Página 39
Terça-feira, 22 de Março de 2005 I Série - Número 3
X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE MARÇO DE 2005
Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama
Secretários: Ex. mos Srs. Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Fernando Santos Pereira
Artur Jorge da Silva Machado
Júlio Manuel da Silva de Magalhães e Vasconcelos
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Na abertura do debate do Programa do XVII Governo Constitucional usou da palavra o Sr. Primeiro-Ministro (José Sócrates), que a seguir respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Jerónimo de Sousa (PCP), António Pires de Lima (CDS-PP), Francisco Louçã (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Alberto Martins (PS), Miguel Frasquilho (PSD), Luís Braga da Cruz (PS), Bernardino Soares (PCP), Paulo Portas (CDS-PP), Ana Drago (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), José Matos Correia (PSD), Afonso Candal (PS), António Filipe (PCP), Telmo Correia (CDS-PP), Almeida Henriques (PSD) e Maria de Belém Roseira (PS).
Seguiu-se o debate do Programa do XVII Governo Constitucional, tendo usado da palavra, a diverso título, além dos Srs. Ministros de Estado e das Finanças (Luís Campos e Cunha), dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Mariano Gago), de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Freitas do Amaral), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), José Junqueiro e António Vitorino (PS), Luís Campos Ferreira (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Jerónimo de Sousa (PCP), Ana Catarina Mendonça (PS), Nuno Magalhães (CDS-PP), Fernando Rosas (BE), Patinha Antão (PSD), Vítor Ramalho (PS), Honório Novo (PCP), António Pires de Lima (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Hugo Velosa (PSD), Joaquim Pina Moura (PS), Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), Duarte Pacheco (PSD), Teresa Vasconcelos Caeiro (CDS-PP), Manuel Alegre (PS), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Pedro Duarte (PSD), Carlos Zorrinho (PS), Luísa Mesquita (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), João Teixeira Lopes (BE), Jacinto Serrão e Sónia Fertuzinhos (PS), Bernardino Soares (PCP), Mário Santos David (PSD), Marques Júnior (PS), António Filipe (PCP), Telmo Correia (CDS-PP), Henrique Rocha de Freitas (PSD), José Vera Jardim e João Cravinho (PS).
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão eram 20 horas e 55 minutos.
Página 40
0040 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino
António Ramos Preto
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elísio da Costa Amorim
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Ribeiro Moniz
Glória Maria da Silva Araújo
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins
Henrique António de Oliveira Troncho
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
João Cândido da Rocha Bernardo
João Cardona Gomes Cravinho
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raúl Moura Portugal
Joaquim Alberto de Oliveira Cêrca
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos das Dores Zorrinho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Luís Pereira Carneiro
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Página 41
0041 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Luís António Pita Ameixa
Luís Garcia Braga da Cruz
Luís Manuel Carvalho Carito
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Susana de Fátima Carvalho Amador
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
Página 42
0042 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Amaral Lopes
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Natália Guterres Viegas Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Victor do Couto Cruz
Zita Maria de Seabra Roseiro
Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Francisco José de Almeida Lopes
Página 43
0043 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Miguel Tiago Crispim Rosado
Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Júlio Manuel da Silva Magalhães e Vasconcelos
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo Vasconcelos Caeiro
Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos hoje proceder à apreciação do Programa do XVII Governo Constitucional. Para o apresentar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro (José Sócrates): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados, caros colegas do Governo: Quero começar esta minha primeira intervenção parlamentar como Primeiro-Ministro dirigindo uma saudação muito calorosa a V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República. Conhece o Sr. Presidente a profunda admiração que tenho pelas suas notáveis qualidades pessoais e políticas. É uma honra para a nossa democracia, é uma honra para este Parlamento ter no exercício de tão altas funções um dos fundadores do regime democrático e uma das mais prestigiadas personalidades políticas do nosso país.
Aplausos do PS.
Congratulo-me, pois, de forma muito sentida, com a expressiva votação que, atravessando fronteiras partidárias, fez de V. Ex.ª, com inteira justiça, a segunda figura do Estado.
Quero deixar também uma palavra de cordial saudação ao anterior Presidente desta Assembleia, João Bosco Mota Amaral, aqui presente. A forma digna e empenhada como V. Ex.ª exerceu o seu mandato constituiu, sem dúvida, um elevado serviço à causa pública e, quero sublinhá-lo, inscreve-se nas melhores tradições desta Casa.
Aplausos do PS e do PSD.
Saúdo, ainda, vivamente a Assembleia da República e todos os Deputados que representam aqui o povo português. Sou Deputado eleito a esta Assembleia desde 1987 e conheço bem a vida parlamentar. Não esqueço e não esquecerei em nenhum momento que a legitimidade do Governo que me cabe dirigir emana da legitimidade política da Assembleia da República e da vontade popular que aqui está representada.
Quis o povo que nesta Assembleia se formasse uma nova maioria. Sem dúvida, os resultados das eleições do dia 20 de Fevereiro traduzem uma profunda vontade de mudança dos portugueses, uma mudança para
Página 44
0044 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
uma governação estável e para toda a legislatura. Mas em democracia é tão importante cumprir a vontade da maioria como respeitar os direitos das oposições. Maioria e oposição estão igualmente ao serviço do País. Quero, por isso, afirmar a total disponibilidade do Governo para cooperar com esta Assembleia, tanto em Plenário como nas comissões. Eu próprio quero assumir o compromisso de comparecer nesta Assembleia para um debate mensal com todos os Srs. Deputados. Idêntico espírito de colaboração anima todos os membros do Governo, conscientes que estamos de que só assim o Parlamento pode desempenhar em plenitude as funções que constitucionalmente lhe estão confiadas.
Quero também que fique claro que o Governo a que presido, apesar de apoiado nesta Câmara por uma ampla maioria, não governará contra qualquer dos partidos aqui representados. De mim, como Primeiro-Ministro de Portugal, ninguém ouvirá, jamais, que o Governo governa contra uma parte dos portugueses ou contra um dos partidos da nossa democracia!
Aplausos do PS.
O mandato que temos é para governar em nome do povo, no respeito de todos e a bem do País. Este é, portanto, o nosso propósito e é isso que vamos fazer.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A minha primeira preocupação, ao receber um tão claro mandato popular e ao ser indigitado Primeiro-Ministro, foi a de contribuir para a recuperação do prestígio das instituições. O País não esquece as circunstâncias que motivaram a recente crise política e estou, por isso, consciente - perfeitamente consciente - de que os portugueses esperam que este Governo seja um Governo dotado de profundo sentido de Estado. O respeito que é devido às instituições democráticas impõe que o novo ciclo político que agora se abre corresponda a um virar de página também nesta matéria. O XVII Governo Constitucional não esquecerá a sua obrigação de ser fiel a esta linha de conduta: a defesa do prestígio e da dignidade que são devidos às instituições da República. Foi, aliás, esta orientação que presidiu ao processo de formação do Governo. O Governo que formei não foi feito na comunicação social nem pela comunicação social. Fiz questão de que a composição do novo Governo fosse conhecida em primeiro lugar por quem dela devia tomar conhecimento antes de todos: o Sr. Presidente da República.
Por outro lado, depois da tomada de posse, os membros do Governo tiveram o cuidado de se abster de apresentar publicamente linhas de acção ou de anunciar medidas para os sectores que tutelam antes da investidura parlamentar que só agora acontece, com a apresentação e o debate do Programa do Governo nesta Assembleia da República. O Governo apresenta, pois, o seu Programa em primeiro lugar a quem dele deve tomar conhecimento antes de todos: a instituição parlamentar perante a qual agora me encontro.
Aplausos do PS.
É desta forma que se reforça o prestígio das instituições democráticas: o Presidente da República, o Parlamento, o Governo e, com eles, a própria democracia. Para quem preza a cultura democrática, os procedimentos e as regras de relacionamento institucional não são menos importantes do que o sentido das decisões.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa do Governo que aqui me cabe apresentar foi entregue nesta Assembleia apenas cinco dias depois tomada de posse dos ministros e três dias depois de ser dada posse aos secretários de Estado.
Quero sublinhar, antes do mais, que este Programa é inteiramente fiel aos compromissos que assumi na campanha eleitoral. E é bom que fique claro que esta não foi uma solução de facilidade mas, antes, uma opção de exigência e de escrupuloso respeito por aquilo que demonstrou ser a vontade dos eleitores. Houve quem andasse - pelos vistos em vão - à procura de contradições entre o discurso da campanha e o Programa do Governo. E reparei que alguns não conseguiram esconder a sua surpresa ao verem que o Governo se propunha seguir o caminho que, afinal de contas, tinha sido anunciado aos portugueses na campanha eleitoral. Houve até quem tirasse daí a conclusão mais errada de todas: segundo esses, o Programa do Governo não teria novidades porque era igual ao programa eleitoral do partido vencedor. Pois a verdade que conta é outra. Quem tem memória do passado recente sabe que é precisamente nesta matéria que o Programa deste Governo traz uma novidade, e uma novidade importante à política portuguesa: com este Programa, os portugueses ficam a saber que não dizemos uma coisa antes das eleições e outra diferente quando chegamos ao Governo!
Aplausos do PS.
Os compromissos que assumimos perante os eleitores são para cumprir. Poucas coisas fizeram tão mal à democracia e à credibilidade dos políticos como a experiência dos últimos anos, em que se prometeu uma coisa em campanha e se começou por fazer exactamente o contrário ao chegar ao Governo. Também aí está a nossa diferença.
Na linha dos compromissos eleitorais, o Programa do XVII Governo Constitucional tem duas preocupações
Página 45
0045 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
centrais: enfrentar os problemas do presente e preparar um melhor futuro para os portugueses. Não construímos este Programa para fazer um ajuste de contas com o passado. Não! Os portugueses precisam de saber - e vão saber - a verdade sobre a situação em que o País se encontra, mas o nosso propósito não é o de apontar culpados nem o de passar o tempo a acusar quem nos antecedeu. Para resolver os problemas do País os portugueses escolheram um Governo com uma agenda de futuro, não escolheram uma comissão de inquérito para julgar o nosso passado político recente.
Aplausos do PS.
Srs. Deputados, é, portanto, do futuro que vos quero falar. O País enfrenta cinco desafios fundamentais a que este Programa pretende dar resposta: o desafio do crescimento económico, o desafio da coesão social, o desafio da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável, o desafio da qualificação da nossa democracia e do nosso sistema de justiça e, finalmente, o desafio da afirmação de Portugal na Europa e no Mundo.
O primeiro desafio é, portanto, como tenho sublinhado, o do crescimento económico. Portugal precisa de retomar uma trajectória de crescimento sustentado e de convergência com a Europa. Esta será a maior prioridade da acção governativa e é por isso que a nossa agenda é uma agenda para o crescimento. Como os Srs. Deputados sabem, começámos o ano de 2005 com a notícia de que Portugal entrou de novo em recessão. Desde 2002 que estamos a empobrecer significativamente face aos nossos parceiros europeus, sendo este o maior período de divergência das últimas décadas. O investimento caiu de forma drástica, o desemprego disparou, a confiança atingiu mínimos históricos. Mas não nos iludamos: a nossa tarefa não é apenas a de fazer face a uma crise conjuntural, é também a de enfrentar os obstáculos estruturais que são, verdadeiramente, o motivo do nosso atraso e que bloqueiam a competitividade da nossa economia! E julgo haver aqui uma clarificação a fazer: o problema central do País é, sobretudo, um problema económico. Insistir em reduzir esse problema económico às finanças públicas é um erro sério de perspectiva que já teve graves consequências no passado recente.
Aplausos do PS.
A consolidação das contas públicas e o equilíbrio orçamental devem ser vistos como instrumentos ao serviço de uma economia saudável e competitiva. São, certamente, condição necessária para uma boa economia, mas estão longe de ser condição suficiente para uma economia próspera.
E os números não enganam ninguém: no ano passado, em 2004, o produto interno bruto, ou seja, a riqueza criada em Portugal foi inferior à de 2002. É isso mesmo: inferior à de 2002! Nesse mesmo ano de 2004 o investimento total na nossa economia foi 10% inferior ao que se tinha verificado em 1999. Digo bem: menos 10% do que em 1999! E o desemprego, ainda em 2004, foi 70% superior ao que se verificava em 2001 - 70%!!...
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não ia falar do futuro?!
O Orador: - Perante esta realidade, um Governo sério e responsável não pode escolher outro caminho que não seja o caminho da aposta no crescimento e no relançamento da nossa economia e não pode ter outra ambição que não seja a de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para tentar recuperar os muitos milhares de empregos que se perderam nestes últimos três anos.
Quero, pois, apresentar-vos os eixos centrais do nosso programa económico, da nossa agenda para o crescimento. São eles um contrato, um plano e um compromisso.
Em primeiro lugar, propomos a todos os agentes económicos um novo contrato para a confiança. Um contrato capaz de relançar o investimento e de criar emprego, porque é essa a nossa obrigação. Encarreguei o Sr. Ministro da Economia e da Inovação de, até 30 de Junho, elaborar e apresentar um programa de acção que clarifique e estabilize os investimentos prioritários a realizar e que incluirá todos os mais relevantes projectos de modernização de redes de infra-estruturas energéticas, rodoviárias, ferroviárias, portuárias e aeroportuárias, ambientais, de telecomunicações e de equipamentos turísticos. Estou a referir-me aos investimentos que estão há muito previstos na modernização do sistema de produção, distribuição e transporte de electricidade; ao novo impulso que é imperioso dar às energias renováveis; à conclusão da rede secundária de gás natural; ao arranque efectivo e definitivo da rede ferroviária de alta velocidade; à modernização e requalificação dos portos; à conclusão das redes rodoviárias estruturantes e aos investimentos ambientais no abastecimento de água e saneamento de águas residuais. Estes investimentos não podem continuar a ser adiados. Trata-se de um programa que deverá envolver, nos quatro anos desta Legislatura, mais de 20 000 milhões de euros de investimento, cuja origem principal terá de ser, e só pode ser, o investimento privado. Fundos públicos, de origem comunitária e nacional, apoiarão este esforço de investimento, mas, insisto, o fulcro e o motor desta aposta será o investimento privado, nacional e estrangeiro. Está na hora - está na hora, Srs. Deputados! - de lançar em Portugal uma nova e ambiciosa parceria estratégica público-privada
Página 46
0046 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
que oriente e favoreça a modernização infra-estrutural do País e que sirva também para relançar a nossa economia e para nos lançar no desafio do crescimento económico.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o segundo elemento deste contrato para a confiança é o estímulo à concorrência. Há vários sectores económicos - energia, telecomunicações, comércio e serviços - que continuam bloqueados na sua eficiência, com prejuízos para as empresas e para os consumidores. Um mercado com mais concorrência e com uma regulação mais eficaz é condição para uma economia dinâmica e competitiva.
Foi, aliás, esta mesma orientação que fundamentou a decisão que anunciei sobre a venda de certos medicamentos fora das farmácias. É possível e é desejável que, com toda a segurança, medicamentos que não precisam de receita médica possam ser vendidos noutros estabelecimentos comerciais que garantam a adequada supervisão técnica por um farmacêutico. Esta é uma medida que permitirá não só um acesso mais fácil a este tipo de medicamentos como favorecerá a redução do respectivo preço junto dos consumidores. Seguirei idêntica orientação noutros sectores, sem hesitações nem cedências a interesses corporativos, mas pensando sempre, e apenas, no interesse público e no interesse nacional. Assim se fará, por exemplo, no sector da energia, com a antecipação da liberalização do mercado do gás natural e, principalmente, com a efectiva possibilidade de os consumidores domésticos poderem escolher livremente o seu fornecedor de electricidade.
Aplausos do PS.
Srs. Deputados, o terceiro eixo do contrato para a confiança é a criação de um bom ambiente para o desenvolvimento empresarial. Trata-se, sobretudo, de combater sem tréguas a burocracia que entrava a criação de empresas e a sua afirmação competitiva. A iniciativa e a vida das empresas têm de ser facilitadas. Por isso, um dos principais projectos do Governo é o de concretizar um ambicioso programa de desburocratização e de modernização da Administração Pública. Deste programa, quero destacar dois objectivos: o primeiro é o de tornar possível em Portugal a criação de empresas num só dia. Repito, Srs. Deputados: a possibilidade de criar empresas num só dia em Portugal! Como sabem, o maior factor de morosidade no processo de constituição de empresas consiste na aprovação da admissibilidade da firma. Vamos, por isso, elaborar um elenco de firmas pré-aprovadas para diversos sectores de actividade, que poderão sem qualquer demora ser adoptadas por quem queira constituir uma empresa.
Mas é também imperativo agir em matéria de celeridade no licenciamento de grandes projectos de investimento e quero anunciar que adoptaremos em breve um processo de "via rápida" para projectos que sejam considerados de interesse nacional. Quero que fique claro, desde já, que esta "via rápida" não se fará à custa da salvaguarda dos valores e das normas ambientais, antes representando um compromisso de articulação e celeridade entre os diversos departamentos da Administração Pública, em particular os dependentes do Ministério da Economia e Inovação e do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.
A economia precisa, sem dúvida, de uma Administração Pública mais eficiente e de serviços públicos com mais qualidade. O aperfeiçoamento dos mecanismos de avaliação do mérito e do desempenho, não apenas dos funcionários públicos mas também dos dirigentes e dos próprios serviços, constitui uma urgência não apenas para os cidadãos mas também para as empresas e para o dinamismo económico.
Aplausos do PS.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, além deste contrato, o novo contrato para a confiança, o nosso programa económico envolve também um plano: conhecimento, inovação, tecnologia - estes são os pilares do plano tecnológico que já se afirmou como a mais estruturada proposta política para o desenvolvimento do País lançada em Portugal nos últimos anos. É sabido que os principais bloqueios estruturais ao nosso desenvolvimento se encontram na qualificação dos portugueses. O défice das nossas qualificações é, seguramente, um dos mais problemáticos desafios que o País enfrenta. O plano tecnológico pretende ser uma resposta integrada a este problema e visa mobilizar o País como um todo - as empresas, a Administração Pública, as escolas, o sistema científico e tecnológico e os jovens. No quadro europeu e global, a economia portuguesa não tem futuro como uma economia de baixos salários e de baixos custos. Por isso, do que se trata é de assumir um horizonte de médio prazo e começar já a dar os passos necessários para alterar de forma consistente o padrão de especialização da economia portuguesa e o próprio modelo de desenvolvimento do País. A melhoria do nosso sistema de educação-formação, o combate ao abandono e ao insucesso escolar, a valorização do ensino tecnológico e profissional, eis algumas das tarefas que o Governo abraçará com especial determinação.
Do vasto conjunto de medidas deste plano tecnológico que constam do Programa do Governo, desejo aqui
Página 47
0047 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
salientar três. Tal como prometi na campanha eleitoral, quero anunciar na Assembleia da República que a primeira medida que o Governo vai aprovar logo após a investidura parlamentar - já na próxima reunião do Conselho de Ministros, que decorrerá na quinta-feira - será o programa que vai permitir colocar 1000 jovens formados em gestão e tecnologia em pequenas e médias empresas do nosso país.
Aplausos do PS.
Temos bem consciência de que a chave para o crescimento é a inovação, mas não temos uma visão estatista da inovação. Nós queremos que a inovação chegue às empresas para reforçar a competitividade da economia. Esta decisão, a de colocar em pequenas e médias empresas 1000 jovens formados em gestão e tecnologia, representa, por isso, um verdadeiro sinal de partida para uma decidida aposta na inovação e na valorização das pequenas e médias empresas e também naquilo que é imperioso: o combate ao desemprego juvenil.
Em segundo lugar, comprometi-me perante os portugueses a introduzir o inglês no ensino básico e expliquei detalhadamente as razões pelas quais era urgente fazê-lo. Pois estou hoje em condições de garantir perante a Assembleia da República que o programa de introdução do inglês como disciplina obrigatória terá início já no próximo ano lectivo, nas escolas englobadas em agrupamentos escolares.
Aplausos do PS.
Saliento, aliás, que o inglês começará por ser ministrado às crianças a partir do terceiro ano do primeiro ciclo do ensino básico.
Em terceiro lugar, reafirmo aqui o único compromisso orçamental de crescimento da despesa que consta do Programa do Governo, anunciando que o investimento em ciência e tecnologia atingirá no final da Legislatura 1% do nosso produto interno bruto, pois temos bem consciência de que investir na ciência é investir no futuro!
Aplausos do PS.
Srs. Deputados, com o objectivo de dar coerência, coordenação e dinamismo ao desenvolvimento do plano tecnológico, criaremos de imediato uma unidade de missão para o plano tecnológico que substituirá as estruturas existentes e apresentará, no prazo de seis meses, o conjunto das medidas intersectoriais de impulso à inovação previstas no plano. Nesta área, não queremos nem podemos perder mais tempo.
Do ponto de vista estratégico, o plano tecnológico é a primeira das nossas prioridades de acção política.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, um contrato e um plano: são estes os dois elementos primeiros do nosso programa económico. Mas há também um compromisso: o compromisso da consolidação das contas públicas.
Não é possível pensar no desenvolvimento económico sem finanças públicas saudáveis, e não esqueço - em momento algum esquecerei - o grave problema orçamental que o País enfrenta. É hoje irrefutável que a relação entre as despesas públicas e as receitas ordinárias do Estado se saldou, em 2004, por um défice superior a 5% do PIB. E não adianta continuar a tentar esconder esta realidade com operações de simulação contabilística, que só desprestigiam o Estado, prejudicam o futuro e não resolvem qualquer problema.
Os portugueses têm direito a conhecer a verdadeira situação das contas públicas e o Governo precisa dessa informação para estruturar em bases sólidas a sua política e também para que possa ser julgado "a benefício de inventário", como é mais do que justo.
Por isso, o Programa do Governo prevê a criação de uma comissão liderada pelo Governador do Banco de Portugal…
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Olha quem…!
O Orador: - … para avaliar a real dimensão do défice orçamental.
Aplausos do PS.
Sabemos já, todavia, que a situação é grave e que Portugal se confronta, agora, com um dado novo. Na passada sexta-feira, e ao contrário do que chegou a estar previsto, o Eurostat não validou as contas públicas de Portugal referentes a 2004. Apesar da enorme tolerância com que tem actuado nos últimos anos, o Eurostat veio dizer publicamente que mantém dúvidas, e dúvidas importantes, que podem vir a pôr em causa a validação dessas contas, fazendo Portugal entrar em situação - já não apenas real mas também formal - de défice excessivo.
Sei bem que o que quer que possa acontecer com a certificação das contas públicas de 2004 será sempre imputado aos dois governos que nos antecederam e não ignoro as vantagens políticas para consumo interno que poderia ter uma decisão final negativa do Eurostat. Mas, ao contrário da atitude que outros tiveram no
Página 48
0048 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
passado e que tanto prejuízo causou ao nosso País, não me movem quaisquer intuitos de mero combate partidário ou de vingança política; o meu propósito é apenas o de procurar o que for melhor para Portugal e para os portugueses.
Aplausos do PS.
Desejo por isso declarar, face à situação criada com o preocupante anúncio do Eurostat na passada sexta-feira, o seguinte: ainda que todos saibamos que as contas públicas de 2004 assentam na ilusão das receitas extraordinárias e não reflectem a nossa verdadeira situação orçamental, o Governo português nada fará, rigorosamente nada, em Bruxelas ou em Portugal, que possa prejudicar a validação pelas instâncias europeias das contas de 2004, que foram apresentadas pelo governo anterior.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Isso é o mínimo!
O Orador: - E vou mais longe: para garantir que nenhuma iniciativa do Governo possa pôr em causa os interesses do País, vamos adaptar o mandato conferido à comissão liderada pelo Governador do Banco de Portugal, por forma a que o seu trabalho não se dirija a apurar o valor do défice em 2004 - que sabemos ser bem superior a 5%, em termos reais - mas, sim, a apurar a verdadeira situação das contas públicas que este Governo encontra em 2005, no momento em que inicia funções.
Aplausos do PS.
Essa avaliação deve ter em conta o actual quadro orçamental, as operações de desorçamentação por via dele efectuadas, os compromissos financeiros que transitam do passado, que devem ser liquidados ou que devem ser assumidos na dívida pública, e as consequências orçamentais das verdadeiras perspectivas de evolução da economia até ao final do ano.
Será, portanto, este, e não outro, o objectivo fundamental do mandato da comissão que solicitaremos ao Governador do Banco de Portugal para presidir, e para presidir com os poderes necessários para obter dos órgãos relevantes da Administração Pública todas as informações que forem consideradas relevantes.
Nós queremos ser julgados, mas queremos sê-lo pelo que fizermos, e para que esse julgamento possa ser justo é também justo que se conheça a verdadeira situação de que partimos. É esta situação que esta comissão vai definir e apresentar.
Aplausos do PS.
Mas quero dizer desde já, Srs. Deputados, que se a transparência se tornou um desafio de primeira grandeza para as nossas contas públicas, não é razoável, num País que se pretende desenvolvido, que as recorrentes dúvidas sobre a imparcialidade das contas obriguem repetidamente à criação de comissões ad hoc de auditoria.
O Governo quer criar as condições para que isto não se volte a repetir no futuro. Por isso, vamos rever o procedimento de elaboração e de reporte das contas públicas na óptica das contas nacionais, conferindo essa responsabilidade a uma entidade administrativa independente, exterior ao Ministério das Finanças.
Aplausos do PS.
Só esta mudança permitirá recuperar a credibilidade das nossas contas públicas junto dos agentes políticos e dos mercados nacionais e internacionais, o que é absolutamente indispensável para o prestígio da nossa economia.
Uma vez concluída a avaliação sobre a verdadeira situação das contas públicas que encontrámos, o Governo apresentará, nesta Assembleia, a actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2005-2008. Vemos este Programa como um verdadeiro "programa de sustentabilidade", capaz de definir, desde logo, o enquadramento da nossa política orçamental de médio prazo e de orientar a elaboração do orçamento rectificativo de 2005 - que, quero aqui confirmá-lo, o Governo vai apresentar - e também do orçamento para 2006. É este "programa de sustentabilidade" que nos orientará nestas duas peças da política orçamental.
Na Primavera de 2006, com o Relatório de Orientação da Despesa Pública, o Governo apresentará ao Parlamento um orçamento plurianual para um período de cinco anos, reivindicação há muito feita por grandes especialistas e pela imprensa especializada neste domínio.
Aplausos do PS.
Sem dúvida que a chave do problema da consolidação das contas públicas está do lado da despesa, onde
Página 49
0049 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
se verifica uma extrema rigidez estrutural que retira margem de manobra a qualquer governo. Aí agiremos do lado do rigor, com a contenção que as circunstâncias impõem.
Foi também porque entendo que os sinais de contenção da despesa devem começar por cima que fiz questão de fazer um Governo significativamente mais pequeno do que o anterior. O XVII Governo Constitucional tem, assim, menos três ministros e menos três secretários de Estado do que o executivo precedente, sendo o Governo com menos ministros desde o XII Governo, formado em 1991.
Por outro lado, por razões de eficiência na gestão governativa, mas também pelas mesmas razões de contenção da despesa, determinei o fim da deslocalização dos gabinetes de meia dúzia de secretários de Estado, …
Aplausos do PS.
… pondo fim, aliás, a uma experiência irreflectida que colocou em trânsito permanente membros do governo, secretárias, adjuntos e motoristas, com óbvios prejuízos financeiros para o Estado, com consequências muito negativas para a funcionalidade do governo e, pior do que isso, sem nenhum ganho digno de registo para os cidadãos portugueses!
Num outro âmbito, mas com a mesma ordem de preocupações, e sem que haja qualquer despedimento na função pública, instituiremos a regra de uma entrada por cada duas saídas de funcionários públicos, com o objectivo de reduzir a prazo os encargos do Estado com o seu pessoal, mas também para garantir o necessário rejuvenescimento e uma maior qualificação da nossa Administração Pública, canalizando novas admissões para os serviços mais carenciados.
Fique claro, todavia, que não aceitamos a ideia, falsa e perigosa, de que tudo se joga do lado da despesa e de que nada há a fazer do lado das receitas públicas. O Governo assumirá, com determinação, o combate à fuga e à evasão fiscais - de que vos falará aqui hoje o Sr. Ministro de Estado e das Finanças - e conta, também, com o progressivo crescimento da economia para aumentar as receitas e criar melhores condições para alcançar o equilíbrio das contas.
Mas, em matéria de receitas, os princípios de rigor e de verdade nas contas obrigam-nos a assumir um outro compromisso: as receitas extraordinárias não serão utilizadas como mero expediente para disfarçar o défice orçamental.
Aplausos do PS.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não haverá "manigâncias"…!
O Orador: - Tendo em conta tudo o que aconteceu nestes últimos três anos (e como estão bem presentes estes três anos…), quero deixar claro que o Governo não recorrerá a receitas extraordinárias que prejudiquem a economia, que sejam maus negócios para o Estado ou ainda que comprometam exercícios orçamentais futuros.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Para este Governo, as receitas extraordinárias são isso mesmo, são extraordinárias, e não devem transformar-se em exercícios rotineiros de contabilidade criativa.
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Muito bem!
O Orador: - Eis como encaramos o problema das finanças públicas: com seriedade, mas sem obsessão; em suma, como instrumento ao serviço do desafio número um deste Governo, o desafio do crescimento económico para Portugal!
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se o crescimento económico é o primeiro desafio que o Programa do Governo visa enfrentar, o segundo não é menor e está intimamente ligado ao primeiro: é o desafio da coesão social - o desafio de vencer a batalha contra as desigualdades sociais, de vencer a batalha contra a pobreza e de vencer a batalha contra a exclusão.
Sei bem que há realidades estruturais que fazem com que Portugal possua a mais desigual distribuição de rendimentos de toda a União a quinze, sei também o esforço que será necessário para superar essas realidades. Sei, ainda, que a crise económica que vivemos agudiza, de forma dramática para muitos, as situações de pobreza e de fragilidade social. Mas, para este Governo, não chega ficar à espera que a recuperação económica venha para ajudar a resolver os problemas dos mais pobres ou para diminuir o duro impacto do desemprego. É por isso que o Programa do Governo assume a necessidade de um novo impulso e
Página 50
0050 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
de uma nova geração de políticas sociais em Portugal!
Duas palavras marcarão as políticas que preconizamos neste domínio: ambição e rigor. Ambição porque nós queremos ir mais longe no combate à pobreza e às desigualdades, investindo mais na protecção da infância, dando uma nova centralidade às políticas de integração dos imigrantes ou das pessoas com deficiência.
Mas escolhemos uma prioridade principal: a pobreza dos idosos. Também aqui confirmo o que disse em campanha eleitoral: uma das mais importantes prioridades do Governo será o combate à pobreza dos idosos.
Aplausos do PS.
Como tenho dito muitas vezes, esta é a pobreza mais desesperante, esta é a pobreza daqueles que não têm voz, esta é a pobreza que também mais nos envergonha e que mais nos preocupa. Mas esta é a pobreza, Srs. Deputados, que mais precisa de nós. Nós não nos resignamos: nós queremos tirar 300 000 idosos da pobreza durante esta Legislatura. Esta tem de ser uma prioridade do País e será uma prioridade deste Governo.
Esta medida não é mais do que a garantia de um verdadeiro direito de cidadania para aqueles que trabalharam uma vida inteira, mas que hoje são pobres, e que são pobres porque tiveram baixos salários na sua vida activa e sobretudo porque no passado tantas vezes sucedia que os descontos dos trabalhadores ou não existiam ou não chegavam à Segurança Social.
O nosso compromisso será com os idosos que mais precisam e que, para além da sua pensão, não têm outros rendimentos que lhes permitam viver com dignidade. Só assim poderemos fazer a diferença no combate à pobreza. Até ao final da Legislatura, quero garantir-vos, nenhum idoso em Portugal continuará a ter de viver com menos de 300€ de rendimento mensal.
Aplausos do PS.
Estou hoje em condições de vos poder anunciar que este programa arranca já em 2006, tendo depois um alargamento faseado e progressivo. Começaremos já no próximo ano com os mais idosos entre os idosos, aqueles que têm mais de 80 anos e que estão frequentemente em situação de grande dependência e particularmente carenciados de apoios sociais.
Ao longo da Legislatura, estenderemos progressivamente a nova prestação a todos os idosos com mais de 65 anos. O Governo apresentará ainda este ano o quadro legislativo referente a este programa.
Esta opção preferencial pelos mais pobres é, sem dúvida, uma opção de ambição, mas só pode haver ambição nas políticas sociais se a ela aliarmos também o rigor. E o rigor exige que todos cumpram as suas obrigações, quer aqueles que têm o dever de contribuir quer aqueles que beneficiam de prestações sociais.
Por isso, quero anunciar, aqui, hoje, que lançaremos no primeiro mês de Governo um plano de combate à fuga nas contribuições para a Segurança Social.
Aplausos do PS.
A moralização do sistema não é apenas um imperativo ético, é também uma questão financeira de grande impacto. Os dados disponíveis a este respeito mostram que a situação ao nível das contribuições de empregadores e trabalhadores se agravou de forma preocupante nos últimos anos. É necessário duplicar o esforço de fiscalização da situação contributiva porque - devemos ter consciência disso -, ao ponto a que as coisas chegaram, o combate à evasão contributiva pode ser um factor decisivo para o equilíbrio da própria Segurança Social.
Na mesma linha, e igualmente no primeiro mês de governo, adoptaremos um plano de combate à fraude nas prestações sociais de doença e de desemprego, de modo a moralizar a relação dos cidadãos com o sistema de protecção social.
Aplausos do PS.
Srs. Deputados, uma palavra ainda para sublinhar a especial preocupação do Governo com a situação do nosso sistema de saúde. Desde logo, é preciso resolver o problema da falta de transparência nos números sobre a saúde.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - A opacidade dos últimos anos - agora denunciada pelo próprio Eurostat - não é boa para ninguém e, seguramente, não é boa para o próprio sistema de saúde.
Só o conhecimento de dados fidedignos pode permitir uma avaliação rigorosa e sustentar opções para uma gestão mais eficiente.
Página 51
0051 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Mas quero assumir, neste capítulo, duas prioridades: a primeira é melhorar a acessibilidade aos cuidados de saúde primários nos centros de saúde, que são o pilar central do sistema de saúde; a segunda é promover a saúde entre os idosos como uma verdadeira prioridade, por via de uma melhor articulação entre os diferentes serviços de saúde, mas também entre estes e a Segurança Social.
Aplausos do PS.
Quero também expressar o compromisso do Governo com o relançamento da política de combate à toxicodependência, no plano da prevenção mas também em matéria de tratamento, de redução de danos e de reinserção social. Esta política precisa de um novo dinamismo, um dinamismo que inverta o marasmo que caracterizou estes últimos três anos de governação!
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O terceiro grande desafio a que o Programa do Governo pretende dar resposta é o da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável.
A nossa ambição não se resume a convergir com a Europa em matéria de indicadores económicos ou sociais; queremos convergir também nos indicadores ambientais e de qualidade de vida. Trata-se de um desafio de múltiplas implicações e, certamente, muito haveria a dizer neste domínio. Por contingências de tempo, posso apenas sinalizar aqui, telegraficamente, as nossas prioridades cimeiras.
Em primeiro lugar, vamos relançar as políticas de ambiente, de ordenamento do território e de cidades. Portugal vai ter, finalmente, uma nova lei da água e vai passar a cumprir a Directiva-Quadro da Água; vamos, finalmente, começar a tratar os resíduos industriais perigosos e pôr fim ao lamentável ciclo de declínio da política de conservação da natureza; vamos aprovar o programa nacional da política de ordenamento do território; reforçaremos a desconcentração administrativa em torno da figura das cinco regiões-plano; promoveremos uma verdadeira descentralização e corrigiremos as insuficiências e disfunções do actual modelo de associativismo municipal; o Programa Pólis vai conhecer um novo dinamismo e, nos primeiros 100 dias de Governo, apresentaremos a esta Assembleia da República uma nova e mais justa lei das rendas - lei da rendas, não uma lei de despejos!!
Aplausos do PS.
Em segundo lugar, vamos levar a sério os nossos compromissos em matéria de combate às alterações climáticas e promoveremos a integração das preocupações do desenvolvimento sustentável nas políticas sectoriais, sobretudo na energia, nos transportes, na agricultura, no mar, nas pescas e no turismo.
Com este Governo, Portugal terá a sempre adiada Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável, as energias renováveis conhecerão um novo impulso e as nossas florestas terão, finalmente, planos de ordenamento.
O Sr. Jaime Soares (PSD): - Quero ver isso!...
O Orador: - Em terceiro lugar, a política de defesa do consumidor vai voltar a existir em Portugal. A regulação não se fará apenas para servir o equilíbrio dos concorrentes no mercado e a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar não se vai limitar a fazer estudos, antes terá poderes efectivos para intervir em matéria de fiscalização, para defesa e segurança dos consumidores.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O quarto desafio que o Programa do Governo assume, e para o qual quero chamar a vossa atenção, é o da qualificação da nossa democracia e da melhoria do nosso sistema de justiça.
A qualificação da democracia é uma tarefa sempre inacabada e sempre exigente, mas é nela que o Governo está disposto a participar, até ao limite das suas competências, não apenas no que se refere à modernização do sistema político mas também no que diz respeito à comunicação social e, em particular, ao reforço das garantias de liberdade, independência e pluralismo na informação, designadamente por via dos novos instrumentos de regulação independente que, reconhecidamente, são necessários.
Na mesma linha, o Governo apresentará nesta Assembleia uma proposta de lei destinada a estabelecer limites à concentração da propriedade dos meios de comunicação social.
De igual modo, serão adoptados os mecanismos necessários a impedir qualquer participação relevante do Estado, ainda que indirecta, em empresas do sector da comunicação social para lá das que são já concessionárias do serviço público.
Estas são mudanças essenciais que o nosso sistema político e o respeito pela independência da
Página 52
0052 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
comunicação social impõem e exigem.
A reforma da justiça, por seu turno, é essencial para a modernização do País, para o desenvolvimento empresarial e para o próprio crescimento económico. Os diagnósticos estão feitos. Não vamos mais ficar a lamentar o ponto em que estamos e aquele de que partimos. O nosso objectivo é dar passos para inverter a situação actual e fazer do sistema da justiça um factor de competitividade e desenvolvimento, tornando também mais efectiva a garantia dos direitos e dos deveres.
Aplausos do PS.
Vamos, por isso, desburocratizar - nos documentos, nos actos, na repetição dos controlos, no predomínio do papel. Queremos menos papéis e vamos reduzir drasticamente o número de documentos que são exigidos aos cidadãos, por tudo e por nada.
No prazo de um ano - estou em agora em condições de fazer este anúncio - teremos adoptado o documento único automóvel; um documento, em vez dos dois que actualmente existem para todos os cidadãos.
Aplausos do PS.
A esta medida soma-se outra de grande impacto contra a burocracia: a criação do cartão comum do cidadão, que nos dispensará a todos de coleccionar bilhete de identidade, cartão de eleitor, cartão de contribuinte, cartão de saúde e cartão de segurança social. Chegou o momento de substituirmos todos estes cartões por um único cartão comum do cidadão.
Srs. Deputados, temos consciência de que hoje recorrem ao sistema judicial centenas de milhares de utentes, que, por diferentes motivos, se dirigem uma vez na vida ao tribunal. Mas, a par deles, há algumas centenas de utentes que instauram milhares de acções todos os meses.
E não é possível continuar a tratar todas as situações como se fossem iguais. Vamos actuar, portanto, sobre os diversos pontos de estrangulamento da resposta judicial, somando aos instrumentos já existentes, como a bolsa de juízes, novas soluções mais adaptadas aos diferentes tipos de processo, particularmente os chamados processos de massa que quase transformaram os tribunais em meras agências de cobrança de dívidas ao serviço predominante de um restrito grupo de utentes do tribunal.
Mas vamos, também, promover uma gestão mais racional do sistema, que incluirá a reavaliação do período de funcionamento dos tribunais, que não pode continuar como tem acontecido nas últimas décadas, para não dizer nas últimas várias dezenas de décadas em Portugal. Quero, por isso, anunciar que vamos rever o actual sistema de férias judiciais, que permanece sem justificação bastante há tempo demais. O Governo proporá a esta Assembleia que, como sucede com outros sistemas públicos, a suspensão do funcionamento normal dos tribunais no Verão seja reduzida de dois meses para um mês.
Aplausos do PS.
Com esta medida, Srs. Deputados, centenas de milhares de processos deixarão de estar literalmente parados por um tão largo período de tempo, o que será, não tenho dúvidas, um contributo decisivo para uma maior celeridade processual e, consequentemente, um benefício para os cidadãos e um sinal positivo para as empresas e para os investidores.
Aplausos do PS.
Não temos, todavia, uma leitura economicista do sistema de justiça, nem partilhamos a ideia de que a morosidade do sistema se deve fundamentalmente ao excesso de garantias na defesa dos direitos, liberdades e garantias. Introduziremos, pois, as clarificações necessárias à estrita observância das garantias constitucionais, incluindo, por via da revisão, de normas processuais penais. Vamos propor, também, a intervenção da Assembleia da República na aprovação, em termos genéricos, das prioridades da investigação criminal, dando pela primeira vez seguimento ao correspondente preceito constitucional, que tem sido esquecido nos últimos anos.
Desburocratizar, racionalizar a resposta judicial, clarificar a garantia de direitos fundamentais, dotar de mais critério e eficácia o combate ao crime - estes são os caminhos pelos quais o Governo pretende fazer do sistema de justiça não um contrapeso, mas um factor de desenvolvimento cívico, económico e social.
Aplausos do PS.
Quero agora, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, dar conta do quinto e último desafio que o Programa do Governo assume e procura enfrentar: o desafio da afirmação do papel de Portugal na Europa e no mundo.
Como afirmei no meu discurso de tomada de posse, o Governo assume, plenamente, o triângulo
Página 53
0053 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
estratégico da nossa política externa, que articula a centralidade da opção europeia, a nossa vocação atlântica e o compromisso com a lusofonia, quer no plano bilateral quer no quadro da CPLP.
Três palavras apenas para sublinhar as questões cruciais para o nosso futuro que se jogam hoje na Europa.
Em primeiro lugar, para dizer que o Governo se empenhará activamente no processo de ratificação por Portugal do Tratado Constitucional europeu e na discussão pública que, certamente, terá lugar entre nós. Desejamos, como já anunciei e expliquei, que o referendo europeu possa ocorrer ainda este ano, em simultâneo com as eleições autárquicas e esperamos que seja possível reunir nesta Assembleia o consenso necessário para que isso seja possível, mediante a necessária revisão constitucional.
Em segundo lugar, para assinalar que o Governo dará a maior atenção à negociação das perspectivas financeiras para 2007-2013, consciente que está da sua importância, que é decisiva para o desenvolvimento do País e para o progresso e a coesão da Europa.
Em terceiro lugar, para dar conta, como fiz já nas audiências da passada sexta-feira com os diferentes grupos parlamentares aqui representados, da importância estratégia que teve o acordo para a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que ontem teve lugar em Bruxelas, no ECOFIN, e que será ratificado no próximo Conselho Europeu, que possibilitará um Pacto de Estabilidade e Crescimento que possa dar à Europa um instrumento mais inteligente, um instrumento capaz de se ajustar melhor e com mais flexibilidade às diferentes fases do ciclo económico e também um instrumento que possa dar à União Europeia uma maior confiança e um maior dinamismo no sentido do crescimento económico de que a Europa tanto está a precisar. Eis uma oportunidade que a Europa não pode nem deve perder.
Mas gostaria de sublinhar também a especial articulação que hoje se exige entre a política externa e a política de defesa nacional. À escala das suas possibilidades, Portugal assume a sua participação no esforço colectivo de produção de segurança internacional, em particular sob a égide das Nações Unidas, na NATO e na União Europeia, nomeadamente nas missões internacionais de gestão de crises, de auxílio humanitário e de apoio à paz. A par das missões que no plano interno têm vindo a ser confiadas às Forças Armadas, é em boa parte esta assumpção de uma responsabilidade partilhada à escala internacional que reclama de Portugal a progressiva adequação do seu dispositivo militar à natureza destas novas exigências, sem nunca perder de vista, todavia, a situação financeira em que o País se encontra. A revisão da Lei de Defesa Nacional e a aprovação de uma lei de programação das infra-estruturas militares complementam as prioridades centrais do Governo em matéria de defesa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é possível, naturalmente, referir nesta minha intervenção todos os pontos relevantes do Programa do Governo, mas gostaria de deixar três últimas notas complementares que vos permitirão, certamente, ter uma visão mais completa do nosso projecto e das nossas preocupações.
E quero começar pela questão da segurança. Nesta hora difícil, marcada por trágicos acontecimentos, desejo exprimir, em nome do Governo, a solidariedade com as suas forças de segurança. O Governo não faltará com a confiança de que as autoridades policiais precisam, nem lhes regateará o apoio necessário para o bom desempenho das suas funções.
Aplausos do PS.
Lamentavelmente, perdeu-se muito tempo e há ainda muito por fazer para que as forças e serviços de segurança disponham das condições adequadas ao serviço que prestam à sociedade. É para a progressiva superação dessas limitações que vamos trabalhar. O Governo vai também rever e aperfeiçoar o dispositivo de segurança no seu conjunto, incluindo a dimensão da protecção civil, onde também se deparam ao País exigências inadiáveis.
Deixo uma segunda nota complementar sobre as nomeações na Administração Pública, para confirmar que o Governo apresentará no Parlamento uma proposta de lei que visará alcançar um consenso sobre o elenco dos cargos dirigentes da Administração Pública de nomeação e sua vinculação ou autonomia face às mudanças eleitorais.
Aplausos do PS.
Como é sabido, o Governo anterior acabou com os concursos na função pública para os cargos dirigentes e transformou todos os cargos dirigentes em cargos de nomeação.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Lamentável!
O Orador: - Esta não é a boa solução. É preciso encontrar um quadro jurídico mais equilibrado e trabalhar para um entendimento na sociedade portuguesa que garanta um regime mais estável e correcto, a bem da Administração Pública e a bem do desempenho das funções que lhe estão confiadas.
Aplausos do PS.
Página 54
0054 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Uma terceira e última nota complementar para reafirmar o compromisso eleitoral de nesta Legislatura se realizar um novo referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. O tempo decorrido desde o último referendo, os sinais da evolução do sentimento da sociedade portuguesa sobre a matéria, os casos recentes de mulheres sujeitas a processos judiciais e, sobretudo, a subsistência do drama do aborto clandestino tornam necessário que esta questão regresse à nossa agenda política. Tal como sucedeu anteriormente, a iniciativa do referendo deverá partir desta Assembleia e em sede parlamentar deverá ser acordado o respectivo calendário. Estou certo de que o grupo parlamentar do partido maioritário honrará os seus compromissos e não deixará de tomar as iniciativas correspondentes nesta Assembleia da República.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nas eleições em que se fundamenta a legitimidade democrática do Governo a que presido, os portugueses votaram na estabilidade. O Programa do XVII Governo Constitucional é, por isso mesmo, um programa que se coloca no horizonte da Legislatura, que nos vai levar até 2009.
Mas nessas mesmas eleições os portugueses votaram também na mudança. O Programa do Governo traça, por isso, um novo rumo para o País e é um Programa de ambição para Portugal.
A situação, todos o sabemos, é difícil, mas não foi à espera de facilidades que, por mandato do povo, assumimos a responsabilidade de governar. Estamos aqui porque confiamos nos portugueses; estamos aqui porque confiamos em Portugal.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Quero começar por agradecer as palavras amáveis que o Sr. Primeiro-Ministro me dirigiu e também ao meu antecessor no exercício destas funções.
Neste debate do Programa do Governo vamos dar início ao período de pedidos de esclarecimento e de respostas. Nesta primeira ronda tanto os Srs. Deputados como o Sr. Primeiro-Ministro dispõem de 5 minutos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quero começar, naturalmente, por felicitar V. Ex.ª pela vitória eleitoral que aqui o conduziu. Em democracia por um voto se ganha e por um voto de perde, mas a sua vitória foi, Sr. Primeiro-Ministro, uma vitória expressiva, o que permite, inclusive, leituras próprias e pessoais, que aqui quero assinalar.
Quero também desejar-lhe boa sorte na governação. Portugal precisa de um bom Governo. É bom, de facto, que as coisas venham a correr bem.
Quero ainda, manifestar-lhe, desde já, a inteira disposição do Partido Social-Democrata em ser uma oposição exigente, mas uma oposição construtiva. Conte connosco para concordar e, inclusive, convergir nas matérias que, de acordo com as nossas convicções, se inscrevam no interesse nacional.
O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É preciso, no entanto, que o Sr. Primeiro-Ministro saiba ouvir e saiba dar razão a quem a tem sempre que estas questões lhe sejam colocadas como deve ser.
Aplausos do PSD.
Sr. Primeiro-Ministro, o senhor e o seu Governo apresentam-se aqui como uma legitimidade forte. Não será propriamente uma legitimidade reforçada, porque, apesar da anterior maioria dispor neste Parlamento de 119 Deputados e actual maioria de 121, em termos de voto, de apoio popular, a anterior maioria tinha 49% e a actual maioria tem apenas 45%.
Risos do PS.
No entanto, Sr. Primeiro-Ministro, em qualquer circunstância, é uma legitimidade forte, porque é uma legitimidade que decorre de uma escolha actual e clara dos portugueses.
É preciso, no entanto, que essa legitimidade seja transformada em autoridade e em liderança no Governo, mas a verdade é que os sinais, nesta dezena de dias desde o anúncio da tomada de posse do Governo, não são muito abonatórios em relação a essa autoridade e a essa liderança.
Logo após o anúncio da formação do Governo, um ministro veio dizer que só aceitou integrar o Governo depois de conhecer e de avalizar os nomes dos outros ministros…!
Numa outra matéria tão central como é a difícil situação económica do País, o Ministro de Estado e das Finanças veio falar antes do Sr. Primeiro-Ministro, de uma forma desarticulada consigo e, naturalmente,
Página 55
0055 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
descoordenada. Houve imediatamente duas consequências disso: em primeiro lugar, o Sr. Primeiro-Ministro precisou de vir desdizer, aparentemente, aquilo que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças tinha dito;…
Vozes do PS: - Ouviram mal!
O Orador: - … em segundo lugar, no Programa do Governo, o discurso socialista, que, ao longo dos últimos dois anos, sempre tinha fundamentado a necessidade da recuperação económica com base no reforço do investimento público, teve de ser, naturalmente, emendado para a redução e a contenção da despesa pública e para o combate à evasão e à fraude fiscais.
Até o Governador do Banco de Portugal achou que podia "meter a colher"… Não se percebeu muito bem se o fez para ajudar o Governo ou se para o condicionar, mas a verdade, Sr. Primeiro-Ministro, em qualquer caso, é que o pronunciamento do Sr. Governador do Banco de Portugal desafiou e pôs em causa a sua liderança e a sua autoridade. É suposto o Governador do Banco de Portugal depender do Governo e não o Governo andar a reboque das opiniões do Banco de Portugal,…
Aplausos do PSD.
… o que não pode continuar a acontecer, Sr. Primeiro-Ministro! O senhor não pode consentir que a sua liderança e a sua autoridade sejam minadas por episódios como estes!
Também o Dr. Mário Soares, naturalmente, se sentiu com capacidade de vir opinar sobre a estratégia que o Governo deve percorrer nestes primeiros tempos…!
Os senhores ainda não começaram a governar e tudo isto já aconteceu. Ainda não há muitas coisas que a oposição possa apontar ao Governo, porque, de facto, o Governo ainda não começou a governar. Mas estes episódios, Sr. Primeiro-Ministro, são, desde já, um ponto de partida, de meu ponto de vista, bastante pouco abonatório.
A questão da maior importância é exactamente saber se, quando o senhor sair daqui, vai, de facto, começar a governar, se vai começar a tomar as medidas difíceis e impopulares que se exigem ou se vai multiplicar por mais três ou por mais quatro vezes a paragem a que o País está condicionado desde a última decisão do Sr. Presidente da República. Porque, Sr. Primeiro-Ministro, é pela forma como o senhor for capaz de sair daqui e começar a tomar as medidas necessárias para o País que se vai saber se o senhor é um Primeiro-Ministro socialista ou se se quer assumir como um Primeiro-Ministro de Portugal.
Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero agradecer-lhe a simpatia das suas palavras iniciais e retribuir-lhe também os votos de boa sorte. O Governo precisa de sorte para governar - qualquer governo precisa -, mas também as oposições precisam de sorte, em particular a sua. Boa sorte também para o PSD!
Aplausos do PS.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito obrigado!
O Orador: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes diz que por um voto se ganha e por um voto de perde. É verdade! Mas acontece que nós não ganhámos apenas por um voto, ganhámos por um pouco mais - faça-nos essa justiça.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi o que eu disse!
O Orador: - Essa diferença de perspectiva é importante mantê-la, Sr. Deputado.
Depois diz o Sr. Deputado que é preciso saber ouvir. Com certeza! Tenho dito em todos os discursos que fiz desde que fui indigitado Primeiro-Ministro que este Governo está muito disponível para ouvir e para considerar, mas também para decidir, e que governará no sentido daquilo que considera ser o interesse nacional, mas governará com as suas ideias e não com as ideias dos outros.
Há um equívoco que é preciso desfazer: é que quem perdeu as eleições não as perdeu apenas em função dos dirigentes que tinha na altura; quem perdeu as eleições deve assumir que foram também as suas ideias e as suas políticas que foram derrotadas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!
Página 56
0056 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Orador: - A política deste Governo é uma política de mudança relativamente às políticas anteriores. É por isso que o Sr. Deputado não encontra neste Programa do Governo uma coisa que provavelmente procurou em vão, não encontrará lá as ideias do PSD. Isso não! Não existirão neste Programa! Existem, sim, as nossas!
Aplausos do PS.
Pareceu-me intuir que o Sr. Deputado se quis referir à matéria de aumento de impostos, matéria que tem sido muito discutida. Quero reafirmar perante a Assembleia da República, em resposta ao Sr. Deputado, aquilo que sempre disse na campanha eleitoral e já também nos discursos que fiz, em particular no discurso de tomada de posse e agora na apresentação deste Programa do Governo: o nosso caminho relativamente à consolidação das contas públicas está há muito definido e esse caminho é o de aposta no crescimento económico, na contenção da despesa e em lutar também no domínio do combate à fraude e à evasão fiscais. É este o nosso caminho e não outro!
Mas era bom que aqueles que passam a vida a falar de impostos recordassem que se alguém em matéria de impostos não pode falar e não pode invocar o passado são justamente aqueles que no passado apoiaram o governo anterior. Quem não é de fiar em matéria de impostos são aqueles - e estão nessas duas bancadas - que apoiaram o governo anterior. Sabem porque é que estou a falar?!
É que o governo anterior, tendo prometido em campanha eleitoral baixar os impostos - e noto um sorriso na cara do Deputado Miguel Frasquilho, autor do célebre "choque fiscal" e que agora bem precisa de um "choque de credibilidade" para recuperar desse "choque fiscal" de que todos os portugueses ainda estão bem lembrados!… -, esse governo que prometeu o "choque fiscal", na apresentação do seu Programa, veio aqui dizer que, afinal, já não faria o "choque fiscal" mas advogava o aumento dos impostos. Ora, isso é que não encontrarão agora! Esse não é o nosso caminho! Continuaremos fiéis ao compromisso de equilíbrio das contas públicas, mas vamos procurá-lo na contenção da despesa e no combate à fraude e à evasão fiscais.
Em síntese, Srs. Deputados, cá estamos para saber ouvir e para saber considerar as propostas dos outros. Mas quero deixar claro que este Governo tem a sua agenda e tem o seu caminho. Uma agenda que visa responder ao problema mais sério do País, o do crescimento económico. Que não haja confusões: a nossa agenda não é a do governo anterior. Não cometeremos o erro de transformar todos os problemas da economia do País naquilo que foi a obsessão com as contas públicas. As contas públicas são um instrumento ao serviço do crescimento, e é nesse caminho, com essa orientação, que trabalharemos.
Estamos aqui para resolver o principal problema do País: apostar no crescimento económico e, também, no combate ao desemprego. Crescimento e emprego são as duas prioridades da nossa política económica.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, estando nós perante um Programa de legislatura, poderia até admitir-se que seria excessivo que, na definição das políticas, das orientações, na concretização dos objectivos que este Programa comporta, o seu discurso tratasse de todas estas matérias. Mas, como diz o nosso povo, "nem oito, nem oitenta" e creio que tivemos aqui um caso paradigmático de "mais de oito do que oitenta" em relação aos conteúdos e à substância.
A primeira observação que gostaria de fazer é esta: decorre da sua intervenção uma ideia onde abunda a declaração de intenções, as boas declarações de intenções, mas falta muito de substância…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - … e muito de esclarecimento a esta Assembleia da República.
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Estamos de acordo com a ideia de que, na actual situação, o problema das contas públicas não é o problema nacional. O problema nacional é, de facto, a situação económica; o problema da nossa economia é a questão central que está colocada.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Temos um problema económico, temos uma necessidade vital de crescimento e de emprego, de criar mais riqueza, naturalmente, mas também, sendo indissociável, a sua repartição deverá ser mais justa. Mas a questão é esta, Sr. Primeiro-Ministro: com que meios? Com que instrumentos?
Consideramos fundamental, como ponto de partida, a defesa do aparelho produtivo e da produção
Página 57
0057 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
nacional, o que não é indissociável nem contraditório com a necessidade da modernização do perfil produtivo da nossa economia, que, infelizmente, como é sabido, é muito assente na subcontratação e nos baixos salários.
Já agora, permita-me um parêntesis, Sr. Primeiro-Ministro: que silêncio "de chumbo" da sua parte em relação a uma questão importantíssima para os trabalhadores portugueses, que é a necessidade da revalorização dos seus salários. Diga-nos: entende ou não que, no plano de uma economia do progresso, necessário para Portugal, é possível arredar a questão central dos salários da sua revalorização?
Estamos a falar da nossa indústria, das nossas pescas, da nossa agricultura, estamos a falar de um exemplo de grande actualidade como é o da ex-Bombardier, em que o comportamento da administração da multinacional poderia ser qualificado… Enfim, estamos na Assembleia da República e é preciso ser sensato com a linguagem. Mas esta forma rocambolesca de, pela calada da noite, tentar retirar máquinas vitais para que aquela empresa possa continuar a laborar… Mas, neste caso concreto, tendo em conta o perigo da deslocalização, tendo em conta que temos uma empresa que não é de "aperta porcas", é uma empresa com capacidade, com máquinas modernas, com técnicos qualificados, com trabalhadores qualificados, qual é a resposta do Governo?
Aplausos do PCP.
E também estamos a falar do sector têxtil que, com modernidade ou sem ela, se encontra ameaçado por decisões externas mas onde houve comprometimento de governos do PS e do PSD. Hoje, não é excessivo dizer que, tendo em conta as decisões da OMC, o seu conteúdo e a liberalização dos têxteis, podemos vir a ser confrontados com a liquidação de centenas de milhares de postos de trabalho, podendo ser liquidadas milhares de empresas de um sector que envolve, directa ou indirectamente, cerca de 1 milhão de portugueses. Qual é a resposta que o Governo nos dá - e, se não quiser dar-nos, não a dê - em relação a esses trabalhadores dessas empresas, tendo em conta a tal necessidade do crescimento económico do nosso país?
Sr. Primeiro-Ministro, conhecendo nós, como conhecemos, as consequências e os "amarramentos" que decorrem para a nossa economia das medidas mais draconianas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, num quadro em que está a verificar-se a consideração e a renegociação desse Pacto de Estabilidade, o que é que o Governo vai fazer a Bruxelas? Que posições vai tomar? Que determinação? Que conteúdos das suas propostas? É que aquilo que nos disse aqui é muito simpático, mas, há-de convir, acrescenta pouco àquilo que é uma necessidade objectiva.
Para o nosso país, para as especificidades da nossa economia, para a realidade que vivemos, pensamos que devíamos ter uma posição mais forte, mais combativa, e não apenas esse desarrincanço simpático, passe o termo, que aqui…
O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
A terminar, direi que estamos de acordo que não se pretenda fazer um ajuste de contas com o passado recente, situando nos governos anteriores todas as responsabilidades da situação que vivemos. Mas o povo português acreditou que era possível uma mudança, e provou isso mesmo no dia 20 de Fevereiro. Naturalmente, não queremos que se faça um ajuste de contas, mas é importante que se corrijam algumas malfeitorias que os governos anteriores fizeram. Estamos a falar na lei de bases da segurança social, estamos a falar, por exemplo, em relação aos direitos dos trabalhadores, da contratação colectiva, que, neste momento, envolve mais de 900 000 trabalhadores, que vêem os seus direitos bloqueados.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, um silêncio absoluto da sua parte pensamos que não é bom. Tem tempo, com certeza, de nos esclarecer.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, estive a falar durante quase 66 minutos e procurei passar em revista todos os aspectos do Programa do Governo.
Sr. Deputado, lamento mas não posso estar de acordo com a crítica que fez de que fui demasiado vago. A não ser que o Sr. Deputado considere vago aquilo que eu disse à Assembleia da República e que tem a ver, por exemplo, com o facto de retirar da pobreza 300 000 idosos. Julgo que isto não é nada vago. É muito concreto. E muito mais concreto é quando digo que, neste domínio, vamos começar, já em Outubro, a apresentar legislação que visa que, no próximo ano, aqueles idosos que mais precisam, a partir dos 80 anos,
Página 58
0058 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
já terão a prestação complementar. Isto não é ser vago. Ao contrário, é preciso ser muito concreto e já ter feito um estudo para poder apresentar nesta Assembleia da República este compromisso calendarizado de aplicação desta medida.
O mesmo se passa com o Inglês no ensino básico. Também não é nada vago. É muito concreto. O ensino do Inglês vai começar já em Outubro, Sr. Deputado.
O Sr. Honório Novo (PCP): - E quanto aos salários?!
O Orador: - Por outro lado, acha vago o que eu disse em relação à redução de dois para um mês das férias judiciais? Não, Sr. Deputado. É muito concreto.
Portanto, se há crítica com a qual eu não posso estar de acordo é a de que a apresentação que fiz do Programa do Governo foi vaga. Bem pelo contrário, foi muito concreta e muito virada para a necessidade de começar a agir, e imediatamente.
Mas, certamente, o Sr. Deputado percebeu a diferença entre a agenda económica deste Governo e a agenda económica do governo anterior e far-me-á justiça de concluir que, neste domínio, há uma alteração muito substancial.
A primeira prioridade deste Governo é com o crescimento económico. Por isso, anunciei um novo contrato para a confiança que relance o investimento para que, em primeiro lugar, possamos contribuir para a modernização infraestrutural do nosso país, que está muito carenciado em vários domínios - na energia, nas rodovias, nos sectores ambientais. Há muito a fazer. Mas essa prioridade ao investimento pode também trazer uma animação à nossa economia, de que há muito estamos carenciados. Esta é a primeira prioridade.
Mas o plano tecnológico também é uma prioridade. Temos de perceber que, se queremos ter algum sucesso e alguma visão de futuro, é nos domínios da qualificação, da ciência e do conhecimento que temos de começar a apostar imediatamente para podermos ter uma estratégia de médio prazo. Portugal viveu muitos anos sem uma estratégia de médio prazo. É necessário que isso regresse às preocupações da governação da nossa economia. Julgo que estas prioridades são as que melhor resposta pode dar à situação concreta do nosso país.
Só uma aposta no crescimento económico pode também transformar Portugal num país de mais oportunidades, em particular no domínio do emprego.
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Muito bem!
O Orador: - Se uma coisa ficou clara, quer ao longo da campanha eleitoral quer ao longo das últimas intervenções que tive oportunidade de fazer, é a ideia de que o emprego regressou às preocupações da política macroeconómica do Governo.
Aplausos do PS.
Quanto ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, o Sr. Deputado conhece as nossas posições. Advogamos uma revisão do Pacto que tenha fundamentalmente em consideração o facto de este Pacto não ter respondido, como devia, à situação de depressão económica em que a Europa tem sido mergulhada.
O Pacto precisa ser revisto no sentido de ser mais amigo do crescimento e também mais flexível para que os países que, eventualmente, tenham défices excessivos obtenham um maior período de adaptação e um maior período de resposta e de regresso a défices abaixo dos 3%.
Mas também deve ser um Pacto que, na avaliação da situação orçamental de cada país, tenha em consideração que algumas despesas são de investimento, quer em alterações estruturais, quer em reformas estruturais que podem melhorar a situação orçamental no futuro, quer também em investimentos que são ditados pela própria estratégia europeia, como são os investimentos em ciência, em tecnologia, em inovação e em conhecimento.
Esta é a nossa posição sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Aliás, as notícias que temos do último ECOFIN são positivas. É neste sentido que a Europa parece caminhar. Portanto, estas notícias animam-nos a podermos responder às exigências de um Pacto, que é de rigor (e não nos afastaremos do rigor), mas permitirá a Portugal poder cumpri-lo sem recorrer a imaginativas manobras de criatividade orçamental. Não queremos que isso aconteça mais!
Responder apenas às exigências do Pacto, pondo os ministros das Finanças, a partir de Junho, à procura de receitas extraordinárias dê lá por onde der, não é boa solução para o rigor e para a consolidação das contas públicas.
O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Orador: - Isso é apenas uma fantasia. Não é assim que se cumprem os objectivos do Pacto. Assim só se finge que se cumprem os objectivos do Pacto.
Página 59
0059 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O último acordo alcançado ontem permite-nos encarar com optimismo um futuro de cumprimento e de rigor orçamental, em Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Pires de Lima.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Sr. Presidente da Assembleia da República, quero começar por saudá-lo no exercício das novas funções e, saudando-o a si, cumprimentar cada um dos Deputados desta Câmara.
Sr. Primeiro-Ministro, quero também cumprimentá-lo a si e ao seu Governo democraticamente, dar-lhe os parabéns pela vitória eleitoral importante que obteve no dia 20 de Fevereiro e desejar-lhe felicidades no exercício do seu mandato. Se o seu Governo for bom, mesmo que com ideias muitos diferentes das que defendemos no CDS-PP, acredito que isso será bom para Portugal!
Fez V. Ex.ª um discurso longo e algo cansativo. Foram, Sr. Primeiro-Ministro, não 66 minutos mas 69 minutos e 27 segundos; 69 minutos e 27 segundos com omissões graves. Num discurso desta dimensão, V. Ex.ª foi incapaz de dizer uma palavra que fosse sobre a maior calamidade com que se confrontam os portugueses neste momento: o problema da seca.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Esse registo fica como uma nota lamentável do seu discurso nesta Assembleia.
Aplausos do CDS-PP.
Omissões graves e uma contradição que permanece num mistério que se adensa neste Programa do Governo: o da sua política fiscal.
Entendamo-nos, Sr. Primeiro-Ministro. A economia, as finanças, a matemática, têm regras que são simples.
V. Ex.ª quer - e anunciou-o - conter o défice dentro dos limites do Pacto de Estabilidade sem recurso a receitas extraordinárias. V. Ex.ª quer dar auto-estradas gratuitas a todos os portugueses e até aos turistas que nos visitam. V. Ex.ª quer dar aumentos absolutamente extraordinários - não digo que não sejam justos! - aos pensionistas em maior dificuldade. V. Ex.ª quer dobrar os gastos em investigação e desenvolvimento. V. Ex.ª quer aumentar significativamente o investimento público.
V. Ex.ª não quer, porque nada se lê no Programa do Governo a esse respeito, mexer na Lei das Finanças Locais. V. Ex.ª não quer mexer nas finanças regionais. V. Ex.ª não quer mexer nos mecanismos de promoção automática dos funcionários públicos. V. Ex.ª não toca no tema da revisão constitucional. V. Ex.ª pensa que se pode reformar em Portugal sem qualquer tipo de dor.
O mistério da política fiscal deste Governo confirma-se quando ouvimos o Dr. Vítor Constâncio dizer que são possíveis auto-estradas gratuitas em Portugal sempre e quando se aumente o imposto sobre os automóveis ou o imposto sobre os produtos petrolíferos. É inusitado ver um Governador do Banco de Portugal tomar como suas as dores de uma medida demagógica e eleitoral de um Governo socialista!
Aplausos do CDS-PP.
Vale a pena dizer, neste momento, ao Dr. Vítor Constâncio uma coisa muito simples: não é bom que o papel do Governador do Banco de Portugal se confunda com o papel do Ministro das Finanças. É exigível ao Governador do Banco de Portugal uma postura isenta, independente e exigente.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Foi assim, no passado, com o governo da nossa maioria; por maioria de razão, tem de ser assim, no futuro, com um Governo de maioria absoluta de um só partido, socialista, precisamente da cor da filiação partidária do Dr. Vítor Constâncio!
Aplausos do CDS-PP.
O mistério da política fiscal adensa-se ainda mais ao ouvirmos o Professor Campos e Cunha, indigitado Ministro das Finanças, quando ainda não na plena posse das suas competências, é certo, dizer que ia procurar controlar a despesa pública corrente mas que lhe parecia absolutamente inevitável um aumento de impostos, a prazo.
Bem pode o Sr. Primeiro-Ministro dizer, como fez na campanha eleitoral, que não é bom aumentar os impostos, porque o aumento dos impostos arrefece a economia. A verdade é que desde que o Partido
Página 60
0060 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Socialista ganhou as eleições não se fala noutra coisa neste país que não seja no aumento dos impostos! É o aumento das taxas mínimas e média do IVA; é o aumento do IRS para as classes mais baixas; é o aumento do imposto automóvel; é o aumento do imposto sobre produtos petrolíferos…
E não nos venha com a conversa de que o governo anterior aumentou os impostos. É certo que houve um aumento do IVA, mas o senhor sabe, tem a obrigação de saber, que houve uma diminuição efectiva do IRC e do IRS, uma redução significativa do imposto de sisa e que terminámos com o imposto sucessório.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, sobre matéria de impostos, a minha pergunta é muito simples: em que é que ficamos? Quem é que fala verdade? O Ministro das Finanças, Professor Campos e Cunha, ou o Engenheiro José Sócrates? O Dr. Vítor Constâncio ou o Sr. Primeiro-Ministro?
Está o Sr. Primeiro-Ministro em condições de garantir que, durante a presente Legislatura, não vai haver aumento do IVA?
Está o Sr. Primeiro-Ministro em condições de garantir que não vai haver aumento do IRS, nem para as classes mais baixas?
Vozes do CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - Está o Sr. Primeiro-Ministro em condições de garantir que não vai haver um aumento do IRS e do IRC?
Em suma, está o Sr. Primeiro-Ministro em condições de garantir aos portugueses, nesta Câmara, de forma solene, que não vai aumentar os impostos durante a legislatura que agora se inicia?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pires de Lima, começo por responder à questão relativa à seca, dizendo-lhe que omissão grave foi a do anterior governo ao nada ter feito, nem de estruturante nem de conjuntural, para responder ao problema da seca!
Aplausos do PS.
E o Sr. Deputado devia saber que ainda este Governo não havia feito a sua investidura parlamentar e já o Ministro da Agricultura tinha reunido com os agricultores, tinha informado, pela primeira vez, o Conselho de Ministros Europeu dos problemas da seca em Portugal e tinha uma nova proposta com um pacote de medidas que a Comissão está a acompanhar e que discutiremos com Bruxelas muito brevemente. A isto, chama-se fazer alguma coisa em concreto para responder ao problema da seca!
E, já agora, quero referir que se há medida que devemos adoptar com urgência é a de, fazendo aquilo que durante três anos os senhores não fizeram, aprovar uma lei da água que, finalmente, crie condições para que haja em Portugal uma política de recursos hídricos capaz de responder, em tempo útil, a situações de emergência.
Aplausos do PS.
Escusava de ter ouvido isto, Sr. Deputado.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - É importante que diga alguma coisa!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Convém que diga alguma coisa! Está cá para isso!
O Orador: - O Sr. Deputado também disse que eu tinha assumido o compromisso de não recorrer a receitas extraordinárias. É verdade. Assumi o compromisso de que as receitas extraordinárias que vierem a figurar nos Orçamentos dos próximos anos serão isso mesmo, ou seja, extraordinárias, e não receitas extraordinárias procuradas, induzidas,…
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Não foi essa a minha pergunta!
O Orador: - … que muito prejudicaram a economia do País e que serviram apenas para uma única coisa: fingir e disfarçar o défice.
Página 61
0061 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Aplausos do PS.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Responda à minha pergunta!
O Orador: - Essas receitas extraordinárias serviram, nos últimos três anos, apenas para encobrir uma situação. Desde logo, isso é negativo para a transparência das contas públicas e para a verdade, mas também induz a uma preguiça de fazer aquilo que temos de fazer.
O meu compromisso é o de resolver nesta Legislatura; é cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento; é consolidar as contas públicas, mas num espaço que permita a Portugal apostar no crescimento económico, ao mesmo tempo que esse crescimento económico vai ajudar-nos a fazer essa consolidação num espaço mais alargado. Nós não queremos a consolidação das contas públicas para amanhã, porque isso levar-nos-ia ao erro que os senhores cometeram, ou seja, a procurar apenas receitas extraordinárias para fingir o cumprimento do défice. O nosso compromisso é o de cumprir com o défice real, não com o défice formal.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Nós queremos chegar ao fim da Legislatura com um défice real abaixo dos 3%. Essa é que é uma atitude séria para com as nossas contas públicas.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E os impostos?!
O Orador: - Disse, ainda, o Sr. Deputado que nós decidimos manter as SCUT. Pois decidimos. E decidimos por dois critérios políticos fundamentais: o modelo SCUT deve, em primeiro lugar, ser um instrumento para desenvolver as regiões mais desfavorecidas do País. O critério político é o da coesão territorial. Esse é, certamente, um critério que nenhum contabilista se lembrará de invocar, mas é um critério eminentemente político, de justiça, é um critério que tem a ver com a nossa visão do País, com o desenvolvimento de uma política de promoção das regiões do interior. É para isso que existem as SCUT. E as SCUT também existem porque em muitos casos não há alternativa. É por isso que as mantemos, porque assim servimos um Portugal mais justo e mais equilibrado territorialmente.
Aplausos do PS.
Disse o Sr. Deputado que connosco se fala de aumento dos impostos. Bom, o que posso dizer é que se connosco se fala de aumento dos impostos, convosco, isso sim, aumentavam-se mesmo os impostos.
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
Não sei quem fala de aumento dos impostos, mas, mais uma vez, a nossa via é clara. Claro está que se nada se fizer para conter a despesa, que se não se actuar no combate à fraude e à evasão fiscais, isso será inevitável. Mas vai ser evitável justamente, porque estamos cá para garantir que vamos conter a despesa, que vamos agir no combate à fraude e à evasão fiscais,…
Vozes do CDS-PP: - Sim, sim…!
O Orador: - … que vamos apostar no crescimento económico, para que possamos ter uma consolidação das contas públicas que sirva também de estímulo ao crescimento e que não o impeça, que não seja inimiga da economia, que seja apenas uma tarefa para o Estado e não para a sociedade. No fundo, é uma estratégia que passa pelo compromisso deste Governo, que é o crescimento económico e o emprego.
E, já agora, Sr. Deputado, quero também dizer-lhe que este Governo não evitará um mal da nossa sociedade, que são as desigualdades sociais. Durante três anos, ouvi o governo que esteve em funções evitar e esconder esse problema.
O Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Orador: - As desigualdades sociais agravaram-se, a pobreza aumentou e nunca isso foi assumido no discurso político. Pois isso mudou, e é bom que se habitue, Sr. Deputado, pois este Governo atribui prioridade ao crescimento, mas também à manutenção de condições para a coesão social!
Aplausos do PS.
Página 62
0062 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Para este Governo, o combate à pobreza e às desigualdades será também uma prioridade!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, nos últimos dias instalou-se algum nevoeiro acerca deste Programa do Governo e deste debate. Com alguma surpresa, ouvimos uma ex-ministra de um governo de direita, Manuela Ferreira Leite, anunciar a sua adesão ao programa deste Governo.
Protestos do PSD.
E hoje, neste debate, já só encontramos dois ex-ministros do governo anterior - os Deputados Paulo Portas e Telmo Correia. Mais nenhum veio a este debate na Assembleia da República.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - O Governo está na Tribuna, não na bancada do CDS-PP!
Neste momento, os Deputados Nuno Morais Sarmento e José Luís Arnaut levantam os braços.
O Orador: - Aliás, vejo mais dois ex-ministros. Estão a levantar os braços.
Pausa.
Srs. ex-ministros, vejo que estão muito contentes com a vossa situação, e eu também estou muito contente com a vossa situação.
Fica claro, no entanto, Sr. Primeiro-Ministro, que há uma clarificação, e é indispensável que a oposição contribua construtiva e claramente para as escolhas políticas, em primeiro lugar, para corrigir os erros - por isso, o Bloco de Esquerda já apresentou propostas, nesta Assembleia, para recuperar o rendimento mínimo garantido e a sua política de inclusão e para revogar o código laboral e reconstruir um princípio moderno de direitos dos trabalhadores e da contratação -, para combater a política que, em nome do deficit, provocou desemprego, promover a justiça social, promover a verdade fiscal.
Por isso, queria, nesse contexto, porque não podemos perder tempo, solicitar duas clarificações sobre a sua posição, Sr. Primeiro-Ministro.
A primeira é a seguinte: não se referiu a isso no seu discurso, mas o Programa do Governo diz o seguinte: "Em nome de mais emprego e mais produtividade, o caminho é o do envelhecimento activo." E, mais adiante, refere que "Neste quadro, é condição essencial…" - sublinho "condição essencial" - "… que a idade da reforma vá acompanhando a evolução da esperança média de vida."
Foi assim no princípio: a idade da reforma era aquela em que se esperava que as pessoas morressem e deixou de ser assim com o desenvolvimento moderno, contratualizado, do final do século XX e, naturalmente, do princípio do século XXI.
A idade da reforma é um direito adquirido por dezenas de anos de desconto e de trabalho, que constitui um bem comum para a sociedade e é, portanto, essa qualidade de vida que acompanha esse novo período da vida que é valorizada quando se constituem condições elementares de cidadania como são as propostas de desenvolvimento das políticas modernas de segurança social.
Ora, não é exacto que o aumento da idade da reforma crie mais emprego; não é verdade, cria menos emprego, Sr. Primeiro-Ministro.
Aumenta a produtividade aumentar a idade da reforma? Pelo contrário, diminui a produtividade. Mas, sobretudo, Sr. Primeiro-Ministro, diminui o respeito pelas pessoas.
Não é "condição essencial" aumentar a idade da reforma. Condição essencial é uma forma moderna e eficiente de sustentação dos sistemas de segurança social,…
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - … de convergência, de uniformização, de desenvolvimento dos direitos para os quais todos contribuímos naquela que é a nossa vida activa.
Condição essencial, Sr. Primeiro-Ministro, são regras claras no combate à evasão, é uma perspectiva, um horizonte de vida com qualidade, que não seja a perseguição com a diminuição de direitos, é a qualidade de vida depois de uma vida de trabalho. E essa é uma grande aquisição sobre a qual era muito importante que houvesse um esclarecimento, porque é uma questão decisiva deste debate.
A segunda clarificação que lhe quero pedir incide no referendo sobre o aborto.
Há mais de um ano, em Janeiro de 2004, estivemos juntos na baixa de Lisboa, como tantos outros milhares de pessoas, a promover a ideia da urgência de um referendo que desse aos portugueses a capacidade de
Página 63
0063 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
decidir.
Passou mais de um ano e julgamentos sucessivos envergonham-nos, porque somos o único país da Europa onde há julgamentos de mulheres que tenham abortado. Nenhum outro país da Europa concede este ritual de humilhação - e estamos, certamente, de acordo na rejeição dessa posição e da lei que assim o determina.
Mas, passado mais de um ano, é importante que, no contexto do que o Sr. Primeiro-Ministro nos disse, faça uma clarificação que é decisiva: é a de saber se participa, com a sua consciência, com a sua voz, com a sua posição, na campanha, no debate público, na determinação cívica, na mobilização dos portugueses para que, nesse referendo, uma posição moderna, moderada, europeia, de respeito pelas mulheres, possa, finalmente, vencer aquela que é a longa vigência das políticas inquisitoriais em Portugal.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, começo por responder à segunda pergunta, que é a mais fácil: sim, vou participar!
Aplausos do PS.
Sempre me bati por uma mudança, na lei da interrupção voluntária da gravidez, que ponha fim ao escândalo dos nossos dias que são os abortos clandestinos. Sempre entendi que Portugal precisava de ir mais longe neste domínio e precisava de alinhar a sua legislação por aquilo que são as legislações europeias e sempre me bati por isso. Mas, no Partido Socialista, no grupo parlamentar a que pertenci, sempre houve uma liberdade de opinião total sobre esta matéria. Nós sempre fizemos questão de deixar claro que isto é matéria de consciência e que cada um tem o direito a expressar o seu ponto de vista com inteira liberdade. Tenho a certeza de que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista me acompanha neste ponto de vista, tal como todo o Partido Socialista.
Mas, neste momento, quero dizer-lhe que o Partido Socialista tem uma posição clara sobre a matéria: nós queremos fazer este referendo e foi por isso que estabelecemos esse compromisso no nosso programa eleitoral. Também aí se dá um passo na direcção certa, na direcção da modernização do nosso país e para resolver um problema que há muito devia estar resolvido e que se não está resolvido não devemos fingir que não existe, pelo contrário, devemos enfrentá-lo com determinação e com coragem.
Quanto à primeira pergunta, sobre a idade da reforma, quero também responder-lhe de forma clara, Sr. Deputado.
Primeiro ponto: não ignoro os problemas que se colocam à sustentabilidade do nosso sistema público de segurança social e é em nome dos valores da esquerda que não os ignoro. Não os ignoro, considero-os e, por isso, quero garantir o seguinte: tomaremos todas as medidas que sejam necessárias para defender o sistema público de segurança social, porque eu defendo um sistema público.
Aplausos do PS.
Sou por um sistema público de segurança social, sou pelo primado do sistema público; o sistema privado tem um papel mas será sempre um papel subalterno. E é justamente em nome da defesa desse sistema público que, entendo, devemos olhar com seriedade para o problema da sustentabilidade. Mas nenhuma medida deve ser tomada apenas em função de preconceitos ideológicos ou de palpites, nós devemos basear as medidas em dados objectivos que tivermos sobre a sustentabilidade da segurança social. E é isso que vamos fazer. Vamos fazer um estudo sério sobre esta questão e as medidas só se justificarão se estiver em causa essa sustentabilidade, coisa que não está provada e que não deriva da primeira avaliação que se faz do sistema público de segurança social.
Mas quero também dizer-lhe, Sr. Deputado, para que fique claro aquilo que escrevemos no nosso Programa do Governo, que temos uma preocupação, isso sim, e nessa podemos e devemos já avançar: temos de contrariar as tendências, na nossa sociedade, para a saída precoce do mercado de trabalho.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Eu não estou de acordo com as reformas tão antecipadas que estão a verificar-se no nosso país. Parece-me que isso é negativo para as pessoas e para a nossa sociedade e temos condições para contrariar essas saídas precoces, porque elas não são boas para a sociedade e não são boas para a nossa economia.
Portanto, desincentivar as pré-reformas, desincentivar esse caminho que temos vindo a seguir nos últimos anos parece-me ser a via adequada para promover o envelhecimento activo e também para defender as
Página 64
0064 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
condições de competitividade da nossa economia. Este é um bom caminho e, este, podemos tomá-lo já, antes de qualquer avaliação.
Aplausos do PS.
Mas as medidas para a reforma da nossa segurança social que permitam uma segurança social como instrumento fundamental de coesão nacional, e não apenas de promoção de igualdade mas de promoção de valores comuns a toda a comunidade nacional, devem ser um imperativo de todos aqueles que se interessam por estas matérias e serão, seguramente, uma das preocupações deste Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, permita-me, em primeiro lugar, que, em nome de Os Verdes, o confronte com aquilo que vem estabelecido no Programa do Governo e com aquela que foi a primeiríssima decisão do Sr. Primeiro-Ministro, ou seja, a formação do Governo.
Pode ler-se na página 87 do Programa do Governo que este assume "(…) três compromissos emblemáticos para a promoção da Igualdade de género: (…)", um dos quais é o de reforçar "(…) a participação política das mulheres em todas as esferas de decisão (…)".
Mais à frente, na página 131 do Programa do Governo, refere-se que "A qualidade da democracia exige (…) o reconhecimento do princípio da paridade, (…)".
Sr. Primeiro-Ministro, independentemente das considerações que, aqui, cada um de nós possa fazer sobre as questões da paridade e da concretização da igualdade de género, o certo é que o Governo assume, no seu Programa, aliás, até já depois de constituído, o compromisso que aqui citei e apresenta, entretanto, um Governo formado por 16 ministros, entre os quais 2 mulheres, e 36 secretários de Estado, entre os quais 4 mulheres.
É importante, na nossa perspectiva, Sr. Primeiro-Ministro, a resposta a esta não concretização de um princípio estabelecido no Programa do Governo, porque, a partir desta resposta, poderemos aferir se os princípios que estão estipulados no Programa do Governo são ou não para ser levados a sério, se este Programa do Governo é ou não para ser levado a sério ou se está repleto de boas intenções, de princípios de facto vagos e genéricos mas que, na verdade, não são para cumprir.
Portanto, precisamos desta resposta para, depois, podermos continuar o debate sobre aquilo que vem estipulado no Programa do Governo, designadamente sobre algumas medidas concretas, de que, aliás, como deve compreender, Sr. Primeiro-Ministro, discordamos, mas que enunciaremos no decurso deste debate.
Sr. Primeiro-Ministro, se me permite, gostaria de tentar que se pronunciasse sobre coisas emergentes que não vêm referidas no Programa do Governo, nomeadamente sobre a questão dos organismos geneticamente modificados, que é completamente ignorada. E sabe o Sr. Primeiro-Ministro que a União Europeia fez o que fez relativamente aos OGM e ao levantamento da moratória, sabe o Sr. Primeiro-Ministro que a União Europeia "passou a bola" para os Estados-membros relativamente à definição das regras para a co-existência entre culturas transgénicas e culturas convencionais e biológicas, sabe o Sr. Primeiro-Ministro que não existe legislação em Portugal sobre a co-existência e que estamos na iminência de ter culturas transgénicas completamente desregradas, o que representa um perigo para a nossa agricultura, para a defesa do consumidor e para a segurança alimentar.
A pergunta concreta que quero fazer ao Sr. Primeiro-Ministro vai no sentido de saber se, pelo menos até à existência da definição de regras sobre co-existência, está ou não disposto a aceitar uma moratória, em Portugal, que não permita, de facto, essa contaminação ambiental, essa contaminação agrícola decorrente da possibilidade, que hoje existe, de haver culturas transgénicas completamente desregradas pela falta dos princípios de co-existência.
Por outro lado, também me parece grave que o Programa do Governo não assuma com particular preocupação as questões do combate às alterações climáticas e da redução de gases com efeito de estufa. O Programa fala disso mas, entretanto, como fala e caracteriza tão pormenorizadamente algumas outras realidades, não percebi se o Governo se posiciona pela dificuldade, que importa assumir, de, neste momento, não conseguirmos cumprir as metas que assumimos entre os anos de 2008 e de 2012 ou se, de facto, o Governo vai direccionar um investimento brutal para essa área, no sentido de, através das medidas internas necessárias, conseguir responder a esse desafio.
Mas, para além de simplificar muito os esclarecimentos sobre o combate às alterações climáticas, o Programa do Governo também fala muito pouco da sua adaptação, e essa também é uma preocupação que temos e que decorre da nossa leitura do Programa do Governo, tanto mais quanto hoje estamos confrontados com um problema real de seca, de falta de água. E deixe-me dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que fiquei preocupada com a sua intervenção, a qual, na minha perspectiva, veio confirmar um pouco mais aquilo que está no Programa do Governo e que o Sr. Primeiro-Ministro entende sobre a simetria entre o sector da água e
Página 65
0065 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
outros sectores ou serviços públicos, sem perceber que a água é um bem e um serviço que não pode ser equiparado aos outros por ser tão vital à vida, como hoje os portugueses percebem.
O Programa do Governo ignora, designadamente, o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, que está completamente metido na gaveta, e que hoje há um imperativo nacional relativamente à poupança e à racionalização do recurso água…
O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Termino, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, hoje há um imperativo nacional relativamente à racionalização e à poupança do recurso água que, na nossa lógica, é completamente contraditório com a gestão privada e a entrega aos privados do recurso água. E o Sr. Primeiro-Ministro, de facto, veio referir que essa gestão e o investimento privado são orientação deste Governo, o que nos deixa preocupados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, deixe-me começar pelo final para lembrar à Sr.ª Deputada que esse Plano de que falou, o Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, foi elaborado quando eu era Ministro do Ambiente.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Eu sei! Daí a maior estranheza!
O Orador: - E se há coisa que lamento é que, nestes últimos três anos, esse Plano não tenha saído da gaveta.
Por isso, posso garantir-lhe, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que terei o maior gosto em fazer aplicar esse Plano e, nos diferentes usos da água, impor medidas de racionalização e de limitação, para contribuir para o seu uso eficiente. Mas isso não dispensa que possamos ter uma visão integrada sobre a gestão dos nossos recursos hídricos e é por isso que considero prioritária a aprovação da lei da água em Portugal, que, finalmente, ponha Portugal a cumprir a Directiva-Quadro da Água à escala da União Europeia. Recordo-me sempre que foi durante a presidência portuguesa que conseguimos convencer os restantes parceiros europeus de que era urgente aprovar a Directiva-Quadro da Água. Para vergonha de Portugal, fomos o primeiro país a entrar em incumprimento da mesma Directiva-Quadro que convencemos os europeus que era urgente aprovar.
Por isso, não posso dizer à Sr.ª Deputada outra coisa que não seja isto: tenho perfeita consciência da urgência que, nesse domínio, tem uma iniciativa legislativa capaz de pôr Portugal na área da racionalização e da utilização eficiente da água e, também, numa gestão adequada dos recursos hídricos, a par dos restantes países europeus.
Quanto aos organismos geneticamente modificados (OGM), Sr.ª Deputada, o que orienta o Governo neste domínio é o princípio da precaução, que já orientou também a Europa quando negociou, ao nível das Nações Unidas,…
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Isso já lá vai!…
O Orador: - … o novo protocolo sobre biossegurança, que, como sabe, veio dar mais segurança e mais possibilidades de rastreio a todos os organismos geneticamente modificados.
Sr.ª Deputada, lamento afastar-me da sua opinião num ponto, mas não tenho um preconceito contra os organismos geneticamente modificados e considero até que, em muitos casos, prestam um serviço à população mundial, em muitas áreas do nosso planeta.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem! E dão de comer a muita gente!
O Orador: - Por outro lado, quero dizer-lhe que o problema dos organismos geneticamente modificados está na necessidade de se garantir segurança para o consumidor, o que implica mais testes, e de se garantir que a rotulagem é adequada para que o consumidor possa escolher o produto que lhe é oferecido.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - E a co-existência?!
O Orador: - Sr.ª Deputada, posso garantir-lhe que, em Portugal, serão essas as orientações que presidirão às escolhas do Governo.
Finalmente, não quero deixar de me referir ao tema "paridade", sendo que tenho alguns elementos
Página 66
0066 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
estatísticos para lhe fornecer.
Sr.ª Deputada, começo por lhe dar razão num ponto.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - O que interessa é o que está no Programa do Governo!
O Orador: - Há alguns elementos que é importante saber!
Respondendo à sua pergunta, Sr.ª Deputada, reconheço que há um problema com a participação das mulheres na política, que é estrutural e não conjuntural. Alguns têm dito que há um reduzido número de mulheres neste Governo. É verdade. Mas também é verdade que em Portugal, desde 1985, nunca houve um governo constituído com mais de três ministras.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Com o mal dos outros…
O Orador: - Por outro lado, é verdade que o Governo só tem quatro Secretárias de Estado - é verdade -, mas também é verdade que, desde 1985, nunca se formou um Governo com mais de cinco Secretárias de Estado.
Há, portanto, um problema estrutural que estou disponível para reconhecer, mas é preciso também que a Sr.ª Deputada reconheça um facto novo na política portuguesa e que está patente neste Parlamento - o número de mulheres presentes na bancada do Partido Socialista.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Ah! Aqui fazem falta e aí não!
O Orador: - Esse facto a Sr.ª Deputada esqueceu-se de referir!
Aplausos do PS.
É uma novidade, Sr.ª Deputada!
Agora, Sr.ª Deputada, deixe-me dar-lhe alguns números. Há hoje 54 mulheres Deputadas neste Parlamento, de longe o maior de sempre, e é interessante saber porquê. Das 54 Deputadas, 1 é do Partido Ecologista "Os Verdes", a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; 1 é do CDS-PP; 2 são do PCP; 4 são do Bloco de Esquerda;…
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Fale do Governo, Sr. Primeiro-Ministro!
O Orador: - … 6 são do PSD; e 40 (40, Sr.ª Deputada!) são do Partido Socialista!
Aplausos do PS.
Agora a Sr.ª Deputada pode descobrir as diferenças!…
A verdade, Sr.ª Deputada, é que 74% das mulheres Deputadas neste Parlamento foram eleitas pelo Partido Socialista.
Em abono da verdade, se, de facto, o Partido Socialista foi aquele que contribuiu mais para a promoção da paridade neste Parlamento fê-lo devido a uma regra estatutária,…
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Então, tem de aplicar a regra estatutária ao Governo!
O Orador: - … o que só me vem dar razão quando considero que as quotas ajudam muito à promoção da igualdade e da paridade.
Aplausos do PS.
Porém, é justo reconhecer que esta mudança no Grupo Parlamentar do Partido Socialista é uma mudança histórica e que honra uma orientação de paridade num partido político.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, começo por saudá-lo, assim como aos restantes membros do Governo, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, no acto de apresentação do Programa do Governo, que é, como todos sabemos, um acto fundador da responsabilidade política do Governo perante a Assembleia da República.
Página 67
0067 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Sr. Primeiro-Ministro, quero dar-lhe conta do agrado com que ouvimos a sua excelente intervenção, marcada por dois objectivos - a mudança para Portugal e o novo sentido e projecto para o desenvolvimento do nosso país - e assente em ideias consistentes de ambição e rigor. Foi mesmo por essa ambição e rigor, por essas vistas largas, que tivemos oportunidade de ver aqui a generalidade das oposições fazerem críticas circunstanciais, avulsas, uma quase revista de imprensa, sem confrontarem o Governo com as questões de fundo contidas no seu Programa.
Aplausos do PS.
Estamos particularmente satisfeitos por o Programa do Governo ser o programa eleitoral com que os socialistas sufragaram nas últimas eleições. Como o Sr. Primeiro-Ministro disse, isso é uma prova de verdade - não estamos a "vender gato por lebre". O Programa do Governo que a Assembleia da República vai votar é, no essencial, o mesmo que os portugueses directamente votaram, o que é uma prova de verdade. E é igualmente, para nós, Grupo Parlamentar do Partido Socialista, uma referência muito importante, porque, sendo o Programa do Governo igual ao programa eleitoral, podemos dizer que temos a mesma carta genética de responsabilidade.
Os Deputados do Partido Socialista têm no seu compromisso de honra político o mesmo programa que tem o seu Governo, tendo, por isso, condições aprofundadas de garantir a necessária solidariedade institucional que o Governo, naturalmente, merece e terá do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª aludiu ao problema grave da interrupção voluntária da gravidez e lançou um repto ao Partido Socialista para honrar os seus comportamentos, estando seguro de que o Partido Socialista o faria.
A nossa bancada responde imediatamente a esse repto, dando conta pública e ao Sr. Primeiro-Ministro, que nos interpelou sobre esse aspecto, de que, no final do debate do Programa do Governo, apresentaremos uma proposta para a realização de referendo o mais rápido possível, no sentido de obtermos a resposta a este bloqueio grave da sociedade portuguesa,…
Aplausos do PS.
… que corresponde, como foi dito, à salvaguarda de um princípio essencial de liberdade individual, naturalmente com respeito pelas posições distintas daquelas que constituem o património histórico e político do Partido Socialista. Consensualizaremos com as outras bancadas um calendário para que os nossos objectivos possam ser prosseguidos de forma harmónica e tempestiva.
Sr. Primeiro-Ministro, por último, a questão que quero colocar-lhe e que decorre, em grande medida, da apresentação do Programa do Governo, num dos pontos que aqui citou e situou, tem que ver com o lugar central da Assembleia da República no debate político.
Temos todos consciência de que a função fiscalizadora e a função europeia (assim denominada por alguns constitucionalistas) da Assembleia da República merecem ser aprofundadas.
Em termos legais e constitucionais, as competências recíprocas da Assembleia da República e do Governo estão estabelecidas e, nalguma medida, no quadro constitucional estabilizadas. Contudo, como sabemos, nesta como noutras questões, não basta o dispositivo constitucional, não basta a prescrição legal, é preciso um comportamento determinado de partilha das responsabilidades e de atribuição à responsabilidade, maxime pelo Governo, deste lugar central no debate político, de fiscalização do Governo e de partilha na construção europeia.
Sr. Primeiro-Ministro, é esta questão e este pedido de clarificação aprofundado, se possível, que lhe suscito e que ponho à sua consideração.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, agradeço as suas amáveis palavras. Também eu quero saudar o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o grupo parlamentar da maioria.
Sei que o grupo parlamentar da maioria se comportará - tenho a certeza - solidariamente com o Governo, mas também com iniciativa, à altura das boas tradições do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Quero assegurar à Assembleia da República, neste momento, um dever do Governo que estará sempre presente nos nossos espíritos: o de colaboração com a Assembleia da República e o de responder perante ela pelos actos do Governo.
Nós não esquecemos - já o disse no discurso de posse e digo-o agora - que dependemos da Assembleia da República, sendo que vemos este quadro de maioria de absoluta como um quadro de maior exigência connosco próprios na observância de todas as regras democráticas para que a democracia, o
Página 68
0068 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Parlamento e as instituições democráticas saiam fortalecidas e prestigiadas.
Por isso, não me canso, nestes primeiros discursos, de salientar que tão importante é a maioria como importantes são as oposições. Julgo que isso deve ser interpretado como um reconhecimento daquilo que há a fazer em termos de relacionamento do Governo com a Assembleia da República, que é o centro do debate político e da nossa democracia.
Quero também dizer, neste momento, que me revejo muito no programa apresentado, embora sumariamente, pelo Sr. Presidente da Assembleia da República. Em particular no que diz respeito às questões europeias, julgo que os parlamentos nacionais têm um papel que pode, e deve, ser melhorado e aumentado por forma a que também no aprofundamento do projecto europeu tenham uma palavra a dizer.
Quero, portanto, garantir a todos os grupos parlamentares que poderão contar com o Governo nesse esforço de envolver cada vez mais o Parlamento nacional nas posições de Portugal em matéria de União Europeia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora entrar na segunda ronda de perguntas. Cada Deputado dispõe de 3 minutos para formular o seu pedido de esclarecimento, dispondo o Sr. Primeiro-Ministro de igual tempo para responder, sendo que, no caso de agrupar as perguntas, não poderá exceder 5 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Frasquilho.
O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, saúdo-o na sua primeira aparição na Assembleia da República neste cargo, fazendo minhas as palavras do líder parlamentar do meu partido, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, e desejo-lhe boa sorte.
Sr. Primeiro-Ministro, começo por colocar o enfoque em algo que referiu aqui hoje e que não corresponde à verdade dos factos. Referindo-se ao problema da seca, que, infelizmente, assola ainda o nosso país, disse o Sr. Primeiro-Ministro que o anterior governo nada tinha feito para debelar este problema. Tal não é verdade. O anterior governo concedeu, de ajudas e apoios directos, 15 milhões de euros e estava em negociação com Bruxelas para atribuição de mais 10 milhões de euros. Portanto, não é verdade que nada tenha sido feito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Pelo contrário, foram tomadas acções concretas para debelar este problema.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro colocou nas áreas da economia, do crescimento e do emprego uma centralidade que saudamos, mas comprometeu-se a continuar a consolidação das finanças públicas do nosso país (e digo "continuar" porque, na verdade, ela já tinha sido iniciada).
É extraordinário como, no seu Programa do Governo, se pode ler o seguinte: "Com a participação portuguesa no Euro, o custo de não consolidar as finanças públicas deixou de ser a possibilidade de uma crise cambial e passou a ser o empobrecimento gradual do País, como se está a verificar nos últimos anos." Pois é verdade. Só que os últimos anos começaram em 2000, e foi uma pena que os senhores nada tivessem consolidado entre 1996 e 2000, porque, caso contrário, não estaríamos a atravessar a fase que agora atravessamos!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, não lhe fica bem referir, no seu Programa do Governo, que não houve consolidação orçamental nos últimos anos, pois não é verdade! Longe vão os anos em que a despesa crescia a 9% e 10% ao ano; nos últimos três anos, cresceu a 4% e 5%! E, como o Sr. Primeiro-Ministro bem sabe, se utilizar o défice público primário e ajustado do ciclo económico - aquele que, como sabe, deve correctamente ser utilizado -, mesmo descontando as receitas extraordinárias, verificará que os défices, entre 2002 e 2004, foram sempre inferiores ao défice de 2001. Se estes não são progressos em termos de consolidação orçamental, o que é que são, ainda por cima numa fase tão difícil do ciclo económico?!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, o que tenciona o Governo fazer para consolidar e controlar a despesa pública? É que só o ouvimos falar aqui em aumentos da despesa!
Claro que saudamos também, não só na área da despesa, mas também na da receita, a parte referente ao combate à fraude e à evasão fiscais. Mas, em particular, nesta parte da receita - e porque o Sr. Primeiro-Ministro me referiu explicitamente, há pouco -, devo dizer que, nesta bancada, não renegamos o que
Página 69
0069 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
fizemos. Tivemos de aumentar o IVA, quando chegámos ao governo, é certo, mas diminuímos o IRC e as taxas de IRS, suprimimos benefícios fiscais, uma prática que foi comentada positivamente…
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Como dizia, tratou-se de uma prática que foi elogiada pela OCDE. Além disso, fizemos a reforma da tributação do património.
Para finalizar, pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro o seguinte: como o Financial Times e outros jornais da área referiram na semana passada, o Chanceler Schröder, Primeiro-Ministro da Alemanha e socialista, inclui, na sua agenda de crescimento, a descida do IRC para combater a deslocalização de empresas para o Leste da Europa e para ter mais crescimento, mais emprego. O que tem para nos dizer sobre esta prática o Sr. Primeiro-Ministro, que tanto tem descurado a competitividade fiscal, como ainda se reflecte no Programa do Governo?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Primeiro-Ministro comunicou que responderá a grupos de três pedidos de esclarecimento.
Como tal, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Braga da Cruz para pedir esclarecimentos.
O Sr. Luís Braga da Cruz (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, tenho o privilégio de falar pela primeira vez nesta Câmara, deste lado do anfiteatro, pelo que o saúdo, bem como a todos os Srs. Deputados, fazendo votos de um bom desempenho.
Sr. Primeiro-Ministro, acompanhei-o durante o período da campanha eleitoral, no qual explicitou propostas e identificou preocupações. O Programa que apresentou reflecte justamente essas preocupações e essas propostas. Da mesma forma, o discurso e o debate reiteram estes valores. Estamos, pois, perante um bom Governo e uma boa proposta, com condições para governar. Tenho a noção de que serão quatro anos difíceis, mas serão quatro anos em que será possível dar resposta às mudanças desejáveis para Portugal. Tem a minha confiança e estou convicto de que vamos ter uma boa governação.
Entre os valores que defendeu, as questões da coesão territorial e do desenvolvimento foram agora reafirmadas. Sou particularmente sensível às políticas públicas orientadas para a sustentabilidade e o desenvolvimento regional. Porém, vamos a factos.
Nos últimos três anos, o desemprego acentuou-se, com particular expressão em áreas territoriais em que domina a indústria de base tradicional. Mas é também nessas áreas que o abandono escolar precoce apresenta os valores mais negativos.
Sr. Primeiro-Ministro, de uma forma objectiva, cerca de metade da população portuguesa vive em espaços regionais com indicadores de produção económica que estão em processo de divergência em relação à média nacional e também à média comunitária. Gostaria de questionar o Governo sobre os seus propósitos para mitigar estas questões, que não são apenas de natureza sectorial e que dependem muito da política de desenvolvimento e de coesão territorial.
Não posso estar mais de acordo de que é necessário que a economia do País volte a crescer, que se crie um estado de espírito positivo e de confiança. Mas importa também que cada parcela do território nacional se sinta incluída e possa ter uma participação activa na construção do nosso futuro. Ora, a agudeza dos problemas que afectam certas regiões do País reclama medidas concretas mas específicas e ajustadas à natureza dos problemas e, em certos casos, porventura medidas de emergência.
Sr. Primeiro-Ministro, gostaria que precisasse as seguintes questões: em primeiro lugar, o que pensa o Governo dispor para salvaguardar estas legítimas aspirações de maior coesão territorial, nomeadamente na fase crítica de preparação do IV Quadro Comunitário de Apoio?
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Sr. Primeiro-Ministro, em segundo lugar, pergunto: como garantir que o plano tecnológico e outras intervenções específicas conciliem justamente efeitos de médio prazo com resultados de natureza mais imediata, especialmente para regiões em situação mais crítica?
Em terceiro lugar, como consagrar, a nível regional, uma maior capacidade de coordenação intersectorial para aplicar políticas públicas de coesão e bem adaptadas à natureza dos seus problemas?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª iniciou este debate
Página 70
0070 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
congratulando-se com o facto de os membros do Governo terem estado em silêncio até ao momento da sua investidura parlamentar. Mas o problema que agora se coloca é o de que este silêncio continua, em muitas matérias.
Não vou fazer ao Sr. Primeiro-Ministro a maldade de lhe perguntar se a comparação que alguns analistas têm feito entre o seu estilo e o de Cavaco Silva, no que respeita à gestão do silêncio, lhe agradou secretamente. Não vou fazer a maldade de lhe perguntar isso! Mas o que lhe digo é que agora são precisos dados mais concretos do que os que apresentou! É que há matérias decisivas da nossa vida e do nosso país que precisam de ter respostas claras, e que precisam de respostas que não encontramos no Programa do Governo!
Sr. Primeiro-Ministro, nem no seu discurso, nem na resposta que há pouco deu ao Secretário-Geral do meu partido, disse o que entendia sobre a questão da revalorização dos salários. No Programa, a única referência que existe, em concreto, ao salário mínimo é a de que "Para o Governo, é indispensável que o salário mínimo nacional cumpra a função que lhe cabe como factor de imunidade à pobreza." Eu não podia estar mais de acordo! Mas isso faz-se valorizando o salário mínimo!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que gostaria de saber, em primeiro lugar, é se o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo estão disponíveis para aumentar de forma digna e justa o salário mínimo nacional, como o Partido Comunista Português já propôs nesta Assembleia. É que não há contradição entre a valorização dos salários e o aumento do investimento! Isso também ajuda a economia e ajuda, sobretudo, a uma melhor distribuição da riqueza produzida no nosso país.
O Sr. Primeiro-Ministro e o Programa do Governo também não nos dão respostas precisas em relação à questão do Código do Trabalho e, em concreto, da contratação colectiva. O Sr. Primeiro-Ministro sabe que, com este Código do Trabalho em vigor, o tempo está a contar para a caducidade de muitos contratos colectivos de trabalho e que é preciso intervir já nessa matéria, independentemente de ser preciso alterar outras!
Por isso, o desafio que lhe fazemos é o de que o Governo proponha uma alternativa em relação à contratação colectiva e que junte a sua proposta àquelas que já foram apresentadas na Assembleia da República para podermos rapidamente alterar essa grave legislação em matéria de contratação colectiva, e outras, e impedir a caducidade dos contratos colectivos de trabalho!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro também nada nos disse sobre o sector têxtil, sector no qual estão directamente implicados 200 000 postos de trabalho, que é responsável por uma boa parte das nossas exportações e que está seriamente ameaçado, neste momento. Não nos disse - mas devia dizer-nos - se o Governo está disponível para defender o accionamento da cláusula de salvaguarda, de modo a permitir uma maior folga para a recuperação e modernização das nossas indústrias têxteis!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Também nada nos disse sobre o caso da Bombardier/Sorefame, que é um exemplo paradigmático de como um país deve defender a sua produção nacional numa área de ponta e de que necessita para a produção de infra-estruturas para o seu próprio país! As infra-estruturas de que o Sr. Primeiro-Ministro falou, no que respeita à ferrovia, podem…
O Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Como dizia, as infra-estruturas respeitantes à ferrovia podem ser construídas em Portugal, se o Governo assegurar que aquela empresa continua a funcionar!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Este é, pois, o momento da concretização e não só da enunciação, para que os portugueses saibam se à mudança de Governo vai ou não corresponder, nestas importantes matérias, uma verdadeira mudança de política.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
Página 71
0071 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Frasquilho, devo dizer que não sou daqueles que acham que tudo começa quando nós entramos em cena.
Vozes do CDS-PP: - Ah!…
O Orador: - Não tenho essa visão. Pelo contrário, tenho dito muitas vezes que o dever de um governo é o de aproveitar tudo o que de bem foi feito pelos anteriores e corrigir os erros.
Mas, o Sr. Deputado desculpará, a pretensão de V. Ex.ª de que o anterior governo fez alguma coisa pela consolidação das contas não resiste a uma análise objectiva.
O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - São os números que o dizem!
O Orador: - Nós não vamos consolidar as contas públicas; nós vamos iniciar o processo da consolidação das contas públicas!
O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Isso não é verdade!
O Orador: - E se o Sr. Deputado quer números, explique-me como é possível falar em consolidação das contas públicas se os dois indicadores fundamentais de avaliação - défice e dívida pública - cresceram quando o último governo exerceu as suas funções! Começaram com um défice de 4,4% e terminaram com um défice acima dos 5%. Chama a isto consolidação das contas públicas?! Não chamará, com certeza! Começaram com uma dívida pública abaixo dos 60%, e cumprindo, portanto, o Pacto de Estabilidade e Crescimento, e terminaram o exercício com uma dívida pública acima dos 60%, mais concretamente 62%!
O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Acabei de lhe demonstrar que não pode fazer isso assim!
O Orador: - Como tal, Sr. Deputado, desculpe, mas não tem autoridade para falar em consolidação de contas públicas!
Aplausos do PS.
E não me obrigue a falar mais sobre o passado!
Mas há um ponto que lhe quero referir, Sr. Deputado. Durante três anos, no discurso económico nunca foi referido um indicador terrível para Portugal: o aumento das desigualdades. E este é também um problema económico! Nós vemos a boa sociedade e a boa economia como uma economia ao serviço das pessoas, capaz de reduzir as desigualdades sociais. É também por isso que não tem razão quando critica o Governo por atribuir uma prioridade ao combate à pobreza.
O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Mas não critiquei!
O Orador: - O combate à pobreza é uma obrigação e uma condição de justiça, mas é também essencial para a boa economia e para a boa sociedade.
Sr. Deputado Braga da Cruz, quero responder a V. Ex.ª, dizendo-lhe que é absolutamente clara, nos propósitos e no programa político deste Governo, a promoção de políticas activas de desenvolvimento regional e de políticas que visem uma discriminação positiva das regiões do interior e das regiões que estão mais carenciadas de desenvolvimento. Não queremos um país a duas velocidades, pois também isso é negativo para a economia e para a sociedade portuguesa. É esse critério, é esse princípio, que nos leva também a manter a política das SCUT, um dos instrumentos mais importantes para, finalmente, Portugal poder expressar a solidariedade com o interior do País.
Aplausos do PS.
Finalmente, quero responder ao Sr. Deputado Bernardino Soares, dizendo-lhe, em primeiro lugar, o seguinte: temos uma política de moderação para os salários da Administração Pública, porque temos bem consciência da situação em que estão as nossas finanças públicas. Mas moderação é uma coisa, congelamento é outra.
… porque temos bem consciência da situação em que estão as nossas finanças públicas. Mas moderação é uma coisa, congelamento é outra. E o problema está justamente no modelo, que queremos inverter. Lamento se não fui claro, mas passei muitos minutos a explicar por que é que Portugal tem de adoptar o plano tecnológico - justamente para se libertar do modelo de desenvolvimento assente em baixos salários.
Quanto ao Código do Trabalho, Sr. Deputado, lamento que não tenha lido o nosso Programa,…
Página 72
0072 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Li!
O Orador: - … porque, se o lesse, veria que estão lá os nossos compromissos.
O nosso compromisso não é, como os senhores têm dito, revogar o Código do Trabalho. Não!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Substituir!
O Orador: - Queremos um Código do Trabalho, porque é necessário, e queremos rever alguns aspectos, de acordo com aquilo que foi sempre dito e que é a posição do Partido Socialista.
Aplausos do PS.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E a contratação colectiva?
O Orador: - Talvez os senhores quisessem que tivéssemos outra posição, mas não temos.
Em particular, não temos outra posição no ponto que o Sr. Deputado refere, que diz respeito à contratação colectiva. Queremos, justamente, alterar esse ponto porque pretendemos que haja mais negociação, o que é positivo para Portugal e para as empresas. Queremos empresas adaptadas aos novos mercados, com capacidade e com flexibilidade, e por isso é indispensável dotá-las de um quadro legislativo que incentive a negociação colectiva e não a paralise, como é o caso da disposição que existe actualmente no Código do Trabalho.
Espero que agora não diga que não fui claro, Sr. Deputado Bernardino Soares, porque isso seria francamente faltar à verdade do debate. Já dissemos isto tantas vezes que, francamente, não sei como é que se pode dizer doutra forma.
O Sr. Presidente: - O seu tempo terminou, Sr. Primeiro-Ministro. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Para terminar, Sr. Presidente, uma última palavra sobre a Bombardier.
Sr. Deputado Bernardino Soares, vamos ter uma política económica de proximidade que acompanhará todos os sectores em dificuldade e fará o que for possível para manter o emprego, a actividade económica e a actividade empresarial.
O desejo do Governo é, naturalmente, que continue a haver actividade empresarial na Bombardier, no sentido de servir a indústria portuguesa no domínio do transporte ferroviário. Mas, atenção, Sr. Deputado: queremos negociar mas não negociaremos sob pressão nem negociaremos com nenhuma empresa que ponha em cima da mesa condições absolutamente absurdas e que não se compaginem com aquilo que é a legislação portuguesa e europeia no que diz respeito aos mercados públicos.
Aplausos do PS.
É, portanto, esta a nossa determinação e a nossa posição, no que diz respeito a esse problema da Bombardier.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, queria começar por cumprimentá-lo. O senhor ganhou as eleições e ganhou-as de forma expressiva; nós perdemos as eleições. O senhor tem mandato claro para governar com as suas ideias; nós temos mandato para ser oposição.
Na oposição que faremos, naturalmente, quero salvaguardar as matérias relativas à política externa e à política de defesa. Disse-o durante a campanha eleitoral, mantenho-o em qualquer circunstância. São questões de Estado que merecem consensos de Estado e não devem ser utilizadas no debate político quotidiano.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É por isso, Sr. Primeiro-Ministro, porque na política externa estão em causa os valores permanentes e os interesses vitais de Portugal, que nos interessa não o trajecto do Ministro dos Negócios Estrangeiros mas a substância das opiniões do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
Página 73
0073 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Orador: - E interessa-nos aferir essa substância com a coerência do Programa do Governo.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Em nosso entender, pelo caminho que as coisas tomaram no início, Portugal só terá uma política externa sóbria, profissional e coerente se V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, corrigir muitas vezes o pensamento de quem ocupa a pasta dos Negócios Estrangeiros.
Protestos do PS.
Já o fez uma vez no discurso de posse e, a nosso ver, fez muitíssimo bem.
O Sr. José Junqueiro (PS): - É o discurso para a fotografia!
O Orador: - Ao proclamar a importância do vínculo atlântico para Portugal, ao proclamar a importância da amizade com os Estados Unidos da América, V. Ex.ª, no discurso de posse, veio sublinhar o óbvio e o evidente, ou seja, a amizade com os Estados Unidos e a importância do vínculo transatlântico, e, se o fez, foi porque havia algum esclarecimento a dar.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E o esclarecimento não tinha que ver com as suas opiniões mas com as opiniões de quem ocupa a pasta dos Negócios Estrangeiros.
Aplausos do CDS-PP.
Fez bem em deixar claro que essas opiniões não constituem doutrina para a política externa portuguesa, mas terei de lhe solicitar a sua apreciação e, eventualmente, uma nova corrigenda relativamente às opiniões do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Vou ler-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, o texto A: "Portugal deve assumir a sua quota de responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacional…" - de acordo! - "… empenhamento coerente dos vectores político, diplomático, militar, policial e de reabilitação institucional e económica, integrada em operações aliadas da NATO e da União Europeia." Absolutamente de acordo! A participação em missões de paz no quadro NATO e no quadro da União Europeia e, naturalmente, também no quadro das Nações Unidas é algo que constitui um consenso na política exterior de segurança em Portugal há 20 anos.
O texto B, Sr. Primeiro-Ministro, que data de Novembro de 2004 - não foi há 20 anos, não foi há 10 anos, não foi há 3 anos, foi há 3 meses - é o seguinte: "A participação de Portugal em missões internacionais é fruto de um 'complexo imperial' e devemos notificar as organizações internacionais de que não participaremos com tropas em quaisquer missões, excepto na CPLP". A opinião não é do Deputado Jerónimo de Sousa (podia ser!), a opinião não é do Deputado Francisco Louçã (podia ser!), a opinião é de quem ocupa a responsabilidade dos Negócios Estrangeiros e tem a ver com uma opção de fundo quanto à política exterior de segurança.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Queira concluir, por favor.
O Orador: - Sr. Presidente, termino já.
É, ou não, para manter o compromisso e o consenso de participação nas missões da União Europeia, da NATO e das Nações Unidas, ou seja, o empenhamento de Portugal no esforço de segurança e de paz a nível internacional, ou a opinião do Prof. Freitas do Amaral passará a ser doutrina, caso em que é necessário rever todos os documentos estruturantes da política externa e de defesa nacional, aprovados pelos órgãos respectivos, e é preciso convencer o Comandante Supremo das Forças Armadas que, afinal, a participação de militares portugueses não prestigia Portugal?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Primeiro-Ministro manifestou a intenção de responder já. Tem a palavra, com um limite de tempo de 5 minutos.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero responder já para dizer ao Sr. Deputado Paulo Portas que lamento mas não deu nenhum contributo para aquilo que expressou como desejo de consensos à volta da política externa e de defesa. Pelo contrário!
Página 74
0074 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Aplausos do PS.
Desculpe, Sr. Deputado, mas a chicana e o ataque pessoal que o Sr. Deputado fez são injustos.
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
E estou a medir as palavras: são injustos e despropositados!
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Isso não é resposta, Sr. Primeiro-Ministro! Isto é política!
O Orador: - Também estou de acordo com esse princípio de consenso em matéria de política externa e de defesa. Farei tudo por isso, mas quero deixar claro que quem terminou com décadas de consenso à volta da política externa e de defesa foi o anterior governo, quando tomou decisões contrárias ao direito internacional,…
Aplausos do PS.
… quando, com as suas atitudes, pôs em causa a unidade europeia e quando, com a sua linha política, pôs também em causa o prestígio das instituições internacionais que velam pela aplicação desse direito.
O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não, Sr. Deputado Paulo Portas, não preciso de corrigir nenhum pensamento do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, porque partilho com ele o pensamento de estruturar a nossa política externa com base na defesa do direito internacional, porque isso é condição para defender a paz e a cooperação entre as nações.
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
Lamento muito, neste momento, ter de recordar a um Deputado que acabou de ser Ministro aquilo que são os preceitos constitucionais nos quais assenta a nossa política externa.
Protestos do CDS-PP.
Mas quero reafirmar, Sr. Deputado Paulo Portas, que a nossa política externa se estruturará com base no triângulo estratégico que enunciei no meu discurso de posse e que tive oportunidade de reafirmar agora, regressando à boa tradição portuguesa que, infelizmente, no vosso tempo, foi posta em causa quando decidiram tomar as decisões que tomaram a respeito da Guerra no Iraque, à revelia do consenso que deviam ter procurado na sociedade portuguesa.
Aplausos do PS.
Lamento, Sr. Deputado, mas o nosso dever é olhar para o futuro e estamos aqui para construir uma política externa que sirva Portugal, que sirva a Europa e que sirva o mundo. É esse o nosso objectivo! Não estamos aqui para "escarafunchar nenhuma ferida"...
Protestos do CDS-PP.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Estamos a falar de política!
O Orador: - … e lamento que, com a sua intervenção, me tenha visto obrigado a vir recordar que,…
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Nós é que lamentamos a sua resposta!
O Orador: - … mantendo este Governo a vontade de construir um consenso, que é uma tradição da política portuguesa, esse consenso foi interrompido por uma decisão injusta e errada do anterior governo, no qual o Sr. Deputado tinha responsabilidades.
Página 75
0075 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, permita-me que comece por dizer que acaba de ficar clara a diferença entre as oposições nesta Câmara: há quem esteja aqui para discutir propostas e alterações e há quem esteja aqui para fazer ajustes de contas pessoais, de histórias passadas.
Aplausos do BE e do PS.
Hoje, ficou provado que o sentido de Estado do CDS-PP passa por pedir ao Primeiro-Ministro que discipline o Ministro dos Negócios Estrangeiros, como se de uma criança se tratasse.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E a senhora tem alguma coisa a ver com isso?! Em nossa casa, mandamos nós!
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Disciplina é uma coisa muito bonita!
A Oradora: - Permitam-me que continue, saudando as palavras do Sr. Primeiro-Ministro quando disse, muito claramente, que estará presente na campanha do referendo sobre o aborto, mais uma vez defendendo a alteração de uma lei absolutamente insustentável hoje na sociedade portuguesa.
Permitam-me também que, nesta intervenção, saúde o Sr. Deputado Alberto Martins e, em seu nome, a bancada do Partido Socialista,…
Vozes do CDS-PP: - Oh…!
A Oradora: - … pela proposta que aqui fez, pelo compromisso que aqui estabeleceu de apresentar um calendário célere para que se possa realizar um referendo sobre a questão do aborto. Não é possível manter este sistema totalitário em que a consciência de alguns se impõem sobre a consciência de todos, com força de lei. É bom saber que, a 31 de Março, quando houver uma nova sessão de julgamento no tribunal de Setúbal, que julga duas mulheres apanhadas em flagrante, voltaremos a contar com os socialistas para demonstrar a solidariedade com essas mulheres e a urgência da alteração da lei.
No entanto, a questão que lhe queria colocar, hoje, é sobre outra matéria, sobre o capítulo da imigração.
O Programa que o Governo hoje apresenta e aqui se discute refere, relativamente à vontade de atribuir o estatuto de cidadania, "indivíduos que nasceram em território nacional, que são filhos de pai ou de mãe não nacionais nascidos em Portugal, ou filhos de quem já (…) se encontre integrado".
A formulação deste estatuto de cidadania é de tal forma difícil de compreender que parece resultar daqui que o estatuto de cidadania só será atribuído à terceira geração de imigrantes em Portugal. E falar da questão do estatuto de cidadania é perceber o que é que ele significa em termos de direitos, e isto é falar sobre a Lei da Nacionalidade.
Hoje, a aquisição de nacionalidade por parte de imigrantes é, em Portugal, absolutamente insustentável e, quanto a mim, injusta. A soma dos prazos entre os vistos de trabalho introduzidos pelo anterior governo e as autorizações de residência levam a que, por exemplo, um imigrante ucraniano só possa adquirir a nacionalidade portuguesa passados 13 anos de trabalhar e viver em Portugal e a um angolano passados 9 anos.
Esta é uma matéria central. Portugal é hoje um país de imigração e sabemos é que só direitos iguais permitem uma verdadeira integração e uma verdadeira justiça relativamente às pessoas que escolheram viver aqui e que contribuem para a criação da riqueza nacional.
Mas há um outro aspecto central que o anterior governo deixou por resolver, que são os processos de regularização dos imigrantes.
No processo relativo aos brasileiros, tivemos um registo de 32 000 pessoas, mas só 14 000 processos foram regularizados. Mas no processo de registo que foi aberto nos postos dos CTT a situação foi ainda pior, pois tivemos um registo de 53 000 imigrantes e só 7700 é que preenchem os difíceis critérios da burocracia criada pelo processo de regularização.
O problema central que este Governo tem para resolver é antigo e exige uma resposta urgente.
Há 100 000 imigrantes ilegais que entraram em Portugal desde 1993. É urgente regularizar e legalizar a situação destes imigrantes porque é a única forma de responder às histórias de exploração e abuso absolutamente indigno em relação a esta força de trabalho, em Portugal. É essa a responsabilidade que as eleições de 20 de Fevereiro deixaram ao seu Governo.
Aplausos do BE.
Página 76
0076 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, para o que dispõe de 2 minutos.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quem tinha a ilusão de que, pelo facto de ter sido ministro do Ambiente, estas questões mereceriam particular destaque e atenção por parte deste Governo, terá ficado desiludido com o pouco tempo que, na apresentação do Programa do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro dedicou às questões ligadas ao desenvolvimento sustentável. "Falta tempo", diz o Sr. Primeiro-Ministro e, portanto, teve que responder apenas telegraficamente. Infelizmente, as questões do ambiente não se resolvem com telegramas mas com políticas concretas, com medidas determinadas no terreno, com conhecimento das situações.
O Programa do Governo, que é o que estamos a discutir neste momento e é sobre o que deve incidir este debate, é extremamente vago em determinadas áreas e também na área do ambiente, o que nos preocupa sumamente.
Por exemplo, em relação à questão da água, já aqui falada, e independentemente das declarações do Sr. Primeiro-Ministro, o que consta do Programa são preocupações ligadas à concessão a privados da gestão da água. Não aparece uma palavra em relação à despoluição dos recursos hídricos ou a uma gestão eficaz destes recursos.
O Sr. Primeiro-Ministro falou do plano nacional para o uso eficiente da água, tendo dito que lamenta que o mesmo não tenha "saído da gaveta". De facto, infelizmente, não "saiu da gaveta" nem sequer para o Programa do Governo do PS, o que também lamentamos.
Por outro lado, quanto à gestão dos resíduos industriais perigosos, durante a campanha eleitoral, Os Verdes chamaram a atenção para a insistência do PS na co-incineração. É que continuamos a entender que essa não é a medida prioritária nem a adequada para o tratamento dos referidos resíduos e não a vemos como uma verdadeira política dirigida à questão dos resíduos.
De resto, e lendo pormenorizadamente o Programa, verificamos que até invertem a ordem dos 3R (Reduzir, Reciclar, Reutilizar), pois colocam o "Reciclar" à frente do "Reduzir", o que, de facto, demonstra algum desvio em relação à política de resíduos que deve ser prosseguida com calma por este Governo.
Finalmente, na sua intervenção de apresentação do Programa do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro afirmou que tenciona aligeirar ou mesmo eliminar parte dos procedimentos prévios para início de actividade de uma empresa "sem prejuízo dos mecanismos de controlo ambiental". Pergunto, pois, ao Sr. Primeiro-Ministro em que termos é que isso vai ou não afectar o actual regime de avaliação do impacte ambiental.
Vozes de Os Verdes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia.
O Sr. José de Matos Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, queria falar-lhe um pouco de política externa, mas desejando que não se incomode tanto como há bocadinho…
Risos do CDS-PP.
O Sr. Primeiro-Ministro sabe qual é a importância da política externa para um Estado e, sobretudo, para um Estado com a dimensão de Portugal, com os desafios que envolvem processos como o da integração europeia ou da globalização mundial.
V. Ex.ª certamente também não ignorará que a posição internacional do nosso país sai reforçada com a existência de um consenso alargado quanto às vertentes estratégicas da política externa.
O PSD, hoje como ontem, na oposição como no governo, está sinceramente disponível para esse consenso. E, ao contrário do que o Sr. Primeiro-Ministro afirmou, não fomos nós que nos afastámos desse consenso, foi o Partido Socialista.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Acresce que, se bem me recordo, há hoje membros do seu Governo, antes ilustres Deputados da bancada do Partido Socialista, que apoiaram activamente a posição então adoptada pelo governo de Portugal.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que, neste plano, regozijamo-nos com o facto de, no seu texto, o Programa do Governo continuar fiel ao que o Sr. Primeiro-Ministro chamou o "triângulo estratégico da política externa portuguesa" - construção europeia, reforço das relações transatlânticas, aprofundamento das relações com
Página 77
0077 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
os países de língua oficial portuguesa. Mas a política externa não se faz apenas de afirmações, faz-se de coerência de atitudes políticas e essa é uma preocupação central.
De facto, é evidente a discrepância entre o que vem no Programa do Governo e o que tem sido afirmado nos últimos anos pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. A este propósito, desejo sublinhar que esta não é, nem poderia ser, vinda do PSD, uma questão de natureza pessoal, é uma questão central de natureza política.
Eis alguns exemplos. O Programa do Governo defende a necessidade de reactivar o diálogo euro-atlântico em relação com os EUA. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros disse que com esta Administração americana, que opta por dois pesos e duas medidas, onde só há hipocrisia e interesses, não se pode dialogar.
O Programa do Governo fala do reforço da coesão europeia. Mas será que para a mesma se contribui quando o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros diz que há uma incompatibilidade estrutural entre a União Europeia e a Inglaterra e que o projecto europeu não terá muito a perder com a saída dos ingleses?
Risos do CDS-PP.
No Programa do Governo reafirma-se a ideia do referendo sobre o Tratado Constitucional europeu, mas o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros é claro ao dizer que, em princípio, não é favorável ao referendo, só em soluções excepcionais, se o projecto de Constituição propusesse a transformação da União Europeia nuns estados unidos da Europa. Ora, o projecto não é nada disso.
O Programa do Governo refere, como disse, e muito bem, o Sr. Deputado Paulo Portas, que Portugal deve assumir a sua quota parte de responsabilidade nas operações de paz da ONU, da OSCE, da NATO e da União Europeia. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou recentemente, como já aqui foi dito, que Portugal deve reduzir a sua participação em missões de paz aos países da CPLP.
Sr. Primeiro-Ministro, nada disto são pormenores, são, antes, questões muito sérias que têm de ser esclarecidas.
Por isso, pergunto-lhe: a política externa portuguesa, a do seu Governo, é a que vem no Programa do Governo e a que o Sr. Primeiro-Ministro aqui afirmou ou é a que defende o seu intérprete privilegiado que é o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, participarei na campanha por uma nova lei que regule a interrupção voluntária da gravidez e que a permita até às 10 semanas. Sempre participei e isso não é uma novidade.
Participei nessa campanha mesmo quando, no anterior governo do Partido Socialista, sendo eu membro do governo - já não me lembro se era ministro ou secretário de Estado -, o então Primeiro-Ministro expressou um ponto de vista contrário.
Participarei na campanha com igual respeito pelos que têm uma posição diversa da minha própria. Participarei na campanha porque considero que uma nova lei nesse domínio é um avanço na nossa sociedade e por convicção de que esse é um avanço positivo para Portugal.
Agora, uma palavra sobre a imigração.
Não queremos uma política de portas abertas e julgo que ninguém a defende. De igual modo, é preciso salientar neste momento que ciclos muito repetidos de legalização extraordinária transformam os países que os praticam em países que sofrem vagas sucessivas de imigração clandestina. Ora, não há pior para a integração social dos imigrantes do que um descontrolo total na política de imigração.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Estamos, pois, de acordo.
Dito isto, digo também que seguiremos uma política muito humanitária no que diz respeito à imigração. O aspecto que a Sr.ª Deputada refere é um objectivo absolutamente essencial porque defende o reagrupamento familiar e só essa via dará um contributo para uma maior integração social dos imigrantes.
Sr. Deputado Madeira Lopes, anunciei várias prioridades em matéria ambiental: uma prioridade no domínio da lei da água; uma prioridade no que diz respeito à política de tratamento de resíduos - vamos tratar os resíduos industriais perigosos; uma prioridade no que diz respeito à conservação da Natureza; o regresso da política para as cidades. Francamente, não esperava que dissesse que o meu discurso foi vago sobre ambiente. O que essa parte da minha intervenção significa é que a política de ambiente está de volta às prioridades políticas do Governo.
Por outro lado, quero deixar claro que o que referi em relação aos projectos de investimento de interesse nacional não significa uma menor consideração e um menor respeito pelas preocupações ambientais nem pela
Página 78
0078 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
avaliação de impacte ambiental. Aliás, tive ocasião de dizer isso mesmo no meu discurso.
O período de 180 dias que referi é, fundamentalmente, aquele em que os projectos serão sujeitos à avaliação do respectivo impacte ambiental e, como sabe, se houver condições por parte da Administração, tal período poderá ter a duração de 120 dias. É essa a nossa posição.
Finalmente, Sr. Deputado Matos Correia, repito o que já tinha dito. A nossa política externa terá a orientação que está definida no Programa do Governo, mas basear-se-á também nos princípios da Constituição, princípios estes que são claros ao dizer que o que um pequeno país como Portugal deve defender - é isso sempre! - é o princípio do respeito pelo direito internacional.
Lamento ter de dizer-lhe mais uma vez que o consenso à volta desses preceitos constitucionais, o da defesa da lei e o do respeito pelo direito internacional, foi o que motivou a divergência e a quebra do consenso que existia há 30 anos no que se refere à nossa política externa.
A responsabilidade pela quebra daquele consenso, a responsabilidade por uma política externa que não teve em consideração nem o respeito pelo direito internacional, nem a defesa do prestígio das instituições que estão encarregadas da aplicação desse Direito, nem sequer a procura de um genuíno multilateralismo de que o mundo muito necessita foi a seguida pelos senhores, no anterior governo. Isso, sim, veio pôr em crise aquela boa tradição de consenso e veio alterar uma política externa que, para um pequeno país, deve estar sempre fundada no direito internacional.
Só a lei dá liberdade e também só a lei protege os pequenos. Para um pequeno país, a fidelidade aos princípios do direito internacional é absolutamente essencial. A nossa política externa nunca esquecerá esse princípio.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.
O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, as minhas felicitações, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Ministros, os meus votos de bom trabalho.
Sr. Primeiro-Ministro, ao contrário de algumas vozes já hoje, aqui, ouvidas, entendo que a apresentação do Programa do Governo que V. Ex.ª fez identifica prioridades claras e medidas concretas.
Começo por destacar - e estranho o facto de isso ainda não ter sido destacado pelas oposições - o que respeita a uma forte aposta na defesa dos mais desfavorecidos e em situação potencialmente mais debilitada, ou seja, a garantia de, até ao final da legislatura, serem retirados 300 000 idosos da situação de pobreza e de serem reforçados os cuidados de saúde a estes mesmos idosos, em articulação com os serviços de segurança social.
Se há matéria em que é justo ou mesmo exigível reforçar a solidariedade intergeracional é, de facto, na defesa dos nossos concidadãos mais desfavorecidos e com mais idade.
Destaco, ainda, a prioridade estabelecida no que diz respeito aos cuidados primários e à transparência e credibilização dos números na área da saúde.
Gostaria de questionar V. Ex.ª quanto a uma das medidas aqui expostas e que mereceu mesmo a dignidade de constar do seu discurso de tomada de posse. A saber: a venda de certos medicamentos fora das farmácias.
Esta medida, segundo as suas palavras e o texto do Programa do Governo, visa aumentar a concorrência, facilitar o acesso dos cidadãos àqueles produtos, bem como contribuir para a redução do preço dos mesmos. É uma novidade.
Alterações no que diz respeito aos medicamentos, ainda que apenas para alguns, com o objectivo central de redução de custos para os cidadãos e não o de gerar poupanças para o Estado são, claramente, uma novidade. Peço, pois, a V. Ex.ª que confirme este objectivo porque é, claramente, uma novidade.
É igualmente convicção de V. Ex.ª que não há nenhuma boa razão que impeça a tomada desta medida. Algumas razões contrárias à mesma têm sido expostas em público. Considera V. Ex.ª que pode haver dúvidas quanto ao não cumprimento de deveres éticos e mesmo deontológicos por parte de profissionais de saúde em função da entidade patronal? Isto é, considera que a entidade patronal, pública, privada ou social, tem influência no exercício ético e deontológico dos profissionais de saúde? E a área central dessa mesma entidade patronal pode ter alguma influência no exercício deontológico dos profissionais de saúde?
Considera V. Ex.ª que o actual quadro legal constitui impeditivo intransponível a que a medida que nos propõe possa ir avante?
Finalmente, pode V. Ex.ª garantir que as condições técnicas exigíveis, de qualidade e de segurança, serão cumpridas e que eventualmente serão mesmo mais rígidas do que as existentes hoje para tantos produtos de livre venda, com características potencialmente perigosas, sejam elas tóxicas, corrosivas, inflamáveis ou mesmo venenosas?
Para terminar, perguntava a V. Ex.ª se está em condições de nos poder dar uma ideia de quando pretende o Governo ter em prática esta mesma medida.
Página 79
0079 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, por 3 minutos, tempo cedido pelo Grupo Parlamentar do PS, o qual, aliás, já tinha cedido tempo ao CDS-PP e a Os Verdes.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, vou colocar-lhe duas questões muito concretas, sendo que primeira diz respeito ao referendo sobre a Constituição Europeia.
É preciso reconhecer que o Partido Socialista não tem bons antecedentes nesta matéria. Em 1992, opôs-se a um referendo sobre o Tratado de Maastricht; em 1997, aprovou uma pergunta grosseiramente inconstitucional, a qual acabou por inviabilizar o referendo ao Tratado de Amesterdão; não há muito tempo, depois de reiteradamente se opor à aprovação de uma disposição constitucional que permitisse referendar o Tratado sobre a Constituição Europeia, aprovou aqui uma pseudopergunta que nem sou capaz de reproduzir por falta de tempo;…
Risos do PCP e de Os Verdes.
… e, agora, esgotados os argumentos, aparentemente para inviabilizar o referendo, quer realizá-lo no mesmo dia das eleições autárquicas, tendo isso sido anunciado no Programa do Governo e no discurso de posse do Sr. Primeiro-Ministro.
Quanto a isso, vale a pena recordar o que, em 16 de Setembro de 2004, foi dito por um hoje ilustre membro do seu Governo - e, desta vez, não foi o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas o Sr. Ministro da Justiça - nesta Casa. Dizia ele que "quer a Constituição, quer a lei, quer a análise política, aconselham a que se distancie o mais possível o acto do referendo de outro acto eleitoral. Isso decorre dos textos, decorre de qualquer leitura política, e pode constituir um factor de autenticidade, de genuinidade da consulta referendária, como consulta distinta de uma consulta a partidos que o referendo não é".
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ficou, assim, expressa a posição do Partido Socialista, segundo a qual deve haver a máxima distância, legalmente possível, em relação ao acto eleitoral subsequente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ora, o Partido Socialista, nessa altura, já sabia que iriam realizar-se eleições autárquicas em Outubro de 2005; não sabia é que iria ser governo tão cedo. A questão que se coloca agora é se o Partido Socialista, quando estava na oposição, tinha preocupações de autenticidade e de genuinidade em relação ao referendo e, agora, pelos vistos, já não tem.
Esta é a primeira questão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Uma segunda questão, Sr. Primeiro-Ministro, diz respeito à segurança interna.
O Sr. Primeiro-Ministro referiu-se, há pouco, à desgraça que aconteceu, ontem, na Amadora, que, quero sublinhá-lo, não pode ser arma de arremesso político contra quem quer que seja e, muito menos, contra um governo que acaba de tomar posse - isto, para nós, é uma questão essencial.
Agora, Sr. Primeiro-Ministro, há que reconhecer - e o senhor fê-lo ao falar desse assunto - que este é um assunto muito sério, que merece um debate sereno mas muito sério e responsável sobre esta questão, e tem a ver com a afectação dos efectivos policiais. A este respeito, há que discutir muito bem como deve ser feito o policiamento destas zonas mais problemáticas e como deve ser resolvido o problema da afectação dos efectivos policiais que estão afectos a outras missões que não as policiais. Uma outra questão é a de saber o que fazer às muitas centenas de efectivos que estão ocupados em corpos de intervenção.
Daí, Sr. Primeiro-Ministro, já que se quer falar de questões concretas - e nós queremos -, deixo um repto ao Governo: por que é que o Governo não assume aqui o compromisso de afectar as centenas de elementos que prestam serviço nos corpos de intervenção, em corpos especiais, precisamente onde eles fazem falta, que é no policiamento das zonas mais problemáticas, relativamente às quais efectivos policiais praticamente indefesos, ou sem meios de se poderem defender da alta criminalidade, têm sido efectivamente sacrificados.
Este é um repto concreto que aqui deixamos ao Governo.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
Página 80
0080 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, começo por dar-lhe muitos parabéns pelos resultados eleitorais.
Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª, hoje, com o CDS-PP, enerva-se, mas não responde.
Risos do CDS-PP.
A questão era se as nossas tropas colocadas na Bósnia, no Kosovo e no Afeganistão, cuja participação tem cobertura do direito internacional, são para retirar ou não. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros acha que sim - esse é o ponto.
Vozes do CDS-PP: - Sim ou não?
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª fez um discurso grande - a história dirá se foi ou não um grande discurso -, mas sustentaria que foi, apesar de tudo, um discurso vago. Com coincidência com o programa eleitoral e com coincidência com o Programa do Governo, reconheço-o, mas vago. Discurso esse onde podemos detectar, talvez, um primeiro problema: é que V. Ex.ª "encomendou" o Programa do Governo a quem efectivamente não gosta de governar.
Risos do CDS-PP.
Ora, isso não pode dar bom resultado, Sr. Primeiro-Ministro. É quase como encomendar um samba a quem gosta de música de câmara e, por isso, está nesta Câmara.
Risos do CDS-PP.
É difícil e esse talvez seja o primeiro problema.
O segundo problema, Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver com o seguinte: quando lhe perguntaram por rostos e pela equipa de governo, durante a campanha eleitoral, V. Ex.ª respondeu - aliás, até um pouco agastado - que isso não era uma boa ideia, era uma brincadeira.
Não fez bem, Sr. Primeiro-Ministro, porque se V. Ex.ª tivesse apresentado rostos teríamos esclarecido duas coisas: primeira, que os imposto são para subir - teríamos sabido logo isso, se V. Ex.ª tivesse apresentado o Sr. Ministro das Finanças durante a campanha eleitoral; e, segunda, que a idade da reforma é para aumentar. Fez mal em não ter dado esse esclarecimento durante a campanha eleitoral.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª tem uma maioria absoluta, absolutíssima, e convém esclarecer ao que vem, Sr. Primeiro-Ministro.
Vou fazer-lhe duas perguntas concretas, Sr. Primeiro-Ministro, e peço-lhe, desde já, que não se irrite nem se enerve, o que me parece ter acontecido aquando dos pedidos de esclarecimentos dos Deputados Pires de Lima e Paulo Portas, mas não vale a pena porque, para já, não há necessidade de "soltar o animal feroz", estamos aqui todos tranquilos.
Aplausos do CDS-PP.
A minha primeira pergunta tem a ver com o seguinte: V. Ex.ª disse que o seu governo não governará contra nenhum partido nesta Câmara. Fez bem! Fez uma declaração de tolerância, e de tolerância democrática.
Mas, ao mesmo tempo, Sr. Primeiro-Ministro, denoto um sinal de preocupação. O seu Programa do Governo anuncia a reforma do sistema eleitoral e isso é um sinal de preocupação, porque a introdução de círculos uninominais significa, em princípio, bipartidarismo, favorece os maiores partidos nesta Câmara e pode gerar maiorias absolutas artificiais, mesmo com o respeito da proporcionalidade que induz ao voto nos maiores partidos.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Ouvimos o Sr. Presidente da República, ouvimos, há dias, o Sr. Presidente da Assembleia da República, pelo que lhe pergunto, Sr. Primeiro-Ministro: ao que vem, nessa matéria? É que quem afirma tolerância, não pode ou não deve dar como primeiro sinal de uma maioria absoluta a arrogância de querer mudar as regras, mudá-las na secretaria, e até de pôr em causa a existência de partidos que estão nesta Câmara.
Aplausos do CDS-PP.
Página 81
0081 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Gostaria que clarificasse essa questão, dizendo se isso é ou não uma prioridade do seu Governo.
Uma segunda pergunta tem a ver com o seguinte: somos a favor de um referendo ao Tratado Constitucional Europeu, sempre fomos. Na altura, defendemos até a possibilidade de coincidência desse referendo com outras eleições. O PS é que foi contra essa possibilidade.
Mas o que lhe quero perguntar, uma vez que o PS, com a sua maioria absoluta, é a favor de um outro referendo, é isto: em primeiro lugar, o referendo sobre o aborto pressupõe ou não processo legislativo anterior? Ou seja, o Partido Socialista fará uma proposta e procurará aprovar uma lei, ainda que na generalidade, para que depois haja referendo, ou quer ir directamente para referendo?
Em segundo lugar, Sr. Primeiro-Ministro, como é óbvio, se nós fazemos coincidir - e nem é a nossa primeira opção, mas, se for preciso, concedemos - o referendo europeu com as eleições autárquicas, tenciona ou não V. Ex.ª fazer coincidir o referendo do aborto com as eleições presidenciais? É uma pergunta que faz todo o sentido e que talvez conviesse começar a esclarecer, e de forma clara.
É assim que tencionamos questioná-lo. É assim que tencionamos fazer oposição. É bom que V. Ex.ª diga ao que vem. Nós viemos para aqui para fazer oposição construtiva, firme e leal.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, o Sr. Deputado certamente não confundirá combatividade parlamentar com irritação.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não, não! É mesmo irritação!
O Orador: - Estou muito longe de me irritar com as chicanas parlamentares, estou muito habituado a elas. Mas não esperem outra atitude que não seja também a atitude combativa.
Depois, o Sr. Deputado disse que o Programa tem vagas ideias. Vagas ideias? Ó Sr. Deputado, o senhor é que tem uma vaga ideia do Programa! Não é o Programa que tem vagas ideias, o senhor é que tem uma vaga ideia do Programa, não o leu.
Aplausos do PS.
Mas deve ter ouvido o discurso. Então, acha que é vago anunciar na Assembleia da República, na investidura parlamentar, que a introdução da disciplina de Inglês vai começar já em Outubro, para os alunos do 3.º ano do 1.º ciclo do ensino básico? Acha que isso é vago?! E acha que é vago tirar 300 000 idosos da pobreza e começar já a fazê-lo no próximo ano? E também acha que é vago colocar 1000 jovens licenciados em Gestão e em Tecnologia nas pequenas e médias empresas? Acha que isso é vago? Não, Sr. Deputado, isso não é vago. Vaga é a ideia que o senhor tem sobre o Programa do Governo.
Mas também notei que o senhor pouco se conforma com os resultados eleitorais, pouco se conforma! Mas tem de se conformar, tem de se habituar! Aliás, vai ter quatro anos para se habituar, tem muito tempo para se habituar.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, a única coisa que encontra para fazer oposição é fazer uma observação sobre o sistema político…
Vozes do CDS-PP: - Só uma observação?!
O Orador: - … e sobre a necessidade de avançarmos na modernização do sistema político?! Acaso essas posições do Partido Socialista são novas? Não, são posições de há muito!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - O sistema eleitoral não é um pormenor!
O Orador: - Mas quero garantir-lhe uma coisa: o sistema político vai continuar proporcional. Essa regra é absolutamente essencial. Gosto da pluralidade, gosto da diversidade, porque sempre considerei a diversidade uma condição para a liberdade. Mas uma coisa não deixaremos de fazer: criar condições para aproximar os eleitos dos eleitores. É absolutamente essencial que isso se faça.
Vozes do CDS-PP: - Como?
Página 82
0082 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Orador: - E a reafirmação dessa ideia é essencial para um programa de modernização da qualidade da nossa democracia.
Aplausos do PS.
Vozes do CDS-PP: - Como?
O Orador: - Desculpe-me, Sr. Deputado Telmo Correia, mas, agora, tenho de responder aos outros Srs. Deputados.
Vozes do CDS-PP: - Ah!
O Orador: - Quanto ao referendo, Sr. Deputado António Filipe, temos de fazer um referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso é verdade!
O Orador: - … ele já foi prometido várias vezes e é absolutamente essencial que se concretize. Reconheço que há, da parte do Partido Socialista e de outros partidos, um insucesso naquilo que foi a promessa feita aos cidadãos portugueses de que haveria um referendo sobre as questões europeias. Mas temos de fazê-lo.
Por isso, e dado o insucesso das anteriores perguntas, propus que fizéssemos uma revisão constitucional. E, relembro-o, a anterior pergunta foi feita daquela maneira porque havia questões técnicas que não podiam ser ultrapassadas pelo Tribunal Constitucional se a pergunta não se conformasse àquela forma. Mas a verdade é que, já que essa pergunta foi "chumbada" pelo Tribunal Constitucional, aproveitemos esta oportunidade para rever a Constituição, por forma a que possamos fazer aos portugueses a pergunta que todos eles estão à espera que se lhes faça: concorda ou não concorda com o Tratado que institui a Constituição Europeia?
Esta é a nossa vontade.
O Sr. António Filipe (PCP): - Até aí, tudo bem!
O Orador: - Em segundo lugar, relativamente à coincidência do referendo com as eleições, recordo ao Sr. Deputado que há uma diferença entre fazer coincidir eleições nacionais com referendos nacionais e eleições locais com referendos nacionais. Os perigos de mistura e de contaminação das duas questões não existirão tanto neste último caso.
Por outro lado, estou absolutamente convencido de que podemos confiar no bom juízo e na capacidade política dos portugueses.
Vozes do PCP: - Ah!
O Orador: - Os portugueses sabem muito bem distinguir.
Mas deixe-me dar-lhe um último argumento…
Protestos do PCP.
Srs. Deputados, também não concordo com muitas coisas que dizem, mas oiço-os em silêncio.
Como dizia, dou-lhe um último argumento: é que se queremos realmente defender o referendo, se queremos defender esse instituto de participação, de democracia directa, então, também temos obrigação de pensar na participação que os anteriores referendos tiveram no passado.
Julgo que esta decisão pode ajudar, e objectivamente vai ajudar, a uma maior participação, que valorizará a questão que está em disputa, a Europa, e valorizará também o instituto do referendo. Foi por isso que propus esta solução, que julgo ser a solução que melhor serve as instituições democráticas e a nossa democracia.
Sr. Deputado António Filipe, quanto à questão que colocou sobre a segurança, e sublinhando aquilo que disse, respondo que este não é o momento para discutirmos política mas não quero que fique qualquer dúvida.
O Governo tem bem a consciência do que há a fazer e uma da coisas que há a fazer é alterar os planos de força nas áreas metropolitanas, que devem também contar com contributos daquilo que acabou de referir, isto é, de outras forças que estão ocupadas noutras tarefas e que devem ser chamadas a participar naquilo que é a segurança nestas áreas mais complexas.
Finalmente, Sr. Deputado Afonso Candal, respondo à sua pergunta para dizer-lhe uma coisa muito simples: a política económica, em Portugal, mudou. Em primeiro lugar, mudou porque se alteraram as prioridades. A
Página 83
0083 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
prioridade é o crescimento, a prioridade é o emprego, mas uma das mudanças mais significativas é que queremos que o mercado, em Portugal, tenha mais concorrência, porque só a concorrência ajuda a eficiência das empresas e só a concorrência protege os consumidores.
Assim, é em nome desse princípio da concorrência, princípio económico, mas também em nome do interesse geral, que se deve sobrepor aos interesses corporativos, que a decisão sobre as farmácias foi tomada, a qual em nada diminuirá a segurança, pelo contrário, ajudará a que os consumidores encontrem mais rapidamente e tenham melhor acessibilidade aos medicamentos e ajudará, ainda, a criar um mercado que puxe para baixo o preço dos medicamentos.
Este princípio não se esgotará apenas nas farmácias, será seguido em muitos outros sectores, e se o enunciei na tomada de posse, e aqui no Programa do Governo, é para que todos saibam do que estou a falar. A concorrência é para levar a sério na política económica, porque ela é amiga da eficiência das empresas e é amiga do consumidor.
Mas o importante neste debate sobre o Programa do Governo é que todos percebam que uma mudança política se operou em Portugal, que mudou o Governo e mudaram as políticas.
Na verdade, mudaram as políticas económicas, na prioridade ao crescimento, na aposta no conhecimento, na inovação e na tecnologia, na aposta em princípios da concorrência, mas também na aposta no rigor e na contenção nas finanças públicas. Porém, a principal mudança que se operou em Portugal foi que governaremos com consciência social e não esqueceremos que muitos portugueses precisam da nossa solidariedade para poderem viver com dignidade.
Portanto, este é o momento de afirmar um Programa de mudança ao serviço da vontade dos eleitores que tão bem a expressaram no dia 20 de Fevereiro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.
O Sr. Almeida Henriques (PSD): - Sr. Presidente, começo por cumprimentar V.ª Ex.ª, a Mesa, o Governo, os colegas Deputadas e Deputados.
Uso da palavra para colocar uma questão concreta ao Sr. Primeiro-Ministro, que diz respeito directamente ao círculo eleitoral que me elegeu.
O Sr. Primeiro-Ministro, na sua intervenção inicial, afirmou que o Programa é inteiramente fiel aos compromissos assumidos na campanha eleitoral. Recordo que durante essa campanha eleitoral, no círculo eleitoral pelo qual foi eleito, Viseu, um dos temas que esteve sempre presente, foi a questão da criação da universidade pública de Viseu, designadamente a assunção de um compromisso dos Deputados eleitos pelo Partido Socialista de que seria aproveitado aquilo que de bom tivesse este projecto.
Relembro ainda ao Sr. Primeiro-Ministro que, em Maio de 2004, o Governo criava a universidade pública de Viseu e indicava o Sr. Prof. Veiga Simão como o coordenador de um grupo de trabalho que iria definir o modelo estratégico dessa mesma universidade.
Esse grupo de trabalho, com figuras ilustres como os Profs. Veiga Simão e Almeida e Costa, trabalhou directamente com a Universidade Earlangen, na Alemanha, com o Imperial College of London e também com o Medical Institute of Siemens, trabalhou com as várias universidades da região, com os empresários e com as várias pessoas que "mexem" naquela região. De facto, definiu um projecto inovador, internacionalizado, virado já para aquilo que de bom tem o Processo de Bolonha, sendo, portanto, um projecto estruturante para o desenvolvimento daquela região.
Na leitura do Programa não encontrei qualquer referência à criação da universidade pública de Viseu, antes pelo contrário, vi uma afirmação, na página 50, em que se diz que "Nenhum processo de criação de estabelecimento de ensino superior de universidade ou de politécnico será considerado".
Sr. Primeiro-Ministro, é bom que, neste início de mandato, esta questão fique esclarecida, não só para meu esclarecimento e dos Deputados de Viseu mas também porque, neste momento, em Viseu, todos estão na expectativa da resposta que o Sr. Primeiro-Ministro dará a esta questão.
Relembro que este foi um processo participado por todos, de baixo para cima, e que visa ser, efectivamente, um projecto estruturante daquela região.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, permita-me uma brevíssima saudação pela expressiva vitória eleitoral que teve e um voto: é que se cada um de nós é ele próprio e a sua circunstância, faço votos para que a circunstância do Sr. Primeiro-Ministro seja uma circunstância feliz, porque isso significará também que concretizará o que estabeleceu no seu Programa do Governo como que um rumo para a modernização e o desenvolvimento com coesão social.
Página 84
0084 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
A melhoria da qualidade de vida num quadro sustentável de desenvolvimento, onde a qualidade ambiental, a defesa dos consumidores e a melhoria dos indicadores de bem-estar sejam uma realidade e onde a coesão territorial seja ela também um factor de progresso do País, surge como um dos cinco grandes eixos do Programa do Governo que hoje apreciamos.
O compromisso com a coesão nacional não é apenas social - menos pobreza e mais igualdade de oportunidades, menos desigualdade na distribuição de rendimentos -, é também um compromisso territorial e um compromisso entre gerações. O desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida estão no âmago da Estratégia de Lisboa: conhecimento, crescimento económico, coesão social e ambiente.
O conhecimento e a qualificação do capital humano são essenciais ao reforço da competitividade da economia através da inovação, que mais não é do que a transformação do conhecimento em valor acrescentado.
Como sabemos, o conceito de qualidade de vida é importante no contexto da União Europeia, e tem como ponto chave uma visão multidimensional do bem-estar humano, indo para além de uma focalização económica estreita apenas assente nos rendimentos e nas condições materiais como componentes do bem-estar.
Não há consenso sobre os indicadores ou os domínios que devem estar incluídos na qualidade de vida, mas eles são tanto objectivos como subjectivos.
As enormes desigualdades e assimetrias no País, nos mais diversos domínios, desigualdades essas entre pessoas, entre gerações e entre territórios, comprometem fortemente a nossa qualidade vida, mas, sobretudo, o nosso desenvolvimento sustentável nas suas vertentes económica, social e ambiental.
Para lutar contra este estado de coisas é absolutamente essencial o desenvolvimento de políticas transversais, em termos nacionais, regionais e locais, o que, aliás, vem expresso no Programa do Governo que hoje apreciamos.
Neste âmbito, e é esta a minha pergunta, como pretende o Sr. Primeiro-Ministro diminuir as fortes assimetrias, designadamente na política de cidades, que diminua a pressão populacional existente entre as cidades do litoral, afectando a qualidade de vida das pessoas que aí residem e afastando o interior do desenvolvimento e do acesso equitativo a bens de interesse geral?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, concluindo-se, assim, este período de esclarecimentos.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Henriques, relativamente ao Programa do Governo, há uma novidade quando comparado com o programa eleitoral. É que este Programa do Governo assume com mais clareza que deve haver uma moratória na criação de novos pontos da nossa rede de ensino superior.
A situação actual do País exige essa moratória, mas mais uma vez o Sr. Deputado não contemplou a citação e, já agora, se me permite, vou completá-la. Depois da citação que fez, diz-se assim: "Ressalvam-se, todavia, eventuais transformações excepcionais da natureza ou dimensão das instituições já existentes". Se quer ser justo com a citação, deveria tê-la completado.
Mas, Sr. Deputado, quero recordar-lhe, e lamento muito referir mais uma vez este caso, que a verdade é que o problema não está resolvido por culpa clara do anterior governo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não deixaram o governo chegar ao fim!
O Orador: - Isto porque quando o Dr. Durão Barroso chegou ao Governo mandou suspender um decreto-lei que resolvia o problema e criava o Instituto Universitário de Viseu.
Aplausos do PS.
É verdade, mandou suspender! E três anos depois também não fez nada! É por isso, Sr. Deputado, que se quer encontrar um responsável pelo facto de não haver Instituto Universitário de Viseu, tem de ir bater a outra porta que não a deste Governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, quero salientar a importância que assume para o desenvolvimento do País uma política para as cidades.
A política para as cidades radica-se ou sustenta-se em dois objectivos fundamentais: o primeiro, desde logo, é promover uma maior qualidade de vida para os seus cidadãos. A verdade é que os cidadãos hoje, vivem principalmente em cidades e é nas cidades que se encontram os pontos de crise ambiental e social que merecem uma resposta. Mas uma política para as cidades não é apenas para promover a qualidade de vida, é
Página 85
0085 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
também para garantir e para puxar pelo desenvolvimento do País, porque o sucesso económico do País também depende das suas cidades.
São as cidades que hoje competem e é por isso que cidades com melhor arquitectura, cidades com melhor espaço público, cidades com melhores indicadores de qualidade ambiental, cidades mais bonitas e com melhores condições para os cidadãos são também cidades que atraem mais emprego, que atraem mais investimento e dão melhores condições para que o País se possa desenvolver.
São estas as duas justificações para uma política para as cidades que já na altura tínhamos invocado para desenvolver o Programa Polis, o primeiro programa nacional que dá expressão pública a essa política, e é por isso que queremos continuar nesse caminho, porque salvar a cidade é verdadeiramente salvar a civilização: A democracia nasceu nas cidades, nas cidades se desenvolveu e as democracias bem precisam de cidades participantes, modernas, criativas, ao serviço do País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, está concluído este período inicial de pedidos de esclarecimento e respostas. Retomaremos os nossos trabalhos às 15 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, vamos interromper os trabalhos.
Eram 13 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos retomar os trabalhos.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, na minha primeira intervenção nesta X Legislatura, quero cumprimentar vivamente o Sr. Presidente e, através de si, todos, Sr.as e Srs. Deputados, desejando uma legislatura pautada pela defesa da pontualidade, já agora, da pluralidade, com certeza, mas também da lealdade e do respeito entre adversários - que, no fundo, só o somos no plano político.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os resultados eleitorais do passado mês de Fevereiro deram com clareza ao Partido Socialista e ao Eng.º José Sócrates toda a legitimidade para governar.
Governar Portugal é e será sempre uma tarefa de transcendente relevância e responsabilidade. Mas as particulares circunstâncias conjunturais que vivemos, quer em termos nacionais quer em termos europeus e em termos mundiais, acrescem-lhe um elevado grau de exigência e de dificuldade, que importa reconhecer.
É por isso naturalmente exigível do Chefe do Governo, o responsável primeiro pela governação, uma capacidade política, uma clareza de rumo e uma firmeza de convicções que imponham liderança, sim, mas uma liderança esclarecida e que permita aos actores sociais e aos cidadãos perceber para onde vamos ou, ao menos, para onde nos querem levar.
Confesso-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que nestas últimas semanas, desde a sua indigitação, essa tarefa tem sido um exercício complicado e cheio de contradições. E não por causa do voto de silêncio a que o Sr. obrigou todos os seus membros do Governo. Esse voto, diga-se, até foi sábio, como se constatou pela perturbação que as poucas fugas à disciplina imposta logo gerou.
As contradições não vêm daí. As contradições radicam antes nas escolhas que o Sr. Primeiro-Ministro entendeu fazer para o seu Executivo e no discurso, pífio, da sua tomada de posse.
Aplausos do PSD.
O XVII Governo Constitucional apresenta-se, à partida, como um governo desequilibrado. Desequilibrado nas personalidades e, mais grave, desequilibrado nas linhas político-ideológicas que o integram.
Sem desprimor para ninguém, não são de facto comparáveis a experiência, a capacidade e as provas dadas por ministros como o Ministro de Estado e da Administração Interna, o Ministro das Finanças, o Ministro da Saúde, o Ministro do Ambiente, o Ministro da Defesa ou o Ministro dos Negócios Estrangeiros, e outros que só agora começam a ser conhecidos ou de quem não se conhece nenhum serviço relevante à causa pública.
Não quer isto significar que alguns não possam vir a demonstrar elevadas capacidades para o exercício das suas funções, o que, sinceramente, esperamos que aconteça. Que existe uma falta de homogeneidade a este nível, retirando equilíbrio e coesão à equipa ministerial, isso é uma evidência.
Mas incompreensível e verdadeiramente preocupante é a falta de coerência ideológica dessas mesmas escolhas. Falta de coerência que, começando nas pessoas, no seu percurso político e nas posições que publicamente defendem, não poderá deixar de acabar por se repercutir muito negativamente nas políticas e,
Página 86
0086 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
sobretudo, na prática política da governação.
Sob esse ponto de vista, este é um Governo que "não é carne nem peixe". Ou, pior, mistura as duas coisas num cozinhado de sabor duvidoso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como é possível levar a sério um Governo em que o Ministro das Finanças define como linha política essencial - e bem, acrescente-se - uma rigorosa contenção e redução da despesa pública e em que o Ministro das Obras Públicas defende a ilusória gratuitidade das SCUT, que custará centenas e centenas de milhões de euros por ano ao Orçamento do Estado durante os próximos 20 anos?
Como é possível levar a sério um Governo em que o Ministro da Economia exibe como prioritário desígnio político a captação e a potenciação do investimento estrangeiro qualificador do nosso tecido empresarial - aspecto reiterado ainda hoje, durante a manhã, pelo Sr. Primeiro-Ministro - e em que o Ministro do Trabalho anuncia a revogação das alterações ao Código do Trabalho, retirando qualquer competitividade à nossa legislação laboral?
Como é possível levar a sério um Governo em que o Ministro da Defesa, responsável e estrategicamente, defende um papel mais afirmativo de Portugal na NATO e em que o Ministro dos Negócios Estrangeiros equipara o Presidente dos Estados Unidos a Hitler, exactamente aquele contra cuja herança histórica, entre outros, foi alicerçada e erigida a Aliança Atlântica?
Aplausos do PSD.
Parecem mal entendidos ou, no mínimo, brincadeiras de mau gosto. Mas não são. São, Sr. Primeiro-Ministro, evidências de um critério por demais errático e, seguramente, penalizador do interesse nacional, que não podia nem devia ter estado presente nas escolhas que fez para o Governo do País.
Como também podia e devia ter sido outro o discurso que o senhor proferiu na sua tomada de posse. Discurso que, até pelo silêncio (judicioso, como já disse) que marcou o último mês desde as eleições, esperava-se clarificador nas linhas políticas essenciais e na definição de opções concretas, ao menos em alguns dos importantes desafios que o País tem pela frente. Puro engano!
Para além de uns quantos lugares comuns, com certeza incontroversos mas em boa verdade sem qualquer novidade, as ideias mobilizadoras que o Sr. Primeiro-Ministro fez questão de transmitir à Nação foram a venda de aspirinas nos supermercados e a repetição de uma proposta que, no ano passado, o PSD apresentara, para remover o impedimento constitucional à realização simultânea de referendos com actos eleitorais.
No caso da primeira, convenhamos, é um "desígnio" que facilmente concitará a quase unanimidade, porventura só quebrada pelos interesses legitimamente instalados, mas que não passa de uma manobra de diversão em relação àqueles que são os problemas e têm de ser os eixos da política de saúde - da política de saúde, em geral, ou sequer da subpolítica do medicamento.
A venda livre é um aspecto acessório desta política, em que o importante é o Governo afirmar a sua determinação no combate ao elevado peso dos gastos com medicamentos através da prossecução (e continuação) da estratégia de expansão do mercado de genéricos e da venda por doses ajustadas aos cuidados de saúde necessários.
O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sem surpresa, nem sombra desta medida emblemática surge no Programa do Governo.
Esperamos, em qualquer caso, que o anúncio não tenha sido uma mera cortina de fumo que agora se dissipe sem deixar rasto. Uma vez anunciada, é importante que rapidamente se criem as condições para a passar à prática.
Quanto à segunda ideia mobilizadora, há muito sabia o Sr. Primeiro-Ministro da nossa concordância com o princípio da simultaneidade de referendos com actos eleitorais. Não é uma proposta nova nem uma proposta sua. A única novidade é mesmo a sua adesão a esta ideia "velha".
Já o podíamos ter feito no ano passado, mas é evidente que continuamos disponíveis para remover o impedimento constitucional.
A seu tempo discutiremos a marcação em concreto do referendo, mas desde já me parece importante deixar claro que, em minha opinião, Sr. Primeiro-Ministro, fazê-lo coincidir com o acto eleitoral autárquico é a pior das soluções.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Para já, o que há a registar é que o Partido Socialista dá o dito por não dito, apresentando-se agora no poder a aceitar aquilo a que se opusera na oposição.
Página 87
0087 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Aplausos do PSD.
O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna - agora ausente do Hemiciclo -, hoje com todo o mérito o número dois do Governo, não me levará a mal que relembre aqui o que no ano passado disse, neste Hemiciclo, então como líder da bancada socialista.
Acusando directamente o PSD de se ter tornado num partido "euronervoso", dizia então: "O PSD vem dizer (…) referende-se já! Tudo ao molho, com as eleições europeias…", e continuava, "… admitimos que se possa justificar a convocação de um referendo, mas de um verdadeiro referendo e não de um referendo que se misture com actos eleitorais." E rematava o Dr. António Costa, peremptório: "ficam já a saber que não terão revisão constitucional para viabilizar um referendo em simultâneo com um acto eleitoral".
Aplausos do PSD.
E tratava-se, recordo, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Deputados socialistas, de simultaneidade com eleições europeias.
Conheço e respeito o Dr. António Costa demasiado bem para saber que não é pessoa volúvel nas suas convicções, o que torna as coisas mais claras.
Numa questão que, a nosso ver, sempre se deveria ter colocado num plano de Estado, logo, acima das estratégias partidárias do momento, pelo menos para quem acredita, como nós, na importância do projecto europeu para Portugal, o PS, então na oposição, não hesitou em instrumentalizar partidariamente a questão.
Entrincheirou-se numa posição que nada tinha a ver com os princípios nem com as suas convicções mas tão-só com a táctica política de quem estava na oposição.
Mudam-se os tempos, mudam-se as tácticas. Ou, dito de outra maneira: como habitualmente, as proclamações constitucionais do PS têm sempre um curto prazo de validade.
Aplausos do PSD.
Felizmente, que se isso é verdade para o Partido Socialista, não o é para o Partido Social Democrata.
Não mudámos de opinião, lá porque ontem éramos maioria no Governo e hoje somos oposição. Continuamos a achar que os portugueses não são nem destituídos nem distraídos e que, à semelhança dos eleitores da generalidade dos países democráticos, sabem perfeitamente distinguir os sufrágios e exercer os seus direitos de voto de acordo com cada solicitação que lhes é colocada.
Podemos ou não, Sr. Primeiro-Ministro, vir a divergir sobre o melhor momento para realizar o referendo, mas nunca com o argumento do "tudo ao molho". Mas, o Sr. Primeiro-Ministro sabe que a questão do referendo não é a única prioridade que temos pela frente.
Esperamos de si e do seu partido o sentido de Estado de querer atacar e resolver as várias matérias que temos pela frente, não usando o referendo como álibi para uma fuga em frente, talvez tacticamente apetecível mas, seguramente, à revelia de um verdadeiro sentido estratégico.
Com a mesma abertura que esperamos da sua parte, estamos disponíveis para aproximar posições e, rapidamente, concluir as questões que são de regime, e que por isso exigem a aprovação por maioria qualificada.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Após um mês de blackout, foi naturalmente com alguma expectativa que apreciámos o Programa do Governo.
Por um lado, é verdade que, em muitos aspectos, ele repete e confirma as anteriores propostas socialistas. Mas é talvez essa a razão que mais o fragiliza.
Ao tentar conciliar posições eleitorais, inconsequentes, em alguns casos mais próprias - diria - de quem parecia não acreditar na vitória, com a crua responsabilidade da condução do País, o exercício do Programa do Governo tornou-se equívoco, quando não impraticável.
Registe-se, em qualquer caso, uma crucial inversão do discurso socialista, que reputo de responsável e altamente relevante para o nosso futuro colectivo.
Durante os últimos dois anos, a actual, como a anterior, liderança socialista sustentou grande parte da sua encarniçada oposição às nossas políticas económicas de então com a defesa de que a consolidação não deveria ser feita pelo lado da redução da despesa mas, sim, pela dinamização do investimento público.
Pois bem, lucidamente, talvez mais fruto do posição do novo Ministro das Finanças do que das convicções próprias do Partido Socialista, é certo, a verdade é que a política financeira - sabemos agora - continuará a assentar em dois vectores, antes tão vilipendiados: a contenção e a redução da despesa pública, e o alargamento da base de captação de receitas fiscais.
É uma posição que, porventura, incomodará os defensores do Estado motor da economia e os habituais comentadores de pacotilha que antes faziam coro contra as medidas difíceis e impopulares que os governos
Página 88
0088 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
anteriores corajosamente iam tomando.
Aplausos do PSD.
Pela nossa parte, e se se confirmar que é para valer, merecerá certamente concordância.
Mas regressemos à apreciação global do Programa do Governo.
Em termos gerais, trata-se, em boa medida, de uma edição revista do manifesto eleitoral socialista, tal qual o foi a intervenção longuíssima da manhã de hoje, em que o Primeiro-Ministro muito falou talvez para esconder que pouco tinha para dizer.
O Programa é igualmente vago e igualmente redondo na redacção, embora com alguns recuos que habilmente se pretende camuflar.
É, assim, de assinalar que o choque tecnológico, tão propalado durante a campanha eleitoral, surge agora amaciado para plano tecnológico, que a proclamada morte imediata do recurso a receitas extraordinárias para fazer face ao défice era, afinal, um exagero eleitoral e que, para os próximos quatro anos - refere-se no Programa -, podemos continuar a contar com o recurso a elas, apesar de ser uma solução tão intensamente criticada aos governos anteriores.
Sabemos, também, que a declaração peremptória do Sr. Primeiro-Ministro, durante a campanha, de que não haveria nem aumento de impostos nem baixa de impostos perdeu pelo caminho a primeira parte. Agora o Governo só recusa mesmo é a - cito o Programa do Governo - "irresponsável baixa dos impostos"!
É claro que, detectado o esquecimento, o Primeiro-Ministro viu-se obrigado a vir declarar que o aumento dos impostos não está lá porque não está nas intenções do Governo. Percebe-se! Mas o Ministro das Finanças também não disse que o desejava, anunciou-o como inevitável. Mas se baixar os impostos também não está nessas intenções, então por que é que puseram no Programa do Governo o "não" à baixa dos impostos e não puseram o "não" ao aumento dos impostos?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, adiante.
Assinale-se também que a afirmação de que não iria haver aumento da idade de reforma agora se transformou na necessidade de ela, a idade de reforma, ter vida própria e acompanhar a evolução da esperança de vida da população.
Acrescente-se que a prometida e eleitoralmente apregoada prestação extraordinária de 300 € para os idosos afinal é só para o final da Legislatura - vamos começar, mas devagar…
E podíamos continuar com exemplos destes.
Mas se houve recuos prudentes em algumas áreas, a teimosia prevaleceu em outras, sem grande espavento, é certo. A verdade é que o Programa confirma o infeliz regresso em força da co-incineração de resíduos perigosos, do processo de regionalização que os portugueses julgavam enterrado e do pesadelo orçamental das SCUT sem portagem, que esta e a próxima geração vão ter de pagar com aumentos nos seus impostos.
É bom que isto seja dito e realçado com clareza, para que tão tremendos erros não façam o seu curso com "pezinhos de lã", sem que os portugueses tenham perfeita consciência do que o Governo lhes está a preparar.
Trata-se de uma teimosia, a meu ver irresponsável e gravosa para o País, que deve ser denunciada e combatida com determinação.
Aplausos do PSD.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, se é este o panorama, pouco famoso, do que vem no Programa do Governo, pior é o que lá não vem.
As omissões frustram a necessidade de, com clareza, obtermos respostas para questões concretas como: sabermos qual a orientação, e para quando, de um Orçamento rectificativo para o ano em curso; se a reforma da justiça e a reforma da Administração Pública são prioridades para levar a sério ou se o trabalho até aqui realizado vai ser desbaratado; que impostos, e quando, vão ser aumentados, ou a que receitas se vão buscar as verbas para pagar a desastrosa obstinação socialista nas SCUT sem portagem; se o novo regime de arrendamento urbano vai ser assumido ou se, mais uma vez, faltará a coragem para mudar algo de tão estruturante na vida das nossas cidades e das nossas populações.
Mas o mais decisivo de tudo é saber se vai ou não o Governo arregaçar as mangas e deitar-se imediatamente ao trabalho, desde logo para recuperar os quatro meses de paragem a que o País ficou sujeito pela decisão do Presidente da República.
Não faltam no Partido Socialista vozes, não desmentidas, a pré-anunciar que até às presidenciais convém ir empurrando os problemas com a barriga, para não prejudicar os interesses partidários do PS.
Página 89
0089 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Aplausos do PSD.
De resto, só mesmo à luz desse princípio é que pode compreender-se o essencial das incongruências e das omissões insatisfatórias, atrás referidas, no Programa do Governo.
O problema é que se o Governo persistir em não fazer e em não explicar o que tem de ser feito, as dificuldades não se resolvem, antes se agravam.
É pela coragem e efectiva capacidade para encarar de frente as decisões difíceis e tomar sem delongas as medidas necessárias, ainda que impopulares, que se vai fazer o julgamento sobre a natureza nacional ou meramente socialista deste Executivo.
Se o Sr. Primeiro-Ministro quer ser Primeiro-Ministro de Portugal e não apenas Primeiro-Ministro socialista, só tem um caminho a escolher.
De uma coisa pode o Sr. Primeiro-Ministro ter a certeza: ouvirá críticas e concordâncias da parte da bancada social-democrata na exacta proporção dos erros políticos e omissões ou das medidas responsáveis e corajosas que a sua maioria e o seu Governo forem capazes de tomar.
Aplausos do PSD.
Em particular, e como já foi deixado claro pela direcção do PSD, nesta fase inicial da Legislatura é crucial para esse julgamento a coerência e o sentido de Estado que os senhores venham a demonstrar para as inadiáveis aprovações dos dispositivos necessários à reforma da justiça, à reforma da legislação eleitoral para as autarquias locais, à consagração da limitação de mandatos aos titulares executivos e à criação de uma entidade reguladora da comunicação social.
É verdade que vamos ter de trabalhar com calendários apertados. Mas é também verdade que o essencial do trabalho está feito e que só não ficou anteriormente concluído pelas circunstâncias do compasso de espera que a decisão presidencial impôs.
São matérias de regime que não podem estar subordinadas às circunstâncias conjunturais de se estar no poder ou na oposição.
Pela nossa parte, Sr. Primeiro-Ministro, aqui lhe reafirmo a nossa disponibilidade e determinação em dar o impulso final a essas reformas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A maioria expressiva que apoia este Governo dá-lhe, sem sombra de dúvida, todo o suporte político de que ele necessita para levar por diante o seu Programa e cumprir a sua função de governar Portugal. Mas essa função só será cabal e eficazmente cumprida se o Governo beneficiar de uma oposição exigente e actuante, mas uma oposição que seja simultaneamente capaz de formular alternativas e de saber convergir em matérias de regime que se sobreponham ao quotidiano da dialéctica partidária.
Aplausos do Deputado do PSD Guilherme Silva.
É essa a obrigação que entendemos ser a nossa, porque é assim que entendemos a democracia.
Vamos cumpri-la.
Não abdicaremos de ser uma oposição exigente, mas construtiva, com o sentido de responsabilidade e com a força das convicções que sempre afirmaram o Partido Social Democrata na procura de um Portugal melhor e socialmente mais justo.
Aplausos do PSD, de pé.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gostaria de começar por felicitá-lo pela sua intervenção na justa medida em que entendo não ser nada fácil, neste momento, vir fazer uma intervenção com esse teor. Até porque, utilizando uma expressão sua, tratou-se de uma intervenção "encarniçadamente vazia".
Disse, porém, algumas coisas com as quais estou de acordo.
Estou de acordo, por exemplo, que os portugueses não são "destituídos", a que acrescentarei: nem distraídos, nem esquecidos. E de que não se esquecem os portugueses? Que aqueles que vieram aqui falar da carga fiscal foram exactamente os mesmos que, depois do 25 de Abril, impuseram a todos os portugueses a carga fiscal mais pesada. Não se compreende por isso, Sr. Deputado, que este assunto seja abordado de forma tão leve.
Também ninguém é esquecido nem distraído pelo seguinte: V. Ex.ª disse - creio que isso até lhe terá escapado - que o Sr. Primeiro-Ministro proferiu um "discurso pífio". Quereria V. Ex.ª referir-se ao discurso de apresentação e tomada de posse do ex-Primeiro-Ministro Santana Lopes? Eventualmente, estaria a referir-se a esse.
Página 90
0090 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O mais importante é que o mau gosto revelado na sua intervenção e o vazio da mesma contrasta com o que é realmente essencial para nós.
O Sr. Deputado veio fazer, novamente, uma crítica ao interior do País, voltando a sublinhar a questão das SCUT, afirmando que é necessário o pagamento desse investimento, pois entende que é uma dívida para as gerações futuras. Só que, Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe, para as gerações futuras, a dívida que fica é a despesa pública, o desemprego e o défice que os senhores deixaram! Esses, sim, é que são cargos e encargos para as próximas gerações.
Aplausos do PS.
Mas, mais importante do que isso foi o facto de V. Ex.ª ter omitido alguns pontos ao referir-se ao custo das portagens. Por exemplo, foi incapaz de dizer quanto custariam as praças de portagem, ou quanto custariam as negociações com os concessionários, ou quanto custariam as alternativas às SCUT instituídas.
Por outro lado, também não divulga aqui a carta que o ex-Primeiro-Ministro Durão Barroso, ainda enquanto candidato a esse cargo, escreveu à concessionária da SCUT Costa de Prata, prometendo-lhe que essa SCUT passaria por onde a concessionária quisesse, mesmo que isso ferisse os interesses ambientais.
Por isso, quero dizer-lhe que, contrariamente à falta de sentido de Estado e de responsabilidade, hoje tem aqui a verdade, o sentido de Estado e a responsabilidade com que o desejamos confrontar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Junqueiro, em primeiro lugar agradeço a questão que me colocou e que, independentemente de outras considerações que entendeu fazer no seu pedido de esclarecimento, se reduz a dois aspectos: por um lado, o problema da carga fiscal e, por outro, o problema das SCUT.
Relativamente à questão da carga fiscal, e falando do anterior governo, é verdade, como o Sr. Deputado bem sabe, que a situação em que o País ficou colocado depois da recessão económica iniciada ainda no período do governo de que o senhor fez parte, levou a que se verificasse um aumento do IVA em 2002. Saliento, aliás, que esse aumento foi apoiado por todos os economistas deste país, inclusive pelos mais ilustres economistas do Partido Socialista, como o Dr. Silva Lopes, o Dr. Vítor Constâncio e outros. Esse aumento era inevitável, não seguramente por gosto ou maldade de quem estava no poder, mas por força das circunstâncias em que o governo anterior tinha deixado o País.
Contudo, do que o senhor não falou e devia ter falado, para ser sincero e politicamente sério na sua intervenção, foi da redução da carga fiscal que se verificou durante o período de governação da anterior maioria. Reduziu-se o IRC, reduziu-se o IRS, acabou-se com o imposto sobre as sucessões, acabou-se com a sisa e reviu-se, baixando, o sistema de contribuição às autarquias. Bem sei que o Partido Socialista não votou a favor de qualquer destas medidas, razão pela qual não lhe interessa fazer-lhes referência.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
De qualquer modo, é bom lembrar estes factos para que quando o Sr. Ministro das Finanças - inevitavelmente, segundo as palavras dele - se vir obrigado a aumentar os impostos para pagar as SCUT sem portagens e a adoptar outras políticas deste Governo V. Ex.ª se lembre do que aqui referiu.
Há, contudo, uma questão que tem de ficar clara: ninguém nesta Câmara, e penso que ninguém no País, é contra a existência de auto-estradas e de vias modernas para o interior. Pelo contrário, somos todos a favor.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Já é uma novidade!
O Orador: - O que nos divide é o facto de os senhores pensarem que é possível vender a ilusão de que há "pequenos-almoços grátis", de que é possível fazer tudo isso sem que ninguém pague, ou, melhor, que pagará a factura quem vier a seguir. Nós, responsavelmente, dizemos que tal não é possível.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Aliás, o Sr. Governador do Banco de Portugal, antecipando-se ao Sr. Primeiro-Ministro, desautorizando o Sr. Primeiro-Ministro, veio dizer rigorosamente a mesma coisa: não é possível! É necessário, então, criar-se uma receita nova, aumentar os impostos em qualquer lado para pagar esta política das SCUT sem portagens. Isto porque, Sr. Deputado, como diria o Sr. Eng.º António Guterres, que presidiu ao governo de que o senhor fez parte, não é possível ter "sol na eira e chuva no nabal".
Se querem as SCUT sem portagens, é preciso que alguém as pague. Esse alguém é o Orçamento do
Página 91
0091 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Estado. O Orçamento do Estado vive dos impostos dos portugueses e, como tal, é preciso que os senhores tenham a coragem de dizer aos portugueses que é ao seu bolso que vão buscar o dinheiro para pagar as SCUT sem portagens.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa do Governo que hoje debatemos nesta Assembleia, no tocante às opções de política externa, reafirma a prioridade conferida à integração europeia, reitera o compromisso numa sólida relação transatlântica e estabelece o especial relacionamento com os países e as comunidades lusófonas. Estes três eixos estruturantes, que se potenciam mutuamente, desenvolvem-se num pano de fundo que aposta no multilateralismo e no respeito do direito internacional como base da ordem política global, promove a internacionalização das empresas portuguesas e da língua e da cultura portuguesa no mundo.
No plano europeu, a nossa prioridade central será a aprovação do Tratado Constitucional da União Europeia, viabilizando, no mais curto espaço de tempo, a necessária reforma constitucional que permita a consulta popular prevista para o mês de Outubro.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - O PS reafirma a sua orientação de sempre: a aposta na participação nas dinâmicas de aprofundamento do projecto europeu, em especial enquanto domínios de afirmação da identidade política global da União Europeia, nos campos da política externa e de segurança comum, da cooperação estruturada em matéria de defesa e na construção de um espaço de liberdade, segurança e justiça.
O Tratado Constitucional imporá, em paralelo, a reformulação das regras, mas, sobretudo, das práticas parlamentares de acompanhamento e de fiscalização das formas de participação de Portugal na União Europeia.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Esta fiscalização será levada a cabo, quer por força do novo protagonismo reconhecido aos parlamentos nacionais pelo mecanismo de "alerta precoce" de controlo do princípio da subsidiariedade, quer no quadro da superação do "défice democrático" do projecto europeu, que não se poderá alcançar nem pela edificação de um super-Estado centralista nem por via de um modelo utópico federal, mas antes, de forma realista e pragmática, pela integração dos temas fundamentais da agenda europeia no quotidiano da esfera política nacional,…
Aplausos do PS.
… já que a integração europeia é cada vez menos um tema de pura política externa, feudo da acção diplomática, mas cada vez mais um conjunto de opções estruturantes das políticas públicas internas, muitas delas, aliás, da reserva exclusiva de competência desta Assembleia da República;
Finalmente, a fiscalização da participação de Portugal na União Europeia será levada a cabo através da participação da própria sociedade civil portuguesa nas redes europeias que exercem uma efectiva influência na modulação das opções políticas das instituições da União, na precisa medida em que, cada vez mais, a voz de um Estado e a defesa dos seus legítimos interesses no concerto europeu não se pode reduzir à voz do seu Governo.
No imediato, no período que medeia entre o dia de amanhã e o Conselho Europeu de Junho, Portugal será chamado a apresentar uma posição articulada e coerente sobre a estratégia de desenvolvimento económico e social da União Europeia (a chamada revisão da Agenda de Lisboa), sobre o quadro macroeconómico de referência para os próximos anos (a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento) e sobre os meios orçamentais europeus para o período compreendido entre 2007 e 2013. Nos próximos dois dias, o Conselho Europeu deverá fazer o balanço e redefinir as metas da Estratégia de Lisboa, que foi, aliás, adoptada em Março de 2000, aqui em Lisboa, sob a presidência portuguesa do Eng.º António Guterres.
Aplausos do PS.
Num contexto de concorrência acrescida à escala global, de perda de competitividade da economia europeia, sobretudo face aos Estados Unidos da América, e perante o acelerado envelhecimento do Continente (onde países como a Itália, Espanha e Portugal serão os que mais verão aumentar a sua população idosa nos próximos 20 anos) a Agenda de Lisboa terá de responder a um triplo desafio. Em
Página 92
0092 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
primeiro lugar, o de definir procedimentos, metas e objectivos que potenciem a competitividade das empresas europeias e a inovação empresarial. Em segundo lugar, o de conferir prioridade aos investimentos - tanto públicos quanto privados - no domínio da investigação e desenvolvimento, apostando em produtos e serviços ligados à sociedade da informação e do conhecimento e na melhoria das qualificações do capital humano europeu. Em terceiro lugar, o de garantir padrões elevados de coesão social mas também de equilíbrio ambiental, característicos do modelo europeu de convivência, solidariedade e tolerância.
Conforta-nos verificar que estas prioridades têm plena consagração no Programa do XVII Governo Constitucional, que ora debatemos, e que merecem o apoio inequívoco da bancada do Partido Socialista.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Permitam-nos, contudo, uma palavra de prevenção. A revisão da Agenda de Lisboa é apresentada sob a epígrafe "Crescimento e Emprego". São objectivos incontestáveis e que partilhamos, mas o crescimento de que falamos tem de ser sempre um crescimento sustentado, logo indissociável da sua componente social e da sua componente ambiental.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - O crescimento que a prazo pode criar competitividade não é apenas o que imediatamente pode ser alavancado nas regiões ricas dos países ricos: é, antes, o crescimento que aposta nos factores de competitividade inerentes às qualificações dos trabalhadores, de que podem e devem beneficiar em pé de igualdade as regiões mais desfavorecidas dos países menos desenvolvidos!
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Neste contexto, a política de coesão económica, social e territorial deve ser parte integrante de uma estratégia de crescimento sustentado e de reforço da competitividade europeia.
Do mesmo modo, o objectivo de criação de 10 milhões de postos de trabalho até 2015 exigirá alterações no modo de funcionamento do mercado de trabalho europeu, mas tais alterações devem conciliar adaptabilidade e segurança no emprego, devem curar dos trabalhadores daqueles sectores que são mais directamente afectados pela concorrência internacional, mediante mecanismos de formação profissional, de reconversão e de aprendizagem ao longo da vida, e criar espaço para políticas públicas activas de luta contra a pobreza e a exclusão social. O destino da Agenda de Lisboa, o mesmo é dizer do modelo económico e social europeu, é indissociável da reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
O PS apoia as opções do XVII Governo Constitucional no sentido de flexibilizar o Pacto, salvaguardando o valor essencial da estabilidade macroeconómica, não apenas em nome da credibilidade do euro, mas também enquanto pressuposto de um crescimento sustentável da economia portuguesa e da economia europeia no seu conjunto.
A manutenção, adquirida no acordo de ontem à noite do ECOFIN, do limite dos 3% do PIB quanto ao défice orçamental significará, sem dúvida, a necessidade de adopção de uma estratégia de redução da despesa pública, nos termos do programa de ajustamento que o Governo se compromete a apresentar a esta Assembleia. Mas a reformulação do Pacto deverá dar maior ênfase ao indicador referente à dívida pública, sobretudo em função da relevância estratégica da reforma dos sistemas de saúde e de segurança social para a sustentabilidade do modelo social europeu.
Apoiamos as opções do Governo de preconizar uma flexibilização das condições de ajustamento das finanças públicas no tocante à interpretação do impacto dos períodos de recessão ou de estagnação económica, ao alargamento do próprio período e da trajectória de ajustamento e à análise das tendências em função do ciclo económico, designadamente tendo em vista impedir a adopção de políticas pró-cíclicas.
Neste contexto, é particularmente importante que o processo de ajustamento das finanças públicas seja feito em função de dois critérios essenciais. Por um lado, tendo em conta o nível de desenvolvimento de cada país, designadamente no que toca à aferição da qualidade da despesa pública, com especial destaque para as despesas em investigação e desenvolvimento, em inovação empresarial e em educação e formação profissional, cujos efeitos propulsores dos objectivos da Agenda de Lisboa devem ser levados em conta em função de indicadores objectivos que não introduzam distorções ou desigualdades entre os Estados-membros da União. Contudo, para qualificar deste modo a despesa pública importa fazer o trabalho de casa, o que significa, no plano interno, reorientar o investimento público e os incentivos fiscais ao investimento privado em conformidade com os objectivos europeus, como consta de compromisso também assumido por este Governo. Por outro lado, o processo de ajustamento das finanças públicas deve ter em conta a despesa necessária à execução de certas reformas estruturais que até podem implicar acréscimos de investimento no curto prazo, mas que se poderão traduzir em redução sustentada da despesa pública consolidada a médio prazo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma solução satisfatória destes aspectos da agenda europeia nos próximos dois dias permitirá abrir o caminho para alcançar um acordo sobre as perspectivas financeiras da
Página 93
0093 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
União Europeia a 25 Estados-membros no próximo mês de Junho. Para a solidez do projecto europeu seria positivo que tal acordo fosse alcançado no calendário previsto. O grau de ambição dos objectivos acordados no âmbito da Estratégia de Lisboa terá, pois, de ter correspondência, quer nas prioridades das perspectivas financeiras, quer no volume de verbas por elas disponibilizadas aos Estados-membros. Os valores iniciais constantes da proposta da Comissão Europeia permitem encarar com confiança a negociação que, contudo, sabemos bem, será difícil e exigente.
A potenciação desta grande oportunidade (provavelmente a derradeira) de apoios comunitários exigirá uma diversificação das fontes de financiamento a que Portugal tem acesso, já que não podemos continuar a resumir a relação financeira com a União com base em fundos estruturais, devendo visar também outras políticas internas e especialmente o VII Programa Quadro de Investigação e Desenvolvimento.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Do mesmo modo, impõe-se uma alteração das condições de utilização dos apoios comunitários da política de coesão no plano interno, centrando-a nos objectivos da competitividade e da inovação, da investigação e desenvolvimento e no binómio integrado educação-formação. Este será, pois, o lastro financeiro indispensável para a concretização do plano tecnológico e do lançamento das bases de um novo modelo produtivo para que o nosso país seja capaz de enfrentar com êxito os desafios da globalização.
Desta forma respondemos, estou certo, aos anseios dos portugueses que exprimiram nas últimas eleições, de forma tão absolutamente inequívoca, a sua confiança no projecto do Partido Socialista! Em nome destes valores e destes objectivos, a bancada parlamentar do PS apoiará a acção do XVII Governo Constitucional, assim servindo Portugal e os portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.
O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado António Vitorino, peço-lhe desculpa por estar de costas, mas não tenho outra solução: ou me viro para o microfone ou me viro para si!
O Sr. António Filipe (PCP): - Se o Deputado António Vitorino tivesse ido para o Governo…
Risos do PCP.
O Orador: - Em primeiro lugar, queria relevar, por ser de inteira justiça, o trabalho que o Sr. Deputado António Vitorino desenvolveu na Comissão Europeia em nome de Portugal, trabalho que foi relevante, de mérito e que nos deixou a todos satisfeitos e orgulhosos.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Esperemos que esse trabalho, essa experiência recolhida, possa trazer frutos a esta Assembleia e desejamos que a sua passagem por esta Câmara não seja fugaz ou breve, de forma a que o País possa usufruir de todo esse capital de experiência que teve oportunidade de acumular.
Em segundo lugar, gostava de lhe dizer que partilho das suas preocupações europeístas. Por isso, penso que V. Ex.ª se revia na posição que tomámos aquando do último processo de revisão constitucional, no sentido de podermos fazer o referendo sobre o Tratado da Constituição Europeia em conjunto com as eleições para o Parlamento Europeu. Tal faria todo o sentido, pois a Europa merece uma reflexão profunda também em Portugal e merece que os portugueses conheçam melhor o trajecto europeu que se está a seguir, partilhando, assim, das reflexões e opiniões existentes.
Daí que lhe coloque esta primeira questão: partilha ou não da posição que tomámos no anterior processo de revisão constitucional no sentido de efectuarmos os referendos simultaneamente com actos eleitorais, particularmente com as eleições para o Parlamento Europeu?
A segunda questão que lhe coloco está relacionada com uma opinião pessoal: será que a simultaneidade do referendo sobre a Constituição Europeia com as eleições autárquicas não vai, de certa forma, diminuir este debate que tão importante nos parece?
São estas as duas questões que lhe coloco e às quais agradecia que respondesse.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
Página 94
0094 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Vitorino, de facto "não há festa nem festança a que não venha a D. Constança". E, neste caso, devo dizer-lhe que ainda bem.
Aplausos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.
É que o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu a quase nenhum dos esclarecimentos pedidos pela minha bancada. E compreende-se. De facto, este Programa do Governo não é da autoria do Sr. Primeiro-Ministro, nem sequer da autoria do Governo; é da autoria de V. Ex.ª, que, tendo elaborado o programa eleitoral do Partido Socialista, permitiu que ele tivesse transitado para este Plenário, praticamente como cópia integral, para futura discussão.
Seja como for, e porque as questões não foram respondidas, poderá agora V. Ex.ª quanto mais não seja esclarecer-nos, ajudar-nos em relação a tudo aquilo a que o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu. Desde logo, à questão colocada pelo Sr. Deputado António Pires de Lima, que quis saber se, face ao que consta do Programa do Governo e ao que foi dito pelo Sr. Governador do Banco de Portugal e pelo Sr. Ministro das Finanças, ia haver aumento de impostos e se, caso houvesse, quais é que seriam aumentados. Não houve resposta a esta pergunta.
O Sr. Deputado Paulo Portas quis saber se o Governo concordava com a visão do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a propósito das missões humanitárias das tropas portuguesas no Kosovo, no Afeganistão e na Bósnia, e se, das duas uma, ou o Governo concordava e iria mandar retirar essas tropas, ou não concordava e, nesse caso, desautorizaria a visão do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Também não obtivemos nenhuma resposta a essa pergunta, pelo que seria bom que V. Ex.ª prestasse algum esclarecimento quanto a essa matéria.
Assim como não obtivemos resposta aos pedidos de esclarecimento feitos pelo Sr. Deputado Telmo Correia em relação à reforma do sistema político. Tendo o Partido Socialista uma maioria para esta Legislatura, a qual, diziam, o sistema não permitia, mas permitiu, perguntava-se se esta maioria significava que o Partido Socialista iria ter a tentação de alterar o sistema político, desde logo impedindo a representação tradicional de outros partidos muito importantes para a democracia portuguesa nesta Assembleia da República. Não obtivemos nenhuma resposta, Sr. Deputado António Vitorino. Que diz o Sr. Deputado sobre esta questão? Que esclarecimento nos pode prestar?
O mesmo se diga também em relação à questão do aborto, que aqui foi colocada, no sentido de saber se a respectiva legislação vai ou não ser alterada previamente à realização de um referendo e se, em caso negativo, o Partido Socialista aceita que esse referendo seja realizado em simultâneo com as eleições presidenciais, tal como defende que o referendo ao Tratado Europeu seja realizado em simultâneo com as eleições autárquicas. Esta é outra questão muito importante, que determina o futuro próximo desta Câmara no que toda a uma matéria que certamente a todos preocupa.
O Sr. Deputado António Vitorino, que ajudou na elaboração do programa eleitoral do Partido Socialista, que tem obviamente conhecimento do Programa do Governo, o qual, pelos vistos, é igual, queira ao menos ter a gentileza - porventura, se for capaz - de nos prestar aqui os esclarecimentos que o Sr. Primeiro-Ministro não foi capaz de dar.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Campos Ferreira, em primeiro lugar, agradeço muito as palavras que me dirigiu quanto à minha anterior "encarnação" e assinalo a circunstância de V. Ex.ª se ter inscrito no "clube", que não é particularmente selecto, porque é um "clube" muito vasto, das pessoas que aparentemente estão mais preocupadas com o meu futuro do que eu próprio.
Risos e aplausos do PS.
Queria dizer-lhe, com muita sinceridade, que decerto V. Ex.ª não estaria à espera que eu lhe viesse explicar as minhas posições com efeitos retroactivos em relação aos últimos cinco anos, porque, manifestamente, o Sr. Presidente Jaime Gama, na sua bonomia e generosidade, me lembraria que, em 5 minutos, não poderia traçar essa visão retrospectiva de tudo o que eu teria pensado nos últimos cinco anos e não tive ocasião de expressar porque não era participante activo na vida política interna.
Mas devo dizer-lhe, sinceramente, que estou confiante de que esta Assembleia da República encontrará o consenso necessário para introduzir, num curto espaço de tempo, as alterações constitucionais que viabilizem a realização do referendo europeu no próximo mês de Outubro, que traduzam essa alteração constitucional no âmbito da lei ordinária, de maneira a que Sua Ex.ª o Presidente da República possa suscitar a apreciação preventiva da constitucionalidade de uma proposta de referendo para ser realizada em simultâneo com as
Página 95
0095 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
eleições autárquicas.
Não me preocupa muito a circunstância de essa proposta de referendo ser realizada em simultâneo com as eleições autárquicas, porque entendo que o conteúdo do debate político sobre o Tratado Europeu deve começar desde já. E V. Ex.ª reconhecerá que, hoje, da tribuna, tentei dar um pequeno contributo sobre aquelas que devem ser as opções estruturantes do debate português a propósito do Tratado Constitucional Europeu. Portanto, já agora, se me permite, dir-lhe-ei que encaro com confiança não só o resultado das eleições autárquicas mas também o resultado favorável do referendo europeu.
Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, agradeço a circunstância de V. Ex.ª me ter promovido à qualidade de vade mecum do Programa do Governo. Mas, como V. Ex.ª deve calcular, esse é o tipo de função que não está à minha altura, nem política nem física.
Risos.
De qualquer forma, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, esteja descansado que se eu encontrar por aí a "D. Constança" pergunto-lhe mesmo.
Risos e aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje o Programa do Governo do PS, de maioria absoluta, com a direita parlamentar claramente diminuída.
Na nossa análise aos resultados eleitorais consideramos que, sendo inequívoca a condenação por parte de grande maioria dos portugueses da forma, do estilo da governação dos executivos do PSD e do CDS-PP, eles comportam também um sentido de mudança e uma manifestação de anseio e de esperança na resolução dos seus problemas e das inquietações que os afectam.
Esta não é uma questão pequena, a de saber se o Programa que agora apreciamos só rompe com o estilo e com o modelo de governar ou se faz também a ruptura com as políticas do passado condenadas em sucessivas eleições, mas implacavelmente julgadas e condenadas pela realidade que vivemos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se de saber se aceitamos como fatalidade um País com atrasos estruturais, cada vez mais distanciado da média da União Europeia, cavado pelo fosso intolerável e cada vez maior entre os mais ricos e os mais pobres, marcado pela injustiça e pelas desigualdades, com o aumento do desemprego e os baixos salários que, inexoravelmente, mais tarde, resultam em baixas pensões de reforma.
Trata-se de saber se é possível executar uma política que queira resolver problemas, avançar para o crescimento e para o progresso, esquecendo e branqueando, ou, pior, usando instrumentos e medidas herdadas de anteriores governos, das suas leis e das suas políticas estruturantes.
É evidente que não pode haver julgamentos e condenação prévias e precipitadas, que a omissão programática é um sintoma que, sendo preocupante, não permite um juízo final, mas já é possível relevar aspectos que não são bons, faltando ainda descodificar aquilo que o então candidato a Deputado e actual Ministro da Economia entendia por "há coisas que se fazem e não se dizem".
Confirmam-se, apesar de alguma nuance discursiva, designadamente do Sr. Primeiro-Ministro, orientações políticas negativas como a continuação de uma gestão orçamental restritiva e conforme as orientações do Pacto de Estabilidade, a alteração às lei eleitorais (como se existisse uma crise de regime, facto desmistificado pelo grau de participação dos portugueses e pelo próprio resultado destas legislativas), a aceitação da concepção federalista, militarista e neoliberal da Constituição Europeia e da Estratégia de Lisboa.
Já agora, Sr. Deputado António Vitorino, dizer que a Europa está preocupada com a coesão económica e social quando, neste momento, estão em discussão duas directivas de carácter ultraliberal, designadamente a chamada directiva Bolkestein (mais conhecida já como directiva Frankenstein), que diz respeito à organização do tempo de trabalho, em que um trabalhador ou uma trabalhadora podem ficar sujeitos a trabalhar 60 ou 70 horas, no mínimo tem a mesma graça que o Sr. Deputado acabou aqui de fazer!
Aplausos do PCP.
Mas há ainda outras políticas negativas como o aumento da idade da reforma, o nivelamento das condições de reforma na Administração Pública com as do regime geral da segurança social, o adiamento da regionalização e o alinhamento com as teses atlantistas e de subordinação ao imperialismo norte-americano.
Faltam no Programa do Governo indispensáveis rectificações da maioria das medidas mais graves avançadas pelo governo PSD e CDS-PP, tais como a Lei de Bases da Segurança Social, a entrega de novos
Página 96
0096 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
hospitais a privados, a questão das taxas moderadoras, o regime de trabalho da Administração Pública e um pesado silêncio sobre a necessidade de valorização do salário mínimo nacional à convergência das pensões mais baixas com o mesmo.
Sobre o Código do Trabalho, era bom que o Sr. Primeiro-Ministro fizesse uma consulta ao actual Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social para que ele lhe lembre as propostas que o Partido Socialista fez, enquanto oposição, na Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais. Não foi só sobre a contratação colectiva; foi sobre a organização do tempo de trabalho, foi sobre a lei da grave, sobre contratos a prazo, sobre os direitos das comissões de trabalhadores e sobre os direitos sindicais! Atrevam-se e tenham a coragem de apresentar as propostas que apresentaram enquanto oposição e com certeza a posição do Partido Comunista Português será muito mais compreensiva em relação a este Governo e ao Partido Socialista!
Aplausos do PCP.
Há como que páginas rasgadas ou em branco sobre a defesa dos serviços públicos essenciais e o fim da política de privatizações.
O Sr. Primeiro-Ministro fala do combate à evasão e fraude fiscais e não tem uma palavra sobre a imperiosa necessidade de limitar benefícios, isenções e mordomias fiscais da banca e do sector financeiro, tanto mais escandalosas e obscenas face aos lucros que apresentaram no ano que passou.
Registamos que, nem após uma segunda insistência da minha bancada, o Sr. Primeiro-Ministro tenha referido uma palavra que fosse sobre a grave situação do sector têxtil e vestuário.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não entenda isto como aviso e muito menos como ameaça, Sr. Primeiro Ministro! Não terá o direito de exigir sacrifícios aos trabalhadores e a todas as classes e camadas intermédias, não pense ir buscar aos bolsos vazios de quem menos tem e menos pode enquanto mantiver intocáveis os sacos cheios de quem até da crise se aproveita para amassar lucro ao lucro, que nem sequer é aplicado no investimento produtivo e no emprego e que é feito à custa do sacrifício e do endividamento das famílias, dos cortes substanciais nas funções sociais do Estado e da falta de investimento público.
O contrato de confiança que diz querer estabelecer terá de envolver os trabalhadores, os reformados e os pequenos e médios empresários, visando efectivar os seus interesses, direitos e aspirações e não a repetição do que foi experimentado em anteriores executivos do seu partido, do diálogo e do convencimento estéreis, para neutralizar e não para resolver, só para adiar o inadiável.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: O sentido mais profundo do voto dos portugueses a 20 de Fevereiro foi o de mudança. Mudança que permita responder às gritantes desigualdades sociais e assimetrias regionais e vencer atrasos estruturais acumulados pelas políticas de direita; mudanças que permitam dar resposta imediata e urgente a questões prementes que o País e os portugueses enfrentam.
É crucial dar prioridade às actividades produtivas, em particular de bens transaccionáveis e não às actividades especulativas, pôr fim às privatizações, modernizar a economia e melhorar o perfil produtivo, apoiar as micro, pequenas e médias empresas e não privilegiar os grandes grupos económicos, tomar decisões com determinação para suster o desmantelamento das empresas e o desemprego, para valorizar os salários e as pensões, em si mesmo factores de dinamização do mercado interno e da economia. Os factores externos pesam, é verdade, mas que não sirvam de desculpa para o Governo não fazer o que tem de fazer.
Reafirmando a nossa posição de fundo, o PCP não se limitará à denúncia. Acompanhará todas as medidas e iniciativas positivas que sejam tomadas quer pelo Governo, quer por qualquer força aqui representada na Assembleia da República, mas não abdicará, aqui e lá fora, do seu combate a políticas e medidas que mantenham ou agravem os problemas de Portugal e dos portugueses.
Aplausos do PCP.
É à luz deste posicionamento que avançámos já com um conjunto de propostas que consideramos de grande actualidade e valor.
É com esta matriz que agiremos, numa postura de crítica, de combate e de proposta, aliando as inquietações e preocupações aos sentimentos de esperança e de confiança de que é possível um País mais justo, progressista e desenvolvido.
No limiar do ano 31 da revolução de Abril, é assim que entendemos a sua comemoração e a sua celebração no mês e no futuro que aí vem.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes.
Página 97
0097 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
A Sr.ª Ana Catarina Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, diria que quem o ouviu na campanha e o ouviu hoje conclui que talvez o Sr. Deputado não tenha estado com atenção ao discurso do Sr. Primeiro-Ministro e sobretudo não tenha lido com atenção o Programa do Governo hoje apresentado e que estamos a discutir.
A minha questão, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, consiste única e exclusivamente em saber se, em primeiro lugar, tendo em conta que a premissa do Governo para este programa eleitoral tem como base um compromisso com os portugueses que é o crescimento económico associado à coesão económica e social e, por isso mesmo, associado à melhoria das condições de vida dos portugueses, o PCP está ou não disponível para apoiar o Partido Socialista neste compromisso para com os portugueses, um compromisso da instituição parlamentar, do Governo, mas de todos nós, políticos com responsabilidades, para com o Governo. Pergunto ainda se está ou não disponível para assegurar ao Partido Socialista a defesa da revisão inevitável do Código Laboral.
Em segundo lugar, pergunto se o PCP está ou não disponível para apoiar a reforma no que diz respeito à ajuda aos mais idosos, àqueles que mais sofrem com a pobreza, apoiando as medidas aqui hoje anunciadas por este Governo.
Em terceiro lugar, Sr. Deputado, não estará na altura de o PCP olhar para a política com uma visão mais moderna e mais actualizada da mesma realidade, banindo sobretudo do seu léxico a expressão "imperialismo americano", utilizada por si, sabendo de antemão que a política externa do Partido Socialista, hoje aqui definida pelo Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver com o respeito pelas organizações internacionais, pelo direito internacional e, acima de tudo, pela dignidade humana?
Por isso mesmo, Sr. Deputado, permita-me que me espante com o discurso do PCP e que lhe pergunte se estaria mais satisfeito com uma maioria de direita ou se não vê nesta maioria absoluta do Partido Socialista e da esquerda portuguesa uma oportunidade para serem feitas reformas essenciais, credíveis e de melhoria das condições de vida dos portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes, permita-me que lhe diga que, afinal, foi a Sr.ª Deputada que ouviu mal a minha intervenção. Quando pergunta se estaríamos mais satisfeitos com uma possível vitória de direita do que com este resultado quero lembrar-lhe que, nesta Casa, quando lutámos para que a direita fosse derrotada, para que a direita fosse afastada, havia um silêncio tremendo por parte do Partido Socialista.
Protestos do PS.
Lembro-lhe, Sr.ª Deputada, a ideia do "cartãozinho amarelo", do "aviso", do "depois, em 2006, lá conversaríamos"… Felizmente que o povo português, com a sua luta, conseguiu que esta direita fosse derrotada.
Em segundo lugar, fomos nós que considerámos como objectivo primeiro no plano político a derrota da direita, para que ela ficasse em minoria na Assembleia da República.
Mas, corrigido isto, quero dizer o seguinte em relação a algumas das suas perguntas: não tenha dúvidas de que subscreveremos as boas propostas que o Partido Socialista possa fazer, designadamente, por exemplo, de alteração do Código do Trabalho, que a Sr.ª Deputada acompanhou de perto - o Sr. Primeiro-Ministro só referiu uma coisa -, propostas que tenham a ver com questões de fundo que colocámos e com a necessidade de revogação de normas negativas. Só espero que a Sr.ª Deputada represente o sentir e o pulsar do Partido Socialista. Verá que ficará surpreendida, porque o Partido Comunista Português apoiará as propostas que defendam os interesses e os direitos dos trabalhadores.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Quanto à questão do crescimento, a Sr.ª Deputada colocou-me também uma questão importantíssima. Sempre afirmámos, fosse onde fosse - não temos o hábito de afirmar uma coisa lá fora e outra aqui -, que a questão do crescimento económico é vital para o nosso país. Estamos de acordo com esse objectivo.
Mas, lembro-me de uma conversa recente com o Sr. Primeiro-Ministro, em que ele, em relação à Estratégia de Lisboa, dizia: "A ideia era boa, o problema é, depois, a sua aplicação"! Ora, percorrendo todo o Programa do Governo, verifica-se também que em relação às ideias boas existem grandes declarações de intenções - "como dizia a minha avó, de boas intenções está o Inferno cheio" -, mas em relação à sua aplicação nada se diz. Nós propomos a defesa do aparelho produtivo e da produção nacional e a defesa do crescimento dos
Página 98
0098 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
salários. A Sr.ª Deputada continua a pensar que é possível um modelo económico assente em baixos salários? É que o Programa do Governo do seu partido não faz uma única referência à questão dos salários.
Em relação às reformas, temos muita pena dos mais desfavorecidos e subscrevemos a vossa proposta, mas achamo-la incompleta, porque os reformados não são os tais 300 000 de que falam, mas sim mais de 1 milhão, que hoje vivem abaixo do limiar da pobreza, sendo certo que alguns trabalharam uma vida inteira - a Sr.ª Deputada não sabe o que é isso - para agora terem uma reforma baixíssima em relação aos descontos que fizeram para a segurança social. Nós já temos pronto um projecto de lei que responde à sua pergunta.
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Por último, em relação à expressão "imperialismo norte-americano", podemos chamar-lhe um pífaro, se quiser… De qualquer forma, quando assistimos hoje à agressividade, ao militarismo, à guerra e à concepção neoliberal do imperialismo norte-americano pode inventar outro nome, se quiser, que não retira a substância da acusação.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, sendo esta a primeira vez que tenho a honra de intervir como Deputado, permita-me que, em primeiro lugar, dirija as minhas primeiras palavras de saudação a V. Ex.ª e, na sua pessoa, a todas as Sr.as e Srs. Deputados e que, em segundo lugar, felicite o Sr. Primeiro-Ministro e o Partido Socialista pela vitória eleitoral que alcançaram, desejando a V. Ex.ª e à sua equipa as maiores felicidades.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A segurança interna e a imigração foram, são e serão sempre uma prioridade do CDS. Trata-se de áreas tão sensíveis quanto complexas e com repercussões no quotidiano dos portugueses. Por isso, manteremos também nesta Legislatura uma atitude construtiva quanto a estas matérias que estão directamente relacionadas com a autoridade do Estado.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Neste contexto, saudamos a decisão do Governo de, na sua estrutura orgânica, o Ministro da Administração Interna ser simultaneamente Ministro de Estado. E fazemo-lo porque sabemos a importância de, nos anteriores Governos, o Ministro de Estado ter acumulado o Ministério da Defesa Nacional, o que lhe permitiu realizar um conjunto de medidas de dignificação, reorganização e reforço das Forças Armadas.
Este sinal e o facto de o actual Governo possuir uma maioria absoluta clara neste Parlamento constitui para o Partido Socialista, em nosso entender, uma oportunidade, mas também uma responsabilidade, quanto às forças e serviços de segurança. Dizemo-lo com a consciência de quem, na campanha eleitoral, afirmou claramente que estas questões seriam decisivas e fundamentais para o CDS.
É por isso mesmo que, após uma leitura tão aprofundada do Programa do Governo quanto o tempo o permitiu, não podemos deixar de manifestar alguma preocupação. Vimos ideias dispersas, conceitos vagos e, em muitos casos, sem a concretização que a matéria exige e de que Portugal necessita.
Por isso mesmo, o que nos preocupa não é tanto o que está escrito, mas o que poderá não estar e ser intenção do Governo. Exemplo claro do que vos acabo de dizer, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é a parte dedicada à política de imigração.
O CDS regista com agrado que o Partido Socialista, volvidos alguns anos, reconheça que o caminho nesta matéria é o de "optar por uma política de abertura regulada à imigração, adoptando uma estratégia em torno de três eixos: regulação, fiscalização e integração".
Já o tínhamos dito em 2001, mesmo contra o "politicamente correcto", e verificamos com agrado que o Partido Socialista alterou a sua posição, indo de encontro às ideias do CDS, da União Europeia e - sejamos justos - do Sr. Deputado António Vitorino.
Aplausos do CDS-PP.
Por isso, concordamos com o diagnóstico realizado, ou seja, com a necessidade de, atenta a situação do País, desenvolver uma política que aposte na regulação dos fluxos e na efectiva e digna integração dos cidadãos que já se encontram em território nacional, com algumas das propostas realizadas, muitas já em curso, como as relativas à promoção da aprendizagem do português pelos imigrantes, à equivalência dos diplomas ou ao incentivo à imigração de quadros nas áreas em que apresentamos maiores carências, e até em relação a outras, como a possibilidade de participação em actos eleitorais após a permanência no nosso País durante um certo período de tempo, embora preferíssemos que esta matéria fosse mais explícita,
Página 99
0099 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
nomeadamente quanto ao tempo e ao título necessário: autorização de residência? Se sim, temporária ou definitiva?
Quase diria que, embora muito abstracto, concordaríamos com o Programa apresentado, não fosse uma frase que nos causa a maior perplexidade, por ser contraditória com o resto do texto, e a maior preocupação, caso constitua um indicador de que o Governo vai ceder à tentação de realizar um processo de regularização extraordinária, ainda que de forma indirecta, como a extrema-esquerda pretende. Embora as palavras de hoje de manhã do Sr. Primeiro-Ministro tenham sido mais tranquilizadoras, não foram, a nosso ver, totalmente conclusivas. Refiro-me, concretamente, ao antepenúltimo parágrafo do discurso, quando diz que "(...) urge recuperar mecanismos de flexibilização da regulação dos fluxos, como as autorizações de permanência (...)".
Ora, foi precisamente através desta solução que, em 2000 e em 2001, o anterior governo do Partido Socialista, liderado pelo Eng.º António Guterres, abriu um verdadeiro processo de regularização extraordinária, que fez com que Portugal, em apenas dois anos, duplicasse a população imigrante residente, passando de cerca de 200 000 para mais de 400 000 pessoas, gerando todas as dificuldades de integração que o anterior governo procurou resolver com uma lei de imigração equilibrada, que permitiu estancar os fluxos de imigração ilegal para o nosso país.
Se é esta a intenção, no entender do CDS é um retrocesso gravíssimo em matéria de política de imigração e representa uma irresponsabilidade política que terá resultados idênticos aos que estão a ocorrer em Espanha, em que o Governo do PSOE esperava, com o processo de regulação extraordinária, legalizar cerca de 250 000 imigrantes, mas há semanas atrás essa cifra já se encontrava em perto de 0,5 milhões, motivando protestos de países como a Holanda, a Inglaterra ou a Alemanha, cujos ministros até pertencem à área política em que se enquadra o Partido Socialista.
É este um exemplo claro do chamado "efeito chamada", que se encontra estudado ao nível europeu e dos chamados países Schengen, concluindo-se que, após o final de um processo de regularização extraordinária, existem mais imigrantes ilegais do que anteriormente à sua realização, por força da acção das redes de tráfico de seres humanos.
Do mesmo modo, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, vislumbramos o Programa quanto à segurança interna. Concordamos com a ideia de que não há liberdade sem segurança nem segurança sem liberdade, com a necessidade de instalar definitivamente o SIRESP, que o anterior governo, e não o XIV governo, como, certamente por lapso, se encontra escrito no Programa do Governo, lançou após anos e anos de indefinição, e com a promoção de uma estratégia de policiamento de proximidade que envolva não só o Estado mas também o poder local e a sociedade civil.
Mas, se a intenção é reforçar o papel das polícias municipais, cumpre saber o seguinte: como é que se faz esse reforço? Com que modelo de financiamento? Com mais despesa do Estado? Qual a forma de recrutamento dos seus efectivos? Quais as suas atribuições? Para que locais do País? Nada disto se encontra esclarecido no Programa do Governo.
Do mesmo modo, também nos parece perfeitamente compreensível, ainda que, como o Sr. Deputado António Filipe disse, deva ser enquadrada, a intenção de criar quadros de pessoal na GNR e na PSP sem funções policiais que libertem alguns efectivos para funções meramente policiais. Mas de que forma, se muitos deles desempenham estas funções há anos, para não dizer décadas, e se alguns deles nem tão-pouco reúnem requisitos físicos e de formação para o fazer? Com uma reforma que contemple despedimentos? Reformas antecipadas? Ou lançando estes homens para a rua sem o mínimo de preparação e de experiência?
O País precisa de ser esclarecido quanto a estas matérias. É uma área onde não pode haver hesitações nem conceitos vagos. É preciso assumir compromissos e dar sinais claros. Qual é a estratégia a adoptar? Apostar no reforço de meios humanos ou dos meios materiais? Construir novos quartéis e novas esquadras ou reformar as já existentes?
Conhecemos estes problemas, muitos são antigos, sabemos que alguns são indiscutíveis e que outros carecem de uma ponderação mais aprofundada. Mas quais são, então, as prioridades do Governo? Está o Governo disponível para uma lei de programação para o reequipamento das forças e serviços de segurança, como o CDS propunha no seu Programa de Governo para esta área e que resultou em pleno em áreas tão complexas como a da Defesa Nacional? Nada disso encontramos no Programa do Governo.
Uma última palavra tem a ver com a segurança rodoviária, que deve ser - e é - uma prioridade nacional. Não podemos também aqui esconder alguma desilusão quanto às medidas propostas, encontrando-se todas elas plasmadas no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, que permitiu em dois anos reduzir em cerca de 25% o número de vítimas mortais em Portugal. Muito há a fazer. Estamos, como é óbvio, totalmente disponíveis para colaborar nesta área, mas gostaríamos, por exemplo, de saber se este Plano que estava a ser executado é ou não para continuar ou se o objectivo de reduzir em 50% do número de vítimas mortais numa legislatura é com base nos números actuais ou na média dos anos de 1998 a 2000, como se encontra citado no Programa do Governo, de acordo com a Recomendação da União Europeia nesta matéria.
Na verdade, parece-nos que com a redução, a maior de sempre, ocorrida nos últimos tempos este Governo tem todas as condições para rever os objectivos definidos. Mas de que forma, por exemplo, será introduzida a temática da segurança rodoviária nas escolas? De forma transversal nos curricula ou através de uma disciplina própria? Qual? A partir de que grau de escolaridade? Também nada disto está especificado no
Página 100
0100 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Programa do Governo.
Em suma, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nestas áreas, como noutras, o Programa do Governo não peca tanto por acção mas, sim, por omissão, e as mais das vezes a omissão é a mais perigosa das acções.
O CDS, nesta matéria, será aquilo que sempre foi: um partido construtivo, activo e com ideias e propostas. É o que faremos, a bem de Portugal, dos portugueses e das portuguesas.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os trabalhadores imigrantes desceram à rua ontem, dia 20 de Março, reclamando contra a situação em que se encontram, que, na realidade, é da maior gravidade, e em apoio daquilo que são as suas duas bandeiras principais neste momento: a legalização de dezenas de milhares de trabalhadores imigrantes em situação irregular e a aprovação de uma nova lei da nacionalidade. Daqui reafirmo a solidariedade da minha bancada com esse protesto e com essa luta.
Os imigrantes têm boas razões para protestar.
Em 2003, ao abrigo do chamado "Acordo Lula", candidataram-se à obtenção de visto de trabalho, que é uma espécie de "purgatório" agravado sobre os imigrantes criado pelo governo da direita, 35 000 cidadãos brasileiros, mas só 14 000 o obtiveram, tendo 21 000, ou seja, 60%, ficado de fora.
Depois, através do processo de pré-registo nos CTT, candidataram-se ao visto de trabalho 53 000 imigrantes de outras nacionalidades. Ainda nenhum foi formalmente legalizado, ainda que conste que apenas 7700 poderão vir a obter o visto de trabalho, o que significa que seriam excluídos 45 300 imigrantes, ou seja, mais de 85% daqueles que se candidataram.
Considerando os novos imigrantes ilegais que chegaram após 2003, cujo número se calcula em 100 000, teremos 100 000 imigrantes em situação de ilegalidade e cerca de 70 000 no limbo da indefinição.
Como é possível que o Programa do Governo desconheça e passe por cima desta realidade? É possível e é o que acontece. Aliás, o Programa do Governo - deixem-me dizer-vos - permite regressar ao inicial "purgatório" das autorizações de permanência, criadas pelo Governo do PS, que promete vagamente o "estatuto de cidadania" à segunda geração de imigrantes, ou seja, aos filhos dos filhos dos que para cá vieram, quando hoje se reivindica por todo o lado uma nova lei da nacionalidade baseada no jus solis. Não admira, portanto, que o Programa do Governo desconheça olimpicamente esta situação de extrema gravidade.
E a questão que se coloca, para além de toda a retórica, é esta: como vai o Governo lidar com o crescimento exponencial da ilegalização dos imigrantes fomentada pelo próprio Estado? Visando a criação de mão-de-obra semi-escrava, sem direitos e à mercê total dos empregadores sem escrúpulos? Porque esse, é preciso dizê-lo, é o resultado desta política que este Programa, pelo menos na sua formulação pública, em nada altera.
Todavia, num Programa tão retoricamente omisso e tão defensivo, encontramos uma disposição ameaçadoramente concreta: a revisão da lei e do sistema eleitoral para introduzir os círculos uninominais, restringir a proporcionalidade e, na prática, instituir o "duopólio" dos dois principais partidos sobre o sistema político, com grave lesão da democracia representativa.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Pois é!
O Orador: - O Bloco de Esquerda, desde já deixamos muito claro, combaterá com a maior firmeza qualquer tentativa de alteração antidemocrática do sistema eleitoral, como a que se divisa no actual Programa do Governo.
E pergunto: já que para rever as leis eleitorais se exige uma maioria qualificada, tencionam o Governo e o Partido Socialista chegar a acordo com os partidos da direita - uma vez que com os da esquerda isso parece não estar à vista - para aprovar uma lei eleitoral gravemente lesiva dos princípios da genuinidade e da representação democrática? A maioria social que escolheu expressivamente nas últimas eleições uma mudança à esquerda gostaria, seguramente, de conhecer a resposta a esta pergunta.
Finalmente, refiro-me àquilo que o Governo proclama como intenção mas que o Programa não contempla: fazer coincidir o referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu com as eleições autárquicas em Outubro próximo. Isto é fugir mais uma vez - e essa tem sido sempre a política dos partidos do bloco central - a um verdadeiro debate sobre a política europeia e prevenir a oposição e as surpresas - sabe-se lá! - com uma dupla manipulação eleitoral simultânea: com o referendo manipular as autárquicas e com estas facilitar o quórum e o "sim" do referendo. Ou seja, fazer aquilo que, justamente, a Constituição visa impedir ao proibir, até agora, esta coincidência, a que o PS, ainda há poucos meses, na oposição, se opunha. Pergunto: é também com os votos da direita que o Partido Socialista conta para a revisão constitucional, imprescindível à simultaneidade das duas consultas?
A ocultação do debate europeu e a manipulação dos resultados do referendo valem o risco de abrir a
Página 101
0101 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
"caixa de Pandora" desta revisão constitucional de consequências imprevisíveis no futuro da governação, em que um governo qualquer possa recorrer a um referendo qualquer para manipular uma qualquer eleição que lhe convenha ganhar? Vale a pena isto por causa de fugir a um debate em referendo constitucional? Vale a pena recorrer a um tipo de revisão constitucional cujas consequências para o futuro do nosso sistema constitucional podem ser imprevisíveis? Ou, pelo contrário, um bom, claro e específico debate de cidadania sobre a Europa não vale a convocação de um referendo próprio e autónomo sobre tão importante escolha?
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - A bem da democracia portuguesa e europeia, nós achamos que sim, que vale, que é preciso ter a coragem de o convocar e de o fazer, como em Espanha e como em França, e por isso nos bateremos dentro e fora deste Parlamento.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
Pausa.
Como não se encontra presente, tem a palavra, também para uma intervenção, o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças (Luís Campos e Cunha): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Caros Colegas, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção, desejo saudar V. Ex.ª, Sr. Presidente, pela sua eleição para a presidência do Parlamento. A Assembleia da República, que representa todos os portugueses, fica honrada pela escolha que fez. As minhas cordiais saudações.
Estamos aqui para vos falar de problemas, mas fundamentalmente para vos apresentar soluções.
Estou aqui para vos falar verdade sobre o estado das contas públicas portuguesas, mas, acima de tudo, para apontar as políticas do XVII Governo para enfrentar a grave crise financeira.
E estou aqui para explicar porque precisamos do apoio e da mobilização de todos os portugueses para, de uma vez por todas, resolvermos a situação orçamental de forma realista e determinada.
Vejamos a verdade.
Desde 2002 que o défice sem receitas extraordinárias está acima dos 5% do produto interno bruto. E a culpa não é só do abrandamento da economia. Mesmo que Portugal tivesse crescido 2% ao ano, este défice rondaria os 4%.
Em quatro anos, a dívida pública também subiu 9% do PIB. Em 2000, situava-se em 53% e, em 2004, já rondava os 62% do produto interno bruto.
Ora, este desequilíbrio não pode ser mantido por muito mais tempo. É insensato ignorar a grave situação das nossas finanças públicas e insistir em escondê-la com mais expedientes contabilísticos, que só agravam a credibilidade do País e o próprio desequilíbrio orçamental futuro.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - O Programa do Governo é claro quanto ao seu objectivo de consolidação orçamental: cumprir as orientações do Pacto de Estabilidade e Crescimento no final da Legislatura, sem recurso a medidas extraordinárias, o que implica uma redução do défice em três pontos percentuais do PIB, ou seja, cerca de 4000 milhões de euros.
É verdade também que já não é possível esconder a verdadeira dimensão do défice com mais medidas extraordinárias, sobretudo quando estas são financeiramente gravosas para os cofres públicos. Medidas como o "perdão fiscal" ou a titularização das dívidas ao fisco só diminuem receitas futuras; medidas como a venda de imóveis e posterior aluguer pelos serviço públicos só aumentam despesas futuras. Em qualquer dos casos, só se agrava e adia o problema orçamental.
Por tudo isto, o Governo assume o compromisso solene de consolidação orçamental num quadro de total transparência e de repúdio por mais expedientes contabilísticos.
A nossa estratégia de consolidação orçamental assenta em dois eixo fundamentais: reduzir os gastos, invertendo a trajectória, insustentável, de crescimento da despesa pública corrente; aumentar a receita, apostando, em particular, na luta contra a fraude e a evasão fiscais.
Esta é a única via de consolidação orçamental sustentável no longo prazo e condição necessária para o crescimento e o emprego.
Sob a orientação do Sr. Primeiro-Ministro e com a colaboração dos meus colegas do Governo, passo, então, a apresentar o programa de acção.
Comecemos pelas despesas.
Página 102
0102 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Na base da actual crise orçamental, está a dramática tendência de subida da despesa corrente.
Vozes do PSD: - Oh!…
O Orador: - Senão, vejamos: apesar do congelamento parcial dos salários da função pública dos últimos três anos, a despesa corrente primária aumentou 3% do PIB, sendo hoje superior a 40% do produto interno bruto.
Mais, esta tendência de crescimento é particularmente acentuada nas funções sociais do Estado: saúde e pensões.
Isto significa que o défice não é um problema para se resolver em cada ano; o défice é um problema para ser enfrentado numa legislatura, pelo menos.
Dito de outro modo, é vital dotar o processo orçamental de uma visão verdadeiramente plurianual.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Assim, em Maio, e antes de enviá-lo à Comissão Europeia, apresentaremos nesta Assembleia a actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento para Portugal. A intenção é transformar este documento num verdadeiro programa de sustentabi1idade, que será o quadro de referência para a política orçamental desta Legislatura.
Este Programa de Estabilidade e Crescimento será a base do Orçamento rectificativo para 2005, que apresentaremos ao Parlamento antes do Verão, e será igualmente a linha orientadora do Orçamento do Estado para 2006.
Além disso, a redução da despesa corrente não poderá assentar em cortes horizontais cegos, que tão abusados foram nos últimos anos e com os resultados que todos conhecemos.
Por isso, dentro de seis meses, apresentaremos outro documento essencial: o programa plurianual de redução da despesa corrente.
O nosso grande desafio é concretizar o Programa com inteligência determinação política, sem preocupações eleitoralistas que nos desviem do interesse nacional.
Obviamente, esta redução da despesa pública não pode passar ao lado de uma profunda reestruturação do funcionamento da Administração Pública. Temos muitos milhares de funcionários públicos competentes e dedicados e temos muitos serviços cujo profissionalismo é exemplo, até, para o sector privado. Porém, preservando o que funciona bem, é fundamental reconhecer a existência de funcionários a mais em vários serviços. É fundamental também reconhecer que a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos e às empresas nem sempre é da melhor qualidade.
O Programa do Governo também é claro neste ponto. O objectivo é diminuir o número total de efectivos em, pelo menos, 75 000 ao longo da Legislatura.
Neste quadro, prevemos, ainda: melhorar as qualificações da função pública; consagrar soluções que reforcem a mobilidade dos funcionários públicos; generalizar a avaliação periódica dos funcionários públicos; introduzir a avaliação de desempenho dos próprios serviços e da satisfação dos utilizadores; disponibilizar recursos financeiros para premiar o mérito e a assiduidade dos funcionários públicos.
Vistas as despesas, passamos às receitas.
No horizonte desta Legislatura, não é realista pensar que se pode reduzir o défice sem um significativo aumento da receita fiscal. Aqui, a estratégia do Governo assenta num combate determinado à fraude e à evasão nos impostos, na simplificação do sistema fiscal e no alargamento das bases tributáveis.
No que respeita à fraude fiscal, dar-se-á especial atenção a práticas sofisticadas de certos grupos que se organizam exclusivamente para defraudar o fisco.
O Sr. João Cravinho (PS): - Muito bem!
O Orador: - Estou a falar tanto a nível nacional, as famosas "facturas falsas", como a nível comunitário, a chamada "fraude em carrossel".
Outra prioridade é reequacionar os critérios de selecção dos contribuintes a inspeccionar, com o recurso à análise de risco. Isto significa que deixaremos de aborrecer sistematicamente as pessoas e as empresas cumpridoras, concentrando todo o esforço inspectivo nos grupos de contribuintes mais propensos a fugir aos impostos.
Outra grande arma contra a fraude e a evasão é a própria transparência e simplicidade do processo fiscal.
Aplausos do PS.
Contrariar a opacidade do sistema é desmotivar a corrupção nos impostos.
Um exemplo de transparência na aplicação da legislação fiscal, aliás, particularmente importante para as empresas, é passar a publicitar todas as informações vinculativas da administração fiscal. Um exemplo de
Página 103
0103 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
simplicidade é criar regimes simplificados de tributação para determinados sectores de actividade. Estes são exemplos de iniciativas que apresentaremos no domínio da luta contra a fraude e a evasão fiscais.
Mas não posso deixar de mencionar outra arma contra quem não paga impostos, que é o levantamento do sigilo bancário.
Aplausos do PS.
Neste domínio, quero garantir-vos que adoptaremos as medidas relativas ao acesso da administração fiscal às contas bancárias, aprovadas pelo anterior Governo, e prometemos alinhar estas medidas com as melhores práticas europeias.
Sem prejuízo do objectivo primordial da consolidação orçamental, quero ainda garantir que não descuraremos uma melhor repartição da carga fiscal pelos cidadãos em função da respectiva capacidade contributiva.
Agora, já conhecem algumas das linhas orientadoras para a consolidação orçamental, mas não posso terminar sem salientar a situação particularmente difícil do Orçamento do Estado para 2005.
Obviamente, a comissão anunciada esta manhã pelo Sr. Primeiro-Ministro terá tempo para avaliar os riscos do actual exercício. No entanto, é tal o irrealismo do Orçamento do Estado herdado do Governo anterior que me vejo obrigado a alertar já esta Assembleia e todos os portugueses para a evidência de alguns factos.
Primeiro, este Orçamento do Estado para 2005 pressupunha a economia portuguesa a crescer 2,4%. Ora, de acordo com as previsões mais recentes de que disponho, metade deste crescimento do Produto é bem mais realista.
Segundo, este Orçamento do Estado para 2005 baseou-se num preço médio anual do barril de petróleo abaixo dos 39 dólares, o que é hoje manifestamente irrealista.
Terceiro, o Orçamento do Estado para 2005 não contemplou os encargos com as SCUT.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Claro!
O Orador: - Quarto, este Orçamento do Estado para 2005 cativou parte da dotação provisional necessária à actualização dos salários dos funcionários públicos. Este valor rondará os 250 milhões de euros.
Quinto, este Orçamento do Estado para 2005 suborçamentou a generalidade dos serviços e cativou mais de 1700 milhões de euros.
Vozes do PSD: - Descative!
O Orador: - Ora, descativando o mesmo que em 2004, isto implica um aumento da despesa em 1150 milhões de euros.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Queixa-se, de quê?!
O Orador: - Sexto, este Orçamento do Estado para 2005 inclui medidas extraordinárias, não suficientemente especificadas e de duvidosa concretização, no valor de 2300 milhões de euros.
Volto a afirmar que este Governo recusa a via da ilusão. Em nome da transparência e da verdade, não esconderemos o desequilíbrio orçamental com mais expedientes contabilísticos; em nome da transparência e da verdade, entregaremos, de hoje em diante, a competência de apurar o valor do défice a uma entidade independente. Só assim acabarão as dúvidas sistemáticas sobre as contas públicas.
Em conclusão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reduzir a despesa pública, fazer pagar quem foge aos impostos, mudar a Administração Pública e simplificar o sistema fiscal são as nossas prioridades. Estas políticas precisam do apoio e da participação de todos os portugueses, para mudar o País e fazer renascer a esperança.
Enganem-se, aqueles que pensam que as soluções apresentadas são apenas mais sacrifícios. Pelo contrário, estas são as únicas políticas capazes de garantir a todos os portugueses uma vida melhor.
Precisamos destas políticas para continuarmos a usufruir de taxas de juro baixas. Precisamos destas políticas para voltarmos a convergir com a União Europeia. Precisamos destas políticas para vivermos numa economia com mais e melhor emprego.
Em resumo, só estas políticas permitirão que os portugueses usufruam do Estado social que merecem e tenham orgulho de viver numa sociedade mais humana e mais justa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, a minha primeira
Página 104
0104 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
palavra é para desejar êxito a V. Ex.ª nas responsabilidades do seu cargo e para lhe dizer que, da nossa parte, há uma oposição de rigor, baseada na verdade e que se afirma pela proposta e não pelo fracasso do partido da governação.
Dito isto, Sr. Ministro, começo por fazer um apelo ao seu rigor académico, que não é agora a sua circunstância - hoje, a circunstância é ter estas responsabilidades - mas é a sua actividade permanente como profissão.
V. Ex.ª referiu-se ao défice orçamental. Muitos dos seus alunos, certamente, nas suas aulas, tal como nas minhas,…
Risos do PS.
… ouviram dizer que a medida correcta de avaliação da política orçamental é o saldo orçamental corrigido da variação do ciclo e não a medida do défice orçamental tout court. E, perante isto, Sr. Ministro das Finanças, gostaria de o convocar para os factos.
Os estudos mostram - do ponto de vista do saldo orçamental corrigido da variação do ciclo, o saldo primário, e expurgado de receitas extraordinárias - que, em 1995, este saldo era superavitário, de 1,7% do PIB,…
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … e que, em 2001, era negativo, da ordem dos 1,9% do PIB. Se fizermos uma simples conta aritmética, verificamos que o Partido Socialista nos deixou como herança, do ponto de vista da consolidação orçamental,…
Protestos da Deputada do PS Rosa Maria Albernaz.
… um aumento deste saldo orçamental de 3,6 pontos percentuais.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - É verdade!
O Orador: - O Sr. Governador do Banco de Portugal disse, há tempos, mas com algum atraso, que a política pró-cíclica e expansionista dos governos socialistas era algo de manifestamente condenável e uma forte causa do problema orçamental dos anos subsequentes.
Gostaria de saber se V. Ex.ª contradita ou não esta informação, esta opinião, porque a resposta é muito relevante para a continuidade do debate.
O segundo ponto que importa referir é o seguinte: V. Ex.ª diz que o governo anterior não fez consolidação orçamental. Nisto, induziu em erro o Sr. Primeiro-Ministro, que, não sendo economista, se entusiasmou excessivamente na sua intervenção e disse há pouco: "agora, é que vamos começar a consolidação orçamental"!
O Sr. José Junqueiro (PS): - É verdade!
O Sr. Primeiro-Ministro: - Exactamente!
O Orador: - V. Ex.ª diz isto, provavelmente por conselho do Sr. Ministro das Finanças.
Sr. Primeiro-Ministro, contenha-se nessa sua euforia,…
Vozes do PS: - Ah!…
O Orador: - … porque a verdade dos factos, a verdade lapidar e básica contraria-o de imediato.
Sr. Ministro, consolidação orçamental também foi feita e de uma forma muito difícil, designadamente, pela Dr.ª Manuela Ferreira Leite.
Protestos do PS.
Quando VV. Ex.as aqui, nesta Câmara, têm uma opinião de que congelamento dos salários não é consolidação orçamental pelo lado da despesa, que o aumento da taxa do IVA, de 17% para 19%, não é consolidação orçamental pelo lado da receita, VV. Ex.as têm toda a opinião da União Europeia, toda a opinião dos economistas contra vós.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Peço-lhe que conclua.
Página 105
0105 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Orador: - Faria bem, Sr. Ministro, em prestar homenagem à Dr.ª Manuela Ferreira Leite,…
Risos do PS.
… tanto mais, porque, relativamente ao seu grande desígnio, o de conseguir, no final da Legislatura, um défice em linha com os 3%…
Protestos do PS.
Sr. Ministro das Finanças, basta tão-somente fazer aquilo que é recomendável: a redução do défice estrutural em 0,5 pontos percentuais, desde 2005 a 2009. E desafio-o a verificar se, efectivamente, isto foi feito, ou não, entre 2001 e 2004.
Consolidação orçamental, Sr. Ministro, não é propriamente aquilo que aqui perpassou neste debate.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.
O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, dizendo ao Sr. Ministro que cá estaremos para ver como vai resolver o problema da consolidação orçamental nos próximos anos e para comentar, serena e objectivamente, as suas medidas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que o Sr. Ministro das Finanças responderá no fim de três pedidos de esclarecimentos, dispondo de 5 minutos para esse efeito.
Para pedir esclarecimentos, dou agora a palavra ao Sr. Deputado Vítor Ramalho.
O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, quero saudar a bancada do Governo, particularmente o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro das Finanças.
Sr. Ministro de Estado e das Finanças, na forma como observo a realidade, parto do princípio que é realista, que o povo português está neste momento, aqui e agora, expectante e que tem a total consciência das dificuldades que o Governo encontrou e dos escolhos que tem pela frente.
É necessário - e V. Ex.ª fê-lo muito bem, de uma forma serena - responder às preocupações do imediato e também às preocupações, que são as dos portugueses, relativamente a uma maior credibilização do futuro. E V. Ex.ª, ao terminar, chamou a atenção para o facto de esta situação encontrada implicar um apoio e a participação de todos os portugueses. Não tenho sobre isto qualquer dúvida de que tem de ser assim.
Falando de um partido livre, de homens livres, estou completamente à vontade para lhe dizer, Sr. Ministro das Finanças, que é esta a resposta que todos nós, independentemente do juízo que façamos, temos de dar a Portugal e ao seu futuro.
Entrando na questão concreta que quero perguntar-lhe, há, naturalmente, na sua intervenção, uma resposta que se coloca ao nível do mandato do actual Governo, nomeadamente na articulação entre a estabilidade, que é absolutamente indispensável, e a resposta ao crescimento. E isto, naturalmente, só pode ser feito na ponderação de todo o mandato. Mas há questões de curto prazo, cuja gravidade me abstenho de relevar, que têm de ser referidas - e V. Ex.ª fê-lo de uma forma bastante clara, e é útil que o tenha feito - para o povo português ter a consciência do que parte.
É verdade que neste quadro a superação daquilo que é muito importante na economia, que é a psicologia colectiva e a disponibilidade dos cidadãos responderem aos problemas do futuro, está de alguma maneira ultrapassada.
O povo português está, hoje, mais confiante do que no passado presente, mas, como a crise não se altera na sua base essencial, em função daquilo que verificamos no preço do petróleo, na condicionante externa e também na própria variação do produto interno bruto, a questão que quero colocar-lhe, Sr. Ministro das Finanças, é esta: como conciliar a exigibilidade de um Orçamento rectificativo de rigor com o plano de médio prazo do próprio mandato? São questões interligadas e seria útil que o povo português entendesse esta matéria.
Ou seja, como responder aos problemas do imediato sem que a resposta aos mesmos afecte a consolidação indispensável da acção do próprio mandato, face às dificuldades tremendas que o Governo enfrenta?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, começo por
Página 106
0106 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
cumprimentá-lo pelo desempenho nas suas novas funções.
No início deste debate, atrevo-me a solicitar-lhe a fineza, uma vez que todos sabemos - quem faz um pouco de história política neste país - que os tabus políticos, em Portugal, nunca tiveram um bom fim, de, hoje, desfazer o seu tabu dos impostos. E, para o desfazer, basta, fundamentalmente, dizer-nos duas coisas, tais como:
em que condições, durante esta Legislatura, é que o Sr. Ministro considera que será necessário aumentar os impostos e, no caso de isto ser necessário, de se verificarem essas condições, quais serão os impostos a aumentar.
O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Os sugeridos pelo Dr. Vítor Constâncio ou outros? O IRS, o IVA, os impostos indirectos ou os directos? Enfim, quais são os impostos que o tabu de V. Ex.ª aconselharia a aumentar?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Boa pergunta!
O Orador: - Na sua intervenção, Sr. Ministro, não ouvi qualquer referência à revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Nenhuma! Não sei como devo entender isto, mas a verdade é que ontem, pelos vistos, se chegou a um consenso. Nós, PCP, não temos o conteúdo final dessa alteração; no entanto, o que vem hoje nos jornais levanta-nos algumas preocupações.
Todos sabemos que foi a Alemanha que escreveu o Pacto; agora, diz-se que foi a Alemanha que o reescreveu. E fê-lo, naturalmente, Sr. Ministro, e permita-me que conclua, à medida das suas necessidades, não à medida das necessidades do País.
Coloco-lhe, Sr. Ministro, apenas um exemplo muito prático: suponhamos que um país como Portugal faz um investimento na defesa, por exemplo, na compra de um submarino. Este investimento não conta para o cálculo do deficit.
Mas, Sr. Ministro, o custo da construção de um hospital público, os custos da introdução da disciplina de Inglês no ensino básico,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Cá está um bom exemplo!
O Orador: - … as despesas com o pré-escolar, com a infância ou para fazer face ao abandono escolar já contam, ou não, para o cálculo do deficit? Tenho a ideia de que algumas destas despesas contam de certeza! E, se isto é verdade, é aceitável, Sr. Ministro?
Pensa que uma revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) feita desta forma - e ainda por cima decidido não se sabe como e por quem, nem com que peso é que a avaliação vai ser feita no futuro , porque há quem diga que vai ser feita em função dos países mais forte e dos que o reescreveram -, centrado nestas opções de distinção de despesas, pode constituir de facto um instrumento que sirva as necessidades imperiosas de crescimento e desenvolvimento do nosso país? A nossa opinião é de que não, e gostava de ouvir a sua, Sr. Ministro.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças. Dispõe de 5 minutos, no máximo.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Patinha Antão, honestamente, eu não estava à espera, talvez por ser estreante nestas matérias, de ouvir falar na pesada herança de 1995. Já se passaram 10 anos!
A verdade é que, como citei, o défice, mesmo que Portugal tivesse crescido 2%/ano, o que é muito parecido com o saldo corrigido do ciclo, seria de 4%, o que é um défice claramente irregular, sem as medidas extraordinárias, evidentemente.
Quanto à consolidação orçamental do governo anterior, vamos ver! Vamos ver o que vai acontecer quando a comissão competente analisar as contas de 2005, quando chegarmos à conclusão sobre o Orçamento de 2005 deixado pelo governo anterior. Nessa altura, veremos, então, qual foi a consolidação orçamental obtida.
Aplausos do PS.
No que diz respeito às políticas, embora não tenha particular interesse em comentar medidas concretas de pessoas que me antecederam, a verdade é que, em 2002, foram tomadas algumas medidas de consolidação orçamental. Contudo, foram medidas sem consequência, foram um bocadinho o "parar de respirar", e, depois, faltou a visão de longo prazo, aquilo que estamos aqui a dizer que vamos fazer, que é um plano a cinco anos
Página 107
0107 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
-…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O plano da pólvora!
O Orador: - … e, este plano a cinco anos, esta estratégia a longo prazo permite-nos ter uma visão estratégica do problema orçamental e não apenas uma visão curta, só daquele ano.
Aplausos do PS.
E, como eu dizia, daí para a frente, acabou a consolidação orçamental. Mais, ainda: mal houve um sinal microscópico de consolidação orçamental, o que é que se fez? Reduziram-se os impostos sobre os lucros. Isto nós não faremos!
Aplausos do PS.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vamos ver o resultado!
O Orador: - Quanto ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, penso que a pergunta foi relacionada com o problema da estabilidade e do crescimento. Penso que os dois conceitos não são contraditórios; nós necessitamos de estabilidade para crescer, necessitamos de estabilidade fiscal, orçamental e financeira para ter uma economia saudável, em crescimento, na qual os investidores internacionais acreditem e em que se possa investir com solidez e confiança.
Sr. Deputado Honório Novo, a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento vai exactamente no sentido de tornar essa linha, que é particularmente fina, especialmente no caso português, numa auto-estrada um pouco mais larga,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Com portagens?
O Orador: - … numa SCUT, provavelmente.
Ora bem, que alterações do Pacto de Estabilidade e Crescimento foram aprovadas ontem?
Sr. Deputado, peço-lhe que não leve a mal, mas de facto não leu, como disse, as conclusões,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não podia!
O Orador: - … e, por isso, a pergunta que fez não tem cabimento. De facto, a compra de um submarino por um Estado, qualquer que seja, Portugal, França ou Alemanha, conta para o défice. Não tenhamos dúvidas!
O Sr. Honório Novo (PCP): - E as outras despesas?
O Orador: - A confusão vem do facto de, no caso de o país ultrapassar o défice de 3%, de entrar, portanto, em défices excessivos, haver um conjunto de factores que são tidos em consideração. Este conjunto de factores que são tidos em consideração não quer dizer "desculpar", quer dizer "tidos em consideração, são atenuantes! E deste conjunto de factores fazem parte a Agenda de Lisboa, o investimento em essential development,…
O Sr. Honório Novo (PCP): - E o submarino também?
O Orador: - … em capital humano e também as opções estratégicas de carácter europeu.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Diga se a compra do submarino conta para o défice!
O Orador: - Portanto, a revisão do Pacto é particularmente importante para nós. Porquê? Porque considera que basta existir um crescimento negativo para haver uma recessão e, portanto, para, automaticamente, o País poder ultrapassar o limite dos 3%, considera ainda que o País, com uma estagnação prolongada, também pode entrar em défices excessivos sem ser penalizado por isso, dá ao País a possibilidade de, justificadamente, fazer reformas estruturais que, no curto prazo, possam ter impacto negativo no défice mas que, no longo prazo, sejam positivas para a economia, e - e este é um aspecto importante - confere um período bastante mais alargado de ajustamento do défice excessivo para cumprir o Pacto. Tudo isto são boas notícias para Portugal.
Quanto ao cenário que colocou, honestamente, não gosto de responder a cenários.
Aplausos do PS.
Página 108
0108 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mantém-se o tabu!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Pires de Lima.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, começo por cumprimentá-lo pelas suas novas funções. Sei que é um professor universitário respeitável, um economista competente e sério, e quero, sinceramente, desejar-lhe êxito nas espinhosas funções que agora inicia. Ultimamente, é mais difícil a um ministro das Finanças de um governo socialista ficar bem na fotografia do que "encontrar uma agulha num palheiro".
Começo também por lhe deixar uma pequena nota de perplexidade.
Creio que os comentários que fez relativamente ao deficit e toda a certeza que manifestou quanto ao nível de deficit que vai encontrar como herança revelam que se está a instaurar uma espécie de esquizofrenia política entre V. Ex.ª, Ministro das Finanças, e o Governador do Banco de Portugal. Senão vejamos: o Governo declarou, ainda hoje de manhã, que vai nomear uma comissão independente - ouvi eu, independente -, liderada pelo Governador do Banco de Portugal, para apurar o verdadeiro nível do défice, mas V. Ex.ª vem, aqui, e, taxativamente, declara que o défice que se vai apurar estará acima dos 5% corrigido do ciclo acima dos 4%.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Não é preciso ser adivinho! Está escrito!
O Orador: - Bom, tendo a certeza, e o Primeiro-Ministro está aqui a declarar a confirmação das suas afirmações, o que pergunto é qual vai ser o papel do Governador do Banco de Portugal em todo este processo.
Vozes do CDS-PP: - É de embrulho!
O Orador: - Isto é, nós temos um Ministro das Finanças que, hoje, nomeia uma comissão liderada pelo Governador do Banco de Portugal e que, primeiro, revela o nível de défice que o Governador vai apurar e um Governador do Banco de Portugal que, nos dias anteriores, diz as medidas que o Ministro das Finanças deve tomar para pode implementar as "auto-estradas sem portagens".
No pouco tempo que tenho, quero, apesar de tudo, fazer-lhe algumas perguntas.
Dado que não respondeu à questão dos impostos, vou fazer-lhe algumas perguntas que me permitam clarificar como pensa controlar o nível da despesa corrente, porque isto não se resolve só com metodologias académicas, estamos à espera de algumas medidas práticas. E o que gostaria de saber, de uma forma muito sucinta, é se o Sr. Ministro das Finanças considera possível controlar a despesa pública corrente sem a alteração profunda dos mecanismos de gestão da Administração Pública, nomeadamente sem terminar com os processos de promoção automática.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Considera possível controlar a despesa pública corrente dentro dos objectivos que definiu sem alterar, também com profundidade, as leis de financiamento das autarquias e das regiões autónomas?
Em suma, considera possível controlar a despesa corrente e fazer face ao desafio da consolidação orçamental com o texto constitucional que temos?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, o Bloco de Esquerda não acompanha o Governo no regozijo aqui, hoje, manifestado acerca das alterações do Pacto de Estabilidade e Crescimento, até nem sei se será apropriado chamar-lhe revisão, tão poucas e pequenas são as alterações ou, pelos menos, tão grandes eram as expectativas. Na verdade, não há qualquer excepção ao cálculo do défice, há circunstâncias atenuantes, como aqui, e muito bem, foi afirmado pelo Sr. Ministro de Estado e das Finanças, o que significa que passamos de uma situação de regras, que eram estáticas e claras, embora injustas, iníquas e perturbadoras do crescimento, particularmente das economias menos desenvolvidas, para uma situação de negociação a la carte com as autoridades da União. Isto, para um Estado-membro mais pequeno e com menos capacidade de influência, significa estar mais nas mãos do poder discricionário das autoridades comunitárias, da Comissão e, eventualmente, do Conselho.
Percebo que de imediato sejam boas notícias, porque alivia a pressão sobre as contas públicas portuguesas, mas, a prazo, não creio que sejam boas notícias. E a Europa aqui perdeu, porque não houve,
Página 109
0109 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
verdadeiramente, uma revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento para o desenvolvimento, sem prejuízo da necessária coordenação para a sustentabilidade do euro, com regras claras e diferenciadas para todos os países, já que, como não podemos vestir todos o mesmo fato, não há, nem pode haver, um modelo único. Foi este o fracasso do PEC até agora, foi também o fracasso dos apóstolos, dos dogmáticos do equilíbrio orçamental, é certo. Mas, na realidade, é uma revisão, se é que se chamará assim, que não agrada nem a gregos nem a troianos e que vai introduzir confusão no cenário europeu.
Agora, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, não percebemos exactamente mas aquilo que pensamos supor, pelo que disse na sua intervenção e que também estava contido na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, é que o Programa de Estabilidade e Crescimento que aqui irá ser discutido proximamente é, na realidade, uma projecção dessa negociação permanente com a União Europeia nos próximos anos, tendo como tecto o cumprimento do limite de 3% do Produto no défice orçamental a quatro anos, o que significa a assunção implícita de défices excessivos em relação a esses limites e que me parece absolutamente justificado, tendo em conta que há assumidamente uma perspectiva de reforço do investimento público em áreas de qualificação, educação e inovação, independentemente daquilo que aqui hoje se disse acerca das parcerias público-privadas, e que teremos ainda de discutir.
Mas, então, não se entende por que é que o Governo é hoje aqui tímido na expressão desse objectivo que vai, afinal de contas, negociar, o incumprimento do Pacto ao longo dos próximos anos. Será assim? Não será assim? É que, na realidade, também não gostamos de ver as coisas como um cheque em branco, e parece que foi isto que o Governo de maioria absoluta do Partido Socialista veio hoje aqui pedir à Câmara.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Ministro de Estado e das Finanças alegou o irrealismo do Orçamento do Estado em vigor para a necessidade de um Orçamento rectificativo. Gostaria de lhe perguntar se nos vários irrealismos do Orçamento em vigor não está a necessidade da revisão intercalar dos salários da Administração Pública, para, ao menos, os pôr em linha com a inflação.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - Deixo uma última…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça o favor de concluir.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Deixo como última questão uma espécie de desafio ao Governo: embora garantindo que não há despedimentos na Administração Pública, antes de se discutir a dispensa, ao longo de quatro anos, de 75 000 funcionários, por que é que o Governo de maioria absoluta do Partido Socialista não discute com esta Câmara um mapa de recursos da Administração Pública?
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - Vamos começar ao contrário: vamos saber o número de funcionários que são necessários e aqueles que são comportáveis pelo Orçamento do Estado, em vez de termos uma regra administrativa.
Foi o Sr. Ministro de Estado e das Finanças que aqui se insurgiu contra os cortes cegos horizontais. Pois eu creio que tem aí um exemplo do mesmo género e que gostaríamos de afastar do nosso debate político. Vamos discutir um mapa de recursos para a Administração Pública!
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, antes de mais, quero felicitá-lo e dizer-lhe que o meu grupo parlamentar acredita que V. Ex.ª poderá fazer um bom trabalho à frente do Ministério das Finanças e que esse bom trabalho será, naturalmente, bom para todos nós, bom para Portugal.
No entanto, no Parlamento, nós não vivemos propriamente uma situação de unanimismo, poderá haver opiniões diversas sobre questões que nos são postas. E este Programa do Governo tem um problema que é relativamente recorrente, que é o de ser muito vago em relação a muitas matérias em que deveria haver uma maior concretização. Essa concretização, para nós, seria importante, para podermos contraditar e dizer aquilo que pensamos em relação às medidas do Governo.
V. Ex.ª fez, realmente, um esforço em falar de algumas medidas para concretizar grandes objectivos, que, efectivamente, são muitos e em relação aos quais, penso, quase todos estamos de acordo.
Página 110
0110 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
No entanto, há duas questões que gostaria de colocar, a primeira das quais tem a ver com o Programa de Estabilidade e Crescimento e com o relatório de orientação da despesa, o qual só será apresentado, segundo o Programa do Governo, em 2006.
Na nossa opinião, e por isso é que coloco a questão a V. Ex.ª, existe aqui uma violação clara da Lei de enquadramento orçamental. É que a anterior maioria, nós, na Comissão de Economia e Finanças, várias vezes fomos confrontados com o problema de não estarmos a respeitar a Lei de enquadramento orçamental, porque o relatório de orientação da despesa não apresentava o orçamento plurianual e aquilo que iria ser a política orçamental do Governo para os anos seguintes.
Portanto, Sr. Ministro, dizem que vão apresentar esse relatório apenas em 2006 e nós gostaríamos de saber por que é que ele não é apresentado, como estabelece a Lei de enquadramento orçamental, ainda este ano, em Maio.
Mas o Programa do Governo enferma, efectivamente, do facto de ser demasiado vago, o que cria em nós um enorme problema.
V. Ex.ª, Sr. Ministro, disse: nós vamos atacar a questão da receita com o combate à fraude e à evasão fiscais. Nós ouvimos isto há vários anos, penso que todos os portugueses estão cansados de o ouvir, mas nós acreditamos que o combate à fraude e à evasão fiscais é fundamental para aumentar a receita, só que o Programa do Governo nada diz, e já houve várias questões neste sentido, em relação à restante política fiscal.
Quando se diz que se vai promover a simplificação, a equidade, a transparência e a estabilidade em 2006, nós estamos de acordo, aliás, penso que todos estão de acordo, mas aquilo que o País esperava, em matéria fiscal, eram políticas imediatas, porque, sem políticas ou medidas imediatas, só com o combate à fraude e à evasão fiscais, nós não acreditamos que seja possível resolver a questão da receita, e daí deixarmos esta dúvida.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, se me permitem, começo pela última questão.
De facto, o que está dito no Programa do Governo, que o Sr. Deputado Hugo Velosa diz ser vago (e, mais uma vez, tenho a sensação de que foi vagamente lido), é exactamente o seguinte: "Dada a referida discussão da actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento,…" - que eu disse ser em Maio - "… o Governo irá propor à Assembleia que este documento sirva também para satisfazer em 2005 o requisito estabelecido no artigo (…) da Lei de Enquadramento Orçamental, que obriga o Governo a submeter e discutir em Abril/Maio um Relatório de Orientação da Despesa Pública;".
Portanto, não vale a pena estarmos a apresentar dois documentos, vamos condensar a informação num só e…
O Sr. João Cravinho (PS): - Exactamente como se fez em 2002!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Calma, Sr. Deputado! Não se enerve!
O Orador: - No que respeita ao relatório, estamos conversados.
Agora, quanto ao combate à evasão fiscal, temos previsto um conjunto de medidas e, aliás, aproveitámos algumas das que foram aprovadas pelo Governo anterior - não estamos aqui com o espírito de que só porque foi feito pelo Governo anterior está mal, e, por isso, aproveitamos algumas dessas medidas - e vamos apenas aprofundá-las e levá-las à prática. Há até, do ponto de vista técnico, um conjunto de medidas que têm de ser levadas à prática e que ainda não foram. E esperamos reforçar o combate à fraude e à evasão fiscais não só por razões de receita mas, antes de mais, por razões éticas, pois há uns que pagam e outros que não pagam. Além disso, do ponto de vista das empresas, isto é muito importante, porque as empresas que não pagam impostos têm, no mercado, uma situação competitiva de grande favor face àquelas que são cumpridoras das suas obrigações.
Portanto, por estas três razões, é muito importante combater a fraude e a evasão fiscais.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado António Pires de Lima, que não percebi muito bem, e peço desculpa, o problema da contradição com a "Comissão Vítor Constâncio", porque os dados que eu dei, de mais de 5% corrigido acima de 4%, se o crescimento fosse maior, eram de 2004 e a "Comissão Constâncio" vai olhar para a frente, vai olhar para 2005. Por conseguinte, não penso que haja aqui qualquer contradição entre as duas coisas.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - É melhor esclarecer com o Sr. Primeiro-Ministro!
O Orador: - Quanto a medidas práticas relativamente à Administração Pública, à lei de financiamento das
Página 111
0111 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
autarquias e das regiões autónomas, mais uma vez, comecei o meu discurso a enumerar já, exactamente, algumas medidas, ao nível da Administração Pública, precisamente porque considero crucial, para a consolidação das contas pelo lado da despesa, a reforma e a reestruturação - penso que foi o termo que usei - da Administração Pública. E já elenquei algumas ideias; enfim, ao fim de uma semana já temos um conjunto de ideias, de linhas de orientação que, depois, serão traduzidas no Programa de Estabilidade e Crescimento, que iremos apresentar em Maio, no Orçamento rectificativo, e, daqui a seis meses, também no documento sobre a redução da despesa.
Sr. Deputado Luís Fazenda, as circunstâncias atenuantes, no nosso caso, são muito importantes. Se o País ultrapassar o défice de 3%, na sua avaliação, as circunstâncias atenuantes que estão lá escritas são muito importantes para nós, porque é a Agenda de Lisboa, é o investimento nas pessoas que está em causa e tudo isto, para nós, é importante.
O Sr. Deputado disse que o novo PEC apenas aliviava a pressão sobre as contas, mas isto também é muito importante. Se, no curto prazo, tivermos uma menor pressão, significa que poderemos minimizar ou até evitar, mas, pelo menos, minimizar, as políticas pró-cíclicas. O grande problema na aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, dada a extrema rigidez com que foi concebido, é exactamente o de, na prática, levar a que muitos países tenham de adoptar políticas pró-cíclicas. Ora, o aliviar da pressão reduz também esta pressão para fazer políticas pró-cíclicas, o que é muito importante para Portugal.
Julgo que, no Orçamento rectificativo, mais uma vez, iremos discutir os problemas da Administração Pública e, mais tarde, no documento a apresentar daqui a seis meses sobre a redução da despesa corrente, voltaremos ainda a falar sobre este assunto, mas, certamente, ao longo deste período, de hoje e daqui a seis meses, falaremos muitas vezes sobre a Administração Pública.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Pina Moura.
O Sr. Joaquim Pina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, antes de mais, as minhas saudações.
A questão que quero colocar ao Sr. Ministro tem por base a sua própria intervenção ou, mais precisamente, a parte final da sua intervenção.
Creio que o Sr. Ministro nos trouxe aqui uma espécie de algoritmo para a determinação do défice orçamental implícito no exercício de 2005 e tanto esse algoritmo como as informações que avançou à Câmara permitem-me colocar-lhe um conjunto de questões que são grandes inquietações sobre a situação orçamental que o actual Governo, particularmente o Sr. Ministro das Finanças, herda, ao tomar conta do cargo, ao assumir a responsabilidade da governação.
Quatro parcelas são essenciais - o Sr. Ministro referiu-se a três delas e permito-me suscitar mais uma - para se ver a dimensão e a gravidade do défice orçamental implícito no Orçamento do Estado para 2005.
Em primeiro lugar, surgem as descativações. O Sr. Ministro Campos e Cunha referiu que as descativações que serão necessário realizar no Orçamento do Estado para 2005, descativações estas que não estão no cálculo do défice orçamental para 2005, ascendem a 1400 milhões de euros, o que, por si só, significa um agravamento previsível do défice orçamental - daí eu falar de défice orçamental implícito - de mais 1,1% do produto interno bruto.
A segunda parcela essencial é a das receitas extraordinárias, que ascendem a 2300 milhões de euros e que, dada a sua natureza indefinida, talvez mais as pudéssemos chamar de "receitas gasosas", porque não se sabe nem onde estão nem como se vão arranjar. Estamos a falar, por este facto, de um agravamento de mais 1,7% do Produto, no que respeita ao défice orçamental implícito para 2005.
A terceira parcela que o Sr. Ministro das Finanças referiu mas não quantificou é a do agravamento do défice orçamental resultante da quebra do crescimento económico, quando comparado com as previsões de crescimento económico apresentadas em Outubro de 2004 pelo Sr. Ministro Bagão Félix. O Sr. Ministro Campos e Cunha referiu que há uma redução para cerca de metade da expectativa de crescimento em 2005, face àquilo que estava previsto no Orçamento, ou seja, de 2,4% passamos para 1,2%, o que, atendendo à taxa de elasticidade entre o Produto e o défice, significará, por efeito automático, um agravamento de 0,6% do Produto em relação ao défice orçamental.
Estamos, portanto, a lidar, e é muito importante que este ponto seja esclarecido, com um agravamento implícito do défice orçamental para 2005, entre 3,4% e 3,6% do Produto, ao qual se deve somar os 2,8% previstos no Orçamento do Estado para 2005. Estamos a falar de um défice orçamental implícito no Orçamento do Estado para 2005 na ordem dos 6,5% do PIB, sem falar - e esta é a parcela que me permito acrescentar às que o Sr. Ministro Luís Campos e Cunha referiu - da regularização das situações do passado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Concluo imediatamente, Sr. Presidente.
Página 112
0112 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
No que respeita à regularização das situações do passado e atendendo à vinda muito recente a esta Casa de um Orçamento rectificativo para corrigir 2800 milhões de euros respeitantes a situações do passado não regularizadas, causa-nos preocupação e até temor, porque isto significaria uma situação muito grave para o País, que o défice orçamental implícito no Orçamento do Estado para 2005 possa estar entre 6,5% e 7% do PIB.
Sr. Ministro das Finanças, são estas as reflexões e as inquietações que eu gostaria de deixar, pedindo o seu comentário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia para pedir esclarecimentos.
O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, antes de mais, quero associar-me às manifestações generalizadas de felicitações ao Governo, em particular ao Sr. Primeiro-Ministro, desejando muito boa sorte a este Governo - o País merece-o! -, e ainda manifestar a V. Ex.ª, Dr. Jaime Gama, a minha grande satisfação por o ver ocupar esse lugar, que, por certo, muito vai prestigiar a Assembleia da República.
Sr. Ministro das Finanças, começo por lhe agradecer a exposição que nos fez, que hoje foi ouvida e que, com certeza, será relida no futuro, e por lhe dizer que apenas lhe vou colocar duas questões muito simples, relativamente às quais espero ter mais sorte do que alguns dos meus colegas de bancada, que hoje não têm visto satisfeita a sua pretensão de obterem alguns esclarecimentos. E as questões que pretendo colocar-lhe referem-se ao sector dos transportes e das obras públicas.
Sr. Ministro, recordo que, recentemente, no 6.º Congresso Nacional do Transporte Ferroviário, referindo-se às questões das linhas ferroviárias de alta velocidade, das SCUT, do novo aeroporto internacional e do Plano Rodoviário Nacional, o Sr. Dr. Vítor Constâncio, que hoje tem sido aqui muito citado, afirmou que temos de estar preparados para que, provavelmente, não seja possível apenas com o investimento público realizar todos os grandes projectos de que se tem falado para o sector. E como hoje de manhã, o Sr. Primeiro-Ministro, ao referir os vários grandes projectos, declarou que o motor deste movimento será o investimento privado, eu mais não gostaria do que confirmar se a intenção do Governo é confiar predominantemente os investimentos relativos ao novo aeroporto internacional e às linhas ferroviárias de alta velocidade ao sector privado.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Não temos sobre esta matéria senão razões positivas para entendermos que este investimento seja confiado predominantemente ao sector privado, mas gostaria, se me é permitido, de deixar uma recomendação ao Governo: as parcerias que venham a ser estabelecidas o sejam em bases mais realistas do que o foram no passado, para que não se verifiquem derrapagens de mais de 100% (no caso das SCUT é de 174%), e mais equitativas, para que a partilha do risco não seja lesiva para os interesses do Estado, pois foi este o grande perdedor nesta questão. Estes são dados que foram apurados, afirmados e censurados pelo Tribunal de Contas em relatório sobre esta matéria.
Quanto às SCUT, propriamente ditas - curiosamente, é uma das raríssimas ocasiões em que o Governo fala do interior -, tenho a certeza de que voltaremos, nesta Câmara, a discutir este problema, até para corrigir algumas das afirmações aqui feitas.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - A primeira dessas correcções diz, desde logo, respeito ao facto de se afirmar que as SCUT visam cobrir zonas do interior. Não é verdade, basta lembrar as SCUT do Grande Porto, do Norte Litoral, da Costa da Prata e do Algarve! Nem tão-pouco visam cobrir zonas predominantemente deprimidas. As SCUT cobrem, por exemplo, zonas onde o rendimento médio ultrapassa os 120%, como é o caso do Algarve - e existem outros -, enquanto o Alentejo tem um rendimento médio de 70%.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, o que eu gostaria de saber é se a cobertura das despesas com as SCUT vai ser feita com as receitas do imposto sobre os produtos petrolíferos, sabendo-se que ele, neste momento, já cobre o orçamento do Instituto das Estradas de Portugal (IEP).
Gostaria ainda de saber se o IEP estará em condições de garantir aquela que tem sido, desde sempre, a primeira prioridade do meu partido, e que o último Governo afirmou explicitamente, que é consagrar como primeira prioridade as obras de conservação, de qualificação e de reabilitação do sistema viário, para que as zonas mais afastadas, designadamente das vias mais rápidas, não conheçam uma situação de dupla interioridade, como actualmente ocorre.
Página 113
0113 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco para pedir esclarecimentos.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, a minha primeira é de saudação. O Sr. Ministro é uma pessoa com provas dadas, com currículo académico, uma pessoa que tem mostrado credibilidade e seriedade, por isso auguro-lhe e desejo-lhe sucesso no desempenho das suas funções.
Sr. Ministro, apelando à credibilidade de V. Ex.ª, acompanhei, na última década, muitos dos seus artigos e muitas das suas intervenções públicas, nas quais faz um apelo sistemático à necessidade de controlo da despesa, afirmando constantemente que o grande problema das contas públicas portuguesas é a falta de controlo da despesa. E, coerentemente com essas intervenções, o Sr. Ministro terá de reconhecer que, nos últimos anos, houve a inversão de uma tendência, passou-se para um crescimento significativamente menor, ou seja, houve um esforço grande para conter esse ritmo de crescimento. Mas, é agora, Sr. Ministro, que vai ser o seu exame; é agora que vai passar das palavras aos actos, dos textos à acção.
No Programa do Governo distribuído aos portugueses, e que todos analisámos, constatamos que o Sr. Ministro, nesta matéria, não é concreto. Escreve que está prevista a redução da despesa (não se fala em controlo do seu crescimento mas, sim, em redução da despesa), mas não diz como é que a mesma vai ser feita, se é "cortando" institutos, congelando os salários dos funcionários da Administração Pública, ou através da alienação de serviços. Não está explícito como é que isto vai ser feito.
O Sr. Ministro, no entanto, pode argumentar que tem um prazo de 180 dias, tal como consta no Programa do Governo, para apresentar um plano de acção para conter a despesa pública, para reduzir o seu peso no Produto. Sr. Ministro, desejo que entre esta sua posição e a da bancada do PS não haja um fosso, pois sempre que um governo socialista pensa em reduzir a despesa encontra facilmente grandes obstáculos, não nesta bancada mas na bancada do PS, em que os lobbies de diversas áreas, que até levaram à demissão de ministros, se mexem para que a despesa não seja reduzida.
Vozes do PSD: - Bem lembrado!
O Orador: - Sr. Ministro, permita-me, desde já, duas perguntas. Por quê um prazo de 180 dias? Ninguém aqui é rigoroso em termos de calendário.
Vozes do PSD: - Bem dito!
O Orador: - Logo, estamos a calcular que este prazo de 180 dias é precisamente para que essa apresentação seja feita depois das eleições autárquicas, e não antes.
A segunda questão, Sr. Ministro, não é propriamente uma pergunta, é mais para ter cuidado, se me permite a expressão, porque a última vez que uma equipa das finanças socialista apresentou um plano para reduzir a despesa, 24 horas depois estava o Primeiro-Ministro da altura a pedir a substituição da mesma junto do Presidente da República. Deus queira que este PS não lhe faça o mesmo.
A segunda questão, Sr. Ministro, não é propriamente uma pergunta, é mais para ter cuidado, se me permite a expressão, porque, da última vez que uma equipa das finanças socialista apresentou um plano para reduzir a despesa, 24 horas depois estava o Primeiro-Ministro da altura a pedir a substituição da mesma junto do Presidente da República. Deus queira que este PS não lhe faça o mesmo!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças, uma vez que há apenas mais uma oradora inscrita para pedir esclarecimentos, dar-lhe-ei a palavra no fim, respondendo, assim, conjuntamente aos quatro oradores.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Vasconcelos Caeiro.
A Sr.ª Teresa Vasconcelos Caeiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, aproveito também para, nesta minha primeira intervenção, saudar V. Ex.ª e felicitá-lo pelo cargo que hoje exerce, no qual, certamente, dignificará muitíssimo o Parlamento.
Sr. Ministro de Estado e das Finanças, serei brevíssima nas questões que vou colocar-lhe, agradecendo, desde já, a exposição que nos fez.
Como responsável pelas finanças deste Governo, suponho que todos os compromissos constantes do Programa do Governo, que hoje discutimos, terão sido contabilizados, e, portanto, V. Ex.ª saberá quantificar cada um deles, nomeadamente quando têm implicações financeiras.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
Página 114
0114 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
A Oradora: - Claro que ficou por esclarecer uma promessa da campanha eleitoral, que se refere aos 150 000 postos de trabalho que o Governo se proporia criar. Esta questão nunca ficou inteiramente esclarecida, e penso que nunca ficaremos esclarecidos quanto a ela.
Sr. Ministro, a minha primeira pergunta refere-se à prestação extraordinária de combate à pobreza. O Sr. Ministro saberá que está em curso até ao ano de 2006, inclusive, o compromisso da convergência das pensões mínimas de velhice e de invalidez, que pressupõe uma despesa anual na ordem dos 75 milhões de euros, num valor global aproximado de 377 milhões de euros. Pergunto, Sr. Ministro: como é que está prevista a articulação deste compromisso, que não resulta de qualquer portaria ou de despacho ministerial mas, sim, da Lei de Bases da Solidariedade e Segurança Social aprovada nesta Câmara, sendo, portanto, uma obrigação que será necessariamente cumprida, com o compromisso de atribuir a 300 000 pensionistas esta prestação extraordinária?
Sr. Ministro, permita-me que faça uma pequena correcção ao Programa do Governo, onde se pode ler: "A falsa promessa que foi elevar todas as pensões mínimas (…)". Não foi uma falsa promessa, Sr. Ministro!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Esta promessa tem vindo a ser cumprida, e se não tivesse sido atalhada a anterior Legislatura a convergência das pensões seria concluída no ano de 2006.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Gostaria também de saber, Sr. Ministro, onde é que o Governo vai recolher o montante necessário, se é que o mesmo já está quantificado, para estes 300 000 reformados. Esta minha pergunta surge na sequência de uma esquizofrenia, se me permite repetir as palavras do meu colega de bancada, entre as declarações do Sr. Ministro das Finanças, que, já após ter sido indigitado disse que seria inevitável proceder-se a um aumento dos impostos…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, esgotou o tempo de que dispunha. Peço-lhe que termine.
A Oradora: - Termino, Sr. Presidente, perguntando ao Sr. Ministro como é que o compromisso da prestação extraordinária se coordena com o da convergência das pensões mínimas de velhice e de invalidez. Já está contabilizado o montante desse compromisso? Como é que isto será feito sem o aumento dos impostos, conforme tem sido dito pelo Sr. Primeiro-Ministro, ao contrário do que V. Ex.ª já disse após ter sido indigitado?
Para concluir, Sr. Presidente - e agradeço-lhe esta tolerância -, gostaria de me referir a uma questão que há pouco não ficou clara.
Sr. Ministro, tendo em conta que V. Ex.ª, aquando da resposta ao Sr. Deputado António Pires de Lima, disse que a comissão liderada pelo Sr. Governador do Banco de Portugal iria reportar-se ao ano de 2005, peço-lhe que me acompanhe na leitura da pág. 29 do Programa do Governo.
Vozes do CDS-PP: - Não o leram!
Protestos dos Deputados do PS.
A Oradora: - Eu sei que foi da autoria do Sr. Deputado António Vitorino! Mas, de facto, pode ler-se, na pág. 29, "(…) uma das primeiras medidas do Governo será solicitar ao Governador do Banco de Portugal que aceite liderar uma comissão independente, encarregue de realizar um apuramento do valor real do défice orçamental em 2004".
Muito obrigada pela tolerância de tempo, Sr. Presidente.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças, dispondo para o efeito de 5 minutos, mas também com a tolerância merecida.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Vou começar pelo fim - os últimos serão os primeiros!
Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, o nosso Primeiro-Ministro acabou de explicar, no seu discurso, exactamente qual era o mandato da comissão, a alteração que foi feita e porquê! O discurso do Sr. Primeiro-Ministro clarificou o mandato da chamada "comissão Vítor Constâncio",…
Página 115
0115 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Vozes do CDS-PP: - Ninguém percebeu!
O Sr. Primeiro-Ministro: - O Programa do Governo está muito claro!
Vozes do PS: - É melhor lerem-no!
O Orador: - … que é diferente do que estava de facto…
Vozes do CDS-PP: - É diferente do que está no Programa do Governo!
O Orador: - É diferente do que está no Programa, mas essa alteração foi devidamente justificada pelo Sr. Primeiro-Ministro, esta manhã.
Vozes do CDS-PP: - Falta a emenda!
O Orador: - Quanto ao apoio aos idosos e às pensões dos idosos mais pobres, o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, que vai falar mais tarde, poderá pronunciar-se sobre este assunto. Em todo o caso, o montante que está estimado é, no final, de cerca de 200 milhões de euros. Agora, a área que divide a direita da esquerda é a solidariedade para com os mais pobres!
Aplausos do PS.
A maior parte das perguntas feitas pelos Srs. Deputados Duarte Pacheco, Teresa Caeiro e mesmo pelo Sr. Deputado Anacoreta Correia tem muito a ver com o que se vai passar na parte orçamental. E, relativamente a isto, primeiro, queremos saber qual é a situação - e vai ser apresentado, em Maio, uma actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento para os próximos cinco anos - e, logo a seguir, temos o Orçamento rectificativo. Portanto, as perguntas que foram feitas são boas, mas serão respondidas na devida altura.
Relativamente à redução da despesa, perguntaram-me sobre a razão de ser dos 180 dias. Primeiro, é o que constava do programa eleitoral e, depois, estes seis meses, ou 180 dias, terminam antes das eleições autárquicas. Ora bem, acontece que é preciso utilizar este documento imediatamente a seguir, no Orçamento para 2006. Como tal, tudo isto está devidamente encadeado e há um pacote de medidas que é relativamente coerente.
Sr. Deputado Anacoreta Correia, em relação ao investimento previsto, que também já foi justificado pelo Sr. Primeiro-Ministro, terei, mais uma vez, de o remeter para o Orçamento rectificativo e para o Programa de Estabilidade e Crescimento. Mas há que ver qual é a importância deste Programa, qual é a participação privada, qual é o impacto que vai ter nas contas públicas, e, a seu tempo, tudo isto será devidamente contabilizado. Mais uma vez, remeto esta questão para o Orçamento rectificativo e para o Programa de Estabilidade e Crescimento, que apresentaremos em devido tempo.
No que respeita às SCUT, quero chamar a atenção para um outro aspecto: não basta o rendimento estar próximo da média nacional, é também necessário haver uma alternativa razoável às SCUT.
Aplausos do PS.
Deixei para último lugar uma questão que penso ser central no meu discurso. O Sr. Deputado Pina Moura deu-se ao trabalho de fazer as contas e somar as parcelas de umas pequenas estimativas que fiz sobre a despesa pública e a situação do Orçamento para 2005. De facto, a situação é muito preocupante. As contas são do Sr. Deputado, mas, grosso modo, correspondem aos valores que apresentei e às estimativas que se fazem neste tipo de exercícios. A única coisa que posso dizer é que a "comissão Vítor Constâncio" terá certamente oportunidade de, com mais rigor e mais informação do que aquela de que disponho neste momento, fazer uma previsão razoável do défice, sem medidas extraordinárias, para 2005. Mas devo dizer que valores de 6% são muito fáceis de encontrar.
Aplausos do PS.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero solicitar ao Governo, através de V. Ex.ª, que a Câmara seja informada de qualquer outra alteração que tenha ocorrido no Programa do Governo, que é o pressuposto do que hoje aqui discutimos. Gostaria de saber se ocorreu, além desta, alguma outra alteração, para que, com base nessas alterações, possamos conformar todo o debate.
Página 116
0116 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Para sabermos o que estamos a discutir!
O Orador: - Aquilo que estamos aqui a discutir é o Programa do Governo, o qual tem um texto; conformamos as nossas intervenções com esse texto e percebemos agora que o Governo terá iniciativas e assume compromissos que não correspondem aos constantes do Programa do Governo distribuído. Como tal, peço a V. Ex.ª e, por intermédio de V. Ex.ª, ao Governo que quaisquer outras alterações a este Programa nos sejam dadas a conhecer, por forma a auxiliar o debate.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica registado o seu pedido.
Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): - Sr. Presidente, não há qualquer alteração em relação ao Programa do Governo. O Sr. Primeiro-Ministro foi muito claro, na intervenção que fez hoje de manhã, e teve o cuidado de referir explicitamente as razões de Estado que aconselham a que tenha sido adaptado o mandato e o exercício pedido à "comissão Vítor Constâncio".
Há quem perceba as razões de Estado e há quem teime em não as querer perceber, mas trata-se de razões que, notoriamente, justificam esta adaptação.
Aplausos do PS.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Então, não questionam o défice de 2004! Aceitam-no!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se mudam numa semana, imaginem numa legislatura!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tenho ouvido criticar o Programa do Governo por ele ser praticamente igual ao Programa Eleitoral do PS. Essa crítica é um elogio: ao contrário de um passado recente, o Programa do Governo não vira do avesso o programa eleitoral do partido vencedor. É uma primeira e significativa diferença!
Não há maior frustração do que votar num sentido e constatar depois que os vencedores governam em sentido contrário. A coerência entre o Programa Eleitoral e o Programa do Governo é um sinal de respeito pelo voto dos cidadãos. Foi esse sinal que o Primeiro-Ministro trouxe aqui. É assim que se reabilita a política e é assim que se restabelece a confiança!
Aplausos do PS.
Tenho ouvido também criticar o Governo pelo facto de o seu Programa não aplicar as receitas do chamado "pensamento único". Essa crítica é outra forma de elogio, porque significa que o Governo não vai adoptar receitas alheias nem as soluções que foram derrotadas nas urnas. Vai governar com as suas ideias e o seu Programa. E também não vai ceder às pressões de comentadores e analistas que, sem nunca se submeterem à aprovação do eleitorado, julgam possuir o segredo infalível da boa governação.
Aplausos do PS.
É uma segunda e decisiva diferença, que parece, aliás, ter deixado sem discurso os partidos da direita parlamentar.
Já agora, Sr. Deputado Marques Guedes, devo dizer-lhe, com toda a simpatia, o seguinte: V. Ex.ª suscitou aqui, por duas vezes, uma questão um pouco estranha, perguntando ao Primeiro-Ministro se ele ia ser Primeiro-Ministro socialista ou Primeiro-Ministro de Portugal. Ora, o Primeiro-Ministro é Secretário-Geral do Partido Socialista; foi nessa condição que se apresentou às eleições, foi nessa condição que as ganhou e obteve a maioria absoluta e é nessa condição que está aqui!
Sei que há quem - e não é, com certeza, o seu caso -, numa certa direita, julgue que só a direita, por uma espécie de direito divino, tem direito ao poder. Não é assim, e não é proibido que um socialista possa ser um bom, como vai ser, Primeiro-Ministro de Portugal!
Aplausos do PS.
O dogma neoliberal pretende que não é possível compatibilizar rigor nas contas públicas com crescimento
Página 117
0117 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
económico. A receita que se recomenda é a mesma de sempre: fazer da redução da despesa pública e do défice orçamental o alfa e o ómega da governação. Ora, a redução do défice é um instrumento, não é um fim em si mesmo! Para um governo do PS, como com clareza e sem cedências tem dito o Primeiro-Ministro, o objectivo estratégico é a política económica, é o crescimento económico.
Rigor não é impor novos sacrifícios aos sacrificados de sempre para que a nossa economia continue estagnada e na cauda da Europa. Uma política de verdade não é desmantelar os serviços públicos e reduzir a protecção social, que é já uma das mais baixas da Europa. O nosso rumo não é esse, não podem ser essas as nossas soluções. É possível fazer a diferença.
E fazer a diferença é compatibilizar rigor nas finanças públicas com crescimento económico, políticas de emprego, protecção social, direitos laborais, consolidação e sustentabilidade dos serviços públicos, defesa do território e do ambiente. E, sobretudo, mudar o que faz mudar: a educação e a qualificação das pessoas, o investimento público e privado na investigação e formação científica e tecnológica, a cultura. Restabelecer o papel dos sindicatos; construir um acordo estratégico com os parceiros sociais, com uma nova perspectiva de contratação colectiva como factor de estabilidade e desenvolvimento; harmonizar políticas públicas com estratégias empresariais criadoras de riqueza; fomentar a inovação e a qualificação nas pequenas e médias empresas, que são a base do tecido empresarial português - é essa a função estratégica do Estado!!
Durante a campanha eleitoral, o Partido Socialista e José Sócrates definiram um novo rumo e trouxeram palavras novas ao discurso político: conhecimento, inovação, tecnologia. Esse rumo e essas ideias devem inspirar a prática do Governo. São a condição para fazer crescer a economia e tornar Portugal um país mais moderno, mais competitivo, mais justo e mais solidário.
É que um governo do Partido Socialista não pode ser, e não é, indiferente à pobreza! E, neste momento, há em Portugal cerca de dois milhões de portugueses no limiar da pobreza.
Um governo do Partido Socialista não pode ser indiferente ao problema do desemprego. E, neste momento, há em Portugal cerca de 500 000 desempregados.
Um governo do Partido Socialista não pode fechar, e não fecha, os olhos ao abandono e insucesso escolares, à fraude e à evasão fiscais, à desertificação do interior, à degradação do ambiente, à persistência da desigualdade prática entre homens e mulheres e a muitas outras formas de novas injustiças e desigualdades.
Os portugueses não votaram no Partido Socialista para que tudo fique na mesma, muito menos para que o PS governe com as ideias que foram derrotadas, porque não foram só os dirigentes do PSD e do CDS que perderam, foram as suas ideias, as suas soluções e as suas políticas!
Aplausos do PS.
Sabemos que muitos dos que votaram no Partido Socialista não são socialistas, mas o voto dos portugueses teve um claro sentido de mudança e de viragem.
Não podemos aceitar o preconceito ideológico de que se pode mudar de governo mas não de política, de que todos os políticos são iguais e de que todos os governos estão condenados a governar da mesma maneira, de que só há alternância, mas não há alternativa e de que já não há diferença entre a esquerda e a direita.
Estou convencido de que o Primeiro-Ministro José Sócrates e o seu Governo vão mostrar que é possível governar de maneira diferente, com outro sentido de Estado, outra cultura de responsabilidade democrática, outra ética de serviço público e, sobretudo, outra sensibilidade social!
Aplausos do PS.
Rigor nas contas públicas, com certeza, mas cuidar da pobreza, do combate ao insucesso escolar, à fraude e à evasão fiscais, de novas políticas de emprego, de uma nova geração de políticas sociais. Um novo referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, com o empenho do Partido Socialista em acabar com o escândalo de uma lei hipócrita e iníqua. E também: moralização da vida pública, mais transparência e uma nova determinação no combate aos corporativismos, aos interesses ilegítimos e aos interesses instalados.
A crise do País não é só uma crise orçamental e financeira: é, sobretudo, uma crise de confiança! A prioridade é a de repor o primado da política e dar aos portugueses um novo horizonte de esperança. Para isso é preciso outra cultura de governo. Não aceitar, como tem feito o Primeiro-Ministro, que a agenda política seja comandada pela agenda mediática. Não nos resignarmos ao fatalismo. Combater a periferização cultural do País, o atraso ancestral, os atavismos, a iliteracia, a inveja, a mesquinhez. O governo não é um fim em si mesmo, é um instrumento para transformar a sociedade, para mudar Portugal, para criar mais justiça, mais igualdade, melhor democracia, para fazer crescer a economia e colocar Portugal de novo na vanguarda.
Nós não podemos ser apenas um país europeu quando se trata de receber fundos. Temos de ser politicamente, pela atitude, pelo espírito, pelo conhecimento, pela ciência, pela inovação e pela cultura, um país europeu de vanguarda, como fomos no passado, quando as naus portuguesas desbravavam os caminhos do mar.
Página 118
0118 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Partido Socialista disputou um Congresso que foi um exemplo de democracia interna. O Partido Socialista esteve unido na campanha eleitoral. O Partido Socialista e o seu grupo parlamentar, na sua pluralidade, estão unidos para cumprir o mandato que os portugueses nos conferiram.
Trata-se, agora, de mostrar que há uma diferença entre conservadores e socialistas. Trata-se de provar que é possível governar com soluções novas, preservando e reforçando a identidade do Partido Socialista. Trata-se de fazer diferente e melhor. É esse o compromisso de José Sócrates. É esse o compromisso de todo o Partido Socialista!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Membros do Governo: Discutimos, hoje, o Programa que o XVII Governo Constitucional que se propõe levar a cabo, durante os próximos quatro anos e meio, para Portugal.
Este documento fundamental, onde se encontram plasmadas as opções políticas e as prioridades que o novo Governo considerou determinantes do desenvolvimento futuro do nosso país, constitui necessariamente, mais do que uma mera declaração de compromisso, o bilhete de identidade da governação.
É ele, neste momento e por enquanto, o único documento escrito oficial produzido pelo Executivo, assumindo, assim, para o bem e para o mal, o papel de contrato social que se estabelece entre o povo, fonte do poder de soberania, e o Governo, democraticamente legitimado através do voto a exercer essa mesma soberania.
Assim, se faz todo o sentido que o Programa do Governo siga numa lógica de coerência o programa eleitoral com que o Partido Socialista concorreu às eleições, não deixa, por outro lado, de ser tremendamente confrangedor e preocupante que o mesmo documento, agora elevado à mais alta dignidade de declarações de intenções do poder executivo, se apresente tão generalista e vago acerca das suas intenções.
Não obstante fazer referência a um conjunto de princípios e valores importantes e que entendemos igualmente deverem estar presentes na condução política e na resolução dos problemas das portuguesas e dos portugueses, a verdade é que, da leitura deste Programa, ficamos sem conhecer, com excepção de umas poucas medidas pontuais e esparsas que por vezes emergem e se destacam do tom geral do discurso do Programa, as acções e as soluções concretas que permitirão ultrapassar os atrasos de que padecemos, as dificuldades que atravessamos, como corrigir desigualdades sociais e assimetrias regionais, pôr em prática o fundamental desenvolvimento sustentável, assegurar bens e serviços públicos fundamentais em condições de igualdade, como a educação e a saúde, vencer os desafios que presentemente se nos colocam.
Ficamos, em suma, sem saber, na prática, que políticas nos esperam. É que o Governo PS promete e, até, se compromete, mas não explica, na maior parte dos casos, que caminhos vai trilhar para lá chegar. Porque os fins nem sempre justificam os meios, e apesar das declarações e dos esclarecimentos adicionais prestados pelo Sr. Primeiro-Ministro hoje de manhã, importava ver clara e transparentemente assumidas e plasmadas neste Programa do Governo, na senda da transparência que o próprio Programa defende, preto no branco, essas mesmas soluções concretas para os problemas concretos que afligem os portugueses.
Existem, de facto, ausências graves e significativas neste Programa do Governo. A gravíssima seca que assola, neste momento, a totalidade do território de Portugal Continental, quando ainda estamos a três meses do Verão, é uma dessas graves ausências.
Esta seca, que está, neste momento, a afectar não só a agricultura, a pecuária e, por meio destas, toda a economia e o próprio consumo humano, só aparece reflectida no Programa do Governo pela aridez que o mesmo demonstra em medidas concretas que não são apontadas, opções que não são claramente assumidas ou domínios que são literalmente postos à margem ou completamente esquecidos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Este facto é tão mais grave quanto é hoje absolutamente incontornável a questão do aquecimento global do planeta e suas consequentes alterações climáticas - cujos efeitos se fazem sentir, neste preciso momento, no nosso país -, provocadas, principal e directamente, pelos gases com efeito de estufa, e que já foi considerado o maior desafio que a Humanidade terá de enfrentar neste século.
Porque estas questões não podem ser dissociadas, a seca agravará, certamente, a catástrofe dos fogos, antecipando a época dos mesmos, continuando a destruição da nossa floresta a um ritmo muito superior à sua capacidade de regeneração, aumentando, assim, as emissões de carbono na atmosfera e reduzindo a capacidade do nosso "pulmão" florestal para absorver estas mesmas emissões.
Infelizmente para o Governo, este grave problema que levou à assinatura do Protocolo de Quioto, recentemente entrado em vigor e que nos impõe limites de emissões que estamos cada vez mais longe de conseguir cumprir, não merece mais do que breves referências passageiras neste Programa, não constituindo, aparentemente, como no entender de Os Verdes deveria constituir, um objectivo central e um desígnio
Página 119
0119 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
nacional, com uma forte aposta no combate às emissões de poluentes para a atmosfera, as quais são, para além do mais, causa directa da redução da qualidade de vida e dos níveis de saúde da nossa população, estimando-se que, por ano, morram, no nosso país, cerca de 4000 pessoas prematuramente por causas ambientais.
Os Verdes vêem ainda com grande preocupação o facto de nem uma só palavra constar do Programa relativamente à problemática do cultivo para fins agrícolas e comerciais de organismos geneticamente modificados (OGM). Se durante a campanha eleitoral Os Verdes sempre criticaram o PS por não definir a sua posição acerca deste tema, não devemos agora deixar de nos congratular com o reconhecimento feito hoje pelo Sr. Primeiro-Ministro de que, nesta matéria, deve presidir o princípio da precaução.
No entanto, que fique claro que, para Os Verdes, o princípio da precaução de que falamos, bem como a defesa dos consumidores, a salvaguarda da segurança alimentar e a protecção das espécies agrícolas locais e tradicionais, não se basta com a rotulagem ou com o rastreio. Com efeito, face ao estado actual de conhecimentos científicos, que não permite com segurança garantir a inocuidade do plantio e do consumo dos OGM por pessoas e animais, é fundamental que se aprove, desde já, uma moratória que proíba o seu cultivo antes de ser regulada a co-existência entre culturas de OGM e culturas convencionais ou biológicas, porque a precaução aconselha a não implementar o cultivo dos OGM nos nossos campos.
O princípio de precaução não se cumpre se, ao arrepio de alertas lançados por cientistas, ambientalistas e agricultores de todo o mundo, esta maioria parlamentar fizer dos campos portugueses tubos de ensaio e dos consumidores cobaias, que serão depois sujeitos a rastreio.
Seria, de facto, fundamental que esta questão encontrasse resposta no documento que hoje discutimos, o que infelizmente, mais uma vez, não acontece. Aliás, toda a questão da segurança alimentar parece, singelamente, reduzida ao reforço da Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar, constituída apenas há cerca de dois meses. Parece-nos francamente insuficiente!!
Por outro lado, preocupam-nos também algumas das grandes opções profundamente erradas, em nosso entender, para que este Governo parece desde já apontar, não assumindo o necessário afastamento das políticas anteriores e a mudança pedida pelos portugueses nas últimas eleições.
Desde logo, em áreas como a saúde, "resujeitando" os hospitais a uma lógica empresarial, condicionado a prestação de cuidados de saúde a critérios economicistas puros e duros. Mas também na educação, assumindo, desde já, a mais que provável subida de propinas no chamado segundo ciclo do Processo de Bolonha, contribuindo, assim, para a elitização do ensino superior.
Na área laboral destacamos a intenção de generalizar o trabalho a tempo parcial ou de aumentar as idades de reforma quer no sector privado quer no sector público, degradando, assim, francamente, o quadro laboral existente.
Também no que toca às políticas da água e recursos hídricos, que no actual contexto assumem cada vez mais relevo, o Programa revela que as grandes preocupações do Governo se centram não numa correcta e eficaz gestão deste bem fundamental à vida mas, antes, na sua entrega em concessão a grupos privados, desprezando totalmente o princípio da gestão pública de um bem que é de todos e não pode, jamais, ser tratado como uma mercadoria!
Não podemos, finalmente, deixar de referir que na área dos resíduos industrias perigosos este Governo volta a pôr a co-incineração no topo das suas prioridades, ressuscitando assim um real perigo sobre a saúde pública e manifestando um profundo desrespeito pela qualidade de vida e pelas justas reivindicações das populações directamente afectadas. Na nossa óptica seria desejável que o Governo se concentrasse em resolver o problema de 99% dos resíduos industriais perigosos, que têm comprovadamente alternativas ambientalmente mais sustentáveis de reciclagem e inertização, antes de pensar na queima de apenas 1% desses mesmos resíduos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O contexto em que o XVII Governo Constitucional foi formado, na sequência de eleições antecipadas em que os portugueses prestaram vivamente um profundo desejo de mudança das políticas que nos têm governado, deve, no entender do Partido Ecologista Os Verdes, servir de reflexão a todos. Pela nossa parte, tudo faremos para que o ambiente e o desenvolvimento sustentável sejam mais do que um mero capítulo de um programa e assumam um lugar central na vida política portuguesa, como o garante do futuro e da própria vida no nossa planeta.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
O Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Mariano Gago): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Do que produz, Portugal investe em ciência e tecnologia menos de metade do que um país europeu médio. Em proporção da população activa, precisamos de uma vez e meia mais de pessoas a trabalhar em ciência para dispormos das capacidades médias europeias. Não pode haver crescimento sustentado nestas condições!
Página 120
0120 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Vencer o atraso científico e tecnológico do País, formar e qualificar, inovar, são, pois, prioridades absolutas deste Programa do Governo.
Chamamos abreviadamente a esta prioridade Plano Tecnológico, um programa ambicioso e exigente para o nosso desenvolvimento tecnológico e científico, para o progresso na educação, na formação e na inovação.
Não falamos apenas da ciência que se faz nos laboratórios e nas Universidades ou da tecnologia que se desenvolve e adapta nas empresas inovadoras. Falamos também da cultura científica de todos nós e dos que hoje frequentam a escola. Defendemos a ciência e a tecnologia como condição de progresso económico, mas também de progresso cultural e social, como instrumento de crescimento, mas também como base para uma cultura de verdade e de avaliação, de abertura internacional, como pilar do pensamento crítico e livre e da vida democrática.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Três eixos de acção sustentam este Plano: formar e qualificar, generalizar o uso das tecnologias de informação e comunicação na vida económica e social imprimindo um novo impulso à inovação e vencer o atraso científico e tecnológico.
O desenvolvimento começa na qualificação das pessoas, no estudo e na aprendizagem.
Por isso, este Programa aponta como metas a redução para metade do insucesso escolar nos ensinos básico e secundário, a duplicação dos jovens em cursos tecnológicos e profissionais de nível secundário e a generalização de escolhas curriculares apropriadas, designadamente de natureza técnica e vocacional, para além da obrigatoriedade de formação profissional ou de frequência escolar até aos 18 anos, do aumento de diplomados e formações avançadas do ensino superior. A obrigatoriedade, finalmente, do ensino experimental das ciências e a diversificação de oportunidades de formação, com ênfase na valorização de aprendizagens práticas e na aquisição de competências técnicas, são metas do nosso Programa.
Aplausos do PS.
Por isso ainda, queremos que o ensino superior qualifique as novas gerações para as exigências do espaço europeu.
Para nós, o Processo de Bolonha é uma oportunidade de diversificação e de autonomia responsável de Universidades e Politécnicos, não de uniformização, muito menos de centralismo burocrático. A questão central é a comparabilidade de formações diferentes para efeitos de reconhecimento internacional e de mobilidade e a melhoria efectiva da qualidade das formações.
O papel regulador e avaliador do Estado será reforçado a par da autonomia das instituições. Mas sejamos claros, Srs. Deputados: no actual quadro internacional é imperativo que todo o nosso sistema de ensino superior, público e privado, universitário e politécnico, seja avaliado internacionalmente de forma independente, transparente e exigente, à luz de padrões internacionais, de modo a ser possível a reorganização necessária da rede actual à luz dos desafios do futuro. Iniciaremos de imediato a preparação deste processo de avaliação internacional do nosso sistema de ensino superior.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - A generalização do acesso à Internet e às tecnologias de informação e comunicação é também um elemento crítico desta proposta do Governo para o desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Por isso, se aponta para a generalização do uso efectivo das tecnologias de informação em toda a sociedade, nas actividades educativas, assim como na administração e nas empresas ou na saúde. Isto implica, obviamente, uma maior liberalização das comunicações, o desenvolvimento de capacidade de investigação e formação em domínios emergentes, a exploração de produtos e serviços novos, o combate à "infoexclusão".
Contudo, o desenvolvimento de redes sociais e económicas mais exigentes requer uma generalização da apropriação social das tecnologias de informação e comunicação e não é possível sem uma intensa mobilização social neste domínio.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Urge que Portugal, que foi pioneiro em vários destas matérias, como a Via Verde e o uso integrado de sistemas multibanco, recupere atrasos recentes.
Aplausos do PS.
A este respeito, o Governo reafirma a necessidade de uma partilha alargada de objectivos nacionais e de uma convergência estratégica de objectivos de interesse público entre o sector público e o sector privado. A
Página 121
0121 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
criação de um fórum permanente para a sociedade da informação, como organismo de consulta do Estado é uma das iniciativas a que nos propomos.
O desenvolvimento de recursos computacionais de tratamento da língua portuguesa, o estímulo de tecnologias de informação para deficientes e outras pessoas com necessidades especiais são ainda algumas das prioridades que gostara aqui de sublinhar do Programa do Governo.
Gostaria também de deixar claro que nos pronunciamos contra as iniciativas em curso que visam alterar as actuais regras de Direito Europeu, introduzindo patentes de software, contra os próprios interesses da inovação tecnológica neste sector.
Aplausos do PS.
Essas iniciativas, na sua formulação actual, são contra o interesse europeu e contra o interesse nacional. A serem aprovadas na versão actual, poderiam restringir consideravelmente a capacidade de inovação de muitas empresas e o progresso de toda a investigação nesta área.
Também nos pronunciamos claramente em defesa da crescente utilização de sistemas operativos não proprietários, sempre que apropriado e possível, designadamente em serviços públicos, e estimularemos a sua generalização e a formação que for adequada para atingir esse objectivo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Na última metade da década de 90 duplicou, em Portugal, o número de empresas com actividades próprias de investigação e desenvolvimento (I&D). Estas empresas já não competem internacionalmente com base em salários baixos, mas com recursos humanos qualificados, investigação e inovação, marketing, design, formação e qualidade, cooperando sempre com instituições científicas. A nossa aposta é tornar possível que este modelo emergente mas ainda minoritário, este novo Portugal inovador se torne progressivamente o modelo dominante.
Para tanto, o Programa do Governo indica que serão reorientados os incentivos financeiros às empresas, promovendo designadamente o crescimento de empresas de base tecnológica em mercados emergentes, será reposto um sistema de incentivos fiscais à investigação e desenvolvimento empresarial e será estimulada a valorização económica dos resultados da investigação científica.
Reconhecemos quanto o progresso científico dos países é garante de uma cultura de pensamento crítico e livre, de inovação, de avaliação e de qualidade em todos os sectores da vida nacional. A nossa meta é procurar duplicar a capacidade científica e tecnológica do País.
O rápido desenvolvimento científico do País é hoje condição absolutamente necessária para toda a nossa estratégia de desenvolvimento económico e social. Por isso, o Programa do Governo assume, neste único ponto, compromissos orçamentais firmes. Assim, a despesa pública em I&D deverá crescer até atingir a meta europeia de 1 % do PIB até ao final desta Legislatura.
Aplausos do PS.
Em particular, duplicará o investimento público em I&D neste período.
Isto significa, Sr.as e Srs. Deputados, que assumimos as nossas responsabilidades e não nos desculpamos com a necessidade inegável e imperiosa de crescimento da inovação empresarial para nada fazermos em matéria de reorientação da despesa pública e de investimento público em investigação e desenvolvimento.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sabemos como o esforço público em ciência e tecnologia foi em todos os países desenvolvidos essencial para potenciar as condições do investimento privado em inovação e em investigação e desenvolvimento, e assumimos essa responsabilidade com um enorme sentido de urgência.
Tudo faremos para potenciar o investimento privado em inovação e o nosso Programa equaciona e anuncia muitas das medidas nesse sentido. Mas gostaria de repetir e de sublinhar que a reposição de um sistema de incentivos fiscais à investigação pelas empresas competitivo internacionalmente e com absoluta garantia de continuidade a longo prazo - não se pode brincar com investimentos nesta área! - é um dos nossos principais compromissos.
Entendemos ainda que a competitividade do País não pode estar condicionada por atitudes restritivas não justificadas face à inovação e à investigação. Sublinhamos que a responsabilidade social dos cientistas requer, hoje, relações cada vez mais exigentes de confiança com a sociedade e que, em muitos domínios, o Estado é chamado a intervir como regulador atento e ponderado. Mas recusamos liminarmente enveredar pela demagogia proibicionista contra as melhores práticas internacionais. Em particular, não vemos qualquer razão para proibir a investigação com células estaminais para fins terapêuticos, tal o seu potencial benefício para a saúde humana.
Página 122
0122 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Aplausos do PS.
Esta aposta no desenvolvimento científico vai a par com uma exigência acrescida na qualidade do trabalho dos cientistas e das suas instituições. Serão reforçadas as condições de independência e de transparência da avaliação científica internacional de instituições, projectos, carreiras individuais. Deverá crescer a produtividade científica internacionalmente reconhecida, como é imperativo que se multipliquem, nas áreas relevantes, as patentes registadas, a capacidade de transferência do saber para o tecido económico, a relevância dos contributos para o sucesso de outras políticas públicas.
Clarificaremos as missões dos Laboratórios do Estado e garantiremos a sua autonomia no quadro da respectiva reforma e rejuvenescimento, assim como estabeleceremos contratos de serviço público com a rede de Laboratórios Associados. É hoje especialmente prioritário organizar capacidades científicas e técnicas para a prevenção de grandes riscos públicos. O País está desprotegido nesta matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O conhecimento científico e a capacidade técnica devem também proteger as pessoas, antecipar riscos e catástrofes, salvar vidas quando possível e ajudar sempre a tomar as decisões mais certas.
Aplausos do PS.
Sr.as e Srs. Deputados, o Programa do Governo tem ainda como prioridade o desenvolvimento da cultura científica e tecnológica da população e o indispensável reforço das condições de trabalho e da independência da agência para a cultura científica e tecnológica, Agência Ciência Viva, cuja contribuição para o País, como instituição não governamental de excelência internacional, capaz de mobilizar o esforço generoso de cientistas, professores e alunos, de autarquias e de empresas e de tantos cidadãos empenhados, importa especialmente hoje saudar, assim como a sua coragem e espírito de resistência. Trata-se de um capital precioso que importa ajudar a desenvolver.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O progresso do País exigia a coragem política de um plano de desenvolvimento exigente baseado na confiança nas nossas próprias capacidades. Mas que não haja qualquer ilusão, pois este Plano não se baseia em facilidades, mas em rigor, não promete resultados imediatos e sem esforço, não tolera a mediocridade ou a complacência e adopta, para Portugal, a exigência de um rumo: estudar mais, saber mais, cooperar mais, saber fazer melhor!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados que o Sr. Ministro vai responder no final de cada bloco de três perguntas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, também eu manifesto uma particular felicitação, visto que esta é a primeira vez que uso da palavra nesta Legislatura.
Felicito, portanto, o Sr. Presidente, bem como todos os Srs. Deputados, assim como o Sr. Primeiro-Ministro e todo o Governo, desejando-vos os maiores sucessos para o trabalho que têm pela frente.
Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, cumprimento-o também e vou colocar-lhe algumas questões.
Dando nota que li o Programa do Governo no que diz respeito às áreas que tutela e tendo ouvido, com toda a atenção, a sua intervenção, fico com dúvidas, se tivesse de qualificar o referido Programa e aquela intervenção, entre, por um lado, dizer que é uma imensa incógnita ou, por outro, afirmar que pretende ser um panfleto. Fico entre estas duas realidades. E porquê?
Em primeiro lugar, digo que é uma incógnita porque, de facto, este já não é um programa eleitoral e, portanto, era interessante que todos nesta Câmara e também os portugueses percebêssemos como se vai atingir os grandes objectivos que são delineados. É que já não chega apontar metas, estratosféricas, diria, grandes objectivos eloquentes mas que não são concretizados na prática. Gostaríamos de saber, repito, como se vão atingir esses objectivos.
Por exemplo, em matéria de investigação e desenvolvimento, VV. Ex.as assumem o compromisso - calculo que seja um compromisso - de que triplicará o financiamento privado. Como é que isso vai ser conseguido? É através de um regime de incentivos fiscais?
Prometem também duplicar o financiamento público, objectivo notável a que me associo. Como se
Página 123
0123 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
consegue? É que gostava de perceber onde é que vão cortar na despesa pública e onde vão aumentar as receitas.
Para poder retirar o que acabei de dizer, proponho ao Sr. Ministro que, juntando a sua voz à do Ministro das Finanças, também V. Ex.ª contrarie o Sr. Primeiro-Ministro, assumindo como inevitável o aumento dos impostos. Se o fizer, tanto eu próprio como os portugueses começaremos a perceber como vai ser possível atingir aqueles objectivos.
Por outro lado, penso que há matérias manifestamente difíceis de perceber, razão pela qual chamo "panfletária" a esta área do Programa, com todo o respeito e consideração.
Quando se aponta para a criação de 200 novas empresas de base tecnológica, é o Estado que vai criá-las? Porquê 200 e não 190 ou 210?
É dito que vai haver um programa que disponibilize jovens quadros para as PME, é dito que se vai colocar um curso de MBA português entre os 100 primeiros. Como é que isto é feito? É importante percebermos o que vai ser feito para atingir estes objectivos. O mesmo se diga em relação aos 1000 lugares na Administração Pública. Por que não 900 ou 1100? Em que base se sustenta o Governo para prometer isto?
Por outro lado, ainda em matéria de ciência - e assim termino -, deixo uma sugestão ao Sr. Ministro no sentido de fazer um esforço, já que todos precisamos de transparência e de credibilidade internacional, para que, desta vez, não se cometam os erros que foram cometidos noutros momentos. É que, como V. Ex.ª se recordará, uma auditoria da Comissão Europeia bem nos "puxou as orelhas" devido à discricionariedade com que foram aplicados os fundos comunitários para financiamento da área científica. Portanto, espero que tal não volte a repetir-se.
Por outro lado, também uma enorme incógnita no que diz respeito ao ensino superior. Todos esperávamos um pouco mais da sua intervenção no que diz respeito a esta matéria evidentemente fundamental para o futuro do nosso país.
Como vai ser financiado o segundo ciclo do ensino superior no âmbito do Processo de Bolonha? Uma vez que o Programa do Governo consegue contradizer-se em poucas linhas, era interessante os portugueses perceberem. O que vai fazer o Governo no que diz respeito à lei de autonomia financeira das universidades, no que diz respeito ao estatuto da carreira docente, no que diz respeito à profunda reforma que consideramos fundamental que seja feita na Lei de Bases do Sistema Educativo? O Governo vai ou não apresentar uma iniciativa legislativa sobre esta matéria?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.
O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, permita-me que o cumprimente nesta minha primeira intervenção na X Legislatura.
Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Portugal e a Europa enfrentam hoje um desafio crucial. Esse desafio é o de saber como podemos conciliar, por um lado, a necessidade de termos elevados padrões de competitividade económica e de, ao mesmo tempo, salvaguardar algo que é o nosso património fundamental, isto é, o nosso modelo económico e social. Neste domínio, os governos do Partido Socialista deram contributos muito importantes.
Fomos nós que colocámos o emprego na primeira linha da agenda europeia. Fomos nós que lançámos as bases fundamentais da Estratégia de Lisboa. Fomos nós - e o Sr. Ministro teve nisso um papel fundamental - que lançámos os alicerces para o desenvolvimento sustentado da sociedade da informação no território português.
Em consequência de uma conjuntura internacional menos favorável, mas também da falta de visão e de empenho de muitos governos, com o anterior governo português à cabeça, na sua cegueira de confusão entre instrumentos e objectivos de desenvolvimento, a verdade é que ficaram por cumprir muitos dos compromissos e das metas da Estratégia de Lisboa.
A área do Programa que o Sr. Ministro, hoje, aqui apresenta contém uma resposta corajosa, ousada, para inverter a dinâmica perdedora da Estratégia de Lisboa. Quero mesmo dizer-lhe que, após três anos de passividade defensiva, Portugal está de novo na linha da frente para renegociar a Estratégia de Lisboa.
O nosso plano tecnológico é uma matriz coerente e articulada de medidas concretas para requalificar as pessoas, as instituições, os territórios, mas, sobretudo, para transformar isto em riqueza. É que é a riqueza que gera crescimento e é este que permite a sustentabilidade das políticas sociais e também a sustentabilidade das contas públicas.
Muitas são as medidas que propomos. O fomento do empreendedorismo, o capital de risco, o apoio à criação de empresas de base tecnológica, o acesso de todo o território à banda larga, são algumas medidas emblemáticas.
Ontem, o ECOFIN, amanhã, o Conselho Europeu do Luxemburgo vão discutir um contexto de flexibilização do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Aí, caberá a cada Estado-membro demonstrar a pertinência das despesas que vão ser objecto de discriminação positiva.
Página 124
0124 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O problema das contas públicas em Portugal, todos o conhecem, é estrutural. Por isso, a solução tem de ser encontrada através de políticas estruturais que tenham impacto concreto na economia real. É esse, Sr. Ministro, o caso deste conjunto de políticas que está incluído no plano tecnológico.
Assim, gostava de deixar-lhe duas perguntas.
Em primeiro lugar, que vantagens poderá Portugal retirar do facto de o investimento fundamental na mudança do nosso padrão tecnológico e competitivo poder ter um tratamento diferenciado em sede de análise das contas públicas?
Em segundo lugar, pergunto-lhe, Sr. Ministro, se espera e se deseja que o aproveitamento desta oportunidade possa merecer, como julgo que deve, um amplo consenso nacional, da sociedade civil, do tecido económico mas também dos actores sociais mais relevantes, nomeadamente os partidos políticos representados nesta Câmara.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr. Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, gostaria de começar por reconhecer que se apresenta aqui como responsável único de todos os níveis do sistema educativo, do pré-escolar ao ensino superior e, também, à ciência e à investigação. Por isso, naturalmente, será apenas o Sr. Ministro a usar da palavra e não a Sr.ª Ministra da Educação!
Risos do PCP.
Entendemos o recado e, sendo essa a sua postura, é importante que o Sr. Ministro não fique só pela ciência mas dê-nos algumas outras explicações cruciais.
Gostaria de dizer que, num plano tecnológico tão irrealista, diria mesmo pictoricamente irrealista, como o apresentado quer no Programa do Governo quer, antes, no programa eleitoral, seria pelo menos desejável, Sr. Ministro - e estou convicta que o Sr. Ministro é atento a estas matérias, como investigador, como professor-, ao menos uma palavra sobre os recursos humanos na área da ciência e tecnologia. Mas não. O Sr. Ministro apresentou um total silêncio sobre essa matéria.
Então, não lhe causa incómodo que os recursos humanos na área da ciência e da tecnologia estejam depauperados como estão? Não lhe causa incómodo que 8000 bolseiros, vivendo miseravelmente à custa de uma bolsa que o governo do PSD/CDS-PP pagava quando lhe apetecia, não mereçam da sua parte uma palavra, na sua qualidade de investigador, professor e, hoje, Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior? Então, o que vai acontecer aos 8000 bolseiros? O Sr. Ministro fala em 1000 novos postos de trabalho na Administração Pública, pelo que os restantes 7000 deverão ficar à espera de melhores dias…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Ministro, a questão dos recursos humanos é crucial. Não se pode vir com ideias tão vagas, tão cheias de belas intenções, retirando o que é fundamental. A ciência não vive sem recursos humanos.
Então, e as instalações depauperadas, para não dizer degradadas, de todos os laboratórios do Estado? Como é possível? O Sr. Ministro sabe o que se passa nos laboratórios do Estado, sabe o que se passa nos institutos, depois daquela célebre decisão do governo PSD/CDS-PP de retirar-lhes autonomia administrativa e financeira. Sabe em que condições trabalham. Sabe que, muitas vezes, não há notícias meteorológicas porque não há dinheiro. O Sr. Ministro sabe que os técnicos não saem do gabinete porque não há dinheiro para trabalharem.
Sobre isto, Sr. Ministro, sobre as pouco dignas condições de trabalho dos investigadores e dos técnicos da área de ciência e tecnologia nos laboratórios do Estado e nos laboratórios associados, silêncio! Nem uma palavra!
E relativamente ao ensino superior, Sr. Ministro? Então, o Sr. Ministro - vem no Programa do Governo - não nos diz, por exemplo, por que "carga de água" três anos mais não sei quantos?! Então, o Sr. Ministro não vem aqui confirmar que o Programa do Governo diz com toda a clareza que o Processo de Bolonha não é por si só, mas é também, uma diminuição da qualificação, uma diminuição do financiamento do ensino superior?! O Sr. Ministro deveria explicar isto. Está lá escrita, no texto do Programa do Governo, a expressão "por si só", o que significa que o Processo de Bolonha é uma aposta na desqualificação dos portugueses. Então, como é que se pode apostar na qualificação e, simultaneamente, na desqualificação do ensino superior?
Por exemplo, como é que é compatível a ausência de medidas de combate ao insucesso e ao abandono escolares, também no ensino superior, com o aumento das propinas, com o silêncio total sobre a acção social escolar? Isto, quando o Sr. Ministro sabe tão bem quanto nós que o problema do País não é de diplomação a mais, é de diplomação a menos, em todos os níveis e também na área da ciência e da tecnologia.
Página 125
0125 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, queira concluir.
A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, agora que tem hipótese de responder, comunicando-nos um conjunto de medidas concretas, naturalmente em articulação com a Sr.ª Ministra do outro sector, diga-nos alguma coisa de concreto que possa tranquilizar os portugueses quanto ao que é a qualificação e o desenvolvimento do País.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para responder, em conjunto, aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, para o que dispõe de um máximo de 5 minutos.
O Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, fiquei um pouco perplexo com o facto de que a apresentação sintética, mas espero que clara, de alguns aspectos do Programa do Governo - evidentemente, não vim para aqui lê-lo - seja para si um panfleto.
Perguntou-me como se vai fazer para passar de 0,6% para 1% do PIB em matéria de investimento público em I&D. Respondo-lhe: fazendo, Sr. Deputado!
O grande problema que devia preocupá-lo, que é e sempre foi o problema crítico nesta matéria, em países com o estádio de desenvolvimento como o de Portugal, são as pessoas. Isto é, o que pode limitar o desenvolvimento científico em qualquer país como Portugal, se a prioridade política, financeira e orçamental estiver orientada nesse sentido, são os recursos humanos, é a capacidade de gerar os recursos humanos necessários.
Felizmente, nos últimos 20 anos, Portugal deu um enorme salto nesta matéria. Estamos ainda muito aquém do que deveríamos estar mas, felizmente, hoje, a comunidade científica portuguesa, em todos os domínios, desde as ciências das engenharias às ciências sociais e humanas, passando pelas tecnologias, etc., não tem medida comum em relação ao que era no 25 de Abril - felizmente! - e é uma comunidade científica internacionalizada. A capacidade de gerar novos conhecimentos e novas formações em todas as áreas da ciência e da tecnologia, hoje, começa a existir em Portugal, quando, há 15 anos atrás, para a esmagadora maioria dos domínios em que Portugal carecia dela, essa capacidade tinha de ir buscar-se lá fora. Portanto - e não vale a pena fazer aqui as contas -, neste momento, com base nos recursos humanos, no seu crescimento e na captação dos mesmos, tal crescimento é possível, não é irrealista.
Pergunta-me como se pode aumentar o investimento privado.
As formas de crescimento do investimento privado em I&D são muito diversas consoante as estruturas económicas e, aqui, não é uma decisão do Governo. O Governo não pode decidir que vai crescer o investimento privado em I&D e nós não caímos na asneira de crê-lo. Temos uma meta e tentaremos encontrar os diferentes instrumentos que contribuam para criar o clima económico e os incentivos para atingir essa meta.
Distinguimos com muita clareza, por um lado, os compromissos do Estado em matéria orçamental, que são compromissos firmes, das metas de crescimento da economia nesta matéria.
Mas temos alguns pontos de realismo, o principal dos quais é ver o que aconteceu na sociedade e na vida económica portuguesas, no período imediatamente anterior a este, de crescimento do desenvolvimento científico português. E o que aconteceu foi que a um crescimento do investimento público sucedeu um crescimento, sem precedentes, do investimento privado em I&D. O que significa que estão conseguidas, pelo menos numa primeira fase, as vias de penetração e de circulação de ideias, de produtos e de pessoas entre os dois sectores.
Estamos todos de acordo que há muito mais para fazer. Há muitos instrumentos, sendo que o primeiro deles tem a ver com os incentivos fiscais. Pessoalmente, sou muito mais favorável aos incentivos fiscais do que aos incentivos financeiros directos. Contudo, a ligação da política de investigação à política de investimento público, nesta matéria, designadamente quando esse investimento de interesse público é assegurado por privados, é absolutamente essencial. É completamente diferente fazer grandes obras ou grandes investimentos em Portugal, designadamente de engenharia e de consultoria, criando emprego qualificado, ou, pura e simplesmente, comprando tudo "de chaves na mão".
Além disso, Sr. Deputado, far-me-á a justiça de acreditar que conheço os números. Estamos, hoje, com 0,2% do PIB de investimento privado em investigação - precisamente nessa fase, é possível um crescimento mais acelerado. Se estivéssemos com 0,5% do PIB em investigação privada, apontaria como totalmente irrealista que, em quatro ou cinco anos, se multiplicasse por um factor 3.
Fico mais surpreendido com a sua pergunta - aliás, esta resposta é também para a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, mas responder-lhe-ei mais directamente adiante - relativamente aos 1000 lugares de investigação na Administração Pública. Estamos a falar de um aumento excepcional de quadros públicos na investigação, quer nas universidades, quer nos institutos públicos de investigação; estamos a falar de um quadro de mobilidade que corrige algumas das deficiências até agora registadas, de quadros extraordinariamente rígidos, que não permitiam às pessoas ter mobilidade entre sectores e entre carreiras. Ora, foi precisamente isso que
Página 126
0126 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
faltou nos últimos anos…
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que conclua.
O Orador: - Sr. Presidente, serei tão breve quanto possível, mas peço-lhe licença para responder ainda a uma afirmação, que não posso deixar passar em branco, do Sr. Deputado Pedro Duarte, quando referiu "não se cometam os erros do passado". Sr. Deputado, devolvo-lhe essa afirmação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aquilo que se passou nos últimos três anos em termos de mudança de regras com a Comissão Europeia, que aceitou novas regras, ao arrepio de toda a negociação do actual Quadro Comunitário de Apoio, e consequentemente tornou quase impossível o financiamento, com as regras actuais, das actividades de investigação e desenvolvimento, mostra que quem o fez não sabe o que é financiar a investigação e desenvolvimento.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Deputada Luísa Mesquita também me surpreendeu. Tenho por si uma enorme admiração pelo entusiasmo e interesse…
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que tenha em atenção o tempo e que conclua.
O Orador: - Concluirei, Sr. Presidente.
Precisamente por saber como estão degradadas algumas das instalações, como são más as condições de muitos dos laboratórios e por saber que o Processo de Bolonha não aposta na desqualificação - e não é essa a nossa interpretação do Processo de Bolonha - mas na qualificação para o espaço europeu, a Sr.ª Deputada não vai dizer que é vago eu ter aqui anunciado que, para qualificar internacionalmente os jovens portugueses que saem do ensino superior, procederei à avaliação internacional do sistema de ensino superior português. Não vai admitir que o facto de o Programa do Governo dedicar uma larga parte aos recursos humanos em ciência e tecnologia e ao seu crescimento e de haver compromissos firmes em matéria de emprego público e de crescimento do emprego privado nesta área é não falar do assunto, Sr. Deputada.
Gostaria de terminar, respondendo ao Sr. Deputado Carlos Zorrinho que é com base num enorme consenso nacional e espero que com grande consenso nesta Câmara que o desenvolvimento científico e tecnológico português será possível.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, não está fácil, hoje, neste debate do Programa do Governo, obter resposta por parte do Governo às perguntas feitas por esta bancada. Por isso, vou tentar fazê-lo de maneira diferente, Sr. Ministro.
Assim, se não quiser responder ao CDS-PP, peço-lhe que responda às associações académicas e às associações de estudantes portuguesas, dizendo-nos se está em condições de confirmar aquilo que nos parece estar escrito no Programa do Governo, a saber, que vai terminar a paridade entre os discentes e os docentes nos órgãos deliberativos do ensino superior, em Portugal. O Sr. Ministro está ou não em condições de confirmar que o Partido Socialista vai fazer isso? É que não tínhamos expectativas de encontrar no Programa do Governo aquelas que são as ideias do CDS-PP, mas, em relação a algumas que foram já do Partido Socialista, queremos saber se as abandonaram ou não.
A segunda pergunta tem a ver com o seguinte: o programa para o ensino superior não mostra, antes oculta, medidas. Avança-se com a revisão da lei da autonomia universitária, de modo a permitir novos modelos de gestão. Mas que modelos? A pergunta não é minha, é do, à época, Deputado Augusto Santos Silva - agora, Ministro e seu colega - que fez esta pergunta exactamente no debate do Programa do Governo anterior. Acontece que este Programa do Governo fala exactamente na flexibilização dos modelos de gestão, mas não diz flexibilização em que sentido, permitindo o quê e exigindo o quê. Portanto, Sr. Ministro, se pudesse responder ao Sr. Ministro Augusto Santos Silva, agradecíamos, porque, pelo caminho, também nós ficávamos esclarecidos.
A terceira pergunta tem relação com o seguinte: em tempo de crise, o número de trabalhadores-estudantes aumenta, o número de famílias carenciadas aumenta, o esforço financeiro para ter um filho a estudar aumenta. Perante tudo isto, o que pretende fazer para reforçar (reforçar e não apenas reestruturar) o sistema nacional de acção social? A pergunta também não é minha, é da, à época, Deputada Jamila Madeira - agora,
Página 127
0127 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Eurodeputada do Partido Socialista. Como vai o Sr. Ministro reforçar o sistema nacional de acção social, se, sobre isso, nada diz no Programa do Governo?
Sr. Ministro, agradeço, então, que dê estas respostas, respectivamente, aos estudantes portugueses, ao Sr. Ministro Augusto Santos Silva e à Sr.ª Eurodeputada Jamila Madeira, uma vez que é tão difícil para este Governo responder às questões do CDS-PP.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, antes de mais, quero cumprimentá-lo e regozijar-me com dois aspectos da sua intervenção.
Por um lado, o anúncio aqui feito da investigação com células estaminais para fins terapêuticos; por outro lado, a vontade de generalizar o software livre à Administração Pública. São duas dimensões que apoiamos, em relação às quais já tínhamos apresentado aqui projectos de lei e com as quais, obviamente, temos de congratular-nos, em particular com a primeira, que quebra a hipocrisia da direita moralista e conservadora, sendo que a segunda pode introduzir na Administração Pública - e, já agora, pergunto-lhe para quando está prevista a efectivação dessa medida - dinâmicas de inovação e uma nova visão sobre aquilo que é o trabalho colectivo na disseminação e na produção da tecnologia.
Quero também questioná-lo, Sr. Ministro, agora sim, sobre duas perplexidades que me causou a leitura do Programa do Governo: uma ausência estranha e uma ambiguidade preocupante.
A ausência prende-se com o facto de não haver qualquer referência à situação de enorme precariedade em que vivem hoje docentes do ensino superior, quer docentes universitários, quer docentes do politécnico, quer investigadores. Vai ou não este Governo garantir, finalmente, o subsídio de desemprego aos docentes do ensino superior? Vai ou não este Governo rever o estatuto da carreira docente, no sentido de propiciar condições de estabilidade para a docência?
Uma outra questão que se prende com a ausência é esta: de facto, no que diz respeito ao Processo de Bolonha, corremos o risco de ter dois tipos de licenciaturas, a saber, uma do primeiro ciclo e outra que vai até ao segundo ciclo. Lembro o caso do ensino politécnico, em que temos o bacharelato, mas em que ninguém se fica pelo bacharelato, pois toda a gente quer concluir a licenciatura (é o valor social do título que está em causa, é o reconhecimento pelas empresas), e, para isso, é fundamental que o Estado garanta a gratuitidade também do segundo ciclo.
Depois, há obviamente a questão de uma Europa a duas velocidades. Porquê? Porque teremos certamente países em que os dois ciclos são financiados e outros em que só o primeiro ciclo é financiado. Ora, a fórmula que consta do Programa do Governo é extraordinariamente ambígua: "(…) o Estado assume a parte principal dos custos com a educação superior será, pois, progressivamente estendida ao segundo ciclo de estudos, embora com valores diferenciados das propinas a pagar pelos estudantes."
Actualmente, por um mestrado, sabe-se bem o que se paga: 2500 € ou 5000 €, dependendo das formações e das universidades. Queremos saber o que isto significa. Vão aumentar as propinas? Quanto é que vão aumentar?
É que, na verdade, Sr. Ministro, se queremos um ensino público massificado ao nível do ensino superior - e sei que é defensor de uma universidade que não seja de elites -, se queremos menos selectividade social para a universidade, se não somos (como não somos, de facto) um país de doutores (basta ver que apenas 9% da população activa tem um curso superior e que 47% dos jovens não estão a estudar, abandonando muitos deles precocemente o sistema de ensino), se queremos generalizar também a frequência do segundo ciclo, como compatibilizar essa vontade de não elitizar a universidade com esta fórmula ambígua que remete para um aumento das propinas?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, antes de mais, deixe-me saudá-lo.
Sr. Ministro, a minha pergunta é muito simples e breve. Tendo em consideração que temos assistido nos últimos anos a um aumento progressivo das propinas no ensino superior, afastando-nos, assim, progressivamente e cada vez mais, da meta constitucional prevista de um ensino tendencialmente gratuito, que esse facto contribui, já neste momento, para um aumento do abandono escolar no ensino superior, que o ensino constitui um direito individual e, simultaneamente, um factor de desenvolvimento e de aumento de produtividade de todo o País, que temos uma taxa vergonhosa de número de licenciados relativamente aos restantes países da OCDE e que o Sr. Ministro, em 2002, criticou publicamente o aumento de propinas aquando da apresentação da Lei do Financiamento do Ensino Superior, de Pedro Lynce, tendo em conta as
Página 128
0128 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
dúbias declarações do Programa apresentado, que, por um lado, refere um aumento das propinas a preços não constantes e, por outro, diz que a adesão ao Processo de Bolonha e a divisão em ciclos não implicará, só por si, a diminuição de financiamento, e tendo ainda em conta que o Processo de Bolonha e os seus objectivos de mobilidade não têm necessariamente implicações em termos da mudança do financiamento do ensino superior, gostava que o Sr. Ministro nos esclarecesse qual vai ser a política para o ensino superior, nomeadamente o que podem esperar os estudantes do ensino superior em termos de propinas, brevemente.
Vozes de Os Verdes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para encerrar este grupo de pedidos de esclarecimento, a que o Sr. Ministro responderá no fim com tolerância de tempo dado serem quatro Deputados a fazer perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Jacinto Serrão.
O Sr. Jacinto Serrão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, antes de mais, gostaria de desejar muito êxito ao Governo, a todo o Governo, porque o êxito do Governo será o êxito do País e dos portugueses.
Sr. Ministro Mariano Gago, quero felicitá-lo pela sua intervenção, que foi amplamente clarificadora e vai ao encontro daquilo que o Partido Socialista defendeu na campanha eleitoral. Vamos, portanto, estou certo, corresponder positivamente aos anseios da população e às expectativas em nós depositadas pelos eleitores portugueses nas últimas eleições.
Falemos do plano tecnológico. É evidente que este plano tem uma série de valências que dificilmente conseguiríamos explanar num debate desta natureza. No entanto, todos nós sabemos que o País é constituído por regiões, havendo nas diversas regiões um conjunto de andamentos em várias velocidades onde estas valências de aplicação do plano tecnológico podem ser implementadas.
A minha primeira pergunta, Sr. Ministro, é a seguinte: como é que V. Ex.ª pretende equacionar o plano tecnológico, tendo em conta as assimetrias regionais que o País enfrenta, e em que medida é que as regiões poderão participar de uma forma efectiva na aplicação do mesmo plano?
Uma outra questão tem a ver com o ensino superior. Todos nós sabemos que algumas universidades estão a atravessar uma série de dificuldades. São contingências naturais e próprias de determinadas especificidades que implicam uma série de situações que têm a ver com as universidades.
Essas contingências estão, por exemplo, relacionadas com a dimensão da própria universidade, o campus universitário que, em algumas universidades, praticamente não existe, como é o caso da Universidade da Madeira, a juventude das próprias universidades, a periferia das universidades em relação aos grandes centros de decisão e até mesmo a uma outra contingência com que se deparam determinadas universidades e que tem que ver com a ultraperiferia, como é o caso das universidades que estão nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.
Quero dizer-lhe que a Universidade da Madeira reúne todas estas dificuldades que acabei de enumerar, e tem estas dificuldades, repito, devido às contingências de ser uma universidade jovem e estar numa região insular, ou seja, num arquipélago como é a Madeira.
Por isso mesmo, a pergunta muito concreta é a seguinte: que apoios prevê o Sr. Ministro para estas universidades de maneira a que elas possam superar as dificuldades que enfrentam neste momento?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
O Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, fico um bocadinho surpreendido por dizer que não quero responder às perguntas ou que o Governo não quer responder às perguntas do PP. O mal não está nas perguntas, o problema é que me fez perguntas que estão estritamente respondidas no Programa do Governo.
No Programa do Governo diz-se expressamente: "E será concedida liberdade de organização às diferentes instituições sob reserva de um conjunto de regras comuns, entre as quais se contam a eleição dos seus dirigentes máximos, a existência de órgãos colegiais de deliberação (…)" - diz-se a "existência", não significa que são únicos - "(…) em que o número de representantes docentes não seja inferior à soma dos representantes docentes e funcionários". Bom, Sr. Deputado, suponho que não estará em desacordo…
Mas diz-se ainda no Programa o seguinte: "A intervenção de elementos externos às instituições na tomada de decisões de carácter estratégico, o reforço dos poderes dos órgãos executivos num caderno de responsabilização e a existência de órgãos pedagógicos com poderes próprios e representação paritária entre docentes e discentes".
Sr. Deputado, tem aqui claramente a resposta e este é o Programa do Governo, nesta matéria.
Também está no Programa do Governo que se melhorará a eficácia do sistema de acção social escolar, diminuindo a proporção dos gastos com funcionamento e aumentando a proporção dos gastos com apoio aos estudantes carenciados. O que aqui não está dito expressamente, mas eu digo-lhe, é que é minha intenção
Página 129
0129 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
procurar atrair muito mais novos públicos para as universidades e politécnicos, designadamente trabalhadores-estudantes.
Teremos, com certeza, ocasião de realizar num debate aprofundado e com tempo sobre o ensino superior nesta Câmara, discutindo esses detalhes, e o problema fundamental é saber como é que isso se consegue. Não é fácil atrair novos públicos para o ensino superior, não é fácil, repito, é preciso valorizar a relação entre o emprego, a cultura, a educação, ao nível das pessoas que abandonaram a educação, mas é preciso também flexibilizar regras, é preciso também que os alunos sejam vistos um a um e isso tem e implica responsabilidades.
Estou convencido que muitas instituições de ensino superior são hoje capazes de assumir essas responsabilidades; simplesmente, não é possível fazer isso num estado de relativa desorganização da rede de estabelecimentos e de cursos do ensino superior.
E, Srs. Deputados, sejamos absolutamente claros: eu julgava que o Processo de Bolonha era visto como uma oportunidade. Há, de facto, muitas leituras de um processo que é, essencialmente, um processo de créditos de mobilidade e sobre ele muitas políticas são possíveis, mas pensava que todos estaríamos de acordo que, em Portugal, nos últimos 15 anos, se assistiu a um fenómeno que, em termos internacionais, é um fenómeno de clara deriva no sentido irresponsável e anti-social de prolongamento de cursos que, para as mesmas formações, em toda a Europa, são mais curtos.
Era inevitável isso, porque, como já se analisou em 1993 e 1994, no Conselho Nacional de Educação, a separação absolutamente estanque entre universidades e politécnicos e a existência num sector apenas de bacharelato e noutro de licenciatura conduziria, inevitavelmente, a que todos os bacharelatos se convertessem, por obra e graça da passagem de três para quatro ou cinco anos, em licenciatura.
Mas, em termos de comparação internacional, o que é que verificamos para as mesmas formações, para o mesmo mercado de trabalho, para os mesmos anos de qualificação?
Verificamos que uma parte dessas formações têm, de facto, essa duração no mercado internacional europeu, mas outra parte não tem. Ou seja, no mercado único, face ao emprego de empresas estrangeiras em Portugal e empresas portuguesas no estrangeiro, os nossos diplomados do ensino superior estão neste momento a entrar no mercado de trabalho - isto em certas formações, não noutras - muito mais tarde, com prejuízo de recursos necessários para a totalidade do sistema do ensino superior, que estão a ser, pura e simplesmente, mal distribuídos.
Espero que toda a Câmara esteja de acordo que é absolutamente indispensável corrigir isto, repito, é absolutamente indispensável corrigir isto. Não aumenta nem melhora a qualidade do ensino superior manter, na comparação internacional, cursos artificialmente longos.
Por amor de Deus, não interessa fazer isso! E sejamos claros: isto só se faz se houver um grande consenso nesta matéria; se não houver, é obvio que não é possível fazê-lo. É evidente que qualquer coisa que mexe com a vida de tanta gente requer um consenso. Apelo a esta Câmara para que se construa esse consenso e eu farei o meu melhor para o conseguir criar.
Mas, sejamos claros, é indispensável que se vá nesse sentido, pois não é possível continuar orgulhosamente sós na Europa, tendo, neste momento, um grande grupo de formações que, em termos do mercado de trabalho internacional, são obtidos em todos os outros países por jovens que são tão inteligentes e tão cultos como os nossos em menos anos. Srs. Deputados, não é possível admitir isto!
Isto não é para reduzir o volume de financiamento para o ensino superior e o Programa do Governo di-lo claramente, é para reorganizar o financiamento que existe para o ensino superior e para melhorar a sua qualidade. Creio que esta deve ser uma ambição partilhada por todos nós e estou disponível para discutir este assunto, em detalhe, com as Sr.as e Srs. Deputados.
Foi colocada uma questão sobre as regiões e o plano tecnológico e gostaria de dizer o seguinte: hoje em dia, não é possível haver - e em Portugal já há experiências nesta matéria - desenvolvimento tecnológico e científico sem recursos locais e, em Portugal, esses recursos ainda são escassos. De facto, são muito mais importantes noutras regiões europeias, e esses recursos, que só estão disponíveis para o desenvolvimento científico se esse desenvolvimento científico for uma base local, não estão disponíveis para o desenvolvimento científico e tecnológicos sem ser numa base local. Refiro-me a recursos de empresas, recursos de autarquias e outros, que estão disponíveis quer em termos humanos, quer em termos materiais.
Uma outra questão que me foi colocada diz respeito às universidades em regiões ultraperiféricas e o que lhe digo é que o que se conseguiu no anterior Quadro Comunitário de Apoio em matéria de investigação e desenvolvimento para as regiões ultraperiféricas tem de ser possível também no próximo Quadro Comunitário de Apoio.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, Sr.as Ministras e Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Nas últimas eleições, o PS mereceu a confiança absoluta das portuguesas e dos
Página 130
0130 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
portugueses. Temos agora a responsabilidade absoluta de responder às expectativas e aos problemas do País.
Portugal vive, desde há três anos, uma das situações económicas e sociais mais difíceis da sua história democrática, mas, e ao contrário de algumas previsões, as portuguesas e os portugueses foram votar massivamente no passado dia 20 de Fevereiro. Deram um sinal claro de maturidade democrática, de capacidade de acreditar e de vontade de vencer.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - À confiança que recebemos devemos responder com o máximo empenhamento em fazer bem e às dificuldades que temos pela frente devemos responder com a ambição de termos todas e todos na linha da frente da nossa equipa.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A maioria absoluta do PS é a maioria que melhor pode servir Portugal e o Programa que hoje discutimos é prova disso mesmo.
Sabemos como todas as portuguesas e portugueses sabem e sentem que a situação do País, que o Governo tem de enfrentar, não é fácil, mas também sabermos que este Governo não se escudará nas dificuldades ou nas responsabilidades de quem governou nos últimos anos para deixar de fazer o melhor em cada momento.
O início desta legislatura marca um virar de página, a mudança que este Programa protagoniza e em que as portuguesas e os portugueses acreditaram é marcada por três palavras: igualdade, solidariedade e futuro. Estas mesmas três palavras são o primeiro sinal que este é um Governo que não se resigna e que não desiste.
Igualdade: este é um Governo que não se resigna à desigualdade entre mulheres e homens. Reconhecemos que evoluímos nos últimos 30 anos, mas um olhar atento e aprofundado da nossa sociedade torna evidente a persistência da desigualdade entre mulheres e homens em várias dimensões da vida profissional, privada e política.
É por isso que este Governo e esta maioria não desistem de realizar e ganhar um novo referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez que acabe de vez com uma lei inútil e injusta, que só tem servido para levar mulheres a tribunal. Já amanhã entregaremos a nossa proposta.
É por isso que este Governo e esta maioria não desistem do combate às desigualdades entre mulheres e homens no acesso ao mercado de trabalho, da promoção da igual valorização social da maternidade e da paternidade, desde logo na revisão do Código do Trabalho, e da aposta na conciliação entre a vida profissional e familiar, nomeadamente retomando a prioridade do aumento e consolidação de uma rede de apoios às famílias e introduzindo, no âmbito da concertação social, as questões relativas à partilha das tarefas familiares.
É por isso que este Governo se obriga à avaliação do impacto de género em todas as iniciativas legislativas de responsabilidade governamental.
É também por isso que acredito que é esta maioria que criará as condições decisivas para que a igualdade de género tenha maior visibilidade política e social e para que a intervenção política e cívica conte com cada vez mais mulheres. A presença de seis mulheres no Executivo é um sinal do que há ainda para fazer e a composição da bancada socialista e o Programa deste Governo traduzem o compromisso de como se faz a mudança.
Solidariedade: este é um Governo que não se resigna ao desemprego, à pobreza e à exclusão. Durante os últimos três anos a palavra solidariedade desapareceu do léxico político e da acção governativa. Com a maioria absoluta do PS, a solidariedade entre gerações é um objectivo e prioridade política; para o PS, um Portugal mais coeso e mais solidário é condição para um Portugal mais competitivo e mais desenvolvido.
Aplausos do PS.
É por isso que este Governo e esta maioria não desistem da promoção de mais e melhor emprego, assumindo como prioridade o duplo investimento da promoção da qualificação e da criação de emprego. É por isso que este Governo não se resigna à pobreza e assume um compromisso de criação de uma prestação extraordinária de combate à pobreza de idosos, garantindo que nenhum idoso tenha de viver com um rendimento mensal inferior a 300 euros. É por isso que este Governo e esta maioria não desistem do investimento social nas novas gerações, apostando no combate à redução dos atrasos e das desigualdades, nomeadamente investindo na obrigatoriedade da frequência de ensino ou formação profissional por todos os jovens até aos 18 anos, incluindo aqueles que já estejam a trabalhar.
Futuro: este é um Governo que não se resigna às dificuldades do presente e tem uma ambição clara para o futuro. Como disse o Primeiro-Ministro no discurso de tomada de posse do Executivo: "Este é um Governo com os olhos postos no futuro".
Página 131
0131 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
É por isso que este Governo e esta maioria não desistem de concretizar e cumprir o seu Programa. É por isso que este Governo e esta maioria não desistem de apostar e contribuir decisivamente para o Portugal do conhecimento, da inovação, da qualificação, da coesão e da participação de todos e todas no Portugal mais competitivo e desenvolvido.
Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Ministros: Contam com o apoio do Grupo Parlamentar Socialista para, com solidariedade, iniciativa e exigência, empreendermos com sucesso o que nos move verdadeiramente na política e, neste momento decisivo para os desafios que as portuguesas e os portugueses enfrentam, servir com ambição e confiança o nosso País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, quero fazer-lhe uma pergunta muito concreta sobre uma das questões que abordou na sua intervenção, que foi, de resto, já referida na intervenção de há pouco do líder parlamentar da sua bancada, Deputado Alberto Martins. Trata-se do problema do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.
Sabe a Sr.ª Deputada que temos defendido nesta bancada que deve ser a Assembleia da República a alterar esta lei iníqua, esta lei que é um traço de atraso civilizacional do nosso país e que continua a submeter a humilhações, à devassa da vida privada, a investigações inaceitáveis, ao julgamento e até à hipótese de condenação e de prisão, muitas mulheres portuguesas. Brevemente, teremos mais uma sessão de um julgamento pela prática deste "crime".
O Partido Socialista tem dito que tem de fazer um novo referendo por escrúpulo democrático. Esta é a expressão utilizada, mas pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, se houve escrúpulo democrático quando, em 1998, depois de aprovado, na generalidade, um projecto de lei nesta Assembleia, os líderes do PS e do PSD foram a "correr", pela calada da noite, combinar um referendo para interromper esse processo legislativo. Onde esteve nessa altura o escrúpulo democrático?
É por isso que dizemos que argumentar com o escrúpulo democrático quando o que se fez foi desrespeitar a Assembleia da República e um processo legislativo em curso, não é um argumento aceitável. E se a interrupção desse processo foi um erro, não se colmata um erro com a sua duplicação, que é o que agora se preparam para fazer.
Na verdade, a saúde pública e o direito de optar, a Sr.ª Deputada sabe e eu também sei, não se referendam, são direitos que devem ser reconhecidos para que, com uma lei justa, não se imponham convicções a ninguém, não se penalizem as convicções de ninguém e para que cada um possa optar pelas suas convicções e pelo exercício delas sem que a lei penalize uns e não penalize outros.
Por isso, Sr.ª Deputada, pergunto-lhe: não seria melhor, tendo esta Assembleia uma maioria clara e inequívoca de partidos que defendem a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, atalhar caminho e resolver democraticamente este assunto já, onde ele deveria ter sido originariamente resolvido, ou seja, na Assembleia da República, sem mais delongas e não esperando por qualquer referendo de resultado incerto?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, a nossa resposta é muito clara: os portugueses votaram no passado dia 20 e o nosso Programa Eleitoral referia o compromisso de realizarmos um novo referendo. Portanto, é cumprindo esse Programa e sendo fiéis à proposta que fizemos aos portugueses que realizaremos um referendo, um referendo que queremos ganhar, um referendo em que nos vamos empenhar e um referendo que acreditamos que vai alterar a situação de uma lei que, como tive oportunidade de referir, é injusta e envergonha a nossa democracia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Freitas do Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para V. Ex.ª, Sr. Presidente, lembrando os altos serviços prestados ao País e à democracia e recordando também que fará 30 anos no próximo mês de Junho que aqui nos conhecemos neste Hemiciclo, pela primeira vez, na Assembleia Constituinte - primeiro meros conhecidos, mais tarde amigos. Não quero deixar de expressar-lhe a minha grande admiração e formular votos pelo pleno êxito nas suas funções.
Página 132
0132 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Srs. Deputados, ao regressar a este simbólico Hemiciclo, onde tem assento a representação nacional de base democrática, permitam-me VV. Ex.as que lhes declare a minha satisfação por aqui me encontrar de novo para, uma vez mais, prestar um serviço, que considero importante, ao meu País.
Por grande que possa ter sido a surpresa de alguns, não é esta, contudo, a primeira vez que apoio politicamente, neste Parlamento, um Governo do Partido Socialista: já o tinha feito antes, em 1978, quando subscrevi e apoiei o II Governo Constitucional, da presidência do Dr. Mário Soares.
Fi-lo então como o faço agora, com naturalidade e sem angústias existenciais: para o centrista e democrata-cristão que sempre fui, e continuo a ser, nada há de mais normal do que fazer alianças com um partido do socialismo democrático. Basta conhecer a história da política europeia desde 1945.
Aplausos do PS.
Quero apenas acrescentar agora, neste local e neste momento, que foi também com muito gosto e satisfação que aceitei o honroso convite do Sr. Primeiro-Ministro, Eng.º José Sócrates, para integrar o seu Governo, como independente, num cargo de elevada responsabilidade em que vou procurar - como é meu hábito - dar o melhor de mim próprio, com dedicação plena ao serviço público e total lealdade ao Primeiro-Ministro que chefia o Executivo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O XVII Governo Constitucional pautará a sua actuação em matéria de política externa por três valores essenciais que definem a conduta internacional de qualquer país civilizado: o valor da manutenção da paz e segurança internacionais, o valor do primado do dfireito internacional e o valor do papel cimeiro da Organização das Nações Unidas.
Por outro lado, o Governo compromete-se a respeitar, como lhe compete, todos os princípios estabelecidos no n.º 1 do artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa para a área das relações internacionais, princípios esses que é conveniente manter sempre presentes, até porque às vezes andam por aí um pouco esquecidos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - São eles: o princípio da independência nacional; o princípio do respeito pelos direitos do homem; o princípio do respeito pelos direitos dos povos; o princípio da igualdade entre os Estados; o princípio da solução pacífica dos conflitos internacionais; o princípio da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e o princípio da cooperação com todos os povos para a emancipação e o progresso da Humanidade.
Aplausos do PS.
Pelo que acabo de dizer, vê-se bem que não perfilhamos uma concepção "hobbesiana" da política internacional, assente na ideia de que, na falta de normas jurídicas aplicáveis e de um poder institucional que as imponha, todos têm o direito de fazer a guerra contra quem quiserem, cabendo legitimamente ao mais forte triunfar e impor a sua vontade aos restantes.
Tal concepção teórica, se pode ter correspondido à situação incipiente e desorganizada da comunidade internacional no século XVII - momento em que escrevia o famoso autor do Leviathan -, está hoje felizmente ultrapassada pela forte consolidação do direito internacional, pela drástica limitação do direito à guerra na Carta das Nações Unidas e pela clara afirmação de valores e princípios universais que regulam juridicamente a vida internacional, impondo a todos os actores que nela intervêm critérios substantivos de justiça destinados a proteger os mais pequenos e mais fracos contra os abusos ou ilegalidades dos maiores e mais poderosos.
Aplausos do PS.
Guiar-nos-emos, pois, por valores universalmente aceites e pelos princípios constitucionais expressamente estabelecidos na nossa própria Constituição. Se formos firmes e claros na aplicação prática de uns e outros não teremos decerto grandes dificuldades em encontrar, em cada situação concreta que se nos depare, um critério orientador adequado que nos ajude a definir a posição de Portugal perante as crises e vicissitudes que surgem com frequência na vida internacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por força da nossa situação geográfica, da nossa história política e dos superiores interesses estratégicos nacionais, há muito que se encontram nitidamente traçados os três pilares básicos da acção diplomática do Estado português: a integração europeia de Portugal, a Aliança Atlântica e a valorização da lusofonia.
Primeiro, a integração europeia de Portugal
Encerrado o ciclo do Império, Portugal optou lucidamente, em 1977, pela integração completa, como membro de pleno direito, nas Comunidades Europeias, a qual viria a ser solenemente assinada em Julho de 1985, com um apoio político e social representativo de cerca de 80% dos cidadãos portugueses.
Decorreram entretanto 20 anos. E, para além da consolidação democrática que a integração europeia
Página 133
0133 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
ajudou a fixar e aprofundar, é visível à luz do dia que o desenvolvimento económico, social e cultural de Portugal conheceu um surto sem precedentes.
Os resultados obtidos nestes primeiros 20 anos, contudo, não são suficientes. Há que prosseguir no caminho traçado, aprofundando a nossa participação no movimento de integração europeia em curso há cerca de meio século e procurando colher dela os benefícios legítimos que nos forem devidos, no contexto dos tratados em vigor e das normas e políticas em execução.
O Programa do Governo indica de forma clara as principais prioridades que nos propomos seleccionar para uma acção diplomática eficaz. Dispenso-me de as repetir aqui.
Referirei apenas um ponto de actualidade. Em parte graças aos esforços e competência profissional da diplomacia portuguesa, o texto que será esta semana submetido à aprovação final do Conselho Europeu, sobre a "Revisão da Estratégia de Lisboa", não é unicamente dirigido ao aumento da competitividade económica da Europa, como alguns países membros chegaram a propor, antes coloca, a par desse, os objectivos igualmente importantes da criação de emprego e do reforço da protecção ambiental, com manutenção do modelo social europeu e com forte acento tónico na necessidade de manter a coesão social nos países-membros.
Aplausos do PS.
Creio que não será necessário explicar a VV. Ex.as que esta formulação coincide com as prioridades sociais do actual Governo e quanto ela poderá ajudar Portugal, num futuro próximo, na negociação das perspectivas financeiras para 2007-2013.
Segundo, a Aliança Atlântica.
Outro pilar fundamental da diplomacia portuguesa consiste na defesa, manutenção e reforço das relações transatlânticas em geral e da Aliança Atlântica em especial.
Desde a 1.ª dinastia, ao celebrar a "aliança luso-britânica", até ao século XX, em que se lhe juntou a "aliança luso-americana", Portugal - através de sucessivas gerações, diferentes formas de Estado e diversos regimes políticos - sempre considerou essencial estabelecer e manter um relacionamento privilegiado com a principal potência marítima ocidental, desde logo para protecção de interesses nacionais da maior importância mas também para dar o seu contributo (não negligenciável) para a organização de sistemas de segurança colectiva capazes de garantir a paz e a justiça nas relações entre os povos na área geo-política a que pertencemos.
A Aliança Atlântica desdobra-se actualmente, como é sabido, em três componentes essenciais: as nossas relações bilaterais com os EUA, a participação de Portugal na NATO (de que foi membro fundador) e o diálogo euro-americano conduzido pelos órgãos próprios da União Europeia.
O Governo entende preservar e reforçar todas essas componentes essenciais, na firme convicção de que elas são úteis a Portugal, à Europa e ao Mundo.
Consideramos, ainda, que as recentes declarações do lado norte-americano, todas orientadas no sentido de privilegiar a diplomacia, o multilateralismo e a consulta mais frequente e aberta dos aliados no quadro da NATO, são razões suficientemente fortes para que, do lado europeu, se possa encarar com confiança a nova fase em que entrou o diálogo euro-atlântico.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nesse novo contexto, o Governo português deseja saudar a reaproximação dos EUA à França e à Alemanha, o apoio explícito de Washington à importante iniciativa diplomática europeia relativamente às actividades nucleares do Irão e a declaração conjunta franco-americana no sentido da exigência da retirada das tropas sírias do Líbano, felizmente já em vias de execução, mas que importa levar até ao fim.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Pela parte portuguesa, tudo faremos para que a nova fase em que entraram as relações euro-atlânticas possa ser sólida, duradoira e benéfica, com o objectivo - aliás, previsto na nossa própria Constituição - de construir "uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos".
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, o Governo afirma, com toda a clareza, perante algumas dúvidas suscitadas aqui e além, que é favorável à manutenção da NATO como aliança político-científico-militar, dado o papel estabilizador que tem desempenhado, e deve continuar a desempenhar, num mundo ameaçado pelo megaterrorismo internacional e outros perigos globais, sempre com vista à manutenção da paz e segurança
Página 134
0134 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
internacionais, nos termos previstos para as "organizações regionais de segurança" na Carta das Nações Unidas.
Terceiro pilar básico da acção diplomática do Estado português: valorizar o espaço da lusofonia
Entende o Governo que é indispensável, e urgente, valorizar e reforçar o papel da CPLP na sua tripla vertente de expressão influente de um conjunto de cerca de 200 milhões de pessoas que prosseguem objectivos pacíficos comuns, de instrumento privilegiado de preservação e projecção universal da língua portuguesa e de fórum adequado de intercâmbio e coordenação articulada nos planos diplomático, cultural e económico.
Além disso, o Governo propõe-se rever, em toda a medida das potencialidades presentes e futuras, a cooperação bilateral entre o nosso país e cada um dos PALOP, assim como com Timor-Leste.
Em breve começaremos a rever, modernizar e diversificar a nossa política de cooperação, que, de uma forma pró-activa, obedecerá aos princípios da coordenação interministerial efectiva, do planeamento plurianual dos investimentos públicos e do fomento de parcerias público-privadas, tanto bilaterais como multilaterais, capazes de alargar substancialmente o envelope financeiro global afecto aos nossos programas de cooperação.
Em resumo e conclusão: nos últimos 30 anos do Estado Novo, Portugal aumentou significativamente a sua presença em África, mas quase voltou costas à Europa; nos 30 anos que decorreram após o 25 de Abril, Portugal apostou forte na Europa, mas quase voltou costas aos PALOP. É chegado o momento, enfim, de Portugal compreender que tem de se projectar simultaneamente nas duas direcções - europeia e lusófona -, porque é esse o rumo marcado pelo interesse nacional bem entendido, sendo mais que certo que o nosso papel na Europa se reforçará se for mais dinâmica a nossa presença em África e que o nosso papel nesta última se ampliará se formos mais activos e bem sucedidos na Europa.
Aplausos do PS.
Neste contexto, quero anunciar à Assembleia da República que, já depois da minha tomada de posse, recebi convites oficiais, que aceitei, para visitas - a curto prazo- ao Brasil, a Angola e a S. Tomé e Príncipe. Procurarei que delas resulte um sinal claro de reforço de uma empenhada aposta comum na CPLP.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Uma vez definida a acção diplomática programada pelo Governo no contexto dos três pilares básicos da política externa portuguesa, cumpre referir de seguida, embora de modo necessariamente breve, os sete novos vectores da nossa acção internacional que as circunstâncias, a evolução dos factos e das mentalidades e a complexificação da vida internacional tornam possíveis e necessários.
São eles: o maior activismo internacional de Portugal; a defesa da paz e segurança internacionais e a nossa participação em missões de carácter humanitário; a promoção activa da língua e cultura portuguesas no mundo; a requalificação e intensificação da diplomacia económica, no contexto da crescente internacionalização da economia portuguesa; o reforço da solidariedade euro-africana e do diálogo euro-árabe; a definição e execução de uma nova política europeia do mar e dos oceanos; e uma maior exigência na aplicação efectiva, entre nós, das normas de protecção internacional do ambiente.
O Governo tomará as medidas necessárias e oportunas para dar expressão prática a estes outros vectores mais modernos, ou mais recentes, da nossa política externa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal tem quase metade da sua população total espalhada pelo mundo, em consequência de um surto migratório que vem já do século XIX e que voltou a intensificar-se bastante na segunda metade do século XX.
São, pois, muito numerosas e densamente povoadas as comunidades portuguesas que se situam quer na Europa quer no resto do mundo. Não temos de Portugal a visão acanhada do rectângulo europeu e das suas duas regiões insulares, mas uma visão alargada e universalista, assente numa diáspora espalhada pelos quatro cantos do mundo.
Aquando do VI Governo Constitucional - da presidência do Dr. Francisco Sá Carneiro -, efectuou-se uma ampla reestruturação dos serviços centrais de apoio aos emigrantes portugueses e criou-se o Conselho das Comunidades Portuguesas, enquanto órgão consultivo composto por representantes eleitos das principais comunidades existentes.
Volvidos 25 anos, e sem esquecer os relevantes serviços prestados por toda a estrutura administrativa então criada, é altura de repensar os esquemas organizatórios e funcionais actualmente em vigor, para os tomar mais operacionais, mais eficientes e mais aptos a bem desempenharem as funções que são chamados a exercer.
É o que o Governo se propõe fazer sem demora.
Antes de concluir esta minha intervenção, gostaria de fazer ainda uma breve referência a um aspecto que considero da maior importância: o da reorganização e modernização do aparelho administrativo do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Página 135
0135 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Este Ministério, criado por D. João V em 1736, conta já com cerca de 270 anos de serviços distintos prestados ao País. Tem uma estrutura sólida, uma carreira diplomática de elevada qualidade e uma tradição de serviço público que dele fazem um dos alicerces básicos da administração directa do Estado.
Mas os tempos mudam e as instituições têm de evoluir também, para se irem adaptando às novas ideias, às novas necessidades e às novas circunstâncias.
As directrizes gerais da reforma da Administração Pública serão, naturalmente, definidas e aprovadas pelo Conselho de Ministros. Mas, independentemente da sua aplicação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, é intenção do Governo rever, quanto antes, alguns aspectos mais importantes ou mais urgentes da orgânica e funcionamento do Ministério.
Apenas a título exemplificativo, mencionarei: a modernização da administração central e periférica, adoptando em cada unidade, interna e externa, o princípio da gestão por objectivos; a revisão ponderada do mapa das missões de Portugal no estrangeiro, encerrando ou reagrupando aquelas que não se justifique manter como estão, e criando outras que as novas circunstâncias da vida internacional comprovadamente reclamem; a revisão dos diplomas reguladores das carreiras diplomática e consular, com especial acentuação de uma formação técnica mais especializada nas áreas política, económica e cultural; a revalorização das funções do Instituto Diplomático, como grande centro de formação do pessoal do Ministério, quer na fase do concurso de ingresso quer ao longo da carreira; e, enfim, a promoção, em parceria com outras instituições públicas e privadas, de um think-tank sobre Relações Internacionais, que possa alimentar intelectualmente a estrutura dirigente do Ministério dos Negócios Estrangeiros e que reúna regularmente a massa crítica já hoje existente em Portugal de docentes e investigadores doutorados, sobretudo nas áreas das Relações Internacionais, do Direito Internacional Público, do Direito Comunitário Europeu, da Economia Internacional, da Economia Europeia, e da História Diplomática e das Relações Internacionais.
Este programa de reformas será iniciado ainda no presente ano civil.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, as múltiplas tarefas a cargo do Ministério dos Negócios Estrangeiros nunca foram fáceis, mas tendem hoje a tornar-se mais difíceis: cresceram as nossas responsabilidades perante a comunidade internacional; intensificou-se e globalizou-se a vida política, económica e cultural; e agudiza-se quotidianamente cá dentro a competição de origem externa, quer a que provém do mercado único europeu quer a que provém da generalização do comércio livre a nível mundial.
Mas nada disso deverá tornar-nos receosos dos perigos que enfrentamos. Tudo farei para que o Ministério que me foi confiado possa corresponder ao que os nossos concidadãos têm o direito de esperar dele. Procurarei seguir a máxima de alguém que recomendava aos seus alunos: "O segredo do êxito está em transformar as dificuldades que parecem assustadoras em desafios aliciantes".
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Santos David.
O Sr. Mário Santos David (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, temo que não seja bom augúrio que em matéria de política externa, uma área em que, tradicionalmente, tem existido uma grande convergência entre os partidos com responsabilidade governamental, o novo Governo inicie o seu Programa pela definição, como objectivo estratégico, da promoção "de uma participação mais activa de Portugal nos centros de decisão da vida e das instituições mundiais, contrariando a perda de posição relativa do País".
É certo que nenhum compatriota nosso ocupa, neste momento, o papel de Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas… Temos de nos contentar apenas com o facto de um português desempenhar, por 5 anos, o cargo de Presidente da Comissão Europeia - seguramente, na perspectiva do Governo, cargo muito menos relevante…
E lembro que, durante esta Legislatura, poderão ter lugar, em Portugal, a cimeira da NATO e a cimeira Europa/África. Nas instâncias internacionais, andavam à procura de alguém que quisesse acolher estas cimeiras e, como ninguém quis avançar, timidamente pusemos o dedo no ar.
Também no fim do último governo socialista não tínhamos nenhum director-geral nas instâncias comunitárias e agora temos dois; o número de directores passou de 10 para 15; e o número de chefes de delegação externa passou de 3 para 6.
Mas voltemos à convergência habitual que costuma pautar essas matérias para nos regozijarmos com a possibilidade de uma revisão constitucional que possa vir a formular uma pergunta clara, precisa e inequívoca sobre o Tratado Constitucional Europeu. Saudamos esta inflexão, que é um avanço importante.
O Programa é demasiado genérico sobre as perspectivas financeiras para 2007/2013, mas esse é um tema por demais importante para o nosso futuro colectivo, daí que deixemos aqui uma palavra de alento e os votos sinceros de boa sorte na conclusão das negociações.
O tempo não me permite outras considerações, pelo que gostaria de lhe deixar, Sr. Ministro, as seguintes perguntas sobre duas omissões no Programa: porque não é feita referência à presidência portuguesa do Conselho da Europa, que se inicia já em Maio, e à presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, no
Página 136
0136 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
segundo semestre de 2007? Será que não são acontecimentos relevantes? Sr. Ministro, a sua palavra é essencial para clarificar.
Tivessem V. Ex.ª e o PS mantido o discurso que agora acabamos de ouvir e, certamente, a convergência teria sido sempre muito maior nesta área. A verdade é que só a clarificação estimula a convergência e permite o consenso nacional.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, nesta minha primeira intervenção da nova Legislatura gostaria de saudar o Sr. Presidente da Assembleia da República agora eleito e os colegas de todas as bancadas.
Gostaria, igualmente, de saudar o Sr. Primeiro-Ministro e de o felicitar pela vitória alcançada nas últimas eleições, desejando a todo o Governo os maiores êxitos, para bem de Portugal.
Ao Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Prof. Freitas do Amaral, queria dizer que sou daqueles que não ficaram surpreendidos pela sua participação neste Governo.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Eu também não!
O Orador: - Recordo, aliás, se me permite, a título pessoal e a bem do que considero ser a coerência das posições do Sr. Ministro, que faz por estes dias 28 anos que eu, na qualidade de presidente das comemorações oficiais do terceiro aniversário do 25 de Abril de 1974, contactei com o então presidente do CDS - não sei se o Sr. Professor se recorda -, tal como com todos os outros líderes partidários, para apresentar os objectivos das comemorações e uma proposta de programa. Nessa altura, o Prof. Freitas do Amaral, concordando com a proposta, sugeriu um conjunto de alterações que afirmavam os valores essenciais apresentados aos portugueses no dia 25 de Abril de 1974. Devo dizer que todas as suas sugestões foram incluídas no programa oficial, que foi aprovado por consenso de todos os líderes políticos. Por tudo o que se tem dito, queria, portanto, sublinhar este aspecto.
Sendo certo que houve divergências entre nós ao longo destes anos - e houve anos bem difíceis! -, a verdade é que é justo sublinhar a sua grande honestidade intelectual e a sua seriedade política, razões pelas quais não me surpreende, como disse de início, vê-lo neste Governo.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Acresce a essas razões o facto de, como V. Ex.ª afirmou, todos termos o dever de dar o nosso contributo num momento particularmente difícil como o que Portugal agora vive.
Aplausos do PS.
Passo à questão que lhe queria colocar.
Ao longo dos últimos anos, tem sido dito que as Forças Armadas portuguesas são uma das componentes mais visíveis da nossa política externa, com resultados unanimemente considerados como muito positivos por observadores nacionais e internacionais. Por outro lado, afirmando o Programa do Governo, a propósito da reforma das Nações Unidas, que é essencial abrir caminho às soluções da intervenção com meios e em tempo adequado, sobretudo no que se refere a acções de prevenção de conflitos e de manutenção da paz, e dizendo ainda que Portugal deve assumir a sua quota de responsabilidade no âmbito dos mandatos claros por parte da ONU ou da OSCE, no respeito do direito internacional e no quadro dos nossos compromissos internacionais, gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse, para que não haja qualquer dúvida, se é ou não verdade que a acção das Forças Armadas portuguesas nos vários teatros de operações se desenvolve no quadro do direito internacional, que, como afirmou, é um dos pressupostos da nossa intervenção internacional. É que tal, infelizmente, foi posto em causa pelo anterior governo de Portugal!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, ouvimos atentamente a sua intervenção e registamos como positiva a referência que fez a princípios constantes do artigo 7.º da Constituição da República, que, como muito bem disse, têm sido muito esquecidos.
Página 137
0137 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - No entanto, o Sr. Ministro não referiu todos os princípios constantes desse mesmo artigo 7.º, como o relativo à dissolução dos blocos político-militares, mas também não esperávamos que o fizesse. Em todo o caso, registamos o que referiu e salientamos que colocou uma questão de fundo relativa à independência e soberania nacionais que, a propósito de várias questões suscitadas pelo processo de integração europeia, coloca uma discussão muito pertinente e de grande relevância nacional. Essa discussão consiste em saber como é possível a defesa da soberania nacional num quadro como aquele que resulta da Constituição Europeia, em que, obviamente, essa soberania sofre limitações gravíssimas.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Ministro, há três questões mais concretas que gostaríamos de lhe colocar.
Começando por registar a referência que fez ao Conselho das Comunidades Portuguesas, lembro que o PCP tem apresentado na Assembleia da República várias propostas relativas à valorização e ao reforço deste órgão, tendo mesmo chegado a propor a sua constitucionalização. Se bem que isso não esteja agora em causa, adianto desde já que retomaremos essas propostas nesta Legislatura, com vista à valorização deste Conselho, ao reforço das suas atribuições e, inclusivamente, ao repensar da sua composição, por forma a valorizar a participação dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro na vida política nacional e a reforçar a sua ligação à comunidade nacional. Contamos, pois, com o Governo para que aqui tenha lugar uma discussão séria sobre este assunto.
Por outro lado, há duas questões de ordem internacional que gostaríamos de suscitar. A primeira tem a ver com a posição do Governo português relativamente à questão fundamental da paz no Médio Oriente. Na última Legislatura travámos várias discussões acerca desse assunto, convergimos algumas vezes, designadamente com o Partido Socialista - se bem que tenhamos divergido noutras ocasiões -, relativamente à necessidade de Portugal, da União Europeia e de Portugal na União Europeia defenderem uma posição mais interveniente em defesa dos direitos do povo palestiniano e contra as violações de direitos humanos e do direito internacional cometidas no Médio Oriente. Como tal, gostaríamos de saber que orientação vai prosseguir a diplomacia portuguesa relativamente a essa questão e qual o empenhamento que V. Ex.ª entende que a União Europeia deve ter nesse processo, que, segundo nos parece, tem sido muito esbatido e, de certa forma, diminuto.
A minha segunda questão diz respeito ao futuro do Iraque. É conhecida a posição do Partido Socialista e do Sr. Ministro relativamente a essa matéria - e felizmente que terminou o ciclo do nosso envolvimento militar no conflito iraquiano -, contudo, a questão que se coloca é a de saber como equacionamos o futuro do Iraque e do povo iraquiano e qual será a actuação que o Governo português vai defender no plano internacional, por forma a salvaguardar os direitos elementares do povo iraquiano à sua soberania e independência.
São estas as questões que gostaria que o Sr. Ministro desenvolvesse.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por responder ao Sr. Deputado Mário David, agradecendo a boa sorte que desejou a este Governo, que é como quem diz também, neste momento, a todo o País, para a negociação difícil que nos espera daqui até ao Verão, quanto às perspectivas financeiras para 2007/2013.
A aprovação, amanhã ou depois, da revisão da Estratégia de Lisboa, nos termos em que ficou preparada no Conselho de Assuntos Gerais de quarta-feira passada, e a aprovação, ontem, de um consenso sobre a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, certamente tornam um pouco mais fácil a acção da diplomacia portuguesa relativamente ao terceiro pilar deste conjunto. Mas - não quero que haja quaisquer ilusões - este é, de longe, o mais difícil, não estando, à partida, nada garantido, pelo que vamos ter de trabalhar muito. Por isso mesmo, já foram dadas instruções no Ministério dos Negócios Estrangeiros para que essa seja a grande prioridade da nossa diplomacia daqui até ao momento em que o dossier for encerrado.
Também registo a convergência que V. Ex.ª sublinhou relativamente à submissão a referendo do Tratado da Constituição Europeia.
Gostaria de lhe dizer, para que não fiquem dúvidas, designadamente no espírito da sua bancada, que não considero, de maneira alguma, a presidência da Comissão Europeia por um cidadão português, ilustre, antigo Primeiro-Ministro, o Dr. José Manuel Durão Barroso, como algo de menos relevante. Digo-lhe mesmo que, em minha opinião - e não é por humildade que o digo, é por realismo -, é o mais alto cargo até hoje representado por qualquer cidadão português no estrangeiro. Por isso, espero que não fiquem dúvidas sobre essa questão.
Quanto às duas presidências referidas pelo Sr. Deputado, a do Conselho da Europa e a da União Europeia,
Página 138
0138 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
em 2007, de facto não vêm citadas no Programa, mas era muito difícil citar tudo. Não teria ficado mal se fossem citadas, mas, como terá notado, o Programa concentrou-se nas questões mais urgentes, prioritárias e que constituem preocupações imediatas na mente de quem o redigiu.
V. Ex.ª fez ainda uma referência final ao facto de o discurso sobre política externa nem sempre ter sido mantido. Quanto a isso, permito-me remeter para as considerações muito judiciosas e oportunas que o Sr. Primeiro-Ministro fez esta manhã a propósito do mesmo tema. Creio que não foi da minha parte, como cidadão, nem da parte do partido que apoia este Governo que se verificou uma ruptura com a orientação tradicional da política externa portuguesa. Certamente, essa é uma opinião que nos divide, mas respeito a de V. Ex.ª como acredito que V. Ex.ª respeitará a minha.
Ao Sr. Deputado Marques Júnior começo por agradecer o episódio que recordou e de que, de facto, já não me lembrava. Mas ainda bem que há pessoas com memória e que se recordam que eu fui, desde o princípio do 25 de Abril, um defensor convicto da democracia em Portugal. Estou sinceramente persuadido de que se o CDS que eu então dirigia não foi "triturado" durante o processo revolucionário naqueles primeiros anos - como foram todos os outros partidos à sua direita (e o CDS era o seguinte a sê-lo) -, isso se deveu, pelo menos em parte, ao facto de eu ter estado no Conselho de Estado, durante quase um ano, com os principais militares de Abril e de eles terem percebido que eu estava sinceramente apostado em fazer vingar uma democracia em Portugal e que não era pessoa para me envolver em quaisquer golpadas.
Quanto às Forças Armadas, posso assegurar a V. Ex.ª, tanto quanto sei, que todas as missões que neste momento são desempenhadas no exterior têm cobertura no direito internacional, e designadamente em resoluções das Nações Unidas quanto ao caso mais controverso, o do Iraque.
Sr. Deputado António Filipe, registo que tomou boa nota da referência que fiz - muito intencional - ao n.º 1 do artigo 7.º da Constituição. Não fiz referência aos restantes números não porque não os considere importantes mas porque acho que, de alguma maneira, estão um pouco desactualizados, carecendo também de revisão, que poderá ser feita numa altura em que haja tempo para se fazer uma revisão mais aprofundada.
Quanto aos projectos que o PCP e porventura os outros partidos tenham apresentado ou venham a apresentar relativamente ao Conselho das Comunidades Portuguesas, é óbvio que o Governo está completamente aberto a debatê-los, em espírito de colaboração com a Assembleia da República.
Relativamente ao Médio Oriente devo dizer que se trata de uma área muito importante, porventura o foco mais perigoso da actual situação internacional, embora não seja uma área onde haja interesses portugueses directos em causa.
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Ministro.
O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
A nossa actuação nessa área faz-se através da União Europeia e, nesse âmbito, naturalmente que defenderemos uma posição mais activa da União Europeia no processo, nomeadamente para a implementação da resolução das Nações Unidas que aponta para a criação de dois Estados que se respeitem mutuamente: o Estado palestiniano e o Estado de Israel.
No que diz respeito ao futuro do Iraque, obviamente que estamos de acordo que muita coisa haverá a fazer, por um lado, para ajudar à reconstrução do Iraque e, por outro, para ajudar a proteger a sua soberania, porque há muitos apetites à volta do Iraque, naquela zona e noutras. Portanto, também vai ser importante que, uma vez definido pela assembleia agora eleita o futuro do Iraque, a sua Constituição e o seu regime político, haja respeito, por parte de todos os países da comunidade internacional, pelas opções feitas pelo povo iraquiano e por aqueles que o representam no parlamento, em vez de haver intervenção.
Se o Sr. Presidente me concedesse mais alguns segundos, pediria licença para responder, terminando a minha intervenção, a uma declaração que foi feita, no início desta tarde, pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes…
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, terá ainda que responder a mais quatro Srs. Deputados que lhe vão colocar pedidos de esclarecimento, pelo que o poderá fazer na sua próxima intervenção. Pedia-lhe, por isso, que agora concluísse.
O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente. Pode até acontecer que essa questão seja de novo colocada.
Risos e aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Há, como já disse, mais quatro Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, permita-me que, começando por sublinhar o integral respeito pelo papel que V. Ex.ª desempenhou na formação e na consolidação da democracia portuguesa, a que fez referência, e a consideração intelectual que
Página 139
0139 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
tenho por V. Ex.ª, discorde de alguns dos aspectos que aqui referiu.
Em primeiro lugar, dir-lhe-ei que não me parece de todo que este Governo seja semelhante ao primeiro em que V. Ex.ª terá participado e apoiado o Partido Socialista, uma vez que este não se trata de um Governo de coligação entre o Prof. Freitas do Amaral e o Partido Socialista. As circunstâncias são, pois, diferentes.
Em segundo lugar, Sr. Ministro, devo dizer-lhe que, feitas algumas rectificações e ouvida a intervenção de V. Ex.ª, me fica um pouco a sensação e a nostalgia de que o mundo está sempre a mudar. O mundo está sempre a mudar, e compreendo que V. Ex.ª tenha - não veja nisto nada de pessoal - uma posição de centrismo nos termos em que o definiu. Cito-o até: "Sempre fui e me declarei centrista, aberto por igual ao centro-direita e ao centro-esquerda. Quando o País estava desequilibrado para a esquerda acentuei a vertente centro-direita, agora que está tudo desequilibrado para a direita acentuo sobretudo as ideias do centro-esquerda. Mas continuo igual a mim próprio, o mundo é que mudou à minha volta".
Digo-lhe eu, Sr. Ministro, que, no dia 20 de Fevereiro, o mundo voltou a mudar: neste momento, a esquerda tem, na Assembleia, um peso que não tinha praticamente desde 1975. Por isso, é tempo de começarmos a acentuar outra vez a vertente do centro-direita, Sr. Ministro! Isto parece-me óbvio, parece-me lógico!
Risos e aplausos do CDS-PP.
Em relação a uma questão que aqui foi levantada (não sei se era a essa a que há pouco V. Ex.ª se referia), queria dizer-lhe que as declarações são suas. Penso que os esclarecimentos que deu agora constituem alguma rectificação a essa posição, mas, repito, são suas, estão publicadas em vários jornais e imagino que sejam fiéis. Disse o Sr. Professor em Novembro: "Devemos notificar as organizações internacionais de que não participaremos com tropas em quaisquer missões, excepto na CPLP".
A questão que se coloca é a seguinte: o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas do Amaral tem ou não a mesma opinião do Professor Universitário Freitas do Amaral ou em que é que consistiu a sua rectificação em relação a esta matéria?
Não querendo pessoalizar demais com declarações suas, e tendo ficado até algo tranquilizado com o seu discurso rectificativo, faria uma outra citação e uma pergunta final. A citação é do seu Secretário de Estado João Gomes Cravinho, que diz o seguinte: "O facto de Bush estar muito longe do nível intelectual e cultural dos seus antecessores é algo indiscutivelmente relevante. Quanto mais se acentua o provincianismo dos que, na Casa Branca, vêem o mundo como o Texas e os seus arredores tanto maior é a perda de qualidade da hegemonia norte-americana no mundo. Porque um provinciano pode ter muita intuição, mas nunca terá sabedoria".
Este jovem Secretário de Estado, provavelmente nascido em Manhattan (dado o ódio manifestado em relação ao Texas e à província em geral), tem esta opinião, Sr. Ministro.
Sr. Ministro, porque parece ser algo que alastra, o que nos começa a preocupar, não obstante a rectificação que fez, a pergunta óbvia que lhe coloco é se V. Ex.ª subscreve ou não a opinião deste seu Secretário de Estado. Ou seja, Sr. Ministro, podemos ou não ficar um pouco mais descansados com o discurso que aqui lhe ouvimos hoje?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, afastando-me um pouco disto que me parece uma vendetta particular do CDS em relação a V. Ex.ª,…
Risos do BE e do PCP.
… gostaria de situar algo da sua intervenção que é quando refere que os Estados Unidos da América se estão a aproximar de uma posição multilateral e que há indícios de uma cooperação com a União Europeia. Enfim, é uma profissão de fé, que não creio que esteja configurada nos factos e que, além do mais, isola o núcleo principal daquilo que todos observámos como uma violação do direito internacional, que é a persistência da tese das guerras preventivas, independentemente da cobertura que venham ou não a ter por parte de organizações internacionais. E, no rescaldo daquilo que nos separou e nos uniu aqui a todos na crise internacional recente, a questão que se coloca é se, de facto, o Governo português, em quaisquer circunstâncias, está manifestamente contra a utilização e a prática da guerra preventiva, venha de onde vier, seja feita por quem for.
Uma outra questão, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, prende-se com a importância do referendo ao Tratado que institui uma Constituição Europeia. Referiu-se sempre, com rigor, ao referendo do Tratado Constitucional, mas reparei que o Sr. Primeiro-Ministro hoje, talvez com menos rigor, falou do referendo à Europa. Ora, é muito importante saber se o Governo de maioria absoluta do Partido Socialista vai conduzir um referendo para a escolha de um tratado constitucional ou se vai conduzir um referendo para
Página 140
0140 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
referendar a Europa.
Parafraseando um pouco o Sr. Deputado Manuel Alegre, se este não é o Governo do pensamento único, não há uma única via para a Europa, mesmo que nos digam que esta é a única possível. Não há uma única via! E o que estará verdadeiramente à consulta e à escolha popular é um tratado constitucional e não exactamente a pertença à União Europeia, nem sequer a um espaço político como é a Europa.
Esta precisão e as garantias que o Governo de maioria absoluta der acerca disto contribuirão, seguramente, para que a consulta seja mais clara e mais democrática, apesar de ela neste momento estar inquinada pelo processo da coincidência temporal com 308 eleições para câmaras municipais e alguns milhares de freguesias, o que não augura nada de bom para o debate europeu, como aqui já hoje se disse.
Uma terceira questão, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, porque o tempo é escasso: já hoje se aludiu aqui ao projecto de directiva Bolkestein, que vem agitando e tem tido um debate aceso em toda a Europa. Há dois dias, em Bruxelas, houve uma manifestação de 60 000 sindicalistas, e neste aspecto as centrais sindicais portuguesas estão unidas, assim como praticamente todas as centrais sindicais da Europa.
Será que o Governo português não se vai demarcar desta directiva relativa à liberalização dos mercados de serviços? De uma directiva que permite a trabalhadores nacionais trabalharem noutros países da União Europeia de acordo não com os níveis contratuais e com os salários desses países mas, sim, com os níveis salariais e contratuais do país de origem? Será que é vocação de um Estado-membro da União Europeia e de toda a União sancionar a exportação organizada de mão-de-obra barata?
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - É isto que se procura com esta directiva? Será que isto também não atenta e não restringe de uma forma muito particular o princípio da liberdade de circulação de pessoas na União Europeia?
Entendemos que se trata de uma directiva que pode ter virtualidades do ponto de vista da liberalização de alguns serviços, mas tudo aquilo que vem conexo com ela e que, realmente, vem lesar extraordinariamente os direitos dos nossos concidadãos que trabalham noutros países é verdadeiramente inaceitável e o Governo português, numa lógica de direitos humanos e de promoção da tão propalada coesão social, económica e territorial, enfim, daquelas magníficas expectativas que o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros tem para o Conselho Europeu para inclusão das dimensões sociais e ambientais da Agenda de Lisboa - enfim, cá ficaremos, neste aspecto, claramente eurocépticos -,…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.
O Orador: - … poderia, na nossa óptica, demarcar-se, clara e categoricamente, dessa directiva Bolkestein.
Aplausos do BE.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra e consideração da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem, de imediato, a palavra, por 3 minutos.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, não preciso dos 3 minutos, é apenas para, de uma forma muito breve e não deixar passar em claro, dizer ao Sr. Deputado Luís Fazenda que não aceitamos, nem admitimos, a expressão vendetta aplicada a qualquer intervenção do CDS nesta Câmara.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E não admitimos, Sr. Deputado, por uma razão muito simples, porque não há nem vendetta, nem vingança, nem coisíssima alguma, há uma discordância entre pessoas. Como comecei por dizer, manifestei o meu respeito e consideração intelectual pelo Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Não há qualquer vendetta, existem duas pessoas com opiniões diferentes e, por isso, neste momento se sentam momento em bancadas diferentes: o Sr. Ministro está na bancada do Governo e eu na bancada do CDS.
Já agora, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que o respeito que temos tem a ver precisamente com a democracia e com o percurso democrático. É muito estranho, Sr. Deputado - e o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros não precisaria, de modo algum, dessa sua referência, porque esteve, como ele próprio disse há pouco, do lado dos democratas historicamente, quando outros estavam do lado dos que sitiaram o Palácio de Cristal -,…
O Sr. Fernando Rosas (BE): - De que lado é que você estava?!
Página 141
0141 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Orador: - … que seja V. Ex.ª agora a vir fazer essa referência e essa defesa. Não aceitamos lições, nem aceitamos a referência. É uma discordância de opiniões de pessoas,…
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … expressas hoje sobre uma determinada política e sobre pontos de vista da nossa política externa, e não mais do que isto, o que fazemos em nome da bancada do CDS. Nós não pessoalizamos as questões, não vemos questões pessoais, discutimos essencialmente ideias e são estas que o CDS sempre defendeu na sua história.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, a sua intervenção teve o mérito de clarificar que o Sr. Prof. Freitas do Amaral, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, não precisa de procuração de defesa e muito menos da nossa bancada,…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Estranho seria!
O Orador: - … com o qual, aliás, mantemos todas as diferenças de opinião e todas as convergências possíveis.
Aliás, entendi o posicionamento do Sr. Prof. Freitas do Amaral na última crise internacional como muito próximo do do Presidente Chirac, em França, que também não é suposto ser de esquerda, nem muito próximo da área do socialismo democrático. Mas, enfim, isso serão matérias objecto de análise para uns e para outros, e a História pronunciar-se-á sobre isso.
Agora, Sr. Deputado Telmo Correia, a expressão vendetta era literária, mas posso mudar o vocábulo e o idioma e chamar-lhe revanche.
Risos do BE, do PS e do PCP.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Fica melhor! É menos mau!
O Orador: - Ficará mais satisfeito assim?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas.
O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - Sr. Presidente, permita-me que o saúde nesta minha primeira intervenção e, saudando-o a si, todos os Deputados desta Câmara.
Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, outros admiraram-se com o seu posicionamento neste Governo, mas eu, mais do que me admirar com a sua postura anti-hobbesiana, admirei-me mais com a sua postura muito pró-kantiana, com a sua fé no progresso linear das democracias, com a sua ideia de que o mundo é não uma realidade mas, sim, o que a sua cabeça entende que deve ser. Isto é muito claro naqueles que se debruçam sobre as relações internacionais numa dicotomia clássica entre o ser e o dever ser, entre o realismo e o idealismo. É estranho, confesso, num mundo em que as relações internacionais são de poder, mas também de guerra e paz - para Raymond Aaron, um autor que o Sr. Professor, na altura em que era democrata-cristão, deveria ter lido, e leu, com certeza, o mundo também é guerra e paz entre as nações. E o Sr. Professor - permita-me que assim o trate, Sr. Ministro - acho que está a iludir quer o seu Governo quer a bancada que o apoia. O mundo não é esse mundo de ilusão, esse mundo do "dever ser".
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, como sabe, pela História europeia, pela História política (o Sr. Professor também tem escritos publicados sobre a História das ideias políticas), no século XX, aqueles que defenderam o "dever ser", como o Sr. Professor ou o Presidente Wilson, todo o período entre guerras, que é um período eminentemente "dever ser", conduziu à Segunda Guerra Mundial. A política do appeasement e o wilsonismo conduziram à Segunda Guerra Mundial. E, portanto, Sr. Ministro, a verdade é que estranho que um ministro do Governo socialista, no século XXI, seja um ministro idealista. Deu mau resultado na História.
Página 142
0142 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
E essa sua busca de uma sociedade perfeita faz-me lembrar uma história, a entre a Isadora Duncan e o Bernard Shaw: eles queriam ter filhos e a Isadora Duncan dizia "imagine, Bernard Shaw, se nos casássemos e tivéssemos um filho e ele fosse tão bonito como eu e tão inteligente como você, Bernard Shaw"; ao que ele respondeu de uma maneira muito curiosa: "imagine, se esse filho fosse tão inteligente como você, Isadora Duncan, e tão bonito quanto eu, Bernard Shaw".
Risos do PSD e do CDS-PP.
Portanto, não iluda esta bancada!
O facto de o Sr. Professor não querer ver conflitos, porventura, fá-lo - e esta é a minha parte final - com que tenha reescrito a História de forma errada.
Em meu entender, Portugal não esteve "de costas voltadas" para África, nos últimos 30 anos. E quando refiro conflitos falo dos conflitos em Angola, em Moçambique, em São Tomé, na Guiné-Bissau. Mas qual foi o país que esteve por detrás na resolução pacífica desses diferendos e conflitos? Foi Portugal.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, Sr. Professor, Portugal não esteve "de costas voltadas" para África, nos últimos 30 anos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De todo!
Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.
O Orador: - Portugal teve um papel activo, como o comprovam as visitas a África, feitas quer pelo Sr. Professor, quer, certamente, pelo anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros, quer por mim próprio, onde pudemos constatar o excelente momento das relações entre Portugal e os países de expressão portuguesa. Como V. Ex.ª poderá ver, essa é uma crítica injusta, e, uma vez que o Sr. Professor fala em rever a política de cooperação portuguesa, não reescreva essa política, traduza em acções aquilo que, hoje em dia, está correcto.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - O mundo é o que é, não é aquilo que nós queremos que ele seja.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Vozes do PS: - Oh!…
Risos do PCP e do BE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, há no Parlamento português algum défice de discussão sobre política externa. Para além das questões europeias que são mais habituais no debate, o debate sobre a política externa mais em geral poucas vezes tem vindo ao Parlamento. Desta vez, veio pelas melhores e por algumas não melhores razões.
Não digo que haja vendecta, para que os Srs. Deputados do CDS-PP não "rasguem as vestes",…
Risos de Deputados do PS e do PCP.
… mas digo que este debate foi atravessado por algum espírito de psicodrama,…
Risos de Deputados do PS.
… que não se tem passado aqui, tem-se passado noutras paragens, de que alguns pequenos episódios afloraram ao longo do dia. Esses episódios nada têm a ver com política externa mas têm a ver com esse psicodrama.
Mas, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, deixe-me, desde já, cumprimentá-lo pela elevação, clareza e profundidade da sua intervenção.
Página 143
0143 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não estivesse eu já sossegado com o Programa do Governo, ter-me-ia definitivamente sossegado quanto à alta craveira de V. Ex.ª e à certeza, que tenho, de que também agora irá conduzir a política externa portuguesa por novos rumos.
De manhã, fez bem o Sr. Primeiro-Ministro em lembrar, a propósito desse episódio de psicodrama, que quem rompeu um pacto de 30 anos sobre a política externa não foi o Partido Socialista.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, ao longo destes últimos três anos, V. Ex.ª teve a ocasião de acompanhar nas suas posições, naturalmente de uma forma geral, as posições que o Partido Socialista foi defendendo, designadamente quanto à predominância do direito internacional como regra fundamental do comportamento dos Estados, porque, como disse o Sr. Primeiro-Ministro, e muito bem, de manhã, é o direito internacional - como o direito em geral - que assegura a liberdade e dá igualdade, e em especial para um pequeno Estado como Portugal, que tem efectivamente no direito internacional a garantia de um papel equilibrado, justo e equitativo na cena internacional.
Agradou-me muito especialmente, Sr. Ministro, que tenha referido, como âncora e matriz da política externa, os princípios constitucionais - também já o Sr. Primeiro-Ministro, de manhã, o tinha referido -, que muitas vezes andam esquecidos e apenas se indicam os interesses dos Estados na política internacional. Mas nós temos, como muitos outros Estados, um conjunto de preceitos constitucionais, que devem ser a nossa matriz fundamental nesta matéria.
Sr. Ministro, o Programa do Governo é muito claro e rigoroso quanto a afirmar a matriz da política externa como uma activa contribuição para a construção de uma ordem internacional assente no multilateralismo e na Carta das Nações Unidas. Como o Sr. Primeiro-Ministro referiu, estas são - e já o disse - matrizes fundamentais que devem ser norteadoras da acção dos governos democráticos.
O Sr. Presidente: - O seu tempo esgotou-se Sr. Deputado. Queira concluir, por favor.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Nestas matérias, o Prof. Freitas do Amaral, como cidadão, ocupou cargos de altíssima relevância e deu um contributo não desprezível, bem pelo contrário, para o debate em curso.
Hoje mesmo, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, apresenta um relatório que será, espero, o lançamento da reforma das Nações Unidas, peça fundamental dessa nova ordem internacional.
Com a consciência e a sensação de que o tempo para responder é muito pouco, gostaria que o Sr. Ministro nos pudesse dar a sua visão, que é naturalmente a do Governo, sobre matéria tão relevante como é a reorganização da instituição central no poder internacional, que são as Nações Unidas e as várias instituições anexas, designadamente as suas Agências, mas, sobretudo, sobre o papel do Conselho de Segurança.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, começo por me dirigir ao Sr. Deputado Telmo Correia para lhe dizer que nunca afirmei que a posição em que estou neste Governo fosse semelhante àquela que tive em relação ao outro. Eu disse que eram dois governos do partido socialista que eu apoiava, embora, naturalmente, em situações muito diferentes, como é óbvio.
Em segundo lugar, V. Ex.ª disse que o mundo estava sempre a mudar - é verdade! - e tentou lançar-me uma "isca", dizendo que, agora, que havia uma maioria de esquerda, era preciso reforçar o centro-direita.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Citei-o, Sr. Ministro!
O Orador: - Bom, cabe aos Deputados da sua bancada e do PSD fazerem isso, se forem capazes!
Risos do PS.
E, devo dizer-lhe, seria muito bom que o fizessem!
Aplausos do PS.
Quanto à citação que fez de uma passagem de uma intervenção minha, feita a título puramente individual e num colóquio de carácter intelectual, devo dizer-lhe que ela corresponde ao que eu disse, mas não
Página 144
0144 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
corresponde a tudo o que eu disse.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!
O Orador: - O que falta nessa transcrição é que eu disse que, se persistirem ou se acentuarem as graves dificuldades financeiras do Estado português, então, teremos de rever várias coisas na nossa política externa e, nomeadamente, na presença de missões militares portuguesas no estrangeiro, salvo quanto à CPLP. Esta é que é a frase completa e creio que, depois do que ouvimos hoje ao Sr. Ministro de Estado e das Finanças, qualquer pessoa de bom senso a subscreveria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Relativamente à opinião do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação sobre o Presidente Bush, devo dizer que estou aqui a discutir a política externa do Programa do XVII Governo Constitucional e não a fazer análises psicológicas, nem aos meus Secretários de Estado nem aos Presidentes ou Primeiros-Ministros de outros países.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em todo o caso, quero dizer-lhe que a política externa não se faz com amizades ou inimizades, não se faz com afinidades ideológicas ou intelectuais, faz-se com referência a valores, a princípios e a defesa de interesses legítimos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É isto que conta e é absolutamente indiferente a qualidade intelectual dos interlocutores com quem eu tiver de negociar.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª disse que o meu discurso era rectificativo. Permita-me que rectifique: penso que o meu discurso não é rectificativo, o meu discurso reafirma aquilo que eu sempre disse. E, se me permitem, lembrarei que, no auge da crise do Iraque, em pleno programa de televisão, que teve uma das maiores audiências de sempre, defini a minha posição desta forma: "sou estruturalmente pró-americano, sou conjunturalmente anti Bush por causa da guerra do Iraque".
Ora bem, quem do primeiro mandato para o segundo mudou não fui eu, foi o Presidente Bush.
Risos do CDS-PP.
Quem passou do unilateralismo para o multilateralismo foi o Presidente Bush. Quem veio à Europa estender a mão não àqueles que o apoiaram apressadamente mas àqueles que lhe fizeram frente, a Chirac e a Schröeder, foi o Presidente Bush.
Aplausos do PS.
Risos do PSD e do CDS-PP.
Quem afirmou, no momento em que deixou as suas funções de secretário de Estado, no primeiro mandato do Presidente Bush, que "no processo do Iraque cometemos muitos erros e perdemos a boa-vontade da maior da parte dos nossos aliados no mundo" foi Collin Powel, não fui eu.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Com certeza! Estou de acordo!
O Orador: - Portanto, nada tenho a rectificar. Se o Presidente Bush mudou a sua política externa e está disposto a actuar com base na diplomacia e não na guerra, no multilateralismo e não no unilateralismo…
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tenha a bondade de concluir.
O Orador: - … e em aliança com os seus aliados da NATO, então, a minha convicção é esta: ainda bem que tudo regressou à normalidade!
Posso continuar, Sr. Presidente?
Página 145
0145 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, já esgotou o seu tempo. Peço-lhe que conclua para cumprirmos os tempos estabelecidos.
O Orador: - Sendo assim, peço desculpa à Câmara, mas não posso responder às outras perguntas. Ficará para outro dia.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PS dá tempo!
O Orador: - No entanto, antes de terminar, gostaria só, em 30 segundos, de fazer uma observação que me parece importante, até em defesa da honra.
No início da tarde, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, repetindo uma coisa que quase todos os comentadores, analistas e escribas da área do PSD e do CDS-PP têm vindo a repetir nos últimos meses, disse que eu tinha comparado o Presidente Bush a Hitler. É mentira! Nunca o fiz! E convido o Sr. Deputado, ou qualquer outro Sr. Deputado desta Assembleia, a indicar o texto, a cassete de rádio ou de televisão, onde viram isso.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há, sim! Há um texto!
O Orador: - Houve apenas um jornal - um jornal! -…
Vozes do PSD: - Ah!…
O Orador: - … que pôs um título errado e enganador sobre essa matéria, título esse que foi desmentido por uma carta minha, que foi publicada, e sobre o qual recebi um pedido de desculpas do director desse jornal.
Aplausos do PS.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD) - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para dar explicações?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, na medida em que o Sr. Ministro, na fase final, fez a defesa da honra pessoal.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, para mim, é muito simples explicar: essas suas palavras estão no prefácio do livro, que escreveu em 2002, intitulado Do 11 de Setembro à crise do Iraque. Neste seu livro, o senhor não apenas equipara o Presidente Bush a Hitler como dá 10 razões (escrito pelo seu punho) para considerar Bush um político de extrema-direita e acrescenta: "e não o faço de ânimo leve". Isto nada tinha a ver com a ver com a guerra do Iraque! Foi em 2002, antes da invasão do Iraque!
Nas 10 razões que dá, o Sr. Ministro, em 4, equipara-o expressamente a Hitler, em 3, a Salazar, em 2, ao Generalíssimo Franco e, em 1, ao Pinochet.
Vozes do PSD: - Ofereça o livro ao Sr. Ministro!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Se o senhor não tem o livro que escreveu, terei o maior gosto em permitir que tire uma fotocópia, porque, para além desse artigo, o livro tem outros que considero interessantes, e, portanto, não gostaria de ficar sem ele.
Aplausos e risos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Ministro?
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: - Para defesa da honra pessoal, Sr. Presidente.
Página 146
0146 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro já fez a defesa da honra aquando da resposta aos pedidos de esclarecimentos, ao que o Sr. Deputado deu explicações, e eu preferiria que déssemos por encerrado este diálogo.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, mesmo assim, se mo permitir, quero usar da palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra.
O Sr. Presidente: - Assim sendo, dar-lhe-ei a palavra e, seguidamente, dá-la-ei também ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes para dar explicações, se o entender.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se V. Ex.ª ler com atenção o prefácio desse livro constatará que não há uma única linha em que eu compare o Presidente Bush a qualquer outro presidente ou primeiro-ministro, ditador ou não ditador. O que eu digo é que na administração Bush há facções que têm algumas opiniões, em algumas matérias, que são parecidas com algumas posições tomadas por alguns ditadores. Pense o Sr. Deputado no que se passou em Guantánamo e diga-me se não terei razão!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, não vou ler todas , vou ler apenas algumas partes das razões que dá no seu livro, mas, para que não fiquem dúvidas na Câmara, peço à Mesa o favor de mandar fotocopiar e distribuir por quem as quiser.
O Sr. Ministro diz, no livro, expressamente: "Agora, essa facção ganhou a Presidência dos EUA, no ano 2002,…
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que sejam reservados.
O Orador: - … e domina maioritariamente o governo americano: são seus principais representantes, além do próprio Bush-filho,…" - só conheço um - "… o Vice-Presidente Dick Cheney, o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld e a Secretária Nacional de Segurança Condoleeza Rice. (…) Porque é que eu chamo àquele grupo de pessoas 'políticos de extrema-direita'? Por várias razões". E, agora, elenca as 10 razões. Vou só ler duas, Sr. Presidente, para não cansar a Câmara.
Vozes do PCP: - Leia todas!
O Orador: - "(…) acreditam sinceramente que missão histórica do seu país, (…) é controlar e dominar o mundo, espalhando e impondo por toda a parte o american way of life.
Vozes do PCP: - É verdade!
O Orador: - O mesmo pensava e tentou Hitler, embora por razões racistas, com a sua Deutschland über alles!".
Sr. Presidente, vou ler mais uma razão, com a sua condescendência, porque o Sr. Ministro me interpelou directamente, que é a seguinte: "(…) recusam dar aos talibãs e guerreiros da Al-Qaeda o estatuto de 'prisioneiros de guerra', que as Convenções de Genebra lhes garantem, com o argumento de que esses perigosos terroristas não são seres humanos, mas autênticos animais. O mesmo pensava Hitler dos judeus,…
Vozes do PCP: - É verdade!
O Orador: - … dos ciganos, dos polacos, (…)".
Enfim, Sr. Presidente, escuso-me de ler mais, não há qualquer confusão,…
Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.
… há uma equiparação clara a Hitler, a Pinochet, a Salazar e a Franco.
Se o Sr. Ministro não se lembra ou está arrependido não tenho culpa! Eu li o que o senhor escreveu!
Página 147
0147 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Desejo saudar, em primeiro lugar, o Sr. Presidente da Assembleia da República e, na sua pessoa, todos os Deputados desta Legislatura.
Permitam-me que me congratule com um objectivo fundamental que o Sr. Primeiro-Ministro já conseguiu alcançar, ainda antes da investidura parlamentar. De facto, neste momento, está restaurada a dignidade do Estado no exercício da chefia do Governo, uma das finalidades essenciais que levaram à necessidade de realização de eleições no passado dia 20 de Fevereiro.
Todo o país já percebeu que, em vez de um Primeiro-Ministro rendido aos sound-bites e ao turbilhão dos telejornais, temos agora à frente do Governo alguém que se pauta pela contenção e pelo propósito da dignificação das instituições democráticas. Todos, maioria e oposições, estamos de parabéns por isso.
Queixam-se as oposições de que no Programa do Governo não há alterações relativamente ao Programa Eleitoral do Partido Socialista. É verdade! Só a natural e profunda desorientação actual do PSD e do PP poderá justificar que se queixem de o PS querer fazer no Governo o programa a que se comprometeu perante o eleitorado.
Aplausos do PS.
A pertinência das oposições é decisiva para incentivar um bom governo. Para bem da democracia e do próprio Governo, convirá que o PSD e o CDS-PP se refaçam rapidamente do vazio em que hoje vivem.
Queixam-se também as oposições de que o Programa do Governo não é tão pormenorizado como a 2.ª Série do Diário da República. O Programa do Governo não é apenas o documento entregue na semana passada, é também o que resulta dos esclarecimentos aqui prestados pelo Primeiro-Ministro e restantes membros do Governo, por iniciativa própria ou em resposta a perguntas dos Deputados. A abrangência de todo esse conjunto, incluindo a clareza das respostas, dão definição certa ao Programa que o Governo quer realizar. Nele estão bem identificados e desenvolvidos os cinco desafios fundamentais a que o Programa pretende dar resposta: crescimento económico, coesão social, qualidade de vida e desenvolvimento sustentável, qualificação da democracia e do sistema de justiça e afirmação de Portugal na Europa e no mundo.
As prioridades no tratamento destes desafios devem ser entendidas numa perspectiva de interdependências sistémicas.
O Governo tem razão em atribuir a maior prioridade à retoma de uma trajectória de crescimento sustentado, mas a prioridade a este desafio implica necessariamente o tratamento simultâneo de outras metas relativas aos restantes desafios. Só a qualidade fará quantidade nessa trajectória, e qualidade não apenas nas actividades económicas em sentido restrito mas também na Administração Pública, no sistema de justiça, no funcionamento das nossas instituições democráticas e nas relações de solidariedade entre os cidadãos, que são a base da vontade de partilha de um projecto nacional comum.
O nosso problema fundamental é, antes de tudo, o de falta de qualidade. É certamente neste terreno que o Governo se coloca quando realça que o fundamental é enfrentar os obstáculos estruturais que são o motivo do nosso atraso. É prova disso o programa económico baseado em três eixos centrais: um novo contrato para a confiança, um plano tecnológico e o compromisso da consolidação das finanças públicas.
Mas no início e no fim da acção governativa estará sempre a questão da confiança. Atrevo-me a pensar que o motor decisivo da confiança na governação do País não está na possibilidade de lançar dinheiro e mais dinheiro em cima de tudo o que mexe ou do que está parado, sobretudo quando não há dinheiro em excesso. O motor decisivo da confiança está do lado da modernização da Administração Pública, da transformação do sistema de justiça e do rigoroso cumprimento das regras da transparência e da responsabilização pelo bom uso dos dinheiros públicos, incluindo vigorosos programas antifraude, antievasão e anticorrupção.
Aplausos do PS.
São fundamentais um bom programa de investimentos, um bom plano tecnológico, um bom programa de combate à pobreza.
Mas dificilmente teremos bons programas dessa ou de outra natureza se os poderes políticos não definirem com clareza a racionalidade a que eles devem obedecer, em nome do interesse nacional, ou se não souberem pôr em marcha profundas alterações no modo como se organiza e funciona toda a Administração Pública, em sentido lato.
Há reformas estruturais que dependem muito mais da coragem política e do sentido estratégico dos
Página 148
0148 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
governantes do que da existência de chorudas verbas no Orçamento do Estado.
É preciso definir com rigor as missões do Estado, estabelecer objectivos e directrizes de funcionamento dos serviços controláveis através dos resultados. É preciso lutar sem temor ou reverência contra a captura do Estado e o desvio das políticas públicas, por parte de interesses, lobbies e clientelas, em detrimento do interesse público.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A terminar, evoco, muito brevemente, um outro pilar da confiança na nossa governação: a fidelidade aos valores revolucionários de sempre, os valores da liberdade e da solidariedade, que continuam sendo a matriz essencial de qualquer Programa do Governo do Partido Socialista.
Pelos actos já praticados e por aqueles que se anunciaram nesta Assembleia, temos boas razões para confiar no Governo.
Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, quero dizer-vos que confiamos no nosso Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, quero agradecer as palavras cordiais que alguns de vós me dirigiram, e à Mesa, durante este debate.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia a apreciação final ou o encerramento do debate do Programa do XVII Governo Constitucional, bem como a aprovação de um voto de pesar pelo falecimento de dois agentes da PSP numa trágica ocorrência.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS):
António Ribeiro Gameiro
Carlos Cardoso Lage
Joaquim Ventura Leite
José Apolinário Nunes Portada
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Cidália Bastos Faustino
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Miguel Pais Antunes
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Nuno Albuquerque Morais Sarmento
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Página 149
0149 | I Série - Número 003 | 22 de Março de 2005
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS):
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Pedro Correia de Aguiar-Branco
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL