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Sexta-feira, 25 de Junho de 2004 I Série - Número 100

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE JUNHO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Henrique Jorge Campos Cunha
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de resolução n.º 71/IX e dos projectos de lei n.os 465 e 466/IX.
A Câmara apreciou, na generalidade, o projecto de lei n.º 464/IX - Regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum (CDS-PP). Intervieram no debate os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), José Magalhães (PS), Gonçalo Capitão (PSD), António Filipe (PCP), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Sobre os votos n.os 186/IX - De protesto pelas declarações do Ministro da Saúde sobre as quotas masculinas para os cursos de Medicina (PS) - que foi rejeitado - e 188/IX - Sobre a participação da mulher na actividade profissional e política (PSD e CDS-PP) - que foi aprovado -pronunciaram-se os Srs. Deputados Afonso Candal (PS), Leonor Beleza (PSD), Isabel Gonçalves (CDS-PP), Odete Santos (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foi rejeitado o projecto de resolução n.º 262/IX - Recomenda ao Governo o aumento intercalar do salário mínimo nacional (PCP).
Mereceu aprovação, na generalidade, a proposta de lei n.º 123/IX - Define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados e dos solicitadores e tipifica o crime de procuradoria ilícita.
Foi igualmente aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 127/IX - Estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses.
Ainda na generalidade, foi aprovado o projecto de lei n.º 464/IX - Regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum (CDS-PP).
Em votação final global, foi também aprovado o texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, relativo à proposta de lei n.º 105/IX - Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência e ao projecto de lei n.º 407/IX - Estabelece as bases gerais da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência (PS), tendo proferido declarações de voto os Srs. Deputados Luísa Portugal (PS), Ana Sousa (BE), Patinha Antão (PSD) e Bernardino Soares (PCP).
Entretanto, a Câmara aprovou dois pareceres da Comissão de Ética autorizando dois Deputados do PS a deporem, por escrito, em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Francisco Manuel Coelho Ferreira Pimentel
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia

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José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Miguel Gonçalves Miranda
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos

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António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
João Rui Gaspar de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima

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Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Ângela Ricardo Carriço Sabino

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Botelho Correia Sousa
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro
Álvaro José de Oliveira Saraiva

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

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O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de resolução n.º 71/IX - Aprova, para adesão, o protocolo da revisão da Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros, concluído em Bruxelas a 26 de Junho de 1999, que baixa à 2.ª Comissão; e os projectos de lei n.os 465/IX - Criação da freguesia de Vilarinho, no concelho de Mondim de Basto (PSD), que baixa à 4.ª Comissão, e 466/IX - Garante a estabilidade funcional da investigação criminal (Primeira alteração à Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto - Organização da investigação criminal) (PCP), que baixou à 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje é preenchida integralmente com um agendamento potestativo do Grupo Parlamentar do CDS-PP. Trata-se do projecto de lei n.º 464/IX - Regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum.
Para apresentá-lo, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Escolheu o CDS-PP, para preencher o seu direito de agendamento potestativo, apresentar à Câmara um diploma sobre uma matéria que, naturalmente - e por isso o escolhemos para o nosso agendamento potestativo -, consideramos da maior relevância: a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos e de uso comum, ou seja, a vulgarmente denominada videovigilância.
Fazemo-lo, de resto, de uma forma coerente com iniciativas que tivemos e com propostas que apresentámos, no passado, sobre este tema - pelo menos, desde 1998 e em inúmeras ocasiões -, em que referimos sempre a importância do recurso aos meios de videovigilância como parte essencial de qualquer política que tenha como objectivo essencial aquele que é o nosso: garantir mais segurança aos cidadãos.
Deste ponto de vista, a relevância do regime que propomos é óbvia. Hoje em dia, nas sociedades modernas, a prevenção e a detecção, a tempo, de crimes, de comportamentos criminais ou de situações de vandalismo, são a forma mais eficaz de actuar, prevenindo e garantindo assim a segurança dos cidadãos. É disso mesmo que trata o projecto de lei que apresentamos.
No entanto, convém esclarecer que com este projecto não se visa regular a utilização dos chamados meios móveis (as câmaras móveis), uma vez que isso está basicamente previsto noutros regimes, designadamente nas leis orgânicas da PSP e da GNR; não regulamos também com este regime a chamada utilização de meios privados desenvolvida no próprio País, já que essa matéria consta de uma outra lei, a de segurança privada.
Do que tratamos essencialmente nesta proposta é da regulação da utilização pública de câmaras fixas pelas forças de segurança.
Sublinhamos ainda que, ao apresentar este projecto, tivemos naturalmente em conta experiências anteriores no nosso país. Com efeito, a videovigilância foi, e é, utilizada em diversas circunstâncias, como, por exemplo, no metropolitano e nos caminhos-de-ferro, nos aeroportos, em esquadras da polícia e até - ainda que neste último caso levantando dúvidas, inclusivamente do ponto de vista constitucional, dada a ausência de regulamentação legal - em centros históricos de cidades, designadamente em Faro e em Guimarães.
Ora, a apresentação deste projecto de lei visa, precisamente, colmatar a ausência de regulamentação legal, garantindo, assim, melhores meios para assegurar a melhor segurança dos cidadãos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A propósito, sublinharia como particularmente interessante a experiência da utilização destes meios, a propósito da Expo98, em toda a zona do chamado Parque das Nações, em Lisboa, que teve, do nosso ponto de vista, a vantagem de ser uma experiência interessante, com resultados muito apreciáveis e muito positivos do ponto de vista da segurança dos cidadãos.
Tivemos também em conta a existência de regimes similares em diversos países, designadamente na Alemanha, na Bélgica, em França, no Reino Unido - que é, de resto, um percursor nesta matéria e onde estes sistemas são mais utilizados e recorrentemente previnem o crime -, em Itália e, muito particularmente, em Espanha (admitimos que o modelo espanhol influenciou largamente o diploma agora proposto).
Em síntese, o projecto que apresentamos prevê o seguinte: em primeiro lugar, a utilização de câmaras fixas, com os objectivos que estão descritos no artigo 2.º do diploma e que vão da protecção de edifícios

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e instalações públicas à protecção de pessoas e bens, prevenindo a prática de crimes; em segundo lugar, que a utilização de meios de vigilância deve ficar sujeita à autorização do Ministério da Administração Interna, a pedido dos comandantes das forças de segurança e mediante parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados; em terceiro lugar, a existência de um processo de autorização e de registo de todos os meios utilizáveis, o que garante, naturalmente, o conhecimento detalhado do seu número, a localização destes meios, o próprio controlo da sua utilização e a identificação da entidade responsável pelo sistema; em quarto lugar, define um prazo de conservação dos registos de imagem ou de som recolhidos por este sistema (um mês), findo o qual eles serão obrigatoriamente destruídos, a não ser, obviamente, que se registe a prática de um crime, caso em que serão entregues às autoridades judiciárias competentes, acompanhados da respectiva participação.
Devo dizer ainda que - e faz sentido dizê-lo hoje, quando estamos todos muito preocupados com esse mesmo tema e para ele motivados -, aproveitando também a experiência do regime excepcional do Euro 2004 - hoje é um dia em que essa matéria motivará certamente todos os portugueses, mais ao final do dia… -, procurámos estabelecer um regime geral para o País.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por último, gostaria de vos dizer que temos consciência de que um regime deste tipo a e implica um equilíbrio entre o direito fundamental à segurança e o respeito absoluto, do nosso ponto de vista, por direitos e garantias fundamentais, de natureza individual, como sejam o direito à imagem ou à privacidade, quer pessoal quer familiar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nesse sentido, consideramos que o nosso projecto de lei constitui um avanço significativo porque, em primeiro lugar, regulariza os meios existentes, obrigando à sua autorização e cadastro, estipula o prazo imperativo de um mês para a conservação e finalidade de utilização, salvaguardando, assim, direitos fundamentais e, sobretudo, estabelece requisitos e limitações importantes à mera possibilidade de utilização destes instrumentos. Quer isto dizer que há requisitos quando se diz em que casos eles podem ser utilizados e que há requisitos quando se diz que nesta matéria e nestas situações eles não poderão ser utilizados. Ou seja, ao avançar em matéria de segurança o regime avança também, claramente, em matéria de garantias.
Terminaria, Srs. Deputados, dizendo que, do nosso ponto de vista, feito o estudo e o trabalho de casa, trazemos um diploma a esta Câmara mas manifestamos obviamente, e desde já, toda a disponibilidade para, caso ele seja aprovado, em sede de especialidade, com todas as forças partidárias, obter o melhor regime possível em matéria de videovigilância, convictos de que, ao apresentarmos este diploma, damos um passo significativo para melhorar e proteger, como sempre foi nosso objectivo, o direito fundamental dos portugueses à sua segurança.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao orador, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia: A apresentação deste projecto de lei, como a 1.ª Comissão já teve a oportunidade de sublinhar em relatório que aprovou sob proposta minha, é um bom ensejo para se colmatar uma lacuna legal e uma anomalia.
A Assembleia da República tem vindo a legislar neste domínio da videovigilância sem uma "estrela polar" claramente orientadora, salvo, naturalmente, o texto constitucional e a Lei de Protecção de Dados, duas importantes peças que importa sempre acatar.
O que quero dizer é que a estratégia legislativa deixa surpreendidos muitos dos nossos observadores. Temos feito leis pontuais, que eu diria "microleis", que regulam subaspectos e subáreas da videovigilância, a começar pela videovigilância privada. Quando fizermos a revisão do Código de Processo Penal teremos a ocasião de encarar a videovigilância no tocante às actividades da Polícia Judiciária, concretamente e em especial, e VV. Ex.as introduzem agora a questão do regime de videovigilância por parte de forças de segurança (PSP e GNR).
A primeira questão que se coloca decorre de um parágrafo do vosso projecto de lei - na altura comentei com colegas meus parecer-me de uma sinceridade inusual -, aquele em que dizem, taxativamente: "O ordenamento jurídico nacional não prevê o uso da videovigilância em locais públicos de utilização

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comum, muito embora eles existam em funcionamento e à vista de toda a gente, sem que qualquer cuidado seja posto na respectiva divulgação e advertência aos cidadãos, que pelos mesmos são visualizados e eventualmente gravados diariamente, em flagrante violação de um conjunto de direitos de personalidade, constitucionalmente garantidos."
É esta a situação, tanto por parte de câmaras fixas como por parte de câmaras portáteis.
É por isso que a minha primeira questão é em relação ao regime de regularização. O projecto de lei que o CDS-PP apresentou prevê, se bem o entendi, um prazo de um ano para essa regularização. Ora, julgo que esse prazo, assim concebido como não aplicação até lá do regime que agora se pretende aprovar, não tem fundamentação. Isto é, a partir do momento em que se constata que há determinadas regras, como, por exemplo, a necessidade, a personalidade, a adequação, o cumprimento de cautelas procedimentais e outras que constam do vosso projecto, essa regras devem ser aplicadas imediatamente, porque seria inconcebível, sobretudo para as câmaras portáteis, que não se sujeitasse a autorização imediata o uso desses meios.
Esta é uma questão, evidentemente, da especialidade, que não prejudica em nada a apreciação na generalidade.
A segunda questão foi introduzida na comissão, aliás, pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes. O sistema de decisão que aqui está previsto assenta na competência, delegável embora, do Ministro da Administração Interna, precedendo de parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Devo dizer que essa solução não nos merece reparo. Mas qual o grau de intervenção das autarquias locais? É de conceber que num Estado com a estrutura do nosso não haja previsão de qualquer instalação de câmaras no território das autarquias?!
Eis as duas perguntas que lhe deixo, a benefício do trabalho que teremos de fazer na especialidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, basicamente, concordo consigo em relação à existência de vários regimes. Diria que a existência de vários regimes - e referi como exemplos a Expo 98 e o Euro 2004 - se justifica pela necessidade absoluta de, perante grandes eventos dessa dimensão, se criarem regimes de alguma forma excepcionais, com maior ou menor cobertura legal. E digo com maior ou menor cobertura legal porque, como sabe, a situação na Expo não é, exacta e rigorosamente, coincidente com a situação no Euro, em que aprovámos e discutimos aqui legislação com carácter de urgência.
Diria, portanto, que nalguma medida a possibilidade do recurso à videovigilância foi determinada por um critério simples: o critério de que a necessidade aguçou o engenho de alguma forma e permitiu a existência desses mesmos modelos.
Conhece também certamente o Sr. Deputado, como nós conhecemos, as dúvidas de constitucionalidade levantadas em relação, designadamente, a experiências de videovigilância em centros históricos. Conheço relativamente bem as experiências de Faro e de Guimarães, sei que existe uma experiência desse tipo em Coimbra, e nesses casos levantaram-se sempre dúvidas de constitucionalidade dada a ausência de cobertura legal.
Pensamos que a matéria de actuação específica das forças policiais, como é o caso da Polícia Judiciária, deve ser remetida para o seu respectivo regime, porque têm de existir critérios diferentes, diversos e flexíveis, designadamente do ponto de vista da utilização de meios portáteis de registo, de imagem, de som ou de videovigilância, que têm de ficar enquadrados no regime respectivo das várias forças de segurança e, por isso, centrámo-nos nas câmaras fixas.
Em relação ao prazo, poderá V. Ex.ª entender que é um prazo longo, que um ano, na perspectiva de regularização, poderá ser um período longo. No entanto, entendemos que é melhor que haja regularização do que se permita aquilo que aconteceu até hoje…

O Sr. José Magalhães (PS): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se também me autoriza, é porque, Sr. Deputado Telmo Correia, não é essa a questão que coloco.
A questão que coloco é esta: a partir do momento em que se reconhece que há uma irregularidade, é quase absurdo consentir-se que continuem a existir actividades de videovigilância não orientadas pelos princípios e pelas regras de autorização (penso, especialmente, na questão do uso das câmaras portáteis) previstas correctamente no articulado do regime que se quer aprovar, porque isso seria dizer que há uma infracção, mas que se tem mais um ano para se cometerem as infracções que quiserem sem autorização. Isso daria um sinal errado às forças de segurança e aos cidadãos. Suponho que não é isso que desejam.

O Orador: - Não, Sr. Deputado, mas também penso que não devemos presumir que a existência destes meios e a sua utilização sem específica cobertura legal correspondam forçosamente a situações de infracção ou a situações irregulares.
O que dizemos é: faça-se a avaliação, verifique-se se corresponde ou não, verifique-se se está dentro do normativo num prazo razoável para que eles possam existir. É, basicamente, isso que dizemos.
Lembro-lhe também que estes princípios são de recorrência de outras normas, como sejam a Constituição da República Portuguesa, o Código Civil, as próprias leis orgânicas da PSP e da GNR. Ou seja, há já, hoje em dia, vasta legislação sobre a matéria que, não sendo a mesma que propomos agora, não é forçosamente diferente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, sendo breve, pois terei ocasião, certamente, de responder aquando de outras questões que se possam levantar mais adiante no debate.
Queria dizer apenas que em relação à sua segunda questão, da nossa parte e para já, não estamos fechados à possibilidade de envolvimento das autarquias nesta matéria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP traz-nos aqui um interessante diploma sobre a utilização de câmaras de vídeo por forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum e o Partido Social-Democrata prefere, até mais do que ir artigo a artigo porque nos parece que o articulado está bastante satisfatório, tecer algumas considerações sobre as implicações constitucionais deste diploma.
Em todo o caso, começamos com um cumprimento ao Deputado José Magalhães pelo bom relatório que fez sobre esta matéria e, obviamente, com um grande cumprimento ao CDS-PP, desde logo, pelo sentido de oportunidade de legislar sobre este meio de vigilância ancorado em razões de segurança e de ordem pública e, genericamente, pela percepção de que, mais do que o futurismo dos livros, importa lidar com o realismo do mundo em que temos o Echelon, por exemplo, o mesmo sistema de espionagem e de escutas ilegal (digo eu) que já permitiu prender a mãe de um rapazinho que tinha feito teatro na noite anterior e que permitiu (alega-se) decidir um concurso de adjudicação de aviões à Arábia Saudita através de escutas verdadeiramente ilegais.
E, quando não são os poderes do Estado, muitas vezes são os privados a alimentar este mito da tecnologia e do "voyeurismo": os telemóveis com localização, a Via Verde que regista a nossa passagem seja a que hora for, os cartões de abastecimento de combustível e mesmo os cartões de crédito que tantos danos, se calhar, já causaram pela exposição do extracto ao fim do mês.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Gonçalo Capitão, permita que o interrompa, porque há demasiado ruído na Sala.
Chamo, em especial, a atenção aos Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do PSD que um dos seus Colegas está a usar da palavra e que, portanto, deveriam ter certamente muito interesse em ouvir o que ele está a dizer. Eu, pelo menos, tenho interesse.
Pode continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sei que não o fez com essa intenção, mas agradeço o "companheirismo", Sr. Presidente.
Também as conexões à Internet e as filtragens do correio electrónico. Estamos sempre na mira de alguém ainda que por razões lúdicas.

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Não sei se o Sr. Deputado Telmo Correia sabe (e ainda um bocadinho ao lado do tema) que há, em Nova Iorque, um bar onde os cidadãos que o frequentam se entretêm com câmaras devidamente instaladas a espiar outros. Geralmente, o espiado geralmente fica pouco à-vontade e os espiões sentem-se poderosos - tenho o nome do bar, se alguém estiver interessado, e posso fornecê-lo no fim do debate…

Risos de alguns Deputados do PSD.

Claro que há exemplos também de usos benéficos desta parafernália tecnológica - em França, um sistema de câmaras subaquáticas instalado em piscinas já permitiu salvar do afogamento um cidadão que nadava em apneia -, a par deste mundo novo para que o projecto de lei do CDS-PP se dirige, designadamente à intervenção das forças de segurança através destes meios.
Estamos a falar do uso de circuito fechado de televisão, para monitorizar e gravar espaços públicos, pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de uso comum, ou seja, dirige-se a uma operação destinada a recolher informação em locais sem qualquer tipo de restrição de frequência, aqueles que desde sempre estiveram à disposição de todos e que, por isso, são de utilidade pública. Estamos a falar, suponho - corrigir-me-á o Sr. Deputado -, desde praias, estradas, florestas, rios, ruas, praças e tantos outros lugares de circulação pública. O que se visa, no fundo, é fazer cessar práticas ilícitas, proteger pessoas e bens e conservar e guardar bens em situação de perigo. Ou seja, vai expandir-se a utilização destes meios de vigilância e, por outro lado, vai enquadrar-se legal e rigorosamente os que já estejam em vigor. Até por aí nos parece de saudar.
Porém, penso que vale a pena determos a atenção em dois ou três pontos. O primeiro é que o Partido Social-Democrata, como bem mencionou o Deputado José Magalhães citando o Deputado Luís Marques Guedes, entende que deveria contemplar-se a cooperação com as autarquias locais. Como o Deputado Telmo Correia sabe - aliás, mencionou algumas autarquias onde já se levantaram problemas desta sorte -, que melhor órgão do que as autarquias para ajudar a identificar certos sítios e certas zonas problemáticas e que deveriam estar vigiadas por este meio?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, é preciso ver que, nem técnica nem tacticamente, se vai atingir a perfeição através da utilização de câmaras de vídeo. Por um lado, serão sempre operadas por seres humanos, que são falíveis, e, do ponto de vista táctico, a menos que se acredite numa sociedade de andróides - o que não é o caso do Partido Popular nem do PSD -, jamais uma câmara de vídeo fará o papel de um ser humano.
Acresce que há custos a suportar, portanto, devem estar previstos os meios, e, por outro lado, é preciso graduar a compressão dos direitos fundamentais dos cidadãos. Também temos de contar com a possibilidade de surgiram novos tipos de crime através da utilização destes meios e, por isso, deveria haver uma especial preocupação em termos de deontologia por parte dos profissionais que vierem a utilizá-los, como entendo que é timbre das forças de segurança portuguesas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A própria Convenção do Conselho da Europa para o Regulamento e o Tratamento Automatizado dos Dados de Carácter Pessoal, citada, aliás, pelo Deputado José Magalhães no seu relatório, indica que alguns destes equipamentos trouxeram resultados positivos, diminuindo o número de ilícitos, mas, outros, por exemplo, limitaram-se a fornecer meios de prova contra os infractores ou a afastar os crimes para zonas circundantes - também aqui deveríamos deter-nos.
Aliás, cito o Professor Germano Marques da Silva para dizer que "a eficácia não é um valor absoluto". Daí que o projecto de lei do CDS fale, e bem, em adequação concreta e proporcionalidade e também regule a conservação e o acesso aos registos.
Como se percebe, estamos perante um caso em que pode haver conflito ou colisão de direitos. Aí, Sr. Deputado Telmo Correia, como perceberam ao elaborar este diploma, nem era preciso ler o Professor Vieira de Andrade, que nos diz que temos três factores a ponderar: primeiro, o âmbito e a graduação dos preceitos da Constituição em conflito; segundo, o caso concreto - para que é que se está a exigir este sacrifício?-; e, terceiro, a condição e o comportamento das pessoas envolvidas no eventual ilícito - justifica-se, naquele caso, restringir a sua liberdade pessoal?
De igual modo, é a doutrina, através do Professor Gomes Canotilho, que diz que o bem segurança pública justifica restrições, designadamente ao direito à liberdade e à segurança social e também, acrescento eu próprio, ao direito à imagem e à reserva da vida privada, direitos estes todos conexionados de

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uma maneira ou de outra.
Remetendo para o casuísmo, o que faz bem, o Partido Popular justifica estas medidas dizendo que os bens jurídicos são equivalentes na hierarquia constitucional e, por outro lado, compensa-se a perda privada com um ganho de segurança pública. Parece-nos muito bem e acompanhamos o CDS neste entendimento.
A segurança assegurada pela videovigilância garante o exercício dos direitos de personalidade que mais não são do que o corolário do princípio da dignidade humana - é preciso que isto seja assim. Por outro lado, a videovigilância assegura também, em sentido negativo, algo que, se calhar, não abordaram mas tiveram presente, isto é, protege igualmente o cidadão contra o abuso por parte dos poderes públicos. Tudo isto muito bem colmatado com a prudência de pedir um parecer prévio vinculativo à Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Caminhando para o fim, diria que também lhes ficam bem as cautelas no sentido de agravar o dever de denúncia e de fundamentação do pedido de instalação e da decisão. Parece-nos que, por esta via, se protege os cidadãos.
Em conclusão, se quem tem uma conduta correcta deve estar tranquilo em relação à videovigilância, o facto é que o direito à segurança só deve ter olhos em certos casos concretos.
Muito embora o aviso seja obrigatório, por outro lado, será avisado que a segurança não se converta em securitarismo. Será avisado que a vigilância não passe a devassa, será avisado, também, que a sociabilidade não dê lugar à violação da intimidade.
Estamos descansados quanto a este diploma apresentado pelo Partido Popular e, por isso, também consideramos que o PP está de parabéns.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Capitão, inscrevi-me para alterar a circunstância das coisas e para, ao abrigo da figura do pedido de esclarecimento, responder a várias questões que levantou na sua intervenção. Obviamente, não uso da palavra para lhe pedir a indicação do bar de que falou - a não ser que fosse para eu próprio não entrar se, por lapso, algum dia lá fosse parar…!
Em primeiro lugar, não diria que quem tem um comportamento correcto não tem forçosamente de ter qualquer tipo de dúvidas ou mesmo de receios em relação à utilização destes equipamentos. É que há um conjunto de comportamentos, alguns dos quais até preveníveis pela utilização destes equipamentos, que não constituem a prática de ilícitos ou de crimes mas que são comportamentos da vida privada de cada cidadão, a que o mesmo tem direito, e em relação aos quais não tem de estar sujeito a uma situação de videovigilância, o que se garante fazendo com que, ao fim do prazo de um mês, os registos sejam destruídos. Assim é, já que, obviamente, há um choque com a privacidade, a intimidade, a vida pessoal, a vida familiar, etc.
No entanto, como disse e muito bem, a preocupação tem de ser a de equilibrar o direito à segurança com as liberdades e os direitos individuais e é isso que procuramos fazer neste diploma.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A este propósito, cito-lhe uma muito curiosa frase de Milan Kundera, que encontrei num estudo sobre esta matéria, que dizia que "ainda me lembro do tempo em que, simplesmente para tirar uma fotografia a alguém, tínhamos de pedir autorização primeiro". Portanto, para tirar uma fotografia a alguém, ainda que como turista, era necessário pedir autorização primeiro. Neste aspecto, a sociedade está realmente muito diferente e nos países que utilizam generalizadamente estes meios de vigilância, por exemplo, o Reino Unido, que referi, recorre-se generalizadamente à videovigilância.
Concretamente, o que gostaria de dizer em relação às autarquias, em jeito de resposta mas inquirindo também quanto à sua disponibilidade, entronca precisamente nesta questão.
É que, por um lado, se definirmos que apenas as forças de segurança, com autorização do Ministro da Administração Interna, podem recorrer a estes meios de vigilância, estamos a limitar o sistema e a sua eficácia mas, por outro lado, dispomos de um mecanismo de controlo mais rigoroso. Ou seja, quanto mais entidades, por sua livre iniciativa, puderem recorrer a este sistema, menor é o controlo dos fins, dos meios, dos objectivos e da utilização do mesmo.
Assim, nós, CDS, inclinar-nos-íamos para uma solução do tipo de envolver as autarquias mas, por

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exemplo, através de um possível protocolo com as forças de segurança. Isto é, a solicitação da autarquia seria vertida num protocolo - nalguns países, celebrado com o presidente da câmara, noutros, com o vereador responsável pela segurança - que, depois, passaria para um tipo de acordo celebrado entre a autarquia e as forças de segurança. O envolvimento das autarquias decorreria, pois, nessas circunstâncias.
De qualquer modo, manifestamos total abertura para, conjuntamente com os outros partidos, discutir esta matéria em sede de especialidade a fim de encontrarmos uma boa solução para o envolvimento das autarquias.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, agradeço-lhe a pergunta explicativa,…

Risos do PSD.

… aliás, como são sempre as suas intervenções.
Começo por dizer que vamos tentar que, amanhã, não saia uma notícia a dizer que há brechas na coligação já que, basicamente, estamos a dizer a mesma coisa e encontraremos termos para o nosso acordo.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, "colmatando as brechas", diria que quando falamos em envolvimento das autarquias sabemos por que estamos a fazê-lo. Evidentemente que, se o uso destes sistemas escapa ao controlo de uma ou duas entidades, estaremos a alargar o número de pessoas envolvidas, teremos problemas de formação deontológica dos que vão operar as imagens, teremos mais dificuldade em controlar os registos, etc. Penso que era isto que estava a dizer-me.
Em todo o caso, também convirá - e penso, por isso, que estamos a dizer mais ou menos o mesmo - que são as próprias autarquias locais, como já viu, por exemplo, nos casos de Guimarães e de Faro, que muitas vezes têm necessidades específicas de acautelar a qualidade de vida das cidades, seja porque estão a ser delapidados monumentos nacionais, seja porque há zonas particularmente afectadas pela criminalidade. Isto é, não vamos pedir às forças de segurança que tenham um poder ciclópico de adivinhar todos os sítios onde há problemas.
Portanto, na especialidade, com toda a tranquilidade e, no caso dos nossos respectivos partidos, com toda a amizade, temos de encontrar a solução que, favorecendo o envolvimento dos que mais directamente estão próximo dos problemas, faça com que se consiga evitar que se caia numa devassa generalizada ou, pelo menos, na utilização indiscriminada destes mecanismos.
Para terminar, e voltando à primeira parte da sua pergunta explicativa, dir-lhe-ei que, nesta matéria, o problema é o que era colocado, salvo erro, por um ex-assessor do Presidente Jimmy Carter, o qual perguntava se é ilegítimo fotografar o mundo. Ora, de facto, Sr. Deputado Telmo Correia, como muito bem disse, em certos casos, é.
Não sei até que ponto não haverá, muitas vezes, a tentação de aquelas imagens serem usadas para fins colaterais. Aí, teremos de estar atentos e teremos de agir com mão firme porque "espiar", ou fotografar, ou filmar os nossos concidadãos é uma actividade muitíssimo delicada que mexe com direitos muitíssimo sensíveis e, portanto, temos de ter mão firme face aos abusos. Também nesse domínio há que ter cautela no que toca ao envolvimento das autarquias, não as deixando de parte.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta iniciativa é bem-vinda, já que vem, como sublinhei há pouco, colmatar uma lacuna grave e é um instrumento para pôr cobro a uma situação irregular. Bastaria o primeiro tópico para justificá-la, mas o segundo dá-lhe um carácter de urgência. Além do mais, espero que seja francamente um bom sinal no sentido de arrepiar caminho.
Impressionantemente, Srs. Deputados, a Assembleia da República, nesta Legislatura, lançou mãos à regulamentação de questões sensíveis de videovigilância, em condições de grande ausência de prudência e cautela na preparação da decisão legislativa. Poderia dar vários exemplos, mas dou tão-só o do Código

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do Trabalho. O Código do Trabalho veio regular, pela primeira vez, de forma clara e inequívoca, a videovigilância nos locais de trabalho, designadamente nas empresas, em condições que não foram submetidas, em nenhum momento antes da aprovação, a escrutínio da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD). Aconteceu mesmo uma coisa, que é um case-study internacional, que foi a Assembleia da República aprovar, na generalidade, na especialidade e em votação final global, o diploma em Abril de 2003 e só em Maio de 2003 ter sido accionado um mecanismo que permitiu uma consulta da CNPD, consulta essa que não teve qualquer eco na segunda leitura do diploma. Foi assim que entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa um regime melindroso, que veio, depois, a ser regulamentado em termos mais cautelosos - e, aí, com audição da CNPD - no regulamento do Código do Trabalho recentemente aprovado, regime melindroso esse que, noutros Estados democráticos, deu origem a discussões alargadas entre centrais sindicais e patronais, organismos consultivos, estruturas parlamentares competentes, e a um diálogo com a opinião pública. Isso não aconteceu em Portugal, o que é deveras singular, bizarro e, devo dizê-lo, malsão, descontados uns tantos artigos de jornal e alguns pequenos "ais!", um dos quais foi certamente meu, em várias ocasiões, mas francamente, é preciso dizê-lo, sem qualquer eco social.
Ora, julgo que é impressionante que isso tenha podido acontecer e julgo que isso não acontecerá neste caso. Nesse sentido, é positivo que a Assembleia legisle e será positivo, como o relatório da 1.ª Comissão deliberou por unanimidade, que a Comissão Nacional de Protecção de Dados seja ouvida sobre esta matéria. Ela deve ser ouvida, entre outras razões, porque tem dedicado a este tema um labor insubstituível e de altíssimo mérito, que culminou, aliás, numa deliberação que autodefine critérios orientadores, os quais não deixam de aplicar-se ao campo que é regulado por este projecto de lei do Partido Popular.
Portanto, esse saber, que se inspira, de resto, na experiência internacional que resulta da participação no Grupo de trabalho do artigo 29.º, criado no âmbito da União Europeia e das suas autoridades de protecção, esse saber e esse labor devem ser aproveitados e tidos em conta pela Assembleia da República no momento em que se discute esta matéria.
Em segundo lugar, é necessário que façamos um ponto de situação. Em Portugal, o quadro desenvolveu-se sem lei de enquadramento genérica. Não é um cenário satânico, pois assim aconteceu noutros Estados. Teria sido, porventura, preferível haver uma lei-quadro da videovigilância e, depois, microlegislação, a regulamentar a videovigilância nas discotecas, nos estabelecimentos bancários, em outros sítios públicos, ou, ainda, nos casinos, como há dias a microrregulamentámos através de um diploma próprio, que, de resto, resultou de uma iniciativa conjunta dos grupos parlamentares em substituição de uma proposta do Governo. Mas, tendo sido esta historicamente a via que se seguiu, bom é que tenhamos consciência das lacunas. Ora, é precisamente à questão das lacunas que gostaria de dedicar alguns segundos.
As lacunas são, em alguns casos, verdadeiramente impressionantes. Esta é-o por definição. Mas se o Sr. Deputado Telmo Correia, que estudou especialmente esta matéria, atentar no que reza o artigo 2.º, n.º 3, do projecto de lei que subscreveu, verá que aí se diz: "Para efeitos de fiscalização de infracções estradais, ficam as forças de segurança autorizadas a aceder às imagens captadas pelas entidades que controlam o tráfego rodoviário." É uma autorização, com força legal e valor permanente, para acesso a imagens captadas.
Mas a questão que se coloca é esta: e qual é a credencial legal que autoriza as entidades que recolhem imagens de tráfego rodoviário a fazê-lo? Esta questão não é fácil de responder e a Comissão Nacional de Protecção de Dados, colocada perante ela, não encontra no quadro legal arrimo. Talvez venha a encontrá-lo indirectamente nesta disposição legal, mas convenhamos que é uma forma muito ínvia de legalizar a captação de imagens de tráfego rodoviário. Devíamos fazê-lo de frente, com cautelas, garantindo que essa recolha de imagens não vibre um golpe liberticida em direitos de cidadãos e garantindo, aliás, proibições de determinado tipo de aproximação e da captação de determinados dados que podem ferir seriamente a intimidade da vida privada e que, de resto, como o Conselho da Europa assinala, podem gerar um clima de intimidação que leva a que os cidadãos, quando estão num sítio público, se comportem de forma puramente antinatural, porque sabem, ou saberão, que estão sob escrutínio, escrutínio esse que pode abranger gestos que nada justifica que sejam captados. Trata-se, pois, de lacunas indesculpáveis, que é necessário ultrapassar.
Em terceiro lugar, gostava de chamar a atenção para a questão da estratégia de videovigilância. Uma coisa é enquadrar o uso da videovigilância pelas polícias, outra, é a existência de uma estratégia. Essa estratégia, Sr. Deputado Telmo Correia e Srs. Deputados, tem de existir. Ou seja, não basta comprar câmaras de vídeo, pô-las nas mãos das forças de segurança e dizer "agi em defesa das pessoas e bens". Essa estratégia tem de ser definida pelos órgãos competentes e deve sê-lo muito cuidadosamente. Posso dar um exemplo: pernoito muitas vezes no bairro de Alfama e pude inteirar-me em detalhe do sistema de videovigilância que foi instalado pelo município. É um sistema que foi dispendioso, que tem finalidades de controlo da circulação e que paradigmaticamente não serve, em nada, para forças de segurança e para fins de segurança. São imagens que servem para fins rotineiros, que custam milhares de contos para captação

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regular e que, por falta de interface com as forças de segurança, têm uma utilidade e uma valia perfeitamente reduzidas. Não é certamente desta videovigilância que as populações precisam quando pedem, com toda a razão, mais vigilância, mais polícia, mais segurança.
Uma outra observação que gostaria de fazer é que a videovigilância não pode servir para deixar os polícias na esquadra e as câmaras na rua. Portanto, as políticas de tutela dos direitos dos que trabalham nas forças de segurança, o respeito pelos seus direitos, a garantia dos efectivos, o seu treino, a sua presença, o dispositivo, são questões essenciais. Ninguém julgue que a caixa mágica, digital ou analógica, substitui a acção policial, que tem de ser, para tal, dotada de meios e que tem de ter, por parte dos membros das forças de segurança, a garantia adequada dos seus direitos, o que, como sabemos, em muitos casos, entre nós, neste momento, não ocorre.
Por outro lado, não deve servir, como já disse e sobredisse, para invadir estritamente a privacidade dos cidadãos.
A última observação que gostaria de fazer nesta sede diz respeito à questão do controlo. Há muitas leis sobre esta matéria que prevêem formas de videovigilância. São leis frequentemente hiper-respeitadoras do equilíbrio que tem de haver entre a liberdade e a segurança. A questão essencial, Srs. Deputados, é que haja mecanismos de controlo concreto que garantam que não se trate apenas de lei nos livros, de lei no Diário da República, e que essa lei seja aplicada concretamente, com fiscalização eficaz. E, para isso, é necessário que tenhamos em conta a situação da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
A Assembleia da República tem entre mãos, neste momento, a elaboração do estatuto da CNDP. É um diploma que colheu consenso na generalidade e que procuraremos aperfeiçoar na especialidade, por forma a garantir que a Comissão tenha meios. Mas é preciso ter consciência de que a CNPD está, neste momento, a ser sobrecarregada com tarefas de fiscalização e pode, a não serem adoptadas medidas adequadas de apoio quanto ao pessoal, aos recursos e à capacidade de actuação, atingir um ponto de ineficácia que é, a todos os títulos, indesejável.
Fazemos votos, portanto, de que sejam adoptadas noutra sede as medidas adequadas a que a palavra "fiscalização" tenha conteúdo e alcance reais.
Por último, devo dizer que estamos de acordo com a ideia de fazer intervir as autarquias locais neste processo de autorização da instalação de câmaras. Talvez a via sugerida pelo Sr. Deputado Telmo Correia seja a mais adequada: deve haver protocolos através dos quais os municípios assegurem a sua contribuição para o sistema de videovigilância, mas estes só podem, e devem, ser geridos pelas forças de segurança, de acordo com as regras instituídas nesta lei. Eu teria grande, grande, cuidado em relação a qualquer regime que fosse distinto deste e, sobretudo, não confiaria estes meios a polícias municipais que, no direito português, têm um estatuto diferente daquele que têm noutros Estados democráticos com regime similar ao nosso. Em Portugal, não têm e, portanto, o regime contido neste diploma só deve aplicar-se à PSP e à GNR.
Como disse, discutiremos em sede de Código de Processo Penal a maneira como a Lei n.º 5/2002 está a ser aplicada pela Polícia Judiciária e a necessidade de eventuais correctivos e, também aí, de fiscalização.
Não basta dizer que os actos são autorizados por um juiz. É preciso saber qual é a execução dada pelos operadores judiciários à autorização legal, é preciso saber como é que ela funciona, é preciso saber qual é a taxa de eficácia, é preciso saber, como sublinhou há pouco - aliás, bem - o Sr. Deputado Gonçalo Capitão, se a videovigilância, em concreto, protege ou se, pelo contrário, é uma exibição de dinheiro e de meios tecnológicos, sem o reforço eficaz da segurança.
Da parte da bancada do PS, haverá voto favorável, na generalidade, a esta iniciativa legislativa e uma contribuição na especialidade para que a Assembleia da República faça um diploma que é urgente, necessário e que deve fazer cessar, de imediato, as situações de ilegalidade que à vista de todos, como diz o projecto, se desenrolam entre nós.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por dizer que nos parece pertinente regular esta matéria da videovigilância por parte das forças de segurança, concretamente da PSP e GNR, que é aquilo que está em causa nesta iniciativa legislativa.
Parece, de facto, pertinente porquanto, como já aqui foi dito e como resultou ontem do debate que tivemos na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias sobre esta matéria a propósito de um relatório elaborado pelo Sr. Deputado José Magalhães e que permitiu não só que houvesse

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um debate preliminar na Comissão, aliás, muito interessante, acerca desta matéria mas também dilucidar, com alguma precisão, as questões que estão em debate, tem havido uma regulação da matéria da videovigilância por parte de entidades privadas em determinados sectores. Ainda há poucos dias, discutimos aqui uma iniciativa legislativa relativa às salas dos casinos e existe legislação específica relativamente a determinados segmentos de actividade, como as bombas de gasolina, os bancos ou supermercados, para além da regulamentação específica para os recintos desportivos e, em concreto, para a situação específica do EURO 2004, que está em curso. Portanto, há vária legislação especial relativa à videovigilância, mas não há um enquadramento genérico desta matéria, para além dos princípios constitucionais que, obviamente, são directamente aplicáveis.
Portanto, tem pertinência discutir esta matéria, tem pertinência a iniciativa legislativa que é apresentada. E nesta fase dos elogios à iniciativa legislativa, diria mais: são tomados alguns cuidados, designadamente quanto aos mecanismos de autorização e quanto à participação obrigatória e vinculativa por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Há uma série de princípios que são bem equacionados, designadamente quanto à adequação e quanto à proporcionalidade das medidas propostas, e, portanto, quanto a essa matéria, diremos que foi posto algum cuidado nesta iniciativa legislativa que nos merece essa consideração.
Posto isto, direi que, embora esta matéria nos suscite algumas preocupações e embora eu me proponha agora enunciar alguns aspectos que, do nosso ponto de vista, devem merecer cuidada ponderação, não significa que haja da nossa parte um juízo desfavorável ou negativo relativamente a esta iniciativa legislativa. Trata-se, tão-só, de manifestar preocupações e alguma problematização em torno desta questão, porque, de facto, como já disse, é pertinente regular esta matéria da videovigilância.
Quais são as preocupações que temos? Temos alguma preocupação relativamente à latitude, porventura excessiva, que consente a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do projecto de lei apresentado. É que o n.º 1 do artigo 2.º refere que só poderá ser autorizada a utilização de videovigilância que vise um dos seguintes fins: "a) Protecção de edifícios e instalações públicos e respectivos acessos;" - o que não nos oferece objecções de maior - "b); Protecção de instalações com interesse para a defesa nacional;" - o que também não nos oferece objecções de maior - "c) Protecção da segurança das pessoas e bens, públicos ou privados, e prevenção da prática de crimes;" - e aqui, sim, temos uma malha muito ampla, que pode levar, porventura, a uma generalização do recurso à videovigilância, susceptível de sacrificar outros direitos, que, aliás, são referidos no preâmbulo da iniciativa legislativa como direitos que devem ser salvaguardados. Portanto, podemos caminhar neste caso para uma tentação excessiva para a utilização indiscriminada da videovigilância, porque, obviamente, as forças de segurança sentirão a necessidade de corresponder cada vez mais à necessidade de salvaguarda da protecção de pessoas e bens e poderá haver uma tendência excessiva para usar e abusar da videovigilância, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º. Talvez fosse de fechar um pouco mais esta malha e não ser tão permissivo nesta matéria.
Por outro lado, uma questão já aqui suscitada é a da participação das autarquias locais - nós diríamos mais: da participação das próprias populações. Isto é, o esquema que está previsto na iniciativa legislativa em discussão é o de que os responsáveis máximos das forças de segurança, o Comandante Geral da GNR ou o Director Nacional da PSP, conforme os casos, solicitam ao Ministro da Administração Interna autorização para instalar um sistema de videovigilância, havendo um parecer obrigatório e vinculativo da CNPD.
A questão que se nos coloca é a de saber se é legítimo instalar um sistema de videovigilância, por exemplo, em qualquer parte de uma qualquer cidade sem que a autarquia e a população respectivas sejam minimamente envolvidas nesse processo de decisão. Parece que isso não é muito adequado e poder-se-ia prever não apenas um processo obrigatório de intervenção das autarquias locais respectivas, que, do nosso ponto de vista, devem ter algo a dizer, mas também, inclusivamente, um processo dotado de adequada publicidade que permitisse aos cidadãos residentes nas zonas atingidas pela videovigilância colocarem publicamente eventuais objecções que tenham. Creio que este mecanismo permitiria dotar este processo de instalação de sistemas de videovigilância de uma transparência e de uma participação das populações muito saudável, tendo em conta a especial complexidade e o especial melindre do meio que se pretende envolver.
Por outro lado, há aspectos relacionados com os direitos das pessoas envolvidas. Nesta iniciativa legislativa, há um artigo sobre os direitos dos interessados, que diz, no n.º 1, que "São assegurados, a todas as pessoas que figurem em gravações obtidas de acordo com a presente lei, os direitos de acesso e eliminação, salvo o disposto no número seguinte." E o número seguinte permite que o exercício desses direitos possa ser negado, "quando o seu exercício seja susceptível de constituir perigo para a defesa do Estado ou para a segurança pública (…)." Ora bem, neste caso deveria haver alguma salvaguarda, uma vez que esta redacção pode permitir perfeitamente que, ao abrigo desta disposição vaga da defesa da segurança pública, os direitos previstos neste artigo sejam sistematicamente negados.

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Portanto, tem de encontrar-se uma forma adequada para que o cidadão que pretenda exercer os seus direitos ao abrigo do artigo 10.º não veja sistematicamente negado, por mais uma expressão tabeliónica de defesa da segurança pública, esse seu direito. Tem, pois, de encontrar-se uma forma adequada de recurso de uma decisão que negue o exercício dos direitos previstos neste artigo 10.º.
Finalmente, uma outra questão que se nos afigura problemática. No artigo 7.º desta proposta de lei, diz-se - e bem! - que "É vedada a utilização de câmaras de vídeo para a captação de imagens e de sons no interior de casa ou edifício habitado ou sua dependência,…" - e até aqui tudo bem, parece-nos óbvio. Só que a mesma disposição diz mais adiante: "… salvo consentimento dos proprietários ou autorização judicial." - e aqui surgem as nossas dúvidas. Em princípio, não nos parece que faça grande sentido pedir autorização do proprietário para instalar um sistema de videovigilância dirigido para o interior da sua casa, não estamos a ver qual é a operatividade desta possibilidade ou como é que isto pode funcionar. Mas também se nos afigura problemático que se diga que mediante autorização judicial é possível instalar um sistema de videovigilância dirigido para o interior da casa de um cidadão, porque não encontramos na nossa legislação processual penal esta possibilidade.
Sabemos que há a lei especial de combate à corrupção, que já aqui foi referida, que permite a utilização da videovigilância por parte da Polícia Judiciária, mas trata-se de uma lei especialíssima, para uma matéria especialíssima, cuja investigação se reveste de especial complexidade, sendo um exclusivo da Polícia Judiciária, a exercer nos termos nela estritamente previstos.
Ora, não é disso que estamos a falar. Estamos a falar, sim, da possibilidade de a GNR ou de a PSP virem a solicitar a um juiz que autorize a instalação de um sistema de videovigilância para o interior da casa de um qualquer cidadão, por um qualquer fundamento relacionado com a segurança pública.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O que nos parece é que não há, neste momento, cobertura bastante, em termos constitucionais e em termos da nossa legislação penal, que permita que semelhante coisa possa ser feita, e há aqui uma inovação que pensamos ser muito problemática.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Acompanhamos esta iniciativa legislativa, que visa enquadrar legalmente a utilização de meios de videovigilância por parte das forças de segurança.
Como já foi sobejamente salientado, esta iniciativa vem colmatar uma lacuna legislativa, portanto, encaminha-se para repor e garantir direitos originários dos cidadãos que neste momento não estão a ser salvaguardados e vem no sentido de reforçar os direitos fundamentais individuais dos cidadãos.
É, por isso, uma iniciativa positiva, que enaltecemos. De resto, resulta de um apelo da Comissão Nacional de Protecção de Dados para que esta matéria fosse regulada.
Sem prejuízo das questões que, em sede de especialidade, devem ser aperfeiçoadas (e já foram aventadas algumas delas), damos concordância genérica, não deixando de levantar um problema, que não será um problema nesta sede legislativa mas mais geral. E o problema é sempre o do Big Brother, o problema é sempre o da vigilância dos cidadãos, o problema é sempre o de poder violar ou exorbitar a garantia dos direitos pessoais.
Em relação a esta questão, cremos que há ainda um debate a fazer, sem prejuízo do que aqui já foi sugerido e que a própria experiência vai demonstrando ser necessário, que é um enquadramento legal geral de todas as actividades de videovigilância, o qual parece ser reclamado pela experiência da nossa vida moderna e pelos problemas sociais que ela acarreta.
Penso, no entanto que a questão não estará tanto, neste momento, nesta sede legislativa mas, sim, nas orientações de prevenção criminal, isto é, nas orientações às forças de segurança para determinar que não haja abuso e proliferação desproporcionada de meios de videovigilância em locais públicos. Portanto, esta questão tem mais a ver com a orientação política do que com o ordenamento jurídico. E esse é um debate que está ainda por fazer, o que não nos tranquiliza quanto a uma proliferação desproporcionada de meios de vigilância e daquilo que genericamente se convencionou chamar o Big Brother.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Parece-nos adequado o regime que obriga a um parecer vinculativo e obrigatório da Comissão Nacional de Protecção de Dados e, neste momento, corroboraria o apelo que fez o Sr. Deputado José Magalhães de que, estando ao mesmo tempo a decorrer um processo legislativo

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que tem a ver com o regime de funcionamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados - a cada momento que se legifera por aqui vamos descobrindo que a Comissão Nacional de Protecção de Dados tem incumbências acrescidas -, seria da máxima importância uma reponderação da estrutura dos meios, da condição de efectividade e de eficácia da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Esta iniciativa legislativa, que colhe consenso na generalidade, sem prejuízo de aperfeiçoamentos, também vai relevar para uma visão mais exigente sobre as condições de funcionamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados, designadamente do seu regime de pessoal. Trata-se de uma questão candente, porque, como se disse também, as características, a especificidade da Comissão Nacional de Protecção de Dados não são as de um outro organismo que tenha um regime de funcionamento "normal", há aqui uma obrigatoriedade de funcionamento a todo o tempo e um acréscimo de participação desta entidade reguladora que não se compadece com a exiguidade de meios que vem defrontando.
Nestes termos, Sr. Presidente, apoiaremos esta iniciativa legislativa e fazemos votos para que, em sede de especialidade, ela possa vir a ser melhorada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS-Partido Popular optou por escolher para seu agendamento potestativo um diploma que, em nosso entendimento, tem oportunidade política. E tem oportunidade política, desde logo, porque nos remete para uma questão que, goste-se ou não, é cada vez mais omnipresente na nossa sociedade e que, no fundo, de algum modo, determina que os cidadãos sejam vigiados, filmados, "fichados", devassados, em nome da segurança.
Dizemos que consideramos este diploma oportuno politicamente, porque, em nosso entendimento, existe a necessidade de disciplinar estas matérias, a necessidade de estabelecer os parâmetros legais dentro dos quais esta actividade é feita, neste caso, em locais públicos, pelas forças e serviços de segurança. Esta é a nossa opinião, mas é também a opinião da Comissão Nacional da Protecção de Dados, que repetidamente tem lançado o apelo aos grupos parlamentares para que esta matéria seja objecto de legislação que permita colmatar as lacunas que existem hoje na lei, de forma a sistematizar e melhor balizar as regras por que se deve pautar a utilização das novas tecnologias sempre que o interesse da segurança está em causa.
Por isso, para Os Verdes, esta iniciativa legislativa é globalmente positiva, bem como o objectivo que ela se propõe, isto é, conciliar e harmonizar o direito à segurança, como um direito fundamental, com outro direito também passível de protecção jurídica, que é o direito à privacidade, o direito à vida privada, e os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
Não obstante aquilo que globalmente é positivo na iniciativa legislativa do CDS-Partido Popular, e portanto razão para que na generalidade apoiemos este diploma, pensamos que algumas questões devem ser ponderadas em sede de especialidade.
Sabemos - esta questão já foi suscitada no debate ocorrido ontem na 1.ª Comissão - que tem havido a tentação, por vezes excessiva, em nossa opinião, de o Estado se desresponsabilizar em relação a domínios que são essenciais, fazendo uma utilização exagerada de vídeos. É o caso da substituição de guardas florestais em parques naturais por sistemas de videovigilância, que foi uma questão controversa - desde logo, em relação ao Parque Natural da Arrábida - e esteve na origem de um conflito que veio a determinar a necessidade de abandono de funções por parte do director desse parque.
Em nosso entendimento - e esta questão foi já de algum modo abordada na intervenção do Sr. Deputado José Magalhães -, a utilização de câmaras de vídeo, que é necessária sempre que se coloca em risco a segurança dos cidadãos, deve ser feita com adequação, com proporcionalidade, com idoneidade, e deve ser uma intervenção mínima, considerando o valor máximo que está em causa, que é o da segurança, mas não pervertendo essa utilização, ou seja, não fazendo dela um substituto da presença humana, quando esta é, ela própria, insubstituível.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque é da discussão na generalidade que se trata, diremos que votaremos favoravelmente este diploma. Essa posição significa que queremos que se discipline uma área em relação à qual as omissões são grandes, para que, na medida do possível, se procure limitar a utilização indevida de câmaras de vídeo sempre que a segurança esteja em causa.
Pensamos - esta, pelo menos, é a perspectiva de Os Verdes - que o envolvimento dos municípios, embora sendo positivo, deve ser balizado, porque estamos a falar de domínios de enorme sensibilidade, de domínios que interferem com direitos, liberdades e garantias fundamentais, em relação aos quais o bom senso tem de ser grande. E, se o envolvimento dos cidadãos e o parecer dos municípios é favorável, é nosso entendimento que não deve ficar exclusivamente nas mãos dos municípios o poder de decidir sobre uma matéria tão sensível quanto esta.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, havendo só mais um orador inscrito neste debate, chamo a atenção de todos os grupos parlamentares para o início do período regimental de votações imediatamente a seguir.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a maior brevidade, e em jeito de conclusão, direi que raras são as vezes em que uma iniciativa parlamentar consegue tão amplo consenso. Importa, por isso, registar este facto e, até mais do que isto, saudá-lo.
Hoje preocupamo-nos aqui em legislar sobre uma matéria que, dizendo respeito a todos nós, diz também respeito à actuação das forças de segurança. E, em boa verdade, nada é mais frustrante para quem tem o dever de investigar e de garantir a defesa dos cidadãos e do seu património do que saber que determinados delinquentes operam de determinada forma e que determinados factos ocorreram, mas que, apesar disso, uma vez em juízo, não conseguem fazer a demonstração disso, precisamente porque não possuem material probatório que o permita.
Não raras vezes são até os próprios cidadãos que se insurgem contra a facilidade com que, uma vez detidos determinados delinquentes, verificam a sua libertação em juízo, precisamente por essa deficiência probatória.
Por isso, aqui fica feito este registo relativamente a este consenso alargado e também a saudação relativamente ao contributo que julgo que todos podemos dar no trabalho que esta lei permitirá.
Quero também afirmar que, certamente, em sede de especialidade, muitas das questões que aqui foram suscitadas por todas as bancadas serão por nós, com toda a boa fé, consideradas para efeitos de benfeitoria do diploma, porque com elas concordamos. Em relação a algumas delas, o líder do meu grupo parlamentar já manifestou concordância e outras, certamente, serão objecto de um trabalho mais apurado em sede de especialidade.
Assim sendo, e registando este facto, quero saudar o Parlamento pela aprovação da iniciativa.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 464/IX (CDS-PP).
Chegada a hora regimental das votações, vamos proceder, antes de mais, à verificação do quórum, como manda o Regimento, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 169 presenças, pelo que temos mais do que quórum suficiente para proceder às votações.
Os Srs. Deputados que, porventura, não tenham consigo o respectivo cartão devem assinalar a sua presença à Mesa.
Vamos começar por apreciar os votos n.os 186/IX - De protesto pelas declarações do Ministro da Saúde sobre as quotas masculinas para os cursos de Medicina (PS) e 188/IX - Sobre a participação da mulher na actividade profissional e política (PSD e CDS-PP).
Como versam sobre assuntos coincidentes, vão ser apreciados em conjunto, dispondo cada grupo parlamentar de 2 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, em relação ao voto subscrito pelo PSD e CDS-PP, e a título de interpelação à Mesa, quero dizer que ele não vem classificado, não se sabendo se o voto é de protesto, se é de saudação ou se é de pesar.
Portanto, Sr. Presidente, agradeço que V. Ex.ª indague junto dos subscritores qual o tipo de voto que temos em discussão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quando algum dos subscritores usar da palavra, com certeza que irá esclarecer esse aspecto.
Tem a palavra para se pronunciar sobre os votos em discussão.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, então fica ao meu critério?

O Sr. Presidente: - Exactamente.

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O Orador: - Sr. Presidente, não me parece o mais correcto do ponto de vista procedimental, mas assim será.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em plena campanha eleitoral para as eleições europeias, o País foi surpreendido pelas declarações do Sr. Ministro da Saúde a propósito da necessidade de quotas masculinas para os cursos de Medicina.
Como é possível um membro do Governo dizer, sem que nada aconteça, que as mulheres estão menos disponíveis para uma profissão que requer 24 sobre 24 horas, porque têm responsabilidades domésticas e familiares?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exemplar!

O Orador: - Como é possível a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças afirmar que o seu colega de Governo tem "a visão das mulheres do fogão", sem que nada aconteça?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem dito!

O Orador: - Como é possível que tenha passado tanto tempo sem que o Governo, o Sr. Primeiro-Ministro e o próprio Ministro da Saúde tenham corrigido estas mesmas afirmações?!
O que pensará o Sr. Ministro da Saúde em relação às enfermeiras e às auxiliares de saúde, para além de muitas outras profissões, como é evidente?!
Mas o problema destas afirmações é que o Sr. Ministro apenas demonstrou e verbalizou aquilo que é um pensamento seu, profundo, mas que, infelizmente, não é só seu, é de todo o Governo.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Não!

Protestos do PSD.

O Orador: - Recordo também que, nas eleições para o Parlamento Europeu, entre os nove eleitos, a coligação apenas elegeu uma mulher para eurodeputada.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Também em matérias como o Código do Trabalho e a sua regulamentação, a Lei de Bases da Educação, etc., fica evidente a marca do retrocesso em relação à igualdade entre géneros por parte da maioria,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … que não tem, sequer, qualquer tipo de instrumento interno ou público para contrariar alguma tendência existente, nomeadamente em termos de lugares de topo e nos de representação pública e política.
Sr. Presidente, a este propósito, V. Ex.ª também é aqui chamado, porque na Assembleia da República se pôs a hipótese, havendo um espaço livre, de se construir um ginásio para os homens ou uma creche para as mulheres, tendo a maioria aprovado a creche para as mulheres.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, que fique claro: uma creche que possa haver na Assembleia não é para as mulheres, é para os filhos e filhas…

O Sr. Presidente: - Com certeza, é para as crianças.
O seu tempo esgotou-se, Sr. Deputado. Queira concluir.

O Orador: - É para os filhos e filhas dos homens e das mulheres que trabalham nesta Casa.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - É óbvio que, se existisse, o ginásio também seria aberto às mulheres.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou certa de que se o Sr. Deputado Afonso Candal ler cuidadosamente o nosso voto conseguirá compreender exactamente o seu respectivo alcance.
Em primeiro lugar, em relação às quotas de mulheres para entrada nos cursos de Medicina, é evidente que não faria a mais pequena espécie de sentido pôr em causa aquilo que, felizmente, tem sido a correcção de uma grande injustiça histórica contra as mulheres.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Não seria, pois, possível haver quotas em relação à entrada nos cursos de Medicina porque tal vai contra o artigo 4.º da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, que é lei em Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Tal seria injusto, seria mesmo um disparate, e nós, a maioria, nunca autorizaríamos que acontecesse.
Mas a questão mais importante não é essa, mas sim a que se relaciona com o que foi dito e associado (mal associado) a essa: trata-se da questão muitíssimo séria da conciliação das responsabilidades familiares com as profissionais, de que legiões de mulheres em todo o mundo, e muitas mulheres dentro desta Casa, são vítimas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quero aqui deixar claro que repudiamos todas as sugestões de tornar os preconceitos em doutrinas. Repudiamos todas as hipóteses de que a dupla tarefa se possa converter numa bandeira contra os direitos das mulheres.
E não reconhecemos aos Deputados do Partido Socialista autoridade para dizerem que eles estão certos e que nós estamos errados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

A Oradora: - Infelizmente, no que diz respeito ao real poder das mulheres, nenhuma força política tem autoridade para pensar que, de facto, resolveu, por si, qualquer um destes problemas.
E a quem referiu que o problema da conciliação possa sugerir voltar para trás, naquilo que é a correcção de injustiças históricas, quero lembrar que aquilo que o voto refere foi dito na frente da Dr.ª Manuela Ferreira Leite, que, por acaso, é Ministra de Estado e das Finanças; que, por acaso, é a segunda figura do Governo; que, por acaso, é a única mulher Ministra das Finanças em toda a União Europeia;…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… que, por acaso, tem um percurso pessoal de dificuldade de conciliação que, seguramente, merece o respeito de todos nós; que, por acaso, personifica, por ela, como é errada a ideia de que esta maioria possa entender que o "fogão" é o limite que se deve deixar a qualquer mulher que se preze.
A Dr.ª Manuela Ferreira Leite teve e tem autoridade pessoal e política para ter posto os pontos nos ii, como pôs.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.

A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tendo sido inegável,

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nos últimos anos, a evolução verificada ao nível do acesso das mulheres a cursos superiores, o certo é que, na generalidade dos cursos, as mulheres têm dado provas da sua capacidade. As estatísticas mostram claramente que hoje há mais jovens do sexo feminino detentoras de cursos superiores do que do sexo masculino, o que também é uma realidade nos cursos de Medicina, o que provavelmente terá motivado as declarações do Sr. Ministro da Saúde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por mérito próprio e pela sua determinação, as mulheres têm, assim, conseguido demonstrar competência para acesso a qualquer profissão ou a qualquer cargo ou posição na nossa sociedade.
No entanto, e apesar da evolução havida e de a nossa legislação prever a igualdade dos direitos e deveres entre homens e mulheres, o certo é que ainda há os factos. E os factos demonstram claramente que a realidade é ainda bem diferente, infelizmente, e que a sociedade portuguesa, essencialmente, ainda se vem suportando na classe masculina no que diz respeito a cargos de responsabilidade e a cargos de chefia.
Por isso, forçosamente, as mulheres têm tido que demonstrar serem duplamente capazes de conciliar as suas responsabilidades familiares com as profissionais. É por isso que, através deste voto, repudiamos que os problemas ainda existentes na nossa sociedade de conciliação entre as responsabilidades familiares e as profissionais possam pôr em causa o acesso das mulheres a qualquer formação ou cargo para o qual sintam ter aptidão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Congratulamo-nos, pois, com a palavra oportuna da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, ao tornar claro ser impensável para o Governo qualquer retrocesso no reconhecimento do direito de participação social das mulheres a qualquer nível.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, já todos conhecemos a frase espantosa que foi proferida pelo Sr. Ministro da Saúde durante a campanha eleitoral. Quero apenas relembrar que essa frase tem um nome e um rosto: o do Ministro da Saúde.
Gostaria de perguntar ao sempre surpreendente Ministro se considera que as mulheres que trabalham na área da saúde são menos competentes que os seus colegas homens ou se gosta apenas de dizer o que lhe vem à cabeça.
Será que o Ministro também não quererá quotas de homens nas equipas de limpeza dos hospitais, das escolas e das empresas? Não será que sente, neste sector, a falta de uma maior presença masculina? Ou será que, tratando-se de "ofício da esfregona", entende que as mulheres estarão no seu habitat natural?
E, sobretudo, o que é que faz o Sr. Ministro pensar que as responsabilidades familiares têm de recair apenas sobre as mulheres? Será que o Sr. Ministro nunca ouviu falar da divisão das tarefas domésticas, que é um código genético da modernidade?
As declarações do Ministro da Saúde são reveladoras de um imenso retrocesso civilizacional, demonstram que há pessoas com responsabilidades políticas que defendem, e não sentem vergonha em dizê-lo, a limitação do acesso das mulheres a profissões qualificadas, até agora dominadas por lobbies masculinos. Deste modo, é fundamental para nós que o Sr. Ministro da Saúde se retrate e que o Primeiro-Ministro se pronuncie publicamente sobre estas mesmas declarações.
Acompanhamos, pois, o voto que o Partido Socialista propôs há uma semana. Mas valeu a pena esperar uma semana para ler o voto que a maioria agora propõe e que, sem dúvida alguma, votaremos favoravelmente. Não podíamos deixar de concordar com a violenta crítica que é feita ao Ministro da Saúde através da referência elogiosa ao "puxão de orelhas" que lhe deu, em público, a Ministra de Estado e das Finanças.
Só que aquela frase tem um autor, que é um ministro do Governo de Durão Barroso.
Só ficamos à espera que desta crítica pública, feita aqui, num órgão de soberania, sejam retiradas as devidas consequências políticas.

Aplausos do BE.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, há uma personagem que paira por detrás do voto do PSD e do CDS-PP. Mas, infelizmente, não se atreveram a juntar à congratulação pelas afirmações da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças o repúdio pelas afirmações do Sr. Ministro da Saúde.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Isto quer dizer alguma coisa. Trata-se de um voto envergonhado, porque tem de ser, porque o escândalo é demasiado.
O País ficou verdadeiramente espantado com o retomar de algumas concepções, entre as quais, até, as diferenças biológicas entre homens e mulheres, explicando vocações para isto ou para aquilo, o que representa deixar invadir a biologia pela ideologia, uma ideologia retrógrada. Isto, aliás, está na base de todos os racismos!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Acontece que também no voto se fala muito em conciliação entre vida familiar e vida profissional, mas não há uma palavra, bem pelo contrário parece que a sociedade é, só ela, a culpada pelas discriminações de que as mulheres são alvo, é, só ela, a culpada porque as mulheres não procuram o curso de engenharia e não há culpas da parte de quem conduz as políticas económicas e sociais.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - E não podem dizer que, pelo facto de a conciliação estar nas leis, têm desenvolvido a política que leva à conciliação e à partilha de tarefas, bem pelo contrário há um exemplo acabado no Código do Trabalho e na Regulamentação do Código do Trabalho! Expliquem-me como é que a desorganização do horário de trabalho, com semanas de 60 ou 50 horas, pode conduzir a essa partilha!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, esgotou-se o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Portanto, o voto apresentado pelo PSD é, de facto, um voto tímido,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito tímido!

A Oradora: - … um voto para darem a entender que estão a fazer alguma coisa quando não estão.
As declarações do Sr. Ministro da Saúde foram bem claras e bem evidentes.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha esgotou-se.

A Oradora: - Os senhores não querem conduzir as políticas económicas e sociais por uma via ideológica que levará à igualdade entre mulheres e homens.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Infelizmente, na veemência das palavras do Partido Social Democrata só encontrámos meias verdades, porque, efectivamente, este voto é suscitado por um episódio infeliz mas que não foi protagonizado por nenhum anónimo, foi protagonizado por alguém que tem responsabilidades neste País, foi protagonizado por alguém que tem responsabilidades públicas, foi protagonizado por alguém que integra o Governo da maioria.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

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A Oradora: - E foi esse alguém que disse o que disse, que disse aquilo que a Sr.ª Deputada Leonor Beleza assume, e muito bem, que viola convenções internacionais, aquilo que a Sr.ª Deputada assume, e muito bem, que viola o texto constitucional, aquilo que a Sr.ª Deputada, embora não o diga, sabe que é uma vergonha.
Penso que não respeita a reposição do dano provocado saudar exclusivamente a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças. A Sr.ª Ministra disse aquilo que julgo que ninguém poderia silenciar mas não valida, seguramente, o silêncio de alguém que teve o comportamento que teve e que, com esse mesmo comportamento, veicula e tem responsabilidades numa cultura de desigualdade que tem mantido uma diferença na partilha de papéis no espaço privado e a impossibilidade de conciliação do direito das mulheres a uma actividade cívica, política, profissional com a partilha, simultânea, dos deveres de maternidade e paternidade.
O que este voto envergonhado diz não é tudo, porque o que ele esconde é aquilo que uma parte da bancada da maioria tem dito e que assumiu, aquando da discussão do Código do Trabalho, ao dizer que as questões de género não foram consideradas, porque é essa a tradição, como se a tradição feita de desigualdade, feita de violação de direitos humanos fosse aceitável no nosso País.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, esgotou-se o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Em nosso entendimento, não é aceitável, é uma vergonha e pensamos que este voto, ele próprio, é também uma maneira envergonhada de dizer a verdade sobre uma questão que é demasiado importante para que possa ser tratada desta forma.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, vamos dar início às votações, começando pelo voto n.º 186/IX - De protesto pelas declarações do Ministro da Saúde sobre as quotas masculinas para os cursos de Medicina (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Era o seguinte:

Voto n.º 186/IX
De protesto pelas declarações do Ministro da Saúde sobre as quotas masculinas para os cursos de Medicina

Em plena campanha eleitoral para as eleições europeias o País foi surpreendido pelas declarações do Sr. Ministro da Saúde a propósito da necessidade de quotas masculinas para os cursos de Medicina.
Para além de ser estranho que se coloque a questão quando as mulheres representam 45% dos médicos, os motivos invocados pelo Sr. Ministro para a defesa das quotas masculinas envergonham-nos a todos. Ou, pelo menos, envergonham-nos a todos à excepção dos membros do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro!
Como é possível um membro do Governo dizer, sem que nada aconteça, que as mulheres estão menos disponíveis para uma profissão que requer 24/24 horas, porque têm responsabilidades domésticas e familiares? Como é possível que a Sr.ª Ministra das Finanças afirme que o seu colega de Governo tem a "visão das mulheres no fogão" sem que nada aconteça? Como é possível que tenha passado tanto tempo sem que o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro tenham "corrigido" as afirmações do Sr. Ministro da Saúde?
O problema destas afirmações não está apenas no Sr. Ministro da Saúde. O problema destas afirmações é que são mais um exemplo de uma das marcas governativas da coligação: a visão de uma sociedade em que as mulheres assumem o papel principal no espaço doméstico e familiar e os homens assumem o papel principal no espaço público e profissional. Esta perspectiva de sociedade aprofunda a desigualdade entre as mulheres e os homens. E o preço dessa desigualdade é um preço que o Portugal europeu, moderno e desenvolvido não pode pagar!
O Código do Trabalho, a Regulamentação do Código do Trabalho, a Lei de Bases da Educação são apenas alguns dos mais claros exemplos da marca governativa da coligação em matéria de igualdade entre mulheres e homens: a marca do retrocesso!

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Tudo fica ainda mais claro se recordarmos que em nove eurodeputados eleitos pela coligação governamental para o Parlamento Europeu no passado domingo há apenas uma eurodeputada!
Nestes termos, e invocando o cumprimento e o respeito pelos artigos 13.º, 36.º e 68.º da Constituição da República, a Assembleia da República protesta e condena as afirmações do Sr. Ministro da Saúde e apela ao Governo, em particular ao Sr. Primeiro-Ministro, para que se pronuncie publicamente sobre as mesmas.

O Sr. Presidente: - Passamos à votação do voto n.º 188/IX - Sobre a participação da mulher na actividade profissional e política (PSD e CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP e do BE e abstenções do PS, do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Voto n.º 188/IX
Participação da mulher na actividade profissional e política

Foi recentemente levantada a hipótese de, nos cursos de Medicina, ser introduzido um sistema de quotas que evitasse um alegado desequilíbrio crescente "a favor" das mulheres na entrada nos cursos e no exercício da medicina.
Infelizmente, a questão surgiu colocada num quadro e nuns termos errados, sobretudo quando foi associada à questão da chamada "dupla tarefa" das mulheres.
Temos vindo a assistir, na generalidade dos cursos superiores, ao facto de que, em competição livre e igualitária, as raparigas e as mulheres têm dado tais provas de capacidade que, hoje, de entre os jovens diplomados com cursos superiores, há uma maioria do sexo feminino.
Mas, simultaneamente, continuam, não só mas também em Medicina, a estar as mulheres incompreensivelmente ausentes dos cargos de chefia, revelando-se um quadro semi-tradicional em que, a uma larga base razoavelmente feminizada, se sobrepõe uma cúpula quase totalmente masculina.
É um retrato, em muitos sectores, comum na sociedade portuguesa.
Entre nós ninguém discute que as mulheres possam ter acesso a qualquer profissão, a qualquer posição ou a qualquer cargo.
Mas continua a não se considerar indispensável que as mulheres exerçam efectivamente cargos de grande relevo.
Continua a não se praticar na sociedade, e nas suas concepções, uma verdadeira partilha de responsabilidades entre as mulheres e os homens.
Continua a não se sentir a necessidade de garantir aos cidadãos e às cidadãs a possibilidade de conciliarem as várias componentes da vida de cada uma e de cada um, nomeadamente a familiar e a profissional.
E, assim, num quadro já de grande qualificação relativa das mulheres, sobretudo das mais jovens, e também de elevada participação profissional, mantém-se uma situação em que os lugares mais visíveis, e nomeadamente os de chefia ou de representação política, estão desproporcionadamente entregues a homens.
E exigem-se, em todos os níveis, esforços sobre-humanos às mulheres.
É a conciliação entre as responsabilidades familiares e as profissionais e cívicas que tem de conhecer uma revolução, nas concepções e nas práticas. É a sociedade em globo que é vítima, com as crianças à frente, se não se encontram soluções que permitam a cada pessoa harmonizar os seus espaços de vida, em escolha livre e responsável.
Seria absolutamente inaceitável que esta ainda incapacidade de resposta da sociedade fosse utilizada para prejudicar - mais ainda - o acesso das mulheres a qualquer formação, profissão ou patamar de intervenção.
Nestes termos, a Assembleia da República delibera:
1 - Repudiar qualquer sugestão no sentido de que os difíceis problemas da conciliação entre as responsabilidades familiares e profissionais possam pôr em causa o acesso das mulheres a qualquer formação, profissão ou cargo;
2 - Reconhecer o esforço tantas vezes desproporcionado que multidões de mulheres têm dedicado a conseguirem assumir simultaneamente todos os pesos que a sociedade ainda deposita sobre as suas costas;
3 - Incitar veementemente todos os actores sociais e políticos a adoptar como valores e práticas a

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conciliação entre as responsabilidades de cada pessoa, sem preconceitos de qualquer ordem, que limitem as escolhas e as opções de cada mulher e de cada homem;
4 - Congratular-se com a palavra oportuna e apoiar a posição expressa pela Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças ao tornar claro que condena qualquer concepção de partilha tradicional de funções entre as pessoas pelo facto do seu sexo e que é impensável para o Governo qualquer retrocesso no reconhecimento do direito de participação social das mulheres, a qualquer nível.

O Sr. Presidente: - Vamos, agora, votar o projecto de resolução n.º 262/IX - Recomenda ao Governo o aumento intercalar do salário mínimo nacional (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Artur Penedos, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, para informar a Câmara de que o Partido Socialista apresentará na Mesa uma declaração de voto por escrito relativamente a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado. Tem três dias para fazer chegar à Mesa essa declaração de voto.
Passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 123/IX - Define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados e dos solicitadores e tipifica o crime de procuradoria ilícita.
Previamente à votação deste diploma, anoto que deu entrada na Mesa um conjunto de declarações de diversos membros do Parlamento que exercem, profissionalmente, a actividade de advogados e que, de acordo com o artigo 27.º do Estatuto dos Deputados, estas declarações serão arquivadas.
Vamos, então, votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 123/IX.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, a proposta de lei baixa à 1.ª Comissão, para apreciação na especialidade.
Seguidamente, vamos votar, também na generalidade, a proposta de lei n.º 127/IX - Estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do BE.

Srs. Deputados, esta iniciativa baixa, igualmente, à 1.ª Comissão, para apreciação na especialidade.
Vamos, agora, votar, ainda na generalidade, o projecto de lei n.º 464/IX - Regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP e do BE e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, este diploma baixa também à 1.ª Comissão, para apreciação na especialidade.
Passamos à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, relativo à proposta de lei n.º 105/IX - Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência e ao projecto de lei n.º 407/IX - Estabelece as bases gerais da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para proferir declarações de voto sobre a última votação que acabámos de realizar, vamos apreciar e votar pareceres da Comissão de Ética que se encontram na Mesa para esse fim.

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Peço ao Sr. Secretário que nos dê conta dos referidos pareceres.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Funchal - Processo n.º 393/02.5TAFUN -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Vicente Jorge Silva (PS) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Ministério Público, 3.ª Secção do DIAP do Distrito Judicial de Coimbra - Processo n.º NUIPC 352/01.5TACBR 303 -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Rui Cunha (PS) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o parecer.

Pausa.

Visto não haver objecções, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, passamos, agora, às declarações de voto sobre a votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, relativo à proposta de lei n.º 105/IX - Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência e ao projecto de lei n.º 407/IX - Estabelece as bases gerais da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência (PS).
Para uma declaração de voto em nome do Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o Partido Socialista, a problemática em torno das pessoas com deficiência deve ser assumida como uma prioridade do Estado, já que nela se jogam os mecanismos da promoção da igualdade de oportunidades e da afirmação dos valores da solidariedade, da inserção e da inclusão social dessas pessoas.
Sempre entendemos a política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência como um dos eixos fundamentais das novas políticas sociais. Assim, apresentámos o projecto de lei n.º 407/IX, que actualiza e desenvolve os princípios e políticas públicas dirigidas às pessoas com deficiência, integrando soluções que concorrem de modo efectivo para o reforço das políticas e instrumentos que favoreçam a igualdade de oportunidades e promovam a inclusão dessas mesmas pessoas.
Por seu lado, o Governo apresentou a proposta de lei n.º 105/IX, que assenta numa filosofia de desresponsabilização do Estado e que encerra soluções normativas que ficam muito aquém do que seria desejável num quadro de revisão da actual lei de bases e que sugerem mesmo um retrocesso inaceitável.
Ao longo do debate na especialidade, ocorrido na Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais, ficou, desde o início, clara e inequívoca a intenção dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP em fazerem valer a maioria parlamentar, sem o debate amplo e profundo que se impunha fazer em torno das soluções e caminhos apontados por ambas as iniciativas legislativas, para aprovarem, com alguns retoques de maquilhagem, a proposta governamental.
A aprovação de uma nova lei de bases de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência, porque se trata de uma questão fundamental para a sociedade que deve situar-se acima de querelas partidárias, exige um esforço de consenso e de concertação que, mais uma vez, lamentavelmente, os partidos que sustentam o Governo rejeitaram liminarmente, impondo as suas soluções, que, no enquadramento dos Deputados socialistas, não favoreceram a promoção e o aprofundamento das

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políticas dirigidas às pessoas com deficiência.
Para o PS é fundamental que uma nova lei de bases seja capaz, nomeadamente, de: aprofundar os mecanismos de solidariedade e de coesão social; vincular o Estado a compromissos e orientações de política muito claros e rigorosos; definir com clareza o papel dos agentes da política, em particular do Estado; reconhecer, designadamente, a complementaridade do sector social e cooperativo num domínio onde têm forte presença; explicitar com rigor os conceitos adoptados, nomeadamente o conceito de organizações representativas das pessoas com deficiência; consagrar, por outro lado, a existência de um plano nacional integrado plurianual e planos plurianuais em todas as áreas sectoriais relevantes; prever um regime tutelar das pessoas com deficiência desprovidas de meio familiar.
A nenhum destes objectivos o Governo e os partidos que o suportam quiseram dar resposta.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

A Oradora: - Concluo de imediato, Sr. Presidente.
Neste contexto, não podem, pois, os Deputados do PS ter outro sentido de voto, no que respeita ao texto final relativo à proposta de lei e ao projecto de lei aprovado na Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais, que não seja a abstenção.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O texto final hoje votado não é mais do que a cópia fiel da iniciativa apresentada pelo Governo, pois ignora o projecto de lei apresentado pelo PS e as propostas apresentadas, na especialidade, pelo BE.
O texto em votação, tal como a proposta inicial do Governo, faz tábua rasa do quadro legislativo actualmente em vigor, representando um retrocesso a vários níveis: deixa cair a perspectiva de integração como um elemento fundamental de qualquer política dirigida às pessoas com deficiência, o que legitima a acção "guetizante" em qualquer área da vida da pessoa deficiente, e deixa cair princípios fundamentais para qualquer política de integração, como a igualdade de direitos ou mesmo a igualdade de oportunidades; escolhe estranhos princípios com um pendor estigmatizante, como é o caso da singularidade; tem subjacente a demissão do Estado na garantia do acesso da pessoa deficiente a direitos fundamentais, o que contraria o artigo 71.º da Constituição da República Portuguesa.
Se é possível identificar na lei, agora revogada, um claro compromisso do Estado, o mesmo já não acontece no texto final hoje aprovado. A única competência clara do Estado é a de coordenação e articulação das políticas, medidas e acções sectoriais, tendo apenas a responsabilidade de promover e celebrar protocolos com vista à criação de uma rede descentralizada de apoio de serviços e equipamentos sociais à pessoa com deficiência.
Faz todo o sentido salvaguardar uma perspectiva de cooperação com organizações não governamentais, mas esta não pode ser a desculpa para a demissão do Estado relativamente a uma função da qual depende uma boa parte da população.
Ao insistir também no auto-emprego, no teletrabalho, no trabalho a tempo parcial e no domicílio como formas privilegiadas de promoção do acesso ao emprego o Governo aposta, na verdade, nas medidas de ghetto. Ao invés de clarificar que a reabilitação, integração e reintegração profissional, a adaptação dos postos de trabalho e a formação qualificante são medidas verdadeiramente inclusivas insiste nas medidas de ghetto laboral e social, as que mais facilmente isolam e discriminam a pessoa com deficiência.
Esta é uma área social em que se verifica hoje um cansaço e desânimo bastante significativo devido à falta de investimento e de meios e à incapacidade de fazer aplicar a lei anterior.
A revisão da Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência só faria sentido se constituísse uma oportunidade para dar novo fôlego e dinamismo na prossecução de uma política que verdadeiramente apostasse na inclusão da pessoa com deficiência em todos os aspectos da vida na nossa sociedade e na garantia da igualdade de direitos.
Perdendo a oportunidade de ir mais longe na elaboração das bases gerais de uma política integradora da pessoa com deficiência, a maioria, num estilo que lhe é habitual, ignorou todas e quaisquer propostas apresentadas pelos partidos da oposição e insistiu na mediocridade dos conceitos, dos princípios e das perspectivas de acção.
Face a tudo isto, os Deputados do Bloco de Esquerda votaram contra este novo diploma.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A esquerda, sempre que se trata de políticas sociais, exibe neste Hemiciclo uma arrogância como se se tratasse de uma sua coutada.
É indisfarçável na forma como o PS e o BE se pronunciaram sobre esta matéria a desconsideração da natureza do trabalho feito em comissão. Sublinho aqui, por isso, que foi extremamente importante o trabalho em comissão, onde tivemos a audição de todas as associações representativas das pessoas com deficiência. E desafio os Srs. Deputados da esquerda a demonstrarem que o texto final não recolheu, no essencial, esses valiosos contributos, que os lídimos representantes das pessoas com deficiência na sociedade civil trouxeram, com o seu concurso, a este mesmo debate.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso VV. Ex.as omitiram, pudicamente, nas vossas intervenções, exactamente esse concurso das pessoas e das associações que, verdadeiramente, contam para que o resultado final do diploma seja de facto muito melhor. E nada melhor do que dar dois ou três exemplos, que constam neste diploma, que, finalmente, entrará em vigor. E entrará em vigor por insistência dos Deputados da maioria, já que os Deputados dos partidos de esquerda não queriam - a verdade seja dita - que ele fosse aprovado nesta Sessão Legislativa.

Vozes do PCP: - Essa agora!

O Orador: - Portanto, entrará em vigor, por insistência e pressão da nossa parte para que fosse concluído.
Mas vou dar dois exemplos.
Primeiro: quando a lei se refere a um comprometimento no quadro de políticas globais, transversais e integrais, no sentido de haver finalmente um plano nacional de acessibilidades que contemple uma obrigação de modernidade relativamente a tudo o que seja política de urbanismo e política de habitação, de considerar que o desenho de arquitectura e as soluções têm de ser completamente inclusivas e de ter em consideração as exigências particulares colocadas pelas pessoas com deficiência, VV. Ex.as não têm a hombridade de saudar isto como uma conquista fundamental de um direito que, até agora, não foi claramente assumido como responsabilidade da governação, quer neste momento, quer em momentos futuros.
Segundo: todo o ensino e toda a educação serão mesmo inclusivos. Há um compromisso nesta matéria, que é particularmente importante para a dignidade das pessoas com deficiência, para que, nos seus múltiplos problemas, se sintam cidadãos de corpo inteiro. Pois bem, educação e ensino, doravante, serão completamente inclusivos - e fica, assim, desfeita a dúvida. É que, por exemplo, o PS, nesta matéria, ficava-se por um termo nevoento, como era o de que o ensino e a educação teriam de ter uma perspectiva inclusiva.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, VV. Ex.as deveriam ter vergonha e assumir que o adjectivo "inclusivo" não deve ter qualquer referência desqualificante ou atenuadora.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, apesar das intervenções grandiloquentes do Sr. Deputado Patinha Antão, esta é a lei da desresponsabilização do Estado.
Esta é a lei em que o Estado se remete, na vontade do Governo, ao papel de celebrar protocolos com entidades e sem qualquer intervenção própria.
Esta é a lei que enumera um conjunto de princípios, nem todos correctos, em franca contradição com a prática deste Governo.
Esta é a lei que despreza e que desprezou a participação das organizações, cujos pareceres foram praticamente

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todos no sentido de oposição a esta lei,…

A Sr.ª Goreti Machado (PSD): - Isso não é verdade! Não diga o que não sabe!

O Orador: - … e isto está demonstrado por aquilo que foi recebido na Comissão e por aquilo que cada grupo parlamentar recebeu.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Aliás, esta lei teve um parecer do Conselho Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, com uma reunião convocada ilegalmente - não foi cumprido o prazo necessário para a sua convocação -, e, portanto, querendo dar o facto como consumado e aparecer aqui com uma consulta pública que não correspondeu à realidade.
Esta é uma lei cheia de conceitos vagos e inconsequentes, sem compromissos reais com a resolução dos problemas das pessoas com deficiência.
É uma lei que não teve impedimento algum para ser votada nesta Sessão Legislativa. Aliás, quem tem impedido, há mais de um ano (há quase um ano e meio), que a lei antidiscriminatória, sobre a qual há projectos de várias bancadas, seja votada, na especialidade, em Comissão é a maioria.

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

O Orador: - Este é o atraso que tem estado aqui presente.
É uma lei que continua, de uma forma perfeitamente arcaica e desactualizada, a ter por base a concepção de que o problema da deficiência está na pessoa que a tem e não na sociedade que não cria condições para que ela se integre plenamente.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Exactamente!

O Orador: - É uma lei da não inclusão - da não inclusão no trabalho, da não inclusão na escola, da não inclusão na sociedade.
É uma lei que dará corpo a uma política já em curso, que agravará não só a situação das pessoas com deficiência…

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … mas também a forma como o Estado português e a sociedade portuguesa tratam as pessoas com deficiência.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária será amanhã, pelas 10 horas e terá como ordem do dia a apreciação do Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro [apreciação parlamentar n.º 72/IX (PS)], do Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro [apreciação parlamentar n.º 74/IX (PS)], do Decreto-Lei n.º 27/2004, de 4 de Fevereiro [apreciação parlamentar n.º 75/IX (PS)], o debate, conjunto, das petições n.os 301/VI (4.ª), 20/IX (1.ª) e 53/IX (1.ª) e da petição n.º 61/VIII (2.ª) e um debate sobre a ajuda humanitária à Guiné-Bissau.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 45 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas:

À votação do projecto de resolução n.º 262/IX - Recomenda ao Governo o aumento intercalar do salário mínimo nacional (PCP)

Os Deputados do Partido Socialista votaram favoravelmente o projecto de resolução n.º 262/IX (PCP)

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que recomenda ao Governo a adopção de um aumento intercalar do salário mínimo nacional, por considerarem que esta medida de carácter excepcional encontra justificação no momento actual, nomeadamente como factor dinamizador da economia portuguesa e mecanismo de reforço da coesão social.
Mais especificadamente se dirá que:
Nos últimos sete anos do governo do Prof. Cavaco Silva, o salário mínimo nacional teve um acréscimo real de 15,37 euros, mais 4,7%, crescendo a taxa média anual de 0,7%;
Com os governos do Partido Socialista, o salário mínimo nacional teve um acréscimo real de 29,12 euros, mais 8,6%, crescendo a uma taxa média anual de 1,2%;
Com o actual Governo o salário mínimo nacional já decresceu em termos reais 0,8%, em 2003, e, caso se concretizem as previsões de inflação do Banco de Portugal, 2,5%, o aumento real do salário mínimo nacional será, para a generalidade dos trabalhadores, em 2004, nulo.
O Partido Socialista sempre defendeu e continua a defender a actualização justa, equitativa e adequada do salário mínimo nacional, de modo a compatibilizar um crescimento sustentável do poder de compra dos portugueses com o necessário desenvolvimento e equilíbrio das empresas.
A divergência no nosso salário mínimo nacional com os praticados nos restantes Estados-membros da União Europeia tem vindo nos últimos anos a acentuar-se, com enormes sacrifícios para os trabalhadores portugueses. O nosso salário mínimo nacional é o mais baixo da União Europeia a Quinze, sendo mesmo ultrapassado por alguns dos novos Estados-membros.
Por isso, entendemos que uma medida excepcional de correcção do salário mínimo nacional que garanta algum ganho em termos de poder de compra é socialmente justa, não distorce a posição concorrencial do nosso país e pode contribuir para dinamizar a nossa economia.
O Partido Socialista orgulha-se das políticas salariais que adoptou e orgulha-se, em particular, de ter contribuído para uma progressão francamente positiva do valor do salário mínimo nacional, aproximando-o dos valores médios praticados ao nível da União Europeia.
Assim e tendo em conta que os trabalhadores portugueses já viram, por dois anos consecutivos, afectado o seu poder real de compra, parece-nos haver condições para que o Governo possa ponderar, com carácter muito excepcional e em resultado do que atrás afirmámos, um aumento intercalar do salário mínimo nacional.
Os Deputados do PS, Artur Penedos - Rui Cunha - Rui Vieira - Ascenso Simões - Luísa Portugal - Vieira da Silva - José Junqueiro - Afonso Candal.

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À votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, relativo à proposta de lei n.º 105/IX - Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência e ao projecto de lei n.º 407/IX - Estabelece as bases gerais da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência (PS)

Os Deputados do Partido Socialista abstiveram-se na votação do texto final da proposta de lei n.º 105/IX e do projecto de lei n.º 407/IX (PS), que define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, aprovado na Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais, por considerarem que o mesmo não foi objecto de um amplo e profundo debate como se exigia face à importância da matéria em causa e porque encerra soluções normativas que enfraquecem a intervenção do Estado num domínio fundamental, representando, nessa medida, um retrocesso face à Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (Lei n.º 9/89, de 2 de Maio).
Para o Partido Socialista a problemática em torno das pessoas com deficiência deve ser assumida como uma prioridade do Estado, já que nela se jogam os mecanismos da promoção da igualdade de oportunidades e da afirmação dos valores da solidariedade, da inserção e da inclusão social das pessoas com deficiência.
Sempre entendemos a política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência como um dos eixos fundamentais das novas políticas sociais, que desempenham um papel imprescindível no plano da afirmação dos valores da solidariedade e da justiça social.
A Lei n.º 9/89, de 2 de Maio - Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, sempre o afirmámos, constituiu ao tempo da sua aprovação um importante instrumento de viragem na concepção e no enquadramento das políticas dirigidas às pessoas com deficiência.
Assim, aproveitando a experiência acumulada da aplicação da citada lei e mantendo o que de melhor a mesma contém, apresentamos o projecto de lei n.º 407/IX, que actualiza e desenvolve os princípios e políticas públicas dirigidas às pessoas com deficiência, integrando soluções que concorrem de modo

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efectivo para o reforço das políticas e instrumentos que favoreçam a igualdade de oportunidades e promovam a inclusão das pessoas com deficiência.
Por seu lado, o Governo apresentou a proposta de lei n.º 105/IX, que assenta numa filosofia de desresponsabilização do Estado face às políticas de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência e que encerra soluções normativas que ficam muito aquém do que seria desejável num quadro de revisão da actual Lei de Bases e que sugerem, mesmo, um retrocesso inaceitável.
Ao longo do debate na especialidade ocorrido na Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais ficou, desde o início, clara e inequívoca a intenção dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP em fazerem valer a maioria parlamentar, sem o debate amplo e profundo que se impunha fazer em torno das soluções e caminhos apontados por ambas as iniciativas legislativas, para aprovarem com alguns "retoques de maquilhagem" a proposta governamental.
A aprovação de uma nova Lei de Bases da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação das Pessoas com Deficiência, porque se trata de uma questão fundamental para a sociedade que deve situar-se acima de querelas partidárias, exige um esforço de consenso e de concertação que, mais uma vez, lamentavelmente, os partidos que sustentam o Governo rejeitaram liminarmente, impondo as suas soluções que, no entendimento dos Deputados socialistas não favorecem a promoção e o aprofundamento das políticas dirigidas às pessoas com deficiência.
Com efeito, ao invés de aprofundar e desenvolver as políticas públicas de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência e de reforçar o papel e a responsabilização do Estado num domínio fundamental, a iniciativa legislativa que o PSD e o CDS-PP acabam de aprovar constitui na prática a mera reafirmação ou repositório de um conjunto de direitos que já constam da Constituição da República Portuguesa e de diplomas legais avulsos, a desresponsabilização da intervenção pública dirigida às pessoas com deficiência, em suma, um verdadeiro retrocesso face à Lei de Bases ainda em vigor.
Para o Partido Socialista é fundamental que uma nova Lei de Bases da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação das Pessoas com Deficiência, seja capaz, nomeadamente de:
Aprofundar os mecanismos de solidariedade e coesão social;
Vincular o Estado a compromissos e orientações de política muito claros e rigorosos;
Definir com clareza o papel dos agentes de política, em particular do Estado e reconhecer, designadamente, a complementaridade do sector social e cooperativo num domínio onde têm forte presença;
Explicitar com rigor os conceitos adoptados, nomeadamente o conceito de organizações representativas das pessoas com deficiência;
Consagrar a existência de um plano nacional integrado plurianual e de planos plurianuais em todas as áreas sectoriais relevantes;
Prever um regime tutelar das pessoas com deficiência desprovidas de meio familiar.
A nenhum destes objectivos o Governo e os partidos que o suportam quiseram dar resposta.
Neste contexto, não podem, pois, os Deputados do Partido Socialista ter outro sentido de voto relativamente ao texto final da proposta de lei n.º 105/IX e do projecto de lei n.º 407/IX (PS), que define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, aprovado na Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais, que não seja o da abstenção.
Os Deputados do PS, Vieira da Silva - Luísa Portugal - Artur Penedos - Maria do Carmo Romão - Maria Celeste Correia - Rui Cunha - Afonso Candal.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Luís Manuel Carvalho Carito

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins

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Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
José Manuel Carvalho Cordeiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa

Partido Socialista (PS):
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Popular (CDS-PP):
Narana Sinai Coissoró

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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