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5609 | I Série - Número 105 | 09 de Julho de 2004

 

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De si, disse Sophia: "A terra, o sol, o vento, o mar/São minha biografia e são meu rosto/Por isso não me peçam cartão de identidade/Pois nenhum outro senão o mundo tenho/Não me peçam opiniões nem entrevistas/Não me perguntem datas nem moradas/De tudo quanto vejo me acrescento/E a hora da minha morte aflora lentamente/Cada dia preparada".
A voz de Sophia continuará, assim, em muitos de nós, a quem iniciou no espaço sem limites da sua poesia.
A força escultórica da palavra do seu poema teceu o real e o imaginário de muitas gerações, que aprendemos na depuração da palavra, a liberdade imensa que nenhum ditador proíbe ou silencia.
O poema a levará no tempo.
"Quando eu já não for eu passarei sozinha/Entre as mãos de quem lê/Mesmo que eu morra o poema encontrará/Uma praia onde quebrar as suas ondas".
Sophia avisou-nos que um dia acontece a partida, mas também o regresso, porque "Ressurgiremos ali onde as palavras/São o nome das coisas".
A palavra que foi, na sua vida, um registo de permanente tensão entre "Palavras sempre ditas com paixão/E pelo concreto silêncio limpo das palavras/Donde se erguem as coisas nomeadas/Pela nudez das palavras deslumbradas".
Aqueles que entrámos no seu território poético celebrámos com ela um pacto de descoberta alquímica da vida que foi construção das nossas próprias. Com ela interceptámos o visível, atingimos o interior do mundo e descobrimos o porquê das coisas, a ordem e a desordem do real.
Fizemo-lo "Por um país de pedra e vento duro/Por um país de luz perfeita e clara/Pelos rostos de silêncio e de paciência/Que a miséria longamente desenhou".
Sophia disse um dia: "Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo (…). E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia".
Sabemos que Sophia construiu esse pacto voluntário e solidário.
Longe das Torres de Marfim, mesmo nesse tempo "Da selva mais obscura/(onde)O ar azul se tornou grades/E a luz do sol se tornou impura/Tempo de medo e de traição/Tempo de injustiça e de vileza/Tempo de escravidão".
Disse Sophia: "Sou um escritor, a minha vocação é contar e não explicar, a arte não explica, implica".
Foi assim a sua vida.
Saiu à rua, agarrou pela palavra a intervenção cívica e política, sagrou a liberdade, contra a opressão.
"Porque os outros vão à sombra dos abrigos/E tu vais de mãos dadas com os perigos/Porque os outros calculam, mas tu não".
Porque a madrugada tão esperada viria em Abril, como "o dia inicial inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio/E livres habitamos a substância do tempo".
Nesta casa de um país de muitos homens e mulheres que não renunciaram, esteve também Sophia partilhando, comungando um outro tempo. Celebrou "a vitória: a treva/Foi exposta e sacrificada em grandes pátios brancos/O grito (…) purificou a cidade".
Era o ano de 1975 e ela tomou a palavra ali, na bancada do Partido Socialista, para dizer: "A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como anti-poder".
Por isso, estamos aqui, dizendo-lhe que nenhuma coisa se perdeu e com ela reaprendemos que a liberdade se renova e se defende na claridade e nas trevas de cada dia que vivemos.
Nestes dias de hoje, preocupados, incertos, expectantes, Sophia, a tua partida convocou-nos. Por isso estamos aqui hoje, e tu dirias, mais uma vez, tranquilamente, que os políticos constroem muito e também discursos, em vez do necessário. Mas hoje, desculpa-nos, é um dia diferente. Tu, Sophia, ocupaste o Parlamento e a política foi poesia.
À sua família, o Grupo Parlamentar do PCP envia as suas mais sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Morais.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sophia de Mello Breyner Andresen morreu.
Excepcional escritora e poetisa, deixou em todos nós uma imensa mágoa, a mágoa de ver partir alguém inesquecível, verdadeiramente insubstituível, como são todos os grandes poetas, como são todos os seres especiais.
Unida ao mar, ao vento e à lua, num pacto misterioso e encantador, descobriu a fórmula aparentemente perfeita de comunicar com a natureza e transmitiu-nos de um modo único esse caminho num percurso

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