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Sexta-feira, 6 de Fevereiro de 2004 I Série - Número 48

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Henrique Jorge Campos Cunha
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes (BE) explicitou as propostas contidas no projecto de lei que o Bloco de Esquerda apresentou tendo em vista a revisão do diploma que regula as eleições para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Alberto Martins (PS) e deu explicações ao Sr. Deputado Telmo Correia (CDS-PP), que usou da palavra em defesa da honra da bancada.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) defendeu a realização de um debate de urgência a fim de que o Sr. Primeiro-Ministro dê explicações à Câmara sobre as informações que possui relativas à existência de armas de destruição em massa no Iraque e que levaram ao envolvimento de Portugal na guerra com aquele país. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), José Saraiva (PS) e António Nazaré Pereira (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Lacão (PS) teceu diversas críticas à actuação do Governo na área da justiça, tendo alertado para a necessidade de se proceder à reforma do regime processual penal. Deu, depois, resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e António Montalvão Machado (PSD).
A Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes), em declaração política, face aos perigos advindos das centrais nucleares espanholas, exigiu que Portugal tomasse uma posição. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Pedro Silva Pereira (PS) e Luísa Mesquita (PCP).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, o Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento) fez uma intervenção subordinada ao tema "Livre acesso aos canais generalistas de televisão para as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores", tendo-se seguido no uso da palavra, a diverso título, além daquele orador, os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), António Filipe (PCP), Francisco Louçã (BE), Augusto Santos Silva (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Deputado Manuel Cambra (CDS-PP) falou da importância do distrito de Aveiro no desenvolvimento da região centro do País e, depois, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Afonso Candal (PS).

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Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 35 a 41 do Diário.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 49/IX - Criminaliza o comércio de órgãos e tecidos humanos, bem como a propaganda e o aliciamento associados à sua prática, aditando novas disposições à Lei n.º 12/93, de 22 de Abril (PS). Intervieram no debate os Srs. Deputados João Rui de Almeida (PS), Eugénio Marinho (PSD), Odete Santos (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP), Odete Santos (PCP) e Luís Fazenda (BE).
Após leitura do voto n.º 129/IX - De pesar pelo falecimento do cineasta José Álvaro Morais (PS), feita pelo Sr. Deputado Augusto Santos Silva (PS), o mesmo foi aprovado, tendo, no fim, a Câmara guardado 1 minuto de silêncio.
Foram rejeitados os pontos 1 e 3 e aprovado o ponto 2 do voto n.º 128/IX - De protesto contra as condições em que se encontram mais de 600 prisioneiros na base militar de Guantanamo (PCP), tendo-se pronunciado os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Almeida Henriques (PSD), Vítor Ramalho (PS), João Rebelo (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes) e Luís Fazenda (BE).
O Sr. Deputado Vicente Jorge Silva (PS) procedeu à leitura do voto n.º 130/IX (PS) - De protesto pelas afirmações proferidas pelo porta-voz do CDS-PP, António Pires de Lima, em relação ao ex-Presidente da República e ex-Primeiro-Ministro e actual Eurodeputado, Mário Soares, sobre o qual se pronunciaram os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Luís Campos Ferreira (PSD), Francisco Louçã (BE) e Isabel Castro (Os Verdes), tendo, no final, sido rejeitado.
Foram aprovados os projectos de resolução n.os 209/IX - Viagem do Presidente da República a Barcelona (Presidente da AR), 212/IX - Viagem do Presidente da República à Irlanda (Presidente da AR) e 217/IX - Direcção do Portal da Assembleia da República na Internet (Presidente da AR).
Após debate sobre a proposta de substituição, apresentada pelo PSD e CDS-PP, relativa ao projecto de resolução n.º 213/IX - Revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007 (PSD e CDS-PP), em que usaram da palavra os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Francisco Louçã (BE), António Costa (PS) e Telmo Correia (CDS-PP), foi a mesma aprovada.
Os projectos de resolução n.os 216/IX - Por um novo instrumento de coesão económica e social da União Europeia e de coordenação da política monetária da zona euro (PCP) e 127/IX - Dupla tributação dos emigrantes portugueses na Alemanha (PS) foram rejeitados.
A Câmara autorizou seis Deputados do PS a deporem em tribunal.
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 272/2003, de 29 de Outubro, que estabelece o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado, através do Ministério da Cultura, a entidades que exercem actividades de carácter profissional no domínio das artes do espectáculo e de arte contemporânea, designadamente das artes plásticas e visuais [apreciação parlamentar n.º 60/IX (PS)]. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura (José Amaral Lopes), os Srs. Deputados Manuela de Melo (PS), Pedro Alves (PSD), Henrique Campos Cunha (CDS-PP), Gonçalo Capitão (PSD), João Teixeira Lopes (BE), Luísa Mesquita (PCP) e Augusto Santos Silva (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro

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José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís

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Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas

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Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa diversos requerimentos.
No dia 20 e nas reuniões plenárias de 22 e 23 de Janeiro - ao Ministro da Presidência, ao Ministro Adjunto do Primeiro Ministro e ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulados pelo Sr. Deputado António Galamba; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Gonçalves; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Habitação, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, da Justiça, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e da Administração Interna e à Câmara Municipal de Lisboa, formulados pelos Srs. Deputados Ascenso Simões, Rodeia Machado, João Teixeira Lopes e Heloísa Apolónia; aos Ministérios da Saúde, da Segurança Social e do Trabalho, da Economia e dos Negócios Estrangeiros e à Câmara Municipal de Matosinhos, formulados pelos Srs. Deputados Paula Cristina Duarte, Honório Novo, Luísa Mesquita e Maria do Carmo Romão; à Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Batista Santos; aos Ministérios da Economia e das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulados pelo Sr. Deputado José Apolinário; à Ministra de Estado e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Mota Andrade.
Na reunião plenária de 23 e nos dias 26 e 27 de Janeiro - aos Ministérios da Economia, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, da Saúde, da Educação e da Cultura, à Câmara Municipal de

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Loures e à Junta de Freguesia de Bobadela, formulados pelos Srs. Deputados António Galamba e Miranda Calha; ao Ministério da Justiça, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados por diversos Srs. Deputados.
No dia 26 de Janeiro - Álvaro Castello-Branco, Isabel Castro, Bruno Dias, João Teixeira Lopes, José Junqueiro, Guilherme d'Oliveira Martins, António Galamba, Gonçalo Breda Marques, Honório Novo, Marques Júnior e Bernardino Soares.
No dia 28 de Janeiro - Fernando Pedro Moutinho, José Junqueiro, António Filipe, Vicente Merendas, Ana Benavente, João Rebelo, Miranda Calha, Luísa Mesquita, Luís Fazenda, Odete Santos, Bruno Dias, Leonor Coutinho, Custódia Fernandes, Isabel Castro, Lino de Carvalho, António Galamba, Bernardino Soares, Honório Novo e Isabel Gonçalves.
Nos dias 26 a 29 de Janeiro - João Teixeira Lopes, Jorge Nuno de Sá, Luís Fazenda, Manuel Oliveira, Fernando Pedro Moutinho, Fernando Cabral, Luís Miranda e António Galamba.
No dia 2 de Fevereiro - Maria Santos, Vítor Batista, Eduardo Moreira, Fernando Cabral, José Apolinário, Luísa Mesquita, Bernardino Soares, Jerónimo de Sousa, António Filipe, Joana Amaral Dias, Heloísa Apolónia, Honório Novo, Maria Manuela Aguiar, Carlos Luís, Carlos Alberto Gonçalves, Luiz Fagundes Duarte, Rodeia Machado, Paula Duarte, António Galamba, Ascenso Simões e Edite Estrela.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, de início, no tempo da retórica e das grandiosas intenções, o consenso era unânime e inequívoco: órgãos de soberania, partidos políticos, assembleias e governos regionais formavam um só coro no sentido de que era urgente rever a lei eleitoral para os Açores e para a Madeira!
No caso dos Açores, verifica-se um claro problema de conversão de votos em mandatos; no que respeita à Madeira, existem gravíssimas distorções aos princípios da igualdade e da representatividade.
No primeiro caso - Açores - o Bloco de Esquerda segue a proposta aprovada (sem votos contra) pela Assembleia Regional dos Açores, visando a criação de um 10.º círculo, de compensação, composto por cinco Deputados. Se tal proposta fosse seguida, de acordo com os resultados das últimas eleições regionais, o PS manteria o seu número de Deputados, bem como o PCP, mas o PSD subiria de 18 para 20 Deputados e o CDS-PP de 2 para 5.
No caso da Madeira, o Bloco de Esquerda apresentou já um projecto de lei que compila num único diploma toda a legislação que diz respeito à lei eleitoral para a Assembleia Legislativa Regional, actualizando, ao mesmo tempo, um vasto conjunto de normas e seguindo de perto a lei eleitoral para a Assembleia da República.
Realço, como não poderia deixar de ser, a correcção da distorção inconstitucional do princípio da proporcionalidade. Não bastam - que fique bem claro - as pequenas melhorias introduzidas em 2000, com o aumento de um para dois Deputados nos círculos de Porto Santo e Porto Moniz. O fundamental, a correcção que urge introduzir, prende-se com a necessidade imperiosa de fazer representar todos - repito, todos! - os votos expressos nas diferentes forças políticas, em todos os círculos, para a sua transformação em mandatos. Caso contrário, é a democracia que está em causa. É a Constituição que é violada. E isso tem acontecido, reiteradamente, nos vários actos eleitorais.
Propomos, por isso, que em vez dos actuais onze círculos eleitorais passe a vigorar apenas um, abrangendo todo o território da Região Autónoma da Madeira, única forma, aliás, de prestar tributo à democracia e à Constituição, ou seja, de garantir a plena expressão do princípio da proporcionalidade e de representar, volto a referi-lo, todos os votos de todas as forças políticas, transformando-os em mandatos.
Além do mais, não podemos esquecer que a determinação do número de Deputados tem a particularidade única de depender do número de cidadãos inscritos em cada círculo eleitoral. Em 1976, a Assembleia era constituída por 42 Deputados; hoje, por 61; nas próximas eleições, por 65! Este crescimento contínuo deve ser limitado. Propomos, por conseguinte, que o número de Deputados seja fixado em 51, o que não coloca em causa a possibilidade de todos os partidos políticos actualmente representados fazerem eleger na Assembleia Legislativa Regional Deputados e, pelo contrário, assegura a verdade das eleições.
Olhemos para o actual panorama e avaliemos a justeza e sensatez desta proposta através de dois exemplos: o CDS-PP, apesar de ter conseguido 9,7% dos votos nas últimas eleições, obteve apenas 4,9% dos mandatos, o que equivale a três mandatos.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Uma injustiça!

O Orador: - Ao invés, o PSD, com 56% da votação, conseguiu 67% dos mandatos! Não admira, por isso, que o PSD madeirense tenha feito aprovar, pela 1.ª Comissão da Assembleia Regional, uma

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censura à Assembleia da República - e, implicitamente, ao seu Presidente - por ter admitido o projecto de lei do Bloco de Esquerda visando alterar a lei eleitoral. Nem admira, tão-pouco, que o Deputado regional do PSD-Madeira, Tranquada Gomes, tenha dito - e cito! - que "não aceitaremos leis que visem prejudicar a representatividade eleitoral do PSD-Madeira e (…) eleger administrativamente Deputados da oposição". Está bem claro: para estes senhores o que conta é a lógica particular do seu partido - claramente beneficiado - e não o respeito pela lei e pelo aprofundamento da democracia.
O comportamento do CDS-PP, por sua vez, é revelador, no mínimo, de uma síndrome de dupla personalidade. Quando o Deputado Guilherme Silva ameaçou, no Conselho Regional do PSD-Madeira, deixar o cargo de líder parlamentar caso a lei eleitoral fosse aprovada a tempo das próximas eleições regionais, o indómito Paulo Portas recuou de imediato. E o CDS-PP, que na Assembleia da República tinha amplamente divulgado a sua proposta de alteração da lei eleitoral, rapidamente teve de a adormecer numa gaveta, apesar de o seu líder regional repetidamente reiterar a inconstitucionalidade da lei, tendo mesmo suscitado a questão junto do Sr. Provedor de Justiça!
É conhecido que Alberto João Jardim não tem o hábito de ser coerente. Depois de se ter comprometido, em plena Assembleia Regional, em alterar a lei eleitoral, condiciona agora tal alteração, no seu habitual estilo de chantagem, à revisão do Estatuto da região, contra o parecer unânime dos mais reputados constitucionalistas, segundo os quais não podem os Estatutos dispor sobre matéria eleitoral, sob pena de grave inconstitucionalidade.
O Bloco de Esquerda propõe um caminho claro: um só círculo eleitoral, número fixo de Deputados (51) e introdução do princípio da paridade entre homens e mulheres na constituição das listas. É este o caminho da democracia e da aproximação aos cidadãos, pelo respeito integral da sua vontade. Ao fazê-lo, dignifica-se a Madeira e dignifica-se o País. Saiba a maioria fazer o mesmo.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, ouvimos a sua intervenção com a atenção devida e estamos de acordo com os princípios essenciais que nela enumerou, desde logo a ideia nuclear da proporcionalidade e a ideia, igualmente central, de que o estatuto das regiões autónomas é distinto, material e legalmente, da lei eleitoral para as regiões autónomas. É doutrina constitucional consistente, com a qual estamos identificados.
Gostaria de lhe perguntar se, indo ao encontro da ideia, que também é a nossa, da necessidade do respeito pela proporcionalidade e da adequada constitucionalidade da lei vigente, vai igualmente ao nosso encontro no sentido de aproveitarmos este período de revisão constitucional para, simultaneamente, resolvermos o estatuto constitucional das regiões autónomas e a lei eleitoral, que não é mais do que uma lei material que condensa na sua área específica esse estatuto autonómico.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, de facto, compartilhamos essa sua preocupação. Isto é, o Bloco de Esquerda considera ser imperioso que a lei eleitoral revista entre em vigor já nas próximas eleições regionais, o que pode ser feito em simultâneo com o processo de revisão constitucional ou separadamente. O fundamental, repito, Sr. Deputado, é que estejamos em condições de, em 2004, respeitar a Constituição da República Portuguesa e de respeitar o aprofundamento da democracia.
Tal não acontece hoje. Como tive ocasião de dizer, o que se passa hoje na Madeira, e também nos Açores, é uma distorção inconstitucional ao princípio da proporcionalidade, ou seja, os votos não se fazem representar em mandatos. E é muito curioso, Sr. Deputado, que o CDS-PP tenha duas posições nesta matéria: o líder do CDS-PP/Madeira, José Manuel Rodrigues, considera inaceitável a posição do PSD/Madeira e do próprio líder parlamentar do PSD, Guilherme Silva, tendo suscitado junto do Sr. Provedor de Justiça a inconstitucionalidade da lei.
Ora, o CDS-PP, que tinha apresentado nesta Assembleia uma proposta para rever a lei eleitoral já em 2004, fez ampla divulgação da mesma e, entretanto, meteu-a na gaveta. E meteu-a na gaveta de uma forma estranha! O Dr. Paulo Portas foi à Madeira e disse que o essencial era mudar a composição da assembleia regional pelos votos, porque era uma questão de poucos votos. Mas é o próprio líder do PP/Madeira que diz que há 17 000 votos que não são representados em mandatos! O que quer dizer,

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necessariamente, que entre o que diz o líder do PP/Madeira e o que diz o Dr. Paulo Portas vai uma distância abissal.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, queremos aproveitar esta ocasião para, sem delongas, fazer com que na Madeira e nos Açores se respeitem os princípios constitucionais e para que, desta forma, os eleitores se aproximem da política, porque é no cumprimento da verdade eleitoral que reside também uma dessas mais elementares fontes de aproximação.
Por isso mesmo, não temos duas palavras, não temos duas caras, não temos qualquer contradição nesta matéria. O estatuto é uma questão diferente! Não se pode misturar o estatuto com questões eleitorais. A lei é inconstitucional! A Dr.ª Assunção Esteves teve ocasião de o dizer, outros constitucionalistas também.
Por isso mesmo, é fundamental - e o repto fica lançado - não nos deixarmos uma vez mais prender por acordos privados entre o PSD e o CDS-PP, em prejuízo daquilo que é o interesse das populações.

Aplausos do BE.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Para defesa da honra, Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Deputado Teixeira Lopes referiu, primeiro na sua intervenção e agora na resposta que deu, que o CDS-PP tinha dupla personalidade e duas posições diferentes, o que não corresponde à verdade.

O Sr. Presidente: - E V. Ex.ª considera-se ofendido?!

Risos do BE e do PCP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não sou eu, Sr. Presidente. É a minha bancada e meu partido, como é evidente. Eu, pessoalmente, não. Não tenho problemas de personalidade!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Já tinha dado por isso!
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Quero aproveitar esta ocasião para esclarecer o Sr. Deputado Teixeira Lopes que há, de facto, uma diferença que o Sr. Deputado poderá tentar explorar - é natural que o faça como partido da oposição - entre aquela que é a posição política do CDS-PP na Madeira e aquela que é a posição política do CDS-PP a nível nacional. Isso é óbvio, é elementar,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - São diferentes!

O Orador: - São diferentes, com certeza! É isso que estou a dizer! Portanto, isso é óbvio, é elementar e implica uma actuação política que, em muitas circunstâncias, é diferente. Ou seja, o CDS-PP a nível nacional é membro de uma maioria, faz parte do Governo e apoia esse mesmo Governo. O CDS-PP na Madeira é oposição, precisamente ao PSD. Não vem daí mal ao mundo nem problema nenhum.
Não sei como acontece na Madeira com o Bloco de Esquerda, ou UDP…(não sei se na Madeira é Bloco de Esquerda ou UDP, nunca percebi muito bem). Seja como for, não sei como acontece com o Bloco de Esquerda na Madeira, mas nós, tal como o PSD e penso que o Partido Socialista, temos um certo respeito pelos partidos do ponto de vista da realidade autonómica.
O CDS-PP, na Madeira, tem autonomia, define a sua política, define a sua estratégia. É assim que funcionamos e consideramos que é uma decorrência das regiões autónomas e do próprio princípio da autonomia.
Em relação à lei eleitoral da Madeira, quero dizer-lhe apenas, Sr. Deputado, deixando isso muito claro, que o CDS-PP não tem duas posições. O CDS-PP tem uma única posição: considera que a lei eleitoral

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da Madeira deve ser mais proporcional e deve ser revista nesse sentido.
Se o Sr. Deputado tiver o cuidado de constatar, há de resto declarações do meu partido, do PSD e do PS na Madeira e a nível nacional no sentido de se fazer a revisão dessa lei. Estamos apostados e empenhados na revisão dessa lei e procuraremos fazê-la num consenso com os dois partidos, que procurarão também um consenso em matéria de revisão constitucional. É este o nosso caminho!
Só temos uma palavra, não temos outra palavra. Portanto, Sr. Deputado, espero que esteja esclarecido: não há qualquer problema de personalidade!
O apelo ao eleitorado é outra questão, é normal, estamos em ano de eleições e queremos um bom resultado, como é evidente.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, tenho de insistir que, evidentemente, existe uma duplicidade entre o PP/Madeira e o PP nacional. Aliás, os senhores entregaram nesta Assembleia uma proposta para a revisão da respectiva lei eleitoral.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não entregámos!

O Orador: - Noticiaram-na amplamente!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não entregámos!

O Orador: - Noticiaram-na! Veio nos jornais!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Tenho aqui os jornais!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Estamos a negociar!

O Orador: - Entretanto, não avançaram com a mesma. Meteram-na na gaveta, deixaram-na adormecer numa qualquer gaveta. E deixaram-na adormecer, porque, entre outras questões, o PSD, que permanece bastante calado neste debate - é natural, é o partido mais favorecido pela injusta lei eleitoral na Madeira - tem 56% dos votos e tem 67% dos mandatos.
Os senhores são prejudicados, são talvez os mais prejudicados, ao contrário do que disse o Dr. Paulo Portas na Madeira, há pouco tempo, quando afirmou que bastam poucos votos para o CDS-PP dispor de uma representação proporcional. O líder do PP/Madeira, José Manuel Rodrigues, fez questão de emendar, dizendo que faltavam 17 000 votos. É muito, não é pouco!
Por isso mesmo, devido a este embaraço, os senhores preferem que a população da Madeira não disponha de um sistema eleitoral justo, prejudicando o próprio CDS-PP/Madeira.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É falso!

O Orador: - Mas é evidente que, tendo em atenção esse prejuízo, os eleitores madeirenses saberão ajuizar aquela que é a congruência do CDS-PP ou a falta dela.
Aliás, permita-me também que lhe diga que tudo parecia bem encaminhado, mas, quando o Sr. Deputado Guilherme Silva anunciou que sairia de líder parlamentar do PSD - certamente que deixaria grandes saudades -, os senhores recuaram imediatamente.
Provavelmente ganharam noutras batalhas e noutras frentes, como na questão do aborto e na questão da imigração, mas nesta perderam.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Houve aqui uma troca, mas quem saiu prejudicado foi o povo da Madeira, e, certamente, os senhores serão julgados por isso.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É hoje uma evidência que, afinal, não havia armas de destruição em massa no Iraque. A "mãe" de todas as justificações para a guerra de saque do petróleo iraquiano não passava de uma mentira. Uma mentira milhares de vezes repetida, mas que nem por isso conseguiu tornar-se verdade.
A partir do momento em que, no início dos anos 90, a administração norte-americana decidiu desfazer-se do seu antigo aliado Saddam Hussein, o povo iraquiano, para além de ter de suportar uma ditadura sanguinária e as consequências da primeira Guerra do Golfo, foi submetido a sanções internacionais duríssimas, responsável pela morte de muitos milhares de iraquianos, já e sempre com o pretexto das armas de destruição em massa que o regime se recusaria a desmantelar.
Ao longo de toda uma década, o Iraque foi sofrendo bombardeamentos ditos cirúrgicos perpetrados pelas aviações norte-americana e britânica, destinados a destruir alvos supostamente militares.
O jornal El País refere hoje diversas intervenções de Colin Powell perante o Congresso dos Estados Unidos, em 2001, dando conta da extrema debilidade da capacidade militar do Iraque.
Porém, a partir do momento em que o Presidente Bush decidiu a inevitabilidade da guerra, passámos a assistir à maior operação de intoxicação política e mediática de que há memória, em torno precisamente das armas de destruição em massa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em Setembro de 2002, o Presidente Bush afirmou perante as Nações Unidas que o Iraque se encontrava a produzir armas biológicas.
Entre Dezembro de 2002 e Março de 2003, os inspectores da ONU realizaram mais de 900 acções inspectivas e visitaram mais de 500 locais, sem nada encontrar. Entretanto, Donald Rumsfeld afirmava ter conhecimento de que Saddam deslocava as armas de destruição em massa em cada 12 a 24 horas, escondendo-as em bairros residenciais.
Em Janeiro de 2003, no discurso sobre o estado da União, George W. Bush afirmou que o regime iraquiano havia adquirido grandes quantidades de urânio num país africano, mas, em Julho, já depois da guerra, o Director da CIA, Goerge Tenet, assumiu que tal informação era falsa e pediu desculpas por isso.
Em Fevereiro de 2003, numa longa exposição perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, Colin Powell apresentou provas ditas irrefutáveis de que o Iraque possuía armas químicas e biológicas e estava determinado a fabricar ainda mais.
O que se passou em seguida é bem conhecido: foi desencadeada a guerra, em violação do Direito Internacional e num total desrespeito para com as Nações Unidas; o chicote da ditadura iraquiana foi substituído pela bota cardada da ocupação anglo-americana; à devastação terrível da guerra seguiu-se o terror permanente, a instabilidade sem fim à vista, as mortes diárias de ambos os lados, o desespero dos iraquianos, a desorientação das tropas e autoridades ocupantes e a facturação das empresas do vice-presidente Cheney. Só as armas de destruição em massa é que nunca apareceram.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Em Junho de 2003, o Sub-Secretário de Estado norte-americano da Defesa, Paul Wolfowitz, deixou fugir a boca para a verdade, ao dizer que a existência de armas de destruição em massa no Iraque não passara de um artifício propagandístico com que a burocracia norte-americana procurou convencer o mundo da necessidade de uma guerra, determinada por razões estratégicas e pelo facto de o Iraque "nadar" em petróleo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Na altura, essas afirmações causaram embaraço, mas hoje toda a gente sabe que as armas de destruição massiva não passaram de uma mentira. Afirma-o peremptoriamente David Kay, ex-inspector chefe norte-americano, em entrevista à Newsweek. E é o próprio Colin Powell que, em entrevista ao Washington Post, diz que não sabe se teria apoiado a guerra do Iraque se soubesse, como sabe hoje, que o regime iraquiano não possuía essas armas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Uma vergonha!

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O Orador: - Neste momento, quer a Administração Bush quer o Governo Blair, quer mesmo o Governo Aznar, encontram-se a braços com o enorme embaraço provocado pela evidência das suas mentiras. Os responsáveis políticos "sacodem a água do capote", acusando os serviços secretos de terem fornecido informações falsas, enquanto os serviços secretos acusam os responsáveis políticos de terem falseado relatórios, adequando-os aos seus desígnios guerreiros. Mas perante a dimensão do escândalo, os responsáveis por tamanha falta de escrúpulos não podem fugir às pesadas responsabilidades que têm de assumir, pelas mentiras, pelas mortes e pela devastação do Iraque, aos olhos uma opinião pública que se sente justamente ultrajada.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é apenas nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha ou em Espanha que os governantes devem explicações. Também em Portugal o Sr. Primeiro-Ministro deve uma explicação aos portugueses e a esta Assembleia.

Aplausos do PCP.

Vozes do CDS-PP: - Outra!?

O Orador: - Senão vejamos:
Em 19 de Novembro de 2002, o Sr. Primeiro-Ministro afirmou aqui que "o Iraque deve demonstrar por actos, e não por uma mera repetição de palavras, que desistiu dos seus propósitos de desenvolver armas de destruição massiva".
Em 1 de Fevereiro de 2003, o Sr. Primeiro-Ministro veio a esta Assembleia proclamar que "Portugal deve ter uma posição intransigente contra um regime como o Iraque que promove armas de destruição massiva".
Em 19 de Março, o Sr. Primeiro-Ministro afirmou nesta tribuna que "a paz passa pelo desarmamento do Iraque" e no debate das moções de censura, em 27 de Março, reiterou que "a posição de Portugal, em nome dos princípios da segurança internacional e da democracia, não podia ser outra que não fosse a de ajudar os seus aliados, na medida das suas possibilidades, na neutralização de uma ditadura que ameaça o mundo ocidental com armas de destruição massiva".

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - A verdade é que o Primeiro-Ministro disse, para todos os portugueses ouvirem, ter visto provas da existência no Iraque de armas de destruição em massa.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - E o Portas também!

O Orador: - Agora que se sabe que tudo não passava, afinal, de uma colossal mentira, os portugueses têm o direito de saber que provas eram essas.
E não nos venham dizer que o motivo da guerra do Iraque era acabar com uma ditadura, e que, tendo sido esse o resultado, já valeu a pena.
A justificação determinante da guerra do Iraque nunca foi a existência de uma ditadura nesse país, a qual, como muitas outras ditaduras, havia sido uma velha aliada dos Estados Unidos, a justificação primordial da guerra foi sempre a existência de armas de destruição em massa, que representariam uma ameaça para a região e para o mundo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Passa pela cabeça de alguém que, se não tivesse havido o pretexto das armas de destruição em massa, algum governo estivesse disposto a apoiar uma guerra com o único propósito de derrubar uma ditadura? Não, Srs. Deputados! O argumento da ditadura só adquiriu autonomia depois de terem falhado todos os outros argumentos.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a evidência da inexistência das armas de destruição em massa, o Sr. Primeiro-Ministro tem de vir aqui dizer com toda a clareza uma de três coisas: ou vem reconhecer que foi enganado pelos seus aliados, porque se limitou a acreditar nas suas informações; ou vem dizer que obteve dos serviços de informações portugueses provas concludentes de que existiriam armas de

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destruição em massa no Iraque; ou vem dizer que os seus aliados nunca o enganaram e que foi ele que decidiu enganar os portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ora, como nem queremos acreditar nesta última hipótese, restam as outras duas: ou o Sr. Primeiro-Ministro decidiu apoiar a guerra e envolver Portugal na ocupação do Iraque unicamente na base das "provas" que os seus aliados lhe apresentaram ou dispunha de informações de serviços secretos que lhe permitiram tomar essa decisão.
Em qualquer dos casos, o Primeiro-Ministro deve uma explicação aos portugueses,…

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O PSD está calado!

O Orador: - … porque a verdade é que nem todos se deixaram enganar. As autoridades norte-americanas e britânicas não enganaram o Governo francês, nem o alemão e nem o russo, não enganaram todos os que souberam dar ouvidos às palavras prudentes de Hans Blix ou às palavras lúcidas de Robin Cook, que apontavam para a forte improbabilidade da existência de armas de destruição em massa no Iraque.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Primeiro-Ministro tem de nos explicar porque é que não deu ouvidos aos que falavam verdade e eram pela paz e preferiu seguir os que mentiram para impor o caminho da guerra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E, assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, faço aqui um desafio ao Sr. Primeiro-Ministro: que desclassifique todos os relatórios na posse dos serviços secretos portugueses relacionados com a existência de armas de destruição em massa no Iraque e os apresente aqui; que nos explique, sem subterfúgios, em que informações se baseou a sua convicção de que essas armas existiam;…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
E que nos diga que consequências irá retirar do facto de saber que as razões que levaram à decisão de envolver o nosso país na guerra eram, afinal, rotundamente falsas.
Exigimos essas explicações e a imediata publicação dos relatórios dos serviços secretos portugueses sobre esta matéria. E, para esse efeito, o Grupo Parlamentar do PCP propõe que tenha lugar um debate de urgência nesta Assembleia com a presença do Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, o Bloco de Esquerda converge com a sua intervenção na denúncia deste paroxismo na ordem internacional, que é a ausência de qualquer legitimidade invocada pelos fautores da guerra de agressão ao Iraque, não só aquela que não decorria da violação das regras do Direito Internacional e da deturpação da Carta das Nações Unidas, mas também aquelas que, para além da lei, se invocaram, como a da existência de armas de destruição em massa.
Essa foi a mentira do fim do século passado e do princípio deste e é, afinal de contas, a razão do enorme embaraço que têm hoje o Presidente dos Estados Unidos e a Administração americana e o Primeiro-Ministro do Reino Unido e o Governo britânico.
É curioso que hoje os analistas, que tanto se afadigaram a provar a existência daquilo que não existe, se digladiem entre duas correntes: ou foi mentira ou, numa outra categoria filosófica, foi engano. Engano do qual os governantes terão sido os últimos a saber, o que provém de uma nova categoria da política e sobretudo de uma ética de responsabilidade na gestão dos negócios públicos e da política internacional.
Hoje é curioso ver como talvez seja importante para alguns, sobretudo para a direita e para os seguidistas

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da política externa dos Estados Unidos da América, esta minudência de se saber, entre a mentira e o engano, aquilo que terá prevalecido. O que tudo indica é que quer George Bush, quer Tony Blair, querem desresponsabilizar-se e encontrar nos serviços secretos - mais 45 minutos ou menos 45 minutos, relatórios mais ou menos apimentados, afirmações mais ou menos contraditórias de David Kay nos Estados Unidos ou outras - bodes expiatórios para se refugiarem de embaraços eleitorais e de défices de popularidade nos seus próprios países.
E aqui está de imediato uma constatação importantíssima: a força das opiniões públicas obrigou os fautores da guerra a tentar salvar a face.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - É uma segunda grande derrota política, depois daquilo que foi a desregulação violenta e ilegal da ordem internacional.
Sr. Deputado António Filipe, nós estamos em convergência com o Partido Comunista Português na exigência de explicações ao Primeiro-Ministro aqui na Assembleia da República e no levantamento da classificação de quaisquer relatórios portugueses que indiquem a existência de armas de destruição massiva, mas gostaria de lhe deixar uma pergunta, nesta Casa da democracia, onde se fez a defesa cega e intransigente…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, gostaria de lhe deixar uma pergunta aqui, nesta Casa, onde se fez a defesa intransigente do plano belicista dos Estados Unidos e onde se apoiou, da forma mais esfuziante, a cimeira da guerra, que foi a Cimeira dos Açores: o que é que nos tem a dizer sobre esta maioria domesticada…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Maioria domesticada?!

O Orador: - … que, ao contrário até dos Estados Unidos e do Reino Unido, não propõe qualquer forma de inquérito independente àquilo que foi a prática política do Governo português?

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, quer responder a cada um dos oradores ou responde em conjunto?

O Sr. António Filipe (PCP): - Respondo em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, da sua intervenção retenho a questão central: o Primeiro-Ministro de Portugal, que, quando se referiu à existência de armas de destruição massiva, disse aos portugueses ter visto documentos que certificavam essa afirmação, tem agora oportunidade de negar o que disse ou de confirmar que tais documentos existem.
Hoje há fortes dúvidas na comunidade científica internacional que certificou as inspecções e que tem acompanhado o processo, e em muitos comentadores, de que tenham existido ou existam provas da existência de armas de destruição massiva. E é em relação a esta questão central que todos nós temos de questionar o Sr. Primeiro-Ministro, e nisso acompanho o Sr. Deputado António Filipe.
O Primeiro-Ministro de Portugal deve dizer ao Parlamento e aos portugueses, do modo que achar mais conveniente, mas também da forma mais séria, se foi iludido, se foi ludibriado ou se aceitou passivamente as indicações que lhe eram dadas pelo clã do Sr. Rumsfeld. E se foi ludibriado todos nós temos de nos interrogar como será de futuro: se voltará a ser ludibriado num outro acontecimento idêntico e se voltará a arrastar o País e os portugueses para posições que são objectivamente contrárias à sua vontade mais profunda, testemunhada ao longo destes meses.
O Primeiro-Ministro deve uma explicação concreta e clara à Assembleia da República e aos portugueses, e apenas por isso deve recompor a sua própria posição e não ficar tranquilamente, como ficou nas Lages, servilmente, a abrir a porta para que os senhores da guerra decidissem o que já estava decidido há muito, como todos sabemos.
Neste contexto, gostava de perguntar ao Sr. Deputado António Filipe se considera que o Primeiro-Ministro

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deve, a exemplo do que acontece noutros parlamentos dos nossos parceiros da União Europeia, vir propositadamente à Câmara esclarecer, exibir os documentos e dizer, de uma vez por todas, se, afinal, também ele foi ludibriado ou se embarcou numa mentira que hoje é clara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, não me admira que V. Ex.ª tenha vindo fazer uma intervenção daquela tribuna sobre este tema. De facto, mais uma vez, o PCP, através da sua voz, mistifica completamente a realidade.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Uma vergonha!

O Orador: - O Sr. Deputado omitiu na sua intervenção o não cumprimento sistemático por parte do ex-ditador Saddam de, pelo menos, 18 resoluções das Nações Unidas, que levavam a uma inspecção independente, a uma inspecção criteriosa, das suspeitas fundamentadas da comunidade internacional, assim como omitiu que, por numerosas vezes, esses inspectores tiveram uma obstrução total à sua actividade.
Sabe, Sr. Deputado, que, quando alguém não deve, não teme.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Exactamente!

O Orador: - E se Saddam Hussein tivesse a consciência limpa certamente não teria actuado como actuou perante os inspectores devidamente credenciados pelas Nações Unidas.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas mais, Sr. Deputado: de facto, há no passado de Saddam Hussein acções sistemáticas de destruição com o uso de armas de destruição massiva sobre o seu próprio povo curdo. E eu espero, Sr. Deputado, que da sua parte haja uma palavra de contrição,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Contrição?!…

O Orador: - … condenando as acções do ditador sobre o seu próprio povo, numa actuação que levou a sucessivos massacres e de que são prova as valas que hoje se encontram.
E, Sr. Deputado, espero que também não se esqueça do uso sistemático, por parte do Iraque, de armas de destruição massiva na guerra com o vizinho Irão.
Mas a questão de fundo que aqui está em causa é muito mais séria. O Sr. Deputado sabe que o regime de Saddam Hussein não era democrático, que, de modo algum, respeitava os direitos humanos; sabe também que o Iraque, de forma alguma, era um Estado de direito.
Ora, ao defender as posições que aqui defendeu, o PCP pretende afirmar que dava apoio a um ditador?!
Sr. Deputado, nós sempre soubemos de que lado estávamos! Sempre soubemos de que lado estamos! Sempre estivemos do lado dos direitos humanos! Sempre estivemos do lado do Estado de direito!

Vozes do PCP: - Nota-se!

O Orador: - Sempre estivemos contra as ditaduras, do lado da democracia!
Sr. Deputado, era muito importante que o PCP aqui esclarecesse de que lado é que se encontra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Nós sempre tivemos uma posição de total envolvimento com os nossos compromissos e com os nossos aliados.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PCP: - Deviam ter vergonha!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe. Dispõe, no máximo, de 5 minutos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por responder ao Sr. Deputado Luís Fazenda para lhe dizer que, efectivamente, convergimos na opinião que temos acerca de toda esta enorme mentira, que foi a invocação da existência de armas de destruição massiva para desencadear a guerra de saque e de ocupação do Iraque.
O Sr. Deputado perguntou-me o que é que tenho a dizer sobre a posição desta maioria, mas creio que, mais do que eu possa dizer, a maioria fala por si.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - E fala por si o facto de rigorosamente nada ter dito acerca da proposta que fizemos…

Vozes do PCP: - Nada!

O Orador: - … no sentido de que o Primeiro-Ministro venha, perante esta Assembleia, dar as explicações que o Sr. Deputado António Nazaré Pereira se revelou agora incapaz de dar.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Orador: - Portanto, é indispensável que o Sr. Primeiro-Ministro venha ao Parlamento.
É que o Primeiro-Ministro de Portugal - e com isto respondo ao Sr. Deputado José Saraiva -, na Cimeira das Lajes, apadrinhou a guerra do Iraque.
Depois, ele bem se esforçou para ter direito a um convite para visitar o rancho de Camp David. Não chegou lá, mas esforçou-se! E disse que tinha visto provas de que existiam as armas de destruição massiva. Portanto, o Sr. Primeiro-Ministro mentiu aos portugueses. Trata-se é de saber se mentiu com dolo ou com negligência…

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do Deputado do PSD João Moura de Sá.

O Orador: - É isso que queremos saber. Ou deliberadamente quis enganar-nos a todos, ou alguém lhe forneceu elementos que o enganaram, ou os serviços secretos lhe enviaram relatórios que o enganaram. Portanto, temos o direito de saber em que relatórios ou em que informações é que o Sr. Primeiro-Ministro baseou a sua posição de apoio à guerra.
Queremos saber se o Sr. Primeiro-Ministro, se não teve acesso a qualquer elemento directo, apoiou a guerra "por ouvir dizer"! Se ouviu o Sr. Bush ou o Sr. Blair dizerem que havia armas de destruição massiva e acreditou candidamente nessa opinião, colocando Portugal numa posição de apoiar a devastação de um país, de uma civilização milenária, de apoiar a morte de milhares de pessoas, de apoiar o ocupação militar do Iraque!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado António Nazaré Pereira referiu as inspecções, dizendo que o Iraque não as quis. Mas o Sr. Deputado está enganado, porque quem não as quis foram os Estados Unidos da América!

Vozes do PCP: - Exactamente!

Vozes do CDS-PP: - Não é verdade!

O Orador: - As inspecções estavam lá, muitos países do Conselho de Segurança da ONU pensavam que se devia continuar com as inspecções, mas os Estados Unidos da América disseram: "Não, não há

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mais inspecções! Até agora nada descobriram, vamos nós descobrir!".
Ao fim destes meses, não só não descobriram, como é o Secretário de Estado Colin Powel que vem dizer que se soubesse o que sabe hoje provavelmente não teria aceite a guerra do Iraque.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Perante isto, Sr. Deputado António Nazaré Pereira, o ditador Saddam Hussein disse seguramente muitas mentiras ao longo da sua vida, mas nesta questão das armas de destruição massiva quem mentiu não foi ele, foram os Estados Unidos da América, foi a Grã-Bretanha, foi o Sr. José Maria Aznar, foi o Primeiro-Ministro Durão Barroso! Na questão das armas de destruição massiva, a realidade está a demonstrar que foram eles que mentiram, e por isso têm de nos dar explicações!

Protestos do Deputado do PSD António Nazaré Pereira.

Sr. Deputado António Nazaré Pereira, não volte a falar da questão da ditadura! Já falámos muito sobre isso! O Sr. Presidente da Assembleia é capaz de me repreender, mas tenho de lhe dizer, Sr. Deputado, que já não há pachorra para esse discurso!

Protestos do Deputado do PSD António Nazaré Pereira.

O exemplo que o Sr. Deputado deu da utilização de armas químicas pelo Iraque na guerra com o Irão é um bom exemplo, porque, nessa altura, Saddam Hussein era o grande aliado dos Estados Unidos na região,…

Vozes do PCP: - Ora, nem mais!

O Orador: - … e as armas químicas eram de origem americana, Sr. Deputado!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Nessa altura, nós já éramos contra o Sr. Saddam Hussein, e os senhores eram seus aliados. Portanto, não têm qualquer autoridade moral para falar disso.
Mas a questão fundamental, Sr. Presidente, e com isto concluo…

Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo teve oportunidade de fazer perguntas e não as fez, mas se quiser fazer eu respondo!
A questão fundamental é o que o Sr. Primeiro-Ministro tem de dar resposta às seguintes questões: o que é que o levou a aceitar a guerra do Iraque? Que provas é que teve de que havia armas de destruição massiva, como afirmou aos portugueses que tinha visto?
Por isso é que é fundamental que aqui tenha lugar um debate de urgência e que o Sr. Primeiro-Ministro, que gosta tanto de dizer que vem sempre à Assembleia, desta vez não fuja e venha mesmo!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na sequência de dois anos de profunda paralisia na administração de justiça, em resultado de uma cada vez mais evidente incapacidade política de a titular da pasta, em particular, e do Governo, em geral, para fazer face à dinâmica exigível pelas reformas lançadas pelos governos do PS é imperioso alterar o estado de coisas.
Ainda ontem, porém, em audição que teve lugar na 1.ª Comissão, mais uma vez ficou patente a ausência de orientações e o adiamento sistemático de decisões que, há muito, deviam estar tomadas, mas que o paralisado Ministério da Justiça não se revela apto para tomar.
Destaco os atrasos inaceitáveis e as insuficiências de concretização das condições de entrada em vigor das reformas, no essencial herdadas da legislatura anterior, tanto da acção executiva como do novo contencioso

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administrativo. De um lado, ausência completa de tribunais de execução, do outro, insuficiência de formação e de planeamento na distribuição dos tribunais, como é já patente nos excessos de concentração de pendências verificadas, em particular nos tribunais tributários. É incompetência a mais, Srs. Deputados!

Aplausos do PS.

Ao mesmo tempo, continuam no "limbo" iniciativas de necessidade premente como a revisão da lei de organização e funcionamento dos tribunais judiciais; a actualização do mapa judiciário; a aprovação de nova lei orgânica que descentralize competências no Conselho Superior da Magistratura; a revisão das soluções de recrutamento e formação de magistrados ou da lei dos julgados de paz; o preenchimento exigível do quadro dos funcionários judiciais; a concretização das decisões que tardam em relação às necessidades de administração eficaz dos tribunais.
É incompetência a mais, Srs. Deputados!

Aplausos do PS.

Por tudo isto, infelizmente, é hoje generalizada a confusão, a desmotivação e a soma de dificuldades entre os operadores judiciários e os cidadãos, carecidos da administração da justiça em tempo útil.
Face a um Governo que parece ter-se especializado em anunciar o que não faz e em não fazer o que anuncia, é necessário, mesmo a partir da oposição, agir com determinação política.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta maioria não pode continuar a malbaratar o tempo e a oportunidade das soluções que se impõem. Desde já, em matéria de acesso ao direito, designadamente no que respeita à regulação do instituto do acesso ao direito, enfrentamos a responsabilidade de ter de concertar directamente com a Ordem dos Advogados, em sede de 1.ª Comissão, as soluções que o Governo, afinal, até ao momento, não resolveu e que, por tal efeito, têm travado o desenvolvimento da solução.
Também na matéria da responsabilidade civil extra-contratual do Estado não estamos disponíveis para tolerar por mais tempo a inércia da maioria, que já nos fez perder dois anos para que a reforma entrasse em vigor.

Aplausos do PS.

O PS, Srs. Deputados, está firmemente empenhado em contribuir para o aperfeiçoamento das instituições da justiça. E mais uma vez o faz, no momento em que soou a hora de o legislador assumir plenas responsabilidades na reforma do regime processual penal.

Protestos do Deputado do CDS-PP Hugo Velosa.

Como todos estarão lembrados, há um ano atrás, fora de todo e qualquer circunstancialismo externo, a Assembleia da República adoptou, por unanimidade, duas resoluções que deram lugar a uma vasta audição parlamentar, destinada à avaliação dos termos da reforma do processo penal - trabalho de grande significado, como foi justamente reconhecido no Congresso da Justiça, em contraste, mais uma vez, com a notada indiferença do Ministério da Justiça.

O Sr. António Costa (PS): - Lamentável!

O Orador: - Agora, conformemente ao desafio que nos foi colocado, os responsáveis políticos não podem falhar. Para assegurar que o sistema de justiça realiza eficazmente a responsabilidade, conferida ao Estado, de prevenir e combater o crime, e para assegurar que o faça com elevados padrões de exigência ético-jurídica na preservação dos direitos fundamentais das pessoas, da sua dignidade, da sua liberdade e da sua segurança.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Urge superar uma realidade de que, de modo algum, podemos orgulhar-nos, no quadro da União Europeia e mesmo fora dela: Portugal é um dos países com mais elevadas taxas de reclusos e de

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cumprimento de tempo de pena de prisão, tanto preventiva como definitiva. Só que mais de metade dos números deste panorama desolador está ligado ao flagelo da toxicodependência, que tarda em ter respostas de superação integrada por parte dos sistemas judiciário, da reintegração social e da saúde.
A nossa consciência humanista e de democratas não pode, pois, por mais tempo, ficar indiferente ao peso de uma realidade que nos esmaga.
O significado político da revisão do processo penal tem, assim, que revelar uma ambição - a de não deixar que se confunda reforma séria com panaceia ou mera soma de medidas avulsas para preenchimento de agendas mediáticas.

Aplausos do PS.

Não faria qualquer sentido pretender uma reforma de mera cosmética para que, no final, cedendo a inércias, a facilitismos ou ao mero populismo todas as insuficiências ficassem na mesma. Com o propósito de contribuir para o mais largo consenso e esclarecimento possíveis, o PS apresentou já na Mesa da Assembleia da República um projecto de resolução que, uma vez aprovado, dê lugar a uma nova fase da audição parlamentar, ainda em curso, por prazo de 60 dias,…

Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.

… mas tendo agora como base um concreto projecto legislativo que, do princípio ao fim, permita situar em concreto as soluções e a apreciação delas no desenvolvimento da consulta pública.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Propomos que a 1.ª Comissão seja uma vez mais mandatada para avaliar os resultados finais da audição, para que os mesmos possam ser tidos em devida conta na abertura formal da reforma do processo penal.
Confrontada com uma metodologia que não poderia ser mais empenhada na promoção da participação ideal de todos os que tenham uma palavra relevante a dizer, a Sr.ª Ministra da Justiça, ainda ontem, voltou a ter a atitude que mais lhe é própria: embatucou.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Em linguagem do foro, "aos quesitos disse nada".
Esperamos agora que a maioria não se mostre outra vez prisioneira da incapacidade política da Sr.ª Ministra da Justiça para tomar decisões relevantes.
É que ou queremos ou não queremos fazer, efectivamente, do ano de 2004 um ano relevante para as reformas da justiça.
De boa fé, Srs. Deputados, só nos resta, pois, acreditar que a decisão, por unanimidade, que há um ano nos juntou, tenha sido, da parte de todos, um sinal consciente e de resposta positiva ao dever de fazer, como deve ser feito, o que os cidadãos esperam de nós: a efectiva realização do direito de todos a uma justiça de qualidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, deixe-me que lhe diga, antes de mais, que ficámos muito satisfeitos por verificar essa sua nova postura, porque, pelo menos agora, o Sr. Deputado deixou de comentar casos concretos, mesmo indevidamente, enquanto presidente de uma comissão parlamentar para, finalmente, começar a falar de forma genérica das questões da justiça, que é para isso que cá estamos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas deixe-me que lhe diga também, Sr. Deputado, que mais uma vez nesta parte se enganou. E não resisto a fazer um ou dois comentários, desde logo este: se as coisas estão tão mal em sede de justiça, afinal o que é que lá andou a fazer durante tanto tempo o Ministro que dava pelo nome de

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António Costa e que, pelos senhores, era tão gabado?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Afinal, está tudo tão mal, tudo tão mal… Será que esse Ministério, afinal, também não foi tão bom como os senhores hoje quiseram "vender"?
Mais, Sr. Deputado: não percebo por que razão é que só agora, no Partido Socialista, apareceu este frenesim com escutas telefónicas, com o excesso da prisão preventiva, com o segredo de justiça, que, afinal, não é o mais adequado… Essa é também uma realidade de hoje? Só hoje é que os senhores se lembraram de que isto, afinal, está tudo mal? Que é preciso alterar, nesta sede, muito daquilo que é a nossa solução jurídica e que afinal, ao que parece, há pouco tempo atrás funcionava tão bem?!
Não se percebe muito bem, Sr. Deputado Jorge Lacão, o porquê, de repente, do frenesim com estas questões tão concretas…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e que, ao que parece, já antes poderiam ter sido resolvidas, mas que antes para os senhores nunca foram preocupação.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lacão, deixe que lhe diga por que razão está enganado: é porque em relação à justiça em Portugal, desde que este Governo tomou posse, tem sido feito muito mais do que aquilo que o Sr. Deputado tem dito.
A propósito do atraso na justiça e com vista a melhorar o seu funcionamento vou só dar-lhe alguns exemplos: a reforma do contencioso administrativo, os julgados de paz, o alargamento do recurso à injunção, o código das custas judiciais. Para melhorar e garantir o efectivo acesso à justiça: o novo regime jurídico do acesso ao direito, que aqui foi discutido (suponho até que o Sr. Deputado interveio), ou a lei da responsabilidade civil extra-contratual do Estado, cuja proposta de lei está precisamente integrada na reforma da administração pública em curso.
Mas, mais, Sr. Deputado: com a preocupação de garantir serviços essenciais aos cidadãos, relembrava-lhe a reforma do notariado, com a sua privatização, que os senhores tantas vezes prometeram mas não cumpriram, ou, por exemplo, as novas instalações da Conservatória do Registo Comercial e do Registo Civil de Lisboa.
Mais, Sr. Deputado: com a preocupação na investigação criminal, 300 novos agentes da Polícia Judiciária, estando anunciada a nova sede da Polícia Judiciária.
Mais, ainda, Sr. Deputado: com vista à efectiva reintegração dos presos, numa preocupação ressocializadora que é suposto todos termos, bem sabe da existência da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, que até é presidida pelo Sr. Prof. Diogo Freitas do Amaral.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E aos costumes o Sr. Deputado disse "nada" - não aos quesitos, porque aos quesitos nada se diz.
Enunciei apenas estas medidas, mas muitas outras poderia enunciar para que, certamente, ao menos agora, sobre elas se possa pronunciar.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Jorge Lacão pretende responder em conjunto aos pedidos de esclarecimento que lhe forem formulados, dou de seguida a palavra ao Sr. Deputado António Montalvão Machado para esse efeito.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de mais, um pequeno esclarecimento e rectificação: de facto, nunca tinha ouvido dizer "aos quesitos disse nada". Aliás, a palavra "quesito" já nem existe no Código desde 1995 ou 1996. Mas, enfim, isso pouco interessa.

Risos do PSD e do CDS-PP.

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Vozes do CDS-PP: - Pararam em 1995!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estou absolutamente banzado com a intervenção de hoje do Sr. Deputado Jorge Lacão, porque é a antítese da intervenção que fez ontem, na 1.ª Comissão, que foi uma intervenção serena, tranquila e clara. Ontem, perguntou tudo o que quis e tudo viu respondido. Perguntou sobre a acção executiva, foi-lhe explicado que estavam a apreciar, em vias de imediata resolução, a instalação de novos juízos de execução ou a reconversão de varas cíveis; perguntou sobre os julgados de paz, tudo lhe foi explicado; perguntou sobre o Código das Custas Judiciais, tudo lhe foi explicado; não perguntou mas foi-lhe agora lembrada a privatização do notariado;…

O Sr. José Magalhães (PS): - Outra medida notável!

O Orador: - … perguntou sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado e foi-lhe dito que era um princípio elementar do Partido Social Democrata e do Partido Popular colocar, imediatamente, essa matéria em discussão na especialidade.
Agora, falou na reforma do sistema prisional, quando a Sr.ª Ministra, ontem, disse que, em 15 dias, apresentava a este Parlamento o trabalho feito pelo grupo de trabalho incumbido dessa questão. Numa jogada, se me permitem, de antecipação, numa jogada de "cavaleiro pré-andante",…

Risos do PSD e do CDS-PP.

… veio, hoje, dizer que a Comissão procedeu à audição. Não procedeu, Sr. Deputado, está a proceder! Temos diligências marcadas! Veio dizer que as entidades deram… Não deram, estão a dar!

O Sr. José Magalhães (PS): - Parece uma errata!

O Orador: - Veio dizer que foi possível concluir… Não foi possível, está a ser possível!
De repente, perante um anúncio público do Sr. Primeiro-Ministro, anúncio público, esse, feito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no encerramento do Congresso da Justiça, em que assumiu, como compromisso, perante Portugal e os portugueses, que, até ao fim do 1.º trimestre deste ano, o Governo apresentaria uma profunda reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal, no sentido de lançar uma enorme, intensa e profícua discussão pública com os operadores judiciários e as instituições que têm de emitir a sua opinião, o Partido Socialista, numa jogada de antecipação, apresenta um projecto de resolução em que, e não é despiciendo notar isto, aponta o prazo de 60 dias - note bem, Sr. Presidente - para que o processo termine. Ora, 60 dias, contados de 31 de Janeiro, dão precisamente a data de 31 de Março, que é nem mais nem menos do que aquela que o Governo anunciou para apresentar o seu projecto. Isto diz tudo! Isto diz, Sr. Presidente e Srs. Deputados, do espírito impróprio, do espírito errado e partidarizado com que o PS trata uma questão tão importante para o nosso Estado de direito democrático.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Partido Social Democrata e o Partido Popular - sei-o bem! - pretendem uma reforma consciente, uma reforma serena e reflectida…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que dispunha.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.
O Partido Social Democrata e o Partido Popular pretendem uma reforma consciente, serena e reflectida do Código Penal e do Código de Processo Penal portugueses. O PSD manter-se-á firme nesse propósito, sem correr atrás do fogacho público e da mediatização.
A pergunta concreta que lhe faço, Sr. Deputado Jorge Lacão, para finalizar, é esta: o PS está ou não disponível para, cumprindo a sua vocação de responsabilidade, a que, na tribuna, fez referência, juntar o seu projecto e a sua reflexão à iniciativa que o Governo, em tempo, anunciou?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, dispondo de um tempo máximo de 5 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, a sua primeira pergunta - o que andou a fazer o Ministro da Justiça António Costa? - …

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Durante seis anos!

O Orador: - … foi muito interessante. Mas, Sr. Deputado Nuno Melo, dois anos depois, não precisava de fazer essa pergunta, porque podia falar com os advogados,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Pois podia! Eu sou advogado!

O Orador: - … com os magistrados, com os solicitadores, com os oficiais de justiça e com os próprios utentes da justiça e perguntar a todos, por inteiro, se eles consideram que a dinâmica do Ministério da Justiça,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Então, está tudo bem?!

O Orador: - … dois anos volvidos, está igual, melhor ou manifestamente pior do que no tempo do Governo do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Está melhor!

O Orador: - E o senhor sabe, claramente, a resposta.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sei! Está melhor!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Bem melhor!

O Orador: - A resposta é a de que, perante o desacerto, a paralisia e a ausência de estratégia na orientação do Ministério da Justiça, nem sequer vale a pena fazer a comparação.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - É preciso ter lata!

O Orador: - Depois, o Sr. Deputado veio referir a importância de uma reforma como a do notariado para a liberalização dos notários, a qual nada tem a ver com a desformalização e a simplificação dos actos devida à actividade económica, ao comércio jurídico e à vida dos cidadãos.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, essa pseudo-reforma acaba de ser publicada e tenho muito gosto em anunciar-lhe que vamos pedir a sua apreciação parlamentar,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Para a atrasar mais!

O Orador: - … porque, pela nossa parte, tudo faremos…

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Para a atrasar mais!

O Orador: - … para que haja, verdadeiramente, uma reforma, no sentido da simplificação do notariado e dos registos, ao serviço dos interesses económicos e sociais dos cidadãos e não ao serviço da minoria que os senhores querem proteger.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado António Montalvão Machado, gostava de convocar a exacta seriedade política para o nosso debate.
O Sr. Deputado aludiu aqui, como fez o Sr. Deputado Nuno Melo, à relevância, por exemplo, da aprovação

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do regime da responsabilidade civil extracontratual. Certamente, não há, neste momento, reforma mais unânime nesta Câmara do que essa. Assim, como é que o Sr. Deputado explica que, praticamente dois anos volvidos, essa reforma ainda não esteja aprovada? Eu digo-lhe!
Depois da nossa iniciativa, estivemos praticamente um ano à espera de que o Governo tomasse a sua iniciativa, só para marcar presença no ponto. Sabe como é a iniciativa do Governo? É, no essencial, a cópia do próprio projecto avançado pelo Partido Socialista.
Entretanto, passou mais um ano e há dois anos que estamos à espera. E é em face da vossa inércia que os senhores falam em dinâmica reformadora!… Ó Sr. Deputado Montalvão Machado, é preciso ter a noção da realidade. E é justamente para ter a noção da realidade que lhe digo o seguinte: quanto ao que referiu relativamente ao processo penal, o Sr. Deputado Montalvão Machado bem sabe que não tem qualquer sentido.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Tem, tem!

O Sr. António Costa (PS): - Outro civilista!

O Orador: - Em primeiro lugar, fomos nós que, há um ano atrás, tomámos a iniciativa de propor a esta Câmara a realização da audição parlamentar.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem! Em Janeiro!

O Orador: - A audição foi aprovada por unanimidade, e muito bem, só espero que não tenha sido com reserva mental da vossa parte.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Porquê? Porque daquilo que se tratava era de ouvir, como tem acontecido, dezenas de instituições e de personalidades, para poder fazer um diagnóstico sereno e ponderado. E agora, Sr. Deputado, o que é que nós queremos? Queremos, justamente, viabilizar a audição parlamentar antes que ela chegue ao fim, por forma a que, na sua fase final, se possa continuar não em abstracto, a definir matérias, mas com um projecto concreto que vá ao fundo dos problemas e encontre a solução para os mesmos.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário, designadamente, do que disse o Sr. Primeiro-Ministro, que queria uma reforma meramente cirúrgica, apenas para preencher o calendário da comunicação social.
Está a perceber a grande diferença entre a seriedade das nossas reformas e a circunstância oportunista e mediática das vossas?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Já agora, Sr. Deputado Montalvão Machado, é preciso que o senhor não se esqueça de que a verdadeira reforma estrutural da acção executiva foi concebida pelo Governo do PS e dinamizada por esta bancada; a verdadeira reforma do contencioso administrativo foi concebida pelo Governo do PS e dinamizada por esta bancada;…

O Sr. António Costa (PS): - Já são duas!

O Orador: - … a verdadeira reforma do processo penal, como está demonstrado, foi concebida pelo Governo do PS e dinamizada por esta bancada.

O Sr. António Costa (PS): - E já são três!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Mas nós queremos que os senhores se associem! O pior é se fazem com a reforma do processo penal o que fizeram com a reforma da responsabilidade civil extracontratual do Estado:…

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O Sr. António Costa (PS): - Na gaveta!

O Orador: - … parados, paradinhos, à espera que o tempo resolva os problemas que os senhores são incapazes de resolver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O nuclear representa um risco permanente para a segurança, o equilíbrio ambiental, a saúde, o bem-estar, o desenvolvimento. É ainda uma potencial ameaça global e permanente para a Humanidade, que a todos impõe a responsabilidade de agir para prevenir as pesadas consequências que do seu uso podem resultar, ao pôr em causa o equilíbrio ecológico planetário e a segurança e daí, portanto, a paz e a solidariedade para com as gerações futuras.
Portugal rejeitou - como se sabe -, há muito, e bem, a opção pelo nuclear, numa lúcida compreensão dos inúmeros perigos que o recurso a tal energia poderiam comportar para o País. Uma opção que, de forma inequívoca, tem sido sucessivamente validada e objecto de múltiplas tomadas de posição deste Parlamento, a última das quais, recordo-vos, em Maio de 2003. São posições que reflectem o consenso que, em torno desta questão, está gerado na sociedade portuguesa, a forte consciência nacional sobre os tremendos riscos do recurso ao nuclear e o empenhamento colectivo de Portugal em intervir a favor do seu gradual abandono.
É, pois, Srs. Deputados, neste contexto, e no momento em que o nuclear está de volta, que Os Verdes entendem colocar a questão, de novo, no debate político.
Trata-se de uma declaração feita no momento em que se estão a desenvolver e a acelerar, embora com algum secretismo, os planos de incremento do programa nuclear de Espanha. Um programa que, depois do aparente adormecimento, dir-se-ia a rondar o esquecimento, volta lentamente a emergir e para cuja evolução futura entendemos ser vantajoso estarmos preparados, porquanto se trata de escolhas e decisões de outros que, embora legítimas, não nos podem, em caso algum, prejudicar.
É uma questão respeitante a um país vizinho, cujo debate consideramos ser, pela sua natureza, do interesse nacional, cabendo-nos, enquanto parlamentares, em nome daqueles que nos elegeram, a responsabilidade de estar atentos e de alertar o Governo, para que também ele possa, com o apoio inequívoco da Assembleia da República, reclamar, em nome do Estado português e no quadro das relações bilaterais entre os dois países, informação e transparência em torno desses planos, exigência do conhecimento cabal do seu conteúdo, na perspectiva da salvaguarda do interesse nacional, o qual pode, manifestamente, ser posto em causa.
É uma tomada de posição cuja necessidade é para Os Verdes evidente, sabido, como todos sabemos, que a poluição radioactiva não conhece fronteiras.
É uma tomada de posição justificada, porque se trata de projectos que, pelo seu conteúdo e previsível evolução, nos podem vir a prejudicar seriamente e cujo conhecimento atempado tem de ser próximo, não podendo Portugal correr o risco de se deixar distanciar ou atrasar excessivamente.
Mas é uma tomada de posição que julgamos ainda da maior oportunidade política pela própria localização geográfica do nosso país e por todo um conjunto de factores de potencial perigo resultantes do nuclear que não podemos ignorar. Factores, todos eles, de elevado risco que resultam, desde logo, da existência de duas gigantescas unidades de enriquecimento de urânio, em Saellices del Chico, situadas nas margens do rio Águeda, junto à fronteira portuguesa e próximas do distrito da Guarda. Seríssimos perigos decorrentes ainda da manutenção em funcionamento de várias centrais nucleares junto a rios internacionais - três no rio Tejo e uma no rio Douro -, algumas das quais já obsoletas, bem como da manutenção de reactores de primeira geração em Burgos e em Guadalajara, cujas sistemáticas falhas e recentes e graves avarias são sinais demasiado inquietantes para nos poderem tranquilizar.
Uma especial atenção se requer ainda, conhecido que está, desde 1991, o facto de estar prevista no Terceiro Plano Geral de Resíduos Radioactivos espanhol, elaborado pela ENRESA, e já aprovado, a necessidade de Espanha proceder à escolha de um local para armazenamento de resíduos radioactivos e de terem sido identificadas, para esse efeito, várias formações geológicas de granito. E exige-se atenção, sabendo-se, como se sabe, que, de entre as seis regiões seleccionadas para instalação do chamado "laboratório para armazenamento definitivo de resíduos radioactivos" ou, dito de outro modo, "para a instalação do cemitério nuclear", estão escolhidas regiões como as que cobrem as bacias dos rios Ebro (um afluente do Tejo) e Douro.

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É, pois, neste sentido, Sr. Presidente e Sr. Deputados, que entendemos ser oportuno lançar este alerta. Um alerta, tendo em conta a precipitação das decisões que Espanha está a tomar; uma antecipação de calendário que decorre do próprio esgotamento da capacidade de armazenamento das centrais nucleares espanholas; uma escolha que, contrariamente ao que inicialmente tinha sido previsto, terá lugar até 2008; uma decisão que, qualquer que seja o modo como venha a ser tomada, invariavelmente nos responsabiliza e que não está tão distante assim, sabido, como sabemos, que, na próxima semana, a ENRESA vai precisamente abordar este tema com os especialistas na Universidade de Salamanca.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estas são, em síntese, as nossas preocupações e a razão de ser de um projecto de resolução que hoje mesmo entregámos na Assembleia da República. A nossa exigência é clara: que haja uma posição comum do País face a um problema que pode, no plano ambiental, social e económico, afectar o interesse do País numa questão que implica transparência, informação e ainda, neste momento, o empenhamento activo de todos para que Portugal não se transforme numa lixeira nuclear.
O sentido da nossa exigência e da nossa proposta é exigir informação, reafirmar a posição antinuclear do nosso país e dizer que, manifestamente, não queremos herdar opções que, em devido tempo, não tomámos, ou seja, que seremos frontalmente contrários a qualquer possibilidade de instalação de um cemitério de resíduos nucleares junto ao rio Douro, ou ao rio Tejo.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro Silva Pereira e Luísa Mesquita.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, tomamos boa nota do projecto de resolução apresentado, que aqui apreciaremos e discutiremos a seu tempo.
Mas, desde já, Sr.ª Deputada, gostava de dar-lhe conta que, como é sabido, para o Partido Socialista a opção pelo nuclear não deve ter lugar na política energética nacional. Por isso, aliás, a opção pelo nuclear foi rejeitada em Portugal e por isso essa rejeição se manteve com firmeza nos governos do Partido Socialista. Não precisamos, portanto, de fazer qualquer espécie de prova de vida nesta matéria para reafirmar uma posição, que é conhecida, por parte do Partido Socialista.
Porém, não se trata apenas de excluir a opção pelo nuclear da política energética nacional. O governo do Partido Socialista teve ocasião de se debater na Europa por uma posição, a propósito do Protocolo de Quioto, que excluía o nuclear dos chamados mecanismos de desenvolvimento limpo, e não é por acaso. É bem sabido que a energia nuclear é um facto na política energética de muitos países europeus, mas é diferente a questão de saber se deve valer como mecanismo de desenvolvimento limpo. E os problemas ambientais, designadamente os que dizem respeito aos resíduos da produção energética fundada no nuclear, são bastante conhecidos e muito preocupantes, e justificaram uma posição firme quando se discutiu o Protocolo de Quioto.
Sr.ª Deputada, neste momento, em que há algumas dificuldades com o desenvolvimento do Protocolo de Quioto, porque faltam as assinaturas necessárias para a sua entrada em vigor, o Governo português, através do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, tomou a este propósito uma posição totalmente irresponsável, dando conta que, afinal, parece que o Protocolo de Quioto não é para cumprir, simplesmente porque ainda não está em vigor. Ora, isto contraria a política europeia a propósito das alterações climáticas. A Europa sempre assumiu - e não precisou esperar pelo Presidente George W. Bush para isso - que era necessário adoptar medidas, independentemente da vigência do Protocolo de Quioto.
Pergunto-lhe, portanto, Sr.ª Deputada: considera, ou não, que esta posição do Ministro do Ambiente português é totalmente irresponsável e pode enfraquecer a posição, que deve ser de liderança, da União Europeia a propósito das alterações climáticas?
Finalmente, Sr.ª Deputada, é bem verdade que há um outro problema, que tem a ver com as opções de outros países, designadamente de Espanha, que podem representar riscos ambientais para Portugal. Deste ponto de vista, o acompanhamento das situações instaladas para lá da fronteira e o acompanhamento dos processos de decisão por parte de Portugal com firmeza é, com certeza, muito importante. E o alerta que a Assembleia da República pode dirigir ao Governo é, com certeza, muito oportuno, tanto mais que, de facto, existem projectos do outro lado da fronteira que são preocupantes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

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O Orador: - Concluo de imediato, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada, nesta matéria poderá contar também com o empenho do Partido Socialista para que o Governo não se esqueça de uma responsabilidade que é sua.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, há ainda um outro pedido de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra, Sr.ª Deputada, para responder.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, gostaria de agradecer, desde já, o seu pedido de esclarecimento, porque ele remete para uma questão que é essencial.
Como lembrou com grande clareza, Portugal rejeitou a opção pelo nuclear, teve a clarividência de entender os enormes riscos que essa opção poderia comportar. E é, para nós, particularmente preocupante perceber que alguns, a pretexto do Protocolo de Quioto, procuram ser na Europa, no fundo, os porta-vozes dos interesses do nuclear, tentando recuperar uma energia que é perigosa, que não é limpa e que tem uma herança de resíduos radioactivos, cuja prevalência e perigo, durante décadas e décadas, é incontornável e é razão suficiente, do nosso ponto de vista, para, pura e simplesmente, a questão não ser ponderada.
Sr. Deputado, a este propósito, lembro que, em Março do ano passado, tivemos oportunidade de apresentar um voto de protesto, que foi aprovado por unanimidade nesta Câmara, precisamente a pretexto de declarações perigosas proferidas pela Sr.ª Comissária da Energia em Pamplona, onde pretendia, no fundo, justificar o retorno ao nuclear como uma necessidade do cumprimento do Protocolo de Quioto, quando outros países estão a abandonar o nuclear e a cumprir os objectivos, em termos de emissões, a que estão obrigados, ao contrário daquilo que Espanha está a fazer.
Sr. Deputado, relativamente a Portugal, a situação nacional é, do nosso ponto de vista, de tal modo grave, tendo em conta o descalabro, a derrapagem e, sobretudo, o alheamento do Governo nesta matéria, que Os Verdes decidiram solicitar um debate de urgência, que já está agendado para este mês, para que o Parlamento discuta aquele que é hoje o tema e um desafio central: as alterações climáticas.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, já aqui foi dito que alguns países e alguns governos têm defendido a política energética fundada no nuclear, energia que, como todos sabemos, tem sido, clara e objectivamente, rejeitada pelo nosso país, em particular com posições claras deste Parlamento.
Logo, a questão que se coloca é a de saber se, relativamente a esta opção política de fundo, há alterações por parte dos governantes e da tutela, em sentido mais particular e restrito, porque é de uma opção política de desenvolvimento que se trata a curto, a médio e a longo prazo, com implicações geracionais de longuíssimo prazo, como todos sabemos.
Sr.ª Deputada, uma vez que a notícia que aqui nos trouxe tem já indícios de grande preocupação, gostaríamos de saber se as afirmações que proferiu, que denunciam, de algum modo, a existência de algum secretismo a envolver estas questões, fundamentalmente na vizinha Espanha e, ainda mais aprofundado, em Portugal, porque não temos acesso a esses mesmos dossiers, são do conhecimento do Governo. Sabe se o Governo conhece as condições em que se encontram, por exemplo, em termos tecnológicos de perfeita degradação, algumas das instalações nucleares da vizinha Espanha e as consequências gravosas e trágicas que, em termos de segurança, essa mesma situação poderá ter no nosso país, com, por exemplo, a contaminação dos recursos hídricos, como acabou de referir na sua intervenção?
Portanto, Sr.ª Deputada, gostaria ainda de saber se, para além do secretismo que referiu e das informações que nos deu, tem outras notícias que nos possam ajudar a discutir esta matéria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

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A Oradora: - A última questão que quero colocar, e que já foi referida quer pelo Sr. Deputado do Partido Socialista quer pela Sr.ª Deputada na resposta que deu, prende-se com o comportamento da Espanha nesta matéria, que, de algum modo, tem vindo a público considerar que a política do nuclear é a trave mestra do desenvolvimento. Portanto, dado as nossas relações amistosas com Espanha, gostaria de saber se esta posição não é também já aceite por Portugal.
E, portanto, Sr.ª Deputada, não entende que a defesa de um desenvolvimento, por parte do país vizinho, fundado na defesa desta opção pelo nuclear não é já o que o Governo português também tem vindo a fazer, até pelas suas posições ambíguas, ultimamente, quanto ao conteúdo do Protocolo de Quioto?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, uma das reservas de fundo de Os Verdes, relativamente ao nuclear, tem a ver com a própria natureza desta energia e com o secretismo que envolve todas as opções que a rodeiam.
Neste momento, não sabemos em que medida Portugal está ou não informado e tem ou não acompanhado - temos sérias dúvidas sobre isso - alguns dos acidentes ocorridos em centrais nucleares de Espanha, até porque a própria imprensa espanhola se encarrega de tentar não lhes dar uma grande visibilidade, mas é evidente que têm ocorrido com demasiada frequência.
Como é reconhecido, é grave e preocupante, do nosso ponto de vista, que tenha havido a decisão de Espanha de prolongar a vida útil de reactores de primeira geração, manifestamente obsoletos, cuja manutenção é um enorme factor de risco inaceitável.
Por outro lado, é para nós evidente que Espanha tem tido uma atitude extraordinariamente negativa no contexto europeu, pois tem sido dos países que, de uma forma mais nítida, se tem oposto e, de facto, oferecido resistências ao comprimento do Protocolo de Quioto. Se calhar, não foi uma coincidência o facto de o Mercado Ibérico ter sido assinado sem que nenhum dos símbolos da União Europeia estivesse presente. Julgo que este facto não é irrelevante e que traduz bem a posição que, nesta matéria, Espanha tem de defesa do seu interesse, neste caso em manifesto prejuízo de uma visão de longo prazo de uma energia segura, de uma energia limpa.
Quanto a saber em que medida o Governo e a tutela podem estar informados, nós não sabemos, mas, em todo o caso, consideramos que, com desatenção ou não - e admitimos que ela exista, porque apresentámos, há meses, um conjunto de requerimentos e ainda não obtivemos resposta -, Portugal teve, desde sempre, até hoje, uma posição comum contra o nuclear. Pensamos que a reafirmação desta posição é da maior importância e que deve servir de suporte à posição nacional e à exigência de transparência, mais ainda a uma clara demonstração da nossa total recusa de virmos a ser prejudicados e penalizados por opções que outros fizeram e tomaram para si mas que manifestamente, de todo, não aceitamos, nem partilhamos.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, o Governo solicitou a palavra ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento. O tema da intervenção do Sr. Ministro da Presidência foi divulgada aos grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento): - Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, nestes 22 meses de mandato, o Governo concretizou já um vasto conjunto de reformas, todas com características próprias, mas todas também com um denominador comum: promover o desenvolvimento, combater desigualdades, fortalecer os factores de coesão interna, servir os portugueses e cumprir o interesse nacional.
Também assim é com a reforma do audiovisual. Uma reforma que tem sido objecto de intenso acompanhamento, dentro e fora desta Câmara, e mesmo de estimulantes debates por parte das diversas forças políticas, mas uma reforma que - estou certo - ninguém de boa fé afirmará centrada em factores economicistas. Pelo contrário, trata-se de uma reforma que tem três grandes princípios orientadores: reconduzir o serviço público à sua verdadeira vocação; reestruturar e racionalizar financeiramente o sector audiovisual do Estado; normalizar e modernizar esta área com o envolvimento de todos os seus agentes.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E é recordando estes três pressupostos que, hoje, se vive mais um dia importante no

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âmbito da reforma do audiovisual, que se cumpre mais uma etapa concreta na garantia do acesso, pelos cidadãos, à informação e à cultura.
Venho hoje aqui para apresentar aos portugueses, por intermédio desta Câmara, uma medida a que dou particular importância e que, julgo, não poderá deixar ninguém indiferente: garantir, finalmente, a todos os cidadãos residentes nas regiões autónomas, a recepção dos quatro canais generalistas.
A verdade é que, até hoje, naquelas regiões autónomas, não são emitidos em sinal aberto os canais A Dois, SIC e TVI, só acessíveis através de contratos celebrados com a CABO TV, com os custos associados. Ou seja, apenas a RTP proporciona a emissão da RTP1 em canal aberto, para além do canal regional.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, há que dizê-lo com toda a frontalidade, de um inaceitável factor de exclusão, que só por manifesta falta de vontade e por incapacidade política se perpetuou durante tantos anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo anterior demorou quatro anos desde o início de funções para sequer tomar consciência da situação. E foi assim que, iniciando funções em 1996, só em 2000 constituiu, finalmente, um grupo de trabalho. E ainda assim, pese embora as suas boas intenções então reveladas, a verdade é que nenhuma solução viu a luz do dia.
Com o óbvio prejuízo das populações das regiões autónomas, o processo ficou parado e tudo teve de ser reanalisado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Há menos de 12 meses tivemos de começar novamente do zero, mais de 10 anos - repito, mais de 10 anos - após o início das emissões privadas de televisão em Portugal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ainda este ano os cidadãos das regiões autónomas poderão aceder aos canais generalistas SIC e TVI, ao canal A Dois e ainda a um canal disponibilizado pela TV Cabo.
O acesso será garantido através das redes de cabo e satélite, recorrendo aos operadores locais que disponibilizarão caixas descodificadoras próprias, permitindo o aproveitamento das estruturas existentes e utilizando, sublinho, tecnologia digital.
Na proposta do governo anterior concebia-se um investimento inicial de cerca de 50 milhões de euros - repito, 50 milhões de euros - e custos adicionais anuais de cerca de 12 milhões de euros. O nosso projecto prevê um montante total entre 10 a 12 milhões de euros, sem qualquer custo anual adicional.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A diferença é evidente.
O Governo, em parceria que espera aceite pelos governos regionais, assegurará, aos operadores locais e aos próprios cidadãos, os montantes necessários para este investimento. Aos habitantes da Madeira e dos Açores caberá apenas um contributo de valor equivalente àquele que os habitantes do continente suportam ao adquirir e instalar uma antena. E para assegurar condições efectivamente iguais para todos, também aqueles que quiserem passar das actuais condições analógicas para as digitais poderão igualmente, e mediante a mesma contribuição, receber o equipamento necessário.
Deste modo, a população insular dará - e sublinho, mais uma vez, este ponto - o salto para a tecnologia digital.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por outras palavras, de uma situação de atraso as ilhas passarão para uma situação de avanço, de dianteira, para um patamar de futuro. Os cidadãos açorianos e madeirenses entrarão, definitivamente, na era digital.
As vantagens da solução são por isso evidentes: garante-se o acesso aos canais nacionais generalistas a todos os cidadãos residentes nas regiões autónomas, desenvolve-se uma solução de baixo custo e disponibiliza-se a mais moderna tecnologia existente.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não temos, obviamente, nenhuma varinha mágica, nem a presunção de uma qualquer superioridade que nos permita resolver, melhor do que outros, situações problemáticas. A resposta é bem mais simples: é não ficarmos encostados a declarações de intenções, nem considerarmos que a mera constituição de grupos de trabalho seja um fim em si mesmo; é definir objectivos, estabelecer uma estratégia, trabalhar com determinação e apresentar soluções concretas; e, neste caso, é ainda repor a igualdade onde antes estava a desigualdade, é acabar de vez com uma discriminação injustificável.
Ao longo do meu mandato, enquanto membro do Governo, já por diversas vezes vos apresentei medidas de reestruturação do sector audiovisual. Tenho mantido convosco alguns debates, muitas vezes motivados ou condicionados por um maior enfoque mediático.
Permitam-me, por isso, que sublinhe o facto de estar hoje aqui, perante vós, sem que esteja na ordem do dia mais um caso mais ou menos polémico na reforma do audiovisual.
Decidi vir aqui não no calor de uma discussão mas com a tranquilidade e a certeza de que uma reforma global se não faz num momento ou de uma vez só, faz-se, sim, de muitos passos e de muitas etapas diferentes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Esta etapa, que hoje, aqui, quis assinalar, é, pois, simultaneamente, um contributo e um sinal. Um contributo para que essas populações tenham acesso a mais informação, em igualdade de circunstâncias com todos os outros portugueses;…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … mas é também um sinal de que os passos que damos se inserem num caminho e têm uma direcção. E, sobretudo, este é mais um sinal, e apenas mais um, de que não descansaremos sempre que esteja em causa a justiça, o serviço público, a possibilidade de provar que os portugueses quando se juntam, como se juntam neste projecto que envolve entidades públicas e privadas, administração central e regional, conseguem encontrar soluções e podem concretizar sonhos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É isto o que verdadeiramente me motiva e me interessa; é isto o que entendo ser a essência do serviço à causa pública.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme dispõe o Regimento, à intervenção do Sr. Ministro da Presidência, mais exactamente de um membro do Governo, porque a disposição é genérica, segue-se um debate para o qual os tempos estão distribuídos.
O primeiro inscrito é o Sr. Deputado Guilherme Silva, a quem dou a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, permita-me que invoque a minha qualidade de Deputado eleito por uma região autónoma para poder aqui evidenciar a minha particular satisfação e a minha sensitividade para o alcance da medida que V. Ex.ª anunciou à Câmara.
É exactamente nestas coisas, em que a distância faz a diferença - e faz a diferença pelo negativo -, que se avalia quais os governos que têm compreensão e sensitividade para as regiões insulares, para as autonomias regionais. E V. Ex.ª veio aqui revelar que este Governo tem uma particular sensitividade para essa realidade, que são as regiões autónomas.
Não é um slogan quando se fala de uma ultraperiferia insular; não é um slogan quando se fala em custos da insularidade. E é a neutralização desses custos, que as distâncias impõem e que fazem com que os portugueses das regiões autónomas não estejam, neste momento, a usufruir, em pé de igualdade com os demais cidadãos do todo nacional, do acesso aos canais nacionais de televisão, que faz com que essa diferença, que é limitadora, seja menor para essas populações. E é nestes passos concretos, na eliminação destas desigualdades e discriminações, que se constrói e reforça a unidade nacional.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Era este ponto que eu aqui também queria salientar.
Quero prestar-lhe aqui uma outra homenagem. É que V. Ex.ª esteve discretamente, silenciosamente, sem alardes, sem propaganda, sem exibições - e V. Ex.ª, sendo o Ministro que tem a tutela destas áreas, até poderia ter a tentação de vir pôr-se em bicos de pés! -, a trabalhar, e veio aqui trazer-nos o resultado.
No passado não foi assim, foi exactamente ao contrário.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - Fizeram-se promessas, fizeram-se anúncios e assumiram-se compromissos -…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estava tudo feito!

O Orador: - … desde 1998 que a Lei da Televisão tem este compromisso e, de certo modo, já constava até da própria versão anterior - no sentido de impor uma cobertura que integrasse as regiões autónomas no acesso aos canais de televisão de âmbito nacional.
Pois bem, o Sr. Presidente da Assembleia da República e o Deputado Joaquim Ponte, na qualidade de Deputados eleitos pelos Açores, em Dezembro de 1999 fizeram um requerimento ao governo de então a perguntarem o impedia que se implementasse essa exigência imposta pela Lei da Televisão. Muito à socialista, receberam a resposta ao seu requerimento em Janeiro de 2000, a qual dizia que estava criado um grupo de trabalho - mais um! -, presidido pelo Instituto da Comunicação Social, que iria implementar medidas para que as regiões autónomas tivessem essa cobertura. E, mais, que ainda no decorrer desse ano - o ano de 2000 -, os cidadãos das regiões autónomas iriam aceder às referidas emissões.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em 2000!

O Orador: - Estava, assim, assumido o compromisso - mais um! -, transmitido à Câmara pelo Primeiro-Ministro de então, Eng.º António Guterres.
Ao barulho, às promessas, ao mediatismo, à propaganda do governo de então nesta matéria, correspondeu zero. Zero! Foi apenas mais uma promessa publicada no Diário! Porém, ao seu silêncio, à sua discrição, Sr. Ministro, correspondeu, efectivamente, a implementação e a concretização de um passo que nos reforça e une cada vez mais.

Aplausos do PSD e do CDS.

Sr. Ministro, para terminar, gostava de colocar-lhe algumas perguntas.
Poderá V. Ex.ª garantir, não com a garantia que foi dada pelo Partido Socialista mas com uma garantia social-democrata, deste Governo, que será permitido já o acesso pelas populações das regiões autónomas às transmissões dos jogos do EURO 2004? Quais os custos que isto terá, tanto para as regiões autónomas como para o Estado? Haverá apoios comunitários?
Eram estas as questões que queria colocar-lhe, às quais agradeço que responda.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Ministro da Presidência, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já, ou no fim?

O Sr. Ministro da Presidência: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, vou usar da palavra depois da intervenção de V. Ex.ª e desta vez não é para o criticar, o que, para nós, é um motivo de satisfação, porque não criticamos o Governo por prazer mas quando as coisas estão mal. E, neste caso, é sempre preferível registar positivamente um anúncio do Governo do que ter razões para fazer uma crítica.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Muito obrigado, Srs. Deputados. E espero que tenham mais oportunidades para me aplaudirem…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com muito gosto!

O Orador: - Já agora, peço ao Sr. Presidente que desconte os segundos gastos pelos aplausos do PSD.

Risos.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Isso é que era bom!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado António Filipe, é uma honra para si ser aplaudido tão vivamente,…

O Orador: - Muito obrigado.

Risos.

Sr. Ministro, esta possibilidade, de as televisões generalistas, que são vistas em canal aberto pelos cidadãos residentes no continente, poderem ser vistas em condições de igualdade pelos cidadãos das reuniões autónomas, é uma reivindicação já antiga, quer do PCP-Madeira quer do PCP-Açores, que, aliás, já a propõem desde há vários anos, com a apresentação de projectos de resolução nas respectivas assembleias legislativas regionais, onde sempre houve um grande consenso sobre esta matéria. Esta foi uma reivindicação desenvolvida pelo PCP com grande pioneirismo e grande activismo em ambas as regiões autónomas e que nós, aqui, secundámos. Aliás, cumpre-nos registar que, precisamente em 1998, este princípio ficou consagrado na Lei da Televisão, onde efectivamente convergimos, para que se encontrasse uma solução legal que conduzisse a este resultado.
Portanto, aquilo que o Governo aqui vem anunciar é que, finalmente, vai cumprir a lei, o que, convenhamos, já não é mau. Poderão dizer as más-línguas: abençoadas eleições! Bom, são as más-línguas! Em todo o caso, cumpre registar que esta antiga e justa reivindicação das populações das regiões autónomas tem perspectivas de, a curto prazo, vir a ser uma realidade.
Vamos acompanhar, naturalmente, a implementação desta medida, pois importa verificar e assegurar que, de facto, estes cidadãos tenham acesso a esses canais de televisão em condições que não sejam mais onerosas do que as que impendem sobre a generalidade dos cidadãos do continente.
Quero ainda dizer que, no momento em que este compromisso, que o Governo agora assume, for uma realidade, isso será uma grande satisfação para nós e naturalmente para as populações das regiões autónomas, para aqueles que sempre lutaram para que esta medida fosse realidade.
Assim, tal como anunciámos em recentes jornadas que realizámos na Região Autónoma da Madeira, o PCP assumiu o compromisso de a sua representação no Parlamento Europeu contribuir, com o seu trabalho, com o seu esforço e a sua iniciativa, para que eventuais apoios comunitários possam ser disponibilizados para a concretização desta cobertura televisiva nas regiões autónomas. Estamos inteiramente empenhados em contribuir, juntamente com todos os Deputados portugueses que se nos associem, para obter da União Europeia os apoios que sejam necessários para essa concretização.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, congratulamo-nos com a decisão que agora é concretizada, e ainda bem que assim acontece. Aliás, devo lembrar, esta Assembleia votou, por unanimidade, uma proposta de lei que ia exactamente neste sentido. É, pois, uma velha aspiração das regiões autónomas e estou certo de que contribui significativamente para o pluralismo da informação tanto na Madeira como nos Açores. Por isso, saudamos a aplicação desta medida.

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Dito isto, Sr. Ministro, quero colocar-lhe três questões concretas, acerca do seu mandato relativamente ao audiovisual e, em particular, à RTP, porque importa ter estes esclarecimentos.
Em primeiro lugar, registamos a mudança de grelha e as transformações na RTP2. Assinalamos que há uma perda do ponto de vista da informação e há uma grelha mais activa e culturalmente mais atractiva na RTP2 no seu conjunto, mas há uma falta que importa sublinhar: não há um único - repito, um único - projecto de investimento em ficção portuguesa na RTP2. E queria saber o que tenciona fazer sobre isto, se é que tenciona fazer alguma coisa.
Em segundo lugar, Sr. Ministro, a RTP1 sofreu uma alteração, e não me refiro à informação, onde há uma busca de um equilíbrio, que é assinalável, mas à programação no seu conjunto, visto que ela é hoje dominada por concursos e futebol. Gostaria de saber, Sr. Ministro, uma informação muito precisa: qual é a percentagem do gasto em concursos e em futebol no conjunto das despesas da programação da RTP1?
Em terceiro lugar, desde o princípio fomos confrontados, no debate sobre a estratégia para o audiovisual, com várias ideias. O Bloco de Esquerda sugeriu uma, que mantemos e sobre a qual insistimos: além da existência dos dois canais públicos de referência na televisão, que era a da transformação da RTP África e da RTP Internacional num único canal internacional de expressão da cultura portuguesa e que se pudesse não só aproveitar (coisa que tem vindo a ser discutida com canais privados) programas desses canais mas também exprimir a cultura portuguesa na sua projecção internacional, em vez de se ter estes pequenos canais sem financiamento, sem fundos, sem capacidade, como são hoje a RTP África e a RTP Internacional.
Sr. Ministro, o que é que, a este respeito, faz parte da estratégia do Governo?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Presidência veio anunciar ao Parlamento o próximo futuro acesso, em condições de sinal aberto, das regiões autónomas às emissões das televisões generalistas, incluindo as televisões privadas.
É uma boa notícia. Saudamo-lo por essa notícia.
O Sr. Ministro quis apresentar essa notícia como se fosse uma iniciativa do actual Governo e que tivesse partido do ponto zero e como se marcasse uma diferença em relação à actuação de anteriores governos em matéria de televisão…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - E marca!

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Ouça até ao fim!

O Orador: - … e, mais precisamente, da acessibilidade das televisões generalistas nas regiões autónomas. Como o Sr. Ministro tomou essa opção, obriga-me a discutir também nesse plano.
Vamos, então, à comparação.
Sr. Ministro, os governos vão-se sucedendo, naturalmente, segundo a saudável regra democrática da alternância, e vão conseguindo, ou não, fazer avanços, e, por isso mesmo, vão sendo substituídos pelo povo português, em eleições livres e regulares.
Até 1996 não havia sequer acesso à RTP1, quer na Madeira quer nos Açores. As televisões a que os públicos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores tinham acesso eram as dos canais regionais, a RTP Açores e a RTP Madeira. Existia, portanto, uma situação de monopólio. E foi com o primeiro governo do PS, que governou de 1995 a 1999, que se generalizou às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores o acesso ao canal 1 da RTP em sinal aberto.
Portanto, este foi um primeiro e decisivo passo para quebrar a situação de monopólio que de facto se vivia nos Açores e na Madeira, com a existência apenas de canais regionais, a RTP Madeira e a RTP Açores - aliás, largamente governamentalizados -, e proporcionar às populações residentes nas ilhas o acesso ao canal 1 da RTP. Gostaria ainda de recordar ao Sr. Ministro que esta decisão do governo do Partido Socialista contou com a oposição do Partido Social Democrata.
A este propósito, para não dizer que estou a inventar alguma coisa, vou documentar esta minha afirmação com o texto de um requerimento apresentado, a 12 de Março de 1998, nesta Assembleia, pelos Deputados do PSD eleitos pelos Açores, Mota Amaral, Reis Leite e Lalanda Gonçalves, todos ilustres personalidades. Diz esse requerimento: "Agora, cada vez menos gente vê a RTP Açores, dado o desinteresse da programação e o carácter oficioso, governamentalizado e pró-socialista do telejornal e de outros serviços informativos da RTP1. Tudo isto era previsível desde que, realizando o projecto político/televisivo do ex-Ministro da República Mário Pinto, a RTP passou a emitir em directo o Canal 1 praticamente para toda a região. Os anteriores governos regionais da responsabilidade do PSD sempre se

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opuseram a tal projecto e conseguiram travar a sua implementação. O actual Governo regional PS, porém, abraçou como próprio o tal projecto e, fazendo tábua rasa das orientações anteriormente aprovadas, assiste impávido e sereno à derrocada de um dos principais instrumentos de construção da unidade açoriana, que é a RTP Açores".
Portanto, a generalização às regiões autónomas do acesso ao Canal 1 da RTP, criada por um governo do PS, teve a oposição do PSD. Naturalmente, hoje, mudou de atitude - "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades"!… -, mas se queremos discutir a história recente temos de discuti-la com todo o rigor.

O Sr. José Magalhães (PS): - Todo!

O Orador: - Segundo ponto: o Sr. Ministro sabe tão bem como eu - ou, certamente, melhor do que eu - que o projecto de implementação da televisão digital terrestre, cujo arranque estava previsto para o corrente ano, tinha uma condição de discriminação positiva das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - No caderno de encargos dos operadores de televisão digital terrestre estava, justamente, o acesso preferencial das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores aos diferentes canais e operadores televisivos. E mal se compreenderia, numa lógica de racionalização de recursos, que, estando em curso a passagem do sistema analógico para o sistema digital, se não esperasse e se não apostasse, em matéria de generalidade do acesso a todo o território nacional dos canais generalistas, no novo sistema digital.
Esta é a razão pela qual a cobertura nacional, incluindo Açores e Madeira, esteve prevista, do ponto de vista do investimento público, no quadro da implantação da futura televisão digital terrestre.
Os senhores atrasaram o processo de implantação, optaram agora por esta decisão que é, em si mesma, uma boa notícia que me cumpre saudar como tal.
Mas eu gostaria de terminar dizendo ao Sr. Ministro que não vale a pena transformar as boas notícias em maus números ou armas de arremesso político.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - A História não se reescreve à vontade da maioria circunstancial do momento. Houve passos que foram sendo dados consistentemente desde 1995, e até antes, no sentido de cumprir o objectivo da cobertura nacional das televisões em todo o território. Os senhores acabam de dar um novo passo, merecem ser cumprimentados por isso e aqui os cumprimento -, mas escusam de diminuir o alcance do passo que agora dão, tentando reescrever a História à vossa maneira.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, esta solução que hoje nos apresenta é, de facto, muito importante e, principalmente, concretiza um anseio antigo das populações destas regiões e também, o que mais importa, o cumprimento de uma obrigação constitucional, a que o Estado há já muitos anos estava obrigado, mas só hoje cumpre.
O Estado deve preocupar-se em garantir iguais condições e oportunidades a todos os portugueses não só àqueles que residem no continente mas, também, aos que residam fora do continente, nomeadamente nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
A verdade é que há já muitos anos que estes cidadãos não beneficiam de um acesso garantido aos canais generalistas, porque, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Augusto Santos Silva, tendo o governo socialista anterior tido a oportunidade de implementar esta medida, assim o não fez.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Ficou na intenção!

O Orador: - Eu tencionava não o fazer, mas, uma vez que o Sr. Deputado Augusto Santos Silva traz para a discussão questões passadas e, portanto, não quer reconduzir este debate apenas ao regozijo que

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devia ser comum quanto a uma iniciativa que beneficia todos,…

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … vamos, então, usar desse rigor e lembrar aquilo que o Partido Socialista podia ter feito e não fez.
O Partido Socialista recordará certamente, entre outras coisas, um projecto de resolução que, na última legislatura, o CDS-PP apresentou - ao qual, por acaso, foi atribuído o n.º 30/VIII -, sobre o serviço público de televisão, onde já se afirmava que "os portugueses da Madeira e dos Açores estão limitados ao serviço público da RTP1 e às emissões dos centros regionais dos dois arquipélagos. Cabe, pois, naturalmente ao Estado cumprir o direito constitucional de acesso a emissões da RTP2, da SIC e da TVI, o que é hoje tecnicamente possível e financeiramente suportável para fazer chegar todos os canais generalistas públicos e privados aos dois arquipélagos portugueses."
Como se recordará o Sr. Deputado Augusto Santos Silva, também este projecto de resolução não foi mais longe porque o Partido Socialista assim não quis.
Relembro ainda ao Sr. Deputado aquilo que foi a discussão de uma outra iniciativa legislativa, uma petição curiosamente, originária da CDU/Madeira, a qual o Sr. Deputado António Filipe, por acaso, não fez referência, mas que relembro, na base daquele rigor histórico.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Fez referência, fez!

O Orador: - Pelo menos, não ouvi a referência ao número da própria petição.
Na base desta discussão, o Partido Socialista, adiando uma medida que era prioritária, afirmou que "esta iniciativa seria mais ou menos como tentar arrombar uma porta aberta". E porquê uma porta aberta? Porque o Partido Socialista, na base dos tais grupos de trabalhos e dos estudos que demoravam sempre muito tempo a ser efectuados e raramente eram concretizados, ia cumprir a medida.
Recordo, Sr. Deputado, na base do mesmo rigor histórico, que estou a falar de uma discussão que teve lugar nesta Casa no dia 4 de Janeiro de 2001! Como o Sr. Deputado se recordará, os senhores foram embora muito mais tarde e, desde o dia 4 de Janeiro de 2001 até ao dia em que os senhores "fugiram",…

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Fugiram de quê?

O Orador: - … tinha havido tempo para que o grupo de trabalho estudasse tudo e mais alguma coisa, até à exaustão,…

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Que falta de seriedade!

O Orador: - … para implementar a medida e, porventura, para permitir que hoje o Governo estivesse ocupado com outras coisas que não com a tal medida. Os senhores achavam que era uma porta aberta que estávamos a querer arrombar, mas, como se vê, hoje tivemos de ser nós a entrar por essa porta para que, finalmente, os portugueses dos Açores e da Madeira possam beneficiar da medida.
Repito que se tive de recolocar o rigor histórico no devido sítio foi apenas porque o Sr. Deputado Augusto Santos Silva assim o suscitou.
Termino, por isso, colocando ao Sr. Ministro da Presidência três questões que nos parecem, de todo o modo, importantes para concretizar esta iniciativa.
Em primeiro lugar, durante quanto tempo é que este programa vai ser implementado? É importante que as populações destas regiões tenham uma previsibilidade da medida, até porque dela beneficiam e não vão querer sair prejudicadas mais tarde.
Em segundo lugar, quanto aos custos, é importante também que se saiba quanto é que os cidadãos vão ter de pagar e se esta medida, no fundo, não vai acabar por beneficiar apenas alguns em detrimento de outros e em razão da sua riqueza.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Por último, Sr. Ministro da Presidência, um apelo: gostaria de saber se não pensa o Governo ser possível, aproveitando esta oportunidade, garantir também a todos os cidadãos das regiões autónomas o acesso à Internet. Como sabemos hoje, através do satélite não é garantido. Porém, como é um instrumento de trabalho fundamental, gostaria que nos informasse se o Governo poderia pô-lo em prática.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, na sua intervenção inicial, referiu que as vindas ao Parlamento costumam ser polémicas. Tal não acontece hoje, julgo que por boas razões. Portanto, até pela singularidade deste facto, gostaria de saudá-lo por esta medida do Governo que responde a uma velha aspiração dos cidadãos portugueses das regiões autónomas e que vem ultrapassar uma situação de manifesta discriminação que se mantinha. Parece-me, portanto, uma medida positiva.
Sr. Ministro, não vou perguntar-lhe se é gratuito este acesso aos canais generalistas. Julgo que o seja sob pena de estarmos a configurar uma medida que seria discriminatória e contrária ao que se pretende. No entanto, aproveitando a vinda do Sr. Ministro, gostaria de colocar-lhe uma outra questão, que tem a ver, de algum modo, com o que, desde há muitos anos, vem sendo referido como uma grande desatenção no que toca à RTP Internacional e à RTP África em relação ao paupérrimo conteúdo das mesmas. Do nosso ponto de vista, estes canais de modo algum são utilizados como deveriam, isto é, deveriam ser de divulgação da cultura e da língua portuguesas, mas não passam de um instrumento que, embora com grandes audiências, não é particularmente interessante nem constitui motivo de orgulho devido ao tipo de conteúdo.
Portanto, poderá ou não haver uma evolução que conduza à fusão daqueles dois canais, mas não tenho ideias precisas acerca disso, até porque presumo que nunca foi feito um estudo sobre as vantagens que daí poderiam advir.
Em todo o caso, sendo a língua e a cultura portuguesas um património extraordinariamente importante, gostaria de saber em que medida é que o Governo equaciona ou não repensar aqueles dois canais de televisão e melhorar os respectivos conteúdos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, começo por dizer que algumas das questões colocadas incidiram sobre outros temas, como a RTP Internacional e a RTP África, mas procurarei concentrar-me no tema que aqui nos traz hoje: o do acesso aos canais generalistas por parte das populações dos Açores e da Madeira. É disso que tratamos hoje e creio que é bom centrarmo-nos na discussão e não sempre no que não está em cima da mesa, para assim não falar do que importa. E o que importa é, pois, o que o Governo aqui, hoje, apresenta e que não é uma opção política.
Sr. Deputado Augusto Santos Silva, o Governo não vem aqui falar de opções políticas - esse era o jeito do governo anterior -, mas vem apresentar uma solução.
Não vim aqui fazer um anúncio, não vim aqui apresentar intenções. Trabalhei, durante 12 meses, com os operadores, com os diferentes parceiros que tinham de estar envolvidos neste projecto, para vir aqui dizer que tenho o acordo e a garantia de que, no espaço de um mês, posso começar a permitir que os açorianos e os madeirenses tenham acesso aos canais generalistas. Esta é a diferença básica.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sendo de futuro que hoje se fala e não de passado, ainda assim, não posso deixar de fazer uma breve nota sobre o passado para dizer que podemos tentar misturar um pouco, podemos tentar ladear as questões, mas factos são factos!!
A este propósito, devo dizer que, pela minha parte, respondo pelo Governo de que faço parte e o Sr. Deputado responderá por aquele de fez parte; por isso, quando fala, refere-se também ao que foi o exercício do seu próprio mandato.
Ora, o seu governo iniciou funções em 1996 e só em 2000 é que constituiu um grupo de trabalho para resolver este problema - demorou quatro anos a constituir um grupo de trabalho! E o mais espantoso é a solução por que optou mas que não comentei. Devo dizer que, quando iniciei funções, ainda decorria o prazo previsto nessa solução, portanto, aguardei.
Repito que não comentei tal solução, mas era uma solução que, primeiro, tinha custos - e a isso não respondeu! - que não compreendo como é que justificavam a opção que foi tomada. Eram 50 milhões de euros de custos que eram assumidos pelo operador, mas, como se recordará, o mesmo grupo de trabalho previa que houvesse lugar a indemnizações por parte do Estado ao operador de televisão digital terrestre por força dessa obrigação que assumia - isto que digo consta das conclusões do grupo de trabalho. Portanto, havia um encargo para o Estado com um custo inicial de 50 milhões de euros…

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O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Não estava no caderno de encargos!

O Orador: - … e um custo anual de 12 milhões de euros.
Pela nossa parte, apresentamos uma solução que tem um único custo, de uma vez só, situado entre 10 e 12 milhões de euros.
Mais espantoso ainda é que, até hoje, não percebo por que é que a solução que agora apresentamos não foi equacionada pelo grupo de trabalho.
Li com atenção tudo o que foi o trabalho desse grupo - as discussões, o relatório e as conclusões. Discutiram-se hipóteses absolutamente impensáveis a nível de custos, como era hábito à época, mas a única que não discutiram foi esta. E não há razão alguma para que, à época, esta solução não tivesse sido considerada e adoptada. Se a presente solução tivesse sido adoptada, de facto, não estaríamos hoje, aqui, com esta discussão e, mais importante ainda, os açorianos e os madeirenses já teriam acesso aos canais generalistas há muito tempo, que é o que importa na discussão que hoje fazemos.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Passo a responder a algumas das questões concretas que foram colocadas.
Quanto a este acesso, respondo que há uma divisão de custo que, em todos os casos, estimamos ser sempre superior, em 100%, para o Governo da República em comparação com os governos regionais. Portanto, há uma repartição de custos, sensivelmente na proporção de 70% para 30%.
Espero que os governos regionais respondam positivamente, governos que, aliás, em ambos os casos e desde o início, manifestaram preocupação por esta situação, tal como alguns grupos parlamentares, caso do Partido Comunista que já o referiu e cujos representantes eu próprio recebi.
Quanto a esta solução, "a César o que é de César" e - como agora se diz - "não a César o que não é de César". Devo dizer, pois, que foi a ANACOM quem comigo começou a trabalhar nisto, mais propriamente, foi o Dr. Álvaro Dâmaso que, ainda antes da revogação da licença da televisão digital terrestre, arrancou com este trabalho na consideração de soluções alternativas que poderiam ser necessárias pelo atraso da televisão digital ou pela eventual impossibilidade que veio a verificar-se, e, depois, também na Madeira e nos Açores, vieram colocar-me a questão.
Espero, portanto, que, com uma resposta positiva dos governos regionais, seja possível, no espaço de um mês, começar a fazer a instalação dos equipamentos nas casas dos madeirenses e dos açorianos.
Por outro lado e ainda a este propósito, falou-se aqui no Euro 2004, que sei que é uma preocupação para todos. Quanto a isso, devo dizer que, obviamente, à data da realização do Euro 2004, não estarão instalados todos os equipamentos. Por isso, quando, pela primeira vez, se fez o acordo, também inovador em Portugal, de repartição de jogos entre o canal público e os canais privados, já garanti que, independentemente da transmissão na SIC ou na TVI - e será assinado hoje um protocolo com todos os canais de televisão -, ambas as estações aceitam que os jogos possam ser retransmitidos nos canais regionais da RTP, nos Açores e na Madeira, garantindo assim que, não obstante a não instalação atempada destes equipamentos, nenhum açoriano ou madeirense ficará privado de assistir a esta competição como qualquer outro português.
Finalmente, para cada açoriano e cada madeirense o contributo previsto será de € 50, inferior aos € 150 previstos no relatório do grupo de trabalho do governo anterior, notando-se que há aqui um salto qualitativo. Na verdade, o equipamento que é adquirido é um equipamento digital. Portanto e respondendo a uma questão que foi colocada, permite, nos casos em que há ligação por cabo, mais abrangente nos Açores do que na Madeira, que haja a possibilidade de utilização de outros serviços, como é o caso da Internet.
Penso, por isso, que não só se cumpre hoje uma obrigação que é de todos - pelo que creio que, hoje, todos deveremos estar satisfeitos com o resultado que finalmente se obteve - como, principalmente, ao permitir a instalação de equipamentos digitais, abrimos aos açorianos e aos madeirenses, mesmo à frente do que é hoje a realidade no Continente, a possibilidade de acesso a um conjunto de serviços e de interactividades que são a garantia de um futuro mais avançado, um futuro que se inicia mais cedo para aquelas regiões autónomas, compensando o atraso de tantos anos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, está terminado o debate ao abrigo do artigo 84.º, n.º 2, do Regimento.
Vamos, pois, retomar as declarações de interesse político relevante.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Cambra.

O Sr. Manuel Cambra (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O distrito de Aveiro, com cerca de 2800 km2, possui à volta de 658 000 habitantes.
Tirando as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, Aveiro é a capital de distrito detentora da maior densidade populacional na zona centro do País.
A sua situação geográfica privilegiada permitiu o seu desenvolvimento económico e funcionou como atracção de actividades económicas e de pessoas.
Essa sua situação geográfica central permite-lhe, ainda, ser candidata preferencial na eleição das rotas dos transportes marítimos e terrestres. Do ponto de vista económico, isto é muito importante!
No que às acessibilidades diz respeito, sentimos que muito já foi feito. No entanto, ainda há investimentos importantes a fazer no distrito.
Neste sector, ainda sentimos dificuldades ao circular no IC1, no IC2 e na EN 327 e no IC35 que atravessa Vale de Cambra. A EN 326, por exemplo, tem, obrigatoriamente, de ligar Arouca a São Pedro do Sul.
Todos estes investimentos são indispensáveis porque a sua não realização é um entrave ao desenvolvimento do distrito.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Também é necessário, para melhorar a qualidade de vida dos aveirenses, o aumento das possibilidades de meios de transporte a utilizar. Relembro o metro ligeiro de superfície, de Oliveira de Azeméis até Espinho, prometido há 15 anos e ainda não construído.
Aveiro é também um porto fundamental. A sua ligação ao mar permitiu que Aveiro se transformasse num porto pesqueiro e permitiu mais um meio de transporte que temos de saber usar.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foi também a sua ligação ao mar que permitiu à indústria de produção de sal aveirense transformar-se numa importante actividade para a economia nacional.
Actualmente, existem ainda dezenas de salinas em laboração e esta milenar arte tem de ser apoiada por um Governo que tem orgulho na sua história e nas suas tradições.
A ria de Aveiro, tão acarinhada por todos os aveirenses, tem, nos últimos anos, vindo a degradar-se. Sei que há firme vontade deste Governo em resolver este grave problema.
No entanto, não ficava bem comigo mesmo, enquanto aveirense do norte do distrito, se não falasse a esta Câmara da questão desta invulgar ria, "cartão de visita" de Aveiro e tão importante para o turismo.
Ainda hoje se podem avistar na ria os conhecidos moliceiros que apanham o moliço, um fertilizante natural e ecológico, ainda hoje usado na agricultura local e que permitiu a transformação dos arenosos solos estéreis em terrenos agrícolas férteis.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Aveiro tem de conseguir ser pólo dinamizador de toda uma região que carece de desenvolvimento e liderança.
Ao potenciar a sua localização geográfica, a sua beleza natural e as sua capacidades ecológicas e sociais, Aveiro conseguirá certamente ser líder da região centro.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para contribuir para o desenvolvimento sustentável no distrito de Aveiro, pensamos que os seus municípios devem associar-se e promover em conjunto o correcto e harmonioso ordenamento do território e a educação ambiental.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Aveiro e os aveirenses têm de compreender que, em conjunto, conseguirão mais facilmente desenvolver a terra que todos amamos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

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Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Cambra, o Sr. Deputado sabe que é sempre com um enorme prazer que ouço V. Ex.ª nesta Casa, em especial quando fala do distrito de Aveiro, porque lhe reconheço o empenhamento na defesa do distrito e o gosto que tem pelo mesmo. As preocupações que aqui nos trouxe são partilhadas por todos, tendo também reconhecido na sua intervenção que, nos últimos anos, muito foi feito no distrito de Aveiro, quer em termos de acessibilidades rodoviárias quer no que diz respeito ao porto de Aveiro, questão que destacou com alguma relevância.
Infelizmente, alguns desses investimentos não têm tido, na actualidade, a continuação devida, a saber: na questão do porto de Aveiro; nos problemas que há em relação ao IC1; no avanço e recuo em relação ao IC2; na ria de Aveiro, que mereceu, durante os governos do Partido Socialista uma atenção especial, em termos quer do desassoreamento quer da criação de infra-estruturas, seja desportivas seja de apoio aos pescadores (neste momento, não há qualquer projecto deste Governo em relação à ria de Aveiro).
Mas, na actualidade, o distrito de Aveiro está confrontado com um outro problema e é sobre esta matéria que gostaria de ouvir a opinião de V. Ex.ª. Trata-se da questão da área metropolitana de Aveiro ou área metropolitana que englobe o distrito de Aveiro.
É do conhecimento público uma tendência expressa e manifesta de Santa Maria da Feira de não integrar este agregado do distrito. Há também dúvidas, fundadas em silêncios ensurdecedores, em relação à posição do município de São João da Madeira no que a esta questão diz respeito. E V. Ex.ª, como são-joanense e responsável pela autarquia durante imensos anos, terá certamente uma leitura cuidada e atenta sobre o futuro de São João da Madeira, o futuro das Terras de Santa Maria, que englobam Santa Maria da Feira, São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Vale de Cambra e, eventualmente, também Arouca. Por isso, gostaria que V. Ex.ª, enquanto Deputado eleito pelo distrito de Aveiro, nos pudesse dizer aqui claramente qual é a posição da coligação - da "forte" coligação PSD/CDS-PP que vai governando o País… - em relação à área metropolitana de Aveiro. É que estas alegadas forças revelam todos os dias enormes "pés de barro", nomeadamente nesta matéria.
Vai, no entender de V. Ex.ª, haver ou não uma área metropolitana que englobe o essencial dos concelhos do distrito de Aveiro? E, especialmente, o que pensa sobre as opções que se colocam a Santa Maria da Feira e, muito particularmente, em relação a São João da Madeira?
Podia dar um conselho ao seu colega de coligação Castro de Almeida, actual Presidente da Câmara de São João da Madeira, em relação a esta matéria?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Cambra.

O Sr. Manuel Cambra (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Candal, conhecemo-nos há muito tempo e, como sabe, Aveiro cresceu, de facto, muito, na década de 80 - isto é verídico e o senhor, sendo de lá, bem o sabe - e numa meia década de 90.
Não tenha dúvidas - V. Ex.ª sabe perfeitamente - de que, embarcando no comboio da Linha do Norte, esperava-se "séculos", para se poder penetrar na cidade. Ora, este trabalho começou na década de 80 e foi desenvolvido, com grande categoria e mobilidade dos acessos à cidade de Aveiro. E não só nestas áreas mas também no porto de Aveiro, todo aquele trabalho envolvente - e é pena que não estejamos ainda ligados a São Jacinto (falarei disso numa próxima intervenção, mas esperava que o senhor já o tivesse feito em intervenções anteriores).
De facto, é preciso gostar muito de Aveiro - e penso que toda a gente gosta muito de Aveiro, mesmo aqueles que de lá não são.
No entanto, a pergunta que me faz é um pouco delicada, na medida em que, infelizmente, não tenho assistido a quaisquer reuniões, porque elas têm coincidido com o nosso trabalho no Parlamento. Tenho muita pena de não ter assistido, principalmente a uma reunião que teve lugar na Feira.
No entanto, tentando responder à sua pergunta, acho que isso é uma competência das câmaras, dos municípios. Não sei qual é, concretamente, a posição de São João da Madeira, a de Oliveira de Azeméis ou a de Vale de Cambra. Penso que estão todos à espera que se decida. Mas estou convicto…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Mas qual é a sua?

O Orador: - Em São João da Madeira, também não assisti a qualquer reunião cujo tema fosse esse. Já fizemos, por várias vezes, perguntas, sendo essa uma situação que se tem desenvolvido em vários contactos e reuniões, mas sei que a Câmara Municipal de São João da Madeira tem feito um grande esforço, consultando inclusivamente a Associação de Municípios do Entre Douro e Vouga.

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Sabemos que há situações que são caricatas. Por exemplo, na área da saúde, pertencemos a Coimbra e, na área de captação de água do Douro e de outros serviços escolares, ao Porto. Isto é inadmissível, não é correcto e julgo que, um dia, toda esta estratégia terá de ser alterada.
Sabemos também que está para breve uma reunião da assembleia municipal em todos os concelhos de Aveiro do norte e pensamos que daí sairá o resultado que se pretende.
Se me pede a minha opinião pessoal, quero dizer-lhe que, neste momento, não me permito fazê-lo, para não criar complicações, nem porventura divisões, no seio dos são-joanenses e dos aveirenses, no seu todo.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 35 a 41 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 7, 8, 9, 14, 15, 16 e 21 de Janeiro.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 49/IX - Criminaliza o comércio de órgãos e tecidos humanos, bem como a propaganda e o aliciamento associados à sua prática, aditando novas disposições à Lei n.º 12/93, de 22 de Abril (PS).
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que hoje travamos em torno do projecto de lei n.º 49/IX, do Partido Socialista, que criminaliza o comércio de órgãos e tecidos humanos, bem como a propaganda e o aliciamento associados à sua prática, é já recorrente nesta Câmara.
Com efeito, no decurso da Legislatura anterior, apresentámos este projecto de lei, que foi aprovado com os votos favoráveis de todas as bancadas, mas que acabaria, contudo, por "morrer" na comissão parlamentar a que baixou, por dissolução da Assembleia da República.
A colheita e o transplante de órgãos e tecidos de origem humana com fins de diagnóstico ou terapêuticos constitui um bem para a Humanidade, através do qual é possível salvar milhares de vidas e melhorar a qualidade de vida de cidadãos de todo o mundo.
No entanto, a escassez da oferta de bens tão preciosos levou ao aparecimento de poderosas redes internacionais de tráfico, dando origem a um comércio criminosamente rentável, mas ilícito, repugnante mesmo.
Um comércio feito sobretudo à custa da vulnerabilidade de pessoas com mais baixos recursos económicos, que, em troca de dinheiro, muitas das vezes em quantias irrisórias, se sujeitam a ceder um órgão, mesmo sabendo que podem colocar em risco a sua saúde e, por vezes, a própria vida.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - As organizações internacionais, preocupadas com o alarmante crescimento do tráfico de órgãos e tecidos humanos, têm reclamado insistentemente sanções penais graves para a sua prática.
Como muito bem é referido no relatório sobre proibição do comércio de órgãos para transplante, de 25 de Fevereiro de 1993, da Comissão de Meio Ambiente, de Saúde Pública e da Defesa do Consumidor do Parlamento Europeu, "O tráfico ilegal e organizado de órgãos existe tal como existe o tráfico de drogas ilícitas (…) a única resposta para estas fraudes e para estes crimes é a tomada de medidas legislativas e repressivas. A primeira destas medidas deverá ser a proibição do comércio de órgãos para transplante, o que significa não só a gratuitidade da doação, mas também a proibição, sob pena de sanções penais graves, de todo o comércio praticado pelos intermediários, bem como a proibição de toda e qualquer retribuição à acção dos médicos responsáveis pelos transplantes".

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Muito bem!

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O Orador: - A nível da União Europeia, esta tem sido uma questão que vem merecendo cada vez mais atenção. Sob proposta da Grécia, formulada em 28 de Março de 2003, encontra-se, neste momento, em fase de preparação a adopção de uma decisão-quadro do Conselho, relativa à prevenção e repressão do tráfico de órgãos e tecidos humanos.
No nosso país, a Lei n.º 12/93, de 22 de Abril, que estabelece o regime jurídico aplicável à colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana, consagrou dois princípios fundamentais nesta matéria: o princípio da gratuitidade da dádiva de órgãos e tecidos de origem humana, proibindo, inequívoca e expressamente, a sua comercialização; e o princípio do livre e esclarecido consentimento do dador. Toda e qualquer situação ocorrida fora deste quadro consubstancia uma prática ilícita, incorrendo os seus infractores, nos termos do citado diploma legal, em responsabilidade civil, penal e disciplinar, nos termos gerais do Direito.
Significa, pois, à luz do quadro legal vigente, que a extracção e utilização de órgãos e tecidos de origem humana com o intuito comercial e lucrativo configuram, no plano do Direito Penal, a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada como grave, com efeitos jurídicos distintos, sem que exista a tipificação criminal autónoma para o próprio acto de comércio ou de tráfico de órgãos ou tecidos de origem humana.
No entendimento do Partido Socialista, importa, tendo em conta os interesses em presença e a gravidade que o comércio de órgãos e tecidos humanos encerra, punir de forma severa os seus agentes, o que é alcançado através da criminalização do próprio acto do comércio de órgãos e tecidos de origem humana, sem prejuízo de outras sanções penais nos termos gerais do Direito, como seja pela prática do crime de ofensa à integridade física grave.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Com o presente projecto de lei, visa o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, seguindo a tendência europeia nesta matéria, melhorar e aperfeiçoar o quadro jurídico vigente aplicável à colheita e ao transplante de órgãos e tecidos de origem humana, colmatar uma lacuna grave existente na nossa lei penal e contribuir para a repressão e punição severa do comércio de órgãos e tecidos de origem humana.
Com a aprovação do presente projecto de lei, a Assembleia da República contribui para combater este flagelo mundial, dando um sinal claro a todos aqueles que, com fins egoísticos e em manifesta violação dos direitos humanos, se dedicam a uma actividade condenável sob todos os pontos de vista.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na anterior Legislatura, quando discutimos pela primeira vez este projecto de lei, todas as bancadas parlamentares foram unânimes quanto à sua pertinência e oportunidade, tendo evidenciado ao longo do debate os seus aspectos meritórios e mesmo sugestões de melhoria. Colhemos já um desses contributos que se encontra reflectido na nossa iniciativa. Não o fizemos relativamente a todos porque entendemos que deverão ser objecto de uma aturada e aprofundada reflexão, em sede de discussão na especialidade.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está, como sempre esteve, disponível para, em sede de especialidade, discutir, aberta, construtiva e aprofundadamente, as soluções que propomos e os contributos que todos derem - certamente muito positivos, dado tratar-se de uma questão que encerra alguma polémica -, numa perspectiva de melhoria efectiva do enquadramento legal que se pretende agora ver aprovado.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Eugénio Marinho e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, quero começar por dizer-lhe - aliás, já o referiu aqui - que este grupo parlamentar, de forma alguma, coloca de parte a questão subjacente a este projecto de lei, a bondade do mesmo e os objectivos que ele pretende acautelar.
Sobre isso, penso haver unanimidade nesta Câmara: há questões de cujo cumprimento nos temos de assegurar.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas concretamente face ao projecto de lei que hoje aqui nos apresentam, Sr. Deputado, gostava de colocar-lhe três questões. A primeira prende-se com o texto do n.º 1 do artigo 5.º-A, que pretendem aditar à Lei n.º 12/93. A vossa proposta refere concretamente aqueles que extraem e utilizam órgãos e tecidos humanos. Só que a expressão "quem extrai e quem utiliza" não será absolutamente suficiente para englobar o intermediário, aquele que concretamente se aproveita daquele órgão que é extraído por alguém e que, depois, é utilizado por alguém. Onde é que estão os intermediários, Sr. Deputado? Penso que isso não está plenamente assegurado neste artigo.
Por outro lado, Sr. Deputado, também me parece - e gostava que me explicasse a sua perspectiva - que, quando se fala em tecidos humanos, a criminalização do comércio de tecidos humanos deveria naturalmente excepcionar casos que têm de ser excepcionados. O cabelo é um tecido humano, Sr. Deputado. V. Ex.ª, com certeza, não quererá que amanhã seja criminalizada a conduta de alguém que negoceia ou comercializa cabelo.
Portanto, isso tem de estar expressamente excepcionado na lei, não se pode facilitar. Do mesmo modo, lhe refiro o sangue que é um tecido humano e também este caso não está excepcionado no corpo do artigo.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uma última questão tem a ver com a sistematização: não entende V. Ex.ª que seria melhor, em vez de continuarmos a querer legislar de forma avulsa, integrar estes preceitos legais, tipificá-los - como referiu, e muito bem - no Código Penal, em concreto, sem termos necessariamente de estar aqui mais uma vez a criar um diploma avulso por causa de dois simples artigos que facilmente se conseguirão integrar no Código Penal?
De todo o modo, Sr. Deputado, sabe que poderá contar connosco para, em sede de discussão na especialidade, fazermos todos o melhor possível, em proveito da população em geral.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, o PCP vai votar favoravelmente o projecto de lei. Pensamos que não é o artigo do Código Penal sobre ofensas à integridade física graves que é adequado para o tratamento desta questão, embora à face deste artigo actualmente se possa resolver esta questão, portanto, repito, iremos votá-lo favoravelmente.
Porém, penso que haveria toda a utilidade de em vez de se fazer uma lei com artigos avulsos estes serem introduzidos no Código Penal - e, se calhar aí, as normas do artigo 5.º do Código Penal sobre esta territorialidade não são suficientes.
Mas, tendo em atenção que o fenómeno que se passa não é de um comportamento isolado de uma pessoa, é um fenómeno muito mais grave, porque são redes mafiosas que praticam estes crimes normalmente em África e na América do Sul, pergunto se não serviria melhor os interesses de combate a este crime organizado a introdução, no Código Penal, de uma alínea no artigo 5.º prevendo que o Estado português também possa julgar e punir crimes destes cometidos em qualquer parte do mundo.
Sr. Deputado, se bem que seja uma questão a discutir em sede de especialidade - e eu não sou adepta de grandes penalizações, mas neste caso sou -, não sei se a medida da pena que VV. Ex.as propõem corresponde exactamente à gravidade destes crimes. Para já, porque logo no n.º 1 do artigo proposto, penso que a punição é menor se a pessoa der o consentimento e devo dizer que, nestes casos, e na minha opinião, acho que o consentimento será irrelevante com vista à diminuição da pena.
Isto porque há muitas pessoas que dão o seu consentimento, mas dão-no porque são pobres, vivem em extrema pobreza e, por isso, na minha opinião, como este é um crime que se aproxima muito ou será mesmo um crime de escravatura, não está inserido no nosso crime de escravatura, mas é uma nova escravatura desde os fins do século XX, acho que a medida da pena, em vez de ser diferenciada com ou sem consentimento, deveria ser uma medida da pena que, pelo menos, se aproximasse muito da medida da pena que temos para o crime de escravatura que é de 5 a 15 anos, mas sem distinguir a questão do consentimento ou, melhor, distinguindo que será irrelevante para atenuar a pena a pessoa ter dado o consentimento.

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2699 | I Série - Número 048 | 06 de Fevereiro de 2004

 

Vozes do PCP e do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados Eugénio Marinho e Odete Santos, começo por agradecer-vos os contributos que deram para esta questão.
Este é um assunto muito delicado e é tão delicado que todos os anos sofre uma evolução. Veja-se o seguinte exemplo: hoje em dia também já se fala no tráfico de células, já não se fala só no tráfico de órgãos e tecidos; agora é no de células. Há, portanto, uma evolução muito forte.
Por isso, acho que é difícil, respondendo à questão que o Sr. Deputado Eugénio Marinho levantou, tipificar o tipo de tecidos que, eventualmente, possam ser traficados. É extremamente difícil!
A questão central neste processo é, de facto, criminalizar o tráfico, porque há um hiato, porque entre quem extrai e quem futuramente recebe há uma zona que não está penalizada e nós temos de fazê-lo.
Estes contributos que acabaram por ser trazidos pelos Srs. Deputados Eugénio Marinho e Odete Santos parecem-me ser extremamente importantes para serem abordados em sede de discussão na especialidade, pois podemos melhorar muito esta matéria. Há, de facto, outros problemas a tratar, mas não cabem aqui, neste debate na generalidade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, como acaba de ser dito pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida, o projecto de lei que hoje discutimos visa criminalizar o comércio de órgãos e tecidos humanos, bem como a propaganda e o aliciamento, e que, aliás, não é uma novidade.
Este mesmo projecto de lei foi discutido na anterior Legislatura, tendo sido aprovado com alargado consenso. O fim da legislatura e a caducidade do projecto de lei justificam plenamente a sua reapresentação como fez agora o Partido Socialista.
Fundam os autores do projecto a sua apresentação na necessidade de acautelar o recrudescimento do comércio de órgãos e tecidos de origem humana, designadamente aqueles que são levados a cabo através de redes organizadas.
Com efeito, um matutino de hoje insere uma ampla reportagem sobre a constituição de redes internacionais para o tráfico e comércio de órgãos e tecidos de origem humana, a que se chama o "turismo do transplante", que exploram as dificuldades de pessoas de baixíssimos recursos económicos e que estão na disposição de ceder órgãos vitais a troco de quantias, por vezes irrisórias face ao valor pelo qual esses órgãos são posteriormente transaccionados em todo o mundo.
A outra face do problema tem a ver com a extracção de órgãos e tecidos humanos sem o consentimento dos respectivos dadores, realidade sobre a qual há relatos, dos mais variados, e que pontilham um pouco por todo o mundo, principalmente nos chamados continentes de miséria.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o tema dos limites éticos e jurídicos decorrentes das intervenções no corpo humano toma maior proporção quando falamos de transplantes de órgãos e tecidos humanos.
É natural que assim seja porque o corpo humano se valoriza cada vez mais, porque todos os seus elementos passam a ser encarados como sinónimo de esperança e solidariedade, porque o corpo humano se torna cada vez mais utilizável por outrem, mais capaz de contribuir para que o corpo de outrem possa tratar-se, quando não, mesmo, salvar-se da morte.
Assim sendo, os transplantes não se limitam a uma mera intervenção terapêutica, pelo menos na óptica do dador. Reflectem igualmente importantes questões éticas em torno da experimentação no corpo humano, das próprias decisões políticas em matéria de saúde, e, numa perspectiva mais alargada, colocam questões fundamentais em torno do princípio da dignidade humana.
Lembro a discussão da lei substantiva nesta matéria, a Lei n.º 12/93, de 22 de Abril, que ocorreu neste Plenário, em 15 de Maio de 1993, e que constitui um dos momentos altos desta Câmara.
Ali foi abordada, como não poderia deixar de ser, a problemática da dádiva dos tecidos e órgãos humanos. Daquele debate ressumaram as principais implicações da adequação do princípio da dignidade humana às intervenções no corpo humano, das quais destaco as seguintes: a valoração do princípio da

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autonomia da vontade e sua expressão no consentimento informado; o princípio da não comercialização do corpo humano, afirmado na gratuitidade da doação; o princípio da confidencialidade, ou seja, o controlo da informação sobre si próprio por parte do indivíduo; o princípio da não discriminação dos beneficiários, em cuja selecção não podem ser utilizados outros critérios senão os estritamente médicos; o princípio da proporcionalidade na execução das colheitas, tendo em vista evitar mutilações não estritamente indispensáveis, ou quando a dádiva implique a diminuição grave e permanente da integridade física e da saúde do dador.
Como digo, foi um debate enriquecedor que não perdeu, antes pelo contrário, ganhou hoje uma nova actualidade.
A legislação em vigor entre nós, à qual o projecto de lei em análise pretende aditar estas disposições de natureza penal, aponta no sentido de que só é autorizada a colheita em vida de substâncias regeneráveis.
Implica isto, portanto, que a admissibilidade da dádiva de órgãos ou substâncias não regeneráveis só ocorra excepcionalmente, e de acordo com alguns requisitos expressos na lei um deles, precisamente, o de se verificarem, entre dador e receptor, laços de parentesco ou outros de natureza especial.
A intenção é prevenir a comercialização dos órgãos, como é óbvio. Esta problemática da comercialização dos órgãos já ocupa a União Europeia de alguns anos a esta parte.
Em Maio de 1991, foi apresentada uma proposta de resolução ao Parlamento Europeu sobre o comércio de órgãos para transplante, a qual viria a ser aprovada em Setembro do mesmo ano.
Mais recentemente, em Abril de 2003, durante a presidência grega da União Europeia, foi tomada uma iniciativa tendo em vista a adopção de uma decisão-quadro relativa à prevenção e repressão do tráfico de órgãos e tecidos humanos. Esta iniciativa foi objecto de parecer do Parlamento Europeu em Outubro do ano passado, pelo que é de crer que, em breve, teremos uma decisão-quadro sobre a matéria que nos ocupa hoje.
Não é este facto, futuro e eventual, que retira pertinência à iniciativa legislativa que tratamos hoje. Ela revela-se oportuna e útil, em primeiro lugar, porque vem clarificar a sanção penal para os actos de utilização ou extracção de órgãos e tecidos de origem humana, com intenção comercial, uniformizando a moldura penal, quer para os casos de extracção de órgãos, quer de tecidos humanos, hoje distinta.
Além disso, vem punir criminalmente a conduta de propaganda, publicidade ou aliciamento a este comércio, integrando-se na lógica do regime instituído pela Lei n.º 12/93, atrás referida. Nem poderia ser de outra maneira, aliás, na decorrência dos princípios fundamentais que atrás enunciei, consagrados na referida lei, nomeadamente o princípio da gratuitidade da dádiva de órgãos e tecidos humanos.
Por tudo isto, é entendimento do CDS-PP que este projecto de lei acrescenta uma mais valia à Lei n.º 12/93 e adita-a com disposições importantes que a não integraram na altura, apenas por se entender que os valores jurídico-penais que se pretendia assegurar já se encontravam em sede punitiva no Código Penal. Mas não era assim!

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como em várias outros casos, porém, constata-se que determinadas realidades reclamam incriminações específicas e, no caso do comércio de órgãos e tecidos humanos e respectiva propaganda e aliciamento, o lugar correcto para aditar tais normas incriminatórias é precisamente a Lei n.º 12/93.
Daremos, portanto, o nosso voto favorável ao projecto de lei.

Aplausos do CDS-PP e do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei hoje em apreciação, da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, é a reprodução quase fiel do projecto de lei n.º 73/VIII, apresentado na anterior legislatura. E digo "quase fiel", porque o texto actual prevê já pelo menos uma alteração, decorrente da posição expressa no debate de então pelo meu ilustre colega de bancada Dr. António Montalvão Machado.
Não é, pois, a primeira vez que esta Câmara analisa e debate o tema subjacente à iniciativa legislativa ora em discussão. Não poderia, porém, deixar de aqui expressamente se referir que é bondosa esta iniciativa. Ela corresponde a uma preocupação legítima e actual de um mundo cada vez mais movido por interesses

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de ordem financeira e por grupos criminosos despidos de consciência, que tudo utilizam para realizar dinheiro.
É do conhecimento geral que a miséria e a vulnerabilidade de muitos seres humanos é um espaço de proliferação de "abutres" que conseguem levar muitos a permitir a amputação dos seus próprios órgãos ou a profanação dos cadáveres dos seus entes queridos. E aqui, apesar de horrendo e, até, macabro, o comportamento destes grupos organizados que se servem das fragilidades da vida de muitos actuam, apesar de tudo, com o consentimento dos mesmos.
Porém, os comportamentos mais graves e absolutamente inaceitáveis decorrem da prática dos mesmíssimos actos, agora, no entanto, sem o consentimento dos próprios. Crimes hediondos, por isso, se praticam por todo o planeta. Não pode, por isso, a nossa sociedade deixar passar impune gente tão impiedosa, tão cruel e tão ignóbil. Criminosos do tipo mais sanguinário que existe e que têm, por isso, de ser severamente punidos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Importa aqui também analisar dois planos absolutamente distintos: a recolha e comercialização de órgãos e tecidos em vivos e em cadáveres.
Actualmente, no nosso edifício legislativo, temos a Lei n.º 12/93, de 22 de Abril, que agora se visa alterar, ou complementar, e que versa sobre a colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana e o Decreto-Lei n.º 274/99, de 22 de Julho, que regula as situações em que é lícita a dissecação de cadáveres, ou de partes deles, de cidadãos nacionais, apátridas ou estrangeiros residentes em Portugal, bem como a extracção de peças, tecidos ou órgãos, para fins de ensino e de investigação científica.
Aquele diploma prevê já, no seu artigo 5.º, a gratuitidade da dádiva de tecidos ou órgãos com fins terapêuticos de transplante e prevê, ainda, no seu artigo 16.º, a responsabilidade penal dos infractores à lei, nos termos da lei geral.
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 274/99 prevê, no seu artigo 5.º, a necessidade de manifestação de oposição à doação de órgãos, a proibição de comercialização de cadáveres e de peças, tecidos ou órgãos deles extraídos, no seu artigo 6.º, e, ainda, no seu artigo 20.º, uma disposição penal para quem proceder à comercialização de cadáveres ou de parte deles.
Não se encontra, por isso, o nosso ordenamento jurídico, nesta matéria, desprovido de meios sancionatórios contra os infractores destes normativos legais e que procedem à comercialização de órgãos ou de tecidos humanos.
Recordo aqui o texto do relatório da autoria do Sr. Deputado de então, Dr. Rui Machete, aprovado na 1.ª Comissão, em 12 de Maio de 1992, e relativo ao projecto de lei n.º 40/VI (extracção de órgãos e tecidos para transplante) e a proposta de lei n.º 9/VI (estabelece o novo regime de colheita de órgãos de origem humana e para fins de investigação científica). Cito o Dr. Rui Machete, sobre sanções penais e indemnizações, "Já dissemos que os articulados deveriam evitar a repetição dos normativos gerais constantes do Código Penal. Mutatis mutandis, o mesmo vale para o Código Civil quanto à matéria das indemnizações por facto ilícito. As disposições gerais contidas na proposta de lei, e mais morigeradamente no projecto, deveriam limitar-se a sancionar o incumprimento dos deveres especiais de carácter procedimental, de modo a garantir que as normas sobre a colheita e transplantes sejam cumpridas. Desta forma se evitariam duplicações inúteis e sempre perigosas, ou alterações legislativas indesejáveis. Toda esta matéria deverá assim ser revista em ambos os articulados sob análise, que deverão, a esta luz, ser expurgados de preceitos inúteis, mantendo-se, apenas, as chamadas normas penais secundárias."
Apesar disso, o Partido Socialista pretende precisar mais e melhor esta matéria, deixando ínsito no texto da Lei n.º 12/93 normas penais que sancionem quem comercializar órgãos ou tecidos humanos.
Não se discute, como já se disse, aliás, a bondade subjacente à medida! É necessariamente previdente e cautelosa! Quer que as malhas da lei sejam suficientemente apertadas para não deixar "escapar" ninguém que nelas caia em consequência de actividade tão sinistra.
Percebemos a preocupação. Já não percebemos, contudo, que, face à sensibilidade da matéria, os proponentes do projecto de lei em apreciação não tivessem tido a preocupação de apresentar um texto legislativo mais consistente e mais adequado.
Já aquando da discussão em Plenário, na legislatura anterior, do projecto de lei n.º 73/VIII, o Sr. Deputado Montalvão Machado referiu que: "(…) este projecto de lei foi elaborado à pressa e, por isso, mal elaborado".
Lastimo que não tenham tomado por boas as palavras do Sr. Deputado Montalvão Machado e que se tivessem limitado a reproduzir para esta legislatura, com uma pequena e única alteração, o conteúdo daquele projecto de lei.
É que, Sr.as e Srs. Deputados, o texto que nos é proposto deixa completamente de fora os verdadeiros

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interessados no negócio da comercialização de órgãos e tecidos humanos que são os intermediários.
Diz o texto do proposto artigo 5.º-A: "Quem, com a intenção de comercialização, utilizar ou extrair órgãos ou tecidos de origem humana para fins de diagnóstico ou terapêuticos e de transplantação é punido com pena de dois a dez anos." E sublinho: quem utilizar e extrair. E onde param aqueles que não extraem, que não utilizam, mas tão-só que comercializam?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E onde param aqueles que adquirem ou pagam a quem extrai ou a quem manda extrair e que vendem a quem quer utilizar?
Para além disso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, também noutras matérias o texto que nos é proposto não é cauteloso. Então a comercialização de todos os tecidos humanos tem de ser criminalizada? E os cabelos não são tecidos humanos? E o sangue não é um tecido humano?
É fundamental que sejamos precisos, rigorosos e meticulosos na produção legislativa que nos cumpre levar a cabo.
Apesar de tudo isto, necessariamente que o Grupo Parlamentar do PSD não vai inviabilizar a aprovação deste projecto de lei; antes pelo contrário, não só o apoiamos como estamos disponíveis a dar a nossa melhor colaboração em sede de especialidade para que o texto final a ser aprovado venha a corresponder por inteiro quer às pretensões dos proponentes quer às pretensões da população portuguesa em geral.
Antes de concluir, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, devo dizer que outras questões, em sede de especialidade, merecerão a nossa ponderação. A que aqui saliento prende-se com a sistematização das normas penais.
Será adequado, num momento em que todos achamos relevante a codificação da matéria relativa à legislação laboral, quando já outros reclamam a necessidade de um novo código administrativo, estarmos a dispersar, em legislação avulsa, normas penais, quando as mesmas cabem perfeitamente no Código Penal?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Não será necessariamente melhor encontrarmos a fórmula adequada à criminalização do comércio de órgãos e de tecidos de origem humana para fins de diagnóstico, terapêuticos e de transplantação, bem como a propaganda, a publicidade ou o aliciamento relativo a estas matérias no sentido de serem integradas no Código Penal, ao invés de serem incorporadas na Lei n.º 12/93? Parece-nos, sinceramente mais adequado.
Veremos, por isso, se somos capazes, no momento certo, de encontrar a solução adequada.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como referi há pouco, pensamos que este projecto de lei pretende dar resposta a um fenómeno dramático e horrível que perpassou pelo mundo nos finais do século XX e que nos acompanha no século XXI.
Trata-se, de facto, do surgimento de redes de crime organizado, redes mafiosas, que traficam ilegalmente órgãos e tecidos humanos, que mutilam e que, por vezes, matam seres que são vítimas de uma nova forma de escravatura. Uma escravatura que já não se caracteriza pelo aproveitamento do trabalho humano forçado mas que visa a apropriação do corpo dos pobres para os esquartejar aos poucos ou de uma só vez em proveito de cidadãos ricos, de países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
O tráfico ilegal de órgãos e de tecidos humanos situa-se em terceiro lugar no ranking das actividades criminosas quanto aos lucros arrecadados, depois do comércio de armas e do tráfico de seres humanos para exploração sexual.
Srs. Deputados, as crianças são também vítimas destas redes organizadas.
Tudo isto se passa, por vezes, com o consentimento das vítimas, pessoas na maior parte das vezes extremamente pobres, que optam por ser sobreviventes mutilados, na expectativa de subsistir com o que os novos negreiros lhes dispensam dos chorudos lucros que arrecadam.
Para escapar à legislação dos países que proíbem esta comercialização, o crime organizado congeminou uma nova forma de "turismo", promovendo a deslocação dos pretendentes a um transplante para os países que ainda não criminalizaram a comercialização do corpo humano, naquilo a que se tem vindo a chamar de "turismo médico", porque por vezes são acompanhados pelos médicos. Daí que eu tenha colocado

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as questões sobre a extraterritorialidade da lei penal a respeito destes crimes.
Tudo isto se passa na sequência do avanço da ciência no sentido de tornar possível o prolongamento da vida humana e o alívio do sofrimento humano através dos transplantes. Mas faltam órgãos e tecidos para os transplantes necessários. E por isso um outro fenómeno, que penso que também é dramático, está a passar-se muito recentemente noutro país.
Em desespero de causa, alguns médicos ingleses propuseram recentemente um comércio legal de órgãos a cargo do próprio Estado, que, segundo eles, deveria poder importar órgãos e tecidos humanos. Trava-se um grande debate no Reino Unido acerca disto, e o que propõem não conseguiria acabar com o tal crime organizado e tornaria o Estado num mercador da vida humana.
Cremos que, a par das medidas repressivas que, penso, a Assembleia aprovará, é necessário e imperioso investir na investigação científica, tanto a nível nacional como internacional, nomeadamente com células estaminais embrionárias, investigação esta que conduza à obtenção de órgãos e tecidos através da clonagem terapêutica.
Quanto mais culto é um povo mais numerosos são os princípios que se desenvolvem no seu seio. E é princípio de progresso colocar a ciência ao serviço do ser humano, contribuir para a sua felicidade, combatendo e debelando o sofrimento. A ciência não pode servir de fomento ao crime, como infelizmente, e sem que se deseje, está a servir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, chegados à hora regimental das votações, vamos, antes de mais, proceder à verificação do quórum por meio electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 166 presenças, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Começo por dar a palavra ao Sr. Augusto Santos Silva para proceder à leitura do voto n.º 129/IX - De pesar pelo falecimento do cineasta José Álvaro Morais (PS).

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor: "José Álvaro Morais, realizador de cinema e argumentista, faleceu aos 59 anos de idade. A morte surpreendeu-o no preciso momento em que a sua criação artística parecia finalmente ter alcançado condições estáveis de produção, com a conclusão de dois filmes justamente celebrados, Peixe-Lua, de 2000, e Quaresma, de 2003.
José Álvaro Morais nasceu em Coimbra, em 1945. Estudou Medicina, mas foi ao cinema que se consagrou, tendo frequentado e terminado, em Bruxelas, o curso de realização.
No seu conjunto, não é extensa a sua filmografia: entre 1976 e 2003, foi autor de seis filmes. Mas ela projecta um olhar próprio e incontornável sobre Portugal e sobre a arte e o cinema portugueses. Ma femme chamada bicho, documentário sobre Vieira da Silva e Arpad Szènes, é em si mesmo um diálogo entre linguagens e expressões artísticas. O Bobo, galardoado no Festival de Locarno, ensaiava uma reflexão sobre a nossa própria história, reflexão situada no dia seguinte ao da Revolução dos Cravos. Quaresma imagina uma trama narrativa sobre as (im)possibilidades da comunicação interpessoal, a que a paisagem serrana, tão belamente restituída, confere um significado quase religioso.
Este mesmo filme, o último que devemos a José Álvaro Morais, foi exibido há poucos meses nas salas de cinema. Então, a recepção crítica foi muito favorável, multiplicando-se os comentários que assinalavam a maturidade artística do realizador e antecipavam a continuação de um projecto artístico pessoal que muito enriqueceria o cinema português. Até por isso, o falecimento prematuro do cineasta foi muito injusto, para ele próprio e para a nossa cultura.
Assim, a Assembleia da República exprime o seu pesar pela morte de José Álvaro Morais e exprime à sua família as mais sinceras condolências."

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste voto de pesar.

Submetido à aprovação, foi aprovado por unanimidade.

Peço à Câmara, uma vez que o voto foi aprovado por unanimidade, para se erguer em memória do homenageado.

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A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, informo que ficou acordado que, em relação aos votos n.os 128/IX e 130/IX, cada grupo parlamentar disporá de 2 minutos para intervir.
Vamos apreciar, nos termos regimentais, o voto n.º 128/IX - De protesto contra as condições em que se encontram mais de 600 prisioneiros na base militar de Guantanamo (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que está a passar-se, desde há longos meses, na base militar norte-americana de Guantanamo, onde cerca de 600 pessoas estão aprisionadas, algumas das quais crianças, em condições absolutamente desumanas, não pode deixar indiferente ninguém que se preocupe minimamente com o respeito pelos direitos humanos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É uma situação absolutamente inaceitável. Não há nenhum fim que justifique uma situação como a que se verifica.
Estas pessoas, para além das condições prisionais desumanas em que se encontram, estão privadas de quaisquer direitos, não têm possibilidade de acesso a nenhuma defesa, não sabem sequer do que são acusadas e estão, inclusivamente, sujeitas a ser condenadas à morte por um tribunal militar. É uma situação que não pode deixar de nos indignar, que não pode deixar de justificar a maior preocupação.
Nesse sentido, entendemos que a Assembleia da República deve repudiar esta total ausência de direitos e a situação desumana em que se encontram estes prisioneiros e apelar não só às autoridades dos Estados Unidos da América para que lhes garantam um tratamento digno e respeitador das pessoas humanas que são mas também ao Governo português para que, no plano diplomático, se associe a todas as iniciativas de outros Estados e, designadamente, de organizações humanitárias que têm vindo a chamar a atenção para aquela situação e a apelar para que lhes seja posto termo.
É urgente que os direitos humanos daqueles prisioneiros sejam respeitados. Esta é uma questão de princípio! Quem pactua com o que está a passar-se em Guantanamo não tem a mínima autoridade moral para lamentar violações de direitos humanos onde quer que elas ocorram.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma questão muito concreta e muito palpável e é com a posição que se tome relativamente a esta questão e com a posição que o Estado português e esta Assembleia devem tomar a esse respeito que se vê a coerência de todos aqueles que se dizem defensores dos direitos humanos.
Pela nossa parte, defendemos os direitos humanos em todo o lado e, por isso, não podemos ficar indiferentes perante o que está a passar-se em Guantanamo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o PSD é fácil pronunciar-se sobre estas matérias, porque quanto à defesa dos direitos humanos, dos direitos, liberdades e garantias, quanto ao respeito pela dignidade da pessoa humana, à igualdade de acesso à justiça, quanto a esses princípios, falamos de cátedra e sempre estivemos, e sempre estaremos, posicionados da mesma maneira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas já não podemos dizer o mesmo do Partido Comunista Português. Era bom que não adoptasse, em relação a estas matérias, dois pesos e duas medidas.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - Gostávamos de ter visto, no passado, por exemplo, a condenação da violação de direitos

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humanos na ex-URSS, em Cuba, no Iraque… Enfim, gostávamos de ter visto noutras ocasiões uma condenação idêntica em relação à violação de direitos humanos!…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sobre esta matéria, estamos de acordo com o apelo recentemente feito pelo Sr. Primeiro-Ministro, numa entrevista que deu, em que dizia, a este propósito, que esta questão suscita a justa crítica internacional. Também estamos junto desta crítica.
Portanto, juntamo-nos, sim, ao apelo aos Estados Unidos no que se refere ao respeito pelos direitos do homem, juntamo-nos ao apelo à garantia de um tratamento que respeite a dignidade da pessoa humana, juntamo-nos ao apelo para que haja um julgamento imparcial e o direito à defesa por parte destes prisioneiros.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Então, vão votar a favor!

O Orador: - Contudo, repudiamos o termo utilizado neste voto de protesto.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Qual termo?!

O Orador: - Juntamo-nos, pois, ao aspecto positivo, porque é pela positiva que nos devemos afirmar, e também na lógica das relações diplomáticas entre dois Estados que são amigos, sendo nessa plataforma que devem relacionar-se. Juntamo-nos ao apelo, não nos juntamos ao repúdio!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, como partido estruturante da democracia portuguesa, não pode deixar de votar favoravelmente o voto de protesto aqui apresentado, fazendo-se, aliás, neste domínio, intérprete da concepção humanista do povo português.
Naturalmente que se fosse o PS a redigir o voto de protesto o faria em relação a alguns termos de forma diferenciada. Mas isso não prejudica, pelo contrário, manifesta concordância com o próprio reconhecimento da justiça americana que, neste domínio, ao nível da mais alta instância dos Estados Unidos - o Supremo Tribunal de Justiça -, aceitou a investigação da situação.
Por tudo isto, e mais uma vez fazendo-nos intérpretes da concepção humanista do povo português e da própria justiça americana, que, salvo em relação à pena de morte, salvaguarda os direitos fundamentais a este nível, não podemos deixar de votar favoravelmente este voto.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais, uma questão prévia: existe, de facto, um problema de direitos humanos em Cuba, na ilha onde se encontra a base de Guantanamo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Só que é no resto da ilha, onde o regime comunista de Fidel Castro continua a espezinhar o seu povo…

Vozes do PCP: - Eh!…

O Orador: - … e a mandar para a prisão milhares de pessoas. E esse é o problema.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Do Partido Comunista Português tivemos sempre silêncio em relação a esta questão, o que lamentamos profundamente.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Só vamos juntar-nos, obviamente, ao ponto 2 deste voto, porque quanto ao resto não podemos juntar-nos.
Primeiro, há uma obsessão do Partido Comunista Português, que tem a possibilidade de, nesta Assembleia, apresentar votos de repúdio contra ditaduras como, por exemplo, a da Coreia do Norte e de outros países que violam sistematicamente direitos humanos e nunca o fez, e tem esta preocupação obsessiva em relação aos Estados Unidos, que é uma democracia pluralista, um país que partilha os mesmos valores que Portugal e todos os países ocidentais. Portanto, esta obsessão não pode ser acompanhada por nós.
Depois, há uma questão de autoridade relativamente ao Partido Comunista Português. Porque há ainda muitos dirigentes que estão aqui presentes, à nossa frente, que eram Deputados quando existia a União Soviética, e nunca os vimos fazer qualquer referência aos abusos que eram cometidos nas prisões na União Soviética onde, aí sim, havia mortes, tortura e todo o tipo de crimes contra os direitos humanos!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E sobre Guantanamo?!

O Orador: - Por fim, convém realçar que este voto está escrito, obviamente, com exageros e com algumas falsidades, portanto não o podemos subscrever, exceptuando o ponto 2.
Gostaria de recordar também que os prisioneiros que estão na base de Guantanamo são prisioneiros de guerra, foram presos no Afeganistão onde combatiam ao lado de assassinos, os talibãs, que os senhores também nunca criticaram no passado.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do PCP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Então, não se lhes aplica a Convenção de Genebra?!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós, o que acontece em Guantanamo em relação aos milhares de pessoas, algumas das quais jovens e quase crianças que estão detidas, é aquilo que alguns consideraram um "buraco negro" do ponto de vista jurídico.
Estamos a falar de pessoas que estão retidas à margem do direito internacional e cujas condições de detenção violam de modo grosseiro aquilo que deveria ser aplicável a prisioneiros de guerra, os quais estão sujeitos às normas previstas na Convenção de Genebra. Mas não é isso que acontece. Seguramente, aqueles para quem a leitura dos direitos humanos não tem diferentes expressões, dependendo isso de diferentes latitudes e de um qualquer interesse que não o verdadeiro respeito pelos direitos humanos, devem sentir-se obrigados a não deixar que seja silenciada aquela realidade para a qual diversas ONG e múltiplas entidades têm chamado a atenção.
Por isso, naturalmente, vamos votar a favor do voto, porque pensamos que aquilo que está a ocorrer não é de modo algum de forma a que a voz de um Parlamento possa ser silenciada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Condenamos a violação dos direitos humanos onde quer que ocorra. No entanto, neste caso, creio que se fará mal em pôr-se um sinal de igual entre todas as violações dos direitos humanos.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - São dois pesos e duas medidas?!

O Orador: - É que violações de direitos humanos condenáveis no interior dos Estados não são equiparáveis a esta violação de direitos humanos.

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Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah…!

O Orador: - Porque aquilo que existe em Guantanamo é uma lógica de campo de concentração internacional,…

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … com pessoas capturadas em qualquer parte do mundo, sem direito a processo, sem assistência judiciária, sem quaisquer garantias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata de uma violação de direitos humanos em um qualquer Estado mas de uma lógica de campo de concentração internacional. E isso é que é grave. E é um sinal característico do que saiu do 11 de Setembro, e o que saiu do 11 de Setembro foi a ideia de que é preciso passar à margem da lei e dos fundamentos do Estado de direito democrático para combater o terrorismo. Ora, isso é exactamente um sinal de barbárie, não é um sinal de civilização nem a forma efectiva de como pode defender-se uma sociedade democrática contra o terrorismo.

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que se condena sobre o que se passa em Guantanamo é exactamente aquilo que temos de condenar nas declarações televisionadas do Presidente norte-americano George W Bush, que disse que os serviços secretos norte-americanos podem matar à vista qualquer alegado terrorista em qualquer ponto do mundo. É esse direito privado de homicídio que temos de contestar! É essa ideia securitária anti-democrática de que o direito e a democracia se interrompem no combate ao terrorismo. Com isto não pactuaremos!
Nem poderemos pôr um sinal de igual entre a actual lógica exponencial das violações ao direito internacional que os Estados Unidos estão a fazer e quaisquer outras violações dos direitos humanos. Porque o que temos à nossa frente é o concerto das nações, é o respeito pela lei e pelos fundamentos de uma civilização democrática.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se.

O Orador: - Creio que a maioria, ao ter a hipersensibilidade de discutir uma palavra, o repúdio ou não repúdio, demonstra uma enorme insensibilidade por aquilo que é verdadeiramente o pensamento humanista.

Aplausos do BE.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa sobre a votação que vai seguir-se.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, pela intervenção que ouvi do Sr. Deputado Almeida Henriques, presumi que, dos três pontos do voto, o PSD estava de acordo com dois e o CDS-PP com um. Por isso presumo que o voto deverá ser votado ponto por ponto.

O Sr. Presidente: - É essa a minha intenção, Sr. Deputado. Estive atento às intervenções e julgo que é a melhor maneira de exprimirmos o pensamento da Câmara relativamente a este voto.
Srs. Deputados, vamos, então, votar ponto por ponto o voto n.º 128/IX - De protesto contra as condições em que se encontram mais de 600 prisioneiros na base militar de Guantanamo, apresentado pelo PCP.
Vamos votar, em primeiro lugar, o ponto 1.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

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Era o seguinte:

1 - Repudia a total ausência de direitos e a situação desumana em que se encontram os mais de 600 prisioneiros do campo de concentração de Guantanamo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, votar o ponto 2.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

2 - Apela às autoridades dos Estados Unidos da América para que respeitem os direitos humanos desses prisioneiros e lhes garantam um tratamento que respeite a dignidade da pessoa humana, bem como a possibilidade de dispor de meios de defesa judiciária e de ter um julgamento justo, de acordo com as regras básicas de um Estado de direito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, por fim, votar o ponto 3.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Era o seguinte:

3 - Exorta o Governo português a apoiar activamente todas as iniciativas políticas e diplomáticas que tenham como objectivo exigir das autoridades dos Estados Unidos da América o respeito pelos direitos humanos dos prisioneiros de Guantanamo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, passar à discussão do voto n.º 130/IX - De protesto pelas afirmações proferidas pelo porta-voz do CDS-PP, António Pires de Lima, em relação ao ex-Presidente da República e ex-Primeiro-Ministro e actual Eurodeputado, Mário Soares, apresentado pelo PS.
Para proceder à respectiva leitura, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Jorge Silva.

O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor: "O porta-voz do CDS-PP, António Pires de Lima, afirmou na passada sexta-feira, 30 de Janeiro, que o ex-Presidente da República e ex-Primeiro-Ministro Mário Soares, actualmente Eurodeputado pelo PS, teve 'um papel bastante irresponsável e até criminoso na forma como se procedeu à descolonização em Portugal após o 25 de Abril'".

Vozes do PSD e do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - "Ditas como foram por um alto responsável político da actual maioria governamental, estas afirmações constituem ofensas e insultos de uma gravidade sem precedentes, que nenhum democrata digno desse nome nem as instituições representativas da República podem tolerar. Elas não ofendem apenas quem é reconhecido como uma das figuras principais do regime democrático e que o próprio autor das ofensas admite, aliás, fazer parte da nossa História.
Elas ofendem precisamente essa história, ofendem a democracia, ofendem um património comum da luta contra a ditadura e contra o colonialismo que esteve na base da restauração democrática do 25 de Abril".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - "Sejam quais forem as circunstâncias e a vivacidade do debate democrático, não é possível admitir que alguém com responsabilidades políticas tão elevadas na actual maioria governamental possa difamar, qualificando-o de 'criminoso', o papel que Mário Soares terá assumido no processo de descolonização. A legitimidade das críticas e das divergências sobre a forma como essa descolonização decorreu não pode servir de pretexto para branquear os crimes e a opressão do colonialismo e da ditadura que oprimiu Portugal durante quase meio século.

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Quaisquer que tenham sido os erros ou as dificuldades da descolonização eles não podem ser separados da forma como o colonialismo cego, retrógrado, suicida e criminoso da ditadura conduziu Portugal a uma situação política e militarmente insustentável".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - "Sejam quais forem as diferenças de opinião entre quem perfilha o ideário democrático, não é de todo tolerável que se pretenda reescrever a História portuguesa à luz de teorias saudosistas de uma ordem ditatorial, opressiva e colonialista que todos os verdadeiros democratas inapelavelmente condenam."

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - "Por todas estas razões, a Assembleia da República exprime a sua mais veemente indignação e repúdio face às afirmações difamatórias que o porta-voz do CDS-PP, António Pires de Lima, proferiu contra Mário Soares, o património da República democrática, o 25 de Abril e a verdade histórica."

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É para pedir desculpa?!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Vão ouvir a verdade!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando vi o Sr. Deputado Vicente Jorge Silva levantar-se, pensei que ia falar do Dr. Alberto João Jardim,…

Risos do CDS-PP.

O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Que engraçado!

O Orador: - … porque costuma ser hábito e normalmente é a sua obsessão. Mas hoje escolheu outro alvo.
Sr. Deputado, o que posso dizer-lhe é que, na minha opinião, este voto não tem qualquer sentido ou qualquer nexo.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A verdade desta história é a de que, como tem sido recorrente, o Eurodeputado do Partido Socialista Mário Soares tem vindo a fazer um conjunto de ataques inusitados, descabelados e insultuosos ao Governo e ao meu partido.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Mas não falou em criminoso!

O Orador: - Essa é que é a verdade!
E, Sr. Deputado, "quem anda à chuva molha-se":….

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - … o Dr. Soares insultou-nos e levou uma resposta dura e frontal, como, de resto, é timbre do Dr. António Pires de Lima.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Vale tudo!

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O Orador: - Quer falar na descolonização? Eu digo-lhe: os senhores acham que a descolonização portuguesa foi exemplar. É a vossa opinião. A do meu partido, que eu aqui subscrevo, é a de que não foi exemplar. E não só não foi exemplar como foi uma vergonha para o nosso país!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Essa é que é a verdade!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Foi uma vergonha que degenerou em guerras civis,…

O Sr. António Filipe (PCP): - Isto é que é uma vergonha!

O Orador: - … com milhões de mortos, em ditaduras comunistas, que continuaram a perseguir os cidadãos,…

Protestos do PS e do PCP.

… e, até hoje, estamos à espera que seja feita justiça aos espoliados, aos portugueses que perderam tudo e a quem nunca foi feita justiça. Esperamos que seja esta maioria a fazê-la!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do PS e do PCP.

Em relação ao resto, Sr. Deputado, a história do colonialismo em Portugal não é só a história da ditadura…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo ao Sr. Deputado Vicente Jorge Silva que a história do colonialismo em Portugal não é só a história da ditadura, é, como também sabe, a da República.
Nós não somos colonialistas, nunca fomos, não conhecemos herança, nem somos herdeiros, mas sabemos que a vossa intenção é a de tentar fomentar a divisão e fazer o mesmo que fizeram em 1975 contra o nosso partido: tentar insultar-nos, tentar tratar-nos de radicais, para, a seguir, tentar afastar-nos da política.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: -Não conseguiram em 1975 e não conseguirão agora!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero assinalar os termos manifestamente impróprios, mesmo num debate político acalorado, com que o porta-voz do CDS-PP se referiu ao Dr. Mário Soares,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Volta Soares! Estás perdoado!

O Orador: - … que, aliás, contrastam com a sensibilidade que o próprio CDS-PP tem vindo a manifestar ultimamente quando lhes são dirigidas determinadas críticas ou a membros do seu partido que exercem funções governativas.
De facto, a forma saudosista como muitos continuam a olhar para o colonialismo e a forma como sempre arremessam e evocam as dificuldades do processo de descolonização demonstram bem uma evidente dificuldade não só na rejeição do colonialismo que existia em 1975 mas também agora face à rejeição

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ue existia na sociedade portuguesa pela imposição a milhares de portugueses e às suas famílias da participação numa guerra colonial que consideravam injusta.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Esse arremesso e essa evocação das dificuldades do processo de descolonização demonstram bem que estes que o fazem têm dificuldade em reconhecer o apoio que, nessa altura, existia na comunidade internacional em relação aos movimentos de libertação dos PALOP e em relação à condenação da ditadura fascista.

Aplausos do PCP.

De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a descolonização pode ter tido dificuldades,…

Vozes do CDS-PP: - Ah!…

O Orador: - … mas era uma urgência para todos os portugueses. Não era, porventura, uma urgência para todos os que continuam a olhar o colonialismo com saudade, bem patente nas intervenções que aqui ouvimos.

Aplausos do PCP.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O contributo que, antes e depois do 25 de Abril, o Dr. Mário Soares deu para a defesa da liberdade e da democracia é inegável, é inquestionável e é digno de mérito. E esse contributo, com toda a certeza, ficará lavrado na História de Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Acho bem!

O Orador: - Mas essa responsabilidade, esse estatuto que o Dr. Mário Soares tem (porque quanto mais alto é o estatuto, quanto mais importância se tem, quanto mais responsabilidades se tem, também mais cuidado tem de ter-se com aquilo que se diz) não lhe permite dizer tudo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Dr. Mário Soares, ao abrigo desse estatuto, não pode dizer tudo!

Protestos do Deputado do PS Vicente Jorge Silva.

Esse estatuto não lhe dá impunidade de dizer tudo!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E, quando chama "tumor" a líderes de partidos democráticos, quando chama a partidos democráticos "partidos de extrema-direita", o Dr. Mário Soares não está a ser feliz, o Dr. Mário Soares não está a agir de acordo com aquilo que foi o seu trajecto histórico e político.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Naturalmente que os visados sentem aquilo que o Dr. Mário Soares doutrinou em Portugal - o direito à indignação.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - "Quem não se sente não é filho de boa gente". E os visados sentiram-se!

O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - E, portanto, disse que o Dr. Mário Soares era "criminoso"!…

O Orador: - Seria bom, Sr. Deputado Vicente Jorge Silva, que o voto que leu também tivesse uma recomendação ao Dr. Mário Soares: a de que ele fosse mais comedido e tivesse mais cuidado com o que diz!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Esta é a Casa da democracia, não é a Casa da diatribe política, a que o Partido Socialista já nos habituou!

Vozes do PS: - Eh!…

O Orador: - O País não gosta! O País não quer! O PSD não deixa!

Risos do PS.

O Dr. Mário Soares não precisa e não concorda, com toda a certeza!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Este voto não tem sentido!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com este voto, não estamos, de facto, a discutir palavras. Estamos a discutir um crime…

Vozes do PSD: - Ah!…

O Orador: - … um crime que foi cometido durante a época colonial, e esse crime chama-se colonialismo!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - E é dele que temos de tratar.
Quando nos aproximamos dos 30 anos do 25 de Abril, Portugal precisa de olhar para a sua História com a grandeza de um projecto democrático, assente na civilização democrática.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - São dois: colonialismo e descolonização!

O Orador: - Desse ponto de vista, houve vergonha nesse crime que foi o colonialismo. Mas Portugal não tem vergonha e, pelo contrário, Portugal elogia aqueles jovens soldados, militares, que quiseram acabar com a guerra colonial!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Portugal tem orgulho desses jovens que quiseram acabar com a guerra colonial!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Num momento em que, há anos atrás, os tanques do apartheid caminhavam em direcção

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a Luanda,…

Protestos do Deputado do PSD Jorge Nuno Sá.

… Portugal democrático sabia de que lado é que estava: não era do lado do colonialismo, era, pelo contrário, do lado da autodeterminação, do lado do respeito pelos povos.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - E os cubanos?!

O Orador: - Essa é a diferença que está mergulhada no passado sobre o colonialismo. Essa é a diferença que separou as esquerdas e as direitas, nessa altura, e que nos separa, hoje. Esse é o crime que importa discutir! Porque dizerem-nos que o colonialismo podia ter sido substituído de outra forma exige o esforço de reflexão sobre que alternativa era possível, não acabando com a guerra, sobre que alternativa era possível, não entregando o poder aos movimentos legitimamente reconhecidos do ponto de vista internacional - todos eles!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, mas estas interrupções nem me deixam ouvir a sua palavra!

Protestos do PSD.

Essa é toda a diferença que nos separa da vergonha e do crime.
Por isso mesmo, porque esta grande diferença existe, votaremos a favor deste voto,…

Vozes do PSD: - Oh!…

O Orador: - … não deixando de reconhecer que há um facto político novo neste debate: é que o Partido Popular está sozinho!

Aplausos do BE.

Risos de Deputados do CDS-PP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Mais vale só do que mal acompanhado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto para que o voto apresentado pelo Partido Socialista remete não é um jogo de palavras, nem é, porventura, um excesso que um dirigente da direita parlamentar…

Protestos do CDS-PP.

… tenha usado, num momento de excitação, para com alguém que representou um papel na história contemporânea do nosso país.

Protestos do CDS-PP.

A questão para que remete o voto do Partido Socialista e aquilo que inequivocamente traduz a posição da direita neste Parlamento é que, ao fim de 30 anos, está aqui porque houve liberdade, está aqui porque houve 25 de Abril, mas continua a conviver mal com a História,…

Vozes do CDS-PP: - É mentira!

… continua a conviver mal com a democracia,…

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Protestos do CDS-PP.

… e, sobretudo, continua saudosista de um passado que significou guerra colonial,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - … de um passado que significou opressão de outros povos, de um passado que significou chacinas, de um passado que significou, para muitos e muitos jovens, a obrigatoriedade de terem de ir fazer uma guerra que não era a sua!

Protestos do CDS-PP.

Por isso, não vale a pena iludir ou pretender esconder aquilo que mais ou menos bem possa ter corrido no processo de descolonização para chamar a alguém que nele esteve envolvido de "criminoso".
De facto, aquilo que hoje claramente se evidencia nesta posição da direita parlamentar, cada vez mais uma extrema-direita neste Parlamento,…

Protestos do CDS-PP.

… é um inconformismo, é um convívio muito mau e muito difícil com a democracia nascida há 30 anos.

Vozes de Os Verdes, do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 130/IX - De protesto pelas afirmações produzidas pelo porta-voz do CDS-PP, António Pires de Lima, em relação ao ex-Presidente da República e ex-Primeiro-Ministro e actual Eurodeputado, Mário Soares, apresentado pelo PS.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra…

O Sr. Presidente: - Estamos em processo de votação, Sr. Deputado.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, passamos à votação do projecto de resolução n.º 209/IX - Viagem do Presidente da República a Barcelona (Presidente da AR). Faço notar à Câmara que o Sr. Presidente da República comunicou que ampliará a sua estadia a título particular. De acordo com a Constituição, ele é obrigado a comunicá-lo à Câmara e essa comunicação ainda não tinha sido feita. O documento será circulado a todos.
Srs. Deputados, votamos, então, o projecto de resolução n.º 209/IX.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, passamos à votação do projecto de resolução n.º 212/IX - Viagem do Presidente da República à Irlanda (Presidente da AR).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, seguidamente, vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 217/IX - Direcção do Portal da Assembleia da República na Internet (Presidente da AR).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, temos agora para votar o projecto de resolução n.º 213/IX - Revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007 (PSD e CDS-PP). Trata-se do diploma que discutimos ontem.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, como sabe, a maioria apresentou na Mesa…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É para uma interpelação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a maioria apresentou na Mesa uma proposta de substituição relativamente à parte deliberativa do projecto de resolução n.º 213/IX. Nessa medida, pensamos que deve ser dado tempo para a apresentação desta proposta, antes de procedermos à votação.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado requer que haja distribuição de tempo para apreciar esta proposta? Mas ela foi distribuída, todos a conhecem.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, requeiro o tempo que é usual usar-se neste tipo de discussão, que é 3 minutos por bancada.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado requer, portanto, 3 minutos por cada bancada para apreciação desta proposta?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Algum Sr. Deputado se opõe?

Pausa.

Como não há oposição, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva, que disporá de 3 minutos. A Mesa recebe inscrições dos Srs. Deputados que desejam intervir neste debate.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tivemos, ontem, a discussão do Programa de Estabilidade e Crescimento e dos projectos de resolução que, a este propósito, foram apresentados.
Ficou clara a posição do Governo e da maioria parlamentar no sentido de acolher as sugestões do Partido Socialista neste projecto de resolução. Estamos preocupados com uma matéria que deve ser tratada com sentido de Estado, que deve ser tratada numa visão de médio e longo prazos, na plurianualidade que ela envolve e que é, aliás, recomendada. Fomos sensíveis ao apelo do Sr. Presidente da República, do Sr. Governador do Banco de Portugal e de um conjunto de cidadãos oriundos dos mais variados quadrantes políticos, incluindo na área do Partido Socialista, no sentido de se gerar, nesta Câmara, o consenso mais alargado possível, a envolvência, em particular, do maior partido da oposição, que é o partido da alternância de poder em Portugal.
Para dar um espaço de aproximação e de convergência ao Partido Socialista, que vem reiteradamente reafirmando a sua disponibilidade para o efeito, entendemos adiar, para hoje, a votação deste projecto de resolução. Tivemos, na altura, uma reacção negativa do Partido Socialista, dizendo, mesmo, que se deveria votar de imediato esse projecto de resolução, porquanto, em 24 horas, não poderia ponderar e reflectir sobre a sua opção final.
Tive o cuidado de enviar uma carta ao líder parlamentar do Partido Socialista, ao fim da manhã de hoje, reiterando a disponibilidade da maioria para adiar, por uma semana, a votação deste projecto de resolução, enviando também cópia do texto de substituição, em que se acolhem os pontos sugeridos pelo Partido Socialista. Pensei que, se o problema era tempo, teríamos uma oportunidade de aproximação, de convergência e de consenso, mediante este espaço temporal.
A resposta que recebi do Sr. Deputado António Costa vai no sentido oposto, ou seja, "estamos a tratar de 'alhos' e o Sr. Deputado quer tratar de 'bugalhos'", estamos a tratar do Programa de Estabilidade e Crescimento e, a seu tempo, trataremos do Pacto.

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Mas, Sr. Deputado, em face da sua argumentação de que estão disponíveis para o resto mas não para isto, porque este projecto de resolução seria inútil, reafirmo que um bom sinal de consenso nesta matéria passaria exactamente por convergirmos nestes princípios, nos princípios que o Partido Socialista reivindicou e que nós acolhemos, apesar de sentirmos, desde logo, a má vontade do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Coerentemente, alterámos o nosso projecto de resolução, para irmos ao encontro do Partido Socialista. Se não houver consenso, não é por falta de vontade política da maioria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fomos hoje surpreendidos com um novo projecto de resolução do PSD e do CDS-PP sobre uma matéria particularmente sensível, que tem a ver com a estratégia para as finanças públicas e para a política orçamental do País nos próximos tempos, incluindo a que se relaciona com a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
E, Sr. Presidente, parece-nos que não prestigia a Assembleia da República, mesmo com 3 minutos a cada grupo parlamentar para realizar o debate, que, numa matéria desta importância, se queira amarrar a Câmara a decisões relativamente às quais não houve um mínimo de debate, um mínimo de preparação, um mínimo de demonstração.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Assim, faço algumas perguntas aos Srs. Deputados da maioria.
Os Srs. Deputados são capazes de explicar por que é que, agora, o objectivo do défice zero passa para 2010 e já não é para 2007? Qual é a razão? E por que não 2011 ou 2009? Os Srs. Deputados da maioria são capazes de apresentar aqui os estudos necessários que vos conduziram a dizer que o tecto global da despesa primária para o conjunto do sector público administrativo não ultrapassa os 4% ao ano? Porquê 4%? Com base em que estudos? Com que demonstrações? Srs. Deputados, isto seria para nos rirmos se não fosse suficientemente sério!
Estamos a discutir questões fulcrais em relação ao modelo de desenvolvimento da economia portuguesa, estamos a discutir questões estratégicas sobre a política de despesa pública e de finanças públicas e os senhores "atiram" para a Assembleia da República, por meros jogos florais, para procurar estar sempre a endossar a outros a responsabilidade de uma decisão favorável ou desfavorável em relação às matérias que estão em debate, objectivos quantificados sobre matérias sensíveis sem qualquer debate, sem qualquer preparação, sem qualquer estudo, sem qualquer demonstração.
Estão aqui 4% mas podiam estar 3% ou 5%! Isto é uma total irresponsabilidade, Srs. Deputados, que não prestigia a Assembleia da República nem serve, seguramente, para aquilo que importa discutir com seriedade, que é um novo modelo do Pacto de Estabilidade e Crescimento e das finanças públicas que assegure um nível de investimento apropriado às necessidades económicas do País e às prestações sociais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Assim, não, Srs. Deputados! Assim, não vale a pena defender a necessidade de aumentar o prestígio, porque, assim, o que se enterra é, de facto, o prestígio da Assembleia da República e do debate político neste País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Às 16 horas e 35 minutos da tarde de hoje entrou um projecto de resolução que altera substancialmente aquele que a maioria quis ontem retirar da discussão. E podemos perceber por que é que, depois de um debate em que sucessivas tentativas de vénia se foram sucedendo, o projecto foi corrigido.

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O projecto de resolução tem dois aspectos de bom senso: que a revisão do Pacto de Estabilidade deve ser discutida com a Assembleia e que é preciso e útil corrigir a Lei de Enquadramento Orçamental, para introduzir a obrigatoriedade de debate prévio dos programas de estabilidade, o que não aconteceu neste caso.

O Sr. José Magalhães (PS): - E era o que o PS queria!

O Orador: - Dito isto, o referido projecto introduz, no debate curto que, agora, estamos a travar, novas normas técnicas que se propõe que os Deputados aprovem por confiança política.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já!

O Orador: - Gostaria de vos sugerir uma tradução do ponto 4 do projecto, a que um orador se referiu agora mesmo.
O ponto 4 estabelece que, até 2010, utilizado o filtro de Hodrick-Prescott, se obterá um cálculo fantasioso - porque o parâmetro ? será definido por algum mágico - de um nível percentual do défice estrutural, o qual, obtido pela utilização fantasiosa de um filtro tecnicamente discutível, convergirá para próximo do equilíbrio em 2010. Não é o equilíbrio, é próximo do equilíbrio!

Risos de Deputados do PS.

Tão próximo quanto o governo assim o entender! O governo que estiver próximo do défice em 2010! E é isto que vamos aprovar para termos doutrina da Assembleia da República!
Mas depois o projecto de resolução continua dizendo que a Assembleia deve recomendar ao Governo que reestruture o sector empresarial do Estado. Como? Não importa!
Mais: a Assembleia recomenda que prossigam as reformas estruturais da saúde, educação e segurança social. Como? Importa muito menos!
A Assembleia recomenda "(…) uma progressiva aproximação do peso das despesas com consumo público (…) para níveis mais consentâneos (…)". Como? Não tem, sequer, qualquer interesse!
Considera-se ainda que deve continuar o combate à evasão fiscal, precisamente quando aquilo que tantos economistas, fiscalistas e, certamente, a oposição, nesta Assembleia, criticam ao Governo é o facto de não fazer esse combate e, pelo contrário, encontrar subterfúgios, atalhos, fugas em frente em relação ao colapso daquela que deveria ser uma séria política fiscal, ao mesmo tempo que o Governo aumenta os impostos.
Por isso mesmo, ao apreciarmos a substância deste projecto e, em particular, aquilo que pretende, que é o endosso do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007, o qual será discutido na próxima segunda-feira, entendemos que deve a maioria obter desta Assembleia um rotundo, responsável e consequente "Não!".

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Nem se esperaria outra coisa!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Do debate de ontem resultou muita confusão mas resultou também uma questão essencial e útil: a identificação de 10 temas que o Governo e o Partido Socialista entenderam como devendo ser susceptíveis de merecerem um consenso pelo qual valia a pena trabalhar. E, portanto, o que resultou de útil do debate de ontem foi não apenas a identificação desses 10 pontos mas também a disponibilidade, creio que recíproca, para que se trabalhe de um modo sério, por forma a tentarmos um consenso sobre cada um dos referidos pontos.
Mas um consenso sobre cada um daqueles pontos significa um consenso sobre propostas efectivas que digam respeito àqueles pontos. Não basta dizermos que estamos de acordo, por exemplo, em que são precisas novas regras de elaboração do Orçamento - e isto é útil, porque significa que vale a pena trabalhar para termos novas regras de elaboração do Orçamento -, o que é essencial é podermos chegar a acordo sobre quais são, em concreto, essas novas regras de elaboração do Orçamento.
É útil todos podermos dizer que seria vantajoso haver um consenso sobre o tecto global da despesa pública, mas o que é essencial é sabermos qual é esse tecto em concreto e se estamos ou não de acordo com o mesmo.

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Por isso, votar resoluções adianta muito pouco ou mesmo nada, diria; o que é fundamental é que, uma vez identificados esses pontos, passemos a um trabalho sério e responsável.
Creio que foi esse o ganho do debate de ontem e valia a pena não o perdermos com pequenas tricas parlamentares em torno de resoluções.
No ano passado, já votámos uma resolução. Foi votada em quase todos os pontos, ou seja, a maioria votou favoravelmente todos os pontos, a maioria e o PS votaram favoravelmente todos os pontos menos um e vários desses pontos foram votados favoravelmente pela maioria, pelo PS, pelo PCP, por Os Verdes e pelo Bloco de Esquerda. Essa resolução foi, na altura, assumida pela maioria como mero número político e, por isso, não teve a menor consequência.
Este ano, não estamos disponíveis para cometer o erro que foi cometido no ano passado e, portanto, vamos deixar muito claro, votando contra na votação final global, que não reconhecemos esta resolução como o acordo necessário, porque não está aqui nada de concreto que possa ser acordado.
Esta resolução tem dois pontos que significam um apoio à política do Governo e que terão, por isso mesmo, na especialidade, o voto contra do Partido Socialista. Tem vários outros pontos que significam, simplesmente, uma agenda para trabalharmos e, esses, merecerão o nosso voto a favor ou a nossa abstenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ah!

O Orador: - Portanto, que fique muito claro que, para nós, o que é importante é que peguemos nos 10 pontos que, ontem, foram aqui identificados e nos sentemos a trabalhar. Se a maioria o quiser fazer, fá-lo-emos com muito gosto; se a maioria se contentar com o número político de hoje, o País nada terá ganho, não teremos correspondido verdadeiramente à mensagem de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República e aos diversos apelos que a sociedade civil nos tem feito chegar e, sobretudo, não corresponderemos àquele que é o nosso dever, enquanto parlamentares, ao serviço de Portugal e dos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Vai explicar os 4%!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a atenção, em particular, do Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria de dizer que o que interessa agora discutir aqui é, de facto, a existência de uma proposta de substituição, apresentada pela maioria.
O primeiro dado fundamental a sublinhar é que, em relação ao documento anterior da maioria, esta proposta de substituição é, nem mais nem menos, do que mais um esforço, para além de todos aqueles que foram desenvolvidos ao longo do dia de ontem, para procurar corresponder positivamente a um apelo feito, primeiro, por S. Ex.ª o Presidente da República e, depois, por um vasto conjunto de personalidades.
Assistimos, ao longo deste debate, a três posições diferentes: à posição daqueles que nunca dariam consenso porque têm uma visão completamente diferente e para quem os objectivos de consolidação ou de equilíbrio das finanças públicas não são sequer objectivos desejáveis;…

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Falso!

O Orador: - … à posição da maioria, que foi a de tentar ontem, ao longo de todo o dia, horas e horas a fio, Sr. Deputado Lino de Carvalho, que este entendimento se realizasse; e à posição do Partido Socialista, de plena duplicidade, ou seja, tem dois discursos sobre esta matéria perfeitamente assimétricos, faz que quer mas efectivamente não quer, como acabámos de perceber.
O documento apresentado hoje corresponde, grosso modo, àquilo que foi proposto ontem pela Sr.ª Ministra das Finanças, engloba os três pontos que o Partido Socialista considerava fundamentais e, mais do que isso, corresponde essencialmente ao que estava contido no ECORDEP, que, como sabem, não é da nossa responsabilidade, não é da responsabilidade da maioria. O Partido Socialista deveria estar de acordo com este documento, porque é esta a sua origem, ou seja, o PS não quer sequer, hoje, aquilo que queria no passado, e esse é o ponto essencial.
Pergunta o Sr. Deputado Lino de Carvalho porquê 2010. Ora, aí está: é claramente uma tentativa de aproximação ao conteúdo do ECORDEP. Quando se fala em 2010 estamos a falar naquilo que deve ser estrutural na nossa economia e nas nossas finanças públicas.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Por que passaram de 2007, ontem, para 2010, hoje?

O Orador: - 2010 significa mais do que uma legislatura, significa mais do que um mandato, significa mais do que um governo, ou seja, resume aquilo que é fundamental que seja prolongado na lógica da nossa economia.
O Sr. Deputado pergunta porquê 4%. É evidente que o Governo tem defendido um valor abaixo, e penso que deve continuar a defender, mas estamos aqui também a fazer um esforço de aproximação, a seguir um critério e a procurar corresponder ao que foi defendido, designadamente pelo maior partido da oposição,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Pode ser 4,5%?

O Orador: - … sendo que o tecto de 4% permite, como óbvio, realizar o nosso, que é de 3%.
Ouvimos o Sr. Deputado António Costa terminar a sua intervenção dizendo que estão dispostos a discutir ou que vamos, ao longo dos meses e dos anos, continuar a discutir esta matéria, mas a recusa-se a aceitar o apelo do Sr. Presidente da República e de outras personalidades para um compromisso de princípio.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Que disparate!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
É evidente que este documento não é a concretização plena desse compromisso de princípio, mas é um compromisso de princípio. O PS disse "não", pelos vistos diz "nunca"! É pena e é lamentável!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação da proposta de substituição, apresentada pelo PSD e CDS-PP, relativa ao projecto de resolução n.º 213/IX - Revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007 (PSD e CDS-PP).
Julgo razoabilíssimo votarmos este texto ponto por ponto, o que corresponde, de resto, à intenção dos autores e ao interesse manifestado por alguns oradores neste pequeno debate.
Srs. Deputados, vamos votar, em primeiro lugar, o ponto 1.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

1 - Recomendar ao Governo que a posição de Portugal sobre a eventual revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento seja previamente concertada com a Assembleia da República;

O Sr. Presidente: - Agora, vamos proceder à votação do ponto 2.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

É o seguinte:

2 - Apoiar as linhas de orientação constantes da revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento para o período de 2004/2007 que o Governo submeteu à apreciação desta Assembleia;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de seguida, vamos votar o ponto 3.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

3 - Propor a revisão da Lei de Enquadramento Orçamental com vista a introduzir a obrigatoriedade

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de submeter a prévia deliberação desta Assembleia quer os Programas de Estabilidade e Crescimento, quer as respectivas actualizações, bem como o relatório sobre a evolução da despesa pública;

O Sr. Presidente: - Vamos, agora, votar o ponto 4.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

É o seguinte:

4 - Recomendar que o défice corrigido dos efeitos do ciclo económico se reduza em pelo menos 0,5 pontos percentuais do PIB ao ano, de forma a que o défice efectivo se encontre próximo do equilíbrio até 2010;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do ponto 5.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

É o seguinte:

5 - Recomendar que o crescimento do tecto global da despesa primária para o conjunto do sector público administrativo não ultrapasse os 4% ao ano;

O Sr. Presidente: - Agora, vamos votar o ponto 6.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

É o seguinte:

6 - Recomendar que se prossigam as reformas estruturais, designadamente na saúde, educação e segurança social, de forma a assegurar a sua sustentabilidade a longo prazo, com taxas de crescimento compatíveis com as definidas no ponto anterior;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação do ponto 7.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

É o seguinte:

7 - Recomendar uma progressiva aproximação do peso das despesas com consumo público no PIB para níveis mais consentâneos com os da média da União Europeia;

O Sr. Presidente: - Agora, vamos votar o ponto 8.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

É o seguinte:

8 - Recomendar a reestruturação e redimensionamento do sector empresarial do Estado;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de seguida, vamos proceder à votação do ponto 9.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

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É o seguinte:

9 - Considerar que deve continuar a ser dada prioridade absoluta à prevenção e ao combate à fraude e à evasão fiscais, bem como ao alargamento da base tributária;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, finalmente, vamos votar o ponto 10.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

10 - Reafirmar a necessidade de assegurar níveis suficientes de investimento público, na perspectiva de contribuir para garantir a absorção dos fundos estruturais, acelerar a modernização infraestrutural do País e promover a convergência real com a União Europeia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agora, vamos proceder à votação final global deste texto.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, pretendo anunciar que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentará uma declaração de voto, por escrito, justificando a sua posição não só na votação final global como também na votação relativa a cada um dos pontos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tem muito que justificar!

O Sr. Presidente: - É um direito regimental. O Sr. Deputado tenha a bondade de enviar à Mesa a declaração de voto dentro do tempo regimental.
Segue-se a votação do projecto de resolução apresentado pelo PCP, que tem também diversas alíneas. Pergunto ao PCP se pretende que sejam votadas uma por uma.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, da nossa parte, não temos interesse nisso, mas, se algum partido o quiser propor, não nos oporemos.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, vamos proceder à votação, em bloco, do projecto de resolução n.º 216/IX - Por um novo instrumento de coesão económica e social da União Europeia e de coordenação da política monetária da zona euro (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

De acordo com o nosso guião, segue-se a votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 49/IX, apresentado pelo PS, que não pode ser votado agora porque está ainda em discussão. No entanto, parece haver consenso para votarmos o projecto de resolução n.º 127/IX, agendado para a sessão de hoje com a indicação de que não haveria tempos para discussão por as posições de cada um dos grupos parlamentares estarem muito claras.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do projecto de resolução n.º 127/IX - Dupla tributação dos emigrantes portugueses na Alemanha (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de alguns relatórios e pareceres da Comissão de Ética.

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O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 7.ª Secção do DIAP, Distrito Judicial de Lisboa, Ministério Público, Inquérito n.º 14292/03.0TDLSB-00, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Almeida Santos a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 11.ª Secção do DIAP, Distrito Judicial de Lisboa, Ministério Público, Inquérito n.º 8297/03.8TDLSB-1100, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Rui Cunha a prestar depoimento por escrito, na qualidade de assistente, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 7.ª Secção do DIAP, Distrito Judicial de Lisboa, Ministério Público, Inquérito n.º 14292/03.0TDLSB-00, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Vera Jardim a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Polícia Judiciária, Processo n.º Nuipc 1880/03.3TABNT, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Edite Estrela a prestar depoimento por escrito, na qualidade de queixosa, no âmbito dos autos em referência.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 7.ª Secção do DIAP, Distrito Judicial de Lisboa, Ministério Público, Inquérito n.º 14292/03.0TDLSB-00, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues a prestar depoimento por escrito, na qualidade de assistente, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 7.ª Secção do DIAP, Distrito Judicial de Lisboa, Ministério Público, Inquérito n.º 14292/03.0TDLSB-00, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Alberto Martins a prestar depoimento por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminadas as votações retomamos a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 49/IX.
O orador seguinte é o Sr. Deputado Luís Fazenda, que tem a palavra.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, desejamos sublinhar a importância, a pertinência e até a oportunidade de tipificar como crime autónomo o comércio de órgãos e de tecidos humanos. Em nome da dignidade humana, em nome das condições fundamentais da liberdade individual, parece-nos, a todos os títulos, uma iniciativa a valorizar e, por isso, conta com o nosso voto favorável.
Gostaria de adiantar aos autores do projecto, os Srs. Deputados do Partido Socialista, algumas reflexões. Uma delas já aqui foi invocada e é a de que vivemos num mundo vertiginoso, onde a um tempo estamos a cuidar de reprimir aquilo que é um comércio hediondo de órgãos e tecidos humanos e, ao mesmo tempo, não sem uma muita profunda querela doutrinária, política e jurídica, aquilo que tem a ver com o desenvolvimento da cultura genética que, de um modo cabal - e estamos na antecâmara desse processo -, poderá vir a resolver esta fortíssima amputação da dignidade humana e dos direitos fundamentais da pessoa humana.
É estranho, é uma vertigem do mundo, que estejamos entre dois tempos, discutindo com grande acuidade uma situação que importa à condição humana.
Uma outra reflexão é a de que, apesar do nosso acordo com a autonomização deste crime e da cultura que transporta esta ideia de um aumento da repressão, sentimos, em todo o caso, uma enorme impotência, porque entendemos que o facto de haver um estado de necessidade original na maior parte das pessoas que consente a extracção de qualquer órgão ou tecido, levará a uma cadeia de silêncio em toda a linha.
Portanto, só no fim da linha, ou seja, quando da utilização legal ou clandestina desses órgãos ou desses tecidos humanos, poderá haver uma repressão eficaz. No resto do circuito, na maior parte das situações haverá toda uma cadeia de encobrimentos e de cumplicidades que impedirá uma intervenção tanto do ponto de vista da investigação criminal como do judicial. Por isso, por um lado, estamos divididos do ponto de vista do apoio, mais que justo e necessário, a esta repressão e, por outro, sentimos uma enorme impotência relativamente ao que possam ser as consequências práticas deste caminho.
Creio que deveremos andar muito mais para diante na fiscalização e na repressão da utilização de órgãos e tecidos humanos. Assim, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, sugerimos aos autores do projecto que agravem as penas, pois parece-nos que elas necessitam de um agravamento.
Como também acompanhamos a reflexão já aqui feita de que, provavelmente, a diferença entre "com consentimento" e "sem consentimento" não é especialmente relevante neste caso, e deixamos ainda a sugestão de que, em relação ao crime de aliciamento, publicidade e propaganda seja aumentada a pena, de maneira a que, nos termos da lei penal, possa também ser punida "a tentativa". Creio que nas actuais circunstâncias isso não será possível.
Em todo caso, queremos relevar o mérito desta iniciativa e deixar aqui a nossa concordância com ela,

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em absoluto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos para intervir sobre este tema, declaro encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 49/IX, que votaremos na próxima oportunidade regimental.
Passamos, imediatamente, à apreciação do Decreto-Lei n.º 272/2003, de 29 de Outubro, que estabelece o regime jurídico da atribuição de apoios financeiros do Estado, através do Ministério das Cultura, a entidades que exerçam actividades de carácter profissional no domínio das artes do espectáculo e de arte contemporânea, designadamente das artes plásticas e visuais [apreciação parlamentar n.º 60/IX (PS)].
A primeira oradora inscrita é a Sr.ª Deputada Manuela Melo, que tem a palavra.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Pedimos a apreciação Parlamentar do Decreto-lei 272/2003, de 29 de Outubro, porque o Partido Socialista defende, em relação a esta matéria, os princípios essenciais que passo a enumerar.
Primeiro, a responsabilidade do Estado democrático de apoiar o desenvolvimento da criação artística, designadamente através de financiamento regular às actividades profissionais independentes.
Segundo, a igualdade de acesso dos criadores a esses apoios, independentemente do local onde desenvolvam a sua actividade e do tipo de programa a que se candidatem.
Terceiro, a prevalência da qualidade artística e da continuidade dos projectos nos critérios de atribuição.
Finalmente, a existência de mecanismos de apreciação independentes do Governo.
É também importante para o PS que o Estado, através dos seus organismos ou em parceria, crie condições para o acesso cada vez mais generalizado dos públicos às actividades artísticas, em qualquer ponto do País. A sensibilização de novos públicos, especialmente de públicos escolares, é essencial, mas só produzirá frutos se não for sacrificada às estatísticas a qualidade específica desse trabalho.
O decreto-lei em apreciação tem aspectos positivos, que apoiamos. Ao propor financiamento público, reconhece a importância própria da criação artística e as vantagens do seu usufruto precoce e generalizado; considera também objecto de apoio os projectos pluridisciplinares e transdisciplinares, cada vez mais importantes na criação contemporânea; alarga o financiamento às infra-estruturas e equipamentos, à gestão e programação de equipamentos culturais e à formação de públicos (só esperamos que, com a mesma verba de 2002, possam, em 2004, alargar os apoios a estas novas áreas); introduz mecanismos de acompanhamento e avaliação de projectos apoiados; mantém duas modalidades de financiamento, uma plurianual, para estabilizar projectos de reconhecido mérito e outra pontual, para permitir a emergência de novos valores.
Mas o mesmo decreto-lei também tem aspectos que consideramos muito negativos. A qualidade artística dos projectos e o seu desenvolvimento livre e inovador são fortemente condicionados por critérios de avaliação onde actividades de "utilidade social" têm peso determinante; há tratamento desigual dos projectos em função da localização geográfica dos grupos e dos artistas; há desigualdades na forma de avaliação, ou seja, há júris para os projectos pontuais, que são sempre seleccionados por concurso, e comissões para os projectos plurianuais, que poderão, no limite, nunca ser sujeitos a concurso; há ainda desigualdades introduzidas pela disponibilidade das câmaras municipais - e todos conhecemos as atitudes diversas, e mesmo opostas, com que as autarquias tratam as questões da criação artística - e pela capacidade de captação de outros financiamentos (interrogamo-nos sobre quantos mecenas trocam um evento mediático por uma acção quase invisível).
Pedimos a apreciação parlamentar não apenas para trazer à discussão, na Assembleia da República, o tema do apoio do Estado à criação artística, nem só para pedir a rejeição liminar do decreto-lei.
Fizemo-lo para apresentar propostas concretas de alteração ao clausulado, com as quais pretendemos, sinteticamente: atribuir sempre ao Instituto das Artes, que é o organismo do Ministério da Cultura que tem essas competências, a organização de todos os concursos que têm como finalidade seleccionar, com base na sua qualidade, continuidade e inovação, projectos profissionais de criação artística nas áreas identificadas no decreto; permitir a todos os criadores a possibilidade de concorrerem em pé de igualdade a concursos nacionais, tanto para apoios pontuais como para apoios plurianuais; criar um sistema adicional de financiamento à gestão e programação de equipamentos, à itinerância e à formação de públicos, nomeadamente no meio escolar, a atribuir pelas delegações regionais da cultura ou, na sua ausência, pelo Instituto das Artes, em articulação com outras instituições, designadamente as autarquias locais; incluir no conceito de difusão as itinerâncias internacionais; integrar na decisão dos júris os resultados das acções de acompanhamento e avaliação.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria que entendessem este contributo do PS como a expressão da nossa vontade de colaboração para a existência de um enquadramento

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legal do financiamento às artes adequado à nossa realidade específica no contexto europeu em que nos encontramos.
Os criadores, os artistas, os programadores, os gestores, os técnicos a quem este diploma se dirige, precisam, antes de mais, de ter tempo e condições de trabalho para desenvolverem as suas ideias, os seus projectos e as suas vocações específicas, respeitando a sua liberdade de criação, as suas opções estéticas e a dimensão local ou internacional do seu trabalho.
Por favor, não lhes peçam para gastar o melhor do seu tempo e esforço a resolver problemas de assimetrias regionais, fragilidades do sistema de ensino, inexistência ou abandono de teatros e salas de exposição.
Apoiaremos todas as iniciativas que visem criar dinâmicas com personalidade própria, através das redes de teatros, de museus, de espaços informais, em todos os pontos do País. Mas, por favor, não incluam no decreto-lei elementos aparentes de descentralização, ligações forçadas de parcerias e captação de recursos de outras fontes que só irão prejudicar aqueles que pretendem apoiar.
As câmaras municipais já têm competência para apoiar actividades culturais, construir equipamentos, estabelecer parcerias e prosseguir actividades de interesse público de desenvolvimento regional. São politicamente responsáveis pelos objectivos com que utilizam essas competências. Mas não peçam aos criadores para mendigar a bênção das autarquias onde funcionam para conseguirem o apoio do Governo.
No ano passado, o Ministério da Cultura bateu o recorde nos atrasos de entrega dos apoios às artes. Este ano, já não cumpriu o prometido. Pelo menos, que agora não invoque a urgência da apreciação do decreto-lei para rejeitar, liminarmente, as propostas que hoje apresentamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Oradora, os Srs. Deputados Pedro Alves e Henrique Campos Cunha.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Alves.

O Sr. Pedro Alves (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Melo, foi com alguma surpresa que, mesmo antes de conhecer o documento em questão, considerei que esta iniciativa do Partido Socialista se tratava, em primeiro lugar, de um pedido de desculpas público por nada terem feito nesta matéria…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… e, consequentemente, um reconhecimento, igualmente público, a este Governo pela iniciativa tomada.
Depois, enquanto lia o documento, julguei estarmos ainda na legislatura anterior. Principalmente pelos motivos apresentados, cheguei mesmo a pensar que se tratava de um documento da nossa bancada parlamentar.
Porém, como os Srs. Deputados sabem, não havia qualquer enquadramento legal na altura, uma vez que, até à publicação deste decreto-lei, a atribuição dos apoios financeiros no âmbito das artes e dos espectáculos era feita meramente através de despachos normativos do ministro, limitando-se, nuns casos, a aprovar os regulamentos dos concursos e noutros casos, como os dos centros regionais de artes e espectáculos e das companhias convencionadas, os apoios eram contratualizados directamente pelo governo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Com este diploma, desde já, passamos a ter princípios gerais na atribuição destes apoios, consagrados sob forma de decreto-lei, que é acto normativo constitucionalmente adequado para o efeito.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os regulamentos que atribuíam os apoios eram antes emanados sem qualquer habilitação legal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, nem que seja meramente para repor a legalidade e por respeito pela Constituição, o decreto-lei é, desde já, uma melhoria importante para o Estado, designadamente para credibilizar o sector cultural. Aliás, se compararmos a situação actual à existente antes de o Governo legislar, mais se justifica ainda.

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É importante também salientar que o programa do Partido Socialista prevê a realização de contratos sem qualquer sujeição a concurso. Deve igualmente também referir-se que o governo anterior, antes da "fuga", publicou no site do Ministério da Cultura regulamentos que permitiriam a contratualização directa destes apoios a estas companhias.
Como é possível, então, estarmos aqui hoje a questionar a metodologia aplicada por este Governo? E colocar em causa a composição dos júris e das comissões de avaliação? E desconfiar, ainda, da participação das autarquias?
Peço imensa desculpa, Sr. Presidente, mas é preciso ter "lata"!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Talvez, mas o Sr. Deputado não tem mais tempo! Tem de terminar.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Estimularam o "amiguismo", fidelizando alguns apaniguados, e agora desconfiam do modelo justo, transparente, rigoroso e, sobretudo, legal. Contra factos e actos, meus senhores, estas provas são mais do que suficientes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - E a pergunta, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Manuela Melo informou a Mesa de que pretende responder em conjunto aos dois pedidos de esclarecimento.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Henrique Campos Cunha.

O Sr. Henrique Campos Cunha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Melo, nesta apreciação parlamentar, o Partido Socialista entende que ficam em desigualdade de tratamento e de avaliação os profissionais das áreas por causa da sua localização geográfica, obrigatoriedade, ou não, de concurso público - o que é falso, porque efectivamente é preciso concurso público, como vem nas próprias portarias -…

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Nem sempre!

O Orador: - … composição de júris, comissões de avaliação e participação financeira das autarquias. Diz ainda que cria uma secundarização da importância da criação artística face a contrapartidas sociais.
Ora bem, ouvi atentamente as declarações Sr.ª Deputada Manuela Melo e, na verdade, nada se alterou relativamente àquela "folhinha" em que explicam as razões sem qualquer desenvolvimento. Julgava que ia aprofundar aquelas razões de discordância.
Sr.ª Deputada, comparando com a actuação anterior, agora é estabelecido, por diploma, um regime jurídico pelo qual toda a gente fica em igualdade de circunstâncias. Anteriormente, não: a pessoa concorria, mas nem era por concurso, e era feito um despacho regulamentar ou, até, no caso dos centros regionais de artes e espectáculos, o Governo contratualizava directamente.
Por outro lado, agora, a apreciação das candidaturas tem de ser feita com base em critérios definidos no decreto-lei e/ou regulamentos já publicados, que são uniformes para todo o território de Portugal continental.
Também é preciso o critério de angariação de outras fontes de financiamento, o que, aliás, era já uma prática quando o Partido Socialista era governo. Foi instituído ainda um plano de apoio sustentado para actividades artísticas assentes em planos plurianuais e, por outro lado, este decreto-lei também permite o recurso das decisões tomadas pelas próprias comissões, o que é importante.
Entretanto, foram aprovadas, nos dias 27 e 28 de Novembro, diversas portarias e não ouvi a Sr.ª Deputada referi-las. Penso que vieram clarificar muitas dúvidas, uma das quais tem a ver com os concursos públicos, pois todos estes contratos são efectivamente obrigados a concursos.
Em face disto, queria perguntar à Sr.ª Deputada se, por um lado, este processo não é muito mais transparente do que o que foi utilizado durante anos pelo Partido Socialista e, por outro, se não conduz a uma melhor repartição dos apoios ao longo de todo o País.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tem de terminar.

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O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É evidente que, no todo que é o País, as condições são diferentes, designadamente as condições de angariação, e, portanto, os apoios também têm de ser diferentes. Não podemos dar só condições às pessoas ou aos grupos que vivem em Lisboa e no Porto para terem todos os apoios, é preciso que esses apoios sejam vistos como uma questão geral de todo o País.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo, para responder aos pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Sr. Presidente, vou responder conjuntamente, embora, na verdade, só devesse responder ao Sr. Deputado Henrique Campos Cunha, porque o Sr. Deputado Pedro Alves não fez pergunta nenhuma, fez aquilo que é habitual no PSD quando não sabem o que dizer às propostas que apresentamos, referindo que quando o PS esteve no poder fez isto ou não fez isto…

O Sr. Pedro Alves (PSD): - Não fizeram!

A Oradora: - Neste momento, o que nos importa é que o Sr. Deputado ouviu o que eu disse e não fez nenhuma pergunta que pudesse pôr em causa as questões que coloquei.

O Sr. Pedro Alves (PSD): - Fiz três perguntas!

A Oradora: - Não, não fez!
Portanto, o Sr. Deputado Pedro Alves não tem nada a questionar quanto aos pontos que o PS levantou relativamente a este decreto-lei. Fiquei satisfeita, excepto na parte em que disse que este diploma até podia ser apresentado pela bancada do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, votem!

A Oradora: - Sr. Deputado Henrique Campos Cunha, como referi, os princípios que o PS defende e pelos quais apresentou esta apreciação parlamentar são exactamente aqueles que respondem à sua pergunta.
Este processo não é tão transparente como deveria, porque realmente, se analisar o decreto-lei e até os regulamentos, vê que nos projectos que não são pontuais, ou seja, nos projectos sustentados, agora há uma há uma renovação dos que estão já contratualizados sem qualquer limite. Quer dizer, estes projectos poderão ser - não estou a dizer que são, mas que poderão ser - renovados automaticamente, se tiverem uma avaliação positiva obviamente, sem serem sujeitos a concurso público.
A questão que se põe em relação a isso é a seguinte: há, neste momento, no nosso país, companhias, grupos, artistas que têm, pelo seu currículo, pela continuidade do seu trabalho, condições diferentes e, até, assumiram obrigações diferentes de alguns projectos pontuais que nascem por vontade de profissionais também mas que não têm esse currículo ou o peso que a antiguidade, a carreira e o currículo dos seus líderes, digamos, podem assegurar.
Isto não quer dizer que esta não seja uma atitude mutável, não quer dizer que, amanhã, num confronto directo com os grupos já estabelecidos, alguns dos que, hoje, não têm apoio ou têm apoio pontual não mereçam testar a sua capacidade de acesso a esses apoios. É nesse domínio que dizemos "concursos públicos, sim, sempre, para iniciar o processo de distribuição de subsídios".
Obviamente, sempre há apoios pontuais e outros que podem ser plurianuais. Nesse caso, entendemos que, ao fim de oito anos - é uma espécie de limitação de mandato, se quiser -, os grupos possam voltar a ter apoios estruturados e plurianuais, se se sujeitarem a concurso público. Mais nada. É isso que dizemos em relação à clarificação dos processos e à repartição dos apoios.
Uma coisa é certa: não é obrigando os artistas a "fazer batota", dizendo "sim, senhor, temos aqui mais um pequeno apoio; sim, senhor, conseguimos que a câmara municipal nos apoie", que eles vão fazer melhor trabalho no que é essencial.
A criação artística vale por si mesma, tudo o resto virá por acréscimo lógico, porque não há nenhum artista que queira ver o seu trabalho limitado a si próprio, não tendo um contacto com o público.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Henrique Campos Cunha (CDS-PP): - A Sr.ª Deputada foi autarca!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Se a Deputada Manuela de Melo não apreciou a intervenção do Deputado Pedro Alves pelos motivos que indicou, então, também não vai apreciar esta minha. Mas como não estamos aqui para agradar ao Partido Socialista,…

Protestos do PS.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): -Você costuma ter mais graça!

O Orador: - Já estão em forma! Isso é bom, pois gosto de vos ver animados!
Não questionando a legitimidade deste pedido de apreciação parlamentar, não sei se foi inabilidade ou descaramento, mas a verdade é que isto não vai correr bem.
Os senhores lembram-me a história de um navio sueco do século XVII, o Vasa, que foi lançado, como grande obra do regime, pelo rei Gustavo Adolfo. Foi lançado com grande pompa, com muitas palmas, até de convidados estrangeiros, foi disparada uma salva e, poucos minutos depois, o navio ia ao fundo, metendo água fragorosamente. É assim que vai acabar o debate para o Partido Socialista - já estão a vazar e vão acabar no fundo!
Comecemos pelos méritos deste decreto-lei cuja apreciação é pedida, desde logo, o rigor e a transparência.
A partir de agora, quer os criadores quer os produtores e os portugueses sabem que há critérios claros e fiscalizáveis no apoio às artes.
Por outro lado, sabemos todos que, quando se pede um apoio ao Estado em matéria cultural, há vários critérios a cumprir e passo a especificá-los: qualidade, consistência na gestão, capacidade de gerar outras fontes de financiamento e, também, prossecução de objectivos de utilidade social, como educação e formação, difusão cultural e formação de públicos.
Por este meio, damos cumprimento a mais uma promessa do Programa do Governo, que é a questão das contrapartidas.
Se todos apoiamos, e bem, a actividade cultural em Portugal, então, é justo que aqueles a quem prestamos apoio possam retribuir, por exemplo, levando as suas criações aos mais jovens, aos mais idosos, aos mais desfavorecidos e até ao interior do País.
Mas há outro mérito neste diploma do Governo. É o da recentração, como agora sói dizer-se, ou descentralização dos apoios: não mais de cinco pessoas, em Lisboa, vão decidir sobre o gosto de todo o nosso Portugal. Por outro lado, não será por essa óbvia incapacidade de acompanhamento que deixaremos de fiscalizar os apoios prestados.
Acresce que a composição de júris e de comissões é também melhorada, porque aos representantes institucionais, digamos, vão juntar-se representantes dos estabelecimentos de ensino superior, assim se emprestando massa crítica, representantes dos produtores e criadores, assim envolvendo aqueles que, de facto, desejam apoios na concessão dos mesmos, e, por outro lado, representantes das autarquias.
Eis que, com alguma surpresa nossa, vozes que anteriormente eram pela descentralização e até pela regionalização, hoje em dia parecem mostrar, aqui e além, algum receio pelo envolvimento das autarquias. Ora, não são as autarquias que estão mais próximas dos cidadãos? Não são as autarquias que têm 90% dos equipamentos culturais?
Não é graças às autarquias de Tondela, Montemor-o-Novo, Almada e, para lhe fazer a vontade, Viana do Castelo e Coimbra - dando exemplos de vários partidos,- que esses concelhos têm uma vida cultural bastante activa? Então, as autarquias só servem para pedir votos nas eleições e para serem ostentadas como troféus e não têm uma palavra (e é uma palavra segura) na aferição do que são os gostos das suas populações?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao facto de o financiamento autárquico ser agora um critério a ponderar, não se trata de colocar os criadores e os produtores na mão das autarquias. Como é que vamos criar novos públicos se vamos oferecer-lhes coisas que não entendem ou não querem ver? Evidentemente, podemos pedir ajuda às autarquias para perceber o que melhor se adequa às diversas zonas do País.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Este decreto-lei revela um mínimo de respeito pela Nação e nós estamos a favor desta medida do Governo.
Vejamos, porém - e esta é a parte eventualmente mais desagradável! -, a legitimidade crítica de quem, agora, vem pedir esta apreciação parlamentar.
Retornemos à primeira parte da minha intervenção e vejamos o que se passa em matéria de rigor.
Os senhores tinham regulamentos sem qualquer habilitação legal, com violação do princípio constitucional de precedência de lei. Por outro lado, nem sequer tinham adoptado a forma de decreto regulamentar mas apenas despachos normativos, com o que isso implicava em perda de clareza, de rigor e de fiscalização. Não era possível promulgação pelo Presidente da República e nem era possível o que estamos a fazer aqui, hoje, isto é, debater, pois não era possível requerer a apreciação parlamentar. Quer melhor rigor do que este?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a penumbra da "cultura cor-de-rosa" abateu-se também sobre o Código de Procedimento Administrativo, porque se verificaram violações deste último quando não cumpriram o princípio da audiência prévia dos interessados.

O Sr. Pedro Alves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o Estado português e o Ministério da Cultura têm perdido acções em tribunal e tem havido a anulação de actos administrativos por causa da situação de ilegalidade em que os senhores deixaram cair esta matéria.
Mas há mais. A violação da lei continuava através da falta de cabimentação - e ainda bem que está presente o Sr. Deputado Santos Silva! -, porque, além de o IPPAE nos ter sido "transmitido" um défice de cerca de 3 milhões de euros, facto é que havia despachos do Ministério da Cultura, e do Ministro em concreto, dizendo ao IPPAE para ir pagando subsídios porque, "um dia destes há-de arranjar-se cabimentação" (não eram estas as palavras mas o espírito era este). Ou seja, o cidadão A pode ter de cumprir o Código da Estrada, o cidadão B tem de cumprir as suas obrigações fiscais (aliás, todos têm de cumprir tudo isto), um outro cidadão tem de submeter-se a exames no âmbito da educação, toda a gente tem de cumprir a lei, para além disto, toda a gente pode pedir fiscalização de determinadas áreas da governação, mas, para os senhores, parece que a cultura é uma zona estanque em que uma elite pode decidir sem ter de cumprir todos os ditames legais. Se calhar, é por isso que o Sr. Presidente da República disse que as leis não podiam ser meras sugestões. Se calhar, estava a pensar na governação do PS para a cultura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nós não estamos a favor disto e, por isso, estamos a mudar este cenário.
É bom que fique claro que não discutimos o acto criador em si próprio. O acto criador é uma questão de subjectividade e não queremos agora impor uma concepção oficial do mesmo, mas, em todo o caso, queremos acabar com uma certa cultura de novo-riquismo. A cultura não tem a ver com o ter, não é algo que se tem, é uma coisa que se incorpora ontologicamente no ser humano, faz parte do bem-estar das populações. É por isso que estamos a descentralizar, estamos a fazer a aproximação às populações e estamos a acabar com a discricionariedade que os senhores tiveram.
Os senhores tiveram um Ministro da Cultura, que espero que não enjeitem e que não teve vagar para estar hoje presente, ou, infelizmente, não pôde cá estar - e estou a falar do Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho -, que quase instituía uma corte no Ministério da Cultura. Tentou ser o "Rei Sol" mas, na verdade, foi um "rei eclipse", tais os desastres com que eclipsou a cultura. Estou a lembrar-me do Teatro Camões; lembro-me da Porto 2001, Capital Europeia da Cultura, que, em 2004, ainda está por acabar; falo do projecto faraónico para o Côa e de alguns conteúdos, mas, quanto a estes, deixemo-los, para já, no domínio do enigma. Por outro lado, esse vosso Ministro da Cultura eclipsou os sucessores, porque deixou-os sem margem de manobra. Foi esta a herança do Ministro Carrilho.
Dir-vos-ei, ainda, que, no vosso programa eleitoral para a área cultural, os senhores admitiam uma contradição directa. Os senhores, em matéria de centros regionais das artes e espectáculos, usavam a contratação directa como elemento privilegiado - quer maior discricionaridade do que esta? Os senhores tinham um júri nacional que não só era moroso como tinha dificuldades em fiscalizar os subsídios. Os

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senhores tinham concedido mais apoios pontuais em Lisboa e Vale do Tejo do que no resto do País; o Algarve, por exemplo, tinha zero. Em Lisboa, havia companhias que tinham mais apoios do que a totalidade de Trás-os-Montes! Acha isto justo? Não lhe parece que isto é que é discricionariedade?
O novo "estilo manuelino" não chegou a ser um estilo. Por outro lado, foi muito mais "estilo Maria", tal o banho em que deixou submersa a cultura portuguesa.
Por nós falam a clareza das novas regras, o aumento das verbas de apoios concedidos fora da região de Lisboa e Vale do Tejo, fala o Financial Times, o Herald Tribune e o El País, sobre a ópera Charodeika, de Tchaikovsky, no Teatro S. Carlos, fala o sucesso de Cabrita Reis, em Veneza, fala também a revista Dance, como sabe, uma prestigiada revista da especialidade, acerca da Companhia Nacional de Bailado.
Os senhores começaram relativamente mal e vão acabar muito mal. Se não gostam do exemplo sueco, fiquem-se com o exemplo russo. Os senhores fazem-me lembrar os aviões Tupolev: arrancam com imenso estardalhaço, mas nunca chegam ao destino. É esse o vosso destino nesta matéria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Capitão, antes de mais, gostava de dizer que os princípios da difusão cultural, da itinerância, da descentralização e da formação de públicos são defendidos pelo Bloco de Esquerda como política cultural estruturante.
Mas há algo que não podemos confundir - e essa é, desde já, uma questão que lhe coloco, Sr. Deputado Gonçalo Capitão: é que a formação de públicos não pode, de forma alguma, condicionar a criação cultural. A contrapartida que a criação cultural deve dar à comunidade é a sua qualidade e não qualquer outra. A formação de públicos é uma obrigação do Estado, no que diz respeito a iniciativas autónomas. Que se criem departamentos educativos nos museus, nos teatros, nas salas de espectáculo; que se promovam visitas, por exemplo, aos bastidores dos teatros, aos ateliers dos artistas; que se aproximem produtores, criadores e públicos, em tertúlias, em conversas; que se façam oficinas; que se façam ateliers - isso, sim, é formação de públicos. Não podemos, de forma alguma, condicionar aquilo que é a liberdade criativa de cada artista a supostos critérios de relevância social.
Aliás, há-de concordar comigo, Sr. Deputado, que há, de facto, alguma criação artística que tem o direito à experimentação e, ao ter o direito à experimentação, não tem ainda o seu público, há-de encontrá-lo - e isso é algo de inalienável. Não podemos, de forma alguma, exigir aos grupos, às companhias, aos criadores, que acabem por adulterar aquilo que seria a sua liberdade criativa e de expressão, em função de tais critérios.
Além do mais - e esta é outra questão que lhe coloco, Sr. Deputado -, há oito critérios para atribuição de subsídios. São muitos! Por isso, de duas, uma: ou são todos tidos em linha de conta e é um quebra-cabeças para se aferir da qualidade de qualquer projecto; ou, então, entra o lado discricionário da questão, isto é, cada júri valoriza um ou outro critério e, dessa forma, cria situações de injustiça relativa. Gostava de saber a sua opinião a este respeito.
A descentralização, Sr. Deputado, não pode ser sinónimo de desresponsabilização do Estado - e é o que temo que aconteça aqui. Isto é, ao exigir-se, como critério relevante para a atribuição de subsídios, que os projectos, as companhias ou os criadores tenham a participação das autarquias, o Estado está também a demitir-se das suas funções. E, pior do que isso, as autarquias estão a viver um período dificílimo, de impossibilidade de endividamento, havendo, em alguns casos, regressões culturais terríveis. Falo-lhe da minha cidade, do Porto, que dá zero às associações, dá zero aos criadores culturais. Se eles não têm qualquer apoio da autarquia, e se esse é um critério relevante para obter apoios do Estado, como é que eles vão candidatar-se? Zero mais zero igual a zero!
Gostava, Sr. Deputado, que me esclarecesse em relação a estas questões.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, eu podia referenciar mais sucessos deste Governo, como, por exemplo, o do Teatro Nacional de São João, que entrou agora para a União de Teatros da Europa, que é, como sabe, uma élite em matéria de teatro. E podíamos continuar por aí fora, a atestar a valia da nossa política cultural.
Quanto à formação de públicos e ao facto de não estar condicionada pelos apoios ou pela relevância social, certamente também concordará que o povo português, todos aqueles que pagam impostos, também têm direito a poder usufruir um pouco da criação artística. Obviamente que há apoios específicos para os

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novos criadores e obviamente que não se lhes pode pedir o reconhecimento absoluto e nacional desde o início, mas o que se pode pedir a muitos deles é que, pelo menos, façam alguma itinerância, algum retorno da sua actividade cultural - é isso que está aqui em causa.
Por outro lado, as autarquias não estão repletas de bárbaros, ao contrário do que julga. Sei que pode ter essa opinião, porque o Bloco de Esquerda, em matéria de autarquias, tem uma, salvo erro… Aliás, não é "salvo erro", é Salvaterra de Magos, dizem-me aqui, e bem.

Risos do PSD.

Em todo o caso, também em matéria de atribuição central de subsídios, podem dizer o que dizem, porque sabem que nunca vão ter responsabilidades nesta matéria, sabem que nunca vão ter de dizer, como nós, perante os portugueses, que a política de gestão de subsídios, nesta matéria, é uma política responsável e que estamos, de facto, a atrair mais gente para a cultura. Convirá que não é com performances e outras coisas relativamente eruditas que vai conseguir esse objectivo nas terras deste país, que têm tanto direito à criação artística como os meios sofisticados que eventualmente frequenta no Porto. Nem toda a gente vai começar por ir a Serralves e por isso é que temos de descentralizar, por isso é que temos de apoiar toda a gente.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Por fim, quero dizer-lhe o seguinte: o senhor, por outras palavras, disse que teme que aconteça alguma discricionariedade, alguma arbitrariedade, teme que isto não vá para a frente. Os senhores, realmente, temem quase tudo: temem a economia de mercado, parece que agora temem o vosso próprio povo, parece que até temem os representantes do vosso povo nas autarquias. Um dia destes acabam por temer a própria democracia! Não pode ser, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Campos Cunha.

O Sr. Henrique Campos Cunha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura, Sr.as e Srs. Deputados: É presente para apreciação parlamentar, a requerimento do Partido Socialista, o Decreto-Lei n.º 272/2003, de 29 de Outubro, que "Estabelece o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado, através do Ministério da Cultura, a entidades que exercem actividades de carácter profissional no domínio das artes do espectáculo e da arte contemporânea, designadamente das artes plásticas e visuais".
Com este diploma, pretende o Governo, no desenvolvimento das linhas de orientação do seu Programa, dar corpo a um conjunto de medidas estruturantes, relativas à intervenção do Estado, no domínio das artes do espectáculo e da arte contemporânea, entre as quais se destaca a criação do Instituto das Artes. Este diploma cria, assim, um quadro normativo regulador da concessão de apoios do Estado ao sector.
Acresce que um dos objectivos da política do Governo é o de criar efectivas condições de descentralização cultural, promovendo uma partilha solidária de responsabilidades entre os agentes culturais e o Estado, as autarquias locais, as instituições do ensino superior e instituições privadas, de forma a potenciar a participação e o envolvimento das comunidades locais na vida cultural.
Pela primeira vez, através de decreto-lei, são definidos os princípios gerais do regime de atribuição de apoios financeiros, contrariamente ao anterior enquadramento, em que os apoios eram atribuídos por meros despachos normativos do Ministro da Cultura, que aprovavam os regulamentos dos respectivos concursos ou, no caso dos Centros Regionais de Artes e Espectáculo, contratualizados directamente com o Governo.
Os objectivos a atingir, pelo presente diploma, são os seguintes: contribuir para a diminuição da exclusão social e cultural e para o desenvolvimento das comunidades locais; desenvolver a dimensão económica do sector cultural, através da participação do poder local e do sector privado; promover a partilha de responsabilidades do Estado com os agentes e criadores culturais, as autarquias locais, estabelecimentos de ensino superior e outras instituições privadas e fomentar a criação do apoio mecenático; participação do Estado em iniciativas conjuntas com as autarquias locais e outras entidades, públicas e privadas; incentivar a vertente educativa das actividades artísticas e estimular a ligação ao meio escolar, fomentando o interesse das crianças e jovens pela cultura; recentrar a criação cultural, favorecendo o aparecimento de novos pólos de inovação e experimentação em todo o território nacional; e garantir uma maior igualdade de acesso às criações e produções artísticas, de forma a atenuar as assimetrias regionais e

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atenuar os desequilíbrios sociais e culturais.
Na prossecução destes objectivos, são criados os seguintes programas de apoio: programas de apoio sustentado, destinados a incentivar o desenvolvimento de actividades assentes em planos plurianuais, numa estratégia de médio e longo prazo, no âmbito do teatro, da dança e da música ou da gestão e programação de salas e recintos, incluindo o apoio a infra-estruturas e equipamentos necessários ao desenvolvimento das actividades e o apoio à participação em iniciativas de âmbito internacional; programas de apoio a projectos pontuais de duração não superior a um ano, destinados, nomeadamente, a incentivar o desenvolvimento de novos valores nos domínios acima referidos, incluindo as actividades transdisciplinares e pluridisciplinares, bem como projectos que tenham como objectivo a internacionalização da criação e dos criadores nacionais; e programas de apoio destinados a incentivar a promoção e divulgação de obras no âmbito da arte contemporânea, designadamente nos domínios das artes plásticas e visuais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 272/2003 prevê o concurso como regra e institui a constituição de júris e comissões de apreciação dos projectos a nível regional, com uma composição que contempla a participação de representantes das autarquias locais, instituições relevantes a nível local, designadamente instituições de ensino superior.
O diploma em apreciação institui ainda a contratualização dos programas de apoio financeiro, de onde constem os direitos e obrigações das partes, devendo ser previstos mecanismos de avaliação e acompanhamento da sua execução.
Por último, é também previsto o recurso das decisões dos delegados regionais da cultura, ou do director do Instituto das Artes, para o Ministro da Cultura, relativas à exclusão e à homologação das listas de apoios financeiros.
Já se encontram publicadas as portarias regulamentares previstas no decreto-lei em apreciação, desde Novembro de 2003.
Antes de terminar, quero realçar um facto que estranhei muito. A Sr.ª Deputada Manuela Melo foi, efectivamente, uma distinta autarca, ligada precisamente à cultura, na Câmara Municipal do Porto. Por isso, fiquei surpreendidíssimo quando pôs em dúvida (pelo menos, pareceu-me) a actuação dos autarcas, ao longo de todos estes anos, na defesa da cultura.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É que também fui vereador de uma câmara municipal, durante 14 anos (9 dos quais a tempo inteiro e parte deles ligado a esta área, inclusivamente à atribuição de subsídios), e posso dizer-lhe que as câmaras municipais, durante anos, substituíram o Estado no apoio a grande parte destas iniciativas e a outras que aqui não estão contempladas. Ora, é preciso não esquecer isto. E digo-o precisamente porque me pareceu que a Sr.ª Deputada o esqueceu.
Terminando, direi que o CDS-PP entende não haver qualquer oportunidade ou mérito à apreciação parlamentar requerida pelo Partido Socialista, pelo que votará contra.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Estes dois anos de governação na área da cultura foram para o País, e sobretudo para a maioria dos criadores, um pesadelo dominado pela míngua dos recursos financeiros e pelo consequente empobrecimento da actividade cultural, apesar dos deveres constitucionais do Estado, no que se refere à democratização da cultura.
Mas a esta aridez cultural acresce ainda, quer em 2002, quer em 2003, o pouco rigor e a pouca transparência nas decisões que a tutela tomou, no que à apreciação das propostas de trabalho apresentadas pelos criadores diz respeito.
Foi deprimente e todos os grupos parlamentares desta Assembleia assistiram às denúncias feitas, nesta Casa, por candidatos singulares ou colectivos, que apresentaram os seus projectos ao Instituto das Artes, viram seleccionar as suas candidaturas para concessão de apoios financeiros e esperaram meses e meses para verem concretizada a obrigação do Estado.
Mas mais maltratados foram ainda aqueles que viram indeferidos os apoios solicitados. Foram convidados a recorrer das decisões, fundamentaram as suas discordâncias, enunciaram os seus pedidos de esclarecimento e a tutela ora optou pelo silêncio, ora entregou ao mesmo júri que apreciou os projectos a avaliação dos respectivos recursos.

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O Sr. Bruno Dias (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - Os candidatos denunciaram que os júris introduziram novos dados no decorrer da avaliação, desvirtuaram portarias e regulamentos e não cumpriram os procedimentos administrativos inerentes a um concurso público.
Sr. Secretário de Estado, sendo este o cenário recorrente dos últimos anos (não só dos dois anos de governação da maioria), era no mínimo exigível que o Governo, através da tutela, e antes de produzir este decreto-lei, tivesse ouvido os criadores. Eu sei que o Sr. Secretário de Estado me responderá que ouviu a Associação dos Promotores, mas naturalmente que os criadores não se sentem representados por esta Associação.
Não conseguimos descobrir nenhum que tivesse sido ouvido. E ainda hoje soubemos que o Sindicato dos Músicos e os Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo também não foram ouvidos, apesar do pedido de audiência que este último formulou já no ano passado, onde esta discussão era um elemento da ordem de trabalhos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Lamentável!

A Oradora: - Era no mínimo exigível que o diploma garantisse a resolução dos problemas que os anteriores regulamentos, portarias e procedimentos provocaram. Mas também aqui o Governo conseguiu exactamente o contrário. O articulado aprovado não soluciona as maleitas reconhecidas, que o próprio Governo reconheceu aqui e que o Sr. Deputado Gonçalo Capitão há pouco lembrou, como agrava ainda algumas delas.
Afirma-se no preâmbulo do decreto-lei que se pretende "uma maior igualdade de acesso às criações e produções artísticas de forma a atenuar as assimetrias regionais e os desequilíbrios sociais e culturais".
Ora, uma das medidas consagradas é exactamente aprofundadora das assimetrias regionais.
Agora, as candidaturas são apresentadas ora junto das estruturas desconcentradas do Ministério, ora no Instituto das Artes, e serão apreciadas por comissões que ora serão presididas pelo delegado regional da cultura, ora o serão por um representante do Instituto das Artes.
Mas se os projectos apresentados programarem actividades em áreas geográficas de influência de várias delegações regionais de cultura, deverão ser apresentadas na delegação regional da cultura onde se realiza a maioria das actividades. Ora, Sr. Secretário de Estado, isto aprofunda as assimetrias e os desequilíbrios sociais e culturais.
Relativamente à composição das comissões previstas para a avaliação das propostas, propõem-se elementos indicados pelas câmaras municipais e individualidades de reconhecido mérito e competência, "designadamente, quando possível, de entre docentes dos estabelecimentos do ensino superior".
Quem selecciona estas individualidades? Como se fazem representar todas as câmaras existentes na área regional desconcentrada do Ministério da Cultura? Temos ensino artístico em todo o território nacional que permite esta representatividade dos docentes? E o que é que os docentes pensam disto? É óbvio que estas medidas, que sustentam e estruturam todo o diploma, agudizam as assimetrias e os desequilíbrios sociais e culturais.
Igualmente preocupante é o facto de toda a regulamentação de portarias e regulamentos do Ministério da Cultura não ter vindo a ser discutida e posteriormente publicada, centralizando as decisões que o decreto-lei hoje em apreciação parlamentar garante pretender, efectivamente, sustentar.
Quanto à transparência e ao rigor, dão lugar, em primeiro lugar, à confusão processual e, em segundo, dão lugar a uma triagem, porventura, Sr. Secretário de Estado, ainda mais clientelar que artística.
Uma outra aposta do diploma que não se entende é a da vantagem da junção das diversas expressões artísticas e artes do espectáculo. Só entendo a decisão, porque, assim, o Governo poderá diminuir, ainda mais do que tem feito nestes últimos dois anos, os apoios financeiros disponíveis para cada uma das áreas artísticas. E nem será por isso, porque é "tudo ao molho e fé em Deus".
Ainda quando dos últimos apoios foram muitas as candidaturas que, apesar de terem obtido pontuação para terem acesso a apoio financeiro, não o tiveram porque o Governo não disponibilizou as respectivas verbas.
Outras questões existem que evidenciam ainda alguma falta de cuidado na elaboração deste diploma: por exemplo, o apoio à internacionalização da criação e dos criadores previsto para a arte contemporânea, ao longo dos artigos 12.º e seguintes, fica-se, sobretudo, pela intenção e restrição claramente assumida no n.º 3 do artigo 12.º, quando se afirma que "O apoio à participação em exposições e outros eventos a realizar no estrangeiro tem por objecto assegurar a representação de artistas e criadores, nomeadamente dos já consagrados, no domínio da arte contemporânea". Novos talentos para quê?!
O diploma insiste também na referência aos profissionais das artes dos espectáculos, sem nunca explicar

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como é que essa condição é atribuída ou comprovada. Talvez o Sr. Secretário de Estado nos diga hoje que está a discutir com os respectivos sindicatos e as organizações representativas dos trabalhadores das artes e espectáculos a certificação profissional destes trabalhadores.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, este Decreto-Lei consagra a responsabilização do poder local no financiamento da cultura com a consequente desresponsabilização do poder central.
Afirma-se, no preâmbulo, que foram ouvidos os agentes culturais do sector e a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Quanto aos criadores, já sabemos que o não foram; quanto à Associação Nacional de Municípios, teria sido extremamente importante que tivesse sido disponibilizado o seu parecer para que todos nós soubéssemos o que diz acerca deste Decreto-Lei.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E, Sr. Secretário de Estado, se o senhor já se esqueceu do parecer, posso lembrar-lhe o que diz a Associação Nacional de Municípios acerca da não responsabilização do poder central na área da cultura.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Para além da descentralização das competências, é indispensável saber também quais são as contrapartidas financeiras que serão disponibilizadas para os municípios e como é que a tutela, ou o Governo, vai concretizas esta transferência. É que todos nós sabemos que, face ao diminuto cumprimento dos deveres constitucionais que ao Estado cabe nesta matéria, é já hoje o poder local, tal como os criadores e o movimento associativo, que são os maiores responsáveis pela actividade cultural no País.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, seria importante para a vida cultural do País - não para as oposições, nem particularmente para o Partido Socialista, que requereu esta apreciação parlamentar - que este diploma fosse objecto de alterações que viabilizassem um texto sério, que consagrasse as estratégias de apoio para a produção cultural portuguesa que fossem facilitadoras da criação, da fruição cultural e da internacionalização não só dos consagrados, mas dos novos talentos, porque sem estes não existirão os outros

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura (José Amaral Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além de, tal como aqui já foi dito, reafirmar que, pela primeira vez, é reposta a legalidade e o cumprimento da Constituição e que para o Governo as leis e a Constituição não são meras sugestões, e até por estarmos sujeitos ao escrutínio constante e permanente dos Srs. Deputados, foi aprovado um Decreto-Lei que, em nosso entender, estabelece regras claras. É natural que em democracia haja opções diversas, divergentes, contraditórias, mas esta é uma opção clara do Governo que tem em conta a realidade.
A proposta do Partido Socialista de manter no Instituto das Artes toda a capacidade de decisão tem os resultados que tem: mantém o centralismo. E como disse o Presidente do Instituto das Artes na sua tomada de posse, parece que concede a graça que um instituto centralista de vez em quando se desconcentre e assuma uma descentralização disfarçada.
Foram aqui feitas acusações que não correspondem à realidade. Nunca aqui esteve em causa qualquer convite, qualquer contratação directa que não esteja sujeita à avaliação e ao escrutínio de júris competentes com personalidades independentes - depois lerei as normas; não são opiniões minhas, está escrito no diploma.
Deveríamos questionar o que se passou com o Instituto de Arte Contemporânea. Que concurso, que avaliação independente, decidiu os apoios a todos os artistas plásticos durante os anos em que o Partido Socialista foi Governo? Que concurso, que entidade independente, decidiu a aquisição de obras de arte? Que concurso decidiu a contratação directa com o Centro Regional de Artes e Espectáculos de Viseu, com o Centro Regional de Artes e Espectáculos de Évora, com as companhias convencionais e todos os demais apoios do Fundo de Fomento Cultural?
Repito com convicção: estávamos no perfeito domínio de ilegalidade, da discricionariedade absoluta, que, muitas vezes, poderia ser considerada arbitrariedade!

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O resultado está à vista: com todos os apoios dados nos últimos anos, Lisboa tem 156 projectos aprovados; o resto do País (Coimbra, Porto, Guimarães, Aveiro, Vila Real, Leiria, Évora, Faro) tem 128 apoios aprovados.
Se formos comparar a afectação dos montantes financeiros, só a Região de Lisboa e Vale do Tejo tem mais que o País todo junto. Portanto se é consensual e se é reconhecido que há um desequilíbrio estrutural enorme no acesso dos cidadãos a bens e a equipamentos culturais é preciso tomar medidas concretas que contrariem esse desequilíbrio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não estamos a falar de intenções, estamos a falar de coisas concretas, de factos.
Já foram aprovados apoios que aumentam em 0,5 milhão de euros os apoios às regiões, mantendo os apoios a Lisboa.
Na região Norte, onde até agora eram apoiados 19 projectos, no domínio daqueles que têm uma duração inferior a um ano, passam a ser apoiados 21, pelo que se verifica um aumento de 21% nos montantes financeiros afectos àquela região.
Na região Centro, onde, até ao momento, tinham sido apoiados cinco projectos, passam a ser apoiados 10 projectos, registando-se um aumento de 120% dos apoios canalizados para aquela região.
No Alentejo, onde estavam a ser apoiados cinco projectos, passam a ser apoiados oito, registando-se um aumento de 40% dos meios afectos àquela região.
No Algarve, o paradigma da regionalização, estavam apoiados zero projectos - repito zero projectos; passam agora a poder ser apoiados oito projectos para preparar as condições de igualdade de acesso dos cidadãos. Estas são medidas concretas!
Passo agora a referir-me à questão da candidatura, ou dos júris ou do sistema de avaliação: a questão dos projectos pontuais é claríssima, e a questão dos programas de apoio sustentado também é clara. O que a lei diz é que os projectos têm de ser apresentados, falando até em candidaturas, que serão avaliadas por órgãos constituídos da seguinte forma: delegado regional ou Instituto das Artes; representantes das câmaras municipais que manifestem interesse (e já vou explicar porquê); uma individualidade de reconhecido mérito no desenvolvimento de projectos artísticos no meio escolar, designada, sempre que possível, de entre docentes do ensino superior; uma individualidade de reconhecido mérito e competência por cada área artística, designada pelo Ministro da Cultura, sob proposta do Instituto das Artes ou do delegado regional respectivo; e um representante das associações constituídas com a finalidade da defesa e promoção dos interesses referidos.
Portanto, pela primeira vez, os próprios representantes dos agentes culturais fazem parte do órgão decisor. Maior transparência e maior participação do que isto não conheço!
Além disso, os artigos seguintes determinam como é que o processo de designação é feito, que não é discricionário, não é arbitrário, estando devidamente delimitada a opção.
Acresce que há comissões de avaliação permanente constituídas também por personalidades independentes, que não dependem da tutela nem do ministro.
Isto tem tudo uma razão de ser. Como a Sr.ª Deputada Manuela de Melo bem sabe, 90% das infra-estruturas culturais são propriedade das câmaras municipais. Não conheço muitas companhias que tenham a sua própria casa, por isso é inquestionável, é necessária, é incontornável a participação das autarquias. O que pretendemos é que essa participação não seja casuística, não seja discricionária, que não exista apenas quando há eleições, quando há festas, e que seja assumida de forma sólida e permanente, através de contratos. Porque há exemplos: Tondela, Viseu, Montemor-o-Novo, Montemor-o-Velho, Odemira, Viana do Castelo, Almada…
Não fora a persistência e a sensibilidade dos autarcas e se as estruturas estivessem dependentes das vicissitudes políticas constantes esses projectos não existiam.
Há que reconhecer a legitimidade democrática dos autarcas, que têm obrigações e são aqueles que foram eleitos pelas pessoas para defenderem os seus interesses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E mais: não sou eu que o digo, é o Instituto Nacional de Estatística que demonstra que o maior investimento em equipamentos e em acções culturais, nos últimos 10 anos, deve-se às autarquias e não à Administração Central. E ainda bem que assim é! Por que é que o Rui Horta se deslocou para Montemor-o-Novo?

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Porque a autarquia lhe criou condições! Por que é que a Maria João Pires se deslocou para Castelo Branco? Porque a autarquia lhe criou condições! Por que é o Trigo Limpo Teatro ACERT está em Tondela? Porque a autarquia lhe criou condições! Porque é que O Bando está em Palmela? Porque a autarquia lhe criou condições!
Então, reconhece-se o papel das autarquias e depois não se partilha o poder, mantendo-se uma visão centralista?!
Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, os resultados falam por si!
Além da ilegalidade, que já é grave, os resultados prejudicaram o desenvolvimento normal e equilibrado do País. Sabemos que não somos perfeitos - não temos a arrogância de pensar que vamos fazer tudo bem feito -, mas vamos ter de tomar medidas concretas para contrariar este estado de coisas.
Sr.ª Deputada Luísa mesquita, como sabe, tão bem ou melhor do que eu, o sistema que existiu até à entrada em vigor do Decreto-Lei era o que herdámos, para não criar rupturas que prejudicassem o sector. Nesse contexto, os júris, constituídos por pessoas de reconhecida competência e mérito… Não está em causa a competência e o mérito dos membros do júri, só que lhes era impossível conhecer os 500 projectos espalhados por todo o País. Nunca foram a Montemuro, a Mogadouro ou a Vila Real ver um projecto; apreciavam os projectos sem contar com os mais próximos representantes das comunidades locais, e por isso o resultado está à vista.
De facto, todos os anos os tribunais dão razão a todos os candidatos. O sistema, até ao momento da entrada em vigor deste diploma, originava este conflito constante, e as críticas eram legítimas. Ora, o que o diploma visa é precisamente contrariar este estado de coisas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, o membro do Governo deixa de intervir directamente nas decisões do júri. Qual rainha de Inglaterra, que só homologa. Como a Sr.ª Deputada saber melhor do que eu, homologar é tornar sua uma decisão de outro. Havia aqui um resquício quase "salazarento", era necessário que o ministro homologasse uma decisão que não era sua sem nunca se pronunciar, sem nunca ter capacidade de apreciar qualquer projecto. Este Governo confere às entidades independentes e autónomas a capacidade de propor as decisões. Veremos como é que as coisas funcionarão.
Sr.ª Deputada, quanto à discussão pública dos diplomas, devo dizer que eles foram discutidos, em reuniões abertas com autarcas e representantes de todas as companhias que quiseram estar presentes, em Tondela, em Viana do Castelo e em Montemor-o-Novo. Houve três sessões públicas - repito, três sessões públicas -, que foram até noticiadas na comunicação social.
Portanto, houve discussão pública; houve envio de correspondência, através de e-mail e de cartas, e respostas; houve a introdução de alterações, algumas sugeridas pela Associação Portuguesa de Programadores e por outras entidades, e que resultou nesta legislação.
Houve, garanto-lhe, e é facilmente verificável, pelo menos três reuniões descentralizadas pelo País: uma, em Viana do Castelo, para abranger a zona norte; outra, em Tondela, para abranger a zona centro; e, uma outra, em Montemor-o-Novo, para abranger a região sul. Fizeram-se as discussões, e, como sabe, os diplomas andaram quase meio ano a serem discutidos.
Quanto ao apoio à internacionalização e às artes contemporâneas, não está ainda em vigor o regulamento. Portanto, não há qualquer regra, mas ela está prevista no Decreto-Lei.
O Presidente do Instituto das Artes (IA), que é uma pessoa competente, ficou de apresentar - e está em fase de conclusão -, depois de ouvidos todos os representantes deste sector, um regulamento específico que preveja as medidas concretas de apoio à internacionalização e à arte contemporânea.
Ainda não estamos a discutir esses regulamentos, porque a portaria não está aprovada. A Sr.ª Deputada tem razão se pensar apenas naquilo que existe no Decreto-Lei, porque ainda não está regulamentado. Mas, na altura em que estiver regulamentado, poderá verificar, mesmo que esteja em desacordo, quais são as medidas concretas. Por enquanto não há qualquer medida, mas as necessidades desse sector também não são as mesmas do das artes de espectáculo, ele não tem tanta necessidade de, mais antecipadamente, ter os seus projectos apoiados.
Penso que não deixei de responder ao que me perguntaram…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - E quanto à Associação Nacional de Municípios Portugueses?

O Orador: - Sr.ª Deputada, o parecer que tenho da Associação Nacional de Municípios Portugueses é favorável, posso enviá-lo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Teixeira Lopes inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado, mas o Governo não dispõe de tempo, a menos que o BE ceda algum…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, o tempo de que disponho já é tão escasso que peço alguma benevolência da Mesa para conceder algum tempo ao Sr. Secretário de Estado, a fim de me poder responder.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a estas horas da noite já a benevolência está esgotadíssima, mas, enfim, vamos ver.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, prometo ser breve.
Sr. Secretário de Estado, vou colocar-lhe algumas questões bastante concretas.
Uma delas prende-se com a predominância que as direcções regionais da cultura passam a ter em todo em processo, porque ela é bastante contraditória com aquela que tem sido a linha do Governo em relação a estas direcções regionais. Aliás, tive ocasião, aquando da discussão do Orçamento do Estado, de evidenciar que os cortes para a actuação das direcções regionais da cultura eram extraordinariamente elevados. Elas têm um orçamento irrisório, Sr. Secretário de Estado; um orçamento absolutamente residual!
Pergunto-lhe: como é que estas direcções regionais da cultura podem conhecer a realidade territorial se elas não têm condições de apoiar quem quer que seja? Esta é a primeira questão.
A segunda questão prende-se com o que há pouco referi, porque parece-me que não devemos resvalar para uma dicotomia populismo/elitismo. Isto é, pode acontecer, Sr. Secretário de Estado, que muitas das companhias, ao serem obrigadas a este tipo de "prestação de serviços à comunidade", caiam naquilo que aconteceu, quando o Dr. Pedro Santana Lopes, que agora se auto-apresenta como a grande figura da política cultural pós-25 de Abril - o que é risível, obviamente,…

Protestos do PSD.

Os apoiantes da bancada do Dr. Pedro Santana Lopes ficam logo muito excitados quando se fala do nome dele!
Mas, como eu estava a dizer, o Dr. Pedro Santana Lopes fez aprovar um diploma onde se fazia depender os apoios do número de pessoas que estavam na sala. Sabe o que é que aconteceu? A maior parte das companhias de teatro falsearam, obviamente, o número de espectadores nas folhas de bilheteira, porque o próprio Ministério não tinha forma de as fiscalizar. E agora pode acontecer o mesmo, Sr. Secretário de Estado! Isto porque uma coisa é a formação de públicos em projectos autónomos e outra coisa é a liberdade de criação artística.
Finalmente, o Sr. Secretário de Estado falou de várias autarquias, as mesmas a que se referiu o Sr. Deputado Gonçalo Capitão, mas a lista esgota-se praticamente aí - e até posso acrescentar Santa Maria da Feira -, já que, de resto, o panorama está longe de ser brilhante.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Agradeço que termine.

O Orador: - Sr. Presidente, termino de imediato.
Há um estudo da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte que mostra como muitas autarquias, muitas mesmo, investem 10 cêntimos per capita na cultura.
Sr. Secretário de Estado, é esta a realidade do país que temos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para responder, dispondo de 1 minuto, tempo cedido pela Mesa.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, as delegações regionais não são as entidades responsáveis pelo pagamento mas pela avaliação. O IA é o responsável pela efectuação dos pagamentos, através do seu orçamento. Portanto, a questão coloca-se de maneira diferente.
Penso que esta foi a pergunta mais concreta que me fez, todas as outras são meras apreciações.
O Sr. Deputado não está de acordo com o diploma, mas esperemos que a avaliação daqui a um ano seja mais positiva, para bem do País.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura, Srs. Deputados: Pedi a palavra para fazer uma pequena intervenção de síntese deste debate.
O Decreto-Lei em apreço tem méritos e deméritos, e o objectivo do Partido Socialista não é alterar os méritos do diploma mas contribuir para corrigir o que, do nosso ponto de vista, são os deméritos do mesmo. E o que, em nosso entender, são deméritos decorre de uma divergência fundamental, que não vale a pena escamotear, e que começa por ser sobre os objectivos gerais do sistema de financiamento público à actividade artística.
Para nós, como para o Governo, é um objectivo essencial fomentar a criação, a experimentação, a inovação, a difusão e a valorização das actividades artísticas. Só que o Governo coloca este como o sexto de sete objectivos, e, para nós, este é o objectivo primeiro.
Tem de haver financiamento público às actividades artísticas para que possa haver arte e criação artística em Portugal.
Desta divergência fundamental decorrem três divergências em pontos críticos.
A primeira tem a ver com o facto de, do nosso ponto de vista, o primado dever pertencer aos critérios de qualidade e continuidade artística, enquanto que, do ponto de vista do Governo, a qualidade artística é um facto menor, face ao que o Governo chama "a utilidade social". Não acompanhamos o Governo nesta má compreensão do fenómeno artístico.
A segunda divergência fundamental diz respeito ao apoio, à difusão e à formação de públicos, designadamente públicos escolares. Para nós, esta é uma área, em si mesma, que deve ter financiamento e sistema de apoios próprios, designadamente através de protocolos, que podem ser muito bem concebidos e realizados, de forma directa, entre o Ministério da Cultura e as autarquias locais. O que não pode acontecer é a difusão e a educação artística, designadamente nas escolas, serem transformadas num pretexto que os artistas tenham de usar para poderem ter financiamento para a sua actividade artística. Não aceitamos que todo o teatro passe a ser teatro para a infância e juventude, mesmo aquele de companhias que não sabe, nem tem de saber, fazer teatro para a infância e juventude.
Finalmente, a terceira divergência fundamental diz respeito à independência dos júris. Quando há processos de escolha, eles devem ser fundados em critérios de valorização da qualidade artística dos projectos e o poder decisório deve estar em júris independentes. O vosso sistema contém um risco enorme, que é o do caciquismo cultural.

O Sr. Presidente: - O tempo de que dispunha terminou, Sr. Deputado. Agradeço que conclua.

O Orador: - Para terminar, Sr. Presidente, quero apenas dizer, por uma questão de direitos de autor, que a fórmula "risco de caciquismo cultural" não é minha mas, sim, do Presidente do Instituto das Artes. Aliás, este Governo está numa situação absolutamente esquizofrénica, porque a pessoa encarregada de aplicar este regulamento diz publicamente que o mesmo pode criar caciquismo cultural no nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Campos Cunha e peço-lhe que seja breve, visto que o tempo que dispõe é escassíssimo.

O Sr. Henrique Campos Cunha (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou ser escasso, pois é apenas para referir que houve agora uma correcção do Deputado Augusto Santos Silva à Sr.ª Deputada Manuela Melo.
É apenas para salientar este aspecto.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Não ouviu o que eu disse!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, dou por terminado a apreciação do Decreto-Lei n.º 272/2003, de 29 de Outubro, solicitada pelo PS. E informo a Câmara de que deram entrada na Mesa diversas propostas de alteração, subscritas por Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que, conforme tem acontecido em casos idênticos, ficarão a aguardar o parecer

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solicitado à 1.ª Comissão, cujo prazo se encontra aparentemente consumido. Existem dúvidas sobre este ponto, e, enquanto o mesmo não for esclarecido, assim ficará. Se, porventura, for esclarecido no sentido favorável, baixarão à Comissão respectiva.
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia a apreciação conjunta dos projectos de resolução n.os 197/IX e 198/IX, seguida da discussão, também conjunta, das petições n.os 76/VIII (3.ª) e 24/IX (1.ª).
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Declaração de voto entregue na Mesa, para publicação, relativa, à votação final global, do projecto de resolução n.º 213/IX - Revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007 (PSD e CDS-PP)

Esta declaração de voto refere-se à votação na especialidade e à votação final global da proposta de substituição ao projecto de resolução n.º 213/IX, da iniciativa dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP.
O Partido Socialista votou contra o projecto de resolução na votação final global porque:
- a experiência da Resolução n.º 7/2003 revelou que este instrumento carece de credibilidade, é inconsequente e é desresponsabilizador do esforço para um consenso efectivo nas matérias em que é útil e necessário;
- o conteúdo útil do projecto de resolução é o apoio ao documento de actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento que foi apresentado à Assembleia da República como um facto consumado;
- este documento é o repositório da política económica e social e de algumas políticas sectoriais do Governo, que mereceram e merecem a oposição do Partido Socialista;
- o esforço de consenso deveria, em alternativa, ter por objectivo o conjunto dos instrumentos de enquadramento da política de finanças públicas, como a Lei do enquadramento orçamental, o Pacto de Estabilidade e Crescimento e a fixação de um tecto plurianual à evolução da despesa e traduzir-se nos adequados instrumentos legislativos.
Há cerca de um ano, a Assembleia da República aprovou a Resolução n.º 7/2003, de 9 de Janeiro, publicada no Diário da República, de 25 de Janeiro de 2003.
Esta Resolução, aprovada a propósito da actualização anual do Programa de Estabilidade e Crescimento, resultou da fusão dos projectos de resolução apresentados pelo PS e pela maioria, tendo merecido o voto favorável do PS na votação final global e em 10 dos seus 11 pontos, tendo-se o PS abstido no ponto 3, relativo especificamente ao documento de actualização do Programa.
Esta votação resultou de um esforço conjunto, que se iniciou com reuniões de trabalho entre o PS e o Governo em momento anterior à aprovação do documento no Conselho de Ministros e no envio do documento para apreciação da Assembleia da República, antes da sua apresentação na Comissão Europeia.
A Resolução então aprovada definia a necessidade de reavaliação do Pacto de Estabilidade e Crescimento de modo a que favorecesse o crescimento e a coesão económica e social; a articulação do objectivo de consolidação orçamental com uma política económica e social que promovesse a confiança, o crescimento e o emprego; a adopção de uma estratégia de consolidação assente na requalificação da despesa e no combate à fraude e evasão fiscal e que não comprometesse a qualidade dos serviços públicos essenciais, nem níveis elevados de investimento público essenciais para a convergência real com a União Europeia.
Por outro lado, a Resolução sublinhou a necessidade de transparência das contas públicas e a necessidade de rever os mecanismos de elaboração do Orçamento do Estado, de modo a permitir a orçamentação por objectivos com uma base plurianual.
Estas orientações e princípios conservam para o Partido Socialista plena actualidade.
A aprovação desta Resolução, em 9 de Janeiro de 2003, com amplo apoio parlamentar, foi então saudada como um primeiro passo da maior importância para a reconstrução de um consenso nacional na política de finanças públicas.
Infelizmente, não foi o caso. Uma vez aprovada, o Governo e a maioria optaram pelo seu continuado desrespeito. Como sublinhou Sua Excelência o Presidente da República na sua mensagem de 14 de Janeiro último: "infelizmente, o acordo que suportou a Resolução não teve a continuidade desejada".
Com efeito, o Governo:
- não se empenhou na reavaliação do Pacto de Estabilidade e Crescimento "de modo que este instrumento não comprometa, antes beneficie, o crescimento e a coesão económica e social da União Europeia",

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como determinava o ponto 1 da Resolução;
- não promoveu acções no sentido da transparência das contas públicas, nem a organização de um processo orçamental plurianual, conforme a Assembleia da República deliberou nos pontos 2, 5 e 8 da sua Resolução;
- não adoptou uma estratégia de consolidação orçamental assente na requalificação da despesa pública e na maior eficácia na arrecadação das receitas, como se impunha nos termos dos n.os 2, 6, 7 e 9 da Resolução n.º 7/2003;
- não articulou o objectivo de equilíbrio das finanças públicas com uma política económica e social no sentido de aumentar a confiança, promover a actividade e o emprego, de assegurar níveis estáveis e significativos de investimento público, garantindo a promoção da convergência real com a União Europeia, como deliberou a Assembleia da República nos n.os 4, 10 e 11 da Resolução n.º 7/2003, de 9 de Janeiro;
- ignorou por completo as indicações da Resolução no sentido de articular a orientação plurianual por objectivos com a reforma da administração pública no sentido de assegurar a economia, a eficiência e a eficácia da aplicação dos dinheiros públicos.
Deste modo, repetir este ano o processo - já frustrado o ano passado - carecia de credibilidade. A aprovação de uma resolução nestas circunstâncias revela-se um instrumento inconsequente. Pior, legitima a ausência de esforços para a obtenção de consensos efectivos onde eles são úteis e necessários.
Ou seja, as orientações e princípios decorrentes da Resolução n.º 7/2003 teriam de ser prosseguidos de outro modo.
Em primeiro lugar, porque o desrespeito pela Resolução n.º 7/2003, retirou credibilidade ao processo.
Em segundo lugar, porque, ao contrário do ano passado, o documento de actualização do Programa era um facto consumado.
Como escreveu a Dr.ª Teodora Cardoso "É claro que não é possível pedir agora à oposição consenso para a sua aprovação, quando o documento foi elaborado unilateralmente pelo Governo e enviado há mais de um mês para Bruxelas, sem a menor tentativa de ouvir outras opiniões sobre o assunto" (Público, 31/01/04).
Estas duas razões são por si suficientes para determinar o voto contra do Partido Socialista na votação final global.
Por outro lado, o documento de actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento é o repositório da política económica e social e de algumas políticas sectoriais do Governo, como as políticas de saúde, de educação, segurança social e administração pública, que mereceram e merecem a oposição do Partido Socialista.
Uma política económica e social que conduziu à recessão económica, ao aumento do desemprego, à divergência com a União Europeia. Uma política económica e social que o Programa promete continuar a aumentar o desemprego e a prosseguir a trajectória de divergência até ao termo da Legislatura.
Políticas sectoriais, que o Governo quis prosseguir em confronto com o PS. Como pode o Governo querer agora o apoio do PS para políticas e medidas que não quis sequer concertar com o PS?
O Programa só pode merecer a oposição firme e clara do PS.
Por estas razões o Partido Socialista não poderia, como o explicitou logo em 15 de Janeiro, viabilizar uma resolução antecipadamente descredibilizada pela experiência anterior, nem um documento apresentado como um facto consumado e que era o repositório da política económica e social e de políticas sectoriais que merecem a oposição do PS.
Em alternativa, o Partido Socialista propôs outra metodologia e outras matérias que deviam ser objecto de consenso.
As propostas do PS visavam, por um lado, credibilizar e garantir efectividade ao pretendido consenso, substituindo uma resolução genérica e inconsequente, por alterações legislativas precisas e vinculativas. Por outro lado, visavam identificar questões precisas que, pela sua natureza enquadradora, exigem um esforço de consenso político alargado.
É o caso da revisão da Lei de enquadramento orçamental, de modo a adoptar uma estrutura orçamental por objectivos e de base plurianual; atribuir carácter deliberativo e vinculativo ao debate de orientação da despesa pública; reforçar a transparência e o controle parlamentar da execução orçamental.
É também a definição da posição nacional sobre a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
E ainda a fixação de um tecto para a evolução plurianual da despesa pública, seja um tecto global, seja um tecto por grandes agregados.
Todas estas propostas foram apresentadas pelo Partido Socialista, desde logo na intervenção realizada no Plenário da Assembleia da República pelo Secretário-Geral do PS, Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, em 28 de Janeiro.
A aceitação pelo Governo ou pela maioria dessas propostas teria permitido realizar um trabalho sério

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e credível que corresponderia de modo efectivo ao apelo do Sr. Presidente da República.
O Governo, pela voz da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, chegou mesmo a identificar outras questões que deveriam ser objecto de consenso. E o Partido Socialista aceitou trabalhar sobre essas questões.
Contudo, a maioria parlamentar preferiu fazer votar um texto genérico, inconsistente e inconsequente, em vez de abrir um processo de trabalho sério e credível que assegurasse efectividade ao desejável consenso nas matérias em que é útil e necessário.
Pela parte do Partido Socialista, prosseguiremos a linha de trabalho que definimos.
Apresentaremos na Assembleia da República os projectos de lei que anunciámos de alteração da Lei de enquadramento orçamental e de enquadramento do Programa de Estabilidade e Crescimento.
Agendaremos para debate o projecto de resolução n.º 211/IX sobre a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Manter-nos-emos disponíveis para trabalhar com o Governo ou com a maioria sobre as questões identificadas em conjunto, como podendo e devendo ser objecto de consenso.
Paradoxalmente, tal como a aprovação no ano passado da Resolução n.º 7/2003 acabou por revelar a ausência de consenso efectivo, pode ser que a rejeição da resolução este ano abra a porta para a sua efectividade.
Esta posição determinou coerentemente o sentido de voto do PS na especialidade.
O PS votou a favor dos pontos que correspondiam a propostas suas (n.os 1 e 3), ou que resultavam directamente da Resolução n.º 7/2003 (n.º 10).
O PS absteve-se nos pontos correspondentes a temas em que manifestou disponibilidade para debater com o Governo, não antecipando assim posição definitiva (n.os 4, 5, 7, 8 e 9):
O PS votou contra os pontos que expressavam apoio ao documento de actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento ou às políticas sectoriais do Governo, que, como se explicitou, merecem a oposição do Partido Socialista (pontos 2 e 6).
Em síntese:
- o Partido Socialista entende útil e necessário a construção de um consenso parlamentar alargado em torno de alguns aspectos essenciais de política de consolidação de finanças públicas;
- em particular, o PS entende que o esforço de consenso é útil em três questões enquadradoras: a revisão da Lei de enquadramento orçamental, revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, fixação de um tecto à evolução plurianual da despesa;
- o PS só aceita participar num trabalho que seja sério e credível sobre o conjunto de temas identificados no debate parlamentar do dia 4 de Fevereiro como podendo ser objecto de um consenso parlamentar alargado.
Ao contrário do que ocorreu nas duas anteriores legislaturas, o actual Governo dispõe de maioria parlamentar, resultado da coligação PSD/CDS-PP.
O Governo dispõe assim dos instrumentos políticos necessários à condução da sua política e à adopção das medidas que tenha por necessárias.
Há assim que distinguir, muito claramente, as questões de regime, em que o consenso é útil e necessário, das questões de governo, em que a divergência é salutar e clarificadora.
A garantia de liberdade de escolha dos portugueses, exige a afirmação de uma alternativa de governo, que pressupõe disponibilidade para o consenso nas questões de regime, e clarificação das alternativas nas questões de governo. É esta a atitude, é esta a postura do Partido Socialista.

O Deputado do PS, António Costa.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
Carlos Alberto Rodrigues
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
José Manuel de Matos Correia
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha

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Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Apolinário Nunes Portada
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Luís Filipe Soromenho Gomes

Partido Socialista (PS):
Leonor Coutinho Pereira dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Henrique José Monteiro Chaves
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta

Partido Popular (CDS-PP):
José Helder do Amaral

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