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Quinta-feira, 23 de Outubro de 2003 I Série - Número 15

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE OUTUBRO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) referiu-se ao relatório sobre a situação da população no mundo relativo a 2003, apresentado pelo Fundo das Nações Unidas para a População, sobre a saúde reprodutiva dos adolescentes e dos jovens, e criticou a situação vivida em Portugal. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes), lembrando a queda da ponte de Entre-os-Rios, condenou a decisão de retoma da extracção de areias no rio Douro sem assegurar a regulamentação e fiscalização dessa actividade, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Honório Novo (PCP) e Renato Sampaio (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado João Pinho de Almeida (CDS-PP) congratulou-se pela realização do Dia da Defesa Nacional e teceu críticas a algumas manifestações de estudantes do ensino superior. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jamila Madeira (PS), Luís Fazenda (BE) e Jorge Nuno Sá (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira (PS) teceu críticas à proposta de lei de Orçamento do Estado para 2004 e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Neto (PSD) e Diogo Feio (CDS-PP).
O Sr. Deputado Joaquim Ponte (PSD), também em declaração política, salientou a importância para a Região Autónoma dos Açores dos acordos celebrados pelo Governo, a nível da União Europeia, no âmbito das pescas e da quota do leite. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Capoulas Santos - que também exerceu o direito regimental da defesa da honra pessoal - e Luiz Fagundes Duarte (PS), Herculano Gonçalves (CDS-PP).
O Sr. Deputado Francisco Louçã (BE), ainda em declaração política, comentou a declaração ao País feita pelo Sr. Presidente da República e chamou atenção do Parlamento para alguns aspectos referidos na mesma, salientando a questão do referendo, tendo, no fim, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD), António Costa (PS), Bernardino Soares (PCP) e dado explicações à defesa da honra pessoal feita pelo Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS-PP).
O Sr. Deputado Pinho Cardão (PSD) fez uma apreciação do Programa de Recuperação das Áreas e Sectores Deprimidos, apresentado no dia 1 de Outubro, sobretudo a nível das disparidades regionais.
O Sr. Deputado João Rui de Almeida (PS) abordou as dificuldades por que passa o sector da saúde, referindo-se particularmente ao SNS, após o que respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Clara Carneiro (PSD) e Bernardino Soares (PCP).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 94/IX - Autoriza o Governo, no âmbito da transposição das directivas que compõem o regime jurídico aplicável às comunicações electrónicas, a estabelecer o regime de controlo jurisdicional dos actos praticados pela ANACOM, de reforço do quadro sancionatório e de utilização do domínio público e respectivas taxas, bem como a revogar a Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto, e 96/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento

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de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas, e dos projectos de lei n.os 309/IX - Lei de bases das comunicações electrónicas (PS) e 208/IX - Garante a protecção dos dados pessoais e a privacidade das comunicações electrónicas na sociedade de informação, procedendo à transposição da Directiva 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002 (PS). Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Economia (Carlos Tavares) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça (João Mota de Campos), os Srs. Deputados Ramos Preto (PS), Bruno Dias (PCP), José Magalhães (PS), Bessa Guerra (PSD), Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), Gonçalo Capitão (PSD), Odete Santos (PCP) e Miguel Paiva (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro

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José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia

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Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas

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Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa diversos requerimentos.
Na reunião plenária de 8 de Outubro - aos Ministérios da Saúde, das Obras Públicas, Transportes e Habitação, da Administração Interna, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho, José Junqueiro, Miranda Calha, José Apolinário, António Filipe, Bernardino Soares e Lino de Carvalho; ao Ministério da Segurança Social e do Trabalho, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Luís e Jerónimo de Sousa; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Marques Júnior; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Cabral; aos Ministérios da Justiça, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e à Secretaria de Estado dos Transportes, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Nas reuniões plenárias de 9 e 10 de Outubro - aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Habitação e da Economia, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Tadeu Morgado, Vasco Cunha, Fernando Cabral e José Apolinário; aos Ministérios da Saúde e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho, Rodeia Machado e Honório Novo; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e das

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Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe e Marques Júnior; aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho e da Economia, formulados pelas Sr.as Deputadas Isabel Castro e Maria do Carmo Romão; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Augusto Santos Silva; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.
Por sua vez, foi recebida resposta a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
Nos dias 13 e 14 de Outubro - António Filipe, Vicente Merendas, Bruno Dias e António Galamba, Antero Gaspar, Lino de Carvalho e Miguel Anacoreta Correia, Honório Novo, Ana Manso, Jorge Pereira e Bernardino Soares, Heloísa Apolónia, José Apolinário, Fernando Cabral, Luísa Mesquita, Isabel Castro, João Pinho de Almeida e Maria Manuela Aguiar, Jorge Nuno de Sá, Narana Coissoró, Pedro Roque e Manuel Oliveira.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar os trabalhos de hoje com declarações políticas. A primeira oradora inscrita é a Sr.ª Deputada Odete Santos.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório sobre a situação da população no mundo, apresentado este ano pelo Fundo das Nações Unidas para a População - FNUAP -, é dedicado à saúde reprodutiva dos adolescentes e jovens, ou seja, à avaliação do grau de realização dos seus direitos sexuais e reprodutivos.
Tais direitos estão ínsitos e são postulados por direitos fundamentais como os direitos à vida, à liberdade e à igualdade de tratamento, o direito à educação, o direito à saúde e o direito à segurança. Estamos, pois, a falar de direitos humanos, consagrados em declarações e tratados internacionais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Está hoje formado e consolidado um consenso internacional no sentido da indivisibilidade dos direitos humanos. Proclamada tal indivisibilidade na Conferência de Viena, das Nações Unidas, em 1993, a mesma foi reafirmada, nomeadamente, nas Conferências do Cairo e de Beijing.
Assim, não pode dizer-se que gozam do direito à vida a adolescente e a jovem que, por não terem acesso ao planeamento familiar, correm o risco de engravidar, ficando em perigo o seu futuro; não pode dizer-se que gozam do direito à segurança e do direito à liberdade os adolescentes e os jovens que não têm acesso aos meios contraceptivos; não goza do direito à vida e à segurança quem, por falta de cuidados primários de saúde, corre o risco de contrair o vírus do HIV/Sida ou outras doenças sexualmente transmissíveis; não pode dizer-se que gozam do direito à educação os adolescentes e os jovens que são privados, por preconceitos ideológicos e religiosos, de uma parte importante dessa educação, a educação sexual;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - … e também não pode dizer-se que gozam do direito à saúde os adolescentes e jovens que não têm acesso aos cuidados primários de saúde, na área da saúde da reprodução.
A saúde (recorde-se o que diz a constituição da Organização Mundial de Saúde) não é apenas a ausência de doença ou de enfermidade, mas um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Este estado não se atinge se não forem garantidos, como se diz na Conferência de Beijing, cuidados primários de saúde de boa qualidade, acessíveis e numerosos, nomeadamente no domínio da procriação e da sexualidade, assim como serviços de informação em matéria de planeamento familiar.
Uma sociedade que não encara as questões suscitadas pela saúde reprodutiva, nomeadamente dos adolescentes e dos jovens, corre graves riscos de ver acumularem-se factores de pobreza. A realização dos direitos sexuais e reprodutivos também fazem parte da luta pelo desenvolvimento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Tornando os jovens responsáveis pelo seu futuro, através da informação, do planeamento familiar, da educação, da educação sexual, habilitando-os a tomar decisões, lutamos pelo desenvolvimento e contra a pobreza.
Elucidativos são alguns inquéritos, como o inquérito à fecundidade, realizado, em 1997, pelo Instituto Nacional de Estatística, que inequivocamente relacionam as gravidezes precoces com os níveis de educação.

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Diz-se nesse inquérito do INE: "Existe uma relação inequívoca entre a idade ao nascimento do primeiro filho e o nível educacional dos indivíduos. As mulheres com níveis educacionais superiores apresentam idades ao nascimento do primeiro filho mais elevadas, confirmando que tendem a adiar o nascimento do primeiro filho em função directa do nível educacional."
Adiar o nascimento do primeiro filho, nomeadamente quando se é adolescente ou jovem, representa, muitas vezes, preparar um futuro melhor. Um melhor futuro para si próprio e para uma família nascida da liberdade de escolher o momento do nascimento dos filhos e o espaçamento dos mesmos.
Infelizmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório do FNUAP de 2003 contém uma cifra - que já não nos espanta - bem negra para Portugal. Por cada 1000 mulheres dos 15 aos 19 anos, houve 17 nascimentos, taxa só ultrapassada pelo Reino Unido, que registou 20 nascimentos, o que claramente indica que os jovens não têm assegurado o direito ao planeamento familiar. Conclusão que ainda mais se radica se atentarmos num outro dado relativo ao número de interrupções voluntárias da gravidez apuradas no inquérito à fecundidade do INE. Aí se conclui que se apurou que o número de interrupções voluntárias da gravidez praticadas pelas mulheres até aos 24 anos foi de 100 por cada 1000 gravidezes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - Também não nos causa espanto cruzar esta taxa de gravidezes precoces com a situação de pobreza verificada em Portugal relativamente aos jovens, situação essa constatada pela Comissão Europeia.
Na Europa dos Quinze, segundo a Comissão, Portugal, apresentava a taxa máxima quanto aos jovens que não estavam satisfeitos com a sua situação económica (73%) e ocupava o segundo lugar (com 80%) relativamente ao número de jovens até aos 24 anos que viviam em lares com dificuldades.
Pobreza, situações económicas difíceis, para mais se associadas à amputação das funções sociais do Estado (como agora acontece a uma velocidade vertiginosa), estão na base do incumprimento do objectivo fixado nalgumas conferências, como a do Cairo, que no ponto 7.46 da Plataforma de Acção refere o seguinte: "Com o apoio da comunidade internacional, os países deverão proteger e promover o direito dos adolescentes à educação, à informação e aos cuidados no domínio da saúde reprodutiva e actuar de maneira a que o número de gravidezes adolescentes diminua consideravelmente."
A julgar pelo que temos ouvido, por várias vezes, nesta Assembleia, nomeadamente por parte do Ministério da Educação, em relação a estas questões conviria que o Governo de Portugal lesse os consensos internacionais em que se integrou, nomeadamente os do Cairo e de Beijing. Tanto mais que, nessa altura, por ser Governo, foi o PSD quem representou o País.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

A Oradora: - E, por falar na comunidade internacional, regista-se que maus vão os tempos para a promoção dos direitos dos adolescentes na área da saúde reprodutiva.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
A recente resolução do Conselho da Europa sobre o que é conhecido pelas gag rules do Sr. Bush ou a Mexico policy dá voz à indignação dos que vêem cancelar apoios dos Estados Unidos da América a instituições que, com o seu trabalho, muito têm combatido a pandemia do HIV/Sida, nomeadamente em África. Tal política faz parte da cruzada do Sr. Bush contra as mulheres. Mais uma "buschada" contra os direitos humanos! Sinais dos tempos, que as vontades hão-de mudar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, V. Ex.ª fez uma intervenção virada para as questões importantes da saúde reprodutiva, mas também retiro da sua intervenção que a saúde reprodutiva não pode estar desligada de outros problemas mais vastos e mais abrangentes no domínio da sociedade portuguesa, designadamente aqueles que têm que ver com o trabalho.
O relatório da União Europeia sobre a situação social em 2002 apontava para um diagnóstico muito

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preocupante em relação ao nosso país em termos de taxa de pobreza (de um maior risco de pobreza), mesmo entre a população assalariada, e de elevadíssimas taxas de abandono escolar precoce, indicadores que nos mostram que não só não estamos a tratar bem do presente, em virtude do pesado peso do passado, como não estamos a preparar o futuro, no sentido de sair deste ciclo vicioso.
Efectivamente, esta taxa de risco de pobreza, mesmo em relação à população assalariada, chama-nos a atenção para a importância que a conciliação do trabalho com a vida familiar acarreta para a maioria da mães trabalhadoras, uma vez que grande parte delas aufere salários muito baixos, sem que se verifique, sequer, o que ocorre em muitos países da União Europeia mais desenvolvidos, em que a taxa de trabalho a tempo parcial é mais elevada do que a do nosso país.
Relativamente à análise que fez sobre a saúde reprodutiva e as implicações que ela tem, necessariamente, no exercício do direito ao trabalho, pergunto à Sr.ª Deputada que consequências considera mais graves. Refiro-me, designadamente, ao adiamento do primeiro filho, à limitação da taxa de fecundidade da mulher e demais consequências que advêm da dissolução conjugal, situação que é extraordinariamente preocupante em Portugal.
Considera que há uma efectiva relação entre estes factores e que o actual Código do Trabalho, que entrou em vigor recentemente, agrava esta situação, porque não facilita aos jovens uma limitação de horário que lhes permita conjugar a família, a maternidade na idade precoce, com o que vem sendo uma exploração da sua disponibilidade e, até, da precariedade do trabalho que, muitas vezes, se verifica nesses estratos etários?

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém, na intervenção que proferi quis apenas focar a questão da saúde reprodutiva relativamente aos adolescentes e jovens, precisamente porque o relatório do FNUAP deste ano trata dessa área. Por isso, não falei de outras questões que referiu e com as quais estou de acordo.
De facto, foi neste mês de Outubro que o Eurostat divulgou os dados relativos à taxa de pobreza persistente em Portugal - aqueles que se mantêm com menos de 60% do salário médio nacional durante mais de três anos -, bem como as diferenças entre a taxa de pobreza feminina e a masculina em Portugal, diferença essa que é de 3%: os homens são ameaçados por uma taxa de pobreza de 19% e as mulheres por uma taxa de pobreza de 22%.
Estes dados são extremamente importantes na medida em que não se pode desligar a questão da pobreza da dos cuidados na área da saúde reprodutiva, e não se pode fazê-lo porque os pobres são aqueles que menos acesso têm a esses cuidados primários de saúde.
Em Portugal, por exemplo, em virtude do próprio funcionamento de centros de saúde, as mulheres trabalhadoras têm muitas dificuldades de acesso às consultas de planeamento familiar. Visitei centros de saúde recentemente e constatei que as consultas são a horas a que as mulheres não têm possibilidade de comparecer, por estarem a trabalhar.
Por outro lado, esta questão não pode desligar-se da da educação. Relativamente aos jovens e adolescentes, era importante que não houvesse abandono escolar precoce, porque esse abandono está, também, na origem de muita falta de informação dos jovens e de taxas de gravidezes precoces como as que temos.
Para terminar, Sr.ª Deputada, diria que, embora o nosso país, em matéria de trabalho a tempo parcial, tenha uma pequena taxa quando comparada com outros países, a taxa dos outros países não é nada que possamos invejar, porque muito do trabalho a tempo parcial não nasce de um trabalho voluntariamente parcial mas do facto de não se encontrar um trabalho a tempo inteiro.
Há alguns anos, a própria União Europeia divulgou estudos e inquéritos que concluíam que a maior parte das pessoas que trabalhava a tempo parcial o fazia porque não tinha encontrado um trabalho a tempo inteiro. É que trabalhar a tempo parcial significa também receber parcialmente e, com a taxa de pobreza e a taxa de salários que temos, é óbvio que não se trata de uma situação atractiva.
Por último, efectivamente, o Código do Trabalho contém uma série de malfeitorias, que conduzem à degradação dos laços familiares, ao afastamento das pessoas de casa, a uma ocupação dos pais por mais tempo nalgumas semanas, privando-os de estarem em contacto com os filhos, bem como à precarização desmedida dos horários de trabalho, que, sem dúvida, contribuem para essa degradação no âmbito das relações familiares.
Penso que, de qualquer forma, os jovens, as mulheres e os homens hão-de conseguir superar esta situação.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A irresponsabilidade foi, no passado, aliada da catástrofe. A irresponsabilidade não pode, por isso, ser hoje tolerada, para que não haja mais, em Portugal, espaço para tragédias como a de Entre-os-Rios.
Este o alerta que Os Verdes entendem ser o momento oportuno de lançar, sabido que os areeiros estão de volta ao rio Douro, dois anos e meio após a tragédia que, em Março de 2001, nos atingiu e deixou o País perplexo e enlutado, uma decisão tomada praticamente no mesmo momento em que, por recurso das famílias das vítimas, é reaberto o processo de Entre-os-Rios e, no Tribunal de Castelo de Paiva, 22 areeiros são constituídos arguidos, para apuramento da sua eventual responsabilidade criminal na actividade que se reconheceu ser um dos dois principais factores que contribuiu para o desastre.
Um regresso pela mão do Governo de Durão Barroso e com a cedência despudorada dos partidos da maioria, PSD e CDS-PP, aliados e rendidos à pressão do poderoso lobby dos areeiros, há décadas impunemente instalado.
Um regresso a uma actividade que é, nos termos feitos, uma decisão politicamente irresponsável, tomada sem a devida sustentação técnica, já que os estudos encomendados ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) estão ainda a decorrer.
Uma decisão prematuramente tomada, quebrando o compromisso, então solenemente assumido perante todos os portugueses, de que não mais se iria consentir que o Estado continuasse a "fechar os olhos" a uma actividade que se transformou numa pilhagem, que o Estado iria assumir a sua responsabilidade, como, aliás, era objectivo primeiro da Comissão de Inquérito aprovada neste Parlamento, para não negligenciar o seu papel e responsabilidades no quadro da obrigatoriedade de fazer cumprir integralmente o quadro legal e os regulamentos aplicáveis para esta actividade económica.
Uma decisão tomada, e esse é o primeiro aspecto escandaloso a relevar, sem que a necessidade - o requisito legal elementar - o justificasse, já que as condições de navegabilidade do rio Douro estão, de há muito, totalmente asseguradas.
Uma decisão tomada sem qualquer conhecimento integrado e sem uma abordagem dos aspectos globais do planeamento e gestão do rio Douro.
Uma decisão que desrespeita as normas técnicas para a elaboração do plano específico de gestão da extracção de inertes, que, aliás, não existe e que este mesmo Governo tinha feito publicar, ao que parece para "ficar na gaveta" neste ano.
Uma decisão tomada à margem do Ministério do Ambiente, recorrendo a um vício do passado que tanto o PSD e a maioria criticavam. O Ministério do Ambiente também aqui é remetido, cada vez mais, à condição residual de um Ministério de "faz-de-conta".
Uma decisão tomada sem que as duas barragens instaladas no rio Douro (Crestuma e Torrão) tenham os seus planos de ordenamento aprovados ou sequer elaborados, sabido que esses planos são fundamentais para se poder, com rigor, avaliar tecnicamente as projecções do transporte de sedimentos.
Uma decisão tomada sem que as condições eficazes de fiscalização tenham sido asseguradas, a qual - pasme-se! -, uma vez mais, apesar das críticas, passa a estar na dependência do extinto Instituto da Navegabilidade do Douro.
Uma decisão tomada sem um conhecimento técnico e sem que qualquer estudo aprofundado do Douro e dos seus impactes, após a suspensão das dragagens, tenha sido feito em relação à orla costeira.
Uma decisão tomada - e aqui é curioso verificar a hipocrisia da maioria - totalmente de "costas viradas" para a lei aprovada em 1994, que disciplina a actividade de extracção de areias.
Uma lei que as próprias conclusões da Comissão Oficial de Inquérito, aberta pelo governo de então, reconhecia não estar a ser aplicada, uma vez que as extracções se estavam a fazer sem o suporte de planos específicos e sem estudos técnicos que demonstrassem que, entre outros valores de natureza ambiental, não seria afectada a integridade do leito e das margens.
Uma lei essencial para uma utilização equilibrada e para regulação de uma actividade económica (a dos areeiros) deixada, durante décadas, "ao Deus dará" e que só pelas piores razões - a queda de uma ponte e a morte de dezenas de pessoas - se viria a compreender ter de passar a ser autorizada no escrupuloso cumprimento da lei, atendendo aos impactes que provoca, no imediato ou a prazo, na dinâmica dos rios e em todo o litoral.
Uma atenção que se julgaria, hoje, dramaticamente adquirida, atendendo às declarações da altura, nomeadamente as declarações inflamadas do então porta-voz do PSD para o Ambiente, o então Deputado José Eduardo Martins, hoje membro do Governo, com uma firmeza que se revela afinal não existir, a avaliar pela leviana decisão do Governo agora tomada.

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Um facto grave que recomenda, pois, para refrescar a memória de algumas pessoas neste momento no Governo, a devolução para leitura dos seus próprios discursos nesta Câmara, em especial os proferidos em 4 de Maio de 2001, aquando de uma discussão de um projecto de Os Verdes, intervenção essa que "minuciosamente", citando a lei, evocava tudo aquilo que não tinha sido cumprido. Relembro: "A extracção de inertes só é permitida quando existem planos específicos que definem os locais potenciais." A extracção não pode ser autorizada a não ser por razões de "ordem técnica, ambiental ou paisagística e em locais" - o que não é manifestamente o caso - "cujo desassoreamento seja imprescindível."
Trata-se, portanto, de uma lei desprezada, malgrado todas as conclusões do Inquérito Parlamentar a que o próprio PSD presidiu e que, quase por unanimidade, deu lugar, naquele que foi um trabalho que prestigiou o Parlamento, a um conjunto de conclusões e recomendações a serem tomadas para o futuro.
Recomendações da maior importância face à relevância atribuída - e uma vez mais cito o PSD e o Sr. Deputado Castro de Almeida - às responsabilidades inerentes ao processo de extracção de areias no rio Douro, tendo ficado demonstrado, segundo as suas palavras, que, ao longo de anos, o seu processo foi irregular, não tendo havido qualquer fundamentação técnica ou rigor. É exactamente essa mesma falta de fundamentação técnica ou rigor que hoje prevalecem, bem como a ausência de um diagnóstico sério de que se faz agora tábua rasa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, já ultrapassou largamente o seu tempo. Tem de terminar, se não ser-lhe-á desligado o microfone.

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foram muitas as palavras, em 2001. A irresponsabilidade teve consequências desastrosas e não é, pois, aceitável, em nome da ética de responsabilidade e em nome das palavras lançadas, como não é aceitável, tão-pouco, em memória daqueles que pereceram, que o Parlamento continue a fazer de conta, que Governo continue a fingir e a ceder aos interesses da especulação imobiliária que também aqui são visíveis…

Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Como já tinha alertado, o seu tempo terminou.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, é sempre importante recordar, nesta Assembleia, o trabalho político profundamente marcante em relação ao inquérito parlamentar sobre as causas que determinaram a queda da ponte de Entre-os-Rios, pelo que a saúdo por ter trazido este tema hoje aqui.
Na altura, não havia o bloqueamento de uma maioria absoluta castradora que impedia o trabalho das comissões de inquérito parlamentar, e, por isso, foi possível chegar a um conjunto de conclusões, a um conjunto de recomendações que - suponho poder dizê-lo com alguma emotividade, Sr. Presidente -, porventura, não foram suficientemente valorizadas na opinião pública.
Mas este Parlamento soube determinar e aprovar, por consenso quase unânime, um conjunto de recomendações e de conclusões que só o dignificam, e importava que todas essas recomendações e conclusões estivessem a ser cumpridas. Porém, do ponto de vista do PCP, elas não estão a ser cumpridas.
Ora, a intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Castro é importante porque nos mostra que elas podem não estar a ser cumpridas por muitos daqueles que aprovaram aquele inquérito parlamentar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP sempre disse que não punha qualquer obstáculo à exploração de inertes, mas essa exploração de inertes tem de ser feita com regras, tem de ser feita conforme as conclusões e recomendações, tem de ser determinada e aprovada depois de terem sido feitos planos específicos e estudos prévios de avaliação de impacte ambiental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Tinha ainda de haver estudos antes de serem licenciados novos lotes de exploração. O Ministério do Ambiente não os aprovou, o Governo não os fez, mas pelos vistos licenciou novas extracções de areia.
Sr.ª Deputada, do ponto de vista da metodologia política e da dignificação política desta Casa, é aceitável que haja um inquérito que aponte clara e expressamente determinadas recomendações e que estas

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estejam a ser completamente subvertidas pelo Governo em gestão?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, globalmente, concordo com a sua intervenção, mas discordo quando refere o "vício do passado". Nos tempos do governo do PS, os concursos públicos de extracção de inertes eram públicos; hoje, estão absolutamente escondidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada, concordo que o Ministério do Ambiente, hoje e cada vez mais, perde peso político e peso de intervenção nas várias áreas, nomeadamente nesta em que tudo foi atribuído ao Instituto Marítimo-Portuário.
Reconheço que a actividade de extracção de inertes é uma actividade legítima, mas os inertes e as areias são um bem público que temos de preservar.
Esta extracção, segundo temos conhecimento pela comunicação social, é feita com base num estudo do LNEC, que é um estudo que desconhecemos, que está nas gavetas do Ministério do Ambiente e que o PS já solicitou e lhe foi negado.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - A extracção de inertes, Sr.ª Deputada, é legítima, mas temos de saber como é que ela é feita, em que moldes, nomeadamente na forma, quais são os equipamentos que são utilizados, se é através de baldes ou de dragagens, de modo a que o canal fique correctamente feito. Por isso, também nós apresentámos um projecto, que a maioria parlamentar rejeitou, de fiscalização da extracção de inertes.
Hoje, não sabemos quais são as quantidades que são retiradas nem a forma como o são. Por isso, Sr.ª Deputada, coloco-lhe a seguinte questão: qual é a disponibilidade de Os Verdes para, com o PS, encontrar as formas mais correctas de disciplinar esta actividade económica?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Honório Novo e Renato Sampaio, agradeço as questões colocadas acerca do tema que entendemos trazer a Plenário.
Estamos a falar de uma actividade que, do ponto de vista de Os Verdes, nunca foi diabolizada, mas que, não sendo diabolizada, não pode, em caso algum, ser dispensada do integral cumprimento dos requisitos legais, que, aliás, estão definidos desde 1994, nem pode ser exercida da forma completamente descontrolada, como foi no passado, conduzindo àquilo que o próprio relatório oficial, feito pelo governo anterior aquando do desastre, de uma forma objectiva, conclui, ou seja, que a extracção de areias foi um dos factores e, designadamente, que a legislação em vigor não foi cumprida e a fiscalização não foi adequada, contribuindo, em muito, para isso a dispersão de competências por diferentes entidades.
É precisamente neste quadro, tendo em conta o trabalho feito pela Comissão de Inquérito e aquilo que foi a assumpção de um compromisso muito sério, pelo menos no entendimento de Os Verdes, que é verdadeiramente escandaloso que, passado tudo isto, a decisão do Governo, tomada através do ex-Instituto da Navegabilidade - que, aliás, é um dos arguidos neste processo e que sempre negou a existência de extracções ilegais no passado -, tenha, neste momento, o mesmo vício que é definido para, por um lado e em primeiro lugar, autorizar oito lotes sem um estudo integrado das repercussões; em segundo lugar, fazê-lo sem um plano de ordenamento das barragens; em terceiro lugar, fazê-lo, uma vez mais, com total alheamento do Ministério do Ambiente, que tem a responsabilidade política do planeamento e gestão dos recursos hídricos e não pode, como no passado fez (e isso foi criticado, na altura, pelo PSD, que estava na oposição), continuar a ter um papel completamente residual, fazendo prevalecer interesses economicistas sobre os interesses ambientais e sociais, que são os que têm de prevalecer.
Aliás, recordo aos Srs. Deputados que participaram nesta Comissão de Inquérito que a própria Comissão, cujas conclusões foram aprovadas apenas com a abstenção de Os Verdes, assumiu que o Instituto da Navegabilidade fez extracções porque elas eram importantes do ponto de vista orçamental e não por

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necessidade, tal qual está definido na lei. E, como o próprio relatório permitiu concluir, a extracção foi feita com a complacência de juntas e assembleias de freguesia, que receberam meios financeiros para permitir essa actividade.
Esses meios financeiros são aquilo a que hoje o representante dos empresários do sector chama "donativos desinteressados", mas esses "donativos desinteressados" não podem continuar a ditar regras e medidas que são ambientalmente desastrosas, sobretudo, que são um sinal de uma enorme hipocrisia dos partidos da maioria e um enorme desrespeito pelas vítimas da tragédia de Entre-os-Rios, que hoje, todos nós, deveríamos honrar.

Vozes de Os Verdes e PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o País assistiu, nos últimos dias, a duas situações que têm muito a ver com o papel da juventude na sociedade portuguesa: a primeira foi a experiência inovadora do Dia da Defesa Nacional e a segunda foram as manifestações dos estudantes do ensino superior.
Em relação ao Dia da Defesa Nacional, é importante que façamos aqui um primeiro balanço, um balanço sério, descomplexado e objectivo. Para isso, é preciso sabermos, antes de tudo, qual foi o nível de adesão dos jovens portugueses a esta nova iniciativa. E aqui o balanço é claramente positivo: no primeiro dia, e segundo os dados já divulgados pelo Ministério da Defesa Nacional, estiveram presentes 80% dos jovens que foram convocados para este Dia da Defesa Nacional; no segundo dia, estiveram ainda mais e, no terceiro, mais ainda do que no segundo. Ou seja, o nível de participação foi crescendo ao longo dos três dias e é já público também que as ausências de jovens que se verificaram foram justificadas por motivos relevantes e pelos motivos previstos na legislação própria.
Mas há dados mais relevantes do que estes: poderia ter sido uma presença de mera obrigação, sem qualquer sentimento por parte desses mesmos jovens. Porém, já foi divulgado que 3/4 dos jovens que participaram no Dia da Defesa Nacional dizem que gostaram ou gostaram muito de participar nesta iniciativa, e todos nós nos apercebemos disso através dos órgãos de comunicação social, principalmente através das televisões, porque o Dia da Defesa Nacional não é nada daquilo que muitos disseram que ia ser, é completamente diferente e vai ao encontro daquilo que deve ser uma relação saudável, aberta e transparente entre os jovens portugueses e as Forças Armadas do seu país.

Aplausos do CDS-PP.

E há aqui uma questão importante, de postura: é que nós já sabemos que muitos dos Deputados desta Assembleia não são capazes de olhar de uma forma descomplexada para aquilo que é a acção do Ministério da Defesa Nacional; olham de uma forma, essa sim, altamente complexada, para a figura do Ministro da Defesa Nacional! Ora, a partir daí, perdem toda a lucidez para conseguir analisar as políticas desse Ministério, e perdem até a lucidez para perceber qual é a origem, do ponto de vista legislativo, das medidas que são implementadas por este Ministro e por este Ministério da Defesa Nacional, perdem a noção do tempo, perdem a noção do espaço, perdem a lucidez e perdem a objectividade!
Foi exactamente isso que aconteceu. Quiseram dizer que isto era o pior do mundo, quiseram fazer passar para a opinião pública que tinha sido inventado o Dia da Defesa Nacional por este Governo e, especialmente, por este Ministro da Defesa Nacional, que era uma iniciativa que fracturava completamente a sociedade portuguesa, que era uma iniciativa que ia ao encontro do passado. Pelo contrário, é uma iniciativa que vai claramente ao encontro do futuro, que vai ao encontro da modernização das Forças Armadas, que vai ao encontro da profissionalização das Forças Armadas, que vai de encontro aos objectivos de uma nova política da defesa nacional, que não é uma política só deste Governo, é uma política que já vem de trás.
Por isso, é de saudar também o sentido de Estado que teve, por exemplo, o porta-voz do PS para estas matérias, o Sr. Deputado Marques Júnior, que não foi atrás de outros Deputados desta Assembleia, que, desde 2000, têm conhecimento deste regime, de como funciona o Dia da Defesa Nacional e de quais são as consequências para quem não participe nele. E qual foi a sua postura, desde 2000 até agora? Foi de total silêncio!
Ora, esta postura só pode revelar dois tipos de sentimentos: ou a irresponsabilidade de quem, já desde há três anos, entendia que esta legislação não era adequada e não foi capaz, do ponto de vista político, de suscitar essa questão; ou o total oportunismo de saber que a política é certa mas achar que, mediaticamente,

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pode colher alguns frutos por a combater no momento em que ela é implementada.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Foi exactamente esta a postura do BE e foi, nomeadamente, esta a postura do Sr. Deputado Francisco Louçã. Mas enganaram-se! Enganaram-se aqueles que achavam que podiam "cavalgar" uma determinada onda mediática, aqueles que acham sempre que têm a juventude portuguesa do seu lado, pois a juventude portuguesa respondeu claramente, participou e gostou de participar, e com certeza que não terá gostado que outros se apropriassem da sua opinião exactamente em sentido contrário daquilo que acabou por ser o seu sentimento.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Há também outra questão, em relação à juventude, a que não devemos fugir e que devemos analisar: as manifestações dos estudantes do ensino superior e a total liberdade que têm de se manifestar em relação à política deste Governo para o ensino superior. Mas essa liberdade tem limites! Essa liberdade tem regras! E fazer manifestações ou greves trancando portas de faculdades é cobardia! É preciso denunciar que quem quer fazer greves trancando portas de estabelecimentos de ensino superior não é capaz de fazer valer os seus argumentos de uma forma democrática; quem impede que os órgãos democráticos das instituições do ensino superior, nomeadamente os senados, possam reunir para estabelecer o valor das propinas, está a ser cobarde, pois não é capaz de ir a esse mesmo senado fazer valer democraticamente aquilo em que acredita e aquelas que são as suas posições.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Isto tem de ser denunciado! E tem de ser denunciado, por exemplo, quando ouvimos responsáveis académicos do ensino superior dizerem que se trancaram as instituições a cadeado porque não tinham alunos suficientes para fazer piquetes de greve.
Ainda que admitíssemos como legítima a existência de piquetes de greve, que coagem os alunos a participar nessa mesma greve, está esclarecido que não há verdadeira mobilização dos estudantes do ensino superior, em Portugal, para participarem neste tipo de manifestações, nestas greves, mas há meia dúzia de dirigentes associativos que se deslumbram. E não é natural que os jovens portugueses se deslumbrem com o mediatismo quando os próprios Deputados da Assembleia da República, da oposição, também se deslumbram com esse mesmo mediatismo? É natural que isso aconteça, é o exemplo que têm por parte da classe política! Claramente, consideram que aqueles três minutos de televisão valem toda a sua carreira associativa e esquecem-se de todas as outras questões importantes do ensino superior.
Alguém ouviu algum dirigente académico falar da Declaração de Bolonha, da adequação dos graus do ensino superior em Portugal àquilo que são os graus do ensino no resto da União Europeia?! Alguém ouviu os alunos do ensino superior, em Portugal, comentarem o facto de, este ano, cerca de 20% desses alunos receberem apoio da acção social, receberem bolsas de estudo? É que nós ouvimos falar que as bolsas são curtas e que não há bolsas, mas nunca ninguém ouviu dizer que 20% dos alunos do ensino superior português recebem bolsas para frequentar essa mesma via do ensino.
É por isso que é importante dizer que uma coisa é o papel dos jovens na sociedade portuguesa e a vontade que têm de participar na construção do seu futuro, outra coisa é a apropriação do discurso desses mesmos jovens pela classe política, nomeadamente pela oposição. É preciso denunciar que essa oposição não representa a juventude portuguesa, que essa oposição não acrescenta nada, não tem nenhuma perspectiva de futuro.
Por exemplo, em relação ao Dia da Defesa Nacional, se fossemos ao encontro daquilo que a oposição diz agora, seria inevitável continuar a manter o serviço militar obrigatório, porque não havia uma verdadeira abertura das Forças Armadas aos jovens e aí era impossível que houvesse um verdadeiro regime de profissionalização e de voluntariado. Não acreditamos nestes "velhos do Restelo", não nos revemos nestes "velhos do Restelo", a juventude portuguesa vale muito mais do que valem as ideias da oposição para esta mesma juventude.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se a Sr.ª Deputada Jamila Madeira e os Srs. Deputados Luís Fazenda e Jorge Nuno Sá. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

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A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, foi com particular tristeza que ouvi as suas palavras, numa tentativa de representar a juventude portuguesa. Não encontro nenhuma credibilidade nas palavras proferidas ao referir-se ao Dia da Defesa Nacional e à sensibilização em relação às Forças Armadas. Na verdade, não me parece que isso tenha alguma coisa a ver com aquilo que o Sr. Ministro Paulo Portas tentou implementar como obrigatoriedade, sem nenhum trabalho preparatório, em relação à sensibilização que é preciso ter para aumentar o voluntariado ao nível das Forças Armadas.
Em relação a isso, Sr. Deputado, estamos absolutamente de consciência tranquila porque foi no tempo do governo do PS que não só a extinção do serviço militar obrigatório foi consagrada e foi conseguido que, até 2004, fosse efectivamente uma realidade, coisa com que o Sr. Ministro Paulo Portas, afinal, nem se consegue comprometer de uma maneira cabal, dizendo se sim ou se não - aliás, são absolutamente contraditórias as informações do seu Gabinete - e, por outro lado, assume que quer apenas, permita-me que lhe diga, um "plenário" estilo "Mocidade Portuguesa", obrigando os jovens portugueses a apresentarem-se (de contrário, são multados) para "beberem o sumo" das Forças Armadas.
Ora, Sr. Deputado, julgo que isso não representa nem os jovens portugueses nem as Forças Armadas. Obviamente, em relação à defesa nacional, temos uma visão muito diferente da do Sr. Deputado e do Ministro Paulo Portas.
Por outro lado, os jovens portugueses estão absolutamente frustrados com este Governo. Sentem-se o "bode expiatório" deste Governo na educação, na habitação, na segurança social, no rendimento social de inserção, no desemprego, no emprego, etc. Posso continuar a citar-lhe um sem número de exemplos, Sr. Deputado!
O Sr. Deputado não consegue perceber que este Governo está a deixar o País sem futuro e a única coisa que os jovens conseguem perspectivar como solução, porque já não têm mais nenhum instrumento, é contestar, é falar alto, é obviamente ir para a rua. O que é certo, Sr. Deputado, é que sem educação o País não tem futuro e o seu Governo não conseguiu construir um futuro para o País. Muito pelo contrário, "vendeu" a educação, "vendeu" a segurança social, "vendeu" a saúde, "vendeu" tudo o que havia para "vender"!
Sr. Deputado, diga-nos, afinal, o que é os jovens vão fazer, em Portugal? Vão emigrar? Aliás, é a única coisa que têm feito…
Sr. Deputado, diga-nos quais são os jovens portugueses que o Sr. Deputado diz que representa? Não encontro nenhuns! Todos os que supostamente o Sr. Deputado representa devem ter emigrado, aliás como os próprios indicadores sociais referem.
Enquanto Deputada, devo dizer que os jovens portugueses se têm sentido absolutamente recalcados com este Governo. Por isso, Sr. Deputado, assuma e ajude a liderar uma contestação forte, em nome dos jovens e do futuro do nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Jamila Madeira, acho perfeitamente natural que não encontre aqueles jovens que eu digo representar aqui. Sabe porquê? É que nem todos os jovens têm as prioridades daqueles que, se calhar, a Sr.ª Deputada aqui representa.
Eu, pelo menos, reconheço que a Sr.ª Deputada tem legitimidade para aqui estar e para representar jovens portugueses que pensam de maneira diferente da minha. Mas não tenho o pretensiosismo de achar que só existem aqueles que pensam da mesma maneira que eu, ao contrário do que a Sr.ª Deputada faz, que considera que o mundo pensa sempre o mesmo que a senhora, não percebendo que isso é totalmente impossível!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Gostaria ainda de lhe dizer que aqueles jovens que tentam trabalhar para ter as suas oportunidades - cá, não precisam de ir para fora! -, que querem ter os seus projectos cá e que lutaram contra a inactividade de um Governo socialista durante seis anos estão cansados! É natural que a Sr.ª Deputada não os encontre pois eles têm mais que fazer, têm mais que dar ao País! E, sobretudo, não se revêem numa democracia de "cadeado", mas numa democracia em que participem democraticamente na formação de opiniões e em que cada vez que sejam chamados a dar a sua opinião o façam com vigor, sem forçarem a sua geração a pensar da mesma maneira que eles ou sem terem intenções absolutistas em relação aos outros jovens da sua idade. Respeitam-nos, como respeitam aqueles que pensam da mesma maneira que

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eles.
Em relação à defesa nacional, a Sr.ª Deputada pensa que os Deputados e os ex-Ministros da Defesa Nacional do Partido Socialista eram promotores de um novo tipo de Mocidade Portuguesa?! É que foi o Partido Socialista que aprovou esta lei! Nessa altura as coimas ainda nem sequer eram em euros! Se a Sr.ª Deputada for ler o texto da lei constatará que as coimas ainda são previstas em escudos, o que diz muito sobre a época em que foi aprovada esta lei, provavelmente até com o voto da Sr.ª Deputada, que agora diz ser um escândalo pagarem-se multas e que o Dr. Paulo Portas quer pôr os jovens todos a pagar multas. A Sr.ª Deputada aprovou essa lei!
Há, de facto, uma diferença entre os governos do Partido Socialista e o Governo do Dr. Paulo Portas. É que os governos do Partido Socialista…

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - O Governo, agora, é do Dr. Paulo Portas?!

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, sabe perfeitamente que o Ministro da Defesa Nacional é o Dr. Paulo Portas! Não queira, mais uma vez, dividir, porque dizer isto não tem problema absolutamente nenhum.
Como eu dizia, a grande diferença é esta: houve um governo que aprovou a lei e não a aplicou e houve um governo que respeitou a lei e aplicou-a. A grande diferença é esta!
A outra é a seguinte: o Partido Socialista, se calhar, tinha medo de aplicar a lei, porque não sabia qual era a reacção dos jovens, não confiava nos jovens. Mas este Governo confia, tendo aplicado a lei. E porque sabia que ela ia ao encontro dos jovens portugueses, porque sabia que a resposta dos jovens portugueses ia ser positiva, arriscou e, tendo-o feito, ganhou a razão enquanto que a Sr.ª Deputada a perdeu.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, creio que é compreensível que o Sr. Deputado seja um galhardo "cavaleiro andante" do Sr. Ministro da Defesa Nacional, mas hoje exagerou.

Risos do BE e do PS.

É que, em relação à iniciativa do Dia da Defesa Nacional, não só o universo dos convocados foi substancialmente reduzido como as multas deixaram de ser aplicadas e tudo foi transformado um pouco numa visita à "Disneilândia", com brinquedos marciais e outras coisas congéneres.

Risos do PS.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Isso é uma falta de respeito para com as Forças Armadas!

O Orador: - Mas também entendo que a sua intervenção, embora tenha criticado directamente o Bloco de Esquerda, se tratou de uma fuga em frente, porque a sua verdadeiramente incomodidade está na JSD. É que foi do seio da maioria que surgiram as críticas, foi aí que tudo "talhou" um pouco como uma maionese estragada.
Portanto, quanto ao Dia da Defesa Nacional, e passe o "folclorismo" da iniciativa, não a acompanhamos. Entendemos que não é pela exibição, da forma como foi feita, da instituição Forças Armadas que se pode ter ideia do seu serviço público.
Mas não foi tanto esta a questão que motivou o meu pedido de esclarecimento, mas antes saber se está disposto a aceitar o projecto de lei que o Bloco de Esquerda apresentou no sentido de tornar facultativa, voluntária, a participação no Dia da Defesa Nacional. Essa posição é que, verdadeiramente, deixaria a cada cidadão, a cada mancebo, a capacidade de se identificar, ou não, com as Forças Armadas, respeitando a consciência dos mais jovens e dos outros cidadãos. Ou os senhores querem manter, quanto terminar o serviço militar obrigatório - tem de terminar, inevitavelmente -, uma conscrição de propaganda? É esta a questão que lhe coloco, Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Pinho de Almeida fez saber à Mesa que responderá em conjunto a este e ao pedido de esclarecimento seguinte.
Tem, pois, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Nuno Sá.

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O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, em primeiro lugar quero salientar que muito se tem evoluído no conceito de defesa nacional. E, hoje, mais importante do que debatermos isso - e sabemos que temos evoluído de um conceito de independência territorial para um conceito de identidade nacional, e bem! - é sabermos que naquilo que é essencial estamos de acordo, estamos unidos.
Ao contrário do que há pouco dizia a Deputada Jamila Madeira, que o governo do Partido Socialista consumou o fim do serviço militar obrigatório, devo dizer que todos nós sabemos como este Governo encontrou esse dossier, o esforço enorme que tem sido feito, e por isso não posso deixar de proferir uma palavra de estímulo e de satisfação pelo trabalho e pelo empenho do Sr. Ministro Paulo Portas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado sabe - e não tenho problema em assumi-lo - que discordei da forma de convocação deste Dia da Defesa Nacional,…

Vozes do BE: - Ah!

O Orador: - … mas sei onde estão os responsáveis: António Guterres, Jaime Gama, Jorge Coelho, Fernando Gomes, Eduardo Ferro Rodrigues, António Costa, Ana Benavente, Alexandre Rosa, Maria de Belém, Armando Vara. Serão dirigentes da Mocidade Portuguesa? É que foram eles que subscreveram o decreto-lei que institui a convocação obrigatória e as coimas a aplicar no Dia da Defesa Nacional!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Devem ser estes, certamente, os novos dirigentes da Mocidade Portuguesa!
Há quem possa criticar, há quem possa falar de determinados procedimentos e há quem deva remeter-se ao silêncio. E, nesta matéria, mais valia os Deputados da bancada do Partido Socialista terem estado calados, porque, de facto, os dirigentes da Mocidade Portuguesa sentam-se à minha direita e não à minha esquerda, como insinuaram.
Sr. Deputado João Pinho de Almeida, aproveito para lhe colocar uma questão sobre a segunda parte da sua intervenção.
Na sua óptica, relativamente às propinas, o que é que está na base dos protestos a que temos assistido nas televisões e nos jornais deste país? É que estamos a falar de uma propina máxima de 14 contos mensais. Ainda por cima quando o Governo garante que a quem não tem possibilidades não será vedada, antes pelo contrário será assegurada, a formação a nível superior.
Gostaria de saber o que é que pensa estar na base destes protestos e se isso não tem identificação clara e concreta com as teses que certa esquerda mais radical, mais "trauliteira", tem defendido.
É preciso começar a identificar as coisas e ver qual é a origem de muitos protestos e por quem são manipulados alguns deles.
Acho bem que as pessoas tenham direito a manifestar-se e a protestar contra aquilo que entendam estar errado. Mas pergunto-lhe: na sua opinião, o que é que está na base deste infundamentado protesto?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Nuno Sá, em primeiro lugar quero agradecer a intervenção que fez a propósito de dois aspectos. O primeiro tem a ver com a clarificação que fez, e que há pouco não tive oportunidade de fazer, em relação ao compromisso do fim do serviço militar obrigatório. É que, também nesta matéria, o Partido Socialista agiu como fez em relação a muitas outras coisas, isto é, achou que cumprir determinados compromissos era transpô-los para a lei e que, a partir daí, poderia descansar em cima de um texto legislativo.
Não havia nada feito! Se não fosse possível acabar com o serviço militar obrigatório em 2004 não era por incapacidade deste Governo, mas dos anteriores governos, que deixaram feito "zero". E nós estamos à vontade para o dizer porque a Juventude Popular disse que se não fosse possível acabar com o serviço militar obrigatório em 2004 admitia que o prazo fosse prolongado. Mas, neste momento, estamos satisfeitos por constatar que, provavelmente, não vai ser preciso prolongar o prazo porque, provavelmente, este Governo vai conseguir, em apenas dois anos, concretizar aquilo que estava previsto para muito mais tempo. O Partido Socialista não fez, pois, a sua parte, nada tendo deixado preparado.

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Sr. Deputado Jorge Nuno Sá, quero ainda saudá-lo pela coragem que teve. É que, normalmente, quando há opiniões diferentes dentro da coligação, a esquerda insinua que há uma espécie de constrangimento em defendermos as nossas posições, que há uma espécie de "caixinha" que aqui fazemos para fingir que estamos todos de acordo. Mas não temos problemas em relação a isso. Os Srs. Deputados da oposição é que normalmente os têm e nem na oposição conseguem entender-se sobre seja o que for.
Nós partilhamos um projecto nacional e de Governo, o que o obviamente não faz de nós pessoas que deixam de ter opinião própria sobre as questões. A opinião da JSD é diferente, mas não é revisionista em relação ao passado deste dossier, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a posição da Juventude Socialista, que, de um momento para o outro, passou a considerar que todos os membros do governo do seu partido eram defensores de uma nova Mocidade Portuguesa. Não somos capazes de fazer esse revisionismo histórico, não tem a ver connosco.
Passo a responder à segunda questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Nuno Sá, a de saber o que é que está na base dos protestos em relação ao ensino superior.
Sinceramente não quero seguir a lógica de dizer se determinada associação é do partido A ou do partido B, se é influenciada ou dominada por estes ou por aqueles. Mas sei com quem se identifica ideologicamente quem fecha estabelecimentos de ensino com cadeado! Sei perfeitamente com que posições ideológicas é que esse tipo de actuação é coerente! Sei perfeitamente com que incentivos vindos deste Parlamento é que está de acordo esse tipo de actuação!
Mas, muito mais importante do que nós sabermos (na maioria, na Assembleia) é os portugueses também saberem. Os portugueses sabem perfeitamente com quem é que se identifica esse tipo de actuação. E também sabem perfeitamente que todos os meses pagam propinas quer os seus filhos estejam no ensino público quer estejam no ensino privado. As famílias com menos possibilidades sabem perfeitamente o que é que pagam para terem os seus filhos a estudar no ensino privado, porque não tiveram oportunidade de entrar no público, e não aceitam este tipo de contestação. Não aceitam, por exemplo, que alguns alunos do ensino superior público se virem contra os seus colegas do privado dizendo que não lutam com eles. Mas como é que eles hão-de lutar?! Tiveram de lutar anos para que o governo do Partido Socialista lhes reconhecesse o mesmo direito de acesso à acção social, mas foi preciso chegar este Governo para que esta matéria ficasse definitivamente consagrada na lei. Portanto, têm outras lutas, que são prioritárias.
Sr. Deputado Luís Fazenda, considero lamentável que compare as Forças Armadas à "Disneilândia". Visitar as instalações das Forças Armadas portuguesas não é a mesma coisa que ir a um parque de diversões! Ver todos os mecanismos que estão à disposição da defesa nacional em Portugal não é a mesma coisa que andar na montanha russa! Há uma distinção claríssima! Compreendemos que os senhores não sejam capazes de a fazer, mas nós fazêmo-la, porque somos institucionalistas e não aceitamos essa confusão.
Os senhores gostam de fazer esse género de brincadeiras, de trocadilhos, tentam, até, às vezes, transformar a Assembleia da República numa espécie de kindergarden, em que cada um tem o seu brinquedo e faz a sua brincadeira. Mas nós não alinhamos nessas brincadeiras, não alinhamos nessa forma de fazer política. Não é essa a nossa maneira de fazer política.
O Sr. Deputado Luís Fazenda perguntou se estávamos a favor do projecto de lei do Bloco de Esquerda. Respondo-lhe que estamos completamente contra e não temos qualquer dúvida de que no dia em que a defesa nacional for facultativa, não a mobilização, Portugal deixa de ter a sua soberania nacional. No dia em que a defesa nacional for para quem lhe apetecer - não é a participação no esforço dessa defesa nacional, é o próprio conceito de defesa nacional - quando este conceito for facultativo, a soberania do próprio País estará posta em causa.
Quero ainda dizer-lhe, Sr. Deputado, que a liberdade é aquela que este Governo vai dar aos jovens portugueses, porque vai ser este Governo o primeiro a possibilitar aos jovens portugueses dizerem se querem ou não ir para as Forças Armadas portuguesas, vai ser este Governo que vai instituir o voluntariado.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Que dúvidas tem V. Ex.ª sobre as decisões da Mesa nesta matéria? É que é para este efeito que existe a figura da interpelação à Mesa, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, usando a figura da interpelação à Mesa, direi que foram proferidas declarações no sentido de que nada tinha sido feito pelo governo do Partido Socialista com vista à prossecução programática do fim do serviço militar obrigatório.

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Em face disto, permita-me que faça chegar à Mesa, a breve trecho, um estudo que demonstra que no tempo do Partido Socialista, não só na Marinha como também na Força Aérea, ficou salvaguardado o nível de voluntariado, havendo, apenas, uma escassez de voluntários ao nível do Exército, o que poderia ter sido absolutamente ultrapassado se a redução de numerus clausus introduzida pelo Dr. Pedro Lynce, enquanto Ministro do Ensino Superior, tivesse também sido introduzida no âmbito das Forças Armadas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Agradeço que faça chegar à Mesa esse documento quanto antes, Sr.ª Deputada.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso vir aqui fazer o elogio da proposta de lei de Orçamento do Estado apresentada pela Sr.ª Ministra das Finanças, Dr.ª Manuela Ferreira Leite, como alguns fazem.

Protestos do PSD.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Também não o esperávamos!

O Orador: - Agradeço o vosso calor e a vossa saudação, mas queria começar por interrogar-vos - aos ilustres colegas e ao País - sobre as razões pelas quais a Ministra de Estado e das Finanças precisará de solicitar a esta Assembleia um valor de cerca de 6% do PIB para financiar um Orçamento que apresenta, formalmente, um défice inferior a 3% do mesmo Produto Interno Bruto.
Entende-se que possa existir uma pequena folga, mas não se aceita esta diferença, que parece não uma "almofada" orçamental nem sequer um "almofadão" mas, sim, destinar-se a prever situações de claro incumprimento deste Orçamento ou de não aceitação por parte das instâncias europeias de algumas das metodologias propostas para a obtenção de receitas extraordinárias.
Aliás, já há um ano, alertámos para uma situação similar, verificada numa escala menor, e constatamos hoje a clara derrapagem das contas públicas em 2003, a qual não era prevista no défice então apresentado, mas que se protegia, já então, na autorização de grande endividamento então proposto.
Mas hoje em dia, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a Sr.ª Ministra das Finanças estará a ter medo de que as receitas fiscais não se comportem como está orçamentado, mantendo os padrões de comportamento até agora vigentes durante a governação de Durão Barroso, ou seja, nunca atingindo, globalmente, os valores estipulados no Orçamento? Mas, apesar do medo da Sr.ª Ministra, não é previsível que se atinja uma tão grande diferença, embora exista uma desorganização nos assuntos fiscais, onde se demitiu um número significativo de quadros superiores, outros se reformaram e outros ainda foram saneados? Isto sem mencionar o estranho e oportuno furto da lista de grandes devedores ao fisco, certamente improvável sem alguma cumplicidade interna.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Haverá, apesar disto tudo, outros motivos? Mesmo tendo em conta que este Governo conseguiu a singular proeza de fazer, proporcionalmente, com que as receitas fiscais estejam a descer mais do que o Produto Interno Bruto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, será que a Sr.ª Ministra das Finanças tem medo de que a União Europeia não autorize - da forma que a equipa das Finanças pretende - a contabilização da cessão de créditos, de maneira a ir tapando sucessivamente os buracos orçamentais?
Sr. Presidente, quanto à titularização de créditos fiscais, o Prof. Sousa Franco afirmou, ontem mesmo, que "a proposta de lei em apreço é extremamente vaga e não assegura várias garantias constitucionais".

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - Mas há outras questões a levantar no quadro deste Orçamento para 2004. Uma delas é o aumento relativo ou absoluto de impostos, em termos de IRC, aplicáveis às empresas do interior e às que procedem a acções de modernização empresarial e inovação tecnológica. Fez-se cessar a regra que apoia empresas nestas condições, sem a adequada justificação.

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O Ministério das Finanças informou um conhecido quotidiano económico de que a despesa fiscal era reduzida com o apoio a estas empresas. Então porque cortaram o benefício?!
As justificações dadas hoje, em reunião conjunta da Comissão de Economia, Finanças e Plano e da Comissão de Execução Orçamental, pelo Dr. Valdez (Deputado eleito pela Guarda), para eliminar a diferenciação positiva a favor das empresas do interior, não terão convencido nem sequer a Dr.ª Manuela Ferreira Leite - que, por estranho que pareça, parece-nos ter alguma abertura em relação a algumas alterações. A ver vamos! Por nós, estamos dispostos a avançar nesse sentido. E saudamos o que parece ser a invulgar alteração de comportamento da Sr.ª Ministra das Finanças neste domínio, pelo menos no que se refere às empresas localizadas no interior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actual proposta de lei do Orçamento do Estado para 2004 não aposta, pois, nos factores de competitividade, de modernização e de inovação empresarial. Não entende que a fiscalidade deve também ser utilizada, não só como um instrumento de justiça fiscal, mas também como uma alavanca no sentido de uma estratégia de desenvolvimento económico.
Mas como este Governo parece não dispor efectivamente de uma estratégia de desenvolvimento económico e parece ignorar a solidariedade social, também não saberá utilizar os instrumentos respectivos nem as alavancas adequadas.
Por outro lado, o Governo melhorou parcialmente o sistema do pagamento especial por conta. Seguiu, justamente, algumas das alterações propostas pelo PS no anterior debate orçamental, na altura recusadas "olimpicamente" pela maioria parlamentar que actualmente domina o Hemiciclo e suporta o Governo.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Enfim, há mais alegria no céu por um pecador que se arrepende…. Só que o arrependimento parece não ser completo!
Sr. Presidente, quanto ao IRS, da forma como os escalões são alterados na proposta de lei, configura-se também um cenário de injustiça. Como disse ontem mesmo Sousa Franco, "o imposto irá subir para a grande maioria dos contribuintes". Isto não nos parece aceitável na proposta de lei do Orçamento, a qual volta a penalizar as famílias e a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem.
Srs. Deputados, os efeitos da quebra de investimento global que se têm verificado não vão ser superados pelo tímido cenário de aumento do produto, muito menos pela retracção do investimento público. Até porque em vez de encorajamento às empresas com boas condições de competitividade, nalguns casos verifica-se realmente um desencorajamento.
Neste contexto, assume particular gravidade o aumento do desemprego.
Sr. Presidente, este Orçamento consubstancia, efectivamente, uma proposta de estagnação económica, já que o pequeníssimo aumento do produto previsto, tendo em conta o previsível incremento da produtividade, não chega sequer para conter o crescimento do desemprego.

Aplausos do PS.

Apesar da maneira relativamente ligeira como este Governo tem tratado a agudização desta questão do desemprego, os portugueses que trabalham e os que não podem e querem trabalhar preocupam-se certamente com o aumento do desemprego, não parecendo fazer parte dos objectivos deste Governo estancá-lo.
Srs. Deputados, o actual Governo colocou Portugal na divergência económica real com as economias europeias e tarda em exibir horizontes de mudança.
Volto a citar o Prof. António Sousa Franco, que disse, ontem mesmo, que o Orçamento não tem "qualquer visão estratégica explícita" Admitamos, então, que exista uma visão estratégica implícita. E diz que a há!… Mas é pobrezinha, curta de vistas e não mobilizadora.

Aplausos do PS.

Não tem visão, não tem rasgo, não tem arrojo! Não é esta a orientação de que o País precisa. Não é assim que se desenvolve a economia nacional! Não é desta forma que se consolida uma política de solidariedade social. Muito pelo contrário!
O País precisa de outra política. A economia precisa de outra estratégia. O cenário apresentado não é prudente, é fraco para as necessidades do País. Mas as medidas que inexistem ou que não são adequadas, associadas à falta de visão evidenciada, fazem-nos acreditar que este fraco cenário até pode ser optimista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A sociedade necessita de outras políticas sociais. Este Orçamento não nos satisfaz! Esta proposta não é boa para o País! Não é isto que queremos! Não é disto que o País precisa!

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, dispondo de 3 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, o senhor acabou de repristinar boa parte dos argumentos que suscitou na reunião conjunta da Comissão de Execução Orçamental e da Comissão de Economia e Finanças, que teve lugar esta manhã, e na qual a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças esteve presente.
Nada de novo, pois, nos trouxe! São os velhos e requentados argumentos de que este Orçamento aumenta o nível de endividamento, de que este Orçamento procede a um aumento desmesurado de impostos e outras questões do mesmo jaez que carecem de fundamentação e de justificação sustentada e sólida.
A questão nodal que se coloca aqui, todavia, Sr. Deputado, é esta: vamo-nos deixar de clichés, de axiomas, de conclusões precipitadas, e vamos aos factos. Qual é a alternativa concreta que o Partido Socialista apresenta relativamente a esta proposta de lei de Orçamento? Mais investimento público? Mais endividamento? Mais impostos? Porque não interessa aqui estar a curar de saber, neste ou naquele detalhe, o que é que se passa relativamente ao endividamento ou aos impostos ou à cessão de créditos. O que nos importa saber, isso sim, é qual é o modelo alternativo em termos de Orçamento que o Partido Socialista apresenta. Ora, até este momento, não há, de facto, uma alternativa credível, séria e sustentada.
E o que perpassa pelo espírito de todos nós, Sr. Deputado, é isto: à míngua de um argumento consistente de alternativa a este Orçamento, o Partido Socialista, antecipando o debate que está já agendado relativamente a esta matéria, num sinal claro de nervosismo e de precipitação, vem suscitar um debate completamente extemporâneo, um debate a destempo, um debate relativamente ao qual sabe de antemão que não existe qualquer razão de ser, nomeadamente no que diz respeito aos argumentos que invoca ao refutar um Orçamento que, a una voce, é invocado e elogiado como sendo um Orçamento de rigor, um Orçamento de equilíbrio, um Orçamento possível na conjuntura económica actual, que aposta na via única para a recuperação, para o progresso e para o desenvolvimento sustentado, que é a retoma do investimento privado, a retoma do investimento nacional, do investimento estrangeiro, à espera da recuperação económica que já se prenuncia nos Estados Unidos e na Europa e que a União Europeia e a OCDE, de uma forma recorrente, têm vindo a repisar e a sustentar.
De uma vez por todas, deixando esses clichés, esses axiomas e essas conclusões apriorísticas que tanto fazem parte da pedra de toque da sua linha discursiva, diga, em concreto, Sr. Deputado, qual é a alternativa a este Orçamento. Mas aponte uma alternativa séria, uma alternativa sólida, uma alternativa consistente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, já que o Sr. Deputado Jorge Neto não foi aplaudido pela sua bancada, gostaria de dizer que, dado o papel que lhe cabia, julgo que seria difícil ter feito melhor.

O Sr. José Magalhães (PS): - E merecia!

Vozes do PS: - Pois merecia!…

O Orador: - Sr. Deputado, o debate não é extemporâneo, o debate é extremamente oportuno, porque é disto que estamos a tratar.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Não vimos para aqui fazer desvios para outros problemas, como alguns fazem.
Efectivamente, a minha intervenção baseou-se, parágrafo por parágrafo, linha por linha, na análise dos dados constantes da proposta de lei do Orçamento.
Aliás, por exemplo, nada do que apresentei esta manhã à Sr.ª Ministra foi rebatido. Pelo contrário, houve mesmo algumas matérias relativamente às quais, segundo me apercebi, a Sr.ª Ministra nem sequer se tinha apercebido de que não estavam no Orçamento. Portanto, é extremamente oportuno tratar esta matéria neste momento. Está tudo fundamentadíssimo!

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Mais tarde, iremos fundamentando estas questões e apresentaremos propostas. Apresentar propostas agora é que seria inoportuno, porque estamos na fase da análise do Orçamento, Sr. Deputado. Quando estivermos no debate na generalidade apresentaremos as propostas no quadro do calendário que fixaremos.
Uma coisa lhe digo, Sr. Deputado Jorge Neto: não vamos apresentar nenhuma proposta para beneficiar fiscalmente a importação de automóveis antigos, nem coisas quejandas, tal como aconteceu no ano passado, em cima da hora. Isso não vamos fazer!
As propostas que iremos apresentar serão no sentido do desenvolvimento económico e da solidariedade social. O Sr. Deputado vê-las-á a seu tempo!
Passemos a uma das questões concretas. No ano passado, apresentámos propostas de alteração - que posso distribuir a qualquer Deputado que não se lembre delas ou a qualquer jornalista que, porventura, seja novo na Casa - no sentido de a tributação incidir não sobre os proveitos no seu conjunto, mas, sim, sobre o volume de negócios. Nessa altura, foi-nos respondido torto e de maneira arrogante por um membro do Governo e de maneira "olímpica" por elementos da sua bancada e da outra que lhe está associada, mas agora vieram reconhecer, forçados pela movimentação social e pela análise da realidade económica, que tinham de nos dar razão. Não nos deram razão noutras coisas, mas lá iremos! Esta é uma questão concreta em relação à qual só há respostas vagas por parte de alguém que pode usar melhor do que eu citações em cinco línguas, mas que, de facto, não analisará melhor do que eu as situações concretas.
Quanto à questão do défice e do endividamento, no ano passado, no jornal Público de 18 de Outubro, que tenho comigo, foi publicada uma notícia que dizia: "PS suspeita que o défice pode chegar aos 3%" e nela explica-se porque é que propuseram 2,4% e chegaram a 2,99%. Agora, o défice previsto é de 4971 milhões de euros e pedem-nos uma autorização de endividamento, a nós que estamos aqui eleitos em representação dos portugueses, embora em listas de partidos, de 7802 milhões de euros. Não me digam que isto são "clichés"! Isto é muito grave em qualquer país do mundo e é inaudito na nossa República. Os "clichés" vêm de quem só sabe usar "clichés".

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, começo por o cumprimentar por ter assumido a difícil tarefa de começar a criticar um Orçamento, que, como sabe, é de rigor e de esperança. É um orçamento de rigor, desde logo, na forma como trata a despesa pública corrente e é um Orçamento de esperança, porque claramente aponta no caminho da retoma, e fá-lo de forma mais prudente até do que os números que as organizações internacionais têm para o nosso país.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, foi-lhe colocada há pouco uma questão, que é a da alternativa. Qual é a alternativa que o Partido Socialista apresenta a este Orçamento? Ainda queriam mais despesa para a "fogueira"? Ainda queriam aumentar a "fogueira"? Sr. Deputado, o problema é que um dia a "fogueira" apaga e, depois, não temos a mínima forma de nos defender.
Mas a pergunta fundamental que lhe quero fazer tem a ver com política fiscal. O Sr. Deputado sabe, porque é conhecedor dessas matérias,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Às vezes não parece!

O Orador: - … que, neste momento, vivemos num espaço em que existe um princípio de concorrência fiscal, em que é importante ver - e entre os Estados isso aplica-se por várias vezes - qual a forma como, por exemplo, os Estados tratam o seu investimento e como é que o sistema fiscal pode ser um acelerador do investimento. E um imposto claramente importante em relação a essa matéria é o IRC.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E é importante ter em atenção que este Governo, em aproximadamente um ano e meio e em situações muito difíceis, já conseguiu baixar 5 pontos - tem essa proposta em cima da mesa - à taxa do IRC, e, como sabe, isto é um elemento importante para a competitividade no médio e longo prazo.
Portanto, aquilo que lhe pergunto directamente é o seguinte: está o Partido Socialista contra a baixa

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do IRC? Está o Partido Socialista contra a proposta de baixar o imposto sobre as empresas e sobre os seus rendimentos? É isso que temos de saber, porque isso é que será verdadeiramente esclarecedor.
Sr. Deputado, vou terminar com uma palavra pessoal, desejando-lhe a maior das boas sortes para o debate orçamental, até porque sei que tem uma tarefa muito difícil.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, agradeço a sua gentileza.
V. Ex.ª diz que este Orçamento é de rigor. Mas é como o anterior, em que a derrapagem nas receitas anda à volta dos 3500 milhões de euros. Era um Orçamento de rigor, mas o rigor é estarem a receber menos 3500 milhões de euros, não são 3500 milhões de cêntimos!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Receber menos não é gastar mais!

O Orador: - Não gastam mais, porque cortam no investimento.
Quanto ao IRC, este Governo, até agora, não conseguiu nada. O que é que conseguiu no IRC? Conseguiu fazer cair brutalmente a cobrança do IRC de uma forma nunca vista - nunca se pagou tão pouco IRC -, pois cobrou 25% abaixo do orçamentado. Até agora, não baixou nada. Quem baixou 6 pontos em seis anos foi o governo do PS.
Nós propusemos baixas de IRC para as empresas do interior, para as empresas que apostassem na inovação tecnológica e na modernização empresarial e para as empresas de qualificação ambiental e conseguimos pôr em funcionamento para algumas dessas empresas uma baixa de IRC, que agora cai, porque, se calhar, a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças esqueceu-se e o Sr. Secretário de Estado não quis que figurasse no Orçamento do Estado de 2003 a renovação de uma cláusula similar.
Portanto, somos a favor da baixa de impostos, nomeadamente quando ela se dirige para a consagração de princípios de justiça e de equidade fiscal e para factores de competitividade, para a expansão económica e para a modernização empresarial. VV. Ex.as não sabem a favor do que é que são, e tanto não sabem que ainda hoje a Sr.ª Ministra percebeu que nesse aspecto o Orçamento do Estado não estava bem e manifestou alguma abertura para o mudar. Logo que a Sr.ª Ministra vos transmita as suas instruções, vão ver que vão mudar de opinião, a não ser que ela recue por outros motivos.
Para terminar, quero dizer que este Orçamento não é de rigor. É tão de rigor como qualquer outro. É um Orçamento de medo. E, como não sabem bem o que hão-de fazer, puseram-lhe uns elementos pequeninos. Como não evidenciaram qualquer estudo económico capaz e um cenário macroeconómico devidamente fundamentado, foram escolher para o crescimento do produto o mesmo ponto médio que o do Banco de Portugal. Nós, de facto, não conhecemos os estudos, apesar de nos dizerem muitas palavras. Apresentem-nos um documento a dizer como é que foi feito esse estudo, porque, efectivamente, não o conhecemos.
E também não é um Orçamento de esperança, porque aqui não existe qualquer esperança. Este é dos orçamentos mais conformistas de que alguma vez este país será dotado, caso seja aprovado. É um Orçamento conformista, não é um Orçamento de esperança.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A agropecuária e as pescas constituem, como se sabe, os dois principais sectores de actividade da economia açoriana.
Não admira, por isso, que estes últimos tempos tenham tido alguma agitação nos Açores, motivada pela preocupação que a indefinição que rodeava o futuro das pescas e também da agricultura, sobretudo na fileira do leite e dos lacticínios, causava na população açoriana. A situação não era nada fácil e justificava uma preocupação séria das pessoas.
De facto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, se nas pescas nos confrontávamos com o cenário de ver a nossa zona económica exclusiva completamente devassada e invadida por frotas estrangeiras, na agropecuária esbarrávamos com a não menos confortável situação de ver a franquia de 73 000 t reduzida a zero a partir de Abril deste ano, conforme nos foi deixado em herança pelo governo socialista do Eng.º Guterres.

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Vozes do PSD: - Bem lembrado!

O Orador: - Os acordos a que recentemente se chegou no âmbito das pescas e no que respeita à quota do leite para os Açores constituem duas boas notícias para os açorianos, que importa aqui salientar e reconhecer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Uma negociação pressupõe sempre alguma cedência e, por isso, é natural que nunca se consiga tudo o que, à partida, se deseja. Faz parte das regras do jogo. Mas do que não nos resta a menor dúvida é de que os acordos alcançados são bons para os Açores e ultrapassam em larga medida as fracas expectativas que sobre eles lançaram algumas "aves do agoiro", que parece só se satisfazerem quando existem más notícias para dar aos portugueses.
Com efeito, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, foi importante para as pescas açorianas reservar 100 milhas, exactamente o dobro do que se propunha numa resolução que esta Assembleia aprovou em tempos por unanimidade, da zona económica exclusiva destinada aos pescadores açorianos, como foi importante proibir a pesca do arrasto dentro das 200 milhas da zona económica exclusiva. Foi igualmente importante conseguir salvaguardar 94% dos bancos de pesca com profundidade até aos 600 m e 83% dos bancos até aos 1500 m de profundidade. Que grande diferença isto faz da ameaça liberalizadora que pairava sobre as águas açorianas!
No que respeita à agropecuária o problema era igualmente grave, já que partíamos de uma situação herdada dos socialistas, que nos reduziu a zero, em Abril passado, as 73 000 t de franquia atribuídas aos Açores no ano 2000.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Isto porque, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os socialistas se comprometeram, então, com um "Plano de ajustamento da produção nos Açores", do qual os açorianos só tiveram conhecimento depois das eleições perdidas pelo Partido Socialista, que passava, entre outras medidas, pelo abate de vacas em produção e pela reconversão da actividade do leite para carne. Este Plano duraria quatro anos, de acordo com o compromisso assumido, razão pela qual, em 2003, as 73 000 t de franquia atribuídas aos Açores com a base neste acordo passaram a zero.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Foi, pois, do zero que este Governo partiu para garantir, no fim da negociação, a manutenção da franquia de 73 000 t até 2005 e um aumento efectivo da quota leiteira em 50 000 t, a distribuir pelos produtores de leite dos Açores, a partir de 2005, com uma isenção do pagamento de multas em mais 23 000 t até à campanha de 2014/2015, data prevista para o final do regime de quotas.
É espantoso que quem não cuidou de resolver o problema da agricultura açoriana quando podia e devia, ou seja, na negociação da Agenda 2000, e se preparava mesmo para nos penalizar, reduzindo, à socapa, a capacidade de produção e de transformação de leite e lacticínios nos Açores, venha agora criticar o acordo a que se chegou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Bem lembrado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mal lembrado!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje vive-se nos Açores com mais tranquilidade e confiança, em resultado dos acordos conseguidos relativos a estes sectores que vimos tratando. Exceptuando aqueles que sistematicamente não querem ver, a generalidade dos açorianos percebe que se chegou aos melhores acordos possíveis, que satisfazem minimamente as nossas aspirações e reparam os erros que vinham do passado.
A generalidade dos açorianos percebe que chegámos a estes acordos, porque pudemos contar com um Governo da República competente e eficaz, verdadeiramente solidário com os Açores e seriamente empenhado em resolver os problemas das suas gentes.

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A generalidade dos açorianos percebe a dificuldade e a complexidade destas negociações e percebe que, para a obtenção destes resultados, foi necessário um forte empenho, de resto, público, do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas. O Dr. Durão Barroso e o Eng.º Armando Sevinate Pinto são, por isso, credores do nosso reconhecimento e da nossa gratidão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É desta cooperação que os Açores precisam, em vez da cooperação tantas vezes anunciada no passado, que quase sempre resultava em promessas incumpridas e dívidas por saldar.
É desta postura competente e séria, protagonizada neste caso pelo Sr. Primeiro-Ministro e pelo Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, que coloca acima de qualquer outra questão o interesse das populações, que os Açores precisam, em vez de guerrilhas institucionais, que visam apenas promover pessoas e satisfazer inconfessáveis interesses de grupo.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É assim, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que se constrói o futuro de Portugal também nos Açores.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se vários Srs. Deputados.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quais são as dúvidas que tem acerca da orientação dos trabalhos, porque para isso servem as interpelações, como diz o Regimento?

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, é exactamente sobre a organização dos trabalhos, porque também é competência do Sr. Presidente assegurar o cumprimento das leis e dos regulamentos.
Ora, esta Assembleia votou, quer no passado mês de Maio, se a minha memória não me atraiçoa, quer em 1999, duas resolução, por unanimidade, em matéria de revisão da Política Comum de Pescas. Mas o Sr. Deputado que usou da palavra parece não conhecer exactamente o texto dessas resoluções, porque elas fazem uma destrinça clara entre o que são águas territoriais e, como o Sr. Presidente sabe, nos Estados arquipelágicos as águas territoriais vão até às 50 milhas e no caso dos países continentais até às 12 milhas.
Ora, a orientação da Assembleia da República é no sentido de defender uma extensão até às 50 milhas, e é isso exactamente que está nas resoluções, e mais à frente defende um regime específico para as regiões ultraperiféricas. Mas como o Sr. Deputado, ao usar da palavra, parece não conhecer estas duas resoluções solicito à Mesa que elas lhe sejam entregues, porque, no caso dos Açores, a zona económica exclusiva passou agora das 200 milhas para as 100 milhas. Esse é que é um facto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a sua intervenção configura-se melhor com um requerimento, pelo que sugiro que futuramente requeira à Mesa a divulgação de qualquer desses documentos. Mas com certeza que o Sr. Deputado Joaquim Ponte conhece esses documentos.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Joaquim Ponte, tem a palavra o Sr. Deputado Capoulas Santos.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Ponte, V. Ex.ª vem aqui cantar duas grandes vitórias do Governo PSD/CDS-PP.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

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O Orador: - Tenho pena de não os poder acompanhar nessas grandes vitórias, Srs. Deputados, porque elas traduziram-se, no caso das pescas, na redução do acesso exclusivo às 200 milhas para as 100 milhas. Quando chegaram ao Governo, o acesso exclusivo às embarcações portuguesas era até às 200 milhas e depois da "grande vitória" passa a ser apenas até às 100 milhas.
No que se refere à quota leiteira dos Açores, eu estava a ouvi-lo a fazer a sua intervenção e a ver até que ponto é que o Sr. Deputado Fernando Penha ruborizava. Porque não é por acaso que hoje foi o Sr. Deputado Joaquim Ponte a intervir sobre este tema e, em 13 de Dezembro de 2000, tenha sido o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Fui eu!

O Orador: - É que, em 13 de Dezembro de 2000, quando o governo socialista conseguiu as 73 000 t a mais - que o Governo actual não foi capaz de manter e que agora, finalmente, recuperou -, o Sr. Deputado Fernando Penha dizia o seguinte: "Finalmente conseguiu-se o que é menos do que seria justo, que são as 70 000 t de leite para os Açores". E depois dizia: "Estão muito satisfeitos com o pouquinho que veio, não conseguiram melhor. Tudo bem!".
Ou seja: aquilo que era tratado desta forma há dois anos foi agora cantado aqui pelo Sr. Deputado Joaquim Ponte como uma grande vitória para Portugal. Quer isto dizer que o ganho zero, repito, o ganho zero, que este Governo conseguiu, depois de não ter sido capaz de manter o que dificilmente tinha sido obtido na Agenda 2000, é agora - e foi até o Sr. Primeiro-Ministro a dizê-lo, e houve até um comunicado do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, imagine-se, a apresentá-lo como um aumento de quota para os Açores - algo que, efectivamente, não foi mais do que a recuperação que este Governo foi incapaz de manter, tendo passado por um processo negocial de reforma da PAC onde estas questões são, naturalmente, resolvidas e onde se esperaria que o Governo conseguisse mais e mais, porque, no passado, o sector nos Açores, o Governo regional e o PSD reclamavam as 100 000 t.
É que, com esta "grande vitória", que, repito, se limita a manter aquilo que estava quando o PSD chegou ao Governo, os agricultores açorianos que pagaram multas este ano vão pagá-las na mesma, contrariamente ao que tem sido dito, porque sendo a recuperação de zero quem produziu acima do zero vai pagar multas este ano e também vai pagá-las nos anos seguintes.
Portanto, aquilo a que acabámos de assistir foi a uma estrondosa mistificação, uma tentativa mais para iludir os portugueses, de um Governo que, não conseguindo mais do que o anterior, que na altura considerou nefasto,…

O Sr. Presidente: - O seu tempo esgotou-se. Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - … não tem pejo, agora, em o considerar como uma grande vitória. Infelizmente, para o nosso país não é.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já nem na sua bancada tem apoio!

O Sr. José Magalhães (PS): - Já vai ver!

O Sr. Presidente: - Caso o Sr. Deputado Joaquim Ponte deseje responder individualmente, faço notar que ainda há muitos Deputados inscritos para lhe solicitarem esclarecimentos.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, pretendo responder individualmente a este pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado, está no seu direito.
Tem a palavra.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, às vezes, dou comigo a pensar o que é que fará as pessoas intervirem em determinadas ocasiões...

Risos do PSD e do CDS-PP.

… e o que é que passará pela cabeça delas para tomarem determinadas posições em público.

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Procuro fazer este exercício comigo próprio, para saber como é que eu procederia se estivesse na pele de determinadas pessoas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Fiz esse exercício agora mesmo consigo, Sr. Deputado Capoulas Santos. E, ao pôr-me na sua pele, penso que me esconderia aqui, nesta Assembleia, muito bem escondido, e nem me atreveria a levantar a voz relativamente a esta questão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Por uma razão muito simples: é que o Sr. Deputado conseguiu fazer menos que zero!
Que me lembre, o senhor enganou, pelo menos por três vezes, a população dos Açores: em 1996, quando era Secretário de Estado e foi lá dizer às pessoas que, em 15 dias, quando regressasse a Lisboa, resolvia o problema da quota de leite, porque era uma questão administrativa.

Protestos do PS.

Ora, regressou a Lisboa, passaram-se anos e anos, chegou a Agenda 2000 e o senhor nunca resolveu nem um grama de leite para a quota dos Açores!
O senhor voltou a enganar a população dos Açores quando disse que ia melhorar a quota do leite no ano 2000, e não melhorou coisíssima nenhuma!
O que o senhor conseguiu foi zero, Sr. Deputado! O que o senhor conseguiu foram 73 000 t de franquia, que negociou por conta do corte da produção nos Açores!
O que o senhor se preparava para fazer era reduzir a produção de leite e lacticínios nos Açores. Foi isso que propôs, em carta ao Sr. Comissário Fischler - carta que tenho aqui comigo -, em que o senhor lhe diz que ia abater vacas e reconverter a produção de leite em carne e criar uma rede de matadouros.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Está enganado!

O Orador: - Foi assim que o senhor conseguiu a quota de 73 000 t, Sr. Deputado Capoulas Santos, que durou quatro anos. Por isso é que agora, em Abril de 2003, tínhamos "zero", Sr. Deputado! Zero! E, felizmente, tínhamos "zero", porque, se o governo, de que o senhor fez parte, tivesse continuado, iríamos ter menos do que "zero"!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Iríamos ver reduzida a nossa produção, que era aquilo que o senhor se preparava para fazer nos Açores.
Por isso, digo-lhe, com toda a franqueza, que estranho muito que, quando toda a gente reconhece que foi um bom acordo dentro do que era possível e que reparou os erros que o senhor cometeu - conseguimo-lo, e, nos Açores, as pessoas percebem que reparámos os erros que o senhor cometeu também nesta área - o senhor venha, aqui, dizer, com uma desfaçatez enorme, que é um mau acordo e que o Governo do PSD nada conseguiu. É, de facto, fantástico!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que espero que o Sr. Deputado Capoulas Santos, em Outubro próximo, volte a aparecer nos Açores para justificar esta questão da quota à população, como apareceu em 1996.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Ponte, é significativo que o PSD venha agora, nesta Casa, reivindicar, como sua e do seu Governo aquilo a que, pomposamente,

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como se viu, chama "a vitória das quotas leiteiras".

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - É natural que assim façam, Sr. Deputado, porque o PSD, ao proceder assim, fá-lo integrado numa estratégia de pré-campanha para as eleições regionais de 2004, razão esta que, na óptica do PSD, tudo justifica, mesmo a mentira e o faz-de-conta.
O que não é natural é que o PSD, no seu afã de se "pôr em bicos de pés" para aparecer na fotografia açoriana, venha reivindicar como vitória aquilo que mais não é, e isto já foi dito, mas repito, do que a reposição de valores que já existiam…

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Não, não!

O Orador: - … e que foram conquistados pelo governo do PS e que o PSD, digam o que disserem, deixou cair.
O que agora temos, Sr. Deputado, é a correcção de um erro, e o erro foi do governo do PSD. E essa correcção, se quisermos ser honestos, deve-se ao trabalho do Governo Regional dos Açores em colaboração, é verdade, com o actual Governo da República - por que não? -, pois estamos a tratar de assuntos nacionais, mas é uma correcção, como também já foi dito, para zero. Ou seja, os senhores conseguiram agora aquilo que o PS já conseguira, e ponto final.

Vozes do PS: - Exactamente!

Protestos do PSD.

O Orador: - Sr. Deputado, sejamos sérios: o que, agora, se obteve…

Protestos do PSD e contraprotestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor, têm de deixar falar o orador, a ver se chegamos rapidamente ao fim do nosso período de antes da ordem do dia.

O Orador: - Cantar vitória, Sr. Deputado, para daí retirar dividendos político-partidários com base num trabalho que é de todos, é ridículo. E os lavradores açorianos, a quem o senhor, há pouco, se referiu como "interesses locais", sabem muito bem que esse trabalho foi feito em colaboração com eles e que este acordo é bom, na medida em que corrige um erro, mas é mau,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Como é que é possível ser bom e mau?!

O Orador: - … na medida em que não acrescenta, nem mais um quilo, àquilo que já existia.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Só à socialista!

O Orador: - Sr. Deputado, cantar vitória, assim, é ridículo, mas também são ridículos aqueles cartazes, com que os senhores estão a conspurcar a paisagem das nossas ilhas, onde se diz: quotas/ganhámos!
Sr. Deputado, "ganhámos" o quê? Ganhou quem?

Vozes do PSD: - Os açorianos! A região!

O Orador: - Antes, havia um regime de excepção, a vigorar até 2003, que os senhores não tiveram peso negocial para renovar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto é verdade, provem-no!

Vozes do PS: -Exactamente!

O Orador: - Agora, conseguiram-no - é verdade! -, mas, volto a repetir pela terceira vez, sem

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mais um quilo do que aquilo que já existia. Chamam a isto vitória?! Chamam a isto ganho?!

Vozes do PSD: - Não somos nós, são os comentadores, são os analistas, menos os do PS!

O Orador: - De certeza, Sr. Deputado, se ganho houve, foi o da recuperação de um erro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente.
Acontece que o erro foi do PSD…

Vozes do PSD: - Do PS!

O Orador: - … e o ganho, se ganho houve, é de todos os açorianos. Se deveríamos estar contentes, estamos, por se ter conseguido isso, mas não venham falar em vitória, venham falar em correcção de um erro que, despudoradamente, cometeram!

Aplausos do PS.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Grande confusão!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim Ponte, se quer responder isoladamente aos pedidos de esclarecimento, está no seu direito, mas previno-o, uma vez mais, de que há oradores que irão ficar sem usar da palavra hoje.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Então, Sr. Presidente, respondo no fim.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Gonçalves para pedir esclarecimentos.

O Sr. Herculano Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Ponte, começo por cumprimentá-lo e saudá-lo pela intervenção que, hoje, nos trouxe aqui, a esta Assembleia.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E quero sublinhar a importância para a agricultura portuguesa dos temas que falou, nomeadamente a agropecuária e as pescas.
Falando de quotas leiteiras, já foi bem reafirmado que o aumento conseguido pelo anterior governo foi "zero". Este Governo, felizmente, teve a oportunidade de conseguir rectificar essa situação e, em face disso, pergunto-lhe duas coisas.
Primeiro, parece-lhe que os resultados obtidos resolvem, ou não, os problemas do País, nomeadamente dos Açores, região pela qual o Sr. Deputado Joaquim Ponte foi eleito?
Segundo, atendendo à ultraperiferia, é, ou não, possível irmos mais longe neste tema?
Para terminar, aproveito a oportunidade para dizer que, em meu entender, estas negociações foram uma excelente vitória para o Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … bem como para o Governo de Portugal.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte. Dispõe do tempo máximo de 5 minutos.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte, eu também entendo que todos ganhámos com os acordos a que chegaram. Entendo que Portugal ganhou; entendo que os Açores ganharam, mas não posso deixar de aqui salientar que este ganho se deveu a uma convicção e a um empenho forte do Primeiro-Ministro de Portugal, a uma convicção forte do Ministro da Agricultura,

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Desenvolvimento Rural e Pescas de Portugal, a uma convicção forte do Governo de Portugal.
Não posso deixar de reconhecer, Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte, que os órgãos de governo da região também se esforçaram para que este problema se resolvesse.

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - Mas, ó Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte, estou na Assembleia da República, e nunca deixei de reconhecer que os órgãos…

Vozes do PS: - Era só o que faltava!

O Orador: - Sr. Deputado, também era só o que faltava que o Governo Regional dos Açores, que, no tempo dos senhores, aceitou a proposta feita pelo Sr. Deputado Capoulas Santos no sentido de reduzir a nossa produção para a quota de 73 000 t, que nos era concedida a quatro anos, agora, não se empenhasse em reparar uma situação tão grave quanto aquela que aceitou no passado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Era só o que faltava! Era mesmo só o que faltava que o Governo Regional dos Açores dissesse "eu não tenho nada a ver com isto!", depois de ter aceite aquilo que aceitou anteriormente.
Portanto, Sr. Deputado, ganhámos todos, sobretudo os açorianos;…

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Deixaram de perder!

O Orador: - … ganhou, sobretudo, a economia dos Açores, ganharam os lavradores açorianos.
Mas o Sr. Deputado tem de compreender uma coisa: há, de facto, uma diferença muito grande entre o que se conseguiu agora e aquilo que foi conseguido no tempo dos senhores. Percebo que o Sr. Deputado Capoulas Santos procure desviar este assunto, porque lhe convém que o assunto não seja muito bem esclarecido, nem muito bem compreendido.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Mas aquilo que o Sr. Deputado Capoulas Santos conseguiu, no vosso tempo, foram quatro anos de franquia, não mais do isto. E o que se conseguiu, agora, Sr. Deputado, foram 50 000 t de quota efectiva, que vão ser transformadas a partir de 2005, mais 23 000 t de franquia; e isto até 2014/2015, ou seja, quando acaba o regime das quotas, o que é muito diferente daquilo que os senhores conseguiram. E os senhores, se quiserem ser rigorosos, para não dizer sérios, porque não queria chegar a tanto, mas sérios politicamente, também vão chegar a esta conclusão.
Sr. Deputado Herculano Gonçalves, agradeço-lhe as questões que me colocou, e posso dizer-lhe que a situação a que chegámos é, neste momento, aquela que satisfaz, e todos temos a noção de que a negociação era muito difícil, porque partíamos de um ponto muito complicado: havia uma insuficiência a reparar, que era a de, chegados a Abril de 2003, partirmos do "zero", porque nem sequer tínhamos 73 000 t, tínhamos zero! E quando podíamos ter negociado, que foi o que fizeram muitos outros países, esta questão da quota leiteira na Agenda 2000, o Partido Socialista, que, na altura, estava no governo, não negociou rigorosamente nada, não pediu um grama que fosse de aumento de quota, e, portanto, ficámos como ficamos.
Penso que, no tempo actual e nas circunstâncias em que a negociação se fez, pouco melhor ou pouco mais se poderia conseguir do que aquilo que se conseguiu. Penso que foi, como aqui disse, um resultado muito bom.
Tenho esperança, assim como os açorianos também têm, de que, como o Sr. Deputado referiu, o estatuto de ultraperiferia que o Tratado consagra a estas regiões insulares possa, no futuro, melhorar de alguma forma o acordo que agora conseguimos. Tenho esperança que isto, no futuro, possa acontecer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Capoulas Santos pediu a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal. Ser-lhe-á concedida no fim do período de antes da ordem do dia.
Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Francisco Louçã para uma declaração política, chamo a atenção para o facto de já nos encontrarmos no prolongamento extraordinário do período de

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antes da ordem do dia e de ainda haver oradores inscritos, a quem só poderei dar a palavra se houver consenso por parte da Câmara.
Sr. Deputado Francisco Louçã, tem a palavra.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Presidente da República dirigiu-se, ontem, ao País, certamente àqueles que nos elegeram e aos Deputados e Deputadas desta Assembleia da República, sobre a crise judiciária.
Creio que a Assembleia da República deve registar um acordo fundamental com as palavras do Presidente, e deve fazê-lo, em particular, muito em particular, em relação a esse aspecto da crise nacional, que se arrasta há um ano, e a que o Presidente da República chamou "a crise judiciária".
Aliás, o Presidente faz, pela segunda vez, um alerta, agora na forma institucional de uma declaração ao País, e, mais uma vez, um alerta enérgico: "é tempo de ordenar prioridades" - diz-nos. Diz-nos, ainda, que "a justiça em geral, e não apenas um processo, aguarda a reforma que agilize o sistema e o torne finalmente célere e equitativo". Denuncia o Presidente a "criminosa e despudorada violação do segredo justiça" e defende que é necessária "a ultrapassagem dos bloqueios do desenvolvimento e das, crónicas, deficiências estruturais que constitui, assim, uma indeclinável prioridade".
Creio que, no essencial, o Parlamento deve reagir ao debate que o Presidente da República suscitou, tanto mais que temos o risco da continuação de um processo de julgamento por processo de intenção, agora na "arena política". E a este propósito sublinho que, hoje de manhã, dois dos melhores jornais do País, jornais de referência, publicaram exactamente o mesmo título - Sampaio nega obstrução à justiça -, como se o Presidente tivesse que se defender, como se fosse um arguido indirecto, como se tivesse que se justificar perante essas fugas anónimas de informações sobre escutas que são ilegais.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Naturalmente, qualquer escolha editorial é absolutamente legítima, faz parte da liberdade de imprensa, e deveremos sempre defendê-la, mas é também, naturalmente, criticável, porque o cerne do debate que o Presidente suscita, e sobre isto a Assembleia tem de ter uma palavra, é sobre o funcionamento da democracia, é sobre essas operações de contaminação em que o próprio discurso descontaminante é contaminado, é sobre a intenção de não prolongar a novela judiciária, como se tivesse de se justificar quem é presente e quem é ausente do rol dos arguidos, das testemunhas ou dos interessados. Este desvario mediático, que assenta, aliás, neste comércio de peças processuais, que é o abuso mais totalitário do poder conspiratório, é o que institui o pântano da justiça populista, avulsa e a retalho.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - E, sobre isto, o Presidente da República falou, e bem, e por isso é que tem todo o sentido aplaudir o Presidente, não alimentar qualquer espiral de confusão, esperar, desejar e aplaudir, quando o Procurador-Geral da República, o Bastonário da Ordem dos Advogados, advogados, juízes, Deputados, jornalistas e cidadãos tirarem todas as consequências e lições deste processo.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Quero, por isso, resgatar aqui um apelo do Presidente da República. Disse-nos o Presidente que, das muitas matérias que considera importantes, há uma que, certamente, tem de gerar unanimidade nesta Assembleia, que é aquilo a que chamou o "reordenamento estratégico e crucial da União Europeia".
Começou a Conferência Intergovernamental, realizou-se uma cimeira europeia, o Primeiro-Ministro encontrou-se com dirigentes dos vários partidos para comentar a posição portuguesa. E, a este propósito, é indispensável que o véu de silêncio, que se tem mantido sobre as questões europeias, muito mais sobre a questão essencial da "Constituição" europeia, não possa perdurar e que não possa, sequer, ser parte de um debate instrumental e não essencial. Porque somos cidadãos europeus, reclamamos que é com a Europa que pode haver um projecto de desenvolvimento para Portugal, é com a Europa e na Europa que pode haver uma política de paz, é com a Europa e na Europa que pode haver uma política de investimento, de pleno emprego, de mínimos de protecção social, é com a Europa e na Europa que se pode reforçar a democracia e a capacidade de decisão. No entanto, estamos confrontados, Sr.as e Srs. Deputados, com uma "Constituição", um projecto de tratado já impresso, aliás, que será concluído pela Conferência Intergovernamental em Dezembro e assinado em Maio; tratado, esse, que tem a particularidade notável de não ter tido como suporte aquilo que tem qualquer Constituição: um processo constituinte. Uma pessoa foi

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encarregue de escrever a "Constituição" e não houve representantes eleitos directamente pelo povo que pudessem sufragar, discutir e apresentar alternativas nas escolhas.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Há ainda o paradoxo de o preâmbulo, escrito pelo ex-Presidente Giscard d'Estaing, fazer os povos da Europa agradecer a ele próprio, ex-Presidente Giscard d'Estaing, ter-nos dado esta "Carta Constitucional".
Ora, este texto impõe o directório, impõe regras sobre orçamento, impõe uma estrutura institucional, impõe um presidente, impõe um destino para o ministro dos negócios estrangeiros, em tudo define o que vai ser o futuro da Europa, constitucionaliza aquilo que eram tratados, torna definitivos aquilo que eram acordos negociáveis e renegociáveis. E, por isso mesmo, só a democracia e, em particular, a responsabilidade dos portugueses, ao pronunciarem-se sobre esta matéria, pode reconstituir a fundamentação legítima que permita escolher, rejeitar, aceitar, corrigir ou modificar este tratado e as suas grandes escolhas.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Registamos que um Vice-Presidente da Assembleia da República, eleito pelo Partido Popular, veio dizer a um jornal que Durão Barroso não quer referendo. Tenho de lhe dar razão! Estamos perante este impasse: o Primeiro-Ministro só quer o referendo na data em que ele nunca ocorrerá e, aparentemente, não o quer em nenhuma data em que ele possa ocorrer.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, entrego-lhe agora o projecto de resolução do Bloco de Esquerda sobre o referendo, que propõe, se a Assembleia assim o quiser, ao Presidente da República que convoque, em tempo útil, quando esse mandato pesar na decisão do Governo de assinar ou não o futuro tratado, os portugueses para se pronunciarem sobre três questões. Primeira: concorda com a instituição de uma "Constituição da União Europeia", que tenha primazia sobre a Constituição da República Portuguesa? Segunda: concorda com a criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu, em substituição das presidências rotativas por todos os Estados-membros da União Europeia? Terceira: concorda com o aumento de atribuições e poderes da União Europeia no domínio da defesa? Assim nos propuseram Jorge Miranda e Vital Moreira e assim o concretizamos. Nestas matérias, e outras importantes existem, com certeza, os portugueses podem dar um mandato imperativo e claro à política portuguesa.
Termino, dizendo que entendemos que, nesta matéria, o referendo e a democracia, que, assim, se suporta e clarifica, e as escolhas que faremos para o futuro de Portugal e de Portugal na Europa são essenciais para um projecto de modernidade.
Nós queremos estender a mão a todo o povo de esquerda, a todos esses homens e mulheres que hoje querem mudar o rumo em Portugal, porque querem democracia, justiça social e uma política europeia consistente, querem corrigir o rumo, quando debatermos o Orçamento do Estado, e melhorar as políticas sociais, querem corrigir os rumos de uma política autoritária e subserviente em relação a uma Europa sem grandeza, nem perspectivas, querem corrigir o rumo…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que dispunha. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Concluo, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, queremos estender a mão aos homens e mulheres que querem corrigir o rumo, quando se trata de apreciar políticas consistentes a favor da inclusão e contra a pobreza, para a criação de oportunidades.
A esquerda moderna é a que se define pela modernidade, pela igualdade de acesso de todos ao direito de viver, neste século XXI, com oportunidades iguais. Esta é a democracia que nos permite responder ao pântano e responder-lhe em termos de soluções, de alternativas e de debate político.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se inscreveram, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Telmo Correia, Guilherme Silva, António Costa e Bernardino Soares. Peço a todos o favor de serem muito breves, porque já foi largamente excedido o tempo destinado ao período de antes da ordem do dia.
O Sr. Deputado Francisco Louçã responderá a grupos de dois pedidos de esclarecimento, já que o tempo de que dispõe é limitado.

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O Sr. António Costa (PS): - Nós cedemos tempo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para já, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, em relação à primeira parte da sua intervenção, quero dizer-lhe, unicamente, que o Sr. Presidente da República falou, ontem, ao País e disse aos portugueses o que entendeu que deveria dizer e nós registámos um apelo, por um lado, à discussão dos assuntos relevantes do País - é o que estamos a fazer - e, por outro, à serenidade.
Sr. Deputado, nós respeitamos, institucionalmente, o Sr. Presidente da República, nunca tivemos um comportamento diferente daquele que se deduz da mensagem de ontem…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e também nunca faremos especulações sobre intervenções do Sr. Presidente da República, ou tentativas de apanhar "boleias mediáticas" em intervenções que foram claras e que devem ser respeitadas.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

Em relação à sua segunda questão, a do referendo europeu, quero destacar, Sr. Deputado Francisco Louçã, que posso compreender a sua intenção e, agora, a sua precipitação e exigência nesta matéria. Basta lê-lo, com atenção, como faço habitualmente, para saber que V. Ex.ª tem como grande preocupação a criação de um novo partido europeu, como titulava a Visão numa importante entrevista sua, e que até quer agrupar, nesse novo partido europeu, sectores da esquerda, os quais, enfim, não sei classificar de uma forma tão eloquente como V. Ex.ª mas percebo que se trata dos renovadores comunistas e de vários outros sectores, como é explícito nessa mesma entrevista. Esta é a sua preocupação de fundo, Sr. Deputado Francisco Louçã, porque, se não fosse essa a sua preocupação de fundo, nada justificaria que V. Ex.ª tivesse dirigido, há uns tempos atrás, uma carta ao Sr. Presidente da República e ao Primeiro-Ministro de Portugal contra o medo da Europa, onde se pode ler, a dado passo, "(…) Obviamente, isto só pode acontecer se o referendo se realizar antes de concluído e assinado o Tratado. Por isso vos proponho, Sr. Presidente e Sr. Primeiro-Ministro, que o referendo se realize o mais cedo possível para escolher sobre questões fundamentais, (…)". Ou seja, V. Ex.ª, numa carta, antes desta discussão, queria o referendo o mais cedo possível; a maioria - o PSD e o CDS-PP - propõe o referendo para a data das eleições e V. Ex.ª não quer o referendo nessa mesma data.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, não há outra explicação! Diga-me, então, V. Ex.ª quando é que é o mais cedo possível! É que eu entendo que fazer um referendo sobre um tratado depois de ele estar aprovado terá pouca utilidade. E V. Ex.ª, certamente, concordará comigo que depois da aprovação e da ratificação do tratado não faz muito sentido realizar o referendo.
Ora, sabendo-se que os trabalhos destinados à resolução final sobre este texto não terminarão, certamente, antes de Janeiro ou Fevereiro, veja o período que vai entre essa data - com os passos que importa dar para a convocação do referendo - e a data das eleições e logo perceberá que o referendo ou é na data das eleições europeias ou é uma semana antes, 15 dias antes, vá lá, um mês antes, mas, neste caso, teremos duas campanhas sobrepostas, sendo o problema exactamente o mesmo e a despesa, os custos, será a dobrar.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Deputado, o que me parece é que V. Ex.ª diz…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, o seu tempo esgotou-se. Tem de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo apenas ao Sr. Deputado Francisco Louçã o seguinte: V. Ex.ª diz que quer o referendo, que o quer o mais cedo possível, mas, efectivamente, só não quer na data que nós propomos. Sabe o que é isto, Sr. Deputado? É o "manto negro da cortina de fumo",

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mas, desta vez, é V. Ex.ª que o está a aplicar.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, a quem renovo o meu apelo à brevidade.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, a nossa posição sobre a questão que V. Ex.ª trouxe a debate e a declaração de ontem do Sr. Presidente da República é conhecida: é a de plena concordância com o facto de que a justiça está a funcionar (temos visto o processo prosseguir as suas etapas normais); é a confirmação, com a qual também concordamos, de que é preciso levar as investigações até ao fim, porque há vítimas e, consequentemente, culpados, sendo necessário reparar o máximo possível as vítimas e a ofensa colectiva que tudo isto envolve para a sociedade portuguesa e apurar e condenar os culpados; é a concordância com o facto de que se deve avançar nas reformas da justiça, é o que estamos a fazer, fizemos já na acção executiva e na lei da adopção e vamos continuar a fazer noutras matérias; é a concordância que decorre da intervenção pública do Sr. Primeiro-Ministro, que tem sido um exemplo de contenção, de prudência e de serenidade e que tem sido seguido, aliás, por todo o Partido Social Democrata e por este Grupo Parlamentar.
Confirmamos e concordamos também com o Sr. Presidente da República, quando, no fundo, diz que há mais País para além deste processo, por mais mediático que seja, por mais figuras relevantes que envolva, por mais polémica e atenção que suscite à opinião pública. Por isso, estamos preocupados com o Orçamento; por isso, estamos a fazer a reforma da Administração Pública; por isso, batemo-nos e ganhámos a batalha relativa às pescas e ao leite dos Açores. Tem sido esta a conduta da maioria…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … e do Governo, e é neste caminho que vamos continuar em sintonia, pelo que se percebeu da intervenção de ontem, com o Sr. Presidente da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tem-se visto a posição que o PSD e este Grupo Parlamentar têm tido de não instrumentalizar e de não abordar esta questão, que envolve outros grupos parlamentares. Não tem sido este o registo de outros grupos parlamentares a propósito de outras circunstâncias, como também não tem sido sempre o registo do seu grupo parlamentar e de V. Ex.ª aquele que teve na intervenção de hoje e na penúltima intervenção que proferiu na Assembleia da República.
A nossa linha é de coerência, não precisamos ver os movimentos da opinião pública para mudarmos este nosso rumo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, beneficiando de tempo cedido pelo PS.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, agradeço ao Partido Socialista.
Sr. Deputado Guilherme Silva, registo o seu acordo quanto ao conteúdo que aqui tratei.
A intervenção do Sr. Presidente da República suscitou duas questões que interpelam o debate político, sendo uma delas sobre a crise judiciária. Naturalmente, não sobre um ou outro caso particular mas sobre aquilo que é importante para o futuro do debate sobre a reforma da justiça.
Sucessivamente, tem o meu grupo parlamentar contestado uma situação que conduz ao abuso da prisão preventiva, à falta de meios de investigação, ao atraso na execução da justiça e a múltiplos factores que são necessários corrigir em função de um projecto de modernização da justiça em Portugal.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Estamos a fazer as reformas!

O Orador: - Isto é absolutamente fundamental, e só quero registar a sua disponibilidade a este respeito.
Devo dizer-lhe que, sobre esta matéria e nas incidências que a mesma tem sobre a questão política, o meu grupo parlamentar foi sempre absolutamente coerente, não só agora como sempre. O que dissemos é

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que há instâncias políticas e jurídicas, e as instâncias políticas exigem que quem quer que tenha responsabilidades e cujo mandato possa ser instrumental para se proteger de um processo judiciário não deve, nem pode, fazê-lo.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Quando um ministro, um presidente de câmara, um Deputado ou quem quer que seja pode utilizar as capacidades que o seu mandato lhe dá para actuar ou condicionar a acusação ou a defesa não deve colocar-se na situação de privilégio.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Isto aplica-se a ministros, a Deputados, a todos!
Compreenderá, Sr. Deputado, que, do meu ponto de vista, um ministro, nestas circunstâncias, teria reforçado a credibilidade da democracia ao assumir os esclarecimentos políticos no seu tempo próprio. Sobre isto não mudámos de opinião!
É exactamente o mesmo problema que se aplica em relação ao Sr. Deputado Telmo Correia.
Sr. Deputado, registo a sua intervenção, aliás, devo dizer-lhe que, para nós, a diferença não se estabelece na porta desta Sala: dizemos nesta Câmara o que dizemos nos corredores da Assembleia e fora da Assembleia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Também nós!

O Orador: - Temos o princípio e o critério de manter exactamente as mesmas interpretações, e, exactamente por considerar a valorização do debate político no Parlamento, fazemo-lo nos mesmos termos em que temos de o fazer quando falamos ao País, sem qualquer diferença, e assim fizemos em relação à declaração do Sr. Presidente da República.
O que seria estranho, Sr. Deputado, era que uma declaração desta importância não tivesse a reflexão ponderada que tem de ter nos sinais exactos que são dados, em relação aos quais os Deputados devem exprimir o seu acordo ou desacordo, na liberdade do seu mandato e da sua consciência. Isto é que nos interpela sobre a crise da justiça,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - A expressão é sua! Não ouvi o Sr. Presidente da República referir-se a uma crise!

O Orador: - … sobre a questão europeia e, certamente, sobre as questões do desenvolvimento.
Chego à questão europeia.
Sr. Deputado, a proposta que fiz ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Presidente da República em carta aberta é exactamente a que mantenho aqui, com uma diferença: acrescentei as perguntas concretas que entendemos que devem ser submetidas aos portugueses, porque queremos fazer o debate preciso, nos seus termos exactos. Queremos que quem não concorde com o referendo o diga e que quem concorde possa dizer se está ou não de acordo com estas perguntas, porque o debate sobre o referendo tornou-se uma nebulosa de que temos de fugir imediatamente.
O seu correligionário e Deputado Narana Coissoró dizia, em entrevista ao Diário de Notícias, que aqui citei, que o Sr. Primeiro-Ministro não queria fazer o referendo, precisamente porque propunha a data em que não pode ocorrer. Este é um facto!
Escusamos de perder mais tempo à volta de elucubrações, à volta desse facto.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Isso é uma opinião!

O Orador: - Não, é um facto!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É uma opinião!

O Orador: - Portanto, aquilo que importa é considerar que, sendo possível legalmente e viável constitucionalmente que o referendo se realize até ao dia 13 de Abril, data em que serão convocadas as eleições do dia 13 de Junho, para o Parlamento Europeu, o referendo se realize nesse prazo. Porquê? Porque terminada a Conferência Intergovernamental o Governo ainda não assinou, e é a decisão de assinar ou não e de propor ou não a reabertura dessa discussão que deve depender da democracia, que deve

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deve depender dos portugueses.
Não aceitamos que tenha conteúdo um referendo cujo único sentido é propor aos portugueses se sufragam ou não um resultado adquirido de uma negociação sobre a qual não podem ter opinião.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Isto não é um referendo, nem sequer chega a ser um plebiscito, é uma pobreza democrática, ou, como alguns disseram, uma "paródia democrática"!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quem falou em "paródia" foram os adversários do referendo, não os seus defensores!

O Orador: - É um referendo sem conteúdo, é uma decisão que não decide, e é isto que não queremos aceitar.
Sr. Deputado, é por isso que propusemos hoje, aqui, a tempo de serem consideradas pela Assembleia, pelo Sr. Presidente da República e de serem vistas pelo Tribunal Constitucional, as perguntas exactas que entendemos deverem ser formuladas, e sobre elas queremos, naturalmente, uma resposta.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, um dos piores vícios, creio eu, da vida política nacional é a tendência que temos para discutir a questão procedimental em vez da substância das coisas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso pareceu-me saudável ouvi-lo dizer que era preciso levantar o véu sobre uma questão essencial, que é a "Constituição" europeia. Permita-me que lhe diga, Sr. Deputado, fiquei algo desiludido, porque vi que reintroduziu mais uma questão procedimental, e continuamos a não saber a posição do Bloco de Esquerda quanto à substância das matérias.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É verdade!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Já sabe!

O Orador: - Ora, isto é que o decisivo.
Ouvimos as três perguntas que o Bloco de Esquerda gostaria que fossem feitas, mas ainda não ouvimos a resposta que ele daria a cada uma delas.

Vozes do PSD: - Nem vai ouvir!

O Orador: - Assim, a primeira questão que lhe coloco é exactamente esta: como é que o Sr. Deputado Francisco Louçã responderia, num referendo, a cada uma das três perguntas que formula?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu já sei!

O Orador: - Aliás, tenho a enorme curiosidade de o ouvir responder a outras perguntas que se poderiam formular-se. Por exemplo, o Sr. Deputado entende ou não que a Europa deveria ter uma política europeia de segurança comum efectivamente homogénea e comum a toda a União Europeia?
Entende ou não o Sr. Deputado Francisco Louçã que a Europa deveria ter uma política de defesa comum e um exército europeu?
O Sr. Deputado Francisco Louçã entende ou não que, perante o alargamento a 25 Estados, é necessário simplificar o processo de decisão na União Europeia?
Entende ou não que é positivo, para o combate à grande criminalidade organizada e transnacional, que as decisões sejam cada vez menos intergovernamentais e possam mais vezes ser tomadas em co-decisão entre o Conselho e o Parlamento Europeu?
Enfim, há uma infinidade de questões sobre a substância das coisas, relativamente às quais julgo partilhar

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uma curiosidade que não é egoísta mas, sim, de todos os portugueses, que é saber o que o Bloco de Esquerda pensa sobre isto.
Obviamente, a tentação de discutir o procedimento é enorme. Sobre isso não vou perder muito tempo, porque a nossa divergência quanto ao essencial não existe: vocês entendem que deve haver referendo, nós entendemos que deve haver referendo. Também não vamos discutir datas, porque estamos de acordo quanto ao essencial, que é não aceitar a única data inaceitável: a coincidência com as eleições. Quanto ao mais, percebo que a sua ideia, tanto quanto creio, é que deveria haver um referendo para saber se o Governo pode ou não assinar o tratado. Feliz ou infelizmente - não importa, é um dado de facto -, a nossa Constituição não permite extrair essa ilação.
A Constituição permite que, nos referendos, nos pronunciemos sobre questões substantivas que devam traduzir-se em normas jurídicas, mas um referendo que diga "não" não impede o Governo de assinar, impede simplesmente de esta Assembleia ratificar. Assim sendo, estamos inteiramente de acordo com aquilo que o Professor Vital Moreira ontem escrevia, sabiamente, no Público. De facto, não faz sentido colocar aos portugueses questões sem que as mesmas estejam efectivamente delimitadas com precisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E as questões só estarão delimitadas com precisão no momento em que, concluída a Conferência Intergovernamental, saibamos precisamente quais são termos.
Por exemplo, quanto à formulação da sua segunda pergunta, "concorda com um presidente que substitua as presidências rotativas?", não é isto que está no projecto de tratado e não sabemos como é que ficará no final da Conferência Intergovernamental (CIG). Faz sentido pronunciarmo-nos sobre uma questão enquanto a mesma não está precisa, ou só nos devemos pronunciar sobre ela quando a mesma estiver precisa?
Portanto, Sr. Deputado, como vê, a divergência grande não é quanto ao aspecto procedimental. E, quanto à substância, não sei se há divergência, porque sei qual é a nossa posição, mas não sei qual a posição do Sr. Deputado.
Quanto a nós, diremos "sim", "sim", "sim" às três perguntas que formulou, e estou convencido de que diremos também "sim", "sim", "sim" a três outras perguntas que se formulem, porque a nossa convicção e o nosso empenhamento no projecto europeu é de sempre e será para sempre.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, quanto à primeira parte da sua intervenção e à declaração de ontem do Sr. Presidente da República, é justo salientar aqui - e o Sr. Deputado sabe disso - que o PCP tem tentado contribuir para a contenção do debate desta importante questão e que esta tem sido, no fundamental, a nossa orientação, intervindo neste debate. É evidente que isto não nos afasta da exigência, que julgo fazermos todos, de que se descubra toda a verdade neste processo e de que toda a verdade seja esclarecida no respeito pelos direitos, liberdades e garantias, tal como o Sr. Presidente da República ontem salientou.
Quero também chamar a atenção para uma outra parte da intervenção do Sr. Presidente da República, onde se alertou para o facto de este caso, por importante que seja - e é -, não dever esconder todas as outras questões da vida dos portugueses e do País, as quais têm de estar em cima da mesa, na discussão e no debate político.
Penso que, no momento em que o Orçamento do Estado do Governo de direita coloca tantos e tão graves problemas ao País e aos portugueses, é uma responsabilidade da esquerda não deixar de salientar essas outras importantes questões - e é neste registo que também nos inserimos.
Sobre a questão do referendo, é evidente que estamos de acordo em que o mesmo é uma exigência democrática essencial…

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - … e que, em outros momentos da construção europeia, ele deveria ter sido realizado, para permitir aos portugueses um amplo debate e uma intervenção concreta na vinculação do País a determinados passos, que, entretanto, foram dados. Desejamos que não se repitam episódios anteriores, como os de se formarem maiorias para, sob este ou aquele pretexto, inviabilizar esta consulta, ou os de se formularem perguntas sem viabilidade propositadamente para que o referendo não se realize.
Entendemos que este referendo tem de fazer-se no respeito pelas regras da Constituição e a tempo de permitir aos portugueses decidir e intervir na decisão sobre esta matéria. O cerne do que está em discussão na chamada "Constituição europeia", no tratado que, porventura, venha a ser assinado, não é apenas a estrutura da União Europeia e o seu funcionamento, trata-se de um caminho de federalismo absurdo e que não beneficia os interesses dos portugueses; aliás, sucessivamente, e ainda hoje neste Plenário, temos vindo a ver que, nas questões concretas das políticas que afectam a vida do País e dos portugueses, as dificuldades desse caminho federalista têm sido colocadas ao nosso país.
Sr. Deputado Francisco Louçã, considera ou não possível e útil um referendo antes da vinculação, pela ratificação, do Estado português, como, aliás, tem acontecido em outros países? Entendemos que esta hipótese tem de estar em cima da mesa pela precisão para formular as questões concretas a apresentar em referendo e, como em outros países, pelo direito que os portugueses têm de pronunciar-se sobre a sua inclusão, ou não, num tratado que venha a ser assinado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
O mais importante de tudo isto é que, de uma vez por todas, aqueles que agora se converteram ao referendo - não é o caso do Bloco de Esquerda mas, sim, do PS e do PSD - digam qual é a consequência que sairá do mesmo. Entendemos que esse referendo tem de ter como consequência a possibilidade de Portugal se vincular à assinatura de um tratado nos termos em que o mesmo está a ser discutido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, começo por registar o acordo com as considerações que teceu e por responder positivamente à pergunta concreta que formulou: sim, estamos de acordo com um referendo antes da ratificação e cremos mesmo que ele deverá realizar-se antes da assinatura do tratado.
O Sr. Deputado António Costa levantou um conjunto de dúvidas e inquietações profundas, disse mesmo que gostaria de saber a minha resposta a infinitude de questões. Sr. Deputado, confesso a minha incompetência. O infinito não é o meu espaço, não posso responder aos infinitos.

O Sr. José Magalhães (PS): - São só três perguntas!

O Orador: - Evidentemente, a nossa resposta é "não", "não" e "não", onde a do PS é "sim", "sim" e "sim"!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Assim, não pode haver frente esquerda!

O Orador: - É "não" à primazia de uma "Constituição" europeia, muito menos sem processo legitimador de um processo constituinte democrático sobre a Constituição da República Portuguesa.
É "não" à criação do cargo de presidente do Conselho Europeu nas circunstâncias em que está proposto e é "não" à proposta de aumento de atribuições e poderes da União Europeia em matéria de defesa.
Todas as outras perguntas, que, depois, a título retórico foi acrescentando para se aproximar do infinito, são, evidentemente, imprecisas. O Sr. Deputado pergunta-me se deve haver, ou não, uma defesa comum. Mas, Sr. Deputado, o que é proposto nesta "Constituição" não é uma defesa comum, é, sim, uma defesa no contexto da NATO e no respeito pela organização actual da NATO - e isto, evidentemente, tem o nosso desacordo, mas não o do Partido Socialista.
Deve haver simplificação do processo de decisão? Deve.
Deve haver um reforço da capacidade de coordenação entre o Parlamento e as instâncias de direcção? Com certeza que sim. O que tem de se estabelecer claramente são os princípios em que há o primado da

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convergência europeia e os terrenos em que, pelo contrário e alternativamente, há o domínio da capacidade de decisão própria, até porque há uma questão sobre a qual não posso deixar de o interpelar, assim como a todo o Partido Socialista, que é o fundamento da democracia. Não pode haver decisão democrática sem um fundamento de legitimidade democrática, e ele não existe ao nível europeu. E esta estratégia sucessiva de impor decisões como estas, que levam ao cúmulo um processo constituinte, que não é constituinte, que se arroga do título de "Convenção" para se reclamar da Convenção Americana de 1776 e da Convenção Francesa de 1791, sem ter Deputados directamente eleitos que representem o sentir dos cidadãos europeus, esvazia a cidadania europeia. E esta é toda a nossa divergência neste processo.
Por isso mesmo, delimitando com precisão, queremos que o Governo tire conclusões - não é obrigado a isto! - políticas…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir.

O Orador: - Concluo com certeza, Sr. Presidente.
Queremos que o Governo tire conclusões políticas do momento em que o referendo pode cingir-se a questões substanciais e que não seja um voto de confiança genérico, que perca qualquer conteúdo constitutivo de uma política europeia. E creio que o risco é este, porque o Governo não aceitará o referendo. Aliás, até temo que o Partido Socialista também só proponha o referendo depois das eleições europeias, porque sabe que o Governo não o vai aceitar.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. António Costa (PS): - Não é verdade!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há ainda, na Mesa, duas inscrições para declarações políticas, que ficarão para uma outra altura, pois já prolongamos excessivamente o período de antes da ordem do dia.
Porém, encontram-se inscritos, para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal, os Srs. Deputados Capoulas Santos e Narana Coissoró, o primeiro face a uma intervenção do Sr. Deputado Joaquim Ponte e o segundo a uma do Sr. Deputado Francisco Louçã.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Capoulas Santos, e peço-lhe o favor de ser muito breve.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, serei muito breve.
De qualquer modo, não vou utilizar esta figura regimental como truque para usar da palavra, mas porque, efectivamente, o Sr. Joaquim Ponte me dirigiu a mais grave ofensa que, num regime representativo, pode ser dirigida a um Deputado, que é dizer-lhe que ele mente aos seus eleitores, àqueles que ele representa.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador: - "Engana", creio que foi esta a expressão que utilizou.
O Sr. Deputado sabe que isto não é verdade. Visitei efectivamente os Açores em 1996, prometi aumentos de quotas leiteiras para os Açores e, logo de seguida, foram concedidas mais 25 000 t; consegui, enquanto ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, na Agenda 2000, mais 28 000 t, que, aliás, o actual Sr. Ministro não se coibiu de reclamar como vitória sua, contabilizando-as no cômputo dos hipotéticos ganhos que transmitiu ao País, sabendo que não era verdade, que esse ganho tinha sido obtido nas negociações da Agenda 2000. E conseguimos, em Nice, as 73 000 t de isenção suplementar, e ela foi conseguida até 2003 não por um qualquer acordo com a União Europeia, como falsamente o Sr. Deputado invocou, porque não houve qualquer acordo tendente a reduzir a produção leiteira nos Açores - o Sr. Deputado exibiu, há pouco, fragmentos de um processo negocial que não está traduzido em nenhum documento da Comissão, porque não foi por esse caminho que a solução foi encontrada -, mas porque a reforma acabava precisamente em 2003. Aliás, havia então um conjunto de Estados-membros que queria até acabar com o regime de quotas e a Comissão dizia, na altura, que, nesses termos, não seria conveniente sequer equacionar uma isenção para além do hipotético fim do regime de quotas.
Portanto, Sr. Deputado, peço-lhe que se retrate, porque esta é uma instituição representativa de todos os cidadãos portugueses e não é de bom-tom, não é minimamente correcto, e não posso aceitar, em nenhuma circunstância, que me atribua uma relação com o eleitorado que eu não tenho; porventura, o senhor pode tê-la, mas, se a tem, é absolutamente inaceitável.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Capoulas Santos, eu não quis ofender a sua honra! Por amor de Deus!

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Conseguiu!

O Orador: - O que quis aqui dizer - e posso corrigir a terminologia, se for necessário - foi que o Sr. Deputado faltou à verdade, que não disse a verdade, que não foi rigoroso. O que eu disse aqui foi que o Sr. Deputado enganou as pessoas, e "enganar" no sentido de que disse uma coisa e fez outra. Foi exactamente isto que aconteceu, Sr. Deputado! E não retiro nada do que acabei de lhe dizer, mas nunca me passou pela cabeça que, ao dizê-lo, estava a ofender a sua honra, porque não quero ofender a honra do Sr. Deputado, nem a de nenhum Sr. Deputado desta Câmara, porque todos me merecem respeito e consideração.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Apenas apontei aqui factos; o facto de o Sr. Deputado ter dito que era uma questão administrativa e que iria resolver em 1996, que, passados 15 dias, resolveria o problema, e não resolveu coisíssima alguma, …

O Sr. Capoulas Santos (PS): - 25 000 toneladas dessa vez!

O Orador: - … e o facto de o Sr. Deputado ter anunciado às pessoas o aumento de uma franquia de 73 000 t, com base num acordo, que tenho aqui,…

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Não foi um acordo! Não há acordo algum!

O Orador: - … com a carta que o senhor enviou ao Sr. Comissário Fischler.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Não houve nenhum acordo!

O Orador: - De resto, esta carta foi enviada ao Sr. Comissário e foi com base nela que o senhor conseguiu as tais 73 000 t, mas nunca os açorianos souberam que havia a intenção de proceder desta maneira.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Não houve nenhum acordo!

O Orador: - Pelo menos esta questão, Sr. Deputado, foi ocultada aos açorianos, e só foi conhecida depois que os senhores perderam as eleições. Foi isto que eu aqui disse, e é isto que aqui repito.
Sr. Deputado Capoulas Santos, não vale a pena estarmos agora "a chorar sobre o leite derramado". O que eu renovo aqui, Sr. Deputado Capoulas Santos, é um pedido, que é também um desafio: aquando das próximas eleições nos Açores, que se disputarão no ano que vem, faça o mesmo que fez em 1996, percorra as ilhas e explique às pessoas os comportamentos que teve enquanto ministro da Agricultura, nomeadamente no que diz respeito à Região Autónoma dos Açores.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Capoulas Santos (PS): - Está a faltar à verdade! Não existe qualquer acordo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal, o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, obviamente que o Sr. Deputado Francisco Louçã não me ofendeu.

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O Sr. Presidente: - Sendo assim, não posso dar-lhe a palavra, Sr. Deputado.

O Orador: - Pode dar-me a palavra, Sr. Presidente, porque ele, erradamente, me atribuiu uma frase que consta da minha entrevista - aliás, está até no título -, mas não referiu exactamente a razão por que eu disse que o Sr. Primeiro-Ministro não queria o referendo, dando a impressão de que fiz uma afirmação tout court, desprovida de qualquer argumento, contrária à posição defendida pelo meu partido. Por isso mesmo, sinto-me na obrigação de dizer ao Dr. Francisco Louçã qual é o sentido da minha afirmação.
E a minha explicação é simples: a nossa Constituição não permite a realização do referendo no dia das eleições. Para que isto possa ocorrer é preciso mudar a Constituição. Ora, a este respeito, o Partido Socialista disse sempre que não quer alterar a Constituição a este respeito, quer fazer uma revisão constitucional minimalista, cirúrgica, apenas na parte relativa à autonomia das duas regiões autónomas. E eu entendi que o Sr. Primeiro-Ministro, sem estar na posse da certeza de que esta revisão constitucional se faria, para ser possível fazer-se o referendo no dia das eleições europeias, não deveria anunciar a realização do referendo para esse dia, porque ele sabe que, primeiro, tem de garantir o acordo do PS.
Foi isto o que eu disse. E a jornalista tirou as suas conclusões: isto quer dizer que o Sr. Primeiro-Ministro não quer o referendo.
Portanto, não assumi uma posição contrária à do meu partido, não é uma posição que eu defenda, é uma "estatuição" de facto, é a chamada força normativa dos factos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, quer dar explicações?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, quero só dar um esclarecimento, se me permite.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Deputado Narana Coissoró, registo a boa vontade do esclarecimento que deu sobre o seu pensamento, que é importante para este debate. Também sei que, às vezes, há títulos de jornais que não correspondem exactamente ao conteúdo das intervenções e registo as suas palavras. No entanto, permita-me lembrar-lhe exactamente o que disse na entrevista que deu.
Perguntou-lhe o entrevistador: "O que está a dizer é que o Primeiro-Ministro não quer o referendo?" E o Sr. Deputado respondeu: "Sim, estou a dizer isso." E acrescentou: "E depois pode deitar-se as culpas para cima dos que não o querem na data das europeias. Nós queremos o referendo …" - presumo que falava por si - "… só não o queremos naquela data.".

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Foi um plural majestático.

O Orador: - Exactamente. Registo.
Mas, mais adiante, acrescentou um argumento que eu queria também registar. Pergunta-lhe o jornalista: "A sua visão é muito negativa sobre a constituição europeia?" e o Sr. Deputado acrescentou: "A Constituição Portuguesa, que foi o nosso orgulho depois de 1975, fica subordinada a outro diploma para o qual o nosso povo não foi consultado. Além disso, a União Europeia passa a ser dirigida por um directório.".
Pergunta-lhe ainda o jornalista: "Então, o CDS atropelará os seus próprios princípios." Resposta do Sr. Deputado: "Acho que sim."
Permita-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que desta vez estou de acordo consigo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta parte dos nossos trabalhos está encerrada, mas na Mesa existem pedidos de intervenção de diversos membros do Parlamento, concretamente dos Srs. Deputados Pinho Cardão, João Rui de Almeida e Carlos Antunes, para declarações sobre matérias de interesse político relevante.
Acontece que o período de antes da ordem do dia está completamente esgotado e eu só posso dar a palavra a estes Srs. Deputados se porventura para tal houver pleno acordo de todas as bancadas, já que, efectivamente, se trata de uma disposição do Regimento.
O máximo que posso fazer, para equilibrar, é dar a palavra a um Deputado da maioria e a outro da oposição.

Pausa.

Como ninguém se opõe a esta minha sugestão, irão ainda intervir os Srs. Deputados Pinho Cardão e

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e João Rui de Almeida.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Cardão.

O Sr. Pinho Cardão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ainda o Orçamento para 2004 mal começou a ser discutido na Assembleia da República e já a oposição, nomeadamente o Partido Socialista, vem tecendo duras críticas ao mesmo, apresentando ideias definitivas sobre a sua natureza maléfica para o crescimento económico e bem-estar dos portugueses.
Ontem, em conferência de imprensa, o Partido Socialista, tanto quanto a comunicação social relatou, definiu o Orçamento como não estimulante para o investimento privado, factor de restrição para o investimento público, provocador de desemprego, fomentador da despesa, factor da evasão fiscal, completamente permissivo quanto ao défice, que seria o que a Ministra das Finanças quisesse…
Hoje, na audição da Sr.ª Ministra das Finanças, o Partido Socialista fez perguntas às quais já dera resposta ontem, desvalorizando assim o papel do Parlamento e procurando transformar a primeira audição da Ministra das Finanças num ritual sem significado, o que não conseguiu.
Se o Orçamento de Estado para 2004 é bom ou mau, esta sessão não é o lugar para o julgar. Ele começou hoje a ser discutido, em Novembro será aprovado, os seus bons efeitos aparecerão com o tempo e nessa altura será avaliado na sua formulação definitiva.
Agora o que sabemos - e isso é "ciência certa" - é que os orçamentos do Partido Socialista, todos os orçamentos do governo do Partido Socialista apenas trouxeram para o País o retrato traçado no Programa de Recuperação das Áreas e Sectores Deprimidos, apresentado no dia 1 de Outubro, retrato esse cujos traços mais salientes são a profunda disparidade entre regiões, as profundas disparidades entre zonas de cada região, bem como a macrocefalia de uma região em detrimento das restantes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Um conjunto significativo de concelhos tem um poder de compra inferior a 55% da média nacional, havendo concelhos em que esse mesmo índice é inferior a 40% da média nacional.
Das seis áreas de maiores dificuldades: uma é o Alentejo, três estão situadas na região Norte do País (Trás-os-Montes e Alto Douro, Cávado e Ave, e Tâmega) e duas na região Centro (Beira Interior e Zona do Pinhal).
De acordo com as contas regionais do ano 2000, saídas no mês de Setembro - são as últimas - a grande concentração de riqueza está na Região de Lisboa e Vale do Tejo, que representa 45% do PIB nacional, cabendo ao conjunto das regiões Norte, Centro e Alentejo cerca de 47% desse mesmo PIB, apenas mais dois pontos percentuais do que Lisboa e Vale do Tejo. E o grave é que essa concentração aumentou no período de 1995 a 2000, de pleno "reinado" do Partido Socialista, apesar dos seus "excelentes" orçamentos.
Com efeito, de 1995 a 2000 a participação dos PIB regionais de todas as regiões do Continente no PIB nacional veio a perder terreno face a Lisboa e Vale do Tejo. As regiões Norte, Centro e Alentejo baixaram de uma quota de 48,5%, em 1995, para uma quota de 46,5%, em 2000, enquanto Lisboa e Vale do Tejo subiu de uma quota de 43,5%, em 1995, para uma quota de 45%, em 2000.
E se em 1995 o PIB de Lisboa e Vale do Tejo era equivalente ao PIB das regiões Norte e Centro, já em 2000 o PIB de Lisboa e Vale do Tejo era superior em 5% ao PIB daquelas duas regiões.
Bem sei que a situação não era boa, mas talvez se analisasse o PIB per capita algo mais agradável se pudesse passar e os "excelentes" orçamentos do Partido Socialista trouxessem ainda alguma melhoria. Mas no que respeita à distribuição do PIB per capita, verifica-se que, para além de uma distribuição também desequilibrada, atentatória da coesão nacional, o mesmo PIB per capita experimentou uma evolução completamente desfavorável.
Com efeito, de 1995 a 2000, o PIB per capita da Região Norte desceu de 84% da média nacional para 81%, o PIB do Alentejo desceu de 84% da média para 80% e só na Região Centro o PIB, que estava em 80%, ficou nos mesmos 80%.
Verificado isto, dei então por mim a pensar que "as coisas não correram bem, não correram mesmo nada bem, correram mesmo muito mal" ao governo do Partido Socialista nesta matéria da coesão económica e social…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

... e que, sobretudo, correram muito mal para o povo português.
Mas não haveria mesmo um indicador bom que pudesse expressar alguma virtude da governação socialista e dos seus orçamentos, dos seus PIDDAC e dos outros instrumentos a que lançou mão no que

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respeita ao amortecimento das disparidades regionais? Não haveria mesmo um único indicador?
Talvez o rendimento disponível das famílias, para expressar com mais propriedade o nível de vida, fosse o indicador certo. Fui testá-lo e verifiquei que continuavam as disparidades e que estas se vinham agravando ao longo dos anos.
Relativamente à média nacional, o rendimento disponível desceu, no Norte, de 87% em 1995 para 86% em 2000; no Centro desceu de 93% em 1995 para 90% em 2000; no Alentejo desceu de 90% em 1995 em 87% em 2000; e até no Algarve, que apresenta um índice superior à média, diminuiu de 107% em 1995 para 104% em 2000.
Ao contrário, Lisboa e Vale do Tejo incrementou o seu nível de rendimento disponível, já que apresentava um índice de 119% em 1995 e passou a ter um índice de 123% em 2000.
Também aqui estas disparidades, em vez de se atenuarem, foram crescendo com o tempo, agravando-se em cada ano do período coincidente com o governo do Partido Socialista.
As coisas não estavam a correr nada bem para os "excelentes" orçamentos do Partido Socialista e para o povo português!...
Todos sabemos que o crescimento e o desenvolvimento não se fazem harmonicamente, mas o governo do Partido Socialista conseguiu um feito notável e único: essa enorme "harmonia de contrários" que consistiu no facto de uma região crescer sempre mais e o restante do País crescer sempre menos.
O que nos leva a concluir que, no período de 1995 a 2000, não houve convergência do País no seu todo com a Europa, mas convergência de uma região e divergência forte do resto do País.
Se em 1995 a distribuição do PIB regional continha graves assimetrias, elas mais se agravaram até 2000; se em 1995 o PIB regional per capita representava grandes disparidades, elas mais se agravaram até 2000; e se em 1995 o rendimento disponível médio das famílias portuguesas por habitante evidenciava índices de "prosperidade" muito diferenciados, esses índices ainda se agravaram até 2000. Uma região passou a concentrar cada vez mais riqueza, cada vez mais produção, cada vez mais rendimento disponível - que estranha forma de socialismo foi esta…
É por isso que nas estatísticas gerais do EUROSTAT de Julho de 2003, no capítulo referente ao grau de prosperidade das regiões europeias, relativo ao ano 2000 (também são os últimos dados de que dispomos), em 193 regiões estudadas e em termos de PIB per capita, o Algarve aparece na posição 161, o Norte na posição 173, o Alentejo na posição 175, o Centro na posição 176 e os Açores na posição 180.
É um facto que o PS falava muito nestas disparidades, tendo porventura a esperança e a fé de que falando as assimetrias desaparecessem. Mas já dizia S. Paulo - e o Engenheiro José Sócrates no debate de Outubro com o Primeiro-Ministro… - que "a fé sem obras é vã". E o PS não fez obra, como se viu!!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Neste contexto, não podem ficar sem menção as críticas que este mesmo Partido Socialista vem formulando ao estudo do Prof. Daniel Bessa sobre as disparidades regionais e às medidas já equacionadas pelo Governo, nomeadamente na interpelação ao Governo do dia 2 de Outubro em que, inclusivamente, foi referido que o relatório nada trazia de novo, nem no diagnóstico nem nas medidas.
Este tipo de argumento é forte demais e explode nas mãos de quem o utiliza. Se tudo era já conhecido, se o diagnóstico estava feito e se as medidas eram óbvias, porque não actuou, em devido tempo, o governo do Partido Socialista?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo herdou, pois, uma situação extremamente delicada em Lisboa, pela sua macrocefalia, e no resto do País face às debilidades não corrigidas. Se em Lisboa tem de acudir às dificuldades de uma excessiva concentração, no resto do país tem de ouvir os apelos das populações e dos seus autarcas justificadas por razões de coesão social.
E tudo se exige ao mesmo tempo. O PS e toda a oposição tudo exigem neste orçamento e ao mesmo tempo, numa situação conjuntural adversa.
O Governo do PSD/CDS-PP, mais uma vez, nesta matéria, está a cumprir bem a sua missão: diagnosticar o mal e tomar as medidas adequadas, para bem dos portugueses, mas também para não continuarmos a passar pela vergonha de recebermos fundos da União Europeia com vista a uma maior coesão económica e social e dela a maior parte do território e a maior parte da população se terem significativamente afastado, no período em referência.
Sabemos, assim, o que valem os orçamentos e a política do Partido Socialista na luta contra as desigualdades e as disparidades, que estão muito perto da boca, mas porventura bastante longe do coração.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A saúde é um dos sectores mais apetecidos e disputados pelos governos de direita e pelos grandes grupos económicos.
E porquê? - interrogamo-nos todos. Não certamente por ataques agudos de filantropia misericordiosa mas porque, hoje em dia, a saúde é uma área onde o lucro (enroupado de solidariedade) é uma tentação para muitos negócios rentáveis.
Há muitos anos que a direita em Portugal persegue o Serviço Nacional de Saúde e só o texto constitucional tem arrefecido o seu apetite voraz.
São cada vez mais evidentes as marcas de direita deste Governo e deste Ministro da Saúde, para quem os grandes grupos económicos são os salvadores, as teorias neo-liberais as mais ajustadas e as questões sociais relegadas para um plano secundário. Por isso, tem toda a oportunidade lembrar aqui o recente parecer (a propósito do orçamento do Estado) do Conselho Económico e Social, que manifestou a sua preocupação pela quebra do investimento público em várias áreas, designadamente na saúde.
Sr.as e Srs. Deputados: O sector da saúde vive um dos momentos mais difíceis (senão mesmo o mais difícil) e conflituosos dos últimos anos, situação causada por uma estratégia política sem precedentes de desarticulação programada do Serviço Nacional de Saúde, sem serem acauteladas, de forma consistente e transparente, as propostas alternativas.
Esta situação tem-se agravado de dia para dia, dada a postura de permanente confronto e desrespeito do Ministro de Saúde para com os órgãos representativos dos profissionais de saúde, designadamente dos médicos, o que originou o facto insólito de, pela primeira vez, todos os órgãos representativos destes profissionais estarem unidos contra a política do Ministro da Saúde.
Encontramo-nos numa encruzilhada, em que já resta pouco da estrutura do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que - convém aqui lembrar -, apesar de todas as críticas, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou em 12.º lugar no ranking mundial dos serviços de saúde e que o estudo de Villaverde Cabral, de 2002, revelava que, afinal, 85% dos portugueses consideravam satisfatória a cobertura e a prestação dos cuidados nos serviços de saúde.

O Sr. Afonso Candal (PS): - É bom lembrar!

O Orador: - O conceituado professor universitário, o Prof. Carmona da Mota, do Hospital Pediátrico de Coimbra, escrevia, no princípio deste ano, um artigo bem fundamentado e muito oportuno, cujo título sugestivo era "O tremendo SNS, o melhor serviço público português".
Um SNS que tem resistido a muitos ataques, a necessitar, evidentemente, de modernização, mas não de descaracterização e desestruturação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O actual Ministro da Saúde fez já aprovar um conjunto de diplomas controversos, que têm estado na origem do maior conflito até hoje vivido entre o Governo e os profissionais de saúde - descontentamento este que se estende aos utentes que procuram os serviços de saúde.
Este Governo e este Ministério da Saúde têm conseguido, no entanto, esconder esta situação através de uma propaganda bem montada e da utilização de uma estratégia de opacidade e de falta de transparência nas suas informações, arrastando o Ministério da Saúde para uma situação nunca anteriormente vivida: o Ministério da Saúde tem falta de credibilidade.
Vejamos alguns exemplos.
O mais recente exemplo elucidativo desta falta de credibilidade foi protagonizado pelo próprio Ministro da Saúde quando afirmou na Assembleia da República, perante a estupefacção de todos, que apenas tinham morrido quatro portugueses na forte onda de calor que percorreu o País neste último Verão,…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Inaceitável!

O Orador: - … garantindo que estes dados eram baseados nos critérios da OMS. Recentemente, a OMS desmentiu estes dados do Ministério da Saúde português e veio publicamente informar que, em

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Portugal, tinham-se registado 1316 mortes - repetimos: 1316 mortos e não 4.
Outro exemplo diz respeito aos números divulgados pelo Ministério da Saúde sobre as listas de espera. Estes números estão envolvidos na maior opacidade e falta de transparência, tendo levado os representantes da Secção Regional da Ordem dos Médicos a abandonar a comissão de acompanhamento do programa de recuperação das listas de espera, e afirmar - vejam só - que não queriam "colaborar num teatro burlesco".
Todo este mal-estar é causado pela recusa de informação séria por parte do Ministério da Saúde e pela constatação da existência de números contraditórios, que várias entidades oficiais têm publicado.
Ainda recentemente, o Sr. Ministro da Saúde apresentou em comissão na Assembleia da República números referentes a indicadores de actividade e à situação financeira do Hospital de Santa Maria, com uma crítica implícita à actividade e à situação financeira deste hospital. O conselho de administração deste hospital, ao tomar conhecimento destes números fornecidos pelo Ministério da Saúde, enviou documentação à comissão onde se afirma que os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde não coincidem com os dados internos deste hospital e outros não traduzem a sua verdadeira actividade.
A divulgação quase propagandeada destes números pelo Ministério da Saúde contrasta com um secretismo intransponível das contas dos "hospitais, S. A." e coincidem com o recente pedido de demissão do presidente do conselho de administração do maior hospital do País por considerar que não tem condições para gerir esta unidade de saúde.
Quanto aos "hospitais, S. A.", as informações que nos chegam são deveras preocupantes.
Estas unidades foram criadas em ambiente de grande propaganda, prometendo o Ministério da Saúde que iriam resolver todos os problemas do sector, mas hoje em dia verifica-se que a realidade é bem diferente: não resolveram os problemas da saúde e, pelo contrário, as queixas dos profissionais e dos doentes aumentaram.
Além disso, queria frisar que estes hospitais estão envolvidos numa inexplicável cortina de grande secretismo por parte do Ministério da Saúde,…

O Sr. Afonso Candal (PS): - É verdade!

O Orador: - … o que contraria a necessidade de estes novos modelos de gestão serem acompanhados publicamente com a maior transparência.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Pela Assembleia!

O Orador: - E não esquecer a falta de acompanhamento do Hospital Amadora/Sintra.
Secretismo este que também colide com o Relatório do Tribunal de Contas de Maio de 2003, que apontava para a necessidade do desenvolvimento de um adequado sistema de informação que garanta a plenitude e a fidedignidade da informação económico-financeira das instituições e permita, com segurança, a agregação e a consolidação da mesma.
O que se passa nos "hospitais, S. A." é segredo, está fechado às sete chaves pelo Ministro da Saúde.

O Sr. José Magalhães (PS): - É incrível!

O Orador: - Não conseguimos (não só nós, mas também outros grupos parlamentares) obter qualquer informação, perante os requerimentos que apresentámos em Janeiro e Fevereiro deste ano, e o Ministro da Saúde não presta qualquer informação.
Para evitar erros e conflitos futuros, estes hospitais não podem ser um segredo guardado pelo Ministro da Saúde. Deve haver maior das transparências e divulgação pública do que se passa com estas unidades de saúde.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Ele lá saberá…!

O Orador: - Srs. Deputados, reflictamos sobre algumas questões. Como podem funcionar os "hospitais, S. A." com duodécimos?
Quais as condições de transferência patrimonial e de recursos humanos?

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem perguntado!

O Orador: - Como regularizar a dívida?
Como é valorizado o património desses hospitais no futuro próximo?

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O Sr. José Magalhães (PS): - É uma charada!

O Orador: - Que avaliação é feita do desempenho dos conselhos de administração, para os quais foram nomeadas pessoas sem qualificação e sem qualquer relação profissional com a área da saúde, tendo mesmo já alguns pedido a demissão porque não encontram condições para gerir esses hospitais para os quais foram convidados?
Quanto custam ao erário público estes administradores recrutados nos partidos que apoiam este Governo?
Estas e outras questões - tais como a não explicitação do período de transição destes hospitais, o desconhecimento de quaisquer análises provisionais, estimativas de impacto sobre o acesso, a qualidade ou a eficiência - acentuam um cenário preocupante quanto ao futuro.
Constata-se, ainda, que dentro dos "hospitais, S. A." existem graves problemas de desinformação e desmotivação, de tal forma que a qualidade dos serviços prestados tem vindo a diminuir, aumentando as queixas dos doentes.
Para que não se fique a pensar que esta questão é uma invenção do Grupo Parlamentar do PS, muito recentemente chegou-nos ao conhecimento um documento assinado por mais de 80% dos médicos do Hospital de Santa Cruz, que responsabilizava o actual conselho de administração pela sugestão do "estabelecimento de tecto assistencial para os doentes do SNS,…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Vergonhoso!

O Orador: - … o que, a concretizar-se, levaria, na prática, a um bloqueio à entrada de doentes do SNS em benefício de doentes privados e/ou dos subsistemas,…

Vozes do PS: - Escândalo!

O Orador: - … com o argumento de que ajudariam a financiar o hospital. Ideia intolerável, do ponto de vista ético, e não conforme com a Constituição da República Portuguesa e com a Recomendação de Equidade do Conselho da Europa."
Este documento confirma a existência de sinais preocupantes de selecção adversa.
Os Srs. Deputados, por acaso, sabem que há, neste momento, nestes hospitais o recurso a duas tabelas: uma para os doentes do SNS e outra para os doentes dos subsistemas?!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, face ao adiantado da hora e à forma excepcional como o Sr. Presidente decidiu prolongar o período de antes da ordem do dia, a Mesa solicita que o Sr. Deputado, se puder, reduza ao máximo a sua intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente, vou tentar encurtar.
Trazemos também hoje ao conhecimento do Plenário da Assembleia da República a grave situação que se vive em Portugal quanto à política do medicamento.
Este Governo reduziu a política do medicamento à questão dos genéricos, mas há questões extremamente graves e fica aqui o nosso registo. Portugal é dos países que mais utiliza os antibióticos - as quinolonas (que são cefalosporinas de 3.ª geração) - e que deveriam estar resguardados, como qualquer país faz, para situações de maior gravidade.
Quero com isto dizer que estamos perante um problema de saúde pública, pois este errado comportamento do prescritor, sem acções concretas por parte do Ministério da Saúde, pode conduzir ao aumento do risco de infecções.
No que se refere aos cuidados primários, regista-se a destruição de experiências anteriores e a ausência de uma reforma de organização que os profissionais têm vindo a reclamar insistentemente.
A proposta do Ministério da Saúde atinge ainda letalmente a carreira de clínica geral ao desrespeitar as carreiras médicas para criar a figura polémica do médico assistente sem qualificação adequada à função.
Quanto às parcerias público-privado, a existência de muitas fragilidades nos dispositivos de regulação e governação deveria apontar para que a implementação das 10 unidades anunciadas fosse precedida de uma detalhada fundamentação e conhecimento da estimativa sobre o seu previsível impacto no nosso sistema de saúde.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para terminar, depois de tudo isto, o que fica?
O Sr. Ministro da Saúde certamente que não fica, mas ficam as unidades de saúde, os utentes e os profissionais

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de saúde que serão regidos por leis e normas que podem estar a desarticular, de forma definitiva e sem retorno, um serviço de saúde que - repito - foi classificado pela OMS em 12.º lugar.
Como apontamento final fica a constatação de que mais de 1,2 milhões de portugueses não têm médico de família, sendo Lisboa, Porto e Setúbal as áreas mais atingidas. Só na Área Metropolitana de Lisboa mais de 300 000 pessoas estão sem médico no seu centro de saúde.
Para quem prometeu que todos os portugueses iriam ter o seu médico de família, estes números destroem toda a credibilidade de quem fez estas promessas.
Na realidade, as coisas não estão a correr mesmo nada bem!!... São as marcas da direita na saúde.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Orador.
Como é evidente, a Mesa não tem o poder de violar o Regimento, que não estabelece tempo limite para intervenções de assunto de interesse político relevante, mas estabelece o tempo máximo de três minutos para os respectivos pedidos de esclarecimento.
Em todo o caso e tendo presente as condições excepcionais em que foi prolongado o período de antes de ordem do dia, peço a máxima compreensão, tanto dos Srs. Deputados que vão pedir esclarecimentos como do Sr. Deputado que há-de responder, para procurarmos abreviar tanto quanto possível este período, que já vai excessivamente longo.
Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Clara Carneiro.

A Sr.ª Clara Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, enquanto ouvia a sua intervenção, perguntava a mim mesma o que é que eu faria se estivesse na sua pele.
Na sua pele não era capaz de ter feito a intervenção que fez, que acabou por ser um exercício de demagogia política. O Sr. Deputado esteve a fazer um relatório de um programa de governo que devia ter feito e não fez e que foi, para além disso, feito fora do tempo.
Quem não foi capaz de agir durante seis anos e meio, também não consegue entender o que está a ser feito neste momento.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Lá vem a cassete outra vez!

A Oradora: - O Sr. Deputado falou em saúde apetecível e disputável pelos governos de direita. Pergunto-lhe se o apetecível e o disputável pelos governos de esquerda é a saúde que tínhamos: as listas de espera,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Tínhamos e temos!

A Oradora: - … a falta de acessibilidade aos cuidados de saúde,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - … a falta de acessibilidade aos medicamentos por parte dos doentes. Isto é que é apetecível e disputável para um governo de esquerda?
O Sr. Deputado falou em opacidade deste Governo.

O Sr. Afonso Candal (PS): - E falta de transparência!

A Oradora: - Digo-lhe que nunca um primeiro-ministro, um governo e um ministro da Saúde vieram tantas vezes ao Parlamento.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Se chama a isto opacidade, não sei o que é a transparência e a clareza, Sr. Deputado.
Falou em secretismo. Registo esta palavra e, neste sentido, dirijo-lhe a minha pergunta: Sr. Deputado, por que é que o PS chumbou o projecto apresentado pelo PSD na anterior legislatura de vários pedidos de conhecimento de dados relativamente à saúde junto da Assembleia da República? Deixo-lhe esta pergunta porque esse projecto do PSD foi chumbado pelo Partido Socialista.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, queria, em primeiro lugar, salientar a profunda demarcação que o Sr. Deputado João Rui de Almeida fez da política mais visível do último ministro da Saúde do Partido Socialista, o Prof. Correia de Campos, que, nestas matérias, tinha uma posição muito semelhante com a deste Governo.
Gostaria, ainda, de salientar que é verdade que os "hospitais, S. A." são apresentados como um grande sucesso. No entanto, não sabemos, nem neste Orçamento do Estado, qual a desagregação da despesa por pessoal, das dívidas, a despesa concreta em cada hospital, mas sabemos que faltam materiais essenciais nos hospitais, que cada vez é mais difícil contratar profissionais para esses hospitais, que as pessoas estão a ver limitado o seu direito de acesso à saúde nesses hospitais.
Essa é que é a realidade que os portugueses querem ver discutida aqui, na Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida, a quem peço a maior brevidade possível.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, serei muito rápido.
Sr.ª Deputada Clara Carneiro, quero só chamar-lhe a atenção para o facto de que todos nós estamos confrontados com uma situação gravíssima na área da saúde e temos de discuti-la.
O que a Sr.ª Deputada referiu na sua pergunta não são razões para a situação em que nos encontramos. Na minha intervenção, coloquei questões muito concretas quanto a saber o que se passa com os "hospitais, S. A.", com a questão dos duodécimos, como é que transitou o património dos hospitais públicos para os "hospitais, S. A.". São questões sérias, Sr.ª Deputada, para as quais não consigo obter resposta.
É de uma gravidade extrema não saber o que se passa, pois poderemos estar a criar situações idênticas à do Hospital Amadora-Sintra. É que sabemos que o Estado tem limitações muito grandes quanto à forma de fiscalização destes actos.
Quanto à pergunta que me fez sobre os pedidos de conhecimento de dados relativos à saúde, não sei, sinceramente, a que se refere. Sei é que sempre que os ministros do anterior governo vinham à comissão davam toda a informação que lhes era possível.
Respondendo agora, ao Sr. Deputado Bernardino Soares, começo por agradecer-lhe as questões que colocou, dizendo-lhe que o senhor é uma pessoa muito atenta a tudo o que se refere à área da saúde.
Deixe-me dizer-lhe que não houve aqui uma demarcação da política do ex-ministro Correia de Campos. Aliás, ele próprio também tem algumas reservas quanto a esta matéria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito poucas!

O Orador: - A questão que o Sr. Deputado colocou é uma questão central e não tenho a menor dúvida de que, um dia mais tarde, todos vamos ser chamados a dar-lhe resposta.
Existe um secretismo perfeitamente incompreensível quanto ao que está a passar-se nos "hospitais, S. A." - não tenham dúvidas! - e, portanto, é preciso descobrir o que se passa lá dentro, por que é que há este receio em divulgar informação.
Temos obrigação de fiscalizar os actos do Governo e de chamar a atenção para o que está a ocorrer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, chegámos ao fim do período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 8 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, o primeiro ponto da ordem do dia consta da

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discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 94/IX - Autoriza o Governo, no âmbito da transposição das directivas que compõem o regime jurídico aplicável às comunicações electrónicas, a estabelecer o regime de controlo jurisdicional dos actos praticados pela ANACOM, de reforço do quadro sancionatório e de utilização do domínio público e respectivas taxas, bem como a revogar a Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto, e do projecto de lei n.º 309/IX - Lei de bases das comunicações electrónicas (PS).
O primeiro orador será o Sr. Ministro da Economia que ainda não se encontra na Sala, pelo que vamos aguardar um pouco.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tem a palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, desde logo, é no sentido imediato de observar que, em bom rigor, este debate deverá começar com a intervenção do Deputado do Grupo Parlamentar do PS, uma vez que, como o Sr. Presidente se lembrará, foi o PS que teve a iniciativa de propor ao Sr. Presidente da Assembleia da República o agendamento desta matéria, numa altura em que nem sequer tinha sido apresentada qualquer iniciativa legislativa por parte do Governo. Portanto, pela ordem natural das coisas e pela precedência normal, deve ser o diploma apresentado em primeiro lugar a ser objecto de intervenção na abertura do debate.
Em segundo lugar, gostaríamos de colocar ao Governo e aos grupos parlamentares uma questão de organização dos dois debates agendados para o período da ordem do dia de hoje.
É que, dadas as circunstâncias em que entramos nesta fase dos nossos trabalhos, talvez seja de aventar - mas é uma questão que, seguramente, também depende do Governo e dos outros grupos parlamentares - que os dois debates agendados, que têm uma conexão bastante óbvia e que tocam dois aspectos fulcrais do mesmo universo, sejam feitos em simultâneo, evidentemente sem prejuízo do direito aos tempos que foram fixados pela Conferência de Líderes.
Essa comunicação temática é normal, é articulada. Como se sabe, a lei de bases contém uma parte atinente à protecção de dados e o desenvolvimento e transposição da directiva, constando de diploma autónomo, faz parte do mesmo universo conceptual e da mesma matriz comunitária europeia.
Assim, julgo que esta sugestão é razoável, tem condições para ser acolhida pela Câmara e também é apropriada às nossas condições de trabalho.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, quanto à primeira questão, a Mesa não põe objecção a que o Partido Socialista abra o debate, se também for esse o entendimento de todas as bancadas, pelo que assim faríamos, face à ordem de apresentação e registo de entrada das iniciativas legislativas em questão.
Quanto à segunda parte da sua questão, ela implica uma alteração da ordem do dia porque estão agendados dois debates em separado, cada um dos quais diz respeito à discussão conjunta, na generalidade, de duas iniciativas legislativas.
Se houver consenso por parte de todas as bancadas e também por parte do Governo, a Mesa não põe qualquer objecção.
Gostaria, pois, de saber se as diversas bancadas estão de acordo com a proposta do Sr. Deputado José Magalhães no sentido de procedermos a um único debate conjunto de todas as iniciativas legislativas agendadas para o período da ordem do dia de hoje, no entanto, sem prejuízo dos tempos que estão atribuídos para os dois debates que estavam agendados, isto é, somando as duas grelhas de tempos.
Verifico que há consenso, pelo que está acolhida a proposta do Sr. Deputado José Magalhães, embora tal implique uma reorganização dos trabalhos, designadamente quanto à apresentação das iniciativas legislativas em debate.
Assim, vamos proceder à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 94/IX - Autoriza o Governo, no âmbito da transposição das directivas que compõem o regime jurídico aplicável às comunicações electrónicas, a estabelecer o regime de controlo jurisdicional dos actos praticados pela ANACOM, de reforço do quadro sancionatório e de utilização do domínio público e respectivas taxas, bem como a revogar a Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto, e 96/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas, e dos projectos de lei n.os 309/IX - Lei de bases das comunicações electrónicas (PS) e 208/IX - Garante a protecção dos dados pessoais e a privacidade das comunicações electrónicas na sociedade de informação, procedendo à transposição da Directiva 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002 (PS).

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Srs. Deputados, procurando, pois, gerir a decisão que acaba de ser tomada, seguiremos a metodologia de os pedidos de esclarecimento que surgirem serem efectuados imediatamente a seguir a cada intervenção e vamos começar pela apresentação do projecto de lei n.º 309/IX, do Partido Socialista.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ramos Preto.

O Sr. Ramos Preto (PS): - Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista tomou a iniciativa de apresentar um projecto de lei de bases das comunicações electrónicas, indo ao encontro da necessidade de reformulação do quadro jurídico português aplicável às telecomunicações, face à nova matriz legal europeia emanada de um conjunto de directivas que, na sequência do processo iniciado pela Comissão Europeia, em 1999, e comummente designado por "Revisão 99", permitiu que, em 7 de Março de 2002, tivessem sido publicadas as directivas relativas às comunicações electrónicas, todas do Parlamento Europeu e do Conselho.
Essa matriz legal europeia é composta pela Directiva 2002/21/CE relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva-quadro) e por um conjunto de outras directivas específicas, igualmente do Parlamento e do Conselho, e, ainda, por uma directiva da Comissão, a saber, a directiva-acesso, a directiva-autorização, a directiva-serviço universal e a directiva relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações electrónicas.
Do pacote regulamentar comunitário faz ainda parte a directiva relativa à protecção dos dados pessoais e da vida privada que também hoje se encontra agendada para debate na Assembleia da República.
O quadro regulamentar comunitário, ao abranger todas as redes e serviços de transmissão traduz o objectivo de convergência dos sectores das telecomunicações, meios de comunicação social e tecnologias da informação.
As primeiras directivas que aqui referi estabelecem um prazo de 15 meses para que os Estados-membros aprovem e ponham em vigor "as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias" para, assim, dar cumprimento ao nelas disposto, prazo esse que terminou em 24 de Julho de 2003, pelo que o novo quadro regulamentar nacional deveria ter entrado em vigor no dia 25 de Julho de 2003,…

O Sr. José Magalhães (PS): - É bem verdade!

O Orador: - … como, aliás, aconteceu na Dinamarca, na Irlanda, na Itália, na Áustria, na Finlândia, na Suécia e no Reino Unido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Teria sido bom!

O Orador: - Atenta a natureza das matérias objecto das directivas em referência, o Estado português, enquanto Estado-membro da União, tem de promover a sua transposição para o direito interno.
Quanto ao método de transposição, o Governo poderia ter proposto a aprovação de uma lei de bases de telecomunicações neste Parlamento acompanhada, posteriormente, de decretos-leis de desenvolvimento, ou optar, como o fez com a apresentação desta proposta de lei n.º 94/IX, por pedir a esta Assembleia autorização para, no âmbito do diploma de transposição, revogar a actual Lei de Bases das Telecomunicações - Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto -, a qual contém matéria de competência legislativa desta Assembleia, e legislar sobre outras matérias também de reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República.
Se o Governo podia optar entre estas duas vias, ao Partido Socialista só restava uma via. Na ausência de iniciativa legislativa do Governo nesta matéria, tal via era a de apresentar à Assembleia da República um projecto de lei, de modo a que este órgão de soberania tomasse em mãos o que directamente lhe compete e aprovasse uma nova lei de bases das comunicações electrónicas.

O Sr. José Magalhães (PS): - E conseguimos!

O Orador: - Pretendeu-se, por um lado, promover a definição do enquadramento geral do sector em conformidade com o estipulado em normas comunitárias de aplicação obrigatória e, por outro lado, reduzir os riscos de incumprimento face aos prazos fixados pelas instâncias europeias competentes.
Preocupamo-nos tão-só com o propósito de definir, no Direito interno, o quadro geral a que a reforma do sector das comunicações deve obedecer, legislando sobre matérias que constituem reserva de competência da Assembleia da República, designadamente:
- A definição do regime aplicável às taxas administrativas, por um lado, e às taxas de frequências e números, bem como às relativas à instalação de recursos em domínio público ou privado, por outro lado;

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- A fixação dos montantes máximos das coimas a aplicar em sede de processo contra-ordenacional para o não acatamento do disposto no quadro regulamentar;
- A garantia da possibilidade de recurso de mérito das decisões do ICP-ANACOM, exigida pelo normativo comunitário, para um órgão jurisdicional independente das partes e que tenha ou disponha dos conhecimentos especializados necessários;
- A garantia da existência de uma autoridade reguladora independente face ao poder político e face às empresas do sector, bem como a garantia da separação total e efectiva das funções de regulação, das competências ligadas à propriedade ou à direcção das empresas sobre as quais o Estado detenha a propriedade ou o controlo;
- A garantia da existência de um serviço universal de comunicações electrónicas e do direito dos respectivos prestadores a uma compensação pelos custos líquidos, quando existentes, à sua prestação, através, alternativa ou cumulativamente, de fundos públicos ou de um mecanismo de repartição do custo por outras entidades que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, bem como a definição dos critérios de repartição do custo líquido entre as entidades obrigadas a contribuir;
- A garantia de acesso ao domínio público, em condições de igualdade, às entidades que oferecem redes e serviços electrónicos acessíveis ao público;
- A garantia de que todas as autoridades com jurisdição sobre o domínio público estabeleçam procedimentos transparentes, céleres e não discriminatórios no que respeita à concessão de acesso a esse mesmo domínio público;
- A garantia de separação estrutural efectiva entre as competências de atribuição de direitos de acesso ao domínio público ou privado e as competências ligadas à propriedade ou ao controlo de empresas que ofereçam redes e/ou serviços de comunicações electrónicas, quando as autoridades públicas, incluindo as locais, detenham a propriedade ou o controlo de alguma dessas empresas.
Pretendemos, em suma, Sr. Presidente, um quadro regulamentar estável, neutro no plano tecnológico, virado para o futuro e apoiado sobre conceitos do direito da concorrência.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este novo quadro legislativo terá de ter por fim último o favorecimento dos consumidores, também por via de uma maior agilização da regulação do sector, de modo a que as empresas sejam mais competitivas e eficientes e o serviço prestado de maior qualidade.
Na verdade, um dos objectivos da regulação das comunicações electrónicas, a prosseguir pelo ICP-ANACOM, terá de ser o de promover a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações electrónicas e de recursos e serviços conexos, competindo ao regulador, no quadro dessa sua competência, assegurar que os utilizadores, incluindo os utilizadores deficientes, obtenham o máximo benefício em termos de escolha, de preço e de qualidade.
Aproveito o ensejo, Sr. Presidente, para referir que, no quadro regulamentar, não se pode esquecer um conjunto de medidas especiais e de vantagens que deverão ser atribuídas às pessoas com deficiência, como muito bem alertou o Centro de Engenharia e Reabilitação em Tecnologias de Informação e Comunicação (CERTIC), da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), através do documento que enviou a todos os grupos parlamentares, conjunto esse que, em nosso entender, terá de considerar, necessariamente, a acessibilidade na Internet, na televisão e nas telecomunicações e, ainda, a acessibilidade das tarifas, com descontos significativos para todas as pessoas com deficiência.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei e a proposta de lei que hoje apreciamos na Assembleia da República versam sobre um dos temas mais relevantes das sociedades modernas nas quais, como todos sabemos, se vive cada vez melhor e com mais informação e conhecimento.
As iniciativas legislativas versam sobre toda a estrutura jurídica, económica e operativa que de ora em diante vai regular, no nosso país, quer as redes quer os serviços de comunicações electrónicas, harmonizando o direito português com o direito interno dos outros Estados-membros e uniformizando o modo como os Estados-membros regulamentam todas as matérias constantes das directivas.
A transposição das directivas terá implicações relevantíssimas em todo o tecido empresarial e nos direitos dos cidadãos consumidores. Por isso, é nosso entendimento que devemos estar disponíveis, no quadro do acompanhamento pela Assembleia da República do processo legislativo europeu, para se encontrarem as melhores soluções legislativas que satisfaçam os interesses da economia portuguesa e os direitos dos portugueses.

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Foi, aliás, esse o apelo da Comissão quando, na sua comunicação, intitulada Comunicações Electrónicas: O caminho para a Economia do Conhecimento, instou todos os Estados-membros quanto à importância da completa, efectiva e atempada implementação do novo quadro comunitário para as comunicações electrónicas.
O espírito é o de criar e manter um ambiente competitivo que ofereça incentivos à inovação, ao investimento e à melhoria da qualidade dos serviços disponibilizados aos consumidores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para fazer a apresentação da proposta de lei n.º 94/IX, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia (Carlos Tavares): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O sector das comunicações electrónicas teve, em Portugal, um desenvolvimento assinalável em qualidade e eficiência, no passado recente.
As causas do diferencial de produtividade no sector das telecomunicações, recentemente analisadas no âmbito do Portugal 2010, apontam mesmo para razões estruturais - como, por exemplo, a dimensão do nosso mercado e o poder de compra dos portugueses -, embora surjam também questões de natureza regulamentar e regulatória.
Se podemos dizer que este sector não tem um problema específico e grave de produtividade, isso não significa que não haja espaço para melhorar a competitividade do serviço fornecido. Tal como noutros sectores, e na economia em geral, o reforço da concorrência saudável é a via adequada.
Diga-se, em abono da verdade, que o problema da concorrência num sector onde, ainda há pouco tempo, dominavam os grandes operadores públicos não é um problema exclusivo de Portugal. Mas é uma questão que está ao nosso alcance aperfeiçoar.
Em Portugal, temos vindo a melhorar lenta e gradualmente, mas sente-se claramente a necessidade de acelerar os progressos em determinadas áreas. Hoje, podemos dizer que temos telecomunicações que nada ficam a dever às de outros países, em qualidade e eficiência. Todavia, ainda se sente a necessidade de preços mais competitivos. Este é, também, um factor relevante da competitividade do País como destino de investimento de qualidade.
A acção do regulador tem sido desenvolvida na lógica do reforço da competitividade da oferta portuguesa de telecomunicações. Mas era patente a necessidade de adequar o quadro regulamentar, tendo em vista uma maior e melhor concorrência, uma harmonização com as condições em que as empresas de outros países europeus exercem a sua actividade. Esta harmonização é, aliás, obrigatória, decorrendo da necessária transposição de cinco directivas europeias que constituem a chamada "Revisão 99", como já foi referido.
Esta é uma reforma de profundo significado para o sector das telecomunicações. Pela abrangência de temas e pela sua especificidade, o legislador viu-se confrontado com uma série de factores que exigiram uma cuidada e minuciosa ponderação.
Ao elaborar esta proposta de lei, o Governo atendeu aos direitos e obrigações do incumbente, dos novos operadores, dos municípios, do Estado e dos consumidores.
O tempo de análise e de estudo não foi tempo perdido, foi o tempo necessário para encontrar soluções de equilíbrio e equidade em face dos legítimos interesses em jogo.
Para acolher as directivas em causa, foi necessário, em todos os Estados-membros, um intenso trabalho legislativo de preparação dos quadros regulatórios nacionais. Nalguns, esses trabalhos prévios estenderam-se até à clarificação das relações entre o regulador sectorial e o regulador de concorrência.
O facto de muitos outros países da União Europeia estarem tão ou mais atrasados que Portugal na transposição destas directivas não nos conforta, nem nos desculpa. Países como a Bélgica, a Alemanha, a Grécia, a Espanha, a França, o Luxemburgo ou a Holanda foram, igualmente, alvo de um processo de incumprimento pela não notificação da transposição das medidas. Este facto é suficientemente esclarecedor e sintomático da sensibilidade e da complexidade das matérias em causa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário do que se possa fazer crer - e do que acontece de facto com a proposta apresentada pelo Partido Socialista -, o pedido de autorização legislativa que o Governo apresenta a esta Assembleia não se reduz à mera transposição genérica do conteúdo de directivas.
Teria sido mais fácil fazê-lo. A transposição automática da "Revisão 99" seria bem mais simples. Mas muitas questões com ela directamente relacionadas ficariam excluídas desse processo. Por isso, não foi essa a opção do Governo. Foi, sim, a opção do Partido Socialista.
Ao apresentar-se nesta Câmara, com uma proposta genérica e incompleta de transposição das directiva, o Partido Socialista ensaia um acto de aparente diligência que não aponta soluções aos problemas que,

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de facto, estavam por resolver.
O exemplo mais notório é o do problema dos direitos de passagem dos municípios. Convém lembrar, aliás, que o Estado português é alvo de um processo de incumprimento pela Comissão Europeia - instaurado já em 1991 - pela violação do princípio da não discriminação em matéria de direitos de passagem. Problema - um, entre outros - para o qual a proposta do Partido Socialista não apresenta solução.
O projecto do Partido Socialista para o tratamento da lei de bases não acrescenta matérias novas ao trabalho prévio desenvolvido pela ANACOM. Porém, a posição da ANACOM e do Governo evoluíram bastante no último ano. As soluções adoptadas para a possibilidade de transmissão das licenças, os limites das coimas, o recurso de mérito das decisões do regulador ou o regime de taxas aplicável aos direitos de passagem em domínio público são bem diferentes, atestando a evolução desde a versão inicial.
E ao remeter as questões mais complexas para desenvolvimento legislativo pelo Governo, leva-nos a poder dizer que o Partido Socialista optou por fazer a parte fácil e confiar no Governo para fazer o mais difícil. Não enjeitámos essa responsabilidade e, por isso, aqui estamos com a nossa proposta que, se aprovada, não carecerá de qualquer regulamentação adicional pelo Governo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é um dos casos em que a obrigatoriedade da decisão coincide com o interesse nacional do desenvolvimento do mercado. Por isso, vemos a revisão da nova Lei de Bases das Telecomunicações como um passo fundamental na direcção do reforço da concorrência e da regulação.
Os seus efeitos, como acontece em todas as reformas estruturais, vão perdurar e acentuar-se com o tempo. A economia, os cidadãos e as empresas portuguesas vão beneficiar deste novo quadro, na linha dos objectivos da Estratégia de Lisboa.
O regime que o Governo propõe à Assembleia da República vem disciplinar globalmente as comunicações electrónicas, nas suas linhas principais, nos seguintes termos:
Primeiro, reforça os poderes do regulador, que passa a poder actuar em domínios mais extensos do que até agora. Em compensação, para além do recurso da legalidade das decisões da autoridade reguladora, passa a haver também recurso sobre o mérito das suas decisões para os tribunais.
Segundo, é criado um novo regime de acesso à actividade - deixa de ser necessário ter uma licença, embora sejam definidas regras. Todavia, continua a entender-se que o espectro, sendo um bem do domínio público, deve ser atribuído em condições de total transparência, a fixar pela ANACOM, sendo o leilão a figura preferencial para o acesso à actividade. Abre-se a possibilidade da transmissão de frequências, entre operadores. O que até agora não era possível passa a sê-lo mediante autorização da ANACOM e parecer vinculativo da Autoridade da Concorrência.
Terceiro, o Governo clarificou também as relações entre o regulador sectorial e a Autoridade da Concorrência. Ficou estabelecido, por exemplo, que cabe à ANACOM, mediante parecer prévio da Autoridade da Concorrência, identificar os mercados relevantes para efeitos de concorrência.
Quarto, outro ponto importante que este regime introduz é o da igualdade de tratamento entre os operadores, do pagamento dos direitos de passagem, na execução de obras na via pública e no acesso a condutas.
Em relação às taxas municipais, existia até aqui uma situação de desigualdade entre os operadores, geradora de distorções na concorrência e, também, do processo, que referi, movido pela Comissão Europeia. Alguns municípios cobravam a alguns operadores taxas diferenciadas.
O que fizemos foi estabelecer condições de igualdade no tratamento desta questão. A partir de agora, todos os operadores estão sujeitos à obrigação do pagamento de uma taxa que, segundo a nossa proposta, pode ir até 0,25% do volume de tráfego gerado em cada município.

O Sr. António Filipe (PCP): - Somos nós que pagamos!

O Orador: - Esta taxa pode ser repercutida, de forma explícita, na factura dos clientes.
Deste modo, o incumbente fica sujeito às mesmas condições estabelecidas para todos os operadores, quer quanto aos direitos de passagem, quer quanto à execução de obras na via pública, sem, todavia, afectar o equilíbrio financeiro do contrato de concessão de que é legítimo titular.
Quinto, outro ponto que gostava de clarificar é o que se refere à questão da rede cabo. Em Portugal, o incumbente detém, simultaneamente, a rede fixa e a rede cabo. A directiva agora transposta não determina a separação accionista. Entendemos que, não chegando a directiva a esse ponto, não havia razões para impor essa obrigação em Portugal.
Optou-se, antes, por salvaguardar as questões da concorrência através da possibilidade atribuída ao regulador de impor obrigações e condições de transporte de sinal, por parte de outros operadores.
Aliás, em bom rigor, esta possibilidade decorria já da nova Lei da Concorrência, quando estabelece que, perante infra-estruturas com posição dominante no mercado, devem ser criadas condições de acesso

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aos concorrentes, naturalmente mediante retribuição adequada a fixar pelos reguladores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que exista um mercado mais concorrencial é imprescindível uma autoridade reguladora com efectivos poderes de punição.
Nesta linha, o Governo decidiu não atribuir efeito suspensivo ao recurso das decisões da ANACOM, excepto no caso da aplicação de coimas, que foram significativamente aumentadas, para garantir o efeito inibidor de práticas anti-concorrenciais. A coima máxima passa dos actuais 45 000 euros para 5 milhões de euros e as multas diárias podem ser acumuladas até um máximo de 3 milhões de euros.
Com estas alterações que descrevi nas suas linhas fundamentais, acreditamos estarem reunidas as condições para uma melhor e efectiva concorrência no sector, em benefício dos consumidores e da competitividade das empresas portuguesas.
Por isso, aprovado que seja este projecto pela Assembleia da República, com desejamos, poderemos dizer que 2003 é já um marco importante para mais concorrência, mas uma concorrência mais sã, também nas comunicações electrónicas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, ouvimos com interesse a sua intervenção e a verdade é que os aspectos centrais deste nosso debate são os que correspondem a opções económicas, políticas e estratégicas determinantes para o futuro do País, apesar de uma apresentação com aspectos técnicos que também é preciso conhecer e ter em conta. Mas, ao fim e ao cabo, com a importância que esta matéria tem, é lamentável, de facto, que ao fim de um ano, "a toque de caixa", o Governo venha pedir para criar por decreto todo um novo regime jurídico para o sector. E isto numa matéria que chega a envolver decisões de âmbito tributário, tal como o Sr. Ministro referiu na sua intervenção, como é o caso da taxa municipal de direito de passagem.
Sem prejuízo de uma referência mais aprofundada mais à frente, então, o Sr. Ministro defende que a utilização por parte dos operadores de telecomunicações de um bem do domínio público como é o subsolo para a gestão das infra-estruturas seja paga não pelo operador mas pelo consumidor? É o que está na sua proposta, Sr. Ministro. Não está em causa a taxação do uso do subsolo mas, isso sim, aquilo que o Sr. Ministro defende, ou seja, uma taxa a cobrar ao cidadão relativamente a um serviço que é prestado a uma empresa. Uma taxa calculada, ainda por cima, percentualmente em função da conta telefónica, em função do número de horas e de telefonemas feitos por cada um de nós.
Sr. Ministro, qual é a relação entre o uso maior ou menor que a PT ou outro operador faça do subsolo de um concelho e o número de telefonemas que eu ou V. Ex.ª possamos fazer? Com que justiça se faz recair sobre o consumidor o pagamento de uma taxa relativa a um serviço que não lhe é prestado, dispensando desse pagamento as empresas de telecomunicações, transferindo para o consumidor o ónus desse pagamento?

O Sr. António Filipe (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Finalmente, Sr. Ministro, uma terceira questão relativa a este aspecto da penalização dos utentes dos serviços de telecomunicações, questão que não é directamente abordada na sua intervenção mas que não pode ficar sem resposta do Governo neste debate: há muito tempo que afirmamos que a famigerada taxa de activação da PT era ilegal e ilegítima. Os tribunais, recentemente, como é publicamente conhecido, deram razão aos que, como nós, defendiam essa reivindicação e agora a PT diz que só vai acatar a ordem do tribunal se os utentes apresentarem as facturas de há quatro anos. O mesmo é dizer que para a imensa maioria dos portugueses a PT não vai devolver o dinheiro que ilegalmente lhes cobrou. Pergunto: o Sr. Ministro aceita que a PT deixe de cumprir uma decisão do tribunal? Acredita mesmo, Sr. Ministro, que não há nenhum critério que permita saber os montantes envolvidos?
Sr. Ministro, a tutela, o Governo, o Estado, não podem ficar a assistir à margem desta situação. Pergunto se o Sr. Ministro vai ou não intervir nesta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, agradeço ter-me ouvido

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com atenção. Contudo, já trazia os seus comentários de casa, mesmo antes de me ouvir, pelo que já tinha a sua opinião formada.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Donde se comprova que o senhor é previsível!

O Orador: - Sobre a questão que me pareceu de maior substância até pela forma como a colocou e que a ver com as taxas municipais e a cobrança dos direitos de passagem, o Sr. Deputado sabe que qualquer taxa, qualquer imposto é pago por alguém.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Neste caso, são sempre os mesmos!

O Orador: - É pago por alguém. E sabe que o actual regime que está posto em causa e de forma contenciosa pela Comissão Europeia isentava um operador, que tem esse direito consagrado no seu contrato de concessão, porque era assim, direito esse que para ser retirada a situação de desigualdade tem de ser posto em causa.
Havia duas soluções: ou isentar todos ou não isentar ninguém. Ao não isentar ninguém (pareceu-nos uma solução mais justa para os municípios) e ao responsabilizar os municípios pela cobrança das suas receitas - era mais um passo no sentido de criar a autonomia dos municípios na cobrança das suas próprias receitas - punha-se em causa o contrato de concessão. Portanto, a solução alternativa para repor o contrato de concessão era a de recorrer aos impostos de todos os contribuintes.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - E desresponsabilizar o Estado!

O Orador: - Assim, passámos a recorrer apenas àqueles que utilizam, efectivamente, os serviços, porque, como sabe, ao repercutir na factura, estamos a fazer pagar apenas aqueles que utilizam aquelas infra-estruturas e não os outros.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Mas os operadores não pagam!

O Orador: - Os operadores pagam e repercutem.
Quanto à questão que levantou sobre a taxa de activação da PT, o Sr. Deputado sabe que os tribunais são independentes nas suas decisões, mas - não sou jurista e peço desculpa se disser alguma coisa menos própria àqueles que sabem mais do que eu nesta matéria - suponho que lhes compete também assegurar a execução das suas decisões. Portanto, penso que a questão da execução da decisão do tribunal é, antes de mais, entre a parte que foi condenada, digamos assim, e o próprio tribunal.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - E o Governo nada tem a ver isso?!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, de acordo com a metodologia há pouco aprovada, para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 208/IX, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS, comprova-se por este debate, fez bem, muito bem, em, há alguns meses, cuidadosamente, ter tomado a decisão de não pactuar com o atraso e com o silêncio num domínio fundamental para a garantia da aplicação do ordenamento comunitário em Portugal, com objectivos que dizem respeito a todos os cidadãos.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, por um lado, de garantir os direitos dos consumidores, de garantir a alteração positiva das condições de regulação do sector das comunicações, e, por outro, de actualizar conceptual e organizativamente a malha jurídica que rege um sector crucial na óptica da aqui bem citada Estratégia de Lisboa, que cabe a Portugal, como grande interessado, desenvolver a velocidade não de tartaruga mas, o mais possível, de lebre, e lebre competente no plano digital.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi isso que fizemos. Eu sei que isto, porventura, embaraçará alguns que pensavam

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fazer de outra forma. E sei que embaraçou, designadamente, o Sr. Ministro da Economia, uma vez que não se percebeu durante muitos meses o que o Governo queria neste domínio. O Governo sabia que estava sob ameaça de accionamento dos mecanismos sancionatórios que o direito comunitário prevê para os países retardatários. O Governo sabia que até 24 de Julho devia completar a transposição para o direito interno…

O Sr. António Costa (PS): - O Governo está parado!

O Orador: - … de todo o pacote regulamentar de 1999. E eis que um Governo que se diz em acção se mostrava paradíssimo num domínio digital de primeira importância!
O que fizemos foi, de facto, incomodativo: apresentámos, ao abrigo dos nossos direitos regimentais, projectos de lei tanto neste domínio como no domínio da protecção de dados e, ao fazê-lo, accionámos as instituições que têm de ser accionadas. Desde logo, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, que pôde atempada, calma e ponderadamente, emitir um parecer sobre o nosso projecto, coisa que não pôde fazer em relação à proposta do Governo, uma vez que o Governo a apresentou no último minuto, a tempo embora de vir a este debate que, mais uma vez, o Grupo Parlamentar do PS propôs que se realizasse nesta data.
Fomos nós, Srs. Membros do Governo, que propusemos que estas iniciativas fossem agendadas hoje e não depois e, portanto, é positivo e é democrático. As propostas do Governo sobem arrastadas por iniciativas da oposição.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estas iniciativas são muito adequadas ao momento presente. Eu julgo que não haverá, Sr. Ministro, qualquer divergência fundamental em relação a princípios que vêm da modernização do direito comunitário em matéria de comunicações. Não é surpreendente que a proposta do Governo e o projecto do Partido Socialista "bebam" nessa matriz e, portanto, tenham soluções que se aproximam. Não haverá da nossa parte qualquer divergência, seriamente, em relação a facilitar a actividade empresarial das empresas, em relação a reforçar os poderes do regulador, em relação a clarificar a malha de relações, muito complexa, entre as autoridades da Administração Pública, central e local, e os operadores. Não haverá objecções da nossa parte a reforçar as condições de concorrência e a proteger adequadamente os direitos dos consumidores, designadamente as pessoas portadoras de deficiência, garantindo que o serviço universal seja deveras universal.
Em matéria de protecção de dados, também a nossa orientação "bebe" na directiva europeia, como é obrigatório, e "bebe" na nossa história e na nossa matriz constitucional. Não haverá também nesse ponto, julgo, qualquer dificuldade em articular iniciativas e vir a produzir, como já aconteceu neste ciclo político, iniciativas que resultem da conjugação de esforços num domínio essencial. Na realidade, esse esforço é muito importante para Portugal.
Nos tempos em que os nossos Deputados constituintes consagraram as regras que entre nós conferem aos cidadãos o direito àquilo que devíamos chamar "personalidade informática", proibindo abusos e instituindo formas concretas de protecção, só havia em Portugal uma mão pouco cheia, aliás, de megacomputadores, que eram pertencentes ao Estado e a um pequeno número de empresas. Foi a era anterior à explosão da microcomputação.
Entre o mundo povoado por esses animais pré-históricos informáticos e aquele em que vivemos, com milhares de máquinas computacionais que hoje estão em mãos públicas e privadas, há uma abissal diferença. A massificação e diversificação de equipamentos multiplicou também os protagonistas das acções, os focos de risco, os territórios a partir dos quais a acção destruidora da privacidade é possível.
Na União Europeia, tratando concretamente da protecção de dados, assistimos a um sucessivo alargamento da malha jurídica de protecção da privacidade, culminando em disposições da Carta de Direitos Fundamentais, que serão seguramente incluídas na futura constituição europeia.
A directiva de que hoje se trata de transpor, a Directiva n.º 2002/58/CE, é uma expressão equilibrada e oportuna dessa boa matriz protectora que o PS acolheu no projecto de lei n.º 208/IX.
Como quase tudo na vida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as tecnologias da informação têm duas faces: podem ser um instrumento de libertação ou um instrumento de opressão! As nossas comunicações podem ser interceptadas fora da lei ou dentro da lei. O que fazemos numa sala é gravável, a videovigilância é capaz de registar por onde andamos e com quem, as bases de dados armazenam milhões de informações (verdadeiras ou falsas) com base nas quais podemos ser limitados nas liberdades, privados de crédito, espojados de uma vasta gama de direitos fundamentais.
E, contudo, a mesmíssima tecnologia é capaz de salvar vidas, propiciar telemedicina, prevenir incêndios,

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ligar aldeias remotas, pôr na Web pequenas ou grandes empresas, levar as notícias do mundo ao mais atrasado povoado do interior, combater assimetrias no acesso à cultura, reunir dados pessoais para salvar vidas, por exemplo. Não há mal nenhum em podermos ir ao banco a partir de casa, a qualquer hora, todos os dias do ano. Não há mal nenhum em que se utilize dados pessoais para reprimir e combater o crime e para prevenir acções criminosas. É fabuloso que o nosso cartão multibanco funcione numa parede distante de uma cidade europeia. Simplifica-nos a vida ter um cartão de crédito usável em sítios remotos, coisa que era impensável há poucos anos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É preciso é ter dinheiro!

O Orador: - Inevitavelmente, tudo isso gera uma massa gigantesca de dados violáveis e há demasiados exemplos de mau uso.
De facto, a inovação científico e tecnológica faz nascer todos os dias novas modalidades de controlo público e privado da nossa vida. O desafio que isso coloca às democracias é tremendo.
O repto é este, Srs. Deputados: somos capazes ou não de instituir (e aplicar) regras que evitem os usos perversos e mantenham dentro de limites razoáveis as invasões da privacidade?
Entre nós, o tema está bem regulado na Constituição, mas anda - deixem-me que vos diga - maltratado e não é suficientemente levado a sério. Não há muitas semanas, a Assembleia da República autorizou, com o nosso voto contra, aliás, com largueza desmedida e sem debate, a televigilância alargada no mundo do trabalho. A videovigilância privada e pública não tem ainda, lamentavelmente - note isto, Sr. Secretário de Estado -, lei de bases que a enquadre, as directivas europeias de protecção em muito outros domínios, designadamente associadas ao combate da criminalidade, tardam em ser transpostas, as novíssimas formas de escutas digitais têm défice de fiscalização, o Estado dá um péssimo exemplo mantendo bases de dados não legalizadas e actividades de vigilância com um défice de controlo, a lei penal não é aplicada na parte em que proíbe a importação e os equipamentos de devassa por organizações privadas, e nada acontece.
Precisaríamos, por outro lado, de legislação específica sobre dados de saúde, que têm particularidades que já não são compatíveis com as indefinições e dúvidas que a malha legal actual coloca; precisaríamos de um quadro legal claro em matéria de informações genéticas; precisaríamos de melhorar o quadro legal em matéria de informações e dados de carácter policial. Não temos nada disso, e precisamos de ter.
A estas omissões de lei acresce o défice de fiscalização:…

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - … a Comissão Nacional de Protecção de Dados, Sr. Presidente e Srs. Deputados, padece de penúria financeira e logística graves em ambos os casos e continua desprovida de adequada projecção institucional e social. E, Srs. Deputados, de pouco vale um quadro legal constitucional impecável se as autoridades reguladoras não tiverem poderes, meios e capacidade de intervenção real e a adequada projecção institucional e social, o que neste momento não acontece, havendo, todavia, questões cada vez mais importantes de conflito no ciberespaço que carecem de capacidade, de regulação e ordenação urgentes, sob pena de graves conflitos na sociedade portuguesa com consequências muito negativas.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - O novo enquadramento legal para as questões ligadas à privacidade emergente desta directiva que agora discutimos, a Directiva n.º 2002/58/CE, é por isso uma questão essencial para nós, portugueses, como para os demais Estados-membros da União. As regras e princípios constantes da Directiva são também - gostaria de anotar este ponto - a nossa bandeira no debate e na luta mundial em curso para definir o rumo da globalização em matéria de protecção de dados pessoais. Queremos uma globalização regulada ou uma globalização selvagem em que os fluxos de dados sejam absolutamente incontroláveis e, eventualmente, fortemente lesivos dos direitos, liberdades e garantias? Eis a escolha que nos é colocada a todos.
No diálogo transatlântico com os nossos interlocutores dos Estados Unidos da América, os mesmos que criticaram a entrada em vigor da Directiva n.º 95/46/CE, sobre protecção de dados pessoais, que transpusemos em 1998, denunciam o suposto (duplo) "erro europeu", traduzido afinal nisto que esta directiva faz também: por um lado, fixa regras prudentes sobre recolha, tratamento e disseminação de dados e, por outro, aposta na instituição de órgãos de fiscalização de violações de direitos. Um alto responsável do outro lado do Atlântico, no auge da excitação, chegou mesmo a qualificar de "czares da informação" as comissões europeias de protecção de dados.

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No pós-11 de Setembro, o debate tornou-se ainda mais difícil, mas a nossa bandeira não viu afectada a sua valia. O essencialíssimo combate contra o terrorismo não deve levar-nos a privar os cidadãos do direito a saber quem "mexe" nos seus dados pessoais e a rectificar inexactidões; não pode eliminar as regras prudentes de recolha e tratamento de dados, evitando a sua conservação por tempo ilimitado e o desvio do uso para finalidades diferentes das que justificaram a obtenção; precisamos cada vez mais de autoridades independentes com poderes para, sem burocracias inúteis, na invasão das prerrogativas dos tribunais velarem pelo cumprimento dessas boas regras do jogo. Só nessa via - e insisto neste ponto - é que Portugal pode reconhecer-se.
Em 1997, a revisão constitucional reforçou as garantias contra invasões justificadas da privacidade, designadamente dando ao correio electrónico o mesmo estatuto das conversações telefónicas (só interceptáveis com autorização - devidamente fundamentada - de um juiz) e aperfeiçoando a tutela de todas as formas de comunicação. Essa opção da nossa Constituição tem de ter eco prático, não pode ficar nas páginas do Diário da República.
O projecto hoje em debate, agendado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República por sugestão do PS, insisto, é um ponto crucial para proteger os cidadãos contra a devassa que pode degradar a vida pessoal e tornar o digital em infernal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Permitam-me, por último, que sublinhe alguns aspectos que considero de grande importância. Por um lado, esperar-se-ia de um Governo que conhece os objectivos da Estratégia de Lisboa em matéria de sociedade de informação europeia e que participa nas actividades da União concretizadoras do Plano de Acção eEurope 2005 que apresentasse não só uma escorreita e atempada transposição - o que, enfim, graças a nós, vai acontecer, apesar de tudo - da Directiva mas um verdadeiro plano de acção de defesa da privacidade, fixando medidas que, por exemplo, garantam que os órgãos do Estado colham e usem sem disfunções os nossos dados pessoais e que incentivem os privados a fazer códigos de conduta ou a participar em esquemas de arbitragem rápida contra violações, designadamente as que resultam de práticas comerciais distorcidas, de invasão de caixas de correio, conhecidas pela expressão spamming, e outras, ou a infestação dos nossos computadores por espiões informáticos destinados a recolherem informações pessoais para fins de carácter comercial ou para fins outros, alguns dos quais, seguramente, muito ilegais, em Portugal, já neste momento.
Um plano deste tipo, que seria o que Governo, se tivesse articulação neste domínio, estaria neste momento a propor à Assembleia da República, deveria prever também a expansão da cultura de cifragem das comunicações e de soluções judiciais que permitam ir depressa a um juiz para pôr fim a invasões da privacidade quando falhem as soluções de autodefesa. Estes pontos são absolutamente fundamentais para que em Portugal haja as condições de protecção adequadas dos cidadãos.
Não vejo sinais, Sr. Presidente, desta dinâmica, e é lamentável que assim seja porque isso nos deixa mais desprotegidos.
A verdade é que não sabemos se o admirável mundo digital nos vai permitir formar cidadãos capazes de usar de forma inteligente e culta as ferramentas comunicacionais em multiplicação. É um ponto em aberto. Tudo depende da nossa capacidade de pôr em marcha programas de ensino que usem devidamente as tecnologias de informação, formar professores, criar conteúdos, inventar novas formas de aprendizagem ao longo da vida e difundir uma boa cultura de protecção de dados, que é indispensável, seja a lei óptima ou seja a lei média.
Temos também de mobilizar forças, em Portugal como na União Europeia e no mundo, para combater aquilo que seria o cenário máximo de pesadelo. Cenário máximo de pesadelo digital seria imaginar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma sociedade onde a devassa de dados pessoais possa servir impunemente para destruir reputações e misturar inocentes e criminosos numa praça pública electronicamente intoxicada por TV, mail e blog.
A mensagem que flui da directiva que agora vamos transpor é preciosa e talvez possa sintetizar-se assim: as redes mundiais e abertas, se forem mantidas livres das tecnologias de censura e das portagens asfixiantes, podem criar condições preciosas para eliminar factores de atraso, ligar continentes, propiciar parcerias antes inimagináveis, derrubar muralhas entre centro e periferia, dar voz aos silenciosos, criar mais liberdade. No meio do furacão, talvez não possamos impedir que pululem ciberidiotas, mas é essencial que não haja ciberexcluídos e não fiquem impunes os cibercriminosos, que devassam dados pessoais. A explosão internacional da Internet, a sua massificação, é uma das dimensões mais positivas da globalização. Saberemos transformar tudo isso em mais democracia e menos injustiça social? Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a incógnita e um dos grandes desafios do século XXI, que, pela nossa parte, queremos ajudar a ganhar.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para fazer a apresentação da proposta de lei n.º 96/IX, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça (João Mota de Campos): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Direito, que regula a vida em sociedade, exige permanentemente actualização e adequação à realidade. Ora, a sociedade da comunicação move-se a um ritmo acelerado, carente da atenção constante do legislador e de uma regulação que seja ao mesmo tempo garantia de liberdade para os utilizadores e de segurança para a comunidade no seu todo. O vazio legal não é território de liberdade, é terreno de insegurança, e é nossa obrigação evitá-la e combatê-la.
Por isso e só por isso (note bem, Sr. Deputado José Magalhães), o Governo vem apresentar a esta Assembleia uma proposta de lei que procede à transposição da Directiva 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas. Estamos no âmbito de matérias novas, em permanente mutação, relativamente às quais o legislador não se pode alhear como se aguardasse um eventual amadurecimento. Os riscos bem reais que as realidades virtuais nos apresentam obrigam a uma pronta e permanente intervenção. Os serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis, cujo maior paradigma é a Internet, abrem novas e mais completas possibilidades aos utilizadores.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Muito bem!

O Orador: - E esta capacidade global de processamento informático e de armazenamento de dados acarretam elevados riscos para a protecção dos dados pessoais dos utilizadores e para a própria confidencialidade das comunicações. Está em causa o direito à preservação da vida privada e familiar e o direito à protecção dos dados de carácter pessoal - direitos fundamentais constitucionalmente consagrados e que merecem idêntico acolhimento em vários instrumentos jurídicos internacionais. E está também em causa a preocupação em preservar os legítimos interesses das pessoas colectivas, adoptando um conceito amplo de assinante, abrangendo quer pessoas singulares quer colectivas, de forma a assegurar protecção a todos os utilizadores.
Para acautelar quer os legítimos interesses de pessoas colectivas quer os direitos fundamentais das pessoas singulares, o presente diploma estende especial protecção a todas as pessoas que sejam parte num contrato com uma empresa que forneça redes ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público para fornecimento desses serviços, ampliando essa protecção, quando necessário, também aos utilizadores individuais que não sejam assinantes, independentemente do fim a que se destine a sua utilização.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não ignoramos que estamos num domínio de intervenção com particulares implicações na actividade das empresas que fornecem redes ou serviços de comunicações electrónicas e cuja importância para o mercado é significativamente crescente. E temos também presente que a evolução tecnológica associada à recolha e tratamento de dados será cada vez mais célere e eficaz. É neste quadro que se afigura fundamental garantir aos utilizadores a confiança na salvaguarda da sua privacidade, sem a qual não será possível garantir um crescimento e desenvolvimento sustentados dos serviços da sociedade da informação.
O que nesta lei está em causa e se pretende salvaguardar é a segurança das redes, bem como dos serviços de comunicações electrónicas prestados. Para que assim seja, prevê-se uma colaboração estreita entre as empresas que oferecem redes e as empresas que oferecem serviços, no sentido da adopção de medidas que sejam adequadas à prevenção dos riscos existentes e, em caso de especial risco de violação da segurança da rede, a obrigatoriedade da existência de um alerta aos assinantes, acompanhado de informações sobre qual a conduta a seguir para o evitar. Paralelamente, reforça-se a necessidade de garantir a segurança do conteúdo das próprias comunicações.
A manifesta indispensabilidade de garantir a segurança do conteúdo das comunicações electrónicas e respectivos dados de tráfego resulta, pois, na consagração do princípio da inviolabilidade das comunicações, proibindo-se, com as excepções previstas na lei, a realização de escutas ou a instalação de dispositivos que as permitam, bem como de quaisquer outros meios de armazenamento, intercepção ou vigilância das comunicações, salvo quando exista consentimento expresso por parte dos utilizadores. Os utilizadores têm o direito de ver salvaguardado o seu equipamento terminal de redes de comunicações electrónicas, bem como de todas as informações armazenadas nesse equipamento. É a esfera privada de cada um que está em causa e que cumpre salvaguardar da intromissão de terceiros.

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É também regulada nesta proposta a matéria dos dados de localização, já que são estes dados que permitem denunciar a posição geográfica do equipamento terminal do utilizador. No mesmo sentido, é abordada a questão delicada da identificação da linha chamadora, sendo que se procura garantir, mais uma vez, a privacidade, a paz familiar e a intimidade de cada utilizador. No que respeita às listas de assinantes, é consagrado o princípio do prévio consentimento dos assinantes, os quais terão de ser gratuitamente informados dos fins a que se destinam as listas e, caso consintam na inclusão dos seus dados, deverão ter a possibilidade de seleccionar os dados que pretendem ver incluídos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A directiva sobre a privacidade e as comunicações electrónicas vem procurar responder às exigências específicas de protecção de dados pessoais e da intimidade dos assinantes e utilizadores, introduzidas nas redes de comunicações públicas pelo desenvolvimento de tecnologias digitais avançadas e pelo surgimento de novos serviços de comunicações electrónicas. Sabemos bem, e cada vez mais, que a segurança e a privacidade são valores centrais nas modernas sociedades de comunicação. Ao apresentar esta proposta, estamos, pois, no cumprimento de uma obrigação comunitária, a corresponder a uma necessidade que é de todos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, julgo que este debate pode ter a utilidade de ajudar a clarificar alguns pontos que, por ausência de esclarecimento governamental, julgo eu, suscitam perplexidade a quem os analisa, a partir de Portugal ou no exterior.
Há, de facto, alguma inexplicável descoordenação no processo de produção de leis, daquilo a que podemos chamar "leis da sociedade de informação", legislação que enquadra aspectos essenciais da sociedade de informação.
Protagonizámos, neste Plenário, uma discussão verdadeiramente estranha sobre um tema que deveria unir-nos - a lei do comércio electrónico - e, na sequência disso, entrámos num período de verdadeiro mistério quanto ao "parto" legislativo governamental e de perplexidade quanto ao que o Governo queria num domínio que, todavia, constava do seu Programa do Governo, dos planos de acção que a Unidade de Missão, Inovação e Conhecimento apresentou ao País e que, todavia, em nada desemboca, sendo certo que o Governo, nesta proposta que apresenta, até pretende remeter-nos para a legislação do comércio electrónico, para o tratamento das questões de spamming, portanto de violação dos direitos dos consumidores, por "marqueteiros" particularmente agressivos. Mas não sabemos nada sobre o processo de concretização desse quadro legal e reina uma total indefinição num domínio em que deveria reinar certeza e segurança. Não há, manifestamente, pilotagem concreta deste sector.
Em segundo lugar, o Sr. Secretário de Estado também não nos trouxe qualquer novidade. Sei que não lhe cabe dizer-nos quando vêm certas peças que estão no "baú" do Governo (caberia mais ao Sr. Ministro Marques Mendes), como, por exemplo, a transposição da directiva sobre os direitos de autor, que foi engavetada manifesta e inexplicavelmente, uma vez que quanto a essa os prazos acabavam em Dezembro do ano passado - repito, Dezembro! E esse é um domínio crucial para a economia, para os produtores, para os autores. Mas o Governo "olha para o lado", faz um tom sofredor e olha para o busto da República, na melhor das hipóteses, e entretém-se.
Em relação a outras questões, tais como a do plano de acção, que era necessário e que referi, o Sr. Secretário de Estado diz coisa nenhuma. Não é com o Ministério da Justiça! O Ministério da Justiça em Portugal nada tem a ver com a protecção dos cidadãos usando criptografia segura! O Ministério da Justiça conseguiu, aliás, o prodígio de pôr em funções um sistema de entrega de peças forenses nos tribunais sem cuidar de fazer um contrato adequado para certificação e segurança das assinaturas digitais dos utentes. Foi a Ordem do Advogados que o fez em relação aos seus inscritos, enquanto o Governo "ressonava" tranquilamente sem tratar das questões de certeza e segurança, o que entendo verdadeiramente hilariante e, aliás, de um limite perigoso. Pelo caminho, já tinha criado a questão da transformação da ANACOM em superpolícia do ciberespaço, projecto que, suponho, gaguejou no interior do Governo, e felizmente!
A questão que coloco, por último, Sr. Secretário de Estado, é no sentido de saber o quer o Governo fazer em relação a um ponto do projecto de lei do PS que o Governo não trata na sua directiva e que, pelos vistos, o preocupa: estou a referir-me à questão da guarda de dados de tráfego para efeito de eventual utilização policial.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha chegou ao fim.

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O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Admito que o Governo queira reservar essa matéria para um diploma autónomo. O que acho estranho é que o Sr. Secretário de Estado, debatendo esta matéria no Plenário, e nesta altura, se dê ao luxo de omitir qualquer nota sobre este aspecto, crucial para as forças policiais e para o combate à criminalidade.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça.

O Sr. Secretário Adjunto da Ministra da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, de facto, não omiti, fiquei foi à espera que o Sr. Deputado me fizesse a pergunta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Fiz várias!

O Orador: - Depois, perdoe-me, Sr. Deputado, mas na sua intervenção "disparou" uma série de asneiras,…

O Sr. José Magalhães (PS): - "Asneiras"?!!

O Orador: - … uma das quais a de que o Governo não cuidou adequadamente de contratar a questão da assinatura digital. Fica a saber que contratou e, mais, fê-lo exactamente no mesmo dia que a Ordem dos Advogados, porque, como saberá, eventualmente, o processo foi seguido paralelamente, precisamente porque se tratava da comunicação entre a Ordem e os tribunais e isso não podia ser feito separadamente. Esta questão até foi publicada nos jornais, mas o Sr. Deputado tem andado distraído. Se lesse os jornais, saberia que era assim.

O Sr. José Magalhães (PS): - -Não é isso que está em causa! É a certificação dos funcionários!

O Orador: - Quanto à questão que me colocou, o Sr. Deputado já deu a resposta. De facto, o Governo entende que não se trata de alterar o equilíbrio existente entre o direito dos indivíduos à privacidade e a possibilidade de os Estados-membros tomarem medidas que considerem necessárias para assegurar a protecção de valores como a segurança pública, a defesa e a segurança do Estado. O momento de o fazer não é este. Entendemos que a fixação de um prazo especial para a conservação de dados apenas faz sentido se for tratada como parte integrante de um plano mais vasto respeitante à actividade da investigação criminal e da obtenção da prova, e é isso que nos estamos a preparar para fazer.
Sr. Deputado, tenha calma que, com tempo, faremos tudo bem feito, ao contrário do Partido Socialista, que se queixa agora do atraso na transposição de directivas mas que atrasou algumas não meses mas anos!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Quais?!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Secretário de Estado, penso que a expressão "asneiras" que o Sr. Secretário de Estado utilizou tem uma interpretação política e não pessoal, seguramente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bessa Guerra.

O Sr. Bessa Guerra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: A proposta de lei n.º 94/IX visa autorizar o Governo a legislar sobre as seguintes matérias: o reforço do quadro sancionatório do regime jurídico aplicável às comunicações electrónicas ao nível contra-ordenacional e mediante a tipificação de um crime, a previsão do controlo jurisdicional dos actos praticados pela autoridade reguladora nacional, bem como a definição do domínio público, o regime da sua utilização e respectivas taxas.
Carece, ainda, o Governo de autorização para, no âmbito do diploma de transposição das directivas comunitárias, revogar a actual Lei de Bases das Telecomunicações, Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto, a qual contém, de igual modo, matérias de competência legislativa da Assembleia da República.
Sr.as e Srs. Deputados: A liberalização do mercado europeu das comunicações culminou em 1 de Janeiro de 1998 com a plena liberalização de todas as redes e serviços de telecomunicações na maioria dos Estados-membros da União Europeia, sendo que em Portugal ocorreu em 1 de Janeiro de 2000.
Os progressos tecnológicos, a inovação nas ofertas dos serviços, a diminuição dos preços e o aumento da qualidade, resultantes da introdução da concorrência, constituíram a base de transição para a sociedade

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da informação na Europa.
A convergência dos sectores das telecomunicações, da radiodifusão e das tecnologias da informação está a transformar o mercado das comunicações, incluindo-se aqui a convergência das comunicações fixas, móveis, terrestres e via satélite e ainda a convergência das comunicações com o sistema de determinação da posição.
No que respeita à infra-estrutura das comunicações electrónicas e serviços conexos, a convergência torna cada vez mais obsoleta a tradicional separação das competências regulamentares entre estes sectores e exige um regime regulamentar coerente e consistente.
É neste contexto que um novo quadro regulamentar comunitário para as comunicações electrónicas foi acordado pelos Estados-membros da União Europeia, prevendo ser aplicado em todos eles no ano 2003.
Esse pacote - vulgarmente designado por Revisão 99 - integra cinco directivas do Parlamento Europeu e do Conselho, sendo uma directiva-quadro, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas, e quatro directivas específicas: Directiva Autorização; Directiva Acesso, Directiva Serviço Universal; Directiva Privacidade e Comunicações Electrónicas, sendo que esta última será discutida em conjunto.
Mas, para além deste pacote de medidas, temos a considerar a decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao quadro regulamentar para a política do espectro de radiofrequências na Comunidade Europeia, que estabelece um quadro político e jurídico com vista à harmonização da utilização do espectro de radiofrequências, bem como a Directiva 2002/77/CE, da Comissão, de 16 de Setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações electrónicas.
Sr.as e Srs. Deputados, o Governo português, tendo presente a necessidade de transposição destas directivas, procurou fazê-lo da forma mais rápida possível do ponto de vista regulamentar: aprovou, em Conselho de Ministros, no dia 18 de Setembro, uma proposta de lei de autorização legislativa sobre esta matéria, contendo em anexo o ante-projecto de decreto-lei sobre as comunicações electrónicas, no qual o processo de transposição é feito de forma completa, coerente e integrada.
Em concreto, do ponto de vista técnico, destacam-se as seguintes matérias: controlo jurisdicional dos actos da ANACOM, através de tribunais administrativos, com excepção das matérias contra-ordenacionais que são recorríveis para os tribunais do comércio; a gestão do espectro de frequências pela ANACOM; regime de taxas para a utilização de frequências, recursos de numeração e instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos; taxas de direito de passagem nos domínios público e privado, municipal, estadual e regional; regime de comunicação prévia previsto no Regime da Urbanização e da Edificação para a instalação e manutenção de infra-estruturas; criação de uma base de dados sobre assinantes que não tenham cumprido as suas obrigações de pagamento; criação de sanções pecuniárias compulsórias a aplicar pela ANACOM; elevação dos montantes máximos e mínimos das coimas a aplicar pela ANACOM, como já foi referido; revogação da actual Lei de Bases das Telecomunicações, Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto.
Temos de relevar a Resolução do Conselho de Ministros n.º 110/2003, de 12 de Agosto, que aprova a Iniciativa Nacional para a Participação dos Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade da Informação, que contempla um conjunto de medidas cujo enquadramento regulamentar deverá ser garantido neste contexto, nomeadamente: a questão das oportunidades de escolha de prestadores de serviço; as condições de acessibilidade técnica nas redes de televisão e serviços associados, nomeadamente na rede de televisão digital terrestre e televisão por cabo; os serviços de apoio nas telecomunicações para pessoas surdas ou com deficiência da fala e a acessibilidade das tarifas e acessibilidade à informação disponibilizada pelos prestadores de serviço.
A proposta do Governo, em consonância com uma transposição adequada da Directiva do Serviço Universal, contempla estes aspectos, mas pode haver ainda espaço para eventuais melhorias adicionais, num trabalho conjunto entre o Ministério da Economia, a Unidade de Missão Inovação e Conhecimento e a Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados, a transposição da legislação comunitária envolve matérias de reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, nomeadamente o quadro sancionatório do regime ao nível contra-ordenacional, bem como a tipificação do crime, controlo dos actos jurisdicionais dos actos praticados pela autoridade reguladora nacional, definição do conceito de domínio público e regime de utilização e taxas.
A proposta do Governo assenta numa estruturada ideia de concepção de diploma único de modo a agrupar todas as matérias, como eu disse, de forma coerente.

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A codificação tem vantagens, uma vez que impede, pela sua dispersão, conceitos e normas contraditórias e diferentes para situações similares.
A proposta de lei faz o enquadramento de toda a matéria relativa às telecomunicações, define o seu âmbito, define o âmbito de competências da autoridade reguladora, o controlo jurisdicional, a regime da autorização, os direitos de passagem e de acesso, os direitos de utilização de frequência, a defesa dos utilizadores, com especial ênfase no acesso de cidadãos com necessidades especiais, a interligação, o conceito de serviço universal, os princípios para a fixação dos preços, o financiamento do serviço universal, as taxas e o regime sancionatório global, ou seja, o regime sancionatório que abrange todas as questões relativas ao quadro normativo do sector das telecomunicações previstos nestes conceitos.
Esta proposta de lei é fundamental, pois contempla uma das maiores revisões do quadro regulamentar para os serviços de telecomunicações, tendo como principal finalidade o incentivo da concorrência neste sector. Estas medidas proporcionarão aos consumidores melhores preços e mais qualidade, para além de fornecer uma maior transparência legal para todos os operadores.
A Assembleia da República cumpre as suas obrigações participando neste processo legislativo. Vamos agir, todos, com celeridade e com eficácia. Estamos no bom caminho.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente. Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate em que nos encontramos volta a colocar este Parlamento perante uma questão central, a da defesa do interesse das populações e do País no quadro da definição de políticas para um sector estratégico da economia.
Sabemos que nesta discussão e nos diplomas que lhe dão origem há um importante componente de carácter técnico. Ouvimos ainda agora falar, e voltaremos a ouvir certamente, em espectros radioeléctricos, em lacetes locais, em interoperabilidade, etc., mas não podemos com isso esquecer que os problemas fundamentais aqui suscitados são de ordem política. O que está em causa não é a transposição pura e simples de especificações técnicas, é a definição de estratégias e de linhas orientadoras que vão decidir o futuro do sector das telecomunicações e, por essa via, o nosso próprio futuro colectivo.
No essencial, as principais novidades que a proposta de lei do Governo apresenta servem para definir a próxima fase de uma estratégia de liberalização dos mercados, que há muito começou a ser aplicada.
Depois de "escancarada a porta" do que era o sector público, privatizado o operador histórico, trata-se agora de passar à etapa seguinte, isto é, a partilha dos mercados e dos recursos pelos vários operadores e prestadores de serviços. É essencialmente para isso que servem as novas orientações, designadamente no plano da regulação do mercado e do acesso dos diversos operadores às infra-estruturas da rede e seus terminais.
A esse propósito, relativamente à entusiástica abordagem que ouvimos acerca da entidade reguladora, do seu estatuto jurídico, do seu quadro sancionatório, etc., interessa adiantar uma questão central: o Estado não é, nem pode ser, um simples regulador de reguladores. O que temos vindo a verificar e a denunciar é a degradação da qualidade do serviço público, é o aumento dos preços, é a penalização das populações, são os interesses accionistas privados sistematicamente a levar a melhor.
Ora, é justamente neste quadro, e não noutro, que vem colocar-se a questão da regulação dos mercados. No fundo, é a regulação como componente de uma política de liberalização, ou, se quisermos, como "seguro de vida" dessa estratégia.
Para o PCP, a questão de fundo é serem opções políticas pela privatização da economia a raiz mais profunda do problema, o maior do ataque ao serviço público. Enquanto não questionarmos a raiz do problema, não será certamente pela via da regulação que a questão estrutural terá resposta.
Por outro lado, o diploma do Governo serve, na prática, não para introduzir e fazer aplicar uma política que conduza a novos investimentos e mais desenvolvimento da rede mas, sim, para garantir a partilha pelos operadores daquilo que já existe, ou seja, da rede que foi construída pelo serviço público de telecomunicações.
Afinal, que melhorias concretas, que significativos investimentos foram introduzidos na rede básica de telecomunicações desde que se entrou neste processo de privatização do sector?
Sejamos claros. A verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que dificilmente podemos esperar melhores dias para o investimento. A esse nível, o que está feito foi o que o Estado pagou.
O que se trata neste momento é de atender às reivindicações do mercado, entenda-se, dos operadores e prestadores de serviços, e garantir a todos eles o acesso aos consumidores. No fundo, é disso que falamos

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quando falamos em desagregação e oferta de referência do lacete local.
Entretanto, dá-se o passo em frente no caminho de degradação da qualidade e do grau de exigência do serviço universal de telecomunicações. Exemplo mais que esclarecedor dessa opção é o do novo conceito de obrigação de serviço público. Até agora, a lei obriga o operador de serviço universal a garantir "ligação à rede telefónica fixa, num local fixo, e acesso ao serviço fixo de telefone a todos os utilizadores que o solicitem".
Com este diploma, o Governo vem agraciar o operador com a simpática obrigação de "satisfazer todos os pedidos razoáveis de ligação à rede telefónica pública". Significará isto que, ao alívio dos interesses privados, corresponde alguma poupança dos dinheiros públicos no seu financiamento? Desengane-se quem assim pensa! É que a proposta de lei do Governo, relativamente ao financiamento do serviço universal, promove a compensação dos "custos líquidos considerados excessivos" através da repartição do custo pelas outras empresas, mas também (em alternativa ou cumulativamente, mas antes de mais) através do recurso a fundos públicos. Ou seja, o sector público investiu na rede. O Governo privatizou-a. E agora, os investimentos necessários para a sua manutenção e desenvolvimento são cobrados aos contribuintes, garantindo, acima de tudo, o lucro dos accionistas. É caso para dizer: custos públicos, lucros privados!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Uma última referência, mas não menos importante, relativamente ao posicionamento a que o Governo remete o poder local nesta matéria.
Sabemos que o peso crescente dos investimentos neste sector, ele próprio decorrente da sua importância na Administração Pública, assume uma dimensão de tal ordem que pode acabar por constituir um factor de constrangimento à sua própria eficácia e desenvolvimento.
Neste plano, a questão que se coloca é a de saber qual a concepção do Governo relativamente ao poder local e ao seu posicionamento nas dinâmicas deste sector. É a de consumidor entregue às mãos do mercado? Só tem deveres especiais? Serve para financiar os operadores?
Senão, vejamos este exemplo: o Governo, através do POSI, orienta os municípios a garantir pontos de acesso à Internet, em banda larga, gratuitamente para os cidadãos. Isto num quadro de infra-estruturas totalmente privatizadas, com uma lógica não de serviço público mas, sim, de mercado puro e simples. Ou vejamos a forma absolutamente espantosa como se define a taxa municipal de direito de passagem. E insistimos nesta matéria, Srs. Deputados.
Perante a antiga reivindicação do poder local no sentido de serem fixadas contrapartidas pelo uso do subsolo por parte dos operadores, eis que o Governo propõe a criação de uma taxa a ser paga nada mais nada menos que na conta do telefone do consumidor final.
Para cúmulo, o valor total da taxa a pagar pelo consumidor não é definido em função da utilização das infra-estruturas mas, sim, em função do consumo! E aqui, por piruetas que o Governo dê, não consegue explicar a relação entre o número de horas que usamos o telefone ou a Internet e o valor da utilização de bens do domínio público (neste caso, o subsolo), utilização, recorde-se, que é feita exclusivamente pelo operador, em sua própria conveniência operacional.
O que pomos em causa não é a taxação do uso do subsolo - repetimos -, o problema é que estamos perante uma contraprestação tributária cobrada ao sujeito errado. Tudo isto com o operador a servir de banco de todos os montantes envolvidos e com o odioso da decisão remetido para os municípios!
Com opções políticas como estas, por muito que se fale em sociedade de informação, o que vemos é uma carga tarifária cada vez mais acentuada e a penalizar as populações.
Ao fim e ao cabo, o que o Governo pretende é um regime jurídico claramente instrumental, orientado para responder não à questão central da aplicação das comunicações electrónicas para uma estratégia de desenvolvimento sustentável mas, sim, a um escandaloso favorecimento dos interesses privados, que dominam, já hoje, o sector.
Perante esta opção política, estamos convictos de que as populações, os consumidores e os trabalhadores do sector saberão mobilizar-se e agir em defesa dos seus direitos. E o PCP, também aqui no Parlamento, continuará a intervir activamente na denúncia e no combate a esta linha de rumo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Chamo a atenção dos Srs. Deputados para o facto de que, de acordo com a metodologia que foi aprovada, juntámos as grelhas dos tempos estabelecidos para a ordem do dia de hoje, mas verifico que há grupos parlamentares que têm ainda segundas intervenções para fazer,

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porventura a contar com a grelha que estava inicialmente prevista para o segundo tema agendado para hoje. É uma questão de gestão interna de cada grupo parlamentar, mas não queria deixar de chamar a vossa atenção para este aspecto.
Srs. Deputados, vamos prosseguir a nossa já longa jornada de trabalhos. Sei que têm estado Comissões a funcionar, nomeadamente a Comissão de Economia e Finanças, que tem estado reunida juntamente com outras Comissões, a Mesa tem procurado assegurar o quórum, mas era também importante que as direcções das bancadas dessem um contributo no sentido de podermos chegar ao fim dos nossos trabalhos com um mínimo de condições.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Vivemos numa sociedade onde as componentes da informação e do conhecimento desempenham um papel nuclear em todos os tipos de actividade humana, sendo que esta tendência vai desenvolver-se nos próximos anos.
Isto acontece em consequência do desenvolvimento da tecnologia digital, e da Internet em particular, tornando possíveis e mesmo evidentes novas formas de organização da economia, do trabalho e da sociedade.
A discussão que hoje temos, quer da proposta de lei n.º 94/IX, quer do projecto de lei n.º 309/IX, acontece como resposta à publicação, em 7 de Março de 2002, no jornal Oficial das Comunidades, do primeiro conjunto de directivas relativas às comunicações electrónicas e à necessidade de se proceder à sua transposição.

O Sr. José Magalhães (PS): - É um facto!

O Orador: - Neste conjunto de Directivas encontramos: a Directiva 2002/19/CE (Directiva Acesso), que pretende uniformizar o modo como os Estados-membros regulamentam o acesso às redes de comunicações electrónicas, e pretende também instaurar uma concorrência durável e garantir a interoperabilidade; a Directiva 2002/20/CE (Directiva Autorização), que pretende simplificar as regras e condições de autorização de redes e serviços de comunicações electrónicas; a Directiva 2002/21/CE (Directiva Quadro), que é a directiva central deste "pacote", que estabelece um quadro regulamentar harmonizado, quer para as redes, quer para as comunicações electrónicas; a Directiva 2002/22/CE (Directiva Serviço Universal), que pretende assegurar e disponibilizar um conjunto mínimo de serviços, de boa qualidade, acessíveis a todos os utilizadores finais a preços razoáveis - e embora o termo razoável tenha hoje levantado alguns problemas, é importante discutir qual o conceito de razoabilidade; e a Directiva 2002/77/CE (Directiva Concorrência), que pretende estabelecer regras que permitam uma sã concorrência entre os fornecedores de serviços de comunicações electrónicas.
Encontramos nas propostas de lei do Governo e no projecto de lei do Partido Socialista formas diferentes de responder ao mesmo problema, isto é, à questão da transposição para o direito português dos normativos comunitários.
O Governo pede à Assembleia da República uma autorização legislativa para proceder à transposição das Directivas atrás referidas e para, no âmbito destas transposições, entre outras questões, estabelecer o reforço do quadro sancionatório, o regime de controlo jurisdicional dos actos praticados pelo ICP-ANACOM, a definição do domínio público, o regime da sua utilização e respectivas taxas e para revogar a Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto, que é a actual Lei de Bases das Telecomunicações.
O projecto de lei do Partido Socialista opta por outra via. Ou seja, através de uma nova lei de bases das comunicações electrónicas, procura definir o enquadramento geral do sector em conformidade com o estipulado nestas directivas comunitárias, ficando o Governo com a tarefa de produzir os necessários e indispensáveis decretos-lei, e o regulador sectorial com a missão de publicar os novos regulamentos decorrentes das alterações legislativas.
Devo dizer que, numa perspectiva pessoal, parece-me "sedutor" e, do ponto de vista da "arquitectura institucional", parece-me até correcto o que nos é sugerido pelo Partido Socialista.
No entanto, gostaríamos que a elaboração de uma lei de bases das comunicações electrónicas - como tal, simplificada, com um quadro normativo claro e regras muito simples - fosse feita com mais calma, analisando todas as questões em causa e as suas verdadeiras consequências, sem a pressão da transposição simultânea das Directivas, que, em boa verdade, já devia ter sido feita.
Dado estarmos num domínio em que os aspectos económicos, financeiros e técnicos avançam frequentemente mais depressa do que a capacidade de reflexão e produção legislativa, é importante que, sem delongas, "acertemos o passo" pela legislação do espaço económico em que nos integramos, de forma a não termos "vazios", que são altamente penalizadores, que prejudicam a nossa competitividade e que,

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além do mais, não favorecem uma concorrência dinâmica que mantenha Portugal na linha da frente na área das comunicações deste tipo.
Gostaria também de salientar, fora do quadro específico da discussão destes dois diplomas, dois aspectos que me parecem ser importantes e de que a Câmara tem obrigação de se ocupar.
A transposição de Directivas é, em Portugal, uma matéria em que, nós portugueses, não somos particularmente diligentes. E parece que começa a ser tradição instituída, e aceite, porque acontece há bastantes anos, há muitos governos, praticamente desde o nosso processo de adesão à Comunidade Europeia, e embora estejamos conscientes da complexidade da matéria versada nestas directivas, que o Sr. Ministro muito bem explicitou, isto não retira a validade do que aqui foi dito.
Se entendermos que a melhor forma de estarmos, a que melhor defende os nossos interesses na União Europeia, é situarmo-nos no núcleo dinâmico, quiçá vanguardista, na formulação de políticas - como aqui foi afirmado pelo Sr. Primeiro-Ministro, há dias, e com o acordo geral ou quase geral desta Câmara -, é preciso não esquecer que nestes aspectos práticos, que são unicamente da nossa responsabilidade, aquilo que se poderia chamar em jargão comunitário uma questão luso-portuguesa, temos que valorizar a nossa imagem de capacidade e mesmo de legitimidade, procurando acertar o passo com os calendários que subscrevemos.
Também no recente debate com o Sr. Primeiro-Ministro ficou claro (pelo menos, foi esse o meu entendimento) que é um objectivo partilhado por todos os partidos e por todos os Deputados que, no âmbito das discussões relativas ao novo tratado constitucional, fique assegurada uma maior participação dos parlamentos nacionais no processo legislativo europeu.
Isto parece-me óbvio e muito importante, porque o controlo do processo legislativo europeu será cada vez mais uma das fronteiras da afirmação da nossa soberania.
A Assembleia da República está a dar passos novos no sentido de conseguir reforçar essa exigentíssima frente de trabalho, e o meu apelo é dirigido a todos para que encontremos as melhores práticas, pois este é um domínio em que só nos serve a excelência dos resultados. Ficarmos a meio do caminho não serve.
A Assembleia da República terá, portanto, que dotar-se dos meios humanos, da logística e dos processos de trabalho, para poder acompanhar de forma responsável o processo legislativo europeu, por forma a que não estejamos - senão for a curto prazo, por certo será a médio prazo - a lamentar o facto de estarmos, mais uma vez, a ficar para trás.
Como nos parece que não ficam, nesta discussão, esgotadas as possibilidades de conciliarmos posições explicitadas em trabalho de Comissão, a quem de resto alguns agentes económicos assinalaram já o seu desejo de transmitir sugestões adequadas ao concreto da situação portuguesa, do que vive a economia portuguesa e do que vivem as empresas portuguesas, da nossa parte, viabilizaremos a baixa à Comissão para continuarmos a discussão daquilo que hoje aqui se iniciou.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção no debate, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tratamos da transposição da Directiva 2002/58/CE, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas.
Integra-se esta num conjunto de cinco directivas relativas às comunicações electrónicas e, tecnicamente, saúda-se a iniciativa de revogar quer a Directiva 97/66/CE, quer a Lei n.º 69/98, de 26 de Outubro, por manifesta ampliação do seu escopo no caso vertente.
Uma nota que também deve ser salientada é que, neste caso, o prazo para transposição terminaria a 31 de Outubro, e portanto estamos a fazer essa transposição atempadamente, ao contrário do que tem vindo a registar-se no passado. Esperemos, de facto, que seja uma nota para manter, mas penso que o Governo está, também por aqui, de parabéns.

O Sr. José Magalhães (PS): - Graças ao nosso arrastamento!

O Orador: - "Gaba-te, cesto!" - diz o povo.
Estes normativos e a sua transposição registam elevada importância numa era em que as novas tecnologias, se nos oferecem grandes oportunidades, também levantam riscos de monta.
Podemos voltar a sonhar com a utopia de Atenas, mas também temos de evitar o risco de Babel, neste caso em versão electrónica.

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Risos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Lá isso é verdade!

O Orador: - Estamos na mesma era em que há sistemas inteligentes que permitem gerir tudo e mais alguma coisa em casa, desde a electricidade à segurança, etc., mas que também permitem registar entradas e saídas de casa e em que dependência estão as pessoas. Estamos na era em que há cartões de descontos para funcionários, cuja factura, depois, passa pelo departamento de pessoal, sabendo-se o que é que o funcionário esteve a fazer no fim-de-semana. Estamos na era em que é possível localizar viaturas, mas também estamos a localizar pessoas, porque, que se saiba, as viaturas ainda não andam sozinhas. Estimula-se a renúncia à privacidade (às vezes, de forma escandalosa) em revistas e em programas de televisão, deste ou daquele canal. E estamos também na era em que se debate, no Parlamento Europeu, a questão do sistema de espionagem Echelon, que já tantas questões levantou, algumas delas verdadeiramente ridículas.
Quanto à Directiva em questão, acho que ganha imenso relevo a transposição, nomeadamente, de medidas como a garantia da segurança das redes e dos serviços de comunicações electrónicas, desde logo estimulando a cooperação entre empresas que fornecem o acesso a redes e prestam serviços de comunicações electrónicas, obrigadas que estão também a alertar para riscos especiais e a encontrar formas para a sua solução, e também em medidas como a segurança do conteúdo das comunicações e dos dados de tráfego.
E aqui parece-nos equilibrado o "casamento" que se faz entre os direitos à protecção da vida privada e do sigilo das pessoas individuais e dos interesses das pessoas colectivas com as necessidades técnicas das empresas que oferecem redes e/ou prestam serviços, designadamente no tratamento de dados de tráfego, que será lícito para efeitos de transmissão e para efeitos de facturação, sempre com o dever acrescido de informação sobre o tipo de dados, os fins e a duração do seu tratamento, exigindo-se consentimento prévio explícito e revogável, no caso de oferta de serviços de comunicações ou de serviços de valor acrescentado.
Também se trata - e bem, a nosso ver - a questão dos dados de localização, os que indicam a posição geográfica do terminal do assinante ou utilizador, salvo nos casos de serviços de emergência ou dos serviços de valor acrescentado, em que o seu tratamento só será legítimo - e bem, a nosso ver - se forem tornados anónimos.
Termino com a questão das listas de assinantes. Como já foi referido - e muito melhor do que eu o farei - pelo Sr. Secretário de Estado, a partir de agora, nelas só constarão dados pessoais com o consentimento das pessoas e com a possibilidade incluída de seleccionar os dados a exibir.
Em relação ao projecto de lei do Partido Socialista, parece-nos que ele tem questões relevantes mas que a proposta de lei do Governo é de superior quilate técnico e substantivo.
O projecto de lei do PS, em matéria de facturação detalhada, melhor teria andado se tivesse soluções equivalentes às do Governo, que, desde logo, fixa regras para conciliar os direitos e interesses em jogo. As empresas que fornecem acesso a redes ou prestam serviços de comunicações devem propor à Comissão Nacional de Protecção de Dados essa medidas de solução, essas regras de conciliação, com o parecer prévio o ICP e da ANACOM.
Em matéria de segurança pública, de defesa, de segurança do Estado e da actividade do Estado em matéria de direito penal, o PS, embora remeta o assunto para legislação própria, avança na conservação dos dados de tráfego e de localização em sede de infracções penais ou de utilização não autorizada dos sistemas de comunicação electrónica
Percebe-se e até se simpatiza com a premência do assunto nos dias que correm, percebe-se esta vontade de tratar rapidamente um assunto, que é o combate ao cibercrime, e nem sequer se pega aqui na questão da divergência de prazo que existe com a Convenção sobre o Cibercrime, do Conselho da Europa. Não se vai por aí.
Mas o que PSD entende também, tal como o Governo, é que esta questão será muito mais bem tratada, eventualmente até, em matéria de legislação processual penal. Se calhar, com a pressa, acabamos por conseguir uma solução que serve muito pior os interesses que, acreditamos, o Partido Socialista quer, de facto, servir.

O Sr. José Magalhães (PS): - Veremos!

O Orador: - Por fim, em relação à questão das comunicações não solicitadas, é de relembrar que esta matéria já foi tratada aquando da transposição da Directiva 2000/31/CE, sobre o comércio electrónico.

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Pode invocar-se, desde logo, que a transposição já foi realizada - e o que deseja, Sr. Deputado, será efectuado atempadamente, pode crer - e pode defender-se até que o spamming não é apenas matéria de protecção de dados, é também uma matéria publicitária, e, portanto, não vemos qualquer problema de inserção sistémica do tratamento da matéria. A própria Directiva autonomiza a norma, dirigindo-a a quem faça serviço de comercialização directa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós também! Não há é lei!

O Orador: - Já lhe tentei transmitir, embora não queira ouvir, que às vezes a pressa é inimiga nestas questões, mas, enfim, se calhar já não está em idade de mudar…

Risos do PSD e do CDS-PP.

Creio que não estamos ainda no mundo terrível das fábricas descritas, superiormente, por Máximo Gorki em A Mãe, na Metropolis de Fritz Lang. Temos é de evitar o risco do 1984 de George Orwell.
Por isso, a concluir, cito um conselheiro do Presidente Carter para a segurança nacional, que sobre os Estados Unidos da América dizia: "Temos de ter a capacidade de recolher informação sobre tudo, quer dos nossos inimigos, quer dos nossos amigos".
Será imoral fotografar o mundo? Convenhamos que há casos, seja nos Estados Unidos, na China ou nas Ilhas Fidji, em quem é imoral fotografar, escutar e manipular dados de cidadãos do mundo. Há até casos em que é imoral divulgar dados escutados de forma legítima. Por isso, pensamos também, nesta como noutras matérias, que o diploma do Governo é um passo seguro e um bom passo, estando, portanto, de parabéns o Governo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: De facto, bom seria que George Orwell, que se provou que era "bufo", tivesse em atenção esta questão da protecção dos dados pessoais.
Em relação a estas matérias, que efectivamente são complexas, gostava de transmitir algumas dúvidas que tive ocasião de recolher num parecer do Grupo de Protecção de Dados Pessoais da União Europeia, cujo presidente, Stefano Rodota, é uma pessoa bastante entendedora nestas matérias dos dados pessoais.
Devo dizer que, ao ler esse parecer (o Parecer 7/2000), e, inclusivamente, a Recomendação 1/99 da task force da Internet - e existem outros documentos muito importantes, que penso deverem ser considerados durante o aprofundamento deste debate -, ele anota, e aqui com inteira razão, que a Directiva (portanto, também o projecto de lei e a proposta de lei) não regula o tratamento de dados para uso de redes fechadas privadas, que, assim, cairão na Directiva 95/46/CE. Mas estas redes fechadas privadas são cada vez mais importantes para o cidadão no contexto do seu trabalho. Os riscos estão a aumentar e a ganhar especificidade, o que exige, portanto, que haja também um tratamento específico e não apenas aquele que é feito nos termos da Directiva 95/46/CE.
Aliás, o PCP tentou introduzir no Código do Trabalho alguma matéria para protecção dos dados dos trabalhadores (no trabalho existem redes fechadas privadas), mas o PSD esteve contra, preferindo que tivesse ficado lá aquele artigo indefinido, que diz que o patrão pode autorizar a utilização da Internet e, é claro, recolher os dados pessoais do trabalhador e fazer o seu perfil. Ora, a Directiva que querem transpor nada diz acerca disto e este grupo europeu anotou como importante esta questão.
Por outro lado, penso que só o projecto de lei do Partido Socialista é que contém a definição de "serviço público de comunicações" e parece-me que também é importante trazer isto para aqui, até porque, segundo diz esse grupo de trabalho, esta Directiva não se aplicará ao tratamento de dados pessoais relativos à prestação de serviços utilizando as redes e os serviços públicos de comunicações. Portanto, importaria analisar este assunto, porque me parece que o grupo de trabalho tem, efectivamente, razão.
Creio que também ficou por proteger o tratamento de dados pessoais através daqueles sites que são apenas sites de conteúdos e que não fazem a transmissão dos dados. Na verdade, penso que esta matéria também não pode ficar apenas regulada pela Directiva 95/46/CE.
O Sr. Deputado Gonçalo Capitão disse aqui que considerava correcto - embora eu pense de maneira diferente, também aparece no projecto de lei do Partido Socialista, porque resulta da Directiva - que ficasse definido que deveriam ser utilizadas as tecnologias necessárias para proteger os dados, tendo, no

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entanto, em conta os seus custos. Aqui acompanho o Grupo de Protecção dos Dados Pessoais da União Europeia e penso que isto se insere na linha do que disse o Sr. Deputado José Magalhães, o que me parece correcto, no sentido de que é preciso uma cultura de protecção de dados pessoais.
Nós, em Portugal, não temos essa cultura. Muitas vezes consultei a Internet e apareceram-me umas caixinhas a dizer que estava prestes - salvo erro era isto que estava escrito - a transferir cookies, sem eu saber o que aquilo queria dizer. De facto, agora, através do preâmbulo desta Directiva, pode verificar-se o perigo que há disso.
Também num contexto de globalização, a que eu acrescento, Sr. Deputado José Magalhães, "capitalista",…

O Sr. José Magalhães (PS): - Como não há socialista!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Qual é a outra?

A Oradora: - Sr. Deputado José Magalhães, eu acrescento, porque não temos essa, temos a capitalista.
Neste contexto, penso que deve ser exigido às empresas que usem as técnicas que efectivamente dêem mais garantias ao cidadão.
Ora, ainda neste contexto, o grupo de trabalho fazia uma proposta, muito mais interessante do que a que consta da Directiva, no sentido de que se introduzisse ao artigo 14.º um novo parágrafo, dizendo o seguinte: "A concepção e a selecção de tecnologias para tratamento de dados, incluindo o hardware e o software, respeitará o objectivo de não processar dados pessoais, ou de processá-los o mínimo possível, e facilitará o exercício dos direitos do sujeito dos dados. Sempre que possível, e sem que seja desproporcional a relação ao nível de protecção visado, devem ser usados dados anónimos e pseudónimos".
Penso que isto não é de forma alguma incomportável a quem, através das comunicações electrónicas, expande a sua actividade.
Há algumas outras questões que, creio, devem ser analisadas, nomeadamente em relação ao tratamento de dados de localização de serviços de valor acrescentado, porque indicam a localização geográfica. Julgo que a solução encontrada não é satisfatória.
Em princípio, o utilizador assinante deve ter controlo total sobre o seu tratamento. A regulamentação técnica desse direito deve ser incorporada no equipamento do utilizador assinante e não na rede. Penso que esta seria, de facto, a solução mais correcta, num caminho de efectiva protecção dos dados.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, a matéria relativa à protecção dos dados pessoais é, de facto, bastante importante. Deverá haver todo o cuidado na elaboração da lei, porque os perigos são realmente muito graves. O cidadão não pode estar sujeito a vigilâncias desta ordem, através da Internet, por isso pensamos que aquilo que não foi feito até agora, até ao debate na generalidade, excluindo o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados, deve merecer a nossa atenção para que saia daqui o melhor trabalho possível.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Agradeço que termine.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Estas novas tecnologias permitem sempre invasões da privacidade, nomeadamente quando quem detém as novas tecnologias são pessoas que visam outros objectivos que não o de garantir os direitos dos cidadãos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Os dois últimos diplomas que nos foram apresentados tratam, no fundo, da transposição da Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas.
Neste ponto, é oportuno recordar, desde já, que a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e o Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, além de outros documentos,

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consagram que "Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra ou reputação".
A própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem proclama que "qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência" e que "não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providencia que numa sociedade democrática seja necessária para a segurança nacional, a segurança política, o bem-estar económico do País, a defesa da ordem, a prevenção de infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e da liberdade de terceiros".
Conexionado com isto, está, naturalmente, o próprio segredo profissional relativo ao serviço de comunicações postais ou telegráficas ou telefónicas e a inviolabilidade da correspondência. Estas garantias asseguram e decorrem da liberdade de expressão.
De facto, o cidadão tem o direito de se corresponder, seja qual for o método que utilize, com total independência, segurança e sem receios do que quer que seja, designadamente sem receios de que a sua comunicação esteja a ser devassada.
É neste contexto que surge quer o projecto de lei n.º 208/IX, do Partido Socialista, quer a proposta de lei n.º 96/IX. Reportando-me, desde já, à proposta de lei, convém referir que esta afasta a matéria concernente às comunicações não solicitadas, na sequência de uma opção de tratamento que foi afirmada e seguida e que tem em vista que esta matéria seja efectivamente tratada no âmbito da transposição de uma outra directiva, a Directiva 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, o que, aliás, já se pode perfeitamente perceber de acordo com a correspondente autorização legislativa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está é "congelada"!

O Orador: - A Comissão Nacional de Protecção de Dados emitiu um parecer sobre o projecto do Partido Socialista que, como ampla e insistentemente aqui nos referiu o Sr. Deputado José Magalhães, precedeu a proposta de lei, sem que eu tenha conseguido perceber (a limitação é minha, seguramente) o porquê de tanta insistência nessa referência.
Sr. Deputado, poderia dizer-lhe que o Partido Socialista fez, neste aspecto, aquilo que, às vezes, fazem os atletas de competição: na ânsia de chegar em primeiro lugar, atrapalham-se no percurso e acabam por ser desclassificados. Não lhe vou dizer isso, mas, sinceramente, não percebi tanta insistência no facto de o projecto de lei ter chegado em primeiro lugar.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - É para brilhar!

O Orador: - Mas, o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados, que é um parecer extenso, chama a atenção para alguns aspectos que devem ser aperfeiçoados em sede de especialidade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sem querer, naturalmente, estar aqui a ocupar demasiado tempo com esta matéria, permito-me referir apenas dois desses aspectos: a necessidade de assegurar que a lei determine o dever de o fornecedor informar o titular dos dados quanto à sua possível utilização futura com finalidades publicitárias e a necessidade de prever a elevação das coimas para o dobro - é a sugestão - nos limites mínimo e máximo, quando estejam em causa condutas que indiquem a preterição de regras de segurança ou a violação do dever de confidencialidade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em conexão com estas matérias, o CDS-PP apresentou, na 1.ª sessão legislativa, o projecto de lei n.º 217/IX - Regime jurídico da obtenção de prova digital electrónica na Internet. Nele pretende-se regular a captação e conservação da prova relativa ao cibercrime. Daí que nos assista acrescida legitimidade para considerar o projecto de lei do Partido Socialista, neste particular concreto, insuficiente para o objectivo em causa.
Atente-se que o artigo 15.º - e é deste que, efectivamente, falamos - apenas prevê a conservação dos dados por um período de seis meses, ou mais propriamente, "(…) são conservados pelos operadores durante um período não inferior a seis meses".
Ora, esta matéria carece de maior abrangência e boa articulação com outros diplomas legais e, concretamente, com o próprio Código de Processo Penal,…

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O Sr. José Magalhães (PS): - Só que o Governo não age!

O Orador: - … tanto mais quando estão em curso, neste momento, estudos tendentes a alterações quer ao próprio Código Penal quer, também, naturalmente, ao Código de Processo Penal que visam actualizá-los e prepará-los para fazer face à criminalidade cometida por meios electrónicos e até, essencialmente, pela Internet.
O projecto de lei do CDS-PP é inovador no que diz respeito à recolha de prova e não só à sua conservação e antecipa até alguma matéria tratada na Convenção sobre Cibercrime, do Conselho da Europa, ainda não ratificada por Portugal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Só que o Governo não age!

O Orador: - Em suma, Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, parece-nos que o objectivo dos diplomas aqui em análise é o de assegurar protecção a todo o tipo de comunicações electrónicas, independentemente da tecnologia utilizada. É uma questão de segurança das redes e de fiabilidade do próprio serviço de comunicações, mas é mais do que isso, ou seja, é, igualmente, uma questão de salvaguarda do direito de personalidade dos cidadãos, do direito à intimidade da vida privada, do direito à privacidade, eu diria que é, inequivocamente, uma questão de liberdade.
A verdade, porém, como já deixei indiciado, é que nos parece que, sendo esse o propósito comum, o projecto de lei n.º 208/IX carece de algum rigor, já que faz a mera transposição da Directiva sem, simultaneamente, cuidar de fazer a necessária articulação com a legislação nacional conexa. Registo, não obstante, a comunhão de propósitos e intenções, o que, desde já, augura um trabalho profícuo em sede de especialidade e um diploma final que, seguramente, será técnica e funcionalmente adequado.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Assim seja!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da ordem do dia de hoje.
A próxima sessão plenária está convocada para amanhã, à hora habitual, isto é, às 15 horas, e terá um período da ordem do dia destinado a um debate com o Governo sobre ambiente e à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 231/IX, 232/IX, 210/IX, 164/IX, 233/IX e 353/IX e do projecto de resolução n.º 183/IX.
Está encerrada a sessão, Srs. Deputados.

Eram 20 horas.

Rectificação ao n.º 4, de 25 de Setembro de 2003.

- No Sumário, 2.ª col., parágrafo 4.º, onde se lê "e 237/IX - Alterações à Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro (Lei da Rádio)", deve ler-se "e 337/IX - Alterações à Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro (Lei da Rádio).

Rectificação ao n.º 5, 26 de Setembro de 2003.

- No Sumário, 2.ª col., parágrafo 3.º, onde se lê "e 237/IX - Alterações à Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro (Lei da Rádio)", deve ler-se "e 337/IX - Alterações à Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro (Lei da Rádio)".
- Na pág. 250, l. 11, onde se lê "Vamos, agora, votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 237/IX - Alterações à Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro (Lei da Rádio)", deve ler-se "Vamos, agora, votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 337/IX - Alterações à Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro (Lei da Rádio)".

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Manuel Joaquim Dias Loureiro

Página 784

0784 | I Série - Número 015 | 23 de Outubro de 2003

 

Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Mário Patinha Antão
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Antero Gaspar de Paiva Vieira
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Paulo José Fernandes Pedroso

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga
Jaime José Matos da Gama
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Eduardo Artur Neves Moreira
João José Gago Horta
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel Pereira da Costa
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Socialista (PS):
Ascenso Luís Seixas Simões
José Augusto Clemente de Carvalho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Nelson da Cunha Correia

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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