redes de trabalho que envolvam parlamentares, governo e organizações sociais, em articulação e complementaridade, para a consolidação da paz, na reconstrução do País, assegurando a necessária erradicação da pobreza e a justiça social.
Reagir perante os indicadores que o Governo angolano e as organizações internacionais nos apresentaram ultrapassa a nossa relação histórica e trajecto humanista e exige a nossa actuação solidária e responsável na capacitação de recursos para áreas como: a promoção da maternidade segura; a prevenção e tratamento do VIH/SIDA; a prevenção de comportamentos de risco nas camadas mais jovens, nomeadamente a gravidez adolescente, a prostituição, a violência intra e extra-familiar e o abandono escolar.
Em síntese e no essencial, permitam-me que realce que sentimos in loco o enorme esforço dos angolanos na consolidação da paz. Consolidação e reconstrução de Angola que se depara ainda com vários desafios, entre os quais o regresso à terra e o assentamento das famílias.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que aproveite a presença da Sr.ª Ministra nesta Câmara, onde a lusofonia e os direitos humanos são referência e compromissos permanentes, para relembrar o que tem sido o trabalho deste Grupo Parlamentar multipartidário, que integra, desde o início, o Fórum Parlamentar Inter-Europeu para a População e o Desenvolvimento.
Em 1998, parlamentares de todos os partidos com assento na Assembleia da República foram convidados pela APF portuguesa a constituir um núcleo de trabalho em torno da avaliação do Programa de Acção da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, "Cairo+5".
Por razões histórico-culturais, afectivas e de especificidade sócio-política, este Grupo tem como linha privilegiada a cooperação com os países da lusofonia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Deste nosso percurso pelo direito à saúde, educação e igualdade de oportunidades, que afirmámos recentemente em Otava e em Lisboa, vivenciámos as necessidades e a luta pela cidadania em São Tomé e Príncipe, em 1999, em Moçambique, em 2000, e em Angola, em 2002. Mas porque as assimetrias de desenvolvimento e as diferenças sociais não escolhem povos nem países, a Índia, o Burkina Faso e o Mali, a Tailândia, a China e o Brasil também fizeram parte do nosso reconhecimento no terreno das necessidades que existem ao nível da saúde reprodutiva e das metas do Programa de Acção do "Cairo+5".
O Grupo Parlamentar Português é um grupo discreto, mas activo; reúne parlamentares de todos os partidos, onde a causa são os direitos das pessoas, principalmente das mais pobres e com menos acesso aos serviços e mecanismos de igualdade.
Produzimos documentos, editamos um boletim e participamos, activamente, em reuniões e plataformas internacionais como a que reuniu em Otava, em Novembro de 2002, parlamentares eleitos de cerca de 72 países, a que reuniu em Lisboa, em Abril, a convite de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República Portuguesa ou, mais recentemente, a que reuniu em Brasília, a convite do Grupo Inter-Americano de Parlamentares.
Somos constantemente interpelados a fazer cumprir e a avaliar o grau de execução dos compromissos assumidos por Portugal ao nível da ajuda multilateral e bilateral, nas necessidades detectadas e soluções apontadas na Conferência do Cairo e que, além de promoverem a vida, salvam vidas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal, enquanto país das Nações Unidas e da União Europeia,

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está fortemente empenhado em cumprir e actuar em prol da agenda da paz e das metas de desenvolvimento do milénio.
Angola pode contar connosco, porque a memória e a História não são, para os parlamentares portugueses, meras figuras de estilo. De facto, a retórica política perde sentido quando vemos, olhos nos olhos, as duras realidades locais. E, com genuína disponibilidade e sem complexos de governação, Sr.ª Ministra, V. Ex.ª mostrou-nos as duras realidades locais.
Sr.as e Srs. Deputados, os meios e os recursos fazem a diferença. E foi exactamente a diferença que vivemos recentemente em Angola. Não falo da mística dos cheiros e das cores. Falo-vos das crianças que, nas ruas do Lobito, reclamam direitos, protecção e dignidade; do posto sanitário da Camunda que, em Benguela, espera o mais básico - água, luz e medicamentos para a reconstrução dos serviços de saúde materno-infantil; falo-vos dos olhos baços de esperança das meninas-mães do bairro de Sambizanga; falo-vos dos jovens voluntários da ANGOBEFA que aguardam oportunidades de informação e formação para servir as comunidades dos bairros mais pobres de Luanda e Cabinda; falo-vos da parede do Hospital dos Cajueiros, onde se lê "A mortalidade materna é uma tragédia para as mulheres, as famílias e as comunidades"; falo-vos da diferença entre a actuação de emergência e as exigências do desenvolvimento humano, democrático e sustentável!
Em Angola, lembrámos constantemente que metade da população mundial vive com menos de 2 dólares por dia; 1,3 milhões de pessoas vivem com menos de 1 dólar e, dessas, mais de metade são mulheres.
Em Angola, reconhecemos a urgência em incrementar a acessibilidade aos serviços de saúde, em especial de saúde sexual e reprodutiva, de educação e de apoio social.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ontem como hoje, e fazendo jus à doutrina de Shakespeare, "O futuro do Homem não está nas estrelas mas na sua vontade.".
Sem margem para dúvidas, no quadro dos direitos humanos e dos acórdãos internacionais mas, sobretudo, nos afectos e na vontade, Portugal e Angola estarão sempre unidos, como verdadeiros irmãos, na construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Ana Manso já o disse, mas também eu tenho muito gosto em assinalar a presença, na Tribuna do Corpo Diplomático, da Sr.ª Dr.ª Cândida Celeste da Silva, Ministra da Família e Promoção da Mulher, da República Popular de Angola, acompanhada de diversos altos responsáveis da Administração angolana.
Nos últimos dias temos recebido diversas delegações parlamentares angolanas, além dos seus representantes diplomáticos permanentes em Lisboa, o que é um sinal de que as nossas relações se estreitam, cumprindo uma antiga ligação, que é histórica mas que tem, sobretudo, uma dimensão humana.
As nossas saudações aos visitantes.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes, de pé, e do BE.

Ao que creio para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Vítor Ramalho, a quem dou a palavra.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, quero saudar a Sr.ª Ministra da Família e Promoção da Mulher, Dr.ª Cândida Celeste da Silva, e o trabalho que tem realizado em prol do desenvolvimento do povo angolano, particularmente no domínio da SIDA e do planeamento familiar. Muito obrigado pela sua presença, Sr.ª Ministra.
Ao recordar a sua presença neste Hemiciclo, quero evocar a luta que o povo angolano desenvolveu no sentido da sua independência e da sua auto-determinação, congregado com o povo português, sempre solidário.
Tenho presente, nos anos 60, a fuga que foi empreendida, a partir de Portugal, da Casa dos Estudantes do Império, de centenas de jovens dos países lusófonos, muitos dos quais são, hoje, dirigentes dos respectivos povos e países e saúdo, nessa luta, a luta contra a descolonização, hoje tão necessário invocar, porque foi um regime despótico, um regime anti-democrático que evitou, durante muitos anos, a auto-determinação e a independência a que o povo de Angola tinha justo direito.
Nesta hora, Sr.ª Ministra, é sobretudo útil invocar essa epopeia comum, que correu paredes meias com a luta em prol da nossa própria liberdade e da vossa independência.
Muito obrigado por isso mesmo, Sr.ª Ministra.

Aplausos do PS.

Quero, ainda a propósito, dar-lhe conta, Sr.ª Ministra, de que, no âmbito da cooperação entre os povos de fala comum - designação que prefiro à utilização da "língua oficial portuguesa" -, importa ter presente aquilo que esta Assembleia da República tem desenvolvido em prol do estreitamento das nossas relações. E, ainda recentemente, por acção da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa, foi criada um grupo de amizade entre os nossos Parlamentos, relativamente ao qual estou certo de que, na prática e no âmbito do desenvolvimento dessa cooperação, dará frutos muito seguros.
Nesta hora, Sr.ª Ministra, olho, sobretudo, para os poetas e romancistas de Angola, para Alda Lara, no Testamento - que é tão cantada em Portugal por vários cançonetistas que, infelizmente, desconhecem quem foi Alda Lara -, e também para Manuel Rui, na poesia famosa Os Meninos do Huambo. E é nesta epopeia de descoberta dessa acção cultural tão

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meritória com que o povo de Angola nos encheu, sobretudo com Alda Lara - que, infelizmente, ainda não foi recentemente editada em Portugal -, que testemunho o anseio das crianças de Angola, a sua luta em prol da reconciliação de todos os angolanos num futuro próximo de prosperidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que dispunha. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Muito obrigado, Sr.ª Ministra da Família e Promoção da Mulher!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na reunião da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional realizada ontem, dia 30 de Setembro de 2003, os partidos da maioria juntaram os seus votos para rejeitar uma proposta do PCP para que fossem ouvidos, nessa Comissão, o Coronel Alcino Roque, Subdirector da Polícia Judiciária Militar (PJM) durante 16 anos e demitido pelo actual Ministro da Defesa Nacional, e o Major-General Governo Maia, actual Director dessa Polícia, sobre quem recaem acusações de graves irregularidades no exercício das suas funções.
Trazemos esta questão ao Plenário da Assembleia da República porque entendemos que esta atitude da maioria tem de ser publicamente denunciada e não pode passar sem um veemente protesto da nossa parte.
Ao impedir, sem qualquer justificação aceitável ou sequer plausível, que a Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia procure esclarecer o fundamento das acusações de graves irregularidades que foram publicamente imputadas ao funcionamento da Polícia Judiciária Militar, a maioria está a impedir, de forma prepotente, a Assembleia da República de exercer as suas atribuições constitucionais de fiscalização da actividade do Governo e da Administração Pública e está a contribuir, de forma irresponsável, para que se mantenha em torno da Polícia Judiciária Militar um clima de suspeição que é, a qualquer título, indesejável.
Em Julho deste ano, já depois de encerrados os trabalhos da sessão legislativa, o Coronel Alcino Roque enviou a esta Assembleia uma exposição, que havia enviado um ano antes ao Ministro da Defesa Nacional, contendo acusações de graves irregularidades praticadas pelo Major-General Governo Maia enquanto Director da Polícia Judiciária Militar.
Depois de ler essa exposição, ninguém pode ficar tranquilo. E não há ninguém que tenha responsabilidades públicas e algum sentido de responsabilidade que possa ignorar a gravidade das acusações que aí são feitas e que não considere indispensável apurar a sua veracidade e exigir um sério e rigoroso apuramento de responsabilidades.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - É que, de duas uma: ou as acusações feitas pelo Coronel Alcino Roque são falsas e, nesse caso, estaremos perante um ou vários crimes de difamação, ou as acusações são verdadeiras e, nesse caso, estaremos perante graves ilícitos criminais e disciplinares, envolvendo a chefia da Polícia Judiciária Militar e, pelo menos, um magistrado judicial que aí presta serviço.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Perante isto, impunha-se obviamente que a Assembleia da República, através da Comissão de Defesa Nacional, assumisse as suas responsabilidades e procurasse apurar a veracidade dos factos imputados, ouvindo o Coronel Alcino Roque e as entidades visadas pelas suas acusações. Seria esse o único caminho responsável a seguir mas foi esse caminho que a maioria não permitiu que se seguisse.
As acusações de que estamos a falar são muito graves.
Estamos a falar de eventual tratamento ilegal de escutas telefónicas. Refere-se, na citada exposição, que toda a prova gravada, por via de escutas às comunicações, relativa a um processo de crime internacional organizado foi transferida para a guarda de um major da confiança pessoal do Director, a quem está vedado o acesso ao material das escutas, e que a audição, registo e recolha das conversações escutadas foi confiada a um aspirante a oficial miliciano e a um praça da Armada, ambos sem a menor qualificação ou credenciação para efectuar esse trabalho altamente sensível.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Um escândalo!

O Orador: - Estamos a falar de eventuais violações do segredo de justiça, traduzidas na reprodução, através da comunicação social, do conteúdo de interrogatórios a arguidos, efectuados pela Polícia Judiciária Militar, com a presença de pessoas não autorizadas por lei.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Estamos a falar de alegadas intromissões do Director da PJM na condução de processos e na selecção de diligências a efectuar e de acusações de uma inaceitável promiscuidade na condução de processos, envolvendo esse

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Director, pessoas da sua confiança e um magistrado judicial.
Estamos a falar de vultuosas obras desnecessárias alegadamente efectuadas no edifício da PJM, com eventuais prejuízos para a actividade operacional, privada dos recursos financeiros assim desviados.
Estamos a falar de alegadas mordomias, desproporcionadas, conferidas a pessoas da confiança pessoal do Director da PJM.
Estamos a falar de eventuais gastos sumptuários e supérfluos, determinados pelo Director da Polícia Judiciária Militar, contrariando orientações ministeriais de contenção de gastos e envolvendo relações menos transparentes com empresas fornecedoras.
Estamos a falar de alegadas despesas exorbitantes com refeições oferecidas pelo Director, envolvendo milhares de contos e centenas de convidados, no espaço de poucos meses.
Estamos a falar de uma alegada paralisia da actividade operacional da Polícia Judiciária Militar susceptível de paralisar a investigação de processos de grande importância e complexidade.
Apesar de a exposição que foi enviada à Assembleia da República conter provas documentais de muitas das acusações formuladas, ignoramos em absoluto se tais acusações têm fundamento. Por muito impressivas que sejam algumas provas, ninguém deve precipitar qualquer juízo condenatório sem ouvir as razões de todas as partes envolvidas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E, por isso mesmo, entendemos que, tendo a Assembleia da República o dever constitucional de fiscalizar a actividade do Governo e da Administração, temos não apenas o direito mas também o dever de tentar apurar a veracidade dos factos que são imputados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não existe a mínima afinidade política entre o PCP e o Coronel Alcino Roque. Quem conhece o passado de ambos sabe isso perfeitamente, só que o que está aqui em causa não são as convicções ou simpatias políticas de cada um mas, sim, o funcionamento do Estado de direito democrático e a legalidade da actuação de quem dirige superiormente a Polícia Judiciária Militar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - A Assembleia da República tem o dever de averiguar se é verdade ou não que o material relativo a escutas telefónicas é tratado de forma ilegal pela Polícia Judiciária Militar; se é verdade ou não que o Director deste serviço interfere na investigação de processos em curso e conta com a cumplicidade de algum magistrado judicial; se é verdade ou não que o director da Polícia Judiciária Militar atribui missões ilegais e mordomias desproporcionadas a pessoas da sua confiança pessoal; se é verdade ou não que a Direcção da Polícia Judiciária Militar promove directamente violações do segredo de justiça; se é verdade ou não que o dinheiro dos contribuintes posto à disposição da Polícia Judiciária Militar é gasto em obras desnecessárias, em aquisições supérfluas e em convites para almoços e jantares para além de tudo o que é razoável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Dir-se-á que não se pode acreditar em tudo o que nos dizem e nem sequer em tudo o que se vê, mas daí não podemos retirar a conclusão da falsidade de tudo o que nos dizem ou procuram demonstrar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Não sabemos quais das acusações do Coronel Alcino Roque são verdadeiras, se todas, se algumas ou se nenhumas; não sabemos se estamos perante justas denúncias ou graves difamações, mas temos a estrita obrigação de tentar saber.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas mais ainda: temos o direito e o dever de questionar a actuação do Governo e, em particular, do Ministro de Estado e da Defesa Nacional em todo este processo. Senão vejamos: o Coronel Alcino Roque enviou a sua exposição ao Ministro em Julho de 2002 e a resposta que obteve não foi a abertura de qualquer processo de averiguações, foi a sua exoneração, comunicada pelo telefone, cerca de um mês depois.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Ministro Paulo Portas é um "democrata"…!

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0271 | I Série - Número 006 | 02 de Outubro de 2003

 

O Orador: - E só cinco meses depois é que o Ministro de Estado e da Defesa Nacional determinou uma inspecção ordinária à Polícia Judiciária Militar, a efectuar pela Inspecção-Geral da Defesa Nacional, que nem sequer incidiu sobre as acusações mais graves que constam da referida exposição.
Ou seja, o Ministro recebeu denúncias de graves irregularidades cometidas na PJM, feitas por alguém que foi durante 16 anos subdirector desse serviço, e a primeira atitude que tomou não foi mandar averiguar a veracidade das acusações, foi demiti-lo, e entretanto as denúncias feitas continuam sem ser cabalmente averiguadas.
Diz a sabedoria popular que "quem não deve não teme". Perguntamo-nos, por isso, o que teme a maioria para impedir que a Comissão de Defesa Nacional promova a audição do anterior subdirector e do actual Director da Polícia Judiciária Militar.

O Sr. Honório Novo (PCP): - "Onde há fumo há fogo"!!

O Orador: - Não se trata, seguramente, de preservar o prestígio da Polícia Judiciária Militar, porque nada há que mais abale o prestígio de uma instituição do que a continuada suspeição da prática de irregularidades e de actuações ilegais. O que exige o prestígio da Polícia Judiciária Militar é o esclarecimento da verdade e é esse esclarecimento que a maioria impede impondo a "lei da rolha" no funcionamento da Comissão de Defesa Nacional.
Esta atitude da maioria é uma prepotência, representa uma instrumentalização do Parlamento ao serviço das conveniências do Governo e não contribui em nada para o prestígio das instituições democráticas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, por isso tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados fica aqui lavrado o nosso veemente protesto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Há duas inscrições para pedidos de esclarecimento ao orador.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, isto vai ser uma reedição do debate que tivemos ontem, na Comissão de Defesa Nacional. Em relação à sugestão feita pelo Partido Comunista Português de se ouvir o Sr. Coronel Alcino Roque e o actual Director da Polícia Judiciária Militar, vou aqui também reafirmar o que foi dito por nós.
Em primeiro lugar, nós não temos medo de nada, porque, como sabe, as acusações do Sr. Coronel Alcino Roque reportam-se a eventos que aconteceram no tempo do Partido Socialista. Portanto, não temos medo absolutamente algum em relação a esses factos.
Em segundo lugar, como o Sr. Deputado disse, e muito bem, foi feita uma inspecção, ordenada pelo Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional, relativamente às acusações feitas pelo Sr. Coronel Alcino Roque e a Inspecção-Geral da Defesa Nacional - e foi isso que o Sr. Deputado se esqueceu de dizer - não relatou, não descobriu ou não confirmou qualquer das acusações feitas pelo Sr. Coronel.
Em terceiro lugar, e como eu já lhe disse também, correm em tribunal processos contra o Sr. Coronel Alcino Roque: um por difamação, que não nos interessa para nada nesta questão; outro, esse sim já mais grave, em que foi constituído arguido pelo uso indevido de bens e materiais da Polícia Judiciária Militar para actividades que ele tem como empresário a título individual.
Portanto, a Comissão de Defesa Nacional, ao analisar também o comportamento de um cidadão que foi constituído arguido, neste caso o Coronel Alcino Roque, está a substituir-se aos tribunais.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Esse foi o terceiro argumento que invocámos para não analisar esse facto.
Portanto, existe fiscalização, e isso já foi fiscalizado por parte do Governo. O Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional automaticamente, depois de ter recebido parte dos documentos, mandou proceder a uma averiguação que resultou em nada!
Esta já é a sexta edição das acusações do Coronel Alcino Roque, porque começaram, como disse, em Julho e depois continuaram em Setembro e Dezembro do ano passado e em Março, Junho e Julho do presente ano, em entrevistas sucessivas que foi constantemente dando sobre esta matéria, nomeadamente, à TSF, à Visão e à Focus. Já todas as pessoas sabem perfeitamente dos factos a que ele se referiu e ele não merece qualquer credibilidade.
Aliás, considero estranhíssimo o PCP dar credibilidade ao Coronel Alcino Roque devido ao seu passado… Os senhores sabem perfeitamente o que ele fez, nomeadamente, no tempo da Guerra Colonial. Mas, enfim, só quero fazer esse registo para terminar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O que é que uma coisa tem que ver com a outra?

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O Orador: - O Partido Comunista Português, como nada mais tem a dizer sobre o Ministro de Estado e da Defesa Nacional, vem constantemente com estas referências a assuntos laterais que já foram investigados, que já foram alvo do exercício da tutela por parte do Ministério da Defesa Nacional. Portanto, não entendemos esta vontade e as diligências do Partido Comunista Português em fazer deste caso uma chicana política.
Por essa razão, altero o que disse ontem na Comissão de Defesa Nacional, onde pensava que o Partido Comunista estava sinceramente preocupado com o bom nome da Polícia Judiciária Militar, mas não está. Está é a usar este caso, ainda por cima com base nas acusações de um senhor que não tem qualquer credibilidade, para fazer chicana política com um assunto que é sério, nomeadamente, sobre a Polícia Judiciária Militar.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, deseja responder a cada um dos pedidos de esclarecimento ou responde em conjunto.

O Sr. António Filipe (PCP): - Respondo em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, eu nem pretendia intervir, mas uma vez que o Sr. Deputado João Rebelo referiu aqui que não tinha qualquer preocupação com a audição porque se reportava a períodos anteriores à governação do CDS-PP e do PSD, da actual maioria, também gostaríamos de deixar clara, no Plenário da Assembleia da República, a posição que assumimos na Comissão de Defesa Nacional.
Do nosso ponto de vista, independentemente de considerações que possam fazer-se sobre o autor da exposição que foi dirigida à Assembleia da República, as acusações que constam dessa exposição são graves e deveriam ser esclarecidas, com a maior profundidade possível, na Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Daí que a nossa posição na Comissão de Defesa Nacional tenha sido a de apoiar a proposta do PCP relativamente à audição do Sr. Coronel Alcino Roque e do actual Director da Polícia Judiciária Militar.
Esta é a postura de princípio do Partido Socialista - aliás, não é novidade para ninguém - relativamente a questões deste tipo. Nós pensamos que a Assembleia da República é, na circunstância, o local indicado para que questões deste tipo possam ser claramente esclarecidas, daí que tenhamos votado favoravelmente a proposta do PCP, que infelizmente, por acção da maioria, não teve vencimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado António Filipe, para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, muito obrigada pelas sua palavras em que esclareceu a posição que o Partido Socialista tomou ontem.
Sr. Deputado João Rebelo, há uma questão a que os senhores não conseguem responder: se os factos relatados não dizem respeito à actuação do vosso Governo, se dizem que são factos ultrapassados, se dizem que nada têm a temer em relação ao cabal esclarecimento das alegadas irregularidades, por que é que os senhores se opõem a que a Comissão de Defesa Nacional proceda à audição das várias entidades envolvidas? Não há razão alguma! Os senhores não conseguem esclarecer isto!

O Sr. Honório Novo (PCP): - "Gato escondido com rabo de fora"…!

O Orador: - Se a Inspecção-Geral da Defesa Nacional esclareceu tudo o que havia para esclarecer, então melhor ainda para os senhores, porque os seus representantes podem cá vir explicar-nos as conclusões a que chegaram e assim podemos ficar esclarecidos de que não há irregularidade nenhuma.
Mas o que se passa é que basta ver o despacho com que o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional determinou a inspecção para verificar que as acusações mais graves não são objecto do mesmo. Portanto, a Inspecção-Geral da Defesa Nacional investigou apenas alguns factos laterais e as irregularidades fundamentais que são denunciadas nem sequer foram averiguadas, aliás, ela nem tinha competência para investigar matéria como a que é referida.

Protestos do Deputado do CDS-PP Narana Coissoró.

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Os senhores dizem que o Sr. Coronel não merece credibilidade. Sr. Deputado, eu não conheço o Sr. Coronel Alcino Roque e sei, pelo seu passado, que ele está nos antípodas, em termos políticos, em relação ao PCP: nem o PCP tem simpatia política alguma pelo Sr. Coronel nem o Sr. Coronel tem, seguramente, qualquer simpatia pelo PCP!!
Contudo, a questão é esta: ele foi, durante 16 anos, subdirector da Polícia Judiciária Militar e para os senhores, pelos vistos, só perdeu essa credibilidade um mês depois de ter apresentado a exposição denunciando as várias irregularidades.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sintomático!

O Orador: - Isto é, ele foi credível durante 16 anos para ter grandes responsabilidades numa instituição como é a Polícia Judiciária Militar, e subitamente, de um mês para o outro, perdeu a credibilidade e foi exonerado através do telefone.
Sr. Deputado, o que nos impressiona nem é tanto aquilo que se diz ou aquilo que foi dito pelo Sr. Coronel em entrevistas à comunicação social mas, sim, o conteúdo da exposição entregue a esta Assembleia e, particularmente, os documentos que são juntos à mesma, porque esses é que são impressivos. Esses documentos e aquilo que eles contêm deveriam ser averiguados devidamente e com toda a responsabilidade por esta Assembleia.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Diz o nosso povo que "quem não deve não teme" e nós ficamos sem perceber o que é que afinal de contas os senhores temem, de forma a impedir que a Comissão de Defesa Nacional e a Assembleia assumam as responsabilidades que devem assumir no esclarecimento destes factos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas, também para uma declaração política.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A forma como o Governo enfrentou a calamidade que ceifou a vida de 20 pessoas e devastou mais de 400 000 hectares de floresta portuguesa expôs aos olhos de todos uma crise de liderança e uma crise de responsabilidade. Estas crises de liderança e de responsabilidade estão a aprofundar uma crise de autoridade.
Crise de liderança porque o Governo mostrou ausência de visão e incapacidade para prever, decidir, coordenar e executar. O Governo não soube preparar-se, pelo contrário, negligenciou ou menosprezou os riscos e contribuiu com decisões suas para o agravamento desses riscos.
Ao escolher o segundo trimestre de 2003 - segundo trimestre deste ano - para concretizar a fusão do Serviço Nacional de Bombeiros e do Serviço Nacional de Protecção Civil, o Governo ignorou todos os avisos, de todos os quadrantes, de que esse era um momento inoportuno.

O Sr. José Magalhães (PS): - Verdade!

O Orador: - O resultado está lamentavelmente à vista e é hoje insofismável: os anteriores serviços, aqueles que existiam, foram desactivados e o novo não teve tempo suficiente para se preparar para o maior desafio que se coloca à protecção civil e aos bombeiros no nosso país - os fogos de Verão.
O Governo revelou ausência de visão e de sentido estratégico,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - … desinvestiu na vertente da prevenção, subalternizou a vertente da protecção civil, deitou pela borda fora toda a massa crítica das comissões especializadas de fogos florestais e abordou incorrectamente os mecanismos de coordenação. Tudo isto precipitadamente, tudo isto, se calhar, porque era necessário, simplesmente, poupar uns tostões!!

Aplausos do PS.

O Governo cometeu erros graves na preparação do dispositivo operacional para o combate aos fogos. Um exemplo apenas: a contratação de meios aéreos foi tardia, foi muito tardia!
Ouvem-se, hoje, reiteradas alegações de que esse facto teve implicações delicadas no que toca, por exemplo, à adequação dos pilotos para prestarem serviço, em Portugal, neste Verão. Além disso, o Governo desinvestiu nos bombeiros nos anos de 2002 e de 2003.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

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O Orador: - Nada disto, verdadeiramente, foi da responsabilidade do novo Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil ou sequer do seu Presidente. No entanto, foi este que saiu, apesar de ter sido um dos primeiros a admitir que a reforma da protecção civil foi aprovada num momento inoportuno. A demissão do Eng.º Leal Martins, Presidente do novo Serviço, só terá surpreendido os mais distraídos, porque essa demissão era esperada, estava escarrapachada nos jornais dos últimos dias, devido às habituais fugas oriundas do Governo.
Mas o mais grave é que era esperada, porque este Governo nos habituou ao padrão de comportamento de culpar, por sistema e por princípio, as segundas figuras.

O Sr. José Sócrates (PS): - É verdade!

O Orador: - Os dirigentes da Administração Pública já sabem que para o Governo a culpa é sempre deles.

Aplausos do PS.

Há, hoje, uma crise de responsabilidade política no Ministério da Administração Interna e no Governo.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - As crises de liderança e de responsabilidade suscitam o laxismo, desenvolvem o germe da falta de autoridade. O episódio do helicóptero, de Lamego, está directamente relacionado com esse défice de autoridade, que embora não seja exclusivamente assacável ao Governo também lhe é imputável.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É preciso ter "lata"!

O Orador: - Esta crise de liderança, de responsabilidade e de autoridade envolve o Ministro da Administração Interna, mas também atinge, já hoje, o próprio Primeiro-Ministro, porque foi ele que deu cobertura a uma reforma da protecção civil comandada pela Ministra de Estado e das Finanças e não pelo Ministro da Administração Interna.

Aplausos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado! Convém não esquecer!

O Orador: - Uma reforma precipitada pela única prioridade que o Governo conhece: o défice abaixo dos 3%.
Foi o Primeiro-Ministro quem procurou desdramatizar a calamidade, quando ela já assumia proporções assustadoras; é o Primeiro-Ministro que assiste impávido e dá cobertura à rápida desagregação e ao défice de credibilidade das políticas de protecção civil do Governo, sem promover qualquer rectificação do rumo seguido.
A cultura de responsabilidade é um pilar insubstituível da democracia. A cultura da responsabilidade impõe que o Governo assuma com humildade que errou e que trabalhe para corrigir o seu erro, impõe que o Governo admita que houve falhas - como já vimos, aliás, o Primeiro-Ministro e o Ministro da Administração Interna admitirem -, mas impõe também que o Governo assuma a sua quota parte da responsabilidade nessas falhas.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reforma da protecção civil deve ser reaberta, com serenidade, lucidez e sem ser influenciada por considerações de natureza burocrática ou economicista, nem por laivos de autoritarismo.
A fusão dos bombeiros e da protecção civil está consumada, por isso, não deve ser desfeita. Mas é essencial recuperar e revalorizar a vertente da protecção civil, como componente basilar do sistema de protecção e socorro; é indispensável repensar toda a estrutura e os mecanismos de comando e de coordenação; e é vital repensar a formação dos bombeiros, sobretudo, dos seus comandos.
A profissionalização de alguns sectores desta área não pode esperar mais. A instalação de grupos de intervenção permanente que o Governo congelou deve ser de imediato redinamizada. A criação de um corpo de bombeiros profissionais, capaz de intervir em permanência em qualquer zona do País, sobretudo em incêndios de grande dimensão e de alta dificuldade, deve ser promovida!

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - E com a máxima urgência, é necessário elaborar um cadastro dos equipamentos existentes e produzir um plano integrado de reequipamento, coordenado, centralmente, de acordo com as necessidades recenseadas, e sustentado num envelope financeiro, transparente e previsível, a curto, a médio e a longo prazos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas visitas que efectuaram a vários pontos do País, os Deputados do PS encontraram muitas preocupações sobre os novos riscos que agora impendem sobre as populações. Autarcas e cidadãos alarmados alertaram-nos para perigos agravados de erosão e de cheias. São situações que merecem atenção e acções imediatas: há encostas a consolidar, rios e margens a limpar, infra-estruturas a reparar.
Sabemos também que muitas das corporações de bombeiros que tiveram o material destruído ou danificado ainda não viram a sua capacidade operacional reconstituída ou melhorada. É tempo de agir, mas o Governo parece que se limita a esperar pelo seu Livro Branco. Também aqui Portugal está parado!

Aplausos do PS.

Uma última palavra para a demissão do Presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil: ouve-se, agora, do lado do Governo, que não estava preparado para o exercício dessas funções. Esquece-se que, quando foi designado, já muita gente assim entendia e, sobretudo, omite-se que a sua nomeação resultou de uma opção pessoal do Ministro da Administração Interna, contra tudo e contra todos!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Queira concluir, por favor.

O Orador: - Estou a concluir, Sr. Presidente.
O Eng.º Leal Martins não apareceu do nada, resultou de uma escolha do Governo. A sua impreparação penaliza-o a ele, mas deve penalizar sobretudo quem o escolheu. Só nos resta esperar que, agora, escolha melhor!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Há três pedidos de esclarecimentos ao Orador. Em primeiro lugar, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Marco António Costa.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, a intervenção que acabámos de ouvir revela, de uma forma clara, que o Partido Socialista alicerçou a sua estratégia em duas atitudes completamente diferentes: por um lado, querer mostrar, naquilo que é a Comissão Eventual para os Incêndios Florestais, uma postura de colaboração e de trabalho sério, no âmbito dessa Comissão; e, por outro lado, aqui em Plenário, não fugir à tentação de procurar fazer intervenções políticas que permanentemente possam colocar pedras no caminho do trabalho desta Comissão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas a verdade é que, ontem, ficou patente uma outra coisa na Comissão.
Sr. Deputado Vitalino Canas, ontem, ficou patente que os senhores tinham uma pressa muito grande em que a Comissão terminasse o seu trabalho; ontem, ficou patente que o único partido político com assento naquela Comissão que tinha urgência em ter os trabalhos concluídos rapidamente era o Partido Socialista.
Hoje, começo a perceber o porquê: é que, efectivamente, aquilo que pretendemos, para além da discussão daquilo que se passou em concreto neste Verão, é compreender aquilo que não foi feito num passado recente, nem num passado mais longínquo, se necessário, aquilo que é a política dos prevenção dos fogos florestais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E aí entra algo que é a vossa consciência e o vosso trabalho a esse nível…

Protestos do PS.

Ontem, na Comissão, ficou patente que a pressa que havia era não deixar que esse trabalho fosse feito!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Hoje, está evidenciado, pela sua intervenção, que os senhores estão extremamente preocupados em instrumentalizar politicamente esta discussão no sentido de procurar atingir o Primeiro-Ministro de Portugal. Não chegava aquilo por que se esforçaram tanto: quererem responsabilizar politicamente o Sr. Ministro da Administração Interna, para também fazerem, agora, o alargamento dessa responsabilidade ao Primeiro-Ministro de Portugal!
Mas o Sr. Deputado fez aqui uma elencagem daquilo que, na sua opinião, eram as questões essenciais a tratar: política da floresta, cadastro dos meios, envelope financeiro… Mas pergunto eu: os senhores estiveram seis anos no governo, por que é que não fizeram isso?!

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Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Por que é que essas questões só agora é que entram no vosso discurso político?
Por que é que essas questões que eram tão visíveis e tão importantes, e que eram questões de primeira necessidade, não foram tratadas no vosso tempo?
Nós também queremos saber isso!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - Queremos saber que meios foram distribuídos e com que critério; queremos saber o que é que se passou relativamente ao cadastro desses meios. E é exactamente esse trabalho profundo, de análise, sério, quanto às causas, àquilo que são os factores que provocaram algumas das situações que se viveram neste Verão, que nós queremos desenvolver na Comissão Eventual.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Foi isso que os senhores tentaram, ontem, impedir, ao quererem impor, logo, desde início, uma data para a conclusão dos trabalhos.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Vitalino Canas, permita-me também que lhe diga uma outra coisa: os senhores vieram aqui dizer que a fusão foi má. Eu já tive oportunidade de afirmar, recentemente, que se porventura a fusão não tivesse sido feita…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marco António Costa, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir, por favor.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Dizia eu, se a fusão não tivesse sido feita, o que os senhores, hoje, estariam a dizer seria que o que aconteceu neste Verão se teria devido, sim, ao facto de não ter sido feita essa fusão.
Efectivamente, aquilo que pretendem é uma instrumentalização política deste debate que não aceitamos, particularmente, no momento em que a Comissão Eventual está a trabalhar sobre estas matérias.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Permito-me fazer um apelo ao Sr. Deputado Marco António Costa e a todos os Membros do Parlamento, para não baterem com as mãos nos tampos das bancadas. É que os fios que ligam as consolas de interpretação do voto electrónico são muito sensíveis e não me admiraria que, na bancada do Sr. Deputado Marco António Costa, amanhã, não funcionasse o cartão…

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado, pela chamada de atenção!

O Sr. Presidente: - A chamada de atenção dirige-se a todos os Srs. Deputados, com certeza!
Vou dar, agora, a palavra ao Sr. Deputado Vitalino Canas para responder. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marco António Costa, a sua intervenção é bem o espelho da perturbação que grassa, hoje, no PSD.

Risos de alguns Deputados do PSD.

Só conseguiu falar do passado, ou fantasiar sobre o futuro, sobre aquilo que teria sucedido, se não tivesse sucedido o que sucedeu.
De facto, é bem, o espelho da falta de ideias que grassa, hoje, na vossa área sobre estão questão: estão simplesmente paralisados, simplesmente parados, à espera de um livro branco, que está a ser elaborado pelo Ministério da Administração Interna e que, porventura, irá reiterar aquilo que esse Ministério sempre pensou sobre esse assunto.
Mas, Sr. Deputado, o que queremos, no Partido Socialista, é que haja decisões efectivamente rápidas sobre esse tema, e não queremos que a Comissão que foi criada eternize no seu trabalho: queremos que tenha conclusões e que essas conclusões sejam imediatamente colocadas no terreno, para evitar catástrofes como aquela que sucedeu no Verão, já, agora que podem avizinhar-se as cheias, mas também logo a seguir que pode haver de novo problemas com os fogos florestais. É

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isto que nós queremos! Não queremos que a Comissão se eternize até ao ponto de não ter qualquer conclusão útil para o trabalho que há que fazer!
Sr. Deputado Marco António Costa, o Sr. Deputado não se referiu a fosse o que fosse dos factos que eu aqui trouxe. Disse, pareceu-me, que estava perturbado pelo facto de querermos discutir politicamente o assunto. Mas é óbvio que temos de discuti-lo politicamente porque há factos graves relacionados com a actuação do Governo!
O Governo foi avisado de que não deveria fazer esta reforma, no momento em que a fez!!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Governo foi avisado de que estava a agir tardiamente…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - … na preparação da época dos incêndios florestais!
O Governo sabia que deveria ter iniciado o concurso para os meios aéreos mais cedo do que iniciou, que deveria ter colocado o dispositivo no terreno mais cedo do que o fez!!
Estes são os factos e não podemos calar esses factos, porque, embora tais factos não tenham sido os culpados exclusivos daquilo que sucedeu,…

Risos do PSD.

… contribuíram para aumentar o risco e porventura terão contribuído para a calamidade que existiu!

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ora, nós não queremos que isso suceda no próximo ano! Por isso, trazemos aqui soluções concretas para os problemas que detectámos, nas visitas que fizemos pelo País.
Trouxemos aqui problemas relacionados com a floresta, mas trouxemos aqui também sugestões relacionadas com a reforma da protecção civil que deve ser reaberta de forma a dar à protecção civil e à prevenção o lugar que ela perdeu na reforma de Março deste ano.

Aplausos do PS.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Para comunicar à Mesa que pretendo fazer chegar as informações relativas aos investimentos que foram feitos em prevenção de fogos florestais, que provam que, de 2001 para 2003, aumentou em 3 milhões de euros a verba investida pelo Estado em prevenção de fogos florestais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de fazer chegar esses documentos à Mesa, Sr. Deputado Marco António Costa.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, é verdade que o momento tardio e a forma precipitada como foi feita a fusão do Serviço Nacional de Bombeiros e da Protecção Civil estão na origem de muita da descoordenação que se verificou este ano, ao nível do combate aos incêndios florestais, sendo, pois, seguramente, uma das razões por que, em alguns casos, os fogos atingiram a dimensão que atingiram.
Se, neste aspecto, a demissão do Presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil era uma demissão esperada, a verdade é que a maior responsabilidade não é dele: não nos podemos esquecer de que, no ano passado, em Julho ou Agosto (aquela que é impropriamente chamada "época dos fogos"), o Sr. Ministro da Administração Interna anunciou que, em Setembro desse ano, iria apresentar ao País, como propostas - medidas de prevenção, de combate, e de reforma do serviço - para que, no ano seguinte, no ano 2003, tal não voltasse a suceder. A verdade é que passou Setembro, Outubro, Novembro… e só em Abril deste ano, quando no terreno já devia estar tudo preparado para começarem, a sério, as operações de prevenção e de organização do combate, é que foi feita essa fusão!
Portanto, Sr. Deputado, a verdade é que, se se demitiu o Presidente da Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção

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Civil, nesta situação concreta, porventura, também se deveria ter demitido o próprio Ministro, pela incompetência e pela inépcia reveladas em todo este processo.
Como também é verdade, Sr. Deputado, que houve aqui problemas de contenção orçamental, entre outros, que reduziram igualmente as políticas e as medidas necessárias à detecção e à vigilância.
Vou dar-lhe um exemplo, Sr. Deputado Marco António Costa: o nosso grupo parlamentar, e eu próprio, temos vindo a visitar algumas zonas. Ainda há dias, estivemos na área da Paisagem Protegida da Serra de Montejunto, onde se deu, agora, um enorme incêndio - que é, portanto, da responsabilidade do Estado (do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente) -, onde verificámos que o conselho directivo não está nomeado, nem pelo vosso Governo, nem pelo governo anterior; a limpeza dos matos não se faz, atingindo estes mais do que a altura de um homem; o posto de vigia, que devia funcionar este ano, não funcionou por razões de contenção orçamental; e não há um plano de gestão da área.
Ora, seguramente, estas razões não são estranhas à forma como o incêndio, aí, deflagrou e se desenvolveu!...
Tudo isto é verdade e tudo isto deveremos, de certo, apurar, com serenidade, na Comissão Eventual para os Incêndios Florestais.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas se tudo isto é verdade, Sr. Deputado, também é verdade que muitas das reflexões críticas e justas que o Partido Socialista, hoje, faz têm a ver muito com aquilo que vocês, Partido Socialista, não fizeram quando estiveram no governo.

Vozes do PSD: - Ah!…

O Orador: - Recordo-me, Sr. Deputado Vitalino Canas, de que o Partido Socialista, hoje, reclama - e bem, como nós sempre reclamámos - meios aéreos, próprios, do Estado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
No passado, o Partido Socialista recusou, com ofícios escritos, a existência de meios aéreos próprios, mas não se fez o ordenamento florestal em 1997, com uma lei de bases que já fora aprovada; recusou-se a profissionalização de um sector de combate, os bombeiros especializados em fogos florestais…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, repito que o seu tempo se esgotou e tem de concluir, senão ser-lhe-á desligado o microfone.

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado - e vou terminar, Sr. Presidente -, há responsabilidades repartidas e o que nós deveremos fazer, nesta Assembleia, e em particular na Comissão Eventual, mais do que atirar isto como arma de arremesso político, é contribuirmos com uma reflexão séria, com uma reflexão fundamentada e com medidas de recomendação para evitar que, no futuro, o País sofra, pelo menos, a dimensão dos dramas que tem ocorrido nos últimos anos, e neste, em particular.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É esta a nossa postura, é nesta postura que iremos estar na Comissão Eventual para os Incêndios Florestais, sem…

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Responderei em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado Vitalino Canas.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, parece-nos, no mínimo, curioso, que o Sr. Deputado tenha escolhido, como marca para a sua intervenção, a expressão "crise de autoridade".
Sabe, Sr. Deputado, ainda ninguém se esqueceu, como a "crise de autoridade" foi precisamente uma das marcas, porventura, mais estigmatizantes, dos governos passados do Partido Socialista, de que V. Ex.ª, de resto, estará recordado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ninguém se esqueceu, ainda, Sr. Deputado, como, naqueles tempos, quando os problemas surgiam, na voz do governo, a culpa ia sempre direitinha para os polícias, e raramente eram os delinquentes os principais responsabilizados.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém se esqueceu, Sr. Deputado, como, nesses tempos, a culpa no ensino ia sempre para os professores, e, nesse plano, nunca os alunos tinham qualquer tipo de juízo de censura.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém se esqueceu, Sr. Deputado, como, nesses tempos, no mesmo governo, ministros em funções se degladiavam e se censuravam num triste espectáculo nacional.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ninguém se esqueceu, Sr. Deputado, como, num exemplo final e a culminar, um Primeiro-Ministro, desistindo de lutar, se foi embora, abandonou as suas funções.
Como todos se lembram, Sr. Deputado, hoje a realidade é bem diferente. O Sr. Deputado sabe muito bem que tem hoje um Governo reformista, um Governo que quer voltar a dignificar as polícias, um Governo cuja palavra de apreço e solidariedade, quando estejam em causa as polícias ou os delinquentes, vai segura e inequivocamente para os polícias, não para os delinquentes, um Governo que, num momento de crise entre alunos e professores, apesar de saber que são ambos estimáveis, tem a noção que o plano é necessariamente diferente. É um Governo que não aceita o achincalhamento constante de titulares de órgãos de soberania, um Governo que sabe e mostra quem manda e em que a solidariedade é uma palavra presente.
Quanto a aspectos fundamentais da sua intervenção, Sr. Deputado Vitalino Canas, falando de fogos, sabe muito bem V. Ex.ª que, por exemplo, o instituto meteorológico de Berna claramente afirmou que, dos últimos 500 anos, este foi o ano mais quente de que há registo.

Risos do PCP e do BE.

Vozes do BE: - Dos últimos 500 anos?!

O Orador: - Quanto a isso nada disse o Sr. Deputado!
Mais: sabe o Sr. Deputado Vitalino Canas, falando com bombeiros, por exemplo, que um dos principais culpados da situação que hoje temos, naquilo que não seja imputável à natureza, é, entre outros, o ex-ministro Gomes da Silva, do tempo da governação do PS. Entre outras coisas, acabou com os sapadores florestais, acabou com postos de vigia, vendeu casas florestais,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - …enfim, criou as condicionantes para que hoje tenha sucedido o que sucedeu.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino com uma pergunta, Sr. Presidente.
Está, de todo o modo, o Sr. Deputado disposto a elogiar o Sr. Ministro António Figueiredo Lopes, que demonstrou não ser aceitável uma cultura de impunidade, imediatamente suspendendo de funções e mandando abrir inquérito até que todos os factos fossem apurados com toda a clareza? Era essa a cultura visível nos tempos de governação do PS? Não era, Sr. Deputado!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas, para responder, dispondo de 5 minutos.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, agradeço-lhe a sua intervenção, não obstante a divergência que fez acentuar, no final, em relação à política que o PS seguiu nesta área, divergência que, creio,

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não é bem fundada.
Sr. Deputado, quero concordar consigo, em primeiro lugar, dizendo que, de facto, a situação que se viveu e se vive não é, no essencial, da responsabilidade das chefias intermédias do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil. A responsabilidade é política, porque este serviço não caiu do nada, foi escolhido para fazer uma certa função. Todos disseram que ele não poderia cumprir bem essa função, no entanto houve uma insistência.
Além disso, há aqui uma outra questão. O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo diz que este é um Governo reformista. Pergunto que Governo reformista é este, que faz reformas apenas por causa do dinheiro, apenas para poupar?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Que rica reforma!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O PS não fazia reformas e só gastava!

O Orador: - Trata-se de reformas que mexem no próprio âmago do sistema de protecção e socorro, que tem que ver com a protecção da vida e dos bens das pessoas.
Sabemos que esta reforma, a qual, aliás, já vinha sendo preparada, foi precipitada simplesmente pela necessidade de poupar uns euros este ano. Foi feita numa altura em que ainda não estava suficientemente madura, como todos reconheceram, desde a Associação Nacional de Municípios Portugueses aos próprios bombeiros, passando pelos profissionais que conhecem o terreno. Que Governo reformista é este?!
Houve aqui, de facto, sobretudo, uma estratégia de contenção orçamental, não uma estratégia de acréscimo da operacionalidade do Serviço Nacional de Bombeiros e da Protecção Civil.
Mas, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, é tempo de reconhecer que há hoje um Governo que não é o governo do PS. Os senhores são ou não Governo hoje? Por que não reconhecem os senhores que estão no Governo há um ano e meio? Por que não reconhecem os senhores que aquilo que se passou no último ano meio, que agravou o risco de suceder o que sucedeu neste Verão, é já culpa vossa? Porque não assumem os senhores essa responsabilidade?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores não sabem, por exemplo, que os sapadores florestais, aos quais o Sr. Deputado se referiu, foram criados pelo governo do PS e que essa decisão foi "congelada" pelo vosso Governo, ao contrário do que V. Ex.ª disse?!

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Isso é mentira!

O Orador: - O Sr. Deputado referiu um dos tópicos da minha intervenção, relativo à crise de autoridade. É verdade, Sr. Deputado, há uma crise de autoridade! Mas não há só uma crise de autoridade, há também uma crise de responsabilidade e uma forte crise de liderança deste Governo.
O Sr. Deputado vem dizer-nos que, no passado, houve ministros que se digladiaram. Ora, quero recordar-lhe que, recentemente, houve um Secretário de Estado do Governo que o Sr. Deputado apoia que, por acaso, se digladiou, contestou e veio contrariar algo que o presidente do seu partido, que também é membro deste Governo, tinha dito sobre um determinado tema. Quem é que se digladia, afinal? Ministros e secretários de Estado, quem é que se digladia, afinal? Portanto, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, creio que não tem qualquer tipo de autoridade para falar desse tema.
Sr. Deputado, é preciso reabrir a reforma da protecção civil e dos bombeiros; é importante que esta Câmara o faça, e nós colaboraremos nisso. Não colocaremos em causa a fusão que se processou, que deve permanecer e ser aprofundada, mas tem de haver medidas de fundo de modo a que a protecção civil, que ficou afastada e menorizada nesta reforma, seja de novo valorizada.
Não é possível termos uma estrutura de protecção civil e de bombeiros que demonstre a falta de sentido de prevenção e de protecção civil que esta demonstrou este ano. Nessa altura, Sr. Deputado, iremos demonstrar que o reformismo mora nesta bancada, não mora no Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumprindo uma velha praxe parlamentar, subo à Tribuna para falar-vos do XIX Congresso Nacional que o CDS-PP realizou nos passados dias 26 a 28, sob o lema "Compromisso Total".
Como é normal num congresso partidário, o CDS-PP realizou um balanço do caminho percorrido, apontou os objectivos futuros e tratou dos meios e da organização para os prosseguir.
Dos trabalhos há a destacar três temas fundamentais: em primeiro lugar, o sublinhar da história e da identidade do partido; em segundo lugar, a definição estratégica e do discurso político; e, por último, as nossas vontades de abertura à sociedade civil e de renovação.

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Comecemos, então, pela história. O XIX Congresso iniciou os seus trabalhos, simbolicamente, no Palácio de Cristal, na cidade do Porto, exactamente no mesmo local onde 28 anos antes se tinha realizado, debaixo do cerco das forças anti-democráticas de ideologia marxista e prática extremista, o I Congresso do CDS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Homenageamos, assim, todos aqueles que tiveram a coragem - e era de coragem que se tratava - de resistir à tentativa daqueles queriam impor em Portugal uma ditadura de modelo soviético ou albanês.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Nesta homenagem, o CDS-PP evocou a figura de Adelino Amaro da Costa pela voz de Basílio Horta. Amaro da Costa, tragicamente assassinado em Camarate, será sempre a nossa maior referência.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O CDS tem orgulho na sua história e reafirma a sua fidelidade à matriz fundacional do partido, que é democrata cristão, aberto a correntes de pensamento conservador ou liberal.
Sublinhamos, do ponto de vista da geometria eleitoral, a nossa vocação. E a nossa vocação é a da representação política da direita num projecto que não só não é equidistante como se integra, hoje, numa maioria de centro direita radicalmente democrática e que se revê nos valores ocidentais e na concepção humanista da primazia da pessoa humana sobre o Estado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Do passado, recordamos que o CDS foi preciso para integrar a direita e o centro-direita na democracia, como foi preciso para combater, às vezes debaixo de tiro, os desvarios e o radicalismo do PREC,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … para votar sozinho contra uma Constituição marxista-leninista,…

O Sr. António Filipe (PCP): - O PSD votou uma Constituição marxista-leninista!

O Orador: - …para "dar a cara", sempre sem medo nem hesitações, pelo direito à vida e pela prevalência do Estado-Nação sobre as tentações regionalistas, ou, ainda, para ajudar a formar e para levar à vitória a Aliança Democrática.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Temos orgulho no nosso passado. Hoje, o CDS-PP integra de novo uma maioria de Governo de centro-direita, reafirmando não só o compromisso com a sua história e os seus valores como o seu empenho, no Parlamento e no Governo, na estabilidade dessa maioria. Estabilidade indispensável ao sucesso de um projecto político assumido pelo Governo que apoiamos, sob a liderança firme e determinada do Primeiro-Ministro de Portugal, José Manuel Durão Barroso.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Estabilidade indispensável ao equilíbrio das contas públicas e ao relançamento da economia, para baixar o peso de Estado e, em consequência, baixar os impostos.
Hoje, é obviamente com um sorriso nos lábios que vos dizemos, Srs. Deputados da oposição, que as previsões de desentendimentos, zangas ou conflito dentro da maioria falharam todas redundantemente. Falharam no passado e falharão no futuro, por uma razão simples: não funcionamos em função das intrigas que os políticos da oposição lançam em longos bocejos da rentrée e que os comentadores do politicamente correcto vão amplificando.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Funcionamos só e unicamente em função de uma coisa: o interesse nacional.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Esta é a primeira lição que aprendemos e é, para nós, uma lição antiga, porque foi a lição maior que aprendemos com Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Por essa ordem?!

O Orador: - É neste espírito de coesão que o CDS-PP quer continuar a ser parte do esforço reformista, quer continuar a apoiar as reformas, seja ao nível laboral seja ao nível da segurança social, e quer empenhar-se na formação de políticas públicas tão importantes para nós como sejam o reforço da lei e da ordem, a protecção social dos mais desfavorecidas, a liberdade de escolha na educação e na saúde, o controlo da imigração e a integração dos imigrantes, a competitividade da nossa economia, com especial destaque para a próxima reforma da Administração Pública, como queremos também trabalhar pela melhoria do sistema de justiça.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O CDS-PP é hoje, e assim se apresenta aqui, um partido tranquilo, com uma visão atlântica das questões internacionais e uma posição moderada nas questões europeias, ditada pelo interesse nacional. Com a certeza que, no final desta Legislatura, seremos essencialmente julgados pela capacidade de cumprimento das nossas promessas, sendo que as mais importantes são as que assumimos junto dos mais desfavorecidos e dos mais esquecidos e, dentro destes, obviamente, daqueles que serviram sob a bandeira de Portugal. Refiro-me, como é lógico, aos ex-combatentes das Forças Armadas.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O partido que sai deste Congresso é um partido unido no essencial e de combate político. A nossa primeira responsabilidade é para com a maioria e com os seus eleitores, ou seja, para com a nossa gente.
A nossa estratégia privilegia a possibilidade de entendimentos futuros com o nosso parceiro de coligação. A nossa vontade é a de ser uma voz firme no combate ao politicamente correcto, hoje dominante, para que não se esqueça o essencial. E, para nós, é essencial, por exemplo, num País que não tem hoje um problema de terrorismo interno, quando o terrorismo internacional constitui uma ameaça crescente, que se analise séria e serenamente a forma como lidamos com esse flagelo.
Durante anos a fio, já em plena democracia, uma organização terrorista assassinou, em Portugal, 18 cidadãos e cometeu 14 atentados. Sabemos hoje não só que a esquerda política vergonhosamente amnistiou parcialmente esses crimes, como ficámos a saber que o poder judicial não terá ido até as ultimas consequências.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Do nosso ponto de vista, os crimes e a imagem do terror das FP 25 justificam um apuramento completo do sucedido, como o exige, de resto, a memória das vítimas e o respeito pelos seus familiares.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A cultura da impunidade não é, em nenhuma circunstância e muito menos nesta, aceitável. Como não é aceitável que, de referendo em referendo, de consulta em consulta, uma cultura de morte e do aborto queiram vencer, pelo cansaço, a cultura civilizacional da vida.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O CDS-PP tem da política uma concepção doutrinária, e é nesse sentido que avançará com um projecto de revisão constitucional. A Constituição da Republica deve unir todos os portugueses e deve permitir que se governe à direita, ao centro ou à esquerda, dependendo da vontade dos portugueses.
A Constituição foi feita para os portugueses, não foram os portugueses que foram feitos para a Constituição!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para terminar, creio que vos deixei uma síntese do que foram os trabalhos do XIX Congresso Nacional do CDS-PP. Este foi também um exemplo de juventude e de renovação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Houve só um pequeno dado que escapou à tradição dos congressos do CDS-PP: costumam ser disputados, mas desta vez o presidente foi eleito quase por unanimidade. Isso é também um sinal da nossa determinação, da nossa coesão e da nossa vontade de servir Portugal e os portugueses.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, antes de mais, quero, na pessoa de V. Ex.ª, saudar todo o seu partido, nomeadamente o seu presidente, pela forma elevada como decorreu o Congresso do CDS-PP.
Não deixa de ser significativo que um partido que pertence a um Governo de coligação realize, nesta ocasião, um congresso que decorre da forma como decorreu o Congresso do CDS-PP. Isso significa que há uma identificação entre os dirigentes do CDS-PP e as suas bases, e entre as suas bases e os seus dirigentes, na opção de, por Portugal, estar nesta coligação de Governo, nesta coligação de poder, a realizar as reformas que junto estamos a fazer pelo País.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que esta nossa coesão, esta estabilidade entre nós e que transmitimos ao País incomoda os nossos adversários.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E de que maneira!

O Orador: - Tem-se visto os seus ataques soezes a esta unidade, tem-se visto as reacções que tiveram ao próprio Congresso, mas é tempo de perceberem que não estamos numa coligação político-partidária de táctica ocasional, como resultou, aliás, da mensagem que o presidente do meu partido dirigiu ao seu Congresso. Diria mesmo que o exemplo dos presidentes do seu e do meu partido, no sentido de terem sido capazes de pôr à margem divergências ou, eventualmente, situações de menor entendimento no passado, em termos de um projecto para Portugal, vai ficar na nossa História.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ó se vai!

O Orador: - É preciso que se saiba que estamos - e com toda a disponibilidade para os combates que se aproximam - numa coligação que ultrapassa muito a coligação de governo ocasional. É uma coligação pela modernização do País, é uma coligação por Portugal!
Sr. Deputado Telmo Correia, esteja completamente à vontade porque o PSD e o seu grupo parlamentar estão nesta mesma linha, que é aquela que os presidentes dos dois partidos interpretam e transmitem ao País. É em estabilidade, é em harmonia, é pelo País que temos de fazer este esforço, e vamos continuar a fazê-lo! Demos provas da nossa capacidade; o futuro é nosso!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, em primeiro lugar, quero, tranquilamente, agradecer as saudações e as palavras que dirigiu ao meu grupo parlamentar, e logicamente ao meu partido, relativamente ao Congresso realizado.
Sr. Deputado, não foi por acaso que, neste Congresso, escolhemos invocar aquele que é a nossa figura histórica de referência e que foi um dos grandes protagonistas da primeira Aliança Democrática. Fizemo-lo porque acreditamos sinceramente que, tal como a primeira Aliança Democrática não era um simples projecto de gestão, era um projecto de ruptura do País com um determinado modelo, de ruptura com a imposição do socialismo, também esta maioria de que fazemos parte não é um mero projecto de gestão.
Não estamos aqui para gerir os prejuízos que outros deixaram ao País, estamos aqui para mudar o País, para fazer reformas. Penso que é possível controlar os gastos e fazer reformas, o que eu não sei é como seria possível, descontrolando os gastos, reformar o que quer que fosse.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não estão a reformar nada nem a controlar os gastos!

O Orador: - Essa é a nossa diferença essencial.
Mas quero também dizer-lhe, Sr. Deputado, que, extraordinariamente, com a exaltação própria de quem não tem razão, os comentadores e a oposição passaram meses a fio a dizer: "Não se vão entender, vão zangar-se", "A coligação vai ser uma confusão", "Paulo Portas com José Manuel Durão Barroso? Impossível!". "Grupos parlamentares que discutiam há pouco tempo atrás? Impensável!"
O que aconteceu foi exactamente o contrário. Hoje, a notícia é: "O CDS-PP não é um problema", "O CDS-PP e o PSD dão-se bem", e deve ser aí que está o grande problema!

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Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É a infelicidade do País!

O Orador: - Era isto, basicamente, o que queria dizer-lhe, Sr. Deputado, agradecendo as suas palavras e aproveitando a oportunidade para, com inteira justiça, em meu nome pessoal e em nome do meu grupo parlamentar, dizer que V. Ex.ª, Sr. Deputado, pelas provas de frontalidade e de lealdade que tem dado, é bem o exemplo disso, que apreciamos imenso o trabalho que aqui, no Parlamento, temos feito consigo e que V. Ex.ª é, certamente, um esteio desta maioria e desta coligação.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, os comentadores políticos, esses horrendos arautos do politicamente correcto, cometeram uma injustiça para com o Congresso do CDS-PP. Disseram que era um congresso vazio, disseram, por exemplo, que sendo um congresso que trata da história, esqueceu-se de todos os presidentes que já dirigiram ao CDS-PP,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - É verdade!

O Orador: - … como se Paulo Portas fosse presidente desde os idos de 1975.
O Sr. Deputado recordou-nos, e bem, que tem um partido que lembra a história e por isso passou uma reprimenda ao PSD por ter aprovado uma Constituição marxista-leninista em 1976.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Disseram também que foi um congresso vazio, mas, pelo contrário, foi um congresso cheio de sentido de humor. Para desvalorizar a figura de Manuel Monteiro, quiseram compará-lo com o futebolista Deco, o que é, certamente, uma prova de grande sensibilidade estratégica.
Sr. Deputado, o Congresso tratou de uma questão seríssima: de dizer que o tumor da democracia portuguesa foi a descolonização, o fim do império colonial.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Nada disso!

O Orador: - É claro que o seu presidente acrescentou logo aquela frase sibilina de quem não tem coragem de assumir uma posição política: "Não foi a descolonização, foi a forma como ela foi feita". Não tendo coragem para dizer o que querem, procuram piscar o olho sem assumir a posição política. Mas qual era a forma de fazer a descolonização? Quando as tropas do apartheid sul-africano "cavalgavam" sobre Luanda e com eles, e atrás deles, estavam as tropas do FNLA e da UNITA, qual era a forma de fazer a descolonização? Quando se impunha acabar com o império ultramarino da ditadura, de que outra forma se faria a descolonização senão reconhecendo as resoluções das Nações Unidas sobre o direito à autodeterminação e à independência?
Sr. Deputado, há algo que nos distingue.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ainda bem!

O Orador: - Entre a direita reaccionária de sempre e a esquerda que a ela sempre se opôs, há uma cultura que nos separa. Já em 1871, no século XIX, Antero de Quental lhes dizia que "a causa de decadência deste país começa por ser o império ultramarino". E Eça de Queirós gozava com os senhores, dizendo que "os colonizadores esperam sempre que, a troco de governadores, venham bananas do império colonial".

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - O que para aí vai de disparates!

O Orador: - Não vieram bananas, vieram guerras, veio sangue, veio a opressão. Isso é que é a colonização! E não há duas formas de fazer a descolonização, só há uma: respeitar o direito dos povos colonizados ou agredi-los, atacá-los e metralhá-los. E para isso, Sr. Deputado, foi preciso uma ditadura.
Talvez também nessa matéria o seu partido pudesse pensar a História.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, sublinhando que V. Ex.ª colocou uma ou outra questão pertinente para fazer uma intervenção impertinente…

Risos do CDS-PP.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Isso não lhe compete a si dizer!

O Orador: - … começo por lhe dizer que não há nada mais difícil do que ter de responder a coisas cujo nexo entre aquilo que é dito e a realidade é mínimo ou nem sequer existe.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É zero, não há!

O Orador: - Em primeiro lugar, vamos aos presidentes. Todos os partidos têm os seus presidentes. O CDS-PP tem-nos…

O Sr. António Filipe (PCP): - Qual foi o primeiro presidente do CDS-PP?

O Orador: - … e tem a sua história. Tem todos os seus presidentes, inclusivamente aqueles que hoje são críticos do CDS-PP, que têm uma posição diferente, na sua história e nas suas sedes. Só que o senhor não percebeu que criticar o tal filme que nós apresentámos era uma coisa que a esquerda, e designadamente a extrema-esquerda, devia apreciar. Sabe o que é que aquilo era, Dr. Francisco Louçã? Era verdadeiro cinema de autor, daquele com mensagem,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Resposta inteligente! Mas, eu chamo-lhe censura e não cinema de autor!

O Orador: - … daquele de que os senhores gostam. Os senhores gostam disso, gostam até mais do que eu, e era essa a ideia, era essa a intenção.
Agora, repare, Sr. Deputado: o autor foi o CDS-PP! Os senhores não gostam do filme? Paciência! O que é que quer que eu faça?
A mensagem era simples, era a de que o CDS-PP tem um herói, tem um líder histórico, que foi citado como tal por todos os seus presidente, Freitas do Amaral, Lucas Pires, Adriano Moreira e Manuel Monteiro. Todos se referiram a Amaro da Costa como o herói do partido, e nós fizemos referência ao herói do partido e ao seu momento actual. É esta a mensagem, o que é que quer que eu faça? Da próxima, contratamos o Dr. Fernando Rosas para fazer um documentário histórico?

Risos do CDS-PP e do PSD.

Aí, apareço pintado de fascista e, se calhar, com bigode! Não sei, não faço ideia, mas não dá!

Risos do CDS-PP e do PSD.

Quanto à descolonização, mais uma vez o senhor insiste numa mentira. A verdade é que nós somos, e sempre fomos, a favor da descolonização.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Da descolonização para proteger os colonos!

O Orador: - Na Europa, todos os países e todos os partidos democráticos o são e nós também somos. Portanto, não vá por aí que não vale a pena.
Sr. Deputado, qual é a diferença entre a nossa e a vossa posição? A diferença é que para os senhores estava bem uma descolonização que, pura e simplesmente, entregasse as ex-colónias portuguesas ao domínio soviético…

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

… e para nós só estaria bem uma descolonização em que fossem respeitados os direitos dos portugueses, designadamente daqueles que ainda hoje estão à espera de justiça e que são os ex-expropriados do ultramar, de quem não nos esquecemos. Essa é a diferença!
O senhor fala numa diferença essencial de cultura. Claro, que há uma diferença essencial de cultura: a que existe entre aqueles que, no Palácio de Cristal, estavam cercados em nome da democracia e os senhores que estavam à porta, a fazer o cerco em nome das ditaduras.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, queria que fizesse o favor de me lembrar se foi no princípio desta sessão que as bancadas da maioria fizeram uma saudação laudatória ao governo de Angola, que é do mesmo partido que, pelos vistos, era o partido da dominação soviética em 1974.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sabe muito bem que essa saudação foi feita. Portanto, a sua pergunta é retórica, mas fica registada. E a minha resposta também.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Telmo Correia, gostava também de, cumprindo uma praxe parlamentar, lhe transmitir os cumprimentos da bancada socialista.
Sr. Deputado, o seu discurso síntese foi tão igual ao congresso…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi fiel!

O Orador: - … que, francamente, nos impressionou por três razões.
Em primeiro lugar, com este Congresso, o CDS-PP assume a sua função de partido secundário, de partido de apoio e subsidiário do PSD. E isto é verdadeiramente espantoso, porque a única coisa que saiu do Congresso foi este apelo lancinante do CDS-PP: "não nos deixem ir a votos nos próximos anos, por favor. Tudo menos ir a votos! Nós queremos ir em coligação, escondam-nos debaixo do vosso manto, protejam-nos, não deixem que os eleitores nos julguem e nos meçam. Claro que queremos influenciar as eleições presidenciais e decidir o vosso, o nosso candidato. Mas, por favor, acima de tudo não nos deixem ir a votos. Não queremos, temos medo".
Bom, aparentemente, o PSD ocupou-vos a área da direita democrática e, portanto, deixou-vos com a segunda característica do seu discurso, ou seja, slogans completamente vazios. O que é que quer dizer "o partido do politicamente incorrecto", Sr. Deputado Telmo Correia? O que é que quer dizer "o partido que é tranquilo", "o partido eurocalmo"? É o partido dos Mantra calmantes?
Bem, é o partido que ideologicamente está obrigado, devido à competição do seu parceiro, a refugiar-se em arcaísmos de carácter retrógrado, em xenofobia absolutamente escandalosa, em colonialismo serôdio, regressivo, que francamente cheira a bafio e não impressiona ninguém na sociedade portuguesa. É esse o vosso campo, aparentemente.
Terceiro aspecto: a indiferença total em relação à realidade.
No vosso Congresso, depois de um Verão calamitoso, de destruição, de sofrimento e de incompetência, não houve realidade, não houve alusão a isso.
Entretanto, deixaram cair as vossas bandeiras. O Dr. Portas já não fala da lavoura (bem se percebe porquê, afunda-a!), não fala das pescas (bem se percebe porquê e, no dia de hoje, muito bem, porque elas se afundam também!), não fala sequer dos pensionistas (quais pensionistas? Estão esquecidos!) e fala dos ex-combatentes apenas para dizer que virá uma esmola um dia, não sabemos quando nem sabemos como.
Sr. Deputado Telmo Correia, não fuja! Diga-nos o que pensa sobre a construção europeia, diga-nos o que pensa sobre a moeda europeia, sobre a política de defesa europeia. Essas são as questões a que o CDS-PP devia responder e não responde.
Por último, Sr. Deputado Telmo Correia, quatro "nãos": primeiro, não conta connosco, de certeza, para lançar poeira sobre a vossa crise ideológica, abrindo uma querela constitucional (não entraremos nela de certeza!); segundo, não conta connosco para ocultar a vossa fuga à realidade; terceiro, não conta connosco para ferir a separação de poderes e criticar decisões judiciais de qualquer natureza (não o faremos!);…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, o seu tempo terminou, tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Concluo, Sr. Presidente.
E, por último, não conta connosco para ocultar a brutal fuga às responsabilidades do PSD e do CDS-PP e amanhã, na interpelação do PS, verá até que ponto somos capazes de demonstrar os erros da vossa política governativa. É essa a nossa função, é isso que faremos!

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, não sei que lhe diga, porque não foi muito substancial a sua crítica.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não? Responda às minhas questões!

O Orador: - De resto, chamo a atenção para o facto de haver uma contradição óbvia a que o Sr. Deputado não escapa. Por muitas palavras que vá dizendo, não escapa à contradição óbvia daquilo que o PS pensa do CDS-PP, do seu Congresso e do que é hoje o CDS-PP.
Repare só, Sr. Deputado José Magalhães, se me quiser ouvir só um bocadinho, coisa que eu sei que, no seu caso, é particularmente difícil, …

Risos do CDS-PP e do PSD.

… na contradição fundamental que existe entre aquilo que o Sr. Deputado acaba de dizer, aqui e agora, e aquilo que foi dito pelo secretário-geral do seu partido no discurso de início dos trabalhos do ano político.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Disse o Sr. Dr. Ferro Rodrigues: "Cuidado, há aí o fantasma da direita, perigosa, radical, a tomar conta do Governo. Cuidado que o CDS-PP manda em tudo; o PSD vai a reboque do CDS-PP". Este é o discurso Ferro Rodrigues, do PS. O discurso José Magalhães, do PS é: "O CDS-PP não manda nada; o CDS-PP não existe; o CDS-PP vai a reboque do PSD; o CDS-PP é a muleta do PSD". Entendam-se!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - São as duas coisas!

O Orador: - Não é possível ser as duas coisas ao mesmo tempo, ainda que elas tenham uma ideia comum. É a trigésima milionésima tentativa tosca que fazem para causar divisões na maioria, e não vão lá, porque o nosso critério é o interesse nacional.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado diz: "Não querem ir a votos, têm muito medo de ir a votos". Sr. Deputado, há uma única crítica que não pode ser fazer ao meu partido e que é muito injusta. Lembra-se das circunstâncias em que o meu partido foi a votos nas eleições europeias? Lembra-se de como o meu partido, e o seu líder, se "atravessou" nas eleições autárquicas? Sabe que nós disputámos as últimas eleições legislativas com o Dr. Carlos Carvalhas (com o qual não havia problema), com o Dr. Ferro Rodrigues (menos mal!) e também com o Dr. Durão Barroso, que era um candidato fortíssimo, tanto que hoje é Primeiro-Ministro?

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas isso foi no passado!

O Orador: - Nunca tivemos medo de ir a votos. Chegámos de direito próprio e subimos a pulso!

O Sr. José Magalhães (PS): - Têm medo do futuro!

O Orador: - A questão não é essa. Hoje, como no passado, não temos medo de ir a votos. Mas o que os senhores queriam era ver os dois partidos da maioria divididos, cada um por seu lado, irem a votos.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Exactamente!

O Orador: - Sabia-lhes deliciosamente, mas não vão ter essa sorte, porque estamos a reformar o País juntos, o nosso critério é o interesse nacional e a nossa prioridade é irmos juntos às próximas eleições.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Por último, pergunta-me o que é que é ser politicamente incorrecto. Eu digo-lhe, Sr. Deputado: ser politicamente incorrecto é ter a coragem de defender a política do Governo - sublinho, do Governo - sobre imigração.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Não! A xenofobia!

O Orador: - Os senhores vão pelo falso humanismo e dizem que imigração e emprego não têm nada a ver. Mas esse falso humanismo de que os senhores falam e que praticam é o mesmo humanismo que esquece que todos os dias, aqui em Lisboa, à volta de caixotes do lixo, em bancos de jardim, estão imigrantes que não têm emprego e que são completamente esquecidos.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Estão portugueses também!

O Orador: - Essa é a verdade e esse é o falso humanismo!
Há um aumento de 100% de pessoas que procuraram o "El Dorado" em Portugal e que, neste momento, não têm emprego.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Politicamente incorrecto é ter a coragem de dizer que somos sempre pelo direito à vida, por muitos referendos que queiram fazer.
Quanto ao resto, o Sr. Deputado terá ocasião, amanhã, de ouvir as posições do CDS-PP sobre questões europeias. No entanto, fica a saber que a nossa posição é esta, é firme, por muito que desagrade ao Partido Socialista,…

O Sr. José Magalhães (PS): - E é eurocalma!

O Orador: - … é de coesão, é da maioria, porque é isso que serve Portugal e é isso que serve o interesse dos portugueses!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração política, em nome do seu grupo parlamentar, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos nas vésperas da abertura da Conferência Intergovernamental da União Europeia, a ter lugar em Roma, processo de grande envergadura e que condicionará, seguramente, o futuro da Europa e o futuro do nosso país. Não é, pois, um assunto menor, e entende o Bloco de Esquerda que esta Casa, este Parlamento, deveria concentrar atenções no debate deste processo.
Note-se que, a 18 de Julho, o Sr. Giscard d'Estaing, quando entregou à presidência da União o projecto de tratado que institui uma constituição na União Europeia, disse que desejaria que o texto ficasse intacto no debate da Conferência Intergovernamental - repito, o texto intacto! - e que deveria estar pronto a tempo e horas das eleições europeias de Junho de 2004, funcionando esse sufrágio como um processo de ratificação popular do tratado que institui uma constituição europeia.
Não se poderia conhecer manifestação mais profunda de cesarismo. É uma espécie de Júlio César dos tempos modernos, tratando de um novo sacro-império.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados, desde logo, a Alemanha, a França, a Itália e também os países do Benelux se associaram a esta ideia de que o texto apresentado pela Convenção para o futuro da Europa é um texto que deve, no essencial, permanecer intacto. Verifica-se, porém, que um conjunto de estados mais pequenos, liderados pela Finlândia, pela Áustria e por outros, entendem que não estão de acordo particularmente com vários dos aspectos da reforma institucional. E, neste contexto, pergunta-se: o que faz o Governo português?
O Governo português, sabemo-lo nós, aqui, antes e durante os trabalhos da Convenção, teve "entradas de leão" - contestou a presidência permanente, contestou a diminuição do número de comissários, contestou outros aspectos da reforma das instituições - mas acabou, no essencial, por aí e teve "saídas de sendeiro".

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - E aquilo que o Primeiro-Ministro aqui nos disse, e que foi secundado pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, em Comissão, foi que o texto presente do Sr. Giscard d'Estaing é uma boa base de trabalho.
Aliás, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros adiantou até mais, dizendo que conviria que não se fizessem muitas

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propostas de alteração e que um excessivo espírito de modificações no texto que foi apresentado poderia, eventualmente, perturbar ou prejudicar os supostos interesses nacionais. Disse-nos também, ainda mais recentemente, que Portugal tenderia a discutir 5% do texto, o que, convenhamos, é de um esclarecimento extraordinário para os portugueses, não se sabendo quais são os 95% que serão aceitáveis e os tais 5% que não o serão.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Verifica-se que o Governo português, por estes dias, nem sequer se associou, como tinha feito outrora, ao movimento dos pequenos estados, contestando um conjunto de reformas das instituições.
Pergunta-se, hoje - e a pergunta é factível, é actual e é urgente -, Srs. Deputados do PSD, Srs. Deputados do CDS-PP, Srs. Deputados da maioria, qual é a posição negocial do Governo português na Conferencia Intergovernamental. Hoje, não se sabe. Não sabe este Parlamento, não sabe o País, e isso é, obviamente, um défice enorme, é uma fuga às responsabilidades políticas.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Não é possível, não é aceitável e não é tolerável que, nas vésperas da Conferencia Intergovernamental, não possamos saber qual é exactamente a estratégia negocial do Governo português, quais são os pontos fortes que deveria levar para essa negociação.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Falamos do tratado que foi presente pela Convenção para o futuro da Europa contestando bastante do seu conteúdo, desde logo, a desvalorização do princípio da igualdade dos estados, porque se o que se pretende é uma constituição ela teria de assentar em algum tipo de projecto federalista, que é que o que não existe neste projecto e que, de todo, se esvaneceu.
Falamos do reforço do intergovernamentalismo, expressando de jure o directório que, na prática e de facto, vai existindo; falamos de uma leitura liberal dos direitos dos cidadãos e das cidadãs; falamos de retrocesso nos direitos sociais em relação à média das constituições dos Quinze e mesmo, até, dos Vinte e Cinco; falamos de golpe nos serviços públicos, num retrocesso na concepção de serviços públicos; falamos no avanço da militarização, da componente militar, desta vez expressamente subordinada à NATO; falamos da blindagem do Pacto de Estabilidade e Crescimento; falamos da blindagem do estatuto do Banco Central Europeu; falamos de regras financeiras da União que continuam a manter um orçamento não redistributivo; falamos de regras financeiras da União que continuam a proibir expressamente a emissão de dívida pública e um outro tipo de gestão financeira na União Europeia.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - O que é que discutimos aqui? Discutimos, obviamente, uma constituição! Não vale a pena discutir "o sexo dos anjos". Sabemos que há uma duplicidade jurídica, mas não vale a pena pormo-nos atrás do reposteiro de um tratado para dizer que é um tratado de natureza constitucional quando, na prática e politicamente, o que está a suceder é, de facto, a outorga de uma carta constitucional à Europa, feita pelos eurocratas, que não obedece a um processo constituinte e democrático, onde, definidas as competências e um catálogo adequado entre os estados para aquilo que aos estados compete, aquilo que fosse comunitário deveria observar um processo constituinte.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Sugerimos, em devido tempo, que as eleições para o Parlamento Europeu de Junho de 2004 pudessem ter, nessa medida e em determinadas condições, poderes constituintes, que não têm.
Mas é inútil tentar discutir se se trata de uma constituição ou não, atente-se aos seus conteúdos e atente-se ao processo que está em curso.
Não poderemos dizer que a realidade é que se engana. A verdade é que temos de assumir responsabilidades sobre um processo de constituição que está a ser imposta aos povos da União Europeia.
Reclamámos aqui um referendo e o Primeiro-Ministro, em Junho, defendeu-o. O que é que hoje podemos observar sobre este processo, com o devido rigor? Observamos que, desde então, o Primeiro-Ministro aos assuntos disse nada; observamos que no CDS-PP se vem dizer, pela voz autorizada do Dr. Telmo Correia, que se houver mudanças substanciais terá de haver um referendo; verificamos que o porta-voz do PSD vem, mais ou menos, corroborar essa declaração, no sentido de que se existirem alterações substanciais terá de haver um referendo.
E, aqui, temos de perguntar: mas não há alterações substanciais?! Não se trata de uma constituição?! Não se trata de uma alteração profundíssima daquilo que é o conjunto dos tratados da União Europeia?!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

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O Orador: - Será que pode haver alteração mais profunda sem um referendo?!
Quase que diria que poderíamos pedir ao Dr. Santana Lopes que fizesse um daqueles cartazes em que se tem ultimamente especializado para colocar à porta da sede do CDS-PP e da sede do PSD, que diria, mais ou menos, o seguinte: "Já repararam como mudou o pavimento do Tratado da União Europeia?"

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Porque parece que não repararam ou não querem reparar! E daqui, com o devido respeito, uma de duas: ou a miopia política é grande ou, então, a aldrabice é apurada. E esse é um desafio que não podemos, de modo algum, enjeitar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Terminando, Sr. Presidente, diria que não podem bater em retirada em relação à questão do referendo e o referendo, para ser constitucional, para ser adequado no tempo democrático, tem de ser feito antes da assinatura do Governo português na Conferência Intergovernamental.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Um referendo a posteriori, já hoje posto em causa, será um plebiscito e será um facto consumado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, embora o tempo destinado ao período de antes da ordem do dia já esteja esgotado, obtive a vénia da Câmara para dar a palavra à Sr.ª Deputada Isilda Pegado, porque ela me comunicou que desejava fazer uma referência à "Marcha Branca" em defesa dos direitos das crianças, que ocorreu no fim-de-semana passado, assunto sobre o qual a Câmara tem posições claras.
Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Isilda Pegado. Peço que seja breve na sua intervenção.

A Sr.ª Isilda Pegado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: "O melhor do mundo são as crianças", disse Pessoa.
No passado sábado, por várias cidades da Europa, entre elas Lisboa, Porto, Braga e Portimão, aconteceu a denominada "Marcha Branca".
Tivemos o gosto de participar em Lisboa neste desfile silencioso, onde também estiveram presentes colegas da nossa e de outras bancadas parlamentares, presença parlamentar que se verificou também nas restantes cidades do País que organizaram esta Marcha.
A espontaneidade, a adesão popular, a força de um direito e a protecção do "melhor do mundo" cobriram de branco a Avenida da Liberdade e o Parque Eduardo VII, em Lisboa.
Esta Assembleia tem falado a uma só voz na condenação dos crimes que atentam contra os mais elementares direitos da criança: a violência, o tráfico, o rapto e o abuso sexual das crianças. Por isso, importa que nada seja deixado no esquecimento ou na vã engrenagem de procedimentos administrativos.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Curioso é o lema da "Marcha Branca", pelo direito à inocência das crianças, que traduz um conceito abrangente.
O direito à inocência da criança é mais do que o direito à paternidade ou à maternidade, à integridade física ou moral, à educação, à saúde e tantos outros direitos. O direito à inocência da criança é a soma de todos estes direitos e, ainda, o direito a ver respeitada uma natureza, uma condição, um ritmo de crescimento que não é padronizável. O direito a um ser cuja especificidade é única e irrepetível, código indecifrável, semente de esperança que a seu tempo dará fruto.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O direito à inocência da criança não se confunde com um qualquer moralismo. É, antes, uma exigência de liberdade. Só com inocência a criança é verdadeiramente livre e mais tarde poderá ser um homem livre.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - E porque o futuro é hoje, importa que a política, os políticos, sejam capazes de acompanhar esta exigência de reforma que o tecido social impõe e o homem, movido pelo desejo de felicidade, espera de nós.
Há que distinguir papéis. Ao Estado o que é do Estado e à sociedade, aos corpos sociais intermédios, o que é da sociedade.

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Sr.as e Srs. Deputados, na presente legislatura, o Estado alterou a lei tutelar de menores e o Código Civil, criou uma nova lei de adopção. Propomo-nos alterar o Código Penal no que tange aos crimes de abuso sexual e maus-tratos a menores e ratificamos tratados internacionais para protecção dos direitos da criança. A legislação vale não só pela aplicação stricto sensu mas ainda porque constitui veículo formador de comportamentos sociais que importa alterar urgentemente. A falta de consciência da ilicitude é um dado presente e preocupante.
O Estado, que não descuida mas promove instituições de dele dependem, atenta a sua natureza - a protecção de menores -, nomeia Dulce Rocha para presidir à Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, pessoa que congrega já forte adesão à sua volta.
Temos agido em prol da dignidade da criança e iremos continuar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O Estado, com poder judicial independente, capaz de aplicar as leis e de as fazer cumprir, com tribunais que sabemos não serem infalíveis, o que não obsta à confiança que neles depositamos, onde cada um dos agentes da justiça cumpre o seu papel, com a garantia de dupla e até de tripla jurisdição para defesa de arguidos e vítimas no processo penal. Mas o Estado não resolve tudo. Nem pode!
Falo da sociedade, de estruturas comunitárias, de corpos sociais intermédios cujo papel na formação de crianças e jovens é insubstituível. O homem está antes e depois do Estado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Falo da família, onde naturalmente nasce e cresce a criança e o jovem. É, por isso, o meio mais idóneo para o desenvolvimento de uma personalidade, seja esta família natural ou adoptiva.
Falo da comunidade local, espelhada nas associações juvenis, nos grupos recreativos, desportivos e culturais.
Falo das juventudes partidárias.
Falo dos centros de acolhimento de menores, esses lugares onde a vida cresce.
Falo da comunicação social e do papel que tem no desenvolvimento de uma mentalidade, de um comportamento social. Lembro todos os debates que se têm feito nesta Câmara acerca desta matéria.
Falo da Igreja, católica ou não, e do papel social histórico que tem na formação pessoal de milhares de crianças e jovens, em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Falo das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, espalhadas por todo o País. O actual Governo instalou já algumas dezenas nos muitos concelhos que, durante anos, as aguardaram e que, finalmente, têm uma comissão composta de representantes locais da segurança social, das forças policiais, das escolas e das autarquias, comissões a quem cabe aqui uma palavra de estímulo e felicitação. Por isso, dirijo-me a algumas das instaladas nos últimos meses, em Coruche, Lagoa, Idanha-a-Nova, Loulé, Batalha, Trofa, Sobral de Monte Agraço, Alenquer, e muitas outras. O nosso bem-haja.
Falo, por fim, da escola, da comunidade educativa e do inigualável papel que tem na formação das nossas crianças. Desde logo, pela transmissão de conteúdos, de todos os conteúdos, com realismo e verdade, sem ideologia, em que o professor possa ser o educador e não o "debitador" de matérias, onde haja espaço para respeitar o ritmo de crescimento normal das nossas crianças e jovens.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Todos os comportamentos humanos merecem o nosso respeito. Porém, estes serão tão mais dignos e aptos a formar uma juventude saudável quanto se enraízem em valores de dignificação do ser humano e da sua natureza.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é uma tarefa de todos nós, dos políticos e da sociedade, do Governo e todas as bancadas deste Parlamento.
Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar! Temos todos o dever de proteger, defender, zelar pelo direito à inocência das nossas crianças. Acreditem: o melhor do mundo são mesmo as crianças.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isilda Pegado, eu própria também respondi ao apelo e

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estive presente na "Marcha Branca", e com a minha neta.
Devo dizer-lhe que estive presente por mim própria, com a minha consciência de mulher, de mãe e de cidadã, juntando a minha voz à de milhares de outras, incluindo a sua própria, manifestando o meu protesto contra os abusos de que são vítimas crianças indefesas e jovens, algumas vezes em instituições a cargo do Estado, outras vezes nas próprias famílias.
Sr.ª Deputada, não consigo imaginar dor mais profunda para uma criança do que esta.
Por outro lado, também estive presente na Marcha porque queria mostrar à minha neta que há muitas pessoas dispostas a prevenir e a lutar contra tais abusos, apoiando as crianças e os jovens para que o seu futuro não perigue e não seja igual ao seu passado.
Queria ainda dizer à minha neta que acredito na sociedade do futuro, que é solidária, não exclui, não discrimina, não viola direitos humanos de ninguém, a sociedade que a Sr.ª Deputada quer, que eu própria quero, que todos queremos e que aquelas pessoas vestidas de branco, empunhando um balão branco, certamente também querem. Por isso, estavam lá.
A sociedade do futuro é uma sociedade que oferece igualdade de oportunidades e na qual, como a Sr.ª Deputada disse, a criança tem direito à inocência.
No entanto, a partir de certa altura e contra a vontade dos organizadores - e fui testemunha disso -, os objectivos da Marcha foram subvertidos, quando deixou de ser uma marcha silenciosa, quando alguns manifestantes, e não só, foram insultados. Confesso, Sr.ª Deputada, que, então, senti-me defraudada e saí, em silêncio, da pouco silenciosa "Marcha Branca".
Gostaria de ouvir a sua opinião, Sr.ª Deputada.

Vozes do PS e do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isilda Pegado.

A Sr.ª Isilda Pegado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Celeste Correia, de facto, fomos companheiras na "Marcha", tal como outros Deputados, quer da sua bancada quer da minha, que nela participaram noutras cidades, como disse há pouco, nomadamente no Porto.
O que me impressionou nesta "Marcha" foi a espontaneidade popular que se verificou. Penso ser importante que um político tenha consciência de que o trabalho que faz é acompanhado pela necessidade social. Isto é, as pessoas precisam que alteremos leis, que sejamos reformistas nesta matéria, que dêmos condições à sociedade para funcionar, que dêmos condições às instituições que referi de modo a que prestem o seu serviço e que zelem para que a nossa juventude cresça de forma saudável. Diria que esta é uma preocupação transpartidária, e isso ficou claro.
Houve, pois, espontaneidade nesta "Marcha". Se alguma coisa correu menos bem, não posso referi-la porque, como sabe, fui convidada pela organização. Impressionou-me, no entanto, que esta organização não tenha conseguido ter mão sobre as pessoas. De facto, a "Marcha" tinha a ver com o silêncio de anos, daí que tenha sido um pouco difícil manter o silêncio, por contraposição à possibilidade de, agora, falar. Não entro em mais pormenores, dado que, de facto, não me parece ter sido esse o objectivo da "Marcha".
Pelo contrário, foi atingido o objectivo de a "Marcha" ser um estímulo para que muitos dos que estavam presentes e trabalham com situações patológicas da vida nacional possam levar por diante o seu trabalho. Eis, pois, a razão da nossa intervenção, bem como a de que a mesma contribua para que possamos levar por diante o trabalho parlamentar que estamos a fazer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta da entrada na Mesa de uma iniciativa legislativa e de um parecer da Comissão de Ética a cuja votação teremos de proceder.

A Sr.ª Secretária (Isabel Gonçalves): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 354 /IX - Regula os termos em que se processa a alienação do património imobiliário do Estado (PS), que baixou à 5.ª Comissão.
Entretanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Comissão de Ética emitiu parecer no sentido de admitir a substituição do Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho (PSD), que suspende o mandato por período não superior a 10 meses e não inferior a 50 dias, por José Manuel Alves, com início em 1 de Outubro corrente, inclusive.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Como não há inscrições, vamos votar.

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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e do BE e votos contra do PS.

Srs. Deputados, passamos à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 73/IX - Estabelece o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e do projecto de lei n.º 351/IX - Institui o programa nacional de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e à criminalização da economia (PCP).
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (Miguel Macedo): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta hoje a proposta de lei n.° 73/IX, que estabelece o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita.
É sabido que o branqueamento de capitais, por ser um processo que serve para ocultar a origem ilícita de determinados bens tendo em vista a sua introdução no mercado lícito, é um crime que esconde outros crimes.
O que se pretende com o crime de branqueamento é limpar a impressão digital do criminoso. Daí a reconhecida dificuldade no combate a este tipo específico de crime que não conhece fronteiras, aproveita todas as potencialidades tecnológicas das sociedades de hoje e está apto a explorar a sofisticada complexidade dos circuitos financeiros internacionais.
Recorde-se que a atenção do Direito Penal para este tipo de actividade criminosa foi inicialmente motivada porque o branqueamento surgiu, geralmente, associado ao tráfico de estupefacientes, crime que movimenta somas astronómicas e cujas consequências para as sociedades são especialmente gravosas.
O dinheiro assim movimentado pelas organizações criminosas internacionais - que se dedicam não apenas ao tráfico de droga, mas igualmente ao tráfico de armas, seres humanos, órgãos e tecidos humanos, bem como ao crime de lenocínio, entre outros - é de tal modo elevado que, segundo o Banco Mundial, representa o oitavo PIB do mundo.
São organismos internacionais a reconhecer que há, hoje, uma economia paralela de dimensão mundial, alimentada por receitas de proveniência ilícita, que se forma no escuro e se tenta reciclar em actividades lícitas.
A sofisticação que assumiu o branqueamento, associado à internacionalização dos processos, transformou-o num fenómeno cada vez mais complexo e capaz de ludibriar, não apenas as instâncias de controlo, mas igualmente profissionais especializados em áreas diversas e, em regra, sujeitos ao dever de segredo profissional.
A dificuldade de combater o branqueamento de capitais é ainda potenciada pela extrema mobilidade deste fenómeno, o que, tudo somado, cada vez mais impõe que a sua prevenção e repressão tenham uma dimensão cada vez mais universal.
E, de facto, diversas organizações internacionais de que Portugal é membro têm vindo a desenvolver esforços no sentido de, tendencialmente, generalizar e uniformizar as medidas de combate, avançando no sentido do estabelecimento de patamares mínimos no que respeita à tipificação das condutas e, simultaneamente, do reforço da cooperação judiciária internacional relativamente à investigação criminal.
Destacam-se a este propósito, pela sua importância, a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, adoptada pela Organização das Nações Unidas, em 1988, que constituiu o primeiro marco em sede de inclusão desta matéria num convénio internacional, e a Convenção relativa ao branqueamento, detecção, apreensão e perda dos produtos do crime, aprovada, em 1990, pelo Conselho da Europa.
No âmbito da União Europeia, salientam-se, ainda, a Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001, e a Directiva, de 4 de Dezembro de 2001, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais.
Por fim, refiram-se ainda a Decisão do Conselho da União Europeia que criou a Eurojust, cujas regras de execução foram estabelecidas pela Lei n.° 36/2003, de 22 de Agosto, e a Decisão-Quadro relativa às equipas de investigação conjuntas, à qual foi dado cumprimento pela Lei n.° 48/2003, de 22 de Agosto.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo hoje aqui apresenta visa, precisamente, concluir a transposição da Directiva 2001/97/CE, de 4 de Dezembro de 2001, e executar a Decisão-Quadro do Conselho da União Europeia, de 26 de Junho de 2001.
Procede-se, nesta proposta de lei, à codificação da legislação actualmente dispersa, clarificando deveres, simplificando procedimentos e identificando de forma inequívoca os destinatários das normas.
Assim, prevê-se a inclusão do branqueamento como tipo legal autónomo no Código Penal, configurando-o como um crime contra a administração da justiça, já que uma das principais características do branqueamento é que, para além de ser um crime em si mesmo, é também uma forma de dificultar a investigação criminal do ilícito subjacente.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Estende-se o conceito de "crime subjacente" aos factos ilícitos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses, alargando-se o conceito aos crimes de extorsão, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes e tráfico de influências.
Cria-se um tipo qualificado de branqueamento que pune de forma mais severa o agente que faz do branqueamento modo de vida.
E, finalmente, definem-se os deveres a que estão sujeitas as entidades financeiras e não financeiras, ampliando-se o âmbito subjectivo das entidades sujeitas a tais deveres, porque se impõe reforçar as regras de colaboração com a justiça em matérias de tão grave criminalidade.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A luta contra o crime organizado transnacional tem de ser uma prioridade real. E o branqueamento de capitais, sobretudo pela sua íntima ligação a outros crimes de grande gravidade, como o tráfico de droga e de seres humanos, deve ser eficaz e reforçadamente combatido.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A este propósito, importa sublinhar que, no combate a este tipo de crimes, a troca de informações é um instrumento essencial, razão pela qual, recordo, foi criada, por este Governo, a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, com a missão de recolher, centralizar, tratar e difundir, a nível nacional, a informação respeitante à investigação do crime de branqueamento de capitais. Foram ainda desbloqueadas vagas para peritos contabilístico-financeiros na Policia Judiciária, reforçando, por esta via, meios essenciais para a eficácia da acção repressiva sobre este tipo de criminalidade.
Desde o início do nosso mandato que declarámos o combate ao crime económico e financeiro como um objectivo politico prioritário. Definimos as linhas politicas fundamentais de acção neste domínio e declarámos o nosso empenhamento na sua concretização. Declarámos e temos cumprido.
Todas estas medidas são peças coerentes de uma política concertada de luta contra o crime, em particular o crime económico e financeiro.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A apresentação da presente proposta de lei corresponde também, por tudo isto, a reafirmar o nosso empenhamento nesse compromisso político, que sabemos ser partilhado por esta Assembleia. Estando em jogo os alicerces do Estado de Direito democrático e as liberdades dos cidadãos, é relevante centrar esforços, todos os esforços, neste crucial combate.
Os cidadãos não compreenderiam, a este propósito, querelas menores que, excessivamente centradas no acessório, tivessem como infeliz consequência aparentar hesitações e divisões no combate efectivo a este tipo de criminalidade.
É com melhores leis, com certeza, mas com mais meios e inabalável determinação política que a criminalidade, este tipo de criminalidade, se ataca. Sobretudo a grande criminalidade económica, transnacional, altamente especializada e muito rentável.
É esse o nosso dever. É por isso que aqui estamos. É esse o caminho que estamos a prosseguir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei n.º 351/IX, do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, como também desejo pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Justiça, não sei se o momento adequado será agora ou posteriormente. V. Ex.ª di-lo-á.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, segundo o precedente estabelecido na semana passada, tendo lugar a discussão conjunta de vários diplomas, começaríamos pela apresentação dos mesmos por parte dos autores das iniciativas e só depois teriam lugar os pedidos de esclarecimento.
Assim sendo, Sr. Deputado, dar-lhe-ei a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado após a apresentação do projecto de lei do seu partido.

O Sr. António Filipe (PCP): - Assim sendo, Sr. Presidente, passo a apresentar o projecto de lei do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com este projecto de lei do PCP, reapresentamos uma iniciativa legislativa que já trouxemos a esta Câmara na anterior sessão legislativa e que parte da convicção de que, em matéria de combate ao branqueamento de capitais, se justifica, em termos legislativos, dar um passo que não se limite à mera transposição de directivas comunitárias.
Nós sabemos que isso é importante. Sempre considerámos que o aperfeiçoamento permanente da legislação de prevenção do branqueamento de capitais, particularmente da prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais, e a imposição de deveres legais a um conjunto de entidades, que, pela actividade que desenvolvem, estão em condições de colaborar na detecção e na prevenção de operações de branqueamento de capitais, assume uma grande importância.
Daí que, do nosso ponto de vista, importe que a legislação portuguesa vá acompanhando a reflexão que, na comunidade internacional, a vários níveis, se vai fazendo e que esteja sempre na dianteira relativamente à adopção de mecanismos legais que possam contribuir para um combate mais eficaz a este fenómeno da criminalidade organizada.
Portanto, consideramos que é importante a transposição das directivas comunitárias. Mas até dizemos mais: dado que já está em discussão uma terceira directiva comunitária, seria importante que nós, em vez de nos limitarmos a transpor, a posteriori, aquilo que vai sendo adoptado a nível comunitário, pudéssemos também tomar a dianteira e,

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porventura, antecipar soluções que a União Europeia ainda não adoptou mas que já tem em fase adiantada de discussão.
Em todo o caso, relativamente a essa matéria, consideramos importante o aperfeiçoamento da legislação. Mas achamos que não é suficiente aperfeiçoar essa legislação. É que, já hoje, dizemos que o problema não é, sobretudo, o da falta de legislação aplicável à prevenção do branqueamento de capitais, mas o da eficácia real do combate ao branqueamento de capitais, das condições operacionais para que esse combate se faça.
Então, se o problema não é de legislação, temos de discutir onde é que está o problema. E aí, parece-nos que, a par da transposição das directivas, valia a pena adoptar soluções mais avançadas, que até nem são inventadas por nós, pois há países onde isso já se tentou (designadamente em Itália, há uma experiência muito próxima daquela que propusemos). A ideia é criar-se uma instância de coordenação prática das várias entidades que têm responsabilidades em matéria de combate ao branqueamento de capitais.
Fizemos uma reflexão sobre esta matéria, nesta Assembleia, na VII Legislatura, altura em que existiu uma comissão parlamentar eventual especializada no combate à droga, que procedeu à audição de várias entidades sobre o problema do branqueamento de capitais. Essas entidades tinham, todas elas, responsabilidades próprias, atribuídas no âmbito da legislação, já nessa altura vigente, de prevenção do branqueamento de capitais. Ora, aquilo que verificámos é que não só não havia qualquer espécie de coordenação entre essas entidades, como, mais, os respectivos responsáveis máximos, em alguns casos, nem sequer se conheciam. Esta pareceu-nos uma situação inacreditável. Como é que entidades como a Inspecção-Geral das Actividades Económicas, a Direcção-Geral das Alfândegas, a Inspecção-Geral de Jogos e várias outras entidades, cada uma delas com uma função concreta em matéria de prevenção do branqueamento de capitais, não tinham a mínima coordenação nessa função?! É que faltava, e falta, uma instância que permitisse coordenar os vários esforços a encetar nessa matéria.
Daí parecer-nos que a criação dessa entidade tem uma importância muito grande. Creio que seria um bom passo que esta Assembleia pudesse discutir a criação de uma estrutura que, segundo a nossa proposta, seria presidida por um juiz indicado pelo Conselho Superior da Magistratura, mas que, depois, pudesse contar com a participação de representantes das entidades competentes para a acção penal - a Procuradoria-Geral da República, como é evidente - e, para além disso, das várias entidades que, no âmbito da Administração Pública, têm funções concretamente atribuídas no domínio da prevenção e do combate ao branqueamento de capitais.
Portanto, parece-nos que era essencial dar um passo em frente, tentar novas soluções, soluções mais agressivas, no combate ao branqueamento de capitais, que possam contribuir para alterar a situação em que temos vivido, que é a de termos legislação, considerarmos que essa legislação é aprovada com um grande consenso, mas chegarmos depois à conclusão de que, apesar disso, os resultados obtidos são diminutos.
Assim sendo, o problema não é apenas o da grande complexidade do combate ao branqueamento de capitais, porque essa complexidade sabemos que existe, mas também o de não terem sido tentadas soluções que possam fazer frente decididamente a essa dificuldade.
E para além de haver uma enorme permissividade em relação às operações financeiras, que evidentemente servem de suporte ao branqueamento de capitais, não têm sido adoptadas as medidas mais eficazes para que esse combate seja feito como deveria.
Esta é a nossa contribuição. Naturalmente, estamos abertos a que haja uma discussão sobre ela e, eventualmente, que outros grupos parlamentares, ou até o Governo, possam ter soluções melhores a contrapropor. Agora, o que nos parece lamentável é que a maioria faça o mesmo que fez na última sessão legislativa, ou seja, nada proponha em alternativa e se limite a chumbar o projecto de lei apresentado pelo PCP.
Parece-nos que se deveria dar um passo em frente. Pela nossa parte, damos a nossa contribuição e achamos que a Assembleia da República bem faria se discutisse connosco uma solução que pudesse revelar-se mais eficaz para combater o branqueamento de capitais do que a mera transposição de directivas comunitárias de prevenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Justiça, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, estamos em presença de uma proposta de lei muito branda no que diz respeito ao combate ao branqueamento de capitais. Aliás, se atentarmos no próprio relatório da 1.ª Comissão, elaborado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas, temos dados muito elucidativos. Desde logo, as verbas correspondentes ao branqueamento de capitais podem ascender a 2 biliões de euros, valor equivalente - veja-se bem a dimensão deste crime! - ao PIB da Alemanha e 15 vezes superior ao PIB português.
Mas se continuarmos a ver o que tem sido feito em Portugal a esse respeito, ficamos certamente muito desiludidos. Basta ver que as investigações de branqueamento de capitais ascenderam, em 2001, a 27, em 2002, a 32 e, em 2003, não há dados sobre investigações. Pior ainda se formos ver as pessoas condenadas por branqueamento de capitais: zero, em 2001; três, em 2002, e quatro, em 2003. É esta a situação.
No entanto, o Governo apresenta uma proposta que, apesar de alargar tipos criminais, fazer uma tipologia dos crimes de branqueamento de capitais e pretender facilitar a produção de prova e investigação, ainda é menos impositiva e menos abrangente do que um anterior projecto de lei, do PS, que se limitava a transpor uma directiva comunitária.

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Sabemos perfeitamente que, na origem do branqueamento de capitais, cada vez mais internacionalizado e obviamente facilitado pela circulação de capitais e pela desregulação dos mercados internacionais, estão dois fenómenos indissociáveis: o crime e a fraude fiscal. Ora, nestes dois aspectos, a proposta que o Governo nos apresenta é particularmente branda, particularmente soft, se me é permitido dizê-lo. Por isso, coloco as duas questões sacramentais (e teremos de colocar estas questões, quantas vezes o Governo aqui surgir com propostas deste tipo, de uma enorme timidez, de uma enorme tibieza): para quando o fim dos paraísos fiscais? Primeira questão. Para quando o fim do sigilo bancário? Segunda questão.
E, por favor, não digam que se trata de uma obsessão do Bloco de Esquerda, porque, Sr. Secretário de Estado, quem propõe precisamente estas duas medidas, como medidas cruciais para o combate ao branqueamento de capitais, como medidas indispensáveis, como medidas sem as quais tudo o resto não passa de boas intenções, é, nem mais nem menos, a OCDE, da qual fazemos parte.
Por isso, exige-se mais, exige-se coragem ao Governo.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado da Justiça, há mais dois oradores inscritos para pedir esclarecimentos. Talvez seja melhor responder em conjunto, devido às limitações de tempo.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, é um gosto vê-lo aqui, na sua Casa, mas gostava de dizer-lhe, ainda que sinteticamente, o seguinte: é no mínimo estranho que a Sr.ª Ministra da Justiça não acompanhe as propostas que subscreve… Não vem cá! Isto, sem qualquer desvalor em relação a V. Ex.ª, porque, como sabe perfeitamente, tenho por si uma grande consideração. Mas é raríssimo ver a Sr.ª Ministra da Justiça neste Plenário.
Não entrando em polémicas, a questão que quero colocar é muito simples, porque, como V. Ex.ª sabe, este debate já foi feito, é uma reprise. V. Ex.ª não o referiu, mas seguramente não ignora que, em 30 de Janeiro deste ano, sem qualquer voto contra e com grande louvor para as bancadas do PSD e do CDS-PP, que se abstiveram, porque, enfim, têm preconceitos nesta matéria, foi aqui aprovado um projecto de lei do PS, que se encontra hoje, para debate na especialidade, na 1.ª Comissão, debate esse que será feito conjuntamente com a proposta que V. Ex.ª aqui traz e que, digo-lho antecipadamente, nós votaremos favoravelmente, porque não temos os mesmos preconceitos da maioria (quando estamos de acordo, votamos a favor).
Por isso, pergunto-lhe se o Governo, nesta matéria, em sede de especialidade, irá fazer com que se tente chegar a um texto comum, já que na substância não há diferenças (há em relação a algumas questões a que aludirei mais adiante, mas na substância não há diferenças), ou se, Sr. Secretário de Estado (coisa que, tenho a certeza, nunca ouvirei da sua boca), se vai ser utilizada aquela famosa técnica do "rolo compressor" que foi utilizada, por exemplo, com o diploma relativo aos notários, em que diziam que o nosso projecto era excelente, era muito avançado, mas foi completamente chumbado na especialidade.
Como V. Ex.ª sabe - e, se calhar, não tem qualquer responsabilidade nisso -, tal comportamento tem a ver com falta de sentido de Estado, e eu espero que V. Ex.ª consiga, no interior do Ministério da Justiça, fazer vencer as ideias que sei que tem de forma a que o Governo venha discutir esta matéria com a 1.ª Comissão, à qual, aliás, V. Ex.ª sempre pertenceu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o tempo de que disponho não é muito, mas há uma questão, que pode ser de pormenor, mas que tem alguma importância, pelo que a coloco desde já.
Esta proposta de lei propõe-se regular, globalmente, toda a matéria relativa ao branqueamento de capitais, revogando a legislação um tanto dispersa que existe. Como se sabe, a primeira legislação que surgiu sobre esta matéria diz respeito à droga e, portanto, foi a partir da lei da droga, em 1993, que o branqueamento de capitais foi criminalizado pela primeira vez e relativamente aos proventos provenientes do tráfico de droga. Acontece que a lei da droga vai ser revogada nessa parte e no artigo do Código Penal que é alterado, por forma a ampliar - e bem - o elenco dos crimes cujo branqueamento é criminalizado, a droga não aparece. Ora, parece-nos que pode ter havido um lapso, ou seja, a droga aparece nesta proposta de lei apenas residualmente, porque é um crime punido com uma pena de prisão superior a seis meses e, portanto, todos esses crimes ficam abrangidos neste elenco.
Mas se se explicita o lenocínio, o abuso sexual de crianças, a extorsão, o tráfico de armas, o tráfico de órgãos ou de tecidos humanos, o tráfico de espécies protegidas, a fraude fiscal, o tráfico de influências, Sr. Secretário de Estado, a droga tem de vir se não em primeiro, pelo menos num dos primeiros lugares dessa enumeração, caso contrário está tudo ao contrário. Portanto, é óbvio que não há na proposta de lei qualquer descriminalização do branqueamento de capitais provenientes

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da droga, mas creio haver uma inversão na redacção que remete o tráfico de droga para o residual quando ele deveria ser um dos primeiros a ser elencado.
Chamo a atenção para esse aspecto. Estou certo de que o Governo não deixará de reflectir sobre ele e de aceitar a correcção que se impõe fazer, com a qual, estou seguro, não deixará de estar de acordo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado António Filipe, dizendo o seguinte: Sr. Deputado, como sabe, a técnica legislativa que foi utilizada na regulação desta matéria, que inserimos, de resto, no Código Penal, foi a de criar aqui um tipo legal misto, onde temos uma cláusula geral e depois a elencagem de alguns crimes.
Não passa pela cabeça do Sr. Deputado e certamente pela nossa que, através desta técnica legislativa, pudesse ficar de fora, justamente, o crime, que, se quiser, foi a matriz da regulação em termos internacionais do combate a este tipo de criminalidade que hoje estamos aqui a discutir.
Portanto, julgo que, quando muito, essa será uma questão de técnica legislativa e, como é evidente, ela está contida na nossa proposta. Mas se, em termos de técnica legislativa, se pode, ou não, explicitar melhor, de forma mais prioritária, parece-me ser uma boa questão para tratarmos em sede de especialidade. De resto, aproveito para afirmar toda a nossa disponibilidade para fazer esse trabalho na Comissão.
Sr. Deputado Osvaldo Castro, eu sei que o projecto do Partido Socialista foi aprovado na generalidade no Plenário e que está para discussão na especialidade. De resto, o Partido Socialista sabe bem que essa e outras questões são controversas.
Esta directiva não é de fácil transposição e o caminho que optarmos por fazer essa transposição tem algumas consequências. O Governo disse, desde já há muito tempo, que tinha por objectivo fazê-lo o mais harmonicamente possível, com aquilo que é hoje o nosso Código Penal. Foi esse o caminho que percorremos, no sentido de aproveitar esta oportunidade para conseguir dois objectivos fundamentais. Em primeiro lugar, o de concentrar legislação. É sempre bom, do ponto de vista operacional, termos um conjunto disperso de legislação concentrado num só diploma - é de não desprezar a vantagem desta concentração. Em segundo lugar, sendo esta uma matéria que em termos de transposição não dispensa alguma elaboração conceptual, entendemos que a forma como pretendíamos fazer a transposição devia acautelar outro tipo de questões e devia ser inserida do ponto de vista sistemático, de forma a que possibilitasse, depois, na sua concretização, na sua aplicação concreta, resultados mais eficazes e mais seguros. Repito, pois, que foi este o caminho que já há bastante tempo dissemos que íamos percorrer e que agora aqui estamos a apresentar.
Portanto, Sr. Deputado Osvaldo de Castro, respondendo à sua questão, essa não é uma matéria que dependa de nós, mas se a Assembleia da República, designadamente a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, quiser, em discussão de especialidade - e chamamos a atenção para a urgência que existe na aprovação definitiva do diploma -, contar com a colaboração do Governo, certamente que o Ministério da Justiça terá toda a disponibilidade para o efeito.
Ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes, que cumprimento, direi que não vejo, nesta proposta de lei, nem sinais de timidez, nem de tibieza em relação a esta matéria.
Julgo que o Sr. Deputado está a ignorar algumas circunstâncias relevantes na efectivação dos meios necessários para o combate a este tipo de crime que entretanto ocorreram de há um ano a esta parte.
As alterações orgânicas que se fizeram na Polícia Judiciária, concentrando na unidade financeira, que foi agora criada e reforçada com meios, a capacidade de recolher, tratar, coligir toda a informação que tem que ver com este tipo de matérias não é uma questão menor, nem é uma questão despicienda. Esta era, justamente, uma das questões, como o Sr. Deputado António Filipe teve oportunidade de sublinhar (e várias vezes o ouvimos dizer nesta Casa), que contribuía para que, em muitas circunstâncias, em termos poucos eficazes, determinado tipo de crimes deste género acontecessem.
Portanto, o Governo tomou medidas nesse sentido. O reforço e a concentração de meios no sentido de dotar a Polícia Judiciária de técnicos, de capacidade de recolher informação e de a tratar, de interagir com outras entidades da Administração Pública era crucial neste combate, e nós fizemos isso.
Não estamos, pois, quietos. Não se trata só de aprovar legislação, trata-se de aprovar legislação e de dotar as estruturas que têm responsabilidade no combate a este tipo de crime dos meios e das capacidades efectivas para fazerem esse combate.
Sr. Deputado, não vale a pena ignorarmos que estes lamentos - que certamente todos acompanhamos em relação a este tipo de crimes - se repercutem em todos os parlamentos do mundo; não vale a pena termos a ideia de que, hoje, o combate a este tipo de crime é um combate fácil. Porventura, hoje, temos alguns países que são reféns deste tipo de criminalidade organizada. Sabemos que este tipo de crimes constituem, hoje, uma ameaça séria, de resto reflectida no relatório que foi apresentado e aprovado na Comissão de Assuntos Constitucionais, aos Estados de direito democrático e à liberdade dos cidadãos. Isto é verdade.
Portanto, temos de ter a noção de que a complexidade deste tipo de crimes e a sofisticação que os mesmos hoje envolvem significa, por parte do Estado, um exigir de maior capacidade e de maior agilidade para combatermos de forma eficaz estes crimes.
Não contemos, nem nós nem ninguém, com facilidades nesta matéria. Temos, pela nossa parte, de fazer o esforço que nos é exigido, no contexto da comunidade internacional, para mais eficazmente combatermos um crime que é quase, por

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natureza, um crime transnacional. E é isso que estamos a fazer em Portugal, acompanhando esse esforço internacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje discutimos e que estabelece o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita assume especial importância porquanto se revela imprescindível à prossecução de um objectivo fundamental e diria também consensual do nosso Estado de direito: o combate à criminalidade económica e ao branqueamento de capitais.
Prevenir e evitar que sofisticados, complexos e aprimorados métodos sejam utilizados para esconder a origem ilícita de determinados bens e proventos, conferindo-lhes aparente legalidade e reintroduzindo-os na economia lícita, é hoje um imperativo crucial para a nossa segurança, para a administração da justiça e para o nosso equilíbrio económico.
O branqueamento de capitais não só permite a utilização de dinheiro ilicitamente acumulado como prejudica, e às vezes frustra, a investigação criminal sobre os crimes subjacentes.
Tradicionalmente associado ao tráfico de droga, o branqueamento cobre, actualmente, os lucros do crime organizado noutras actividades como o tráfico de armas, o tráfico de seres humanos, o lenocínio, as fraudes fiscais, a corrupção ou o tráfico de influências.
O combate ao crime organizado passa, pois, pela detecção e apreensão dos lucros gerados por essas actividades criminosas, atribuindo maior eficácia ao combate aos crimes subjacentes.
Nessa tarefa, e tendo em conta a sofisticação que assumiu o branqueamento moderno, associada à internacionalização dos processos utilizados, importa intervir nas instâncias de controlo, mas impõe-se igualmente integrar outras instituições ou actividades, financeiras e não financeiras.
O carácter transnacional do branqueamento exige que a prevenção e a repressão deste tipo de criminalidade tenham uma dimensão supranacional alicerçada na cooperação internacional. Caso contrário, o dinheiro dirigir-se-á para o ponto mais débil do sistema, entrando a partir dele no sistema financeiro globalizado, onde as dificuldades de detecção aumentam substancialmente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este entendimento tem motivado diligências de diversas organizações europeias e mundiais, cujo trabalho visa uniformizar as leis anti-branqueamento no seio da comunidade internacional.
Na esteira desta ideia contam-se inúmeras iniciativas que vão desde recomendações do Conselho da Europa até à Convenção de Viena. Da evolução do fenómeno do branqueamento foram dimanando, também, vários actos legislativos comunitários que culminaram com a adopção, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, da Directiva n.º 201/97/CE, de 4 de Dezembro de 2001, que ora se pretende transpor.
Todos esses instrumentos, a par das iniciativas legislativas internas entretanto emanadas, revelam uma progressiva preocupação das instituições europeias e nacionais com o escopo de, por um lado, ampliar o universo dos factos ilícitos definidos como crimes subjacentes e, por outro, aumentar o número e a diversidade das entidades privadas às quais é imposta a colaboração com as autoridades de investigação criminal.
Mas, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, não obstante o voluntarismo das sucessivas tentativas de aperfeiçoar o sistema preventivo e de repressão do branqueamento, o certo é que esse esforço não surtiu o efeito desejado, derivado quer das características de complexidade e transnacionalidade do branqueamento moderno, quer da ineficácia da legislação vigente em matéria de prevenção.
É, por isso, de assinalar a intervenção que o Governo promove no sistema preventivo com o objectivo de o tornar mais eficaz, condensando e aperfeiçoando a legislação, actualmente dispersa, sobre a matéria, clarificando os deveres, simplificando os procedimentos e identificando de forma inequívoca os destinatários das normas.
A proposta de lei que o Governo traz hoje a esta Câmara merece, por isso, o nosso natural acolhimento, mormente porque o seu conteúdo inovatório contempla medidas essenciais à prossecução do objectivo que inicialmente referenciei, ou seja, um efectivo e eficaz combate ao branqueamento.
Dentro dessas alterações, destacaria: a introdução do tipo de branqueamento no do Código Penal; a extensão do conceito de crime subjacente aos factos ilícitos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses e o alargamento - também já aqui referenciado - aos crimes de extorsão, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes e tráfico de influências; a eliminação, no tipo subjectivo, da exigência do dolo específico; a criação de um tipo qualificado de branqueamento que puna de forma mais severa o agente que faz do branqueamento modo de vida, permitindo acorrer aos casos mais graves e agravando as penas num terço nos seus limites máximo e mínimo; a possibilidade de a pena ser especialmente atenuada, quer em virtude de se operar a reparação, total ou parcial, dos interesses privados atingidos pelo crime subjacente, quer como consequência da colaboração do agente, que, de forma decisiva, possa colaborar na identificação ou captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens; a definição,

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de forma clara e precisa, dos deveres a que estão sujeitas, quer as entidades financeiras quer as não financeiras, e cujo universo foi ampliado através desta proposta de lei); a criação do dever de informação dos funcionários das finanças que, no exercício das suas funções, tomem conhecimento de factos que indiciem a prática de branqueamento; e a consagração dos deveres especiais de prevenção quando o destino das operações forem países ou territórios considerados não cooperantes e como tal identificados pelas autoridades de supervisão.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Uma palavra final para enfatizar a circunstância de que a prevenção e a repressão do branqueamento das vantagens de proveniência ilícita mobiliza, estou certo, todas as bancadas deste Parlamento. Nessa medida, e atendendo a que outro diploma sobre esta matéria, da iniciativa do Partido Socialista, foi já aprovado na generalidade em Janeiro último, o Grupo Parlamentar do PSD, expressando a sua anuência a esta proposta do Governo, manifesta toda a sua disponibilidade e abertura para, com a presença e a participação do Governo, tal como hoje já aqui foi referenciado, numa matéria tão importante e delicada se encetar um esforço de abrangência e consensualização em sede de especialidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que comece por saudar, em particular, o Sr. Secretário de Estado Miguel Macedo, que, de volta a estas lides, se verifica não ter perdido o jeito - apesar de estar sentado na bancada do Governo, nota-se aquela veia parlamentar que já o caracterizava.
De todo o modo, Sr. Secretário de Estado, deixe-me que lhe diga que, também pela razão de ciência, tem muita razão V. Ex.ª naquilo que acabou de defender e que o CDS-PP apoiará.
Pretende o Governo legislar no sentido da prevenção e repressão de branqueamentos e vantagens de proveniência ilícita e a verdade é que o consegue fazer de tal modo que nos dá razões para crer que o faz com bastante eficácia.
Como bem é salientado nos vários relatórios aprovados, há uma realidade que é inequívoca: mais de 50% dos fluxos financeiros mundiais transitam por paraísos fiscais e, segundo o relatório anual de 1999 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o rendimento bruto das associações criminosas será estimado em cerca de 1,5 milhões de dólares americanos por ano; o Observatório Geopolítico das Drogas, no relatório anual de 1999, estima entre 73,8 e 84,4 mil milhões de contos as somas provenientes do tráfico de droga reintegrado na economia mundial; no Décimo Congresso nas Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento do Delinquente, no ano 2000, o director executivo do gabinete das Nações Unidas para o controlo das drogas e prevenção do crime comunicou que o FMI calcula que o branqueamento de dinheiro implicará já entre 2% a 5% do PIB mundial.
Em Portugal, por exemplo, o número de comunicações por crime de branqueamento de capitais tem aumentado desde 1998 até aos nossos dias, tendo-se passado de 105 denúncias, em 1998, para 289 denúncias, no ano de 2002.
Muito mais vem referido nos relatórios aprovados em sede parlamentar, que denunciam bem uma realidade que importa ser combatida, e combatida não apenas de forma quixotesca no plano nacional, porque pouco se conseguirá desse modo, uma vez que o fenómeno é, de facto, mundial e globalizante. Ou seja, se o tratarmos apenas no plano nacional dificilmente conseguiremos resolver o que quer que seja com a eficácia desejada. Mas, como disse - e muito bem - o Sr. Secretário de Estado, compete-nos a nós dar o primeiro passo, dar o nosso contributo e demonstrar que, da parte de Portugal, tudo está a ser feito no sentido do auxílio ao combate deste verdadeiro flagelo, que é hoje, por si só, potenciador do desenvolvimento da criminalidade, principalmente da criminalidade sofisticada, que tenta atingir, inclusive, os Estados democráticos de direito que se pretendem preservar.
De resto, não raras vezes, em numerosos países, e países de referência, como por exemplo na América Latina, mas não só -, verdadeiros poderes económicos, criados na base deste tipo de economias paralelas, conseguem conflituar e, por vezes, pôr em causa regimes e, nalguns casos, democracias frágeis que se querem implantar. Isto acontece até quando há auxílio de países muito desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos, através de programas diversos e bilaterais mas sem sucesso, tamanhas são a força e o poderio económico que este tipo de actividade paralela consegue desenvolver e interferir no próprio poder instituído democrático, judicial e institucional de qualquer país. Portanto, também em Portugal não somos alheios a esse fenómeno.
São numerosas as inovações que o Governo nos apresenta na proposta de lei, inovações que me vou escusar de voltar a referir, já que o meu colega do Partido Social Democrata acabou de as enunciar sobejamente e que dou aqui por reproduzidas para não vos maçar.
De todo o modo, estão em causa verdadeiras inovações, ou seja, não se trata apenas de medidas propaladas por razão de boa intenção mas, sim, de medidas que podem ser concretizadas e que são consequentes. E elas são consequentes numa lógica que, como referi, é global e que permite combater, à escala mundial, este fenómeno do branqueamento de capitais. Tanto mais que sabemos que a globalização permite uma transferência ou dissimulação de activos gerados por essas actividades ilícitas com muita facilidade, inclusivamente com o recurso a sofisticadíssimos meios informáticos.
Por isso, o CDS-PP quer, neste apoio ao Governo, estar na linha da frente deste combate e, naturalmente, o significado político do nosso sentido de voto traduzirá isso mesmo.
Importa ainda referir que o branqueamento do produto de actividades criminosas tem uma repercussão que não se circunscreve

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circunscreve àqueles que são beneficiários dessa mesma actividade criminosa.
Assim sendo, Sr. Secretário de Estado, resta-me saudar, uma vez mais, a iniciativa do Governo, reiterar a nossa vontade de aprovar a mesma iniciativa e, por contraponto, deixar apenas uma nota relativamente ao projecto de lei da autoria do Partido Comunista Português.
O projecto de lei do Partido Comunista Português, em bom rigor, não pode merecer igual apreciação da parte da bancada do CDS-PP. E porquê? Trata de um projecto de lei que mais não é do que uma reprodução ipsis verbis de um outro projecto de lei apresentado na anterior sessão legislativa e que foi rejeitado, nomeadamente pelo CDS-PP.
Como é evidente, por uma razão de coerência, outro não poderia ser o resultado na presente sessão legislativa, sendo que trazemos à colação apenas um argumento que justificou a nossa posição de voto à data. Entendemos que o objectivo do combate à criminalidade económica não seria eficazmente conseguido através da criação de uma comissão nacional de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e à criminalização da economia com as atribuições que vêm previstas neste projecto de lei.
Em primeiro lugar, porque as funções de coordenação, acompanhamento, colaboração e apoio ficariam sobrepostas às das estruturas previstas na legislação em vigor e, assim, potenciaria uma série de disfunções, até pela via da dispersão legislativa, que a boa técnica legislativa e a eficácia prática das medidas que o legislador deve implementar não aconselha.
Em segundo lugar, também importa referir que a aprovação deste projecto de lei do Partido Comunista exigiria a criação de uma nova estrutura pública que, mais uma vez, acumularia atribuições e competências com as de outras estruturas já existentes. Verificar-se-ia também - sei que este ponto custa imenso à bancada do Partido Socialista, porque para VV. Ex.as não é critério nem razão a relevar no debate político partidário - uma duplicação de custos, com efeitos negativos num momento de contenção e de eficácia das finanças públicas que este Governo pretende prosseguir.
Portanto, assim sendo, pensamos que o País ficará bem servido com esta iniciativa legislativa do Governo e, naturalmente, também saudamos o contributo do Partido Comunista Português para o debate político. A nossa posição, expressa através da votação, será consequente com isso mesmo.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, amanhã é que será tratada a questão económica e então, sim, é que se irá discutir a questão do endividamento. Se não têm muita cautela e se não vendem os anéis e os dedos, vão passar dos 5%…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Os anéis já os senhores venderam!

O Orador: - Cuidado, Sr. Deputado, não fale antes do tempo!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Justiça: A questão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e respectiva transposição da Directiva 2001/97/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Dezembro de 2001, é matéria que foi já amplamente debatida, na generalidade, neste Parlamento, na reunião plenária de 30 de Janeiro deste ano, aquando da discussão do projecto de lei n.º 155/IX, do PCP, e do projecto de lei n.º 174/IX, do PS.
Dá-se até a circunstância de que o projecto de lei do PS foi aprovado sem qualquer voto contra, o que aqui se relembra e sublinha. Sem embargo, a maioria impôs, na prática, a suspensão do processo legislativo tão-só para aguardar que o Governo tomasse a iniciativa de enviar para o Parlamento a sua proposta, o que só aconteceu seis meses depois do referido debate - aliás, com tal extemporânea dilação, fez-se com que não tivesse sido possível cumprir o prazo de transposição da referida directiva.
Não obstante, o Governo não nos apresenta agora uma proposta inovatória nem, sequer, substancialmente diferente da aprovada por esta Assembleia da República e de iniciativa do PS.
No essencial, as duas iniciativas visam a transposição da Directiva 2001/97/CE, de 4 de Dezembro, a qual deveria ter sido concluída até 15 de Junho do presente ano, e o aperfeiçoamento de alguns aspectos do quadro legal vigente. É por isso que receio, Srs. Deputados, que neste debate e nesta matéria se esteja a "fazer chover no molhado".
Veja-se que a diferença mais notória consiste na opção tomada pelo Governo de aditar ao Código Penal uma nova norma sobre o crime de branqueamento - um passo que, aliás, se traduz num erro de inserção sistemática -, pondo assim fim à tradição do legislador português de manter o crime em legislação autónoma, como sucedeu com os Decretos-Leis n.os 315/93 e 325/95, oriundos de um governo do PSD.
Além do mais, como é sabido, o projecto aprovado na generalidade entendeu manter o quadro legal do branqueamento de capitais em legislação autónoma, o que sempre evita eventuais desarticulações interpretativas em sede de Direito Penal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que vale por dizer que, excepto neste aspecto que referi, a proposta ora em apreço e o citado projecto de lei são, na sua substância, muito semelhantes.

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Se, com a presente proposta de lei, o Governo pretende dizer que se associa à Assembleia da República no combate firme ao branqueamento de capitais, então, seja bem-vindo! Vem tarde mas, pelo menos, assume uma atitude clara e inequívoca.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: De facto - e perdoem-nos que regressemos a intervenções passadas -, o branqueamento de capitais é, como sabemos, um fenómeno com relevância jurídico-penal relativamente recente, ainda que os infractores sempre tenham procurado dar uma aparência de legalidade aos proventos das suas actividades.
Hoje em dia, fontes credíveis e conhecedoras estimam que são branqueados anualmente, a nível mundial, qualquer coisa como 800 000 milhões a 1,5 biliões ou até 2 biliões de euros (o equivalente a 2% a 5% do produto interno bruto global) de proventos do crime, em particular do crime altamente organizado. Isto é, grosso modo, o equivalente ao PIB da Alemanha, a maior economia europeia, ou o equivalente ao PIB de França e da Espanha, ou o equivalente a mais de 15 vezes o PIB português.
O combate ao branqueamento é, assim, um combate vital para a estabilidade do próprio Estado de direito e essencial para a tutela de interesses económicos e financeiros e a segurança geral da comunidade.
Contudo, a sofisticação que assumiu o branqueamento moderno, associada à internacionalização dos processos e à globalização dos mercados financeiros e das transacções, tem vindo a dificultar a tarefa dos Estados.
Conscientes da gravidade do fenómeno, as organizações internacionais e os governos acentuaram e aperfeiçoaram, nos últimos anos, os mecanismos de combate a esse fenómeno, particularmente desde a década de 1980.
Em Portugal, o branqueamento de capitais é punido criminalmente desde 1993, por efeito da chamada "lei da droga". O sistema específico de prevenção desse crime foi criado, também nesse ano, em consequência da transposição de um normativo comunitário de 1991.
Visando-se, no essencial, o combate ao branqueamento associado ao tráfico de droga, rapidamente se diagnosticou a excessiva timidez da legislação de 1993 e em 1995, 1998, 2000, 2001 e 2002 ela foi sucessivamente ampliada, de modo a mobilizar outros agentes e a abranger outro tipo de criminalidade associada ao branqueamento.
Deste progressivo processo legislativo resultou, inevitavelmente, dispersão normativa, propiciadora de perplexidades e de dificuldades interpretativas. Nessa medida, era urgente aprovar uma lei totalmente nova, com sistemática própria e técnica legislativa diferente, pensada para codificar, clarificar e aperfeiçoar a regulamentação pretérita, consubstanciada num diploma coerente, de fácil consulta e aplicação.
Era o que se exigia e foi a que se propôs o PS, ao apresentar o seu projecto de lei.
Em suma, como já referi, para além de dissonâncias de inserção sistemática e de questões relativas ao âmbito de aplicação, o diploma já aprovado na generalidade e a proposta do Governo são em tudo muito idênticas. Sendo certo que, num exame atento aos dois textos, resulta que o projecto de lei aprovado é globalmente mais impositivo do que a proposta de lei, não obstante a alta de percentagem de coincidência substantiva e formal.
Todas estas razões nos levam a considerar que a aprovação esperada da proposta de lei implica, em sede de discussão na especialidade, a necessidade de se encontrar um texto comum que venha dar resposta às necessidades que se verificam na luta essencial e urgente contra o branqueamento de vantagens de proveniência ilícita.
Já em relação ao projecto de lei oriundo do PCP, queremos reiterar a expressão do nosso voto positivo, tal como na anterior sessão legislativa. É que continuamos a não ver qualquer razão para ser rejeitada uma iniciativa que complementa e maximiza a luta contra o branqueamento de capitais - só por cegueira é que o fazem, desculpem dizê-lo!
Mais importante que tudo, Srs. Deputados, é tempo de partir para a acção nesta matéria. Para além da importância do debate, torna-se necessário, sem mais delongas, fazer aprovar e pôr em vigor a lei que arme adequadamente o País na luta contra o branqueamento de capitais
Por nós, Partido Socialista, há toda a disponibilidade para colaborar em soluções da maior celeridade, assim o queiram também o Governo e a maioria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Terminado este primeiro ponto do período da ordem do dia, vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 252/IX - Estatuto do agente da cooperação (PS) e 159/IX - Aprova o estatuto do cooperante (PCP), da proposta de lei n.º 87/IX - Estabelece o enquadramento jurídico do agente da cooperação portuguesa e define o respectivo estatuto jurídico, e do projecto de lei n.º 350/IX - Incentivo à acção das organizações e agentes da cooperação para o desenvolvimento (Deputado do BE Francisco Louçã).
Para apresentar a projecto de lei n.º 252/IX, do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, o nosso projecto de lei foi o primeiro a ser apresentado.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, dou a palavra pela ordem por que os diplomas foram enunciados, que é conforme consta da folha da agenda da reunião plenária. Foi esta a razão por que dei primeiro a palavra ao Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, o primeiro projecto de lei é de facto do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Se é assim, há um engano na folha da ordem de trabalhos distribuída à Mesa.

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A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - O nosso foi o primeiro, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, cheguei a pensar que começaria por dar a palavra ao Sr. Relator de um dos projectos de lei, mas, em termos de apresentação, o nosso foi de facto o primeiro.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A matéria que hoje é objecto de apreciação pela Assembleia evidencia, à partida, um consenso relativamente à importância, cada vez mais significativa, da política de cooperação e consequentemente à necessidade de proceder a ajustamentos e melhorias de um instrumento prioritário para a consecução dessa política, que é o estatuto do cooperante - actor sem o qual não é possível substantivar nenhuma acção, programa ou projecto de curto, de médio ou de longo prazos.
A apresentação de nosso projecto de lei, ainda durante o ano de 2002, e as posteriores propostas do Partido Socialista e muito recentemente do Governo permitem hoje uma discussão alargada das estratégias comuns e também diferenciadas que se colocam à política de cooperação portuguesa.
Naturalmente, o Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro, ainda em vigor, recolheu a experiência vivida por um País, que obrigado a décadas de isolamento, foi posteriormente capaz de concretizar, com naturalidade, a sua integração no quadro da cooperação internacional.
É interessante verificar que dois aspectos considerados cruciais no diploma vigente são ainda hoje, na minha opinião, áreas de grande dificuldade e que evidenciam a necessidade de aprofundar a reflexão sobre a política de cooperação e encontrar mecanismos ágeis e adequados a uma realidade mundial multifacetada, em contínua transformação. Refiro-me ao reconhecimento, à data, da escassez de incentivos mobilizadores da população activa portuguesa no campo da cooperação e da necessidade de perspectivar e inscrever a cooperação "(…) num âmbito mais generalizado, quer no aspecto territorial, alargando-a a outros países que não os de língua oficial portuguesa, quer no aspecto sectorial (incluindo o campo das relações de cooperação nos domínios técnico, económico e empresarial) (…)".
De acordo com as diferentes fontes nacionais e internacionais, existe algum consenso no que diz respeito ao processo de avaliação da cooperação portuguesa para o desenvolvimento.
Relativamente à cooperação bilateral, evidencia-se a sua concentração nos países africanos de língua oficial portuguesa como reflexo dos laços históricos, linguísticos e culturais.
Para além de geograficamente concentradas, as acções políticas nesta área foram sempre determinadas por um modelo de prestação de ajuda dispersa por vários ministérios, pela administração local, pelas entidades públicas autónomas (nomeadamente as universidades), sem a concretização de uma metodologia que coordenasse, avaliasse e articulasse as diferentes e comuns acções, projectos ou programas.
No que se refere à cooperação multilateral no quadro da ajuda pública ao desenvolvimento, quer no âmbito das Nações Unidas quer no âmbito da União Europeia, a apreciação que é produzida reafirma a necessidade de construção de estratégias de cooperação para o desenvolvimento, da coordenação e avaliação das execuções, de um maior apoio ao sector das organizações não governamentais e de uma mais efectiva participação da sociedade portuguesa.
Hoje, pretende-se, e é este o sentido do nosso projecto de lei, melhorar e adequar o estatuto do cooperante português às diversas solicitações que o País e o mundo registam.
Por isso, consideramos indispensável que, com rigor e imparcialidade, se avalie o nosso trajecto de intervenção cooperante, identificando resultados negativos e positivos e aproveitando exactamente as diferentes propostas hoje em discussão para produzir um estatuto de cooperante que não afaste vontades e disponibilidades para actuar nesta área, antes seja mobilizador de um trabalho em prol do outro ou, no dizer constitucional, regido pela "cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade".
Num mundo em que cerca de um quarto da população vive abaixo do limiar da pobreza absoluta, a não existência de acções permanentes de responsabilidade pelo desenvolvimento mundial e pela solidariedade internacional é uma atitude de cumplicidade.
Não é acaso, nem coincidência, que num recente estudo publicado que ordena 21 países, de acordo com a sua ajuda externa aos países mais pobres, a liderança seja assumida pelos Países Baixos e Dinamarca e Portugal apareça em terceiro lugar, enquanto os Estados Unidos e o Japão são os últimos classificados.
Para além das transferências financeiras para os países pobres, o índice foi construído com base nas variáveis do comércio, do investimento, das migrações, das operações de manutenção de paz e ambiente. E é interessante verificar que o Japão se classifica em último lugar pelo fraco desempenho nas migrações e que os Estados Unidos da América são avaliados pelos "pobres desempenhos ambientais e nas operações de manutenção da paz".
Hoje, a nova estrutura criada por este Governo, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 5/2003, de 13 de Janeiro, o Instituto Português de Apoio e Desenvolvimento, que resulta da fusão do Instituto da Cooperação Portuguesa com a Agência Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento, afirma-se como "(…) o instrumento central da política de cooperação para o desenvolvimento, tem por finalidades principais, num quadro de representação externa do Estado, melhorar a intervenção portuguesa e assegurar-lhe um maior relevo na política de cooperação e o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado português".
Parece-nos, por isso, de primordial importância que seja exactamente o estatuto do sujeito executor nas inúmeras frentes

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da cooperação aquele que necessariamente terá de ser objecto de melhoria e de adequação aos novos desafios.
Foi também este vector que pretendemos valorizar, ao apresentar, ainda antes da criação do novo instituto, o projecto de lei hoje em discussão, simultaneamente com a proposta de lei e o projecto de lei Partido Socialista.
Consideramos que as propostas possuem algumas similitudes e diferenças. À guisa de exemplo, não nos parece distante dos objectivos formulados quer no nosso projecto quer na proposta de lei a criação de uma bolsa de cooperantes para que se conheça quem, como e onde se podem equacionar acções, programas e projectos de cooperação.
É uma proposta inovadora no nosso texto e que nos apraz registar também no texto governamental.
Uma outra vertente presente nos diplomas em apreciação é a construção de um enquadramento jurídico que, na nossa opinião, deverá ser um incentivo à sociedade portuguesa, particularmente aos jovens que, nas diferentes áreas da sua qualificação, pretendam adquirir como experiência de vida um projecto na área da cooperação e não um desincentivo à sua participação ou, mais grave ainda, uma penalização à sua opção de solidariedade.
A experiência vivida nos últimos anos, com particular incidência nos países africanos de língua oficial portuguesa e sobretudo em Timor-Leste, evidenciaram a imensa desprotecção de que são alvo os agentes de cooperação e tornaram mais explícita a necessidade de enquadrar, com estabilidade e de forma continuada, as intervenções e os sujeitos que as concretizam.
Não são raras as vezes que, no decurso do trabalho a que se propuseram, os cooperantes se vêm confrontados com dificuldades de renovação de contratos ou mesmo em situações de assistência médica que obrigam à evacuação para Portugal, sem estar minimamente definido quem assume os custos ou como se processa o ressarcir das despesas entretanto efectuadas.
Por isso, o nosso projecto define com objectividade e rigor, pensamos, o que é o cooperante, os seus requisitos essenciais, a promoção e o âmbito da política de cooperação e quem deve ser os promotores dessa mesma política.
Também as condições contratuais são objecto de particular atenção, visando responsabilidades e garantias, direitos e deveres dos interlocutores envolvidos.
Matérias como a segurança social, a assistência médica e medicamentosa, a uniformização dos direitos sociais, ou o seguro de vida pretendem salvaguardar um enquadramento jurídico da actividade do cooperante que o mobilize e o incentive.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Finalmente, no que se refere às garantias do cooperante, são ainda tratados em normativo o regresso ao local de trabalho, o direito ao subsídio de desemprego na ausência de vínculo laboral, bem como os deveres do actor da cooperação para com o Estado português e o Estado solicitante.
No que se refere à iniciativa do Partido Socialista…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Cedemos 2 minutos ao PCP, Sr. Presidente.

A Oradora: - Penso que poderei contar com os 2 minutos disponibilizados pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes", embora me pareça, Sr. Presidente, que, pelo facto de apresentarmos uma iniciativa legislativa, temos direito exactamente ao mesmo tempo que o partido maioritário.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada, esse é o antigo entendimento. Agora, o agendamento de iniciativas por arrastamento já não dispõe do mesmo tempo.

A Oradora: - Não foi por arrastamento, Sr. Presidente. É o primeiro projecto de lei a ser agendado e não foi por arrastamento.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada, este debate foi agendado pelo PS, por isso tinha direito a falar primeiro. O erro foi meu. Mas, como a Sr.ª Deputada estremeceu na sua cadeira, dizendo "Fomos nós! fomos nós! Fomos nós os primeiros!",…

Risos.

… deixei-me levar por este seu frenesim.

Risos.

Porém, quem agendou o debate foi o PS, pelo que deveria ter sido o primeiro a usar da palavra, e o vosso projecto de lei veio por arrastamento, razão por que não dispõem do mesmo tempo.
Aliás, em Conferência de Líderes, foram fixados os tempos para cada partido e já foi publicado no Diário da Assembleia da República.

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Assim, peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sr. Presidente, permitir-me-á, com toda a calma…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Pode usar os 2 minutos cedidos pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes".

A Oradora: - Sr. Presidente, então, com toda a tranquilidade e sem nenhum frenesim, muito obrigada pela sua benevolência e pelo reentendimento do processo e da metodologia. E também agradeço ao Partido Ecologista "Os Verdes" pelo tempo cedido.
No que se refere à iniciativa do Partido Socialista, o texto retoma o projecto de lei apresentado pelo Partido Social Democrata em 1997, quer na sua estrutura quer no seu conteúdo, e, que à data, como sabemos, não foi objecto de apreciação na especialidade.
A proposta de lei, assumindo como pretensão a adequação à realidade, é exígua, na nossa opinião, quanto aos direitos dos cooperantes e lata no exercício exaustivo dos seus deveres, correndo por isso o risco de não dar resposta a uma das críticas que, nacional e internacionalmente, tem sido formulada à nossa política de cooperação no que se refere à disponibilidade e mobilização dos recursos humanos.
Consideramos que a importância da matéria em causa justifica uma aprofundada apreciação em sede de especialidade, para a qual poderão participar as diferentes iniciativas hoje em discussão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Porque entendemos que o cooperante, em qualquer local do mundo, fá-lo em seu nome e em nome de Portugal. E, quanto mais adequado, mais justo, mais valorizador e mais mobilizador por o estatuto enquadrador da sua acção, melhores resultados serão obtidos não só em prol da solidariedade mas também da língua, da cultura portuguesa e da credibilidade do nosso país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A cooperação é um daqueles desígnios nacionais que reforça a mais-valia de que os povos de fala comum são portadores e que arrastam a sua própria afirmação, e, naturalmente, a do conjunto, reforçando, e não diminuindo, por esta via a soberania de cada um deles.
Os êxitos que os nossos povos têm alcançado no plano externo, para além da transitoriedade dos governos, têm neste aspecto e no universalismo e humanismo o seu suporte.
Saramago não foi Prémio Nobel da Literatura por acaso. Exprime-se e escreve na terceira língua mais falada do ocidente e na sexta língua mais falada do mundo. De tal forma que Ramos Horta e Ximenes Belo, de igual modo laureados com o Prémio Nobel da Paz, ou Freitas do Amaral, quando foi eleito para a Assembleia Geral da ONU, ou Nascimento Rodrigues, quando foi eleito para a Assembleia Geral da OIT, ou agora mesmo quando Angola pertence ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou Moçambique à presidência da Unidade Africana, toda esta realidade tem a ver com um estatuto comum de entreajuda e com uma expressão que é afirmativa no mundo a uma escala singular, mas nem por isso de grande pujança. Depois, como se sabe, há a economia, a tolerância e os homens e mulheres que, sem nome, a prosseguiram historicamente, a prosseguem e são, de facto, suporte de tudo. Há ainda os emigrantes e os imigrantes, os agentes da cooperação, em suma, os povos em geral.
Há e houve também, no meio de tudo isto, Craveirinha, Pepetela, Mia Couto, Baltazar Lopes, Pessoa, Alda do Espírito Santo e tantos, tantos outros. E, como disse Craveirinha, da pessoa do pai - esse português de gema de Aljezur -, o primeiro moçambicano que ele conheceu foi exactamente o pai.
No agente de cooperação, esta alma tem e deve estar presente. É por isso que nós, Partido Socialista, saudamos todas as iniciativas que subiram a este Plenário, quer a do Partido Comunista Português, quer, naturalmente, a do Partido Socialista, quer ainda a proposta de lei, que hoje se debatem, desejando que os diplomas em apreciação baixem à Comissão para, em sede de especialidade, se aprofundarem as matérias que são essenciais para o nosso futuro colectivo.
É exactamente do nosso futuro colectivo que estamos a falar, quando referimos esta pedra de toque. Estamos a falar do nosso futuro colectivo e, sobretudo, estamos a falar dos nossos filhos, que não nos perdoarão - é minha firme convicção - se não lidarmos esta questão como prioritária na visão que Pessoa tinha desta pátria mais alargada da fala comum.
Por mim, já o disse várias vezes, tenho várias pátrias: tenho esta; tenho Angola; tenho a Europa; e tenho a lusofonia. E é exactamente isto que aqui, como Deputado, quero reafirmar, e quero fazê-lo sem qualquer tipo de complexos, porque é esta maneira de estar no mundo que devemos preservar.
Estão, aqui, em apreciação dois projectos de lei e uma proposta de lei. Existe uma sensibilidade convergente dos poderes legislativo e do Executivo para que se revogue o actual diploma, que data de 1985, publicado, portanto, há 13 anos, e que regulamenta o agente da cooperação.

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O primeiro diploma que, após o 25 de Abril, foi publicado sobre esta matéria datava de 1976, foi revogado pelo diploma de 1985 e, agora, o que se pretende é institucionalizar um novo estatuto do agente da cooperação. As iniciativas justificam-se inteiramente, tanto mais que houve, entretanto, depois de 1985, a criação de vários instrumentos públicos vocacionados para a cooperação, actualmente concentrados no Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) e no Instituto Camões, e há também a necessidade de precisarmos conceitos como o de agente da cooperação, o de promotor, o de executor, o de voluntário da cooperação, os respectivos direitos e a criação de uma bolsa de cooperação.
De alguma forma, todos estes projectos de lei e a proposta de lei consignam estas ideias, contêm os conceitos que aqui, basicamente, referenciei e é salutar, repito, que, na comissão da especialidade, assim o espero, aprofundemos e consensualizemos esta matéria.
É minha firme e inabalável convicção que uma das prioridades do nosso país, no futuro, passa por aqui. Penso que devemos devotar toda a nossa atenção à questão lusófona, que é a mais-valia que temos no mundo, aquela por onde perpassaram os exemplos da afirmação de Portugal, mesmo recentemente no mundo e que agora referi, e os instrumentos de aplicação prática, que são os homens e mulheres anónimos que, no terreno, prosseguem esta afirmação e que se chamam agentes da cooperação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aqui não pode haver limitações orçamentais, aqui deve haver a nossa carga humanista para que, a montante e a jusante, se repercuta no futuro a continuação desta afirmação "pessoniana", volto a repetir, de que este País é uma pátria que tem assente a língua portuguesa e esta fala comum.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, de acordo com a ordem de entrada das iniciativas, deveria usar da palavra agora o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
Pergunto ao Sr. Secretário de Estado se, com o consenso da Câmara, deseja usar da palavra no fim ou de imediato.

Pausa.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Carlos Costa Neves): - Sr. Presidente, posso intervir já.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Assim sendo, tem a palavra, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, para uma intervenção.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Carlos Costa Neves): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com gosto que apresento aqui hoje a proposta de lei relativa ao estatuto do agente de cooperação, que virá revogar o velho Estatuto do Cooperante. Dezoito anos é, na verdade, muito tempo, sobretudo se considerarmos a evolução registada nas políticas de ajuda pública ao desenvolvimento. O Estatuto do Cooperante já mal se ajusta à realidade actual e sinal disso mesmo, embora com diferenças substantivas que sublinho, são as propostas também apresentadas hoje pelo PS e pelo PCP.
Por um lado, as relações de cooperação entre Portugal e os países em desenvolvimento alteraram-se no sentido do enquadramento crescente das acções no contexto da União Europeia, da OCDE e do programa das Nações Unidas para o desenvolvimento.
Por outro lado, várias organizações da sociedade civil, com destaque para as organizações não governamentais, ganharam maior protagonismo e têm vindo a representar uma mais-valia considerável na execução de acções de cooperação.
Pela nossa parte, ao longo do último ano de governação, este desajustamento da lei que rege a actividade dos cooperantes, tem sido bem sentido. Desde logo, no plano dos princípios, a política de ajuda pública ao desenvolvimento tem de abandonar a abordagem casuística para se fixar em objectivos claros. Aliás, foi também esta a razão que ditou a constituição do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento - o IPAD -, que passou a assumir em exclusivo a tarefa de supervisão, direcção e coordenação da política de cooperação e de ajuda pública ao desenvolvimento. Em favor da eficácia, passou a vigorar a obrigação legal de sujeitar ao parecer vinculativo do IPAD todos os projectos de ajuda pública ao desenvolvimento, o que visa, nomeadamente, garantir que todas as acções de cooperação contribuam de forma articulada para os objectivos de desenvolvimento dos países beneficiários. O que nos move, em sede de cooperação, são as reais e, infelizmente na maioria dos casos, mais elementares necessidades dos povos. Conhecemos os problemas dos países receptores - erradicar a pobreza e dignificar a pessoa humana pressupõe acções de solidariedade que não se compadecem com actos dispersos; promover intervenções pontuais ou descoordenadas de ajuda pública ao desenvolvimento seria restringir a sustentabilidade das acções e limitar o seu impacto na melhoria das condições de vida das populações, regra geral muito débeis. Porque esta é a realidade de quem precisa e porque os recursos carecem de gestão criteriosa, urge actuar com coerência.
Simultaneamente, importa referir outra das grandes prioridades da política externa portuguesa: o estreitamento dos laços que unem Portugal a outros povos, especialmente do mundo lusófono. A ajuda pública ao desenvolvimento constitui um instrumento privilegiado para cumprir também este objectivo. Acreditamos, aliás, que a harmonia entre as nações é

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fonte e condição de desenvolvimento. A Declaração do Milénio, das Nações Unidas, no ano 2000, aponta os objectivos do desenvolvimento do milénio: 189 Estados propõem-se a erradicar a pobreza e a fome, a reduzir a mortalidade infantil, a combater a SIDA, a malária e outras doenças, a alcançar o ensino primário universal, a promover a igualdade do género. Já anteriormente, em Barcelona, se fixava a fasquia em 0,33% de produto nacional bruto de cada Estado a afectar à ajuda pública ao desenvolvimento. Portugal está consciente de que tais objectivos dependem do empenho de todos - é necessário que também a sociedade civil, de forma crescente, se mobilize em torno do que é desígnio internacional.
No quadro das acções de cooperação, tendo sempre presente a sua eficácia, surge como figura basilar o agente de cooperação. Dele também depende o sucesso de uma política de desenvolvimento, o bom fruto do investimento e empenho dispendidos. Os projectos e as acções de cooperação carecem de profissionais competentes para atingirem os níveis de sucesso. Assim sendo, é imperioso criar condições para que, efectivamente, sejam profissionais competentes e empenhados a executar no terreno a ajuda pública ao desenvolvimento. Daí, outro objectivo essencial deste novo diploma: dotar a cooperação portuguesa de agentes com as características adequadas, nomeadamente as capacidades profissionais e humanas.
A proposta de lei apresentada agora é fruto de um longo trabalho de negociações e consultas várias que duraram cerca de dois anos. Assinalo, aliás, a saudável convergência, no pressentimento da necessidade desta mudança, que é afinal comum ao Governo e às duas outras forças políticas que se debruçaram, apresentando propostas, neste tema. No entanto, e considerando todo o respeito pelo mérito das propostas legislativas do PS e do PCP nesta matéria, divergimos em algumas opções concretas. Desde logo, porque estamos despertos para a necessidade de não nos concentramos exclusivamente na figura do cooperante e considerarmos a possibilidade de tornar mais abrangente esta proposta - considerámos, portanto, o cooperante num contexto. Defendemos, pois, a proposta que formulamos, desde logo porque assim se enquadra juridicamente a actividade do agente de cooperação, conferimos-lhe estatuto próprio, mas, simultaneamente, asseguramos uma articulação entre os agentes e as políticas definidas. O conteúdo da proposta é conhecido e visa reunir um conjunto de condições que permitam um bom desempenho da actividade do agente, em articulação com políticas claramente definidas de cooperação que, por si também, estão claramente articuladas entre várias entidades públicas e privadas.
Cumpre ainda referir com brevidade outro diploma que se pretende revogar, o Decreto-Lei n.º 10/2000, de 10 de Fevereiro, que institui uma licença especial para o exercício de funções públicas ou de interesse público em Timor-Leste. Trata-se de um diploma que perdeu a razão de ser, até mais acentuadamente do que o próprio Estatuto do Cooperante; criado no quadro de relações especiais com Timor, no período em que o território estava sob administração das Nações Unidas, perde sentido prático no período pós-independência. A cooperação com Timor-Leste é prioritária, mas deverá fazer-se nos moldes em que se faz com os restantes países receptores.
Termino pedindo a esta Assembleia que aprove o estatuto de agente de cooperação, pois estou convicto de que é uma lei capaz de servir a actual política de ajuda pública ao desenvolvimento e que constitui uma base sólida para optimizar a intervenção da cooperação portuguesa e o compromisso dos internacionais assumidos pelo Estado português.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Carrascalão.

A Sr.ª Natália Carrascalão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, é com extremo agrado que vimos aqui discutir a proposta de lei n.º 87/IX, sobre o estatuto dos cooperantes, tanto mais que ela vem resolver largamente alguns dos problemas anteriormente identificados na política de cooperação.
Tive, nos últimos anos, um contacto muito mais próximo com o trabalho levado a cabo pelos cooperantes portugueses no terreno, nomeadamente em Timor-Leste. E, apesar de o Estado português ter cooperado, de uma forma pronta, num cenário de maior emergência e com um sucesso inquestionável, verifiquei pessoalmente que, no Estatuto do Cooperante vigente, persistem algumas lacunas.
Pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado: serão essas situações superadas nesta iniciativa com a apresentação de disposições mais realistas e adequadas às necessidades dos cooperantes? É ou não verdade que a importância da formação específica a prover aos agentes de cooperação, prevista no artigo 23.º, será fundamental para estes adquirirem previamente um útil conhecimento das características sociais e culturais dos países receptores, evitando desta forma um choque entre culturas?

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É ou não verdade que a previsão da criação de uma bolsa de candidatos a agente de cooperação vai possibilitar, em caso de necessidade imediata, a disponibilidade de um conjunto de profissionais tendencialmente vocacionados para cooperação?
Para terminar, Sr. Secretário de Estado, e ainda em relação à bolsa de candidatos proposta, gostaria que V. Ex.ª pudesse avançar com mais algumas das vantagens que a mesma irá trazer à política de cooperação.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natália Carrascalão, gostaria de sublinhar que, no essencial, com esta proposta de lei, o Governo pretende, por um lado, que haja uma cooperação coordenada coerente, em que não haja, portanto, várias iniciativas coincidindo e não articuladas entre si, e, por outro, assegurar que na cooperação intervenham agentes com a maior qualidade possível. E, para se conseguir este objectivo - o de que actuem como agentes na cooperação aqueles que têm muita qualidade -, é preciso, obviamente, assegurar: primeiro, que tenham a capacidade para o exercício da função, e isto tem a ver, nomeadamente, com a experiência anterior e com as propostas que as suas próprias candidaturas formulam; segundo, que tenham, da nossa parte, toda uma experiência que foi adquirida durante estes 18 anos de vigência do actual Estatuto e a possibilidade, que vemos, de poder eliminar alguns problemas detectados; terceiro, como bem referiu, que os candidatos conheçam o meio para onde vão trabalhar, e este não pode deixar de ser um ponto a ter muito em consideração, porque nem sempre à competência corresponde sensibilidade ou conhecimento do meio, e é preciso juntar estes três elementos; e, por último, a existência de uma bolsa que permita uma gestão mais programada e mais atempada de todas as necessidades a este nível e o recurso a esta bolsa sempre que se verificarem novas necessidades e seja preciso corresponder a elas.
Portanto, há uma possibilidade de melhor preparar e programar, logo, de corresponder às necessidades.
Estamos, portanto, convencido de que, em função do que foi todo este processo até agora e das necessidades que se colocam ao presente, vai ser possível cooperar, por um lado, de uma forma mais articulada, e, por outro, com melhor qualidade a nível dos cooperantes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, se me permite, vou usar da palavra não para uma intervenção mas para a apresentação do projecto de lei n.º 350/IX, do BE, a qual, aliás, e peço-lhe que não me leve a mal, já deveria ter tido lugar. Há uma outra iniciativa legislativa, que não é alienígena. Ou seja, neste debate, não há apenas três iniciativas legislativas mas quatro. Queira ter a gratidão de conferir, Sr. Presidente.
Portanto, se me permitir, apresentaria o projecto de lei.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Luís Fazenda, na agenda da reunião plenária de hoje, que aqui tenho, consta a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 252/IX, do PS, e 159/IX, do PCP, da proposta de lei e do projecto de lei n.º 350/IX, do BE.

O Orador: - É esse!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado teve a palavra de acordo com esta ordem, porque a Sr.ª Deputada Natália Carrascalão pediu um esclarecimento ao Sr. Secretário de Estado, e eu tinha de lha dar imediatamente para esse efeito.
Portanto, só depois da resposta ao pedido de esclarecimento, é que V. Ex.ª tem a palavra, segundo a ordem do que está na agenda. Não sei o que quer dizer com "a quem é que eu deveria dar a palavra" e quando!

O Orador: - Sr. Presidente, neste momento, apenas quero mencionar que vou apresentar o projecto de lei do BE.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - E fá-lo através de uma intervenção, Sr. Deputado!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus,…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Luís Fazenda, peço-lhe que aguarde um momento.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pede a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa sobre o andamento dos trabalhos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, de facto, devo expressar a surpresa total da minha bancada ao

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ser confrontada com este documento dos serviços que inclui na agenda da reunião plenária de hoje o projecto de lei n.º 350/IX, do BE. Por duas razões, Sr. Presidente: em primeiro lugar, porque este assunto não tem conexão com a agenda de hoje relativamente a este ponto, pois não tem a ver com o Estatuto do Cooperante, e, portanto, não poderia ter havido um agendamento a reboque, mas isso é competência da Mesa; e, em segundo lugar, porque, em verdade (e estão aqui todas as bancadas que podem comprová-lo), este projecto de lei n.º 350/IX, do BE, foi ontem distribuído na 2.ª Comissão para relatório, nem sequer está relatado na Comissão. Relatório esse que será apresentado, porventura, para a semana que vem.
Portanto, por estas duas razões, Sr. Presidente, independentemente daquilo que só posso atribuir a um lapso dos serviços, a minha bancada não consegue compreender como é que surge, pelos serviços, na agenda da reunião de hoje um diploma que não deveria ter sido, em termos substantivos, agendado a reboque na discussão de hoje sobre o Estatuto do Cooperante, nem poderia ter sido agendado porque só ontem foi distribuído na 2.ª Comissão, tendo o relator ficado incumbido de apresentar o relatório, que, porventura, será discutido na próxima semana.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Isto é rigorosamente verdade!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não sou profeta, nem historiador, quanto ao modo como foi feita a agenda da reunião plenária para hoje.
No entanto, tenho aqui uma carta do Sr. Deputado Francisco Louçã, dirigida ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que diz o seguinte: "Conforme a sua carta de 26 de Setembro, o Bloco de Esquerda vem sugerir o agendamento do projecto de resolução n.º 176/IX sobre a instalação do centro materno-infantil do Norte.
Chamamos igualmente a atenção para uma imprecisão constante da agenda distribuída no dia 1 de Outubro, dado que este grupo parlamentar fez entrar no prazo devido um projecto de lei sobre medidas para apoio aos agentes de cooperação, a ser agendado por arrastamento para o segundo ponto do período da ordem do dia desta sessão.
Com os melhores cumprimentos".
Aposto nesta carta há um despacho do Sr. Presidente, que diz o seguinte: "Tido em consideração", datado de 30 de Setembro de 2003 e rubricado pelo Sr. Presidente.
Ora, eu não posso ir contra um despacho do Sr. Presidente. E foi por esta razão que os serviços agendaram o projecto de lei n.º 350/IX, do BE.
Assim, em consequência, dei a palavra ao Sr. Deputado Luís Fazenda para apresentar o diploma. No entanto, V. Ex.ª, poderá, em Conferência de Líderes, ou na instância própria, recorrer do despacho, ou fazer o que entender. Mas, neste momento, perante o despacho do Sr. Presidente, que li e que não posso recusar, e a esta agenda marcada, nada mais posso fazer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, compreendo a sua posição e, evidentemente, a haver recurso, ele será nosso e não da Mesa, como é bom de ver.
Mas não pedi a palavra para apresentar formalmente o recurso; agora, o Sr. Presidente compreenderá que, independentemente, de podermos ou não, como qualquer Sr. Deputado, interpor recurso desta decisão, a verdade é que as outras bancadas também o não fizeram porque não tiveram conhecimento dela, a não ser hoje.
Se os outros grupos parlamentares tivessem tido conhecimento da decisão, ontem, a 2.ª Comissão não teria, tranquilamente, sem pressa alguma, distribuído para relatório o diploma, e só o fez porque não havia conhecimento, por parte dos Deputados - esta é a verdade -, dessa decisão da Mesa, ou seja, do agendamento desse diploma para a reunião plenária de hoje. Logo, não recorremos, porque nem sequer tínhamos conhecimento dessa decisão.
Por isso, Sr. Presidente, permita-me que, em nome da minha bancada, coloque esta questão à Mesa, uma vez que este não é um processo adequado de funcionar.
Não é que a matéria seja demasiado importante, mas não poderá ser objecto de contraditório e de dialéctica por parte das bancadas, limitando-se o Bloco de Esquerda a fazer a sua apresentação, porque o assunto não foi sequer estudado e discutido pela Comissão.
Portanto, o Bloco de Esquerda, a insistir na discussão do projecto de lei para hoje, não beneficiará de qualquer contraditório.
Com toda a franqueza, Sr. Presidente, fico-me por aqui, mas é evidente que compreendo a situação de V. Ex.ª e da Mesa. Não vou apresentar formalmente qualquer recurso, mas apelo ao Sr. Presidente a que faça chegar ao Sr. Presidente Mota Amaral esta nossa preocupação, porque, de facto, isto perturba o normal funcionamento do Plenário.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, em devido tempo, tentámos aprazar a iniciativa. Houve uma insuficiência da Mesa e dos serviços e ela não foi levada a conhecimento, em folhas avulsas, no tempo devido.
Em todo o caso, o argumento substancial utilizado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes é o de que não tem relatório.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não se sabia!

O Orador: - Somos os primeiros a lamentar não ter havido a possibilidade de as outras bancadas terem-se informado devidamente sobre a nossa iniciativa e de podermos aqui beneficiar do contraditório, mas, neste aspecto, somos vítimas e não responsáveis de coisa alguma.
Porém, a questão que aqui se coloca é a de não foi possível apresentar o relatório dada a brevidade do tempo com que agendámos a iniciativa, que julgamos tratar-se de matéria conexa, embora a questão seja discutível, mas quantos projectos de lei do PSD já entraram para debate à última hora sem relatório!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não é argumento!

O Orador: - Convenhamos que não há qualquer norma regimental que o obrigue taxativamente.
Portanto, não creio, Sr. Presidente, que a não existência de relatório seja factor impeditivo, nem sequer do ponto de vista político, para que o debate venha a existir, tanto mais que o PSD não recorre para o Plenário da decisão da Mesa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, como informação adicional, devo dizer que o projecto de lei do Bloco de Esquerda foi admitido e mandado publicar no dia 25 de Setembro deste ano, tendo sido anunciado no Plenário nesse mesmo dia, pelo que a Câmara tem conhecimento do mesmo, pelo menos, a partir do anúncio feito pela Mesa no dia 25 de Setembro.
Tem a palavra, também para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, também não vamos recorrer, obviamente, da decisão do Sr. Presidente, mas gostaria que ficasse claro que comungamos exactamente do que aqui foi dito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Trata-se de um erro claro da Mesa, é bom relembrá-lo, mas há um problema. O Bloco de Esquerda não tem culpa alguma nesta questão, mas a verdade é que, ontem, o diploma foi distribuído na 2.ª Comissão e está-se à espera do relatório. Ora, a fazer-se o debate hoje, o Bloco de Esquerda é que vai ficar prejudicado, porque tenciono comentar os projectos de lei do Partido Socialista e do Partido Comunista Português, mas, como desconheço o diploma do Bloco de Esquerda, não estou preparado porque não me disseram que ele iria ser debatido hoje em Plenário, não vai ter direito ao contraditório das outras bancadas, apesar de muitos aspectos destes vários diplomas irem exactamente no mesmo sentido.
Gostaria que ficasse claro que este tipo de situações não pode voltar a acontecer, porque senão estamos, basicamente, a dizer que não interessa se as comissões fizeram ou não os relatórios, e eles são muito importantes - aliás, o Regimento foi alterado para exactamente valorizar os relatórios das comissões, e estamos a discutir um projecto de lei que nem sequer tem relatório.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tomei nota do que o Sr. Deputado João Rebelo disse, mas a Mesa, fazendo a cronologia dos acontecimentos, é absolutamente alheia sobre o envio ou não deste diploma à Comissão. A única coisa que posso dizer é que o projecto foi anunciado a nesta Câmara no dia 25, pelo que se presume que ela tenha dele conhecimento desde esse dia.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, corroborando o que acaba de dizer, lembro que, na Conferência de Líderes, o Sr. Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, confirmou, perante todos os líderes parlamentares, que o projecto de lei em análise subiria a Plenário em condições de igualdade.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem então a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Sr.as e Srs. Deputados: Retomando o fio e a substância do debate, gostaríamos de pronunciar-nos sobre as várias iniciativas em análise e também sobre o projecto de lei que hoje aqui apresentamos.
As iniciativas em análise vêm responder a uma necessidade de clarificação do estatuto do agente da cooperação, que acompanhamos, em concreto da sua situação laboral, e de vários aspectos de natureza contratual.
As várias iniciativas, do Governo, do Partido Comunista Português e do Partido Socialista, são contributos positivos para legislar sobre esta questão. Neste sentido, acompanhamos o consenso que se estabelece.
Relativamente à iniciativa do Governo, entendemos que é mais acanhada, enquanto que as do Partido Comunista Português

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e do Partido Socialista são mais amplas e, porventura, mais detalhadas mas que têm todo o sentido num debate de especialidade, que julgamos adequado ser feito numa estreita colaboração - este pode ser um processo legislativo exemplar sob esse aspecto - com as organizações não governamentais para o desenvolvimento.
No entanto, gostaria de fazer alguns comentários gerais sobre a elaboração da proposta do Governo.
Há uma constatação, e não é a primeira vez que o Bloco de Esquerda a faz (e ainda recentemente, em comissão, tivemos oportunidade de o dizer ao Sr. Secretário de Estado): a filosofia de base subjacente aos conceitos empregues em relação à cooperação para o desenvolvimento não nos parece ter o rigor e a clarificação necessários, o que, depois, vai produzir alguns afloramentos e incidências legislativas que não são clarificadoras.
Há alguma promiscuidade entre o conceito de cooperação para o desenvolvimento propriamente dito e o conceito de ajuda monetária e também alguma confusão entre cooperação económica e internacionalização da economia.
Esta ausência de definição política neste sector da cooperação tem estado presente desde o início da gestão deste Governo, desta maioria, levando, na nossa óptica, a actuações descoordenadas e a uma falta de consistência na objectivação de um conjunto de acções de cooperação, o que tem permitido, na conjuntura política actual, o esbatimento de objectivos e de medidas de cooperação, passando-se ao investimento em medidas que são, umas, de estratégias empresariais de internacionalização, outras, de cooperação para o desenvolvimento e, outras ainda - estas mais difíceis para nossa compreensão que sejam englobadas no conceito de cooperação -, de cooperação em termos militares. Ora, este englobamento também não ajuda a clarificar os conceitos daquilo a que atendemos quando falamos de cooperação para o desenvolvimento.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Relativamente aos diplomas em discussão, entendemos que no diploma final, em sede de especialidade, dever-se-á atender à clarificação das relações contratuais, e, deste ponto de vista, variadíssimos aspectos são positivos, embora pensemos que não deve coincidir com uma excessiva burocratização destes aspectos contratuais. Pensamos, inclusivamente, que, em determinadas circunstâncias, o recurso à bolsa de cooperantes deve ser facultativo.
Pensamos também, como outros, que deve ser estabelecido um prazo mínimo de vigência dos contratos, que deve ser incluída a figura do destacamento de funcionários ou agentes da Administração Pública e que deve ser clarificado que, quando falamos de promotores da cooperação de carácter privado, falamos de entidades sem fins lucrativos e não de actividades com fins lucrativos, e a este respeito há alguma confusão na proposta de lei.
Por outro lado, também conviria clarificar algo que pensamos que tem um carácter dúbio, que é a indicação da abstenção de comportamentos que constituem interferência nos assuntos internos do estado beneficiário. Creio que isto necessitaria de uma densificação mais positiva.
O Bloco de Esquerda decidiu intervir neste debate e apresentar esta sua iniciativa legislativa, porque entende que há uma lacuna. Pensamos que se trata de matéria conexa, que não se prende unicamente com o estatuto do agente da cooperação, que consta de uma das reivindicações principais da plataforma das organizações não governamentais para o desenvolvimento. Esta importante reivindicação, a que atendemos no processo de estudo e exame das várias iniciativas legislativas aqui em debate para serem votadas, é a extensão dos benefícios fiscais aos donativos concedidos às organizações não governamentais para o desenvolvimento.
De facto, a Lei n.º 66/98, de 14 de Outubro, que aprova o estatuto das organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento, prevê, no seu artigo 13.º, a aplicação do regime de mecenato cultural "Aos donativos (…) concedidos às ONGD e que se destinem a financiar projectos de interesse público (…)", mas nós propomos, por um lado, que, no estatuto das organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento, esses donativos venham a ser contempladas como mecenato de carácter social e, por outro, que nos Códigos do IRC e do IRS venham a ser contemplados como isenções fiscais. O projecto de lei do Partido Socialista já prevê a sua isenção do ponto de vista do IRC, mas nós entendemos que essa isenção deve ser estendida a um conjunto de outros códigos fiscais.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Termino dizendo que teremos de clarificar o financiamento na ajuda ao desenvolvimento, na ajuda às organizações não governamentais para o desenvolvimento, que representam ainda uma pequeníssima parte da nossa ajuda ao desenvolvimento, e esperamos que, na discussão do Orçamento do Estado para 2004, possamos fazer esse debate de uma forma diversa. Como se sabe, no Orçamento do Estado para 2003, este apoio financeiro estava desagregado por um conjuntos de itens, o que não permitiu uma clarificação sobre o seu montante e a sua possibilidade de evolução, mas fazemos votos para que esse debate possa ter lugar agora, aquando da apresentação do Orçamento do Estado para 2004, com um agregado que torne possível a discussão exactamente sobre aquilo que é destinado à ajuda ao desenvolvimento, a este tipo de cooperação.

Aplausos do BE e do Deputado do PS Carlos Luís.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Estão hoje em discussão na Assembleia da República uma proposta de lei e dois projectos de lei que visam estabelecer o enquadramento jurídico do agente de cooperação, que, até aqui, assentava nas normas previstas num decreto-lei já datado de 1985 - Estatuto do Cooperante.

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Face aos desajustamentos da realidade que o Decreto-Lei n.º 363/85 claramente evidencia, afigura-se necessário adaptar o normativo aos novos desafios e objectivos da cooperação portuguesa. Este sentimento é extensivo aos três diplomas que estão hoje em discussão, independentemente de sensíveis diferenças que possam existir em diversas disposições apresentadas.
A cooperação para o desenvolvimento é para o PSD um vector essencial da política externa portuguesa, assumindo particular importância no aprofundamento de relações com outros povos, nomeadamente os de língua oficial portuguesa.
É, pois, compreensível que para o Grupo Parlamentar do PSD esta discussão se revele da maior importância, porque, para nós, é fundamental que a legislação nesta matéria seja devidamente adaptada à realidade, permitindo, assim, o correcto cumprimento dos objectivos definidos pelo Governo para a área da cooperação.
Não interessa definir políticas, se não existem os instrumentos necessários para as pôr em prática. É neste sentido que a proposta de lei apresentada pelo Governo pretende, em primeiro lugar, criar os instrumentos que garantam uma efectiva articulação dos agentes que prestam o seu trabalho no terreno com as políticas definidas. Isto parece-nos claramente essencial.
Assim, o articulado da proposta de lei pretende dotar a ordem jurídica portuguesa de instrumentos de enquadramento das diversas intervenções da cooperação portuguesa.
Resulta também do quadro legal proposto uma visão substancialmente menos estatizante, tanto no âmbito das relações de trabalho, como nas acções concretas.
Passam a existir as figuras do agente de cooperação, do promotor de cooperação, do executor de cooperação e também - a novidade - a figura do voluntário.
Definem-se, igualmente, novas regras, entre as quais a que se refere às entidades que promovem e executam as acções de cooperação portuguesa.
Tem-se em atenção o papel crescente da sociedade civil, nomeadamente o assumido pelas organizações não governamentais, sobretudo no que se refere à ajuda humanitária. As acções de cooperação reflectem, assim, um desígnio partilhado entre o Estado e os particulares. Não se transferem as responsabilidades que incumbem ao Estado, pelo contrário, assumem-se obrigações no plano das solidariedades e criam-se condições para um efectivo envolvimento da sociedade civil.
Tendo em vista uma melhor capacidade de resposta às necessidades em matéria de ajuda ao desenvolvimento, é criada uma bolsa de candidatos de agentes de cooperação, com qualificações apropriadas, especialmente necessária para fazer face a casos de ajuda humanitária e de emergência.
São definidas também regras específicas mais exigentes no que concerne aos requisitos de recrutamento dos agentes de cooperação, para além de se alargar a possibilidade de acesso a este estatuto a não portugueses.
A proposta de lei valoriza ainda o papel do voluntário, ao qual se aplica, certamente com as devidas adaptações, alguns pontos do regime do agente de cooperação.
Quanto aos direitos e garantias dos agentes cooperação que intervêm numa área, que convém lembrar, de interesse público, não só foram mantidos os já previstos na actual legislação como ainda foi alargado o seu âmbito à acumulação de remunerações com pensões de reforma e aposentação, a seguros e a formação específica, não havendo, portanto, qualquer perca de garantias.
Os direitos dos trabalhadores e das entidades empregadoras são devidamente salvaguardados pelos mecanismos criados com vista à autorização para a prestação de serviço no âmbito das acções de cooperação.
No entanto, o regime do agente de cooperação proposto é viável no quadro político e orçamental português, o que significa que corresponde a uma lei exequível, porque consentânea com as condições concretas existentes.
Uma das disposições que nos parece de essencial importância para um correcto cumprimento dos objectivos em matéria de cooperação e ajuda ao desenvolvimento tem a ver com a obrigatoriedade das acções de cooperação financiadas pelo Estado português passarem, agora, a carecer de parecer prévio vinculativo do IPAD, o que, como se compreende - e isto é importante -, oferece garantias de aplicabilidade do presente diploma.
A reestruturação da coordenação da política de cooperação, através da criação do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) insere-se nesta nova forma de ver a política de cooperação, pondo fim à sobreposição de competências e objectivos que o anterior modelo permitia, optimizando, assim, a intervenção nesta área de acção governativa. A coordenação da ajuda pública ao desenvolvimento está agora a cargo de uma só instituição, que assegura igualmente a supervisão e a direcção política de cooperação e de ajuda ao desenvolvimento, o que evita que as actividades de cooperação se desenvolvam de forma avulsa ou dispersa.
Ao adaptar à realidade o enquadramento legal de quem presta trabalho no âmbito da cooperação portuguesa, o Governo procura dar resposta às necessidades em termos de cooperação, aumentando a eficiência dos projectos de ajuda ao desenvolvimento, estimulando a participação de mais entidades privadas em acções de cooperação e promovendo o melhor cumprimento dos compromissos internacionais assumidos por Portugal.
Quanto aos projectos de lei também aqui em discussão, é notório que a iniciativa do Partido Socialista insere várias disposições que a aproximam da proposta de lei apresentada pelo Governo. Convém, no entanto, referir - e já aqui foi feito hoje nesta Câmara - que o projecto de lei do Partido Socialista se inspira num projecto lei apresentado por esta bancada em 1997. E, face à posição que o PS aqui assume hoje sobre esta matéria, só foi pena que esta questão não tivesse tido, entretanto, resolução.
Tal como na proposta do Governo, é aqui também clara a intenção de incentivar a participação de mais entidades privadas

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e de cidadãos voluntários para prestar trabalho em acções de cooperação e de alargar o âmbito das garantias dos agentes de cooperação, nomeadamente na protecção social e formas de recrutamento.
O Partido Socialista, com o seu projecto, pretende, certamente, a institucionalização do estatuto do agente de cooperação e revogar o decreto-lei em vigor, claramente desajustado aos novos desafios da cooperação.
O projecto de lei do PCP reconhece que as acções de cooperação se integram numa realidade diferente da que existia em 1985, justificando-se, assim, a revogação do Decreto-Lei n.º 363/85, mantém, no entanto, uma grande parte da estrutura do decreto-lei em vigor, sem que se altere o conceito de cooperante e a forma de recrutamento ou exista uma maior abertura à sociedade civil. Prevê, no entanto, algumas disposições com o objectivo de clarificar os direitos dos cooperantes e também a criação de uma bolsa de agentes de cooperação, que nos parece uma medida importante.
Porém, independentemente das diferenças assinaladas, considera o Grupo Parlamentar do PSD que a cooperação é um assunto que deve reunir o maior consenso da sociedade portuguesa. Por isso estamos disponíveis para, em sede de especialidade, darmos o nosso contributo para encontrar esse consenso.
O Grupo Parlamentar do PSD reconhece a importância que releva para a área da cooperação e, no plano geral, para a nossa a política externa o novo enquadramento jurídico do agente de cooperação portuguesa, que poderá, certamente, contribuir decisivamente para uma melhor intervenção dos nossos cooperantes no terreno e permitir o cumprimento dos objectivos de Portugal nesta área tão importante da acção governativa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Sr.as e Srs. Deputados: A cooperação entre Portugal e os países em desenvolvimento, nomeadamente os países africanos de língua portuguesa, carece de algum aprofundamento no que se refere aos instrumentos de cooperação e à institucionalização do estatuto do agente da cooperação.
É neste sentido que o projecto de lei do Partido Socialista visa clarificar, em primeiro lugar, quais os instrumentos de cooperação que podem ser utilizados na política de cooperação do Estado português, em segundo lugar, quais os promotores de acções, de projectos e de programas de cooperação e, em terceiro lugar, o quadro em que devem constituir-se os chamados agentes da cooperação, sejam eles cooperantes ou voluntários, já que estes dois estatutos são consagrados no projecto de lei do Partido Socialista.
Os instrumentos de cooperação propostos no projecto de lei do PS visam, sobretudo, no quadro de relações bilaterais ou multilaterais entre Portugal e os países de expressão portuguesa, definir com rigor, por via escrita e registo no Ministério dos Negócios Estrangeiros, quais as acções, os programas e os projectos que devem ser incluídos no âmbito da cooperação e que, por isso, deverão merecer, aos seus diversos níveis, o tratamento adequado.
Este tratamento adequado implica também a consideração, na área da cooperação, de duas novas figuras de qualificação de cidadãos quando intervêm no processo de cooperação: a do agente de cooperação e a do cooperante, também chamado de voluntário. São duas figuras diferentes, com diferentes estatutos, conforme está previsto no projecto de lei do Partido Socialista, e que se destinam, em nosso entender, a procurar, por um lado, oferecer àqueles que se dispõem a participar nos processos de cooperação garantias de estabilidade na sua própria actividade ou função profissional ao serviço de projectos e acções de cooperação e, por outro, agilizar ou facilitar a contratação ou o chamar de outros cidadãos a cooperar com organizações não governamentais em projectos e acções de cooperação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Destina-se, por isso, o articulado do projecto de lei do Partido Socialista, por um lado, a garantir certeza e rigor àqueles que se dispõem a trabalhar na área da cooperação em termos de participação profissional e, por outro, a permitir às entidades que venham a colaborar em acções e processos de formação alguma facilidade no recrutamento de voluntários, necessariamente com um estatuto diferente.
Igualmente no nosso projecto de lei se diz - e penso que de forma muito clara e útil - que, para o aprofundar dos processos de cooperação, podem ser promotores de acções, de programas e de projectos de cooperação não apenas aqueles que são os promotores tradicionais ou aqueles que mais habitualmente aparecem como motores da cooperação, ou seja, o Estado, os institutos públicos e as organizações não governamentais de diversa ordem, mas também empresas, instituições particulares e outras.
Daí a necessidade de, ao nível do projecto, se particularizarem, em algumas áreas, alguns factores, obviamente importantes, para que essas entidades possam participar, quais sejam, por exemplo, incentivos aos promotores.
É evidente que, para que a participação em processos e acções de cooperação interesse a outras instâncias, para além das públicas habituais, como empresas e fundações, importa que os projectos e programas de cooperação tenham, por exemplo, incentivos de natureza vária - deduções em retribuições, benefícios fiscais e outros -, equiparados a donativos concedidos ao Estado, como se propõe no nosso projecto de lei.
Finalmente, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, aproveito para cumprimentar e saudar centenas e centenas de portugueses e portuguesas espalhados pelo mundo, que, com o seu trabalho,…

Vozes do PS: - Muito bem!

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0313 | I Série - Número 006 | 02 de Outubro de 2003

 

O Orador: - … em condições adversas, muito têm honrado e dignificado o nome de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Sr.as e Srs. Deputados: São presentes a Plenário os projectos de lei n.os 159 e 252/IX e a proposta de lei n.º 87/IX, e também agora o projecto de lei do BE, e todos eles versam sobre a mesma matéria - o estatuto do agente da cooperação. Suspeito que o do Bloco de Esquerda vai um bocado mais além,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Suspeita, e bem!

O Orador: - … mas a intervenção estava preparada para os outros diplomas.
Esta matéria reveste a maior importância, sobretudo quando estão em causa princípios como o da solidariedade e o da dignificação da pessoa humana, traduzidos numa política de ajuda ao desenvolvimento, cumprindo os objectivos de estreitamento dos laços que unem Portugal a outros povos, em particular os de língua oficial portuguesa.
Torna-se imperativo dotar e actualizar a ordem jurídica interna de instrumentos de enquadramento das diversas intervenções da cooperação portuguesa, tanto mais que, ao longo dos últimos 18 anos, a actividade dos agentes de cooperação assenta no Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro, que estabelece o Estatuto do Cooperante.
Este diploma encontra-se já desajustado à realidade, quer na limitação do respectivo âmbito à figura do cooperante, quer pela existência de disposições concretas, que não atendem à natureza específica das políticas prosseguidas, tornando-se, assim, necessário actualizar e definir novas regras quanto às entidades que promovem e executam acções de cooperação.
Hoje, as perspectivas com que se pautam ou devem pautar as iniciativas de projectos que se inserem no desafio que e a cooperação, envolvendo Portugal, integram-se numa realidade distinta daquela que legitimou a publicação do referido decreto-lei.
Como é sabido, este desígnio é também sentido pela Assembleia da República, sendo, portanto, de louvar as iniciativas agora presentes a Plenário pelas restantes bancadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É ainda de salientar que várias organizações da sociedade civil têm vindo, progressivamente, a participar na execução de acções de cooperação, assumindo as organizações não governamentais relevo crescente, em particular, no que toca à ajuda humanitária.
Sendo a cooperação uma matéria fundamental para o Governo português, esta discussão assume, assim, uma importância renovada.
A proposta de lei apresentada pelo Governo, e que aqui estamos a apreciar, pretende, acima de tudo, articular de uma forma mais consequente os agentes que actuam nos domínios da cooperação com as políticas definidas, suportadas na acção do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), resultante da fusão da APAD e do ICP.
Desta articulação, e também da percepção de que a cooperação se pode efectivar através de múltiplos agentes, define-se, o que não sucedia até então, o agente de cooperação, o promotor de cooperação, o voluntário e a consignação mais alargada de direitos.
Uma das disposições que merece especial destaque para o cumprimento correcto e rigoroso dos objectivos em matéria de cooperação tem a ver com a obrigatoriedade de as acções de cooperação financiadas pelo Estado português passarem a carecer de parecer prévio vinculativo do IPAD, o que demonstra, sem dúvida, um maior rigor.
Outro aspecto positivo é o facto da coordenação da ajuda pública ao desenvolvimento passar a estar a cargo de uma só instituição, o que evita que as actividades de cooperação se desenvolvam de uma forma dispersa e descoordenada.
Quanto aos projectos de lei em discussão, começo por dizer que a iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista insere várias disposições que, de alguma forma, se assemelham às da proposta de lei apresentada pelo Governo. É clara a intenção de incentivar a participação de mais entidades privadas e de cidadãos voluntários para prestarem trabalhos em acções de cooperação.
Com este diploma o PS pretende melhorar e complementar o enquadramento legal existente, revogando o decreto-lei em vigor, claramente desajustado à realidade da cooperação.
Por seu lado, o projecto de lei do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português parece não ter em consideração a evolução atrás referida, isto é, ao contrário do que preconiza, mantém a linha da legislação vigente, e, por outro lado, parece não realçar devidamente o papel e o valor concreto que as organizações da sociedade civil desempenham na ajuda ao desenvolvimento.
O diploma resulta, assim, em traços gerais, desadequado aos objectivos da nova política de cooperação e ajuda pública ao desenvolvimento, que privilegiam a eficácia das acções concretas e a promoção de sinergias no plano das entidades e recursos envolvidos, relegando o Estado para o seu verdadeiro papel.
Para concluir, não quero deixar de referir, uma vez mais, a importância que a cooperação assume na política externa portuguesa e a importância que reveste a contribuição de uma melhor definição da intervenção dos nossos cooperantes para que se possa cumprir da melhor maneira o desígnio de Portugal nesta matéria tão nobre, como é a da cooperação.
Como aqui foi dito pelo Sr. Deputado Vítor Ramalho, a cooperação é um verdadeiro desígnio nacional. Como é conhecido,

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temos três fronteiras, a fronteira continental, que é a Europa, a fronteira marítima, que é o Atlântico, e o continente americano, mas temos também uma fronteira identitária, que é a lusofonia, que obriga todos os partidos aqui presentes a analisar os vários diplomas, para que exista o maior consenso possível sobre esta matéria.
Portanto, o CDS-PP também se disponibiliza para permitir que todos os diplomas baixem à comissão competente para se alcançar esse mesmo consenso.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate.
A próxima sessão plenária realizar-se-á, amanhã, quinta-feira, às 15 horas, tendo como ordem do dia a eleição de um membro suplente da Delegação da Assembleia da República à Assembleia da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e a interpelação ao Governo n.º 7/IX, do PS.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Henrique José Monteiro Chaves
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Fausto de Sousa Correia
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Manuel de Medeiros Ferreira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Francisco José Pereira de Assis Miranda
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

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Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Eduardo Artur Neves Moreira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel Pereira da Costa
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca

Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa
Ascenso Luís Seixas Simões
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Comunista Português (PCP):
Bernardino José Torrão Soares

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