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Sexta-feira, 30 de Janeiro de 2004 I Série - Número 45

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE JANEIRO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Henrique Jorge Campos Cunha
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.
Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 92/IX - Adita novas substâncias às tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, que foi aprovada. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Adão Silva), os Srs. Deputados Luísa Portugal (PS), Adriana Aguiar Branco (PSD), Bruno Dias (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e Luís Fazenda (BE).
A Câmara discutiu, também na generalidade, o projecto de lei n.º 130/IX - Protecção das fontes dos jornalistas (BE), que foi rejeitado. Usaram da palavra os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Alberto Arons de Carvalho (PS) - que também fez a apresentação do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias -, Odete Santos (PCP), Luís Campos Ferreira (PSD), José Saraiva (PS), António Montalvão Machado (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Luís Fazenda (BE).
Foi apreciado o Decreto-Lei n.os 268/2003, de 28 de Outubro, que cria a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa e a Autoridade Metropolitana de Transportes do Porto, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2002, de 2 de Novembro [apreciação parlamentar n.os 63/IX (PCP)]. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Francisco Seabra), os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), Fernando Pedro Moutinho (PSD), Renato Sampaio e Miguel Coelho (PS), João Teixeira Lopes (BE), Isabel Gonçalves (CDS-PP), Bruno Dias (PCP) e Leonor Coutinho (PS).
A Câmara aprovou o voto n.º 127/IX - De pesar pela trágica morte de Miklos Fehér (PSD, PS, CDS-PP, PCP, Os Verdes e BE), tendo usado da palavra os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), José Lello (PS), Melchior Moreira (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Bruno Dias (PCP), bem como o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes) e o Sr. Presidente. No fim, a Câmara guardou 1 minuto de silêncio em memória do atleta.
Após os Srs. Deputados João Pinho de Almeida e Henrique Campos Cunha (CDS-PP) terem lido, respectivamente, os votos n.º 125/IX - De congratulação pela vitória de Manuel Centeno no circuito mundial de qualificação de bodyboard de 2003 (CDS-PP) e n.º 126/IX - De congratulação pelos bons desempenhos alcançados pelos concorrentes portugueses no campeonato do mundo de classe liberty de vela (CDS-PP) foram os mesmos aprovados. Sobre a

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forma como decorreram estas votações fizeram interpelações à Mesa os Srs. Deputados Ascenso Simões (PS) e João Pinho de Almeida (CDS-PP).
Na generalidade, foi aprovado o projecto de lei n.º 383/IX - Colocação de guardas de segurança metálicas nas vias de comunicação públicas, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas (PSD e CDS-PP)
Mereceu também aprovação o projecto de resolução n.º 199/IX - Estrutura e competências dos serviços da Assembleia da República (Conselho de Administração da AR).
Foi rejeitado, na generalidade, o projecto de lei n.º 384/IX - Cria a Agência Gestora da Floresta Nacional (AGFN), o Fundo de Reconversão Florestal (FRF) e as Unidades de Gestão Florestal (UGF) (PS) e foi aprovado o projecto de resolução n.º 206/IX - Medidas prioritárias para a defesa de uma floresta sustentável (Os Verdes).
Os projectos de lei n.os 341/IX - Assistência a banhistas (Os Verdes) e 406/IX - Promoção da segurança nos locais destinados a banhistas (PSD e CDS-PP) foram aprovados na generalidade.
A Câmara aprovou, ainda, o projecto de resolução n.º 207/IX - Renovação do mandato da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político (PSD, PS e CDS-PP).
Em votação final global, foram aprovados dois textos finais, um apresentado pela Comissão de Trabalho e Assuntos Sociais, relativo à proposta de lei n.º 100/IX - Aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, e outro apresentado pela mesma Comissão, relativo à proposta de lei n.º 101/IX - Cria o sistema integrado de avaliação do desempenho na Administração Pública, tendo o Sr. Deputado Artur Penedos (PS) produzido uma declaração de voto.
Por fim, a Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Ética autorizando igual número de Deputado do PS a prestarem depoimento.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra

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José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva

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Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha

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Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo expediente para anunciar à Câmara, vamos iniciar, de imediato, a ordem do dia, hoje preenchida com a apreciação de três diplomas, o primeiro dos quais é a proposta de lei n.º 92/IX - Adita novas substâncias às tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas. Penso que esta matéria é fortemente consensual e, por isso, a Conferência de Líderes decidiu distribuir apenas 5 minutos a cada grupo parlamentar e ao Governo para a sua discussão.
Para apresentar a referida proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Adão Silva): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é sabido, o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, estabelece o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas. O mesmo decorre, entre outros compromissos assumidos internacionalmente, da aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988, assinada por Portugal e

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ratificada por este Parlamento em 1991.
Nos termos do artigo 2.º daquele Decreto-Lei, as tabelas que lhe estão anexas, e que contêm as plantas, substâncias e preparações sujeitas ao respectivo regime, são obrigatoriamente actualizadas de acordo com as alterações aprovadas pelos órgãos próprios das Nações Unidas, segundo as regras previstas nas convenções ratificadas por Portugal.
À luz das disposições de Direito internacional aplicáveis, a Comissão de Estupefacientes das Nações Unidas, na sua 44.ª Sessão, deliberou sujeitar novas substâncias a controlo, nos termos da citada Convenção. Estou a referir-me às Decisões 44/1, 44/3 e 44/4.
Nos termos dos compromissos assumidos por Portugal a nível internacional e tendo em conta o preceituado no artigo 2.º do já referido Decreto-Lei n.º 15/93, importa proceder à actualização das tabelas anexas ao mesmo diploma.
Assim, dando cumprimento à Decisão 44/1, deve ser aditada a substância 2C-B na Tabela II e, dando cumprimento às Decisões 44/3 e 44/4, devem ser incluídas na Tabela IV as substâncias GHB e Zolpidem.
Apraz-nos registar, nesta oportunidade, a intensificação da sujeição de novas substâncias a controlo. Aliás, encontra-se também em preparação uma outra proposta de lei que visa a inclusão de uma nova substância entretanto decidida pela Comissão de Estupefacientes. Tal significa que se acentua, cada vez mais, o controlo do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, ao mesmo tempo que se encontra o justo equilíbrio com as necessidades de novas terapêuticas, por parte dos doentes, para fazer face às novas doenças com que todos os dias nos deparamos.
Mas, principalmente, tal intervenção significa o crescente empenho da comunidade internacional, em geral, e dos Estados-partes da referida Convenção, em particular, no combate ao tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
Ora, a inclusão das substâncias referidas nas correspondentes tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93 constitui mais um pequeno contributo para esse combate, em que este Governo está totalmente empenhado, como já foi, por diversas vezes, demonstrado.
Assim, o que se pede desta Câmara, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é a aprovação da presente proposta de lei, honrando-se, deste modo, os compromissos internacionalmente assumidos pelo Estado português, de modo a contribuir para o combate ao tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, ao mesmo tempo que se proporciona a terapêutica adequada a quem dela necessita.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Governo tomou a iniciativa de propor o aditamento às tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de três novas substâncias, a 2C-B - um alucinogénio -, o GHB, também conhecido como "ecstasy líquido" e hipnótico, e o Zolpidem, um sedativo e hipnótico usado como medicamento mas susceptível de causar dependência em situações de toma abusiva sem indicação terapêutica.
Este aditamento vem na sequência de outros anteriores e de acordo com alterações propostas e aprovadas nos órgãos próprios das Nações Unidas, de tal modo que estas substâncias ficam sujeitas aos condicionamentos e mecanismos de controlo previstos nos mesmos tratados.
É a terceira vez que o Governo propõe um debate a fim de aditar substâncias às referidas tabelas - e bem, no entender do Partido Socialista -, pela sua potencial perigosidade de consumo e porque entendemos que todas as medidas de redução e controlo da oferta são desejáveis.
No entanto, a estratégia de luta contra a droga e a toxicodependência a nível nacional não pode ficar apenas por estas medidas. E é em relação a todo este resto que temos um grande desconhecimento, ainda que tenhamos o relatório de actividades referente a 2002 mas que apenas foi publicado em Dezembro de 2003, com cerca de meio ano de atraso.
Na área da prevenção, pergunto, Sr. Secretário de Estado, como vão ser concretizadas, em 2004, as medidas de ligação à Rede Nacional de Escolas Promotoras de Saúde e à CCPES, Comissão de Coordenação da Promoção e Educação para a Saúde, se o Ministério da Educação está a desmantelar o seu sector de educação para a saúde?! A indefinição vivida durante 2003, numa intervenção em que a continuidade é fundamental, deixa-nos uma grande preocupação.
Por outro lado, gostava de saber como vai ser feita a ligação à escola e aos processos educativos, que sabemos serem fundamentais em termos de prevenção primária. O plano de acção previa que até 2002 fosse incluída a prevenção de consumos nos projectos educativos das 1300 escolas da RNEPS e que até 2004 esta prevenção seria alargada à totalidade das escolas. Não se realizou a primeira etapa prevista e a segunda, como é óbvio, não se realizará, tanto mais quanto a coordenadora desta Rede foi dispensada do

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Ministério da Educação há mais de um ano e ainda não foi substituída.
No concreto, repito, a Rede está a ser desmantelada, os técnicos estão a abandonar o projecto e, de facto, a desorientação reina no sector.

O Sr. José Magalhães (PS): - Lamentável!

A Oradora: - Em relação aos planos municipais de prevenção primária das toxicodependências, temos conhecimento de que, no fim de 2003, foram canceladas as assinaturas dos protocolos que iriam dar início ao seu desenvolvimento, por indicação expressa, em circular, da Direcção-Geral do Orçamento, que os diferiu para 2004. O processo de crescimento abrandou por razões financeiras e os projectos que já estão no terreno não estão a ser acompanhados, não se garantindo, portanto, o sucesso esperado para este programa.
Segundo o relatório de 2002 do IDT, houve, nas prisões, ligeira diminuição da capacidade das unidades livres de droga e o número de toxicodependentes nelas integrados diminuiu, quando, como sabemos, a população prisional ligada à toxicodependência é de 41% - é também um dado do relatório de 2002 - do universo dos reclusos condenados.
Por outro lado, conhecemos os impedimentos, por parte da maioria que apoia o Governo, em montar uma política eficaz de redução de danos em meio prisional, nomeadamente pela troca de seringas e pela distribuição de preservativos.
O já citado relatório mostra que a política de redução de riscos estava a ter sucesso, nomeadamente a nível da redução de mortes e da infecção pelo HIV na população prisional. Com este desinvestimento só podemos esperar conclusões de retrocesso, o que, nesta área, em concreto, poderá pôr em causa todas as melhorias anteriores da execução do plano de acção que, como sabemos, terá o seu horizonte e a sua avaliação em 2004.
Entretanto, não foram alargadas, como previsto no plano, a rede de equipas de rua e os centros de abrigo nas áreas metropolitanas.
Mais ainda: a nível regional, com uma expressão cada vez maior do problema da toxicodependência, assistimos a uma preocupante descoordenação entre as equipas de prevenção, as estruturas de tratamento e as comissões de dissuasão, que, aliás, têm estado sujeitas a um abandono injustificado, que mais preocupante se torna ainda porque são estruturas e equipas novas, responsáveis por implementar a nova política de descriminalização dos consumos.
Sr. Secretário de Estado, a estratégia delineada é boa, como provam os relatórios do OEDT e o seu próprio Governo; má é a forma como, neste momento, está a ser executada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco.

A Sr.ª Adriana Aguiar Branco (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 92/IX, em apreciação, visa aditar novas substâncias às tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
A inclusão destas substâncias nas tabelas anexas do referido Decreto-Lei, e que dele fazem parte integrante, resulta de alterações aprovadas pelos órgãos competentes das Nações Unidas e das regras previstas nas convenções ratificadas por Portugal.
Com efeito, a Comissão de Estupefacientes da Organização das Nações Unidas, em reunião de 7 de Março de 2001 e na sequência duma recomendação da Organização Mundial de Saúde, decidiu aditar à tabela anexa à Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971 as substâncias 2C-B, GHB e Zolpidem.
Nessa conformidade, esta proposta de lei adita à tabela II-A, anexa ao mencionado Decreto-Lei, as substâncias 2C-B e GHB e à tabela IV a substância Zolpidem.
Tanto a substância 2C-B como a GHB inserem-se nas chamadas "drogas sintéticas". São estimulantes do sistema nervoso central e provocam efeitos alucinogénios. São equiparadas às anfetaminas e existem na forma líquida e em pó.
A substância 2C-B produz efeitos eróticos e efeitos visuais intensos, como cores e objectos em movimento, provoca náuseas, tremores e nervosismo e o seu potencial danoso é muito elevado.
A substância GHB é também denominada "ecstasy líquido" e a sua utilização envolve, frequentemente, o uso de outras drogas, como sejam o álcool e o MDMA (ecstasy), aumentando muito a sua perigosidade.

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Provoca sonolência, vómito, espasmos e perda de memória temporária. A overdose provoca baixa de respiração, coma e mesmo a morte.
Esta substância está associada à ocorrência de um número significativo de mortes na União Europeia. Foram também registados, num período muito curto, inúmeros casos de overdose, em especial na Suécia, Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Bélgica, Finlândia e Noruega.
Porque é inodora e incolor, a GHB é fácil de dissimular, misturada com bebidas. Existem vários relatos de jovens que foram violadas após este tipo de consumo, já que, como ficou dito, provoca a perda de memória temporária.
A substância Zolpidem tem uso clínico e existem no mercado medicamentos que a contém. É um antidepressivo, ansiolítico, depressor do sistema nervoso central e provoca efeitos secundários como insónias, euforia e efeitos visuais. Quando não usada adequadamente tem efeitos de droga de abuso.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pela sua perigosidade e risco para a saúde pública, torna-se, assim, imperativo sujeitar estas substâncias a medidas de controlo e à aplicação de sanções, em caso de ocorrência de contra-ordenações na sua produção, tráfico ou consumo.
Acresce o facto, que é do domínio público, do grande aumento do consumo e tráfico destas drogas sintéticas, sendo, por tudo isto, urgente adequar a previsão legal às novas realidades, a fim de permitir o combate mais eficaz a este flagelo das sociedades actuais.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Até pela delinquência que muitas vezes aparece associada ao fenómeno da toxicodependência, entendemos ser da maior oportunidade, urgência e conveniência a aprovação deste diploma por esta Câmara.
Quero também dizer, rapidamente, usando o tempo que ainda me resta, que pensei estarmos a realizar uma discussão técnica e não política. Aliás, peço desculpa, Sr.ª Deputada Luísa Portugal, mas parece-me não ser este o momento oportuno para essa discussão.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - A Assembleia da República, que eu saiba, não é um laboratório!

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Efectivamente, esta matéria não suscita polémica quanto à substância da proposta e às substâncias nela referidas, porque se trata de actualizar a listagem das tabelas relativas à lei da droga actualmente em vigor e está em causa uma actualização decidida pelas Nações Unidas, por recomendação da Organização Mundial de Saúde.
De facto, não aprofundando nem repetindo aquilo que já foi dito, as já referidas substâncias - 2C-B, GHB e Zolpidem - devem ser introduzidas na lei actual. No que diz respeito a esta vertente específica das chamadas "drogas de síntese" importa aperfeiçoar e actualizar o seu enquadramento jurídico e legislativo e, naturalmente, o PCP nunca se pronunciou contra isso nem, à partida e em princípio, se pronunciará.
No entanto, por muito que isto incomode à Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco e considerando que, na Assembleia da República, estamos também, desde logo e antes de mais, para discutir política,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Julgar-se-ia!…

O Orador: - … temos de apreciar a acção do Governo. Aliás, como afirmámos aqui, no Plenário, num debate semelhante, realizado em Maio do ano passado, quando um diploma semelhante a este, com outras substâncias, foi apresentado à Assembleia, coloca-se a questão da acção concreta do Governo no combate à droga, para além da mera redacção de decretos. É porque, efectivamente, Sr. Secretário de Estado, em nosso entender, a existir o claro empenho de que o Sr. Secretário de Estado falou só se for na redacção de propostas de lei, porque aquilo que vemos traz-nos preocupações claras, profundas, legítimas e com razão de ser relativamente à acção concreta e à tomada de medidas por parte do Governo, no que diz respeito ao combate à droga e à toxicodependência.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Quais?!

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O Orador: - A questão que já foi aqui abordada, do cancelamento pelo Governo da celebração de protocolos com autarquias, no âmbito dos planos municipais de prevenção da toxicodependência, já foi até objecto, em Dezembro do ano passado, de um requerimento apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, relativamente ao qual esperamos ansiosamente a resposta e a explicação do Governo. Aquilo que entendemos é que, efectivamente, cancelar iniciativas com a importância destas, por ordem da Direcção-Geral do Tesouro, só pode ser alvo de preocupação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E não é menos alvo de preocupação para nós que, por exemplo - já que o Sr. Ministro da Saúde, sobre isto, nada diz, não aparece, é como se não existisse -, o Sr. Presidente do IDT, o Dr. Fernando Negrão, sobre esta matéria das drogas de síntese e do combate que o IDT pode e deve desenvolver em relação a elas, infelizmente, diga que temos de sensibilizar os técnicos para esta realidade, passando-lhes um atestado que nem vou qualificar.
Deixo à consideração dos Srs. Deputados o seguinte: na nossa modesta opinião, os técnicos, que, no terreno, tanto se têm debatido com as dificuldades existentes, estão mais do que sensibilizados e o que talvez falte é sensibilizar o Governo!…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sensibilizados, os técnicos já estão há muito tempo! É o Governo que deve ser mais lesto e mais efectivo na tomada de medidas e nas respostas aos problemas. E até deve ser mais rápido, Sr. Secretário de Estado, nas respostas aos requerimentos que os partidos desta Assembleia lhe apresentam. É que o que aconteceu ontem nesta Assembleia atingiu as raias do insólito e do caricato! Vejamos, Sr. Secretário de Estado: em 24 de Junho de 2003, três meses depois de ter terminado o prazo para a entrega, pelo Governo, do relatório anual sobre a situação do País em matéria de droga e de toxicodependência, nós perguntámos ao Sr. Ministro o que se estava a passar. Tinham passado três meses do prazo para a respectiva entrega e o relatório, que a lei obriga o Governo a apresentar, nunca mais chegava à Assembleia da República.
Ontem chegou a resposta a este requerimento de Junho do ano passado, dizendo que o relatório pelo qual perguntávamos, três meses depois do fim do prazo para a sua entrega, já tinha sido entregue na Assembleia da República em Dezembro do ano passado. Foram só nove meses para responder a um requerimento e para entregar um documento que a lei exige que o Governo apresente aos Deputados a tempo e horas! É lamentável! É insólito! Seria caricato e ridículo se não fosse tão grave e se não demonstrasse tão exemplarmente o que tem sido a actuação do Governo nesta matéria.
Não basta, por isso, actuar por decreto, é importante e necessário actualizar a lei. Aperfeiçoar as duas tabelas é necessário, mas não é suficiente, aliás, Sr. Secretário de Estado, é claramente insuficiente, tratando-se mesmo de um recuo quanto à política e à actuação concreta do Governo nesta matéria. Portanto, aprovada que estará a proposta de lei apresentada para actualizar a lei, mantêm-se, no nosso entender, as fundadas razões para a nossa preocupação e para a oposição do PCP à actuação que o Governo tem desenvolvido até agora.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que agora analisamos destina-se, única e exclusivamente, a dar cumprimento às obrigações que Portugal assumiu na sequência de convenções internacionais que subscreveu, sobretudo as convenções relativas a estupefacientes e a substâncias psicotrópicas no âmbito da ONU.
É isso que estamos a discutir, embora pense que da parte do Governo e, de certeza, da maioria há toda a disponibilidade para, num debate com tempos próprios e marcado exactamente para isso, discutir a estratégia nacional de luta contra a droga. Não podemos é aproveitar um debate que tem um âmbito específico para tentarmos, a martelo, introduzir uma discussão…

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O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sobre as intervenções do PCP, por enquanto, é o PCP que decide!

O Orador: - … que não pode ser feita com a substância e a profundidade que uma questão dessas merece.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Portanto, não aproveitamos este tipo de matérias para tentar meter qualquer coisa pelo caminho!
Do que se trata, como foi dito em todas as intervenções, é de acrescentar às tabelas de substâncias, nomeadamente no cumprimento daquilo que foi determinado pela Comissão de Estupefacientes da Organização das Nações Unidas, sob sugestão da Organização Mundial de Saúde, três novas substâncias: a 2C-B, a GHB e o Zolpidem.
Trata-se de substâncias com características diferentes, mas que têm sido introduzidas no consumo, sobretudo a GHB, por parte de jovens, o que, como é óbvio, é preocupante.
A GHB é talvez a mais popular destas três substâncias, sendo vulgarmente conhecida como o ecstasy líquido. É uma substância que, hoje em dia, muitos jovens, na União Europeia mas não só, também a nível mundial, conhecem por este ou por outro nome, seja easy lay, seja fantasia (trata-se de terminologias usadas no comércio destas drogas e pelos jovens).
O efeito perverso destas drogas foi também já referido, pelo que não interessa estar a enunciá-lo, mas é de assinalar que nos últimos anos, segundo dados oficiais, o consumo destas drogas sintéticas originou três mortes na Dinamarca, entre Julho e Setembro de 2000, uma morte na Áustria, duas mortes na Alemanha e quatro mortes na Bélgica. Todas estas mortes decorreram de hipertermias entre 41ºC e 46ºC, o que prova que são drogas altamente perigosas e que merecem esta consubstanciação na tabela de substâncias, com o regime especial e com todas as determinações que daí decorrem.
Estas drogas merecem também a nossa atenção, mais ainda no âmbito da União Europeia, quando sabemos, segundo dados do último barómetro no âmbito da Comunidade, de Abril de 2002, que a esmagadora maioria dos cidadãos europeus considera que a estratégia de combate à droga deve ser feita no âmbito europeu. Portanto, devem ser tidas em conta, principalmente, directrizes europeias no combate à droga, não estratégias nacionais desgarradas.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Isto é algo de importante que devemos reter.
Para finalizar, quero dizer que o combate à droga, principalmente no que diz respeito a novas substâncias, anda sempre um passo atrás, pelo menos, da investigação e da descoberta de novas drogas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Neste momento, anda quilómetros atrás!

O Orador: - Portanto, andando sempre o combate à droga um passo atrás, porque anda sempre atrás das substâncias que entretanto vão sendo descobertas, é fundamental que se actue rapidamente, que estas tabelas sejam actualizadas sempre com a maior rapidez possível, que este tipo de substâncias seja acompanhado desde logo, que não seja preciso, como aconteceu em relação a este tipo de drogas, que morram vários cidadãos, principalmente jovens, em vários países da União Europeia para que depois se consiga fazer este avanço.
É fundamental que actuemos de uma forma mais rápida, e esse deve ser o desígnio de todos, à parte das polémicas que resultam do ponto de vista político-partidário.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Não cuidando agora de fazer o balanço do que tem sido a política de combate à toxicodependência e de ressocialização de toxicómanos deste Governo e desta maioria, sabe-se, desde já, em primeiro lugar, que tem havido um retrocesso generalizado desde que este Governo está a orientar esse processo e, em segundo lugar, que estamos à espera de uma prometida avaliação, quer pelo Sr. Ministro da Saúde quer pelos dirigentes dos organismos competentes nesta matéria.
Portanto, não cuidando agora de fazer esse balanço, essa discussão e essa avaliação, devo dizer-lhe, Sr. Secretário de Estado, com o devido respeito, que V. Ex.ª não é um mero notário que vem à Assembleia

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da República homologar orientações de instituições internacionais. Esperava ter ouvido na sua intervenção a justificação desta proposta de lei, não que a apresentam meramente porque organismos internacionais aditaram novas substâncias às tabelas…! E esta necessidade jurídica vem acompanhada da percepção de que há uma explosão no consumo de drogas sintéticas. Ora, sobre isso não ouvimos uma política, uma preocupação, uma orientação, uma única ideia sobre o que está a acontecer na nossa sociedade.
Mal ou bem, o Bloco de Esquerda, há alguns meses, debateu, nesta Câmara, um projecto de lei sobre esse tipo de substâncias, o ecstasy e outras, as chamadas drogas sintéticas.
Mal ou bem, propôs algumas políticas, algumas formas de controlo do fenómeno. O que verificamos é que, muitos meses depois, o Governo não tem qualquer iniciativa nesta área, os organismos competentes não nos apresentam qualquer política nesta área e o Sr. Secretário de Estado limita-se a vir aqui, qual tabelião, a apresentar a transcrição de ordenamentos jurídicos internacionais. Com certeza, com maior ou menor controvérsia, obterá a aprovação nesta Câmara, mas o Sr. Secretário de Estado disse-nos absolutamente nada sobre esse fenómeno, que cada vez mais se expande na nossa sociedade e que particularmente atinge sectores mais jovens.
Sobre este assunto quero apenas registar a ausência de política e a mera burocracia. Tem sido assim a gestão, por parte do Ministério da Saúde, de um dos fenómenos mais dramáticos, mais graves, política e socialmente mais complexos na sociedade portuguesa.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, dou por encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 92/IX, que será votada ainda hoje, na altura própria.
Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 130/IX - Protecção das fontes dos jornalistas (BE).
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda responde a uma situação de guerra, na Europa e nos Estados Unidos da América, em particular, mas noutros países também, pela liberdade de informação.
Em 1995, os três mais importantes jornais da Bélgica e a principal rede de televisão foram objecto de um mandado de busca. Depois disso, os domicílios privados de cinco jornalistas foram objecto também de buscas, porque um tribunal entendeu que a protecção das fontes de investigações que esses jornalistas e órgãos de comunicação social desenvolviam tinha de ser prejudicada.
Em Julho do ano passado, portanto, há seis meses, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, decidiu condenar o Estado belga por esta actuação. Aliás, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já tinha, antes mesmo, numa outra decisão, sublinhado que a protecção das fontes dos jornalistas é um dos princípios incontornáveis constitutivos da liberdade de imprensa.
O Conselho da Europa, numa resolução de há três anos, disse exactamente o mesmo, ou seja, que não se pode conceber a liberdade de informação e, em consequência, o desenvolvimento profissional competente da actividade dos jornalistas, que é o pilar de referência dessa liberdade, sem haver protecção das fontes.
É certo que essa protecção é uma escolha optativa que decorre da relação privilegiada entre o jornalista e as fontes. O Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, por exemplo, diz que a prioridade na publicação de notícias é a divulgação da fonte, mas é um direito do jornalista, uma escolha sua e do seu órgão de comunicação, poder ressalvar a confidencialidade da fonte. Ora, no que respeita à lei portuguesa, a revisão do Código de Processo Penal, em 1987, introduziu, no artigo 135.º, a possibilidade de um tribunal verificar a legitimidade da escusa do jornalista em relação à revelação da fonte e de, portanto, fazer caducar essa protecção. No entanto, é um direito que, como não podia deixar de ser, está instituído na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 38.º.
Quero lembrar às Sr.as e aos Srs. Deputados, em particular aos que vão votar contra este projecto de lei, que Vital Moreira e Gomes Canotilho, na interpretação que fazem da Constituição da República, escreveram, e cito, que "a lei não pode limitar o direito ao sigilo profissional dos jornalistas; apenas lhe cumpre garantir a sua protecção."
Sublinho, também, que há uma diferença específica fundamental entre a generalidade dos regimes de sigilo profissional como o do médico, que visa proteger a informação sobre o seu doente,…

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O Sr. Jorge Neto (PSD): - E o do advogado!

O Orador: - … e o dos jornalistas, que visa garantir o privilégio do acesso à fonte.
O caso Watergate ou tantos outros nunca seriam investigados se não houvesse a garantia da confidencialidade da fonte.
Por isso, é indignante que, à luz da lei portuguesa, possa ocorrer a perseguição contra jornalistas, como a jornalista Paula Martinheira, que escreveu no Diário do Notícias um artigo de investigação e que é hoje obrigada, por uma decisão do Tribunal da Relação de Évora, a revelar a fonte sujeitando-se, se não o fizer, a uma pena que pode ir de seis meses a 3 anos de prisão, ou o jornalista Manso Preto, que tem escrito artigos no Expresso e noutros órgãos de comunicação sobre casos de droga e de eventual cumplicidade de autoridades policiais no tráfico de droga em Portugal e que, evidentemente, nunca o poderia fazer se revelasse a sua fonte.
Sublinho, ainda, no tempo em que é preciso defender uma imprensa de referência, que a liberdade de imprensa, de que é parte constitutiva a capacidade de fazer uma investigação, de cruzar fontes e de obter informações, e o recurso à protecção da fonte como sigilo profissional não eximem nem o jornalista, nem o jornal, a rádio ou a televisão da responsabilidade fundamental pelo que publicam. E, portanto, esta matéria é totalmente desconexa do debate que temos sobre o segredo de justiça ou sobre outras matérias.
O jornalista é sempre responsável por aquilo que publica e é sempre responsabilizável por aquilo que publica. Fosse mentira, fosse calúnia ou fosse infâmia, pode ser sempre perseguido juridicamente por quem seja afectado.
O princípio da responsabilidade é, no entanto, suportado pelo princípio incontornável da liberdade de informação.
Por isso, a lei portuguesa deve ser corrigida neste artigo do Código de Processo Penal para cumprir as determinações do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para responder ao apelo do Conselho da Europa e para que novos processos não continuem a ser a ponta do ataque contra a liberdade de informação em Portugal.
Sobre isso, decidiremos ao votar o projecto de lei que o Bloco de Esquerda agora vos propõe.

Aplausos do BE e do Deputado do PS Vicente Jorge Silva.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco Louçã, vou dar a palavra ao relator, Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, para apresentar o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.º 130/IX.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, naturalmente não terei tempo para ler o relatório na íntegra, mas penso que é oportuno, nesta fase do debate, chamar a atenção para dois aspectos fundamentais: o primeiro tem a ver com o historial do direito ao sigilo profissional da comunicação social e, em particular, dos jornalistas na legislação portuguesa; o segundo refere-se ao enquadramento internacional deste direito.
Em relação à história do direito ao sigilo profissional, importa referir que até 1971 não havia na legislação portuguesa qualquer referência a este direito. Ela surgiu apenas na legislação de 1971, mas as limitações a este direito eram tão vastas que esvaziavam de qualquer conteúdo útil esse preceito.
Em 1975, a Lei de Imprensa consagrou o direito ao sigilo profissional de uma forma absoluta, tendo sido, inclusive, integrado no texto constitucional em 1982, no artigo 38.º, n.º 2, alínea b).
O direito ao sigilo profissional ficou, de facto, consagrado como direito absoluto até à entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, que, como sabem, está hoje ainda em vigor.
No Estatuto do Jornalista, de 1999, o direito ao sigilo foi alargado, entendendo-se como extensível aos documentos na posse dos jornais, dos jornalistas e das empresas de comunicação social.
Na Europa, a grande maioria dos países reconhece, de facto, este direito. Alguns países conferem-lhe consagração constitucional, como é o caso da Suécia, da Espanha e de Portugal. Em relação ao seu grau de protecção, alguns países reconhecem um direito absoluto, como é o caso da Áustria, da Finlândia, da Suécia e da Alemanha, enquanto que outros admitem algumas excepções a esse direito, considerando-o um direito apenas relativo, como é o caso da Dinamarca, da Noruega e da Grã-Bretanha. Noutros países, ainda, a protecção ao direito tem uma natureza meramente deontológica, como são os casos da Bélgica, da Grécia, da Itália e de Malta, ou jurisprudencial, como é o caso da Holanda.
Ao longo das últimas décadas, este direito tem sido amplamente referenciado no conjunto de documentos, quer legislativos quer deontológicos, relacionados com a comunicação social e com os direitos

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dos jornalistas. Cito a Declaração dos Direitos e Deveres dos Jornalistas, adoptada em Munique pelo conjunto das organizações internacionais de jornalistas; uma resolução do Parlamento Europeu de 1994; uma decisão da Conferência Ministerial de Praga, promovida pelo Conselho da Europa, também de 1994; mas, sobretudo, importa referir a recomendação de 2000, aprovada pelo Comité dos Ministros do Conselho da Europa, na sequência da sentença Goodwin contra a Grã-Bretanha, de 1996, recomendação essa que aconselha os Estados a prever uma protecção explícita e clara do direito dos jornalistas de não divulgarem informações que identifiquem a sua fontes, embora preveja também um conjunto de circunstâncias em que possa prevalecer a divulgação de informações identificando as fontes de informação, nomeadamente, se existir, e cito, "um imperativo preponderante de interesse público e se as circunstâncias apresentarem um carácter suficientemente importante e grave."
Ou seja, há, de facto, uma tendência para que o direito ao sigilo profissional dos jornalistas, a nível europeu, não seja considerado de uma forma absoluta mas, sim, de uma forma relativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco Louçã os Srs. Deputados Odete Santos, Luís Campos Ferreira e José Saraiva.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, estou esclarecida quanto aos objectivos do diploma e de acordo em relação a algumas questões que colocou.
Queria, contudo, colocar-lhe uma questão muito concreta. O artigo 2.º do vosso projecto de lei, que altera o n.º 4 do artigo 135.º do Código de Processo Penal, refere que o disposto no número anterior só se aplica quando for a última e única forma de prevenir, directamente, um crime. Acontece que este artigo do Código de Processo Penal diz respeito a processos que estejam nos tribunais e estabelece uma forma que tem de ser respeitada. Não existe nenhuma forma de processos de prevenção criminal, a não ser quanto aos menores, o que não tem nada a ver com isto. Quer dizer, não se pode pôr um processo no tribunal a dizer: "Sr. Dr. Juiz, vai ser cometido um crime, instaure um processo!".
Nesse sentido, gostava que me explicasse como é que isto pode ser feito, na medida em que este artigo diz respeito apenas às autoridades judiciárias e não às de polícia criminal. O que pretendo saber é se, com esta redacção, não se pode correr o risco de, em relação às entidades policiais, dependentes do Executivo, quando têm notícia de um crime e querem preveni-lo e para isso precisam de saber a fonte, o respectivo superior hierárquico - por exemplo, o director da Polícia Judiciária - ordenar a quebra do segredo profissional. Gostaria de saber se não tem medo desta solução.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Francisco Louçã informou a Mesa que pretende responder em conjunto aos três pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, ouvi com atenção a sua exposição e gostava de lhe colocar três questões.
A primeira tem a ver com aquilo que é a função indiscutível dos tribunais de fazer justiça. Essa é a sua função. Não considera que esta limitação, este privilégio singular que o Bloco de Esquerda pretende atribuir aos jornalistas pode condicionar essa função dos tribunais?
Em segundo lugar, tem consciência de que esta limitação, este espartilho, este condicionamento excessivo pode até conduzir à condenação de um inocente?
Por último, uma pergunta que não está directamente relacionada com o diploma que hoje trazem a debate mas que tem uma relação conexa e vem no seguimento do discurso do Sr. Presidente da República na cerimónia de abertura do ano judicial. Está ou não o Bloco de Esquerda de acordo com a vinculação dos jornalistas ao segredo de justiça?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, algumas das questões já aqui colocadas, designadamente a de saber se, ao abrigo da legislação actual, as entidades policiais poderão

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invadir e tentar perscrutar o sigilo profissional dos jornalistas, parece-me que estão fora do âmbito deste projecto de lei.
Do meu ponto de vista, não há nenhuma sagração do direito à fonte e o meu grupo parlamentar acolhe o projecto de lei do Bloco de Esquerda. Contudo, no momento em que o meu próprio partido se disponha a apresentar à Assembleia da República um projecto de revisão do Código de Processo Penal, considera ou não o Sr. Deputado Francisco Louçã que deve haver um enquadramento do artigo 135.º com outros e com matérias aparentadas, digamos assim, ao segredo profissional, ao segredo de justiça, etc.?
Percebo que esta vossa posição é de algum modo simpática. Os exemplos que deu, da jornalista e do jornalista, não são exactamente iguais, antes são bastante diferentes. O que se teme é o momento em que pode haver a tentação de invadir redacções para não só procurar saber quem é a fonte de quem mas também recolher elementos que constituem um manancial de trabalho dos próprios jornalistas - e já há casos desses.
A minha pergunta é, enfim, a de saber se o Bloco de Esquerda está disponível para trabalhar melhor esta questão no âmbito da revisão do Código de Processo Penal.

O Sr. Presidente: - Para responder em conjunto aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, agradeço as questões colocadas pelos três Srs. Deputados a que responderei imediatamente.
Em primeiro lugar, Sr.ª Deputada Odete Santos, não deve ficar qualquer dúvida de que nos referimos estritamente ao âmbito de aplicação judiciária desta matéria e que não é admissível, em nenhum caso, que as entidades policiais - e referiu-se, como exemplo, ao Director da Polícia Judiciária - possam ser intérpretes ou agentes de qualquer intervenção sobre a ligação entre os jornalistas e as suas fontes.
Assim - e isto responde também à primeira questão do Deputado Luís Campos Ferreira -, não defendemos esta norma como um privilégio específico de uma classe profissional. Não seria aceitável como privilégio de classe. Defendemos a norma como a forma de consagrar o direito constitucional de informação. Entendemos que o princípio inviolável da liberdade de informação é inseparável da responsabilidade que é adquirida pelo jornalista no seu contacto de confiança com as suas fontes, mantendo, naturalmente, a responsabilidade última do jornalista por aquilo que escreve e pelo qual responde perante a sociedade.
Desse ponto de vista, nenhuma norma destas pode ser acusada de conduzir à condenação de um inocente porque todos, jornalistas ou não, temos o dever de cooperação com a justiça e, portanto, de evitar que qualquer inocente possa ser condenado.
A questão do jornalista e do segredo de justiça é um outro debate e não vou fazê-lo aqui; é um debate importante, actual, mas não é este.
Este debate é sobre o fundamento da liberdade de imprensa, da liberdade de informação na sua ligação com os jornalistas. Por isso mesmo, este debate introduz-se por via de uma proposta de alteração ao Código de Processo Penal, Sr. Deputado José Saraiva, que deve levar a considerar um conjunto de outras normas que têm implicação deste ponto de vista. Esperamos que, nesse contexto, possa haver outros contributos e que a melhor solução possa ser encontrada - estou de acordo consigo.
Não quero deixar de sublinhar, no entanto, para quem leia o artigo 135.º do Código de Processo Penal, que há um segredo que não tem nenhuma restrição em Portugal, que é o segredo religioso. Quanto a esse, nenhum tribunal está em condições de exigir ou sequer verificar as condições da escusa à prestação de informações, porque entende preservar-se um valor da intimidade da relação entre as duas partes.
No caso em apreço, com este projecto de lei há um valor superior que não é apenas o da intimidade da relação e da confiança, é o valor da confiança de todos e de todas em relação à liberdade de informação, ou seja, em relação à liberdade no nosso país.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, permitam-me que registe aquilo a que o Sr. Deputado Francisco Louçã respondeu e aquilo a que não respondeu.
Posto isto, uma pequena correcção: não é apenas o segredo religioso que não é restringido, é, também, o segredo de Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como foi dito, com esta iniciativa, o Bloco de Esquerda pretende alterar o n.º 4 do artigo 135.º do Código de Processo Penal.

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Ora, o assunto que tratamos - a inevitabilidade da quebra do segredo profissional em determinadas situações - tem sido abundantemente tratado na doutrina, tem sido criteriosamente abordado na jurisprudência (até na jurisprudência constitucional) e foi alvo de profundo debate no processo legislativo que antecedeu a revisão de 1995 do Código Penal.
Para que todos os Srs. Deputados entendam o assunto de que estamos a tratar, vejamos o que está estabelecido: as entidades referidas no n.º 1 do artigo 135.º do Código de Processo Penal (ministros de religião ou confissão religiosa, advogados, médicos, jornalistas e outras pessoas que possam invocar o segredo profissional) podem escusar-se a depor sobre factos abrangidos precisamente por esse segredo profissional. É o direito ao silêncio ou ao sigilo, como lhe chamou o antigo Deputado desta Casa, e também Professor, Costa Andrade.
O direito processual penal reconheceu, portanto, este verdadeiro direito de recusa de depoimento.
Ora, no momento em que este direito é exercido (o que sucede quando o seu titular invoca o segredo e recusa o depoimento perante determinada autoridade judiciária), esta deve proceder a averiguações sumárias, as quais conduzirão necessariamente a uma de duas conclusões: ou o juiz (sempre o juiz e não o Ministério Público) decide que a recusa é ilegítima ou infundada, e, neste caso, o depoimento é ordenado, não podendo ser recusado, cabendo, no entanto, recurso de tal decisão; ou o juiz decide que a recusa é legítima, e, neste caso, ou se prescinde do depoimento ou se solicita ao tribunal superior que aprecie a questão, que pondere os valores em jogo, que aplique o princípio da prevalência do interesse preponderante e, se for caso disso, que ordene a quebra do segredo profissional e o consequente depoimento.
Note-se que o legislador quis que fosse o tribunal superior àquele em que o incidente é suscitado a apreciar e decidir esta questão, não tanto (como se diz no douto relatório elaborado pelo Sr. Deputado Arons de Carvalho) para se obter uma maior independência, mais e antes, segundo creio, para se conseguir um acrescido grau de certeza e acerto na decisão.
E não se esqueça ainda que a decisão a proferir deve ser precedida de parecer emitido pelo organismo representativo da profissão relacionada com o segredo em causa, seja ele, por exemplo, a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Médicos ou o Sindicato dos Jornalistas.
Ao tribunal superior competirá, pois, sopesar os interesses em confronto, na busca do interesse dominante ou prevalente.
Somos da opinião, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a regra deve ser esta: o tribunal só pode impor a quebra do segredo profissional se verificar que os interesses que o segredo visa proteger são manifestamente inferiores aos prosseguidos com a sua revelação. Para isso, há-de o tribunal reflectir sobre múltiplas circunstâncias: o peso relativo das representações em confronto, a natureza e a gravidade da infracção, as consequências da revelação, etc.
Chegados aqui, sabemos que isto é assim e que isto se aplica, harmoniosamente, a todos os segredos profissionais, excepto, como dissemos, ao segredo religioso e ao segredo de Estado, por razões óbvias, pacíficas e que agora não vêm ao caso.
Chegados aqui, dizia eu, o que pretendem os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda? Que esta construção equilibrada só se aplique aos jornalistas quando ela seja a única e última forma de prevenir, directamente, um crime.
Srs. Deputados proponentes, vou ser prático. Estou convencido de que o Bloco de Esquerda aceita que esta sua iniciativa baixe, sem votação, à 1.ª Comissão, como por vezes é praxe parlamentar, para ser integrada no processo de reflexão e de audições que se vem fazendo a propósito de eventuais alterações aos Códigos Penal e de Processo Penal. Mas, se não for esse o caso, não quero deixar de transmitir desde já à Câmara a nossa opinião concreta sobre o projecto de lei.
Ele é, antes de mais, redutor para o próprio segredo profissional dos jornalistas, pois que só regula a hipótese da sua quebra como forma de prevenir directamente um crime.
Então, pergunto: e em relação a um crime já cometido e que está sendo investigado, não pode ser quebrado o segredo profissional?
Então, e a questão coloca-se assim, como os senhores colocam, em termos de absoluta paridade perante a iminência de qualquer crime?
É que, em tese, Srs. Deputados, o projecto de lei apresentado não permitiria, por exemplo, ordenar um depoimento de um jornalista quando se estivesse a investigar um acto terrorista e houvesse fundados elementos para supor que ele, jornalista, era conhecedor da identificação do criminoso, mas o segredo profissional do jornalista já poderia ser quebrado como forma de evitar a prática de um crime de injúrias, por exemplo.
Por isso, somos levados a concluir que este projecto é muito, mesmo muito deficiente.
Por outro lado, Srs. Deputados, é o próprio projecto que, pretendendo (pretendendo só aparentemente, diga-se) proteger as fontes dos jornalistas, as mistura com o segredo sobre factos, sobre o conhecimento de determinadas informações, na medida em que, no articulado proposto, nem uma palavra se diz a

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propósito de tal distinção, nos casos em que esta exista. É que a fonte de informação pode ser o próprio facto investigando.
Acresce que o projecto de lei esquece uma recomendação, para que alertou o Sr. Deputado Arons de Carvalho, adoptada pelo Comité de Ministros, como bem se diz também no parecer aprovado na 1.ª Comissão, na qual se assinala que o direito e a prática dos Estados-membros devem prever uma protecção explícita e clara do direito dos jornalistas de não divulgarem informações que identifiquem as suas fontes, excepto se existir um imperativo preponderante de interesse público e se as circunstâncias apresentarem um carácter suficientemente importante e grave.
Ora, isto nada tem a ver com a iniciativa dos Deputados do Bloco de Esquerda.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não me levarão a mal, mas, porque não esqueço que o projecto de lei foi apresentado muito pouco tempo depois de um Sr. Jornalista ter sido detido, isso bem demonstra que a iniciativa obedeceu, apenas, a um puro critério de demagogia política e a um puro critério de aproveitamento de uma situação concreta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí que o projecto tenha sido feito à pressa, sem reflexão e sem qualquer estudo. E nós não nos comprometemos com diplomas feitos à pressa, irreflectidos e não estudados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, o Partido Social Democrata defendeu, e defenderá sempre, responsavelmente, as conquistas democráticas da liberdade de imprensa, das garantias do sigilo profissional dos jornalistas, do reforço e da consolidação desses valores, absolutamente indispensáveis num Estado de direito democrático. Mas jamais se comprometeria com puras demagogias - rigorosamente, com puras demagogias.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta altura do debate, gostaria de deixar três ou quatro notas. A primeira é esta: o projecto de lei do Bloco de Esquerda não visa que se volte ao direito absoluto ao sigilo profissional, tal como existiu entre 1975 e 1987. O Bloco de Esquerda não o propõe, pelo que permanecerá o conflito insanável entre a legislação, ou seja, o Código de Processo Penal e o Estatuto dos Jornalistas, por um lado, e o ponto 6 do Código Deontológico dos Jornalistas, onde se diz que "o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação (…)", por outro.
A segunda nota é a seguinte: houve, entre 1987 e hoje, ou seja, no período em que tem estado em vigor esta norma do Código de Processo Penal, apenas duas ou três situações em que o tribunal obrigou a revelar a fonte. Isto em 17 anos de vigência do actual Código de Processo Penal - e não estou a julgar o mérito desses casos concretos -, ou seja, estas duas ou três situações não me parecem, de facto, excessivas. Portanto, os tribunais têm usado com parcimónia o direito que lhes é conferido.
Digo-o da mesma forma como considero que a legislação existente entre 1975 e 1987, ou seja, a consagração absoluta do direito ao sigilo, não terá constituído, então, qualquer obstáculo relevante à realização da justiça.
A legislação em vigor, que hoje se visa alterar, não constitui, assim, qualquer limitação grave à liberdade da comunicação social ou ao direito dos jornalistas. Se assim não fosse, o nosso país não teria sido considerado, em 2001, como um dos países do mundo com maior liberdade de imprensa por uma reputada organização mundial ligada ao sector.
Por outro lado, não me parece tecnicamente correcta a formulação contida no projecto de lei do Bloco de Esquerda, que refere "a única e última forma de prevenir, directamente, um crime". É que, no momento em que tem de decidir se deve ou não obrigar o jornalista a revelar a sua fonte, o juiz pode não saber se essa revelação é ou não decisiva, se é essa ou não a única e a última forma de prevenir o crime.
No entanto, podemos reflectir sobre a possibilidade de aperfeiçoar o articulado do Código de Processo Penal nesta matéria, tendo a iniciativa do Bloco de Esquerda o mérito, que é evidente, de nos convocar

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para esta reflexão. Ora, uma vez que o articulado do Código de Processo Penal está, neste momento, em início de apreciação e, nos próximos meses, vai decorrer seguramente uma reflexão sobre essa matéria, penso que esse será o momento adequado para essa discussão, enquadrada certamente no debate mais alargado que, então, será feito sobre matérias com alguma conexão com este direito dos jornalistas, podendo eventualmente nessa altura encontrar-se, a partir da iniciativa do Bloco de Esquerda, uma formulação mais correcta do que aquela que hoje existe.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Salvo melhor opinião, a solução que o Bloco de Esquerda hoje aqui nos apresenta não faz sentido e vem fora de tempo. Em primeiro lugar, porque a nossa lei prevê já - e, de resto, como poucas - de forma muito sensata e adequada os termos em que o sigilo profissional vem regulado.
Os jornalistas podem, já hoje, salvaguardar as suas fontes, ou seja, em regra os jornalistas não têm de revelar as suas fontes e só poderão ser obrigados a fazê-lo mediante decisão judicial, sempre justificada. De resto, numa lógica que é equivalente à de outras profissões que estão obrigadas ao segredo profissional, de entre as quais os médicos, os advogados e outras.
De todo o modo, compreendemos a preocupação do Bloco de Esquerda. É que, na verdade, o Bloco de Esquerda legisla em função daquilo que será a abertura do telejornal da noite seguinte, em função da primeira página do jornal do dia seguinte, enfim, em função da comunicação social. Por isso, o Bloco de Esquerda está dependente da comunicação social.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do Deputado do Bloco de Esquerda João Teixeira Lopes.

O Orador: - Daí que a função primeira desta iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda seja obviamente agradar à comunicação social, na expectativa de, com isso, poder obter um ou outro favor, ao abrigo de um regime que, de todo o modo, repito, não se justifica e que a lei, de todo o modo, já prevê.
O regime actualmente existente aplica-se indistintamente a todos os profissionais que estejam obrigados a segredo profissional no que concerne à invocabilidade do segredo e ao regime da quebra do mesmo, com uma excepção, neste último caso, no que respeita ao segredo religioso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E não deixa de espantar que o Deputado Francisco Louçã queira aqui comparar, por exemplo, o segredo da confissão, numa vocação que é religiosa, com o segredo profissional dos jornalistas. Quem confunde o segredo da confissão, de uma confissão feita por alguém que tem fé perante um padre, na base da religião que professa, com o segredo profissional de um jornalista, não faz a mínima ideia do que está aqui a falar.
Acresce, em segundo lugar, Sr. Deputado Francisco Louçã, como é óbvio e se impõe basicamente a cada um de nós, suponho, que não se deve legislar sob pressão de situações concretas, como, de resto, resulta das intervenções muito sensatas, recentes mas não só, do Sr. Presidente da República, algumas das quais na base de situações em que até viu envolvido o seu nome. Foi o próprio Sr. Presidente da República, com muita sensatez, repito, o primeiro a referir que não devem ser as situações do momento a motivar a iniciativa legislativa.
Na verdade, como já aqui foi referido, desde logo, pelo Sr. Deputado Montalvão Machado, há aqui uma motivação concreta. O Bloco de Esquerda, pela data em que apresenta a sua iniciativa e pelos exemplos dados pelo Sr. Deputado Francisco Louçã na sua intervenção, procurou, nada mais nada menos, do que alterar a lei num sentido que viria a aproveitar, sem dúvida, a uma jornalista, em concreto, que, também em concreto, estava envolvida num processo judicial. Ora, isso é inaceitável, é querer transformar a Assembleia da República numa espécie de primeira instância de recurso com poderes extraordinários, porque com poderes legislativos. Sr. Deputado Francisco Louçã, esse é um papel que certamente não nos cabe, por muito que o Sr. Deputado o queira.
De resto, até porque, mesmo nesse caso concreto, o sistema funcionou. E por que é que funcionou, Sr. Deputado Francisco Louçã? É verdade que houve uma Sr.ª Jornalista que foi condenada em primeira instância numa sanção penal por não querer revelar aquela que foi a sua fonte. Mas, de todo o modo,

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também não é menos verdade que essa jornalista em sede de recurso teve vencimento e, por isso, essa decisão foi revogada. Ou seja, o sistema funcionou.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E o sistema funcionou no plano do direito, na base de quem tem de aplicá-lo, que são os tribunais, sem precisar de uma "ajudinha" do Bloco de Esquerda. Por muito que isso seja uma situação de favor que pudesse beneficiar alguém, Sr. Deputado Francisco Louçã, não faz qualquer sentido.
Mais, Sr. Deputado Francisco Louça: o Sr. Deputado parece até querer esquecer exemplos manifestos de excessos que ocorrem também na comunicação social, como ocorrem, porventura, no exercício da acção política, como no exercício de todas as profissões.
Sr. Deputado Francisco Louçã, o Sr. Deputado parece esquecer que ocorrem todos os dias - para dar alguns exemplos que estarão mais em cima da mesa - divulgações de peças processuais inteiras nas páginas dos jornais (peças processuais de processos que estão sob segredo de justiça), divulgações de transcrições de escutas de conversas telefónicas que não deveriam ocorrer e contra as quais o Sr. Deputado aqui, muito justamente, muitas vezes, se manifesta.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quando lhe convém!

O Orador: - Quando lhe convém, naturalmente!
O Sr. Deputado esquece diligências judiciais investigatórias relatadas ao pormenor, o Sr. Deputado esquece despachos judiciais contendo referências a dados nominais divulgados em jornais, revistas e canais de televisão, o Sr. Deputado esquece muito mais.
O Sr. Deputado quer acabar com a única forma presente na lei que permitirá, em alguns casos, mesmo nos mais escandalosos, fazer justiça e que nem sequer é um regime de excepção que penalize particularmente os jornalistas, porque é equivalente àquele que obriga médicos, advogados e outras profissões, porque são situações excepcionalíssimas em que apenas mediante decisão judicial se justificaria essa divulgação.
Portanto, Sr. Deputado Francisco Louçã, para terminar, quero dizer-lhe o seguinte: o CDS-PP defende intransigentemente a liberdade de imprensa e o dever de informar que incumbe a todos os jornalistas. Defende-o intransigentemente e em nenhum momento permitirá que ele seja posto em causa, até porque está consagrado constitucionalmente como direito fundamental.
Mas o CDS-PP, Sr. Deputado Francisco Louçã, defende também intransigentemente outros direitos com consagração constitucional, que são os direitos de personalidade, dos quais o direito ao bom nome, o direito à defesa da honra e o direito à defesa da imagem, direitos que, por vezes, saem lesados na base daquilo que é o exercício do outro direito da actividade jornalística.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É aquilo a que, como o Sr. Deputado sabe, no plano do Direito, se chama conflitos de direitos. E, nos termos da lei, os conflitos de direitos resolvem-se dando relevância àquele que é o mais importante, cedendo aquele que tem menos relevância, só que esse juízo só cabe aos tribunais, não cabe ao Bloco de Esquerda, não cabe a nenhuma bancada da Assembleia da República.
Sempre que esteja em causa a violação de um direito de personalidade, por acção do direito de informar, por acção da liberdade de imprensa, então, tendo em conta os interesses em causa, isto é, dois direitos igualmente consideráveis, estimáveis e com consagração constitucional, caberá aos tribunais decidir, num quadro que é legal, que existe, que é adequado, que é sensato, que protege os jornalistas mas protege também os cidadãos, no exercício da defesa de um outro direito ainda mais fundamental, a defesa do próprio Estado de direito. Só assim funcionará sem ser em função de destaques televisivos, cachas nos jornais, aberturas de telejornais.
Sendo assim, sabemos que estamos a prestar um bom serviço ao nosso país, estamos a prestar um bom serviço à Assembleia da República, enquanto legisladores, e, quanto mais não seja - o Sr. Deputado sabe isso muito bem -, nunca permitiremos que soluções insensatas como estas sejam levadas a cabo.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que o artigo 135.º do

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Código de Processo Penal deveria ser alterado, porque não se pode tratar da mesma maneira o segredo profissional dos jornalistas, o segredo profissional dos advogados e outras espécies de segredos profissionais, uma vez que as motivações na base de cada segredo são diferentes.
Entendemos que o jornalismo de investigação, o jornalismo sério, cumpre, de facto, a liberdade e o dever de informar e contribui para a realização do Estado de direito democrático quando, tantas vezes, o que interessa ao aparelho do Estado é a opacidade.
O jornalista que investigou o assassinato de Aldo Moro disse que se não tivesse tido a protecção das fontes e não tivesse podido publicar essa investigação por recear a quebra das fontes, o Estado só teria informado que Aldo Moro tinha sido assassinado e mais nada.
Por isso, este jornalismo de investigação cumpre uma tarefa social e tem um objectivo importantíssimo, e tal como o então director do El Pais, Cebrián - não sei se ainda o é -, disse num debate que se fez em Espanha sobre esta questão, não pode haver quebra de sigilo profissional em relação a estes jornalistas.
De qualquer forma, é também algo audacioso dizer que não há limites nenhuns. Parece-me que, pelo menos, há um limite, decorrente do Código de Processo Penal, que é o limite da veracidade dos factos ou, pelo menos, de que o jornalista fez um esforço para alcançar essa veracidade.
Esse é um dos limites e o outro é, efectivamente, a realização de um bem público. Por isso, entendemos que o n.º 3 do artigo 135.º do Código de Processo Penal tem esta interpretação em relação a este jornalismo.
Agora, relativamente à questão que suscitei, a resposta não a esclareceu, não foi respondida, pelo que torno a referi-la.
Sr. Deputado António Montalvão Machado, se calhar, concordará comigo em que não há prevenção do crime de injúrias, isso é uma coisa inimaginável. V. Ex.ª referiu-o mas, de facto, isso não existe. Uma pessoa não vai avisar que "no dia tal, às tantas horas, vou injuriar fulano assim, assim". Isso não existe, repito.
Sr. Deputado José Saraiva, V. Ex.ª não ouviu o que eu disse. Eu jamais disse que na lei actual era a Polícia Judiciária. Na lei actual é a autoridade judiciária, Ministério Público e juiz, e a questão que coloquei tem toda a razão de ser: é que se o objectivo é o que aqui está tinha de ser dada uma outra redacção e uma outra solução.
Isto porque quem faz prevenção criminal são os órgãos de polícia; as polícias fazem prevenção, o Ministério Público não, ele nem sequer tem fiscalização da actividade extra-processual das polícias, porque esta competência foi-lhe retirada.
Sr. Deputado Francisco Louçã, V. Ex.ª respondeu-me que não quis isso, mas é o que aqui está. Uma coisa é o que V. Ex.ª quis, outra coisa é o que está escrito, e o que está escrito "atira" a quebra do segredo profissional para as polícias, porque é aí que se faz a prevenção, que se tem conhecimento de que pode haver um crime e se tomam medidas, e é para lá, repito, que a redacção proposta por VV. Ex.as "atira" a quebra do segredo profissional.
Sr. Deputado José Saraiva, vá ler a Lei Orgânica do Ministério Público, vá ler a Lei de Investigação Criminal e verá quem é que previne crimes, neste sentido de prevenção que aqui está.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estando de acordo em que talvez seja preciso tornar mais claras estas garantias dos jornalistas, que, na nossa opinião, se podem recusar a depor sem que com isso possam ser acusados de crime de desobediência. Depois, virão outras consequências, que também o director do El País referia, sendo esse outro limite que o próprio jornalista aceita, como a de poder ser demandado como arguido ou poder ser demandado num processo cível. Então, ele que tem duas opções: ou revela as fontes, para não ser condenado, ou leva até ao fim a sua luta e não as revela.
É assim que entendemos esta questão. E reforço, perante o "franzir de sobrancelhas" do Sr. Deputado José Saraiva, que a questão da prevenção do crime se faz nas polícias e não há nenhum processo que se possa pôr no tribunal a dizer "Sr. Juiz, vai acontecer isto assim, assim, tome uma injunção para obrigar fulano a revelar as fontes".
Aliás, se o artigo do jornal já diz que vai haver um crime, para que é que é preciso mais?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, tivemos, até agora, uma discussão curiosa: a direita assestou baterias tanto na ignorância pura à cerca dos factos que se passam no País quanto numa construção ideológica - não seria de esperar outra coisa! - acerca da perfeição da ordem em que vivemos.

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Tudo está bem e nada pode ficar melhor!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Dizia-nos, há pouco, o Sr. Deputado António Montalvão Machado, enleado nas suas palavras, que "é uma construção equilibrada e que estamos no mundo perfeito".
Depois, indigna-se - ele e o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo - porque se responde a acontecimentos. Pois este Parlamento tem de viver numa "torre de marfim" que ignore os acontecimentos! O povo, o que se passa nos tribunais, as dificuldades, os problemas, a experiência da lei são-nos irrelevantes, não nos interessam, não nos ensinam nada!
Ora, ensinam, e ensinam que a lei está a ser aplicada, ao contrário do que foi dito pelo CDS-PP, não em circunstâncias em que a jornalista em causa foi isenta dessa obrigação por um recurso (ignorância pura!), mas, pelo contrário, mantendo o Tribunal da Relação de Évora uma decisão para a obrigar a revelar as suas fontes.
E o problema não é tanto saber, olhando para o processo Casa Pia, se a aplicação desta lei, como agora nos foi anunciado, deveria querer dizer que quem revelou as escutas deve ser perseguido, deve ser obrigado pelo tribunal a revelar a fonte, como propõe o Partido Popular, e para todos os desmandos que ocorreram na imprensa tablóide durante o caso Casa Pia, outros tantos processos, diz a direita.
Pelo contrário, todos os jornalistas que tenham cometido qualquer violação das regras da protecção do bom nome são por isso totalmente responsáveis; no que não são responsabilizáveis é na obrigação de revelar as suas fontes, porque isso significará que, desse caso para todos os outros, se generaliza o fim do acesso à informação, e, em nome do abuso, acaba-se com a liberdade de imprensa. Isso, Srs. Deputados da maioria de direita, é inaceitável! É absolutamente inaceitável!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Quando me dizem que é preciso perseguir o jornalista, essa é a deriva possível do erro da lei, mas muito mais do que o erro desta lei é o curso que está a ser seguido na Europa, é o curso que está a ser seguido nos Estados Unidos.
Por que outra razão teria o Tribunal de Estrasburgo que invectivar um governo, membro da União Europeia, com fortes tradições de liberdade de imprensa, para mudar o seu procedimento e acabar com a perseguição aos jornalistas? Por que outra razão teria o Conselho da Europa de fazer exactamente o mesmo?
Ora, é porque não há construção equilibrada que, face à aprendizagem concreta do que se está a passar, se impõe uma correcção. Naturalmente, ela deve ser discutida com todo o detalhe para preservar este direito superior e para que não haja este absurdo de haver uma espécie de consenso silencioso de que o padre que houve a confissão de que vai ser cometido um crime não é obrigado a revelá-lo, mas o jornalista que fala do escândalo financeiro ou do escândalo na sociedade não pode ter uma relação com a sua fonte que lhe permita fazer a sua investigação.
É essa anomalia que é inaceitável e, por isso, a lei deve ser calibrada e deve permitir que esse valor superior, protegido juridicamente, tutelado por um tribunal e garantido constitucionalmente, que é a liberdade de imprensa, em todas as suas aplicações e sem qualquer limite, feche esta porta aberta à devassa, à prepotência e à pressão sobre a actividade dos jornalistas.
Isso, sim, é o que se discute neste projecto! Não se discutem aberturas de telejornais, não estamos a considerar aqui que a comunicação social não tem critério. Terá o seu critério! Paulo Portas já não se senta nessa bancada, Sr. Deputado Nuno Melo! Mas o que sabemos é que, face aos factos, esta correcção, o princípio ponderado da reflexão sobre a melhor forma de fazer esta correcção, deve começar, queira ou não queira a maioria e a direita.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sinceramente, não tinha ideia de fazer uma segunda intervenção, mas esta última intervenção do Sr. Deputado Francisco Louçã assim mo impõe.
Sr. Deputado, a sua segunda intervenção não tem nada que ver com a primeira. Não foi nada disso que V. Ex.ª disse aqui.
V. Ex.ª disse que alguém quer acabar aqui com a liberdade de imprensa?! V. Ex.ª disse! É da sua boca! Quem é que anda a perseguir os jornalistas? Foi V. Ex.ª que o disse! Mais ninguém aqui disse isso!

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Sr. Deputado, ainda V. Ex.ª era muito jovem, muito novo, e já o Partido Social Democrata defendia, defende e vai defender, a liberdade de imprensa e a protecção do sigilo profissional dos jornalistas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Esse é um momento que V. Ex.ª não nos retirará na história.
V. Ex.ª disse que na "torre de marfim" está tudo perfeito, que não se deve mexer em nada. Não foi nada disso que eu disse! Não ouviu ou não quis ouvir! O que eu disse foi que a solução preconizada pelos senhores é deficiente. Se quiserem fazer baixar a vossa iniciativa à 1.ª Comissão sem votação, lá estaremos para a integrar no âmbito dos trabalhos de reflexão e audições. Isto está escrito!
V. Ex.ª disse que desconhecemos a realidade, que desconhecemos o que se passa nos tribunais. Sr. Deputado, há 25 anos que ando nos tribunais e o senhor, se calhar, nunca lá entrou! Ou não é assim? Conheço a realidade judiciária portuguesa como as minhas mãos, e o senhor não! O senhor fala de ouvir, fala para impacto social.
Eu conheço a realidade e o sistema a que se chegou, o sistema que está implantado, a realidade é esta.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Mais modéstia!

O Orador: - Aliás, todas as bancadas - repito, todas -, desde o PCP, passando pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP, todas criticaram esse seu projecto de lei. É um projecto de lei deficiente e, apesar de não quer, vou chamar-lhe mesmo medíocre. É um projecto de lei sem qualidade técnica, é um projecto sem ambição, é um projecto puramente demagógico.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Também para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Francisco Louça: Concordo com o Sr. Deputado quando diz que a Assembleia da República não tem de ignorar os acontecimentos. Não tem, manifestamente! Mas o que a Assembleia da República também não tem de fazer nem pode fazer é legislar, na pendência de acções judiciais, em função dessas acções judiciais para alterar a legislação aplicável e, com isso, condicionar a decisão que, eventualmente, o julgador entenda tomar.
Isso é que a Assembleia da República não pode fazer, Sr. Deputado Francisco Louçã, porque a Assembleia da República não legisla para amigos. A Assembleia da República não pode, por si só ou através de qualquer dos Srs. Deputados, de cada vez que algum seu conhecido é objecto de uma acção judicial (porventura, até militante do partido), para evitar o que é o normal curso da justiça, alterar as regras do jogo, alterar a lei e com isso defender em concreto essa pessoa.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não diga disparates!

O Orador: - Sabe porquê, Sr. Deputado? Porque a lei é por razão, por essência, geral e abstracta. Aplica-se a toda a gente e é elaborada em função de todos e não de nenhum caso concreto. E quem não sabe isto - usando uma expressão sua, Sr. Deputado - também não sabe coisa nenhuma.
É por essa razão que lhe volto a reafirmar que sempre que essa seja a motivação legislativa, para além das deficiências da solução que já foram apontadas, terá o Sr. Deputado desta bancada a maior e a mais frontal oposição.
Deixo-lhe apenas uma última nota. Não se pede aqui aos jornalistas nem mais nem menos do que se pede aos advogados e aos médicos. Também os médicos, tal como os jornalistas, não têm de revelar aquilo de que têm conhecimento pelo exercício da sua profissão, do mesmo modo que os advogados não têm de revelar o que lhes seja comunicado também no exercício da sua profissão. Agora, em alguns casos, há razões que são de ordem pública e, sendo de ordem pública, são muito superiores àquilo que é um qualquer mero interesse particular e podem justificar, perante ponderada decisão judicial, que essa reserva seja levantada. A menos, Sr. Deputado, que o senhor desconfie muito dos tribunais, como parece que manifestamente é o caso. Mas, para nós, os tribunais, como órgãos de soberania, são um princípio fundamental do sistema basilar do Estado de direito. Por isso, também por esta via, não os queremos pôr em causa.

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não creio que seja necessário, para discutir uma matéria delicada e séria, o recurso ao impropério sistemático, mesmo que ele seja altamente adjectivado, como foi o caso da intervenção do Sr. Deputado Montalvão Machado.
O seu "longo calvário" pelos tribunais não o habilita mais do que aos outros presentes aqui para discutir aquilo que é da vida, aquilo que é de juízo e o que não é de juízo. Devo dizer que ouvi muito pouco desse juízo na sua intervenção. Nesse aspecto, talvez a mediocridade tenha várias áureas e essa tenha sido uma delas.
Que a nossa solução possa ser deficiente, está no seu legítimo direito de o considerar. Agora, que a queira enxovalhar, por falta de argumento e por um uso de uma autoridade que não tem, manifestamente diminui a capacidade política da sua bancada.

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Já nada direi sobre a construção intelectual da intervenção do Sr. Deputado Nuno Melo, porque desafia algumas das regras mais elementares da lógica…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - A sua, certamente!

O Orador: - … e até do direito, de que se esforça aqui por nos dar um magistério.
Como é evidente, nunca há uma lei retroactiva para aplicação a um caso concreto. E, ao que consta, dos casos dos jornalistas que aqui foram aventados, um deles creio até que foi delegado ao congresso do Partido Popular. Veja bem os amigos que o Bloco de Esquerda tem! Veja bem!

Vozes do BE: - Exactamente!

O Orador: - Isto é público, veio nos órgãos de comunicação social!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discuta-se o mérito da solução, que mérito tem ou que demérito possa ter, mas a reacção, o impropério, a invenção de que a Assembleia da República, na óptica do Bloco de Esquerda, seria uma espécie de instância de recurso para o processo judicial é não só o desnatamento do debate, mas desnaturar completamente qualquer argumento sólido e sério.

Aplausos do BE.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sobre a ordem de trabalhos?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Reflexamente, Sr. Presidente.

Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.

Tem que ver somente com esta afirmação que Sr. Deputado Luís Fazenda fez…

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado quer dar um esclarecimento à Câmara?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sim, Sr. Presidente, mas é brevíssimo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de lembrar ao Sr. Deputado Luís Fazenda um princípio constitucional, o da aplicação da lei mais favorável ao arguido, que, não implicando a retroactividade, de todo o modo beneficia o arguido. Logo, por via legislativa, se a lei for mais favorável ao arguido é efectivamente aplicada, desde que na pendência de caso concreto.

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O Sr. Presidente: - É, de facto, um esclarecimento à Câmara.
Não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 130/IX. Ainda hoje o votaremos.
Passamos agora ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, que trata da apreciação do Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de Outubro, que cria a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa e a Autoridade Metropolitana de Transportes do Porto, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2002, de 2 de Novembro [apreciação parlamentar n.º 63/IX (PCP)].
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Sr.as e Srs. Deputados: As Autoridades Metropolitanas de Transportes constituem há muito uma ideia que vimos propondo e defendendo. É uma antiga reivindicação do PCP, já desde a década de 1970, a criação de instituições coordenadoras dos sistemas de transportes nas áreas metropolitanas.
Foi nessa perspectiva, de forma coerente e consequente, que apresentámos o nosso projecto de lei sobre esta matéria, aliás, um dos primeiros projectos de lei que deram entrada nesta Legislatura.
Meses mais tarde, por seu turno, o Governo apresentou também a sua proposta nesse sentido. Mas uma proposta que, sendo de autorização legislativa, veio "fechar a porta" à discussão aberta e aprofundada que o Parlamento deveria ter feito. E assim tudo se passou sob a alçada exclusiva dos gabinetes do Governo.
O resultado veio a ser a demonstração da razão que tínhamos no alerta que então fizemos, durante o debate na generalidade: um infeliz exemplo de como uma importante e necessária iniciativa pode ser desvirtuada até se tornar uma medida de consequências gravosas para as populações.
Porque se as Autoridades Metropolitanas de Transportes constituem uma componente muito relevante de uma linha estratégica para o sector e o sistema de transportes, então, é essa linha estratégica que vai fazer toda a diferença. E este decreto-lei que vem criar as Autoridades Metropolitanas de Transportes é enquadrado, em vários pontos essenciais do seu articulado, por uma estratégia orientadora que não vem trazer justiça, nem eficácia, nem sustentabilidade.
O que temos visto, na prática - e voltamos a ver neste decreto-lei -, é uma política de flagrante desresponsabilização do Estado, num domínio que é determinante para o futuro de qualquer sistema de transportes: o modelo de financiamento desse sistema.
Coloca-se, em primeiro lugar, as verbas resultantes das receitas tarifárias; em segundo, os orçamentos das autarquias; só depois, e finalmente, as verbas do Orçamento do Estado.
É a consagração do princípio puro e duro do utilizador/pagador (aliás, expressamente incluído no articulado), que mesmo hoje domina a política deste Governo, que já hoje resulta nestes inaceitáveis aumentos dos preços dos transportes e que vai penalizar ainda mais os utentes deste serviço público.
Veja-se, aliás, o que aconteceu no próprio dia da tomada de posse da Autoridade Metropolitana de Transportes do Porto. A primeira notícia foi o aumento das tarifas.
Entretanto, o Governo e a maioria vão falando em incentivar a utilização do transporte público. Só falta que nos digam que é com esta estratégia que vão atrair pessoas aos milhares para a opção do transporte colectivo.
A verdade é que já não é, nem nunca foi, possível estruturar e desenvolver uma rede eficaz de transportes colectivos a partir de uma estratégia definida em função da procura e da rentabilidade comercial. Simplesmente porque, a médio prazo, o resultado é o desaparecimento, puro e simples, dos serviços que não são comercialmente rentáveis para o operador!
De resto, é isso que já hoje estamos a observar com a supressão de carreiras de transportes colectivos na AML, ou ainda com este autêntico "recolher obrigatório" que a Carris está a impor à cidade de Lisboa.
E o que a vida está a demonstrar é que a famosa estratégia da "adequação" da oferta à procura verificada, a par da "adequação" das tarifas aos custos de exploração, se está a traduzir, afinal, em cada vez menos passageiros, com cada vez menos oferta de transportes, mas a pagar cada vez mais!
Neste país, onde os utentes dos transportes são já hoje na Europa quem mais paga nas tarifas do transporte colectivo, esta política que o Governo insiste em prosseguir, "carregando nas tintas", é mais do que uma estratégia aberrante para o sector - é uma clamorosa injustiça para as populações.
Por outro lado, tal como há mais de um ano chamámos a atenção, este decreto-lei, atribuindo às AMT a pesadíssima tarefa de aplicar a prestação de indemnizações compensatórias aos operadores, vem definir os orçamentos municipais como fontes de receita dos regimes de financiamento a aplicar. O que levantará ao poder local esta inevitável penalização: ou fragiliza ainda mais as já hoje difíceis perspectivas financeiras, ou, então, fica com o odioso de cobrar aos munícipes uma taxa de transportes públicos para pagar aquilo que o poder central tem a obrigação e o dever de assumir. A alternativa é, mais uma vez, o aumento

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dos preços!
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sendo verdade que este diploma coloca o Governo a "assobiar para o ar" em matéria de responsabilidades de financiamento, não é menos verdade que, quando se trata de definir as regras e as decisões concretas em sede de autoridade metropolitana, aí o Governo volta a aparecer no controlo pleno da situação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - É caso
Senão vejamos: subordina-se as AMT à política, à orientação, à superintendência do Governo; vincula-se o poder local às directrizes aí definidas, garante-se a presença maioritária do Governo nos conselhos de administração e remete-se para um carácter não deliberatório mas consultivo o papel dos conselhos gerais.
Ou seja, os tais "parceiros" do Governo, que são os municípios das áreas metropolitanas em questão, ficam confrontados com esta perspectiva espantosa: passam a financiar o sistema de transportes; subordinam-se às estratégias de planeamento definidas na sua ausência; e, entretanto, lá vão tendo esse "privilégio" de ir manifestando ao Governo, num conselho consultivo, a sua humilde opinião sobre o que vai acontecendo, para o Governo depois ponderar e decidir!
Aliás, ainda no tocante aos conselhos gerais, mantém-se esta flagrante violação da própria Lei de Bases dos Transportes Terrestres, que é a de "fechar a porta" à presença e à participação dos utentes do serviço público de transporte colectivo e aos próprios trabalhadores das empresas do sector.
É caso para perguntar, Sr. Secretário de Estado: que relutância é esta, que medo é este que os senhores têm em ouvir os trabalhadores e os utentes dos transportes? Porventura, incomoda-vos assim tanto contar com a intervenção, com o contributo daqueles que diariamente vivem e sentem a situação que se vive no sector?
Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados da maioria, o desafio que vos deixamos e a obrigação que a lei estabelece são ambos muito claros: ouçam o que têm a dizer os utentes e os trabalhadores, cumpram a lei em vigor. Se já o tivessem feito, provavelmente teríamos evitado as graves decisões que foram tomadas nesta matéria e que já motivaram os justos protestos e as acções de luta a que temos vindo a assistir, como são exemplo a jornada de ontem pelos utentes dos serviços públicos contra o aumento dos transportes ou a luta dos trabalhadores da Carris em defesa daquela empresa, que hoje mesmo passou por mais uma greve, lutas estas que naturalmente daqui saudamos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Já afirmámos que a criação das Autoridades Metropolitanas de Transportes é uma medida necessária. O objectivo geral e abstracto deste decreto-lei, ao instituir estas entidades, é, naturalmente, um objectivo que acompanhamos.
Mas é indispensável, em nosso entender, corrigir aspectos que são claramente negativos e que, com a devida alteração, poderão permitir a constituição de autoridades que sirvam efectivamente os objectivos que é necessário cumprir.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP já apresentou na Mesa da Assembleia da República um conjunto de propostas de alteração que visam contribuir para esse aperfeiçoamento. Cabe agora aos Srs. Deputados responder ao desafio do PCP e discutir, em sede de especialidade, o que ainda não foi discutido.
Pela nossa parte, a intervenção que desenvolvemos é a oportunidade para essa discussão.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP pediu a apreciação parlamentar do diploma que criou as Autoridades Metropolitanas de Lisboa e Porto, invocando questões que não fazem sentido, quando o que está em consideração é a constatação e a efectiva criação das autoridades metropolitanas de transportes.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Não ouviu nada!

O Orador: - O trabalho só agora começou, o importante ainda está por fazer, mas só neste momento é que é possível dar início a uma efectiva política de articulação e coordenação dos transportes nas duas

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grandes áreas metropolitanas.
Hoje, o PCP devia estar a elogiar o Governo por ter tido a coragem de levar para a frente esta profunda reforma, que não será só das estruturas e organizações, mas sobretudo das mentalidades - reforço das mentalidades. Mas o PCP fica sempre incomodado quando se concretizam mudanças estruturais do País. Já sabemos que nestas ocasiões preferem olhar para a árvore em vez de verem a floresta à sua frente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Sr.as e Srs. Deputados: Este é um bom momento para se fazer novamente este debate, porque finalmente foram constituídas as Autoridades Metropolitanas de Transportes.
Com a publicação deste diploma, em Outubro de 2003, e após o período de seis meses de instalação destas autoridades, a de Lisboa e a do Porto, temos, ao fim de 13 anos, finalmente, a consagração legal de uma intenção já enunciada e prevista na Lei de Bases dos Transportes Terrestres, de 1990, onde expressamente se previa a criação de uma comissão/comunidade metropolitana de coordenação de transportes.
Mas as Autoridades Metropolitanas de Transportes servem para quê? São, afinal, apenas a consagração na lei de mais um organismo da Administração? Não, são, efectivamente, uma oportunidade de dar um novo rumo, com mais rigor e coordenação, ao planeamento, execução e fiscalização das infra-estruturas e serviços públicos de transporte?
Acredito sinceramente que as boas ideias e as propostas consagradas no texto final do diploma das autoridades metropolitanas possam ser concretizadas de uma forma faseada, gradual e, sobretudo, com autoridade!
Recordemo-nos o que eram as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto há 10 anos, ou mesmo o que eram estas regiões na década de 80, e ao lembrarmo-nos do que foi o caminho percorrido, teremos todos de reconhecer o salto de gigante que foi dado na qualidade dos serviços praticados pelos diversos operadores de transporte, nomeadamente de passageiros, bem como na concretização de inúmeras infra-estruturas e alguns interfaces.
Mas, infelizmente, hoje em dia, apesar das medidas tomadas, há menos pessoas a utilizaram os transportes colectivos de passageiros e mais a usarem o transporte individual. Tal deve-se só ao aumento generalizado e mundial de motorização das pessoas e à melhoria das condições económicas individuais que proporcionam a cada vez mais cidadãos a possibilidade de adquirirem uma viatura individual? Sabemos que não!
Como quase todos os estudos e investigadores indicam, não é o facto de os cidadãos terem um maior acesso ao transporte individual e ao investimento nas infra-estruturas rodoviárias que justifica sequer a maior parte das causas que levam os portugueses a afastar-se dos transportes colectivos. A razão está mais no facto de o transporte urbano não ter a mobilidade nem o perfil adequados à procura e às necessidades de todos aqueles que encetam viagens diárias nas áreas metropolitanas, sobretudo numa lógica casa-trabalho ou casa-escola.
Todos conhecem as queixas dos utentes sobre a lentidão dos transportes públicos, das esperas e dos apertos em paragens de autocarro, de táxis, ou de outros modos de transporte, onde o conforto ainda não é generalizado, nem existem os interfaces entre os vários modos de transporte que permitam reduzir tempos de percurso, melhorar a bilhética ou, tão simplesmente, o custo em parques de estacionamento na periferia, dissuasores da utilização do transporte individual.
Quando, hoje em dia, em inúmeras situações, se demora mais tempo a procurar encontrar um lugar de estacionamento num dos ditos interfaces do que no percurso propriamente dito da viagem, ou o custo do bilhete no metro, autocarro ou comboio é inferior ao que se vai pagar no fim do dia nos ditos estacionamentos dissuasores, percebemos que se mantenham e incrementem determinadas tendências, nomeadamente a de levar o carro para a porta de entrada do emprego de cada um.
Perder tempo por perder tempo, vai justificando levar a viatura até ao pé da porta.
Mas isto, como sabemos, não é sustentável porque não só sobrecarrega os principais centros de atracção de pessoas como também gera, no final da tarde e à noite, a saturação dos espaços dormitórios da periferia de Lisboa e Porto.
O crescimento urbano junto das grandes cidades de Lisboa e Porto não foi uniforme nem similar em todos os concelhos das áreas metropolitanas. Houve, claramente, autarquias que não cuidaram da mobilidade e das acessibilidades. Permitiram construir, construir, construir, sem cuidar das infra-estruturas rodoviárias e equipamentos sociais e de apoio às comunidades que se instalaram nestas novas zonas urbanas.
O crescimento disperso e em mancha de óleo nas áreas metropolitanas é um facto a que nem os planos directores municipais conseguiram trazer mais racionalidade, sobretudo porque os aspectos relativos ao

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transporte e à mobilidade estiveram quase sempre ausentes deste planeamento.
Aumentou-se o tempo de percurso para as populações e, apesar do aumento da qualidade, da regularidade e do conforto dos transportes públicos, como já foi referido, não houve aumento da procura destes, como seria de esperar à primeira vista.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Sr.as e Srs. Deputados: Não considero que a generalidade dos portugueses que usam o transporte individual não estejam disponíveis para usar os transportes públicos. Acho mesmo que um grande número estará disponível para abdicar do uso do transporte individual, pelas economias que obterão, pelo tempo que eventualmente ganharão e pelo conforto de um transporte adequado, caso as diversas ineficácias do sistema sejam ultrapassadas. Refiro-me concretamente aos interfaces, à existência de estacionamentos adequados e económicos, à segurança no cumprimento e compatibilização de horários entre os diversos modos de transporte e a uma bilhética adequada.
Mas para que isto possa ser uma realidade, as empresas públicas têm de saber "sentar-se à mesma mesa" e articular as suas políticas de transporte bem como fazê-lo entre estas e os operadores privados.
Mas a articulação não termina a este nível. Será necessário uma efectiva capacidade de planeamento e de autoridade para poder executar um conjunto de tarefas que precisam de ser assumidas, envolvendo as autarquias e o Governo.
É preciso fazer economias e poupar em investimentos não suficientemente ponderados.
É necessário parar o sorvedouro do dinheiro dos contribuintes, sem resultados evidentes, na forma como as empresas prestam os serviços públicos e planeiam novas infra-estruturas.
É chegado o momento de não olhar para o lado quando assistimos ao crescimento do défice das empresas públicas de transportes, sem haver claramente a definição de quem paga o quê.
É que, no final das contas, são os contribuintes, através do Estado, que terão de pagar o passivo acumulado. Está é uma realidade em relação à qual não há volta a dar.
A articulação dos transportes a conseguir pelas autoridades metropolitanas só se verificará com uma efectiva capacidade de demonstrar que as mudanças e as práticas só fazem sentido se tiverem os utentes como os seus principais aliados.
Os passageiros não são um fardo ou um frete, são a razão de ser dos transportes colectivos. É para isso que temos de contar com o Governo, as autarquias, o sector público e com o sector privado. Todos terão de convergir para um fim comum: racionalizar os investimentos, justificar opções e, no fim, se não houver acordo, que haja autoridade para agir.
Compreendo e sei do que falam aqueles que temiam que as autoridades metropolitanas constituíssem mais um agente neste processo que, em vez de simplificar, fosse mais um embaraço administrativo.
É por isso que acho que a escolha das pessoas que hoje constituem as comissões instaladoras das autoridades metropolitanas foi um bom indício das capacidades e expectativas que oferecem. Também o pessoal técnico a nomear será em número reduzido, mas altamente qualificado e experiente, e vai ser relevante para o sucesso deste modelo. A autoridade não se decreta por lei, mas tem de ser sentida por todos os intervenientes neste processo.
O processo terá de ser gradual, e por isso não se devem elevar em demasiado as expectativas sobre os primeiros resultados.
Será necessário criar confiança, métodos de trabalho e, sobretudo, de coordenação.
As autoridades metropolitanas são, de facto, uma oportunidade para mudar algumas das ineficiências do sistema de transportes e de mobilidade, mas o risco de ficar tudo na mesma, ou pior, era, de facto, real se não houvesse o realismo que ficou plasmado no texto final do diploma e que o PCP agora pretende criticar. Não têm razão!
As finanças públicas têm limites e pode haver muitos ganhos de eficácia com coragem política para mudar o passado.
Por isso, reforço a minha opinião de que estas entidades terão de ser efectivamente autoridade! E autoridade para fazer o quê? - perguntar-se-á.
Refiro algumas das atribuições deste diploma, em termos de matéria de planeamento: definir as directrizes da política de transportes; elaborar o plano metropolitano de mobilidade e transportes; planear redes e serviços de transportes públicos metropolitanos rodoviários, ferroviários e fluviais, incluindo a localização de interfaces e terminais; efectuar o planeamento e a programação das infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias; promover a intermodalidade e acompanhar a elaboração dos instrumentos de gestão territorial.
São também atribuições das AMT, em matéria de organização do mercado: avaliar a eficiência e a qualidade dos serviços de transportes públicos de passageiros; fiscalizar o cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como o cumprimento dos contratos, concessões ou autorizações dos programas de exploração por parte das empresas.

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São igualmente atribuições das AMT, em matéria de financiamento e tarifação, por exemplo: estabelecer as obrigações inerentes ao serviço público dos transportes metropolitanos, no quadro das determinações estabelecidas pelo Governo; gerir o financiamento dos serviços de transportes públicos de passageiros, assegurando a atribuição de verbas provenientes das diversas fontes de recursos destinados a esta finalidade; desenvolver um sistema tarifário integrado e definir os princípios e regras tarifárias aplicáveis às infra-estruturas, interfaces e estacionamentos de interesse metropolitano.
São ainda atribuições desta entidade: implementar sistemas de bilhética, regulando a comercialização dos títulos de transporte multimodais e a distribuição das receitas deles provenientes e estabelecer mecanismos de regulamentação, programação, incentivo e apoio financeiro à aquisição e renovação de frotas.
Em termos de promoção do transporte público, são atribuições das AMT: defender a imagem global dos sistemas de transportes públicos; divulgar a oferta dos serviços e promover iniciativas de inovação tecnológica e de serviços.
São também atribuições das AMT em matéria de investigação e desenvolvimento, por exemplo: apoiar, participar e financiar, no âmbito dos planos de actividades aprovados, projectos de investigação sobre transportes públicos e mobilidade urbana e promover a implantação de projectos inovadores e acções-piloto, com efeitos sobre a mobilidade urbana.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Concluo, manifestando a minha confiança de que este passo, sendo muito importante, corresponde a um processo gradual, alicerçado num forte profissionalismo e com autoridade.
Desta forma, haverá seguramente os recursos financeiros adequados para implementar as orientações e os objectivos previstos neste diploma.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Quem é que paga?

O Orador: - Os recursos públicos são escassos e temos a obrigação de lhes dar boa orientação e utilização.
Já chega da desorganização e da ineficiência em que temos vivido.
O tempo das reformas na área dos transportes e da mobilidade está em curso. O Governo está no bom caminho.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, são bem-vindas as Autoridades Metropolitanas de Transportes, mas só se vierem por bem e se forem bem aceites, o que não é o caso do decreto-lei em questão. Trata-se de um diploma que concebe um modelo centralizador, governamentaliza a estrutura, é inequívoco quanto às competências, uma vez que a maioria dos seus artigos tem de ser regulamentada. Para além disso, o financiamento nele estabelecido é precário, as juntas metropolitanas são desvalorizadas e, ao impor um representante das autarquias que seja das cidades centrais de Lisboa ou do Porto, menoriza os municípios.
Sr. Deputado, a questão que lhe quero colocar é a seguinte: sendo uma das competências das áreas metropolitanas a coordenação dos transportes públicos urbanos e suburbanos, a qual valoriza obviamente as áreas metropolitanas e a política de descentralização, que VV. Ex.as dizem querer seguir, pergunto-lhe se não seria de valorizar as áreas metropolitanas no sentido de elas terem uma participação maior em vez do poder central e, por outro lado, no sentido de a representação ser aceite por todos os municípios e não imposta pelas cidades centrais de Lisboa ou do Porto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, antes de responder à pergunta do Sr. Deputado Renato Sampaio, vou fazer um breve comentário inicial. É que o Sr. Deputado, ao fazer-me a pergunta, já tinha opinião formada sobre a matéria e, portanto, a resposta que lhe vou dar, como deve imaginar, talvez não seja para seu esclarecimento, mas com certeza para esclarecimento de quem nos ouve em casa através do Canal Parlamento ou de quem acompanha o trabalho deste Parlamento.

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Relativamente à matéria sobre a qual me questionou, há duas questões-chave: uma, prende-se com a importância da representação das Câmaras de Lisboa e do Porto nas Autoridades Metropolitanas de Transportes; outra, tem a ver com o financiamento.
Relativamente à primeira questão, penso que é óbvio, apesar de custar ao Sr. Deputado Renato Sampaio, que não foi por se tratarem de câmaras cuja presidência é do PSD que elas foram escolhidas, mas, por uma razão muito simples: é que se trata de locais para onde hoje em dia se direccionam as pessoas, para onde, fundamentalmente, se fazem os fluxos diários de passageiros e de mercadorias.
Sr. Deputado, não ter a garantia de que as Câmaras Municipais de Lisboa e Porto estivessem representadas nestas Autoridades, na sua gestão diária, seria um erro de palmatória, como hoje se vê noutras circunstâncias e em outros aspectos.
O Sr. Deputado criticou ainda o facto de as juntas metropolitanas não terem um papel de maior relevo. Sr. Deputado, as juntas metropolitanas têm o papel que devem ter neste processo, ou seja, um papel relevante, e têm também uma representação.
Além disso, chamo também a sua atenção para a situação que teríamos se, em Lisboa, o Sr. Presidente da Câmara Municipal não estivesse presente nesta Autoridade Metropolitana de Transportes! Já reparou na opção que foi feita pela Junta Metropolitana de Lisboa? A própria presidência da Junta Metropolitana de Lisboa não foi atribuída ao Presidente da Câmara de Lisboa! Isto pode acontecer, Sr. Deputado! É a lógica do sistema. E ainda bem que assim é, porque, assim, qualquer presidente de câmara pode ser presidente de uma junta metropolitana.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Não foi isso que eu quis dizer!

O Orador: - É por isso mesmo que esta Autoridade Metropolitana de Transportes tem de ir mais longe, por forma a garantir e assegurar que pode corresponder àquele que é o seu objectivo, que consiste em resolver os problemas de articulação e de melhoria da mobilidade nas áreas metropolitanas.
Por fim, quero referir-me à questão do financiamento - e com ela termino, porque sei que estou a abusar do tempo -, só para lhe dizer, Sr. Deputado, que temos de ser gradualistas. Olhe que o défice público acumulado das empresas de transportes não é só de agora! Já vem de outros governos, mas agravou-se muito durante o governo anterior.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, lembro-lhe que disse que ia terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como deve imaginar, Sr. Deputado, temos de encarar de frente este problema, porque, como é óbvio e como todos sabemos, as facturas têm sempre de ser pagas!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Quando encaramos o Decreto-Lei que institui as Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto e que define a sua estrutura orgânica, competências e modelo de financiamento, a conclusão que tiramos é que estamos confrontados perante uma enorme oportunidade perdida. Oportunidade perdida porque o Governo não soube, ou não quis, aproveitar o amplo consenso que este objectivo sempre suscitou junto das forças políticas, dos agentes económicos intervenientes, técnicos do sector, juntas metropolitanas e municípios.
Assim, o que poderia ter nascido direito, de modo consensual, foi estruturado pelo Decreto-Lei constitutivo com um conjunto de aspectos bastante controversos e inesperados. De nada serviu o diálogo que o Governo encetou com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, juntas metropolitanas, câmaras municipais e demais entidades, porque a versão final do Decreto-Lei n.º 268/2003 é, de facto, substancialmente diferente daquela que tinha sido consensualizada.
Basicamente, quero apontar as insuficiências e as omissões existentes na área processual, na sobreposição de competências e no modelo de financiamento.
Quanto às questões processuais, o Decreto-Lei deixa em aberto questões essenciais, que são remetidas para a comissão instaladora, nomeadamente a relativa aos estatutos da Autoridade Metropolitana de Transportes, a aprovar por decreto-lei, e a participação financeira das autarquias, que também serão estabelecidas por decreto-lei. Para além de contrariarem o que foi acordado com as juntas metropolitanas,

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estamos perante questões fundamentais, que, a serem aprovadas por decreto-lei, por proposta da comissão instaladora, subtraem ao controlo político - Assembleia da República e municípios - matérias de grande delicadeza, principalmente quanto às questões do financiamento.
Também quanto à representatividade, decidiu o Governo promover a governamentalização destas Autoridades Metropolitanas ao aumentar o número de representantes ministeriais nesta Autoridade, diminuindo, assim, o peso específico das juntas metropolitanas e autarquias.
No que se refere à sobreposição de competências, o Decreto-Lei não é objectivo, dado poderem existir sobreposições de competências com algumas das actualmente atribuídas aos municípios. Estes aspectos resultam do facto de não ser claro o conceito de redes e serviços de âmbito metropolitano referidos nesta legislação. Por exemplo, põe-se concretamente a questão de saber se as redes de transportes urbanos e locais dos municípios que integram as áreas metropolitanas estão ou não incluídas na rede de transportes metropolitanos, bem como as infra-estruturas e parques de estacionamento que estão na mesma situação.
Por fim, o modelo de financiamento deixa-nos também legítimas dúvidas quanto à capacidade que as Autoridades Metropolitanas de Transportes terão nos domínios da planificação, da intervenção e da regulação do sistema de transportes metropolitanos.
Com efeito, ao eliminar-se a possibilidade de poderem integrar o financiamento do sistema verbas provenientes da afectação de receitas fiscais e parafiscais, estaduais ou municipais, relacionadas com o sistema de transportes e mobilidade na respectiva área metropolitana, por algo indefinido como é a expressão "outras receitas", o Governo introduziu mecanismos que condicionam o desempenho e afirmação da Autoridade Metropolitana de Transportes.
Ora, para além desta alteração, que se revelará insuficiente, uma vez que as transferências previstas no Orçamento do Estado terão também de suportar as necessidades de compensação de custos decorrentes do cumprimento de obrigações de serviço público ou de cobertura de encargos de investimentos, subentendendo-se que as receitas tarifárias ou geradas pelo sistema são insuficientes e sabendo-se também que o próprio Decreto-Lei estabelece um limite temporal para as próprias transferências do Estado, admitimos que serão as autarquias locais, através dos seus orçamentos, a suportar o diferencial.
Se se entender como desejável, ou mesmo inevitável, a participação financeira dos municípios no financiamento do sistema de transportes metropolitanos, põe-se sempre a questão de saber qual o montante e como se faz a sua repartição pelos municípios. Qual o método de repartição? É proporcional à população ou às receitas próprias de cada autarquia? Quem tem competência para organizar o mercado das deslocações locais e concelhias, bem como o direito de concessionar esses serviços? A Autoridade Metropolitana de Transportes ou as câmaras municipais?
Nesta matéria nada está esclarecido, deixando-se tudo ao livre arbítrio de um próximo decreto-lei. Até lá, não estão garantidas, nem esclarecidas, quer a forma como se cobrirão as despesas correntes de funcionamento ou os custos decorrentes do cumprimento de obrigações do serviço público ou ainda da cobertura de encargos de investimentos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo decidiu desbaratar um capital de confiança conquistado através do diálogo. O Governo optou pela centralização e pela governamentalização da Autoridade Metropolitana de Transportes. O Partido Socialista lamenta que assim tenha sido.
São necessárias Autoridades Metropolitanas de Transportes com competências claramente definidas, parceiras das autarquias locais e dos governos, mas com autonomia suficiente para poderem implementar e racionalizar uma autêntica política de mobilidade metropolitana ao serviço das pessoas. Estas Autoridades Metropolitanas de Transportes não vão poder cumprir este desiderato. Estamos perante uma oportunidade perdida!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É sabido que a situação dos transportes nas áreas metropolitanas vive hoje um estado de grande desorganização devido a uma visão paroquial que, concelho a concelho, separa, por exemplo, as diferentes empresas prestadoras de serviços.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Mas há também, infelizmente, uma tendência para o Estado actuar como Estado-

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empresa e como um Estado que se desresponsabiliza das suas competências, permitindo aos privados exercerem, por vezes, numa situação de quase monopólio, a prestação de certos serviços. A verdade é que, muitas vezes, esses serviços são exercidos sem condições de segurança e sem a fiscalização adequada, chegando mesmo a "roubar" às empresas do Estado uma série de zonas de funcionamento que seriam essenciais para a própria população ser melhor servida. Aliás, verifica-se também que há uma tendência para, nas grandes metrópoles, certas zonas serem claramente prejudicadas em favor de outras no que diz respeito à cobertura de transportes públicos. Esta questão, infelizmente, não está devidamente contemplada nas competências das Autoridades Metropolitanas de Transportes.
Estamos a analisar esta situação porque, em particular, não há um modelo de financiamento claro das Autoridades Metropolitanas de Transportes, porque estão numa situação de grande dependência face ao Governo e, além do mais, estão governamentalizadas no seu modelo de organização interna. E em certas juntas metropolitanas - na Junta Metropolitana do Porto em particular - não há sequer participação de um membro de outra força política que não a da maioria nos seus órgãos executivos, o que é especialmente grave.
Além disso, não se percebe que o Estado não contratualize com os operadores na base de contratos-programa, mas sim em função de critérios casuísticos, devendo esta matéria estar bem definida nas competências das Autoridades Metropolitanas de Transportes. É, pois, fundamental que esta contratualização, que estes contratos-programa coloquem em rede operadores de transportes públicos e privados, mas dando sempre primazia ao transporte público como serviço público, assumido pelo Estado, para não cairmos em lógicas que, na maior parte dos casos, visam obviamente o lucro e não o serviço às populações, em particular as populações mais débeis, suburbanas e de localizações socialmente estigmatizadas.
É fundamental, então, um novo modelo de organização para as autoridades metropolitanas de transportes, desde logo, a constituição de um observatório dos transportes. É incompreensível que o modelo proposto pelo Governo não contemple um qualquer órgão que tenha como função a informação e a fiscalização do desempenho do sistema de transportes. Este é um papel onde é fundamental envolver técnicos especializados, onde é fundamental envolver as universidades, mas sempre no âmbito do próprio organigrama das autoridades metropolitanas de transportes. Sem os estudos necessários ao planeamento e à gestão do sistema, este arrisca-se a permanecer no caos ou, então, em função de orientações clientelares ou mercantilistas.
Por outro lado, não se compreende que as autoridades metropolitanas de transportes, que lidam com um serviço prestado às populações, não envolvam essas mesmas populações naquilo que é o seu modelo de funcionamento.
Por isto mesmo, defendemos que deve existir um órgão, como um conselho consultivo, onde estejam presentes os parceiros sociais de todo o tipo, desde os operadores públicos aos operadores privados, às câmaras municipais e também às associações de utentes.
Como é possível, hoje em dia, em que os modelos de participação estão a desenvolver-se um pouco por toda a parte, que mantenhamos de lado o envolvimento da população, o envolvimento dos destinatários deste serviço e que, claramente, insistamos num défice de participação democrática, como é aquele que o Governo claramente nos propõe através do seu modelo para estas Autoridades Metropolitanas de Transportes?
Deste modo, é fundamental também - e refiro esta questão com grande ênfase - que os órgãos executivos das Autoridades Metropolitanas de Transportes sejam paritariamente compostos, isto é, uma parte pelo Governo e outra, igualmente representativa, pelos municípios. Só desta forma conseguiremos fazer representar toda a diversidade política neste órgão, que é fundamental para que possa existir de facto coordenação. E isto porque, se não envolvermos (ponto um) a população, os utentes organizados em associações representativas, e (ponto dois) todas as forças políticas da junta da área metropolitana, persistiremos necessariamente no modelo paroquial, no modelo de particularismos e não naquilo que realmente nos interessa, que é a gestão em rede e a gestão socialmente orientada do sistema de transportes, condição essencial para a qualidade de vida nas grandes metrópoles.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.

A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Sr.as e Srs. Deputados: Nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, se nos reportarmos aos últimos 20 anos, verifica-se que a taxa de motorização cresceu mais de 90%, o número de viagens internas cresceu mais de 100%, o número de viagens motorizadas por habitante/dia aumentou e as viagens em transporte público diminuíram.
Aumentaram os constrangimentos de mobilidade dos cidadãos. Aumentou, e muito, a parcela de

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movimentação em automóvel privado. Os passageiros passaram praticamente a ser cativos do seu automóvel, face à grande dispersão de povoamento, que se verificou, com maior incidência, nas grandes zonas urbanas, sem alternativas de transportes públicos viáveis e sem terem sido criados mecanismos de atracção das pessoas como meio de dissuasão do recurso à utilização do seu automóvel.
Há agora o entendimento de que se impõem medidas urgentes que atendam à necessidade de facilitar a vida de todas essas pessoas que, no seu dia-a-dia, se deslocam nestes territórios. Há que facilitar o movimento dos passageiros, assegurando sempre as suas necessidades de conforto e de segurança.
O passageiro não é hoje aquele que aceita qualquer situação mas, sim, alguém que é o centro das preocupações de quem o deve servir, de quem lhe deve assegurar uma melhor qualidade de vida associada à sua mobilidade, de quem é preciso conquistar e atrair para o transporte público com mecanismos que assegurem a qualidade do serviço, o conforto e a segurança, porque o melhor meio para satisfazer as necessidades de mobilidade nestas zonas é a utilização do transporte público, que é também o meio de transporte mais eficaz em termos de consumo e de espaço por viajante.
Mas, para que o objectivo de uma eficaz mobilidade seja uma realidade, é também necessário que os transportes sejam integrados na área geográfica em que pendularmente se verificam.
É a esta necessidade de integração que a criação das Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto vem dar expressão.
Na apreciação parlamentar que agora fazemos, a pedido do PCP, podemos ler que "As Autoridades Metropolitanas de Transportes surgem num enquadramento e com um articulado merecedor de reflexão conjunta, no sentido de ser melhorado o seu funcionamento e de dar coordenação e disciplina efectiva aos muitos problemas com que se debate o sector dos transportes nas áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto".
Pois, estamos de acordo! Por isso é que este Governo criou as Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto, prevendo, e bem, que às funções de coordenação estejam associados responsáveis da administração central e das autarquias. Não concordamos é que para isso haja necessidade de alterar o articulado.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Foram 13 anos à espera da criação das autoridades metropolitanas de transportes. Elas foram, finalmente, criadas, e por este Governo.
Creio que todos estamos de acordo quanto à necessidade de criação urgente das autoridades metropolitanas de transportes. No anterior governo já tinha havido intenções neste domínio, pois já era considerado que "a efectiva implantação destas autoridades constituiria o pano de fundo dos planos globais de transportes" (Maio de 2001 - Ministro do Equipamento Social). Mas o certo é que se ficou, como em tantas outras situações, pelas boas intenções.
Creio ainda que estamos de acordo quanto à área geográfica objecto da respectiva acção.
O PCP, ao apresentar este pedido de apreciação parlamentar, não concorda quanto ao modo da sua implementação, à sua estrutura orgânica ou ao seu financiamento.
Para nós, as autoridades metropolitanas de transportes devem ajudar a alcançar uma mobilidade sustentada. Tem de ser este o objectivo estratégico.
Daí ser imprescindível alicerçar a qualidade do sistema em vectores fundamentais, como sejam: políticas de ordenamento do território e dos transportes convergentes; integração de redes e serviços; qualidade do serviço público de transportes; e redução do peso do transporte individual.
É preciso pensar que não basta solucionar problemas dos dias de hoje, é preciso pensar que hoje estamos a construir o futuro.
Daí que o envolvimento dos decisores políticos com responsabilidades no domínio do ordenamento do território seja imprescindível, dadas as consequências das decisões que tomarem e dos modelos que adoptarem para a expansão ou para a reconversão urbanas nas políticas de transportes dessas zonas.
Há que haver convergência entre os responsáveis pela ocupação do território e os responsáveis pelos sistemas de transportes, porque disso dependerá o sucesso do bom funcionamento das nossas cidades.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - O quadro estratégico de desenvolvimento das redes de transportes não pode ser feito à margem das decisões em matéria de ordenamento do território.
Este Governo deu um primeiro e importante passo com a criação destas Autoridades Metropolitanas de Transportes nestes moldes. Há 25 anos que era unânime o reconhecimento da sua indispensabilidade e a Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres previu a sua constituição há cerca de 13 anos, e de então para cá passaram muitos governos e muitas promessas, mas foi este Governo que criou as Autoridades Metropolitanas de Transportes. Esse mérito este Governo tem!

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Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Agora o processo vai começar a dar os seus frutos. Mas este é um processo que, para resultar, terá de ser gradual e progressivo, bem estruturado e bem gerido, muito mais participativo do que dirigista.
Aos transportes públicos reservava-se tradicionalmente o papel de garantir a resposta à procura. Ou seja: a procura desenvolve-se segundo as suas tendências naturais e a oferta deveria satisfazê-la. Hoje já não é possível resolver os problemas postos na base deste modelo tradicional; hoje é imperativo agir sobre a procura.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Errado!

A Oradora: - E sobre este pressuposto existe hoje um largo consenso. Ou seja: é preciso agir tanto sobre a ocupação do solo como sobre o uso da viatura privada, e, em função disso, prever e planear o melhor e o mais adequado sistema de transportes.
Melhorando a mobilidade urbana, estamos a contribuir para a melhoria das condições de atractividade das nossas cidades e para a melhoria da qualidade de vida de todos quantos nelas se movimentam.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Francisco Seabra): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um pouco contrariado, terei de começar por discordar da generalidade dos Srs. Deputados que acabaram de intervir, quando dizem que estamos, há cerca de 13 anos ou mesmo há 25 anos, à espera das autoridades metropolitanas de transportes.
Os primeiros projectos que conheço neste domínio vêm do início dos anos 70, e, ao longo deste tempo, assistimos, com certeza, a uma evolução dos transportes. Hoje temos uma situação completamente diversa, mas permanece a necessidade da sua criação.
Ao avançarmos com a criação destas autoridades metropolitanas de transportes, tivemos consciência desse largo consenso existente em relação à sua criação. E, Sr. Deputado Miguel Coelho, ao contrário do que foi feito nos anos anteriores, nós aproveitámos precisamente essa oportunidade para avançar com um primeiro passo na criação destas Autoridades Metropolitanas de Transportes. E fizemo-lo na consciência de que era precisamente uma oportunidade para aproveitar.
O que estamos a propor é uma entidade que traduz duas realidades novas no tratamento das questões dos transportes nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Por um lado, e pela primeira vez, é criada uma estrutura de articulação do sistema nestas duas Áreas Metropolitanas e, por outro, prosseguindo um objectivo claramente afirmado pelo Governo, é dado um passo decisivo no sentido da descentralização, da partilha de competências e da partilha de responsabilidades com as autarquias locais destas Áreas Metropolitanas, ficando expresso que o objectivo final é a assumpção plena pelas autarquias dos seus sistemas de transportes nestas Áreas Metropolitanas.
É, sem dúvida, o começo de uma nova era nos transportes, de um novo modo de pensar, descentralizando e reconfigurando a matriz de responsabilidades.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O diploma pode não ser perfeito, mas foi o consenso possível.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Entre quem?!

O Orador: - Sabemos quais são os objectivos e, agora, em conjunto, temos de os cumprir de forma gradual.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Eu gostava de chamar a atenção, desde já, para o funcionamento das comissões instaladoras. O conjunto de pessoas designadas para estas comissões, particularmente as designadas pelas autarquias locais e pelas juntas metropolitanas, mostra claramente o interesse e o empenhamento destas

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entidades, pela sua qualidade técnica e política para as representar, como parceiros essenciais do Governo, na formação das Autoridades Metropolitanas de Transportes.
Eu repito o que já disse noutra sede: vamos ter de esperar, com certeza, ainda alguns anos para ter autoridades metropolitanas de transportes no exercício pleno das suas atribuições e para virmos a sentir a globalidade dos seus benefícios. Mas muito antes, Srs. Deputados, muito antes, iremos poder avaliar o quanto perdemos nestes largos anos de sistemática indecisão nesta matéria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado dos Transportes começa por dizer que foi criada uma estrutura de articulação entre as diversas entidades deste sector, o que, aliás, vem na linha do que disse o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, do PSD, na sua intervenção, de que esta era a opção do Governo e não a opção por mais um organismo da Administração Pública.
Sr. Secretário de Estado, se formos ver bem as relações de poder e a participação de cada entidade nos processos de decisão no decorrer da actividade destas Autoridades Metropolitanas de Transportes, a conclusão a que chegamos é que este é, de facto, mais um órgão da Administração Pública, porque quem manda de facto, quem tem o poder de superintendência, quem tem a tutela e quem define as políticas é o Governo e as outras entidades estão lá para a aplicar e vão dizendo o que pensam sobre a matéria. O poder de decisão está definido e é claro, é o Governo que o vai assumir.
Portanto, a articulação não participada e o facto de estar definido à partida quem tem o poder de decisão nesta matéria não vem propiciar bons augúrios para o futuro destas Autoridades Metropolitanas de Transportes.
Em segundo lugar, o Sr. Secretário de Estado falou na descentralização de competências e de responsabilidades para as autarquias, para o poder local democrático, o que vem justamente ao encontro daquilo que o PCP manifestou e que eu comecei por dizer neste debate, ou seja, que estamos perante a descentralização da factura, do trabalho e da autoridade e do poder,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … que, efectivamente, aquilo que está a acontecer.
Sr. Secretário de Estado, é ou não verdade que o que este diploma prevê é uma participação nos órgãos de decisão, nomeadamente no conselho de administração, onde as maiorias são muito claras, o mesmo não acontecendo nos conselhos gerais, remetidos para o papel de conselho consultivo? Por muito que estas entidades participem e façam ouvir a sua voz - e as autarquias e todos os agentes aí estão para o fazer -, é natural que a frustração venha a aparecer durante os processos.
Mas o Sr. Secretário de Estado veio trazer-nos aqui uma novidade: o objectivo, no futuro, é que as autarquias assumam os seus próprios sistemas de transportes. Ora, isto é inverter a dimensão metropolitana que estes sistemas de transportes devem, efectivamente, assumir de hoje em diante e para sempre, o que, aliás, já se deveria ter verificado.
Sr. Secretário de Estado, uma última questão. A participação nestas entidades e o seu financiamento vem sobrecarregar as autarquias e vem ignorar olimpicamente os utentes do transporte colectivo - insisto nisto, Sr. Secretário de Estado - e os próprios trabalhadores do sector. Ora isto é ilegal e é um desrespeito pela Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, por isso peço-lhe, Sr. Secretário de Estado, que nos diga se está ou não disponível para acolher, por parte do Governo, esta alteração, que, efectivamente, é para melhorar e para aperfeiçoar uma matéria que carece urgentemente de ser resolvida e que claramente não tem resposta neste diploma.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado dos Transportes falou-nos aqui de um desejo, que vem de longe, de há mais de 30 anos, de criação de estruturas de coordenação.
No que diz respeito ao consenso para estas Autoridades Metropolitanas de Transportes, penso que se refere ao consenso entre ministérios do Governo, que detêm a maioria absoluta nesta autoridade, e não ao

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consenso que corresponderia a uma ponderação muito mais equilibrada dos poderes das autarquias e do Governo.
Mas a pergunta essencial que tenho para lhe fazer tem a ver com o futuro. Esta Autoridade destina-se a uma maior coordenação e interligação das redes de transportes públicos; daí ela não existir no papel, existe, sim, para fazer políticas concretas, de interligação e de qualidade dos chamados interfaces ou pontos de interligação. Por isso, pergunto-lhe: qual é o investimento que o Governo tem preparado e que importância vai dar a esta matéria?
Sr. Secretário de Estado, a única política que existe de intermodalidade e de coordenação é a do passe multimodal, a da multimodalidade das tarifas. Como V. Ex.ª sabe, com a introdução destas tarifas cresceu em Portugal, após um período de declínio, o uso dos transportes públicos que voltou a decrescer a partir de 1993, com a substituição desse sistema pelo sistema dos passes combinados, que destrói a intermodalidade. Como o Governo tem dito que promoveria a intermodalidade, pergunto: será que vai acabar com os passes combinados? Ou, pelo menos, de que forma vai incentivar as tarifas intermodais e, em particular, o passe multimodal?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que, relativamente aos transportes nas áreas metropolitanas, há, por vezes, um pensamento antigo que vem dos tempos em que foi realizada a nacionalização dos transportes. E é precisamente por termos herdado o sistema que resulta da nacionalização dos transportes que temos hoje, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, uma situação difícil de resolver,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Com estas políticas, é óbvio!

O Orador: - … que é uma situação perfeitamente anómala, em termos de ordenamento de transportes urbanos na Europa.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Pudera, com estas políticas!

O Orador: - Em todo o caso, eu gostava de esclarecer o Sr. Deputado Bruno Dias que, neste momento, a preponderância, por parte do Governo, no futuro conselho de administração das Autoridades Metropolitanas de Transportes é perfeitamente natural. Enquanto for o Orçamento do Estado a ser o maior contribuinte para o funcionamento das autoridades metropolitanas (e isto vai continuar a ser assim, enquanto não estiverem feitos os contratos com as empresas públicas de transportes, e aproveito para lhe dizer, que estarão concluídos no final deste 1.º semestre),…

Protestos do PCP.

… enquanto tudo isto não estiver definido, e enquanto não tivermos o modelo de financiamento, que, segundo o previsto, será uma das tarefas fundamentais da comissão instaladora, continuará a existir essa preponderância, por parte do Governo, no conselho de administração das Autoridades Metropolitanas de Transportes.
De resto, o próprio diploma prevê a sua actualização, em tempo.
Vamos experimentar, vamos provar e poderemos, com certeza, fazer as adaptações necessárias que possibilitem esse objectivo fundamental, que é a apropriação pelas autarquias locais das áreas metropolitanas das suas autoridades metropolitanas de transportes.
Devo dizer que a coordenação, que esperamos que seja uma das vantagens conseguidas com o funcionamento das autoridades, é, sem dúvida, um dos objectivos essenciais para o seu funcionamento.
Devo também chamar a atenção para o seguinte: as Autoridades Metropolitanas de Transportes têm, pela primeira vez, na sua atribuição, a função de planeamento que, até hoje, não constava de qualquer dos órgãos responsáveis pelos transportes nas áreas metropolitanas, nomeadamente da Direcção-Geral dos Transportes Terrestres.
A importância da intermodalidade é total, ela é um dos nossos objectivos. A revisão do esquema tarifário, no âmbito da Área Metropolitana de Lisboa, está prevista para o próximo ano, sendo certo que ele já está em implementação na Área Metropolitana do Porto.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Sr.as e Srs. Deputados: A versão que o Sr. Secretário de Estado acabou agora de nos dar - "nós mandamos, porque pagamos" - é um estranho conceito de descentralização e de desrespeito pelos outros agentes do poder político que têm uma palavra a dizer sobre esta matéria.
Como o Sr. Secretário de Estado sabe, eu entendo que é melhor haver uma autoridade metropolitana de transportes do que não haver nenhuma, embora, como já disse, estejamos perante uma grande oportunidade perdida.
No entanto, quero dizer ao Sr. Secretário de Estado que a autoridade metropolitana de transportes, até pelo próprio nome, pressupõem a participação de todos os agentes metropolitanos com interferência na matéria. Uma autoridade metropolitana tem de ter poderes para decidir sobre determinadas políticas do governo, que podem ser conjunturais, e por isso é que deve haver uma autoridade metropolitana independente e com poder, por exemplo, para aconselhar ou decidir sobre políticas de portagens, de bilhéticas e de muitas outras situações similares.
Portanto, V. Ex.ª, ao dizer agora que "nós mandamos, porque pagamos", acabou - desculpe-me a expressão - de "matar à nascença" a expectativa que poderia haver em relação a esta própria autoridade metropolitana.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não foi isso o que ele disse!

O Orador: - Também quero dizer, Sr. Secretário de Estado, que não houve consenso algum, pelo menos a nível da Área Metropolitana de Lisboa, porque, como sabe muito bem, houve uma versão que foi acordada, mas, depois, a versão final do decreto-lei é completamente diferente da que foi acordada em matéria tanto de representatividade, como disse, como do modelo de financiamento. E é isto que está em causa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou já concluir, Sr. Presidente.
O Governo decidiu sozinho. O Governo decidiu pelo seguro, isto é, o Governo decidiu para ser ele a mandar, para ser ele a continuar a implementar o que entende por política de transportes para as áreas metropolitanas.
Mais valia, então, não ter criado qualquer autoridade metropolitana e ter nomeado um director-geral para essas funções.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado dos Transportes agravou a nossa preocupação, face às perspectivas futuras dos modelos de financiamento dos transportes colectivos. Preocupados já estávamos, mais preocupados ficamos, até porque a forma clamorosamente insuficiente com que o poder central tem vindo a assumir as suas responsabilidades, nomeadamente nos modelos de financiamento nesta matéria, vai acabar. E tanto assim é que V. Ex.ª, quando repetiu a expressão do Sr. Deputado Miguel Coelho, "nós mandamos, porque pagamos", diz, logo a seguir, com um ar não menos tranquilizador, "mas vamos deixar de mandar, porque vamos deixar de pagar".
Perante a afirmação, propagandística, de que "são os contribuintes que pagam a factura de o Estado assumir as suas responsabilidades no financiamento dos meios de transportes", Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, nem queiram saber a factura que o país tem de pagar se não houver uma rede de transportes, efectivamente funcional e eficaz, no plano social, ambiental e económico. E isto não se faz com estratégias de rentabilidade comercial e muito menos com a participação, no financiamento, de autarquias locais, que já pouco ou nada têm para responder às suas próprias responsabilidades.

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Quando dizemos que a centralidade, em Lisboa e Porto, das áreas metropolitanas é escamoteada, na sua dimensão efectivamente metropolitana, pela estratégia deste Governo, é porque a maioria das deslocações pendulares na Área Metropolitana de Lisboa (AML) não passa pela cidade de Lisboa. E assim se vê que a concepção e a estratégia do Governo nesta matéria tem tudo menos uma dimensão efectivamente metropolitana, é uma visão centralista, discriminatória, com a qual não podemos pactuar.
Descentraliza-se a factura, centraliza-se o poder!
Com esta estratégia, Sr. Secretário de Estado, o que está a ser criado efectivamente não é uma autoridade metropolitana de transportes, porque não vai responder à necessidade estratégica de desenvolvimento desta questão, mas, sim, uma autoridade fictícia, porque emana do poder central e não tem a participação dos agentes de desenvolvimento no plano dos municípios, designadamente, e no dos parceiros nesta matéria.
No fundo, Sr. Secretário de Estado, o que está a acontecer é, no futuro, podermos correr o risco de estar perante um grémio que sente à mesma mesa os interesses privados neste sector e "quem paga e quem manda", que é o poder central, ou, se, no futuro, "comprarem" esta ideia, os municípios do poder local.
Sr. Secretário de Estado, registo, como politicamente significativo, que nem V. Ex.ª nem os Srs. Deputados da maioria tenham dito uma palavra sobre a ilegalidade que este decreto-lei configura quando "fecha a porta" à participação dos trabalhadores e utentes nos conselhos gerais destes organismos, ao arrepio, flagrante, da Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres. É lamentável e preocupante que estas estratégias estejam a ser seguidas por este Governo; é um mau futuro que se preconiza para o País, em termos de desenvolvimento económico, ambiental e social.

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: - Sr. Presidente, intervenho apenas para sossegar os Srs. Deputado Miguel Coelho e Bruno Dias.
Srs. Deputados, a concertação entre as entidades representantes do Governo, das autarquias e das juntas metropolitanas será, com certeza, assegurada no quadro da comissão instaladora, que tem precisamente como um dos seus objectivos a preparação do calendário de assumpção de competências e do modelo de financiamento, que irá permitir a evolução da autoridade metropolitana para, como vos disse, uma autoridade metropolitana plenamente assumida pelas autarquias das áreas metropolitanas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Não disse nada!

O Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrada a apreciação do Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de Outubro, que cria a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa e a Autoridade Metropolitana de Transportes do Porto, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2002, de 2 de Novembro [apreciação parlamentar n.os 63/IX (PCP)].
Vamos, então, entrar no período regimental das votações.
Srs. Deputados, para começar, como é usual, vamos verificar o quórum, utilizando o cartão electrónico.
Peço aos Srs. Deputados que não trouxeram os seus cartões o favor de informarem a Mesa.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 176 presenças, pelo que temos quórum para proceder às votações - aliás, alguns dos Srs. Deputados, por não trazerem o respectivo cartão, têm de ser contados à parte.
Srs. Deputados, vamos apreciar o voto n.º 127/IX - De pesar pela trágica morte de Miklos Fehér (PSD, PS, CDS-PP, PCP, Os Verdes e BE).
Tem a palavra o Sr. Secretário para proceder à respectiva leitura.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - O voto é o seguinte:

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A trágica morte de Miklos Fehér, carinhosamente conhecido por Miki, deixou os desportistas, os cidadãos portugueses e o mundo em profundo luto e gerou uma onda de solidariedade que ultrapassou as paixões clubísticas.
Faleceu, antes de mais, o homem de apenas 24 anos, estimado por amigos e colegas, reconhecido pelos seus treinadores e dirigentes.
Faleceu o homem com nobreza de carácter e reiteradas provas de abnegada dedicação e persistência.
Faleceu igualmente o jogador, cujo valor rapidamente ultrapassou as fronteiras da Hungria, seu país natal, e cativou a simpatia de todos os adeptos de futebol, tendo chegado a envergar a camisola de grandes clubes portugueses como o Futebol Clube do Porto, o Sport Comércio e Salgueiros, o Sporting Clube de Braga e o Sport Lisboa e Benfica.
Neste momento de pesar, a Assembleia da República não pode deixar de transmitir o seu choque, a sua consternação e a sua tristeza pelo sucedido, apresentando aos familiares e amigos de Miklos Fehér, bem como ao Sport Lisboa e Benfica, na pessoa do seu presidente, a expressão de sentidos pêsames.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assinalo a presença, na galeria, dos convidados da Direcção do Sport Lisboa e Benfica e dos responsáveis dos órgãos sociais, que convidei especialmente para estarem presentes nesta ocasião.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria dizer que esta intervenção não é fácil, logo à partida, porque não é habitual que a Assembleia da República assinale com um voto de pesar a morte de alguém tão mais novo do que nós e mais novo do que o mais jovem dos Deputados desta Câmara.
Eu não conhecia pessoalmente Miklos Fehér, ainda que provavelmente, como muitos dos que estão nesta Sala, tenha por várias vezes gritado o seu nome, seja para o incentivar a correr atrás de uma bola, seja até, algumas vezes, para o criticar por não ter feito aquilo que eu considerava que deveria ter feito num determinado momento.
No entanto, e porque penso que, como todos os portugueses, nós vivemos aquela tragédia intensamente e sentimos uma emoção…, como disse um jovem adepto, "sentimos uma emoção como se fosse alguém da nossa família".
Não é normal a morte de alguém tão jovem, não é normal a morte em directo e há um contraste violento entre a imagem de vitalidade do jogador, que até o seu último sorriso transmitiu, e a sua queda fatal.
Perante isto, Sr. Presidente, e perante a emoção que percorreu o País, queria registar, como pudemos assistir, a comoção de milhares e milhares de portugueses. Esta morte comoveu o País, no seu todo, e milhares de pessoas desfilaram perante o seu cadáver no Estádio da Luz.
Queria ainda registar que isso demonstra a sensibilidade do nosso povo, bem como o carinho que o nosso povo tem pelo futebol, pelos seus intérpretes e por este jogador malogrado, obviamente, em particular.
Para terminar, Sr. Presidente, queria assinalar, perante esta tragédia, dois pontos que me parecem relevantes.
Em primeiro lugar, que assistimos comovidos e angustiados a uma tragédia em directo, mas que o canal de televisão responsável pela transmissão fê-la com uma enorme dignidade respeitando a dor e aquele momento tão difícil, o que é raro e nos impressionou positivamente.
Em segundo lugar, que por um momento as guerras tão artificiais e estéreis do futebol se esqueceram, sendo que todos os clubes, inclusive o arqui-rival do Benfica, estiveram presentes e apenas existiu solidariedade.
Termino, Sr. Presidente, deixando uma palavra de solidariedade à família do falecido e duas palavras finais: uma, para o Benfica e seus dirigentes, que gostaria que fosse também, muito em particular, para os seus jogadores e equipa técnica - "Até terça-feira, porque a vida tem de continuar"; e a última, obviamente, para o jogador e para a sua memória, esperando que ele seja recordado pelo seu imenso talento - "Até sempre Miklos Fehér".

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Miklos Fehér faleceu ali, com um sorriso gaiato e feliz nos lábios, no relvado, que era o seu espaço de eleição, a razão maior da sua vida, no País que o acolhera quase menino e onde aprendera a ser quase um dos nossos.
O Miki deixou-nos na pujança da sua juventude e o futebol ficou mais pobre sem ele.
Atleta de excepção, ele foi um jogador empenhado numa carreira em que primou pela qualidade no

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seu empenho, pelo seu inigualável talento e por uma atitude de respeito cívico pelos princípios do fair-play e da sã convivência com todos os protagonistas do fenómeno desportivo.
O Miki partiu deixando os seus companheiros ali, desfeitos num pranto impotente perante a desditosa sorte que implacável e precocemente o levava do nosso convívio.
Num tempo em que a própria morte se banaliza nos alinhamentos noticiosos, ele caiu ali, à vista de todos nós, que gostamos de futebol; diante de nós que, impotentes para lhe valer, assistimos a uma corrida angustiada contra um destino fatal, que o ceifaria de um futuro que se lhe adivinhava frutuoso e brilhante.
O Grupo Parlamentar do PS apresenta as suas mais sentidas condolências aos seus entes mais queridos, à Embaixada Húngara em Portugal e, por seu intermédio, a todo o povo da Hungria, país de que foi um brilhante representante, bem como a toda a família benfiquista, assim confrontada com este doloroso falecimento.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Melchior Moreira.

O Sr. Melchior Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No passado Domingo, o País ficou consternado ao ver em directo a morte trágica de Miklos Fehér, carinhosamente conhecido por Miki, um jovem atleta respeitado e estimado por todos os seus colegas, adversários e dirigentes. Apesar de prontamente socorrido e de todos os meios terem sido disponibilizados, nada foi possível fazer.
Esta tragédia provocou uma onda de solidariedade nacional que ultrapassou os clubes, as diferenças e o tradicional confronto que se verifica ainda nos nossos estádios.
Que esta onda de solidariedade, que esta emoção que a todos uniu, seja o princípio de uma nova forma de encarar o fenómeno desportivo, no respeito pela diferenças, pelo esforço dos atletas e por todos os agentes desportivos.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, solidarizo-me com o sofrimento causado pela morte do jogador Miklos Fehér e, neste momento de profunda consternação, não posso esquecer os seus familiares, os seus amigos, o seu país, bem como deixar de endereçar ao Sport Lisboa e Benfica, na pessoa do seu presidente, a expressão de sentidos pêsames.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte de Miklos Fehér transtornou muito o nosso país, onde jogava, e o seu país natal, a Hungria, e impressionou também muito para além destas fronteiras - um jovem de 24 anos, determinado no seu sonho de dedicação ao desporto e ao futebol profissional; uma morte inesperada em directo, chocante.
É de salientar a consternação e a profunda tristeza sentida e manifestada por aqueles que com ele conviviam e trabalhavam diariamente, o que demonstra, sem dúvida, o carinho que nutriam por Fehér.
À família de Miklos Fehér e ao Benfica o Grupo Parlamentar de Os Verdes manifesta o seu profundo pesar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O momento chocante que testemunhámos no passado Domingo dificilmente, ou nunca, será apagado da nossa memória colectiva. A morte de Fehér não foi indiferente a ninguém. O valor desportivo e humano deste jovem jogador, reconhecido por todos os que com ele conviveram, foi uma razão maior para a consternação geral que atravessou o País e, principalmente, para os amantes do desporto.
Miklos Fehér motivou paixões, proporcionou momentos únicos, foi um construtor da história quotidiana do futebol português.
Aos 24 anos, como aqui já foi afirmado, Miklos Fehér era mais jovem do que os mais jovens que aqui estão e o caminho que lhe estava traçado - todos o diziam - era, no mínimo, muito promissor: foi interrompido, de forma brutal, naquele momento verdadeiramente impressionante que, infelizmente, pudemos testemunhar.
Cabe aqui salientar a onda de solidariedade registada, que ultrapassou paixões clubísticas e que, naturalmente, deve merecer a nossa adesão.
Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, cabe-me apresentar as nossas mais sentidas condolências à família do atleta, ao Sport Lisboa e Benfica, aos seus dirigentes, à sua massa associativa e aos seus adeptos.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome pessoal e em nome do Governo, uma palavra também breve mas sentida.
Como já aqui foi dito, no passado Domingo o País assistiu, incrédulo e chocado, à morte terrível do atleta do Sport Lisboa e Benfica Miklos Fehér. Foi dramática a constatação da crueldade da morte, a morte que vence tudo e todos.
Morreu um atleta de eleição que tinha ainda muito para dar, um atleta que representou a selecção do seu País, um atleta que escolheu Portugal para o exercício da sua profissão. Mas, para além disso e, porventura, mais importante, perdeu-se uma vida - morreu um jovem de 24 anos. Esta é, porventura, a perda mais importante, porque é uma perda brutal e é a única que é mesmo irreparável.
Perante esta situação, que a todos chocou, julgo que também vale a pena uma breve reflexão sobre a necessidade de hierarquizar valores. Este drama serviu para mostrar como tudo é efémero perante a morte, como tudo cede perante a morte; os jogos, a competição, os desafios, as guerras verbais ou de palavras, tudo é relativo, tudo cede perante a morte, tudo é efémero.
Esta morte gerou choque e uma grande onda de solidariedade no país desportivo e fora dele. Foi uma solidariedade sincera e comovente, numa atitude bonita. Como bonito foi o gesto do Presidente do Benfica ao dizer, publicamente, que, em homenagem ao atleta falecido, a sua camisola não seria mais utilizada por ninguém. Como bonito foi todo o sentimento desta Assembleia e do País inteiro.
É por essas razões que aqui expresso também, em nome pessoal e do Governo, a minha própria homenagem ao atleta que deixa saudade e à sua família que perdeu um filho e um parente. A minha homenagem ainda e condolências ao Sport Lisboa e Benfica, à sua direcção e a toda a sua equipa, neste momento em que, naturalmente, choramos com saudade alguém de que gostávamos e que, na vida, se comportou como um senhor.

O Sr. Presidente: - Em nome pessoal e em nome da Mesa, associo-me às palavras sentidas, de pesar, que foram proferidas. Estou, por mim, convicto de que poucos acontecimentos recentes terão impressionado tanto a nossa sociedade como esta morte, em directo, do futebolista do Benfica Miklos Fehér. De alguma forma, pode dizer-se que ele morreu diante dos nossos olhos, na nossa própria sala de estar, em cada uma das casas dos portugueses.
A morte choca-nos porque toca no mais íntimo da nossa própria existência e nos coloca interrogações fundamentais. Tratando-se de um jovem, como sucedeu neste caso, mais impressionante ainda se torna esta morte, dado que sabemos que dela também temos de tirar lições importantes, todos os portugueses, todos nós - representantes do povo português - e, de uma forma especial, aqueles que com ele conviveram e a quem se dirigem, neste momento, as nossas homenagens e os nossos sentidos pêsames.
Srs. Deputados, vamos, então, votar o voto n.º 127/IX.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Guardaremos 1 minuto de silêncio, em homenagem a Miklos Fehér.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, antes de prosseguirmos, devo assinalar que também se encontra nesta Sala, na tribuna dos convidados, o Sr. Embaixador da Hungria em Lisboa, cuja presença agradeço.
Este voto será transmitido às entidades a quem se reporta.
Passamos à apreciação e votação de dois votos de congratulação, o primeiro dos quais é o voto n.º 125/IX - De congratulação pela vitória de Manuel Centeno no Circuito Mundial de Qualificação de Bodyboard de 2003 (CDS-PP), o qual vai ser apresentado pelo Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Manuel Centeno sagrou-se Campeão do Mundo do Circuito Mundial de Qualificação de Bodyboard de 2003, no Hawai, obtendo, assim, o mais importante título alcançado por um surfista ou bodyboarder português.
Manuel Centeno somou 1405 pontos no cômputo final de todas as etapas, tendo ficado com larga vantagem em relação ao segundo classificado, Uri Valadão, do Brasil. Conseguiu, assim, obter a vitória por larga margem nesta prova internacionalmente reconhecida e que teve lugar nos mais diversos locais do mundo, como é o caso do Japão, Tahiti, Brasil e Portugal.
Este título volta a honrar Portugal no bodyboard mundial, depois de Rui Ferreira ter sido Vice-

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Campeão do Mundo, no mesmo Circuito e na prova no Hawai.
Aliás, é ainda de realçar que este resultado apenas foi possível graças à brilhante vitória alcançada por Centeno no Sintra Portugal Pro 2003, realizado em Agosto passado, na Praia Grande. Este desportista foi o primeiro português a obter a vitória nesta prova, em território nacional.
O sucesso dos atletas portugueses não pode deixar de merecer de todos nós grande consideração e respeito. Em particular nos dias de hoje, em que cada vez mais é reconhecido o papel imprescindível da prática desportiva no desenvolvimento harmonioso da pessoa humana e a sua função essencial na construção de uma sociedade saudável e equilibrada, esta vitória tem que deixar Portugal orgulhoso.
A Assembleia da República congratula-se e saúda, desta forma, o bodyboarder Manuel Centeno pela obtenção do título de Campeão do Mundo de Bodyboard de 2003.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vamos, agora, apreciar o voto n.º 126/IX - De congratulação pelos bons resultados alcançados pelos concorrentes portugueses no Campeonato do Mundo da Classe Liberty de Vela (CDS-PP). Para proceder à sua apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Campos Cunha.

O Sr. Henrique Campos Cunha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entre os dias 13 e 22 de Janeiro deste ano realizou-se o primeiro Campeonato do Mundo da Classe Liberty, em solitário. Este campeonato foi um marco, pois trata-se do primeiro campeonato de vela, em solitário, no mundo, para pessoas com deficiência. Trata-se de uma iniciativa do Clube Blairgowrie Yacht Squadron, actuando sob as orientações da International Foundation for Disabled Sailing.
Estiveram presentes na prova vários países, como Austrália, Estados Unidos da América, Reino Unido, Grécia, Japão e Portugal. As regatas ocorreram na baía de Port Philip e os ventos, algo inconstantes, exigiram dos concorrentes grande perícia.
A delegação nacional foi apoiada pela Federação Portuguesa de Vela e pela Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes, coordenadas pela Associação Portuguesa de Vela Adaptada.
Portugal foi representado por Bento Amaral, velejador do Clube de Vela Atlântico, que alcançou um brilhante segundo lugar, e por Fernando Pereira, do Clube Náutico de Fafe, que ficou classificado em sétimo lugar.
A Assembleia da República congratula-se e saúda, desta forma, os velejadores portugueses Bento Amaral e Fernando Pereira pela sua prestação no primeiro Campeonato do Mundo da Classe Liberty, em solitário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação dos voto n.º 125/IX - De congratulação pela vitória de Manuel Centeno no circuito mundial de qualificação de bodyboard de 2003 (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Agora, vamos votar o voto n.º 126/IX - De congratulação pelos bons desempenhos alcançados pelos concorrentes portugueses no campeonato do mundo de classe liberty de vela (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente, no sentido de pedir a ajuda de V. Ex.ª quanto a questões procedimentais no que diz respeito aos votos de congratulação apreciados nesta Câmara.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, o direito dos partidos e dos Srs. Deputados a apresentarem iniciativas legislativas ou outras para apreciação neste Plenário e na Assembleia da República não está nunca em causa, mas devemos também ter como preocupação a salvaguarda da dignidade e do prestígio desta Assembleia, que nunca deveremos pôr em causa.

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Assim, Sr. Presidente, quero pedir o exercício da sua magistratura no sentido de influenciar os partidos a encontrarem um consenso parlamentar, de forma a que não voltemos a ter votações como aquelas duas que acabámos de fazer relativamente a votos de congratulação.
Devemos dignificar a Assembleia da República, mas penso que não fomos no bom caminho com estas duas últimas votações.

Aplausos de alguns Deputados do PS e do BE.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de manifestar a nossa perplexidade neste momento, tendo em conta o teor dos votos apresentados, que, inclusivamente, foram votados por unanimidade.
Pelo ruído que estava no Hemiciclo durante o momento em que os votos foram apresentados, se calhar, os Srs. Deputados não tomaram consciência daquilo a que diziam respeito, por isso convém lembrá-lo.
Estávamos a falar, em primeiro lugar, de um campeão mundial em representação de Portugal. Não aceitamos, como é natural, que sejam hierarquizadas as práticas desportivas, que haja práticas desportivas de primeira e práticas desportivas de segunda.
Estamos a falar de um português de primeira, porque é um desportista, representou o nosso país e é campeão mundial!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mais grave ainda, Sr. Presidente, é que no segundo voto estávamos a falar de dois portugueses com uma característica diferente da esmagadora maioria: têm uma deficiência profunda.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sendo deficientes profundos, pela primeira vez, numa classe de solitário, em que uma pessoa sozinha está num barco à vela, representaram também Portugal mas, acima de tudo, representaram-se a si próprios. Representaram ao mais alto nível a dignidade humana, mostrando que ninguém, por maior que seja a sua deficiência, pode ser posto em causa e que têm também a capacidade de representar-se a si próprios e ao seu País ao mais alto nível!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Há opiniões divergentes sobre a matéria, o que é natural numa Casa como a nossa. Em todo o caso, respondendo à observação do Sr. Deputado Ascenso Simões, tenho a lembrar-lhe (aliás, nem será preciso lembrar-lhe, pois o Sr. Deputado sabe isso e até lhe fez referência) que a iniciativa para a apresentação de votos é em exclusivo da Mesa, dos grupos parlamentares e de cada um dos Deputados.
A Mesa faz votar as propostas apresentadas, podendo sempre os Srs. Deputados que não concordem com elas votar contra.

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 383/IX - Colocação de guardas de segurança metálicas nas vias de comunicação públicas, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas (PSD e CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Este projecto de lei baixa à 9.ª Comissão para apreciação na especialidade.
De seguida, vamos votar o projecto de resolução n.º 199/IX - Estrutura e competências dos serviços da Assembleia da República (Conselho de Administração da AR), cujo texto inclui as alterações contidas

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na proposta junta ao projecto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Agora, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 384/IX - Cria a Agência Gestora da Floresta Nacional (AGFN), o Fundo de Reconversão Florestal (FRF) e as Unidades de Gestão Florestal (UGF) (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e do PCP, votos a favor do PS e abstenções do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 206/IX - Medidas prioritárias para a defesa de uma floresta sustentável (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 341/IX - Assistência a banhistas (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, segue-se a votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 406/IX - Promoção da segurança nos locais destinados a banhistas (PSD e CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Estes dois projectos de lei baixam à 4.ª Comissão para apreciação na especialidade.
De seguida, vamos votar o projecto de resolução n.º 207/IX - Renovação do mandato da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político (PSD, PS e CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP, votos contra do BE e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 92/IX - Adita novas substâncias às tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do BE.

A proposta de lei baixa à 1.ª Comissão para apreciação na especialidade.
Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 130/IX - Protecção das fontes dos jornalistas (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PS e do BE e abstenções do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, é para anunciar a V. Ex.ª e à Câmara que eu próprio e o Sr. Deputado António José Seguro apresentaremos uma declaração de voto, por escrito, sobre esta votação.

O Sr. Presidente: - É regimental. Fica registado. Peço-lhe o favor de enviá-la à Mesa dentro do prazo previsto no Regimento.
Srs. Deputados, passamos à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho

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e Assuntos Sociais, relativo à proposta de lei n.º 100/IX - Aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Vamos proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalhos e Assuntos Sociais, relativo à proposta de lei n.º 101/IX - Cria o sistema integrado de avaliação do desempenho na Administração Pública.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, é para apresentar uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 100/IX, do Governo, que aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, contra a qual votámos e que acaba de ser aprovada pelos partidos que suportam o Governo, incorpora um conjunto de soluções extremamente gravosas para os trabalhadores da Administração Pública, como sejam: aplicação do despedimento colectivo; lay off; despedimento por extinção de postos de trabalho; nulidade dos contratos de trabalho por motivos não imputáveis ao trabalhador; proibição em absoluto da conversão dos contratos a termo em contratos sem termo. Todos susceptíveis de pôr em causa princípios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa, como seja, o princípio da segurança no emprego.
O Partido Socialista admite - sempre o afirmámos - como possível e adequado, em determinadas situações, estender à Administração Pública, com as necessárias adaptações, o modelo do contrato individual de trabalho que vigora para o sector privado.
Contudo, na nossa opinião, não existem razões objectivas que justifiquem, no quadro da Administração Pública, a opção pela consagração daquelas soluções. Muito menos ainda se justifica que tal modalidade contratual, a aplicar na Administração Pública, assente num modelo ainda mais gravoso e degradado que o aplicável aos trabalhadores do sector privado.
Dissemos desde o início que não contassem com o Partido Socialista para pactuar na consagração de soluções para a Administração Pública ainda mais gravosas que as previstas no Código do Trabalho, como, de facto e infelizmente, veio a confirmar-se.
Mais uma vez, demonstrando total insensibilidade e desrespeito pelos direitos e expectativas dos trabalhadores, o PSD e CDS-PP chumbaram, uma a uma, todas as propostas que apresentámos, sem conseguirem demonstrar a justeza do modelo de relações de trabalho que pretendem impor na Administração Pública.
Com a aprovação desta proposta de lei, o Governo e os partidos que o suportam fazem do Estado o pior de todos os empregadores, criam um regime de trabalho que degrada direitos individuais e colectivos muito mais gravoso que o vigente no sector privado. As soluções que adoptam em nada contribuem para a melhoria da qualidade, da eficácia e da eficiência do serviço público.
Mais uma vez, o Governo do Dr. Durão Barroso impõe ao País medidas que configuram uma clara violação da Constituição da República Portuguesa.
A proposta de lei n.º 101/IX, aprovada com os votos do PSD e do CDS-PP, adopta um modelo de avaliação para a Administração Pública caracterizado por uma forte complexidade, indefinição e opacidade, abrindo a porta à discricionariedade e à instrumentalização da gestão das carreiras, sistema que liminarmente repudiamos.
O modelo que defendemos e queremos assenta, objectivamente, em princípios de transparência, rigor, justiça, simplificação e participação e co-responsabilização dos seus interessados.
Não aceitamos um sistema como o que acaba de ser aprovado, que impõe quotas com o único objectivo de condicionar a promoção e a progressão das carreiras dos trabalhadores; que confere um carácter de confidencialidade às classificações, impedindo-os de conhecerem e reclamarem quando for caso disso;

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que só avalia os trabalhadores, deixando de fora as chefias máximas e favorecendo as chefias intermédias; e, não menos importante, que exclui a participação dos principais destinatários da avaliação e ignora o princípio da transparência.
Mais uma vez, às nossas propostas PSD e CDS-PP disseram "não!". Preferiram aprovar um sistema de avaliação pouco claro e transparente, que encerra soluções que não respondem nem aos interesses da Administração Pública, nem aos beneficiários do serviço público, nem tão-pouco aos anseios e expectativas dos trabalhadores.
A imposição de medidas desta natureza e a recusa ao diálogo e à concertação em questões fundamentais para a estabilidade do País terão sempre a rejeição total e absoluta do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, é para anunciar que um grupo de Deputados do Partido Socialista irá apresentar na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Fica registado. Peço-vos que a enviem à Mesa dentro do prazo regimental.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai agora dar conta de três pareceres da Comissão de Ética que carecem de apreciação e votação.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Ministério Público - Distrito Judicial de Lisboa - DIAP, Processo n.º Nuipc 13575/03.3TDLSB, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Vieira da Silva (PS) a prestar depoimento por escrito, na qualidade de assistente, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Inspecção-Geral da Educação, Processo n.º 3566/DRL/03, a Comissão de Ética emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins (PS) a prestar depoimento por escrito, na qualidade de testemunha de defesa, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Como não há inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - 2.º Juízo Criminal, Processo n.º 20/99.6JAPDL, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte (PS) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Como não há inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, com início às 10 horas, e será integralmente preenchida com o debate mensal com o Sr. Primeiro-Ministro.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

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Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas, respectivamente, à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 130/IX - Protecção das fontes dos jornalistas (BE) e à votação final global dos textos finais, apresentados pela Comissão de Trabalhos e Assuntos Sociais, relativos às propostas de lei n.os 100/IX - Aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública e 101/IX - Cria o sistema integrado de avaliação do desempenho na Administração Pública

O pressuposto em que assentou a votação favorável do Partido Socialista consiste no facto de estar em curso o processo de revisão do Código de Processo Penal, constituindo o mencionado projecto de lei n.º 130/IX uma hipótese de trabalho a ser ponderada nessa sede.
Importa, contudo, ter em conta que o projecto de lei em causa, embora tenha como título a "protecção das fontes dos jornalistas" e vise a alteração de um singelo número do artigo 135.º do Código de Processo Penal, tem implicações mais vastas na economia global desse mesmo artigo 135.º e, consequentemente, no regime de segredo profissional a que estão sujeitas ou beneficiam várias categorias profissionais. O preceito cuja alteração se propõe estabelece as regras e o processo a seguir na quebra do segredo profissional de ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de instituições de crédito e outras pessoas.
Até aqui apenas os ministros de religião e culto estão imunes à possibilidade de quebra do segredo profissional prevista no n.º 3 do artigo 135.º. Isto é, entende-se que aquelas pessoas não são obrigadas a depor com quebra de segredo profissional legitimamente invocado, mesmo quando essa quebra se pudesse mostrar justificada face às normas e princípios da lei penal, nomeadamente face ao princípio do interesse preponderante. Em consequência, mesmo que se pudesse invocar um interesse preponderante em relação à manutenção do segredo profissional, este não pode ser quebrado por decisão do tribunal, ainda que aquele interesse preponderante seja manifestamente superior.
Trata-se de uma excepção que, além do mais, tem sido criticada por algum sector da doutrina, mas que não importa discutir aqui.
O alargamento da excepção contida no n.º 4 aos jornalistas, salvo em casos extremos e quase académicos (ser a única forma de prevenir, directamente, um crime), seria desde logo passível dessas mesmas críticas.
Mas a introdução da alteração agora proposta lesaria seriamente o equilíbrio interno do artigo 135.º. Designadamente, porque consagraria para os jornalistas a possibilidade quase absoluta de proteger fontes, essencialmente em nome do interesse público da liberdade de informação (e não do interesse pessoal das fontes em serem protegidas…) ao mesmo tempo que não se concederia, por exemplo, aos advogados e aos médicos a possibilidade quase absoluta de proteger os seus clientes/pacientes.
Ora, quanto a estes últimos, o sigilo profissional relaciona-se estreitamente com a protecção e desempenho de uma função de interesse público, mas também visa em igual (ou superior) medida salvaguardar interesses pessoalíssimos das pessoas que revelam factos àqueles cuja ajuda solicitam para beneficiar dessa ajuda. O complexo de valores e interesses protegidos pelo segredo profissional de advogados e médicos é, por conseguinte, mais abrangente, mais pesado.
Seria, por isso, uma inexplicável inversão de valores estabelecer um regime mais favorável para o segredo profissional de jornalistas do que para as categorias profissionais citadas.
Além disso é muito discutível que o delicado equilíbrio entre os interesses gerais da justiça, designadamente o desiderato da busca da verdade material e os interesses subjacentes à protecção do segredo profissional, hoje patente no artigo 135.º do Código de Processo Penal, deva ser colocado em causa por qualquer forma.

Os Deputados do PS, Vitalino Canas - António José Seguro.

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A reforma da Administração Pública é tema recorrente de há décadas. Vários têm sido os momentos em que Governos e forças sociais reclamam uma profunda alteração no funcionamento da máquina do Estado.
Do modelo clássico puro, em que a separação entre políticos e funcionários era regra, das transformações do mesmo modelo, decorrentes da consagração da escola das relações humanas e da construção do Estado de "welfare", à consagração do modelo gestionário, em que o controlo da despesa, a descentralização das responsabilidades, a definição de objectivos e os processos de medição da performance são marcas, várias têm sido os olhares científicos necessárias à abordagem de uma reforma e às necessárias iniciativas concretizadoras.

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O que nos apresenta este Governo não é um caminho sustentado em qualquer modelo. Antes se pode vislumbrar um outro paradigma que assenta num olhar de Estado em vias de extinção, limitado a pequenos nichos de obrigações quase todas ligadas a núcleos ínfimos das chamadas funções de soberania.
E aqui entronca a grande divergência entre a actual maioria e a esquerda moderna.
Apelar, portanto, a um consenso entre formas tão distantes de olhar os problemas da Administração Pública e principalmente entre formas tão díspares de encontrar os caminhos para uma maior eficácia e eficiência com uma menor presença do Estado nos sectores vitais às sociedades modernas, é reivindicar o impossível.
Torna-se, pois, difícil o assentimento sobre as grandes metas e sobre os caminhos necessários à concretização de políticas para uma nova administração.
O Partido Socialista, como grande espaço de alternativa, não pode deixar de considerar que só a valorização do papel do Estado em sectores onde seja obrigatória a garantia de acesso universal, da valorização da dignidade pessoal, da cidadania e do igual tratamento dos indivíduos, é aceitável.
A Assembleia da República não discutiu até hoje qualquer reforma. Mas analisou e votou várias iniciativas que são pontos mínimos de uma pseudo-reforma anunciada. Dois desses diplomas dizem respeito à introdução do contrato individual de trabalho na Administração Pública, claramente destinado à administração directa e a uma parte da administração autónoma (a administração indirecta já beneficiava desse regime) e à avaliação do desempenho.
Sobre o primeiro diploma são os subscritores da presente declaração favoráveis à existência de um novo contrato de trabalho para a função pública, aplicável, sem retroactividade, a todos os funcionários e agentes, para os quais passem a vigorar as condições impostas aos restantes trabalhadores. Sobre esse novo tipo de contrato só não impenderia a norma do despedimento, uma vez que a perenidade do Estado e a independência dos seus agentes obriga a uma relação "intemporal". A possibilidade de existência de recursos humanos "disponíveis" deveria obrigar, por isso, a regimes de flexibilização e mobilidade acrescidos e não menosprezadores dos direitos.
Sobre o regime de medição das performances é entendimento dos subscritores desta declaração que o diploma do governo não evolui no sentido correcto. Desde logo se negam as garantias de uma livre e democrática avaliação, condições essenciais no emprego público. Depois, os critérios de avaliação excessivamente afunilados impedem uma consagração da verdadeira auto-avaliação, da avaliação horizontal e ascendente, métodos que em serviços públicos equilibrariam a chamada avaliação vertical prevista. Por fim, as técnicas usadas de recurso a quotas irão coibir o alastramento do modelo aprovado a serviços, equipas e espaços de negócio de elevada prestação e de alta exigência ao nível dos avaliados. Assim, é fácil constatar que o regime sancionado parte limitado na sua aplicação e só se destinará, no máximo, a cerca de 1/3 dos funcionários e agentes do global de recenseados nas administrações públicas.
As propostas discutidas na Assembleia da República, com as contingências teóricas e com as disfunções técnicas já assinaladas poderiam, no entanto, ter merecido uma discussão mais aprofundada. Teria sido relevante uma maior abertura, da parte dos agentes políticos, começando pelo "surdo" Governo, para a consagração de um saudável beneplácito no tocante a estes dois diplomas, assentimento que em nada faria abafar, quanto ao modelo de administração pública para Portugal, as profundas divergências entre os partidos do Governo e o PS.
Seguir no debate sobre as novas administrações públicas tem muito mais a ver com a territorialização dos serviços, a determinação das áreas de parceria, os campos de "outsourcing", os princípios da regulação e a determinação das exigências na acção concreta dessa regulação. Porém, nada disto se concretizará com sucesso sem se garantirem a dignidade, o empenho e qualificação dos funcionários e dos agentes.

Os Deputados do PS, Ascenso Simões - Afonso Candal - António Galamba - António José Seguro - Fernando Cabral - José Apolinário - Miguel Ginestal - Vitalino Canas - Eduardo Cabrita - Guilherme d'Oliveira Martins - Sónia Fertuzinhos

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Arménio dos Santos
José Manuel de Matos Correia
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Socialista (PS):

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António Alves Marques Júnior
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Fausto de Sousa Correia
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Jorge Lacão Costa
José Manuel Pires Epifânio
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes

Partido Socialista (PS):
Júlio Francisco Miranda Calha
Maria Amélia do Carmo Mota Santos

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Eduardo Artur Neves Moreira
Manuel Joaquim Dias Loureiro

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Laurentino José Monteiro Castro Dias

Partido Popular (CDS-PP):
José Helder do Amaral

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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