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Sexta-feira, 1 de Outubro de 2004 I Série - Número 8

IX LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2004-2005)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE SETEMBRO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Fernando Santos Pereira
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) verberou o Governo por situações que considera de clientelismo político.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Costa e Oliveira (PSD), a propósito da sua participação na delegação que se deslocou aos Jogos Paralímpicos de Atenas, referiu-se à problemática do desporto para cidadãos portadores de deficiência.
Igualmente em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona (CDS-PP) anunciou à Assembleia a sua renúncia ao mandato de Deputada.
O Sr. Deputado José Junqueiro (PS) criticou o Governo por alegado favorecimento político e pelo alargamento da cobrança de portagens. No fim, respondeu a um pedido de esclarecimentos do Sr. Deputado Fernando Pereira Moutinho (PSD).
Entretanto, deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.os 141 e 142/IX, do projecto de lei n.º 495/XI e da apreciação parlamentar n.º 83/XI.

Ordem do dia. - Foi apreciada, e aprovada em votação global, a proposta de resolução n.º 73/IX - Aprova, para ratificação, a Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, assinada a 18 de Maio de 2004, na cidade do Vaticano. Intervieram no debate, a diverso título, além do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas (António Monteiro), os Srs. Deputados Medeiros Ferreira (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), Jaime Gama (PS), Pedro Roseta (PSD), Ana Drago (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), António Filipe (PCP), José Vera Jardim e José Leitão (PS).
Foi aprovado, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 135/IX - Altera a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa.
Após terem usado da palavra os Srs. Deputados Fernando Penha (PSD), Miguel Ginestal (PS), Rodeia Machado (PCP), Miguel Paiva (CDS-PP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes), o voto n.º 205/IX - De congratulação pelo levantamento do embargo à exportação de bovinos portugueses (PSD e CDS-PP) foi aprovado.
Sobre o voto n.º 206/IX - De protesto pela ausência de informação e pela opacidade relativas à política de saúde do Governo PSD/CDS-PP (PS), que foi rejeitado, usaram da palavra os Srs. Deputados Afonso Candal (PS), Paulo Veiga (CDS-PP), Miguel Coleta (PSD), Ângela Sabino (PCP) e Francisco Louçã (BE).
Foi aprovado o voto n.º 207/IX - De congratulação pelos resultados obtidos por atletas portugueses nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004 (Presidente da AR), tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Fernando Cabral (PS), Marcelo Mendes Pinto (CDS-PP) e Bernardino Soares (PCP).
Os projectos de resolução n.os 280/IX - Viagem do Presidente da República a Espanha - VI Foro Formentor (Presidente da AR) e 281/IX - Viagem do Presidente da República a Espanha - Prémio Europeu Carlos V (Presidente da AR) foram aprovados.
A Câmara aprovou ainda o Relatório e Conta de Gerência da Assembleia da República de 2002.
Sobre o inquérito parlamentar n.º 13/IX - Constituição de uma comissão parlamentar de inquérito ao processo de colocação de professores no ano lectivo de 2004/2005 (PCP), que foi rejeitado

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intervieram os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Ana Benavente (PS), Aurora Vieira (PSD), João Teixeira Lopes (BE), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) - que também deu explicações ao Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP), que exerceu o direito regimental da defesa da honra da bancada - e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Por último, a Câmara aprovou dois pareceres da Comissão de Ética, autorizando Deputados, um do PS e outro do PSD, a depor por escrito, na qualidade de testemunha, em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Adão José Fonseca Silva
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Henriques de Pinho Cardão
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Delmar Ramiro Palas
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Fernando António Esteves Charrua
Fernando José Pimenta Rodrigues
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta

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Judite Maria Jorge da Silva
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim dos Santos Ferreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Susana Maria de Moura Alves da Silva Toscano
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Jorge Valdez Ferreira Matias
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Álvaro José Martins Viegas

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Jorge Gonçalves e Gama de Oliveira
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

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Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Gustavo Emanuel Alves de Figueiredo Carranca
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos das Dores Zorrinho
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Carvalho Carito
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor José Cabrita Neto

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Vítor Manuel Barreto Marinho da Cunha
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
José Marcelo Sanches Mendes Pinto
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Ângela Ricarda Carriço Sabino

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Fernando Santos Pereira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, na reunião plenária de 22 e 23 de Setembro, foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte; ao Ministro de Estado e da Presidência e aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Actividades Económicas e do Trabalho, formulados pelos Srs. Deputados Maria Manuela Aguiar, Artur Penedos e António Filipe; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas e do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelos Srs. Deputados Herculano Gonçalves e Rodeia Machado; ao Ministério das Finanças e da Administração Pública, formulado pelo Sr. Deputado Honório Novo.
No dia 23 de Setembro: aos Ministérios das Actividades Económicas e do Trabalho e do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelo Sr. Deputado António Galamba; aos Ministérios da Agricultura, Pescas e Florestas e das Finanças e da Administração Pública, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário e Francisco Louçã; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares.
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período destinado a declarações políticas.
Assim, para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do BE, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Os últimos dias permitiram aos portugueses conhecer bem o Governo Santana Lopes. Sabemos, agora, que este Governo não é capaz de dar às famílias, aos professores e aos estudantes aquilo que lhes deve: um ano lectivo que começa, normalmente, ao mesmo tempo, em todo o País.
Cada vez que o Governo anuncia uma solução, sabemos que cria um novo problema. Cada vez que a Ministra tem um novo programa informático, sabemos que os erros e os atrasos se vão prolongar por mais uma semana, pelo menos. Sabemos que a Ministra quer tirar conclusões políticas, mas são um segredo - e o País só não percebe como é que ainda não se demitiu. E cada vez que a Ministra se agarra ao seu lugar, sabemos que é Santana Lopes quem se esconde.
Sabemos que o Governo não é capaz de organizar as escolas, que atrasa a auditoria, que proíbe o inquérito, que foge à responsabilidade. O Governo Santana Lopes é total, absoluta e irremediavelmente incompetente no que tinha declarado ser a sua prioridade absoluta: abrir o ano escolar.
Mas nos últimos dias ficámos também a conhecer melhor este Governo: o País sabe agora como se organiza a rede clientelar por via de nomeações das administrações das empresas e dos seus benefícios milionários. E estes, Sr.as e Srs. Deputados, é uma questão da democracia e do seu empobrecimento.
O Governo - qualquer governo - deve tratar da nomeação dos cargos públicos com rigor absoluto. Quem ocupa um cargo público só pode ser escolhido pelo seu mérito e recompensado pelo seu trabalho. Não deve esperar mais do que isso e se espera mais não merece ocupar qualquer cargo público.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

O Orador: - Mas quando são pedidos sacrifícios a quase todos - há de dois anos, funcionários públicos sem aumento -, quando este Governo provoca a espiral do desemprego, então, a violação dos princípios republicanos da gestão da coisa pública em benefício próprio põe em causa toda a credibilidade pessoal dos governantes.
É certo que, à direita e à esquerda, sempre encontrámos bons e maus exemplos; pessoas que, ocupando cargos de responsabilidade pública, se entregaram a eles com desinteresse; e também quem usou o Estado para benefício próprio e para distribuir favores.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Um conhecido ex-presidente do PSD sublinhou recentemente o caso da ex-ministra das Finanças, da qual tudo nos separou e continua a separar, mas que depois de muitos anos de vida política regressou às suas funções no Banco de Portugal, de onde tinha saído sem qualquer privilégio, apesar de ter estado no governo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem assinalado!

O Orador: - Na verdade, só num País em que há políticos capazes de tudo é que isto pode sequer ser motivo de surpresa. Porque esta é a atitude normal, e só podemos elogiar como atitude normal.
No entanto, há exemplos tão diferentes, como "a dança das cadeiras" na Caixa Geral de Depósitos.
A Caixa é o maior banco português e é do Estado. Os lugares na sua administração tornaram-se, ao longo dos anos, os mais apetecidos da partilha que cada governo estabelece entre as suas clientelas. Não é caso para menos. Segundo o Tribunal de Contas, os salários dos administradores estão 380% acima da tabela dos gestores públicos. O presidente do conselho de administração recebia - entre salário, participação nos lucros, cartão de crédito para despesas e outras benesses -, em cada mês, quase um ano do ordenado do Presidente da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem assinalado!

O Orador: - Por isso, a Caixa Geral de Depósitos parece ter-se tornado uma espécie de caixa de previdência do PSD e do CDS. Mira Amaral, depois de menos de dois anos de actividade, tem uma reforma de 18 mil euros mensais; António de Sousa poderá, se quiser, receber 615 mil euros de complemento à sua reforma; e muitos outros já receberam igual.
Como pode o Ministro das Finanças pedir aos portugueses sacrifícios, quando o próprio Governo distribui de forma tão despudorada vantagens àqueles que lhe são mais próximos?!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

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O Orador: - A reforma de Mira Amaral, por menos de dois anos de trabalho, é aviltante para todos os que uma vida inteira dedicaram ao trabalho. É injustificável! É um insulto! É, diz Bagão Félix, "quase obscena" - "quase"…, parece que não chega a ser obscena - e agora sabemos porquê. Mira Amaral explicou numa carta aos trabalhadores da Caixa que foi directamente com o Governo que negociou este "pára-quedas dourado", ou seja, Bagão Félix fazia parte desse Governo. É tudo "quase obsceno"!!
Bagão Félix, entretanto, aumentou de 9 para 11 o número de membros do conselho de administração, e escolheu ele próprio os novos membros, a começar, claro está, pelo próprio partido, numa lógica de favores políticos que choca os portugueses. Bagão Félix aceitou a reforma de Mira Amaral. Bagão Félix considera-a agora "quase obscena". A reforma, é claro, vai ser paga obscenamente. Bagão Félix alarga a administração e indica amigos políticos. Bagão Félix quer, entretanto, que o fundo de pensões da Caixa entre como receita do Estado, se bem que não seja receita, como todos percebemos. Bagão Félix - como podia ser de outro modo?... - recusa-se a vir ao Parlamento explicar qualquer destas medidas!...
Mas, se a maioria não deixa que o Sr. Ministro venha e se o Sr. Ministro não quer vir a este Parlamento explicar-se, deixo-lhe um desafio: terá aqui oportunidade de discutir este assunto, com o agendamento de um projecto de lei do Bloco de Esquerda, para terminar com as reformas douradas e para consagrar o regime universal da segurança social para todos por igual - todos: Deputados, ministros e gestores públicos, incluindo os da Caixa Geral de Depósitos.
Bagão Félix, é claro, pode desaparecer de novo e pode instruir as suas bancadas para manter as situações "quase obscenas". Estou mesmo certo de que assim o Governo continuará calado, porque a maioria nada tem a dizer. Como bem sabem, Sr.as e Srs. Deputados, o clientelismo não se exibe, oculta-se; não se discute, oferece-se.
O clientelismo está instalado e governa Portugal.
Aliás, desde os primeiros dias do Governo não eleito de Santana Lopes que sabemos que esta seria a imagem de marca: mais despesa em propaganda, mais lantejoulas. Falta dinheiro na luta contra a droga, nos hospitais, nas escolas, nas prisões, mas, nunca, nas contratações ministeriais.
Santana Lopes tem, agora - sabemos - a tratar da área da comunicação um assessor que trabalha ao mesmo tempo para empresas privadas com interesses em processos de privatizações, e que ganha o dobro do Presidente da República. Santana Lopes escolhe um assessor que recebe 10 mil euros por mês para o ajudar a explicar aos portugueses por que é que têm de fazer sacrifícios. É o estilo Santana Lopes.
Perante a divulgação destes casos, o Governo cala-se. E faz mal: o silêncio é arrogante. Estes casos mostram só o fim de um ciclo político. E como é costume no nosso País, quando se aproxima o fim de um ciclo, começa a pilhagem do Estado e das suas empresas. Já se sentem de partida, e querem levar as pratas, antes que seja tarde.
O País, hoje ou amanhã, tem de escolher entre a política clientelar e a dignidade do serviço público. Como sempre, esta é a decisão mais importante da Democracia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Costa e Oliveira.

O Sr. Costa e Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dirigi-me a VV. Ex.as, nos passados dias 6 de Fevereiro e 25 de Setembro de 2003, no sentido de, com todos vós, reflectir sobre a problemática do desporto para deficientes, o vulgarmente denominado Desporto Paralímpico.
Agora, ainda mal refeito de todas as emoções vividas em Atenas, onde assisti a parte dos Jogos Paralímpicos 2004, entendo dever fazê-lo de novo para, ainda e sempre com todos vós, partilhar o que foram estes Jogos e pedir, com toda a tranquilidade, que possamos analisar tudo o que, de agora em diante, nos poderá e deverá competir fazer e concretizar, nesta problemática.
Antes, porém, permitam-me que agradeça e enalteça o facto de ter estado em Atenas, com o deferimento do nosso Presidente, Dr. Mota Amaral, o qual, mais uma vez, emprestou à matéria muito da sua fina e rara sensibilidade.
A este propósito, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me que vos diga que foi exactamente nesta convicção que me senti nesta deslocação: tive a certeza de estar a fazer trabalho político e - se não levarem a mal que vos diga - tive a grata sensação de me sentir a representar todos vós e, por conseguinte, também a própria Assembleia.
Perdoem a imodéstia, mas foi exactamente a sensação que tive.
Aliás, mais este sentimento foi reforçado pelo facto de todos na Delegação Portuguesa, de dirigentes a técnicos, passando pelos próprios atletas, me terem dito precisamente: era a Assembleia que estava no seu

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espírito; era o nosso Presidente apontado amiudadamente, com referências de agradecimento; eram as solicitações dirigidas a todos nós, ao nosso trabalho e à nossa intervenção.
Por ter sido assim, para que fique bem com a minha consciência, e de outra forma não poderia ser, entregarei ao nosso ilustre Presidente a medalha comemorativa alusiva, que a Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes teve a amabilidade de me oferecer.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em causa esteve, e estará, a problemática do desporto para cidadãos portadores de uma qualquer deficiência. Sem querer repetir-me, face às duas referidas intervenções, que fiz em tempos anteriores, permitam-me aflorar um ou outro aspecto, que reputo de muito importante, para que o nosso raciocínio possa mais facilmente fluir em conjunto.
Primeiro, a importância do desporto e da prática desportiva, enquanto tal, consagrados na nossa Constituição e em toda a legislação específica internacional, com toda a sua determinada influência nos mais diversos aspectos, de ordem física, social, cultural e económica.

A Sr.ª Isilda Pegado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o mais do que merecido lugar que importa atribuir a todos aqueles, carentes ou portadores de uma qualquer deficiência, para que, cada vez mais iguais a quaisquer outros, possam desenvolver a sua actividade desportiva a todos os níveis, desde o lazer à alta competição.
Em terceiro lugar, a capacidade interventora da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes, e também de tudo e todos que a rodeiam. É importante não abandonarmos esta tão importante estrutura a qual, diga-se em abono da verdade, é mais o que tem dado, a nós e ao País, do que aquilo que tem recebido: eles estão a representar Portugal e será conveniente que não o esqueçamos.
Em quarto lugar, a necessidade de esta Câmara continuar a intervir em defesa e prol do desporto para deficientes no nosso País.
Em quinto lugar, ainda, a confrangedora realidade portuguesa com um número muito diminuto de clubes a encararem esta realidade, a contribuírem para que menos de 0,5 % - meio por cento, Sr.as e Srs. Deputados! - pratiquem desporto entre os nossos deficientes.
Mais: apesar desta situação, conseguimos grandes feitos, a nível nacional e internacional, como foi o caso de Atenas com medalhas de ouro, de prata e de bronze.
Em sexto lugar, o tão importante e desejado Comité Paralímpico, já consagrado em lei e que, prevejo, esteja para muito breve, após a constituição da sua comissão instaladora.
Em oitavo lugar, muito importante: os apoios, bolsas, prémios e outras ajudas e incentivos que, importa dizê-lo, ainda têm um bom caminho a percorrer; inclusive, como disse em tempos, "é da mais elementar justiça criar aqui um universo de igualdade de oportunidades"!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Para tanto, o próprio Governo decerto continuará na senda dos seus propósitos, nesta tão delicada matéria; na questão das bolsas já se evoluiu muito e as mesmas consagram, já e felizmente, a problemática dos muito necessários e louváveis guias de que muitos atletas carecem.
Também o carinho que nos merece o denominado projecto "Super Atleta", que em Atenas atingiu quase que a sua plenitude dos seus objectivos.
Por fim, a sempre imprescindível e pressuposta prioridade, que é o aumento da prática desportiva, entre nós, dos cidadãos portadores de deficiência, com especial atenção aos jovens, em particular num quadro de desporto escolar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Importa, agora, depois de Atenas, voltar a apurar esta estatística, pois, tal como anteriormente, decerto que o exemplo destes tão briosos atletas de alta competição produziram os seus frutos, incentivando outros portadores de deficiência a praticarem o seu desporto.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Regressei de Atenas, como disse e sabeis, e sobre esta deslocação queria falar-vos um pouco, até para que lhe possamos retirar algumas conclusões.
Enquanto lá estava, muitas vezes me lembrei do nosso Presidente e de todos vós. Fazendo-o, dei comigo a pensar em duas coisas, que quero partilhar convosco: a primeira, referindo-vos que se, porventura, me pedissem para, em três palavras, descrever o que fui fazer a Atenas, vos responderia: aprender uma lição!
A segunda, recordando eu próprio uma frase que vos disse, a 6 de Fevereiro de 2003, e foi, tão-só: "estou certo, ser este um tema que abala as nossas consciências".

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De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que devo eu fazer perante uma jovem que faz erguer a minha bandeira e que sei - e ela sabe - estar condenada a muito curto prazo? Como reajo perante um jovem que apenas me sorri, pois nem sequer consegue cumprimentar-me? Como devo comportar-me perante dois jovens que nem sequer conseguem agradecer os aplausos do público? E aquele jovem que também só sorri para o seu adversário, pois o seu corpo não mexe? E o nadador sem braços e sem pernas, a nadar? E o corredor que faz a maratona, mas sem ver? E os que saltam, sem pernas? E todos aqueles jovens que, como diriam outros jovens, são "lindos de morrer", mas com deficiências brutais e de sorriso estampado no rosto?
Que grande lição, Sr. Presidente! Que abanar de consciência, Sr.as e Srs. Deputados!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Posto tudo isto, o que fazer? O tempo do pré-Atenas já passou e estamos no pós-Atenas. O tiro de partida para os Jogos Paralímpicos da China, já foi dado.
Claro que queremos lá estar com os nossos Atletas de Alta Competição. Queremos mais medalhas, escutar o Hino e ver a Bandeira. Mas queremos também que tudo isto corresponda a um aumento, forçosamente significativo, da prática desportiva dos nossos portadores de deficiência. De outra forma, quase que não nos deve interessar.
Temos de ter a consciência do muito que se faz nesta matéria, por esse mundo fora. Nós evoluímos, sem sombra de dúvida, mas atenção que os outros evoluem bem mais e nós temos de, no mínimo, fazer tanto como os outros!!
Das 19 modalidades paralímpicas, competimos em 6. É pouco!
Na retaguarda, temos os referidos 0,5% de deficientes a praticar desporto. É confrangedor!
De clubes, quase nenhuns. Não pode continuar assim!
Vamos, em definitivo, deitar as mãos ao que sabemos ter de fazer. As condições, os apoios, os incentivos, a estratégia, a divulgação, os agentes, o conhecimento, a nossa vontade de fazer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente.
As bolsas deverão ser tendencialmente iguais. As medalhas e o seu valor, também. Os guias não podem ser ignorados neste particular.
Por mim, tomo uma iniciativa: pedirei ao meu partido - a quem também agradeço ter incentivado a minha presença em Atenas - que promova uma audição parlamentar sobre o desporto paralímpico em Portugal. Que dessa audição saia como que uma distribuição de tarefas, nas quais se assumam responsabilidades, de todos e de cada um.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pensei em referir o nome de todos eles. Bem o mereciam. Porém, optei por não o fazer. Talvez eles até não o quisessem. Têm todos um misto de valia e humildade, que, sabem, todos nós enaltecemos e, sobretudo por estes valores, todos lhes estamos com certeza muito gratos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pedi para falar aqui, hoje, por ainda ter esse direito e pretender cumprir o que entendo ser uma obrigação, resultante do respeito que tenho, e sempre tive, por esta Instituição.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Tenho a convicção de ser aqui, através de vós, que devo prestar contas daquilo que fiz com a confiança que me deram e das razões pelas quais, a partir de amanhã, renunciarei ao meu mandato de Deputada à Assembleia da República.

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Para quem como eu tem uma profissão, uma carreira e vida própria, ter a possibilidade de servir o meu país é uma tarefa de que me orgulho e que sempre exerci com a liberdade dos que nada devem a ninguém.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estou nesta Casa desde 1999. A diversidade de valores, de opiniões, de concepção que aqui defendemos, e pelos quais nos batemos, é uma realidade. Mas é uma realidade que releva a partilha de um bem fundamental, que é comum: a Democracia.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Sempre reconheci no Parlamento a representação institucional do que de melhor há na vida democrática. Foi por isso que, como todos reconhecerão, aqui trabalhei de forma convicta e determinada no exercício das funções que tive o privilégio de desempenhar.
Todos sabem que, mesmo em funções governativas, sempre e em todas as circunstâncias, encarei com a dignidade que lhe é devida a Assembleia da República.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Quero ainda dizer a todos e a cada um de vós que este momento, para mim, é menos político, é mais institucional, e pretende traduzir o reconhecimento do trabalho de todos os Deputados, quer em fase de divergência quer em fase de convergência.
Porque, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o trabalho que todos nós realizamos, e em que eu também participei, é para mim a forma de dignificar esta Casa.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, quis, no momento em que a deixo, manifestar o meu reconhecimento e agradecimento por tudo o que fizemos a bem de Portugal.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O exercício das novas funções que vou desempenhar é, no meu entender, incompatível com o exercício do mandato de Deputada, razão pela qual acabei de pedir renúncia a esse mandato.
Embora o mandato parlamentar seja de âmbito nacional, não posso deixar de transmitir aqui, na Casa da democracia, uma palavra aos eleitores do círculo de Leiria que depositaram a sua confiança na lista do CDS-PP.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Essa confiança continuará a ser plenamente respeitada pela forma como a Deputada Isabel Gonçalves tem desempenhado e voltará, agora, a desempenhar as suas funções.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Como disse, o respeito que devo à Assembleia da República levou-me a tomar esta decisão. Deixe-me partilhar consigo, Sr. Presidente, e com todos vós, Srs. Deputados, a emoção com que a tomei. Mas era e é preciso tomar decisões.
Por isso, e para terminar, Sr. Presidente, permita-me que me dirija a todos e a cada um dos meus pares, dizendo-lhes que, tal como sempre procurei fazer, todos eles e cada um, com a sua diversidade, com a sua diferença, sempre procuraram defender um bem fundamental para todos nós, o melhor para Portugal e para os portugueses.
Deixe-me ainda, Sr. Presidente, dirigir-me, pessoalmente, a V. Ex.ª para lhe exprimir o meu reconhecimento e agradecimento e os meus profundos votos de continuação de bom trabalho parlamentar, a bem do País de todos nós - Portugal.

Aplausos do CDS-PP, de pé, e do PSD.

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O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Celeste Cardona, agradeço as palavras que me dirigiu e quero exprimir-lhe o meu apreço pela sua prestação como Deputada. Estava convencido de que vinha retomar a sua combatividade nas nossas bancadas e é com pena que a vejo partir. Boa sorte, Sr.ª Deputada.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Vai em missão de "sacrifício"!…

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal vive um "clima de imposto permanente" desde que a maioria chegou ao Governo.
A falta de preparação para governar, a ausência de uma ideia consistente para relançar o crescimento e o emprego e a falta de seriedade política da maioria conduziram o País a uma crise social, política e de valores, sem paralelo na história da democracia portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Depois da demissão de múltiplos ministros e secretários de Estado, quer por "afazeres com sobrinhos no estrangeiro"…, quer pela elaboração de listas de familiares para entrarem na universidade ou na Administração Pública das SA…, quer por razões de "traumatizante" incompetência, surge agora a colocação de ex-ministros e afins em lugares onde os nossos impostos pagam entre 15 a 20 000 € por mês, sem falar das reformas "obscenas", assim chamadas pelo Ministro das Finanças, num dia, para, no dia seguinte, nomear mais uma colega de partido para uma instituição bancária com um vencimento milionário.

Aplausos do PS.

E o que faz o Governo? Insiste no "clima de imposto permanente".
Neste contexto de tripa forra partidária, o que pede o Governo aos portugueses? Mais dinheiro, mais impostos, mais sacrifícios. A que portugueses é que o Governo o pede? Aos mesmos de sempre, àqueles que nunca deixaram de ser sacrificados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - É o que acontece com as nossas SCUT.
Há um clima de instabilidade no Governo e nas instituições.
O Governo criou uma enorme instabilidade no Ministério das Obras Públicas. Nestes dois anos e meio, os ministros sucederam-se vertiginosamente e as instituições sob a sua tutela seguiram o exemplo: três ministros diferentes e quatro presidentes diferentes para o IEP. Até no Parlamento, já vamos no terceiro presidente para a Comissão de Obras Públicas.
Diminuído o Governo, diminuídos ficaram os objectivos do IEP. Diminuído o seu orçamento, também está diminuída a sua execução.
Em 2003, o Governo estimava gastar menos 300 milhões de euros relativamente ao que tinha orçamentado e a execução, nesse ano, já só foi quase metade do orçamento inicial de 2002. Este ano, pelos cortes orçamentais, o IEP, no Verão, já não tinha orçamento…!

O Sr. Afonso Candal (PS): - Uma vergonha!

O Orador: - Ninguém percebe, por isso, que o Governo, ora não conseguindo gastar o que tem, ora cortando no orçamento, se proponha lançar mais um imposto, sob a forma de portagem para todas as SCUT, mesmo para a A23 e para a Via do Infante, isentadas deste imposto por Durão Barroso.

O Sr. Afonso Candal (PS): - É o ziguezague!

O Orador: - Até isto demonstra que os governantes desta maioria, ao mais alto nível, não são de confiança: a verdade de hoje nunca é a verdade de amanhã.
Mas, se isso não bastasse, Srs. Deputados, poderíamos perguntar se, na Madeira, tal como no interior de Portugal, as SCUT vão ter portagem…!

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Coloca-se aqui uma questão que tem a ver com o carácter dos Deputados da maioria. E os Deputados da maioria, nas suas terras, nas suas autarquias, votam moções contra a introdução de portagens. Pois podem ter a certeza de que vamos apreciar aqui, nesta Assembleia, o seu carácter.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vamos ver se, na hora da verdade, também aqui, como nas suas terras, nas suas autarquias, vão votar contra a introdução de portagens.

Aplausos do PS.

Os portugueses já pagam o suficiente. Para além dos impostos comuns a todos os cidadãos, os portugueses que têm viatura própria e circulam nas estradas de Portugal pagam, só no imposto sobre os combustíveis e no imposto automóvel - está no Orçamento deste ano -, 4210 milhões de euros. Não contamos aqui com IVA nem com outras receitas fiscais.
Por isso, Meus Caros Senhores, o que quero lembrar é o seguinte: desta verba, que esta maioria arrecada, o Governo apenas investe um sexto nas estradas portuguesas.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Está tudo dito!

O Orador: - Este facto, expresso no Orçamento do Estado, permite concluir que os utentes da rede viária já pagam, nos seus impostos, seis vezes mais do que aquilo que recebem. Este é o princípio que os senhores estão a aplicar, é o princípio de que os portugueses são seis vezes mais pagadores do que utilizadores das estradas portuguesas.

Aplausos do PS.

E para onde vai o dinheiro? É muito simples: o dinheiro vai para o défice!
Vejamos o caso da CREL. Receberam 30 anos de portagens por antecipação mas esse dinheiro não foi investido em novas vias, em segurança dos cidadãos, esse dinheiro foi investido para camuflar o défice.

Aplausos do PS.

Pergunto: onde está o défice? O défice está lá, o défice lá continua,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas está tapado!

O Orador: - … e continua cada vez maior.
As SCUT são estradas de oportunidade e de futuro, são nossas, pagas com verbas europeias e com os impostos de todos nós, consubstanciando um esforço solidário e concretizando uma verdadeira rede rodoviária nacional, de norte a sul, do litoral ao interior. É a tentativa de deixar a esta geração e às próximas gerações as oportunidades que nós não conhecemos.
Neste contexto, os agentes económicos começaram a realizar investimentos nestas regiões, criando riqueza, novas oportunidades de emprego, contribuindo para que o País se desenvolva a uma só velocidade.
Mas pergunto: como é que os senhores, como é que a maioria vai introduzir portagens na Via do Infante, prejudicando a competitividade e a economia, que são fundamentais para o sucesso do turismo no Algarve? E no IP5? E no IP3? E na A23? E no IP6? E em todos os outros locais onde não existem itinerários alternativos?
Pergunto: quantos milhões de euros vão gastar nos itinerários alternativos? Ou, pelo contrário, os senhores não têm qualquer intenção de construir itinerários alternativos?
Os casos do IP5 e da Via do Infante consubstanciam um paradoxo. Como pode o Governo explicar que o IP5 encontre em Vilar Formoso uma auto-estrada espanhola gratuita e que a Via do Infante encontre em Vila Real de Santo António uma auto-estrada espanhola gratuita e que os espanhóis encontrem em

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Portugal as vias correspondentes com portagem?! Mas quem necessita mais de estimular a economia: são os espanhóis ou são os portugueses?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem perguntado!

O Orador: - O verdadeiro desperdício está no IP5, que o PSD levou por diante, preparou como uma via de comunicação essencial para o País, mas toda a gente disse, logo nessa altura, que não servia o futuro e, tristemente, é conhecido por "estrada da morte". Hoje sabemos que é necessário fazer aí uma auto-estrada e que a mesma está a ser feita.
O mesmo aconteceu no IP3 e no IP4. Às cerca de 300 mortes no IP5 somam-se as cerca de 237 mortes no IP4 e muitas outras no IP3. Muitos portugueses pagaram com a vida a circulação nestas estradas.
Agora, o Governo, de forma insensível e cruel, lança um novo imposto sobre as famílias, mesmo as que estão fortemente enlutadas.
É neste contexto que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista reafirma não só a solidariedade com todos os portugueses em geral mas também com as autarquias e os agentes económicos…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - … que, por todo o País, se organizam e manifestam contrários a esta insensatez e anuncia a apresentação de um projecto de resolução que viabilize a constituição de uma comissão independente, ligada aos meios universitários e instituições, que estude os verdadeiros impactos das SCUT no crescimento e desenvolvimento de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, ouvimo-lo e não é a primeira vez que o ouvimos falar sobre a questão das SCUT. Mas, pela minha parte, também não me esqueço de que o Sr. Deputado José Junqueiro foi membro do governo do Partido Socialista - não nesta área, felizmente para o Sr. Deputado -, que tomou um conjunto de decisões nesta área, nomeadamente a introdução do princípio das SCUT, o estabelecimento e a formatação deste modelo.
Neste momento, aquilo que quero lembrar ao Sr. Deputado José Junqueiro e, no fundo, ao Partido Socialista e a todos os portugueses que nos estão a ouvir é que o Partido Socialista pode, hoje, questionar a necessidade de resolver um problema mas não fomos nós que o criámos, foram os senhores que nos deixaram esse problema.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Mas não há problema!

O Orador: - Só agora vamos começar a pagá-lo mas vamos pagá-lo, inclusive, por antecedência relativamente a SCUT que ainda não estão feitas e cujo encargo os senhores nos deixaram a nós, Governo, a nós, portugueses.
Quero perguntar ao Sr. Deputado José Junqueiro se tem a capacidade mágica para descobrir, no próximo ano, 500 milhões de euros para pagar as rendas, as expropriações e outras despesas associadas às SCUT, com um orçamento que hoje, em 2004, em termos de Instituto de Estradas de Portugal, é de 730 milhões de euros.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Já diminuiu!

O Orador: - Sr. Deputado, descubra a solução! E, se quiser descobrir a solução retirando de outros lados, como a "manta é curta", diga quais são os hospitais e centros de saúde que quer ver encerrados, qual a percentagem de desempregados que quer ter neste País! Diga-nos para onde quer ir, Sr. Deputado, porque foi este o caminho que os senhores deixaram ao PSD, ao CDS-PP, ao Governo de Portugal.
E, para mais, Sr. Deputado, este não é um problema de um ano ou de uma conjuntura económica, é um problema que vai até ao ano de 2032.

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Sr. Presidente, este caso é muito sério! Trata-se de um problema que temos de discutir seriamente nesta Casa e temos de o discutir de uma forma que não seja uma comissão independente a branquear o passado.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Branquear?!

O Orador: - É aqui, politicamente, perante os portugueses, que o Partido Socialista vai ter de esclarecer como é possível ter endividado e comprometido o País da maneira como o fez relativamente a este investimento. São 5% das estradas portuguesas, Sr. Presidente! São 5% das estradas portuguesas que consomem o valor que consomem ao Orçamento do Estado!
De facto, não são os portugueses do interior do País que têm a culpa, são estes senhores que, com o modelo das SCUT que desenharam, comprometeram o País hoje e, sobretudo, no futuro.
Quando falarem de défice público, os Srs. Deputados do Partido Socialista, com toda a legitimidade, devem, pelo menos, pôr a mão na consciência e pensar no seguinte: já começámos a pagar mas o problema maior nem sequer é o de hoje, é o do futuro, é até ao ano de 2032. É este o preço que vamos pagar! Até 2032, por 5% das estradas portuguesas, os portugueses vão estar a pagar as decisões do Partido Socialista, em seis anos de Governo. Isto é que é imoral! Isto é que é inaceitável!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, antes de mais, agradeço a sua pergunta e a sua intervenção vibrante mas gostaria de perguntar-lhe…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é perguntar, é responder!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Onde é que arranja o dinheiro?!

O Orador: - … por que é que o Sr. Deputado, esta maioria e este Governo fizeram as SCUT dos hospitais. O Sr. Deputado falou em hospitais em mau momento, porque os hospitais são uma forma de suborçamentação, não são pagos pelo Orçamento do Estado, são pagos através do mesmo sistema.
Em segundo lugar, relativamente aos 500 milhões de euros, num organismo que deveria ter um orçamento de 1200 milhões de euros e que, em 2001, tinha um orçamento de 1100 milhões de euros,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Responda, Sr. Deputado José Junqueiro!

O Orador: - … só se compreende a falta de dinheiro porque os senhores cortaram no orçamento. Mas os senhores recebem dos portugueses, como vos disse, 4210 milhões de euros! É preciso que isto seja ouvido pelos portugueses e por quem compra automóvel:…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tem é de responder! Responda!

O Orador: - … os portugueses pagam, para as estradas, 4210 milhões de euros por ano, sem contar, como é óbvio, com o IVA.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Isto significa que os portugueses, por utilizarem as estradas, são seis vezes mais pagadores do que utilizadores. É esta a verdade que dói ao PSD!

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, em matéria de averiguação da verdade, queremos uma comissão independente para estudar o reflexo destas políticas,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mais uma comissão?!

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O Orador: - … uma comissão como a que os senhores negaram para a educação e que nós pretendíamos independente e que explicasse a vossa incompetência e o vosso marasmo no início do ano escolar, o qual foi prejudicial a tantas famílias.

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, permite-me uma interpelação à Mesa?

O Sr. Presidente: - Sobre a ordem dos trabalhos, Sr. Deputado? É que se não é sobre a ordem dos trabalhos não lhe posso dar a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É sobre a ordem dos trabalhos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou dar-lhe a palavra mas retirar-lha-ei se não considerar a sua intervenção como uma interpelação à Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, de facto, quero fazer uma interpelação à Mesa para informar o Sr. Presidente e, naturalmente, toda a Câmara que vou entregar a V. Ex.ª um documento de 1997, o Decreto-Lei n.º 142/97, em cujo preâmbulo - e não vou lê-lo todo, como é óbvio, Sr. Presidente, mas apenas salientar a parte que justifica por que o vou fazer e por que estou, neste momento, a interromper o normal decurso dos trabalhos - se dava a indicação de que estariam concluídos até 2000, em três anos, 100% dos IP e 50% dos IC.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, remeta esse documento à Mesa e eu distribui-lo-ei. É um requerimento.

O Orador: - Foi o mesmo governo que fez isto, Sr. Presidente!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 15 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de mais, peço ao Sr. Secretário que anuncie as iniciativas legislativas que devem ser divulgadas de imediato.

O Sr. Secretário (Fernando Santos Pereira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, a apreciação parlamentar n.º 83/IX (PCP) - Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto (Define o regime jurídico da formação médica após a licenciatura com vista à especialização e estabelece os princípios gerais a que deve obedecer o respectivo processo; projecto de lei n.º 495/IX - Cria a área de paisagem protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo (PCP), que baixa à 4.ª Comissão, e as propostas de lei n.os 141/IX - Autoriza o Governo a legislar no sentido da definição de medidas indemnizatórias pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia eléctrica (CAE) celebrados entre a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT) e as entidades titulares de licenças vinculadas de produção de energia e 142/IX - Altera pela sexta vez a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que baixa à 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a nossa ordem do dia de hoje é preenchida com o debate da proposta de resolução n.º 73/IX - Aprova, para ratificação, a Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, assinada a 18 de Maio de 2004, na cidade do Vaticano.
A apresentação desta proposta de resolução vai ser feita pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

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O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas (António Monteiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me uma saudação especial a todos os Srs. Deputados na ocasião em que me dirijo pela primeira vez a esta ilustre Assembleia na qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas. Quero aqui afirmar a minha inteira e total disponibilidade, e a do Ministério que dirijo, para colaborar com a Assembleia da República sempre que esta assim o entenda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem prejuízo da laicidade do Estado português, consagrada no princípio constitucional da separação do Estado e das igrejas e comunidades religiosas, é inquestionável o papel singular exercido pela Igreja Católica ao longo da História do nosso país. Este caminho conjunto remonta à Bula Manifestis Probatum, pela qual o Papa Alexandre III reconheceu, em 1179, a independência de Portugal e o título de Rei a D. Afonso Henriques.
Este relacionamento, nem sempre fácil em virtude de vicissitudes históricas e da relativa indefinição dos poderes temporais da Igreja Católica, foi pacificado pela Concordata de 7 de Maio de 1940, negociada no Pontificado de Pio XII, durante o anterior regime português.
Nas últimas décadas, a desactualização daquele texto de Direito Internacional tomou-se evidente face às mudanças entretanto ocorridas na sociedade portuguesa e na própria Igreja Católica, de que se destacam as geradas pelo 25 de Abril de 1974 e pelo Concilio Vaticano II. Até à data, essas alterações apenas tinham conduzido a uma modificação, datada de 1975, relativa à admissibilidade do divórcio no casamento católico.
A preparação da Lei da Liberdade Religiosa (aprovada, em 2001) acentuou o desajustamento da Concordata de 1940, com algumas disposições tornadas inconstitucionais, de constitucionalidade duvidosa, caducas ou simplesmente anacrónicas.
Não surpreende, por isso, a decisão desta Assembleia ao pronunciar-se, em 2000, pela necessidade de realizar o processo de revisão da Concordata de 1940, nos termos decorrentes da Constituição e do Direito Internacional, decisão essa que correspondeu igualmente ao apelo, no mesmo sentido e quase simultaneamente expresso, da Conferência Episcopal Portuguesa.
O estudo aprofundado sobre as alterações a introduzir no texto então em vigor levou, porém, a concluir pela necessidade de celebração de uma nova Concordata. Iniciou-se, assim, o processo que agora se concluirá com a aprovação, na ordem jurídica interna, do texto assinado pelo Sr. Primeiro-Ministro Durão Barroso e pelo Cardeal Sodano, em 18 de Maio do corrente ano.
A negociação da nova Concordata, tal como a que conduziu à Concordata de 1940, foi morosa, conforme é típico de um processo com implicações tão vastas e importantes num relacionamento multissecular, que se deseja profícuo e pacífico. Foi também uma negociação pautada por uma grande vontade de cooperação construtiva e por um espírito amigável e de respeito mútuo entre o Estado português e a Igreja Católica.
Para tal contribuiu, de forma absolutamente determinante, o inexcedível trabalho desenvolvido pelo Prof. Doutor António de Sousa Franco, na qualidade de jurista da Comissão Negociadora da Santa Sé, que sempre qualificou como muito gratificante esta experiência. As exemplares capacidades intelectuais, a inquestionável rectidão moral e o elevado sentido de Estado do Sr. Professor Sousa Franco merecem a sentida palavra de homenagem que, em nome do Governo português, presto nesta sede em sua memória.
Todos os membros de ambas as comissões negociadoras assumiram sempre o princípio da cooperação como basilar na condução deste processo, compreendendo que, sem prejuízo das diferenças de método ou de teleologia, a Igreja e o Estado visam servir o Homem. Entenderam, igualmente, que a Concordata para o século XXI deveria criar quadros de cooperação institucional que permitissem manter os princípios da separação, da laicidade e do pluralismo. Deveria ainda consagrar o princípio constitucional da liberdade religiosa, no que se refere à Igreja Católica e às suas instituições.
O documento que o Governo vem hoje apresentar a esta ilustre Assembleia reflecte, precisamente, esse conteúdo, conforme tinha sido, desde logo, determinado no mandato do XIV Governo Constitucional.
Uma palavra de apreço merecem todos os intervenientes nesta negociação, que agiram sob orientação dos meus antecessores, Ministros Jaime Gama, António Martins da. Cruz e Teresa Gouveia.
Gostaria, particularmente, de saudar o trabalho desenvolvido pelo Embaixador Pedro Ribeiro de Menezes, que, enquanto Embaixador de Portugal junto do Vaticano, acompanhou todo este processo. Os negociadores portugueses empenharam-se na preservação de todos os pontos considerados essenciais, sobretudo numa perspectiva constitucional, que se encontram consagrados neste instrumento jurídico-internacional e que passo, agora, a expor mais detalhadamente.
O novo texto não se afasta muito do anterior em termos de estrutura, desde logo porque as matérias abrangidas correspondem, no essencial, às mesmas que, tradicionalmente, são objecto das relações entre qualquer Estado e a Igreja Católica.

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Já em sede de nomenclatura e de técnica legislativa, existiu a preocupação de modernizar o texto e de adequá-lo aos grandes princípios constitucionais vigentes actualmente em Portugal, sobretudo o da laicidade do Estado e o da igualdade das religiões e dos cultos. Muitas das alterações pretendem igualmente melhorar a articulação do direito estatal com o direito canónico.
Assim, surgem como inovações mais evidentes na Concordata de 2004:
A instituição de um regime fiscal não discriminatório em relação a outras confissões religiosas, incluindo a inexistência de isenções em sede de IRS - este é um dos exemplos mais evidentes de que a Concordata não cria nenhum privilégio, nenhuma excepção, nenhum tratamento de favor em relação ao regime constante da Lei de Liberdade Religiosa para todas as religiões e cultos;
A subordinação do ensino da moral e da religião católicas ao sistema educativo português, se bem que com a participação da Igreja - estas disciplinas integram-se no sistema escolar e são livres, resultando da opção quer dos estudantes, quer das suas famílias;
A possibilidade de as escolas superiores católicas poderem conferir graus, sem discriminação em relação às suas congéneres, incluindo a Universidade Católica, mas nos termos do direito nacional;
A não obrigatoriedade da manutenção de assistência religiosa nas Forças Armadas integrada na carreira militar;
A eliminação da intervenção do Estado na nomeação dos bispos;
O reconhecimento da personalidade jurídica interna da Conferência Episcopal Portuguesa;
A previsão de um mecanismo de cooperação entre o Estado e a Santa Sé no âmbito internacional, com realce para o espaço dos Países de Língua Oficial Portuguesa, sem referências ao Acordo Missionário, cuja caducidade se pressupõe;
A previsão de duas comissões paritárias, enquanto órgãos de concertação permanente, encarregadas de zelar pela correcta aplicação da nova Concordata, uma geral, para proceder à sua interpretação, dirimindo as dúvidas que venham a surgir da respectiva aplicação, e outra especificamente para as questões do património, com vista a constituir um fórum de cooperação relativo aos bens da Igreja que integram o património cultural português;
A necessidade de as pessoas jurídicas canónicas se inscreverem num registo próprio do Estado, caso desejem intervir no comércio jurídico civil, e a equiparação da capacidade jurídica civil dessas pessoas às de outras com fins análogos;
A produção de efeitos civis das sentenças eclesiásticas da anulação do casamento apenas após a confirmação e revisão de sentença estrangeira nos tribunais portugueses e de acordo com as regras processuais nacionais.
O texto que tenho a honra de, agora, submeter à apreciação e aprovação de VV. Ex.as, Srs. Deputados, apresenta a solidez e o consenso necessários à longevidade típica da sua natureza e, traduzindo o pluralismo próprio da democracia portuguesa, faculta aos cidadãos que se revêem na religião católica a liberdade a que têm direito.
Fornece também à Igreja Católica a base suficiente e necessária à sua acção e ao seu papel na sociedade portuguesa contemporânea.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Medeiros Ferreira e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: Para além de o ter ouvido com a maior atenção, ao ler o texto da Concordar fiquei com duas dúvidas e aproveito a oportunidade para lhe colocar.
A primeira tem a ver com o facto de se atribuir personalidade jurídica a entidades precisas, como é o caso da Conferência Episcopal - desse ponto de vista, a personalidade jurídica não me parece que coloque algum problema -, mas, depois, também se atribui personalidade jurídica à Igreja Católica. Gostaria de lhe perguntar como é que o Estado português apura quando se trata de Conferência Episcopal, quando se trata de Igreja Católica ou quando se trata de Santa Sé, porque são tudo conceitos que, no texto da Concordata, não me parecem suficientemente analisados e definidos, sobretudo o conceito de Igreja Católica, sem um representante claro de responsabilidade jurídica.
Portanto, como é que o Estado português - é desse ponto de vista que nos colocamos aqui - apura quem é o interlocutor que representa, nesse caso, uma entidade com personalidade jurídica chamada Igreja Católica?

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Já vimos que para a Conferência Episcopal e para a Santa Sé esse problema não se coloca, do ponto de vista do Estado.
Já agora, uma pergunta de actualidade: será que o actual texto da Concordata permite uma intervenção directa daquilo que se chama em linguagem comum o Vaticano no Santuário de Fátima, admitindo que isso vai contra a vontade dos bispos portugueses? Qual será o comportamento, em termos de direito internacional, porque é disso que estamos a tratar, do Estado português?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder a cada um em separado ou conjuntamente aos dois?

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas: - Respondo conjuntamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: Felicito-o pela síntese que fez dos principais pontos da Concordata e também por estar pela primeira vez na Assembleia da República, apresentando-lhe os meus cumprimentos.
A pergunta que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira colocou é muito pertinente, porque, efectivamente, o conceito de personalidade jurídica consagrado no nosso Código Civil tem características e elementos definidores próprios. Ora, quem lê o texto da Concordata, apesar da grande autoridade dos juristas que intervieram na sua negociação, seja do lado do Vaticano seja do lado de Portugal, repara que há uma multiplicidade de órgãos da Igreja a quem é conferida a personalidade jurídica para os mais diversos efeitos particulares. A certa altura, assalta-nos a dúvida sobre se para cada fim específico existe um órgão com autoridade jurídica, qual é posição da Conferência Episcopal face a essas pessoas colectivas a que se confere a personalidade jurídica, ou seja, sobre que relações há entre a personalidade jurídica da Igreja e a da Conferência Episcopal, que, pela primeira vez, se apresenta como representativa da Igreja em Portugal, e outras pessoas colectivas subordinadas ou dependentes da Conferência.
Por isso mesmo, não se chega bem a saber se estes conceitos ficarão para posterior regulamentação, até porque, em minha opinião, o conceito de personalidade jurídica não é susceptível de regulamentação jurídica: ou é pessoa colectiva ou não se é pessoa colectiva, segundo o nosso Código Civil. Por isso, fiquei um pouco perplexo quando li o novo texto da Concordata.
O segundo ponto para o qual queria um esclarecimento, até porque o problema foi aqui amplamente debatido durante a Lei da Liberdade Religiosa: as outras confissões religiosas nascem, vivem e morrem ao abrigo de uma lei interna, ao passo que a Concordata apoia-se num tratado internacional. Acresce que na Concordata se refere repetidamente a liberdade religiosa, mas de uma maneira que não tem nada de liberdade religiosa, na medida em que me parece - e isto sem querer ofender ninguém - que se expulsou pela porta o que se deixou entrar pela janela, ou seja, deu-se a liberdade religiosa à Igreja Católica, como a outros cultos, mas todas as outras confissões podem ser criadas e extintas pela lei interna ao passo que a Concordata é intocável, por ser um tratado internacional.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Terceira pergunta: V. Ex.ª diz que a Concordata tem a estrutura tradicional. Não tem, porque efectivamente a Concordata espanhola é diferente, a Concordata italiana é diferente, pois é mais actualizada e está mais de acordo com os acordos religiosos, e a nossa Concordata actualizada não tem nada que ver com a Concordata que foi revogada, embora não se diga expressamente que foi revogada ou que substitui a anterior.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Para concluir, Sr. Ministro, a Lei da Liberdade Religiosa excepciona a Concordata de 1940. Não há nenhuma referência para a actualização dessa Concordata. Como é que esta Concordata vai ficar excepcionada da Lei da Liberdade Religiosa?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas. Dispõe de 5 minutos.

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O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito obrigado pelas palavras de saudação.
Devo dizer, antes de mais, que me formei-me em Direito mas entrei imediatamente para a carreira diplomática, pelo que não sou um jurista capaz de responder a outros juristas qualificados.
Quanto às duas primeiras perguntas, penso que posso responder simultaneamente aos Srs. Deputados Medeiros Ferreira e Narana Coissoró e começaria por dizer que a Santa Sé não é aqui um problema, porque tem personalidade jurídica internacional, o que já reconhecemos, pelo que não vale a pena focar esse ponto. A questão põe-se em relação à Conferência Episcopal Portuguesa e a outras entidades que apareçam em nome da Igreja Católica. O que me parece é que em relação à Conferência Episcopal Portuguesa não se tratou de dar um privilégio mas apenas de traduzir na prática aquilo que é, segundo a Concordata, a instituição que, no plano interno, será o interlocutor do Estado na execução da Concordata. E aí temos, se bem me lembro, a Comissão Paritária, que irá sempre dirimir eventuais dúvidas na sua aplicação.
Quanto à personalidade jurídica, eu próprio me interroguei e, portanto, vou dizer-vos aquilo que me foi transmitido por juristas com certeza mais conhecedores do que eu. Segundo eles, neste caso, as pessoas jurídicas canónicas que queiram intervir no chamado comércio civil - arrendar imóveis, efectuar ou receber doações, heranças ou legados, efectuar formação eclesiástica aberta ao público - terão de se inscrever num registo nacional, tal como as outras pessoas jurídicas de outras religiões, do qual constem os elementos mínimos de identificação. O regime anterior consagrava unicamente a notificação ao governo civil da área, sem qualquer requisito de identificação que não fosse a respectiva designação. Agora, as pessoas jurídicas canónicas, para além de terem de ser reconhecidas por registo, ficam com a sua actividade civil totalmente subordinada ao direito português.
No que diz respeito à questão do Santuário de Fátima, também não sei como lhe responder, Sr. Deputado Medeiros Ferreira. Penso que neste caso se terão de aplicar as regras do direito interno e do direito internacional. Confesso que não conheço o problema a fundo, li sobre ele hoje na imprensa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Nem tem história!

O Orador: - A Concordata, no fundo, é um tratado internacional, o que também responde ao Sr. Deputado Narana Coissoró. Quando falei da estrutura tradicional, referia-me mais à estrutura tradicional portuguesa. Sei que as concordatas são diferentes e que cada país negoceia…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Uma não faz tradição!

O Orador: - Está bem, mas como é apenas a segunda que temos, foi a forma de dizer que seguiu a estrutura da outra, embora com as diferenças que se verificaram depois. O Sr. Deputado tem talvez razão quanto à imprecisão da frase.
Como estava a dizer, a Concordata é um tratado internacional, negociado por cada país de forma diferente e adaptado às condições de cada um. Recordo que os regimes concordatários são diferentes e têm até recepções diferentes consoante os países. Há agora muitos países novos com concordatas. A França negociou há poucos anos uma, a Polónia e outros países negociaram as suas concordatas, em tratado internacional, que são diferentes, com certeza, daquele que foi o nosso. Aliás, lembro que, em relação à nossa, também houve dúvidas no sentido de saber se se faziam apenas alterações ou se se iria para uma mudança mais profunda e, finalmente, optou-se por essa orientação, aliás, definida, devo dizer, pelos vários governos.
Nesse sentido, queria aproveitar para prestar uma homenagem ao Sr. Deputado Jaime Gama, porque foi ele que iniciou este processo como Ministro dos Negócios Estrangeiros. Penso que os meus antecessores e, agora, eu próprio seguimos a linha que foi então traçada e procurámos respeitar aquilo que é o valor mais importante na negociação destes tratados, que é, na minha opinião, a continuidade.
O Sr. Deputado Narana Coissoró falou num último ponto que agora não me recordo…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Excepcionar a Concordata de 1940.

O Orador: - Agradeço muito ter focado esse ponto, Sr. Deputado, porque, pelos vistos, há aí uma lacuna, que irei verificar, e naturalmente que o Governo terá em conta a sua chamada de atenção.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Não preciso de ir em auxílio do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades, mas julgo que o problema que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira levantou está solucionado na própria Concordata, porque aí se diz que "nenhuma parte do território da República Portuguesa dependerá de um bispo cuja sede esteja fixada em território sujeito a soberania estrangeira". Julgo, portanto, que este problema está resolvido.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - E o Bispo de Roma, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Roma fica na Itália, Sr. Deputado. Isso não me oferece qualquer dúvida.
O orador seguinte é o Sr. Deputado Jaime Gama. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas: A liberdade religiosa está inquestionavelmente garantida pela actual Constituição portuguesa e, em breve, igualmente o será pela futura Constituição Europeia.
Extensão natural do princípio democrático, a liberdade religiosa é algo mais do que o simples consentimento de uma prática tolerada; é, sobretudo, a garantia do seu exercício efectivo pleno. Por isso, a Lei da Liberdade Religiosa, aprovada pelo Parlamento em 2001, definiu um quadro geral para a aplicabilidade do princípio às várias igrejas e comunidades religiosas radicadas no País, ressalvando para a Igreja Católica - atenta a expressão dos seus crentes e praticantes ao longo dos séculos - um regime concordatário, resultante de tratado internacional entre o Estado português e a Santa Sé, com um grau reforçado de estabilidade no plano jurídico. Não podia ser mais clara a matriz da incorporação na ossatura fundamental do Estado dos valores da liberdade religiosa e do regime concordatário estabelecido com a Igreja Católica.
A Concordata de 7 de Maio de 1940, modificada em ponto específico pelo Protocolo Adicional de 5 de Fevereiro de 1975, que a convalidou quanto à totalidade dos restantes artigos, carecia de revisão, quer por virtude das transformações democráticas ocorridas em Portugal, da adesão à União Europeia e a outras organizações internacionais, e bem assim do acesso à independência das antigas colónias portuguesas, quer também em função da evolução doutrinal da Igreja Católica, nomeadamente em sede de direito canónico e de conceito quanto às relações com a comunidade política.
A Concordata de 1940 assegurou à Igreja Católica um quadro limitado de direitos, sem todavia os fazer radicar numa concepção democrática do funcionamento do Estado na sua relação com a sociedade e ressalvando sempre os adequados mecanismos de controlo sobre aspectos centrais de funcionamento da instituição. Se esses direitos particulares puderam ser encarados como mais-valia face a anteriores períodos de hostilidade, a verdade é que uma garantia plena e geral para a sua efectivação só poderia dimanar de uma ordem constitucional genuinamente democrática, baseada nos princípios de que "a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável"…

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - … e de que "as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto" (artigo 41.º da Constituição).

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A iniciativa de rever a Concordata de 1940, tomada pelo governo português em Janeiro de 2000, assentou, assim, na consciência de que, não existindo em Portugal questão religiosa, se justificava a oportunidade de, tranquilamente, avançar uma nova filosofia concordatária que actualizasse esse importante tratado bilateral entre a República portuguesa e a Santa Sé, à luz de uma óptica de maturidade e responsabilidade.
Não posso deixar de sublinhar o profissionalismo e a correcção com que agiram os negociadores em cumprimento das directrizes traçadas pelo governo e de forma especial realçaria a serena abertura manifestada pela Santa Sé e pela Conferência Episcopal Portuguesa (esta em comunicado de 9 de Fevereiro de 2000) à iniciativa do governo português, aliás, respaldada posteriormente em voto unânime da Assembleia da República, de 19 de Abril do mesmo ano.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - O texto da Concordata que hoje debatemos e votaremos - e a que se associaram governos de legislaturas sucessivas - introduz importantes melhorias ao regime concordatário até agora

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vigente, que dignificarão a esfera de actuação do Estado e o magistério da Igreja Católica. Sublinho, entre outras, o primado dos valores democráticos da Constituição portuguesa;…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … o fim da intervenção do governo na designação dos bispos e em outros aspectos de tutela da autonomia da Igreja Católica;…

O Sr. José Magalhães (PS): - Excelente!

O Orador: - … a eliminação da exclusividade para cidadãos nacionais no exercício de certas funções religiosas; a admissibilidade da existência de ensino superior e universitário católico; a desmilitarização da assistência religiosa nas Forças Armadas;…

O Sr. José Leitão (PS): - Muito bem!

O Orador: - … a clarificação do regime de deveres e isenções fiscais para a Igreja Católica; a intervenção dos tribunais portugueses na revisão e confirmação para efeitos civis das decisões dos tribunais eclesiásticos relativas à nulidade e à dispensa pontifícia do casamento rato e não consumado; a previsão nos instrumentos de planeamento territorial da afectação de espaços a fins religiosos; a conjugação de esforços na salvaguarda de imóveis classificados e de bens da Igreja que integrem o património cultural; a cooperação quanto a actividades exercidas no âmbito da educação e das várias políticas sociais, bem como em organizações internacionais e no espaço dos países de língua oficial portuguesa.
É por isso que se pode falar, a propósito da nova Concordata, não de uma Concordata ainda ditada por uma lógica de enquadramento-controlo mas, sim, de uma Concordata assente no princípio da liberdade-cooperação, verdadeiramente inserida, como pioneira, numa terceira geração de concordatas.
A entrada em vigor da Concordata da democracia implicará um grau acrescido de exigência na elaboração dos acordos de execução ou complementares que o seu próprio articulado prevê, bem como a entrada em funcionamento de uma comissão bilateral para a cooperação quanto a bens da Igreja que integrem o património cultural e de uma comissão paritária para acompanhamento da execução do tratado, interpretação de dúvidas e sugestão de medidas tendentes à sua concretização, tendo em conta o princípio da boa cooperação entre as partes.
A partir de agora, a Conferência Episcopal Portuguesa, a quem o Estado português pela primeira vez reconhece personalidade jurídica, assume um papel central, por parte da Igreja, na coordenação de posições negociais a concretizar em futuros acordos de desenvolvimento da Concordata, o que igualmente exige do Governo capacidade de iniciativa, resposta e acompanhamento neste domínio particular.
Se todo este processo se desenvolver com harmonia e tiver também em conta o que pode e deve ser feito em aplicação da Lei da Liberdade Religiosa quanto a outras confissões religiosas radicadas em Portugal, nomeadamente quanto a certo tipo de acordos de direito interno que a mesma prevê sobre matérias de interesse comum, e de aprovação final pela Assembleia da República, estou certo de que contribuiremos não só para continuar a garantir o bem precioso de um país sem questão religiosa como, sobretudo, para assegurar o exercício efectivo de um direito, o direito à liberdade religiosa, no respeito pelos direitos de todos.
Esta nova etapa exige igualmente responsabilidades redobradas para a Assembleia da República - trata-se, sem dúvida, de direitos fundamentais - e, por isso, estou certo de que, em momento oportuno, o Parlamento não se eximirá, em articulação com a Comissão da Liberdade Religiosa, seu órgão de consulta, a realizar o adequado balanço da experiência feita, retirando ilações e ensinamentos que contribuam para aperfeiçoar ainda mais este importante património da convivência cívica entre todos os portugueses, no quadro de um Estado não confessional mas garante do pluralismo religioso e que soube evoluir de um mero conceito de consentimento tolerado para uma noção de cooperação efectiva quanto às políticas democráticas de apoio ao exercício concreto da liberdade religiosa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em suma, uma opção da República portuguesa que marca e marcará, neste domínio, estou certo disso, as opções de fundo da União Europeia e o seu contributo para um mundo de mais liberdade, mais pluralismo, mais democracia, mais segurança e mais paz.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 73/IX, que aprova para ratificação a Concordata entre a República portuguesa e a Santa Sé, assinada a 18 de Maio do ano corrente, na Cidade do Vaticano, pelo anterior Primeiro-Ministro Durão Barroso e pelo Secretário de Estado Cardeal Sodano, é um documento da maior relevância.
A sua assinatura mereceu, aliás, a congratulação da Assembleia da República, através de um voto aprovado por larga maioria. A Sr.ª Deputada Leonor Beleza salientou posteriormente, em declaração política, a importância do novo texto e a satisfação do Grupo Parlamentar do PSD pela sua assinatura.
Tinha sido a Assembleia da República, através da resolução n.º 39/2000, de 19 de Abril, a instar o Governo a propor à Santa Sé o início das negociações relativas à revisão da Concordata de 1940.
Do trabalho dos XIV e XV Governos Constitucionais, designadamente dos Ministros Jaime Gama, a quem saúdo pela sua iniciativa, António Martins da Cruz e Teresa Patrício Gouveia, apoiados por uma comissão presidida pelo Embaixador Ribeiro de Menezes, resultou um texto que foi proposto inicialmente pelo governo anterior e retomado depois pelo XVI Governo.
Quer a Santa Sé quer a Conferência Episcopal Portuguesa tinham manifestado total abertura ao pedido de revisão formulado pelo Estado português, como já foi dito. Deve ser especialmente saudado o empenhamento esclarecido do Sr. D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa, e do Sr. D. João Alves em todo o processo. Adiante, referir-me-ei ao papel especial do Professor António Sousa Franco.
Verificou-se, entretanto, que o tempo decorrido desde 1940 e a profunda alteração das circunstâncias apontavam para a elaboração de uma nova Concordata e não apenas para a revisão da actual, tendo em conta a desactualização de significativos e importantes pontos, alguns dos quais muitos consideravam estarem feridos de inconstitucionalidade.
A Concordata de 1940 era, em boa parte, um texto datado, situado no seu tempo e com um objectivo claro: pôr fim a um conflito grave entre o Estado e a Igreja Católica, a chamada "questão religiosa", que se arrastara ao longo de quase 30 anos, afastando também qualquer intenção de regresso ao anterior regime do regalismo cartista, totalmente inadequado e ultrapassado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Importa sublinhar que, em 1975, a Concordata fora já modificada por um Protocolo Adicional, assinado pelo Ministro Salgado Zenha e pelo Secretário de Estado Cardeal Villot, o qual alterava a disposição que impedia o divórcio aos portugueses que tivessem celebrado o casamento canonicamente, disposição já nessa altura inaceitável e que, como se recordam, Francisco Sá Carneiro, entre muitos outros, criticou.
Por outro lado, era expressamente afirmada a vontade de convalidar, mantendo o regime concordatório vigente, todos os outros artigos da Concordata.
Pensamos que os portugueses devem estar gratos a todos aqueles que, ao contrário do que aconteceu no passado, quiseram e souberam evitar que surgisse uma nova questão religiosa, que, por certo, teria resultado de uma eventual denúncia unilateral da Concordata pelo Estado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ainda que, anteriormente, tivessem afirmado a possibilidade teórica de uma solução divergente, os dirigentes dos grandes partidos na época - Francisco Sá Carneiro, Mário Soares, Freitas do Amaral, julgo que os próprios dirigentes do PCP, então membro do governo provisório - aceitaram a referida solução. Eles souberam colocar o bem das pessoas e da comunidade nacional acima das suas opiniões pessoais. Também a Santa Sé, no Pontificado de Paulo VI, manifestou idêntica clarividência, que foi mantida pelos seus sucessores, bem como pelos governantes portugueses que àqueles sucederam.
Para além da caducidade evidente do Acordo Missionário, são conhecidas as principais mudanças que justificaram a solução agora proposta: a entrada em vigor da Constituição de 1976, que, consagrando o primado da pessoa humana, reconhece os seus direitos inalienáveis, designadamente à liberdade religiosa; o ordenamento jurídico que dela decorre; as novas normas do direito internacional e do direito comunitário; a própria modificação da doutrina da Igreja, salvaguardados os princípios fundamentais pertinentes, resultante sobretudo dos documentos aprovados pelo Concílio Vaticano II e pelo Magistério Pontifício. Aliás, já Pio XII tinha expressamente considerado a laicidade do Estado como conforme à referida doutrina.

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Por outro lado, a evolução da situação do mundo dos nossos dias aponta novos objectivos para uma nova cooperação entre o Estado e as confissões religiosas e, de um modo especial, a Igreja Católica: a globalização irreversível na economia, nas tecnologias, nas comunicações, que tem de ter em conta os limites impostos pela dignidade da pessoa, evitando a marginalização de povos inteiros ou de fracções significativas, ainda que minoritárias, de cada comunidade - basta lembrar a parte da população afectada pela pobreza - e promovendo a paz, a justiça, a liberdade e a diversidade cultural.
Também a Lei da Liberdade Religiosa, que esta Assembleia aprovou, depois de debate alargado, em 2001, embora não se aplicando directamente à Igreja Católica, por força, ressalvado o primado da Constituição, da supremacia do direito internacional sobre o direito interno e do seu artigo 58.º que expressamente ressalvou a legislação aplicável à Igreja Católica, veio estabelecer princípios hoje generalizadamente aceites e que, forçosamente, teriam de reflectir-se na nova Concordata. Foi o que aconteceu.
Ora, a laicidade é, hoje, sinónimo não só da não confessionalidade do Estado mas também de pluralismo religioso e das consequências que dele há que tirar, mas distingue-se do laicismo, que é uma ideologia que visa, pelo menos, a não cooperação entre o Estado e as confissões religiosas. Lembro que o Professor Gomes Canotilho escreveu que "o princípio de neutralidade do Estado aponta para a laicidade e não para o laicismo. Ele preclude qualquer pré-compreensão negativa oficial relativamente à religião em geral ou a determinadas crenças religiosas em particular".
Importa, no entanto, questionar as razões de um tratamento diferenciado em relação à Igreja Católica. Em primeiro lugar, como aqui já foi dito, por se tratar de um sujeito de direito internacional, como tal considerado por toda a comunidade internacional e como tal reconhecido anteriormente à própria independência de Portugal. Aliás, de acordo com as regras do tempo, foi a própria Santa Sé que procedeu ao reconhecimento da independência do nosso país, no ano 1179. E a nossa Pátria não pode, com certeza, apesar do longo tempo decorrido, ou talvez por isso mesmo, esquecer este facto.
Mesmo anteriormente a esse acontecimento do máximo relevo, já algumas concordatas tinham sido assinadas pela Santa Sé, como a conhecida Concordata de Worms que, em 1122, pôs termo à querela das investiduras.
Ao longo dos séculos, a Igreja e numerosos Estados, incluindo Portugal, utilizaram inúmeras vezes esta categoria de pacto formal para definir o estatuto jurídico da Igreja no ordenamento dos Estados ou para regular em conjunto várias matérias de interesse comum. Vigora actualmente um número muito significativo de concordatas mais recentes, celebradas com múltiplos países de quase todos os continentes. Por esta razão, a todas elas é exigida a forma de tratado internacional para alterar ou substituir um tratado anterior.
O Professor António Luciano de Sousa Franco, a quem presto a grande e sentida homenagem que merece, pelo seu trabalho, coerente com a sua vida, que tive o grande privilégio de acompanhar com muita amizade, pela sua superior inteligência, dedicação e cultura também na preparação do texto da nova Concordata, interrogava-se, em intervenção proferida no dia 24 de Maio passado: "Será que ela visa substituir, como Direito Internacional próprio e autónomo da Igreja Católica, a Concordata de 1940, nomeadamente para os efeitos do artigo 58.º da Lei da Liberdade Religiosa, isto é, definindo, com exclusividade e com prevalência sobre a Lei da Liberdade Religiosa, o estatuto próprio da actividade religiosa da Igreja Católica, dos seus fiéis, dos seus eclesiásticos e das suas pessoas colectivas ou jurídicas? Penso que sim, mas havendo subordinação à Constituição. (…)"
Por outro lado, é claro, como sublinhou, entre outros, o Professor Jorge Miranda, que os princípios constitucionais se compadecem com o tratamento diferenciado de várias confissões em razão do modo como elas se encontram difundidas entre as pessoas na comunidade, sem tratamentos discriminatórios. "O essencial está em que a regra da liberdade, em todos os aspectos, valha para todas as confissões, seja qual for o número dos seus fiéis, e que todas as organizações religiosas gozem dos mesmos direitos constitucionais e legais. Mas o princípio não impede a subsistência de regras específicas imediatamente dirigidas à Igreja Católica - por força da sua realidade histórica e sociológica -, desde que estas regras correspondam a critérios de objectividade, necessidade e adequação".
Também as matérias que assumem dimensão ou contornos especiais relativamente à Igreja Católica, como se reconhecia no preâmbulo do projecto de lei n.º 27/VIII, justificam a existência de uma concordata. É o caso do património cultural, da definição dos feriados, da criação de organizações da Igreja, entre outros aspectos.
Eu próprio tive oportunidade de referir, nesta Assembleia, as posições acolhidas pelas organizações internacionais que promovem os direitos humanos, caso do Conselho da Europa, sobre as relações entre o Estado e as religiões. A sua Assembleia Parlamentar adoptou, em 2000, uma recomendação aos governos dos Estados-membros para promoverem melhores relações com as religiões, nomeadamente, "implicando as comunidades e as organizações religiosas na defesa de valores democráticos e na promoção de ideias inovadoras" e "alargando e reforçando a cooperação com as comunidades e organizações religiosas e

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muito em especial (…) com as que tenham profundas tradições culturais e éticas entre as populações locais no que respeita às actividades sociais, caritativas, missionárias, culturais e educativas".
Não seria possível resumir sequer o papel especial e único da Igreja Católica na nossa comunidade, como, aliás, na própria comunidade internacional. O insuspeito Fareed Zakaria é mais um autor a reconhecer recentemente que, se a Igreja Católica não se viu a si própria como um paladino da liberdade, pelo menos até há algumas décadas, "desde o começo, opôs-se tenazmente ao poder do Estado e, com isso, limitou o poder do Príncipe (…), foi a primeira grande instituição independente da História a desafiar o poder temporal e, ao fazê-lo, ela fissurou o edifício de poder do Estado e foi nas suas falhas e esconderijos que se começou a desenvolver a liberdade individual".

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tal atitude decorria, digo eu agora, necessariamente, do mandato do seu Fundador, bem conhecido: "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Isso é revisionismo!

O Orador: - Pode dizer-se, é claro, que nem sempre foi assim e que houve épocas de fortes tentações teocráticas e outras, ainda mais numerosas, de cesarismo, ou seja, no primeiro caso, de utilização, pela Igreja Católica, da máquina do Estado, no segundo caso, de utilização das Igrejas nacionais pelos Estados para prosseguirem as suas políticas próprias.
Para nos concentrarmos na actualidade, o que não se pode negar é o papel desempenhado pela Igreja Católica na promoção da pessoa humana, dos mais pobres, dos mais carenciados em alimentos, em bens materiais, em educação e cultura, em direitos sociais, bem como da justiça e da paz. E não estou, evidentemente, a referir-me só aos membros do clero, mas igualmente a muitos milhares de leigos, alguns muito jovens, que, no voluntariado, integrados nas mais diversas organizações, dedicam boa parte do seu tempo e das suas vidas, em Portugal, nos países de língua oficial portuguesa e noutros pontos do mundo, a promover o direito fundamental, reconhecido numa declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas, ao desenvolvimento das pessoas e dos povos, a dignidade da pessoa humana e dos seus direitos, combatendo as discriminações contra as mulheres e o abandono de crianças e idosos, lutando contra a fome, a doença, a miséria, a guerra e suas consequências.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este facto não faz esquecer o que outros portugueses, de outras confissões ou membros de organizações não governamentais, também fazem e aos quais, evidentemente, também prestamos a nossa homenagem. Mas há, na verdade, uma grande diferença de escala.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Isso é uma leitura de direita da Igreja!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para além da eliminação de algumas disposições de duvidosa constitucionalidade, a nova Concordata consagra alguns princípios fundamentais que estão também na Lei da Liberdade Religiosa: o princípio da autonomia, independência e separação do Estado e da Igreja, cada um na sua própria ordem, que sofria graves limitações e não era, aliás, garantido pelo texto da Concordata ainda vigente, como já referiu o Sr. Deputado Jaime Gama, e o princípio da cooperação, também consagrado na Lei da Liberdade Religiosa e antes não afirmado no texto vigente da Concordata.
Depois da aprovação destes dois textos, podemos considerar que o ordenamento português das relações entre o Estado e as confissões religiosas passará de um modelo de separação relativa para um modelo de separação/cooperação ou separação com cooperação.
O princípio da liberdade religiosa, consagrado na Constituição e na lei de 2001, assume características não apenas passivas mas activas, como reconheceu o Tribunal Constitucional, em 1993, "um valor positivo, requerendo do Estado não uma pura atitude omissiva, uma abstenção, um non facere, mas um facere traduzido num dever de assegurar ou propiciar o exercício da religião."
Ela não é apenas uma liberdade de consciência individual mas também é um direito colectivo de organização, reunião, comunicação e educação. Abarca não só aquela liberdade mas também a liberdade comunitária das Igrejas, como nota o Professor Manuel Braga da Cruz, "pois não há religião sem esta dimensão social comunitária. A liberdade religiosa não é só uma liberdade privada, mas também uma liberdade pública".

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O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, a lei de 2001 garante os mecanismos para a aplicação destes princípios a outras igrejas e confissões religiosas que queremos ver concretizados no mais breve prazo possível.
Sublinharei, ainda que com brevidade, algumas das importantes inovações do texto em apreço: o reconhecimento dos princípios que referi e não vou repetir; o reconhecimento da personalidade jurídica da Conferência Episcopal Portuguesa; a obrigatoriedade de inscrição em registo do Estado das pessoas jurídicas canónicas e a revisão e confirmação pelos tribunais portugueses das sentenças de tribunais eclesiásticos no que se refere ao casamento; a garantia, em novos moldes e apenas quando solicitada, da assistência religiosa nas Forças Armadas, bem como do ensino da moral e religião católica no ensino público; o reconhecimento da especificidade institucional do ensino superior da Igreja, designadamente da Universidade Católica Portuguesa; a introdução de um regime fiscal não discriminatório em relação às outras confissões religiosas; a abolição da intervenção do poder político na nomeação dos bispos; a criação de mecanismos de solução de questões e de actualização permanente da Concordata através de comissões paritárias, uma delas especificamente para salvaguarda, valorização e fruição dos bens da Igreja que integram o património cultural português, com apoio do Estado; a afectação de espaços em sede de planeamento territorial para templos e outras instalações; a possibilidade de o conteúdo da Concordata ser desenvolvido por acordos celebrados entre as autoridades competentes da Igreja e da República. Há, entretanto, que assegurar a revisão da legislação complementar da Concordata e dos regulamentos vigentes, devendo os actuais manter-se em vigor até àquela revisão para evitar vazios que poderiam ser fonte de incerteza e conflitos desnecessários.
Deve referir-se ainda a salvaguarda dos direitos adquiridos ao abrigo do Acordo Missionário.
Finalmente, atribuímos uma importância especial aos artigos 1.º, n.º 1, e 4.º, que parecem conter o objectivo mais inovador: o empenho mútuo na cooperação para a promoção da dignidade da pessoa humana, da justiça e da paz, podendo abranger actividades exercidas no âmbito de organizações internacionais ou outras acções conjuntas, bilaterais ou multilaterais, em particular no espaço dos países de língua oficial portuguesa.
Para além da consagração do primado da pessoa humana, tal como acontece na Constituição da República Portuguesa, e do empenho na promoção dos direitos humanos, que a doutrina da Igreja defende e a Constituição da República Portuguesa consagra, vejo aqui o reconhecimento do humanismo universalista dos portugueses, da sua abertura a outros povos, de que resultaram encontros de culturas e de civilizações, e a aceitação das respectivas inter-influências, e, finalmente, uma comunidade de países lusófonos, desde o Brasil - onde vive a maior comunidade católica do mundo - até Timor-Leste, sem esquecer as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aqueles que têm a pessoa humana como princípio e meta de toda a sua acção, seguindo a via trilhada por Sá Carneiro, que respeitam a sua dimensão e aspirações espirituais, sem esquecer evidentemente as materiais e culturais, não podem deixar de destacar esta inovação.
Naquelas disposições, dos artigos 1.º e 4.º, contém-se, na verdade, o que deve ser o objectivo maior de toda a acção política e que lhe dá sentido: a promoção do desenvolvimento integral, harmonioso e feliz de todas as pessoas e do bem comum das sociedades em que se integram. E de toda a humanidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Srs. Deputados: Faz hoje mais de 33 anos que Sá Carneiro colocou a questão que sempre preocupou os católicos que sabem que a fé também se alimenta da liberdade.
Nesta mesma Sala, como Deputado à Assembleia Nacional, Sá Carneiro colocou a questão que muitos, demasiados, têm evitado desde então: "Será necessária uma Concordata?"
Corria, então, o ano de 1971 e já nesse tempo Sá Carneiro afirmava que se "o exercício efectivo dos direitos fundamentais em matéria religiosa tende hoje a ser reconhecido aos membros de todos os credos (…), então, e nesse aspecto, será desnecessária a Concordata".

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

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A Oradora: - E explicou porquê: a Concordata de 1940 pertence à "espécie" (foi o termo que utilizou) das que foram "estabelecidas pelos Estados em que (…) não se encontra assegurado o exercício efectivo das liberdades fundamentais. Nesses casos as concordatas visam dar (…) à Igreja aquilo que é negado à generalidade dos cidadãos e das instituições". E concluiu: "A existência de acordos com a Santa Sê não deriva, portanto, do carácter tradicionalmente católico da Nação". Antes se deveu, como Sá Carneiro bem sabia, ao carácter antidemocrático do regime.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Aqui está, pois, aflorada, tal como era possível na altura, a razão e a essência política da celebração da Concordata em 1940, pela mão de Salazar: por via da Concordata, a ditadura de Salazar oferecia à Igreja Católica uma situação de privilégio, em troca da sua aprovação, da sua legitimação, da sua cumplicidade ideológica ou, pelo menos, do seu silêncio perante a repressão e as perseguições do Estado Novo. Por essa mesma razão, por esse silêncio, por essa cumplicidade, a Concordata foi para milhares de portugueses e para milhares de católicos, um pacto de vergonha. Sá Carneiro, católico e liberal, sabia-o.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Há ironias que a História e as circunstâncias nos oferecem, que não devem ser esquecidas. Temos, hoje, como principais responsáveis políticos do actual Governo, dois homens que, repetidamente, se têm reivindicado politicamente inspirados pelo pensamento de Sá Carneiro: Pedro Santana Lopes, hoje Primeiro-Ministro, e Paulo Portas, hoje líder do CDS-PP. A ambos nos habituámos a ouvir evocar Sá Carneiro, citar as suas palavras e até, pelo menos a um deles, olhar as estrelas em busca da sua aprovação.
Hoje, o texto que aqui discutimos inclui, na sua nota preambular, um descarado elogio à Concordata de 1940, ao modo como supostamente contribuiu para reforçar os laços históricos entre Portugal e a Santa Sé. Quem o apresenta é o Governo, liderado por dois sá-carneiristas. Fica claro que, afinal, a evocação do mentor é nada mais nada menos do que balofa: a inspiração não foi suficiente e nada aprenderam da vontade liberal que animou o pensamento de Sá Carneiro no que toca à relação entre o Estado e a Igreja.

Aplausos do BE.

Por isso, 30 anos depois do fim do Estado Novo e do nascimento da democracia e 28 anos após a aprovação da Constituição que nos funda como comunidade política democrática, pretendem estes senhores que esta Câmara volte a ratificar um tratado que, no seu teor, é anacrónico, despropositado e desajustado da realidade social portuguesa,…

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - … que fere o princípio da laicidade do Estado e que, nesse sentido, envergonha os católicos que sabem a história da celebração das Concordatas e dos acordos concordatórios neste país.
O que discutimos hoje, Srs. Deputados, não é e não pode ser tratado como uma questão de religião, e não é e também não pode ser tratado apenas como uma questão de direito. É uma opção política de fundo que, hoje, afronta e defronta esta Câmara.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - O que temos de assumir aqui, e esclarecer de modo claro, sem recurso a inércias históricas ou argumentos tradicionalistas, é o papel do Estado na sua relação com as igrejas e as confissões religiosas.
Essa questão, em princípio, já deveria ter sido respondida na Constituição da República, desde 1976. E para quem quis fazer uma clarificação dessa relação, aqui tivemos, há pouco mais de três anos, a especificação, a codificação e a densificação de conceitos, na Lei da Liberdade Religiosa, aprovada nesta Câmara.
A Concordata, tanto a velha como a nova hoje em discussão, pretende contudo dar uma resposta diferente: vincular a República Portuguesa a fazer à Igreja Católica a oferenda de um regime privativo, um regime só seu, um regime de privilégio.

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Esta oferenda, esta Concordata que hoje discutimos, tem garantias únicas e exclusivas: é celebrada sob a forma de tratado internacional e, assim, retira ao Parlamento poderes de deliberação legislativa sobre o seu conteúdo. A relação entre o Estado e a Santa Sé fica, assim, acima da lei interna ordinária, acima da intervenção da representação plural que compõe esta Assembleia, acima da vontade democrática aqui representada.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Mas é também um presente envenenado, porque assenta na discriminação entre religiões: atribui à Igreja Católica um estatuto especial que a privilegia em relação às demais confissões religiosas, e, nesse exacto sentido, é embaraçosa para os católicos que sabem que a igualdade entre religiões é a condição da liberdade religiosa.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - É por isso que esta Concordata é perigosa, constitucionalmente duvidosa e, certamente, politicamente inaceitável.
É constitucionalmente duvidosa, porque coloca meios públicos à disposição de crenças privadas e mantém, inexplicavelmente, a responsabilidade do Estado na contratação de professores de religião e moral católica nas escolas públicas, o que fere, clara e objectivamente, os princípios da laicidade do Estado e do carácter não confessional da educação pública.
O acesso das confissões religiosas à escola pública, sem responsabilização contratual do Estado, está já previsto na Lei da Liberdade Religiosa. E nada mais deve caber ao Estado.
É constitucionalmente duvidosa, porque não pode o Estado, como refere o texto que hoje discutimos, aliar-se à Santa Sé na advertência a quem contrai casamento católico que não deve requerer o divórcio. O Estado laico não pode ser agente de vigilância da doutrina religiosa.

Aplausos do BE.

E é, de novo, constitucionalmente duvidosa, porque pretende comprometer o Estado na protecção do uso ilegítimo de práticas católicas, como se à República coubesse cuidar de assuntos internos da Igreja.
Por isso, pela sua história, pelo modo como dá abrigo à desigualdade entre confissões religiosas, a Concordata, tanto a velha quanto a nova, é politicamente embaraçosa, humilhante e vergonhosa para todos os que se revêem na ideia de uma democracia que se quer moderna, plural e respeitadora da igualdade religiosa dos seus cidadãos.
Num Estado não confessional, em matéria de religião, nenhuma pode ser mais oficial, porque nenhuma pode ser oficial - este é o princípio que fica em causa com esta Concordata.
Esta Concordata, Srs. Deputados, a nova Concordata, chega-nos velha e comprometida com valores da História de Portugal, com os silêncios, a vergonha, a repressão das liberdades e do pluralismo religioso.
A nova Concordata, apesar da suposta revisão e modernização, chega-nos, assim, despropositada e prepotente.
Na realidade, a nova Concordata só nos chega porque há quem continue a julgar proveitosa a legitimação institucional da Santa Sé e veja ainda utilidade política na manutenção da sua função ideológica.
O que não sabem, o que não são capazes de perceber, é que esta Concordata menoriza e enxovalha a República, menoriza os cidadãos e os católicos que sabem que a sua fé e o seu culto não necessitam de tratados internacionais e só se menorizam pelo regime de privilégio.
Cabe-nos, hoje, Srs. Deputados de todas as bancadas, impedir que tal aconteça.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Havendo uma Lei da Liberdade Religiosa, que estabelece os princípios da relação entre o Estado e as diferentes igrejas e comunidades religiosas e que deveria ser aplicada a todas as religiões, outra não pode ser a leitura do

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sentido da Concordata que não a de instituir privilégios em relação a uma religião em particular. E se dúvidas houvesse, bastaria atender ao seu conteúdo, apesar das alterações nela contidas.
O Estado português continua, assim, a fazer uma opção de aplicar um regime geral para todas as religiões e de aplicar um regime particular para a Igreja Católica com um tratado internacional, à qual dá, aliás, também honras de protocolo de Estado.
Sobre os privilégios, darei como exemplo o ensino religioso: as igrejas e comunidades religiosas podem requerer ao Governo, no âmbito da Lei da Liberdade Religiosa, que lhes seja permitido ministrá-lo nas escolas públicas de ensino não superior. Contudo, a Concordata estabelece que o Estado português, em relação à religião católica, garante (portanto, logo à partida) as condições necessárias para assegurar o ensino da religião e moral católicas. Ou seja, este ensino para a Igreja Católica é dado como adquirido. E, mais do que adquirido, é garantida a sua generalização, porque refere claramente "nos estabelecimentos de ensino público não superior, sem qualquer forma de discriminação", isto é, em todas as escolas. Isto traduz também o Estado a interiorizar a influência da Igreja Católica num dos pilares fundamentais ao desenvolvimento dos indivíduos que reside, justamente, na educação.
Mas, para além do que está inscrito na Concordata, outros privilégios à Igreja Católica têm estado presentes em matéria de ensino: a insistência em manter a disciplina de Educação Moral e Religiosa e a pouca atenção que se tem dado à garantia e existência generalizada a todas as escolas de uma disciplina alternativa à educação moral, uma disciplina prevista na lei como de desenvolvimento pessoal e social, tem funcionado, na prática, como uma forma de ajuda que o Estado dá a que as crianças nas escolas públicas frequentem a disciplina de educação e moral.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Para além disso, não pondo em causa o serviço e o trabalho de âmbito social que é prestado por muitas instituições ligadas à Igreja Católica, como as misericórdias, o certo é que o Estado tem prejudicado a escola pública nos locais, onde, por exemplo, existem essas instituições, de forma a valorizá-las na sua procura, por escassez de oferta de ensino público, diminuindo a oferta de escolas públicas, que compete ao Estado garantir e generalizar em benefício e da possibilidade de opção das famílias portuguesas.
E é o âmbito desses privilégios que, também no ensino superior, a Universidade Católica Portuguesa adquire expressamente, com esta Concordata, uma especificidade institucional.
Outra questão que bem demonstra que a Concordata não respeita o princípio de separação entre o Estado e a Igreja é no que diz respeito ao casamento canónico. Que cada igreja tenha as regras que entender, mesmo que incompreensíveis em pleno século XXI, por discriminar as mulheres, ou por ter uma visão muito pouco saudável sobre direitos sexuais e reprodutivos, ou por considerar que seja qual for a circunstância o casamento é para toda a vida, isso é com cada igreja e com cada um dos seus crentes.

Aplausos do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

Agora, que o Estado português acate, na assinatura de um acordo bilateral com a Santa Sé, a regra de que há uma forma de casamento, o canónico, que é indissolúvel, porque recorda que os cônjuges que contraíram casamento canónico têm o dever grave de não se valerem da faculdade civil de requerer o divórcio, que o Estado pactue com este princípio, isso é que é totalmente inaceitável, quando a Constituição da República Portuguesa estabelece que os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução (onde se inclui o divórcio) são iguais, independentemente da forma de celebração do casamento.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Estas são algumas das razões que vão levar "Os Verdes" a votar contra a aprovação, para ratificação, desta Concordata. É por respeito, num Estado laico, a todos os cidadãos, sem religião ou de qualquer religião, onde está incluída a católica, é por respeito àquilo que consideramos fundamental: por um lado, que o Estado não faça, nem promova, opções religiosas, isso é com cada cidadão, com cada família, e, por outro, que o Estado não privilegie instituições, que respeite a todos os níveis o princípio da igualdade e das diferenças.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras, Sr. Ministro, são para cumprimentá-lo, para dar conta da satisfação de o

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vermos hoje aqui entre nós e para formular o desejo de, num diálogo que queremos intenso entre o Governo e a Assembleia, o vermos aqui muitas outras vezes.
A celebração de uma nova Concordata - que substitui a Concordata de 7 de Maio de 1940 - inscreve-se na necessidade de actualizar e enquadrar as relações entre o Estado Português e a Igreja Católica.
A Concordata de 1940 estava manifestamente desactualizada, várias das suas disposições eram passíveis de serem consideradas inconstitucionais e permanecia a necessidade de uma nova lei da liberdade religiosa que fosse conforme à Constituição da República.
Nestes sessenta e tal anos que teve de vida a Concordata, acontecimentos importantes vieram alterar o quadro de referência política e social em que a Concordata de 1940 havia sido negociada. Destacamos: a celebração do Concílio Vaticano II; a Revolução de 25 de Abril; a Constituição de 1976; a descolonização; o Protocolo de 1975 legalizando o divórcio no casamento católico; a definição, em 1998, por parte do Vaticano, do estatuto teológico e jurídico das conferências episcopais e das instituições de direito eclesiástico e a Lei n.º 16/2001, a Lei da Liberdade Religiosa.
Esta nova Concordata foi o resultado de um trabalho sério de diálogo e de negociação, que adivinhamos duro, dada a natureza do nosso interlocutor, que se prolongou por um período de quatro anos, envolvendo vários governos sem que tenham sido postas em causa as linhas e orientações fundamentais.
Mesmo com a certeza antecipada de cometer involuntariamente injustiças, não quero deixar de referir que à Concordata de 2004 ficam ligados os nomes dos ex-Ministros dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama - que iniciou o processo, e cuja excelente intervenção aqui saúdo, lembrando a doutrina com que o Estado português partiu para estas negociações -, Martins da Cruz e Teresa Patrício Gouveia, o nosso Embaixador no Vaticano, Ribeiro de Menezes, e de recordar o papel decisivo que tiveram, por parte da Igreja nesta negociação, os nossos concidadãos Cardeal D. José Policarpo e o Dr. Sousa Franco, hoje aqui muito justamente recordado.
Este longo trabalho de negociação traduziu-se numa actualização e modernização das relações entre as partes, fundadas na confiança e no respeito mútuo e consagra os princípios da laicidade, separação de poderes e igualdade, previstos no ordenamento político-constitucional vigente, conciliando o reconhecimento do papel singular da Igreja Católica em Portugal, com a conformidade da ordem jurídica portuguesa.
O novo texto introduz algumas alterações importantes, das quais destaco as mais relevantes, segundo interpretação da minha bancada: o reconhecimento, por parte do Estado português, da personalidade jurídica civil da Conferência Episcopal Portuguesa; a assistência religiosa às Forças Armadas, que apenas é garantida quando solicitada, assim como o ensino da moral e da religião católica no ensino público não superior, na linha da nossa Lei da Liberdade Religiosa; a declaração canónica da nulidade de um casamento passar a ter efeitos civis automáticos; a especificidade institucional da Universidade Católica Portuguesa, no quadro do respeito do direito português em matéria de ensino superior; a obrigatoriedade de inscrição em registo das pessoas jurídicas canónicas e a aplicação de um regime fiscal não discriminatório; o regime de cooperação com o Estado português respeitante aos edifícios e monumentos nacionais na posse da Igreja Católica; e, finalmente, questão que considero da maior importância, a consagração da cooperação das acções de ambas as partes nas instituições internacionais, particularmente nos países de língua e expressão portuguesas.
Inovação muito importante é a criação de uma comissão paritária bilateral, sob vária formas, para resolver questões decorrentes da interpretação da Concordata, o acompanhamento do desenvolvimento da cooperação para a promoção de acordos complementares a esta Concordata, entre os quais, destaco, por exemplo, o das capelanias militares e o da própria Universidade Católica Portuguesa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Deste modo, e em jeito de conclusão, o novo texto da Concordata vem proporcionar, de uma forma mais flexível, o relacionamento entre a Igreja Católica e o Estado Português.
De facto, como o Sr. Deputado Pedro Roseta aqui muito bem explicou, é do máximo interesse para Portugal a não existência de uma questão religiosa, e o bom senso que, em momentos críticos do nosso processo político, tiveram os diferentes líderes partidários constitui um patamar de maior estabilidade nas relações entre as partes.
Por tudo isto, a bancada do Grupo Parlamentar do CDS-PP congratula-se pelo resultado final e pela assinatura da nova Concordata, que, a nosso ver, constitui um passo para favorecer um melhor entendimento e cooperação entre o Estado e a Igreja nos domínios onde ambos actuam ou que são de interesse comum e que contribui para a valorização e actualização do mais antigo património do nosso relacionamento externo, que, de resto, se identifica e se confunde com o próprio Estado Português.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Srs. Deputados: Quando, em 2001, foi votada nesta Assembleia a Lei da Liberdade Religiosa, o Grupo Parlamentar do PCP pronunciou-se desfavoravelmente, em votação final global, por discordar da opção, então tomada, de isentar a Igreja Católica da aplicação desse diploma legislativo em condições de igualdade e de princípio com as demais religiões.
Para o PCP nunca esteve em causa o respeito pela Concordata e pelos regimes especiais que dela decorrem. Sempre reconhecemos que, sendo a Concordata um Tratado Internacional, celebrado entre Portugal e a Santa Sé, a sua revogação, ou alteração, não poderia ser feita por simples aplicação de uma lei da República, mas mediante novo tratado entre os Estados signatários, cuja ratificação dependeria sempre da aprovação da Assembleia da República.
Mas isso não era razão para isentar a Igreja Católica da aplicação da Lei da Liberdade Religiosa. É certo que a Igreja Católica tem em Portugal uma História, uma tradição e uma representatividade que a distingue das demais Igrejas e, obviamente, que essa representatividade deve ser reconhecida e deve ter consequências, porém isso não a deve isentar da aplicação, por parte do Estado, do princípio da igualdade. A aplicabilidade deste princípio, que manda tratar como igual o que é igual e como diferente o que é diferente, não implica a negação da representatividade e da importância da Igreja Católica e é um imperativo do Estado de direito democrático.
A solução, em nosso entender, não deveria passar pela criação de um regime supralegal de excepção para a Igreja Católica, mas pela regulação do relacionamento entre o Estado e essa Igreja, reconhecendo a sua especial representatividade, mas no respeito pelos princípios consagrados na Constituição da República e na Lei da Liberdade Religiosa.
Dito isto, importa referir que não negamos ao Estado Português e à Santa Sé o direito de negociar e aprovar a revisão da Concordata de 1940, nem negamos a necessidade de rever tal Tratado, tendo em conta a inadequação e a desactualização do texto aprovado nessa data.
Porém, há aspectos concretos consagrados no texto da Concordata que hoje somos chamados a aprovar que merecem a nossa discordância. Referir-me-ei aqueles que consideramos fundamentais: em primeiro lugar, a disposição relativa ao divórcio.
Consta do texto da Concordata em apreciação que "A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vínculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio".
Não podemos concordar com esta disposição. A Igreja Católica tem toda a legitimidade para recordar os deveres que entender aos cidadãos que perfilhem a religião católica, quer quanto à indissolubilidade do matrimónio, quer quanto a qualquer outra matéria, mas o Governo Português não pode subscrever, em nome de um Estado, que por imperativo constitucional é um Estado não confessional, a imposição de deveres que são única e exclusivamente do foro religioso.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Estado Português não pode subscrever nenhum documento sobre a indissolubilidade do casamento que contrarie o disposto na Constituição e na lei.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O segundo aspecto diz respeito à educação moral e religiosa nas escolas públicas. O direito à existência de educação moral e religiosa católica nas escolas públicas deve ser reconhecido, tal como em relação às demais religiões, nos termos da lei.
O que, em nosso entender, não tem justificação é o regime de privilégio da educação moral e religiosa católica, que faz com que seja obrigação do Estado nomear e contratar os professores desta disciplina de acordo com a autoridade eclesiástica competente, violando assim o princípio da igualdade que deveria existir nesta matéria. É que o Estado não assume idêntica responsabilidade de contratação e colocação de professores para com mais nenhuma confissão religiosa.
Ainda em matéria de educação, não podemos deixar de referir, negativamente, o estatuto supralegal que, por via da sua inclusão na Concordata, é dado ao estatuto de excepção de que goza a Universidade Católica em face das demais instituições universitárias.
É certo que o Estatuto da Universidade Católica não decorre originariamente da Concordata mas de um diploma legal de 1990, cuja aprovação aqui contestámos, aliás, na altura, mas também é certo que a

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sua inclusão na Concordata, que por ser um tratado internacional adquire um valor supralegal, limita o Estado Português na sua capacidade, que deveria ser soberana, para regular o sistema educativo português, incluindo, obviamente, o estatuto das instituições universitárias existentes em Portugal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, também se nos afigura discutível a solução encontrada quanto à conservação, manutenção e restauro dos monumentos nacionais e imóveis classificados como de interesse público que sejam afectados permanentemente ao serviço da Igreja.
À Igreja incumbe a sua guarda e regime interno, mas é sobre o Estado que recai exclusivamente o encargo da sua conservação, reparação e restauro.
É óbvio que a Igreja Católica possui um património imobiliário com um valor cultural, artístico e monumental incomensurável e que o Estado não deve abster-se de cooperar na salvaguarda desse património, mas não é a solução mais proporcionada que a Igreja fique com os direitos e o Estado com os deveres, situação que não se verifica designadamente relativamente a autarquias locais que detenham edifícios em condições semelhantes.
Justificar-se-ia, assim, a adopção de uma solução mais equilibrada quanto à conservação e restauro dos monumentos e edifícios de interesse público na posse da Igreja.
Nestes termos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, tendo em conta o conteúdo concreto da Concordata, que contém aspectos importantes de que discordamos e tendo igualmente em conta a questão de princípio que nos levou a discordar da Lei da Liberdade Religiosa, o Grupo Parlamentar do PCP vai votar desfavoravelmente a proposta de resolução em apreço, sem que esta posição represente qualquer hostilização da Igreja Católica, dos valores que esta Igreja representa ou dos inúmeros cidadãos que, em Portugal, professam a religião católica e que merecem obviamente a nossa consideração e respeito e sem que, também, esta posição represente qualquer contestação da especial representatividade da Igreja Católica na sociedade portuguesa, facto que deve ser reconhecido, mas sem que tal reconhecimento se traduza em violações do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

Aplausos do PCP e de Os Verdes!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Filipe, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, após ter ouvido com muita atenção a sua intervenção, permita-me que lhe coloque duas ou três questões.
Em primeiro lugar, gostaria de saber a sua opinião sobre os deveres que cria para o Estado português a declaração exactamente idêntica à que consta do acordo celebrado entre Portugal e a Santa Sé, em 1975, a propósito da indissolubilidade do casamento católico que consta hoje da Concordata.
Em segundo lugar, pergunto-lhe se se esqueceu de, na sua intervenção, referir que as restantes confissões religiosas têm, em relação à contratação de professores, exactamente o mesmo direito que tem a Igreja Católica. Naturalmente que, dentro de um entendimento correcto do princípio da igualdade, esse tratamento é apenas viável quando houver um número mínimo de alunos.
Não ouvi, por exemplo, V. Ex.ª criticar a disposição que cria como dias de descanso nacional um conjunto de feriados católicos. Portanto, é porque V.Ex.ª admite, como admitiu, e realçou, e sublinhou, que a Igreja Católica, cuja presença em Portugal é bem diferente da das restantes confissões religiosas, merece um tratamento que, não sendo desigual nem discriminatório, de uma forma sistemática cumpra o princípio da igualdade, tendo em conta o seu peso sociológico. E não me refiro ao peso histórico, que, para mim, tem, apesar de tudo, menos interesse.
Portanto, Sr. Deputado, não percebo porque é que acusa a Concordata de ofender o princípio da igualdade, o que, naturalmente, é uma matéria que nos deve merecer toda a consideração, porque esse é, juntamente com o princípio da liberdade religiosa, o princípio constitucional que pode estar em causa neste debate.
Agradecia, pois, que me explicasse se teve em conta, em relação a estes dois casos, que foram aqueles a que mais deu realce, o que acabei de referir.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, muito obrigado pelas questões que me colocou.

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Começando por responder à sua questão inicial, a do divórcio, o que entendemos é que o Estado português subscreveu o que não deveria subscrever. Volto a ler o texto que é submetido à aprovação da Assembleia da República: "Reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vínculo matrimonial, recordo aos cônjuges que contraíram matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio". Ou seja, é feito um apelo aos cidadãos para que não exerçam direitos que a lei civil lhes confere!
Ora, que a Igreja Católica possa formular esta imposição ou recomendação aos seus crentes, às pessoas a quem se dirige, porque professam essa religião, está no seu legítimo e pleno direito (e tudo estaria bem se se tratasse de um documento unilateral), mas o Estado português não deveria subscrever uma formulação desta natureza, em obediência aos princípios constitucionais por que se rege. Até porque não fica bem apelar aos seus próprios cidadãos para que não exerçam os direitos que a própria legislação civil, desse Estado, lhes confere, para além de que entendemos que os valores que estão presentes devem ser deixados à plena liberdade das pessoas.
Se fosse um documento unilateral da Igreja Católica, estaria muito bem para quem o quisesse acatar no exercício da sua liberdade; sendo um documento bilateral e sendo subscrito pelo Estado, entendemos que o Estado português não teria constitucionalmente o direito de subscrever um texto com este teor.
O Sr. Deputado José Vera Jardim referiu ainda que há condições de igualdade entre a educação moral e religiosa católica e a educação moral e religiosa de outras religiões no sistema educativo português. Ora, quero dizer-lhe que sei, por experiência própria, que isso não é verdade, porque tenho filhos em idade escolar e conheço como as coisas se processam.
Um filho meu, por opção, não quis ter educação moral e religiosa católica e, Sr. Deputado, pura e simplesmente, nessa hora, não tinha qualquer aula! E os pais são confrontados com a seguinte opção: ou inscrevem os filhos na educação moral e religiosa católica ou, então, durante uma hora, não sabem muito bem onde eles estão, se a brincar no recreio da escola ou fora dela.
Portanto, esta não é uma opção séria, para além de haver, obviamente, uma promoção feita pela própria escola - uma promoção activa - para que os alunos se inscrevessem.
Não contestamos a existência da educação moral e religiosa católica, consideramos que ela deve existir, como é óbvio, mas o Estado, nessa matéria, deve adoptar uma posição de neutralidade entre as possibilidades de as várias confissões religiosas poderem ter educação moral e religiosa das suas religiões. De facto, não é o que acontece e esta formulação na Concordata, que vai para além do que dispõe a Lei da Liberdade Religiosa em relação à generalidade das religiões, cria um regime de privilégio que, em nosso entender, não tem justificação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Creio que respondi às suas perguntas, Sr. Deputado. Agradeço que as tenha colocado, pois penso que só valorizam o debate que deve ser travado nesta Casa, com toda a seriedade e responsabilidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José leitão.

O Sr. José Leitão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, Sr.as e Srs. Deputados: A análise da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa não pode ignorar as opções que foram sendo tomadas pelo Estado português após o 25 de Abril e pela Igreja Católica após o Concílio Vaticano II - tive oportunidade de o referir, de forma detalhada, no relatório apresentado na Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa.
Sendo evidente que a Concordata de 1940 estava manifestamente desactualizada e que numerosas das suas disposições eram susceptíveis de serem consideradas como de constitucionalidade duvidosa, tornava-se necessária a negociação de um novo tratado internacional para a substituir, que respeitasse os princípios constitucionais e tivesse em conta realisticamente o facto de a Igreja Católica ser sujeito de Direito Internacional Público.
Após um trabalho de quatro anos, sob a iniciativa política do então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, e envolvendo diferentes governos, foi possível chegar ao texto actualmente em análise, que actua1iza e moderniza as relações entre as partes, conciliando o reconhecimento do papel singular da Igreja Católica em Portugal em conformidade com a ordem jurídica constitucional portuguesa.
Como sublinhou o Prof. Sousa Franco, que fez parte da equipa que negociou a nova Concordata por parte da Santa Sé, "esta é uma Concordata de separação, que não cria dependências da Igreja relativamente

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ao Estado ou vice-versa, de cooperação, criando mecanismos para que ambos colaborem para o bem comum, e que não contém privilégios, não cria excepções de benefício para a Igreja Católica, adapta os princípios gerais da Lei da Liberdade Religiosa, do direito estatal e do direito canónico".

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Um aspecto inovador em matéria de direito concordatário, que me apraz sublinhar, é a forma mais flexível como se regulam as relações entre o Estado e a Igreja Católica. Para lá das matérias totalmente reguladas pela Concordata, outras serão objecto de acordos complementares que podemos aproximar da lógica dos acordos entre as pessoas colectivas e o Estado, previstos na Lei da Liberdade Religiosa.
Esses acordos podem ser internacionais mas também podem ser de direito interno, ao abrigo da Concordata e com uma natureza subordinada a esta.
A Conferência Episcopal Portuguesa, cuja personalidade jurídica é reconhecida pela Concordata, terá da parte da Igreja Católica uma posição central nestas negociações. Tem, desta forma, uma responsabilidade acrescida na criação de um relacionamento construtivo e moderno com a sociedade plural e democrática portuguesa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao aprovarmos, para ratificação, a Concordata damos, pela nossa parte, mais um contributo para a concretização da liberdade religiosa e do diálogo e cooperação entre a República Portuguesa e a Igreja Católica.
O relacionamento positivo entre a República Portuguesa e as diferentes confissões religiosas tem contribuído para favorecer um clima de liberdade religiosa, o respeito entre todos os cidadãos e o diálogo inter-religioso, o que é, simultaneamente, um resultado e um factor de consolidação e aprofundamento da democracia portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente, permita-me que lhe agradeça a ajuda que me deu, há pouco, na resposta aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados. De igual modo, queria agradecer as palavras amigas que me foram dirigidas pelo Sr. Deputado Anacoreta Correia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem quebrar com a sua tradição histórico-cultural, o Estado português enceta agora uma nova fase de relacionamento com a Igreja Católica. A palavra-chave para esta nova etapa é cooperação.
A "Concordata da democracia", como também lhe chamou o Sr. Deputado Jaime Gama, reiterando para a Igreja Católica os princípios constantes da Lei da Liberdade Religiosa, representa um marco histórico, naturalmente de relevante significado para os cidadãos portugueses de formação católica, sem prejuízo da igualdade jurídico-constitucional das religiões e cultos praticados em Portugal, mantendo uma tradição apostólica, que teve uma influência determinante na formação da Nação Portuguesa, bem como no quadro dos valores actualmente predominantes na nossa sociedade.
Apelo, Srs. Deputados, ao voto para a aprovação da proposta de resolução agora apresentada pelo Governo, que, conforme tive oportunidade de referir, traduz inequivocamente o pluralismo e a laicidade do Estado português, observando de forma séria e irrefutável os princípios jurídico-constitucionais do Estado de direito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, apresento os meus cumprimentos a V. Ex.ª pela sua participação neste debate, tanto mais que ela foi esclarecedora em relação a alguns pontos, que irei mencionar a seguir.
Aguardava, com expectativa, o texto final da Concordata. Efectivamente, tinha-o como uma pedra final num edifício que, 25 anos depois do 25 de Abril, continuava ainda por construir, o do direito da liberdade religiosa em Portugal, naturalmente no estrito cumprimento dos preceitos constitucionais.

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Para quem, como eu, entendia deverem ser estabelecidos prioritariamente, numa lei genérica aplicável a todas as confissões religiosas, os grandes princípios que regulam esta matéria, como matriz essencial do direito à liberdade religiosa em Portugal, seguindo-se, naturalmente, a revisão da Concordata, o texto com que hoje nos confrontamos vem, a meu ver - mas aqui sou parte -, confirmar a justeza desta perspectiva.
Nada na presente Concordata afecta o princípio constitucional da igualdade, como não afecta os princípios, já enunciados por vários oradores, da separação das igrejas do Estado e da laicidade.
O princípio da igualdade exige que tratemos igualmente situações iguais. E não podemos perder de vista a especificidade própria da Igreja Católica no que se refere à sua implantação no País, quando comparada com outras confissões religiosas.
A Concordata é, quanto a mim, uma solução equilibrada, que tem em conta os já referidos princípios da não confessionalidade e da separação e transpõe para um instrumento internacional com estabilidade a regulamentação da sã convivência religiosa que vivemos em Portugal, englobando nela, naturalmente, a Igreja Católica.
Queria fazer menção, Sr. Ministro e Srs. Deputados, ao facto de, nos últimos meses, logo a seguir à publicação do texto da Concordata, terem começado a surgir vozes, vindas, em muitos casos, de meios ligados à Igreja Católica, reivindicando algumas interpretações da Concordata que, a meu ver, são abusivas.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Felizmente que V. Ex.ª, Sr. Ministro, veio trazer-nos hoje uma leitura oficiosa do entendimento do Governo nesta matéria,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - … ao explicitar, entre outras coisas, que, no que diz respeito à fiscalidade, a Igreja Católica se encontra em plena igualdade de condições com as outras confissões religiosas, designadamente quanto ao IRS. Foi bom que o tivesse dito, e dito claramente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como também foi positivo que o Sr. Ministro tivesse explicitado que o entendimento correcto da Concordata - e eu permitia-me acrescentar "e constitucional" - é o de que a assistência religiosa às Forças Armadas não pode continuar a ser feita como tem sido até agora, atentando claramente contra o princípio constitucional da separação entre a Igreja e o Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foram duas conclusões que pudemos tirar deste debate e, só essas duas, pela clareza que lançaram sobre questões que têm sido interpretadas, repito, a meu ver, abusivamente e contra a Constituição, já foram úteis.
Também não podia deixar de referir-me à questão do "célebre" estatuto da Universidade Católica. Em colóquios organizados nessa Universidade, a que assisti, ilustres oradores, que me merecem todo o respeito, vieram pretender retirar de um preceito que nada tem a ver com isso um estatuto especial quanto a certas matérias que caem, manifestamente, no preceito concordatário que refere que a Universidade Católica está, como não podia deixar de estar, sujeita à lei do Estado português.

O Sr. José Leitão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Também quanto a isso têm sido feitas algumas interpretações abusivas.
Já agora, Sr. Ministro, façamos também um voto para que com a Concordata não suceda o que por vezes sucede com outras leis. É que a lei, na prática, não corresponde ao espírito da lei na lei. É o caso daquelas situações que conheço e que critico, como critica o PCP, da organização dos horários nas escolas públicas de forma a poderem fazer alguma pressão sobre os alunos para a frequência das aulas de Religião e Moral.
Temos, portanto, de estar atentos quanto à prática e à leitura que iremos fazer desta Concordata e, naturalmente, quanto aos acordos - bons acordos, certamente -, que estão previstos na Lei da Liberdade

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Religiosa e que são um bom instrumento para que sejam afinadas as relações entre as igrejas, as confissões religiosas, e também a Igreja Católica e o Estado.
O Parlamento manter-se-á atento à evolução da situação, mas não posso deixar de terminar sem dizer que esta Concordata é um bom instrumento para cumprir o objectivo constitucional e para continuar o trabalho que foi iniciado com a Lei de Liberdade Religiosa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Agora, sim, não há mais oradores inscritos.
Declaro, então, encerrado o debate da proposta de resolução n.º 73/IX - Aprova, para ratificação, a Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, assinada a 18 de Maio de 2004, na cidade do Vaticano.
Srs. Deputados, vamos entrar no período regimental de votações, mas, primeiro, temos de proceder à verificação do quórum, utilizando, para o efeito, o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 156 presenças, às quais se tem de acrescentar os Srs. Deputados que se encontram presentes mas que não têm consigo o cartão electrónico.
De qualquer modo, o que interessa é verificar a existência ou não de quórum de votação e este é mais do que suficiente.
Sr.as e Srs. Deputados, o primeiro diploma que vamos votar é o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 135/IX - Altera a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, que, sendo uma lei orgânica, exige, para a sua aprovação, a maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, conforme dispõe a Constituição. Isto é, para este diploma ser aprovado precisa de ter 116 votos a favor. E, de acordo com o Regimento, esta votação tem de ser comprovada electronicamente, pelo que peço o favor de manterem os cartões electrónicos no respectivo aparelho.
Vamos, então, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 135/IX.

Submetido à votação, foi aprovado com 142 votos a favor (81 do PSD, 52 do PS e 9 do CDS-PP) e 10 votos contra (6 do PCP, 3 de BE e 1 de Os Verdes).

Está, pois, preenchido o requisito constitucional para a aprovação desta lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é só para fazer uma precisão. O sistema não assinalou todos os votos favoráveis ou, pelo menos, não assinalou o voto favorável do Sr. Deputado José Vera Jardim, que está sentado ao meu lado, e provavelmente o de outros Srs. Deputados. E, portanto, é preciso rectificar a votação, embora não haja qualquer problema constitucional.

O Sr. Presidente: - Vai ser anotada o voto a favor do Sr. Deputado José Vera Jardim…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o meu voto também não foi assinalado, e eu votei contra.

O Sr. Presidente: - … e o voto contra da Sr.ª Deputada Odete Santos. Aliás, os Srs. Deputados que tinham informado a Mesa de que não dispunham do respectivo cartão electrónico são contados como tendo votado a favor ou contra, conforme o sentido de voto do respectivo grupo parlamentar.
Neste sentido, a votação que assinalei não é de 142 votos a favor e 10 votos contra mas, sim, de 142 mais x votos a favor e nos 10 votos contra a Sr.ª Deputada Odete Santos, pelo menos, também tem de ser incluída.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação dos votos n.os 205/IX (PSD e CDS-PP), 206/IX (PS) e 207/IX (Presidente da AR). Conforme está previsto regimentalmente, cada grupo parlamentar dispõe de 4 minutos para apreciar o conjunto dos votos.

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Assim, para se pronunciar sobre o voto n.º 205/IX - De congratulação pelo levantamento do embargo à exportação de bovinos portugueses (PSD e CDS-PP), tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os grupos parlamentares da maioria congratulam-se com a decisão da União Europeia de levantamento do embargo à exportação de bovinos vivos portugueses e seus produtos e pela sua entrada em vigor já a partir de finais de Outubro de 2004.
Na sequência do surto de BSE, Portugal tem estado sujeito, desde 1998, a restrições à exportação de carne bovina.
Esta recente decisão da União Europeia e dos Estados-membros reflecte o reconhecimento pela eficiência dos cuidados e trabalho desenvolvido em Portugal pelo Ministério da Agricultura, bem como pelos diversos serviços sob sua tutela, nomeadamente a Direcção-Geral de Veterinária, no combate e erradicação à BSE, constatando-se que o sistema de controlo da carne de bovino portuguesa é de elevado nível de segurança comparativamente aos restantes Estados-membros, garantindo a defesa do consumidor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em Portugal, desde o anterior governo do PSD/PP, a análise por teste rápido é aplicada em todos os bovinos em abate, ultrapassando, em eficiência e segurança, o sistema de análise por amostragem praticado em outros países da União Europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Todos os esforços desenvolvidos pela fileira de produção e demais entidades públicas e privadas envolvidas foram coroados de êxito, como revelam inequivocamente os resultados das análises, confirmando o decréscimo do índice do risco estabelecido pela Organização Mundial de Saúde.
Os grupos parlamentares da maioria reiteram o seu apreço pelo desempenho do Governo e congratulam-se pelos resultados obtidos, os quais defendem os interesses de Portugal e dos agricultores portugueses.
Assim, propomos que a Assembleia da República aprove o voto de congratulação pelo levantamento do embargo à exportação de bovinos portugueses e seus produtos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PS associa-se ao voto de congratulação pelo levantamento do embargo à exportação de bovinos portugueses. Estão de parabéns os técnicos do Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas, os produtores e os consumidores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Importa, todavia, recordar por que aqui chegámos.
Em 1992, o Deputado António Campos denunciou a existência de casos de BSE em Portugal. O governo do PSD desmentiu o que então já era evidente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Perante a pressão do PS e da opinião pública, o governo foi forçado a reconhecer, em 1994, a existência da doença, mas nada fez.
Sabendo-se que o período de incubação da BSE é de 7 a 15 anos, esses quatro anos de inacção e de "política de avestruz" tiveram um custo incalculável para o País.
Quando o governo do PS tomou posse, em 1995, tudo estava por fazer. Em 1996, o governo decidiu atacar a doença, comunicando oficialmente às entidades europeias e organizando um plano de combate à erradicação da BSE.
Em 1998, estas medidas foram reforçadas no controlo de explorações e matadouros, na recolha de materiais de risco, na implementação do sistema nacional de identificação e rastreio de bovinos.

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Desde então, Portugal passou a enviar mensalmente relatórios sobre as medidas adoptadas, que provam que a doença foi não só travada como se reduziram, com sucesso, os casos detectados.
Em 2001, devido ao trabalho incompetente das autoridades portuguesas e na sequência de dois relatórios positivos da Agência Alimentar de Dublin, a Comissão Europeia decidiu levantar o embargo. A França contestou e, em 2002, o Tribunal Europeu suspendeu essa decisão.
Agora, um novo relatório da Comissão propõe outro levantamento do embargo, considerando que Portugal reúne as condições necessárias, tal como já preenchia, em 2001, mantendo a França a sua posição.
Sr. Presidente, a pior maneira de defender os produtores e os consumidores é escondendo a verdade.
O Governo do PSD fez bem em dar continuidade às boas políticas, políticas de verdade, que o governo do PS tinha deixado em curso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queremos associar-nos também ao voto de congratulação pelo levantamento do embargo à carne de bovinos portuguesa.
Todavia, o PSD não fez a formulação do voto correctamente, uma vez que nele aparece só o Grupo Parlamentar do PSD, quando quem apresenta o voto é o PSD e o CDS-PP, pelo que deveriam tê-lo feito nos vários itens que propõem.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passados muitos anos do aparecimento da BSE em Portugal e do respectivo embargo, depois de muitos milhões de contos de prejuízos, de muitas aflições para os produtores de carne em Portugal, o levantamento deste embargo é uma situação manifestamente agradável, mas "a culpa não pode morrer solteira". São demasiados prejuízos para a lavoura portuguesa, para os agricultores em Portugal, para que se passe agora uma esponja sobre esta matéria. Não é verdade, não é possível, não é admissível que o façamos! E, portanto, eu gostaria aqui de dizer que a situação da BSE, em Portugal, teve um campo escondido durante alguns anos, o que criou, como consequência, a situação do embargo para a os bovinos portugueses. E esta situação foi da culpa dos primeiros governos do PSD, da responsabilidade de Cavaco Silva e dos respectivos ministros da Agricultura da época; houve, é certo, sequencialmente, ainda algumas hesitações por parte dos governos do PS, mas conseguiu-se encontrar um caminho para a solução dos problemas em Portugal.
Queremos congratularmo-nos com o levantamento do embargo, e assumimos, naturalmente, a parte final do voto, pois estamos de acordo em que este levantamento é um benefício para os produtores nacionais, mas sem nunca esquecer as agruras que tiveram no passado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto de congratulação, apresentado pela maioria, pese embora um ou outro lapso - e aproveito para agradecer ao Sr. Deputado Rodeia Machado a preocupação para com este grupo parlamentar -, surge na sequência de a decisão do Comité Permanente da Cadeia Alimentar levantar o embargo à exportação nacional de bovinos e da sua carne, decisão esta do passado dia 23 de Setembro.
As medidas tendentes a restringir a exportação de carne bovina portuguesa, devido ao elevado número de casos de BSE foram muito rigorosas, foram tanto mais sentidas e dolorosas quanto este foi um processo longo, socialmente difícil e economicamente marcante para todo o País e particularmente, como é óbvio, para o sector da carne bovina.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Grupo Parlamentar do CDS-PP reitera aqui, de viva voz, o seu reconhecimento pelo trabalho desenvolvido quer pelo Governo português, e, em especial, pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas, quer pelos diversos serviços técnicos, nomeadamente pela Direcção-Geral de Veterinária, quer pela fileira de produção, numa conjugação de vontades e acção que conduziu ao levantamento total do embargo.
Congratulamo-nos com isto.

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por referir que Os Verdes se associam a esta congratulação pelo levantamento do embargo à exportação de bovinos portugueses. De qualquer modo, vamos abster-nos por uma razão: em determinada altura ele refere "Este foi um processo longo e difícil consumado com êxito pelas correctas práticas de segurança alimentar em execução em Portugal (…)". Ou seja, generaliza de facto as correctas práticas de segurança alimentar, com o que discordo em absoluto, quer naquilo que se refere à fiscalização generalizada dos nossos produtos alimentares, quer naquilo que se refere às avaliações de risco. E, para um país que tem sucessivamente assistido aos mais diversos escândalos alimentares, dos nitrofuranos às dioxinas, etc., sendo certo que os portugueses não sabem aquilo que hoje colocam nos seus pratos em termos de segurança alimentar, e que as políticas de segurança alimentar, de uma forma geral, deixam de facto muito a desejar, não posso concordar com esta expressão generalizada, daí não darmos o acordo relativamente a esta parte do voto.
Para além disto, considero oportuno referir que, a meu ver, nos votos para serem aprovados pela Assembleia da República não devia constar a designação de um determinado grupo parlamentar, e agora nos votos apresentados pela maioria aparece, constantemente, a referência aos grupos parlamentares da maioria e não à Assembleia da República. E, neste voto de congratulação, também não se percebe que ele faça referência ao Grupo Parlamentar do PSD, que o deve ter feito, e que, depois, numa política de aliança com o PP, tenha ao lado o logotipo do PP, mas assumindo unicamente a autoria do PSD.
Portanto, são por estas razões, mas, fundamentalmente, por aquela que referi relativamente à segurança alimentar, que nos vamos abster aquando da votação deste voto de congratulação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora ao voto n.º 206/IX - De protesto pela ausência de informação e pela opacidade relativas à política de saúde do Governo PSD/CDS-PP, apresentado pelo PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através deste voto, vem a Assembleia da República protestar pela falta de informação, pela falta de transparência e pela opacidade que tem estado presente na política de saúde desta maioria.
No presente voto são elencados diversos documentos, como relatórios e contas devidamente aprovados, como orçamentos, contratos-programa que deveriam ser do conhecimento público, assim como informação relativamente ao combate às listas de espera e à execução orçamental do ano de 2003 e 2004, quanto ao Serviço Nacional de Saúde.
A Assembleia da República tem o direito e mesmo a obrigação de conhecer estes documentos em detalhe para melhor poder exercer a sua competência fiscalizadora do Governo. Não nos podem servir os cadernos coloridos que o Sr. Ministro da Saúde vai distribuindo ou os anúncios em páginas de jornal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, é fundamental que a Assembleia da República exija, para cumprir o mandato que os portugueses nos conferiram, estes documentos para melhor fiscalizar o Governo. E pergunta-se: a que se deve tanto temor e tanto secretismo por parte do Governo?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Veiga.

O Sr. Paulo Veiga (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS-PP não pode, obviamente, concordar com este voto de protesto do PS, e não pode porque os seus fundamentos não encontram qualquer correspondência com a realidade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Vozes do PS: - Oh!…

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O Orador: - Este Governo já tomou e continuará a tomar decisões fundamentais que melhoraram substancialmente os cuidados de saúde prestados aos portugueses.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - Basta dizer, por exemplo, que o tempo médio de espera por uma cirurgia foi reduzido de seis anos para seis meses,…

Risos do PS.

… ou que a taxa de penetração dos medicamentos genéricos aumentou substancialmente.

Vozes do PS: - É falso!

O Orador: - Por outro lado, não tem qualquer cabimento a acusação do PS de falta de debate, pois muitas das reformas fundamentais deste sector foram aprovadas na Assembleia da República e fizemos aqui dezenas de debates, assim como várias apreciações parlamentares sobre todas estas mudanças e legislação aprovada nesta matéria.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Assim, o Grupo Parlamentar do CDS-PP votará contra este voto de protesto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coleta.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As premissas deste voto são erradas e não correspondem à realidade, pelo que o protesto que delas se retira é injusto e injustificado. Trata-se apenas de uma pequena manobra política para consumo interno do Partido Socialista, compreendemos que as eleições do Partido Socialista, no passado fim-de-semana, tenham tido este efeito colateral: transformar um mero requerimento numa afirmação de existência política por parte do Sr. Deputado Afonso Candal, perante a nova direcção do partido.
O Sr. Deputado está no seu direito, mas, mais uma vez, está errado.
O Sr. Deputado volta a acusar o Governo de falta de debate, de informação e de sustentação de medidas adoptadas na política de saúde. O PS, como de boa-fé não pode criticar as reformas que têm vindo a ser adoptadas sob pena de ser desmentido pelos resultados e como não tem, nem nunca teve, qualquer política alternativa para resolver os enormes problemas do Serviço Nacional de Saúde, refugia-se nestas acusações de falta de diálogo e transparência, que, convenhamos, começam a ser ridículas.
O Sr. Ministro tem vindo sempre à Assembleia da República, sempre que solicitado, todos os documentos que os senhores mencionam no vosso voto de protesto estão disponíveis na net, no Ministério, na Assembleia da República. Enfim, convenhamos, nesta matéria, os Srs. Deputados não têm razão.

Protestos do Sr. Deputado do PS José Magalhães.

Quanto às listas de espera, Sr. Deputado, este deveria ser um voto de congratulação, porque o Sr. Deputado sabe que, relativamente ao PECLEC, falta já menos de 1%, no que respeita ao número inicialmente apontado para a lista de espera cirúrgica,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Que por acaso era para acabar em Junho!

O Orador: - … e que neste momento já passamos de uma duração média de seis anos de espera para intervenção cirúrgica para seis meses.
Enfim, quanto à fundamentação das medidas adoptadas, o Sr. Deputado citou o relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Nós contrapomos o relatório da OCDE, que conclui que as reformas implementadas estão no bom caminho e encoraja o País a prosseguir.
Termino lembrando-o de que a OCDE coloca, neste momento, Portugal na primeira linha dos países que, com sucesso, estão a adoptar as reformas preconizadas pelo OCDE.

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Portanto, Sr. Deputado, não vejo qualquer razão para que possamos votar favoravelmente o voto que o PS apresenta.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ângela Sabino.

A Sr.ª Ângela Sabino (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos 30 anos melhoram-se substancialmente os cuidados de saúde prestados a todos os portugueses, mas temos de reconhecer que, de há alguns anos a esta parte, estamos perante um novo quadro que se caracteriza pelo desgoverno, pelas privatizações, porque, simplesmente, não se quer governar. Não se quer governar!
A criação dos 31 hospitais SA, a manutenção dos numerus clausus nos cursos superiores, quando nos faltam profissionais de saúde, as anunciadas taxas diferenciadas, a política de medicamentos, são velhas políticas com roupagem nova, que visam, primeiro, acabar com o Serviço Nacional de Saúde e, segundo, dificultar ainda mais o acesso dos mais desfavorecidos aos cuidados de saúde.
O PCP, naturalmente, associa-se a este voto de protesto, apresentado pelo PS, e, neste contexto, quer salientar que a política de saúde deste Governo foi, e é, um fracasso, em termos sociais, laborais e financeiros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Relativamente aos documentos que aqui são exigidos para se proceder a uma criteriosa análise do actual estado do Sistema Nacional de Saúde, da situação dramática das listas de espera e da avaliação de desempenho dos 31 hospitais SA, temos de dizer que a não divulgação dos dados só pode significar aquilo que a maioria dos profissionais de saúde tem alertado: as políticas economicistas da coligação CDS-PP/PSD são um redondo fracasso no combate ao défice e ao subfinanciamento crónico e são um entrave na reabilitação global do Serviço Nacional de Saúde.
Posto isto, penso que a maioria tem de reflectir, tem de pensar em que país vive, e o não associar-se a este voto de protesto só significa que não quer ver a realidade, mas, Srs. Deputados, a realidade portuguesa é mesma esta: não temos cuidados de saúde suficientes para todos os cidadãos. E, portanto, entendo que ou tem de pôr óculos ou ver o País com outros olhos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Deputados do PS que assinam este voto sabem naturalmente que a sua apresentação é uma medida estranha na Assembleia da República, pois, normalmente, a disponibilização de documentação, que é um dever de transparência da Administração, é garantida face a requerimento dos grupos parlamentares. Logo, recorrer a este voto para a obter é, sem dúvida alguma, consequência de ter de aceitar o carácter estranho da situação em que nos encontramos. Entretanto, o CDS-PP diz que votará contra porque já foram tomadas muitas medidas; e o PSD votará contra porque há relatórios da OCDE.
Os Deputados da maioria ficam numa situação difícil.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Estamos desgraçados!

O Orador: - Afundados nos cadeirões da indiferença,…

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - … o que nos vêm dizer é: "Mas que imprudência! Mas há quem queira os relatórios e contas de 2003?! Os pareceres dos revisores oficiais de contas?! Que insolência! Nós não queremos!". É isto o que dizem os Deputados da maioria.
Não querem saber dos contratos-programa. Querem lá saber disso!
Orçamentos para 2004?! Contas de 2002?! Exercício financeiros do Serviço Nacional de Saúde?! Vade-retro! Disto é que não querem saber! A informação é inaceitável! Ficam incomodados, não ficam, Srs. Deputados?!

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0402 | I Série - Número 008 | 01 de Outubro de 2004

 

Vozes do PSD: - Oh!…

O Orador: - Não querem saber o que faz o Governo! Não querem que os portugueses saibam, porque o ministro, de vez em quando, numa aparição, diz-nos que os números estão controlados. O ministro tem listas de espera, de atendimento, mas não nos diz como é que essas listas se concretizam, em que hospitais, em que patologias, com que custos, com que prioridades. Isto não é aceitável! E os Srs. Deputados colocam-se numa situação de inferiorização da vossa função parlamentar…

Risos do PSD.

… ao ajudarem a rejeitar aquela que é a função do Parlamento - não é a função da oposição, é do Parlamento -, como saber qual é a política do Governo, qual é o seu fundamento, quais são os seus resultados. Perdem qualquer capacidade de, no futuro, poder pedir informação, porque hoje se recusam a tê-la e diminuem a vossa função como Deputados.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - É pobre, é triste, é a maioria PSD/PP. São verdadeiros artistas portugueses!

Aplausos do BE.

Vozes do PSD: - Que desgraça!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, passamos ao voto n.º 207/IX - De congratulação pelos resultados obtidos pelos atletas portugueses nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004, apresentado por mim.
No entanto, antes de dar a palavra aos Srs. Deputados inscritos para se pronunciarem sobre ele e, como o voto é muito curto, vou lê-lo.
"Tiveram lugar em Atenas, com sessão de encerramento, ocorrida no passo dia 28 de Setembro, os Jogos Paralímpicos 2004, que contaram com a presença de uma delegação portuguesa, a competir nas modalidades de bócia, natação, atletismo, hipismo e ciclismo.
Mais uma vez, através de duas medalhas de ouro, cinco de prata e cinco de bronze, o Hino Nacional ecoou bem alto e a nossa Bandeira subiu nos mastros da glória.
A Assembleia da República congratula-se com o sucesso alcançado e saúda a prestação dos atletas portugueses nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004, saudando também, de forma efusiva, a Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes e todos aqueles quantos contribuem para a prática desportiva dos cidadãos portadores de deficiência no nosso país".
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cabral.

O Sr. Fernando Cabral (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Naturalmente, o Partido Socialista associa-se a este voto de congratulação.
Durante alguns dias, este ano, em Atenas, um conjunto de atletas portugueses representaram condignamente o País. Estão, por isso, de parabéns todos os atletas que ganharam as medalhas - duas medalhas de ouro, cinco de prata e cinco de bronze - e todos aqueles que integraram a comitiva que participou nestes jogos paralímpicos. Foram cerca de 100 pessoas, entre atletas, guias, dirigentes, equipa médica e treinador, a competir em todas as modalidades, que deram mais uma vez prestígio ao nome de Portugal.
Gostaria só de acrescentar uma congratulação por uma modalidade que não está particularmente referida no voto em apreço, refiro-me ao basquetebol. Houve um torneio de demonstração onde a equipa portuguesa, com atletas portadores de deficiência mental, ganhou, e esta modalidade também poderá, no futuro, vir a integrar os jogos paralímpicos.
Mas, fundamentalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que é o movimento paralímpico, todos os atletas portadores de deficiência e todos aqueles que contribuem para que este seja um movimento cada vez maior que estão de parabéns.
Parabéns a toda a delegação e parabéns a todo o movimento paralímpico.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Mendes Pinto.

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O Sr. Marcelo Mendes Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A realização, em Atenas, dos jogos paralímpicos ficou assinalada pelos resultados obtidos pela delegação portuguesa com várias medalhas de ouro, prata e bronze.
Ora, isto mostra bem o valor dos nossos atletas, que, apesar da sua deficiência, superam-na dentro do espírito de um atleta de alta competição. É por isso que importa abanar as consciências deste país, implementar uma verdadeira política de apoio aos nossos desportistas portadores de deficiência, de forma a que, daqui a quatro anos, se possam consolidar e melhorar os resultados da nossa delegação.
É um trabalho de fundo, a levar a cabo pela Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes, que necessita de meios e do apoio de todos os que devem contribuir para a prática desportiva dos portadores de deficiência.
Assim, a bancada do CDS-PP acompanha o voto de congratulação expresso pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, gostaria de associar o PCP a este voto que o Sr. Presidente apresenta e de dizer que, para além do prestígio para Portugal e para o desporto português obtido nestes jogos paralímpicos, sobretudo, o que estas vitórias e estes resultados significam, é um contributo enorme para a integração dos deficientes na sociedade portuguesa e para a demonstração de que são pessoas de corpo inteiro e de valor inteiro na nossa sociedade.
Como é contraditório o contributo magnífico destes desportistas com a política de exclusão com que o nosso Governo tem brindado as pessoas com deficiência!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, vamos passar à votação sequencial dos votos que acabamos de apreciar.
Começamos com o voto n.º 205/IX - De congratulação pelo levantamento do embargo à exportação de bovinos portugueses (PSD e CDS-PP).
Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e do BE e a abstenção de Os Verdes.

É o seguinte:

Voto n.º 205/IX

De congratulação pelo levantamento do embargo à exportação de bovinos portugueses

O Grupo Parlamentar do PSD congratula-se com a decisão da União Europeia de levantamento do embargo à exportação de bovinos vivos portugueses e seus produtos, e pela sua entrada em vigor já, a partir de finais de Outubro de 2004.
Na sequência do surto de BSE, Portugal tem estado sujeito, desde 1998, a restrições à exportação de carne bovina.
Esta recente decisão da União Europeia e dos Estados-Membros reflecte o reconhecimento pela eficiência dos cuidados e trabalho desenvolvido em Portugal pelo Ministério da Agricultura, bem como pelos diversos serviços sob sua tutela, nomeadamente a Direcção-Geral de Veterinária, no combate e erradicação à BSE, constatando-se que o sistema de controlo da carne bovina portuguesa é de elevado nível de segurança comparativamente aos restantes Estados-membros, garantindo a defesa do consumidor.
Em Portugal, desde o anterior governo do PSD/CDS-PP, a análise por teste rápido é aplicada em todos os bovinos em abate, ultrapassando em eficiência e segurança o sistema de análise por amostragem praticado em outros países da União Europeia.
Todos os esforços desenvolvidos pela fileira de produção e demais entidades públicas e privadas envolvidas foram coroados de êxito, como revelam inequivocamente os resultados das análises, confirmando

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o decréscimo do índice de risco estabelecido pela OIE (Organização Mundial para a Saúde Animal), baixando para valores que se situam apenas nos 50% desse índice.
Este foi um processo longo e difícil consumado com êxito pelas correctas práticas de segurança alimentar em execução em Portugal e pelas diligências diplomáticas desenvolvidas junto da União Europeia pelo Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas em conjugação com o Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Pela decisão da União Europeia fica inequivocamente reconhecida a segurança alimentar da carne bovina portuguesa.
O Grupo Parlamentar do PSD reitera o seu apreço pelo desempenho do Governo e congratula-se pelos resultados obtidos, os quais defendem os interesses de Portugal e dos agricultores portugueses.
Assim, propõe que a Assembleia da República aprove um voto de congratulação pelo levantamento do embargo à exportação de bovinos portugueses e seus produtos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do voto n.º 206/IX - De protesto pela ausência de informação e pela opacidade relativas à política de saúde do Governo PSD/CDS-PP, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Era o seguinte:

Voto n.º 206/IX

De protesto pela ausência de informação e pela opacidade relativas à política de saúde do Governo PSD/CDS-PP

Ao longo de mais de dois anos de governação do PSD/CDS-PP, tem-se assistido a uma lógica aventureira de degradação dos serviços de saúde que penaliza fortemente os cidadãos, traduzida na adopção de um vasto rol de medidas rodeadas de total ausência de debate, de informação e, mais grave ainda, de sustentação no plano da sua eficácia para o reforço do SNS.
Como é referido, e muito bem, no Relatório de Primavera 2004, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde "Os sistemas sociais, e particularmente o de saúde, são demasiado importantes para que se experimente sem fundamentos conhecidos. (...) a falta total de fundamentação da grande parte das soluções operacionais propostas e adoptadas nos últimos dois anos vai para além do que seria admissível pelas contingências da acção governativa".
A saúde dos portugueses e o acesso aos cuidados de saúde em condições de igualdade, equidade e de qualidade constituem uma responsabilidade colectiva, não sendo do foro exclusivo do Governo.
A total ausência de debate em torno das soluções adoptadas, a opacidade que caracteriza a política de saúde nos últimos anos e a sistemática recusa por parte do Ministro da Saúde em assegurar à Assembleia da República os elementos necessários a uma avaliação e acompanhamento rigorosos da política de saúde, exigem do Parlamento uma tomada de posição clara e inequívoca de condenação ao comportamento do Governo.
Nestes termos, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, a Assembleia da República protesta veementemente pela não disponibilização de informação que a capacite condignamente para o exercício da sua função fiscalizadora do Governo, nomeadamente dos seguintes elementos:
1 - Relativamente aos 31 hospitais SA
a) Os Relatórios e Contas de 2003, bem como os pareceres dos respectivos Revisores Oficiais de Contas e ainda as actas das Assembleias-Gerais em que foram aprovadas;
b) Os orçamentos para o exercício de 2004;
c) Os contratos-programa celebrados para os exercícios de 2003 e de 2004.

2 - Relativamente às listas de espera:
a) As listas de espera cirúrgicas actualizadas e discriminadas por patologia e hospital;
b) As listas de espera para consultas actualizadas e discriminadas por hospital e especialidade;
c) O número de cirurgias realizadas nos anos 2002, 2003 e 2004 no âmbito de programas especiais de combate às listas de espera cirúrgicas, discriminadas por patologia e hospital.

3 - Relativamente ao Serviço Nacional de Saúde:

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a) O volume de despesas realizadas no exercício de 2002 e com o pagamento diferido para o ano 2004 ou seguintes;
b) A execução orçamental do SNS relativa ao exercício de 2003 e ao 1.º semestre de 2004.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação do voto n.º 207/IX - De congratulação pelos resultados obtidos por atletas portugueses nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004 (Presidente da AR).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, se não houve objecções, proponho que se vote conjuntamente os projectos de resolução n.os 280/IX - Viagem do Presidente da República a Espanha - VI Foro Formentor (Presidente da AR) e 281/IX - Viagem do Presidente da República a Espanha - Prémio Europeu Carlos V (Presidente da AR).

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Vamos agora votar o Relatório e Conta de Gerência da Assembleia da República de 2002.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, passamos à apreciação do inquérito parlamentar n.º 13/IX - Constituição de uma comissão parlamentar de inquérito ao processo de colocação de professores no ano lectivo de 2004/2005, apresentado pelo PCP.
Conforme ficou acordado na Conferência de Líderes cada um dos grupos parlamentares disporá de 3 minutos para intervir.
Em primeiro lugar, dou a palavra ao Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema que discutimos hoje aqui também é o problema das comissões de inquérito e da competência para a realização de comissões de inquérito por este Parlamento, que a maioria, compreensivelmente, face às dificuldades do Governo, quer afastar a todo o custo, mas que, entendemos, não pode ser negado este direito e esta prerrogativa ao Parlamento nas suas funções de fiscalização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estranhei, ainda há pouco, no período de antes da ordem do dia, que um Deputado do PSD, dirigindo-se à bancada do PS, que propôs uma comissão independente a propósito de uma determinada matéria, viesse dizer que o que era preciso era a responsabilização política, aqui, na Assembleia, e não uma comissão independente, de fora da Assembleia, para tratar da matéria, que, no caso, era a das SCUT.
Ora, o que quero dizer é que esta lógica se deve aplicar nesta matéria. Temos muito respeito e pensamos que o Governo pode e deve nomear as comissões de inquérito independentes que quiser. Aliás, devo salientar que esta que agora foi nomeada já é a segunda, porque já havia uma do tempo do Ministro David Justino. Mas isto não significa que, nesta Assembleia, não haja a capacidade de promover um inquérito parlamentar sobre esta situação criada pelos governos do PSD/CDS-PP em relação à colocação de professores.
O que os Srs. Deputados dizem é que não é preciso esta comissão de inquérito, porque querem evitar a responsabilização política. Outros dizem ainda que já se saberia que o resultado da comissão de inquérito seria um relatório de acordo com a vontade da maioria. Ficamos a saber que a maioria não está aqui para procurar a verdade, está aqui para cobrir os erros do Governo, com os relatórios que não correspondem à verdade dos factos que se passaram.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta comissão é indispensável, Sr. Presidente e Srs. Deputados, face à gravidade da situação. Os portugueses perguntam-se, se esta situação não justifica uma comissão de inquérito, o que, afinal, a justificará?

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Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

Esta Comissão é indispensável, face aos milhares de professores, de famílias e de estudantes atingidos, face ao comprometimento de todo o ano lectivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É indispensável porque continua a haver inúmeras questões por responder.
Continuamos a não saber por que é que, depois de haver erros desde o início do processo, de haver denúncias de erros, de haver críticas sérias de todos os agentes educativos, o Governo insistiu neste processo de colocação de professores.
Continuamos sem saber por que é que foi indispensável recorrer a uma entidade privada para fornecer o programa informático e por que é que até agora não houve uma palavra do Governo no sentido da responsabilização dessa entidade por as coisas terem corrido como correram.
Continuamos sem saber por que é que não existia qualquer recurso alternativo por parte do Governo, para fazer face a uma eventual falha dos compromissos daquela empresa.
Continuamos sem saber onde é que fica a responsabilidade do Primeiro-Ministro Santana Lopes, que, logo na primeira reunião do Conselho de Ministros, disse que esta matéria, a colocação dos professores, era uma das suas primeiras prioridades. Afinal, nem as suas primeiras prioridades o Governo e o Primeiro-Ministro conseguem cumprir.
A situação não está resolvida. Já se sabe hoje que continua a haver graves erros nas listas…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo terminou. Agradeço que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Graças a Deus!

O Orador: - Por isso, também por isso, continua a ser indispensável uma comissão de inquérito neste Parlamento, porque o que a maioria quer fazer, se rejeitar a constituição desta comissão de inquérito, é anular o seu próprio direito, como parlamentares, de fiscalizarem o Governo e, por esta via, anular o direito de a Assembleia da República e de todos os portugueses saberem a verdade sobre o que se passou com a questão da colocação dos professores neste ano lectivo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Benavente.

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apoiamos a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito proposta pelo PCP e aquilo a que temos assistido é a uma acção da maioria que, de facto, faz oposição à oposição, e que tem defendido a incapacidade dos responsáveis da educação, votando contra todas as iniciativas que procuram informação sobre um processo que os próprios cidadãos classificam de "horroroso", que tem sito o da colocação de professores. Aliás, acabaram de fazer o mesmo em relação à saúde; o próprio acesso à informação é dificultado e negado pela maioria.
É assim, neste modo de agir, que têm votado contra todas as propostas apresentadas pela oposição, nomeadamente uma proposta de resolução que o Partido Socialista apresentou no dia 2 de Setembro, que pretendia acompanhar o processo em diálogo permanente com o Governo, de modo a que pudéssemos assumir a nossa responsabilidade de, pelo menos, antecipar as dificuldades que estavam a ocorrer.
Encostados à parede, lá decidiram um conjunto de audições aos ex e actuais governantes e à COMPTA, a tal empresa que parece ter grandes responsabilidades, segundo o Ministério da Educação.
Já agora, gostaríamos de propor que ouvissem também estes informáticos extraordinários que, em poucos dias, resolveram um problema que fez sofrer todo o País e milhares de professores, alunos e cidadãos responsáveis, durante meses.

O Sr. José Magalhães (PS): - É espantoso!

A Oradora: - A maioria sempre respondeu que decorria uma audição conduzida pela Inspecção-Geral de Finanças e que, portanto, não se justificavam outras iniciativas. Mas diante do descalabro público

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que já não era possível esconder, finalmente, o Governo decidiu outro inquérito, um inquérito conduzido no prazo de 45 dias por três responsáveis, dois dos quais dependentes de tutelas governamentais.
É a confusão mais completa, são contradições e mais contradições e, sobretudo, é um modo de agir muito pouco democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Gostava ainda de dizer que, quando a oposição quer, legitimamente, os instrumentos para fiscalizar a acção do Governo, um Governo que tem arrastado professores e escolas pelas ruas da amargura, não vê os seus direitos reconhecidos e a maioria sistematicamente reprova qualquer iniciativa, reconhecer os direitos da oposição só enobrece o Parlamento e a própria maioria.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E os direitos da maioria?

A Oradora: - Votar contra todas as iniciativas construtivas de bom senso e de prestação de contas ao País, como os senhores fazem, mostra que não têm sentido democrático e caracteriza o vosso isolamento e a vossa impotência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Aurora Vieira.

A Sr.ª Aurora Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta, como em todas as questões, o que é necessário é falar claro e verdade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Falar claro e verdade, com honestidade, para com os professores e com os alunos e para com a família e para com o País, mas não só na questão dos professores, também na questão neste Parlamento e quando falámos desta questão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É verdade que quer o Governo quer este grupo parlamentar se solidarizaram com os professores, com os alunos e com as famílias. Já aqui foram pedidas desculpas e foram assumidas responsabilidades políticas, com verdade e clareza, mas também foi dito que era necessário, antes de mais, resolver o problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É preciso também dizer aqui que o PSD não recusou uma audição parlamentar, porque o que o PCP queria era uma comissão de inquérito. O que o PSD aprovou e votou foi que todos os responsáveis envolvidos nesta questão,…

Vozes do PCP: - E a empresa?!

A Oradora: - … sem prejuízo até de haver outros, fossem ouvidos no âmbito da Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O que é preciso também fazer com clareza e verdade é perguntar ao PCP, com a mesma cara com que pedimos desculpa e assumimos a nossa responsabilidade - aquela que vier a ser apurada -, se quer fazer "rolar cabeças", ou se quer apurar responsabilidades.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Apurar responsabilidades!

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A Oradora: - O que o País quer é que se apurem responsabilidades, e é também isto que esta maioria quer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Provem!

A Oradora: - E não é por acaso que a maioria fez uma proposta para virem à Comissão de Educação, Ciência e Cultura os responsáveis ministeriais, os anteriores e os actuais, os responsáveis técnicos e os responsáveis das empresas, quando a oposição só pediu a vinda da Sr.ª Ministra.

Vozes do PSD: - Isso é que é grave!

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - "Quem não deve, não teme"!

A Oradora: - Sr.as e Srs. Deputados, o que queremos dizer ao País é que, mais do que fazer "rolar cabeças", queremos o apuramento das responsabilidades, de porta aberta, sem obrigatoriedade do sigilo, sem obrigatoriedade de fazer compromissos de honra, para que a comunicação social possa apreciar tudo, como apreciou nas outras vezes em que cá esteve o Sr. ex-Ministro David Justino e o seu secretário de Estado, que foram filmados e que todos os portugueses puderam ver.

Vozes do PCP: - Foi filmado, foi!

A Oradora: - Portanto, o que queremos é verdade, honestidade e transparência nesta como nas outras questões parlamentares.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Ministra da Educação tomou posse em meados de Julho.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Apoiado!

O Orador: - Desde essa altura, e por diversas vezes, a Sr.ª Ministra disse que tinha a situação sob controlo, que dominava o processo de colocação de professores, anunciou prazos e listas, mas falhou redondamente.
Falar claro e falar verdade é fugir ao Parlamento?! Pedimos diversas vezes para a Sr.ª Ministra aqui comparecer, mas, até agora, não compareceu.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é verdade!

Vozes do PSD: - Ah!…

O Orador: - Queremos também esclarecer algo de inédito: durante vários meses, um programa sofisticadíssimo demorava sete horas a correr quando havia um erro; agora, um programa concebido em seis dias, repito, em seis dias, e executado em 30 minutos conseguiu resolver alguns dos problemas.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Por que razão é que a Sr.ª Ministra, que até tinha os memorandos e os relatórios que o Sr. Deputado David Justino, então Ministro da Educação, lhe entregou - supostamente assim foi -, não conseguiu resolver o problema antes? Por que razão não esclareceu? É isto falar verdade?! É isto falar claro?!
O PSD vem agora descredibilizar a própria figura das comissões parlamentares de inquérito. Apresentem propostas para a sua credibilização!

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

Ou querem extinguir o instituto das comissões de inquérito?

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Para os Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP o perdão basta, mas não estamos aqui para perdoar, Srs. Deputados,…

Vozes do PSD: - Ah!…

O Orador: - … estamos aqui para fiscalizar, para avaliar e para pedir responsabilidades! É isto o que o País exige de nós!

Protestos do PSD.

O Srs. Deputados estão nervosos!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Esta última lista de colocação de professores, Srs. Deputados, tem vários problemas: há contratados que permanecem nas escolas sem conseguirem obter os destacamentos que pediram; há professores destacados que não são substituídos; há professores destacados que não têm lugar; não houve recuperação automática de vagas e, por isto mesmo, há escolas com professores a mais e escolas com professores a menos; e, acima de tudo, há também 31 000 professores que estão no desemprego e que estão fora do sistema.
Agora há dois inquéritos a decorrer em paralelo, um da Inspecção-Geral de Finanças e outro que o próprio Governo anunciou. Para quê, se a Sr.ª Ministra não assume responsabilidades políticas? Fizeram-lhe esta pergunta, ela ficou nervosa e irritou-se com os jornalistas, mas nada disse. Disse zero! Não há responsabilidades políticas! Está visto que ninguém se vai responsabilizar por este processo, que foi um processo escandaloso no Portugal pós-25 de Abril.
Neste processo há, inclusivamente, várias contradições: o Primeiro-Ministro diz que quer um novo processo de colocação de professores e a Ministra diz que este é para manter; a Ministra diz que não recebeu informações e o Deputado David Justino diz que lhas deu. Falar claro e falar verdade é isto?!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Queira concluir.

O Orador: - Onde está a clareza e a verdade, Srs. Deputados?!

Aplausos do BE e do Deputado do PCP Bernardino Soares.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Até o PCP gostou!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Compreendemos, com franqueza, a motivação e o papel do PCP quando apresenta este seu requerimento, de resto ao bom estilo "bloquista", o que significa que no estilo também já estão a aprender qualquer coisa.
Agora, o PCP também compreenderá, antecipadamente, qual será o resultado inevitável do vosso requerimento. É que o vosso requerimento não visa esclarecer o que quer que seja, visa, tão-somente, fazer chicana política…

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … à volta de um assunto que merece ser tratado com a maior seriedade.

Vozes do CDS-PP: - E dignidade!

O Orador: - Se quisessem apurar o que quer que fosse, em obediência a esse espírito de verdade, verificariam que, independentemente de qualquer impulso da oposição, o Governo já tratou de tranquilizar o Parlamento demonstrando que tudo fará para que essa verdade seja apurada e dada a conhecer aos portugueses.
Há pouco, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes dizia-nos que a Sr.ª Ministra não vem cá. O Sr. Deputado é que estará, porventura, pouco atento a estas coisas do Parlamento, porque, se estivesse atento,

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recordar-se-ia, por exemplo, de que o primeiro debate agendado na Comissão Permanente do dia 2 de Setembro de 2004 foi precisamente com a Sr.ª Ministra da Educação.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Quando as aulas começavam no dia 16 de Setembro!

O Orador: - Assim como se recordaria da forma como, depois, a Sr.ª Ministra da Educação e o seu Ministério, em termos gerais, tranquilizaram os portugueses ao dizerem, primeiro, que havia que colocar os professores e garantir que as aulas iriam começar e, segundo, que, independentemente desse facto, e dada a anomalia da aplicação de um determinado programa informático, todas as responsabilidades iriam ser apuradas. E vão!
Portanto, escusam de querer chamar agora para a oposição o protagonismo de uma investigação no sentido da descoberta de uma verdade, que o próprio Governo já acautelou de garantir que iria ser descoberta e apurada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Com uma diferença, é que os resultados vão ser, com toda a transparência, também anunciados aqui no Parlamento.
Estivesse o PCP preocupado com essa descoberta da verdade, certamente, ficaria contente - mas perece que não ficou - com o facto de a maioria, ela própria, pelo seu impulso, ter feito aprovar um requerimento no sentido de serem ouvidos os responsáveis da COMPTA, a Directora-Geral dos Recursos Humanos do Ministério da Educação, os anteriores Ministro e Secretário de Estado da Educação e a actual Ministra da Educação e o seu Secretário de Estado…

O Sr. José Magalhães (PS): - E a empresa que resolveu o problema?!

O Orador: - Ou seja, teriam ficado contentes por ter sido a própria maioria a fazer aprovar um requerimento neste sentido, pois temos a certeza de que se estivessem os senhores no poder nunca teriam tido a coragem de o fazer aprovar.

Risos do BE.

Esta é uma diferença que para nós é fundamental.
Para terminar, quero dizer apenas, Sr. Deputado Bernardino Soares, que a tudo isto acresce uma razão que é, de certo modo, institucional: o Sr. Deputado sabe, certamente, como nós, que o Sr. Presidente da Assembleia da República lançou-nos um repto e, mesmo em Conferência de Líderes, desaconselhou-nos vivamente - e bem - a que, no actual figurino, fossem criadas comissões de inquérito, e nós temos por hábito ouvir o Sr. Presidente da Assembleia da República. Neste caso, também avisadamente, tendo em conta experiências passadas e o actual regime jurídico, o CDS-PP achou por bem não ceder à tentação de criar comissões de inquérito até à alteração legislativa da lei.
Quanto a esta alteração, como também sabe, a maioria já tratou de afirmar a sua disponibilidade na 1.ª Comissão no sentido de criar um grupo de trabalho para que este regime jurídico seja alterado…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como eu dizia, a maioria está disponível para, em sede da 1.ª Comissão, criar um grupo de trabalho com o objectivo de se alterar este regime jurídico para que verdadeiras comissões de inquérito, que não aquelas que se prestem ao que o PCP pretende, possam funcionar na Assembleia da República.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É isto que nos propomos fazer no futuro, e nesse momento, sim, proponha comissões de inquérito, mas de boa-fé, Sr. Deputado.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

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0411 | I Série - Número 008 | 01 de Outubro de 2004

 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em que é que a sua bancada se sente agravada?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, a defesa da honra tem a ver com o facto de o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo ter dito que o nosso requerimento, a nossa proposta de inquérito parlamentar, foi apresentado apenas para fazer chicana política, e isto é inaceitável.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, é compreensível o desassossego das bancadas da maioria.
O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo diz que a apresentação do nosso requerimento, como o denominou, era apenas uma manobra de chicana política e a Sr.ª Deputada Aurora Vieira diz que o que nós queremos é fazer "rolar cabeças".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem tem tido a "cabeça a rolar" durante todo este tempo são os milhares de professores que não foram colocados,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Orador: - … são os milhares de alunos que continuam a não ter aulas e são os milhares de pais que continuam a não saber quando é que os seus filhos vão iniciar o ano lectivo.

Aplausos do PCP.

Esta é a conclusão que temos de tirar do procedimento do Governo nesta matéria.
Mas eu percebo, Sr. Presidente, que a maioria não queira que se saiba as respostas que os portugueses querem obter nesta matéria. Por que é que foi contratada uma empresa privada? Por que é que a empresa forneceu um programa que não funcionava? Por que é que, depois de repetidos avisos, continuou com o mesmo sistema? Por que é que sucessivamente foram anunciadas datas, que não foram cumpridas? Por que é que há um Primeiro-Ministro que assume o compromisso de resolver este problema como uma das suas primeiras prioridades e não cumpriu? Porquê? Porquê? É a estas perguntas que os portugueses querem obter respostas, mas os Srs. Deputados da maioria não querem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto é uma segunda intervenção, Sr. Presidente.

O Orador: - O que os Srs. Deputados da maioria querem é a situação confortável de não haver comissões de inquérito nesta Legislatura. O Sr. Presidente tomou uma posição sobre esta matéria, mas discordamos da ideia de que isso significa, como acontece há um ano e meio, que não haverá a possibilidade de haver comissões de inquérito aos governos PSD/CDS-PP.
Os senhores propuseram e fizeram aprovar comissões de inquérito, algumas delas justas, sobre actos dos governos anteriores - nestes casos havia hipótese de haver comissões de inquérito! Mas quando elas começaram a ser incómodas para os vossos governos e para os atropelos que fizeram, em muitos casos de enorme gravidade, na vossa política, as comissões de inquérito deixaram de servir.
Portanto, o que está aqui em discussão é, certamente, saber se queremos ou não mostrar aos portugueses, através da Assembleia da República, a verdade sobre o processo de colocação de professores, mas também está em discussão saber se queremos que esta Assembleia seja amputada de uma das suas principais competências. É, certamente, isto que quer a maioria, mas não nos calará na reivindicação deste direito, que é um direito da oposição, que não pode ser negado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Bernardino Soares vem aqui dizer-nos que pretende uma comissão de inquérito. Ora, é suposto que uma comissão de inquérito sirva para ouvir pessoas, esclarecer, na base do que elas dizem, o que, eventualmente, sucedeu e, depois, tirar conclusões.

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0412 | I Série - Número 008 | 01 de Outubro de 2004

 

Vozes do PCP: - É isso mesmo!

O Orador: - Mas a verdade é que já ouvi o Secretário-Geral do seu partido, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, a pedir a demissão do Primeiro-Ministro.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não!

O Orador: - E eu pergunto: os senhores querem apurar o quê? Como é que se pode pedir a responsabilidade máxima ao principal responsável político do Governo, quando a constituição da comissão de inquérito ainda nem sequer foi aprovada e muito menos produziu trabalho e tem um relatório com razão de ciência?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é chicana pura!

O Orador: - Ora, era suposto que esta comissão fosse constituída - o que não vai suceder, como compreenderão -, efectuasse os seus trabalhos, produzisse um relatório e, eventualmente, imputasse responsabilidades ao Governo. Então, sim, responsavelmente pedia-se a demissão do Primeiro-Ministro.

O Sr. António Filipe (PCP): - Estamos a falar do inquérito!

O Orador: - Agora, quando, antecipadamente, já se vem pedir a demissão do Primeiro-Ministro, quando o resultado do objecto dessa comissão não foi ainda produzido, demonstra bem a má-fé do Partido Comunista Português quando apresenta este requerimento, quando pretende a constituição da comissão de inquérito, e também a razão por que esta comissão de inquérito nunca poderia ser constituída e a vossa vontade nunca poderia ser aprovada.
De resto, Sr. Deputado Bernardino Soares, este é mais um exemplo feliz de como o interesse do PCP não coincide, de facto, com o interesse do País. E como o interesse do País é aquilo que nos motiva, muito mais do que o interesse partidário da maioria, não vamos, naturalmente, aprovar o vosso requerimento; logo, esta comissão de inquérito não deverá ser constituída.
Apesar de tudo isto, a verdade será apurada, porque ela não passa pelo libelo do PCP,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - O inquérito não é só connosco!

O Orador: - … passa, isso sim, pelo desempenho dos partidos políticos livremente em comissão, na base de um outro requerimento que foi aprovado e que permitirá que todas as pessoas intervenientes neste processo prestem declarações e demonstrem rigorosamente o que sucedeu, com transparência e rigor, em abono da verdade.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Espero que seja mesmo uma interpelação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, é para informar que esta notícia em que são atribuídas declarações ao secretário-geral do meu partido já foi desmentida pelo próprio, porque não foram aquelas as afirmações que foram feitas.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero referir que a situação extraordinária que se viveu este ano com a colocação dos professores, aquela que já foi qualificada por diversas vezes neste Plenário como a maior trapalhada de que há memória relativamente à colocação de professores, impõe que, de facto, se conheça todo o processo ao pormenor, que, aliás, ainda não terminou, porque hoje é dia 30 de Setembro e já foram detectados novos erros nesta última lista que saiu…

Vozes do CDS-PP: - Há-de encontrar em todas!

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A Oradora: - … e há centenas de professores que continuam a reclamar. Para além disso, estamos a cerca de três meses da abertura de um novo processo de colocação de professores para o próximo ano lectivo.
Creio que o facto de o Governo ter pedido desculpa de uma forma tão simples aos professores, aos pais, às crianças e aos jovens não leva a que tudo fique tratado e resolvido dessa forma, porque o que é fundamental é apurar responsabilidades políticas. Pensamos, por isso, que a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito ao processo de colocação de professores iria, justamente, nesse sentido, iria envolver, inclusivamente, a Assembleia da República no apuramento dessas responsabilidades.
Estamos em querer que, se a maioria, PSD e CDS-PP, estivesse de consciência tranquila relativamente a esta responsabilidade política não temeria, de todo, esta comissão de inquérito. E dá para crer, de acordo com as declarações da maioria, que só querem constituição de comissões de inquérito quando, na verdade, conseguem controlar ao pormenor os respectivos relatórios, coisa que, têm a certeza, não conseguiriam, naturalmente, neste caso em concreto.
Portanto, não aceitam a comissão de inquérito na Assembleia da República, não por aquilo que seguramente se apuraria, mas vão promovê-la fora da Assembleia, sob o controlo do Governo.
É por isto, Sr. Presidente, e vou concluir, que votaremos favoravelmente a proposta do PCP e que não aceitaremos aquilo que seguramente a maioria quer, que é acabar por arrastar o processo de responsabilização política para que tudo isto caia no esquecimento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do inquérito parlamentar n.º 13/IX - Constituição de uma comissão parlamentar de inquérito ao processo de colocação de professores no ano lectivo de 2004/2005 (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 73/IX - Aprova, para ratificação, a Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, assinada a 18 de Maio de 2004, na cidade do Vaticano.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, há ainda dois pareceres da Comissão de ética para votar.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, é para informar a Assembleia de que eu e o Sr. Deputado Jorge Strecht vamos apresentar na Mesa uma declaração de voto sobre a votação da proposta de resolução n.º 73/IX.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado. Tenha a bondade de a fazer chegar à Mesa no prazo de três dias.

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para o mesmo efeito.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, é também para informar a Mesa de que apresentarei, em nome pessoal, uma declaração de voto relativamente à votação da mesma proposta de resolução n.º 73/IX.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado. É regimental, a Mesa registou-a.

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Srs. Deputados, vamos apreciar e votar os pareceres de Comissão da Ética, que o Sr. Secretário vai ler.

O Sr. Secretário (Fernando Santos Pereira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Secção de Processos do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva - Processo n.º 427/2001 -, a Comissão da Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Antero Gaspar (PS) a prestar depoimento por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Fernando Santos Pereira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 2.ª Secção do Tribunal de Família e Menores da Comarca do Seixal - Processo n.º 2397/03.1TASXL -, a Comissão da Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Ribeiro Cristóvão (PSD) a prestar depoimento por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Sr.as e Srs. Deputados, amanhã, o PS inicia o seu Congresso Nacional. Desejo os maiores sucessos ao Partido Socialista na realização desse Congresso.

Vozes do PS: - Muito obrigado!

O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, chegámos, assim, ao fim dos nossos trabalhos de hoje e a próxima reunião plenária terá lugar na quarta-feira, dia 6 de Outubro, pelas 15 horas, com período de antes da ordem do dia, sendo a ordem do dia constituída por perguntas ao governo, de âmbito sectorial, e pelo debate do projecto de lei n.º 443/IX (BE).
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação global
da proposta de resolução n.º 73/IX

Há inúmeros países de forte tradição católica romana que não recorreram ao instrumento da Concordata para regulamentar as relações entre os respectivos Estados e a Igreja Católica. O chamado "regime concordático" é, na prática, uma relíquia rara de um tempo e de um espaço já desaparecidos. Por isso a nossa primeira reserva respeita ao tipo de diploma de direito internacional que nos é oferecido.
O regime constitucional iniciado em 1976 herdou a vigência da Concordata de 1940 feita ao jeito da época iniciada com os Acordos de Latrão em 1928.
A revisão da Concordata em 1975, para permitir o divórcio civil, foi o primeiro contacto que o regime político saído da queda da ditadura teve com essa questão. Um contacto pontual que correu bem.
Foi assim alterada a redacção do artigo XXIV da Concordata pelo protocolo adicional assinado na Cidade do Vaticano a 15 de Fevereiro de 1975, terminando com o "apoio exterior da lei civil" à indissolubilidade do matrimónio católico, apoio esse só existente na República Portuguesa e na República Dominicana que deste modo ficou então como exemplo único no mundo.

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Após a revisão do referido artigo XXIV ficou intacta a Concordata assinada em 7 de Maio de 1940 entre a Santa Sé e a República Portuguesa, "em nome da Santíssima Trindade", como nos tempos da Santa Aliança.
Entre os 30 artigos não revistos muitos tratavam de questões materiais derivadas das aquisições de bens por organizações constituídas de harmonia com o Direito Canónico (artigos III e IV) outros da liberdade de a Igreja Católica poder livremente cobrar dos seus fiéis colectas e quaisquer outras importâncias destinadas às realização dos seus fins (artigo V), à isenção de impostos ou contribuições por parte de "templos e objectos neles contidos".
Já o Estado democrático saído do 25 de Abril prescinde unilateralmente da obrigatoriedade da Santa Sé, expressa no artigo X, em comunicar ao Governo os nomes dos Bispos e Arcebispos residentes em Portugal antes da sua nomeação "a fim de saber se contra eles há objecções de carácter político geral".
Era esse o estado da questão quando a Assembleia da República resolveu deliberar, na VIII Legislatura, sobre o projecto de lei n.º 27/VIII a respeito da liberdade religiosa em Portugal, em concordância com os preceitos da Constituição Democrática, nomeadamente do seu artigo 13.º. Esse projecto deu origem à Lei n.º 16/2001.
Essa lei, que se destinava a garantir a liberdade religiosa introduziu paradoxalmente, a questão da desigualdade das religiões perante o Estado ao remeter as relações entre a República Portuguesa e a Igreja Católica para o regime concordatário de 1940, manifestamente obsoleto. E a Lei de Liberdade Religiosa passou a vigorar essencialmente para as igrejas minoritárias.
Os signatários subscreveram duas declarações de voto, denunciando os erros do artigo 58.º, declarações que aqui se dão por transcritas.
Nelas apelava-se à negociação de "um novo diploma de direito internacional" para ultrapassar os compromissos e as interpretações históricas derivadas da Concordata de 1940.
De certa maneira a nova Concordata agora em apreço para ratificação foi acelerada por essa posição de um grupo de Deputados do Grupo Parlamentar Socialista na Legislatura anterior.
E, na verdade, há manifestos progressos neste diploma em relação ao mundo de privilégios concretos de que a Igreja Católica beneficiava, especialmente no domínio fiscal e no ensino. Sobretudo acentua-se o respeito pelos princípios da separação, da laicidade e do pluralismo.
Porém, ainda subsistem muitas zonas de penumbra neste novo diploma que merecem uma palavra de cuidado.
Em primeiro lugar, apresenta-se como impertinente o reconhecimento subscrito pelo Governo português, segundo o qual a Concordata de 7 de Maio de 1940 contribuiu de maneira relevante para reforçar os laços históricos entre a República Portuguesa e a Igreja Católica. Não se pretende continuar a ladainha dos pedidos de perdão tanto em voga sobre esse período, porém a reafirmação da validade de um pacto dessa natureza é manifestamente desagradável para todos os que, católicos e não católicos, não perfilham a herança da Igreja Constantina e do Estado confessional.
Em segundo lugar, subsiste uma zona de indefinição na atribuição de personalidade jurídica à Igreja Católica na sua multiforme acepção. Não é claro com quem trata a República Portuguesa quando o interlocutor não é a Santa Sé ou a Conferência Episcopal Portuguesa, embora esta só possa agir "nos termos referidos pelos estatutos aprovados pela Santa Sé" (artigo 8.º).
Mas já será certamente mais complexo definir, neste campo da personalidade jurídica, quem é, em determinada situação, o representante da Igreja Católica, entidade imprecisa se conjugada com a existência referida da Santa Sé, da Conferência Episcopal Portuguesa, das dioceses, paróquias e outras jurisdições eclesiásticas. Não parece assim, mesmo a um leigo, que a Igreja Católica seja, para este propósito, meramente residual. Ora esta matéria tem implicações nomeadamente fiscais.
Em terceiro lugar, é escusada, e quase abusiva, a referência, no artigo 4.º, às acções conjuntas, bilaterais ou multilaterais no espaço dos Países de Língua Oficial Portuguesa. Por toda a parte essas acções de cooperação se poderão desenvolver no respeito pelo direito internacional, como o próprio artigo previne. Mas estamos certos da recta intenção das partes nesta matéria.
Ao votar favoravelmente esta forma particular de um diploma de direito internacional tivemos em conta os progressos desta Concordata em relação à assinada em Maio de 1940, o facto dela resultar de uma iniciativa positiva dos Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista para maximizar os princípios de liberdade e de igualdade religiosas, e ainda o facto de estar prevista uma comissão paritária para dirimir dúvidas na interpretação do texto do diploma.
Pelo que se expõe não nos admiraríamos que essa comissão paritária venha a ter um papel relevante, tantas são as imprecisões conceptuais.
Por último, não se entende que esta proposta de resolução tenha subido a Plenário sem o parecer da 1.ª Comissão e apenas escorada na apreciação da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa. É

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certo que atitude simétrica teve o Governo ao fazer-se representar na discussão apenas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, quando há tantas implicações possíveis desta Concordata em plano interno.

Os Deputados do PS, Medeiros Ferreira - Jorge Strecht.

--

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Carlos Alberto Rodrigues
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
José Manuel de Matos Correia
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Almeida Henriques
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
João Manuel Moura Rodrigues
Manuel Alves de Oliveira
Maria Eduarda de Almeida Azevedo

Partido Socialista (PS):
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Partido Popular (CDS-PP):
Henrique Jorge Campos Cunha
João Maria Abrunhosa Sousa

Partido Comunista Português (PCP):
Bruno Ramos Dias

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoim Madeira Lopes

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):

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António Ribeiro Cristóvão
Manuel Joaquim Dias Loureiro

Partido Socialista (PS):
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Luísa Pinheiro Portugal
Maria Irene Marques Veloso
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo

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