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Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 2004 I Série - Número 55

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE FEVEREIRO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Henrique Jorge Campos Cunha
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Câmara aprovou dois pareceres da Comissão de Ética relativos um à substituição de um Deputado do PS e outro à retoma de mandato de um Deputado do CDS-PP.
O Sr. Presidente deu conta de que recebera do Presidente da Assembleia Nacional de Cabo Verde e do Centro Económico e Cultural de Taipei votos de pesar pelo falecimento do Sr. Deputado do PS Acácio Barreiros e informou que, em seu nome e no da Assembleia, enviou ao seu homólogo marroquino uma carta de pesar pelas vítimas do sismo ocorrido, na madrugada de terça-feira, na região de Al Hoceima.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) falou da situação precária em que vivem os reclusos nos estabelecimentos prisionais portugueses.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE) trouxe à colação o ensino da educação sexual nas escolas e, depois, respondeu aos pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Jamila Madeira (PS).
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP), igualmente em declaração política, teceu considerações sobre o valor de 2,8% do défice recentemente anunciado pelo Governo e as medidas propostas pelo grupo de empresários e gestores que em 25 de Fevereiro participaram na Convenção "Compromisso Portugal", realizada no Convento do Beato, em Lisboa.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Herculano Gonçalves (CDS-PP) referiu as principais conclusões da primeira de uma série de visitas mensais que o seu grupo parlamentar decidiu levar a cabo pelos diferentes distritos do país com o objectivo de saber das preocupações das respectivas populações, sendo que no caso se tratava do distrito de Santarém.
Por último e também em declaração política, o Sr. Deputado Victor Baptista (PS) criticou o discurso do Primeiro-Ministro sobre a consolidação das finanças públicas que considerou resultar da utilização de expedientes pouco transparentes.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, a Sr.ª Ministra da Justiça (Maria Celeste Cardona) apresentou à Câmara a sua proposta de reforma do sistema prisional português. Seguiu-se um debate, no qual intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Teresa Morais (PSD), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Jorge Lacão (PS), António Filipe (PCP) e Diogo Feio (CDS-PP).

Ordem do dia. - Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, sobre alterações climáticas, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (Amílcar Theias) e do Sr. Secretário de Estado do Ambiente (José Eduardo Martins), os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Maria Ofélia Moleiro (PSD), Pedro Silva Pereira (PS), Miguel Paiva (CDS-PP), Honório Novo (PCP), Luís Fazenda (BE), Paula Malojo (PSD) e Herculano Gonçalves (CDS-PP).
Foram aprovados os n.os 19 a 34 do Diário.
A Câmara debateu em conjunto, na generalidade, a proposta de lei n.º 108/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, altera o Código do Direito de Autor

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e dos Direitos Conexos e a Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, e o projecto de lei n.º 414/IX - Procede à adaptação do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos às novas realidades criadas pela sociedade de informação (BE). Pronunciaram-se, a diverso título, além do Sr. Ministro da Cultura (Pedro Roseta), os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Francisco Louçã (BE), Gonçalo Capitão (PSD), António Filipe (PCP), Miguel Paiva (CDS-PP), Luís Campos Ferreira (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Fernando de Pina Marques
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes

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Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro

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José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Manuel António Cardoso de Carvalho
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró

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Paulo Daniel Fugas Veiga

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Botelho Correia Sousa
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Nas reuniões plenárias de 4 e 6 e no dia 9 de Fevereiro: aos Ministérios da Saúde, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e da Economia, formulados pelos Srs. Deputados Teresa Venda, António Filipe, Bernardino Soares e Lino de Carvalho; ao Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Laurentino Dias; ao Ministério da Administração Interna e à Câmara Municipal de Coimbra, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Habitação, da Educação e da Segurança Social e do Trabalho, formulados pelos Srs. Deputados Bruno Dias e João Teixeira Lopes; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Honório Novo; e ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado.
No dia 10 e na reunião plenária de 11 de Fevereiro: aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho e dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; à Secretaria de Estado da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Louçã; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado José Vera Jardim; e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Gonçalves.
Nas reuniões plenárias de 11 e 12 de Fevereiro: aos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, da Defesa Nacional, da Saúde, da Economia e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Isabel Castro, Miranda Calha, Marques Júnior, Rui Cunha, António Filipe, Bernardino Soares e Lino de Carvalho; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulados pelos Srs. Deputados José Junqueiro e Bruno Dias; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte; à Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulado pelo Sr. Deputado Honório Novo; ao Ministério da Segurança Social e do Trabalho, formulado pelos Srs. Deputados João Teixeira Lopes e Capoulas Santos.
Nas reuniões plenárias de 12 e 13 de Fevereiro: aos Ministérios da Economia e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Ana Manso e Jamila Madeira; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães; aos Ministérios da Saúde, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Paula Duarte, Alberto Antunes, José Apolinário e Honório Novo; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Moniz; aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho e da Defesa Nacional e às Câmaras Municipais de Vila Franca de Xira e de Coimbra, formulados pelos Srs. Deputados Manuela Melo, Marques Júnior, António Filipe, Fernando Pedro Moutinho,

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Manuel Dias Loureiro e Heloísa Apolónia; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Luís; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Herculano Gonçalves.
No dia 17 de Fevereiro: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulado pelo Sr. Deputado Honório Novo; e aos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e da Saúde, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
O Governo respondeu, no dia 10 de Fevereiro, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho, Maria Manuela Aguiar e Eduardo Moreira, Sónia Fertuzinhos e José Saraiva, Luísa Mesquita, Honório Novo e Jerónimo de Sousa, Rui Cunha, Ana Catarina Mendonça, Carlos Luís, Goreti Machado, José Apolinário, Fernando Moniz, António Filipe e José Manuel Pavão.
Foram ainda respondidos, no dia 10 de Fevereiro, os requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Manuel Oliveira, António Galamba e Diogo Feio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai dar conta de dois relatórios da Comissão de Ética, que convém serem apreciados de imediato porque dizem respeito ao mandato de membros do Parlamento.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o primeiro relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Acácio Barreiros (PS) pelo Sr. Deputado José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão (PS), com início em 20 corrente, inclusive.
O parecer vai no sentido de que a substituição em causa é de admitir.

O Sr. Presidente: - A substituição segue-se ao falecimento do nosso antigo Colega Acácio Barreiros. Eu não estava presente na altura em que o Parlamento aprovou o voto de pesar pelo falecimento deste parlamentar, pelo que quero associar-me pessoalmente, manifestando também aqui o meu pesar pela morte de Acácio Barreiros. Tive, de resto, ocasião de, no próprio dia do seu falecimento, exprimir os meus sentidos pêsames à viúva e ao filho de Acácio Barreiros, que se encontrava em câmara ardente.
O Sr. Deputado Acácio Barreiros foi substituído por José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.
Srs. Deputados, está em apreciação o parecer que acabou de ser anunciado pelo Sr. Secretário da Mesa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário vai dar conta de mais um relatório e parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à retoma de mandato do Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), cessando Manuel Carvalho, em 1 de Março, inclusive.
O parecer vai no sentido de que a retoma de mandato é de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Os Srs. Deputados cujos mandatos foram verificados vão ocupar lugar no Hemiciclo a partir da data em que essa verificação é reportada, no caso do Deputado José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão é imediata e no caso do Deputado Miguel Anacoreta Correia refere-se a 1 de Março.
Antes de dar a palavra, para uma declaração política, à Sr.ª Deputada Isabel Castro, gostaria ainda de referir que recebi uma carta do Presidente da Assembleia Nacional de Cabo Verde, Aristides Lima, a exprimir, em seu nome e em nome da Assembleia Nacional, o pesar pelo falecimento do Deputado Acácio Barreiros, mensagem que vou imediatamente agradecer.
Recebi também uma mensagem idêntica do Centro Económico e Cultural de Taipei.
Transmitirei estas mensagens ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista e à família enlutada.
Devo ainda comunicar à Câmara que enviei uma mensagem de solidariedade e de pesar, em meu nome pessoal e em nome da Assembleia, ao Presidente do Parlamento de Marrocos face à catástrofe que afectou esse país, nosso vizinho.

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Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, a situação nas prisões portuguesas é insustentável.
A violação dos direitos humanos dos reclusos mantém-se como o confirmam o último relatório da Amnistia Internacional e o duríssimo relatório do comissário Gil-Robles, do Conselho da Europa, na alusão que fazem a maus tratos e espancamentos, ao uso desproporcionado da força por parte dos guardas prisionais, às condições desumanas e degradantes, à sobrelotação, à falência de todo o sistema de reinserção, aos casos de negligência médica e às condições de saúde dos reclusos.
Esta é uma situação inaceitável, a que se alia a violência como uma constante no quotidiano prisional, sucedendo-se ajustes de contas entre criminosos, de que têm resultado assassinatos de reclusos cujo direito à vida o Estado, mesmo em meio prisional, se tem revelado incapaz de preservar.
Entretanto, alastram as doenças entre a população prisional, maioritariamente jovem, profundamente carenciada, metade da qual consumidora de drogas e, não raro, contaminada por doenças infecto-contagiosas como a tuberculose, e hepatite C e a sida, cuja incidência extraordinariamente elevada (e não travada) constitui um gravíssimo problema de saúde pública, longe de estar prevenido ou resolvido.
Um cenário a que se alia a morte de reclusos que sucede dia-a-dia nas prisões portugueses; mortes por overdose, mortes de doentes terminais, a quem continua a ser negado o recurso do regresso a casa, previsto na lei, mortes ainda por suicídio, que têm duplicado no nosso país, atingindo valores sem paralelo dentro da União, particularmente em reclusos preventivos, com idades muito baixas, sendo muitos deles toxicodependentes.
É, pois, neste quadro, Sr.as e Srs. Deputados, que importa equacionar a importância do estudo feito pelo Prof. Diogo Freitas do Amaral, estudo esse cujo mérito principal foi o de ter vindo confirmar os cenários e as recomendações feitas pela Provedoria de Justiça, recomendações que se vêm repetindo ao longo de anos perante o silêncio do poder político, que, no essencial, são retomadas, importando perceber qual vai ser a sequência das mesmas.
Esta questão coloca-se também perante uma das constatações apresentada no relatório, ou seja, a falência do sistema de reinserção social, que, nos dois últimos anos, regrediu extraordinariamente e continua assim provando a total desatenção ao sistema prisional, a total falência de um sistema, que, para além de privar os cidadãos da liberdade, não foi capaz de assegurar condições para garantir aquele que deve ser o seu objectivo último, ou seja, a reinserção social.
Vêm hoje o Governo e a Sr.ª Ministra da Justiça ao Parlamento, diz-se, anunciar medidas para o sistema prisional, mas cabe perguntar, Srs. Deputados: que razoabilidade, que credibilidade podem ter essas medidas, tendo em conta que sabemos de antemão a forma categórica e fechada como encaram o problema crucial de saúde pública dentro das prisões, designadamente aquele que tem a ver com as doenças infecto-contagiosas e com o incumprimento de uma lei aprovada pelo Parlamento, que este Governo, pura e simplesmente, meteu na gaveta? Como é que se pode admitir que tenham qualquer sucesso ou credibilidade as medidas aprovadas, ou porventura hoje anunciadas, se há reserva ideológica em relação a uma questão-chave, que é a da toxicodependência em meio prisional, em relação à qual, com total falta de sentido de responsabilidade, a Sr.ª Ministra já adiantou que se recusa a equacionar a questão e tão-pouco a equacionar pôr em prática a título experimental as recomendações da Provedoria de Justiça?
A pergunta coloca-se também em relação ao citado estudo. Disse o seu autor ter do Primeiro-Ministro a garantia de que as suas recomendações serão levadas à prática. Cabe, então, perguntar, Srs. Deputados: perante a imensidão de problemas com que o sistema prisional se confronta, perante a necessidade de dar resposta aos problemas de sobrelotação, perante a necessidade e a urgência de separar reclusos condenados e não condenados, perante a necessidade de estabelecer planos de recuperação e de reinserção social dos reclusos, que medidas se podem esperar, sabido o desinvestimento que, com frieza, os Orçamentos do Estado aprovados por esta maioria têm revelado?
Por último, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deixo ainda mais uma pergunta: se as recomendações do estudo feito são verdadeiramente para levar à prática, que sentido faz um Governo, privado de meios e com outras prioridades até agora seguramente esquecidas, insistir em levar por diante a construção de um estabelecimento prisional de alta segurança? É seguramente um absurdo, que provavelmente o Presidente da Câmara de Lisboa terá de explicar aos lisboetas, porque sobre a escolha de Monsanto até agora nada foi dito, no local e no momento próprios. Mas é seguramente uma teimosia, um absurdo, que esperamos vivamente que o "debate-relâmpago" nesta Câmara permita hoje esclarecer definitivamente.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Sempre que na sociedade portuguesa a questão controversa da descriminalização do aborto se reacende, quase como uma espécie de reflexo condicionado, os conservadores (actualmente a maioria) trazem um "trólei" de argumentos conhecidos e recorrentes, ou seja, como actuar na prevenção a gravidezes indesejadas, elencando um conjunto de medidas e de propostas. É exactamente sobre uma delas, que consta de um projecto de resolução do PSD e do CDS-PP presente a esta Câmara, que me ocuparia hoje, isto é, da educação sexual, não sem antes dizer - e sem qualquer pretensão de antecipar um debate que vamos ter - que são conhecidas propostas deste género em anteriores debates do mesmo jaez, utilizando-se sempre os argumentos recorrentes acerca da similitude da lei portuguesa com a espanhola, da dualidade de aplicação, da ideia de eventualmente poder haver um "alçapão" que permita a despenalização das mulheres que praticam o aborto sem que haja descriminalização. Todo este tipo de teses e de argumentos é recorrente, é frequente nestas circunstâncias.
Mas autonomizando o debate que vale a pena, o da educação sexual, vale por dizer que é uma questão pertinente, que tem sido levantada desde há muito tempo e que a maioria, os conservadores, vem hoje trazer-nos essa proposta de forma muito incisiva, defendendo a criação de uma disciplina no ensino público, eventualmente designada de promoção para a saúde, onde teria especial incidência o debate acerca das sexualidades, das relações afectivas, da comunicação sexual, mas também da informação científica acerca do corpo, do funcionamento biológico e também do funcionamento psicossocial dos alunos, das alunas, de nós enquanto cidadãos em formação.
É importante notar que há um conjunto de contradições nas intenções anunciadas pela direita: em primeiro lugar, não se entende que tal acto venha através de um projecto de resolução, que, como sabemos, não é vinculativo para a política governativa.
Se os conservadores, se a maioria conservadora quisesse assumir a responsabilidade da proposta, teria elaborado um projecto de lei e não meramente um projecto de resolução.
Além disso, há um défice de autoridade política e moral por parte dos conservadores e da direita em relação a esta matéria. Sabemos que há um projecto-piloto de educação para a saúde que está congelado há anos, e são apenas o frenesim e a inquietação que vêm da sociedade portuguesa acerca do aborto que levam a que a direita tire este projecto de resolução de uma "gaveta cheia de poeira".
Mas façamos algumas perguntas concretas: essa disciplina de educação para a saúde, onde se destacará a educação sexual e reprodutiva, é obrigatória ou não? É de avaliação ou não? É porque se é obrigatória, não se entende que sejam salvaguardadas as responsabilidades dos pais. É toda uma ambiguidade que defronta esta proposta.
Por exemplo, a expressão "salvaguardadas as responsabilidades dos pais" quer dizer exactamente o quê? Que os pais têm objecção? Que podem levantar um "veto" a essa disciplina dita obrigatória? Então, afinal a disciplina é obrigatória ou é "obrigatório-facultativa"? É de uma incoerência completa!…
Suponhamos que no respectivo programa a educação sexual e reprodutiva se traduza apenas nalguns módulos dessa disciplina. Será que os alunos e as alunas poderão ausentar-se desses módulos por objecção dos pais? E depois, como será feita a avaliação? Será uma avaliação pelo programa global para aqueles que não têm objecção de presença na disciplina e uma avaliação parcial para aqueles que a têm?… Isto não tem sentido!
Os conservadores também não nos explicam o que é o tutor, particularmente quando verificamos que na política educativa do actual Governo têm vindo a diminuir aquilo que são os apoios psico-sociais nas escolas, os gabinetes de acompanhamento. Mas supondo que agora e desta vez isso seria implementado, que perfil tem esse tutor? Como é que ele é encontrado? É um professor ad hoc, que é designado na escola? É uma carreira nova que é criada? Nada nos dizem sobre o perfil desse tutor! Mas também nada nos dizem sobre outra coisa elementar, isto é, se o acompanhamento à saúde sexual e reprodutiva nas escolas confere o direito e a possibilidade imediata em meio escolar de acesso à contracepção. Neste aspecto, o projecto de resolução da maioria, dos conservadores, é absolutamente vazio.
Nestas circunstâncias, é imperioso que o PSD e o CDS-PP nos venham dizer muito mais do que aquilo que nos querem dizer, e não meramente impor (e aqui lavro o nosso mais veemente protesto!), através de um qualquer golpe palaciano e utilizando o "rolo compressor" da maioria, que num debate sobre a descriminalização do aborto venha a ser agendado, contra a vontade do partido proponente, este mesmo projecto de resolução.
Mas a direita não esclareceu! A direita faz, pura e simplesmente, um arrolamento de situações para que, num intuito manipulatório, de algum modo, aos olhos da opinião pública, fique a impressão de que

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"sim, senhor, a direita é sensível, a direita procura acompanhar alguns dos sinais dos tempos, e não fica fossilizada no conservadorismo do preconceito, como tem acontecido até agora, contra os direitos das mulheres, contra os direitos de cidadania"…!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados da direita, esclareçam-nos o que é que entendem por essa disciplina de educação sexual! Como é que isso funcionaria? Não pode ficar uma mera bandeira que o Sr. Ministro David Justino possa deixar cair na primeira oportunidade. Aliás, ele já veio dizer que essa disciplina não é obrigatória!…
E muito menos vale a pena discutir aquilo que têm sido as opiniões da Sr.ª Secretária de Estado Mariana Cascais para o efeito. Tirando a bizarria de a educação sexual estar entregue à Secretária de Estado exactamente filiada no único partido que votou contra a educação sexual, o que importa aqui aferir é a vontade política do Governo. Por isso pergunto: os Sr.as e Srs. Deputados da maioria acompanham o Ministro David Justino ou este ambíguo projecto de resolução? Isto não está de modo algum esclarecido e por isso, Srs. Deputados da maioria, ousamos dizer que se trata apenas de uma manobra de diversão e não de uma intenção séria de debate acerca da disciplina de educação sexual, que se arrisca a ser não mais do que um acto de hipocrisia política e uma fraude política!
A proposta contida no projecto de resolução apresentado pela maioria é - repetimo-lo com toda a veemência - não mais do que um acto de hipocrisia e uma mera, simples e única fraude política!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, quero manifestar a minha estupefacção por ter interpelado a maioria neste espaço parlamentar, em relação a um projecto que consideram (dito pelos próprios) "crucial para o desenvolvimento da educação sexual em Portugal", que nada teve a dizer nesta matéria.

Protestos do PSD.

Mas gostaria também de interpelar o Sr. Deputado Luís Fazenda no sentido de perceber até que ponto a sua intervenção sobre um projecto de resolução que venha sob a forma de projecto de lei, isto é, que discrimine pontualmente cada uma das questões, pode ou não fazer sentido. Isto porque, em Março último, eu própria tive oportunidade de interpelar o Sr. Ministro numa Comissão sobre esta matéria, tendo o Sr. Ministro manifestado a disponibilidade de vir à Assembleia da República explicar tudo aquilo que pensava em matéria de educação sexual.
Srs. Deputados, estamos a 25 de Fevereiro de 2004 e o Sr. Ministro David Justino, ex-deputado nesta Câmara, continua a dizer que "mantém a disponibilidade", mas agenda é que nem vê-la!
Por isso, obviamente que temos aqui um problema, que é o facto de também recentemente os Srs. Deputados terem apresentado um requerimento sobre esta matéria, que foi chumbado, mas independentemente disso nem a Sr.ª Secretária de Estado, nem o Sr. Ministro vieram à Comissão ou ao Plenário prestar qualquer tipo de esclarecimento. Por outro lado, temos legislação que está em vigor e que merece ser aplicada, legislação essa que sofreu um retrocesso fortíssimo, concretamente no que diz respeito à rede de escolas promotoras de saúde e à aplicação de toda esta legislação e da disciplina de desenvolvimento pessoal e social. Portanto, tudo isto está absolutamente previsto!
Mas neste momento estamos a viver um fait divers! Vale a pena alimentar um fait divers? Querem os Srs. Deputados da maioria dizer-nos, em 2006, quando estivermos perante as eleições, que a Sr.ª Secretária de Estado Mariana Cascais fez um "veto de gaveta" de um projecto de resolução (ou de um projecto lei, julgo que não fará qualquer tipo de diferença) sobre esta matéria e que, mais uma vez, os jovens portugueses ficarão sem qualquer tipo de apoio, seja a que nível for, em matéria de educação sexual?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Jamila Madeira, agradeço-lhe as questões colocadas.
A sua estupefacção e a minha só mostram a má consciência da maioria, porque, apresentando um projecto de resolução, desde logo, nem sequer afrontando o Ministério da Educação - se quisessem realmente transformar em força de lei aquilo que parece ser o intuito da maioria tê-lo-iam feito! Assim o

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assunto vai parar a uma de duas gavetas: ou à da Sr.ª Secretária de Estado Mariana Cascais ou à do Sr. Ministro David Justino. Portanto, vale o que vale, e não vale mais do que isso!
Mas o que é verdadeiramente lamentável é que a direita, o PSD e do CDS, nesta matéria, não queira sequer desenvolver as ideias que apresentou, deixando-as numa total ambiguidade e contradição. Não se sabe se a disciplina "educação para a saúde" tem alguma a coisa a ver com o projecto da área do desenvolvimento pessoal e social. Não se sabe em que termos é que em relação à sexualidade isso pode ser abrangido nessa mesma disciplina de promoção da saúde. Não se sabe se autonomamente, num dos anos em que vigorará como disciplina, é obrigatória e está restrita à educação sexual. Não se sabe o que é o tutor. Nada se sabe sobre aquelas vaguíssimas intenções que são anunciadas no projecto de resolução da maioria!…
A nossa opinião é a de que tem havido má vontade política e um preconceito enorme desde o início da entrada em funções deste Governo maioritário para que não se desenvolva nas escolas o que quer que seja em relação à educação sexual, sendo que os projectos que estavam em funcionamento sofreram um fortíssimo retrocesso.
Neste sentido, não há autoridade política nem moral por parte da maioria de vir neste momento fazer desta questão uma bandeira. Tanto mais que nem sequer a concretizam!
Falando seriamente: não só o Sr. Ministro da Educação se tem sistematicamente recusado a vir aqui debater o assunto como é importante (e aqui todas as bancadas poderiam ter uma palavra a dizer) desenvolver, mesmo do ponto de vista legislativo, aquilo que está previsto para a educação sexual.
Hoje é consensual que o quadro legislativo é insuficiente, mas nisso a maioria não nos traz qualquer contributo. Pelo contrário, têm sido as bancadas da oposição que têm tentado (em vão!) desenvolver essa perspectiva.
Mesmo no actual quadro legislativo, que está cheio de ambiguidades, muito mais longe se poderia ir e creio que isso hoje é absolutamente consensual - oxalá a maioria se abrisse a isso!
Precisamos de desenvolver o quadro legislativo, mas isso não se fará por via de qualquer projecto de resolução! - e muito menos com um Ministério da Educação de costas voltadas, inclusive, para a sua própria maioria, causando um maior embaraço nas actuais circunstâncias políticas. Terá de ser nesta Casa, na Casa da democracia, e por força da pressão das oposições, que um debate sério, que interessa à cidadania, terá forçosamente de vir a ser desenvolvido.

O Sr. Presidente: - O tempo de que dispunha terminou, Sr. Deputado. Agradeço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Portanto, partilho exactamente das suas preocupações, Sr.ª Deputada. Temos de dar um passo em frente e não podemos deixar que, de forma manipulatória, a questão da educação sexual continue a ser a continuação da continuação do atraso de vida da cidadania portuguesa.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Num quadro de agravamento da situação nacional, particularmente no plano social, o Governo continua a acreditar que pela via da encenação e da propaganda é possível esconder os efeitos nefastos da sua política.
Com pompa e circunstância foi anunciado pelo Primeiro-Ministro que finalmente se chegou ao almejado défice de 2,8%, irritando-se pela ingratidão manifestada por diversas forças da oposição que espelharam bem os sentimentos que prevalecem no seio da maioria do povo português.
O problema maior não está no exercício de engenharia contabilística, que, aliada à venda de algumas "jóias da família", permite esse resultado oficial.
A questão central continua a ser a opção por políticas económicas e sociais que, mediante a sacralização do défice e com a sua cobertura, visa concretizar a mais vasta e profunda ofensiva contra os direitos e as legítimas aspirações dos trabalhadores e de outros sectores e camadas sociais mais vulneráveis desde o 25 de Abril de 1974.

O Sr. António Filipe (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - É que assim, com o custo de vida a aumentar, com os salários a desvalorizarem, com o desemprego a disparar, com as precariedades e inseguranças a proliferar, com a saúde, o ensino, os serviços públicos a privatizar, bem pode pregar este Governo contra a desconfiança, o descontentamento e a

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luta social. Bem pode proclamar a necessidade de pactos e compromissos, que em última análise colidem insanavelmente com a realidade e com as suas práticas e políticas.
Neste quadro de grandes encenações juntaram-se algures no Convento do Beato uns quantos banqueiros, grandes empresários, mais uns dirigentes partidários, acolitados por um destacamento de tecnocratas e gestores formados na cartilha neoliberal.
Aprovaram 30 medidas! 30! Onde não se enxerga quase nada sobre gestão, organização e os verdadeiros factores de impulso do aumento da produtividade e da competitividade e da produção nacionais.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exacto!

O Orador: - Como alguém já afirmou "não descobriram petróleo no Beato"... Descobriram a pólvora!
Mas estavam animados de um triplo objectivo: primeiro, a tentativa de absolver a política de direita de sucessivos governos e em particular as suas políticas económicas pelo estado em que o País se encontra; segundo, procurar garantir no actual momento de crise e de dificuldades que a factura continue a sobrecarregar os trabalhadores, os reformados, os pequenos e médios empresários, amassando o lucro ao lucro para o capital financeiro e especulativo; terceiro, assegurar mais à frente, e ao abrigo de sobressaltos eleitorais, a continuidade das políticas de direita e enraizamento da ideologia neoliberal na configuração de um modelo sócio-económico para o País, à revelia da Constituição da República. Inquieta é saber que alguns dirigentes do PS possam considerar um acontecimento interessante e cheio de modernidade que propõe a liberalização selvagem dos despedimentos, o agravamento do Código do Trabalho, o garrote por mais três anos nos salários da Administração Pública, maior redução da despesa pública, diminuição dos serviços de justiça pela subida das custas judiciais, o agravamento do princípio de que quem quer saúde e educação paga!
Com empresários e gestores destes, não admiram, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o estado das condições de vida e de trabalho e o grau de efectivação dos direitos dos trabalhadores, os atrasos da produtividade e da competitividade nas nossas empresas!!

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas o "conclave do Beato" teve um quarto objectivo: dar campo de manobra ao Governo para prosseguir a ofensiva legislativa e permitir alguma recuperação da imagem do Ministro do Trabalho, que bem se esforçou em tudo o que era televisão, rádio ou jornal, para vender a ideia salomónica de que "corta a meio". É claro, lá vai afirmando que a culpa de não ir mais longe é sempre da Constituição da República!...
A realidade é bem diferente! O Governo já fez agendar para 4 de Março, aqui, na Assembleia da República, a discussão e a votação, na generalidade, do segundo pilar do Código do Trabalho, que traz no bojo mais mutilações aos direitos dos trabalhadores, particularmente no plano dos direitos colectivos, e já anuncia cortes no subsídio de desemprego na linha do que vai fazer a partir de Abril com o subsídio de baixa por doença. Na Administração Pública inicia-se o emprateleiramento de trabalhadores classificados como supranumerários. No sector privado assiste-se ao bloqueamento da contratação colectiva, visando mais à frente a sua caducidade. A inspecção do trabalho está parada. Começa a sentir-se agora com mais dureza o aumento do custo de vida e a perda do poder de compra dos salários. Prosseguem e penalizam-se os despedimentos, as deslocalizações e as falências, com o desemprego a aumentar.
Os que no Governo, e não só, propõem pactos, consensos e o diálogo estéril, esperavam o quê, Srs. Deputados da direita? Que os trabalhadores não reagissem e não lutassem pelos seus direitos?!… Nós sabemos que são muitos os trabalhadores pressionados por muitas inseguranças e muitas incertezas, que, por exemplo, nas empresas deslocalizadas, julgaram que se não se sindicalizassem, se não reivindicassem, se não lutassem, a empresa não encerrava, e os seus direitos estavam assegurados. Às vezes descobrem tarde demais!
Mas mais são aqueles que ganham consciência desta ofensiva, dos efeitos que provoca, das responsabilidades do Governo PSD/CDS-PP e das suas opções políticas e de classe, com a convicção de que, se lutarem, nem sempre vencerão - é certo! -, mas que, se não lutarem, perderão sempre. Não esperem dos trabalhadores que aceitem a paz do "pântano".
São cada vez mais os que ganham consciência de que é urgente não a mesma política com outra forma e outros rostos; o que é preciso e é urgente é uma outra política e um outro Governo, num rumo de progresso, de desenvolvimento e de aprofundamento da democracia portuguesa.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Gonçalves.

O Sr. Herculano Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS-PP iniciou, na passada segunda-feira, dia 16, uma série de visitas, que se pretendem mensais, aos vários distritos do País, com a finalidade de identificar in loco os problemas de cada região.
Pretende-se, com mais esta iniciativa, alargar a missão de audição das preocupações e ambições de todos os cidadãos. Desta forma, reforçaremos o conhecimento global, diversificado e verdadeiramente nacional do estado do País e servirá também como mais um impulso à iniciativa parlamentar.
Sr. Presidente Sr.as e Srs. Deputados: O distrito de Santarém foi o distrito escolhido para a primeira deslocação do Grupo Parlamentar do CDS-PP neste contexto. Os temas eleitos nesta primeira visita foram "a economia e o ambiente", pelo que o enfoque foi posto nos concelhos de Alcanena e Santarém, dissecando a arquitectura económica destes concelhos e avaliando os sectores de actividade mais dinâmicos, as preocupações sociais e também a componente ambiental.
Mas esta iniciativa tem também um refluxo institucional essencial para a aproximação do Parlamento aos cidadãos. As pessoas sentem que os Deputados a elas se dirigem falando do que fazem e revelando os instrumentos ao seu dispor, sendo, no fundo, portadores da capacidade de iniciativa legislativa para a transposição de obstáculos reais mas também capazes de traçar prospectivamente caminhos para o desenvolvimento sustentado.
Foi possível perceber com rigor a dimensão da indústria de extracção de blocos e da calçada à portuguesa, que se localiza a Norte do concelho de Santarém, e da indústria de curtumes, que se centra no concelho de Alcanena, bem como das problemáticas a elas associadas.
No que diz respeito à indústria de curtumes, a sua quase exclusiva localização num concelho tornam-na socialmente vital para uma comunidade de largos milhares de pessoas que aí vivem, bem como nos concelhos limítrofes.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Economicamente a sua influência e o seu peso são facilmente mensuráveis, tal como a necessidade da sua existência. É este microcosmos extremamente polarizado que torna sensível qualquer abordagem regulamentar que a ela se faça.
O cumprimento de superiores desígnios e valores que residam no mais elementar patamar de bom-senso não devem colidir com fins últimos que nos movem, como o bem-estar das populações e a sua prosperidade.
É justamente aqui que as preocupações ambientais não devem cegar o exercício da actividade económica, nem tão-pouco esta deve arrogar para si privilégios absolutos. A formatação das actividades económicas às condicionantes ambientais deve ser feita cuidadosamente considerando dois vectores primordiais: primeiro, o tempo, devendo procurar-se a adequada compatibilização entre a necessária celeridade e a cadência dos investimentos, muitas vezes em parceria com o Estado, aliás um muito positivo apanágio deste Governo nas parcerias público-privadas; segundo, a responsabilidade do Estado, sendo que em inúmeros casos só ao Estado cabe o investimento.
Não se pode investir irresponsavelmente sem qualidade, sem prever a durabilidade dos equipamentos e sem avaliar o seu retorno. Aliás, assim aconteceu com a ETAR de Alcanena e com toda a rede de colectores que a alimenta, um pesado investimento feito no passado, mas que hoje carece de actualização e de reformulação, pelo que aqui se justifica uma parceria entre os empresários e o Estado.
A debilidade do sector e a sua especificidade e impacto social, tal como já foi referido, merecem redobrada atenção para evitar males maiores.
Este é um caso particular e específico, mas que serve de exemplo para a programação da entrada em vigor de normas de rigor ambiental e para a sua consequência nas empresas e no emprego. E o Grupo Parlamentar do CDS-PP tem essa consciência.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que o mercado em que nos inserimos é um mercado global, em que a concorrência com produtos a preços irrisórios provenientes do Oriente, não só nos curtumes mas essencialmente no sector têxtil, no obriga a ter uma visão económica competitiva, baseada na qualidade e na agilidade empresarial, com estratégia e com ponderação, mostrando, se necessário, à Europa que as utopias se perseguem com inteligência e não com uma tábua indiferenciada num continente de matizes e diferenças. E

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nisto o distrito de Santarém não é excepção!
Embora a agricultura não tenha sido tema eleito para esta deslocação, não podíamos passar pelo distrito de Santarém sem ter uma conversa com agricultores, pelo que também nesta área tomámos nota das grandes preocupações destes empresários.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O produto desta visita foi também o sinal de esperança e de confiança nas políticas que esta maioria tem implementado, através do Executivo a que lhe dá suporte, estando, por isso, no bom caminho,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … um caminho a que o Governo e esta maioria, de resto, se comprometeram com os portugueses e, em particular, com estas populações, porque este é um Governo que tem conseguido provar, apenas com cerca de metade do mandato cumprido, que as promessas que faz são obras que se concretizam.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Obras que, de todo o modo, importa garantir que, como até agora, continuem a ser executadas no futuro, na certeza de que as populações de Santarém e de Alcanena sabem ter nesta bancada uma voz que, junto do Governo, reclama e garante estarem os seus interesses sempre salvaguardados.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com pompa e circunstância, o Sr. Primeiro-Ministro, em comunicação ao País, divulgou a alegada vitória do Governo no que diz respeito à consolidação das finanças públicas no ano de 2003, tendo anunciado um défice de 2,8%.
Como muito bem disse o Dr. Ferro Rodrigues, Secretário-Geral do Partido Socialista, o Dr. Durão Barroso mais não fez do que "publicidade enganosa",…

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - … que "desrespeita a inteligência dos portugueses".

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - O que sobrou em júbilo e auto-elogio faltou em verdade e rigor.

Aplausos do PS.

Desde logo, porque o Sr. Primeiro-Ministro mostrou desconhecer que a consolidação orçamental tem como pressuposto a consistência das finanças públicas nos anos seguintes. Ora, a perspectiva de nos anos de 2004 e 2005 termos défices inferiores a 3%, segundo a Comissão Europeia e os organismos internacionais, será apenas uma miragem. A Comissão adianta mesmo uma previsão de um défice de 4% para o ano de 2005.
O que faltou em verdade e rigor ao Sr. Primeiro-Ministro sobrou em malabarismos e criatividade. É que, na vida como nas finanças públicas, importam não só os objectivos alcançados mas sobretudo os caminhos percorridos.
Falemos, então, dos "truques" e da "contabilidade criativa" utilizados pelo Governo para conter aparentemente o défice orçamental em 2,8%.
Primeiro, a integração na Caixa Geral de Aposentações do Fundo de Pensões dos CTT, no montante de 923 milhões de euros. Esta receita é, obviamente, "fictícia", porque corresponde a uma assumpção de responsabilidades orçamentais pela Caixa Geral de Aposentações no futuro.
Segundo, a venda ao Citigroup de dívidas fiscais dos contribuintes, no montante de 1760 milhões de euros, que representam 1,3% do PIB. Esta receita, segundo parece, vencerá juros, pois o respectivo contrato estipulará a obrigação de o Governo compensar aquele Grupo no caso de este não conseguir recuperar o dinheiro que pagou.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se assim for, trata-se de um "empréstimo mascarado", titulado por dívidas fiscais. Aliás, o Governo tudo tem feito para esconder das oposições e da Assembleia da República os compromissos contratuais que assumiu com o Citigroup.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Este é um contrato que, de resto, mais se assemelhará a um mero expediente utilizado por um particular junto de uma vulgar "Casa de penhores" do que a um negócio entre um qualquer Estado e um mais ou menos credível grupo financeiro internacional.

Aplausos do PS.

Terceiro, a desorçamentação no sector da saúde. Mais de 900 milhões de euros foram transferidos, no final de 2002, como activos financeiros para a constituição do capital social dos hospitais SA, por isso mesmo não contaram para o défice público, mas, entretanto, no ano de 2003, financiaram despesas correntes e de capital. Ainda teremos de aguardar pelas contas destes hospitais, que, nos termos do Código das Sociedades, terão de ser aprovadas até finais de Março de 2004, para analisarmos em plenitude o volume de desorçamentação operada.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quarto, o investimento público foi retraído, não exercendo o efeito indutor de dinamização do crescimento do investimento privado. A Comissão Europeia, ela própria, criticou o corte no investimento público como estratégia para a consolidação orçamental. O cumprimento do défice dos 3% não pode nem deve ser conseguido à custa do esmagamento do investimento público e das políticas sociais. A rigidez da despesa, por outro lado, sugeriria, como todos sabemos, a necessidade de dinamização das receitas.
Quinto, o Governo adiou o pagamento do reembolso do IRS e a devolução do IVA para não registar despesa no ano de 2003.

O Sr. António Costa (PS): - Um escândalo!

O Orador: - Sexto, para além do IRS, também no mês de Dezembro, constatamos, em termos de arrecadação do IVA, um acréscimo de 329,4 milhões de euros, mais 51,7% do que no mês homólogo do ano de 2002. O registo desta receita no mês de Dezembro fez com que, de uma variação negativa de 77,9 milhões de euros acumulada até Novembro de 2003, representando menos 0,9%, se tenha passado para uma variação positiva de 251,5 milhões de euros, mais 2,6% para a totalidade do ano.
Sejamos claros: estamos perante um Governo que recorre ao adiamento na devolução do IVA às empresas credoras do Estado e, em particular, à indústria têxtil, cuja dívida se cifra em mais de 120 milhões de euros.

O Sr. António Costa (PS): - Um escândalo!

O Orador: - O Governo, para atingir metas contabilísticas, prejudica gravemente uma indústria exportadora já por si frágil e exposta a uma concorrência desenfreada.

Aplausos do PS.

Aliás, a Associação Nacional das Indústrias de Têxteis não só reclama o pagamento dos reembolsos cancelados como desmentiu o Ministério das Finanças, que afirmou ter regularizado, em Janeiro, pagamentos em atraso de 100 milhões de euros.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com os governos do PS, liderados pelo Eng.º António Guterres, sempre a riqueza nacional cresceu acima da média europeia; com este Governo de direita, liderado pelo Dr. Durão Barroso, empobrecemos e afastámo-nos da média europeia. Em 2002 o PIB cresceu apenas 0,4% e em 2003 foi negativo em 1,2%. No conjunto de 2002 e 2003 o País empobreceu em 0,8% do PIB, ou seja, andámos para trás dois anos e afastámo-nos da média europeia em 2,4%.
Com os socialistas, a taxa de desemprego, no primeiro trimestre de 2001, foi de 4,2%; hoje ultrapassa

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os 6,6%. Os desempregados, em 22 meses, quase que duplicaram. Desde a tomada de posse do Governo do PP e do PSD, temos, infelizmente, em média, todos os meses, mais 6328 desempregados, ou seja, mais de 210 desempregados por dia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Essa é que é essa!

O Orador: - Por seu turno e segundo os dados da Coface-Mope, em 2003 fecharam 2980 empresas, mais 888 do que em 2002, o que significa, em 12 meses, um aumento de 42,5%. Acresce que cerca de mais 1400 empresas estão desgraçadamente à beira da falência.
A construção civil sofre a pior crise dos últimos 20 anos. A produção desceu, entre 2001 e 2003, 20%, faliram 100 empresas e perderam-se 31 000 postos de trabalho.
O ano de 2003 fica marcado por um tremendo pessimismo dos portugueses. Todos os indicadores, sem excepção, atingiram os valores mais baixos de sempre.
Todos sabemos que a retoma virá um dia, mas, por enquanto, ainda não é visível ao fundo do túnel, infeliz e desgraçadamente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este Governo pauta-se por um conjunto de "D": Desinveste, Desemprega, Desmotiva, Descredibiliza, Desmobiliza.
Já vão longe os tempos em que o Primeiro-Ministro falava de um País de "tanga"; hoje o Primeiro-Ministro teria de falar de um extenso "areal de nudistas".

Aplausos do PS.

O Dr. Durão Barroso, em vez de remodelar o seu Governo, assiste, impávido e não sereno, à luta entre os que são pelo candidato presidencial Cavaco Silva e os que defendem a candidatura de Santana Lopes.
Mas o Dr. Durão Barroso, para desviar as atenções dessa luta fratricida, insiste numa outra "tanga": a "tanga" da retoma, hoje e aqui.

Protestos das Deputadas do PSD Natália Carrascalão e Isménia Franco.

Se o êxito consiste em alcançar o que se deseja, a felicidade assenta em desejar o que se alcança. Com este Governo, não há êxito nem felicidade, o que se alcança é tão-só o contínuo empobrecimento do País, porque, de facto, o défice real ultrapassa os 5%. O défice de 2,8% é um défice maquilhado e obtido à custa de receitas extraordinárias que não se repetirão. "Vão os anéis, ficam os dedos!"

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo terminou, conclua, por favor.

O Orador: - Sr.ª Presidente, peço-lhe mais uns segundos, se for possível, para compensação…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Uns segundinhos, Sr. Deputado.

O Orador: - … porque tive algumas interrupções pelo caminho.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, conclua, por favor.

O Orador: - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo do Eng.º António Guterres leu nos resultados eleitorais autárquicos de Dezembro de 2001 a eventualidade de criação de um "pântano" que, tecido na inexistência de uma maioria parlamentar, prejudicaria inevitavelmente Portugal e os portugueses. Por isso, responsável e democraticamente, devolveu ao eleitorado a possibilidade de uma nova opção nas urnas. Ora, não pode ser penalizado quem soube acrescentar mais democracia à democracia. O povo é soberano sempre

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e em qualquer momento.
Ainda que beneficiário da nobreza desse entendimento, o Dr. Durão Barroso, ao invés, teima na "tanga" da fuga. É uma outra maneira de ser e de estar; é uma outra forma de avaliar os superiores interesses de Portugal e dos portugueses. Confiado numa maioria aritmética, já foi avisando, porventura atento às eleições autárquicas de 2005, que continuará a governar depois de 13 de Junho próximo, sejam quais forem os resultados das eleições europeias. Com "cartão amarelo ou vermelho", não acrescentará mais democracia à democracia, não devolverá a voz ao eleitorado; esquece-se de que o Povo é soberano sempre e em qualquer momento.

Aplausos do PS.

Se se aventou a eventualidade de um "pântano", agora temos de constatar que já estamos nele "mergulhado", por culpa do Governo de Paulo Portas e Durão Barroso e por conta dos erros do PP e do PSD.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, o Governo fez saber que deseja intervir, ao abrigo do artigo 84.º, n.º 2, do Regimento, por intermédio da Sr.ª Ministra da Justiça, no período de antes da ordem do dia.

O Sr. António Costa (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - É sobre uma questão cuja resposta o Sr. Deputado não conhece?

O Sr. António Costa (PS): - Sr.ª Presidente, creio que, nos termos do Regimento, os pedidos de esclarecimento à intervenção que acabou de ser produzida devem anteceder o debate que terá lugar agora com base no artigo 84.º, n.º 2, do Regimento.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado tem razão, como sabe, mas também sabe qual é a resposta à pergunta que vai fazer a seguir.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não há pedidos de esclarecimento!

O Sr. António Costa (PS): - Não há pedidos de esclarecimento, Sr.ª Presidente?

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Não, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - É que nunca pensei que a maioria não defendesse, sequer, o Sr. Primeiro-Ministro!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.ª Presidente, peço também a palavra para interpelar a Mesa.

Vozes do PS: - Ah!…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.ª Presidente, é apenas para, sob a forma de interpelação à Mesa, dizer que o critério das interpelações e dos pedidos de esclarecimento por parte da bancada do PSD têm a ver com a importância das intervenções. Esta intervenção não justifica que percamos tempo.

O Sr. António Costa (PS): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Ó Sr. Deputado, sobre este assunto já estamos todos devidamente esclarecidos.

O Sr. António Costa (PS): - Sr.ª Presidente, é apenas para sublinhar que, não obstante o Partido Socialista ser um partido da oposição, não desvaloriza os temas escolhidos pelo Sr. Primeiro-Ministro para as suas intervenções.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos, então, dar início ao debate nos termos do artigo 84.º, n.º 2, do Regimento.
Tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

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A Sr.ª Ministra da Justiça (Maria Celeste Cardona): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há demasiados anos que o sistema prisional português é um somatório de preocupações esporádicas, abordagens parcelares e soluções meramente sectoriais. Assim tem sido e seria impossível corrigi-lo se assim continuasse a ser.
Alterar a realidade das prisões portuguesas exigia um olhar transversal, um diagnóstico completo e soluções globais integradas.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - É esta a grande novidade da proposta de reforma do sistema prisional português que aqui vos trago hoje.
Assumimos esta proposta de reforma como o momento fundador de uma nova atitude face ao sistema prisional,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - … colocando-o no seu lugar próprio da dinâmica da política criminal e da política social do Estado. Fazemo-lo em cumprimento do Programa do Governo e da Constituição.
Por isso e para isso, em Fevereiro de 2003, decidi criar a Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, para cuja presidência convidei o Prof. Freitas do Amaral e para a qual nomeei um representante do Observatório Permanente da Justiça e três dirigentes máximos do Ministério da Justiça cujos serviços estão directamente implicados nesta matéria. Ao Prof. Freitas do Amaral e à Comissão no seu conjunto cumpre-me o agradecimento público neste domínio.
Ao criar e ao definir o mandato desta Comissão, o Governo agiu orientado por três critérios: o retrato da realidade tinha de ser transparente, as soluções propostas tinham de ser globais e integradas e o ímpeto reformador tinha de ser partilhado.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Um retrato transparente porque o sistema prisional não pode continuar a ser um sector esquecido e escondido, oposto à sociedade. As soluções são concebidas de modo integral, tendo a globalidade do sistema prisional, penal e social como quadro de referência e não se reduzindo a uma visão parcelar e sectorial.
O relatório final e o anteprojecto de lei-quadro do sistema prisional foi-me entregue há poucos dias e foi logo tornado público, como era nosso objectivo.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Na verdade, trata-se de documentos que ultrapassam as barreiras de um ministério ou de um departamento, concebendo o sistema prisional como um tema que é do Estado e da sociedade civil. Estamos a falar, em suma, de um assunto que é, por excelência, de âmbito nacional.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Segundo os dados mais recentes, Portugal tem mais de 13 629 reclusos, uma taxa de detenção na ordem dos 132 reclusos por cada 100 000 habitantes, uma taxa de sobrelotação de 11% - já baixou, Srs. Deputados - e os presos preventivos representam cerca de 30% do total da população prisional.
Como o relatório da Comissão tornou público, com dados referentes a Novembro de 2003, o número de reclusos condenados a pena de prisão efectiva devido a crimes relativos a estupefacientes é de cerca de 42%.
Acresce que as penas de média e longa duração têm registado um acentuado crescimento, a ponto de as penas de duração superior a 2 anos representarem hoje 64% do universo dos reclusos.
Cumpre ainda referir a existência de um novo tipo de criminalidade, mais perigosa e organizada, que exige medidas de reforçada segurança.
Por detrás destes dados e do que eles traduzem, encontramos um sistema que tem mantido dificuldades em dinamizar a reinserção social dos reclusos e de, ainda em muitos casos, assegurar condições de vida dignas, quer ao nível das instalações quer ao nível de cuidados de saúde e de formação pessoal e profissional.
Em suma, um sistema que, ao fim muitos anos, não está apto a cumprir cabalmente a função de manter a segurança da comunidade e de permitir aos reclusos a opção de conduzir a sua vida de forma socialmente responsável sem praticar crimes.

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Ao solicitar à Comissão que, no termo dos seus trabalhos, entregasse um documento com as linhas gerais e uma proposta de lei-quadro da reforma do sistema prisional português, o Governo assumiu a sua vontade de reformar, mas reformar com sentido!

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

O sistema prisional não se corrige com medidas avulsas desconexas, com propostas fracturantes e radicais ou com meras declarações de intenções.
O sistema prisional português reforma-se agindo de forma concertada e integrada sobre o todo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - É necessário rever a legislação pertinente, mas fazê-lo só não basta. Temos de ter um parque penitenciário adequado às necessidades actuais e futuras, mas isso só por si é insuficiente.
É preciso criar verdadeiras oportunidades de regresso à vida activa. Mas agir apenas no termo do cumprimento das penas não nos levaria a lado algum.
O Governo assume - e está certo disso de que esta Assembleia o fará também - a decisão de intervir tendo em vista todos os pilares essenciais ao sucesso da reforma, com equilíbrio e de forma coordenada antes, durante e após o cumprimento das penas.
Uma reforma é assim que se faz, e só assim reformaremos o sistema prisional.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Temos de potenciar um menor uso da reclusão, designadamente pelo recurso à mediação penal, à vigilância electrónica, ao trabalho a favor da comunidade e à flexibilização da execução das penas, permitindo a sua aplicação em função da especificidade única de cada recluso.
Simultaneamente, temos de agir decisivamente na reinserção social, prevenindo a prática de crimes e acompanhando os reclusos durante e após a reclusão, quer através de acções de formação profissional e de medidas de acompanhamento efectivo e personalizado de cada recluso e das respectivas famílias quando tal se justifique quer criando casas de saída e programas de reinserção especial na fase de transição para a vida em meio livre.
Finalmente, e para levar a cabo esta reforma, é necessário rever todo o parque penitenciário português.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Há estabelecimentos prisionais que necessitam de melhoramentos, há outros que vão ser construídos e há alguns que irão ser encerrados ao longo dos próximos anos.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reforma cujas linhas gerais hoje aqui apresento é, sei bem, muito ambiciosa. Temos um calendário apertado e exigente, ordenado por prioridades, para ganharmos um novo sistema prisional afinado pelos padrões dos países membros da União Europeia e que responda às exigências da nossa política criminal.
A reforma começa agora e os próximos anos são decisivos, mas tem de continuar com o mesmo vigor e mobilização nas legislaturas seguintes.
A dimensão nacional desta reforma e o tempo da sua concretização total e global pedem o consenso desta Câmara.
A minha vinda aqui, hoje, é o sinal de que o Governo assume a vontade política de fazer a reforma do sistema prisional português.
Vamos fazê-la, de preferência com todos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Morais.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Em 1902, publicava-se, sob anonimato, uma reportagem jornalística feita no Limoeiro. A peça concluía assim: "O cárcere não deve ser de forma alguma um inferno. A sociedade não se vinga: castiga e, melhor,

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procura regenerar. É esse o papel da justiça: aproveitar os seres ainda capazes de se guiarem na vida (...) os que caíram num momento de fraqueza, melhorá-los, guiá-los, e de um criminoso banal arrancar um homem, iluminando-lhe a consciência. Ora, no Limoeiro, na ociosidade e na infâmia chega-se exactamente ao contrário. Contra isso protestamos: é desumano!"
Não pode, naturalmente, afirmar-se que durante um século não se avançou sobre este estado de coisas, mas deve reconhecer-se, para nosso mal, que há neste texto objectivos que, 100 anos depois, estão por alcançar: não fazer do cárcere um inferno - diz-se -, mas um lugar em que alguém que tem de ser privado da liberdade não deve, por isso, ser privado de todos os seus direitos, a não ser na estrita medida em que eles devam ser restringidos para o fim do cumprimento da pena a que foi condenado; não fazer da prisão uma vingança - eu acrescentaria não fazer dela também um tempo inútil - mas um momento em que o cumprimento de uma pena é também uma oportunidade para ocupar produtivamente, para ensinar, formar e encaminhar.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Os documentos que em boa hora nos são apresentados pelo Governo dão, portanto, resposta a uma necessidade premente.
Cumprimentamos o Governo pela iniciativa e a Sr.ª Ministra pelo seu empenho nesta reforma. Cumprimentamos a Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional pelo seu excelente trabalho, que expressamente estabelece como objectivo desta reforma a consecução em Portugal de um sistema prisional humano, justo e seguro orientado para a reinserção social dos reclusos.
Trata-se, na verdade, de uma reforma inadiável. Consegui-la é um imperativo de civilização. O grau de desenvolvimento de um país também se afere e de sobremaneira se avalia pelo estado das suas prisões.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O relatório apresentado pela Comissão é um documento fundamentado, confiante e revelador de um trabalho zeloso de quem sabia que tinha à sua espera um País que há muito diagnosticou, de forma muitas vezes assistemática, males diversos ao seu sistema prisional, mas não foi, até hoje, capaz de remediar os piores desses males.
A primeira dedução do relatório é a de que o Direito penitenciário português, ao longo do século XX, e especialmente os diplomas que marcaram as principais reformas foram sempre espelho de "ideias progressistas além de revelarem uma boa técnica legislativa". Daqui se concluí também que o "problema do nosso sistema prisional nunca foi um problema de má legislação ou de falta dela, mas um problema de falta de visão global e estratégica em relação à execução das leis".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - A saber: falta de vontade política, de organização, de gestão, de meios e de empenhamento da sociedade no seu conjunto.
Faz-se depois uma caracterização completa do sistema prisional português, onde se documentam, designadamente, a situação da sobrelotação, a taxa de reclusão elevada, o número de reclusos em prisão preventiva, a população reclusa estrangeira.
Dramática é, na verdade, ainda a sobrelotação que sendo, em si própria, um mal é fonte e elemento potenciador de muitos outros males: a falta de higiene, a difícil prevenção de doenças e o seu tratamento, a absoluta falta de privacidade, a dificuldade de organização racional de programas de trabalho e da implementação de medidas urgentes que exijam qualquer deslocação de reclusos.
Referimo-nos concretamente, neste último ponto, à realização de obras de melhoramento de condições sanitárias e de higiene, que a sobrelotação evidentemente dificulta, mas que, ainda assim e mesmo por recurso a medidas excepcionais e provisórias, não poderão mais ser adiadas. Conta-se entre estas medidas a eliminação progressiva de camaratas de grande lotação e a sua substituição por celas que permitam uma maior privacidade dos reclusos, que hoje improvisam cortinas com toalhas velhas ou folhas de jornal para criarem um espaço, obviamente, fictício de privacidade.
Mas acima de todas as demais prioridades está a erradicação urgente da utilização do balde higiénico nas prisões portuguesas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Neste sentido, o Grupo Parlamentar do PSD entregou já no Parlamento uma iniciativa

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em que recomenda ao Governo que dê absoluta prioridade à erradicação desta prática, que é vexatória e medieva, e embora o relatório que aqui hoje se apresenta preveja essa medida para o quadriénio de 2005 a 2009, recomendamos ao Governo que se imponha um calendário mais exigente e elimine rapidamente o balde higiénico do nosso sistema prisional.

Aplausos do PSD, do CDS-PP e da Deputada do PS Celeste Correia.

É bom que os portugueses saibam que continuam a não existir instalações sanitárias em várias alas ou pavilhões de estabelecimentos prisionais centrais como Alcoentre, Coimbra, Leiria, Linhó, Pinheiro da Cruz e Paços de Ferreira, bem como nos regionais de Angra do Heroísmo, Bragança, Castelo Banco, Coimbra, Covilhã, Felgueiras, Leiria, Montijo, São Pedro do Sul, Lamego, Monção, cadeia de apoio da Horta ou Silves. Vale de Judeus não tem uma só instalação sanitária.
Mais de 2200 reclusos vivem diariamente esta humilhação que, mais do que a eles, deve envergonhar um País, pois passados 30 anos sobre a criação da sua democracia não conseguiu ainda garantir-lhes o cumprimento do seu direito à dignidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Das recomendações que consideramos mais relevantes do relatório hoje em análise, muitas delas incorporadas no anteprojecto de proposta de lei-quadro de reforma do sistema prisional, salientamos: a transformação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade em pena principal, a possibilidade de opção pelo juiz penal pela aplicação aos jovens adultos de medidas previstas na Lei Tutelar Educativa (sempre que razões de prevenção geral ou especial a isso não obstem); a integração de reclusos no sistema nacional de saúde; o incremento dos programas de trabalho e formação profissional em meio prisional e o alargamento da escolaridade - e acrescentaria, porque não obrigatória para certos reclusos?; o alargamento da rede de casas de saída; integração das matérias de Direito da Execução das Penas e do Direito de Reinserção Social na formação dos juízes; elaboração de uma carta deontológica do funcionário prisional; a efectiva aplicação do plano individual de readaptação social (PIR), fundamental para o acompanhamento e a perspectivação do tempo de prisão; a intensificação da intervenção do Instituto de Reinserção Social e a clarificação dos seus modelos de actuação e de coordenação com a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.
O debate está lançado e deve ser consequente.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe-nos a inalienável responsabilidade de conseguir um sistema prisional digno, respeitador dos Direitos Humanos, que, inspirando aos cidadãos a confiança que devem ter no Estado enquanto garante da sua segurança, dê também aos também cidadãos reclusos as condições para o cumprimento da sua pena com dignidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O relatório da Comissão para a Reforma do Sistema Prisional, missão essa presidida pelo Prof. Freitas do Amaral, tem um diagnóstico da situação das prisões portuguesas que creio que é consensual. Todos sabemos, de há muito, que os estabelecimentos prisionais são, em si, um sistema de violação de direitos humanos, uma denegação de bastantes direitos fundamentais. O diagnóstico é dramático e impõem-se soluções.
O relatório apresenta um conjunto de soluções que creio serem bastantes convergentes, mas importa anotá-las porque se dirige para uma redução do recurso à pena de prisão efectiva, para uma redução do recurso à pena de prisão preventiva, para a flexibilização da execução das penas. Ou seja, o contrário do que foi há uns poucos de anos a esta parte (uma onda de demagogia política muito securitária, muito carcerária, muito feita da efectividade das penas).
É importante sublinhar porque creio que a perspectiva prisional da ressocialização, da reintegração social tem tudo a ganhar com esta nova perspectiva do que deve ser a gestão da pena privativa de liberdade.
Também no relatório da Comissão presidida pelo Prof. Freitas do Amaral tem especial incidência tudo o que tem a ver com a reinserção social e um conjunto de outros meios. Sobre isso creio que não nos dividiremos.
Sr.ª Ministra da Justiça, as perguntas são claras e concretas.

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Em primeiro lugar, quanto às medidas propostas e que se fazem acompanhar de um anteprojecto de uma proposta de lei, gostaríamos de saber não apenas a assunção da vontade política do Governo em relação ao relatório, mas em relação ao próprio anteprojecto da proposta de lei da autoria do Prof. Freitas do Amaral. Será que o Governo e a sua vontade política encaminham naqueles prazos, naqueles faseamentos todo o sentido da reforma? Tomará uma parte ou um todo daquele anteprojecto? Exactamente e em concreto, como vai iniciar a reforma?
Há outras questões que se colocam. É evidente que é necessário um fortíssimo investimento público, seja ele faseado, plurianual, mas, repito, um fortíssimo investimento público, e que exista suficiente solidariedade governamental do Sr. Primeiro-Ministro, da Sr.ª Ministra das Finanças para esse forte investimento público. O discurso da Sr.ª Ministra, até hoje, é exactamente o de que o investimento não é o fundamental neste sector. Mas, agora e nestas circunstâncias, para a reforma do sistema prisional é óbvio que o investimento é absolutamente essencial porque senão ficaremos por um mero enunciado de intenções. Mas não desbastaremos essas instalações de violação dos direitos humanos, que são um conjunto de estabelecimentos que em si devem, pura e simplesmente, ser eliminados e outros fortemente alterados.
Sr.ª Ministra da Justiça, o Sr. Prof. Freitas do Amaral e a Comissão recomendam a nomeação de uma comissão de peritos para que analise com urgência medidas que tenham a ver com o estudo da toxicodependência e de situações de doenças infecto-contagiosas associadas à toxicodependência em meio prisional e que essa comissão de peritos possa pronunciar-se acerca de medidas de programas de redução de riscos, como sejam, eventualmente, as trocas de seringas em meio prisional ou salas de injecção assistidas e outras.
A Sr.ª Ministra está em condições de nos dizer se vai nomear com urgência essa comissão de peritos? Ou, pura e simplesmente, esse aspecto do relatório irá ficar para as "calendas gregas"?

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministra, hoje V. Ex.ª vem trazer a esta Câmara o que assume ser a reforma do sistema prisional a partir do estudo feito pelo Prof. Freitas do Amaral.
Gostaria de começar por dizer-lhe - e já hoje o afirmámos nesta Câmara - que porventura o maior contributo do estudo do Prof. Freitas do Amaral foi ter confirmado em absoluto o excelente trabalho que a Provedoria da Justiça tem vindo a fazer ao longo de anos, designadamente caracterizando como muitíssimo grave a situação no sistema prisional, elencando um conjunto muito grande de recomendações que, lamentavelmente e como sabe, não têm um carácter vinculativo.
Portanto, no essencial, o grande mérito é, julgo eu, com outro comprometimento político, sintetizar muitas das questões que tinham sido colocadas ao longo de anos, designadamente as questões da sobrelotação, da não separação de regimes e de reclusos com diferentes graus de criminalidade e responsabilidade, da ausência de planos de reinserção social ao longo de toda a trajectória em prisão dos reclusos, bem como as questões que têm a ver com problemas de saúde, a falta de assistência, a permanência de situações terceiro-mundistas que envergonham o nosso país, designadamente do ponto de vista sanitário, e ainda outros aspectos.
Sr.ª Ministra, é neste quadro concreto que tenho algumas perguntas para lhe fazer.
A Sr.ª Ministra está há dois anos à frente do Ministério. Há um conjunto de questões que de há muito se colocavam como prioritárias. Aquilo a que temos assistido é a um corte orçamental, designadamente em relação à reinserção social, e a prova é que a reincidência aumentou, tendo passado de 44% para 51%. Há inclusivamente grandes problemas do ponto de vista da assistência de saúde. Com que orçamento em concreto é que esta reforma se vai fazer? Como é que as questões de prevenção de risco vão ser equacionadas, tendo em conta que parte da população é toxicodependente? Por último, ao contrário do que diz o Sr. Ministro da Administração Interna, não tendo crescido a alta criminalidade, em que medida é que se justifica investir num estabelecimento de alta segurança em Monsanto?

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos vindo a salientar de forma extremamente positiva o relevante contributo dado pelo Prof. Freitas do Amaral e pela Comissão relativamente à avaliação do nosso sistema prisional. Cremos que esse relatório permite, tanto aos operadores judiciários,

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em particular, como à opinião pública, em geral, tomar uma consciência mais nítida dos problemas, e tantos são, que o nosso sistema prisional continua a atravessar.
Mas, sinceramente, o que não compreendemos é que o Ministério da Justiça, a Sr.ª Ministra da Justiça, em particular, tenha precisado de estar um ano à espera para poder tomar consciência dos verdadeiros problemas do sistema prisional português, como se antes não tivesse havido alertas bastantes, desde a Comissão dos Direitos Humanos, da Ordem dos Advogados aos relatórios do Sr. Provedor de Justiça, às tomadas de posição da Subcomissão de Justiça e Assuntos Prisionais da Assembleia da República, como se não tivéssemos nós, responsáveis políticos, há muito, obrigação de conhecer esta realidade e, portanto, condições para ir preparando as medidas de resposta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, a propósito de medidas de resposta, vale a pena tomarmos consciência de que desde a segunda metade da década de 90 até agora aumentaram, no sistema prisional, em cerca de 3300, os lugares de acolhimento e que na década anterior não tinha havido qualquer aumento! Zero! Por isso, vale a pena que nos perguntemos verdadeiramente quem é que foi responsável, politicamente responsável, pela enorme inércia em que o nosso sistema prisional se encontrou e quem é que fez um esforço efectivo para retirá-lo dessa mesma inércia.
Mas, no mesmo dia em que estava previsto que o Sr. Prof. Freitas do Amaral poderia vir à 1.ª Comissão apresentar com detalhe o seu relatório, que por alguma razão não pôde estar aí presente, o que vimos foi a Sr.ª Ministra da Justiça apresentar, permita-me que lhe diga, em pior aquilo que, certamente de forma mais detalhada, poderíamos saber da parte do Presidente da Comissão.
Mas a Sr.ª Ministra da Justiça esqueceu-se de fazer aqui o seu papel fundamental. E o seu papel fundamental era, necessariamente, ao vir apelar a um largo consenso nesta Câmara, calendarizar as medidas de reforma que o Governo em concreto se propõe realizar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Quais!

O Orador: - E, acerca disso, Sr.ª Ministra da Justiça, nada ouvimos! Ouvimos a Sr.ª Ministra discretear sobre as avaliações do relatório, sobre as orientações propostas pelo relatório, mas, verdadeiramente, continuamos a nada saber. O que pensa o Governo? O que quer o Governo? E com que meios é que o Governo se apresenta para concretizar em investimento real e concreto esta proposta de modernização do sistema prisional?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, o problema continua basicamente na mesma, e na mesma é preocupante.
A Sr.ª Deputada Teresa Morais, permita-me que o refira, fez aqui, há pouco, uma intervenção importante. Chamou-nos à atenção, a todos, para as realidades conhecidas, designadamente, que mais de 2000 reclusos continuam sem condições de dignidade, higiénicas e de saúde, minimamente adequadas à condição humana. Qual foi a resposta que o seu Ministério, na sua vigência, deu até agora?

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem perguntado! É isso!

O Orador: - Enquanto do passado encontrou praticamente pronta para abrir a cadeia da Carregueira e está para abrir, porque estava praticamente pronto, o estabelecimento feminino do Norte, justamente, para poder recolher as mulheres em condições adequadas, o que é que a Sr.ª Ministra tem para nos oferecer? O compromisso do Governo de investir mais de metade do investimento público disponível para o sistema prisional num estabelecimento de alta segurança, que levará, na melhor das hipóteses, pouco mais de 200 reclusos.
Ou seja, a prioridade do Governo não é aproveitar as alas de segurança especial dos estabelecimentos prisionais existentes e dedicar toda a sua capacidade de investimento e de modernização, para resolver os problemas ditos há pouco pela Sr.ª Deputada Teresa Morais! Nada disso! O que a Sr.ª Ministra quer é, numa lógica verdadeiramente cega perante as realidades enunciadas pelo relatório, fazer uma cadeia de alta segurança em vez de resolver os problemas básicos e prioritários da dignidade elementar dos nossos reclusos!

Aplausos do PS.

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O que significa, obviamente, que há um desfasamento completo entre a linha de orientação, ou de desorientação, do Ministério da Justiça e as orientações para as quais se dirige o relatório do Prof. Freitas do Amaral, e é isso, Sr.ª Ministra da Justiça, que temos de tirar a limpo.
Portanto, permita-me que lhe diga, com toda a franqueza, o seguinte: disponibilidade, da nossa parte, para o trabalho positivo, construtivo, participado, com certeza que sim, mas temos de saber em que bases é que o Governo o quer colocar.
E como a Sr.ª Ministra da Justiça até ao momento nada disse, das duas uma: ou até que o debate se encerre vamos, finalmente, saber o vosso calendário, a vossa programação concreta, o vosso grau de adesão efectivo às medidas apresentadas no relatório, ou mais uma vez não saberemos isso. E se não soubermos isso, Sr.ª Ministra da Justiça, certamente vamos ter de ouvir o Sr. Prof. Freitas do Amaral, na 1.ª Comissão, e de dizer à Sr.ª Ministra: "venha cá outra vez, para finalmente concretizar o programa que ainda não sabemos".
Será que a Sr.ª Ministra o sabe e, porventura, com alguma reserva da sua parte não o quis dizer na sua intervenção…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - … ou, pelo contrário, a Sr.ª Ministra da Justiça está agora a naufragar nas orientações do Prof. Freitas do Amaral à espera que sejamos nós a definir as prioridades que ainda não foi capaz de estabelecer?!

Aplausos do PS.

Vozes do CDS-PP: - Péssima intervenção!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Srs. Deputados: Nós compreendemos a necessidade que a Sr.ª Ministra sentiu de vir aqui discursar perante a Assembleia da República, trata-se de procurar desmentir uma imagem de paralisia do seu Ministério, que é compartilhada não apenas pela oposição mas também por vastos e bem identificados sectores da própria maioria.
O Ministério da Justiça tem sido notícia, sobretudo, por más razões e a Sr.ª Ministra tenta, hoje, que seja notícia por boas razões, mas não nos traz qualquer medida concreta; traz-nos a notícia de uma reforma que há-de vir num futuro mais ou menos longínquo. A Sr.ª Ministra fala já não nesta mas nas próximas legislaturas que se seguirão à actual.
A Sr.ª Ministra tem na sua posse um relatório sobre o sistema prisional, que contém aspectos interessantes, embora alguns não sejam propriamente novidade e outros sejam discutíveis. Contudo, a questão que se coloca nem é a de discutir o relatório - teremos oportunidade de o fazer com os seus próprios autores, segundo espero; é a de saber, perante este relatório e perante outros, designadamente perante um trabalho notável que vários provedores de justiça têm vindo a desenvolver sobre o sistema prisional, o que é que o Governo vai fazer. E é relativamente a isso que o discurso do Governo não passa de algumas generalidades.
Temos de reconhecer que o discurso da Sr.ª Ministra, hoje, é muito diferente do discurso que o CDS-PP tinha quando estava na oposição.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Já cá faltava essa!

O Orador: - O discurso do CDS-PP era o discurso da demagogia populista, segundo o qual "os polícias prendem-nos e os juízes soltam-nos", e ainda bem que o CDS-PP já deixou esse discurso. Agora, que a Sr.ª Ministra tem de gerir o sistema prisional e se confronta com as suas dificuldades, esse discurso foi significativamente alterado.
Simplesmente, pensamos que a questão não pode ser analisada do ponto de vista da sustentabilidade do sistema mas, sim, do ponto de vista dos direitos humanos e daquilo que é essencial para salvaguardar a função fundamental do sistema prisional. Isto é, nós não defendemos medidas alternativas à reclusão porque as prisões estão cheias; defendemo-las porque são importantes para a protecção da sociedade e dos valores que devem ser efectivados através do sistema, do ponto de vista da defesa dos direitos humanos.
A questão que importa colocar é esta: está o Governo na disposição de fazer um investimento, que é necessário, para melhorar significativamente as condições em que funciona o sistema prisional? Era esse

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compromisso concreto, com metas orçamentais, que gostaríamos que o Governo aqui assumisse e não assumiu.
E, já agora, coloco uma pergunta muito concreta: está o Governo na disposição de garantir que a assistência médica aos reclusos do sistema prisional seja assegurada através do Serviço Nacional de Saúde, como tem vindo a ser reclamado nos últimos tempos e como, aliás, é referido no próprio relatório? É uma questão muito concreta! O Governo está disposto a isso ou não?
E é sobre questões e medidas muito concretas e não sobre ideias vagas que gostaríamos de ouvir, hoje, aqui, a Sr.ª Ministra!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Na opinião da bancada do CDS-PP, este é, com toda a certeza, um estudo positivo; é um estudo positivo porque foi feito com bases científicas sérias e sólidas, com uma análise histórica e de direito comparado e até chegou, em algumas matérias, a resultados verdadeiramente surpreendentes.
Mas comecemos pelo estudo propriamente dito.
Este estudo tem uma enorme diferença em relação a outros que outros faziam: é que esses estudos normalmente iam para a gaveta e este, temos a certeza, vai ser implementado,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … porque tem a enorme diferença, Sr. Deputado Jorge Lacão, de já ter as suas fases, as acções a tomar, totalmente determinadas, bastando para isso ver os artigos 42.º e seguintes da proposta.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Não leu!

O Orador: - Com certeza que essa leitura vai ajudar aqueles que têm dúvidas em relação a muitas das atitudes que vão ser tomadas.
Mas, em relação às suas principais conclusões, nota-se a preocupação com a questão da sobrelotação e com a necessidade de incentivar uma faceta de natureza social na vida das prisões.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação às causas da sobrelotação, há resultados surpreendentes: a mesma não se deve, em comparação com os outros Estados de União Europeia, ao excessivo número de presos preventivos; a mesma não se deve a excessivas condenações em prisão preventiva; a mesma deve-se, desde logo, a uma falta de investimento verdadeiramente estrutural que se sentiu em Portugal durante vários anos e que levou a que não estivéssemos prontos para situações como estas.
Mas também há, com certeza, outras questões relativas à execução de penas e à determinação de algumas situações concretas no plano penal. E é precisamente por isso, e para acalmar o Sr. Deputado António Filipe,…

O Sr. António Filipe (PCP): - Estou calmo!

O Orador: - … que determino a posição do CDS-PP. Ela baseia-se, obviamente, em dois pontos essenciais: por um lado, saber quais são as condições das cadeias portuguesas e, por outro lado, a determinação de um sinal social que tem de ser assumido.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É do equilíbrio entre estes dois pontos que se deve fazer a política penal português, não é puxando para um lado ou para o outro; é no meio, com toda a certeza, que está a virtude. É esse o caminho que pretendemos, é esse o caminho que terá o apoio desta bancada, porque acreditamos que as reformas são para fazer.
Há reformas que marcam. Esta é, claramente, uma delas e terá, com toda a certeza, Sr.ª Ministra, o apoio da bancada do CDS-PP.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra à Sr.ª Ministra da Justiça, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Morais para indicar qual o tema da sua interpelação à Mesa.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão citou por diversas vezes a minha intervenção e eu apenas pedia ao Sr. Presidente autorização para lhe responder em 30 segundos, em relação aos comentários que fez.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, isso não está previsto regimentalmente, por isso, não posso dar-lhe a palavra para esse efeito.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr. Presidente, eu também não queria usar uma falsa interpelação à Mesa, por isso não lha pedi.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada terá, com certeza, ocasião de esclarecer o Sr. Deputado Jorge Lacão, mas não durante o debate.
Tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria de agradecer a todos os Srs. Deputados que intervieram sobre esta matéria e de me associar a alguns deles, que afirmaram que não nos dividiremos neste domínio e nesta reforma.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - É também um compromisso da minha parte, porque isso corresponde à minha maneira de ser e de viver. Eu não sou um enunciado, eu sou uma afirmação e a reforma do sistema prisional vai ser uma realidade!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do PCP, do BE e de alguns Deputados do PS.

Queria também dizer que anotei algumas das questões que me foram colocadas e gostaria de começar por lhes dar resposta.
Em primeiro lugar, queria referir que esta minha vinda aqui é o início de um debate público que vai ser realizado.
Aliás, já pedi à Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão que agendasse uma reunião para, com mais detalhe e mais rigor, eu poder discutir aprofundadamente com a Assembleia da República a reforma do sistema prisional, o que espero vir a ocorrer brevemente, pois há algumas matérias e questões que nesta sede não poderão ser respondidas.
Srs. Deputados, a preocupação com o nosso sistema prisional, com as condições de pouca dignidade e de pouca segurança que nele coexistem, é - e não aceito que seja mais de alguém do que de mim própria - uma preocupação que tenho todos e cada dia, por isso trabalhámos silenciosamente, por isso decidimos ter um diagnóstico rigoroso e exaustivo desta situação Não se trabalha fazendo barulho, Srs. Deputados!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Exactamente!

A Oradora: - Trabalha-se actuando com rigor e com atenção!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Foi isso que fizemos e é por isso que hoje começamos aqui a discutir não apenas um diagnóstico, não apenas um conjunto de números que cada um dá consoante lhe parece mais adequado…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - … mas, sim, um conjunto de medidas para ajudar a resolver, em tempo adequado, os

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problemas do sistema prisional português, procurando que, no espaço que pré-determinámos, ele possa ser idêntico aos sistemas que coexistem nos países comunitários.

O Sr. José Magalhães (PS): - E as medidas?

A Oradora: - Sr.ª Deputada Teresa Morais, também eu gostaria de fazer um anúncio que me parece importante para a Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Finalmente!

A Oradora: - Os senhores, se tiveram calma, vão ter mais anúncios!… Mas têm de ter calma, Srs. Deputados, porque a crispação e o barulho não resolvem o problema do sistema prisional!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, o Governo já decidiu - aliás, tenho esse projecto em meu poder - eliminar o balde higiénico até final de 2006.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Devo dizer que temos 2037 lugares nos nossos estabelecimentos prisionais, um deles totalmente central e os outros regionais, na maior parte deles a 100%, com balde higiénico. Em 2004, eliminaremos 648 lugares nessas condições, em 2005, 680 lugares e, em 2006, 638 lugares.
Julgo, Srs. Deputados, que a urgência e a necessidade desta reforma poderia ter legitimado que este problema já tivesse sido ultrapassado. Ainda não o foi, mais vai sê-lo em 2006!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A violação de um dos princípios fundamentais, o da dignidade, que norteou este Governo na resolução da reforma do sistema prisional, vai estar eliminada em 2006.
Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª referiu a questão da eventual existência de um estabelecimento de segurança especial a par das zonas de segurança.
O Sr. Deputado não sabe - admito que haja, porventura, muitas lacunas -, mas apenas no Estabelecimento Prisional do Linhó existe uma zona de segurança. Sabe o senhor, aliás, sabemo-lo todos nós, que a criminalidade violenta, a criminalidade perigosa, que gera instabilidade no conjunto do sistema prisional, carece de ser eliminada. Com isto não estou a dar-vos nenhuma novidade, a única novidade que estou a dar-vos é que há um conjunto de prioridades assumidas - já identifiquei hoje duas, pelo menos - e que vão ser resolvidas.
Resolver esses problemas, contando com os Estabelecimentos Prisionais de Passos de Ferreira e do Linhó e com um estabelecimento de segurança especial, permitirá uma reforma do sistema prisional no seu conjunto, privilegiando a reinserção social.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

A Oradora: - Sim, Srs. Deputados, a reinserção social, as casas de saída, a formação e a educação são prioridade deste Governo! Sim, Srs. Deputados, é a minha prioridade, assumidamente!
Quero dizer-lhe, aliás, Sr. Deputado Jorge Lacão, que vamos constituir a comissão de peritos. Sabe porquê? Porque a maior parte dos dados que pululam por aí são lançados sem critérios científicos! Não é essa a minha maneira de realizar aquilo que é necessário fazer!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Vamos empossar essa comissão, Sr. Deputado, e vamos encontrar resultados efectivos!
Já agora, deixe-me dizer-lhe que nos nossos estabelecimentos prisionais existem, neste momento, 932 detidos a receber tratamento para a toxicodependência e 766, dos cerca de 8,7% de doentes infectados com o vírus da Sida, estão em tratamento.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

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A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, o último estudo a sério sobre a matéria foi feito no Porto, há quatro ou cinco anos. É tempo de deixarmos de falar de mais, é tempo de realizarmos aquilo que os portugueses nos pedem que realizemos!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 45 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, sobre alterações climáticas.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Sr.as e Srs. Deputados: O aquecimento global é indiscutivelmente um dos mais graves problemas ambientais deste século, um dos desafios políticos mais sérios da Humanidade que Portugal tem ignorado e com o qual o Governo - este Governo - tem, pura e simplesmente, andado a brincar! É uma atitude inadmissível perante um cenário dantesco que hoje se coloca, não no domínio da ficção mas, sim, da realidade.
É para esta realidade que a comunidade científica tem vindo a alertar e sobre a qual se densificam provas, acumulando certezas terrivelmente inquietantes, como o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas evidencia ao demonstrar que as acções humanas estão a alterar o clima, que essas alterações climáticas estão a produzir efeito significativo a nível físico e biológico e que o aumento das emissões poluentes, designadamente de gases com efeito de estufa, está a aumentar a temperatura.
Mais: demonstra que essa subida da temperatura, qualquer que ela seja, traz consigo a certeza da inevitabilidade da subida do nível do mar, logo, do risco de destruição de imensas zonas ribeirinhas, da maior violência das tempestades, de maior perigo de desaparecimento de áreas habitacionais, de maior frequência e intensidade das inundações e das secas, de modificações profundas no ciclo hídrico, também do aparecimento e proliferação de novas doenças, associadas ao calor ou à degradação da qualidade da água e do ar. Ou seja, a certeza da inevitabilidade do caos e da ruptura que porão irremediavelmente em risco a segurança, a saúde humana, o bem-estar, o equilíbrio e a preservação das condições ambientais, sociais e económicas que garantem as condições de vida na Terra se não forem tomadas medidas, se não forem desde já tomadas decisões políticas e se não houver um comprometimento efectivo - no nosso caso, inexistente - para estabilizar as emissões poluentes que provocam o efeito de estufa e este aquecimento e para operar mudanças significativas no modo como vivemos, como produzimos e como consumimos.
Uma ameaça global à segurança que, não obstante a atitude mantida pelos Estados Unidos da América, o maior poluidor do mundo, de tentativa de negação do fenómeno e de manutenção de uma atitude criminosamente unilateral perante esta ameaça planetária, o próprio Pentágono reconhece no seu relatório de segurança, ao qual o jornal The Observer teve acesso, em que se assume que a mudança climática pode vir a resultar, e já nos próximos 20 anos, numa catástrofe que poderá custar a vida a milhões de seres humanos, em guerra e desastres naturais.
É um cenário desastroso, a que Portugal também não poderá fugir, que o brilhante estudo elaborado no âmbito do Scenarios, Impacts and Adaptation Measures (SIAM) por uma equipa de cientistas coordenada pelo Prof. Filipe Duarte Santos veio antecipar, na definição da evolução do clima em Portugal, dos cenários previsíveis e dos seus impactes aos mais variados níveis: económicos, sociais e ambientais.
Um diagnóstico assustador na projecção de cenários, que chama a atenção para o aumento das secas verificadas e extremas, particularmente no sul do País, registado nos últimos 10 anos, e alerta para a diminuição do ciclo anual de precipitação e a sua maior intensidade e concentração nos meses de Inverno, com a ocorrência de chuvadas intensas e muito maior probabilidade de cheias.
O estudo alerta, de igual modo, para o aumento significativo da temperatura, que poderá atingir os 9ºC em algumas regiões do País, a par do aumento do número de dias em que a temperatura poderá exceder os 35ºC. Trata-se de uma situação que poderá permitir que em Lisboa esse número de dias aumente,

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passando de 8 para 50, aproximadamente.
O estudo chama ainda a atenção para as implicações ao nível da saúde humana, alertando-se para o aumento da mortalidade nos grupos de risco, concretamente asmáticos e idosos, em resultado de problemas respiratórios e da proliferação de doenças respiratórias e alérgicas, com repercussões sociais que não podem continuar a ser negligenciadas e que as mais de 2000 mortes ocorridas no Verão passado, na sequência da vaga de calor, vieram tragicamente confirmar.
Uma projecção que também se verificou ao nível da floresta, num estudo que referia o brutal aumento do potencial de risco de incêndios florestais e do número de dias em que a sua incidência se poderia verificar, os quais, como manifestamente se comprovou, vieram a destruir 5% do território.
É, pois, neste contexto que a posição assumida por Portugal de total negligência face a uma questão decisiva justifica este debate, que se realiza no contexto efectivo, e não formal, do dossier Quioto, precisamente no ano a seguir à maior vaga de calor registada.
Um debate que se realiza a escassas semanas do início do comércio de emissões, ao qual parte da economia estará ligado; um debate que se realiza perante um programa em discussão cujo conteúdo é vago nos compromissos, incipiente e falho de sustentabilidade na esmagadora maioria das propostas enunciadas, a maior parte das quais sem qualquer quantificação ao nível do custo/eficácia, e que em relação, por exemplo, a sectores estratégicos e nevrálgicos para a mudança da situação, como é o caso dos transportes, cuja derrapagem já se coloca acima de 120%, se limita a medidas quase caricatas, como a "condução económica" para condutores como meio de reduzir emissões.
Um programa que pela filosofia nele reflectida, porventura bem ao jeito do business as usual e de uma parte significativa daqueles que compuseram o grupo de trabalho (representantes da Boston Consulting Group), veio, de modo conformista, contrariando as afirmações do Governo a esta Câmara há um ano, confirmar as hipóteses inicialmente excluídas. Assim, acaba-se por conduzir, por inércia, à possibilidade de nos sujeitarmos a multas extremamente elevadas ou à hipótese de entrarmos no comércio internacional de direitos de emissão a preços que não poderemos antecipar com segurança, mas que serão seguramente, pelo incumprimento, o resultado da negligência e da desvalorização de todo este debate, de todo este desafio. Seguramente, o custo pelo incumprimento será pago pelos contribuintes portugueses.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no entendimento de Os Verdes, este debate de hoje remete-nos para aquilo que em Quioto está verdadeiramente em causa, ou seja, a possibilidade de se recuperar o atraso velho, de anos, do nosso país, a oportunidade de impor um novo paradigma tecnológico e mudanças que modernizem a nossa economia, o nosso aparelho produtivo e que permitam manter postos de trabalho e os compromissos a que estamos obrigados no plano ambiental. A oportunidade, que não deve ser desperdiçada, de pôr em prática os princípios da eco-eficiência, cuja urgência se compreende num País como o nosso, com uma dependência energética face ao exterior na ordem dos 90%, com um desperdício na ordem dos 20% e que continua a aumentar a intensidade energética ao invés de a reduzir. Este é verdadeiramente o conflito em causa.
Não se trata, pois, de uma velha querela entre Os Verdes e a economia, trata-se de compreender que a própria economia tem de modernizar-se, tem de ser colocada ao serviço dos cidadãos e do desenvolvimento. Trata-se de compreender que a sustentabilidade não é uma utopia mas, sim, uma condição de sobrevivência.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Presidente Bush não compreendeu, até hoje, esse dilema. Esperamos que o Governo, que o não tem compreendido, se revele hoje, finalmente, capaz de conseguir interpretá-lo.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção no período de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.

O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (Amílcar Theias): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria, antes de mais, de agradecer a oportunidade que me é dada de me dirigir novamente aos Srs. Deputados. É a terceira vez, no período de um mês, que me desloco a esta Assembleia e faço-o sempre com a mesma disponibilidade e com a mesma abertura a um diálogo que espero resulte esclarecedor para todos os intervenientes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sendo com todo o gosto que aqui me encontro, não posso deixar de referir que o carácter algo extemporâneo do agendamento desta discussão sobre alterações climáticas poderá impedir um

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debate mais aprofundado e clarificador sobre importantes instrumentos de âmbito nacional e comunitário, que se encontram em fase de ultimação.
A nível nacional, o PNAC (Programa Nacional para as Alterações Climáticas) encontra-se na recta final do período de discussão pública, depois de, em Dezembro último, a Comissão Interministerial para as Alterações Climáticas ter aprovado as medidas adicionais que este Governo introduziu ao cenário de referência.
O PNALE (Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão), elaborado ao abrigo da directiva europeia sobre comércio de emissões, encontra-se em fase avançada de discussão com os operadores económicos e espero que possa estar concluído até ao final do mês de Março.
A nível comunitário, prosseguem ainda discussões importantes sobre a introdução dos mecanismos de flexibilização baseados em projectos e previstos no Protocolo de Quioto, como sejam a implementação conjunta e o mecanismo de desenvolvimento limpo, e avizinham-se discussões sobre o seguimento das cimeiras de Lisboa e de Gotemburgo, que irão debruçar-se sobre o binómio inseparável "desenvolvimento sustentável alterações climáticas".
Permitam-me que saliente que o PNAC e o PNALE são exemplos bem representativos do trabalho fundamental que este Governo, em ano e meio de governação, tem conseguido levar a cabo no sentido de preparar Portugal para os desafios de Quioto e para o exemplo de auto-disciplina que a União Europeia se impôs ao antecipar as metas do Protocolo.
Mais: este trabalho é conduzido não só pelo imperativo ambiental que a questão das alterações climáticas coloca a todos os habitantes do planeta mas também pela noção de que, a par de algumas dificuldades para certos sectores produtivos, o nosso país pode, e deve, tirar partido das oportunidades que a aplicação dos compromissos de Quioto poderá criar para um crescimento eficiente e sustentável da nossa economia.
Sr.as e Srs. Deputados: Nem sempre é fácil encontrar, neste domínio das alterações climáticas, um caminho ponderado e razoável entre o dramatismo dos arautos da desgraça, que já antevêem uma hecatombe nuclear com data marcada, e um certo laxismo de outros, que descartam Quioto como uma ideia simpática mas inaplicável, apenas mais um propósito adiado sine die.
O cenário, convenhamos, é desanimador: os países que mais emissões de gases com efeito de estufa libertam para a atmosfera, como os Estados Unidos da América, a Rússia e a China, estão de costas voltadas para os compromissos de Quioto e a sua não ratificação do Protocolo impede a sua entrada em vigor.
Face a esta situação, no seio da própria União Europeia, tanto a nível do Conselho, como da Comissão, como do Parlamento Europeu, há quem questione o sentido e a validade das medidas que têm sido tomadas para a antecipação das metas de Quioto, a nível comunitário, para 2005.
A União Europeia não é, mesmo no seu conjunto, um dos principais poluidores. Se limitarmos a análise à esfera nacional, então é muito mais fácil concluir que às emissões nacionais de gases com efeito de estufa serão tudo menos determinantes no cenário global.
É natural que se coloquem perguntas e são perguntas pertinentes: se Quioto nunca for passado à prática em termos internacionais, se o Protocolo permanecer neste limbo e nele ficar afundado nunca entrando em vigor, que legitimidade terão as decisões comunitárias que antecipam compromissos que ficariam inexistentes? O que é que irá representar, em termos de benefícios ambientais, um esforço isolado da União Europeia quando todos sabemos que os efeitos deste tipo de poluentes não conhecem fronteiras? Fará sentido, em última análise, este voluntarismo europeu com a medida de esforço e de algum sacrifício que impõe aos seus Estados-membros?
Para este Governo, a resposta é claramente afirmativa: vale decididamente a pena trabalhar no sentido da aplicação dos compromissos de Quioto, independentemente da entrada em vigor do Protocolo!
O combate às alterações climáticas é uma oportunidade para colocar Portugal no caminho da eficiência energética, na menor dependência relativamente a fontes de energia externas, e em particular dos combustíveis fósseis, na aposta nas energias renováveis e no aumento e melhoria dos transportes públicos.
Esta opção confronta-se, no entanto, como é do conhecimento geral, com sérias dificuldades de natureza ambiental, traduzida na oposição sistemática à construção - estou a falar no caso das energias renováveis - de novos aproveitamentos hidráulicos, constituindo, assim, um dos grandes paradoxos da política ambiental, para o qual urge encontrar uma solução.
Posso já anunciar que, no que diz respeito a um dos empreendimentos sintomáticos desta realidade, o do rio Sabor, a Declaração de Impacto Ambiental será emitida no prazo de um mês.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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Este Governo está, assim, empenhado em desenvolver medidas nas áreas das energias renováveis e da melhoria da eficiência energética do Produto Interno Bruto, dos transportes à agricultura. Portugal tem, nestes domínios, inúmeras lacunas, que poderão corresponder a outras tantas oportunidades que devemos aproveitar.
Os mecanismos de flexibilização baseados em projectos, previstos no Protocolo de Quioto, representam um outro conjunto de oportunidades e abrem novas perspectivas à cooperação de Portugal no domínio do ambiente com países menos desenvolvidos, em particular com os países lusófonos.
A criação, por exemplo, de um Fundo Português de Carbono, envolvendo agentes públicos e privados - é necessário envolver a iniciativa privada nesta tarefa -, de empresários a instituições financeiras nacionais ou internacionais, como o Banco Mundial, o BEI e bancos regionais para o desenvolvimento, poderá ser uma forma de financiar esses projectos nos PALOP, diminuindo os custos directos que incidiriam sobre os sectores da indústria nacional e melhorando as condições de vida e habitabilidade em países com os quais temos profundas ligações.
Por tudo isto, cumprir Quioto pode ser, repito, uma importante alavanca para o crescimento eficiente e sustentável da nossa economia.
A alternativa, certamente mais cómoda e mais fácil, de meter Quioto na gaveta, seria, citando Virgílio Ferreira, "um erro à espera de vez", um gravíssimo erro, que deixaria o nosso país ligado, porventura irremediavelmente, a um modelo de desenvolvimento sem futuro, auto-inibidor e insustentável.
O combate às alterações climáticas requer um amplo consenso nacional, porque as medidas propostas irão ter implicações em diversos sectores económicos.
Este Governo está empenhado em dialogar com os parceiros sociais para gerar esse necessário consenso nacional; está empenhado em reduzir as emissões poluentes que contribuem para o aquecimento global; e está decididamente empenhado em continuar a trabalhar para desenvolver Portugal de uma forma equilibrada e sustentável, mas sem dramatismos.
Temos de transformar a adversidade em oportunidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à primeira ronda de intervenções.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, do partido que requereu o agendamento da iniciativa.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: Em primeiro lugar, importa dizer que este debate é, de facto, oportuno e que as discussões públicas que se fazem em torno dos documentos não impedem, obviamente, que a Assembleia da República os debata. Importa que o Sr. Ministro tenha disso consciência, sob pena de vir exclusivamente à Assembleia da República falar sobre factos consumados. E aí, sim, a discussão seria tardia.
Por outro lado, o Sr. Ministro tem de definir a sua posição em relação a prioridades assumidas no que respeita ao dossier Quioto. Isto porque nos grandes debates que se fazem na Assembleia da República, nomeadamente no Plenário - por exemplo, a interpelação que Os Verdes fizeram em Maio do ano passado e a que fazem hoje -, o Sr. Ministro considera - e considerou - que este é um dossier sobre o qual recai a sua prioridade. Hoje referiu inclusivamente que importa cumprir Quioto mesmo que o Protocolo não entre em vigor. Mas na Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, em Janeiro último, o Sr. Ministro não assumiu essa posição. Nessa altura referiu mesmo, em relação às alterações climáticas, que "não devemos aqui ser mais papistas do que o Papa; não dispensa que vamos fazendo o nosso trabalho de casa, mas não vale a pena estar a antecipar situações que não tenho a garantia que venham a ocorrer da forma como são apresentadas neste momento."
Ou seja, pela conversa do Sr. Ministro, os Estados Unidos desvincularam-se completamente do Protocolo de Quioto, a Rússia continua a adiar a ratificação do Protocolo de Quioto, as divergências que existem na União Europeia podem levar até à não concretização e à desvalorização do acordo de partilha de responsabilidades, o que nos livraria do pagamento de umas multas pesadas, pelo que, pela minha interpretação das palavras do Sr. Ministro, teríamos, obviamente, mais com que nos preocupar.
Portanto, o Sr. Ministro tem procurado não dramatizar a questão, quando todos os relatórios que surgem relativamente a esta matéria são dramáticos quanto às consequências que poderão resultar das alterações climáticas ao nível mundial, onde, obviamente, a União Europeia - todos os países da União Europeia, incluindo Portugal - tem uma particular responsabilidade.
É por isso, Sr. Ministro, que não compreendemos como é que as medidas adicionais apresentadas em relação ao Programa Nacional para as Alterações Climáticas demonstram uma clara insuficiência no que respeita aos objectivos a atingir, porque elas apontam para a incapacidade que os sucessivos governos

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têm tido na aplicação de medidas de combate às alterações climáticas, porque elas apontam claramente para a incerteza dos resultados das medidas indicadas e porque apontam também, claramente, para a insuficiência destas medidas.
Isto significa que o Governo português está pronto para as seguintes soluções: para o comércio de direitos de emissão vamos, como o Sr. Ministro disse, gastar dinheiro no estrangeiro que deveríamos estar a aplicar, fundamentalmente, no sector da energia e dos transportes em Portugal; para - e penso que estas vão ser as suas duas únicas medidas concretas que, nesta área, o Governo se prepara para tomar -- a criação de uma taxa de carbono que financie o comércio europeu de emissões. Ou seja, o Sr. Ministro vai pôr os contribuintes a pagar duas vezes: não só como consumidores mas também como contribuintes, que pagam impostos ao Estado, um Estado que se recusa, claramente, a direccionar uma parte desses impostos para um combate necessário em Portugal - o combate às alterações climáticas.
Isto para não dizer já que os portugueses vão também continuar a pagar com a sua saúde a incompetência e a inabilidade do Governo relativamente ao combate às alterações climáticas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Ofélia Moleiro.

A Sr.ª Maria Ofélia Moleiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado: O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, em Maio de 2003, na sua primeira intervenção nesta Assembleia, indicou que um dos três dossiers que mais o preocupavam, e que considerou um dos principais desafios ambientais dos nossos dias, era o relacionado com a questão do cumprimento das metas do Protocolo de Quioto sobre as Alterações Climáticas.
Referiu, então, que nos encontrávamos numa situação difícil relativamente a esses objectivos como consequência da nossa ineficiência energética, mas em Outubro já nos anunciava uma portaria para controlo do uso do coque de petróleo pela indústria, que, como se sabe, produz efeitos nocivos na atmosfera. E ainda anunciava outra medida: a agilização dos procedimentos relativos ao licenciamento de parques eólicos, desbloqueando investimentos no valor de mais de 100 milhões de euros.
O resultado, hoje, está à vista!
A agilização dos processos já teve consequências: aprovaram-se mais parques eólicos desde então do que nos últimos cinco anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Porém, Sr. Ministro, o que Os Verdes nos trazem hoje é um repetido diagnóstico. Já o conhecemos há muito tempo. Nada de novo, portanto.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Por que é que nada fazem se já o conhecem??...

O Orador: - A Sr.ª Deputada "saiu na estação errada", saiu antes de nós. Nesta matéria estamos mais avançados do que Os Verdes; já ultrapassámos a "fase do diagnóstico". Estamos noutra "estação", Sr.ª Deputada; na da fase de implementação das medidas! Portanto, chegaram atrasados!!
Com efeito, as medidas do PNAC, em consonância com o Programa do Governo, foram delineadas na óptica de integração das políticas ambiental, económica e energética. Aliás, a política energética nacional integra esses mesmos objectivos, focando a necessidade de a economia nacional internalizar os custos ambientais. No novo PNAC reparte-se equitativamente entre sectores o esforço de redução de emissões, conjugando com políticas públicas de redução.
O sector dos transportes, que V. Ex.ª, na sua primeira intervenção, referiu ser prioritário, é objecto de cerca de metade das medidas adicionais. Elas destinam-se a incentivar a transferência modal, usando o transporte público em substituição do automóvel.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Como é que incentiva o transporte colectivo?

A Oradora: - O PNAC contém incentivos a compras menos poluentes, como, por exemplo, a aquisição de carros que produzam menos emissões de carbono.
O anterior governo, que tanto mediatizou, com a sua apetência propagandística, "O dia sem carros", afinal, pasme-se, fomentou a utilização das viaturas particulares.
Mas o nosso Governo está a inverter a situação.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Como?

A Oradora: - Por isso se repõem portagens, se restringe a circulação nalgumas cidades e se implementam transportes públicos menos poluentes. E, Sr.as Deputadas de Os Verdes, permitam-me uma observação sobre algo que me espanta: o único partido ecologista de toda a Europa que não concorda com as portagens são Os Verdes portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É uma incoerência verde.
Actualmente, no cumprimento do Protocolo de Quioto, a União Europeia está à frente do resto do mundo. A directiva que cria um sistema de comércio europeu de licenças de emissão permite utilizar, pela primeira vez, um mecanismo de mercado para combater um problema ambiental.
Portugal deve orgulhar-se de estar no grupo dos países mais avançados do mundo, que é o grupo da União Europeia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Que vergonha!

A Oradora: - Em 2006 ou 2007, Portugal estará no pelotão dos 20 países da frente na adopção de medidas para cumprimento do Protocolo de Quioto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - A comprar poluição?...

A Oradora: - Neste sentido, Sr. Ministro, as questões que lhe coloco são as seguintes: As empresas portuguesas vão cumprir mais cedo do que os outros sectores ou, pelo contrário, vão ter ganhos e uma boa oportunidade de mercado?
É que sabemos que se não combatermos o problema das alterações climáticas vamos ter de pagar entre 300 a 600 milhões de euros/ano, o que significa entre 0,3% e 0,5% do PIB. Este é o custo de nada fazer para cumprir as nossas obrigações internacionais em matéria de clima.
São os custos da acção inferiores aos da inacção?
Estas medidas fazem perder a competitividade da economia portuguesa ou, pelo contrário, incrementam-na?
É uma boa hipótese para a indústria nacional alterar as fontes de utilização energética e a sua reconhecida ineficiência?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: um dos mais graves problemas estruturais da nossa economia, constituindo mesmo o seu principal entrave, é a baixa produtividade - a carga energética gasta por cada unidade de PIB produzido é elevada.
Se, com as medidas do PNAC, conseguirmos diminuir essa relação através do reequipamento da indústria, haverá impacto sobre a modernização da indústria e aumento da produtividade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O PNAC considera - e bem! - que a indústria, apesar de poluidora, não é parte do problema, pois ela é criadora de riqueza e alavanca do nosso desenvolvimento. Pelo contrário, a indústria é assumida como parte da solução.
Sr. Ministro, como consegue o PNAC resolver esta aparente contradição?
Sr. Presidente, Sr. Ministro: Após as questões que coloquei permitam-me algumas considerações.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se.

A Oradora: - Termino já.

O Sr. Presidente: - Espero que sim.

A Oradora: - O ambiente, e em particular o dossier sobre alterações climáticas, está na agenda política portuguesa ao mais alto nível. Ainda recentemente foi uma das principais preocupações e prioridades referidas no discurso do Primeiro-Ministro.

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Preservar o ambiente, melhorar a qualidade do ar, evitar as catástrofes decorrentes das alterações climáticas é uma missão nacional, que não se compadece com lutas partidárias.
A atitude colectiva, política, exige atitude individual, para a qual estamos todos convocados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo tem todos os motivos para se apresentar embaraçado neste debate sobre as alterações climáticas.

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - O desnorte e a inacção no que se refere à política do ambiente atingiram, de forma grave também, a política para as alterações climáticas e o vazio da intervenção do Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente sobre esta matéria fala por si.
Sr. Ministro, o Governo tinha uma tarefa clara: a de aprovar as medidas adicionais ao Programa Nacional para as Alterações Climáticas. Acontece que o Governo não tomou posse há dois dias, há duas semanas ou há dois meses; vai fazer dois anos de exercício de funções dentro de pouco mais de um mês e apresenta-se hoje, neste debate, sem ter aprovado as medidas adicionais ao Programa Nacional para as Alterações Climáticas!!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Essa é que é a verdade!

O Orador: - Portanto, pode o Sr. Ministro falar longamente sobre a problemática global das alterações climáticas, mas aquela que era a sua tarefa, aquela que era a tarefa do Governo, não foi executada. O Governo apresenta-se aqui, hoje, sem a ter cumprido.

Aplausos do PS.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente tinha anunciado que essas medidas adicionais seriam aprovadas antes do Verão passado. O Sr. Ministro veio aqui, a esta Assembleia, anunciar que essas medidas adicionais seriam aprovadas no final de 2003, dizendo que era preferível fazê-lo do que optar por pagar multas em matéria de alterações climáticas ou, então, optar pelo comércio europeu de emissões.
A verdade é que não cumpriu. Pelo contrário, o que sabemos hoje é que o Governo não tem essas medidas adicionais aprovadas e tenciona avançar com o tal comércio europeu de emissões, que tinha dito que não era uma boa solução.

Pausa.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente escusa de fazer essa cara de espanto, porque não só o Sr. Ministro, nesta Assembleia, recusou expressamente a solução do comércio europeu de emissões como V. Ex.ª também aqui, nesta Assembleia, quando era Deputado do PSD, num debate realizado no dia 28 de Março de 2001, recomendou ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente de então - que admitiu essa possibilidade - que estudasse melhor a lição, porque essa seria uma opção disparatada.
Acontece que o programa que o Governo colocou à discussão pública é uma mão cheia de nada quanto às opções políticas concretas.

Protestos do PSD.

O Sr. Ministro colocou à discussão pública um programa que fala de uma taxa sobre o carbono, só não nos diz quem vai pagar, quando vai pagar e quanto vai pagar; anuncia nesse programa um aumento das portagens, só não diz quais as portagens que vão aumentar nem quanto vão aumentar; admite um aumento dos combustíveis, mas não diz quanto nem quais os combustíveis que vão aumentar; refere ainda a existência de uma taxa sobre o metano, só não sabe ainda dizer quem vai pagar e quanto vai pagar; admite, com certeza, uma reforma do imposto automóvel, só não sabe dizer como nem quando é

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que essa reforma vai acontecer.
Portanto, no que diz respeito às medidas de política para as alterações climáticas, às medidas centrais do programa que foram apresentadas, a verdade é que se fez uma discussão pública sobre coisa nenhuma porque sobre o essencial o Governo não sabe o que vai fazer amanhã.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Depois, Sr. Ministro, julgo ter percebido da sua intervenção que a única medida concreta que tem em mente, no imediato, é no prazo de um mês emitir uma declaração de impacto ambiental sobre o empreendimento do Sabor. Gostava que o Sr. Ministro esclarecesse esta Câmara se todos o compreendemos bem, ou seja, se a medida que o Governo preconiza adoptar é emitir uma declaração de impacto ambiental favorável que vai viabilizar a construção de uma grande barragem no rio Sabor, instalado em Rede Natura.
Finalmente, Sr. Ministro, quanto à questão do comércio de emissões, o Governo está a poucos dias de ter de apresentar, em Bruxelas, um programa sobre o comércio de emissões, mas até ao momento não foi capaz de dizer como é que vai funcionar esse programa. Sabemos algumas coisas: sabemos que a economia se faz representar no grupo de trabalho que está a preparar esse programa por um consultor da indústria e, uma semana depois, ficámos a saber que o Governo cede à indústria no comércio de emissões.
Sr. Ministro, o Governo está desconcertado com as empresas em matéria de política ambiental. E não somos só nós que o dizemos!! O agora Secretário de Estado da Ciência também o disse numa entrevista ao Diário de Notícias não há muito tempo, tendo dito ainda que Portugal está numa situação conformista em relação às alterações climáticas.
Pois fique sabendo, Sr. Ministro, que o Partido Socialista não se conforma com essa atitude conformista do Governo quanto às alterações climáticas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, quero saudar a presença do Sr. Ministro e do Sr. Secretário de Estado, uma vez que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares é um "homem da Casa"... Mas mais do que isso quero saudar a postura séria e responsável com que o Sr. Ministro aqui vem abordar esta temática, dando desse modo um contributo para uma abordagem correcta de um assunto sério e importantíssimo, que, sendo embora um problema nacional, é sobretudo um problema mundial: o das alterações climáticas.
Alterações essas que decorrem, desde logo, de acção humana, mas que - importa dizê-lo - não são um problema da sociedade moderna! Têm hoje uma expressão diferente, é certo!, assumem hoje contornos mais preocupantes, é igualmente verdade!, mas a influência do homem nas alterações climáticas vem de milhares de anos antes da própria Revolução Industrial.
Estudos efectuados comprovam que as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera começaram a aumentar quando as áreas florestadas passaram a ser utilizadas como terrenos de cultivo ou para a criação de gado. Desde então, não mais o problema deixou de se fazer sentir.
Em consonância com essas preocupações, Portugal comprometeu-se internacionalmente a promover e a fortalecer, a nível local, nacional e também mundial, o desenvolvimento económico, o desenvolvimento social e a protecção ambiental. Ou seja, os três pilares interdependentes e sinérgicos do desenvolvimento sustentável.
Concretamente, Portugal comprometeu-se a lutar contra as alterações climáticas.
Partimos com atrasos, é certo: nos 10 anos que mediaram a Cimeira do Rio e a Cimeira de Joanesburgo muito ficou por fazer - o que só agora começa a ser feito.
Não foi atempadamente preparada a estratégia nacional de desenvolvimento sustentável. Foi este Governo que, em dois meses, teve de preparar esse trabalho.
O Plano Nacional para as Alterações Climáticas, como, aliás, toda a política ambiental, não tinha uma linha comum. Continha mesmo muitas incoerências, daí a necessidade de revisão do mesmo, da sua reformulação e consequente discussão pública - fase que está em curso até ao fim deste mês.
Paralelamente, temos de ter consciência que, para se ganhar esta luta contra as alterações climáticas, são necessários vários pequenos passos de milhões de pessoas em Portugal e no mundo.
Se conseguirmos dar o exemplo e reduzir a emissão de gazes para a atmosfera, tal como nos vinculámos fazer nos termos do Protocolo de Quioto, estaremos em condições de ganhar essa guerra.
Na opinião do CDS-PP cabe aos governos a tarefa de motivar todos os agentes económicos e consumidores

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de que devem agir tendo sempre em conta o necessário equilíbrio entre o desenvolvimento económico, social e ambiental. Só que isso não se consegue com a mera alteração das leis do ambiente.
Neste particular - já aqui o temos dito várias vezes -, temos as leis ambientais mais avançadas da Europa. Não temos, infelizmente, padrões e indicadores correspondentes a essa qualidade legislativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: A educação ambiental deve começar pelas crianças e pelos jovens, pois são os principais herdeiros do legado ambiental que lhes conseguirmos deixar.
O CDS-PP acredita que as crianças e os jovens são óptimos agentes defensores da Natureza. É por isso preciso estimular as escolas e as associações juvenis para conhecer e respeitar a Natureza. Só assim se consegue aumentar e ampliar a consciência natural e ambiental das pessoas em geral, mas importa igualmente que não se esqueçam os restantes cidadãos.
É precisamente sobre este aspecto que solicito a V. Ex.ª, Sr. Ministro, um balanço sobre educação ambiental.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo está largamente esgotado. Tem de terminar.

O Orador: - Vou concluir de imediato, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, que tem sido feito? Que se propõe o Ministério de V, Ex.ª fazer? Que resultados se pretendem alcançar e quais os que se podem, desde já, perspectivar?

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: Há quase um ano, disse-nos aqui que tinha três dossiers prioritários. Todos sabemos que um desses dossiers tinha a ver com o cumprimento das metas estabelecidas pelo Protocolo de Quioto. Sabe-se mesmo quais eram os objectivos do Ministro e também - é público - quais os caminhos que então recusava.
O Sr. Ministro, há quase um ano, não queria pagar multas por Portugal já ter ultrapassado em 2002 as metas e as quotas de emissão previstas para o nosso país para 2010.
O Sr. Ministro, há quase um ano, dizia que Portugal não podia pagar multas de 100€ por tonelada de gás emitido em excesso.
O Sr. Ministro, há quase um ano, também não queria comprar quotas de emissão no comércio tradicional. Dizia que Portugal não podia antecipar preços, não os podia controlar, pois tinha uma economia que não podia pagar centenas de milhões de euros por essa compra.
Era isto que o Sr. Ministro dizia há quase um ano.
E mais: o Sr. Ministro apontava o seu caminho. O seu caminho, a terceira opção, compunha-se de dois objectivos: optar pelas energias renováveis e criar mais eficiência energética.
Sr. Ministro, era esta a sua prioridade há um ano, mas já não é agora.
Contudo, fiel aos ditados populares, o Sr. Ministro vem aqui dizer-nos: "olhem para o que eu digo e não para o que eu faço ou deixo de fazer". Portanto, vem aqui dizer-nos que é importante o Protocolo de Quioto, apesar de o Governo a que o senhor pertence não estar a cumprir.
De facto, a prioridade agora não é Quioto, é comprar quotas. Hoje, para o Sr. Ministro, Quioto quase já não está em vigor, pelo que não tem importância.
Ou seja, o Sr. Ministro acaba de mudar de opinião. Porquê? Em quem devemos confiar: no Ministro que há quase um ano jurava fidelidade ao Protocolo de Quioto e queria que Portugal cumprisse esses compromissos ou no Ministro que agora toma medidas para nos mostrar que Quioto já não existe e que não é para levar muito a sério?
O que mudou? Porque mudou de opinião? Foi pela influência do Sr. Secretário de Estado do Ambiente ou terá sido por influência do Sr. Primeiro-Ministro, que há dois anos nos dizia aqui que era sua intenção coordenar, directa ou indirectamente, todas as políticas de desenvolvimento sustentável no nosso país? Se não foi o Sr. Secretário de Estado foi o Sr. Primeiro-Ministro que o convenceu a mudar de opinião? E se foram ou o Sr. Primeiro-Ministro ou o Sr. Secretário de Estado a convencê-lo a mudar de opinião, o Sr. Ministro está de acordo em remeter o Ministério do Ambiente para uma relevância absolutamente insignificante no contexto do Governo em Portugal? Está de acordo que o ambiente seja tratado desta maneira insignificante por quem o aconselhou mal?

Vozes do PCP: - Exactamente!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: Apresenta-se aqui o Sr. Ministro contra o dramatismo e o laxismo, preconizando que a via seguida pelo Governo é a adequada e ajustada. No entanto, foi perceptível que as suas palavras estão carregadas de preocupação e de muito pouca firmeza, porque a simples equação do problema mostrou a enorme dificuldade com que o Governo nele se move.
É evidente que a questão do aquecimento global, designadamente o não cumprimento do Protocolo de Quioto por parte dos Estados Unidos e de outros países, já mereceria uma politização que este Governo não faz. Não é uma mera arrelia técnica, um embaraço ou uma dificuldade o facto de os Estados Unidos não cumprirem. Os Estados Unidos nem sequer podem ser postos no mesmo plano que a Rússia ou a China - sendo igualmente condenável que não cumpram -, porque a percentagem da emissão de gazes de efeito de estufa que os Estados Unidos produzem não é comparável à dos outros países e a sua responsabilidade política é muitíssimo superior.
Gostaríamos, pois, de ouvir o Sr. Ministro e o Sr. Primeiro-Ministro condenarem pública e reiteradamente os Estados Unidos por se desvincularem de Quioto e por terem responsabilidade no aquecimento global.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Isto não é dramatizar, é politizar. É pôr as coisas no sítio certo. É chamar à responsabilidade aquilo que é global, porque não queremos o caos, mas um ordenamento que seja gerível pelo conjunto dos habitantes deste planeta. Isso não é dramatizar, é responsabilizar.
Contudo, o Sr. Ministro do Ambiente interroga-se sobre se será voluntarismo cumprir Quioto, se será que temos de pagar esse preço. Essa é quase uma dúvida existencial ao longo de toda a sua intervenção: "isto também é uma oportunidade"; "vamos ver o comércio de emissões"; "vamos ver as multas"; "vamos trabalhar com os privados". Trata-se de uma série de indefinições muito vagas.
Na verdade, não fico seguro que não seja abandonada a perspectiva de cumprimento de Quioto. E porquê? Porque aquilo que, do ponto de vista financeiro, está em previsão quase que transforma o debate do défice orçamental num debate de minudências, porque o impacto financeiro e económico destas multas, ou até daquilo que venha a reverter em relação ao comércio de emissões, tem profunda incidência negativa nas nossas contas públicas e no desempenho económico do País. Portanto, não sei o que vai prevalecer.
Noto - e chamo a atenção do Sr. Ministro para tal - é que não temos nenhuma calendarização segura com vista à diminuição destas emissões, não temos mecanismos garantísticos em relação à economia, em relação às empresas que vão trabalhar para a eficiência energética. A questão é que não basta motivar os agentes económicos. Há aqui uma relação difícil com a iniciativa privada. Há que ser mais impositivo, quando não, como pode o Governo cumprir o compromisso de Quioto?
Sr. Ministro, o que se prevê por detrás das suas palavras é que está em preparação um choque fiscal ao contrário e, ainda por cima, nem sequer nos garante que Quioto seja cumprido.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.

O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: - Sr. Presidente, alguns Srs. Deputados referiram-se à suposta incoerência de várias intervenções que fiz nesta Assembleia em diversas ocasiões. Quero afirmar que não mudei de opinião…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (OS Verdes): - Não sabe o que há-de fazer!

O Orador: - Pergunto: não poderia ter mudado? Sr.ª Deputada, só os burros é que não mudam de opinião! No entanto, repito que não mudei de opinião.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Ministro, reconheça!

O Orador: - Quero dizer-lhe que considero que o cumprimento do Protocolo de Quioto é vital para a economia portuguesa por uma razão que não tem directamente a ver com Quioto, mas tem a ver com a

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melhoria da eficiência da economia nacional.
Portugal está na parte de baixo da escala em termos da eficiência de incorporação de energia no Produto. Temos um défice externo elevado. Para nós, melhorar a eficiência energética da economia é vital, se quisermos diminuir a nossa dependência externa e se quisermos melhorar a competitividade da nossa indústria. É, pois, essa a razão principal que me leva a dizer que é preciso cumprir Quioto. É que Quioto vive bem sem Portugal, Srs. Deputados! Quero acreditar que os senhores não têm ilusões e não são de opinião que é a participação de Portugal que vai alterar o clima do planeta!
Portanto, em primeiro lugar, trata-se de uma questão de natureza económica.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Então, podemos fazer o que quisermos!?

Vozes do PSD: - Ouça, Sr. Deputado!

O Orador: - Posto isto, passo a responder às questões suscitadas por cada um dos Srs. Deputados.
Começo por responder à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que, mais uma vez, falou em dramatismos.
Não acho que haja razões para dramatismos. Aliás, em termos de cumprimento dos objectivos assumidos no burden sharing de Quioto, estamos bem acompanhados. Pior do que nós estão a Dinamarca, a Irlanda, a Espanha, a Áustria, a Bélgica, a Finlândia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Isso significa o quê?

O Sr. Honório Novo (PCP): - Com o mal dos outros podemos nós bem!

O Orador: - Portanto, Sr.ª Deputada, não há razões para dramatismos.
Se a Sr.ª Deputada critica tanto as medidas que estão previstas no bloco adicional, dê-nos sugestões, concretas, não retóricas, que eu aceitá-las-ei e analisá-las-ei com todo o gosto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Indique-me duas ou três medidas concretas cujos efeitos saiba quantificar. É que, Sr.ª Deputada, nesta matéria, as previsões variam todos os meses.
A este propósito, aproveito para responder ao Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, que disse que havia um vazio de intervenção do Governo, um desnorte, que o Governo está embaraçado, que tem uma tarefa urgente e não a cumpre.
Sr. Deputado, certamente não queria que nos antecipássemos à União Europeia. De facto, só no final do ano passado é que a União Europeia adoptou a directiva sobre o comércio de emissões…

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Inquiri-o sobre medidas adicionais!

O Orador: - O regime do comércio de emissões é fundamental para podermos equacionar devidamente a necessidade do impacto das medidas previstas no PNAC (Plano Nacional para as Alterações Climáticas).
Por exemplo, Sr. Deputado, sabe qual é hoje o valor de uma tonelada de carbono no mercado internacional?

Vozes do PSD: - Não sabe!

O Orador: - É um terço do que era há um ano.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Vai daí, a gente compra!…

O Orador: - Neste momento, os holandeses calculam o valor de 5 dólares para uma tonelada de carbono enquanto, há um ano, falava-se em 33 dólares. Portanto, Sr. Deputado, posso mudar de opinião porque as contas são radicalmente diferentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, as estimativas do impacto financeiro para Portugal em resultado da adesão a Quioto podem andar entre 6 milhões de contos e 120 milhões de contos, neste último caso se

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não fizéssemos absolutamente nada e nos limitássemos a pagar multas, o que certamente não está em causa.
Mais adiante, o Sr. Deputado disse que as empresas estão desnorteadas.
Ora, tenho comigo o balanço da reacção das empresas às medidas que foram propostas pelo Sr. Secretário de Estado no que respeita ao Programa Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão (PNALE). Responderam praticamente todas as empresas e há apenas um sector que levantou reservas.
Posso dizer que a Turbogás disse que sim, a indústria da celulose disse que sim, a Portucel deu o seu acordo, tal como a indústria cerâmica e, ainda, a APEC (Associação Portuguesa das Empresas Químicas). Portanto, a maior parte dos sectores está de acordo com as propostas que foram apresentadas pelo Sr. Secretário de Estado, a quem rendo aqui homenagem por todo o trabalho desenvolvido na adopção de medidas incluídas no bloco adicional do PNAC e no PNALE que, repito, foram elaboradas pelo Sr. Secretário de Estado e pela sua equipa.
Portanto, posso dizer que houve uma boa receptividade por parte da indústria em relação às propostas apresentadas no âmbito do Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão.
Quanto à taxa de carbono relativamente à qual o Sr. Deputado se queixa que não está quantificada, não se sabendo para quem a mesma reverterá,…

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Perguntei quem pagará!

O Orador: - … respondo-lhe que, se vir a versão do PNAC publicada pelo Ministério do Ambiente, verificará que essa taxa reverterá para um fundo para as alterações climáticas.
No entanto, neste momento, ignorando nós como é que estabilizará o valor da tonelada de carbono, sem ter sido aprovado o PNALE, que ainda terá de ser enviado para Bruxelas, entidade que terá três meses para se pronunciar, sem termos uma série de elementos, é cedo para estar a fixar o valor da taxa de carbono.
Passo agora às questões levantadas pela Sr.ª Deputada Ofélia Moleiro.
Em relação às empresas portuguesas, o esforço que está a ser feito é sem dúvida positivo e vai no sentido de melhorar a competitividade da indústria. Tal como referi há pouco, temos cumprido Quioto porque é um imperativo que temos de respeitar no sentido de melhorar a independência da economia portuguesa. Todas estas medidas, embora sejam orientadas no sentido do cumprimento dos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto, vão ajudar a melhorar a situação das empresas portuguesas em termos de competitividade.
Respondendo agora ao Sr. Deputado Miguel Paiva, que perguntou o que o Governo se propõe fazer no âmbito da educação ambiental, digo-lhe que, neste momento, existe um grupo de trabalho, englobando o Ministério do Ambiente e o Ministério da Educação, no sentido de analisar alguns currículos para ver onde pode reforçar-se a vertente ambiental nos currículos escolares.
Por sua vez, o Sr. Deputado Luís Fazenda falou também na questão das empresas. Respondo-lhe que está em curso a negociação do Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão ao qual, como disse há pouco, a receptividade das empresas foi bastante positiva. Teremos de ponderar os resultados dessas reacções, mas assim que os mesmos forem devidamente analisados aquele Plano será enviado para Bruxelas. Repito que a reacção das empresas é positiva, embora haja alguns pontos que estão em aberto, como é o caso da parcela que será deixada aos chamados "novos entrantes", isto é, os projectos futuros. A indústria está interessada no incremento de todos os projectos que recorram a fontes de energia renováveis.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à segunda ronda deste debate.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Malojo.

A Sr.ª Paula Malojo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Das medidas adicionais propostas ao Programa Nacional para as Alterações Climáticas (actualmente em fase de discussão pública), no capítulo Oferta de Energia, a n.º 4 estabelece a "Promoção da electricidade produzida a partir de fontes renováveis de energia, tendo em conta as metas fixadas, em termos de capacidade instalada em 2010, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2003", medida esta cujas acções devem traduzir apoio ao desenvolvimento de novos projectos, tendo em vista a maximização da geração de energia eléctrica a partir de fontes renováveis de energia, especialmente as de origem hídrica, eólica e fotovoltaica. Estima-se que a contribuição desta medida para a redução total em 2010 se fixe entre 13% a 5% - valoração elevada e necessária. Este facto é revelador do esforço que está a ser feito nesta matéria.

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A nível da Europa, no passado dia 21 de Janeiro, durante a conferência, realizada em Berlim, sobre Energias Renováveis - Opções para Políticas Inteligentes, foi lançado o Programa da Comissão Europeia Intelligent Energy for Europe que vai disponibilizar apoio financeiro às iniciativas locais, regionais e nacionais no âmbito das energias renováveis e da melhoria da eficiência energética.
Não posso deixar de referir que, ainda durante a conferência, foram candidatados ao prémio "Campanha de arranque dos renováveis" três projectos portugueses: o Hotel Sustentável, gerido pela Agência Regional de Energia e Ambiente da Madeira, o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva - Energias Renováveis e a Central Fotovoltaica de Moura que será a maior central eléctrica solar do mundo.
O desenvolvimento das fontes de energia renováveis é, de facto, uma prioridade para a União Europeia, sendo o principal objectivo que elas satisfaçam uma quota de 12% das suas necessidades energéticas e 22% das necessidades de electricidade até 2010. Isto implica um sério esforço de duplicar a percentagem de energias renováveis no consumo global de energia até ao fim da década. Em Portugal, esse esforço sério está também a ser levado a cabo por este Governo e o recurso a energias renováveis adquire crescente importância.
Assim, recentemente, no Porto, na cerimónia inaugural de autocarros movidos a hidrogénio, o Primeiro-Ministro referia a aposta do Governo em novas tecnologias limpas e em energias renováveis, no sentido do cumprimento do Protocolo de Quioto. O Primeiro-Ministro anunciou que o investimento orçado para diminuir a pesada factura energética do País é de cerca de 3000 milhões de euros.
Neste âmbito, é de referir, por exemplo, que, em 2003, face a 2002, o número de projectos de energia eólica apoiados quase duplicou, passando de 16 para 27 centrais eólicas em construção ou devidamente adjudicadas, até Dezembro de 2003. No domínio da energia de origem hídrica, o esforço é também elevado e assumirá aqui importância muito relevante para efeitos de cumprimento das metas, devo referi-lo, a construção da barragem do Baixo Sabor, alternativa a Foz Côa, cuja execução o governo socialista adiou anos a fio.

Vozes do PSD: - Bem lembrado!

A Oradora: - Este esforço está a ser complementado, e bem, por medidas legislativas que visam agilizar e acelerar os procedimentos burocráticos necessários à aprovação e execução dos projectos. Veja-se, a título de exemplo, o Despacho conjunto n.º 51/2004 dos Ministérios da Economia e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.
Feito este enquadramento, a pergunta que gostaria de colocar a V.ª Ex.ª, Sr. Ministro, é se o Governo vai continuar com a implementação destas medidas de apoio às energias renováveis e se estão previstas outras medidas de incentivo neste sector, sabendo-se que os cenários das necessidades energéticas do País têm por base o facto de se prever que o consumo de electricidade vai crescer 3% em cada ano.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Ministro do Ambiente, a última coisa que esperávamos ouvir de um ministro do Ambiente, de Portugal ou de qualquer outro país da União Europeia, era que a principal razão para cumprir o Protocolo de Quioto não é ambiental, nem tem que ver com as alterações climáticas. Isso é verdadeiramente extraordinário! O Sr. Ministro vem, antes, dizer-nos que a principal razão para Portugal cumprir Quioto é económica.
A menos que o Sr. Ministro pretenda dar razão ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que, a propósito da sua nomeação, dizia, logo no início, que o Sr. Ministro deveria provavelmente ocupar o cargo de Secretário de Estado da Economia.
De qualquer modo, isto diz tudo sobre a relevância e a prioridade das questões ambientais para o Sr. Ministro e para o Governo a que pertence.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas este debate não pode terminar sem o Sr. Ministro deixar nesta Câmara respostas claras a questões muito concretas. Passo a enunciá-las.
Relativamente a uma imaginária taxa sobre o carbono, o Sr. Ministro já confessou não saber como é que ela vai ser aplicada.
Quanto à barragem do Sabor, e a propósito da tal declaração de impacte ambiental que promete para

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daqui a um mês, pergunto-lhe se está a antecipar que se trata de uma declaração de impacte ambiental favorável a uma barragem em sítio da Rede Natura. É isso que nos anuncia nesta Câmara?
Que portagens vão aumentar, em Portugal, por consequência das medidas que o Governo preconiza?
Que taxa sobre o metano? Quem é que vai pagá-la?
E quando é que vai avançar a reforma ambiental do imposto automóvel, Sr. Ministro? Já foi prometida para este ano de 2004, mas queria saber se o Sr. Ministro confirma o que o Sr. Deputado Miguel Frasquilho disse recentemente à comunicação social, quando declarou que uma reforma do imposto automóvel só seria desenvolvida até ao final da Legislatura, ou seja, até 2006. Pergunto se o Sr. Ministro confirma que o Governo, também aí, na reforma ambiental do imposto automóvel, vai adiar medidas para um futuro que não se sabe exactamente quando vai ocorrer.
No que diz respeito ao comércio de emissões, diz o Sr. Ministro que está em diálogo com as empresas, com as indústrias, sobre uma proposta que o Governo lhes terá apresentado. Seria pedir-lhe demais, Sr. Ministro, que apresentasse nesta Assembleia as propostas que submeteu à consideração da indústria? Seria pedir-lhe demais que essas negociações que vão tendo lugar à porta fechada fossem do conhecimento desta Câmara? Afinal, qual é a proposta do Governo para o comércio de emissões? Disse-nos o Sr. Ministro que ela talvez seja aprovada até ao final de Março e, depois, remetida para Bruxelas para ser submetida à consideração. Sr. Ministro, nesse processo todo, esta Câmara desempenha algum papel? A Assembleia da República tem, ou não, o dever e o direito de conhecer as propostas do Governo em matéria de comércio de emissões?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - E é uma irresponsabilidade, Sr. Ministro, que estejamos a poucos dias do final desse prazo fixado em Bruxelas e que o Governo não tenha, de facto, uma proposta quanto a esse mecanismo, que, esse sim, é muito preocupante no que diz respeito às consequências que poderá ter para a economia nacional.
Era sobre tudo isto, Sr. Ministro, que pedíamos, por uma vez, respostas concretas a perguntas concretas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Gonçalves.

O Sr. Herculano Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Ninguém ignora que as alterações climáticas têm inúmeras causas e diversas e nefastas consequências.
As causas mais próximas prendem-se com a poluição atmosférica, com a emissão de gases, mas também resultam da intervenção humana na natureza, com a construção de barragens, túneis e de outras estruturas, com o desvio do curso dos rios e com a dragagem de areias. Tudo isto acaba por influir no tempo.
Daqui resulta que se torna importantíssimo que haja um bom planeamento: um bom ordenamento, planeado e equilibrado, do território. O que, diga-se em abono da verdade, este Governo tem demonstrado empenho em fazer: foram aprovados inúmeros planos de ordenamento.
Claro que os planos não surtem efeito se as actividades económicas poluentes não forem controladas, ou seja, se não existirem restrições à emissão de poluentes para a atmosfera. Para prevenir e reduzir essas emissões, está em curso a discussão do Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC).
Mas não chega existirem boas leis. Temos repetido à saciedade que mais importante que ter boas leis é ter uma sociedade civil responsável, uma sociedade civil desperta para os problemas do ambiente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que estes debates são importantes: porque contribuem para esclarecer, para educar ambientalmente a sociedade civil portuguesa.
Sr. Presidente, Sr. Ministro: As consequências das alterações climáticas são várias. As alterações climáticas são responsáveis: por doenças respiratórias e de pele; pelo empobrecimento da actividade agrícola (hoje, diz-se até que o escurecimento global e o aquecimento global determinarão a perda de produtividade dos solos agrícolas, a curto prazo); pelas chuvas intensas que, aliadas à desregrada impermeabilização dos solos, causam inundações e cheias; além de outras consequências.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: tendo todos nós consciência do que acabo de referir, como pretende o

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Governo chamar a sociedade civil a participar activamente na prevenção do ambiente?
Quais têm sido os contributos dessa mesma sociedade civil no âmbito da discussão do PNAC?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro diz que estou um pouco apostado em demonstrar uma suposta incoerência por parte do Sr. Ministro. Eu não estou apostado em nada; o Sr. Ministro é que parece que está apostado em mostrar-nos que essa incoerência não é suposta, é cada vez mais real e mais nítida.
Hoje, estou, aliás, apostado em confrontar o Sr. Ministro com as suas próprias afirmações - é um tanto ou quanto confrontá-lo com a sua própria consciência, se me permite.
Há quase um ano, o Sr. Ministro mostrou-nos - não nos entregou, é verdade, mostrou-nos - um documento sobre as metas governamentais relativas ao acréscimo de eficiência energética no nosso país. Era, portanto, no tempo em que supostamente o Governo ainda apostava no cumprimento de Quioto. E, nessa altura, o Sr. Ministro anunciava reduções nas perdas de energia, designadamente nos transportes, e aumento global quantificado nas energias renováveis.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: que é feito destas metas governamentais? Ao fim de um ano, qual foi a evolução? Diga-nos! Quantifique-as!
Respondo-lhe, Sr. Ministro: não foi nenhuma! Não se avançou! Regrediu-se!
Por exemplo, nos transportes, que medidas de eficiência foram tomadas, além das duas dúzias de autocarros dos STCP?

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Aumentaram os preços!

O Orador: - E, além de aumentarem os preços, fizeram outra coisa: ainda há poucos dias, a maioria parlamentar recusou a criação do passe social nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, medida esta que motivava o transporte colectivo.
Mas, por exemplo, na legislação relativa à eficiência energética dos edifícios, o que foi feito? Nos edifícios públicos construídos, durante o último ano, em quantos foram instaladas fontes de energia alternativa, fontes de energia renováveis? Zero, Sr. Ministro! Em nenhum! E isso contribuía, de facto, para as suas próprias metas.
Portanto, globalmente, o Sr. Ministro não nos apresenta qualquer meta cumprida durante este último ano!
De facto, houve retrocessos. A melhor prova disso são, como sabe bem, os índices económicos, Sr. Ministro. Em 2003, Portugal entrou em recessão económica; em 2003, o PIB português diminuiu relativamente ao PIB de 2002 (até o Governo já o reconhece). Mas enquanto o PIB desce, o crescimento da energia, designadamente de combustíveis fósseis, sobe, Sr. Ministro.
Isto mostra bem quanto os seus objectivos e metas falharam. Como é isto possível, Sr. Ministro?! Que explicações tem para isto? Aonde nos conduz este caminho? É capaz de nos dizer?
É esta, Sr. Ministro, a melhor forma de demonstrar que os seus objectivos de eficiência energética falharam e que, naturalmente, o Governo não está a cumprir as metas e os objectivos de Quioto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ficámos a saber, neste debate, que Portugal pouco conta para o cumprimento de Quioto - aliás, como a esmagadora maioria dos países em relação às emissões. Mas a verdadeira razão destas medidas é ambiental e não aquilo que pode ser calculado tecnocraticamente em função do cumprimento deste ou daquele objectivo.
Ficámos também a saber que a política do Governo pode ser substancialmente diferente consoante o valor da tonelada de carbono. E isso deixa-nos a maior das incertezas e das perplexidades.
Mas, Sr. Ministro do Ambiente, para que este debate não seja verdadeiramente uma não existência, faço-lhe duas perguntas: será que pode assumir aqui, perante esta Câmara, uma calendarização do cumprimento de Quioto, um objectivo político da parte do seu Ministério?
A segunda pergunta é esta: a taxa sobre o carbono é uma taxa sobre os contribuintes em geral? É uma

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taxa sobre as actividades poluentes? O que é? É um choque fiscal oculto da parte deste Governo ou é uma medida de discriminação positiva, norteada por uma política ambiental? Ficámos sem perceber, ficámos sem saber.
Percebe-se que o Sr. Ministro não gosta de vir aqui ao Parlamento debater, considerou até este debate inoportuno. No entanto, para nós, no exercício da fiscalização dos actos do Governo e no debate do contraditório da política, é exactamente aqui que se assumem os compromissos políticos.
Se o Sr. Ministro tem uma versão técnica da sua função, pois deixe que lhe diga que aqui, no Parlamento, realmente só pode vestir a roupa do político que é.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

O Sr. Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro do Ambiente disse-nos uma coisa espantosa: a pretexto da responsabilidade global de Quioto, justificou a irresponsabilidade nacional. E isto, Sr. Ministro, no quadro da União Europeia, que tem tido um papel liderante neste processo, é algo vergonhoso.
Isto significa, desde já, que aquilo que aconteceu no Verão passado - que o senhor, aliás, se recusa a compreender e a interpretar, porque fala nos exageros e nos cenários catastrofistas -, com a destruição de 5% do território nacional, com o aumento da temperatura e com as mortes, é algo que, apesar de ter sido tão grave, este Governo lamentavelmente não compreendeu, como porventura também não compreendeu, nem leu, o estudo feito, no âmbito do SIAM, sobre a evolução, em Portugal, dos cenários das alterações climáticas.
É que esse, Sr. Ministro, é seguramente o cenário que temos pela frente, quer o senhor o desvalorize ou não, quer o Governo e o Primeiro-Ministro continuem ou não a achar que Quioto é uma enorme chatice, que não é para levar a sério.
Só que, Sr. Ministro, essa é uma questão que é para levar a sério. É para levar a sério, sendo embora também - e aí estou de acordo - uma oportunidade para modernizar a economia.
Ora, se é uma possibilidade para modernizar a economia e se está em jogo a segurança colectiva, a saúde humana e o próprio equilíbrio ecológico, num país como o nosso com uma vastíssima zona costeira e onde, portanto, não é preciso ser muito imaginativo para calcular quais vão ser os impactes, a pergunta que se faz, Sr. Ministro, é por que razão não fez nada para alterar a situação.
Por que é que, em relação à eficiência energética, o saldo, ao fim de dois anos de funções deste Governo, é zero? Por que é que ao nível, por exemplo, da Administração Pública, coisa que, aliás, devia preocupar a Sr.ª Ministra das Finanças, nada foi feito do ponto de vista energético, para poupar? Por que é que, ao nível dos transportes - e os transportes, consumindo 79,6%, são o sector energético que, neste momento, mais consome, mais do que a própria indústria -, nada foi feito e, por exemplo, na capital do "Reino", ao que estamos a assistir é à construção de um túnel para trazer novos carros para a cidade?
A pergunta que se coloca é esta: por que é que, sendo tão importante a modernização dos processos produtivos, ela não está contratualizada?
O Sr. Ministro poderá dizer que a indústria aparentemente se identifica com a proposta do Governo. Mas a indústria, Sr. Ministro, é bom esclarecê-lo, é um quinto daquela que tem a ver com o problema,…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - … é a grande indústria, que, aliás, falou a várias vozes no grupo de trabalho, porque o Ministério teve a preocupação de ter os representantes da indústria do seu lado.
A pergunta que está por esclarecer é por que é que o Sr. Ministro (o seu Governo e o Primeiro-Ministro) acabou por recusar decididamente aquilo que tinha dito ser essencial, ou seja, a possibilidade de tornar a indústria mais competitiva e mais moderna, salvaguardando do ponto de vista social, do ponto de vista económico e também do ponto de vista ambiental, todo um sector que é importantíssimo. Pergunto, pois, porque é que abdica de investir na modernização e se propõe desperdiçar na compra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente (José Eduardo Martins): - Sr. Presidente, vou procurar ser sintético e responder, em concreto, às perguntas formuladas. Não queria, porém, deixar de tomar um pouco do tempo da Câmara para, com alguma imodéstia, pedir que, de futuro, façamos este debate de uma forma mais séria e menos "tabelóidizada". É que estive com muita atenção a ouvir tudo o que foi dito e seria risível se não fosse triste que, ao fim de duas horas de debate sobre o Plano Nacional de Alterações Climáticas, não tenha sido feita uma única sugestão positiva, concreta, afirmativa, no sentido de se

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dizer "faça-se isto ou faça-se aquilo". De facto, discutimos todos muito o mundo que vai mudar, tudo o que vai acontecer e, infelizmente, do concreto falamos pouco.
Porém, concretamente, a intervenção do Sr. Deputado Pedro Silva Pereira permite falar de muita coisa. Parece-me ter sido uma intervenção um bocadinho "suicida" para o Partido Socialista, mas, enfim, caça-se com o que se pode, diz-se o que se pode. Compreendo, Sr. Deputado, que a sua herança histórica seja demasiado pesada para poder dizer grande coisa sobre esta matéria. Mas o que mais me espanta é que o senhor se choque por isto ser importante para a economia portuguesa, porque isso prova que os senhores ainda estão na fase em que o ambiente é uma coisa, a economia é outra e o social é outra.
Bem-vindos, Srs. Deputados, ao desenvolvimento sustentável!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Estamos a uns meses de discutir em Bruxelas, no Conselho a realizar na Primavera, os indicadores ambientais - presumo que sabem que este ano são quase todos dirigidos a esta matéria -, o que constitui, de facto, uma oportunidade óptima para a indústria portuguesa caminhar no desafio da sustentabilidade.
É um pouco como está a Rússia em relação ao Protocolo de Quioto. Se o Sr. Deputado não percebe é porque ainda não estudou bem o problema, mas vai perceber que esta constituiu uma oportunidade de duplo ganho e dupla liquidez nas empresas, por via dos títulos de emissão e por via da redução da factura eléctrica.
Portanto, a primeira coisa que me espanta é que não se perceba que é na economia, nos instrumentos de mercado, muito mais que nos instrumentos, que falharam, de comando e controlo, que temos a oportunidade de conseguir ganhos ambientais. Mas o senhor, estudando, um dia há-de chegar lá.
As questões que colocou não podiam ser melhores. Coloca o Sr. Deputado a questão da barragem do Sabor?! Recordo-lhe que, em seis anos, o governo do Partido Socialista conseguiu a coisa espantosa de decidir não fazer Foz Côa. Aliás, houve um primeiro-ministro que se gabou, no final do seu mandato, de duas coisas, uma das quais de não fazer. Ora, um primeiro-ministro gabar-se de não fazer é (para uma pessoa que tenha a minha idade) uma coisa brilhante!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, como dizia, gabaram-se de não terem feito a barragem de Foz Côa. E a seguir decidiram o quê? Mandaram a EDP fazer um projecto de barragem para o Baixo Sabor - eu sei que não falavam uns com outros, que era como se fosse uma federação de "quintas" e não propriamente um governo -, mas a seguir o mesmo governo classificou o Baixo Sabor (o mesmo que disse à EDP "faça aquela barragem") como Rede Natura! E a seguir o que fez o Sr. Secretário de Estado do Ambiente do governo destes senhores?

O Sr. Honório Novo (PCP): - Fale de alterações climáticas!

O Orador: - Isto são alterações climáticas, são energias renováveis. Não percebeu, mas isto é que são alterações climáticas.
Como dizia, quando então chegou o projecto o Sr. Secretário de Estado do Ambiente do governo do Partido Socialista disse farisaicamente: "o governo seguinte que decida, porque agora classificámos esta matéria como Rede Natura; venha a alternativa, que desejamos conhecer". Ora, para fariseus melhor não se conseguia, mas a decisão, de facto, como o Sr. Ministro, disse, somos nós que a vamos tomar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Pergunta o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira onde é que as portagens vão ser cobradas. Eu sei que o senhor aderiu ao Partido Socialista muito depois de aderir ao governo socialista e que não tem a memória histórica que os seus companheiros do resto da bancada podem ter, mas, em todo o caso, fala de portagens, Sr. Deputado Pedro Silva Pereira?! Então o senhor, que fez parte do governo que acabou com as portagens em todas as áreas metropolitanas, vem agora falar disso? Tenha vergonha, Sr. Deputado, de falar nesse assunto!

O Sr. Pedro Silva Pereira (PSD): - Diga lá o que é que o seu Governo vai fazer!

O Orador: - Fala de reformas do imposto automóvel. Então, o senhor, que foi colega de governo de

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um ex-secretário de Estado chamado Ricardo Sá Fernandes, que disse que tinha acabado a reforma do imposto automóvel, fala disso?! Disse esse secretário de Estado que não tinha mais dúvidas, que tinha estudado, que estava esclarecido. Eu sei que foi a arrastar-se, mas esse governo andou por aí mais dois anos. Então onde é que ficou a reforma do imposto automóvel que os senhores tinham prometido? O Sr. Deputado não pode, pois, falar disso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao comércio de emissões, pergunta quais são as propostas do Governo. Vou ficar à espera da sua participação na discussão pública que começa daqui a 15 dias. As questões nucleares do comércio de emissões são duas ou três - e se o senhor não sabe quais são tinha obrigação de saber. A primeira é qual é o tecto de emissões que vamos dar à indústria. E o senhor diz: "o Governo cedeu à indústria, contratou uns consultores, etc...". Ó, Sr. Deputado, a indústria portuguesa pediu 37,6 Mt de CO2 equivalente para as suas emissões. O Partido Socialista acha que é muito ou pouco?
Posso dizer-lhe que penso ser muito, que tem de ser um bocado menos, mas não sei o que é que o senhor pensa. E o senhor até pode analisar estes números pelos que deixou no PNAC. O Partido Socialista deve ter opinião, não se pode limitar - isso é mau para a democracia - a ir só atrás do que o Governo faz ou não faz. Tenha opinião, Sr. Deputado! O que é que o Sr. Deputado pensa sobre a transferência de licenças de um período para outro? O que é que o Sr. Deputado pensa sobre a reserva de novos entrantes?
Era bom que o Partido Socialista e outros partidos dissessem o que é que pensam disto, mas espero que aquando da discussão pública o digam. Em todo o caso, daqui a 15 dias vai conhecer todas as propostas do Governo feitas pelo Ministério da Economia e, nessa altura, vamos, com certeza, ficar a saber o que pensa o Partido Socialista.
A nossa opinião é clara: precisamos do comércio de emissões para resolver o problema, achamos que a indústria portuguesa tem aí, de facto, uma oportunidade, achamos que não se deve permitir ilimitadamente a transferência de reservas de um período para o outro e pensamos que estamos a apresentar a Bruxelas um plano que, ao contrário de outros, se calhar, não vai ter problemas na Direcção-Geral da Concorrência.
Sr. Deputado Luís Fazenda, é essencial que se conheça o preço do carbono para se saber qual é o custo efectivo das medidas nacionais que tomamos.
Devo dizer que aquando do debate realizado em 28 de Maio de 2001, que o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira apresentou, perante a situação que era conhecida (e que não provinha de nenhum trabalho efectuado pelo Governo, mas da Agência Europeia de Ambiente), face a um défice de 10 Mt de CO2 equivalente, não era custo eficiente comprar emissões no mercado internacional. Mas agora, que se estudou, que se conhece com rigor o cenário de referência portuguesa e não o que importámos de fora, o preço do carbono é decisivo para poder avaliar…

Protesto do Deputado do BE Francisco Louçã.

Sr. Deputado Francisco Louçã, o senhor é economista!
Como dizia, agora o preço do carbono é decisivo para poder avaliar qual é o custo de efectividade de cada uma das medidas.
Deixe-me ser demagogo: o metro do sul do Tejo custa x milhões de euros; se o Sr. Deputado avaliar isso em função da percentagem de redução de megatoneladas de CO2 chegará à conclusão que, se calhar, não era eficiente investir no transporte público, mas que, economicamente, era melhor comprar emissões. Mas isto não é o que podemos fazer, porque não devemos olhar para isto só como um instrumento para poupar dinheiro.
Mas a nossa economia não é rica. Temos, no fim, no deve e no haver…
Hoje temos em discussão um Plano Nacional de Alterações Climáticas que cobre 15 Mt de CO2 das 20 Mt que temos de reduzir Vamos, pois, ver qual é o efeito do comércio de emissões - estamos a falar de um horizonte de cumprimento até 2010.
Neste momento, o que se pode dizer é que o Governo deixou 5 Mt de fora pelas quais não sabe qual é o preço do carbono e vai ter de comprar emissões. Isto é verdade, mas justamente quando começarmos a ter mais certezas ou pudermos ter dinheiro para comprar emissões, quando pudermos fazer como a Holanda fez… Sabem o que a Holanda fez? Toda esta discussão na Holanda seria fútil, porque, à cabeça, os holandeses disseram: "nós não queremos gastar muito dinheiro; vamos comprar, que para nós sai mais barato". Portanto, 50% do seu esforço são de emissões, é dinheiro que até já está no Fundo de Carbono do Banco Mundial (250 milhões de dólares) a reservar posições, enquanto a tonelada de carbono está a um preço baixo para que se justifique comprar toneladas de carbono. Isto é uma coisa que, com toda a

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franqueza, parece que Os Verdes não percebem.
Eu sei que, de preferência, viveríeis num mundo que não era o da economia de mercado, mas o Protocolo de Quioto é um instrumento de mercado. O objectivo é manter um nível global de emissões reduzido, através da troca e dos instrumentos de mercado, pelo que se no limite houver países que compram e outros que vendem o equilíbrio global que todos procuramos estará garantido.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Portugal não ganha com isso!

O Orador: - Sr.ª Deputada, como é que tem a certeza se ganha ou não ganha? Não pode ter essa certeza, Sr.ª Deputada! Não faz as contas aos investimentos, por isso não pode ter essa certeza!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Há um ano, pelos vistos, não ganhou!

O Orador: - Aliás, registo que a Sr.ª Deputada Isabel Castro disse que na capital da República (que não do Reino) se está a fazer um túnel. E em quantos bairros deixou de haver circulação de automóveis? Sabe contabilizar qual é essa diferença? Era bom que se contabilizasse essa diferença para se perceber que o estilo "tabelóide" de se dizerem coisas sem se pensar bem nelas, sem se fazer as contas, sem se saber, de facto, do que estamos a falar não faz com que as pessoas, na rua, acreditem mais nos políticos. E era isso que eu esperava que acontecesse num debate destes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à fase do encerramento de debate.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.

O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fiquei apreensivo com este debate, porque verifiquei que alguns Srs. Deputados, sobretudo do lado esquerdo do Hemiciclo, acham que a defesa do interesse nacional é secundária em relação a compromissos internacionais. De facto, causa-me uma certa estranheza esse tipo de reacções, porque aquilo que interessa é que os portugueses possam viver melhor segundo um conceito que julgo ser universalmente aceite, que é o do desenvolvimento sustentável. E a economia portuguesa ainda não cresceu o suficiente de forma a serem atingidos os patamares e os níveis de vida dos outros países da União Europeia.
Nesta matéria, meus senhores, como em tudo na vida, é necessário um pouco de bom senso e, como disse na Comissão, não dispensa que se façam os "trabalhos de casa". Porém, não penso que haja razões para dramatismos, nem para antecipar soluções que dependem de algumas variáveis que ainda não conhecemos devidamente.
E, Srs. Deputados, não estamos atrasados; os outros Estados da União Europeia também ainda não apresentaram nenhum plano nacional de atribuição de licenças de emissão, pelo que tudo isto ainda está em discussão.
Gostaria de dizer que este Governo já deu amplas provas de que está a fazer um esforço para melhorar, atingir e cumprir, apesar de tudo, os objectivos de Quioto. Por exemplo, no caso dos transportes, este Governo já deu provas de que está a encarar o sector de modo integrado e sustentável, como bem ilustra a criação das autoridades metropolitanas.
O Governo já demonstrou, em pouco mais de ano e meio de governação, que é capaz de aprovar medidas fundamentais para colocar Portugal no caminho da melhoria da oferta e da qualidade dos transportes.
Vejamos o que nos deixaram os governos do Partido Socialista: emissões de gases poluentes em crescendo desde 1995; uma total ausência de políticas públicas de controlo de emissões; o parque automóvel duplicou em 10 anos - foi feita alguma coisa para contrariar essa evolução? Que eu saiba não!; o incentivo ao uso de transporte individual, através, nomeadamente, da abolição de portagens; o investimento malbaratado na ferrovia.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Exactamente! Bem lembrado!

O Orador: - Lembro aos Srs. Deputados que, hoje em dia, se gasta praticamente tanto tempo para ir de combóio ao Porto como se gastava há 30 anos, e já foram gastos muitos milhões de contos na linha do Norte!
Só em 2001, quase três anos após a adopção do Protocolo de Quioto é que o anterior governo começou

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a preparar o PNAC, e que, ainda por cima, apenas apresentava medidas para menos de 50% das necessidades de redução.
Este Governo, em pouco mais de ano e meio, já fez mais do que os governos do Partido Socialista fizeram. Senão vejamos: aprovámos, em Abril, a política energética portuguesa - esta medida vai tornar Portugal menos dependente de fontes energéticas externas, vai aumentar as energias alternativas e vai contribuir para gastarmos menos energia; estamos a investir fortemente no transporte público, em particular no transporte ferroviário; estamos a trabalhar na expansão das redes de metro de Lisboa e Porto, na construção do metro do sul do Tejo, bem como na decisão de construir o TGV.
O PNAC, que apresentámos em Dezembro último, irá resolver 75% dos compromissos nacionais com medidas internas e que apresentam benefícios muito para além do combate às alterações climáticas. Portugal pode e deve encarar o Protocolo de Quioto como uma oportunidade e não com dramatismo, pois as medidas que preconizamos no PNAC, bem como as medidas que já aprovámos contribuem para a competitividade nacional e para o cumprimento do Protocolo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O combate às alterações climáticas requer um amplo consenso nacional, assente em políticas de bom senso. É este o caminho que o Governo trilhou e que, estou certo, os portugueses reconhecem. 2004 é um ano decisivo nesta matéria. Pretendemos aprovar este ano o PNAC definitivo, para podermos iniciar a aplicação das suas diferentes medidas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não vamos esperar por Quioto. Já estamos (e continuaremos) a agir para dotar Portugal das medidas e instrumentos que julgamos indispensáveis para combater as alterações climáticas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que foram produzidas aqui algumas afirmações extremamente preocupantes, designadamente porque vêm do responsável do Governo português para a área do ambiente, que referiu expressamente que as razões ambientais não movem este Governo seja para o que for e que (aquela velha lógica) "desenvolver é igual a poluir".
Sr. Ministro, para quem assumia como um dos seus dossiers prioritários de intervenção a necessidade de combater as alterações climáticas essas são lógicas muito perigosas.
Foi também interessante ouvir as intervenções dos Srs. Deputados da maioria,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Houve?! Não dei por nada!

A Oradora: - … que desresponsabilizaram completamente a necessidade de políticas integradas por parte do Governo e que passaram à responsabilização das atitudes individuais dos cidadãos. É evidente que elas são fundamentais, mas, Srs. Deputados, não fazerem referências e a necessária reivindicação às políticas do Governo - que só o Governo as pode tomar - que promovam alternativas para os cidadãos poderem fazer a opção, isso é que não dá para entender.

Protestos do PSD.

Passemos a um dos sectores fundamentais que o Sr. Ministro, na sua intervenção final, decidiu salientar, que é o dos transportes.
No que se concerne a políticas implementadas por este Governo, conhecemos, há pouco tempo, o aumento dos transportes colectivos. Esta é uma forma, Sr. Ministro, de aliciar os cidadãos à necessária utilização dos transportes colectivos, mas depois, em relação à necessária articulação do Governo com as transportadoras, o que verificamos em concreto é que aquilo que é oferecido aos cidadãos é: a progressiva diminuição de carreiras; a progressiva restrição de horários em muitas delas; a inexistência de uma inter-modalidade necessária entre os diferentes transportes e de articulação entre as diferentes modalidades de transportes. Esta é a política que o Governo tem prosseguido no âmbito dos transportes colectivos, nomeadamente nas grandes áreas metropolitanas.
Como é evidente, a consequência só pode ser uma, aquela que se tem verificado ao longo dos anos: a perda manifesta de passageiros nos transportes colectivos.
O Sr. Ministro analisou, com certeza, o último estudo do Instituto Nacional de Estatística, que refere

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continuar a aumentar o uso do transporte individual. Sr. Ministro, que políticas integradas é que este Governo tem tomado no sentido de inverter esta lógica e de aliciar as pessoas à utilização do transporte colectivo?! Nada, Sr. Ministro!
Quanto aos passes sociais, como já aqui foi referido, este Governo não aceita essa lógica, tendo sido recusada há pouco tempo aqui na Assembleia da República.
Ora, as questões dos horários, da inter-modalidade e da articulação de carreiras são fundamentais. O Sr. Ministro quer propostas concretas? Então ouça as propostas que aqui são trazidas, e que, infelizmente, são sempre "chumbadas" na Assembleia da República.
Passo a referir-me ao sector da energia. O que é que estas medidas adicionais contemplam em termos de uma questão fundamental, que é a poupança energética, a redução do consumo de energia em Portugal?
No decurso deste debate também já foi referida a questão da ineficiência energética dos nossos edifícios. Será que o Sr. Ministro tem consciência da quantidade de aparelhos de ar condicionado que foram vendidos neste último Verão, em que as condições climatéricas nos ofereceram dias extremamente quentes?
O Sr. Ministro tem consciência do que é que resulta da ineficiência energética dos nossos edifícios? Que medidas é que o Governo tem tomado relativamente a esta matéria, em termos de exigência e de fiscalização? Zero, Sr. Ministro!
Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Deputados: Temos compromissos claros para o período de 2008 a 2012. Aproximamo-nos a passos largos desse período e o que as medidas adicionais nos vêm demonstrar é que estamos muito longe do compromisso que foi estabelecido para Portugal, o aumento dos 27%. Essas medidas adicionais estipulam já uma previsão de 41% a 48%, pelo que o cumprimento das metas vai sair muito mais caro aos portugueses, vai ser muito mais difícil, porque andámos a arrastar as medidas necessárias.
Aquilo que o Sr. Ministro aqui veio aqui dizer - aliás, já o tinha dito, embora não, provavelmente, com a veemência com que o fez hoje - foi que esses objectivos só serão cumpridos com o recurso a uma coisa: à compra e venda de créditos de emissão. Esta é a sua lógica, Sr. Ministro, e os portugueses vão pagá-lo duplamente - Os Verdes reafirmam-no!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se.

A Oradora: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que os portugueses vão pagá-lo como consumidores, como contribuintes e, fundamentalmente, com a sua saúde.
É, pois, inadmissível essa lógica de um Membro do Governo responsável pela área do ambiente.

Vozes de Os Verdes, do PS, do PCP e do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegamos assim ao fim deste ponto da ordem do dia.
Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 19 a 34 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 4, 5, 6, 20, 21, 26, 27 e 28 de Novembro e 3, 4, 5, 10, 11, 12, 18 e 19 de Dezembro de 2003.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos dar início ao debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 108/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, altera o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e a Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, e do projecto de lei n.º 414/IX - Procede à adaptação do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos às novas realidades criadas pela sociedade de informação (BE).
Assinalo a presença, na galeria dos convidados, da direcção da Sociedade Portuguesa de Autores, a quem saúdo.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura (Pedro Roseta): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta à Assembleia da República a proposta de lei que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Directiva comunitária sobre o direito de autor e direitos conexos na sociedade de informação.
Foi realizado um longo debate público, intenso e exigente, com os principais representantes dos titulares de direitos e dos utilizadores das obras e prestações, em ordem à produção de um texto normativo que espelhasse a harmoniosa composição dos diversos direitos e interesses convocados nesta

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proposta.
Tal como sucedeu na quase totalidade dos Estados-membros da União Europeia, com excepção da Grécia e da Dinamarca, a Directiva não foi transposta para o direito interno dentro do prazo estipulado, ou seja, até 22 de Dezembro de 2002. Alguns Estados fizeram-no muito recentemente; mesmo hoje, a maioria dos Estados-membros não efectuaram a referida transposição (casos da França, Holanda, Bélgica, Espanha, Finlândia, Suécia e Luxemburgo, além de Portugal). Este facto mostra a extraordinária complexidade deste trabalho.
A Directiva europeia, na sequência da aprovação dos dois tratados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), celebrados em 1996 e vulgarmente conhecidos como os "tratados Internet", visa adaptar o direito de autor às novas realidades criadas pelas modernas tecnologias de informação.
O que está em causa é o tratamento jurídico a dar às novas possibilidades técnicas de transmissão e comunicação de obras, criadas pelos meios informáticos, na construção progressiva de um mundo de redes digitais que coexiste, hoje, com o mundo analógico. A coexistência destas realidades levou o legislador a tratar na Directiva, de um modo unificado, as principais modalidades de utilização das obras e das prestações, nomeadamente o direito de reprodução, o direito de comunicação pública e o direito de distribuição.
Para além da enunciação, em moldes novos, das mencionadas faculdades jurídicas, é estabelecida a nova modalidade de utilização dos bens intelectuais nas redes digitais, designadamente na Internet, mediante a criação de um novo direito exclusivo, reconhecido aos autores - o de autorizarem a colocação das suas obras à disposição do público, por forma a torná-las acessíveis a partir do local e no momento por eles escolhidos individualmente.
Igualmente de realçar é o facto de se estabelecer a protecção jurídica das medidas de carácter tecnológico e das informações para a gestão dos direitos de autor e direitos conexos. Estas medidas técnicas no ambiente digital mostram-se fundamentais para o regular acesso e uso dos bens intelectuais. Estes aspectos são determinantes na relação necessária que liga os titulares do direito de autor aos diversos utilizadores.
A proposta de lei caracteriza-se como um dos instrumentos legislativos nucleares da construção da designada "sociedade de informação". A sua apresentação para deliberação nesta Assembleia, em atenção à natureza e importância da matéria, constitui um momento essencial da renovação da propriedade intelectual e sua afirmação - domínio jurídico e cultural crescentemente decisivo na estruturação das actividades culturais e no desenvolvimento integral das sociedades contemporâneas.
Assinale-se que a presente proposta de lei visa criar condições de maior certeza e segurança jurídicas ao trabalho intelectual levado a cabo por criadores e artistas, mas também de incentivo à criação e divulgação das acções e dos programas assegurados pelas entidades - grupos, associações - que diariamente asseguram a existência das chamadas "indústrias culturais".
O direito de autor é chamado, na fase actual de acelerada mutação tecnológica, a dar respostas inovadoras aos desafiïos colocados pelos novos meios e suportes de reprodução e transmissão das obras intelectuais, tendo por objectivo superar a ideia, que ganhou adeptos, segundo a qual, na sociedade de informação, não haveria mais lugar para uma eficaz e adequada protecção jurídica da propriedade intelectual.
Pelo contrário, na sociedade de informação e do conhecimento, é certamente decisivo assegurar aos legítimos titulares do direito um quadro de protecção que lhes permita a prossecução dos seus trabalhos criativos. Esta tarefa é importante, não apenas para o conjunto dos titulares de direitos, mas também para o bem comum da sociedade. A protecção dos direitos patrimoniais e morais dos autores, artistas e produtores, em termos equilibrados e justos, cria a infra-estrutura jurídica e económica que garante o normal desenvolvimento cultural da sociedade moderna.
O objectivo essencial da presente proposta de lei consiste, portanto, em proteger os direitos dos autores.
Naturalmente, há que lembrar que, em rigor, não existem direitos absolutos, com a excepção possível do direito à vida e à dignidade da pessoa humana.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, em nome de outros direitos ou interesses sociais relevantes, como o direito ao acesso à cultura, à educação, à comunicação social, entre outros, o legislador, de acordo com a tradição jurídica expressa em convenções internacionais, faz incidir sobre o direito de autor um conjunto de limitações e excepções.
No quadro da Directiva, os Estados-membros da União Europeia podem escolher o conjunto das

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limitações e excepções que julguem mais apropriado ao desenvolvimento cultural de cada país, de entre uma lista que é, a um tempo, exaustiva, limitada e facultativa.
Ora, a escolha a que se procedeu não esgota o leque de opções inscrito na Directiva; o que se entendeu adequado fixar vai essencialmente na linha do que se encontra já instituído no corpo do respectivo Código. A enunciação das novas excepções, feita agora, tem em consideração a necessidade de ajustar o direito de autor às novas realidades tecnológicas, respeitando-se o enquadramento previsto no diploma comunitário.
No que diz respeito ao acórdão do Tribúnal Constitucional n.º 616/2003, de 16 de Dezembro, que definiu parcialmente como inconstitucional a Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, declarando inconstitucionais as normas do artigo 3.°, n.os 1 e 2, e que por mera desconformidade temporal - como sabem, o acórdão ainda não está publicado e não era conhecido em 7 de Janeiro, data da aprovação em Conselho de Ministros não foi, de imediato, tido em conta na proposta de lei.
Deve ser, evidentemente, feita a reformulação em conformidade: a remuneração referida não poderá ser fixada por actos privados ou administrativos, mas apenas através de intervenção da Assembleia da República.
O mesmo se diga relativamente à questão da retroactividade da futura lei em matéria penal, que deve ser excluída do artigo 8.º, relativo à aplicação no tempo da futura lei, para evitar uma inconstitucionalidade.
É devida uma menção especial à questão da cópia privada.
No que respeita ao domínio da reprografia, manteve-se na íntegra o que já dispõem as legislações portuguesas e europeia, a saber: a reprografia é admitida para fins exclusivamente privados. Semelhante posição é adoptada em geral para o campo da cópia privada, analógica ou digital. Como contrapartida da admissão da cópia privada, aspecto que é de fundamental interesse, é proposta a manutenção da "remuneração equitativa" criada na lei a favor dos legítimos titulares de direito. A referida remuneração é alargada no âmbito digital aos suportes usados pelos cidadãos na reprodução, para fins privados e não lucrativos, de obras e prestações protegidas.
O esquema proposto segue assim, em linhas gerais, as orientações comuns da matéria alcançadas nos demais Estados europeus, em especial aqueles cuja tradição é semelhante à nossa.
Por outro lado, e com vista assegurar a cabal e legítima aplicação da mencionada remuneração equitativa a favor dos autores, artistas, produtores de fonogramas e de videogramas e ainda dos editores, a presente proposta de lei incorpora alterações à Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, visando introduzir melhorias técnicas suscitas pela experiência colhida nos anos de vigência da referida lei.
Deste modo, em sintonia com legítimas preocupações expressas pelo mundo da criação e da edição, estamos convictos de que esta melhoria alcançará plenamente os efeitos pretendidos pelo legislador, uma necessária harmonia, ou, se preferirem, o equilíbrio entre os diversos, e às vezes contraditórios, direitos e interesses dos grupos em presença.
O Governo está consciente da manifesta importância cultural, social e económica da proposta de lei. Tendo hoje tomado conhecimento e apreciado devidamente o notável relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, manifesta-se globalmente de acordo com as conclusões apresentadas no seu ponto 6.
Em conclusão, por detrás da linguagem técnica característica da propriedade intelectual, encontram-se nesta proposta algumas das respostas aos desafios colocados à afirmação cultural dos portugueses e ao incentivo e à inovação, no quadro de uma sociedade da informação, cujo aprofundamento é urgente prosseguir nos próximos tempos.
A projecção e o prestígio de Portugal no mundo são, em grande parte, assegurados e amplificados pelas obras dos autores e criadores nacionais, que, por isso, devem ser sempre adequadamente protegidos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Qual é o tema da sua interpelação, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é para prestar uma informação conexionada com uma menção feita pelo Sr. Ministro da Cultura aos trabalhos da 1.ª Comissão.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tive a ocasião e o prazer de relatar o parecer e pedi, no contexto da sua preparação, ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares que fossem transmitidos à Comissão os documentos que, ao longo de muitos meses, cerca de um ano meio, de trabalho, tinham sido enviados ao Ministério da Cultura procedentes de diversos departamentos, identidades públicas e privadas de várias naturezas.
Gostaria de registar, Sr. Presidente, que não foi possível receber esses textos a tempo de os discutirmos na 1.ª Comissão, antes da discussão na generalidade, mas o Sr. Ministro da Cultura acabou de os depositar, tenho-os aqui comigo. Obviamente, não podem ser considerados neste debate, pois não tive sequer ocasião de os folhear (aliás, nenhum de nós, salvo o Sr. Ministro), mas julgo que poderão ter utilidade no debate em sede de especialidade. Lamento que não tivessem sido entregues antes; de qualquer maneira, vamos poder usá-los.
Sr. Presidente, era este o registo que gostaria de deixar neste momento.

O Sr. Presidente: - Fica feito o registo.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Francisco Louçã para apresentar o projecto de lei n.º 414/IX, informo a Câmara que já se inscreveram vários Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro.
Tem a palavra, Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Cultura referiu o seu acordo relativamente às conclusões do relatório da 1.ª Comissão a respeito desta matéria. Ainda bem que o fez, porque uma parte da motivação crítica que suscitou a apresentação, por parte do Bloco de Esquerda, do projecto de lei nasceu da nossa inconformidade com as soluções adoptadas pela proposta do Governo, e a Comissão adoptou o mesmo sentido crítico.
A matéria mais importante é obviamente a que diz respeito à retroactividade da lei penal e até à falta de ponderação das propostas penais que são incluídas nesta lei. Assim, sabemos que a violação do domicílio é punida em Portugal com um ano de prisão, mas a cópia definida como ilegal nos termos desta lei é punível com três anos de prisão. É por isto que nos parece indispensável olhar para a Directiva e procurar fazer uma transposição que respeite os direitos dos autores e dos consumidores, numa sociedade de informação que tem de ser mais livre e mais responsável.
Ora, a transposição desta Directiva tem suscitado grande polémica, o que levou muitos países da União Europeia a adiá-la e a considerarem soluções diversas daquelas que hoje nos são propostas.
Deste ponto de vista, uma das matérias decisivas no nosso projecto de lei é saber como é que os direitos dos autores e o dever de transparência na sociedade de informação são garantidos no que concerne à aplicação das "medidas eficazes de protecção tecnológica", sendo este o centro do projecto de lei do Bloco de Esquerda que é apresentado nesta discussão.
Acontece que o figurino das medidas tecnológicas propostas pela transposição da Directiva tal como o Governo nos apresenta impede que as excepções que aqui são consideradas, nomeadamente sobre bibliotecas, instituições de ensino, citações para efeitos científicos e outras, possam ser respeitadas no contexto desta regulamentação.
Por exemplo, a Biblioteca Nacional e o direito do depósito legal seriam prejudicados se a Directiva fosse transcrita tal como é proposta, visto que seria impossível a mudança de formatos para preservar os conteúdos digitais quando isto é imposto pelas normas do depósito legal. E, pior do que isto, é aberto um precedente que tem a ver com segurança nacional, porque a proibição da investigação científica em criptografia, que levou, por exemplo, a Dinamarca e o Reino Unido a introduzirem excepções no que diz respeito à transposição desta Directiva, viria a pôr em causa um fundamento essencial do conhecimento científico, de que nenhum país pode abdicar.
A proibição de artigos ou de investigação científica sobre criptografia, no que diz respeito à transposição de formatos digitais, é, deste ponto vista, absolutamente inaceitável e completamente lesiva do interesse nacional.
O que realmente temos de considerar - e é por isto que o projecto de lei do Bloco de Esquerda se concentra sobre a matéria das medidas tecnológicas - é como é que a protecção dos direitos dos autores pode ser consagrada nesta sociedade. E por isso mesmo não podemos aceitar medidas legislativas, a pretexto dessa eficácia tecnológica, que possam impedir um comprador legal de um DVD de o ouvir ou de o ver no seu computador. É inaceitável que se possam estabelecer barreiras em que é o produtor dos formatos digitais que se vai impor à lei e às suas regras, impedindo o acesso dos consumidores que legalmente

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compraram os seus produtos.
Segundo esta lei, o cidadão Pedro Roseta que comprasse, no Brasil, um DVD de Caetano Veloso, poderia ser preso por três anos caso, tendo-o comprado legalmente, o quisesse ler ou ouvir em Portugal. É esta imposição de barreiras, por via da força, da prepotência monopolística do produtor que prejudica os autores e os consumidores que adquiriram legalmente um determinado produto cultural. E é inaceitável permitir uma monopolização dos produtos ou dos formatos, como sucessivas empresas têm vindo a fazer.
Há cerca de 15 dias, um tribunal italiano teve de decidir sobre a seguinte questão: a playstation da Sony só admite na sua consola produtos da Sony e só os dirigidos ao mercado regional, porque os produtos da Sony de outro mercado regional não podem ser lidos; um jovem, que tinha superado essa barreira para utilizar esta consola como entendesse, foi protegido pelo tribunal, porque este entendeu que a Sony não tinha razão e estava a prejudicar um interesse fundamental deste ponto de vista.
Este monopólio de produtos informáticos não pode ser aceite em nome justamente da liberdade de criação e da responsabilidade do consumidor.
Por isso, o projecto de lei do Bloco de Esquerda introduz o direito legítimo dos autores de controlarem as técnicas de reprodução, ou seja, determina que sejam os autores e não as produtoras a decidirem sobre se aplicam ou não medidas de protecção tecnológica, e opõe-se, em consequência, ao controlo monopolista sobre as obras digitais e os formatos por parte das produtoras e impede que seja a tecnologia a ditar as regras que a lei não estabeleceu. Dito de outra forma, não é o programa informático mas, sim, o autor que deve decidir as condições de utilização legal e legítima da sua obra nesta sociedade de informação.
O Professor Oliveira Ascensão, que é um dos grandes especialistas de direito nesta área, numa audição (a única, aliás) que preparou este debate em sede da 1.ª Comissão, deu o seguinte exemplo: imaginem que o produtor oferece um suporte digital de Os Lusíadas mas impõe que ao fim de um certo número de leituras ele deixe de poder ser utilizado pelo consumidor. Aqui temos a forma como o produtor se sobrepõe ao direito legal do consumidor no garantir dos seus direitos.
Por tudo isto, apresentamos sobre esta matéria um projecto de lei para corrigir os erros da transposição desta Directiva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou agora dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Cultura.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, hoje tratamos da transposição da Directiva que visa harmonizar certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação e onde se reconhece que o mundo digital, o mundo em rede, é um mundo que tem especificidades neste âmbito.
Estimulam-se, por esta via, novos produtos, novos serviços e também novas formas de exploração e fruição. Estamos a pensar, por exemplo, na transmissão a pedido, de telemóveis de terceira geração, de video on demand e de tantas outras possibilidades que se abrem.
Sabendo-se que as novas possibilidades também se abrem para a fruição sem consentimento, requer-se mais segurança e mais protecção da propriedade intelectual para que se possa estimular o investimento em criatividade e em inovação, por forma a haver um estímulo para que os autores continuem a criar.
Prevêem-se evidentemente também excepções ponderosas, como são os casos que têm a ver com a educação, com a saúde, com a solidariedade social e com a investigação científica, mas são excepções que, no meio digital, também são mais onerosas para quem as autoriza, para quem as consente. Fala-se, por isso, na necessidade de contemplar medidas tecnológicas de protecção por forma a precaver usos indevidos.
Neste sentido, é necessário reconhecer valor jurídico a estas medidas de protecção. E aqui a primeira pergunta, Sr. Ministro: porquê a tutela penal? Qual é a lógica de haver uma tutela penal e não meramente de contra-ordenação? É a consciência de que de facto as possibilidades à contrafacção, por exemplo, são vastas e que só isto vai dissuadir os infractores?
Em segundo lugar gostava de perguntar se o Governo está disponível para retirar a excepção contida na alínea q) do n.º 2 do artigo 75.º relativa às utilizações de menor importância vigentes no ambiente analógico, que, em todo o caso, não nos parecem despiciendas.

O Sr. António Filipe (PCP): - Para isso basta a maioria!

O Orador: - Terceira pergunta: esta comissão de mediação e arbitragem que se prevê é ou não o

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reconhecimento de que o tempo na era do digital e na era em rede é o do instante? Isto é, não podemos continuar a aguardar horas, porque a lesão pode ser gravosa nesta matéria. Por isso, pergunto-lhe, Sr. Ministro, se esta comissão está ou não habilitada para a composição provisória de litígios em matéria de excepções e de limitações, bem entendido.
Por último, Sr. Ministro, estamos a onerar suportes virgens e, mormente no caso dos suportes digitais, presume-se que pode haver um determinado uso. Por isso, vamos onerar esses suportes, compensando assim o uso que eles poderão vir a ter no futuro. A questão é que não é igual ter um suporte que armazene 20 horas de música e um outro que armazene apenas 3 horas de música. Pergunto: há ou não disponibilidade, do ponto de vista do debate, para admitir que talvez aqui seja de introduzir uma variação ou uma gradação?
Sr. Ministro, saúdo a abertura do Governo neste debate, saúdo também o equilíbrio com que ponderou quer os interesses do utilizador quer os direitos do criador. É uma missão difícil, que sabemos que custa, mas é a missão de quem tem responsabilidades de governar com ponderação, e por isso aceite o nosso cumprimento, Sr. Ministro.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Cultura fez saber à Mesa que responderá em conjunto aos vários pedidos de esclarecimentos.
Sendo assim, tem agora a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, depois de o ouvirmos sabemos duas coisas: o que nos traz e o que não nos traz. O que não nos traz é novidade nenhuma sobre medidas de política integrada de protecção dos autores ou dos criadores, artistas, intérpretes, executantes. Não nos traz nenhuma grande novidade aliciante para os consumidores, para aqueles que fruem os bens culturais e que muito gostariam de ouvir novidades do tipo "a supressão da injustiça" em relação ao IVA, que pune a aquisição de bens de carácter musical, como os DVD e outros. Percebo que a Sr.ª Ministra das Finanças não o autorize, nem lhe dê qualquer margem de escolha, e, portanto, é um Ministro um pouco diminuído deste ponto de vista, como muitos outros, naturalmente, está muito acompanhado…!

Risos do PS, do PCP e do BE.

Também não nos traz qualquer novidade em relação às promessas da maioria quanto a quotas ou a percentagens mínimas de música portuguesa, outras medidas de protecção da edição do livro, da criação cultural, ou até, coisa mais simples, de meios para a Inspecção-Geral das Actividades Culturais actuar, e actuar a sério, não contra o Manel, que faz um download de um site ao abrigo de normas aplicáveis e razoáveis, mas contra os centros de pirataria, que, organizadamente, fazem reproduções com efeito destrutivo, anticomercial, lesão da concorrência e outros danos. Tem um orçamento, como se sabe, horrendo, e não nos traz, nesta matéria, senão a confissão silenciosa e um pouco embaraçada da sua situação.
Mas traz-nos ao menos uma proposta palatável. O trabalho de exame e a atitude humilde que adoptou parece-me recomendável, porque de facto o tempo perdido nesta matéria, Sr. Ministro, é significativo. Teria talvez havido tempo, com todos estes meses, para encetar uma revisão de fundo do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. Já é tempo e ele está transformado numa manta de retalhos - bem precisa que V. Ex.ª tenha um golpe de asa, nomeando alguém que comece este processo. Mas, quanto a esta revisão intercalar, traz-nos boas notícias?
A Directiva foi controversa, já falaremos disso certamente, mas atingiu, na sua fase final, um equilíbrio durante a presidência portuguesa, no ano de 2000, tendo sido publicada só no ano seguinte. Portanto, acompanhei isso, numa certa óptica, com muito cuidado e esse resultado é distinto do início. No início as Spice Girls queriam a proibição dos proxy servers, a proibição do cashing, o fim do browser. No fim, atingiu-se um resultado mais equilibrado.
A proposta que o Sr. Ministro nos traz tem como características formulações de acepções que geram uma controvérsia inútil - temos de dirimir isto em sede de especialidade - e a criminalização com prisão até 3 anos de quem neutralizar dispositivos anticópia ou outros métodos tecnológicos de protecção em condições que são completamente desaconselháveis, Sr. Ministro, e com aplicação retroactiva a 22 de Dezembro de 2002,…

Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.

… o que, acho, só pode ser um lapso monstruoso! Isto porque, como toda a gente sabe, e o Sr. Ministro,

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que foi membro do Conselho da Europa, da Assembleia Parlamentar e constituinte, sabe perfeitamente, essa regra das regras não pode ser espezinhada. A opção é um erro!
A outra questão que lhe deixo nesta sede, Sr. Ministro, diz respeito às funções de revisão da cópia privada. 3% para tudo?! Para que suportes e em que condições? Qual foi o parecer da UMIC sobre a não aplicação a equipamentos digitais? Como é que se chegou a esta proposta que nos trouxe?
Responda, concreta e cristalinamente, pelo menos, a estas interrogações.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Cultura salientou a complexidade e a dificuldade deste processo legislativo de transposição desta Directiva e até referiu que isto terá determinado o atraso, que é manifesto, nessa transposição.
Por isso, o desafio que lhe faço neste início de debate é que compartilhe essas dificuldades connosco, porque se o Governo entende o debate que estamos a realizar hoje como um ponto de chegada e vem aqui já certo das soluções que pretende ver aprovadas, então, aí, estaremos a ir por um mau caminho, porque, como já foi referido, esta proposta de lei contém soluções que são, no mínimo, confusas, de difícil aplicabilidade e que se prestam a grandes dificuldades de interpretação, o que significa que se prestam a várias interpretações, e isto criaria dificuldades insuperáveis na sua aplicação; contém soluções que, em alguns casos, são mesmo inaplicáveis, remetendo para entidades que não estão ainda constituídas; contém soluções que são negativas, em alguns aspectos, para os legítimos interesses dos criadores de trabalho intelectual; e, como já foi referido, contém também soluções que são manifestamente inconstitucionais.
E, portanto, neste quadro, a questão que se coloca é se o Governo aceita considerar este debate como um ponto de partida, que, manifestamente, nos parece ser, porque é a primeira vez, desde há vários anos, que estamos a discutir esta matéria em Plenário. Se assim for, talvez possamos entender-nos em relação algumas questões fundamentais.
Esta é uma matéria que suscita um manifesto interesse por parte das entidades representativas dos interesses e dos direitos legítimos dos criadores intelectuais, dos artistas e das indústrias culturais, e estas entidades têm toda a disponibilidade e interesse em contribuir com propostas concretas para melhorar aspectos concretos essenciais da proposta de lei que aqui é apresentada.
Portanto, se o Governo estiver disponível para, no debate da especialidade, que será um debate árduo, mas, apesar disso, esperamos que seja célere, aceitar os contributos destas entidades e entender contribuir para valorizar o trabalho que a Assembleia da República pode e deve fazer nesta matéria, talvez possamos melhorar muito significativamente esta proposta de lei.
Daí que a pergunta fundamental que fazemos neste início de debate seja: qual é disponibilidade do Governo para colaborar com a Assembleia da República na fase de especialidade que se vai seguir? E aqui, estou certo, pelo seu passado parlamentar, de que o Sr. Ministro da Cultura não vai deixar de contribuir para que a Assembleia se prestigie com este processo legislativo, para que, desta vez, possamos sair daqui com uma lei que seja, efectivamente, para aplicar, porque leis inaplicáveis, infelizmente, o País já tem muitas. Esperamos que todos possamos contribuir para que esta seja uma lei a sério, de que o Parlamento se possa vir a orgulhar no futuro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E não cobramos direitos de autor pelas nossas propostas!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o tempo escasseia, mas teremos ocasião de, em sede de especialidade, debater largamente este assunto. Portanto, vou tentar não ultrapassar o tempo escasso de que disponho.
Permitam-me que comece pelo fim. O Sr. Deputado António Filipe colocou-me uma questão, para a qual, quase com certeza, já sabe a resposta, pois ele próprio a adiantou.

O Sr. António Filipe (PCP): - Nunca se sabe!

O Orador: - É evidente que estou disposto a compartilhar as dificuldades nesta matéria, que são muitas e foram por todos reconhecidas, e nunca me passou pela cabeça que esta proposta de lei fosse um ponto de chegada, mas, sim, um ponto de partida, como é evidente.
Trata-se de uma matéria que é da competência da Assembleia, porque trata de direitos, trata de equilíbrio

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entre direitos, como eu disse aqui. Há direitos de autor, direitos de acesso à cultura, direitos de utilizador, há vários direitos que estão aqui em jogo, e por detrás de todos eles está a procura da melhor forma de encontrar a afirmação de um direito essencial da pessoa humana, que é o direito ao acesso à criação e à fruição de obras culturais.
Portanto, perante isto, a minha resposta só pode ser afirmativa. Estou totalmente disposto a melhorar o mais possível este diploma, sendo certo que há limites, e os limites são os que constam da própria Directiva e da tentativa de alcançar um equilíbrio, como é evidente. Tirando isto, a minha resposta à sua questão é afirmativa.
O Sr. Deputado Gonçalo Capitão colocou-me uma série de questões de muito interesse, que levariam algum tempo a responder.
No que se refere à tutela penal, que é uma questão que também foi aflorada por vários outros oradores, quero distinguir dois pontos: o princípio e a moldura penal.
Quanto à moldura penal concreta, Srs. Deputados - e eu próprio tinha isto aqui nas minhas notas -, certamente que no debate em sede de especialidade serão encontradas soluções que possam permitir a obtenção de consensos úteis nesta matéria.
Agora, onde há uma discordância, pelo menos, ao que julgo, com o Bloco de Esquerda e, eventualmente, com outros grupos parlamentares, é em eliminar a protecção penal. Julgo que a existência de sanções penais para protecção da propriedade intelectual é uma tradição jurídica portuguesa muito antiga, e também uma tradição europeia e americana, que sanciona a violação dos direitos de autor.
Penso que no ambiente digital só através de medidas técnicas é possível proteger adequadamente as obras e daí também a necessidade de uma protecção jurídica dessas medidas técnicas num quadro sancionatório da sua violação que seja dissuasor. Julgo que simples contra-ordenações desqualificariam o direito de autor e poderiam dar um sinal errado à sociedade relativamente à protecção dos bens intelectuais numa altura em que estes são cada vez mais protegidos a nível mundial e cada vez mais é reconhecida a sua importância.
Portanto, revisão da moldura penal "sim"; desaparecimento da protecção penal "não".
Segunda questão, e vou ser telegráfico, em relação à questão que me colocou sobre a retirada da alínea q), devo dizer que houve várias entidades que pediram esta retirada. A norma a que se refere não institui qualquer nova excepção, trata-se apenas de uma norma de puro teor interpretativo, por isso não nos parece que seja indispensável a sua inclusão no texto da futura lei se, em sede de comissão, assim for julgado conveniente.
No que diz respeito à questão do tempo, a solução do Governo é a remissão para a Comissão de Mediação e Arbitragem da resolução dos litígios sobre as excepções que opõem os titulares de direitos e os utilizadores pela necessidade de resolver com muita brevidade os litígios, aspecto que seria mais difícil de obter por outras formas, designadamente pelo recurso aos tribunais.
A sua última questão - e vou ser ainda mais breve - julgo que tem a ver com a questão das remunerações equitativas. Por que é que elas são aplicáveis a certos equipamentos e não a outros e por que é que não se aplicam aos equipamentos digitais? Porque seria dar um sinal de não desenvolvimento rápido da sociedade de informação. E julgo que só a Alemanha é que admitiu aplicar essa remuneração relativamente aos computadores, e mesmo aqui isso foi muito contestado. Todos os outros países exceptuaram os equipamentos digitais dessa remuneração equitativa, mas em tudo o resto essa remuneração equitativa está assegurada e protegerá, portanto, todos os autores.
Sr. Presidente, não sei se ainda tenho tempo para responder ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Com a benevolência da Mesa, sim, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Presidente, é que as perguntas eram muitas e o tempo pouco.
Sr. Deputado José Magalhães, no que se refere à supressão da injustiça em relação ao IVA, como sabe, é uma matéria que não é da competência do Ministério da Cultura e que, além disso, é também da competência da União Europeia.
Em muitos países, incluindo Portugal, espera-se que, um dia, seja possível aproximar o IVA que incide, por exemplo, sobre os discos, DVD, etc., do IVA que incide sobre os livros. É uma aspiração minha, como, certamente, calcula.
Para o ano esperamos dar meios à Inspecção-Geral das Actividades Culturais, que, na medida do possível, tem feito um bom trabalho.
Não creio, Sr. Deputado - respondendo telegraficamente -, que houvesse possibilidade de rever o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos neste prazo. Não me parece. A Revisão do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos será necessária, mas é uma matéria que, como certamente sabe, é muitíssimo complexa e vasta, que exige muito tempo e que choca, evidentemente, com interesses muito

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divergentes.
No que diz respeito à criminalização já respondi e também já disse que a moldura penal pode, efectivamente, ser reduzida.
Quanto à questão da retroactividade da lei penal, sim, tratou-se de um lapso, aliás eu próprio já tinha dito isso. Faltava realmente o n.º 2 desse artigo, salvaguardando a não retroactividade da lei penal. Mas os lapsos corrigem-se, e peço desculpa por ele.
Há ainda uma última questão, mas julgo que já não tenho tempo para lhe responder, pelo que ficará para o debate na especialidade.
À excepção desta última, penso que acabei por responder a todas as questões que me foram colocadas. De qualquer modo, teremos, certamente, não apenas um debate mas um trabalho de aperfeiçoamento desta proposta, com os limites que há pouco já referi, que são os limites da Directiva e a protecção dos direitos de autor, que é essencial para o Ministério da Cultura.
Ao contrário do que tem sido dito em leituras que não são efectivamente correctas esta proposta de lei protege os direitos dos autores e vamos fazer todos os esforços para que os proteja o mais possível.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Sr.as e Srs. Deputados: Discute este Plenário, agora, direitos de autor e direitos conexos. E, porque assim é, começo por registar a presença nas galerias de autores, artistas, criadores, da Direcção da Sociedade Portuguesas de Autores (SPA), do Gabinete do Direito de Autor (GDA) de produtores, enfim, de pessoas ligadas a esta matéria que com a sua presença e também com o acompanhamento do percurso legislativo mostram a sua atenção e contribuem para a perfeição da legislação que esta Câmara vai produzindo. Bem hajam por isso, e os nossos cumprimentos.
Analisamos, portanto, os modos de utilização e exploração económica dos bens intelectuais nas redes digitais. Hoje, todos reconhecemos que a engenharia informática, além de outras tecnologias, produziu enormes e significativas mudanças na forma de encarar toda a produção artística, científica e técnica.
Por esta razão, urge modificar as normas jurídicas sobre os direitos de autor de modo a actualizar as referências normativas às novas tecnologias em complexa e permanente mudança.
A Directiva comunitária que se pretende transpor para a ordem jurídica interna reflecte a preocupação comum aos países da União Europeia em proteger os direitos de autor que, mercê dessa evolução tecnológica, passaram a padecer de graves e repetidas violações.
A Directiva comunitária em causa deve, pois, ser alvo de profunda reflexão, sobretudo e como aqui já foi dito, em sede de discussão na especialidade.
A proposta de lei n.º 108/IX é, do nosso ponto de vista - e também já aqui foi referido pelo Sr. Ministro -, uma proposta de reflexão para a discussão na especialidade.
A reflexão que todos devemos fazer é, essencialmente, qual o equilíbrio entre os interesses, em alguns casos conflituantes, dos autores e dos consumidores, sendo certo que, como expressamente se reconhece na exposição de motivos da proposta de lei, a matéria em causa "(…) respeita a uma actividade fundamental no domínio da cultura (…)". Trata-se, pois, de harmonizar e de promover o adequado equilíbrio entre os diversos direitos e interesses em presença. E, neste particular, avulta além do mais a necessidade de garantir a justa compensação a quem assiste à exploração económica do seu trabalho. Não obstante, estamos conscientes de que, na transposição das directivas, muitas vezes os Estados não possuem a margem de manobra que por vezes pretendiam. Não existe espaço para encontrar soluções criativas, nem sempre há alternativas às propostas pelas instituições comunitárias. É o justo preço a pagar pela integração em prol do não estabelecimento de entraves à livre circulação de pessoas e bens.
Por este motivo, é sempre um enorme desafio a transposição de uma directiva comunitária.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que agora analisamos e à qual me estou a referir é um passo dado por este Governo na defesa da cultura e pretende, com toda a abertura permitida pela Directiva comunitária, lançar o debate sério sobre o modo de utilização e exploração económica dos bens intelectuais nas redes digitais, bem como sobre a cópia privada destes bens intelectuais.
Mais: gostaríamos de salientar que esta proposta contém um enquadramento legal que incentiva não apenas os acordos entre os produtores dos bens e os seus utilizadores mas também a resolução de conflitos pelo recurso à mediação e arbitragem.
Daí que o CDS-PP encare esta proposta de lei não como um resultado final mas, antes, como um ponto de partida para um trabalho reflectido e ponderado em sede de discussão na especialidade. Esse resultado final deverá reflectir o justo equilíbrio entre os direitos dos titulares, originários ou não, dos bens

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intelectuais e os direitos dos consumidores. É isto que assumidamente pretende a proposta de lei do Governo. É isto que pretende também o Grupo Parlamentar do CDS-PP.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate tardou, mas faz-se e vai abrir uma linha de trabalho na 1.ª Comissão, e faço votos que culmine num resultado equilibrado.
Não se acuse a Directiva daquilo de que ela não é responsável. Vejo a paixão europeísta do CDS-PP aqui expressa em termos ardentes com muita curiosidade, mas, nesta matéria, a margem de liberdade do legislador português é considerável e, sobretudo, o que não deve fazer é o contrário do que a Directiva sugere, como proibir onde a Directiva autoriza, ou o contrário. Deve ser fiel à Directiva e exemplo concreto na definição das excepções com rigor, com equilíbrio e justiça.
A própria Directiva surgiu tarde. Os tratados Internet, da Organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI), foram aprovados na Conferência Diplomática de Genebra, como se sabe, em 1996. O processo através do qual nos Estados Unidos da América se aprovou o Digital Millennium Copyright Act foi muito rápido e essa lei, de 1998, vigora há muitos anos e, neste momento, está a discutir-se a sua revisão para, por exemplo, através de determinados mecanismos de protecção, não sacrificar excessivamente os direitos dos consumidores, dos utilizadores, não permitir o impedimento de possibilidades de usos que sempre existiram no mundo pré-digital e que devem continuar a existir no mundo digital, que não deve ser considerado satânico ou maldito pelas suas características de facilidade de cópia em instantaneidade, simplicidade e globalização na transmissão dos conteúdos.
O Digital Millennium Copyright Act vai ser revisto; há várias iniciativas do Congresso. A Directiva europeia está longe de ter visto o seu percurso de transposição concluído e só uma minoria de Estados - é verdade! - efectuou, em tempo, a transposição.
No entanto, a lição desses deve servir-nos de proveito e não o contrário. Não vejo qualquer razão para nos regozijarmos pelo facto de estarmos tão atrasados, porventura até menos do que a Espanha, sendo certo que os problemas dos nossos criadores exigiriam, desde há muito, medidas cautelares e clarificações que só agora, porventura, vão ser introduzidas. Não ganhámos nada com isto! Absolutamente nada! E quando o Sr. Ministro da Cultura nos diz: "Ah! Durante este ano e tal de mora não teria sido possível desencadear qualquer trabalho sério em matéria de uma revisão de fundo do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos?", permita-me que lhe diga, Sr. Ministro, que não partilho essa opinião - aliás, não estou sozinho - e não vejo o que ganhámos. Porventura, ganhámos este dossier. Mas, do que aqui está, o que é que foi vertido para a proposta? É o que nós vamos descobrir, mas muito não foi vertido, infelizmente.
Algumas das novidades mais recentes, evidentemente, não poderiam ter sido vertidas, pois se o Gabinete do Direito de Autor (GDA) chegou recentemente a um acordo com a Associação Fonográfica Portuguesa no sentido de propor uma tutela para determinadas situações relacionadas com os produtores de fonogramas, videogramas e outros aspectos conexos, é evidente que isto não poderia ter sido vertido, mas ainda pode ser vertido. Mas impressiona-me, Sr. Ministro, que, havendo tantas questões estruturais que poderiam ter sido consideradas, começadas a estudar cuidadosamente, rumo a uma revisão global, se tenha perdido tanto tempo para chegar a este resultado. Mais: não me parece ter dado grandes mostras de que há questões urgentes, como, por exemplo, as relacionadas com o depósito legal digital, que não devem esperar muito, porque, Sr. Ministro, a memória digital portuguesa está a ser feita pelos norte-americanos, por aqueles que "engarrafam" a web e lá colocam a região portuguesa em modesta proporção.
Quais são as regras do jogo em Portugal? Qual é a entidade encarregada de fazer este trabalho de arquivo? Que regras é que tem? Que meios é que tem? Quais são as contrapartidas para os autores? Tudo isto não é algo para "deglutir" a uma velocidade excessivamente lenta, julgo eu.
Em relação ao percurso da Directiva, em Portugal, sugiro, portanto, Sr. Ministro, que a estudemos cuidadosamente, porque ela na versão final tem equilíbrios que não constavam da versão inicial. Tenhamos isto em consideração.
Por outro lado, Sr. Ministro, não tenhamos a obsessão das medidas tecnológicas de protecção, porque estas medidas são encaradas, nos tratados e na Directiva, como uma faculdade dos criadores, dos autores, dos detentores de direitos, não são uma obrigação. E já há, aliás, no mercado português, uma experiência de utilização desses dispositivos e de não utilização. Muitos autores não só não querem utilizar esses dispositivos - não querem! - como têm uma política claramente contrária aos mesmos e colocam, tentativamente, na Internet conteúdos determinados, estabelecem uma nova relação com os seus futuros

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consumidores, procuram estabelecer formas de garantir pagamentos segundo modelos de negócio que são, hoje, totalmente inovadores e que estão a desenvolver-se e que não implicam o recurso, imaginário em muitos casos, à polícia, à ameaça de prisão, à hipercriminalização. Há muitos caminhos que devem ser explorados nesta matéria.
Quanto à retroactividade, ela está fora de questão, como é óbvio e como o Sr. Ministro já reconheceu, mas perturba-me que isto tenha podido acontecer.
Portanto, não tenhamos qualquer obsessão nesta matéria dos dispositivos e das medidas tecnológicas, não façamos o debate todo centrado aqui, não esqueçamos a questão dos direitos dos artistas, dos intérpretes, dos executantes, não esqueçamos a questão das suas relações justas com as entidades de radiodifusão e outras, matéria na qual se anuncia também um acordo para breve.
Relativamente à questão da cópia privada, haja capacidade para abrir uma nova página nesta matéria. A razão pela qual a lei aprovada em 1998 teve tantas dificuldades em singrar e se transformou num largo continente virtual - a Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP) terá cobrado € 6000 no ano passado - foi porque certas soluções não tinham clareza cristalina.
O Sr. Ministro e a maioria parlamentar têm agora, temos todos, a possibilidade de consagrar essas soluções e de elucidar como é que foi possível que algumas coisas que nos são propostas fossem propostas assim.
Quem é que teve a ideia de prever 3% sobre tudo: equipamentos analógicos, suportes analógicos virgens, suportes digitais? Mas que suportes, Sr. Ministro? Qual é a inspiração de direito comparado?
Eu cito no relatório da Comissão, como um exemplo curioso, a lei italiana. Na lei italiana, houve o cuidado de fazer uma distinção entres os vários suportes, porque há CD-RW, há CD normais, há aparelhos MP3, há DVD-HS, há DVD-R, há DVD-RW, há flashcards, como há pouco referi, e vão haver muitos outros suportes! E o Sr. Ministro quer tributar também, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, as drives externas, tipo Zip, Iomega? É isto que se quer?!
Ó Sr. Ministro, nesta matéria, tem de se ser de uma clareza absoluta e, não só, de uma justiça e de um equilíbrio enormes, razão pela qual não desespero de conhecer e de discutir com a Unidade de Missão Inovação e Conhecimento (UMIC), que tem responsabilidades na política de sociedade de informação, as consequências de cada uma destas soluções no mercado.
A Assembleia da República tem de ter respostas claras, estudos de impacto, destas soluções. Não se pode decidir por moeda ao ar, ou por parece que, ou mesmo até tendo em conta o direito comparado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Já concluo, Sr. Presidente.
Não vejo no direito comparado soluções como esta, por grosso, para que o Governo aponta.
Por último, Sr. Ministro, é preciso ter em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o que, em relação ao n.º 2 do artigo 3.º, em matéria de reprografia, implica um grande esforço de concertação entre a Assembleia da República e os titulares dos interesses contrapostos para se chegar a um número que possa ser consagrado legalmente, segundo a teoria e a jurisprudência de que se aplica aqui o artigo 103.º da Constituição.
Para isto, Sr. Ministro e Srs. Deputados, está o Grupo Parlamentar do Partido Socialista completamente disponível; para transpor fielmente a Directiva estamos completamente disponíveis; porém, para soluções tão espantosas como algumas das que nos apareceram aqui certamente que não e já começámos a contrariá-las, aliás, com êxito - congratulo-me por isso. E gostaria, aliás, de agradecer aos representantes dos autores, dos artistas, intérpretes e outros, que nos ajudaram e que, por exemplo, me transmitiram, com carácter de urgência, pareceres que pude anexar ao relatório da Comissão, essa contribuição e espero que ela continue. De resto, tenho a certeza de que ela continuará e faço votos para que a Assembleia da República aprove uma boa revisão do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Srs. Deputados: Temos de referir que este debate não começou mal, e, portanto, tudo indica que teremos possibilidades de, se não se puder chegar a acordo em todas as matérias, pelo menos, se poder aprofundar soluções mais adequadas relativamente a questões consideradas muito importantes.
Se é evidente que a chamada "pirataria" e a "cópia ilegal" não são problemas novos, obviamente que os avanços tecnológicos, a tecnologia disponível, criam novos e maiores problemas e desafios. E, se é

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evidente que não podemos, nem queremos, parar o avanço tecnológico, então temos de adaptar, como é óbvio, a legislação existente de forma a garantir direitos fundamentais que devem ser salvaguardados e que, neste caso, são os direitos dos criadores intelectuais e dos titulares de direitos conexos.
Não se trata aqui, como já foi referido, de proibir o que é "improibível", ou que seria absurdo ou irrelevante proibir, mas de encontrar mecanismos legais para reforçar os direitos de titulares de direitos legítimos. E importa sublinhar que a tutela dos direitos dos criadores é fundamental para que possa continuar a haver criação. Nesta matéria, não se pode, como se diria na velha história tradicional, "matar a galinha dos ovos de ouro"; isto é, não se pode desproteger de tal forma os direitos da criação intelectual por forma a tornar esta actividade absolutamente desincentivadora ou a levar alguns criadores a abandonarem esta actividade e a dedicarem-se a uma outra actividade. Nós não podemos empobrecer a actividade cultural do nosso país através da desprotecção dos direitos legítimos dos criadores intelectuais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a questão fundamental que se nos coloca neste processo legislativo é a de encontrar aqui uma forma de tutelar adequadamente os vários valores em presença, defendendo aquilo que é essencial defender.
Há questões concretas, e elas já foram referidas, que, obviamente, têm de ser alteradas na proposta de lei. Desde logo, os artigos 217.º e seguintes, relativos à tutela penal, que contêm soluções inadequadas quer relativamente às molduras penais adoptadas quer relativamente a uma retroactividade inconstitucional, que de facto não faz qualquer sentido. Esta é uma parte concreta e importantíssima do diploma que deve ser profundamente reformulada, e registamos a disponibilidade do Governo para aceitar essa reformulação.
Quanto às alterações propostas à chamada "lei da cópia privada", também nos parece que aqui devem ser feitas algumas alterações. Há, designadamente, que ter em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, tal como é referido no relatório que o Sr. Deputado José Magalhães elaborou para a 1.ª Comissão, que considera que os elementos essenciais da remuneração da cópia privada devem ser definidos por lei. E, do nosso ponto de vista, também não faz sentido a exclusão dos equipamentos digitais, sendo certo que todos os equipamentos que não são digitais, se já não estiverem obsoletos, estão condenados, a muito breve prazo, à obsolescência. Logo, a exclusão dos equipamentos digitais fará com que daqui a uns anos todos os equipamentos estejam excluídos, e, deste modo, deixaríamos sem remuneração a cópia privada e acabaríamos por estar a condenar a lei a uma cessação da sua vigência num prazo mais ou menos curto.
Portanto, há aspectos concretos que devem ser alterados.
Congratulamo-nos com as propostas concretas apresentadas a esta Assembleia - algumas dessas propostas o relatório da 1.ª Comissão ainda pôde dar conta, mas há outras que chegaram depois de ele ter sido elaborado - e que importa ter em devida consideração.
Pensamos que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias (presumindo que é a esta Comissão que esta matéria vai baixar), ou qualquer outra que for considerada competente em razão da matéria, deve proceder atempadamente às audições que se revelem necessárias e deve decidir. Não queremos que este seja um dos processos legislativos que ficam para aí, como se costuma dizer, e que, tendo sido realizados debates na generalidade e ditas boas palavras, acabam por ficar na gaveta.
Portanto, esperamos que se possa constituir desde já um grupo de trabalho para proceder às audições necessárias e para acertar soluções de forma a que, ainda nesta Sessão Legislativa, este processo possa ficar concluído, porque, se a transposição da Directiva já é tardia, quanto mais tempo demorarmos mais tempo passará sem que, em Portugal, os criadores intelectuais possam ter a sua situação e os seus direitos devidamente tutelados.
Da nossa parte há toda a disponibilidade para o trabalho célere que seja imprimido a esta matéria, obviamente, com a devida ponderação, para a qual estamos efectivamente disponíveis e empenhados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostava de dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que, provavelmente, na altura em que abrir o dossier que tem à sua frente vai surpreender-se, porque, presumo, a maior parte desses documentos já estarão na Internet e, como expert que é nesta área, já os poderia ter consultado.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Nem todos! Os do UMIC não estão, ou não estavam!

O Orador: - É uma nota que eu gostaria de deixar, Sr. Deputado, que é apenas de humor, e assim deve ser entendida.

O Sr. José Magalhães (PS): - Tem piada, mas não abrange os documentos do UMIC!

O Orador: - O Sr. Deputado diz-nos que esta transposição não traz novidades, porque não acarreta qualquer vantagem visível para o consumidor, e deu como exemplo desse facto o IVA. De facto, é importante termos atenção e começarmos a reflectir sobre este problema, mas foi pena não o termos feito já no tempo do governo do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!

O Orador: - Mais grave ainda, Sr. Deputado José Magalhães - e isto pode parecer-lhe recorrente -, é que devido à forma como o Partido Socialista, infelizmente, deixou as finanças públicas esse problema vai ser resolvido mas vai demorar ainda mais tempo.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Claro!

O Sr. José Magalhães (PS): - Façam melhor! Não fiquem agarrados ao passado!

Protestos do Deputado do PCP António Filipe.

O Orador: - O Sr. Deputado António Filipe portou-se tão bem até agora, não comece a portar-se mal agora.

Risos do PSD e do CDS-PP.

A proposta de lei n.º 108/IX regula a matéria de direito de autor e dos direitos conexos, designadamente os direitos de reprodução, de comunicação ao público e de distribuição de obras intelectuais. Assim sendo, procede-se à adaptação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos ao ambiente digital mediante a transposição para a ordem interna da Directiva 2001/29/CE.
Como primeira consideração, este novo enquadramento jurídico debruça-se, como sabemos, sobre matéria recente, complexa e em permanente mudança e transformação. Pretende adequar-se ao ordenamento jurídico nacional o ordenamento comunitário, fazendo-o numa moldura de grande razoabilidade e iminente necessidade. E esta grande razoabilidade é dirigida essencialmente ao Bloco de Esquerda, porque li com atenção o vosso projecto de lei e devo dizer-vos que não podemos ver só um lado do problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - É verdade!

O Orador: - Há muitos interesses e de difícil harmonização.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Muito bem! Isso é verdade!

O Orador: - Presumo, com elevado grau de certeza, que todos convergimos - e isto é que me parece importante e relevante - em considerar a utilização, a divulgação e o aproveitamento económico dos bens intelectuais nas redes digitais uma matéria fundamental para toda a sociedade, particularmente para a actividade cultural.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Também todos temos consciência de que o rápido e dinâmico desenvolvimento tecnológico multiplicou e diversificou para novas áreas as possibilidades de criação, de produção e de exploração

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dos bens intelectuais.
É pacífico que não são absolutamente necessários novos conceitos para a protecção da propriedade intelectual; no entanto, é notório e evidente que a legislação relativa ao direito de autor e direitos conexos deve ser reestruturada e complementada.
É necessário e urgente legislar no sentido de dar uma resposta séria e adequada à nova realidade económica, que inclui novas formas de exploração, designadamente no que respeita ao ambiente digital, e é isto que o Governo está a fazer. No entanto, é avisado que o quadro normativo a fixar seja justo e equilibrado e que atenda aos diversos interesses e direitos em presença, os quais, como eu disse há pouco, nem sempre são fáceis de compatibilizar.
A proposta de lei, que transpõe a já referida Directiva comunitária, é clara num ponto: em alicerçar um elevado nível de protecção dos direitos em causa, e é inquestionável que a sua protecção contribui decisivamente para a manutenção e desenvolvimento da actividade criativa.
Tendo em conta tudo isto, penso que deve ser transversal a todos grupos parlamentares a aceitação da transposição da Directiva comunitária em causa, sem prejuízo de, em sede de especialidade, se introduzirem novos contributos. E não devemos agarrar-nos à questão da inconstitucionalidade, sob pena de eu ter de lembrar que essa inconstitucionalidade, tantas vezes referida, advém da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, altura em que o Partido Socialista era governo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nessa altura não havia o acórdão do Tribunal Constitucional!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Srs. Deputados: O Governo está hoje a apresentar à Assembleia da República a proposta de lei que visa transpor para a ordem jurídica interna a Directiva comunitária sobre direito de autor e direitos conexos, na perspectiva da sociedade de informação. Fá-lo com atraso - é reconhecido -, atraso esse que também se verifica noutros países, porque trata-se de um domínio extraordinariamente delicado, onde a necessidade de harmonizar o direito de autor e direitos conexos deve, do nosso ponto de vista, procurar o patamar mais elevado de protecção, uma vez que tais direitos são, no fundo, essenciais para a criação intelectual.
É neste contexto, e tendo em conta a Directiva elaborada na sequência da aprovação dos tratados conhecidos por "os tratados da net", que estamos a discutir se a proposta de lei para criar uma moldura jurídica capaz de se ajustar às múltiplas transformações e mutações ocorridas nas técnicas de transmissão e comunicação das obras é ou não capaz de garantir adequadamente, por um lado, a conciliação dos direitos, de algum modo conflituantes, em jogo e, por outro, preservar bens culturais, patrimoniais e a produção intelectual face à ofensiva extraordinariamente forte das industrias culturais e de uma verdadeira economia paralela.
Múltiplas intervenções já assinalaram o facto de esse conflito de interesses não ser fácil. Sabemos pelos documentos que nos foram enviados antecipadamente, quer pela Sociedade Portuguesa de Autores, quer pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, quer pela Associação para a Gestão da Cópia Privada, que as reservas sobre a presente proposta de lei são múltiplas e grandes e que alguns dos contributos dados não foram incorporados. Em todo o caso, a intervenção do Sr. Ministro da Cultura evidenciou, como, aliás, é usual, abertura para acolher aquilo que é fortemente crítico em vários domínio e que esta discussão já identificou.
Gostaria de dizer, por isso, que, do nosso ponto de vista, sendo importante pôr fim a esta economia paralela e garantir efectivamente condições para que este alargamento seja bem feito e tipificado, de forma a não dar margem a conceitos abstractos e a não resultar em pouco mais do que nada, é importante que um dos aspectos mais críticos identificados na proposta de lei, na alteração ao n.º 2 do artigo 75.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, seja diferentemente resolvido; ou seja, no fundo a clarificação do conceito de "fins exclusivamente privados", sob pena de, manifestamente, serem boas as intenções mas ser nulo o resultado.
O mesmo nos parece quanto à necessidade de estender diferentemente, tendo em conta aquilo que a net hoje nos permite, a inviabilização de reprodução de obras quando elas não visam o uso privado.
A nosso ver, tal como já foi referido, também toda a parte penal deveria ser vista de modo distinto, sugerindo-se, por exemplo - e esta parece-nos, à partida, uma boa proposta -, a formulação alternativa que vem da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e que poderia ser, porventura, um elemento bem mais dissuasor para prevenir a cópia privada, a apreensão do material ilegalmente reproduzido, bem como das máquinas que tenham sido utilizadas na prática da infracção.

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Em todo o caso, para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de alertar para uma questão que, a meu ver, poderia e deveria ser equacionada e que tem a ver com a própria experiência de França e com uma verdadeira ofensiva, bem sucedida, de informação, uma verdadeira campanha pedagógica junto da opinião pública, tendo em vista, no fundo, prevenir a banalização e o recurso sistemático a materiais produzidos no desrespeito dos direitos de autor.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

A Oradora: - Esta foi uma tentativa feita em França, dirigida às escolas, e parece-me que esta medida, que naturalmente não inviabiliza todo o enquadramento jurídico, é uma possibilidade que, do nosso ponto de vista, não deveria ser desperdiçada.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, o debate permitiu, até agora, esclarecer que a proposta de lei será profundamente transformada em sede de especialidade, e ainda bem. É um sintoma de razoabilidade, embora seja sempre curioso ouvir recomendações de razoabilidade por parte de uma maioria que chegou aqui a defender a retroactividade da lei penal a 23 de Dezembro de 2002. Enfim, há várias razoabilidades, mas certamente que a correcção desta é uma delas.
É evidente que há muitos interesses em conflito e que é preciso ponderá-los, compreendê-los e fazer escolhas. O mal da legislação actual é que estamos a discutir matérias que não competem ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, que não competem à directiva comunitária mas estritamente à correcta aplicação da lei.
A Sociedade Portuguesa de Autores contou-nos, quando reunimos com a sua direcção, que, numa visita a uma feira que ocorre na zona de Lisboa, em 56 stands de vendas de cópias de DVD e de CD só 3 deles o faziam em condições legais.
Não há qualquer obstáculo na lei para que se faça a punição deste abuso; pelo contrário, a lei, hoje, obriga a punir quem pirateia os direitos de autores nessas reproduções ilegais e na sua comercialização, que constitui um mercado desenvolvido e emergente. Hoje, isto deveria ser e é punido à luz da lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - E não há qualquer razão para que deixe de o ser. Não é isto o que estamos a discutir.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não há fiscalização!

O Orador: - Não há fiscalização, naturalmente, nem há punição.
Porém, o que aqui estamos a discutir é outra matéria; não é o reforço da fiscalização, que é necessário, não é a aplicação da lei, que é indispensável, mas, sim, como é que a sociedade de informação, os seus novos suportes, formatos, conteúdos e forma de organização, vai evoluindo - e a lei com ela - para proteger direitos dos autores, dos produtores e dos consumidores. E aquilo a que nos opomos é ao conceito de uma escravatura intelectual, se o termo aqui se pudesse aplicar, que transforme os autores em produtores de uma cadeia de montagem de conteúdos cuja utilização é, absoluta e exclusivamente, decidida pelos produtores dos seus formatos.
Esta é a situação que vamos vivendo, onde um produto cultural é tratado não como uma criação ou uma obra mas em que lhe são impostas formas de acesso que não dependem da autorização do seu criador. Será aceitável, ao contrário do que pretende o projecto de lei do Bloco de Esquerda, que possa ser imposta uma medida tecnológica de limitação de acesso sem autorização e sem decisão do criador, de um músico ou de quem quer que seja, de um objecto cultural? Não é aceitável que isto aconteça. Mas esta é a regra geral que, hoje, se vai desenvolvendo nestes mercados.
Por isso, em muitas matérias, a lei final que resulte deste debate tem de ser substancialmente distinta daquela que estamos a considerar.
A questão da tutela penal decorre directamente daqui; a tutela penal tem de se exercer sobre a pirataria, sobre a venda comercial com intuito de lucro que rouba aos criadores os seus direitos.
Mas por que é que tem de exercer-se tutela penal sobre a cópia privada, sobre quem comprou um CD e fez uma cópia para o ouvir enquanto faz uma viagem de carro?! Há alguma razão para que a tutela penal se estenda a este caso, como pretende a proposta de lei?! Evidentemente que não. Mais: é impossível aplicá-la em qualquer circunstância. E, aliás, é isto que diz a Ordem dos Advogados. Na pág. 16 do seu parecer, a Ordem dos Advogados diz que estão totalmente inviabilizadas estas medidas quando se

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trata do âmbito privado, e que a lei não pode ser incapaz de distinguir a tutela exacta dos interesses que tem de proteger e aquilo que é a banalidade de uma comunicação na sociedade de informação.
Outro exemplo: esta lei impede, diz a Ordem dos Advogados, que os beneficiários das excepções, como, por exemplo, as bibliotecas, possam realmente organizar com os detentores dos direitos a sua contrapartida, porque estabelece uma comissão de mediação e arbitragem formada em 2001, que três anos depois ainda não existe. E, portanto, simplesmente, não é possível aplicar estas excepções, ou seja, não há excepções e estamos perante um regime em que a pirataria e a extorsão se fazem pela imposição de regras e de padrões a partir dos formatos digitais e não para protecção dos direitos efectivos dos autores.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Como é aceitável que na sociedade de informação, que garante o maior acesso possível à cultura, sejam os grandes produtores a imporem fronteiras novas, delimitando regiões, já que a Europa é uma região e os Estados Unidos da América é outra? Então, um objecto cultural comprado legalmente em Portugal não pode ser ouvido no Brasil?! Ou comprado legalmente nos Estados Unidos não pode ser ouvido em Portugal?! É isto que prejudica o acesso à sociedade de informação e a liberdade de criação cultural, que permite transformar em objectos universais as produções culturais e as suas criações.
É sobre isto - e com isto concluo, Sr. Presidente - que se concentra o projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda, porque nos parece que estas medidas são essenciais para corrigir a proposta em análise. Oxalá o possamos fazer em sede de especialidade! Oxalá, então, o "sapo" possa transformar-se, com a atenção e a razoabilidade da especialidade, num príncipe, ressalvados, naturalmente, os bons princípios republicanos.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - E quem é que vai beijar o sapo?!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou aproveitar o tempo muito escasso de que disponho para esclarecer alguns pontos - só alguns, como é evidente - que vieram a debate, ficando os restantes para a discussão em sede de especialidade.
Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer-lhe - aliás, já foi anunciado e é público - que todas as questões relacionadas com o depósito legal estão em estudo e tanto o depósito legal digital como todos os outros problemas relacionados com o depósito legal, que são muitos, designadamente a necessária revisão que, até hoje, ninguém teve a iniciativa de fazer, porque é difícil, porque tem custos, no que diz respeito aos livros, estão em estudo e vão ser resolvidas no mais breve prazo possível. Há já mesmo trabalhos adiantados nesta matéria, com a qual todos os Srs. Deputados não deixarão de ser confrontados, que é uma matéria que está, por um lado, incompleta e, por outro, claramente envelhecida e ultrapassada.
Era este o primeiro esclarecimento que queria dar.
Para além desta revisão do depósito legal, há um outro esclarecimento que eu também gostaria de dar, para que ficasse claro.
Como o Sr. Deputado José Magalhães sabe, ainda há poucos dias, na segunda-feira, ofereci-me para lhe levar os pareceres, mas o Sr. Deputado não estava em Lisboa. A verdade é que alguns desses pareceres chegaram muito tarde e os que estão agora a aparecer não poderiam, de modo algum, ter sido tidos em conta na elaboração desta proposta.
Vamos ver se nos entendemos: alguns destes pareceres de que agora se fala foram emitidos posteriormente à aprovação da proposta em Conselho de Ministros.
Mutatis mutandis, é algo semelhante ao que aconteceu com o acórdão que julgou inconstitucional uma disposição da lei de 1998 aprovada pela maioria que apoiava o anterior governo, como um Sr. Deputado da maioria já referiu. Contudo, não tivemos conhecimento desse acórdão atempadamente, porque era materialmente impossível tê-lo e não temos, evidentemente, dotes de adivinhação. Assim, temos de retrotrair tudo aquilo que estão agora a dizer ao dia 7 de Janeiro, data em que foi aprovada esta legislação. Julgo que isto teria de ficar esclarecido.
Mas é evidente que muitos dos aspectos aqui referidos vão ser tidos em conta, utilizando-se, designadamente, o direito comparado. Porém, quando começámos a trabalhar nesta matéria, não havia praticamente qualquer transposição feita. Só a Grécia e a Dinamarca é que transpuseram a directiva dentro do prazo. As outras transposições são recentíssimas, e a maior parte dos países, como foi dito, ainda o não fez. E a Espanha não a fará tão cedo, porque vai reabrir o processo depois da constituição das novas Cortes que vão sair das próximas eleições.

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Tudo isto tem de ser tido em consideração para não se fazerem críticas esquecendo-se que houve um tempo que passou e que modificou as circunstâncias.
Finalmente, quero deixar claro que o nosso objectivo é o reforço dos direitos de todos. E para isto é preciso um equilíbrio. Mas aqui, como Ministério da Cultura, é evidente (e isto já foi referido publicamente) que temos um dever primordial e, neste sentido, seremos advogados perante a 1.ª Comissão, que é o dever de defender a criação cultural portuguesa, não através de modos que não estão agora aqui em debate, porque não me parece que se pudessem enxertar aqui algumas das sugestões de matéria financeira, fiscal ou outra que o Sr. Deputado José Magalhães referiu, mas através de outras matérias que efectivamente competem ao Ministério da Cultura, sobretudo depois dos pareceres que recebemos agora e que, curiosamente, em alguns casos são diferentes dos pareceres originais. Houve algumas entidades que ajustaram a sua posição, o que, aliás, é perfeitamente legítimo. E também não nos podemos esquecer de que modificámos o texto original (talvez o tenham conhecido) de acordo com algumas sugestões.

O Sr. José Magalhães (PS): - Três vezes!

O Orador: - Assumimos algumas sugestões, por exemplo, no que diz respeito às excepções; e já tínhamos assumido algumas sugestões em relação ao texto inicial.
Portanto, esta abertura mantém-se. Julgo que aquilo que importa é que numa matéria tão complexa, tão difícil, em que há interesses tão contraditórios todos sejam vistos, quer os das entidades que mandam mais pareceres quer os das que mandam menos pareceres.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Julgo que esta matéria é de tal importância que não queremos que se repita aquilo que aconteceu com a lei aprovada pela maioria que apoiava o anterior governo. Como um Deputado da actual maioria disse, vamos efectivamente tudo fazer para que haja aqui um texto que, superando inconstitucionalidades, dê resposta à questão primordial, que é a transposição desta directiva num contexto de uma sociedade moderna e que está a evoluir, quer se queira ou não. Às vezes parece que as pessoas se esquecem que a sociedade e a tecnologia evoluem com uma tal rapidez que temos de deixar portas abertas para dar resposta a essa evolução.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Qual é a sua dúvida sobre a condução dos trabalhos, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não vou pedir para juntar às Actas da sessão os trabalhos preparatórios da Lei n.º 62/98,…

O Sr. Presidente: - Espero que não!

O Orador: - … mas permita-me só que registe que essa lei foi elaborada na 1.ª Comissão na sequência de um processo - e, como se lembra, o Partido Socialista não tinha maioria absoluta na Câmara - em busca de um consenso com os partidos da oposição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto não é nenhuma interpelação, Sr. Presidente!

O Orador: - E só quando ele foi atingido é que a lei foi aprovada. A interpretação agora sufragada pelo Tribunal Constitucional…

Vozes do PSD: - Isto não é nenhuma interpelação, Sr. Presidente!

O Orador: - … nunca esteve na mesa da Comissão e deve ser acatada estritamente, mas é completamente inovadora.
Espero que o Governo e a maioria tenham isto completamente em atenção e que se aprenda com as lições do passado.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a sua intervenção, mais do que uma interpelação à Mesa, foi um esclarecimento à Câmara.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Sr. Presidente: - Por isso, sinto-me dispensado de dar qualquer resposta. Verifiquei, porém, que alguns dos Srs. Deputados não estavam interessados em ser esclarecidos sobre essa matéria. De qualquer modo, o esclarecimento foi dado.
A Mesa foi muito tolerante neste debate precisamente para respeitar os direitos de autor dos diversos intervenientes. Mas a nossa regra tem de ser a de respeitar os tempos, porque assim é que o Parlamento consegue trabalhar, conforme dispõe o nosso Regimento.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, chegámos, assim, ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, dia 26, pelas 15 horas, e terá como ordem do dia o debate do projecto de resolução n.º 211/IX (PS), a apreciação do recurso interposto pelo Grupo Parlamentar do PCP sobre a ordem do dia da reunião plenária de 3 de Março (nos termos do n.º 4 do artigo 56.º do Regimento), além das votações regimentais.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Jorge Martins Pereira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Henrique José Monteiro Chaves
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
José Manuel de Lemos Pavão
Maria Aurora Moura Vieira
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Socialista (PS):
António Ramos Preto
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Lino António Marques de Carvalho

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

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Partido Social Democrata (PSD):
António Carlos de Sousa Pinto
António Henriques de Pinho Cardão
Carlos Alberto Rodrigues
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel Pereira da Costa
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Mário Patinha Antão

Partido Socialista (PS):
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Francisco José Pereira de Assis Miranda
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo

Partido Popular (CDS-PP):
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Rodrigo Pinho de Almeida
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

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