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3266 | I Série - Número 058 | 04 de Março de 2004

 

Num quadro comparativo entre os principais países da Europa torna-se mais visível a possibilidade de revigorar e acentuar a exequibilidade da actual legislação.
O alargamento do seu âmbito de forma a criar condições efectivas de apoio à maternidade responsável, resguardando os actuais pressupostos éticos e princípios constitucionais, é não só viável como uma necessidade diariamente reforçada.
Apesar dos progressos que foram realizados no campo da saúde materna e do planeamento familiar, e do trabalho das diferentes organizações não-governamentais, o aborto ilegal continua a ser actualmente um dos mais graves problemas de saúde das mulheres portuguesas.
Sabe-se que a resposta hospitalar aos pedidos de IVG revelou a diminuta aplicação do quadro legal vigente. Para além das dificuldades decorrentes da ausência de regulamentação clara para aplicação da lei, o que impede a existência de critérios bem definidos e de serviços apropriados, acrescem dificuldades institucionais na organização interna dos serviços de saúde designadamente pelo recurso à objecção de consciência.
A problemática da interrupção da gravidez é extremamente complexa, profundamente marcada pelos valores culturais dominantes, por razões psicológicas relacionadas com os sentimentos ou valores morais da grávida. A vasta literatura científica nesta área alerta-nos para as sequelas psicológicas da interrupção da gravidez e para os conflitos conjugais que pode proporcionar. Pelas razões referidas há uma enorme dificuldade em assumir-se decisões claras, fundamentadas, e em utilizar a disponibilidade dos serviços públicos existentes, sobretudo nos estratos sociais mais desfavorecidos mas igualmente por deficiente informação.
Embora todos considerem o aborto como sendo intrinsecamente um mal, as opiniões dividem-se quanto à forma de o combater dentro dos quadros éticos e constitucionais vigentes.
Das duas principais teses que têm vindo a ser defendidas, uma refere, essencialmente, a "(…) ideia de uma capacidade jurídica apenas restrita do nascituro perde, em minha opinião, o carácter chocante, se se considera que o nascituro, enquanto já concebido, é já um ser vivo humano, portanto, digno de protecção, mas enquanto 'não nascido' não é ainda um indivíduo autónomo e, nesta medida, é só um 'homem em devir'" - in K. Larenz, Metodologia do Direito, pg. 241, nota 11, Tradução da 2.ª edição, 1969, do original alemão por José de Sousa e Brito e José António Veloso, Ed. da Gulbenkian - e outra "(...) A conclusões diferentes levará obviamente uma hermenêutica conforme com a 'natureza das coisas'. É que a vida humana existe a partir da concepção podendo com Tertuliano asseverar-se que já é um homem que está em vias de o ser como também todo o fruto existe já na semente. O feto vivo não é, pois, uma coisa (res) simples parte do corpo da mãe (portio viscerurn matris) mas verdadeiro ser humano". Cabe, enfim, falar de um "direito ao nascimento", como escreveu o Dr. Bigotte Chorão a propósito do artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa:
"A consagração da IVG sem qualquer invocação de motivos é de duvidosa constitucionalidade, sendo que tal norma não parece respeitar o tal mínimo ético que deve existir no âmbito penal.
À luz do Texto Constitucional, a interrupção voluntária da gravidez acaba por traduzir um conflito entre o direito à vida e o direito a uma maternidade responsável.
A IVG coloca um conflito de direitos e valores, independentemente das soluções legais. Sem pôr em causa o princípio fundamental do direito à vida é possível encontrar formas de conciliação entre os valores a salvaguardar.
Ninguém pode sentir conforto, ético e moral, enquanto for possível invocar como razão para a prática do aborto as condições sócio-económicas familiares ou pessoais. Uma sociedade justa, pela qual pugnamos, tem obrigação de produzir respostas eficazes para a eliminação dessas causas.
De acordo com os dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística, em Portugal, o aborto constitui assinalável causa de morte materna, surgindo assim também como um problema de saúde pública que afecta milhares de mulheres.
Face a esta situação, em que a mulher aparece como vítima de um sistema que permitiu o aparecimento e desenvolvimento de um circuito ilícito de interrupção da gravidez, afigura-se urgente encontrar as melhores soluções, inclusive no plano dos princípios ético-morais.
O quadro legal vigente é consubstanciado por princípios éticos aceitáveis e, na verdade, ainda não está esgotado, muito menos na sua aplicabilidade.
Compreende-se mal, aliás, o facto de em Espanha vigorar uma lei idêntica à portuguesa cujas respostas, diante dos mesmos problemas, são satisfatórias, ao contrário da realidade nacional.
É possível reforçar a actual legislação, seguindo de perto os exemplos alemão e dinamarquês, nos quais a IVG é permitida, a pedido da mulher, por razões económicas e sociais, desde que autorizado por

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