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Quinta-feira, 4 de Março de 2004 I Série - Número 58

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE MARÇO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Henrique Jorge Campos Cunha
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 115/IX, 117/IX e 118/IX e do projecto de resolução n.º 230/IX.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do PSD.
Foram debatidos, na generalidade, os projectos de lei n.os 1/IX - Interrupção voluntária da gravidez (PCP), 89/IX - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (BE), 405/IX - Sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS) e 409/IX - Sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (Os Verdes), que vieram a ser posteriormente rejeitados, na sequência da rejeição de um requerimento do PCP e do PS que solicitava a votação nominal, e o projecto de resolução n.º 225/IX - Sobre medidas de prevenção no âmbito da interrupção voluntária da gravidez (PSD e CDS-PP), que foi aprovado.
Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Francisco Louçã (BE), Jamila Madeira (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Maria de Belém Roseira (PS) - que, na qualidade de relatora da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, procedeu à apresentação do relatório -, Leonor Beleza (PSD), Luís Fazenda (BE), Luísa Portugal e Sónia Fertuzinhos (PS), Telmo Correia (CDS-PP), Maria do Rosário Carneiro e Helena Roseta (PS) e Bernardino Soares (PCP).
A Câmara apreciou ainda, e mais tarde rejeitou, os projectos de resolução n.os 230/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), 203/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas (PS) e 227/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (BE), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Manuela Melo (PS), Alda Sousa (BE), Guilherme Silva (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Francisco Louçã (BE), Diogo Feio (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alberto Pedro Caetano
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira

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José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto

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Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins

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Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Botelho Correia Sousa
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura do expediente.

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O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 115/IX - Quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto, alterado pelas Leis n.os 28/82, de 15 de Novembro, e 72/93, de 30 de Novembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de Julho, e 2/2001, de 25 de Agosto - Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores (ALRA), que baixou à 1.ª Comissão, 117/IX - Aprova medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas ao desporto, que baixou à 7.ª Comissão e 1.ª Comissão, 118/IX - Estabelece o regime temporário da organização da ordem pública e da justiça ao contexto extraordinária da fase final do Campeonato Europeu de Futebol - Euro 2004, que baixou à 1.ª Comissão; e projecto de resolução n.º 230/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).
Em matéria de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai também dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, é o relatório n.º 77 da Comissão de Ética, referente à substituição do Sr. Deputado Dias Loureiro, do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata (Círculo Eleitoral de Coimbra), por Alberto Pedro Caetano, com início em 25 de Fevereiro de 2004, inclusive.
O parecer é que a substituição em causa é de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Sr. Deputado Aberto Pedro Caetano, os seus poderes foram agora verificados. Pode tomar lugar no Hemiciclo.
Sr.as e Srs. Deputados, a nossa sessão de hoje é preenchida com o agendamento potestativo do projecto de lei n.º 1/IX - Interrupção voluntária da gravidez (PCP). Nos termos regimentais, estão também agendados para hoje os projectos de lei n.os 189/IX - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (BE), 405/IX - Sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS) e 409/IX - Sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (Os Verdes) e ainda o projecto de resolução n.º 225/IX - Sobre medidas de prevenção no âmbito da interrupção voluntária da gravidez (PSD e CDS-PP).
O segundo ponto da ordem de trabalhos será preenchido com a apreciação de três projectos de resolução: o projecto de resolução que a 1.ª Comissão formulou, resultante de uma iniciativa de cidadãos que propõem a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, e ainda os projecto de resolução n.os 203/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas (PS) e 227/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (BE).
Sr.as e Srs. Deputados, hoje temos temas da maior importância para debater. Todos sabemos como este debate tem envolvido a opinião pública. Ao longo destes últimos dias, recebi diversas representações de cidadãos que me vieram entregar documentos sobre esta matéria, documentos que, aliás, imediatamente enviei às comissões parlamentares competentes.
Portanto, a nossa reunião plenária de hoje será seguida atentamente, com certeza, por todos os nossos concidadãos, através da rádio e da televisão. Temos, desde logo, o Canal Parlamento para garantir essa difusão, mas outros órgãos de comunicação social no domínio do audiovisual certamente também se interessarão por esta nossa sessão.
Não posso deixar de formular, no início dos nossos trabalhos, um apelo muito sentido para que o nosso debate corresponda, em rigor da argumentação e em serenidade, à dignidade do assunto e à dignidade dos nossos concidadãos que aguardam as deliberações do Parlamento e também por saber os argumentos de uma parte e de outra.
Srs. Deputados, vou dar início a este debate, procedendo da seguinte maneira: em primeiro lugar, darei a palavra a cada um dos representantes dos grupos parlamentares subscritores dos projectos de lei; depois, já me pediu a palavra a relatora da 1.ª Comissão, a quem também darei a palavra; seguidamente, organizar-se-á o debate com as intervenções dos demais oradores.
Assim, sendo, para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, que hoje trouxe ao Plenário o debate sobre a legalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG), são palavras de solidariedade dirigidas àquelas mulheres que já foram ou vão ser objecto de inquisição por parte de agentes policiais para que revelem se interromperam a gravidez, aonde e por que meios.
Dirigem-se estas palavras solidárias às mulheres que um dia descobriram que estavam grávidas e tiveram de subir clandestinamente a escada de uma clínica, de um consultório de uma parteira, de uma casa num esconso vão de escada, para resolver a angústia de uma gravidez indesejada.
Dirigem-se às adolescentes deste País, a quem tem sido negado o direito à educação sexual.
Dirigem-se a todas as mulheres a quem não tem sido garantido o direito à maternidade consciente e que vêem negado o mais elementar direito à dignidade através de uma lei que, autoritariamente, elege as convicções de alguns para as impor a todos.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Podem contar connosco!
Terminada que foi a contagem dos votos no referendo, os mentores do "não" respiraram de alívio e foram fazendo protestos da necessidade de investimento na educação sexual e no planeamento familiar. Viu-se!
A história da luta pela despenalização é uma história de hipocrisias, de faz-de-conta, de falsas compaixões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Finge-se que não se sabe que a lei não é cumprida. Apesar de tudo, a sociedade não considera que a mulher comete um crime.
Faz-se de conta que não se sabe dos graves problemas de saúde resultantes do aborto clandestino.
Finge-se que se desconhece que há mulheres que morrem e que muitas ficam permanentemente afectadas na sua saúde sexual e reprodutiva - muitas nunca mais podem ter filhos.
Junte-se a esta hipocrisia as palavras tartamudeadas por quem se opõe à despenalização sempre que há um julgamento por aborto provocado. "Que não, que não querem que as mulheres vão para a cadeia"… Digam então, se faz favor, para que querem a lei!

Aplausos do PCP, do BE e dos Verdes.

Para ganhar indulgências? Se calhar é!
Sempre que sobe a Plenário uma iniciativa visando a despenalização - e isto acontece desde 1982 - fala-se muito de educação sexual e de planeamento familiar, com um olhar oblíquo de quem sabe que não vai cumprir.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - De quem sabe que, mesmo se cumprisse, não resolveria o problema do aborto clandestino.
A direita sempre votou contra todas as iniciativas legislativas, apresentadas pelo PCP e por outros partidos, sobre educação sexual e planeamento familiar.
O PSD esteve no governo durante largos anos. Mostrem o "certificado de garantia" com que pretendem assegurar que agora sim, agora é que se vai cumprir a legislação contra a qual votaram o PSD e o CDS-PP.
Com "fiadores" como os que têm lá para as bandas do Ministério da Educação e do Ministério da Segurança Social e do Trabalho, a "garantia" vem com carimbo falso. Mais uma vez se verá que, pela parte da direita, tudo isto, para ela, não passa de mais outro faz-de-conta. Só para as mulheres é que não se trata de um fingimento. A lei está aí e foi utilizada na Maia, em Aveiro. Correm notícias de que alguns outros processos estão pendentes.
As mulheres são vítimas de perseguição penal. Vêem a sua intimidade exposta na praça pública. As mulheres são humilhadas depois de terem sido ofendidas com a provação do aborto inseguro. Depois de lhes ter sido negado o direito à maternidade consciente por políticas anti-sociais que feminizam a pobreza, as mulheres são condenadas a graves consequências na sua saúde física e psíquica. Por vezes

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perdem a vida. É este quadro que se deve analisar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - É perante este quadro que se coloca aos Deputados a questão de saber se querem manter uma lei que determina tão graves consequências e não protege o embrião nem o feto ou se querem pôr fim ao flagelo do aborto clandestino.
Na resposta, Srs. Deputados, não entra o foro íntimo de cada um relativamente ao aborto. Têm é de dizer se entendem que têm o direito de impor as suas próprias convicções filosóficas, religiosas e morais a toda a sociedade, originando com tal imposição um grave problema de saúde pública.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados da maioria, consideram que o Estado tem o direito de utilizar a lei penal para definir uma moralidade-tipo à qual todos os cidadãos e cidadãs se têm de submeter?
Nós, o que queremos é uma lei que garanta a todas a liberdade de opção. A lei que queremos não obriga ninguém a interromper a gravidez. A lei que a direita defende obriga a sociedade toda a adoptar, sob a ameaça da mais temível arma do Estado, as concepções de alguns, fazendo tábua rasa do direito das mulheres a decidir em liberdade.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos porque estamos hoje a reeditar um debate ocorrido há seis anos. Nessa altura, tudo podia ter sido resolvido e muito sofrimento se teria evitado, não fora um triste episódio que deu origem à interrupção do processo legislativo.
Com outro parceiro, edita agora o PSD mais uma manobra para adiar a resolução do problema, com argumentação que não faz vencimento nem sequer em toda a sua bancada. Porque a defesa da legalização/despenalização da IVG no primeiro trimestre de gravidez é tão justa que colhe a aprovação para além da esquerda.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Se há um problema de saúde pública causado pela lei penal; se esta lei não defende o embrião nem o feto, pois os abortos fazem-se aos milhares; se, consequentemente, a lei penal produz maiores males do que aqueles que diz querer evitar, então é porque a lei não cumpre os seus fins.
Trata-se de uma lei simbólica, simbólica de um certo pensamento único, que não desempenha qualquer papel na prevenção. É uma lei que excede os limites que a Constituição impõe às leis restritivas da liberdade, uma lei com a qual o Estado se torna, ele mesmo, o fautor de violência contra as mulheres que se vêem forçadas a recorrer à interrupção da gravidez, independentemente da classe social, convicção religiosa e política.
Só há uma solução: legalizar a interrupção da gravidez, quando efectuada no primeiro trimestre, por decisão da mulher.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Não há outras alternativas, que são falsas alternativas, porque mantêm a clandestinidade e a insegurança do aborto e não resolvem o problema de saúde pública. Não são alternativas, pois continuam a pressupor a culpa das mulheres, soluções adiantadas, por exemplo, das bandas do CDS. O Sr. Ministro Bagão Félix chegou a admitir a aplicação às mulheres da pena de trabalho a favor da comunidade, o que constituiria uma espécie de lapidação em praça pública das mulheres que abortassem. Basta de penas infamantes!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Aliás, certo argumentário dos que se opõem à legalização/despenalização parte do pressuposto de que as mulheres não são capazes de decidir responsavelmente - ainda ontem o ouvimos, no programa Parlamento -, não têm capacidade, dizem eles, nem podem, por isso, ter autonomia nem direito à liberdade de opção.
Afirma-se, com despudor, que onde se despenaliza a IVG aumenta continuamente o número de

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abortos, o que é pura manipulação de estatísticas. Na base de tal posicionamento está um forte preconceito anti-feminino que outrora animou a tríade "Deus, Pátria e Família".
Porque abortar é um verbo que se conjuga no feminino, reeditam-se argumentos fundados num forte preconceito com as mulheres.
Entendem que as mulheres abortam por razões fúteis, porque continuam ainda a entender, no século XXI, que a mulher não sabe usar a sua autonomia, que não sabe tomar decisões responsáveis e, contudo, já Descartes reconhecia à mulher a racionalidade do ser humano.
Podem classificar de fúteis as mulheres que abortam porque, como diz a Organização Mundial de Saúde, são muito novas ou muito pobres para criar uma criança; porque entraram em conflito com os seus companheiros; porque são vítimas de violência; porque estão desempregadas; porque não desejam um filho enquanto não acabarem o curso; porque têm de estar inteiramente disponíveis para o trabalho e têm de trabalhar para a subsistência da família; porque não lhes é garantido um adequado acesso aos serviços de planeamento familiar; porque são insuficientes estes serviços; porque os métodos contraceptivos falharam; porque têm de ver renovado o seu contrato a prazo; porque estão maioritariamente representadas na alta taxa de pobreza de que são vítimas os trabalhadores portugueses?
Estas não são razões frívolas! As cifras negras do aborto inseguro, tanto a nível internacional como nacional, desmentem a afirmação da frivolidade das mulheres, e não podem ser minimizadas, como alguns pretendem, alguns que até chegam a questionar - espantemo-nos! - tratar-se de um problema de saúde pública!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas é-o em toda a parte do mundo, como o reconhece a Organização Mundial de Saúde. Como diz esta Organização, o aborto inseguro é uma das causas de morbilidade e de mortalidade maternas mais fáceis de evitar e de tratar, porque, existindo uma relação inequívoca de causa/efeito entre as leis proibitivas da IVG e aquelas consequências, a solução é despenalizar, única forma de tornar o aborto seguro, assim se respeitando a dignidade e os direitos humanos da mulher: o direito à maternidade consciente, logo, direito a uma gravidez desejada e planeada; o direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade; o direito à liberdade de decisão; o direito à vida e à liberdade; o direito à segurança; o direito à dignidade (não é Portugal um Estado de direito democrático fundado na dignidade da pessoa humana?) e ainda o direito à intimidade da vida privada, também superlativado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e o direito à saúde. Todos estes direitos, referidos à sexualidade, são os que integram os direitos sexuais e reprodutivos.

Aplausos do PCP.

Chegados aqui, não haverá quem deixe de dizer que só falamos das mulheres e que não falamos do embrião e do feto.
A vida humana é um contínuo, e nisto todos estão de acordo, trata-se de vida de espécie humana. Mas, relativamente a quando começa a vida de pessoa humana, nisso existem os mais diversos cambiantes, a partir dos fundamentalismos dos que entendem que existe pessoa humana logo a partir da concepção.
É preciso afirmar claramente que não é verdade o que alguns proclamam, ou seja, que está provado absolutamente pela ciência que a pessoa humana começa logo na concepção.
Nós não temos que tomar partido nessa querela, temos tão-só de constatar que há várias convicções.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Dezasseis cientistas italianos, católicos, há pouco tempo, tomaram posição pública no Corriere della Sera, dizendo: "Afirmar que o produto da concepção já é um indivíduo representa a perfilhação de um determinismo biológico que não é sustentado pelos conhecimentos científicos disponíveis.".
Ora, constatadas as diversas opiniões sobre o início da pessoa humana, está absolutamente vedado a um Estado de direito democrático tomar parte na querela, impondo a toda a população as concepções filosóficas e religiosas de alguns. Isso é característico de um Estado autoritário. É tão simples quanto isso!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma medida como a que propomos beneficiará sobretudo aquelas mulheres que não podem recorrer à segurança, ainda que relativa, de uma clínica, aquelas que não podem viajar para o estrangeiro, aquelas que são as que mais sofrem na pele as consequências do obscurantismo,

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que quer impedir a forma de superar o sofrimento humano.
Perguntem a Nancy Reagan onde estão os fundamentalismos republicanos a respeito do embrião, agora que, por razões óbvias, defende a investigação científica com células estaminais embrionárias.
Perguntem-se por que há-de Prometeu ficar agrilhoado para sempre ou por que há-de Eva continuar a ser punida apenas porque através dela se explica o começo da vida.

Aplausos do PCP, de pé, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei subscrito pelo Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O fanatismo vai cobrar os seus "30 dinheiros", nesta Assembleia da República.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Oh!…

O Orador: - Por isso, o voto da direita e da extrema-direita aparece aqui determinado por aquilo que Paulo Portas, num momento de sensatez, chamou as "ideias CroMagnon", as ideias "mais conservadoras das mais conservadoras", típicas de uma ditadura latino-americana.
Votarão contra os projectos de lei apresentados pela esquerda aqueles que acham que as mulheres são incubadoras, que não têm direito a escolher uma maternidade, não têm direito a viver a sexualidade responsável, livre e conscientemente escolhida.
Votarão contra estes projectos aqueles que entendem que, como na inquisição, ao legislador basta dizer "condene-se", sendo que o legislador, ou o Deputado, não condenará, mas espera que alguém por ele condene ou que alguém continue a condenar. E serão esses que nos dirão aqui que é em nome da sua consciência que podem fazer declarações de voto com a única liberdade de explicar por que é que capitulam perante a sua consciência. Foi essa a liberdade que lhes restou e com isso votarão contra as suas convicções.
Aliás, a direita e a extrema-direita chegam a este debate com um record absoluto: votaram sempre contra a educação sexual. Votaram contra toda e qualquer alteração à lei penal, e aqueles que hoje se dizem contentes com o facto de a lei penal não criminalizar a mulher que, violada, abortou, foram os que votaram contra que a lei penal fosse alterada para permitir que a mulher violada pudesse abortar. Impiedosamente, repito, impiedosamente, votaram sempre para que se mantivesse a lei carcerária, a perseguição, a humilhação e a prisão das mulheres. E nem este momento de hipocrisia, com uma resolução sobre educação sexual que, evidentemente, é uma não-posição, é uma não-resolução e é uma não-educação sexual, pode alterar o que quer que seja na clareza deste debate. Impiedosamente votaram sempre contra, e agora continuam. É por isso que é o povo que tem de votar,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Já votou! O senhor é que não gostou!

O Orador: - … é o povo que tem de decidir, porque esta maioria e este Parlamento só ficarão contentes com a continuação do julgamento das mulheres, pelas quais, depois, chorarão "lágrimas de crocodilo".
Hoje vamos decidir, Sr.as e Srs. Deputados, pela civilização contra a barbárie, pela clareza contra a vergonha, ou pela coerência contra a trafulhice.

Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei do Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: "Eu vim de longe, de muito longe, o que eu passei para aqui chegar (…)". Este é o excerto do poema que este projecto de lei repete, neste momento, com grande ênfase e sentimento.
Depois de um caminho muito tortuoso, este projecto de lei foi aprovado, aqui, nesta mesma Câmara, em 1998; partimos, então, para um processo, no mínimo, estranho. Vimos a legitimidade da República condicionada por um referendo. Não conseguimos explicar aos portugueses os objectivos dessa legitimidade condicionada, logo os resultados foram bem visíveis: a maior taxa de abstenção conhecida até hoje.

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Os portugueses devem ter-se questionado: votar para quê? Que estarão a fazer aqueles senhores, ali sentados, que nada decidem para o nosso futuro?
Este referendo não foi vinculativo, não foi legitimado. Como se recordam, foram menos de 50% os portugueses que votaram, muito menos de 50%! No entanto, o respeito pelo resultado obtido foi sempre nossa preocupação.
Tudo isto aconteceu há quase seis anos, momento em que a Juventude Socialista encabeçou o combate, no seio da sociedade portuguesa, pela defesa dos direitos das mulheres que se vêem obrigadas a interromper uma gravidez.
Sempre dissemos que deixar tudo como está coloca Portugal longe dos países que são referências europeias e mundiais em matéria de direitos fundamentais.
Este referendo foi um erro da democracia e da República. Pagámos caro com mais um período de nojo em que o tema foi tabu. No entanto, a vivência diária é bem diferente…
Durante quatro anos (período de nojo equivalente ao período de duração de uma legislatura regular), a sociedade portuguesa assistiu impávida e serena a cerca de 16 000 interrupções voluntárias de gravidez clandestinas por ano e continuou a fingir que nada se passava.
Em Abril de 2002, o próprio Parlamento Europeu levantou a sua voz e recomendou aos Estados-membros, qual Pacto de Estabilidade e Crescimento, que alterassem a sua legislação no sentido da despenalização da interrupção voluntária de gravidez. Um Parlamento Europeu de maioria de direita, aliás, muito semelhante àquela que hoje aqui temos perante nós mas diferente num ponto muito importante: é que a maioria de direita portuguesa preocupa-se primeiro com os recursos financeiros e só muito depois com os problemas das pessoas.
E, então, o que fez este Governo? Nada! É caso para relembrar, Srs. Deputados, que os portugueses não são números!
Depois de termos respeitado este auto-proclamado período de nojo de quatro anos, em 28 de Junho de 2002, a Juventude Socialista entregou na direcção da bancada parlamentar do PS este mesmo projecto de lei, que visa a despenalização da IVG, e tem pacientemente aguardado, desde então, resposta à solicitação de entrega na Mesa da Assembleia da República.
A esperança ganhou vida quando, com entusiasmo, verificámos que o Secretário-Geral do Partido Socialista recuperava o tema da despenalização da interrupção voluntária da gravidez e destacava-o na sua moção global de estratégia como um objectivo urgente a prosseguir. Mas, infelizmente, muito tempo passou e só hoje o estamos a discutir.
Em 28 de Novembro de 2002, continuámos a não ficar de "braços cruzados" e relançámos esta questão na praça pública, não porque sejamos a favor do aborto - ninguém o é! -, mas porque insistir na reprovação legal desta prática não resolve o problema, apenas promove e potencia a sua clandestinidade.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Assim, a Juventude Socialista relançou novamente a discussão deste tema na sociedade, e promoveu, durante este último ano e meio, o debate e a discussão, informando os portugueses e as portuguesas.
É urgente e necessário que se acabe definitivamente com a hipocrisia reinante no nosso país. Não podemos compactuar ad eternum com esta situação em que nem a Lei n.º 6/84 é aplicada nem acabamos com o aborto clandestino.
Após ano e meio de árduo trabalho e perante a premente resolução deste gravíssimo problema da sociedade portuguesa, aderimos, uma vez mais, a uma solução.
Segundo me foi assumido, seria o melhor caminho para chegar ao objectivo que nos move. Aceitámos pertencer, enquanto cidadãos, a um movimento cívico que, de forma clara, envolvesse toda a sociedade. Este movimento independente visava promover uma recolha de cerca de 75 000 assinaturas para pedir ao Parlamento, ou melhor à maioria, que aprovasse a realização urgente de um referendo sobre esta matéria. Juntámos 121 000 assinaturas, que também estarão hoje em discussão como contributo.
Pessoalmente, não me considero capaz de condenar uma mulher que, sem dúvida, com grande sofrimento, opta por essa decisão.
"Creio que esta é uma questão de consciência do foro íntimo de cada um" - julgo que os Srs. Deputados da maioria conhecerão bem estas palavras do Dr. José Manuel Durão Barroso, que, com certeza, têm soado dentro das vossas cabeças desde Janeiro de 2002.
Devo dizer que concordo. Mas que estranha consciência é esta que vive "amordaçada" por uma suposta táctica oportunista de objectivos puramente eleitorais?!

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Aplausos do PS.

Que liberdade é esta que entra pela liberdade dos outros e faz com que muitos Deputados desta maioria digam "sim" mas votem "não"?
Que estranha perplexidade a dos portugueses quando se deparam com o facto de não saberem se concordam ou se discordam dos Deputados que os representam? Dizem "sim" e votam "não"!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, deixem ouvir as vossas consciências. Como diz Sottomaior Cardia: "Impor na lei valores morais, mesmo que respeitabilíssimos ou porventura excelentes, é opção legislativa que merece o qualificativo de 'esquizofrenia sócio-juridica'".
Acrescento mais: que maior é a "esquizofrenia" se tal for violentador de consciências que, como a do Sr. Primeiro-Ministro, se deixam "amordaçar" pelo líder oculto deste Governo, o Dr. Paulo Portas.
Será que algum dos Srs. Deputados está em condições de assegurar que nunca alguém da vossa família, ou muito próximo, não recorreu já, em algum momento, à interrupção voluntária da gravidez? Estarão os Srs. Deputados em condições de as colocar no banco dos réus, ou de servir de testemunha abonatória para as livrar de tamanha tormenta e humilhação? Estarão disponíveis para serem acusados de cumplicidade? Ou não terão de pensar nisso, pois a vida só o é verdadeiramente se for interrompida em território nacional, mas se for "longe da vista" também é "longe do coração" e, logo, nada têm a temer?

Aplausos do PS e do BE.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma lei que não é praticada nem respeitada não serve a sociedade.
Temos hoje a oportunidade histórica de resolver este drama da sociedade portuguesa e queremos contar com o "lado solar" das consciências de cada um dos Srs. Deputados. Mas, infelizmente, chocamos permanentemente de frente com o "lado lunar", que insiste em levar este tema para o obscurantismo.
Srs. Deputados, ponham as vossas consciências a fazer de escudo humano, demonstrem que o "esquadrão armado" do Governo nesta Assembleia tem coração! Promovam connosco uma solução para este problema.
Uma coisa vos garanto: todos juntos, com espírito democrático e exercício da nossa cidadania, iremos mais longe.
Repito: ninguém é a favor da interrupção voluntária da gravidez, o que somos, sim, é contra a hipocrisia que é condenar uma mulher à prisão por ter recorrido a essa opção.

Aplausos do PS e do BE.

Consideramos que os castigos físico, psicológico e moral já são suficientemente fortes.
Espero que esta maioria de direita não sofra também moralmente pela atitude que está a tomar neste momento. Lembrem-se que, com a aplicação integral desta lei, cerca de 100 000 mulheres estariam atrás das grades nos últimos cinco anos. Será que isto não lhes dói na consciência?!

Aplausos do PS, de pé, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com que direito pode um Estado, uma sociedade que não fez tudo o que devia para assegurar o seu papel social e o exercício de uma maternidade consciente, persistir em penalizar mulheres, como se isso resolvesse fosse o que fosse?
Com que direito se lançam mulheres nas margens da clandestinidade e se deixam mulheres entregues à sua solidão, aos seus medos, à ilegalidade da interrupção de uma gravidez que as exclui e coloca totalmente fora da lei e fora de quaisquer cuidados de saúde?
Com que direito podem alguns ousar falar de direito de opção a mulheres a quem interditos religiosos e culturais negam a sua sexualidade?
Com que direito podem alguns falar de opção a jovens adolescentes a quem a escola encheu a cabeça de fórmulas inúteis mas não ensinou a lidar com o seu corpo?
Com que direito podem alguns falar de opção a uma mulher quando o planeamento familiar nunca

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chegou ao seu bairro ou à sua terra e ela não sabe o que isso é porque ninguém cuidou de a ensinar?
Com que direito podem alguns falar de opção a uma família atingida pelo desemprego ou pela ameaça de despedimento e que não pode permitir-se já o luxo de outra criança?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A liberdade é a liberdade de escolher. A maternidade é uma escolha consciente, livre e responsável. A escolha da maternidade por uma mulher é, por isso, a afirmação humanística de um desejo, de uma vontade, um acto de amor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É humilhante para Portugal e para os portugueses que, em pleno século XXI, mulheres sejam tratadas como criminosas por fazerem um aborto.
É inaceitável que mulheres sejam colocadas à margem da lei e de cuidados de saúde, correndo inúteis riscos que poderão irreversivelmente impossibilitar a sua maternidade no futuro. É inaceitável que mulheres sejam abandonadas em lugares desumanos e sórdidos, sem quaisquer condições de higiene, lugares em que se joga, em muitos casos, com a própria vida.
É inaceitável que mulheres sejam tratadas como "gente de 3.ª classe" enquanto que outras, menos desafortunadas, conseguem, noutras paragens, a segurança que o seu país lhes nega, numa situação de desigualdade que é, ela própria, insustentável numa democracia digna desse nome.
Trata-se de uma situação intolerável que obriga ao confronto com a realidade e obriga a compreender que temos uma lei inadequada, perversa e imoral. Uma lei que é forçoso alterar, sem hipocrisias, sem falsos tabus, sem fingir que não se vê aquilo que a realidade mostra, mas caminhando diferentemente num sentido capaz de pôr fim à clandestinidade e à ilegalidade do aborto. Uma legislação que, tal como uma resolução, de Junho de 2002, da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Oportunidade do Parlamento Europeu preconiza, se abstenha, em quaisquer circunstâncias, de agir judicialmente contra as mulheres que tenham feito abortos, garantindo que a interrupção voluntária da gravidez seja legal, segura e universalmente acessível, a fim de assegurar a saúde reprodutiva e os direitos das mulheres,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - … pondo assim termo ao gravíssimo problema de saúde pública que, em Portugal, só em 2003, significou a morte de cinco mulheres e o recurso de cerca de 11 000 a urgências hospitalares devido a complicações resultantes de abortos clandestinos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quase há três décadas, uma ministra de um governo de direita, em França, despenalizou a prática do aborto. Mais de 20 anos passaram desde que, em Portugal e neste Parlamento, se iniciou a discussão sobre a sua despenalização. Dez anos foram já percorridos desde a Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento e das resoluções aí adoptadas no capítulo dos direitos das mulheres e em matéria de saúde sexual e reprodutiva.
É tempo de se agir em Portugal. É tempo de pôr fim à hipocrisia, encerrando este lamentável ciclo do "orgulhosamente sós" e de acompanhar a cultura humanista e jurídica do nosso tempo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Minha senhora, isso já tem 30 anos!

A Oradora: - É tempo de abandonar o arcaísmo obscurantista instalado. É tempo de pôr fim a uma penalização que não teve qualquer efeito positivo, ao contrário, revelou ser factor de insegurança, de desigualdade e de injustiça inaceitáveis.
A criminalização do aborto e da mulher, afinal, que alguns cinicamente reconhecem nesta Câmara ser um fingimento, não é para ser levada a sério e só tem um valor simbólico, quiçá, para exorcizar algum pecado.
Esta é, seguramente, uma lei que tem de ser alterada. Uma alteração que se quer garantida mas que não obriga ninguém e que é condição indispensável para permitir, precisamente ao contrário do actualmente se verifica, que cada um possa agir de acordo com aquilo que a sua consciência livremente dita. Uma alteração que respeita as opções de cada um e que permite que cada um possa agir de acordo com as suas convicções filosóficas ou religiosas, sem que isso determine, porém, a imposição a outrem, muito menos por via de uma ameaça penal, de regras de comportamento e de sujeição a perigos.

O Sr. Presidente: - O tempo de que dispunha terminou, Sr.ª Deputada. Agradeço que conclua.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aquilo que o vosso voto vai determinar é se pretendem manter a actual lei e, por isso, permitir que as mulheres do nosso país continuem a ser perseguidas, investigadas, humilhadas, condenadas e presas, ou se, por outro lado, querem que as mulheres deste país possam decidir sobre o momento de ter os seus filhos e de interromper uma gravidez em segurança e com

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cuidados de saúde assegurados.

Aplausos de Os Verdes, do PCP, do BE e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os projectos de lei em apreço, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira. Dispõe de 5 minutos, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os antecedentes parlamentares relativos às iniciativas da mesma natureza das que hoje foram apresentadas são abundantes em variadas sessões legislativas e as vicissitudes que as rodearam são de todos bem conhecidas, pois mereceram sempre ampla cobertura mediática.
A opção pela criminalização do aborto no Código Penal de 1886 radica nas previsões legais do Código Napoleónico de 1810, a exemplo do que à época sucedeu com muitos outros países que hoje já a abandonaram.
Apesar das alterações introduzidas ao regime legal ao longo de mais de um século, continua o nosso país, praticamente de forma isolada no contexto da União Europeia, a consagrar como crime um comportamento que, para quase todos - mesmo para muitos dos que discordam da sua despenalização -, é uma verdadeira questão de consciência.
O relatório descreve o enquadramento internacional da interrupção voluntária da gravidez constante de documentos, muitos dos quais subscritos por Portugal, que foram criando sucessivamente doutrina, quando não direito aplicável, no que se refere à saúde materna e infantil, ao direito ao planeamento familiar e ao domínio da saúde reprodutiva, considerada esta como "o completo bem-estar físico, mental e social e não a mera ausência de doença ou enfermidade, em todas as questões relacionadas com o sistema reprodutivo e suas funções e processos".
Verdade adquirida hoje a de que em caso algum o aborto deve ser promovido como método de planeamento familiar, mas também a de que o aconselhamento e o tratamento humano devem ser providenciados às mulheres que a ele tenham recorrido.
O enquadramento genérico da interrupção voluntária da gravidez em Portugal dá conta da nossa ignorância relativamente à verdadeira realidade deste gravíssimo problema social e de saúde pública, que radica na clandestinidade da sua ocorrência por força da criminalização e dá conta da viva controvérsia que a discussão do tema sempre suscita, transcrevendo opiniões diferentes de entre as publicadas em órgãos de comunicação social.
As vertentes de análise deste problema têm sido as mais variadas, mas aquela que verdadeiramente me toca é a do seu rosto humano.
Tive o privilégio de, ao longo das dezenas de anos da minha vida, quer no plano pessoal, quer no político, por força das funções que exerci, ter vivido e conhecido de perto dramas humanos de profundo e intenso sofrimento. Eles constituíram a minha verdadeira lição da vida. Com eles aprendi a emocionar-me, muitas vezes com o sofrimento apenas descrito, e a ser absolutamente intolerante com a hipocrisia da falsa manifestação de benevolência numa mão e da intolerância e do castigo na outra.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A forma como encaro esta situação concreta vi-a, há dias, magnificamente relatada num artigo do Dr. Pedro Strecht, que menciono no relatório: "(…) Não é este um problema muito mais vasto do que querer ou não sentar no banco dos réus algumas mulheres? Não se trata de discutir mais do que a quem pertence um útero ou quem deseja ou não a morte de seres indefesos?".

Protestos do CDS-PP.

"Acordaremos para formar sociedades melhores quando soubermos dar ao mal-estar, à solidão, à tristeza, enfim, numa só frase, à ausência de amor, um outro destino. Quando estivermos mais aptos a apoiar e a integrar do que a isolar ou excluir. Mais à vontade para compreender do que a punir. Mais activos em tudo aquilo que simboliza vida, sendo que vida não é apenas a ausência de uma morte física, porque há mortes psíquicas que não se contabilizam".

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, dei-lhe a palavra para apresentar as

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conclusões do relatório. Penso que V. Ex.ª está a exceder-se em relação ao tema para que lhe foi dada a palavra. Por isso, tenha a bondade de se ater às conclusões do relatório.

A Oradora: -Sr. Presidente, o relatório cita este artigo e é por isso que lhe faço referência.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de avançar e concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Com certeza, Sr. Presidente.
Crime sem criminoso ou ausência de crime tout court, este é um problema que mexe e remexe fundo nas consciências de todos nós. É que, independentemente do poder de decisão individual, há em cada caso uma circunstância, que não é feita por cada um mas pelo momento e pelo meio que os envolve, e esse meio é nossa responsabilidade colectiva. E se ele é hostil, a responsabilidade do que a ele é imputável também é colectiva e não apenas individual. Muita dessa responsabilidade passa por nós, nesta Câmara, pelos resultados da nossa acção e da acção dos órgãos do poder político.
Pelo nosso insucesso não devem outros ter de assumir a responsabilidade. Combatam-se ferozmente as causas, não se penalizem os efeitos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, termino com esta pergunta: visto a esta luz, qual de nós, qual de vós, tem legitimidade para atirar a primeira pedra?

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Uma vergonha!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A esquerda, por iniciativa do PCP, entendeu que era oportuno, agora, levantar de novo a questão da regulamentação legal do aborto, propondo a despenalização total da mulher que o pratica, em quaisquer circunstâncias e em qualquer momento. Neste ponto, que é o essencial, o PCP é acompanhado pelo Bloco de Esquerda e por Os Verdes.
Bastante mais modestamente, o PS retoma, no essencial, a alteração submetida a referendo em 1998, no sentido que seja livre o aborto praticado nas primeiras 10 semanas de gravidez, solução que, como se sabe, foi rejeitada naquela altura.
Está hoje também na ordem do dia a discussão de uma petição popular e de duas propostas de resolução que suscitam a realização de um novo referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. Todas sugerem uma mesma pergunta, ajustável ao conteúdo da que, em 1998, foi respondida negativamente. A iniciativa popular é a primeira que a Assembleia da República aprecia ao abrigo da revisão constitucional de 1997 e da legislação entretanto aprovada, facto que se anota e de que se salienta a relevância. As outras duas propostas foram apresentadas pelo PS e pelo BE.
O PCP é coerente. Não quis referendo, não quer e nem quer ouvir falar em tal coisa, como resulta claro do preâmbulo do projecto de lei que apresenta. O PS, pelos vistos, está mal disposto consigo próprio e com a forma como actuou em 1998.
Em relação a estes aspectos, estamos nos antípodas.
Para nós, o referendo constitui, desde sempre, uma forma nobre de decisão devolvida directamente ao povo que representamos, que, como é óbvio, coexiste com a democracia representativa, e que, apesar de repetidas insistências da nossa parte, só em 1989 passou a ser aceite pela Constituição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Estou tanto mais à vontade para o lembrar quanto, em 1993, quando o PS se lembrou de sugerir que o primeiro referendo em Portugal fosse suscitado para o que pareciam achar uma questão básica e decisiva, que era a de saber como devia ser gerida a RTP - na altura, tratava-se mais de saber se o director de então devia ou não permanecer no seu lugar - me coube enunciar alguns princípios que me permito relembrar.
O referendo deve ser usado de maneira parcimoniosa e com extrema precaução, em assuntos de

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grande importância, que interpelam posições que dividem os cidadãos de forma não necessariamente coincidente com as suas divisões e escolhas de carácter partidário. Não se lhe pode recorrer frequentemente, nem repetidamente sobre a mesma questão, e deve ser feito em condições que permitam um amplo debate e uma elevada participação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - De outra forma, perdem na consideração dos cidadãos o referendo e a própria democracia representativa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em 1998, realizou-se o primeiro referendo nacional em Portugal. Foi suscitado, justamente, sobre o aborto, matéria por excelência adequada ao recurso a referendo. Realizado no contexto de um debate intenso sobre a questão, não teve a participação que levaria a que fosse juridicamente vinculativo, mas permitiu a expressão de uma vontade maioritária no sentido da manutenção da lei que estava - e se mantém - em vigor. Manifestaram, então, validamente a sua posição 2 664 884 cidadãos, um número infinitamente superior ao imaginável por qualquer outra forma. Ninguém, na altura, considerou legítimo avançar com o texto que a Assembleia da República já tinha aprovado na generalidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Entendemos que, tendo o povo português sido chamado a expressar-se sobre esta questão, não devemos alterar a lei em violação da resposta que recebemos, sem que a mesma seja de novo devolvida ao povo.
Por isso, não estamos disponíveis para, sem a convocação de novo referendo, alterar a lei.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sentimos também que não devemos convocar já um novo referendo.

Vozes do PS: - Porquê?

A Oradora: - Por razões de um compromisso eleitoral…

Vozes do PS: - Ah!…

A Oradora: - … que livremente assumimos nesta Legislatura, o que por si seria, em qualquer caso, decisivo. Mas também, deixem-me que acrescente, porque em matéria de convicções íntimas e profundas, como aquela de que tratamos, que diz respeito a valores e a princípios, me parece errado e perigoso partir do princípio de que o povo que representamos se engana facilmente, não sabe o que decide ou muda de ideias ao sabor das circunstâncias.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É óbvio que existe uma grande divisão na sociedade portuguesa sobre o tratamento jurídico da interrupção voluntária da gravidez. É claro que se trata de uma questão que desperta atenção e envolvimento dos portugueses. A uma petição popular recolhida em quatro meses respondeu uma outra petição popular, com mais assinaturas e um mês de recolha, de sinal rigorosamente contrário.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isso é um referendo populista!

A Oradora: - Trata-se de manifestações de vitalidade da sociedade, que se mobiliza em torno de questões que mexem de perto com os sentimentos e as opiniões de cada um, mas são manifestações de sentidos absolutamente incompatíveis entre si sobre a própria convocação de um referendo.
Está longe de existir um clamor de exigência de realização de um tal referendo para mudar a lei.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O barómetro do jornal Público de anteontem sugeria um quase empate…

Vozes do PS: - Ah!…

A Oradora: - … de opinião sobre a questão,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Barómetro?! Barómetro, Sr.ª Deputada?!

A Oradora: - … com pequena vantagem para quem não queria referendo antes de 2006.
Não pode retirar-se dos prazos e números que há mais gente que não quer um referendo agora. Mas não pode, seguramente também, retirar-se o seu contrário. Aliás, num outro nível, refira-se também que uma sondagem de opinião publicada no mesmo jornal há algum tempo parecia indicar uma opinião largamente maioritária de sustentação das causas de aborto autorizado que a lei hoje reconhece, enquanto o resultado era muito menos claro quanto às circunstâncias em que o aborto não é permitido.
Julgamos, assim, que é precipitado realizar um outro referendo durante a presente Legislatura, pelo que não vou sequer entrar na apreciação da questão de saber se se deve alterar a lei para em circunstância nenhuma questionar a mulher que pratica um aborto (solução do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e de Os Verdes) ou para permitir a liberdade de abortar nas primeiras 10 semanas (solução preconizada pelo Partido Socialista). Acontece também que, como é conhecido, sobre a questão material eu não poderia pronunciar-me em nome do Grupo Parlamentar do PSD,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - … porque cada um de nós tem as suas convicções e é sempre livre de as exprimir…

Vozes do PS: - É livre?!

A Oradora: - … e sentir-se-á livre de propor e de votar, quando a circunstância de novo referendo nos permitir discutir alterações à lei.
O processo referendário de 1998 significou a manutenção em vigor da lei que, então, já regulava a interrupção voluntária da gravidez. E teve também o mérito indiscutível de revelar uma larga plataforma nacional de concordância sobre a necessidade de evitar a prática do aborto através do apoio à maternidade e à paternidade e do acesso generalizado ao planeamento familiar e à educação sexual.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - O conhecimento que temos da realidade das coisas e da vida demonstra que não há prevenção séria do aborto, seja qual for a lei que o regule, que dispense uma adequada protecção da família, uma cuidada educação para a sexualidade e um amplo acesso aos meios e serviços de planeamento familiar.
Dir-me-ão os Srs. Deputados que revisitar todas essas questões a propósito do aborto não é novo. Não, não é. Começou, pelo menos, em 1984 e foi várias vezes repetido. Não estamos aqui com pretensões de inventar o que quer que seja, mas estamos com a consciência de que o edifício não está nunca completamente construído.
Optámos, os dois grupos parlamentares da maioria, por apresentar um projecto de resolução contendo recomendações ao Governo em virtude de três ordens de factores: primeiro, porque se trata de um conjunto heterogéneo de medidas, a executar com recurso a instrumentos diferenciados; segundo, porque em parte supõem uma actividade intensa de programação e montagem, dificilmente subsumível ao conteúdo de um texto de lei; e, terceiro, porque é já bastante complexo, e escusadamente complexo, o actual edifício legislativo.
Em 1984, três leis trataram, num conjunto necessariamente interligado, todas estas matérias - as Leis n.os 3/84, 4/84 e 6/84. Todas elas foram, entretanto, modificadas, tiveram desenvolvimentos posteriores e, em alguns casos, excessivamente repetitivos e até um pouco confusos.
É absurdo sequer pensar que a situação em que nos encontramos é próxima da que existia nos anos 70 e 80. É, aliás, interessante reler o que o PCP dizia sobre a situação, quando apresentou o projecto de lei n.º 7/III, em 1983, em que, descrevendo de forma muito catastrófica - e com razão - a situação que se vivia na altura, falava - e aqui já não sei se com razão - em 100 000 a 300 000 abortos clandestinos.

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Hoje, continua a descrever a situação de forma catastrófica, mas fala de 20 000 a 40 000 abortos clandestinos, admitindo uma redução de mais de 80%. Não sabemos, infelizmente, quais são os números. Não podemos, infelizmente, dispor do estudo que a Assembleia da República decidiu encomendar, e que eu gostaria de ter rapidamente nas minhas mãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Os números de aborto clandestino são e serão sempre demasiado elevados, sejam eles 20 000, 16 000, mais ou menos do que isso,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - … mesmo se ele se realiza hoje em condições e por meios que não são facilmente comparáveis àqueles que existiam há 20 ou há mais anos.
É claro que hoje a situação só é realmente muito diferente porque não tem comparação com o que era, há 20 ou há 25 anos, a real capacidade de as mulheres portuguesas controlarem a sua fertilidade. Mudaram muitíssimo, desde logo também por avanço dos conhecimentos científicos e por um grande esforço no terreno, feito por muita gente - o acesso à informação e aos meios de planeamento familiar.
Mas, reconhecendo isso, estamos longe de nos podermos considerar satisfeitos. É preciso mais esforços e concentrar a atenção em alguns aspectos.
O referendo de 1998 afirmou a manutenção da lei em vigor. No entanto, sabemos que, no que respeita às situações em que esta mesma lei permite a prática da interrupção voluntária da gravidez, o acesso das mulheres, em tempo e com segurança, nesses casos não passou para o domínio dos factos. Isto mesmo é, aliás, afirmado no projecto de resolução sobre o referendo apresentado pelo Partido Socialista.
É absolutamente inaceitável que, 20 anos depois da aprovação da Lei n.º 6/84, ela não tenha ainda tido aplicação plena, eficaz e atempada. E este não cumprimento efectivo da legislação em vigor, como se sabe muito próxima da legislação espanhola na forma como se exprime, gera também uma percepção errada sobre o seu conteúdo. As pessoas pensam, com frequência, que o aborto é praticamente sempre proibido. Ora, isso não corresponde à verdade.
Com efeito, é legalmente possível o aborto, a todo o tempo, se constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher e, até às 24 semanas, se houver motivos seguros para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita; a todo o tempo, se se tratar de feto inviável; até às 16 semanas, se a gravidez tiver resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual; até às 12 semanas, se for indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou a saúde física da mulher; e, também até às 12 semanas, se houver perigo para saúde psíquica da mulher.
Como Deputados à Assembleia da República, não é possível que aceitemos que o sistema de saúde não aceite nem pratique as leis que votamos. Aliás, se partirmos deste pressuposto, nada nos permite ter a certeza de que qualquer alteração à lei não será igualmente votada ao incumprimento.
Nesta situação parece-nos indispensável, por um lado, reconhecer que a situação é esta e, por outro, criar mecanismos que garantam às mulheres o acesso seguro e rápido, nas situações em que a lei o permite, à interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - É isso que deverá fazer o Ministério da Saúde.
Os hospitais do Serviço Nacional de Saúde devem, a este respeito, ser firmemente instados a organizarem-se para cumprir a lei,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… e a Assembleia da República deve, anualmente, poder apreciar e fiscalizar a sua aplicação, para o que o Governo lhe deverá submeter um relatório.
Para efectivamente assegurar que esse acesso exista nos termos lei, entendemos que deverá uma mulher que, nas condições legais, se dirija a um hospital com serviços de ginecologia e/ou obstetrícia ser aí atendida. Caso isso não seja possível, deve ser o próprio hospital, sem perdas de tempo e sofrimentos a mais inúteis, a encaminhar a mulher para unidade pública ou privada devidamente credenciada, para que a atenda com os custos a cargo do Serviço Nacional de Saúde.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Quando isso acontecer - e não podemos continuar a aceitar que não aconteça - teremos uma noção clara de para que é que a presente legislação efectivamente serve. É que, Sr.as e Srs. Deputados, como nós sabemos, e é bom que toda gente saiba, a legislação portuguesa é muito semelhante à espanhola - e em Espanha, como alguns dizem, o assunto está resolvido - e não tem nada a ver, mas absolutamente nada a ver, com a legislação irlandesa.
Mas muitos outros aspectos devem ser objecto de atenção especial, nomeadamente por dizerem respeito a particulares segmentos da população ou porque noutras perspectivas de actuação se afiguram também necessárias, e que são objecto de particular recomendação ao Governo.
Em primeiro lugar, o problema mais sério está ainda, e sempre, nos jovens. Com efeito, alguns indicadores de saúde traduzem falhas graves na educação e informação no domínio da saúde sexual e reprodutiva.
O número alarmante de gravidezes na adolescência, o nível de infecção pelo vírus da SIDA muito elevado entre os menores de 25 anos, o alto consumo de contracepção de emergência, que deu um salto nos últimos anos, a incidência elevada do cancro no colo do útero, tudo isso aconselha a um investimento decidido na educação sexual e a alguma inflexão nesse domínio. Considera-se indispensável que, no sistema educativo, se introduzam alterações na actual abordagem da educação sexual face às debilidades detectadas na introdução apenas transversal da matéria, repartida por diferentes áreas e disciplinas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Propomos, por isso, como é sabido, a introdução de uma área disciplinar, adaptada à forma como o ensino está organizado a cada nível, entre os 3.º e 9.º anos de escolaridade, concebida de acordo com o grau de desenvolvimento das crianças, que seja obrigatória, sujeita a avaliação,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - … concebida e tratada de acordo com as regras da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Constituição da República Portuguesa, no que respeita ao envolvimento e às responsabilidades dos pais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Esta área deve, em nosso entender, dar uma atenção muito particular e muito relevante à educação para a sexualidade.
Em cada escola devem as crianças e os jovens poder contar com o apoio de professores particularmente formados e vocacionados para os acompanhar, ajudar, encaminhar, despistar situações de risco e prestar-lhes uma atenção individualizada, por escolha das próprias crianças e jovens: são os que designamos por "professores tutores".
Os centros de apoio social escolar devem também ser vocacionados em particular para encaminhar, para ajudar e para despistar situações de risco em relação a crianças e jovens em meio escolar.
As mães adolescentes ou em particulares dificuldades e os seus filhos necessitam de uma protecção especial, a que o Governo tem de dar novas respostas, incluindo o cumprimento (e para além do cumprimento) da Lei n.º 90/2001, de 20 de Agosto.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Também este domínio é objecto de propostas da nossa parte.
Deve ser reforçado o apoio a instituições que ajudam mães em particulares dificuldades, em especial as mães jovens.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Sabemos que o problema porventura mais crítico e difícil que as mulheres com responsabilidades familiares enfrentam é o da conciliação das mesmas com um emprego. Sabemos que as mães, hoje, enfrentam dificuldades acrescidas, o que faz qualquer jovem pensar seriamente antes de enfrentar a maternidade e, cada vez mais, adiar para mais tarde tais projectos.
A lei consagra um conjunto de disposições que protegem a maternidade e a paternidade e a

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conciliação com as responsabilidades profissionais, mas é insuficiente o cumprimento dessa legislação e as entidades empregadoras têm de ser dissuadidas de impedir as mães e os pais de utilizarem, em benefício dos filhos e do conjunto da sociedade, a protecção conferida pela lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Quanto ao planeamento familiar, desejamos que duas medidas em especial sejam adoptadas pela forma adequada em cada caso. A primeira tem a ver com a dispensa de medicamentos pelas farmácias. A lei impõe uma lista de medicamentos que as farmácias devem obrigatoriamente dispensar. Dessa lista deve passar a constar, sem depender da vontade dos farmacêuticos, os meios de contracepção e de planeamento familiar que são vendidos em farmácias. Não deve ser possível às farmácias não vender livremente preservativos, anovulatórios ou contracepção de emergência.
O segundo aspecto tem a ver com a contracepção cirúrgica. A Lei n.º 3/84, no seu artigo 10.º, determina as condições em que a esterilização voluntária pode ter lugar.
Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 259/2000, de 17 de Outubro, a contracepção cirúrgica deve ser assegurada no prazo máximo de três meses, no caso de risco obstétrico acrescido, isto é, nos casos terapêuticos, prazo longo de mais. E que dizer dos casos em que a contracepção cirúrgica é pedida por livre escolha das pessoas que, nos termos da lei, têm direito a esse acesso? Devem tomar-se providências para que a contracepção cirúrgica seja realizada em prazos muito mais curtos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Há, pois, como se vê, um vasto campo de intervenção prática no terreno, que está para além dos estudos, das leis e dos diagnósticos, o qual deve ser desenvolvido e aprofundado.
Interessa a todos o desenvolvimento harmonioso dos jovens, dos casais e das crianças. Interessa a todos que as pessoas desejem ter filhos, que tenham condições para os educar e que a maternidade e a paternidade sejam fonte de realização pessoal e garante do desenvolvimento e bem-estar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estas preocupações no domínio da protecção da família, da maternidade e da paternidade, da promoção da educação para a sexualidade e do controlo da fecundidade são permanentes e são independentes do teor da lei que permita ou não o aborto.
Sabemos que este debate não encerra esta última questão, nem queremos ou sugerimos que o faça. O debate está, de facto, reaberto. Façamo-lo com toda a serenidade que o assunto merece e sem arrogância. Nós, pelo menos no Grupo Parlamentar do PSD, não estamos zangados com ninguém.
Quando os portugueses e as portuguesas, em referendo, se voltarem a pronunciar, terão, possivelmente, escolhido um outro caminho, ou não. A eles e a elas, que aqui representamos, caberá, então, decidir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Odete Santos, Luís Fazenda e Luísa Portugal.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, dispondo para o efeito de 3 minutos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, apreciei a parte final da sua intervenção, ou seja, o apelo que fez ao debate sereno. Só que, até este momento, não houve, nem penso que venha a haver, qualquer debate por parte das bancadas do PSD e do CDS-PP, que se comportam de forma muito displicente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Penso que a intervenção de V. Ex.ª explicou isso. É que, pelos vistos, não vai haver da parte do PSD qualquer intervenção que toque o fundo desta questão.
A Sr.ª Deputada disse que não se iria pronunciar sobre a questão material (também penso que mais ninguém do PSD irá falar das consequências graves do aborto clandestino). Percebo a sua atitude a este respeito: é que, se calhar, não estará muito à vontade para falar destas questões.
O PSD, em 22 anos, esteve, salvo erro, 16 no governo, governando agora há 2. Portanto, durante todo esse tempo teve e tem na sua mão os mecanismos necessários para fazer aquilo que entende que devia ser feito em matéria de educação sexual e de planeamento familiar, pois teve e tem a iniciativa legislativa e regulamentar.

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Reconheço que, a nível da Direcção-Geral de Saúde, foram feitos bastantes esforços em relação à questão do planeamento familiar, mas o PSD e o CDS-PP votaram sempre contra a lei da educação sexual e do planeamento familiar: votaram conta o projecto de lei do PCP, votaram contra os projectos de lei sobre a concepção de emergência e, em 1984, votaram também contra o projecto de lei, apresentado pelo PCP, de garantia do direito à saúde reprodutiva, que deu origem à lei de 1999.
Pergunto, pois: porque é que nunca executaram as ideias que V. Ex.ª tão bem acabou de explicitar? Porquê?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, não faça essa cara…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Porque é que não aplicaram?

A Oradora: - E porque é que agora apresentam um instrumento legislativo, ainda por cima do nível mais baixo - uma resolução -, a dizer que vão obrigar o Governo a aplicar medidas contra as quais o CDS-PP e mesmo o PSD votaram contra? Quer convencer-nos de que isso se vai passar? Trata-se de mais uma manobra de recurso,…

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - … que utilizam sempre que se discute a despenalização da interrupção voluntária da gravidez!

Aplausos do PCP e do BE.

A História mostra isso!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se.

A Oradora: - Basta consultar os Diários da Assembleia da República!
Sr.ª Deputada, eu respeito-a muito, mas penso que fez uma intervenção a contragosto.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Oradora: - De facto, não convenceu, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza. Dispõe de 3 minutos.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, pode estar descansada que eu não faço intervenções a contragosto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por outro lado, devo confessar-lhe que me sinto perfeitamente à vontade para falar sobre todas estas questões.
Sr.ª Deputada, eu não disse que os Deputados desta bancada não têm posição sobre as questões relacionadas com a questão de fundo sobre o aborto. Temos, Sr.ª Deputada! Cada um de nós tem aquela que entende ter!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Cada um de nós pensa pela sua cabeça.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois, mas não podem falar!

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A Oradora: - Estou a falar pelo PSD. Aqui, cada partido fala por si. Essa é a regra, não é verdade?
Em representação do PSD, não exprimi, nem posso exprimir, uma posição sobre a questão de fundo, porque os Deputados desta bancada têm sobre esta questão posições diferentes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - E o meu partido reconhece-nos a possibilidade de exprimirmos, quando entendermos, essas formas diferentes de se olhar para este assunto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PS: - Não! Não!

A Oradora: - Aquilo que eu disse, Sr.ª Deputada, só de uma forma particular é que pode ser entendido como não querendo saber das consequências do aborto clandestino.
Tenho também muito respeito pela Sr.ª Deputada, que fez o favor de dizer isso a meu respeito.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu não faço favores!

Risos do Deputado do CDS-PP João Rebelo.

A Oradora: - Mas, perdoe-me que lhe diga, não é a si que estou à espera de convencer
O que eu disse, Sr.ª Deputada, tem tudo a ver com a preocupação em prevenir e evitar as consequências dramáticas do aborto clandestino. Ninguém, aqui, tem problemas em reconhecer que o aborto clandestino existe, que ele é em muitas circunstâncias um drama e que deve ser combatido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Sr.ª Deputada, a única forma séria e segura de evitar que haja aborto, e sobretudo aborto clandestino, consiste em educar e informar as pessoas,

Vozes do PCP: - Oh!…

A Oradora: - … permitir-lhes o acesso a meios de contracepção,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… facilitar a todos o acesso aos conhecimentos e aos meios para controlar a fertilidade.
E, Sr.ª Deputada, o PSD não precisa de quaisquer lições sobre promoção do planeamento familiar.
Lembro à Sr.ª Deputada que foi um Deputado e ilustríssimo militante do meu partido, o Dr. Albino Aroso, que, em 1976, na qualidade de Secretário de Estado da Saúde, pela primeira vez instituiu oficialmente em Portugal o planeamento familiar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É hipocrisia falarem em planeamento familiar.

A Oradora: - Ficar-me-á talvez mal, Sr.ª Deputada, falar das muitas coisas que o PSD fez neste domínio.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Sr.ª Deputada, não tenho vergonha ou imodéstia em assumir que o PSD não tem lições a receber seja de quem for no que respeita à promoção do planeamento familiar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

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O Sr. Luís Fazenda (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, com toda a serenidade, quando mulheres são perseguidas, no cumprimento da actual lei penal, pela Polícia Judiciária, pelo Ministério Público, elas não vão dizer às autoridades que a nossa lei é semelhante à espanhola. Esta é toda a diferença deste debate!
É que há Deputadas e Deputados que continuam a não ver que é o drama individual das mulheres, do seu foro íntimo, o drama social do aborto clandestino e da perseguição judicial que nos move, e é esse debate que nos traz aqui.
De nada vale insistir em que a actual lei não está a ser plenamente aplicada. O que nos mostram "Maia" e "Aveiro" é a plena aplicação da lei. Ninguém vai arguir a semelhança com a lei espanhola. O que há é um dever de responsabilidade desta Assembleia da República para alterar a lei penal portuguesa.
Sr.ª Deputada Leonor Beleza, diz-nos que não estão disponíveis para alterar a lei penal. Porquê? Porque só através de um novo referendo. Ora, fez a Sr.ª Deputada alguma doutrina sobre as condições de um referendo: disse que esse instituto terá de ser utilizado com parcimónia, não deve ser frequente, não deve ser repetitivo. Não estava, seguramente, a falar do líder do seu partido, e Primeiro-Ministro, que foi apelar, pouco mais de um ano depois de um primeiro referendo ao povo da Irlanda, com tão pouca parcimónia, para votarem exactamente a mesma pergunta e em sinal contrário!?
É que essa doutrina, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, é de conveniência, é consoante as circunstancias e os objectivos políticos, permita-me que lho diga.
Levantou a Sr. ª Deputada uma outra ideia, talvez essa mais consistente - não está na doutrina constitucional se as perguntas podem ou não ser repetidas, nem sequer prevê prazos (tanto mais que não se trata de um referendo do qual se tiraram ilações políticas, mas que não foi validado, não foi vinculativo, como muito bem observou). Mas disse a Sr.ª Deputada que há um compromisso eleitoral por parte do PSD. Ora, esforcei-me, em vão, por encontrá-lo no programa eleitoral do PSD. Era um compromisso tão importante que não vem em 138 páginas do programa eleitoral do PSD! Há umas palavras vagas, pouco categóricas, do líder do seu partido, e Primeiro-Ministro, que diz que se comprometeu a que, nesta Legislatura, não teria lugar.
A pergunta que aqui se coloca é esta: o tal compromisso de consciência, a tal liberdade de consciência individual vai prevalecer sobre o compromisso eleitoral do Sr. Primeiro-Ministro? Será que esta questão é compaginável com um dever partidário?
É que há aqui uma contradição nos termos: a Sr.ª Deputada disse que falou pelo PSD, disse que o seu grupo parlamentar tem total liberdade de voto, total liberdade de consciência individual. Se assim for, permita-me que conclua o seguinte - e creio não estar a manipular a conclusão: que é mais importante o tal compromisso eleitoral do que, verdadeiramente, o drama e a situação das mulheres que são penalizadas.

Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, o drama das mulheres que abortam não é uma percepção exclusiva de ninguém desta Câmara.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Vozes do PS: - Não é não!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Há alguns que acham que não é!

A Oradora: - Compreendo por que é que alguns Deputados, nesta Assembleia, julgam que sentem de forma particularmente intensa aquilo que os outros, porventura, não sintam.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Vocês querem manter a situação!

A Oradora: - Sr. Deputado Luís Fazenda, sobre o que cada um de nós pensa sobre a questão do aborto, eu disse, e repito, que a posição é com cada um.

Vozes do PS: - Ah!…

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O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Era!

A Oradora: - E disse, e repito, Sr. Deputado Luís Fazenda, que ninguém no PSD me obriga ou me sugere, sequer - a mim, ou a qualquer um dos meus colegas de bancada -, que sobre o drama do aborto clandestino, sobre como é que a lei deve tratar o aborto ou sobre qualquer questão conexa exprima esta ou aquela opinião. Somos livres de dizer aquilo que entendemos!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Assumo livremente - tal como cada um dos meus colegas de bancada, nos termos que serão públicos dentro de alguns momentos - que o líder do meu partido assumiu o compromisso de, durante esta Legislatura, não vir a ser realizado um referendo necessário para uma eventual alteração da lei, pelas razões que expliquei, Sr. Deputado: as de que, numa matéria solene como esta, que mexe com convicções, com valores, com sentimentos, com atitudes, quando as pessoas escolhem têm direito a que a sua escolha seja respeitada.
Não é razoável, nem legítimo, supormos que os portugueses mudam de ideias por circunstâncias de cada momento em relação a uma questão tão básica, tão elementar como esta. Aquilo que os portugueses e as portuguesas disseram, livremente, num referendo deve ser respeitado por um prazo razoável, Sr. Deputado. As pessoas sabem o que responderam. Nós não fazemos o insulto de considerar que as cidadãs e os cidadãos portugueses não sabiam o que estavam a votar!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - É razoável que esperemos algum tempo até que se voltem a pronunciar. Isto é uma coisa tão simples!
Em relação à questão de fundo, repito que cada um de nós pensa e diz o que entende. E cada um de nós fará, proporá e votará o que entender, no momento em que o povo português vier a ser de novo chamado a dizer o que pensa sobre a questão da legislação do aborto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, gostava de começar por cumprimentá-la pela gestão positiva que fez do incómodo do seu grupo parlamentar, provavelmente do seu próprio embaraço. Provavelmente, como é evidente!

Protestos do PSD.

Sr.ª Deputada, tenho de dizer-lhe que, no meu entendimento, o projecto de resolução que o PSD apresenta é profundamente espantoso. Sei, e a Sr.ª Deputada também sabe, que nada traz rigorosamente de novo. A legislação está no terreno e provavelmente será preciso afinar algumas questões de regulamentação, mas eu pergunto-lhe Sr.ª Deputada, de forma concreta, e sem andar à volta das questões: o que pretende fazer em relação à legislação, inclusive à que já existe? O que é que está oculto neste projecto de resolução? Será que a maioria está a pedir ao Governo que governe?!

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

É isso que está oculto e subjacente neste projecto de resolução? Ou, por outro lado, quer afastar algum tipo de fantasmas, manipular algumas consciências mais ou menos atormentadas?
O que é que pretende, pois, com este projecto de resolução, quando eu sei e a senhora sabe, e provavelmente todos nós sabemos, que nada traz de novo?

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Não é verdade!

A Oradora: - Sabemos igualmente que actuar nas causas é também resolver o problema da lei criminalizadora existente, que não é dissuasora de coisa alguma. E isso, sim, humilha-nos a todos enquanto sociedade e, claro, a nós, mulheres, em particular. Penso que é a este problema de fundo que o

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PSD está a fugir.
Falou-nos, de forma bem convincente, que era preciso implementar a educação sexual na escola ou eventualmente noutros ambientes. Ó Sr.ª Deputada, mas não partimos do zero, a legislação existe! E volto a perguntar-lhe: o que é que está oculto neste projecto de resolução? Vão revogar a lei existente e a sua regulamentação? Ou vão, pura e simplesmente, propor ao Governo que demita a respectiva responsável política, a Sr.ª Secretária de Estado?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Como profissional de saúde, não posso também deixar de colocar-lhe duas questões. Uma delas tem a ver com a disponibilidade dos contraceptivos. A Sr.ª Deputada falou-nos nas farmácias. E nos centros de saúde? Nos centros de saúde é que eles são necessários, Sr.ª Deputada!
A segunda pergunta é a seguinte: como vai resolver (e este é um facto sério) o problema dos médicos e de outros profissionais de saúde que são objectores de consciência e que fazem do seu direito um direito superior ao das mulheres que recorrem aos hospitais por IGV, em condições legais muitas delas, e que não são encaminhadas dentro do Serviço Nacional de Saúde, acabando muitas vezes por optar por um circuito paralelo e não seguro?
O que é que vai fazer, no concreto, em relação a isto?
Sr.ª Deputada, tenho de confessar-lhe que, do seu partido, para quem tem uma não-posição…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tem de terminar.

A Oradora: - Termino, Sr. Presidente.
Em termos de conclusão, como eu estava a dizer, Sr.ª Deputada, para quem tem uma não-posição sobre estas questões, não podíamos esperar outra coisa senão não-soluções para as causas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Portugal, em relação às questões concretas que me colocou, quero dizer-lhe o seguinte: no que respeita aos contraceptivos e à respectiva venda em farmácias, como a Sr.ª Deputada seguramente sabe há uma lista de medicamentos obrigatórios que as farmácias têm de dispensar e dessa lista não constam os meios de contracepção.
Há no nosso diploma uma novidade: a de que as farmácias não sejam livres de ter ou não ter meios de contracepção, passando a lista de medicamentos obrigatórios a incluir todos os meios de contracepção,…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Claro!

A Oradora: - … tanto mais que, como sabe, há meios onde as pessoas têm acesso a uma farmácia, mas dificilmente podem andar atrás da farmácia que porventura tenha contracepção de emergência, por exemplo.
No que diz respeito aos objectores de consciência, é óbvio que respeitamos a objecção de consciência. Isso está fora de questão. Mas o que também é óbvio é que os hospitais do Estado não podem esconder-se atrás da objecção de consciência e não responder às solicitações legais de mulheres que recorrem ao aborto.
E se, eventualmente, as mulheres se dirigirem ao serviço de obstetrícia ou ginecologia de um hospital e se, nesse serviço, por essa razão ou qualquer outra, não lhe for dispensado um aborto legal, passa a haver, de acordo com aquilo que entendemos dever acontecer, um encaminhamento feito pelo próprio hospital para outro estabelecimento de saúde, público ou privado, onde o aborto será praticado, se estiver nas condições legais. Trata-se de garantir, na medida daquilo que é possível, que a lei seja efectivamente cumprida.

Protestos da Deputada do PS Luísa Portugal.

Quanto ao resto, Sr.ª Deputada, deixe que lhe diga, não há qualquer projecto oculto atrás seja do que for, nem propusemos qualquer alteração de legislação.
Como eu disse, há muita legislação sobre estes assuntos, e por vezes até um pouco confusa, que talvez precisasse de ser clarificada. Mas não foi de alterações de legislação que estive a falar, e seguramente não

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estive a falar de alguma coisa oculta; estive a falar de problemas muito sérios e complicados, que a sociedade portuguesa está longe de conseguir resolver, sobretudo em relação aos jovens, problemas para os quais sugerimos pistas e caminhos de soluções.
Quanto ao resto, deixe-me que lhe diga que o meu incómodo, de que a Sr.ª Deputada falou, é bem pequeno comparado com o incómodo do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

A Sr.ª Maria Santos (PS): - Como assim?!

A Oradora: - O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está zangado com o seu antigo líder, ex-Primeiro-Ministro, de que foram ministros muitos Deputados sentados nessa bancada,…

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Isso é que é liberdade! É isso que não se vê no PSD!

A Oradora: - … pois não conseguem esconder o incómodo que foi, em 1998, terem acedido à sugestão do PSD de que o povo português fosse chamado a pronunciar-se sobre a interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: "A eles e a elas devemos o dever de decidir", disse agora mesmo a Sr.ª Deputada Leonor Beleza. O PS não pode estar mais de acordo!
A despenalização da interrupção voluntária da gravidez não se compadece com não-respostas. A vida, a dignidade, a saúde e os direitos das mulheres que ontem, hoje e manhã vão recorrer à interrupção voluntária da gravidez (IVG) é incompatível com não-respostas e não pode ser moeda de troca de qualquer coligação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

A Oradora: - O que está hoje em debate? É a alteração de uma lei que prevê pena até três anos para as mulheres que recorram ao aborto fora dos casos nela previstos. A questão é, pois, Sr.as e Srs. Deputados, se consideramos ou não, cada um e cada uma de nós, que estas mulheres devem ser perseguidas, investigadas, julgadas, sentadas nos bancos dos réus e condenadas por terem feito um aborto.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Os julgamentos da Maia e de Aveiro confrontam cada um e cada uma de nós, bem como a sociedade, com a aplicação da lei. Mulheres são apanhadas à porta de clínicas com ar combalido e obrigadas à realização de exames em hospitais. As sessões deste julgamento foram horríveis, e são ainda mais horríveis se pensarmos que se cumpre, este ano, 30 anos depois de Abril!
A aplicação da lei choca-nos, choca a sociedade portuguesa e confronta-nos a todos com o drama e a humilhação destas mulheres. E esta lei evita, de facto, a IVG? As mulheres continuam a decidir na clandestinidade, a única coisa que conseguimos é o medo instalado pelos recentes julgamentos, que apenas aumentam os riscos para a sua saúde, porque quando recorrem aos hospitais com complicações pós-aborto as mulheres não dizem que o fizeram.
A lei não é eficaz, a sua aplicação choca a sociedade. Para que serve esta lei, então?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Boa pergunta!

A Oradora: - Ou melhor, a quem serve esta lei? Não serve a ninguém, não protege nada, não resolve nada!

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

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A Oradora: - Serve apenas à coligação e àqueles que querem impor a sua conduta aos outros, sabendo que, mesmo assim, não acabam com o aborto e não resolvem o problema.

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, perante isto, qual é o nosso dever no exercício do nosso mandato, nesta como em qualquer outra questão? É votar à nossa imagem e semelhança? É votar de acordo com que faríamos pessoalmente? Ou é votar tendo em conta o que consideramos melhor para a sociedade?
É totalmente contraditória a disciplina de voto do PSD e do CDS-PP, porque confunde questões de consciência com opções individuais, com o exercício do mandato individual do Deputado. Os senhores juram que não, que têm toda a liberdade. Mas, então, como explicam a ausência de alguns Deputados nesta sessão e as declarações de voto?

Aplausos do PS e do Deputado do BE Francisco Louçã.

Diz a maioria que tem muitas dúvidas, que tem dificuldade em decidir, e diz o mesmo o Sr. Primeiro-Ministro.
Consideramos que a sociedade portuguesa não tem essas dúvidas, a avaliar pela mobilização que consegue a iniciativa popular, de mais de uma centena de milhar de assinaturas a favor de um novo referendo e até pela resposta, de mais de uma centena de milhar de assinaturas, que os que são contra à alteração da lei sentiram necessidade de entregar ontem. São sinais evidentes de que existem todas as condições para que se realize um novo referendo; é a sociedade que o pede!

Aplausos do PS e do Deputado do BE Francisco Louçã.

O desfasamento entre a maioria e a sociedade é evidente e inaceitável! A maioria é surda e cega em relação à sociedade e aos eleitores. Invoca um compromisso eleitoral de que ninguém se lembra, e até personalidades como o Prof. Diogo Freitas do Amaral e o Prof. Cavaco Silva sentem hoje a necessidade, que não sentiram ontem, de vir dizer que a lei precisa de ser alterada, não no sentido em que o PS propõe, mas que precisa de ser alterada.
De que precisam os senhores para ver o que toda a gente vê? Precisam, nomeadamente o PSD, que se extinga a coligação? Onde fica o que é melhor para a sociedade? Onde fica a importância da mobilização dos cidadãos e das cidadãs na construção da nossa sociedade? Dizem que fica para depois, porque agora não dá jeito! E, à boa maneira de Durão Barroso, há-de ser um dia, não sabemos é quando!
Sr.as e Srs. Deputados, este ano completa-se 10 anos sobre a Conferência do Cairo. Portugal, que então era governado pelo PSD, ratificou os compromissos dessa Conferência. Uma das conclusões referia que o planeamento familiar, a educação sexual e a despenalização do aborto eram essenciais para o combate ao aborto clandestino. Passados 10 anos, refém de uma coligação que não foi votada pelos portugueses, o PSD não só está refém da posição do CDS-PP sobre o aborto como retrocede nas suas posições de sempre em matéria de planeamento familiar e educação sexual.
Volto à pergunta: qual é o dever desta Assembleia, se a lei não é eficaz e a sua aplicação choca a sociedade?
O que nos divide, afinal? A maioria parlamentar entende que as mulheres só têm direitos se decidirem levar a gravidez até ao fim, se decidirem abortar ficam por sua própria conta e risco. Para o PS as mulheres têm sempre direitos, quer decidam levar a gravidez até ao fim quer não o decidam. Sobretudo, acreditamos que só permitindo às mulheres que recorram aos serviços públicos ou privados convencionados com o Estado asseguramos capacidade de intervenção da sociedade e do próprio Estado na prevenção de situações de gravidezes não desejadas.
Termino, Sr.as e Srs. Deputados, pensando no que disse no debate de 1998 sobre este mesmo tema. Perante as questões que levantei na altura, disse que era hora de dizer basta, porque o "rei ia nu"! Hoje, Sr.as e Srs. Deputados, digo: é hora de dizer basta! A coligação "vai nua"! Não serve as pessoas, não serve Portugal, serve-se apenas a si própria!

Aplausos do PS e do BE

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que hoje aqui realizamos não é inédito,…

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O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Pois não!

O Orador: - … é o quinto sobre este tema, mas nem por isso deixa de ser relevante e responsabilizante para o Parlamento, uma vez que aquilo que discutimos é uma questão essencial e de valores.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Debatemos, novamente por iniciativa da esquerda comunista, a questão do aborto. A primeira realidade que nós, CDS-PP, queremos assinalar é que chegamos a este debate na sequência de uma campanha eivada de falsidades, de incorrecções e de omissões.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A primeira omissão tem a ver com o facto de se pretender ignorar que os portugueses se pronunciaram em referendo, livre e democrático, sobre o aborto, e aí disseram "não".

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Pois é!

O Orador: - A falsidade consiste em fazer crer que os portugueses se enganaram, que não sabiam o que queriam e que essa não era a sua vontade real. Sr.as e Srs. Deputados, os portugueses não se enganaram!

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nada o indica. Aliás, bem pelo contrário, a entrega, ontem mesmo, nesta Assembleia de uma petição com cerca de 200 000 assinaturas, recolhidas num espaço de tempo muito curto, demonstra que a mobilização e a vontade dos portugueses continua a ser no sentido de o "não", o resultado do referendo, ser respeitado.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Por isso, Srs. Deputados, esta Assembleia vai hoje mesmo, mais do que representar democraticamente a vontade do povo português,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Essas 190 000 pessoas não têm mandato do País!

O Orador: - … ver-se confrontada com uma questão essencial: deve ou não essa vontade, expressa por milhões de portugueses em referendo, ser hoje respeitada por este Parlamento? Esse é o ponto!
A nossa resposta é clara: do nosso ponto de vista, sem menosprezo pela função democrática de representação, uma vez consultado o povo, e até nova consulta, respeitado um prazo razoável,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Um prazo de 50 anos!

O Orador: - … deve ser obrigação de toda a Câmara respeitar a vontade do povo!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do PCP.

Uma segunda falsidade tem a ver com a interpretação que se faz acerca da actual lei.
Procuram os Srs. Deputados, sistematicamente, criar a ideia de que a lei portuguesa é um caso único na Europa ou no mundo e que - mais do que isso - conduz as mulheres que se vêem numa situação de aborto à prisão. Não é verdade! É pura e simples mentira!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A nossa lei é um compromisso razoável, que comporta excepções razoáveis à

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penalização do aborto…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Antes não estavam de acordo com as excepções e agora já o estão?

O Orador: - … e que contribui valorativamente para um consenso nacional, que deveria ser respeitado.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

De resto, como aqui foi dito, e bem, a nossa lei é, nessas mesmas excepções, em quase tudo idêntica à lei espanhola.

Vozes do PCP: - Por acaso não é!

O Orador: - E que fique claro o seguinte: não há, na nossa história recente, nem um único caso de uma mulher que, por ter vivido o drama do aborto, tenho sido condenada a uma pena de prisão.

Vozes do PCP: - Mentira!

O Orador: - Esta é a verdade, o resto é uma campanha insinuante, mas falsa!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do PCP.

Os senhores estão pouco serenos! Não gostam de opiniões contrárias, mas têm de habituar-se!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pelo contrário! Não gosto é que me obriguem a acatar as opiniões dos outros!

O Orador: - Como aqui explicou, em 1997, um Deputado, curiosamente eleito pelo PS, não há nenhuma contradição entre a aplicação da lei e o facto de não haver prisão das mulheres. Como ele dizia, a incriminação do aborto não representa, nem pode representar, uma censura moral ou religiosa à mulher que a ele se submete mas, sim, o estabelecer de uma fronteira entre o lícito e o ilícito,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … que não se reduz à aplicação repressiva da pena mas, sim, a uma função dissuasora e preventiva, que traduz, obviamente, um valor civilizacional.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Previne muito! Está à vista!…

O Orador: - Já agora, que tanto se fala em estado de necessidade desculpabilizante e que alguns, que parecem hoje muito empenhados em corresponder àquela direita que agrada à esquerda, surgem com propostas nesta matéria supostamente inovadoras, pergunto, Srs. Deputados e Srs. Jornalistas, em abono da verdade, quem foi que nesta Câmara, pela primeira vez, defendeu na aplicação da lei o regime do artigo 35.º do Código Penal, ou seja, o estado de necessidade desculpabilizante? Quem o defendeu pela primeira vez e quando, Srs. Deputados? Em abono da verdade, foi o então Deputado da bancada do CDS-PP, e firme opositor do aborto, Francisco Lucas Pires, há 20 anos atrás, Srs. Deputados!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso já consta do Código Penal!

O Orador: - Esta é a medida da nossa coerência! Esta é a medida das nossas convicções!
A melhor resposta aos que querem instigar a divisão ou, pior ainda, fazer a falsidade maior de catalogar de extremistas ou de fundamentalistas os que, como nós, consideram que o direito não pode, em

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nenhuma circunstância, preceder a vida e que, bem pelo contrário, é a vida que deve preceder ao direito,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Excepto nas violações!

O Orador: - … a esses, que procuram catalogar-nos dessa forma, e aos que ousam, no PS - isso é surpreendente -, fazer a falsidade de rotular a nossa posição, de resto defendida pela maioria dos portugueses, como fundamentalista, extremista ou radical, respondemos com convicções serenas, aliás mais do que com convicções serenas.
Ouvimos aqui hoje que quem é contra a despenalização é de extrema direita (já aqui foi dito). A esses recordamos, e sobretudo aos dirigentes do PS, que nos rotulam de extremistas, insultando assim milhões de portugueses, que pertencem, curiosamente, ao partido que quando pensa e se questiona sobre quem poderá estar à altura de desempenhar funções tão importantes como representar o PS na Europa ou mesmo, quem sabe, assumir a presidência da República só se lembra de figuras que nesta matéria, ao que sabemos, pensam exactamente como nós.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não ouvimos recentemente essas figuras sobre este tema mas, já agora, perguntem ao Professor Sousa Franco ou ao Eng.º António Guterres, que na vossa opinião serão também conhecidos extremistas, se mudaram de opinião ou se continuam a defender os valores civilizacionais em que acreditamos. Pensamos que sim, não temos dúvidas sobre a resposta e respeitamo-los por isso!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Há uma verdadeira hipocrisia que paira sobre este debate. É a hipocrisia daqueles que passam os dias a dizer que o aborto é uma desgraça, um mal e uma realidade negativa mas, ao mesmo tempo, defendem a liberalização e o direito ao aborto a pedido,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Qual liberalização?!

O Orador: - … seja até às 10 semanas, seja até às 12 semanas, consoante a versão do PCP ou a do PS, sendo esta, de facto, mais moderada.
Sustentam-no com base em mais falsidades, ainda que não gostem de o ouvir, e em realidades não demonstradas, como seja a ideia de que a liberalização, nestes termos, resolveria a questão dos julgamentos ou faria desaparecer o aborto clandestino.
Que fazer, então, Srs. Deputados, aos abortos realizados depois das 10 ou das 12 semanas, consoante os casos e as propostas? Para isso, e em termos de julgamentos, não têm resposta!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Temos, temos! Eu respondo-lhe!

O Orador: - Por outro lado, a realidade observável demonstra que as soluções liberalizadoras, nos países em que foram aplicadas, não só não acabaram com o aborto clandestino como permitiram que essa realidade aumentasse.

Vozes do PCP: - Falso!

O Orador: - Nós, pela nossa parte, somos coerentes e consideramos que a vida e a sua defesa têm uma perspectiva global, que começa com o direito a nascer. Defendêmo-lo de forma aberta, tolerante e humana.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É falso! É um preconceito anti-feminino!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, V. Ex.ª não está no uso da palavra, mas se pretende inscrever-se coloco-a imediatamente na lista dos oradores!
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - A Sr.ª Deputada está só a tentar dramatizar, ainda que não no sentido teatral, esta situação!

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não estou, não! Tenho comigo as estatísticas dos outros países e vejo que o que diz é falso!

O Orador: - É por isso que apresentamos um projecto de resolução que aposta na informação e na sexualidade responsável, no acesso ao planeamento familiar, no cumprimento do actual quadro legal e na defesa de uma maternidade e de uma paternidade responsáveis, na educação e, sobretudo, na prevenção como forma de combater as causas do aborto.

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, Odete Santos, peço desculpa, mas no Regimento não estão previstos duetos! Quem está no uso da palavra é o Sr. Deputado Telmo Correia.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas estão previstos apartes! Não tenho interesse em duetos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Apartes, com certeza, mas V. Ex.ª tem uns apartes tão longos e explicados que me parecem mais uma intervenção!
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Telmo Correia.

O Orador: - O nosso projecto de resolução aposta na ideia de que é preciso apoiar as instituições que fazem esse trabalho no terreno, na ideia de ajudar, de ajudar sempre.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nós, nesta bancada, consideramos que o aborto é um mal, e é por isso que não pode converter-se num direito.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Pelo contrário, devem combater-se as suas causas, sejam elas sociais, económicas ou outras, e deve apostar-se na prevenção.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Votam sempre contra o planeamento familiar!

O Orador: - Fazemo-lo contra a generalização de ideias falsas e uma igualmente falsa suposta correspondência entre liberalização e modernidade. Pensamos que a aprovação da liberalização seria, isso sim, um retrocesso civilizacional,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … não à idade média mas, provavelmente, ao tempo em que um pater famílias romano tinha direito de vida sobre os membros do seu agregado familiar.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Orador: - A ciência e os conhecimentos de fetologia hoje existentes dizem-nos exactamente o contrário. Quanto mais sabemos sobre a vida intra-uterina mais sentido faz defender-se, convictamente, a vida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Fazemo-lo, sabemos isso também - e a terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados -, contra grande parte do político e mediaticamente correcto. Mas é esse político e mediaticamente correcto

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que, ao mesmo tempo que critica, penaliza e criminaliza os atentados contra as focas bebés ou contra os ovos das avestruzes, defende a consagração simples do aborto por exercício de vontade, ou seja, do aborto a pedido, sem atender sequer a circunstâncias que possam levar à sua admissibilidade ou à existência de circunstâncias desculpabilizantes.
Fazemo-lo, ainda, com a noção de que Portugal é uma nação em que a própria realidade demográfica e o envelhecimento do país exigem, ao contrário do que têm defendido, uma política de defesa da natalidade e da vida.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Conclua por favor.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, encontrando-me numa frase de Malraux, segundo a qual "A Vida é, sobretudo, um conjunto de forças que se opõem à morte".

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Fazemo-lo num exercício de total liberdade, sem qualquer disciplina partidária, de voto ou outra, mas com a consciência de que, assim, respeitamos não só o nosso compromisso com o eleitorado mas também a vontade maioritária dos portugueses, que foi expressa em referendo.

Aplausos do CDS-PP, de pé, e do PSD.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Luísa Mesquita inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Deputado Telmo Correia não dispõe de tempo para responder. Assim, só poderei dar a palavra à Sr.ª Deputada se o PCP ceder algum tempo ao CDS-PP.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Não posso, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, também não posso dar-lhe a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não quer ser confrontado!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, pedindo desculpa por, sem querer, perturbar, de alguma forma, a condução dos trabalhos de V. Ex.ª, é apenas para dizer que teria imenso gosto em ouvir o pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita e em lhe responder.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe dei a palavra.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Como o Partido Social Democrata também não dispõe de tempo para esse efeito, a Mesa não poderá conceder-me 1 minuto para a resposta?

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Fico com pena de não poder responder, porque a pergunta seria interessante, certamente, Sr. Presidente.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - E a sua resposta seria tão interessante como a intervenção que fez!…

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quanto mais

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complexas as questões mais serenidade se pede na análise do que está em jogo.
A intensidade dos discursos não torna as convicções nem mais justas nem necessariamente mais inteligíveis.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - São convicções nos valores essencialmente estruturantes de uma comunidade que determinam o sentido legítimo da nossa intervenção política, a elevação democrática da contraposição de ideias e que fundamentam a intransigência na sua defesa na definição dos limites de referência que nos devem sempre reger.
Neste debate avalia-se do confronto de duas realidades, duas vidas com direitos próprios, numa definitiva situação de complementaridade de interesses na realização de uma ordem humana sábia mas que, em casos excepcionais, pode redundar num conflito. E o conflito é, nestes casos limite, muito claro: o direito da vida emergente, indesmentivelmente humana, e a opção da mãe que a rejeita.
A interrupção da gravidez não atinge uma coisa abstracta, uma qualquer entidade indefinida, atinge, sim, uma vida nova que se transporta, que é naturalmente dependente, não autónoma mas já específica e portadora de um ADN singular. E é nesta insuperável verdade que temos de situar o debate. O que se quer privilegiar é o exercício incondicional de um direito sobre outro, mais frágil e que não tem voz. É um exercício desproporcionado, é uma violência incondicional, sem legitimidade, porque se exerce contra quem não pode defender-se, contra quem não pode optar.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - É nossa responsabilidade indeclinável apresentar propostas que reflictam um esforço sério para resolver este conflito. Mas o direito à dignidade da vida da mulher não pode pôr em causa o direito à integridade da vida do ser que está para nascer.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - A sociedade portuguesa está saturada de radicalismos inconsequentes.
Impõe-se um esforço sereno de procura de soluções possíveis, que não ofendam o quadro de valores em que se sustenta a nossa maneira de ser.
Impõe-se um esforço generoso de reflexão que se traduza em valor acrescentado para as leis, de forma a que estas possam assegurar direitos fundamentais e minorar o sofrimento das mulheres.
Estamos perante os elementos de um, tantas vezes incontornável, dilema moral: a aplicação objectiva das leis e da justiça, por um lado, e a actuação determinada pela percepção subjectiva e compassiva das circunstâncias determinantes dos ilícitos praticados, por outro.
Aplicar a justiça sem claudicar na defesa dos princípios é condição de clareza num quadro moderno de cidadania. A consideração das circunstâncias individuais, a salvaguarda da dignidade e a ponderação de alternativas inclusivas representam um imperativo de Humanidade.
A densidade das questões confrontadas em mais um debate, que se perspectiva encerrar com um impasse político, leva-nos a equacionar uma alternativa, que representa um esforço de aproximação e de concertação política.
Procuramos o avanço legislativo, deixando intocada a proeminência do valor da vida humana; descobre-se e mostra-se, simultaneamente, aquela em que o juízo de censura serve para apontar também o caminho da ajuda em lugar de conduzir simplesmente à punição.
Propomos, pois, a suspensão provisória do processo, desde que a mulher aceite a suspensão e aceite participar num programa próprio de enquadramento e acompanhamento.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Reeducação!

A Oradora: - Não, Sr. Deputado! Não é reeducação!
Procura-se, assim, actuar a montante sobre as circunstâncias que poderão ter determinado a prática do ilícito, desencadeando uma intervenção que busque activamente remover as causas e que inclua responsavelmente a mulher e, eventualmente, o seu companheiro.
Esta é a proposta que fazemos a esta Assembleia e esperamos que, a partir de amanhã mesmo, ela possa servir o propósito de um diálogo aberto e construtivo, para que se salvaguarde o direito à vida e o direito à dignidade da vida da mulher.

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Aplausos de Deputados do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Sr. Deputados: Assistimos neste debate ao princípio do fim da proibição da mudança da lei.
O Sr. Deputado Telmo Correia e a Sr.ª Deputada Leonor Beleza vieram dizer-nos que as excepções da actual lei são razoáveis e que, portanto, nos casos de violação, de malformação e de perigo de vida a mulher não pode ser punida, como a lei actual prevê.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sem esquecer o estado de necessidade!

O Orador: - É notório por que as bancadas da direita votaram contra todas e cada uma destas excepções e votaram em nome dos mesmos argumentos que as leva agora a não continuarem a admitir que possa haver outras excepções.

Aplausos do BE.

Portugal não pode, portanto, ter uma lei como os outros países europeus…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, Portugal não pode ter uma lei como os outros países europeus, e, ao contrário do que é dito, as mulheres continuarão a ser arrastadas e humilhadas perante o tribunal, continuarão a ser pedidas penas máximas de prisão para as mulheres, como no julgamento de Aveiro,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Um só caso!

O Orador: - … e a existir, como no caso da Maia, a condenação a uma pena de prisão.
Continuará esta situação.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Uma só condenação!

O Orador: - Uma que fosse - é a diferença entre nós. Essa mulher e todas as humilhadas em tribunal foram-no porque a lei foi cumprida.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É um argumento falso!

O Orador: - Talvez a insensatez, a insensibilidade e a desumanidade de todos os "cónegos Remédios" permita manter a lei como ela está.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

O Orador: - Vou mesmo concluir, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, senão terei de lhe retirar a palavra.

O Orador: - Mas nós sabemos que, no debate público, esta lei já terminou, e, portanto, terá de ser concluída por esta Assembleia ou pelo voto dos portugueses.

Aplausos da Deputada do BE Alda Sousa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos prestes a chegar ao momento em que seremos todos chamados, Deputados e Deputadas, a votar uma matéria que tem implicações sociais graves e que nos obriga, todos o reconhecemos, em consciência.
Assistimos hoje, aqui, a uma cena que não posso deixar de considerar patética: os partidos da maioria,

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em especial o PSD, vieram dizer-nos que realmente a lei não está a ser cumprida…

Vozes do CDS-PP: - Está a ser cumprida!

A Oradora: - … e apresentam uma proposta de resolução para que a lei seja cumprida. Ora, a lei tem 20 anos. E os senhores, após 20 anos, vêm aqui, cheios de boa vontade, apresentar uma proposta para que se faça aquilo que já está na lei, que tem 20 anos, mas que toda a gente sabe que não é cumprido.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A lei é cumprida!

A Oradora: - Não é cumprido nos hospitais e não é cumprido no sistema judicial.
Deixo a todos apenas uma interrogação, a mesmíssima interrogação que Simone Veil, de quem tenho a honra de ser amiga, deixou, em 1975, no parlamento francês - era na altura ministra de um governo de centro-direita e portadora de um projecto de reforma da lei num sentido muito parecido com aquele que, hoje, temos perante nós -, que é a seguinte: podemos nós consentir, num Estado de direito, em ter uma lei que ninguém cumpre…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Quem não cumpre?!

A Oradora: - … e que ninguém está disposto a mudar?
Esta é a pergunta que deixo à consciência dos Srs. Deputados. E vamos ver, aquando da votação, se a liberdade de consciência que a Sr.ª Deputada Leonor Beleza reclamou para todos os Deputados da sua bancada vai ter qualquer eficácia. Se ela ficar adiada para 2006, é uma liberdade de consciência adiada.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao orador seguinte da lista de inscrições, anuncio à Câmara - já é do conhecimento geral, mas, de qualquer modo, há que cumprir as formalidades regimentais - que deu entrada, e foi admitido, um requerimento, apresentado pelo PCP, no sentido de que seja hoje votado o projecto de lei n.º 1/IX, como é seu direito regimental.
Ficou combinado em Conferência de Líderes que, se o PCP utilizasse a sua prorrogativa, votaríamos na sessão de hoje todos os diplomas que se encontram agendados, não só sobre a interrupção voluntária da gravidez como também sobre o referendo. Isto significa, portanto, que, no final do debate, haverá votações. Assim, chamo a atenção de todos os grupos parlamentares para prevenirem os respectivos membros a fim de estarem presentes nessa altura e apelo a que se façam acompanhar do respectivo cartão electrónico para a verificação do quórum nos termos habituais previstos no nosso Regimento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante toda a tarde tem ficado comprovado que este debate, agendado pelo PCP, era indispensável; indispensável perante a manutenção da penalização das mulheres que recorrem à interrupção da gravidez, indispensável face à sua concretização prática de investigações e julgamentos de mulheres.
As mulheres, Sr. Deputado Telmo Correia, podem e já foram condenadas em tribunal por este crime inscrito no Código Penal. Mas o espantoso é que, mesmo que isto não tivesse acontecido, para o CDS-PP seria indiferente que elas fossem sujeitas à indignidade e à humilhação de serem investigadas, sujeitas a exames ginecológicos forçados,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

O Orador: - … interrogadas, inquiridas por uma opção que tiveram de tomar pelas razões da vida que só elas conhecem. E esta insensibilidade deve ser apontada à direita parlamentar neste momento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma causa por que o PCP se bate desde 1982, uma questão que há muito deveria estar resolvida, não fora a insensibilidade de maiorias formadas em vários momentos ou a imposição de um referendo em 1998, interrompendo um processo legislativo que já tinha sido aprovado na

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generalidade.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O debate que hoje aqui travamos é sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez; não é sobre educação sexual e planeamento familiar. Estas são questões importantes, tão importantes que é inadmissível que a direita só se lembre delas quando se discute a despenalização da IVG (interrupção voluntária da gravidez).

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E hoje mais uma vez isso acontece com a direita a refugiar-se num conjunto de recomendações para que o Governo faça agora aquilo que, ao longo de dois anos e meio e no passado, nunca fez.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A direita é responsável por boa parte das causas que levam as mulheres a recorrer à interrupção voluntária da gravidez e invoca as causas de que é responsável para punir com a prisão as consequências das suas políticas e dessas causas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E pergunta-se: mesmo que as preocupações da maioria com a educação sexual fossem sérias, não continuariam a existir mulheres a optarem por recorrer à IVG, e, portanto, a serem sujeitas à injusta condenação da lei, a que a direita não quer pôr fim?!
A lei não é eficaz na prevenção do recurso ao aborto. A lei é ineficaz e, por isso, deve ser alterada.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Este debate também não é sobre uma questão de consciência; essa é a da mulher na sua decisão de recorrer ou não ao aborto.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Aqui a questão é de opções de lei penal e de saúde pública.
Aqui reside a hipocrisia da direita.

Aplausos do PCP.

Dizem alguns, como o Primeiro-Ministro, que não são capazes de condenar uma mulher que opte pela interrupção voluntária da gravidez. Mas chegados ao momento concreto optam por manter a lei, e, portanto, optam por manter a sujeição das mulheres a investigações, a incriminações, a julgamentos e a eventuais condenações.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Para que as mulheres não sejam perseguidas só há uma solução: despenalizar a interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Este debate também não é um debate entre os que são contra e os que são a favor do aborto; é entre os que são a favor de uma lei que despenalize a interrupção voluntária da gravidez mas que não obriga ninguém a recorrer ao aborto e os que querem manter a penalização e com isso obrigam as mulheres a recorrer ao aborto clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - O aborto é um mal e a penalização da interrupção voluntária da gravidez também é um mal.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Hipocrisia!

O Orador: - Este debate não visa impor, Srs. Deputados, um novo modelo de conduta social de sinal contrário ao que hoje existe na lei; visa tão-só aprovar uma lei que aceite a pluralidade das opções, das condutas, das convicções e das escolhas, e não uma lei que deixe prisioneiras algumas.

Aplausos do PCP.

Este, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é um debate que reduza o problema do aborto à questão da despenalização; é um debate em que se pretende também resolver o grave problema de saúde pública que constitui o aborto clandestino. E para isso é preciso garantir o acesso à prática da interrupção voluntária da gravidez em condições de segurança para todas as mulheres.
A direita indigna-se com a possibilidade de recurso à interrupção voluntária da gravidez em estabelecimento de saúde público, mas não verte um pingo de indignação ou de mágoa por sujeitar, com esta lei, as mulheres à insegurança e à precariedade do aborto clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste debate e nas últimas semanas o PSD repetiu à exaustão que os seus compromissos com os eleitores o impediam de aceitar alterações nesta matéria. É certo que poderíamos dizer que não faltam compromissos do PSD com os eleitores que foram há muito esquecidos e alguns com ligação directa às causas que levam ao recurso ao aborto - veja-se a questão da legislação laboral, das difíceis condições de vida e da degradação das condições de vida dos portugueses, sobretudo das mulheres, sempre alvo de uma superior taxa de feminização da pobreza.
Mas mesmo assim, mesmo tendo em conta que muitas das promessas do PSD já foram esquecidas e metidas na gaveta, fomos procurar, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, nos dois documentos programáticos fundamentais que o PSD apresentou aos eleitores, que são, em concreto, o Compromisso de Mudança - as propostas de Durão Barroso aos portugueses e o Programa eleitoral de Governo. E, por muito que procurássemos, página a página, linha a linha, palavra a palavra, mesmo que procurássemos, através do computador, as palavras "gravidez", "interrupção voluntária da gravidez", "aborto" ou "referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez", o resultado era sempre zero. Tenho aqui comigo, aliás, os respectivos documentos, que tenho o maior gosto em facultar à bancada do PSD para que todos os Srs. Deputados do PSD…

O Sr. Honório Novo (PCP): - E a Sr.ª Deputada Leonor Beleza!

O Orador: - … possam confirmar que aquilo que lhes têm estado a dizer, de que há um compromisso eleitoral do PSD com os eleitores, não corresponde à verdade,…

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - … porque, nos compromissos eleitorais do PSD com os eleitores, não há qualquer referência a esse compromisso agora invocado.

Vozes do PCP: - Essa é que é essa!

O Orador: - O que há, de facto, Srs. Deputados, é um compromisso pós-eleitoral com o CDS. Mas as mulheres portuguesas não podem continuar sujeitas à grilheta do julgamento e da prisão que esta lei impõe só porque o PSD se amarrou ao conservadorismo mais retrógrado da extrema-direita parlamentar.

Vozes do PCP: - Exactamente!

Protestos do CDS-PP e contraprotestos do PCP.

O Orador: - O que move o PCP não é o facto de os abortos clandestinos sejam 300 000, 100 000, 20 000 ou 40 000. Do que falamos aqui é do sofrimento humano destas mulheres, que se vêem obrigadas

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a recorrer à interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos do PCP.

É contra esta manutenção da desumanidade que agora propõem, da violência contra as mulheres, da negação dos seus direitos que agendamos este debate. Em defesa de uma lei justa, que admita a capacidade da mulher decidir livremente até às 12 semanas e que defenda uma sociedade mais civilizada no século XXI, que ainda neste ponto continuamos a não atingir.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Onde é que o vosso projecto prevê isso?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, dos projectos de lei n.os 1, 89, 405 e 409/IX, do PCP, do BE, do PS e de Os Verdes, respectivamente, e do projecto de resolução n.º 225/IX, do PSD e do CDS-PP.
Vamos dar início à discussão, na generalidade, dos projectos de resolução n.os 230/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), 203/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas (PS) e 227/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (BE).
Para apresentar a iniciativa do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As duas iniciativas do Partido Socialista hoje em discussão são indissociáveis: o projecto de lei, já analisado, que estende a exclusão de ilicitude a motivações mais amplas do que aquelas que a actual legislação permite, e o projecto de resolução em que propomos a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas.
Com estas iniciativas o PS quer afirmar claramente que cabe a este Parlamento tomar decisões sobre os graves problemas que a criminalização do aborto traz às mulheres e à sociedade, como já aqui foi abundantemente demonstrado.
Sabemos que a legislação existente não os resolve e que, ao ser aplicada, mesmo da forma atenuada como tem sido, mostra toda a violência que pode provocar.
O PS quer também afirmar que, considerando o que se passou há seis anos, é importante realizar um novo referendo, não para desresponsabilizar a Assembleia da República mas para envolver toda a população numa decisão sobre a descriminalização do aborto. Uma decisão que tem de basear-se num debate, tão sereno e profundo quanto possível, de todas as questões legais, sociais, morais e culturais que, nas suas expressões mais violentas, recaem sempre sobre as mulheres, sobretudo as mais desprotegidas, desinformadas e pobres.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Srs. Deputados, as paredes desta Casa não nos isolam da vida que flúi lá fora, com as suas contradições, os seus recuos e os seus avanços.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Pelo contrário, elas devem reforçar a nossa capacidade de entendermos o que faz mover e o que bloqueia a sociedade portuguesa, no seu caminho democrático para a justiça social. Estamos nesta Casa para produzir legislação que trate igualmente todos os cidadãos, independentemente do género, das suas ideias e crenças religiosas, e assegurar que ela seja cumprida pelos órgãos competentes. Renunciar a esta responsabilidade, é afirmar publicamente que somos irrelevantes e, portanto, dispensáveis.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr.as e Srs. Deputados: Afirmar, como alguns dos Srs. Deputados o fazem, que não

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gostariam de ver condenadas as mulheres que abortaram, sabendo que essa condenação só acontece porque fizemos uma lei que o permite - e que os senhores não querem mudar - e que, ao aplicá-la, os juízes estão apenas a cumprir a sua obrigação, é um paradoxo que só pode envergonhar os que não o resolvem.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sabemos bem como é complexo e difícil definir posições sobre a descriminalização da IVG, porque assenta na existência de duas convicções mutuamente exclusivas: a de que há vida desde a concepção, e, portanto, ela é, desde esse momento, inviolável; e a de que a pessoa humana, cuja vida e dignidade são invioláveis, existe desde o momento em que nasce.
Nem a consciência nem a lei resolvem esta questão, porque ela é de outra natureza e decorre da consciência individual.
Por isso, a questão atravessa toda a sociedade, independentemente das convicções religiosas, das classes sociais e dos conhecimentos de cada um. Há católicos praticantes que apoiam o direito ao aborto, há agnósticos que são contra. Há cientistas e médicos em ambos os lados. Há, sobretudo, muitas pessoas divididas entre as duas opções.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sendo a interrupção voluntária da gravidez um problema de consciência, a mulher que a faz está sujeita ao julgamento moral da comunidade que tem os mesmos preceitos, mas não pode acontecer, num Estado laico como o nosso, que uma das opções possíveis seja também sujeita a uma penalização prevista na lei.

Aplausos do PS.

No caso do aborto provocado, a questão é clara: os que defendem a criminalização do aborto, obviamente têm de condenar a mulher que o faça; a decisão de consciência da mulher que rejeita a hipótese de abortar, apenas encontra, entre os que defendem a despenalização, o respeito e a protecção que merece toda a mulher grávida.
Sabemos que o aborto é uma violência profundamente injusta que a mulher suporta e se projecta na sociedade e um gravíssimo problema de saúde pública.
Sabemos, como foi em tempo oportuno afirmado pelo Tribunal Constitucional, que não há uma imposição constitucional de criminalização do aborto; está, portanto, nas mãos do legislador optar pela despenalização.
Sabemos que já passou o "período de nojo" depois do referendo de 1998, que, aliás, não foi vinculativo; ou seja, não é legítimo manter o seu resultado como um dogma, passados seis anos, quando as legislaturas e os governos mudam de quatro em quatro anos.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Conhecemos qual é a cultura jurídica actual e a sua dinâmica no espaço europeu a que pertencemos e com o qual, apesar de todos os sacrifícios por que passamos, queremos convergir.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

A Oradora: - Perante isto, a Assembleia da República deve, no exercício das suas funções, definir um quadro legal que permita, a todas as cidadãs, o exercício consciente e responsável das opções tomadas e assegurar o acompanhamento necessário às repercussões da decisão, quer ela seja interromper a gravidez, quer ela seja assumir a maternidade.
A oportunidade das iniciativas que hoje discutimos não pode ser analisada à luz de estratégias partidárias no legítimo exercício do poder e da oposição.
Em seis anos que passaram, tornou-se evidente que em muitas famílias se cometem as maiores violências sobre as crianças, as mulheres e os idosos; divulgaram-se os números díspares mas assustadores sobre o aborto clandestino e as suas consequências; verificámos que a lei, que os senhores afirmavam existir mas não ser aplicável, afinal levou a inquéritos e julgamentos que trouxeram à praça pública a intimidade das mulheres. Tudo isto levou a um desconforto generalizado na sociedade. E há sinais de mudança, cujo sentido precisamos de aprofundar.

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Não é por acaso que 121 000 pessoas assinaram uma petição pedindo a despenalização do aborto e que mais de 190 000 se mobilizaram em sentido contrário.
Não é por acaso que da comunidade católica, a todos os níveis, vieram sinais de que as questões da sexualidade são hoje examinadas com outra abertura, profundidade e tolerância.
Não é por acaso que se registaram no Parlamento alterações significativas: depois de há anos ser defendida a procriação como único fim do acto sexual, o CDS-PP bateu-se, nesta Legislatura, pelo combate à mutilação genital feminina, que é também um problema de saúde pública e afecta a vivência plena da sexualidade;…

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … e os Deputados do PS ultrapassaram as suas legítimas dúvidas sobre a necessidade de referendo.
Não é por acaso que a, insuspeita, Universidade Católica, através de uma sondagem significativa, concluiu que os portugueses acham que este debate é muito oportuno e que se pronunciam sobre os motivos e condições em que querem ver despenalizada a prática do aborto.
Não é por acaso que responsáveis políticos de todos os quadrantes ideológicos, dentro e fora do Parlamento, tenham, publicamente, afirmado a sua própria incapacidade de julgar e condenar as mulheres que abortaram.
Não é também por acaso que, pela primeira vez em discussões sobre o aborto, o PSD não tenha dado liberdade de voto aos seus Deputados,…

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … que aceitaram ser candidatos com base num programa eleitoral, onde não há uma única indicação sobre o que iriam ou não fazer, se ganhassem as eleições, para procurar uma solução.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Nem uma palavra! Zero!

A Oradora: - É verdade que o líder do PSD afirmou, em campanha eleitoral, que nesta Legislatura não apresentaria, nem viabilizaria, alterações à lei ou um novo referendo, mas também disse que o PSD "não é dono da consciência das pessoas".
Afinal, quer ser dono da consciência dos seus Deputados…

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … e tudo indica que quer ser dono da consciência dos portugueses, não viabilizando o referendo. Por convicção pessoal, autoritariamente imposta ao grupo parlamentar? Não! Por teimosia e por autismo. Teimosia de manter, a qualquer custo, uma afirmação de campanha incompatível com a recente afirmação da sua incapacidade de julgar e condenar mulheres que praticam o aborto; autismo, porque hoje se soube que, na próxima legislatura, o PSD pode evoluir para uma solução semelhante à que foi preconizada por Freitas do Amaral.
Então, por que não agora?! Por que não já?! Seria, pelo menos, um esforço de entrar neste debate com alguma coisa de novo.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A questão da descriminalização do aborto não pode ser apresentada como uma luta entre os que estão contra ou a favor da vida, nem como um conflito entre o direito da mulher a uma maternidade desejada ou aceite e os direitos das crianças.
Todos queremos mais bebés e mais mães felizes por o serem, mais pais e mães exercendo os seus direitos e deveres quanto à manutenção e educação dos filhos.
Queremos mais bebés desejados ou, se inesperados, bem aceites, acompanhados e protegidos na saúde, na doença, no conforto e nas privações.
Queremos mais famílias de acolhimento disponíveis e generosas, uma sociedade que invista mais na responsabilização e na autonomia da vivência dos afectos e da sexualidade, na protecção da maternidade e das crianças, sem nunca esquecermos de que não há pessoas ideais, que todas cometem erros, e isto é

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também profundamente humano.
Admiramos as grávidas que, conscientemente, decidem ter o seu filho, mesmo sabendo que será mongolóide, mesmo que tenham de dividir por mais bocas o alimento que exista e por mais pessoas o tempo e a dedicação que podem dar, mas não pode ser exigível que todas as mulheres façam esta opção.
Mesmo que esta maioria inviabilize as propostas apresentadas, incluindo a possibilidade de deixar o povo português pronunciar-se, não será em vão este debate. Todos nós levaremos daqui responsabilidades acrescidas, qualquer que seja o sentido de voto, sobretudo aqueles que fecham o caminho que propomos sem abrir qualquer outro.
Os movimentos sociais que se organizaram ou dinamizaram por causa desta discussão também não podem descansar sobre as responsabilidades assumidas. Mas, enquanto o aborto clandestino não deixar de ser o grave problema que hoje é, este assunto nunca estará encerrado, nem na sociedade portuguesa, nem nesta Assembleia da República.

Aplausos do PS, tendo o Deputado Vicente Jorge Silva aplaudido de pé, e do BE.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: No ponto anterior da ordem de trabalhos, ouvimos, mais uma vez, os mais antigos e gastos dos argumentos. Em resumo, o que Simone Veil, a mulher mais conhecida da direita francesa, fez, em 1975, não quer esta maioria fazer aqui, 30 anos depois. É pena!
Mas o que há de absolutamente novo neste debate é o surgimento da primeira iniciativa popular, apoiada por uma petição de mais de 121 000 eleitoras e eleitores, que propõe a realização de um novo referendo. É só isto que agora está debate.
O último referendo não foi ontem, Srs. Deputados do PSD, foi há seis anos. Não é vinculativo, apenas votou 30% da população. Não correspondeu a uma maioria clara. O "não" venceu por uma ínfima diferença.
Passaram quase seis anos. Mais tempo do que um mandato para a Presidência da República. E muita coisa mudou. Os julgamentos da Maia e de Aveiro demonstraram a quem não queria ver que a lei existe, que é para ser cumprida e que a sua consequência é a perseguição e a humilhação das mulheres.
Todos, e também na direita, se sentem incapazes de condenar as mulheres que recorrem ao aborto. E todas as sondagens de opinião pública indicam que os portugueses desejam pronunciar-se em referendo. A via referendária foi não só, de resto, defendida pela direita no passado como continua a ser defendida actualmente, mas tendo como horizonte apenas 2006. E terá a Sr.ª Deputada Leonor Beleza de explicar por que é que recusa o referendo em 2004 e o aceita em 2006. O que muda entre 2004 e 2006 é só a garantia de mais alguns julgamentos, mais mulheres humilhadas e condenadas. Só isto. Para mim, para nós, é demasiado, mas parece que para a Deputada Leonor Beleza e para o PSD as pessoas são insignificantes.
Quando votarem, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, pensem nas mulheres que são presas à saída de clínicas clandestinas. Ou pensem numa delas que foi abordada por um agente da judiciária, ainda despida, deitada na marquesa, como contou, envergonhado e sob anonimato, um dos investigadores. Pensem nessas mulheres sentadas numa esquadra, a explicarem a um polícia o que fizeram. Pensem nessas mulheres a serem examinadas num hospital para que se encontre, no seu corpo, a prova do seu crime. Pensem nos meses de investigação, de perguntas, de respostas, de uma vida devassada, só porque essas mulheres tiveram o azar de, entre milhares e milhares de mulheres que abortam, servir de exemplo.
Pensem nelas e decidam a quem deve fidelidade a vossa consciência: a um acordo partidário para agradar às franjas mais radicais de um partido extremista, ou a elas?

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - A decisão será vossa e por ela terão sempre de responder juntos dos vossos eleitores, claro, mas, sobretudo, a vocês mesmos. Mas, quem hoje aqui decidir que não se pode devolver a voz aos portugueses, nunca volte a lamentar o julgamento de uma mulher. A coerência tornaria esse lamento insuportável.

Aplausos do BE, de Deputados do PS e da Deputada do PCP Odete Santos.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A posição do Grupo Parlamentar do PSD, a propósito do debate que hoje aqui travamos, é clara e assenta em três pontos essenciais, que passo a enunciar.
Primeiro ponto: a alteração ao quadro legal que actualmente regula a interrupção voluntária da gravidez é uma matéria do foro individual de cada um, uma questão que releva, acima de tudo, da consciência de cada cidadão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nada temos em relação àqueles que entendem, de forma dirigista, assumir uma orientação partidária de voto. Preferimos, todavia, adoptar uma solução diferente, a solução de não influir no livre exercício da consciência de cada português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em democracia, os partidos são importantes, mas o exercício da democracia não se esgota nos partidos. O exercício da cidadania está, por essência, nos cidadãos, e os cidadãos estão antes e para além dos partidos políticos. É esta a nossa concepção, a concepção humanista e personalista que temos do cidadão e da sua vida em sociedade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É este, aliás, um legado que nos deixou Francisco Sá Carneiro e que preservámos intacto. Sempre pensámos assim e continuamos, em coerência, a pensar do mesmo modo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Segundo ponto: a alteração da legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez só deve ser decidida por via de referendo. Esta é, de resto, matéria que, pela sua natureza, deve ser objecto de decisão por via referendária.
Nesta questão singular, 230 Deputados não devem decidir em nome de milhões de portugueses, não por não terem legitimidade formal para o efeito mas, sim, por a questão, sendo menos de orientação política e mais de exercício de um particular direito de cidadania, dever ser confiada, na sua decisão, à vontade colectiva e directa da generalidade dos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta é, por excelência, matéria de referendo. Ou seja, a legitimidade formal deve ceder perante a legitimidade material; os representantes devem deixar que os representados se pronunciem; o Parlamento deve dar voz ao povo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Então, não espere mais!

O Orador: - Sempre pensámos assim e continuamos, em coerência, a pensar do mesmo modo.
Terceiro ponto: os Deputados do PSD, como, de resto, a esmagadora maioria dos Deputados desta Casa, não têm, nesta Legislatura, qualquer mandato específico dos eleitores…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ai não têm?!

O Sr. António Filipe (PCP): - Não têm, nem querem ter!

O Orador: - … quer para votarem uma nova lei sobre a interrupção voluntária da gravidez quer

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para desencadearem a convocação de um novo referendo que vise a alteração da lei actual.
Os Deputados exercem um mandato de representação. Representam os eleitores, não se representam a si próprios.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É este o espírito, o sentido e a lógica da democracia representativa.
Ora, a verdade é que, nas últimas eleições - em Março de 2002 -, praticamente nenhum partido advogou, prometeu ou assumiu o compromisso de, nesta Legislatura, tomar a iniciativa de convocar um novo referendo para alterar a lei sobre a interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Falso!

O Orador: - A conclusão é, por isso, elementar: há dois anos, todos prometeram respeitar o resultado do referendo de 1998;…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não, senhor!

O Orador: - … há dois anos, todos se comprometeram a não fazer alterações à lei em vigor que não fosse através de novo referendo;…

Vozes do PCP e do BE: - Isso é falso!

O Orador: - … há dois anos, ninguém assumiu o compromisso de desencadear nesta Legislatura um novo referendo sobre a questão da interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em qualquer matéria, mas particularmente numa matéria sensível e delicada como esta, devemos ser humildes e coerentes. A humildade significa que não devemos impor a nossa opinião pessoal e individual, qualquer que ela seja, à opinião dos cidadãos que aqui estamos a representar.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - São só consciências amordaçadas!

O Orador: - Por isso, respeitamos e saudamos os movimentos que, a este propósito, emergem da sociedade civil, tanto o dos cento e tal mil cidadãos que subscreveram a petição do referendo como os que, ainda ontem, apresentaram uma petição, subscrita por cerca de 200 000 cidadãos, no sentido da não liberalização do aborto.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Saudamos e respeitamos ambas, que revelam que a nossa sociedade está dividida a este propósito. E temos o dever de, com tolerância e serenidade, respeitar, sem radicalismos, as diferentes opiniões.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Estamos aqui para representar os eleitores mediante um mandato claro, específico e actualizado. Não estamos aqui para qualquer exercício de auto-representação, subvertendo o mandato popular que nos foi conferido.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A coerência reclama que sejamos fiéis aos compromissos firmados com os eleitores. Nenhum partido firmou, em 2002, o compromisso de convocar um referendo até 2006. Mais: nem sequer nenhum partido propôs essa eventualidade. Estar agora a dar o dito pelo não dito, decidir agora o que antes nem sequer se propôs ou prometeu, não seria nem um acto de coerência nem um contributo positivo para a melhoria da qualidade da nossa democracia.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em consequência, o PSD assumirá esta posição clara e coerente: votaremos contra as várias iniciativas legislativas apresentadas. A razão é simples: a Assembleia da República não tem mandato para desrespeitar a vontade politicamente soberana dos cidadãos assumida no referendo de 1998.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O melhor é rasgar a lei do referendo!

O Orador: - Não pensamos deste modo porque o resultado de 1998 foi o que foi. Se tivesse sido outro, continuaríamos a pensar da mesma forma.

Risos do PCP.

Uma maioria conjuntural nesta Assembleia não deve, em circunstância alguma, alterar, mudar ou revogar a vontade popular assumida, de forma directa e politicamente soberana, pelos cidadãos que participaram no referendo.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É uma elementar questão de princípio.
Votaremos também contra o projecto de resolução visando a imediata convocação de um novo referendo. A razão é igualmente linear: nenhum de nós obteve, nas últimas eleições, um mandato popular no sentido da convocação, nesta Legislatura, de um novo referendo sobre esta matéria. Pelo contrário, todos quantos advogam que a questão se deve decidir por via referendária - o PSD, o PS e o CDS-PP - assumiram, nas últimas eleições, que ainda era cedo para o fazer, que era prematura a sua realização e nenhum dos três partidos fez, antes das eleições, qualquer proposta nesse sentido aos cidadãos eleitores.

Protestos do PCP.

Devemos, pois, respeitar agora o que antes afirmámos. É uma questão de coerência.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Que fique claro: em nossa opinião, um novo referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez só deve realizar-se na próxima legislatura.
Baseamos esta nossa posição em todas as razões já aduzidas e ainda numa outra: uma legislatura não deve ser tempo politicamente bastante para a realização de um novo referendo sobre a mesma matéria.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, rasguem a lei do referendo!

O Orador: - Duas legislaturas - oito anos - deve ser a fronteira temporal mínima a partir da qual uma nova consulta popular pode ser desencadeada.

Protestos do PCP.

É uma questão de razoabilidade democrática e de estabilidade mínima do dever de respeito pela vontade popular livremente expressa…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… e de reconhecimento da maturidade cívica dos portugueses, que não mudam de opinião sobre questões tão sérias ao sabor de uma oportunística agenda política de uma qualquer esquerda partidária.

A Sr.ª Odete Santos (PCP) - Então, rasguem a lei do referendo!

O Orador: - Não devemos brincar aos referendos. Usar um referendo para tomar uma decisão é

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legítimo. Abusar do referendo, apenas porque não se gosta ou não se concorda com o resultado do referendo anterior, é um acto de verdadeira indignidade política.
Naturalmente que não estranhamos que quem, no passado, ofereceu tanta resistência à consagração constitucional da figura do referendo seja indiferente e insensível ao respeito que é devido ao resultado da consulta popular.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão da interrupção voluntária da gravidez é seriíssima, uma das mais sérias que este Parlamento pode apreciar.
Nesta matéria, sejamos francos, as dúvidas são mais fortes do que as certezas; as interrogações são maiores do que as respostas; as inquietações e as preocupações são mais importantes do que as proclamações. É uma matéria que divide, e a nossa grande preocupação, em especial em questão tão delicada como esta, deve ser unir e não dividir.
É uma questão em que os valores quantas vezes tendem a colidir e a conflituar. A nossa grande preocupação deve ser conciliar e compatibilizar princípios, nunca acentuar clivagens, conflitos ou colisões que nada resolvem e, antes, agudizam ainda mais os problemas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É um tema em que a consciência se sobrepõe à política, em que os cidadãos valem mais do que os partidos. Daí que em todos os eleitorados, da esquerda à direita, sem excepção, haja opiniões diferentes, posições distintas e diferenciadas.
É um assunto em que, a par dos princípios, dos valores e das convicções de cada qual, há questões da maior relevância humana e social, particularmente para as mulheres, questões que não podemos desvalorizar, nem menosprezar.
É, finalmente, uma matéria em relação à qual todos somos sensíveis, em relação à qual todos temos fundadas preocupações. As sensibilidades podem ser diferentes, mas são, todas elas, relevantes e atendíveis. As preocupações podem ser distintas, mas são, todas elas, legítimas e compreensíveis.
Uma questão com estes contornos deve ser objecto de um debate sereno, não de um debate crispado; deve ser tratada de forma equilibrada e moderada, não de forma extremada e radical; deve ser apreciada nos seus fundamentos éticos, filosóficos, humanos e sociais, não numa perspectiva marcadamente ideológica, eminentemente política e muito menos de forte cariz partidário.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Um debate sereno, equilibrado e não partidário favorece a busca de soluções para um problema que é sério e que, até hoje, ainda não teve solução eficaz. Um debate crispado, radical e marcadamente ideológico conduz a divisões, fomenta mais clivagens e, sobretudo, não ajuda a resolver o drama sério das mulheres que, infelizmente, têm de recorrer ao aborto e que têm de o realizar em condições que, humanamente, a todos preocupam.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah!… Ficam todos muito preocupados!

O Orador: - É esta a nossa postura. Uma postura de serenidade, equilíbrio e moderação. Uma atitude de rejeição de sectarismos e fundamentalismos. Uma posição de abertura, uma atitude fundada num elevado sentido das responsabilidades.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para uma mulher, recorrer ao aborto, é sempre uma violência; uma violência física, humana e social. Quer seja legal ou ilegal, com a lei actual ou com qualquer outra, a decisão de interromper uma gravidez é sempre um sofrimento para qualquer mulher, sofrimento e dor que nenhuma lei resolve e que nenhuma liberalização ou despenalização alivia.
Por isso, é profundamente redutora a discussão que se centra exclusivamente na clivagem entre penalização e despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A seu tempo, os portugueses pronunciar-se-ão sobre se querem ou não liberalizar o aborto, se querem ou não despenalizar a interrupção voluntária da gravidez. Mas está ao nosso alcance, desde já, tomar as medidas e accionar as decisões que permitam prevenir e evitar a

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opção pela realização de um aborto,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já tiveram 18 anos!

O Orador: - … que façam com que a lei de 1984, 20 anos depois, seja eficazmente cumprida, o que infelizmente ainda hoje não sucede, que levem a que a informação, o esclarecimento e a educação para uma sexualidade responsável sejam, em pleno século XXI, uma realidade vivida e não um desejo platónico, que conduzam a que os vários meios de planeamento familiar possam ser efectivamente utilizados e de acesso garantido e fácil a todos, em particular aos jovens e adolescentes, que garantam que o Estado ajuda e apoia a maternidade, de forma decididamente empenhada e eficaz.
É este o sentido das medidas que o PSD e a maioria propõem neste debate.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É que, com a lei actual ou com qualquer outra, estas medidas são sempre necessárias e indispensáveis.
É que, com esta ou qualquer outra lei, é sempre necessário ajudar a mulher, apoiar os jovens e adolescentes, apoiar os projectos familiares, educar e informar.
É que, com este ou outro quadro legal, é sempre importante apostar na prevenção do aborto, porque todo o aborto, legal ou ilegal, com penalização ou sem ela, é sempre uma violência.
Saibamos contribuir para, empenhadamente e com medidas concretas, prevenir e evitar esta violência. Ataquemos as causas, ainda que isso seja mais exigente e menos fácil. Esta é, por certo, a primeira das nossas responsabilidades - a ela não viramos as costas, dela não abdicaremos.
Assim, estaremos a ajudar as jovens e as mulheres portuguesas, sem demagogia, cumprindo e respeitando compromissos, cumprimento e respeito que só têm sentido, exactamente quando, como é o nosso caso, se é livre para os assumir e livre para os respeitar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não deixámos que condicionassem a nossa liberdade e a nossa vontade, o que nos permite conciliar, com coerência e tolerância, valores e princípios que muito prezamos.
Assim, estaremos a contribuir para uma sociedade diferente - uma sociedade mais justa, mais humana, mais solidária.

Aplausos do PSD, de pé, e do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Isabel Castro e Francisco Louçã.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que dispõe, no máximo, de 3 minutos.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme Silva confirmou aquele que tem sido o comportamento do PSD nesta discussão. Fez um absurdo, um tremendo exercício de hipocrisia, em torno da questão da despenalização do aborto.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Vou dizer-lhe porquê, começando, desde logo, pelo referendo. Se o PSD dá tanta importância ao referendo, é bom que conheça a lei e saiba que a consulta que aconteceu não foi vinculativa,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - … pelo que não pode continuar a amarrar-se a esse resultado para procurar explicar aquela que é a razão do seu silêncio, aquela que é a razão do seu incómodo, aquilo que é a consequência do facto de o PSD estar refém de um partido minoritário,…

Protestos do CDS-PP.

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… com o qual fez uma coligação e com o qual tem um acordo.
O Sr. Deputado Guilherme Silva referiu muitas vezes o facto de haver um compromisso e de a Assembleia não poder legislar, porque não há um mandato. O Sr. Deputado pode, porventura, ter dificuldade hoje, diferentemente do que acontecia no passado, em saber qual é a posição do PSD e até onde o PSD pode ir em relação às suas propostas, mas não pode pensar que impõe a todos os partidos da oposição uma leitura que é falsa, porque nenhum dos partidos da oposição que apresentou propostas colocou esta questão perante o eleitorado. Nós falámos verdade, nós não mentimos e as propostas que estão aqui hoje em discussão têm toda a legitimidade para ser apresentadas.
Mas o contrário, Sr. Deputado, já não é válido. Se estou de acordo em que a questão do aborto é, para quem opta por ele, uma questão individual, uma questão da consciência de cada um, o facto é que a lei que hoje temos impede a livre expressão da consciência individual de cada um, porque impõe a todos, de uma forma autoritária, a visão de uma parte da sociedade e não permite que aqueles que não partilham a vossa posição possam, em condições de segurança, com assistência médica e sem pôr em risco a sua saúde e a sua vida, recorrer a serviços de saúde. E é desta intransigência, deste autoritarismo, desta forma restritiva de impor aos outros a consciência de uns que resulta aquilo que é uma realidade que o Sr. Deputado acabou por ter de aceitar: a interrupção de uma gravidez é seguramente uma violência - é seguramente! -, mas é uma violência que, graças ao PSD, é muitíssimo mais violenta no nosso país e muitíssimo diferente daquilo que acontece em toda a Europa, desde logo, na vizinha Espanha.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Os senhores, pura e simplesmente, escamoteiam a realidade, não se importam com os direitos das mulheres, com o direito, que é sagrado, de elas decidirem do seu corpo e do momento em que querem ter os seus filhos e impõem, pela via da lei, da perseguição e da humilhação pública, a violência não só de decidirem do aborto mas de poderem vir a ser colocadas no banco dos réus e de, um dia, eventualmente, irem parar à prisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, os meus mais sinceros parabéns. Só uma pessoa com a flexibilidade e a virtuosidade do Deputado Guilherme Silva é que poderia aqui, com tanta tranquilidade, assumir duas posições contraditórias: não têm mandato, pelo que nada podem fazer; mas têm um compromisso e, por isso, nada querem fazer.
Repare bem, Sr. Deputado: não têm mandato! Tinham mandato para aumentar o IVA? Tinham mandato para participar na guerra do Iraque com forças militares? Não tinham!! Não tinham!!

Aplausos de Deputados do PS.

Mas se não tinham mandato, então, é necessário um referendo. Por que é que rejeitam, então, o referendo? Não têm mandato para mudar, mas não aceitam que se mude, no mandato que os portugueses lhes possam dar.
Têm um compromisso, diz então. Sr. Deputado, pesquisámos todo o site, todos os textos do site do PSD. O único texto que fala do referendo sobre o aborto é uma carta de Durão Barroso, que diz o seguinte: "Não me parece desejável reabrir outro processo referendário nesta Legislatura". Não é uma posição, é uma não-posição, é um não-desejo. O chefe acha que não lhe parece desejável e, logo, fica doutrina de lei a proibição. Se "não me parece desejável", não pode haver qualquer referendo, não pode haver alteração da lei.
E se não é desejável em 2004, por que é que é desejável em 2006? Ou seja, o que nos estão a dizer é que não acreditam no projecto de resolução que aqui apresentam. É porque, se acreditassem, como explica a inoportunidade do referendo agora - não se muda a lei, porque temos as alterações da resolução do PSD sobre a educação sexual - e como é que afirma que o que funciona em 2004 não funciona em 2006? O que é que é válido agora, mas não é válido daqui a dois anos, que proíba o referendo agora, mas o torne possível daqui a dois anos?
É uma posição totalmente inconsistente, dramaticamente inconsistente!
Mas também quero fazer-lhe uma pergunta pessoal, Sr. Deputado. No seu grupo parlamentar - na Sala também e nas galerias - estão Deputados e outras pessoas a quem se colocou a seguinte questão: na Irlanda, houve um referendo. Uma adolescente de 14 anos foi violada por um amigo do pai, a lei

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irlandesa proibiu o aborto, e foi votado em referendo, "sim" ou "não", se ela poderia fazer um aborto não na Irlanda mas em Inglaterra. Deputados do seu grupo parlamentar, perante essa questão, dizem: eu votaria "não", a adolescente não pode fazer o aborto. O Sr. Deputado votaria como?
E, já agora, porque tem "não-posições", mas eu sei, Sr. Deputado, que não é uma "não-pessoa", diga-me como é que, em 2006, vai votar sobre a lei criminal portuguesa. Vai votar para que continue o julgamento e a perseguição…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Concluirei, Sr. Presidente.
Vai votar para que continue o julgamento e a perseguição? Vai votar "não", como sempre têm votado, como votaram "não" à educação sexual, "não" à excepção sobre o aborto, não à excepção sobre a malformação?… Ou vai votar "sim", como dizem tantos outros Deputados, nesta Casa, até aqueles que não terão liberdade de voto, porque não têm liberdade de consciência, aqueles do seu grupo parlamentar?
Responda-me, Sr. Deputado, por favor.

Aplausos do BE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder conjuntamente aos dois oradores, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, há poucos dias, nesta Câmara, já lhe foi lembrado que o seu partido não se tem submetido directamente a votos. Se o tivesse feito, talvez tivesse maior respeito pela vontade dos portugueses, expressa em referendo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E não deixa de ser paradoxal que V. Ex.ª, que nunca foi entusiasta do referendo, invoque a lei do referendo como se a questão fosse jurídica e não política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para nós, aquele referendo é vinculativo politicamente - …

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Essa agora!

O Orador: - … teve uma expressão e respeitamo-la.
É esta a questão. É um princípio de genuinidade democrática. Houve uma determinada posição! E isto nada tem a ver com a questão jurídica, estou a falar em termos políticos.
De resto, a Sr.ª Deputada tem de perceber que os portugueses não mudam de opinião "ao virar da esquina"! Eles expressaram uma determinada opinião. Por isso, façamos a conciliação dos valores e dos princípios democráticos.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Na Madeira e nos Açores!

O Orador: - E a conciliação necessária é dar estabilidade ao dever de respeito pela resposta que foi obtida no referendo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como referi, duas legislaturas não é tempo demais para que, depois, se faça uma eventual consulta aos portugueses sobre esta matéria.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Porquê? Porquê?

O Orador: - Mas até lá, Sr.ª Deputada, sabe o que eu esperava? Que a Sr.ª Deputada viesse disponibilizar-se para nos acompanhar no nosso projecto de resolução, a fim de atacarmos as causas do aborto e termos as medidas adequadas…

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para manter a lei!

O Orador: - … a apoiar a mulher numa maternidade desejada, evitando ao máximo essas situações de aborto. Era isso que eu esperava que a Sr.ª Deputada viesse fazer.
No entanto, vejo que a Sr.ª Deputada está apenas centrada na questão redutora da penalização ou não penalização. Nós estamos preocupados com a penalização, mas estamos mais preocupados em evitar o aborto, em evitar que a mulher seja confrontada com esse problema da penalização. E o primeiro passo para evitar que ela seja confrontada com esse problema é evitar que ela seja colocada numa situação de ter de recorrer ao aborto.
E, Sr. Deputada, não estamos reféns a não ser dos nossos compromissos e da nossa consciência,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… não estamos reféns de qualquer partido e, naturalmente, nunca estaríamos reféns dos partidos de esquerda.

O Sr. António Filipe (PCP): - Isso quer dizer que estão reféns da direita…!

O Orador: - Sr. Deputado Francisco Louçã, V. Ex.ª faz sempre as comparações que nós conhecemos daquilo que não é comparável. V. Ex.ª veio perguntar-nos se tínhamos mandatos para a guerra no Iraque, se tínhamos mandato para o IVA… V. Ex.ª sujeitou estas questões a referendo dos portugueses?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não sujeitou e se tivesse sujeitado, fosse qual fosse a resposta, nós respeitaríamos essa decisão, como respeitamos este referendo relativamente ao aborto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado colocou-me ainda uma questão que tem a ver com a Irlanda. Sr. Deputado, naturalmente que me preocupam as situações da mulher em qualquer parte do mundo, mas compreenderá que a minha preocupação vai, em primeira linha, para a mulher portuguesa, para as portuguesas e para Portugal.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para pô-las na prisão!!

O Orador: - E nessa questão, a nossa lei, felizmente, dá a resposta adequada. Porventura, é diferente da lei irlandesa, mas é diferente para bem da mulher.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que hoje aqui fazemos tem estado cheio de equívocos.
Há partidos que sistematicamente, e de forma repetida, apresentam a questão em causa tomando por base ideias erradas, agitando situações inexistentes e esquecendo elementos essenciais à sua regulação. É então altura de analisar os equívocos de alguma esquerda.
Primeiro equívoco: esquecem que existe uma lei de 1984 que determina o quadro legal em relação a esta matéria.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não se pode omitir que a maioria que votou essa lei quer sempre mais e quer sempre mais para pior - aquilo que verdadeiramente pretendem é que a lei vá evoluindo, sempre e cada vez mais, no sentido daqueles que defendem uma crescente liberalização. Aquilo que consideramos essencial é que parem para pensar.
O segundo equívoco é o da confusão entre determinação e aplicação de lei. Uma lei da República tem

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de ser cumprida. O CDS não faz distinção entre as leis de acordo com a maioria que a aprova. De facto, aquilo que deveria preocupar a esquerda deveria ser a efectiva aplicação do quadro legal existente; mas não, querem já partir para novas leis independentemente dos esforços a fazer para melhorar a aplicação da actual. Mais uma vez caminham para realidades virtuais!
Terceiro equívoco: nunca referem a inexistência, no actual quadro legal, de um único caso, repito, de um único caso de uma mulher que, tendo abortado em Portugal, tenha sido presa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não consideram que o órgão de soberania que aplica a lei tem a liberdade de avaliação para o fazer em consciência e de acordo com o bom senso. Nós não nos sentimos obrigados a partilhar uma dúvida que não tem uma única base na realidade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quarto equívoco: fogem à discussão dos valores. Quanto a essa matéria deve dizer-se que a vida é um todo contínuo que tem um início e um fim e que deve ser defendida em todos os seus momentos. Quanto a esta matéria não se pode deixar de afirmar a necessidade de solidificar o direito à vida como um valor essencial da sociedade.
Quinto equívoco: falham no momento de actuação e foi precisamente por isso que se seguiu o caminho da apresentação de uma resolução. Em boa hora a maioria o fez!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O caminho comum que entendemos trilhar está certo!
Defender a dignidade das famílias portuguesas tem de ser uma prioridade política. É importante que se defenda um caminho que passe por informação correcta, que passe pelo apoio às mulheres em situação de risco, que passe pela assunção da política de família como uma prioridade absoluta.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Nunca nos ouvirão negar a existência de problemas graves, complexos e muitas vezes verdadeiramente dramáticos. Perante o seu aparecimento defendemos que o caminho para os resolver não parece estar na sua justificação mas antes, e sempre, na prevenção.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Uma atitude clara de cautela constitui mais do que um simples ponto de partida: é, pelo contrário, a assunção de que, numa sociedade responsável e humanista - como aquela que o CDS defende -, a solução não deve assentar numa opção legislativa entre liberalização e a sua rejeição. Quando toca a valores sociais essenciais, a liberalização, como vertente de resolução dos problemas, é uma solução sempre redutora.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O nosso objectivo neste debate passa por chamar a atenção em relação à existência de uma responsabilidade de todos para que se dignifiquem a maternidade e a paternidade e se fortaleça a família como núcleo essencial da sociedade moderna.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O nosso fim tem de ser o de evitar os dramas. Não se pode privilegiar o caminho mais fácil. É importante que se tenha bem presente que a interrupção voluntária da gravidez é sempre uma violência física, humana e social. Entre os meios que podem atalhar esses dramas, a educação, numa vertente de informação, tem um papel próprio e único, pois uma sociedade mais informada é sempre uma sociedade mais responsável e preparada.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, na área do apoio à maternidade é necessário que se seja arrojado, inovador e defensor do princípio da dignidade humana.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O objectivo que todos devemos assumir é o de construir as condições favoráveis ao desenvolvimento de uma maternidade responsável com atitudes inovadoras de acolhimento daquelas que mais precisam: as mães em dificuldade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Na área da interrupção voluntária da gravidez o objectivo deve ser o do cumprimento do quadro legal. Essa é a obrigação dos órgãos de soberania e a Assembleia da República tem de estar, quanto a esta matéria, bem ciente do seu papel verdadeiramente central.
Em resumo: prevenção, responsabilidade e cumprimento do actual quadro legal devem ser a orientação nacional. É uma via difícil, mas, como perante as dificuldades não fugimos, vamos trilhar este sentido sem qualquer espécie de medo!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: o último equívoco é o do referendo. Eu diria até que a atitude de tentativa de repetição sistemática de referendos corresponde a algo que se pode tornar uma verdadeira paródia democrática e para esse caminho não contam com o CDS!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - No referendo de 1997, participaram 3 milhões de portugueses que entenderam tornar uma opção que não agradou a alguns que pensam pensar politicamente correcto. Não é por isso que vamos negar que no plano político o referendo tenha efeitos vinculativos.
E sobre essa matéria, o que se diria hoje em Portugal, nos mais diversos meios e locais, se o resultado tivesse sido outro e hoje alguma corrente da nossa sociedade o pretendesse repetir?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - No mínimo, estaríamos perante radicais, extremistas e fundamentalistas. Não vou contribuir para esse tipo de linguagem que normalmente se enquadra bem em quem a faz.
Apenas pretendo dizer que não brincamos aos referendos, que estamos atentos aos fenómenos sociais…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Brincam às prisões!

O Orador: - … e que aí tanto vemos uma iniciativa popular que foi preparada, durante meses, em que legitimamente participaram altos dirigentes partidários e uma petição levantada em dias que juntou mais de 200 000 portugueses que não desejam um referendo agora.

Aplausos do CDS-PP.

Não podemos esquecer esta demonstração de vivacidade de uma corrente de opinião que mais uma vez deu provas da sua força. Ou será que essa opinião não deve ser tida em atenção apenas porque não convém a alguns?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A nossa resposta é que aqui está um dado social que demonstra a falta de senso para a marcação, neste momento, de uma consulta popular sob a forma de referendo.
Um referendo não se marca porque alguns querem - aliás, a experiência de repetição discricionária a la carte de referendos leva apenas a menor participação, a maior abstenção e uma maior indiferença. Esta não é evidentemente agora uma solução razoável.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Temos de respeitar os milhões de portugueses que deram uma resposta. Não os

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podemos estar a sujeitar à violência de continuamente terem de estar a expressar a sua opinião até que se possa chegar ao resultado que uma qualquer corrente minoritária pretende.
Às vezes, parece que aquilo que querem é uma solução do tipo "de referendo em referendo até à vitória final"… Não posso crer que essa possa ser a opção a tomar. Digo-o a bem da democracia!
Avançar com qualquer solução do problema colocado a jusante é claramente extemporâneo e "de equívoco em equívoco" assim decide caminhar parte da esquerda parlamentar, mas esta é uma matéria que não se resolve com equívocos, resolve-se com coragem, convicção, defesa da família e dos direitos fundamentais e em especial do direito à vida.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há seis anos atrás, depois de aprovado, na generalidade, nesta Assembleia, um projecto de lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a pedido da mulher, até às 10 semanas, o PSD obteve o acordo da direcção do PS para impor a realização de um referendo nacional sobre essa matéria.
A legitimidade constitucional e política da Assembleia da República para aprovar a iniciativa legislativa em causa era indiscutível. No entanto, o processo legislativo foi travado pela decisão política de convocação de um referendo que acabaria por inviabilizar a sua conclusão e fazer com que, apesar da aprovação, na generalidade, de um projecto de lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, até às 10 semanas, tudo acabasse por ficar na mesma até hoje.
Nunca foi segredo para ninguém que a convocação do referendo, em 1998, surgiu em consequência de um acordo entre as Direcções do PSD e do PS com o objectivo de accionar um derradeiro recurso para evitar que a correlação de forças então existente na Assembleia da República se pudesse traduzir na aprovação de uma lei que despenalizasse a interrupção voluntária da gravidez.
E, Sr. Deputado Guilherme Silva, ninguém tinha prometido aos portugueses, nas eleições de 1995, que iria exigir a realização de um referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez!!

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Deputado entende que o PSD, agora, precisaria de um mandato para aceitar um referendo?
Em 1988, não precisou desse mandato e exigiu o referendo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É óbvio!

O Orador: - Aliás, um ano antes, em 1997, quando um projecto de lei do PCP foi recusado por um voto de diferença, ninguém exigiu qualquer referendo, nem pôs em causa a legitimidade política e constitucional da Assembleia da República para decidir como decidiu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, para os defensores do referendo de 1998, a Assembleia da República tinha legitimidade para decidir manter a criminalização, mas já não tinha legitimidade para acabar com ela.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em todo o caso, o referendo realizou-se e correspondeu aos objectivos políticos dos seus proponentes que, através de uma operação de grosseira mistificação sobre o que estava verdadeiramente em causa e de autêntico terrorismo psicológico, conseguiram convencer muita gente de que o que estava em causa era ser a favor ou contra o aborto, quando o que estava em causa era manter ou não a desumana norma do Código Penal que condena a prisão, até três anos, as mulheres que interrompam a gravidez.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - O resultado é conhecido.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É?…

O Orador: - Apesar de a participação eleitoral ter sido extremamente reduzida e de, por esse facto, o referendo não ter eficácia vinculativa, a vitória tangencial do "Não" inviabilizou o processo legislativo que estava em curso e fez com que, ainda hoje, sejam instaurados processos-crime contra as mulheres que interrompam a gravidez.
O resultado é a continuação do flagelo do aborto clandestino e a perseguição criminal das mulheres que, por vicissitudes diversas, se vêem obrigadas a recorrer à interrupção voluntária da gravidez e ficam sujeitas a uma pena de prisão até três anos. O resultado é continuarmos a assistir em Portugal, no século XXI e 30 anos depois do 25 de Abril, à situação estranha, absurda e aviltante da investigação, acusação, humilhação pública e julgamento de mulheres sob a acusação de terem abortado, como aconteceu na Maia e, mais recentemente, em Aveiro.
Perante esta vergonha, que não é apenas uma vergonha nacional mas verdadeiramente uma vergonha internacional, que ultrapassa as nossas fronteiras e suscita um forte movimento de solidariedade para com as mulheres submetidas a julgamento e suscita a perplexidade do mundo civilizado, não basta a opinião hipócrita dos que dizem que são pela criminalização mas que não querem ver as mulheres condenadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A forma de evitar a condenação das mulheres não é manter a criminalização e depois, quando as mulheres são julgadas, "fazer figas" pela absolvição. Se o que se pretende é evitar que as mulheres sejam condenadas, a única forma segura de o evitar é revogar a absurda norma do Código Penal que as condena a uma pena de prisão até 3 anos. Não há outra forma!!

Aplausos do PCP.

Só que o PSD, que tanto se bateu pela realização de um referendo quando estava em minoria, agora em maioria, prepara-se para evitar a despenalização, mas desta vez já não quer referendo algum!
Os argumentos quanto à subsistência da validade política do referendo de 1998 são do reino do absurdo!! O referendo nunca teve eficácia vinculativa devido à diminuta participação dos eleitores, mas mesmo que tivesse tido alguma eficácia jurídica, os seus efeitos teriam caducado, em Outubro de 1998, com o termo da sessão legislativa em que teve lugar. A partir desse momento, a Assembleia da República reassumiu plenamente as suas competência e legitimidade para despenalizar a interrupção voluntária da gravidez sem dependência de qualquer referendo, mesmo que este tivesse sido vinculativo.
Este facto é absolutamente inequívoco! O que a Constituição determina é que os efeitos do referendo caducam com a sessão legislativa e nunca ninguém propôs, em sede de revisão constitucional, que assim deixasse de ser.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que os partidos da direita pretendam manter em vigor a norma do Código Penal que condena a prisão até três anos as mulheres que interrompam a gravidez, é uma opção que se lamenta, mas que tem de se aceitar como legítima. Cada um vota segundo as suas opções e assume perante os portugueses a responsabilidade pelas opções que toma. Agora, o que os partidos da direita não podem, é atribuir a um referendo, feito no século passado, uma validade que ele não tem e, ainda menos, pretender que, uma vez feito um referendo, a sua eficácia, ainda que imaginária, seja eterna.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PSD diz que um dia poderá haver outro referendo, mas não diz quando, não diz que validade pretende atribuir ao referendo de 1998, se um século, se 48 anos… O PSD sobre isso nada diz.

Aplausos do PCP e do BE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que nos encontramos, a Assembleia da República tem plena legitimidade política e constitucional, quer para aprovar uma lei que despenalize a interrupção voluntária da gravidez quer para deliberar propor ao Presidente da República a convocação de um novo

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referendo sobre essa matéria.
Em 1997, os partidos da direita entendiam que a Assembleia da República tinha legitimidade para recusar a despenalização da IVG, sem referendo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Em 1998, já entendiam que a Assembleia da República só teria legitimidade para decidir a despenalização se houvesse referendo. Agora, em 2004, a maioria parlamentar prepara-se para recusar a despenalização e recusar o referendo.
Esta decisão tem uma consequência óbvia que é a de manter tudo na mesma, não em nome de qualquer compromisso que tenha sido assumido para com os eleitores mas em nome de um acordo de coligação que os portugueses, como é óbvio, não sufragaram.

Aplausos do PCP e do BE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP, sobre esta matéria, tem uma posição e assume-a: o PCP considera que a interrupção voluntária da gravidez, a pedido da mulher até às 12 semanas, deve ser despenalizada e que a Assembleia da República pode, e deve, tomar essa decisão, agora ou no futuro, sem necessidade de qualquer referendo. Mas compreende a posição dos mais de 120 000 cidadãos que, assumindo uma posição claramente favorável à descriminalização do aborto, decidiram tomar a iniciativa cívica de se dirigir a esta Assembleia, solicitando a realização de um novo referendo.
O PCP sabe distinguir perfeitamente entre os propósitos obstrucionistas do referendo de 1998, imposto pela direita, e as propostas de referendo que hoje debatemos, subscritas por quem está connosco na luta que há muitos anos travamos pela saúde pública, pela dignidade humana, pela maternidade e pela paternidade responsáveis.

Aplausos do PCP e do BE.

Por reconhecer essa diferença, o PCP aceitou que, na ordem do dia deste seu agendamento potestativo, pudessem ser incluídas, para além das iniciativas legislativas de despenalização do aborto, também as propostas de realização de um novo referendo sobre essa matéria.
A iniciativa popular de referendo que hoje debatemos, a primeira da nossa história constitucional, cuja legitimidade é indiscutível e está devidamente certificada pelo facto de reunir todas as condições constitucionais e regimentais para ser hoje debatida em Plenário, exprime o anseio compreensível de largos sectores da opinião pública favoráveis à despenalização do aborto, de intervir civicamente para a concretização desse objectivo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, queira concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por tudo o que fica dito, caso sejam rejeitadas as iniciativas legislativas que visam despenalizar a interrupção voluntária da gravidez, o Grupo Parlamentar do PCP dará o seu voto favorável às propostas de realização de um referendo que possa dar de novo a palavra aos cidadãos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que antes de mais invoque a História. Há 20 anos atrás, em 1984, foi aqui votada, na Assembleia da República, a primeira lei que iniciou o processo de descriminalização do aborto.
Também, então, havia uma coligação de governo, uma coligação entre dois grandes partidos: o Partido Socialista e o PSD; também então o PS era a favor; também então o PSD era contra. A diferença é que há 20 anos atrás o maior partido, o PS, não cedeu e o partido mais pequeno, o PSD, teve a grandiosidade de não pôr em causa a estabilidade governativa e não inviabilizou a aprovação de uma lei que a maioria queria que viesse a ser aprovada.

Aplausos do PS.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A maioria não, o PS!

O Orador: - Hoje, estão aqui em discussão duas questões: uma, procedimental, outra de fundo. Quanto à questão procedimental, é sabermos se a Assembleia da República pode legislar sobre matéria que foi objecto de referendo ou não deve fazê-lo. Nós entendemos que tendo havido uma decisão do referendo…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … deve haver uma nova decisão de referendo. O que não podemos aceitar é que quem pensa isto inviabilize, na prática, que os portugueses sejam chamados a pronunciar-se num novo referendo.

Aplausos do PS.

Nada na Constituição ou na lei fixa qual deve ser o prazo entre dois referendos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não é verdade!

O Orador: - Vigora, contudo, uma regra de bom senso: não deve haver dois referendos sobre a mesma matéria desde que decorra um prazo razoável.
O que é um prazo razoável? É subjectivo, mas temos algumas indicações: sabemos que o prazo de validade de uma legislatura são quatro anos, sabemos que o prazo de validade do mandato de um Presidente da República é cinco anos… Por que é que um referendo há-de ter um prazo de validade superior à validade de uma legislatura ou ao mandato de um Presidente da República?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Leonor Beleza perguntou por que é que se vai convocar outra vez os portugueses para se pronunciarem sobre aquilo que já se pronunciaram. Então, Sr.ª Deputada, por que é que os portugueses são chamados de quatro em quatro anos a eleger uma nova Assembleia da República e de cinco em cinco anos a eleger um novo Presidente da República? Por que é que não podem ser chamados novamente para se pronunciarem em referendo sobre esta questão?

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É o sistema! Essa agora!

O Orador: - A questão de fundo que temos de decidir é muito simples: é saber se a actual lei se mantém em vigor ou se a actual lei é alterada.
Se a actual lei se mantiver em vigor tem um significado muito concreto, tem o significado que o legislador entende e impõe à polícia: que investigue, que examine, que interrogue. Significa que o legislador entende que o Ministério Público deve cumprir a sua função de acusar e que o tribunal deve cumprir a sua função de condenar e mandar para a prisão durante três anos as mulheres que recorram ao aborto!!
Não mexer na lei tem este significado e é inaceitável que queiram fingir que são contra a lei mantendo-a em vigor na esperança de que, na prática, ela não venha a ser aplicada. Não há Estado de direito que seja compatível com este entendimento, esta hipocrisia!!

Aplausos do PS e do BE.

O Partido Socialista entende que não deve haver mais esta violência sobre as mulheres. Por isso defendemos a alteração da lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem os viu e quem os vê!…

O Orador: - Somos um partido da tolerância e por isso respeitamos a opinião contrária. Respeitamo-la logo no nosso próprio grupo parlamentar, pois os Deputados do PS ou os eleitos nas listas do PS têm não só liberdade de voto como tiveram liberdade de palavra.

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Sr. Presidente, cada um de nós está disponível para, em votação nominal, votar em consciência o que somos hoje aqui chamados a votar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Agora, é também em nome dessa tolerância que não podemos aceitar nem concordar que uma concepção filosófica, de inspiração religiosa ou não, uma concepção da vida tenha tutela na lei e tenha tutela na lei penal.
Diz-nos o Deputado Guilherme Silva: "Ninguém pode ser dono da consciência". Mas que maior apropriação da consciência é a imposição de uma concepção, de determinados valores e a sua tutela pela lei penal e a punição com a pena de prisão para quem tenha uma opinião e uma consciência diversa daquela que a maioria nos quer impor?!…

Aplausos do PS, de Deputados do PCP e do BE.

Vêm falar-nos de compromisso eleitoral…! Ao fim de dois anos já era bom que tivessem noção de que devem honrar os compromissos eleitorais! Mas qual é o compromisso eleitoral? Não há uma palavra no programa eleitoral do PSD. Há uma entrevista do Dr. Durão Barroso, é verdade!, mas essa entrevista diz várias coisas. Essa entrevista diz que não deve haver referendo nesta legislatura; também diz que os partidos não são donos das consciências e que ele não pode impor um sentido de voto a ninguém; diz igualmente - o que ainda é mais essencial - que ele próprio não se considera autorizado a julgar a mulher que pratica o aborto. Mas como é que é possível querer manter na lei como crime aquilo que não nos consideramos autorizados a condenar?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há uma questão essencial que tem a ver com o Estado de direito, que tem a ver com a política criminal: o Direito Penal tem de ser sempre a última ratio, tem de assentar numa convicção profunda e socialmente maioritária.
Nós punimos como crime o roubo porque condenamos o homem ou a mulher que rouba. Quando não somos capazes de condenar a mulher que é forçada a recorrer ao aborto, não podemos criminalizar esse comportamento.
É intolerável manter a lei e é por isso que estamos pela mudança e pela modernização da sociedade portuguesa, em nome da tolerância e em nome de uma concepção da democracia liberal, que é aquela em que queremos viver.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que caso se perguntasse aos Srs. Deputados, talvez por voto secreto, se consideravam que as mulheres que se sentaram no banco dos réus na Maia e em Aveiro deveriam ser condenadas, se eram criminosas por terem praticado um aborto, não tenho dúvidas, pelas diversas declarações que ouvi na Assembleia da República e fora dela, que a esmagadora maioria consideraria que não deveriam ser condenadas. Então, das duas uma: ou consideram a lei injusta ou querem uma lei violada e não cumprida. E não saímos daqui, quer queiram quer não, ou seja, da necessidade de alteração da lei no que respeita à interrupção voluntária da gravidez.
Os Verdes consideram que o referendo não retirou legitimidade à Assembleia da República para legislar. A Assembleia da República tem legitimidade para alterar esta lei, mas o PSD diz que só por referendo e só na próxima legislatura. Admitem, portanto, a alteração, mas não agora.
À partida, não se perceberia então por que não aceitariam fazer agora o referendo e aceitariam fazê-lo, em 2006, esperando mais dois anos que as mulheres continuem a sofrer as humilhações de uma lei vergonhosa e a sujeitar-se às consequências monstruosas do aborto clandestino.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas este debate tornou clara a razão desse adiamento do PSD, que, aliás, já era conhecida, mas que penso ser importante sublinhar. É que para o PSD é mais importante salvar a coligação com o PP do que salvar as mulheres dos abortos clandestinos e do que defender os direitos das mulheres deste País!!
Isto, Srs. Deputados (particularmente os Srs. Deputados do PSD), é o cúmulo da hipocrisia política,

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porque os senhores, que gostam tanto de se pronunciar sobre a forma como Os Verdes concorrem às eleições, quando se candidataram às últimas eleições legislativas não tornaram claros os pressupostos da vossa coligação com o PP e não informaram ninguém, nem nenhum eleitor, de que se iam submeter totalmente ao programa político do PP.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Não há paciência!

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, a lista de oradores está esgotada e os tempos também, praticamente.
Declaro, portanto, encerrado o debate sobre o projecto de resolução que exprime a iniciativa de cidadãos que propõem a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez e os projectos de resolução n.os 203/IX, do PS, e 227/IX, do Bloco de Esquerda, que se referem à mesma matéria.
Conforme tive ocasião de informar a Câmara, deu entrada na Mesa, e foi admitido, um requerimento do PCP para que fosse votada a sua iniciativa legislativa - estamos hoje a cumprir um agendamento potestativo do PCP.
Ficou combinado em Conferência de Líderes e também na Câmara que, havendo este requerimento, votaríamos todos os diplomas que se encontram agendados para hoje.
O guião das votações foi distribuído em tempo devido. Vamos, portanto, passar às votações.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos, designadamente neste momento da votação, para requerer à Mesa que, à semelhança do que aconteceu no último debate sobre esta matéria, em que os Grupos Parlamentares do PSD e do CDS requereram a votação nominal sobre os projectos de lei em presença, esta votação se faça exactamente da mesma forma em relação aos projectos de lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez e aos projectos de resolução referentes à convocação de referendo.
Sr. Presidente, queria ainda dizer à Mesa que, em nossa opinião, o que respeitaria à identidade do debate que hoje aqui travámos - sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez - era que a resolução n.º 225/IX não fosse votada hoje juntamente com as iniciativas que corporizam o núcleo fundamental do debate que agendámos para este dia.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Soares, respondo à sua interpelação e às duas questões que nela se contêm.
Sobre a segunda, V. Ex.ª tem conhecimento da deliberação havida em Conferência de Líderes sobre esta matéria. Não argumento mais por ser sobreabundante.
Quanto ao requerimento a que V. Ex.ª alude, recordo o que dispõe o Regimento: para se ter votação nominal, o requerimento deve ser subscrito por um décimo dos Deputados. Se houver um décimo dos Deputados…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é assim, não!

O Sr. Presidente: - É sim, Sr.ª Deputada. Essa é a minha interpretação do Regimento.
Se é necessário um décimo de Deputados para se fazer a votação nominal nos casos em que ela é realmente obrigatória, por maioria de razão é necessário um décimo de Deputados para se fazer a votação nominal nos casos em que ela não é obrigatória.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é assim!

O Sr. Presidente: - Havendo 23 Deputados que o subscrevam, submeterei esse requerimento à votação da Câmara.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, o nosso entendimento é o de que, por proposta de qualquer Deputado ou grupo parlamentar, pode sempre a Assembleia decidir fazer a votação desta forma. Nem se compreenderia que a Assembleia não tivesse legitimidade plena para assumir esta votação se assim entendesse, independentemente do número de Deputados que subscrevem o requerimento.

A Sr. Odete Santos (PCP): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª tem essa opinião. Eu tenho opinião diferente, interpretando o que dizem os n.os1 e 2 do artigo 107.º do nosso Regimento. A ela me atenho.
Se V. Ex.ª recorrer da minha decisão, submeterei o seu recurso à Câmara. Se não, bastará que V. Ex.ª apresente um requerimento subscrito por um décimo dos Deputados e eu submeterei esse requerimento à consideração da Câmara. Fora disso não posso proceder de outra maneira. Tenho pena.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não há qualquer dificuldade em recolher o número necessário de assinaturas. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está completamente disponível e esse requisito será preenchido dentro de um minuto.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado José Magalhães. A Mesa aguarda a apresentação desse requerimento e submetê-lo-á imediatamente à votação da Câmara.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, só lhe queria chamar a atenção, sem prejudicar o seu entendimento, de que se houver acordo de todas as bancadas, podemos superar imediatamente este problema e não precisamos nem de interrupção, nem de requerimento, nem de votação. Como presumo que haverá esse acordo, talvez pudéssemos proceder assim.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos cumprir o que diz o nosso Regimento.
Aguardaremos os segundos necessários - não é preciso muito tempo - para que esse requerimento chegue à Mesa.
Vamos, então, aguardar alguns momentos.

Pausa.

Srs. Deputamos, estamos em condições de retomar os nossos trabalhos.
Deu entrada na Mesa um requerimento que preenche os requisitos regimentais - da interpretação que tenho do Regimento -, pelo que vamos, de acordo com o que dispõe o nosso Regimento, votá-lo imediatamente.
Srs. Deputados, o requerimento é do seguinte teor: "Os Deputados abaixo assinados requerem a votação nominal para os projectos de lei n.os 1/IX (PCP), 89/IX (BE), 405/IX (PS) e 409/IX (Os Verdes), para os projectos de resolução n.os 203/IX (PS) e 227/IX (BE) e para o projecto de petição para referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez."
Srs. Deputados, vamos votar este requerimento que solicita a votação nominal.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Antes de votarmos os diversos diplomas - poderíamos tê-lo feito antes da votação deste requerimento -, vamos verificar o quórum para procedermos às votações.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, gostaria que nos indicasse o número de presenças por cada bancada parlamentar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado quer a contagem nos termos que dispõe o Regimento. Como

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sabe esse requerimento é também sujeito a votação pela Câmara…

Risos do PSD e do CDS-PP.

Para que não haja qualquer dúvida, é o que dispõem os n.os 4 e 5 do artigo 107.º. Tenho de fazer cumprir o Regimento, Srs. Deputados. Se V. Ex.ª o requer, eu faço a votação.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Eu solicito a votação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito bem.
Vamos, então, votar o requerimento do Sr. Deputado Francisco Louçã para que se indique o número de presenças por cada bancada parlamentar. Para procedermos a essa votação, são precisos 10 Deputados para subscreverem esse requerimento. Todavia, estou certo de que há mais do que 10 Deputados à volta do Sr. Deputado para fazer esse requerimento…

Risos do PCP e do BE.

Não vale a pena fazer esse requerimento por escrito porque eu conto 10 Deputados nessa bancada…
Vamos, então, votar o requerimento do Sr. Deputado Francisco Louçã para que se indique o número de presenças por cada bancada parlamentar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. António Filipe (PCP): - É uma vergonha!

O Sr. Presidente: - Façamos então a verificação do quórum nos termos habituais.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 213 presenças, pelo que temos quórum suficiente para proceder às votações, o que vamos fazer de seguida, conforme o guião que foi distribuído.
Vamos votar, em primeiro lugar, na generalidade, o projecto de lei n.º 1/IX - Interrupção voluntária da gravidez (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e de alguns Deputados do PS, votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções de alguns Deputados do PS.

O Sr. António Costa (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, gostaria que, ao anunciar os resultados, o Sr. Presidente precisasse os votos contra, as abstenções e os votos a favor.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se quer que identifique os Srs. Deputados do PS, vou ver se consigo fazê-lo de memória. Os Srs. Deputados do PS que votaram contra foram: António Braga, Ascenso Simões, Guilherme d'Oliveira Martins, José Junqueiro, José Leitão, Maria do Rosário Carneiro, Miguel Ginestal, Pedro Silva Pereira e Teresa Venda.
Abstiveram-se os Srs. Deputados: Augusto Santos Silva, Eduardo Cabrita e Maximiano Martins.
Vamos votar, então, na generalidade, o projecto de lei n.º 89/IX - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e dos Deputados do PS António Braga, Ascenso Simões, Guilherme d'Oliveira Martins, José Junqueiro, José Leitão, Maria do Rosário Carneiro, Miguel Ginestal, Pedro Silva Pereira e Teresa Venda, votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções dos Deputados do PS Augusto Santos Silva, Eduardo Cabrita e Maximiano Martins.

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Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 405/IX - Sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e dos Deputados do PS António Braga, Ascenso Simões, Maria do Rosário Carneiro e Teresa Venda, votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções dos Deputados do PS Augusto Santos Silva e Guilherme d'Oliveira Martins.

Seguidamente vamos votar o projecto de lei n.º 409/IX - Sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (Os Verdes).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e dos Deputados do PS António Braga, Ascenso Simões, Guilherme d'Oliveira Martins, José Junqueiro, José Leitão, Maria do Rosário Carneiro, Miguel Ginestal, Pedro Silva Pereira e Teresa Venda, votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções dos Deputados do PS Augusto Santos Silva, Eduardo Cabrita e Maximiano Martins.

O Sr. António Braga (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Braga (PS): - É para anunciar que quero entregar uma declaração de voto escrita sobre os projectos de lei que acabámos de votar.

O Sr. Presidente: - Fica registado. Sr. Deputado, como sabe, tem três dias para fazê-lo.
O Sr. Deputado Ascenso Simões pede a palavra para o mesmo efeito?

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, é para anunciar à Mesa que entregarei ainda hoje uma declaração de voto sobre as matérias que votámos.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Votamos seguidamente a proposta de resolução n.º 225/IX - Sobre medidas de prevenção no âmbito da interrupção voluntária da gravidez (PSD e CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções dos Deputados do PS Afonso Candal, Antero Gaspar, António Braga, António Costa, António José Seguro, Augusto Santos Silva, Capoulas Santos, Eduardo Cabrita, Eduardo Ferro Rodrigues, Elisa Guimarães Ferreira, Fernando Gomes, Francisco Assis, Guilherme d'Oliveira Martins, José Apolinário, José Junqueiro, José Leitão, José Magalhães, José Sócrates, Leonor Coutinho, Luís Carito, Luísa Portugal, Manuel Maria Carrilho, Manuela Melo, Maria de Belém Roseira, Maria Santos, Miguel Ginestal, Miranda Calha, Pedro Silva Pereira, Renato Sampaio, Ricardo Gonçalves, Vicente Jorge Silva, Vitalino Canas e Victor Baptista.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - É para informar que entregarei na Mesa uma declaração de voto escrita em nome de 40 Deputados da bancada socialista.

O Sr. Presidente: - Sobre a matéria do projecto de resolução?

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - É uma declaração de voto de 40 Deputados da bancada socialista que votaram contra o projecto de resolução apresentado pela maioria PSD/CDS-PP, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Carito.

O Sr. Luís Carito (PS): - Sr. Presidente, é para o mesmo efeito, para declarar que apresentarei uma declaração de voto, em meu nome e no da Deputada Luísa Portugal, sobre a nossa abstenção neste projecto.

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O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de o fazer chegar à Mesa no tempo regimental.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é para lhe pedir um esclarecimento, visto que anunciou que os Srs. Deputados António Costa, António José Seguro, Eduardo Ferro Rodrigues, entre outros, votaram diferentemente da bancada do PS e, como penso que se trata de um equívoco, peço que o mesmo seja rectificado. É que, porventura, quem votou contra o PS foram os outros…

Risos e aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, como o Sr. Deputado e o Sr. Presidente sabem - creio que é público -, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista deliberou conceder liberdade de voto aos seus Deputados nas votações do dia de hoje. Quando foi proposto pelo Sr. Deputado Bernardino Soares que houvesse votação nominal votámos favoravelmente no sentido de se fazer esse tipo de votação. Eu próprio já tinha tido oportunidade de dizer que no PS, que é o partido da tolerância,…

Risos do PSD e do CDS-PP.

… não só há liberdade de voto…

Aplausos do PS, de pé.

Como eu o dizia, porque o PS é o partido da tolerância, os seus Deputados votaram livremente e em consciência, puderam falar livremente e em consciência, e eu próprio solicitei, logo na primeira votação, ao Sr. Presidente que a Mesa tivesse a gentileza de precisar os nomes dos Deputados que votaram de uma forma e os que votaram de outra. porque nas votações de hoje cada um de nós votou com inteira liberdade. Eu próprio votei com inteira liberdade.
Se o Sr. Presidente nesta votação quiser precisar nominalmente os que se abstiveram e os que votaram contra (creio que a favor não votou ninguém), é com muito gosto que verei espelhado no Diário da Assembleia da República a total vivência da liberdade que existe neste grupo parlamentar!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pede a palavra, mas peço-lhe que não continuemos esta questão, porque não interessa, já que não é uma questão substancial.
A matéria está esclarecida: os Srs. Deputados do Partido Socialista cujos nomes não foram identificados como tendo votado de determinada maneira votaram da outra, e por isso não percamos mais tempo.
Passamos, então, à votação, na generalidade, do projecto de resolução n.º 230/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), que, torno a lembrar, corresponde à iniciativa popular de referendo.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e dos Deputados do PS Ascenso Simões, Maria do Rosário Carneiro e Teresa Venda e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Vamos agora votar o projecto de resolução n.º 203/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e dos Deputados do PS Ascenso Simões, Maria do Rosário Carneiro e Teresa Venda e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Vamos agora proceder à votação, na generalidade, do projecto de resolução n.º 227/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (BE).

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Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e dos Deputados do PS Ascenso Simões, Maria do Rosário Carneiro e Teresa Venda e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é só para dar conta à Mesa de que há várias declarações de voto da bancada do PSD que serão presentes na Mesa nos termos habituais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça, então, favor de fazê-las chegar à Mesa nos termos regimentais.

Neste momento, registaram-se manifestações de protesto de público presente nas galerias.

Os cidadãos que se encontram nas galerias sabem perfeitamente que não podem manifestar-se, nem contra nem a favor. Por isso, com muita pena, tenho de mandá-los sair da Sala. Tenho de mandar evacuar as galerias, uma vez que os cidadãos presentes não podem perturbar o funcionamento do Parlamento! Façam favor de sair imediatamente!

Pausa.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, é para informar a Mesa de que o Grupo Parlamentar do PCP entregará uma declaração de voto sobre os três projectos de resolução que acabámos de votar.

O Sr. Presidente: - Fica anotado, Sr. Deputado.
Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje…

Neste momento, registaram-se manifestações de aplauso de público presente nas galerias.

Os cidadãos que se encontram nas galerias e que agora se manifestam acabaram de me ouvir dizer que não podem manifestar-se nem contra nem a favor. Por isso, também tenho de mandá-los sair da Sala. Srs. Agentes da Autoridade, façam favor de evacuar as galerias, uma vez que os cidadãos presentes não podem perturbar o funcionamento do Parlamento!

Pausa.

Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar amanhã e, para além do período de antes da ordem do dia, da ordem do dia constará a apreciação das propostas de lei n.os 109 e 111/IX, após o que procederemos às votações regimentais.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação relativas à votação, na generalidade, dos projectos de lei n.os 1/IX - Interrupção voluntária da gravidez (PCP), 89/IX - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (BE), 405/IX - Sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS) e 409/IX - Sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (Os Verdes) e dos projectos de resolução n.os 230/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), 203/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas (PS), 227/IX - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (BE) e 225/IX - Sobre medidas de prevenção no âmbito da interrupção voluntária da gravidez (PSD e CDS-PP).

Em nome do supremo valor da estabilidade governativa do País e dos compromissos assumidos pelo líder do PSD, Dr. José Manuel Durão Barroso, durante a campanha eleitoral para as legislativas de 2002,

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votei contra os projectos de lei n.os 1/IX (PCP), 89/IX (BE), 405/IX (PS), 409/IX (Os Verdes) e os projectos de resolução que propunham a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez convicta, no entanto, de que a actual legislação deve evoluir no sentido de não tornar ainda mais penosa a já dura e violenta experiência que constitui, para qualquer mulher, sujeitar-se a uma interrupção voluntária de gravidez e ainda na expectativa de que as medidas de prevenção e de planeamento familiar venham a ser efectivamente eficazes no nosso país.

A Deputada do PSD, Judite Jorge.

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A lei em vigor permite que a interrupção voluntária da gravidez possa ocorrer nos casos de malformação do feto, quando ocorrer uma violação ou nos casos de grande perigo para a saúde da mulher, utilizando o Serviço Nacional de Saúde ou outros serviços devidamente autorizados.
Vem, porém, o projecto de resolução n.º 225/IX apontar novas formas de aplicação da lei vigente.
Os projectos de lei n.os 1, 89, 405 e 409/IX pretendem alargar os prazos e âmbito da sua aplicação através de um argumento que sensibiliza o comum dos cidadãos como é a despenalização da mulher da prática abortiva nessas condições.
É a propensão cíclica para implementar uma cultura de morte cujas repercussões futuras são imprevisíveis. Hoje, o limite é este; amanhã será outro - é só mais um passo - que boas justificações não faltarão!
Ferem a nossa sensibilidade os actos que destroem os ninhos e, mais ainda, se já estavam formados no interior dos seus ovos os pobres passaritos.
Estranha contradição esta. Chocamo-nos, legitimamente, pela destruição desses ninhos e invocamos os "direitos" dos animais - muito bem! Mas talvez não nos sintamos tão chocados pela destruição e pela morte dos ninhos dos nascituros mais perfeitos da criação do Universo - os do ser Humano.
A defesa da vida, da mulher, da mãe e do nascituro devem ser o bem maior a preservar e não a sacrificar.
A comunidade científica fala da vida que surge muito cedo. É o ninho com o feto mais perfeito da criação, essa maravilha só confiada às mulheres e ao seu profundo instinto de mãe que lhe está indissociável. Esse direito a ser feliz na maternidade como só ela é capaz.
Como compreender esta sociedade que construímos, a envelhecer e incapaz de acolher, de dar oportunidade e lugar a novos seres que matamos para os impedir de nascer?!
Haverá outras espécies que se lhe comparem?
Seres dotados de uma inteligência superior, não somos capazes de criar condições para que nenhuma mãe se sinta coagida, pressionada, sem outra saída que não seja a morte do mais inocente e indefeso dos seres que é seu filho? Esta responsabilidade será só da mulher?
Não será alargando os limites que se diminui o drama! Antes se irá agravar.
Portugal tem exemplos heróicos de solidariedade em defesa de vidas humanas.
Quantos sacrifícios e diligências, quantas ondas de solidariedade têm percorrido o país na busca duma solução, por mais remota, para salvar a vida de uma criança que seja!
Quem de nós não moveria montanhas para salvar a vida de um filho?
Por quê então não criarmos condições para apoiar aquelas mães que se vêem no desespero da sua precariedade?
Há várias organizações da sociedade civil que têm desenvolvido um trabalho notável em defesa da mulher e dos nascituros, o que permitiu a muitas crianças poderem, hoje, sorrir à vida.
Contradição das contradições: há quem pretenda que se instalem mais equipamentos em clínicas e hospitais para que se dê prioridade às listas de morte. Pretende-se institucionalizar centros legais para esquartejar, aspirar ou envenenar e lançar no caixote do lixo os pequeninos seres em desenvolvimento.
Reclamamos por tantos cidadãos estarem meses e anos a fio em listas de espera para preservar ou recuperar a sua saúde!
Todos sabemos o drama que constituem estas listas de espera no SNS. Quais seriam as prioridades no atendimento das listas para o aborto?
Teriam prioridade sobre os que aguardam intervenções e cuidados para recuperarem a sua saúde?
Onde está o primado pela defesa da vida, própria de uma civilização evoluída e de um Estado de direito?
Iríamos todos pagar para as clínicas de morte enquanto contribuintes?
Seria indigno que se utilizasse o dinheiro de todos nós contribuintes para que, ao invés de ser investido na criação de condições de vida, fosse aplicado para criar condições de morte!

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Ao Estado e aos cidadãos em geral, apela-se para que não haja falta de condições para acolhermos em quaisquer circunstâncias os novos cidadãos - crianças indefesas que só o amor pode salvar.
Olhemos para uma criança. Alguns temo-las em casa. É um filho, um neto, um sobrinho. Quanto aprendemos na candura dos seus sorrisos, na limpidez e pureza do seu olhar, na generosidade dos seus carinhos, na traquinice das suas brincadeiras, no balbuciar das suas palavras, na insegurança dos seus primeiros passos!
Quem aprova a violência sobre uma criança?
Um nascituro não será ainda uma criança… mas vai ser se nós o protegermos…
Uma criança não é ainda um adulto, mas está a percorrer o seu caminho e sê-lo-á se não for interrompido o seu percurso de vida.
Se não os deixarmos evoluir e desenvolver naturalmente não chegam a ser. Defende-se o direito de nascer, o direito à oportunidade única de viver. A vida vale bem a pena para que se tome essa atitude.
Da responsabilidade partilhada pouco se fala, abafada pelos ruídos de argumentos e visões parciais de um drama de falta de solidariedade.
À pessoa que está à beira de um precipício pede-se que reconsidere e volte atrás.
Há quem entenda que deve dar um passo em frente.
Como é diferente a atitude de tantos e tantos cidadãos capazes de dar as mãos e ser solidários na procura de soluções onde escasseiam os meios e a saúde!
É que colaborar com a vida é um dom da generosidade com que a Natureza nos brindou.
Derrubar todas as barreiras para salvar a vida de um ser humano é um acto de heroísmo nestas circunstâncias.
Deixe-se acontecer o milagre da vida. Ajude-se quem tem dificuldades para que nada o impeça.
O Amor tudo pode vencer!
Há quem invoque o Papa no combate à guerra, à violência e à injustiça. Haverá guerra mais desigual, injusta e violenta que esta contra um pequenino ser indefeso?
A vocação natural de uma sociedade é perspectivar e percorrer caminhos que conduzam a soluções que preservem e promovam a vida. Uma vida em abundância para todos os seres.
O tempo e a energia gastos nestas discussões poderão ser mais frutíferos se os dedicarmos à busca e à implementação de medidas de fundo em nome da vida.
Se a lei punitiva não é solução, não creio que a lei permissiva o venha a ser.
Não se revogam ou se alteram as leis e os princípios em função das prevaricações a que estão sujeitas, mas deve-se, na sua aplicação, considerar os contextos e atenuantes, em que ocorreram.
A vida é um bem supremo, único e irrepetível. Interrompê-la significa morte.
Vão acabar os casos de aborto para além do prazo legal? Certamente não. Então, a despenalização para essas vítimas não tem a mesma lógica?
O problema é mais profundo. A hipocrisia nada resolve. É preciso actuar a montante para salvar a mulher, para salvar o nascituro, para salvar a sociedade.
Não pretendo com esta declaração de voto impor verdades ou vontades individuais, por mais legítimas que fossem, mas tão-só expressar sensibilidades que orientaram o meu sentido de voto.

O Deputado do PSD, Pina Marques.

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Tem o tema do aborto sido palco de apaixonadas disputas ao longo destes anos de vigência constitucional que se seguiram ao 25 de Abril.
Ao longo deste tempo sempre combatemos o maniqueísmo das posições extremas em confronto e da intransigência que, invariavelmente, as acompanhava e que sempre variaram entre o proibicionismo absoluto e a intolerável e total permissividade, por entendermos que nenhuma delas é a mais justa e adequada para lidar com tão grave situação.
Sendo, de forma consciente, contra o aborto, entendemos, todavia, que uma legislação fortemente penalizadora não protege devidamente nem a chamada "Defesa da Vida Emergente" nem, tão-pouco, as mulheres que se vêm forçadas a recorrer ao aborto e que, não raras vezes, se vêm expostas ao sistema de justiça e à possibilidade real de serem penalizadas criminalmente.
De igual forma, foi o povo português chamado a pronunciar-se sobre esta matéria, em referendo em 1998, tendo o "Não" saído vencedor, o que consagrou a manutenção da lei actualmente em vigor. Embora não tendo obtido os 50% de adesão constitucionalmente requeridos para ser vinculativo, o resultado de tal referendo foi inequívoco sobre a vontade popular nesta matéria e necessariamente tem de ser politicamente respeitado.

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Sem embargo, tendo hoje, e na nossa condição de Deputados, livremente votado contra os projectos de lei e de resolução em epígrafe, entendemos que muitas das questões graves de então e relacionadas com o aborto em Portugal se mantêm ainda hoje.
Julgamos, desta forma, e em livre consciência que, após o final desta legislatura, estaremos no tempo adequado e exacto para que esta questão deva ser reequacionada através da promoção de uma nova consulta referendária.
Foi de resto este o compromisso eleitoral do PSD e que deverá ser respeitado pois nós fomos eleitos também nesse pressuposto.
Em nossa opinião, o futuro referendo deverá, sem prejuízo de outras matérias, abordar a possibilidade de as mulheres não serem criminalizadas pelo facto de praticarem aborto, situação que, a nosso ver, constitui um grave anátema e que deve ser erradicado da letra da lei.

Os Deputados do PSD, Pedro Roque - Luís Rodrigues - Bruno Vitorino.

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Declaro que votei favoravelmente os dois projectos de resolução para a convocação de um novo referendo sobre a interrupção voluntária de gravidez, apresentados pelo PS e pelo BE, porque acredito que a questão em causa é tipicamente susceptível de ser objecto de referendo e entendo que o tempo passado sobre o referendo de 1998, bem como as significativas alterações da consciência social e da prática judicial a respeito da questão do aborto clandestino justificam plenamente a convocação de um novo referendo.
Abstive-me na votação de todos os projectos de lei que tinham como objectivo a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (em certos casos), apresentados pelo PCP, pelo PS, pelo BE e por Os Verdes, porque o alargamento da liberalização (na prática) do aborto, para além dos casos excepcionais previstos na lei vigente, me coloca um dilema moral que não sou capaz de resolver. Sou muito sensível a dois argumentos a favor desse alargamento: não é à lei penal que compete dirimir questões éticas de grande complexidade e despenalizar não significa aceitar e, muito menos, favorecer ou induzir. É necessário combater o flagelo do aborto clandestino, que penaliza sobretudo as mulheres em piores condições de vida e de menores recursos, além de representar um problema gravíssimo de saúde pública.
Mas, humildemente, confesso que sou incapaz de perder de vista que a prática de um aborto não interfere apenas com a saúde física e psíquica e com o bem-estar de uma mulher, mas envolve um terceiro, qualquer que seja a qualificação que se lhe entenda dar. E também não consigo entender, salvo nos casos excepcionais já previstos na lei vigente, como é que, num tempo e num mundo de tão larga acessibilidade de meios de contracepção e planeamento familiar, possa tanta gente ainda recorrer ao aborto para fins contraceptivos.
Por que não votei então contra os projectos de lei? Porque me repugna a prática hoje instituída de criminalizar, sem atenuantes efectivas, e de expor e humilhar publicamente as mulheres sujeitas ao drama do aborto clandestino. Não consigo aceitar que seja essa a solução. E, portanto, como sei também que a lei actual se não cumpre, como sei que as mulheres são perseguidas, não voto a favor porque em consciência moral não consigo; mas, abstendo-me, corresponsabilizo-me politicamente pela eventual viabilização de uma solução como aquelas que os projectos de despenalização propõem.

O Deputado do PS, Augusto Santos Silva.

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Em 1984, aquando da discussão parlamentar sobre a interrupção voluntária da gravidez, a Lei n.º 6/84 veio estabelecer os casos donde se exclui a ilicitude. Tratava-se do aborto terapêutico (realizado nas primeiras 12 semanas, definindo-se como o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida ou se mostre indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida), do aborto eugénico (quando haja seguros motivos para prever que o nascituro venha a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação, e seja realizado nas primeiras 16 semanas de gravidez) e do Aborto sentimental (quando haja sérios indícios de que a gravidez resultou de violação da mulher, e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez).
A Comissão Revisora do Código Penal, nas 22.ª e 44.ª sessões, em 16 de Janeiro e 10 de Dezembro de 1990, considerou que após a intensa polémica registada quanto ao aborto e à interrupção voluntária da gravidez, que contou com a intervenção dos diversos órgãos de soberania e das forças vivas da

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comunidade, não parecia legítimo, a curto prazo, proceder a modificações importantes neste domínio.
Mantiveram, por isso, as soluções de fundo que à data vigoravam, e que representam no essencial o ponto de equilíbrio alcançado na sociedade portuguesa, oferecendo somente uma melhor redacção, do ponto de vista técnico, às soluções preconizadas na Lei n.º 6/84.
A Lei n.º 6/84 atribui aos estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos a obrigação de se organizarem de forma adequada ao exercício do direito à interrupção voluntária de gravidez nas situações e nos prazos legalmente determinados.
Em 1998, com a apresentação de diferentes projectos de Lei na Assembleia da República, onde se incluiu iniciativa subscrita pelo signatário e pelo então Deputado Eurico Figueiredo, foi deliberada a realização de referendo.
O resultado da consulta referendária foi negativo para os defensores da liberalização, muito embora a participação dos portugueses no voto não atingisse a percentagem exigida para a sua convalidação constitucional.
Entretanto, vários compromissos de diferentes partidos políticos foram anunciados, desde logo a necessidade de recurso a novo referendo para poder ser alterada a actual configuração legal sobre a interrupção voluntária da gravidez. Relevo o anúncio desse compromisso por parte dos principais partidos com representação parlamentar. Posição que, aliás, corresponde a uma adequada interpretação das disposições constitucionais que se reportam ao referendo e desde logo pela valorização desse instrumento de rara e muito cuidada aplicação nas democracias representativas.
Agora, com a reapresentação de várias iniciativas legislativas pretende-se, de novo, romper com a actual legislação sobre a matéria. Está de regresso ao contexto parlamentar a eventual aprovação de lei, em desfavor da reutilização do instrumento constitucional que constitui o referendo, pese embora a apresentação do projecto de resolução do PS que propõe a realização do referendo. Tratar-se-á de um processo legislativo eventualmente interrompido para dar lugar a referendo e só depois concluído em função do resultado obtido pela consulta popular.
A Constituição da República Portuguesa dispõe o artigo 24.º, n.º 1, que a vida humana é inviolável e que em caso algum haverá pena de morte (artigo 24.º, n.º 2).
O direito à vida é o primeiro dos direitos fundamentais constitucionalmente enunciados. Como dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, este direito é prioritário dado que está na base de todos os direitos das pessoas que decorrem da consagração deste: "ao conferir-lhe uma protecção absoluta, não admitindo qualquer excepção, a Constituição erigiu o direito à vida em direito fundamental qualificado. O valor do direito à vida e a natureza absoluta da protecção constitucional traduz-se no próprio facto de se impor mesmo perante a suspensão constitucional dos direitos fundamentais, em caso de estado de sítio ou de estado de emergência e na proibição de extradição de estrangeiros em risco de serem condenados a pena de morte".
Conexo com esta componente essencial do direito à vida está, instrumentalmente, o direito à protecção e ao auxílio contra ameaça ou perigo de morte.
Esta questão envolve ainda outros preceitos da Constituição da República Portuguesa correlacionados com o direito à vida.
A tendência nos países europeus é, notoriamente, a prevalência de uma despenalização regulada em que se procura responder ao conflito entre os direitos da mulher grávida e do feto, como pode verificar-se no quadro que se segue.

Legislação europeia
MOTIVOS CONDIÇÕES LIMITE
GESTAÇÃO
ALEMANHA Pedido da mulher*
Perigo para a vida ou saúde da mãe e malformação do feto**
Por ter a gravidez resultado de crimes sexuais*** Aconselhamento obrigatório com espera de 3 dias

Opinião de um médico, tendo de haver uma segunda opinião médica no caso do aborto por razões médicas e crimes sexuais * 12 semanas.
** Sem limite
*** 12 Semanas.
DINAMARCA Pedido da mulher *
Risco para a saúde e vida da mulher e malformação do feto** Consentimento dos pais para menores de 18 anos
Permissão de uma Comissão de 4 pessoas. * 12 Semanas
** 6 Meses.

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ESPANHA Violação e outros crimes sexuais*

Risco de saúde e vida da mulher**

Malformação do feto*** A violação tem de ser participada*
Duas opiniões médica**
Três opiniões médicas***

* 12 Semanas
** Sem limite
*** 22 Semanas.
FRANÇA Pedido da mulher*

Risco de saúde e vida da mulher e malformação do feto** Consulta de um médico*
Período de espera de uma semana após consulta*
Opinião de 2 médicos e de um psicólogo ou profissional da área social** * 12 Semanas
** 6 Meses.
GRÃ-BRETANHA Razões sociais e económicas*

Risco de saúde e vida da mulher, malformação do feto** Consentimento de dois médicos
Menores de 16 anos necessitam o consentimento dos pais ou tutor. *Até 24 semanas.

** Sem limite.
GRÉCIA Pedido da mulher*

Risco para a saúde e vida da mulher e violação e outros crimes sexuais**
Malformação do feto*** Consentimento dos pais para menores. * 12 Semanas
** Até 20 semanas
*** 24 Semanas.
HOLANDA A pedido da mulher *

Situação intolerável para a mulher, a ser definida juntamente por ela e pelo seu médico ** Consentimento dos pais para menores de 16 anos
Espera obrigatória de 5 dias;
Um médico tem de determinar se a mulher tomou a decisão livremente. * Até 13 semanas

** Até 24 semanas.

IRLANDA Risco para a vida da mulher
ITÁLIA Razões sociais e económicas*

Razões médicas, mal formação do feto violação e outros crimes sexuais ** Certificado de um médico e período de espera de 7 dias;
Menores de 18 anos precisam consentimento dos pais e de um juiz;
Aconselhamento não obrigatório. * 90 Dias
* Até 90 dias.

** Mais de 90 dias.
LUXEMBURGO Razões sociais e económicas *

Razões médicas, mal formação do feto, violação e outros crimes sexuais** Certificado de um médico e espera de 7 dias *
Duas opiniões médicas para as situações de risco para a mulher e criança * 12 Semanas
** Até 6 meses.
(Dados referentes a 2002)

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Num quadro comparativo entre os principais países da Europa torna-se mais visível a possibilidade de revigorar e acentuar a exequibilidade da actual legislação.
O alargamento do seu âmbito de forma a criar condições efectivas de apoio à maternidade responsável, resguardando os actuais pressupostos éticos e princípios constitucionais, é não só viável como uma necessidade diariamente reforçada.
Apesar dos progressos que foram realizados no campo da saúde materna e do planeamento familiar, e do trabalho das diferentes organizações não-governamentais, o aborto ilegal continua a ser actualmente um dos mais graves problemas de saúde das mulheres portuguesas.
Sabe-se que a resposta hospitalar aos pedidos de IVG revelou a diminuta aplicação do quadro legal vigente. Para além das dificuldades decorrentes da ausência de regulamentação clara para aplicação da lei, o que impede a existência de critérios bem definidos e de serviços apropriados, acrescem dificuldades institucionais na organização interna dos serviços de saúde designadamente pelo recurso à objecção de consciência.
A problemática da interrupção da gravidez é extremamente complexa, profundamente marcada pelos valores culturais dominantes, por razões psicológicas relacionadas com os sentimentos ou valores morais da grávida. A vasta literatura científica nesta área alerta-nos para as sequelas psicológicas da interrupção da gravidez e para os conflitos conjugais que pode proporcionar. Pelas razões referidas há uma enorme dificuldade em assumir-se decisões claras, fundamentadas, e em utilizar a disponibilidade dos serviços públicos existentes, sobretudo nos estratos sociais mais desfavorecidos mas igualmente por deficiente informação.
Embora todos considerem o aborto como sendo intrinsecamente um mal, as opiniões dividem-se quanto à forma de o combater dentro dos quadros éticos e constitucionais vigentes.
Das duas principais teses que têm vindo a ser defendidas, uma refere, essencialmente, a "(…) ideia de uma capacidade jurídica apenas restrita do nascituro perde, em minha opinião, o carácter chocante, se se considera que o nascituro, enquanto já concebido, é já um ser vivo humano, portanto, digno de protecção, mas enquanto 'não nascido' não é ainda um indivíduo autónomo e, nesta medida, é só um 'homem em devir'" - in K. Larenz, Metodologia do Direito, pg. 241, nota 11, Tradução da 2.ª edição, 1969, do original alemão por José de Sousa e Brito e José António Veloso, Ed. da Gulbenkian - e outra "(...) A conclusões diferentes levará obviamente uma hermenêutica conforme com a 'natureza das coisas'. É que a vida humana existe a partir da concepção podendo com Tertuliano asseverar-se que já é um homem que está em vias de o ser como também todo o fruto existe já na semente. O feto vivo não é, pois, uma coisa (res) simples parte do corpo da mãe (portio viscerurn matris) mas verdadeiro ser humano". Cabe, enfim, falar de um "direito ao nascimento", como escreveu o Dr. Bigotte Chorão a propósito do artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa:
"A consagração da IVG sem qualquer invocação de motivos é de duvidosa constitucionalidade, sendo que tal norma não parece respeitar o tal mínimo ético que deve existir no âmbito penal.
À luz do Texto Constitucional, a interrupção voluntária da gravidez acaba por traduzir um conflito entre o direito à vida e o direito a uma maternidade responsável.
A IVG coloca um conflito de direitos e valores, independentemente das soluções legais. Sem pôr em causa o princípio fundamental do direito à vida é possível encontrar formas de conciliação entre os valores a salvaguardar.
Ninguém pode sentir conforto, ético e moral, enquanto for possível invocar como razão para a prática do aborto as condições sócio-económicas familiares ou pessoais. Uma sociedade justa, pela qual pugnamos, tem obrigação de produzir respostas eficazes para a eliminação dessas causas.
De acordo com os dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística, em Portugal, o aborto constitui assinalável causa de morte materna, surgindo assim também como um problema de saúde pública que afecta milhares de mulheres.
Face a esta situação, em que a mulher aparece como vítima de um sistema que permitiu o aparecimento e desenvolvimento de um circuito ilícito de interrupção da gravidez, afigura-se urgente encontrar as melhores soluções, inclusive no plano dos princípios ético-morais.
O quadro legal vigente é consubstanciado por princípios éticos aceitáveis e, na verdade, ainda não está esgotado, muito menos na sua aplicabilidade.
Compreende-se mal, aliás, o facto de em Espanha vigorar uma lei idêntica à portuguesa cujas respostas, diante dos mesmos problemas, são satisfatórias, ao contrário da realidade nacional.
É possível reforçar a actual legislação, seguindo de perto os exemplos alemão e dinamarquês, nos quais a IVG é permitida, a pedido da mulher, por razões económicas e sociais, desde que autorizado por

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uma comissão/conselho consultivo composta de elementos de várias áreas de formação. É, ainda, exigido o consentimento dos pais, tratando-se de uma mulher menor de idade.
Desse modo poderiam ser articuladas as soluções legislativas adequadas e equilibradas porquanto permite o alargamento das causas de exclusão da ilicitude da IVG, sujeitando-as a um conjunto de condições para garantir a conciliação da IVG com a maternidade responsável.
No essencial a actual legislação pode ser complementada do seguinte modo:
Prevendo a exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez, quando realizada a pedido da mulher, por motivos sócio-económicos, após decisão favorável das Comissões de Apoio à Maternidade, nas primeiras 12 semanas;
Tratando-se de mulher menor para além do seu pedido de IVG deve obter-se o consentimento dos seus representantes legais;
Criando em cada sede de distrito ou região uma ou mais Comissões de Apoio à Maternidade com competência para analisar os motivos invocados pela requerente da IVG, promover as condições adequadas à prossecução ou interrupção da gravidez e esclarecer quanto ao seu significado e consequências, conferindo-se aos pedidos carácter urgente, gratuito e sigiloso;
Constituindo as Comissões por cinco elementos, com formação nas seguintes áreas: um médico com título da especialidade em obstetrícia, um médico com o título de especialidade em psiquiatria, um psicólogo, um magistrado e um técnico de serviço social.
A sociedade, através do Estado, tem o dever de contribuir para eliminar as eventuais causas de ordem sócio-económica ou outras que possam ser invocadas para realizar a IVG. Analisadas essas razões e tornando-se impossível ultrapassá-las, então deve oferecer todas as condições para que ela possa ocorrer sem riscos para a saúde da mulher, com o devido acompanhamento médico especializado. Ora a actual legislação pode responder a essas exigências sem que o Estado simplesmente lave as mãos deixando tudo na mesma quanto às eventuais dificuldades que levam à dramática decisão. Ou sem que sejam desconsiderados ainda outros direitos, designadamente de protecção do feto."
No essencial foi nestas razões que se fundamentou a iniciativa legislativa ao tempo subscrita com o então Deputado Eurico Figueiredo e foi também por elas que votei, de novo, contra os projectos de lei sobre a liberalização da IVG.

O Deputado do PS, António Braga.

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O aborto coíbe a vida humana. Trata-se um passo que só se deve tolerar perante o amparo de outros direitos superiores à vida do embrião que a mãe carrega no ventre. A mãe terá que respeitar os direitos do feto e os elementos que o modificarão, posteriormente, numa criança.
Quer isto dizer que os direitos do embrião só deverão ser desvalorizados na presença de circunstâncias muito especiais como a de violação, de mal formação do feto ou de risco de vida ou de saúde da mãe que o cria, atributos reconhecidos pela lei que vigora. A interrupção voluntária da gravidez é, pois, perante o direito à vida e de protecção da espécie humana, princípios inseridos no direito natural, uma majestosa agressão.
A vida é um bem jurídico que a lei resguarda, reprimindo os seus abusadores. Este princípio é posto em causa pelos projectos de lei que hoje discutimos, cujos propósitos entregam à mãe o exclusivo direito de ordenar da vida do filho, transportando-nos para uma cisão com os princípios fundadores do "humanismo solidário" que constitui a base da vida em sociedade.
Fechar os olhos à existência de abortos, feitos à margem do escopo legal existente e da mercancia associada é estupidez. Porém, não é com esta "prodigalização" das condições de prática do aborto que se dissolve esse tormento social. Resolve-se com prevenção, educação e planeamento familiar, resolve-se com a assunção, por parte do Estado, das responsabilidades que decorrem da actual lei e que este sempre renegou.
Esta minha discordância entronca em princípios, comportamentos e formas de estar que trouxe para a vida pública. Não os alieno. Porém, terei que me opor, em qualquer circunstância, a uma visão do presente debate que determine um confronto entre crentes e não crentes, entre reaccionários e liberais, entre destra e sinistra.
Recuso o fanatismo e os radicalismos que de diversos lados envenenam a opinião pública.

O Deputado do PS, Ascenso Simões.

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Abstive-me na votação do projecto de lei n.º 405/IX, apresentado pelo PS, consciente do drama pessoal de muitas mulheres que obriga a encontrar soluções que garantam o respeito pela dignidade das pessoas, o combate efectivo ao aborto clandestino e o pleno cumprimento da legislação em vigor. Se a minha consciência moral condena o aborto, entendo que o Estado democrático deve proceder a uma correcta regulação da prática do aborto, o que passa pelo aperfeiçoamento do sistema em vigor de causas de exclusão da ilicitude. O projecto de lei em causa representa uma boa base de trabalho, cuja adopção obriga a um esforço no sentido da efectiva concretização da legislação já em vigor. A situação actual deve-se, no entanto, menos à falta de legislação do que à não aplicação ou à aplicação deficiente das leis. São assim o Estado de direito e a preservação de uma sociedade aberta que estão em causa.
Nesse sentido, deve proceder-se a um levantamento rigoroso sobre a efectiva aplicação do regime jurídico vigente, designadamente quanto às causas que levam ao seu incumprimento ou deficiente cumprimento. Trata-se de garantir o exercício pelas mulheres do direito e do dever inerentes a uma maternidade responsável digna e saudável. Prevê, assim, o projecto em causa o alargamento das causas de exclusão da ilicitude e procura ponderar a complexidade dos valores envolvidos nesta matéria. E as cautelas postas na elaboração do projecto de lei n.º 405/IX são evidentes e merecem ser assinaladas. Considera novas causas de exclusão da ilicitude. Criminaliza a publicidade ilegal à interrupção voluntária da gravidez.
A dignidade da pessoa humana deve ser salvaguardada, considerando o respeito equilibrado dos valores éticos em presença. O aborto é sempre um mal e uma solução indesejável e extrema, assumida tantas vezes dramaticamente, podendo não ser sujeita a uma sanção penal. Não basta, por isso, dizer que, na prática, as mulheres não são condenadas, ou que se deseja que não o sejam. É preciso tomar medidas consequentes que favoreçam a justiça. E não se confunda vida, vida humana e pessoa humana - como o fazem diversas vozes fundamentalistas. Eis por que a dúvida que me assiste tem ainda a ver com a eficácia das medidas de apoio à mulher, designadamente dos Centros de Acolhimento Familiar. A solução não é sancionar penalmente.
Não deve haver dois pesos e duas medidas. As dimensões ética e jurídica deverão salvaguardar a prevenção, a formação e o apoio e não o sancionamento. É necessário atender às circunstâncias de cada caso. Numa lógica de laicidade, o Estado de direito deve consagrar um conjunto de medidas de fácil e efectiva concretização, que vão desde a educação sexual (cujo retrocesso a que hoje assistimos é motivo de séria preocupação) até ao planeamento familiar e à actuação efectiva e eficaz dos Centros de Acolhimento Familiar. As esferas ética e jurídica devem ser vistas e consideradas na sua especificidade. Ao Estado democrático não compete, porém, realizar um julgamento moral de quem quer que seja. O que está em causa neste debate não é uma justificação social ou moral do aborto. Daí a necessidade de se prosseguir um caminho árduo e de sensibilização da opinião pública, no sentido do combate à exclusão e do apoio efectivo às mulheres postas perante situações-limite.

O Deputado do PS, Guilherme d'Oliveira Martins.

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Votei favoravelmente o projecto de lei n.º 405/IX, apresentado pelo PS, por entender que ele se situa no quadro do alargamento das causas de exclusão da ilicitude, em termos que procuram ponderar a complexidade dos valores envolvidos nesta matéria, de forma que se me afigura em geral equilibrada, e pela distinção que deve existir entre a lei penal e as convicções que cada um de nós tenha sobre esta matéria. O aborto é sempre uma solução indesejável, mas não pode ser sempre sujeita a uma sanção penal. O que está em causa com este projecto de lei não é a sua justificação social ou moral e muito menos a consagração de um direito ao aborto.
O projecto alarga a área da responsabilidade ética de quem em consciência ou movida pela necessidade entende dever recorrer à interrupção voluntária da gravidez. Fá-lo ao considerar novas causas de exclusão da ilicitude. Permite-o apenas nas primeiras 10 semanas para ter em conta a valoração do estado dos conhecimentos médicos, o que se me afigura ser um elemento fundamental a ter em conta sempre nesta matéria.
O projecto introduz uma inovação que se me afigura positiva: a criminalização da publicidade ilegal à interrupção voluntária da gravidez.
Um elemento essencial para uma prática equilibrada, responsável e consciente desta lei afigura-se-me ser o funcionamento dos Centros de Aconselhamento Familiar. A forma de funcionamento destes centros deve ser adequadamente regulamentada de forma a que seja possível evitar as gravidezes indesejadas e as mulheres informadas das opções que não impliquem o recurso à interrupção voluntária da gravidez.

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Os meios penais têm vindo a revelar-se crescentemente injustos e ineficazes para prevenir o recurso à interrupção voluntária da gravidez.
Há que alargar as causas de exclusão da ilicitude e simultaneamente fazer apelo à responsabilidade do Estado e da sociedade para a criação de condições de forma a que nenhuma mulher se senta levada a abortar devido à sua situação económica ou por preconceito social. Merecem uma referência positiva e devem ser apoiadas as iniciativas generosas dos movimentos que prestam apoio às parturientes a braços com dificuldades e lhes dão oportunidades alternativas à prática da interrupção voluntária da gravidez.
É preciso também dizer que a sociedade deve deixar de fomentar o recurso ao aborto por força do preconceito, pelo estigma que cria para muitas mulheres grávidas. Enquanto houver gravidezes consideradas socialmente desonrosas somos todos nós que estamos a fomentar a prática do aborto seja ele punido ou não criminalmente.
Foi neste contexto que o projecto de lei n.º 405/IX, apesar de, em minha opinião, ser susceptível de aperfeiçoamento, mereceu o meu voto favorável.

O Deputado do PS, José Leitão.

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Os Deputados subscritores desta declaração de voto votaram esta matéria em conformidade com o Grupo Parlamentar do PSD por entenderem que, mormente num tempo em que a credibilização dos políticos tem sido apanágio da maioria parlamentar, honrar a palavra dada deve ser o ex-libris daqueles que ocupam lugares públicos.
Fazemo-lo a dois títulos: em primeiro lugar, honrando a palavra dada, em Fevereiro de 2002, pelo, então, líder do PPD/PSD e actual Primeiro-Ministro Dr. José Manuel Durão Barroso, no sentido de que a questão abordada em 1998, a interrupção voluntária da gravidez, não fosse senão revista pela mesma forma referendária, o que, aliás, é uma forma de demonstrar o mais vivo apreço pelo povo português, não usando um expediente politicamente possível mas moralmente ilegítimo para contrariar legislativamente o resultado de um debate que, num passado próximo, se entendeu dever ser dirimido pelo voto de todos os nossos concidadãos.
Em segundo lugar, fazemo-lo por entendermos que as consultas referendárias são um momento magno da auscultação democrática que não deve ser banalizado, e que deve permitir períodos latos de aferição do sentir ético-jurídico da nossa Comunidade nacional.
Porém, a questão subjacente permanece cortante: deve ou não despenalizar-se a interrupção voluntária da gravidez?
A resposta afirmativa é aquela que dão Deputados que são denodadamente contrários ao aborto, sendo que o aparente paradoxo se dilucida dizendo que a mais censurável das atitudes será a contrária: a de esconder a realidade com um biombo de dogmas que não permitam atalhar as diversas constatações práticas (aquelas que se pedem a quem consagra o seu tempo à política).
Respeitamos inapelavelmente quem, convictamente, seja adverso à nossa perspectiva e, de facto, mantemos intacta a convicção de que a ideia de interromper um processo conducente a uma vida humana, excepção feita à previsão normativa do Código Penal, é, em si, a pior das opções. Todavia, estão os Deputados subscritores conscientes de que, salvo casos excepcionais, só não interrompe a gravidez quem não quer, restando saber as condições humanas, sanitárias e até emocionais em que o faz.
Acresce que falhou, até hoje, a dissuasão.
Assim, e esperançosos de que a proposta decaia por inutilidade superveniente (isto é, por não mais existirem mulheres que desejam interromper a gravidez), mas também seguros de que ninguém o fará de forma leviana, estamos em crer que a despenalização da interrupção voluntária da gravidez é uma medida penhor de várias justificações: por um lado, oferecendo condições dignas e medicamente seguras a mulheres que, as mais das vezes, recorrem a amadores e a técnicas arcaicas, com consequências irreparáveis no foro físico e emocional. Por outro lado, esta seria também uma forma de combater o vil negócio que gente sem escrúpulos faz em torno da interrupção voluntária da gravidez, remetendo para o sistema da saúde, um acto que, respeitadas as situações de objecção de consciência, passará a ser realizado nas maiores condições de segurança, mesmo por quem, hoje, não tem as posses que permitam recorrer à prestação destes cuidados médicos no estrangeiro.
Ademais, o contacto com profissionais especializados de várias valências pode, em si, dissuadir a mulher de recorrer à interrupção voluntária da gravidez, aconselhada que será, em relação ao acto, às suas consequências e às alternativas existentes.
Em quarto lugar, surge a consciência de que a técnica evoluiu de tal modo que a interrupção voluntária da gravidez pode hoje, desde que realizada por profissionais avalizados, ser levada a cabo com

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a segurança devida.
Depois, assiste-nos ainda a certeza de que, em certos casos residuais e por muito que se agilizem os mecanismos de adopção, o recém-nascido abandonado é a grande vítima, por muito que se preguem outras doutrinas e prometam soluções.
Por fim, parece-nos seguro um avanço já debatido: jamais as mulheres que abortam devem ser privadas da sua liberdade.
Estas reflexões, repetimo-lo, mais não são do que uma solução de contingência que não precludem um combate feroz a todas as causas que conduzem à interrupção voluntária da gravidez, sejam elas meramente sociais, ou também criminais, posto o que realçamos ainda o facto de no tempo que passou, desde 1998 até hoje, muito pouco ter sido feito para evitar o elevado número de abortos clandestinos que ainda ocorrem em Portugal.
Uma política de saúde sexual e reprodutiva deve assentar em três pilares essenciais: informação, formação e acesso a meios contraceptivos.
É essencialmente aqui que temos falhado e as estatísticas assim o demonstram.
Pretender-se-ia, assim, na informação - garantir a informação à população, nomeadamente aos mais jovens, para evitar situações de risco e prevenir situações indesejadas.
Na formação - implementar a efectiva concretização das áreas curriculares para promoção de vida saudável, e acções formativas para a sociedade em geral, garantindo a vivência plena e saudável da sexualidade de cada indivíduo.
No acesso - possibilitar o acesso a toda a população através dos serviços de saúde e da rede pública de farmácias a meios contraceptivos.
Por tudo isto, entendemos que este debate tem já algo de muito positivo: o projecto de resolução n.º 225/IX, que vem de encontro ao combate às diversas causas que levam ao recurso à interrupção voluntária da gravidez, podendo assim este ser substancialmente reduzido. A sua apresentação é um sinal muito claro, cabe ao Governo a sua implementação em concreto.
Estamos certos deste passo, pois todos sabemos que manter a actual situação é insustentável, pelo que temos de deixar um lamento pela forma como a esquerda no seu todo tentou partidarizar uma questão que só teria a ganhar se fosse debatida sem protagonismos.
Votamos solidariamente com o nosso Grupo Parlamentar cientes de que as medidas a montante, e um plano de contingência a jusante, urgem em matéria da interrupção voluntária da gravidez.

Os Deputados do PSD, Jorge Nuno Sá - Gonçalo Capitão - Rodrigo Ribeiro - Vítor Reis - Graça Proença de Carvalho - Natália Carrascalão - Daniel Rebelo - Clara Carneiro - Pedro Alves - Maria Ofélia Moleiro - Massano Cardoso - Fernando Lopes - Paula Carloto - João Moura - Aurora Vieira - Arménio Santos - Virgílio Almeida Costa.

--

O nosso voto favorável ao projecto de resolução n.º 225/IX tem como primeira razão o facto de entendermos que a política tem por objectivo, acima de tudo, o bem comum e a realização do Homem. Daí que o projecto político em que nos integramos carece neste momento de unidade de todo o grupo parlamentar em volta do que se entenda o mínimo de decisão comum. Porém, o presente projecto de resolução atenta contra princípios que em consciência não podemos subscrever tal como abaixo explanaremos, sendo certo que em outros pontos nos revemos inteiramente.
I - O projecto de resolução tem méritos evidentes. Louvamo-nos no ponto 2 (apoio à maternidade) e no ponto 1.6 (flexibilização do horário escolar) onde são apontados instrumentos reais de solidariedade para com pessoas que, em momentos concretos da sua vida, precisam de ajuda para gerir, ultrapassar e vencer circunstâncias difíceis ou especiais.
De facto, livre não é o homem que opta por cumprir um plano aprioristicamente traçado por si, pela sociedade ou pelo Estado. Este é o prisioneiro, o homem sem liberdade.
O homem livre é aquele que adere às circunstâncias da vida e em função delas reconhece o risco inerente à existência e se constrói como homem.
II - Neste projecto, a educação sexual nas escolas é apontada como um dos instrumentos capazes de combater a gravidez inesperada que se crê seja fruto da falta de informação dos jovens.
É esta matéria de enorme sensibilidade atenta a sua natureza. A educação sexual é reconhecida, em instâncias internacionais e em tratados a que Portugal aderiu, como uma área de educação que pertence ao núcleo íntimo e identificador de uma família. Faz parte do património de cultura. familiar que os pais têm o direito de transmitir aos filhos. Por isso mesmo integra-se no direito fundamental do homem de educar os seus filhos, que não pode ser violentado ou cancelado sob pena de inconstitucionalidade e

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atentado aos direitos fundamentais.
Ora, o projecto de resolução n.º 225/IX faz de facto referência à Constituição e à Convenção Europeia dos Direitos do Homem no que respeita a este direito dos pais. Porém, parece existir uma contradição quando se refere uma disciplina ou área curricular obrigatória.
Há por isso que ressalvar que pode e deve o Estado obrigatoriamente fornecer na escola educação sexual, mas a sua frequência está na livre disponibilidade do pai ou da mãe (ou outro encarregado de educação) do educando.
Por isso os pontos 1.1 a 1.5 deverão ser apreciados à luz do princípio fundamental acima referido; e o PSD como partido democrático, humanista e consciente da identidade do povo português, cujos destinos agora dirige, não poderá deixar de lhe atender nas medidas legislativas e administrativas que resultarem desta resolução.
De qualquer das formas sempre se acrescentará que, dando por certa a boa intenção dos proponentes do projecto, as experiências de educação sexual em praticamente todos os países europeus tem conduzido a resultados inversos àqueles pretendidos e, como referido por reputados especialistas na matéria, os problemas da sexualidade juvenil não provêm sobretudo de falta de informação nem de escassez de acesso a meios de contracepção mas de condutas irresponsáveis induzidas pela mentalidade comum.
III - Discordância mais frontal nos merece o que nos parece ser um atropelo à liberdade de consciência no exercício de uma profissão.
A natureza, dignidade, responsabilidade e interesse público de determinadas profissões implica para os seus profissionais um conjunto de condutas éticas, que resultam da própria natureza da actividade e que o Estado não pode violentar.
Estão entre esses profissionais o médico, o advogado, o notário e o farmacêutico.
Assim como o cliente pergunta ao advogado: "Aceita o meu caso?"; também o cliente chegado à farmácia diz(ia): "Dispensa-me este ou aquele medicamento?"
A farmácia é o estabelecimento do farmacêutico. Na farmácia quem decide é o farmacêutico.
Vasta é já a doutrina publicada sobre esta matéria (em geral formulada para se saber se a farmácia pode ser explorada por um não farmacêutico - o que é negado na lei e nesses pareceres) onde se afirma este princípio de liberdade e discricionariedade ética e profissional concedida ao farmacêutico atenta a natureza liberal e de serviço público da actividade.
(Em jeito de nota histórica, referimos o caso do notariado, antiga profissão liberal que o Estado Novo incorporou no regime da administração pública. No entanto, mesmo então, houve o cuidado de deixar, expressamente consignado no Código do Notariado que o notário é livre de tabelionar ou não os actos e contratos que lhe são solicitados).
O ponto 3.1. da resolução, ao pretender impor uma obrigação de dispensa de medicação contraceptiva ("todos os meios e métodos contraceptivos previstos na legislação em vigor"), pretende retirar ao farmacêutico uma liberdade que a lei lhe assegura e que o regime do Estado Novo, no caso paralelo que apontámos, não ousou negar sequer aos funcionários públicos: a liberdade de juízo ético no exercício da actividade profissional.
IV - Embora tornando imperfeito o projecto de resolução proposto, as dificuldades atrás levantadas não nos impediriam de votá-lo favoravelmente com uma declaração de voto que clarificasse os nossos pontos de discordância.
Já o ponto 4 do projecto de resolução é para nós totalmente inaceitável.
As questões relacionadas com a vida intra-uterina, sua protecção, estatuto e relação com a maternidade estão intrinsecamente relacionadas.
Motivo de confronto ideológico e muitas vezes de oportunismo político, o aborto está neste quadro carregado de dramaticidade que não pode deixar de inquietar toda a sociedade.
Muitas têm sido as horas despendidas nesta Assembleia com tal problemática.
O que está dito está registado e por isso é conhecido.
Ao aceitar ser Deputados à Assembleia da República pelo PSD, temos pleno conhecimento dessa história, das batalhas travadas, das centenas de Deputados que nesta bancada se sentaram e da forma como perante tal questão se colocaram.
Em 1984, foram feitas desta bancada intervenções brilhantes para proclamar a defesa do direito à vida desde a concepção.
Nesse ano de 1984, o PSD, em coligação com o PS no Governo, votou em bloco contra os projectos de lei abortistas do Partido Comunista e do PS. A Lei n.º 6/84 foi aprovada com votos favoráveis do PS, do PCP e do MDP/CDE; contra votaram o PSD, o CDS e a ASDI.
Foi uma derrota que nesse dia o PSD sofreu; mas a derrota desse dia é inseparável da vitória eleitoral que se lhe seguiu. No ano seguinte, 1985, o PSD subiu ao poder, onde se manteve durante 10 anos.
A referida Lei n.º 6/84 encontrou na sociedade exígua aceitação, não só por parte das famílias como

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também por parte dos profissionais de saúde a quem é pedida a participação no acto abortivo. O número de abortos praticados no Serviço Nacional de Saúde é reduzido e não há notícia de casos concretos de alarme social causado por queixas de utentes desatendidas nos hospitais na sua pretensão de abortar. Tanto assim que o PS, proponente do projecto que deu origem à Lei n.º 6/84, não sentiu necessidade, no seu tempo de governação, de quaisquer medidas concretas de implementação.
Desde 1984, o PSD não tem alterado a posição que então definiu no debate e votação final. Nunca em qualquer congresso do PSD foi aprovada em Moção de Estratégia a adesão a tal lei; nunca o PSD se apresentou ao eleitorado com um programa de implementação pro-activa da Lei n.º 6/84.
Também em 1997 e 1998, diante de uma nova investida da esquerda para liberalizar o aborto, o PSD, na Assembleia, votou praticamente em bloco, em dois anos consecutivos, em defesa da Vida.
E aprovada a lei assumiu o risco político de chamá-la a referendo e empenhou-se com o PP e os movimentos cívicos em revogá-la. O resultado de 28 de Junho de 1998 foi reclamado pelo então presidente do PSD como uma vitória política do partido.
Ao arrepio de toda esta história política cimentada nos 20 anos decorridos desde 1984, vem agora sugerir-se ao Governo que "implemente" e crie novos mecanismos de aplicação de uma lei contra a qual o PSD votou, que nunca sufragou e para cuja ratificação não recebeu mandato nem dos militantes nem do eleitorado.
Em 1984, considerámos as propostas abortistas da maioria de esquerda e a lei que delas resultou iníquas. O nosso juízo mantêm-se!
A Lei n.º 6/84:
Atenta contra os direitos fundamentais ao violar o primeiro direito - o direito à vida;
Atenta contra o direito à segurança porque, antes da segurança de viver, está a segurança para nascer;
Atenta contra a democracia porque abala o Estado de Direito e impõe o poder dos mais fortes sobre os mais fracos;
Retira ao homem a liberdade em vez de ajudá-lo a enfrentar a vida na sua dramaticidade permanente.
Assim o parece entender também a sociedade portuguesa.
Na verdade deram entrada nos últimos 30 dias e na Assembleia da República, duas petições de sinais distintos: uma subscrita por 121 571 cidadãos, que reclamam a realização de um novo referendo sobre o aborto, e outra subscrita por 190 635 cidadãos, que, além de exigirem medidas concretas a favor da Vida e da Família, "pretendem reafirmar a sua convicção de que a valorização da vida humana deve continuar a merecer no Código Penal a protecção, a todo o tempo, da vida intra-uterina, através da definição como crime da sua violação".
Por isso, fundados num combate de 20 anos contra a liberalização do aborto, apresentamos a presente declaração de voto a fim de que a nossa posição e a nossa certeza sejam, com humildade mas firmeza, mais uma vez, consignadas nesta Assembleia.

Os Deputados do PSD, Isilda Pegado - António Pinheiro Torres - Luís Gomes - Miguel Miranda - Costa e Oliveira - Ribeiro Cristóvão - Pina Marques - Bessa Guerra - João Carlos Barreiras Duarte.

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Sou a favor de um novo referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez tão breve quanto possível. O primeiro processo referendário não é vinculativo por falta de participação popular e de esclarecimento e debate motivadores de uma intervenção em massa.
Hoje, felizmente, os cidadãos - como sondagens credíveis vêm mostrando - estão melhor informados e aguardam a oportunidade de se expressar livre e conscientemente. Não duvido de que o hão-de fazer, em ruptura com o passado, dizendo "sim" à descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.
Os políticos não podem - ou, se de facto podem, não devem - fechar os olhos a uma "modificação fundamental de circunstâncias" quando esta ocorre, como agora visivelmente acontece, na sociedade portuguesa, no que a esta problemática respeita.
Como cidadã, eu já era e continuo a ser pelo não sancionamento penal do acto de abortar, antes do mais porque nenhuma mulher o permite ou admite por gosto, mas sim (para usar a linguagem do Prof. Diogo Freitas do Amaral) em "estado de necessidade desculpabilizante".
Se assim é - e obviamente é! - o adiamento, seja a que título for, e por um só dia ou por muitos anos, de uma solução jurídica consentânea com o meu sentido de justiça e de solidariedade humana (enquanto política e enquanto cidadã), configura, a meu ver, a não assunção pelo legislador - pela maioria dos Deputados da Assembleia da República - das suas responsabilidades.

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Não posso negar uma quota parte de responsabilidades porque votei com o Grupo Parlamentar do PSD, por disciplina partidária, pela primeira vez imposta numa matéria desta natureza, tendo em conta compromissos eleitorais do partido.
De acordo estaremos todos apenas para afirmar que o aborto deve ser activamente combatido, por um lado, na vertente preventiva - a começar na escola, com classes de educação sexual - e, por outro lado, no encorajamento da maternidade voluntária, através de apoios de vária ordem a assegurar pelo Estado, pela família e, globalmente, pela sociedade civil.
Mas nenhuma das medidas que é urgentíssimo tomar neste domínio - e que, a meu ver, só pecam por tardias - justifica uma atitude de inércia face à legislação vigente da penalização do acto do aborto, que, chegada a hora da verdade - a do julgamento das mulheres… - ninguém, afinal, quer ver aplicada!

A Deputada do PSD, Maria Manuela Aguiar.

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Votámos contra o projecto de resolução n.º 225/IX, da iniciativa da maioria PSD/CDS-PP, porque, apesar de aparentemente inócuo, representa um acto inútil (porque o que propõe já está na lei ou fica mesmo aquém da lei) ou hipócrita, porque o incumprimento da Lei n.º 6/84, sobre IVG, 20 anos depois, não se resolve com medidas paliativas. Resolve-se mudando a lei, conforme hoje mesmo foi proposto e votado no Parlamento, mas rejeitado pela maioria PSD/CDS-PP.

Os Deputados do PS, Helena Roseta - Sónia Fertuzinhos - Alberto Arons de Carvalho - José Manuel Epifânio - Laurentino Dias - Paula Duarte - Miguel Coelho - Maria do Carmo Romão - Fernando Cabral - Maria Celeste Correia - Alberto Antunes - Carlos Luís - António Galamba - Osvaldo Castro - Fausto Correia - Joaquim Pina Moura - Alberto Costa - Jorge Strecht - Artur Penedos - Alberto Martins - Cristina Granada - Rosalina Martins - Custódia Fernandes - José Miguel Medeiros - Zelinda Semedo - Maximiano Martins - Rui Cunha - Jamila Madeira - Almeida Santos - Manuel Alegre - Jorge Lacão - Luís Miranda - Ana Benavente - Rosa Maria Albernaz - João Rui de Almeida - Jorge Coelho - Nelson Baltazar - José Medeiros Ferreira - Vítor Ramalho - Marques Júnior.

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O projecto de resolução n.º 225/IX, apresentado pelos Grupos Parlamentares do PSD e CDS-PP no âmbito da discussão em Plenário dos projectos de lei sobre a IVG, mereceu da parte dos Deputados abaixo assinados o voto de abstenção pelas seguintes razões:
1 - O referido projecto de resolução realça que o conhecimento da realidade existente no nosso país no campo da educação sexual e da prevenção da gravidez indesejada, apesar da legislação existente, não é na prática devidamente aplicada.
2 - É reconhecido que os indicadores de saúde disponíveis demonstram à saciedade a ineficácia de tais medidas legislativas, no que concerne à informação e à educação dos jovens no domínio da saúde reprodutiva, dado continuarem a existir em Portugal números elevadíssimos de gravidez na adolescência e altos níveis de infecção por HIV entre os jovens, menores de 25 anos, para dar apenas dois exemplos.
3 - Também ao nível do planeamento familiar reconhecem os partidos da maioria parlamentar a inoperância do Governo na aplicação da legislação vigente, nomeadamente, quer na dificuldade de acesso às consultas de planeamento familiar e saúde materna quer na disponibilização de métodos anticoncepcionais ou no acesso a métodos cirúrgicos de esterilização.
4 - A proposta de recomendação ao Governo apresentada no projecto de resolução merecem na generalidade o nosso apoio caso venham a ser efectivamente implementadas, apesar de em muitas das situações constituírem um reforço de medidas que já se encontram legisladas, num conjunto de diplomas aprovados desde há mais de 10 anos.
É, no entanto, positivo que esta recomendação recorde ao Governo a necessidade de efectivamente governar nesta matéria.

Os Deputados do PS, Luísa Portugal - Luís Carito.

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Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

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Partido Social Democrata (PSD):
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
José Manuel Carvalho Cordeiro
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
José Manuel de Medeiros Ferreira

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Maria Assunção Andrade Esteves
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta

Partido Socialista (PS):
João Cardona Gomes Cravinho
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Maria Isabel da Silva Pires de Lima

Partido Popular (CDS-PP):
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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