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Sexta-feira, 13 de Maio de 2005 I Série - Número 20

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE MAIO DE 2005

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex. mos Srs. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Fernando Santos Pereira
Artur Jorge da Silva Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 60 a 65/X, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro (CDS-PP), a propósito de várias situações de violência sobre crianças, chamou atenção para a falha do sistema na protecção às crianças em risco e anunciou a apresentação de um projecto de deliberação nesse sentido.
O Sr. Deputado Honório Novo (PCP), também em declaração política, criticou as prioridades do Governo e anunciou a apresentação de um projecto de lei no sentido de regular os processos de deslocalização e encerramento de empresas.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE) falou da IV Convenção Nacional do seu partido, da eleição dos órgãos e da moção de orientação aprovada. No fim, respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Luís Marques Guedes (PSD).
O Sr. Deputado Miguel Frasquilho (PSD), em declaração política, fez um balanço crítico dos dois meses de governação do actual Executivo.
O Sr. Deputado Alberto Martins (PS), ainda em declaração política, fez um balanço dos primeiros 60 dias de acção do Governo, após o que respondeu a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Luís Fazenda (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 7/X - Segunda alteração da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, que estabelece a Lei de Bases do Sistema Educativo, regulando a organização de graus e diplomas do ensino superior, na sequência do processo europeu de Bolonha, e dos projectos de lei n.os 52/X - Altera a Lei de Bases do Sistema Educativo (BE), 54/X - Regula a organização de atribuição de graus académicos no ensino superior, em conformidade com o Processo de Bolonha, incluindo o Sistema Europeu de Créditos (CDS-PP), 55/X - Lei de Bases da Educação (PSD) e 59/X - Alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro,

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na redacção dada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro) (PCP), tendo depois sido aprovados. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Mariano Gago), os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Teresa Caeiro (CDS-PP), Agostinho Branquinho (PSD), Luísa Mesquita (PCP), João Teixeira Lopes (BE), Pedro Nuno Santos (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Miguel Tiago (PCP), Fernando Rosas (BE), Manuel Mota (PS), Pedro Duarte (PSD), Luiz Fagundes Duarte (PS) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
A Câmara aprovou o projecto de resolução n.º 29/X - Viagem do Presidente da República a Oxford e ao Japão (Presidente da AR).
Foram ainda aprovados três pareceres da Comissão de Ética, autorizando dois Deputados do PSD e um do CDS-PP a deporem em tribunal na qualidade de testemunha.
No decorrer da sessão, procedeu-se à eleição de membros para o Conselho Superior de Informações e para a Comissão de Fiscalização dos Centros Educativos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Carlos Cardoso Lage
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elísio da Costa Amorim
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Glória Maria da Silva Araújo
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
João Cândido da Rocha Bernardo
João Cardona Gomes Cravinho
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos das Dores Zorrinho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Luís Pereira Carneiro
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa

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Luís Manuel Carvalho Carito
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino Costa
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Susana de Fátima Carvalho Amador
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD):

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Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando dos Santos Antunes
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva
José António Freire Antunes
José Manuel Amaral Lopes
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes

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António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Francisco José de Almeida Lopes
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP)
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Manuel Armando Dias Alves
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados diversos requerimentos.
Na reunião plenária de 4 de Maio: à Secretaria de Estado dos Transportes, formulado pelo Sr. Deputado Luís Braga da Cruz; aos Ministérios do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, da Economia e da Inovação, do Trabalho e da Solidariedade Social e da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados José Junqueiro, Agostinho Lopes e Jorge Machado; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Honório Novo; e aos Ministérios do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados José Soeiro e Miguel Tiago.
Na reunião plenária de 5 de Maio: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves; ao Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, formulado pelo Sr. Deputado José Manuel Ribeiro; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; e aos Ministérios da Cultura, do Trabalho e Solidariedade Social, dos Negócios Estrangeiros e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Na reunião plenária de 6 de Maio: ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Jaime Marta Soares; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas; ao Ministério da Economia e da Inovação, formulado pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento

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Rural e das Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Honório Novo e José Soeiro; e aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, do Trabalho e da Solidariedade Social e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Machado.
Nos dias 9 e 10 de Maio: ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco; e aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social e do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
O Governo respondeu, no dia 5 de Maio de 2005, a requerimentos apresentados pelo Sr. Deputado Herculano Gonçalves e, no dia 11 de Maio de 2005, pelos Srs. Deputados Luísa Mesquita e António Filipe.
Deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 60/X - Classificação da área protegida das serras de Aboboreira e Castelo (PCP), 61/X - Classificação da área protegida da Baía de São Paio (PCP), 62/X - Classifica a área de paisagem protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo (PCP), 63/X - Altera o Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro, que estabelece normas relativas à Rede Nacional de Áreas Protegidas (PCP), 64/X - Alteração à lei n.º 11/87, de 7 de Abril, (Lei de Bases do Ambiente) que concede à Assembleia da República poderes de classificação de áreas protegidas (PCP) e 65/X - Classificação da área protegida das serras de Santa Justa, Pias, Castiçal, Flores e Banjas, tendo todas estas iniciativas baixado à 7.ª Comissão; e projecto de resolução n.º 29/X - Viagem do Presidente da República a Oxford e ao Japão (Presidente da AR).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Outubro de 2004, a Catarina, com dois anos de idade, foi encontrada morta na casa do seu pai, em Ermesinde. Todos os indícios apontam para que tenha sido espancada até à morte pelo pai e pela madrasta.
Em Setembro do mesmo ano, o País assiste, horrorizado, às buscas pelas autoridades policiais do corpo da pequena Leonor, de oito anos, desaparecida no Algarve. Há poucos dias, a mãe e o tio da criança foram acusados de homicídio, ocultação e profanação de cadáver.
Há uma semana, Portugal descobre, em choque, que o pai e a avó da Vanessa, com cinco anos, causaram a sua morte através de sucessivos espancamentos e queimaduras, tendo tentado ocultar este crime deitando o seu corpo ao rio Douro.
Estes são apenas alguns dos mais recentes extremos, hediondos e mediáticos casos de maus tratos a crianças. Entretanto, inúmeros outros casos de violência física e psicológica são praticados diariamente e, infelizmente, demasiadamente conhecidos por quem lida no terreno com crianças e jovens e conhece as disfunções e perversidades que se escondem no silêncio e na intimidade dos lares.
Um mero exemplo, também ele extremo, mas, à semelhança de tantos outros, desconhecido do grande público: uma menina de seis anos - chamemos-lhe Maria - com uma paralisia cerebral, que apenas a impede de comunicar segundo os padrões normais, é seguida numa instituição. As terapeutas apercebem-se que é violentada sexualmente pelo pai, com a conivência da mãe. As terapeutas fazem queixa às autoridades que, por falta de prova, ou seja, não conseguem interrogar directamente a criança, não entendem ser de retirar a Maria da guarda dos pais biológicos. Resultado: a criança é retirada pelos pais da instituição, as terapeutas perdem-lhe o rasto e os pais intentam uma acção contra as funcionárias que denunciaram este caso.
Em Portugal, um país que se pretende solidário e atento aos direitos humanos, sucedem e sucedem-se verdadeiras tragédias no seio das famílias, local onde, até há pouco, julgávamos que estes seres mais vulneráveis estariam mais seguros.
A sociedade, perplexa, toma agora conhecimento de uma realidade que não é nova, apenas se tornou mais visível. E os debates abundam, as questões acumulam-se na comunicação social, na sociedade, entre os decisores.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Como é possível que isto aconteça na nossa sociedade, se é certo que, em todo o caso, temos vindo a evoluir em termos de protecção social estatal?
Como é possível que tamanhos horrores aconteçam quando temos mais e melhores técnicos da acção social, terapeutas, professores?
Como é possível isto acontecer quando a sociedade em geral está, aparentemente, mais atenta, mais informada e mais consciente?
Como podemos falhar tanto quando se proclamam as políticas sociais de proximidade e de acompanhamento?
Como é possível tudo isto acontecer quando se legislou tão abundantemente, se realizaram tantos debates, se fizeram centenas de estudos e milhares de diagnósticos apresentados?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

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A Oradora: - Como é possível isto acontecer quando nunca existiram tantas instituições, públicas e privadas destinadas a proteger os mais vulneráveis, quando se criaram tantos grupos e comissões compostos por personalidades de reconhecido mérito para actuar sobre as disfunções sociais e se criaram prestações e programas sociais para evitar a exclusão?
Estaremos a privilegiar excessivamente os laços biológicos face às ligações afectivas?
Qual será a gravidade real da violência sobre as crianças em Portugal? Por que não parecemos, então, progredir enquanto sociedade que sabe cuidar e proteger os seus mais vulneráveis?
Estas são apenas algumas das questões que todos nos colocamos quando verificamos que o nosso sistema de acompanhamento não funciona.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr.as e Srs. Deputados, preocupemo-nos.
Preocupem-se titulares de cargos públicos e políticos.
Preocupe-se o poder Executivo e funcionários responsáveis pela acção social.
Preocupem-se autoridades policiais e judiciais.
Preocupemo-nos todos.
Não vale a pena pensarmos que vamos encontrar soluções fáceis e imediatas para dramas com origens tão complexas, temos de estar preparados para aceitar que as disfunções sociais podem demorar gerações a corrigir, mas não podemos aceitar a ausência de intervenção.
Compete-nos a todos lutar contra a espiral diabólica da exclusão social, que tem tendência a perpetuar-se de geração em geração como uma herança tenebrosa.
Para o CDS-PP não se trata só de uma questão de sociedade. Mais do que isto, é uma questão de civilização, do modelo de civilização em que acreditamos.
Para o CDS-PP as situações de violência sobre as crianças são demasiadamente intoleráveis para serem partidarizadas. E, neste sentido, iremos apresentar um projecto de deliberação para que seja constituído, com sede parlamentar, um grupo de trabalho, com representação de todas as bancadas, que proceda à audição de representantes de todas as instâncias administrativas, sociais, associativas e judiciais que, no dia-a-dia e no terreno, lidem com a realidade dos maus tratos infantis e possam expor o que falha na nossa protecção às crianças em risco.

Aplausos do CDS-PP.

O CDS-PP pretende que este grupo interpartidário ausculte e debata num curto espaço de tempo, findo o qual deverá apresentar, não uma longa tese sobre a problemática mas um levantamento claro, conciso, construtivo das lacunas existentes e também propostas concretas para que os poderes legislativo, executivo e judicial as possam superar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apetece dizer: "não"! Mil vezes "não"! Recusamo-nos a aceitar que o desemprego seja uma fatalidade inevitável.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Orador: - Não podemos entender, não aceitamos que haja alguém neste País que diga ou possa dizer, alto e bom som - sem corar ou morrer de vergonha -, que o desemprego em Portugal vai continuar a crescer e que isto será bom sinal. Não aceitamos que haja alguém que diga que o aumento do desemprego é desejável, que diga que isto significa que a economia portuguesa estará no bom caminho. Não, Dr. Daniel Bessa! Não, Dr. Vítor Constâncio e outros que tal! Portugal e os portugueses querem que o desemprego diminua!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portugal e os portugueses disseram há três meses, em 20 de Fevereiro, que o desemprego não podia subir mais.
Portugal e os portugueses querem acções concretas que defendam e promovam o emprego, a curto e médio prazos.

Aplausos do PCP.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal foi o campeão europeu das falências em 2004; foi em Portugal que mais aumentaram: desapareceram mais de 3000 empresas, mais 30% que em 2003, seis vezes mais do que em Espanha, por exemplo. Só nos primeiros três meses de 2005 foram já quase 300 as empresas que fecharam as portas.
No mês de Março, a região Norte perdeu 6000 postos de trabalho e, só no distrito de Aveiro, por exemplo, mais de 260 pessoas perderam o emprego em cada um de todos os dias do último ano. É seguramente mais de 0,5 milhões de portugueses sem emprego, à espera que sejam tomadas medidas concretas de curto e médio prazos para estancar este drama social. O desemprego continua a crescer, as deslocalizações são notícia diária, o encerramento abrupto e tantas vezes fraudulento de muitas unidades produtivas são uma quase constante do nosso quotidiano.
Perante este drama crescente das portuguesas e portugueses sem emprego, das famílias sem sustento, a quem, ainda por cima, querem roubar a própria dignidade, o que mais chama a atenção politicamente é o facto de o Governo não anunciar medidas concretas, medidas públicas, de combate ao desemprego, de combate ao regabofe das deslocalizações empresariais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Parece que as prioridades do Governo são outras.
Pela voz do Ministro das Finanças ficámos, ontem, a conhecer uma espécie de "discurso da tanga II", ao anunciar mais contenção salarial, mais sacrifícios para quem já foi, está e continua a ser sacrificado, ao insistir na redução de efectivos (que é quase a mesma coisa que dizer mais despedimentos), tudo para cortar 4000 milhões de euros num País onde os direitos à saúde e à educação são factores de crescente discriminação e desigualdade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Regressamos, portanto, à obsessão pelo cumprimento do défice e do Pacto de Estabilidade, na sua versão, aparentemente, "recauchutada".
Voltámos à obsessão pela contenção mais ou menos arbitrária da despesa, fonte aparente de todos os males.
Voltámos a esquecer o aumento das receitas ou só deparámos com pequenas alusões genéricas do Ministro das Finanças, que podem muito bem anunciar mais impostos para quem já os paga.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Voltámos a assistir a gritantes omissões de concretização, seja nos benefícios fiscais, na fraude fiscal ou ainda na indiferença, que chega a atingir o escândalo perante os anúncios de crescimentos imorais de lucros, quase sem limite, dos grandes grupos económicos e financeiros.
Já agora, Srs. Deputados, que o Governo não insista nem volte a iludir as questões imediatas do combate ao desemprego com o anunciar de meros choques tecnológicos. É que tudo isto pode ser positivo, certamente, mas os seus efeitos só serão sentidos a prazo, até pode fazer, segundo a própria Dr.ª Maria João Rodrigues, com que o desemprego cresça a curto prazo.
A questão é bem simples e clara: há 0,5 milhões de portugueses que não querem, eu diria, que não podem esperar mais por um emprego que é também um direito. São eles, são os desempregados que exigem respostas, também de curto prazo, respostas estas que tardam e não aparecem porque, pelos vistos, não existe muita vontade política para as dar.
Sr.as e Srs. Deputados, pela nossa parte, insistimos: não aceitamos o desemprego como uma fatalidade. Por isso, aqui estamos a assumir as nossas responsabilidades.
Por isso, anunciamos, hoje, a apresentação de um projecto de lei que regula os processos de deslocalização e encerramento de empresas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Prossegue o cortejo de deslocalizações empresariais. Não há sector produtivo ou área industrial que escape à estratégia do investimento beduíno que continua a agir na maior impunidade e, sobretudo, na quase completa ausência de legislação que regule e enquadre este fenómeno e que crie dispositivos e meios para o condicionar ou impedir.
Só em 2005 poderíamos citar casos como o da Lear, em Valongo e Póvoa de Lanhoso, que hoje vem noticiado, da Philips, em Ovar, da Alcoa Fujikura, no Seixal, da Indesit, em Setúbal, da Yasaki Saltano, em Ovar e Gaia, da Molex, em Santo Tirso, da KazIbérica, em Gondomar, da STMG, em Palmela, da Maconde, em Braga, ou da Jorgen Mortensen, na Marinha Grande.
Não é possível continuar a assistir passivamente a esta situação.

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Os comportamentos empresariais que estão, hoje, na base da maioria dos casos de deslocalização e de encerramentos inexplicados de certas unidades industriais baseiam-se numa concepção especulativa de investimentos que visam obter o máximo lucro possível no menor tempo possível, à custa do saque de recursos materiais e humanos, à custa da absorção de tudo o que sejam apoios financeiros, fiscais e institucionais disponíveis, após o que levantam amarras para repetir noutras paragens a sua voracidade exploradora. E, hoje, a impunidade é tal que a simples ameaça da sua concretização é utilizada de forma despudorada como chantagem para promover a contenção salarial e a perda de direitos dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não é possível continuar a aceitar estes comportamentos, a proteger os respectivos investimentos e a permitir a actividade impune e libertina deste tipo de gestão.
Hoje, o PCP, cumprindo aliás uma das suas 25 medidas urgentes apresentadas aos portugueses, entrega na Mesa deste Hemiciclo um projecto de lei que pode contribuir para estancar a "hemorragia económica" do País e que pode ser um factor para suster e fazer reverter o desemprego.
Queremos que haja regras e contratos para o investimento suportado com ajudas públicas que determinem tempos de permanência e estipulem níveis de incorporação nacional, de volume e da qualidade de emprego a preservar.
Queremos que quem não cumpra seja obrigado a reembolsar e a indemnizar o Estado português e os trabalhadores e seja impedido de aceder a novos apoios públicos, aqui ou num qualquer outro país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pretendemos criar um fundo de apoio à criação de emprego com receitas próprias, a funcionar junto do Ministério da Economia, que seja gerido com a participação dos representantes das estruturas dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com este projecto que visa regular os processos de deslocalização empresarial confrontamos de novo este Parlamento e agora o novo Governo com a necessidade de passarmos da indignação mais ou menos puritana dos discursos contra as deslocalizações à acção prática das medidas concretas que de facto as impeçam.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Realizou-se no passado fim-de-semana a IV Convenção Nacional do Bloco de Esquerda, Convenção profundamente democrática, preparada com debates entre moções alternativas e respectivas listas candidatas em todos os distritos e regiões autónomas. A moção de orientação aprovada por larga margem e a composição da mesa nacional eleita asseguram a continuidade e desenvolvimento da linha política do Bloco, a feição, imagem e métodos de intervenção que cada vez mais cidadãs e cidadãos reconhecem.
Críticos e analistas costumeiros tentaram colar ao Bloco a etiqueta de partido, afinal, convencional, de namoros súbitos com o sistema. Curiosamente, críticos das mesmas áreas, que, sendo reincidentes plumitivos, já tinham augurado o desaparecimento do Bloco de Esquerda, o seu extremismo inveterado e o seu isolamento afrontoso. A incoerência anda à solta! Tudo isto merecia mesmo um almanaque de publicidade, contendo crónicas, artigos e editoriais antibloquistas. Seria um êxito de venda na nossa militância!
Porém, a vida não se engana. O Bloco é um partido democrático, com direito de tendência e direcção colegial. O Bloco insere-se na esquerda global internacional, rompendo com a "ordem Bush" e com o sistema imperial. Afirma-se europeísta pela refundação democrática e social da União Europeia. O Bloco de Esquerda é socialista, feminista, pluralista e ecologista.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Repudia tanto os dogmas como a capitulação ao neoliberalismo. É este o Bloco que quer crescer e assumir responsabilidades maiores na oposição de esquerda.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - O Bloco depende da confiança popular. Não empurra ninguém, mas também não tem de

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pedir licença a ninguém para existir e lutar por maiorias sociais para as políticas que preconiza.

Aplausos do BE.

Sr.as e Srs. Deputados, não daremos tréguas ao Governo, nem nos incumbe a aferição sobre estados de graça ou estilos de governação. O nosso compromisso é muito claro sobre a prioridade a dar ao emprego e à protecção social dos desempregados. O "continuísmo" da política económica e orçamental prefigura uma espécie de bloco central ungido pelo Banco de Portugal. O combate deve ser feito, sobretudo, pelo lado da receita, sem "demonizar" o investimento público. O combate é este, mas se nos ativermos às declarações dos responsáveis das pastas económicas, mais uma vez a pressão é posta na limitação da despesa.
Sr.as e Srs. Deputados, andamos de PEC em PEC até ao pecado final! Assim, não há criação de emprego. Há que escolher entre a ortodoxia liberal e o Estado social, pois este também pode prover a contas claras, combater o desperdício e apresentar défices correntes baixos.
O desemprego é um drama social, mas é também uma acusação a quem prometeu criar as condições para diminuir este drama em menos 150 000 desempregados. Não basta reconhecer que o desemprego aumentou nos últimos meses. Não basta falar de um plano nacional de emprego que é uma mera carta de intenções. Melhor fora que o Governo tomasse medidas sobre regras limitativas das deslocalizações de empresas. São necessárias medidas e uma orientação económica e orçamental, que, pelos vistos, só vai aparecer depois das eleições autárquicas.
Consideramos inaceitável que se adiem as alterações ao Código do Trabalho. A precariedade do trabalho e a desvalorização dos salários alastram por esta via. É incompreensível que o Partido Socialista tenha prometido, nas eleições, a reposição das propostas de alteração ao Código que fez enquanto oposição e que agora precise de esperar até 2007.
Como se pode entender que o Governo não tenha tido um pronunciamento sequer sobre a política de imigração? Em que termos pensa repor as autorizações de permanência? Vai abolir a famigerada e inútil lei das quotas? Vai regularizar a situação dos imigrantes indocumentados? Vai pôr os olhos no governo espanhol, que acaba de fazer uma regularização extraordinária dos forçados clandestinos?
Qual é a orientação para os serviços públicos? O que é que sobra, depois do "estafado" discurso de que o Governo não fará grandes reformas? As reformas fazem-se, fazendo, como disse um ministro! Continuará o Governo a sua predilecção pelas medidas cirúrgicas, com o anestesiante vazio da estratégia dos serviços públicos? Ou aumentará o vazio do que poderá acontecer à situação dos pensionistas e reformados, com estudos e mais estudos sobre o eventual aumento da idade da reforma? Talvez este assunto, curiosamente, só venha a ser esclarecido, ou não, depois das eleições presidenciais.
Nestas como noutras preocupações, o Bloco de Esquerda não se demitirá da sua acção cívica e "propositiva" no Parlamento e junto da opinião pública.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Convenção do Bloco de Esquerda decidiu a apresentação de candidaturas próprias e alargadas às eleições autárquicas, centradas no combate à corrupção e na defesa da qualidade de vida das comunidades, da qualidade da regulação pública, da qualidade da oferta ambiental, urbanística e social. Não deixámos de convidar outros partidos de esquerda para uma coligação no Funchal, como um imperativo de democratização que supere o "Estado laranja" na Madeira.

Aplausos do BE.

Insistimos na condenação da mistificação que representa a simultaneidade das eleições locais com o referendo ao Tratado Constitucional europeu. Apesar deste condicionamento, ver-nos-ão a fazer campanha pelo "não", em nome de uma Europa que não aceita a cartilha neoliberal.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Orador: - Observem a França, onde o debate do "não" é um debate à esquerda sobre as condições da cidadania.
Interviremos nas eleições presidenciais apoiando um candidato da nossa área política, porque o normal, em democracia, é o confronto de projectos para escolhas claras, porque queremos diminuir a abstenção nestas eleições, porque não nos resignamos a uma esquerda que cavaqueia sobre candidatos, enquanto à direita há um candidato que tem dúvidas sobre ele próprio, mas raramente se engana.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com uma política clara, sem tacticismos, nem jogos de poder, o Bloco de Esquerda continua e progride. Como sempre, o veredicto é das pessoas, das pessoas que, com intencionalidade, razão e afecto, continuam a ser exigentes com o Bloco, nos emprestam o seu voto e testemunho. O Bloco de Esquerda não é dono de votos, é simplesmente mandatário de um projecto que, hoje,

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ninguém pode ignorar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, anuncio-vos que abriram as urnas para a eleição de dois órgãos externos à Assembleia da República: o Conselho Superior de Informações e o Comissão de Fiscalização dos Centros Educativos. Peço, portanto, aos Srs. Deputados que até às 17 horas e 30 minutos exerçam o seu direito de voto nas urnas que estão colocadas no Hemiciclo.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Fazenda, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, não vou pronunciar-me sobre os aspectos substantivos da sua declaração política, que entendi, naturalmente, como um relatório do que, em termos políticos, se passou na vossa Convenção.
Quero apenas, em nome da bancada do Partido Social Democrata, felicitar democraticamente o Bloco de Esquerda e os órgãos que foram eleitos na sua Convenção e manifestar que, no plano parlamentar, contaremos obviamente trabalhar com a vossa bancada com lealdade e frontalidade, enquanto for essa também a vossa disposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, agradecemos, naturalmente, as palavras que nos dirigiu e confirmamos que poderá sempre contar com o combate frontal e leal que tem caracterizado a intervenção do Bloco de Esquerda. Os senhores estão aí e nós vamos andar por aqui!

Risos do BE, do PSD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Frasquilho.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Completaram-se hoje dois meses sobre a tomada de posse do Governo, apoiado no Parlamento pela nova maioria socialista. E nestes 61 dias, infelizmente, para além do silêncio, que já começa a ser ensurdecedor em algumas áreas - como veremos daqui a pouco -, a verdade é que a acção governativa apenas se tem distinguido por algumas barafundas e confusões nada abonatórias, sobretudo quando nada mais se tem para apresentar,…

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … desde logo, na questão da prioridade dos referendos.
No discurso de tomada de posse, o Primeiro-Ministro referiu-se explicitamente à realização do referendo sobre a Constituição Europeia e à possibilidade da sua realização simultânea com as eleições autárquicas, nem uma palavra relativamente à questão do referendo sobre a interrupção da gravidez. Clara como água e compreensível a prioridade dada ao referendo sobre a Europa.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Pois foi!

O Orador: - Porém, poucos dias depois, o Partido Socialista anunciava a intenção de realizar o referendo sobre a interrupção da gravidez ainda antes do Verão. Vá lá saber-se o que terá feito o PS mudar de opinião e ir a reboque da agenda de partidos da extrema-esquerda. Mas a verdade é que assim aconteceu! Isto para já não falar na embrulhada da questão das 10 ou das 16 semanas.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por fim, face ao beco em que o Partido Socialista se colocou, teve de ser o Presidente da República a resolver a questão, reafirmando as prioridades, tal como o PSD, coerentemente, sempre as defendeu.

Aplausos do PSD.

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Na saúde, o Ministro contrariou uma promessa do Primeiro-Ministro feita em campanha eleitoral, no que toca à construção do hospital central do Algarve. Mas, azar dos azares, no dia seguinte, foi o próprio Ministro a ser desautorizado pelo Primeiro-Ministro. Mais um episódio pouco dignificante para a credibilidade do Executivo.
Ainda há cerca de duas semanas foi o Ministro da Administração Interna que teve de recuar publicamente no projecto de acompanhamento de operações policiais por elementos do Ministério Público, em resultado de um erro de palmatória do Governo sobre algumas competências da polícia. Ao mesmo tempo, o Ministro do Trabalho e da Segurança Social anuncia que irá rever o Código do Trabalho aprovado na anterior Legislatura, contrariando as tendências internacionais na área da legislação laboral e não se importando com as consequências negativas que daí advirão para a nossa economia, criação de riqueza e, consequentemente, criação de emprego e melhoria do bem-estar da população.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E o Ministro da Economia e Inovação parece não acertar com o modelo que quer implementar em organismos como o ICEP Portugal, o IAPMEI ou a API.
Ao contrário, em áreas em que a acção que se exigia era rápida e certeira, o silêncio, como já referi, começa a ser ensurdecedor. É o que sucede, em especial, com o maior dos problemas: as finanças públicas do País. O Ministro das Finanças encontra-se, literalmente, desaparecido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, depois de ter anunciado a quase inevitabilidade de aumentar impostos, mesmo antes de ter tomado posse, o Ministro apenas se mostrou no debate do Programa do Governo, em 22 de Março, e ontem, 50 dias depois! Porém, em ambas as ocasiões nenhuma pista concreta sobre o caminho a seguir foi avançada, nem, consequentemente, sobre a forma como o défice público pode, na prática, vir a ser reduzido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Diz o Ministro que ainda estão por apurar os resultados do défice para 2005, que a chamada "Comissão Constâncio" revelará apenas para a semana. Curiosa afirmação, quando o Primeiro-Ministro afirmou já por mais de uma vez que, se nada for feito, o valor do défice para este ano se situará entre 6% e 7% do PIB e quando o próprio Ministro das Finanças afirmou ontem que se compromete a reduzir o défice em cerca de 1 % do PIB/ano, para atingir um valor abaixo de 3% em 2008. Basta fazer as contas para nos apercebermos de que o Ministro parte de um valor à volta de 7% em 2005.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas, então, não estão ainda por revelar os valores da "Comissão Constâncio"?! Srs. Deputados, o que deve perguntar-se é para que foi criada esta Comissão, se, quer o Ministro das Finanças quer o Primeiro-Ministro, já sabem - e desde há algum tempo - o valor do défice estimado para 2005. Na verdade, na posse desta informação, o que importava era saber que estratégia concreta têm este Ministro e este Governo para reduzir o défice,…

Aplausos do PSD.

… porque o valor que venha a ser apurado significa apenas que esse é o valor que ocorreria se até ao final do ano nenhuma medida fosse tomada para o reduzir. É que um valor estimado não é o valor verificado.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Desde logo, porque o ano, como todos os anos, só acaba em Dezembro e não só estamos apenas em Maio como o Governo tomou posse em Março. E, passado todo este tempo, ainda não sabemos como pretende reduzir este défice.
Não! Recusamo-nos a acreditar que o Executivo socialista nada pretenda fazer e queira chegar ao fim do ano com o valor estimado já conhecido. É que, Srs. Deputados, é por isso que o valor é uma estimativa, e as estimativas podem não coincidir com o resultado final. Se coincidirem, é porque houve uma demissão política de governar. Contrariar este cenário exige acção governativa, reclama engenho e vontade política, o que, infelizmente, não tem abundado até agora.

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Aplausos do PSD.

Na verdade, conhecemos apenas o prognóstico de prosseguir a consolidação orçamental, que continuará a ser feita do lado da despesa, e sabemos que a ela não poderão escapar nem as despesas com o pessoal nem as transferências correntes, nomeadamente para a segurança social. Como é óbvio, não podemos deixar de concordar com este enunciar de propósitos do Sr. Ministro das Finanças, mas é muito pouco e muito vago. Onde estão as medidas concretas? Como pretendem baixar as despesas com o pessoal? Irá o Partido Socialista apoiar agora a moderação - o quase congelamento - salarial prosseguida em 2003 e 2004 e que tanto criticou? Como irá ser feita a necessária reforma da segurança social? E, na área fiscal, os impostos sempre vão subir ou não? E se vão - o que seria profundamente errado e lesivo para a nossa economia e contrariaria as tendências internacionais -, quais deles irão subir? E que medidas irão ser implementadas para combater a fraude e evasão fiscais? Não basta dizê-lo! É preciso explicar como se pretende fazer descer o défice em mais de um ponto percentual do PIB/ano até 2008. Ou seja, é preciso explicar como se pretende preparar o sector público para viver com menos 4000 milhões de euros, de forma a atingir, sem o recurso a receitas extraordinárias, um défice inferior a 3% do PIB daqui a três anos, como ainda ontem o Sr. Ministro das Finanças se comprometeu a fazer.
É que da resposta concreta a estas questões decorrem um modelo e uma estratégia cruciais para o desenvolvimento do País. E este modelo e esta estratégia são responsabilidade incontornável de quem governa.

Aplausos do PSD.

Foi ao PS, Srs. Deputados, que os portugueses concederam uma maioria absoluta para, supostamente, resolver os problemas do País. E eles resolvem-se, governando. O adiamento dos problemas não os resolve, antes os agudiza. Não façam o País perder mais tempo. Dois meses já lá vão e nada! Diz-se agora que é até ao fim do mês de Maio que conheceremos as medidas que serão implementadas e que o caminho a seguir será revelado. Será mesmo? Vamos esperar. Mas a verdade é que a atitude que exibiram até agora não augura nada de bom.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E não contem connosco nem com o nosso apoio…

O Sr. Mota Andrade (PS): - Consigo não contamos mesmo!

O Orador: - … para continuar na senda do faz-de-conta, à espera de um qualquer milagre que resolva o que o Governo não tem coragem de fazer.

Aplausos do PSD.

Para fazer o que importa ao País, sim, senhor, estaremos sempre disponíveis. Para fingir que se governa, para fugir à responsabilidade dos problemas, para empatar, não decidir e não contribuir para fazer avançar o País estejam certos de que contarão com a nossa firme e cerrada oposição, sempre em prol do superior interesse de Portugal e dos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No dia 20 de Fevereiro, os portugueses deram, pela primeira vez na nossa história democrática, uma maioria absoluta ao Partido Socialista. Os cidadãos eleitores mobilizaram-se claramente em torno do projecto de modernização económica e justiça social protagonizado pelo Partido Socialista, mas quiseram igualmente rejeitar, de forma inequívoca, as políticas e também uma forma de fazer política que a direita representou nos últimos anos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Políticas centradas na obsessão do défice e em reformas que nunca passaram do papel. Uma forma de fazer política baseada no incumprimento de promessas eleitorais e numa frequente falta de sentido de Estado.

Aplausos do PS.

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Esta política e estas políticas conduziram a uma grave crise económica, social e institucional que só agora estamos em condições de superar.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - É preciso descaramento!

O Orador: - Percebemos o sentido do mandato que os portugueses nos conferiram. A marca deste Governo ficou bem definida desde a sua formação, a marca da confiança. Não somos apenas nós que o dizemos, são os próprios portugueses que o manifestam em todos os estudos de opinião realizados a seguir às eleições. Os cidadãos têm hoje uma expectativa positiva sobre o Executivo e acreditam que a maioria vai fazer um bom trabalho.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os cidadãos têm hoje uma expectativa positiva sobre o Executivo e acreditam que a maioria vai fazer um bom trabalho. Pela primeira vez em muitos anos, os inquiridos revelam uma confiança redobrada no Parlamento e no conjunto das instituições democráticas.
Os portugueses voltaram a acreditar, e isto não aconteceu por acaso.

Aplausos do PS.

A composição do XVII Governo Constitucional foi conhecida, em primeiro lugar, pelo órgão de soberania que a devia conhecer antes de todos: o Presidente da República.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Isso já foi há dois meses!

O Orador: - As linhas de acção do Executivo foram apresentadas, antes de mais, perante o órgão de soberania que representa o povo e garante a legitimidade política do Governo: o Parlamento.
O Programa do Governo não é um programa escondido, corresponde aos compromissos assumidos pelo PS junto dos eleitores. É isto que os portugueses esperam de uma democracia adulta, que fez agora 31 anos.
No discurso de tomada de posse, o Sr. Primeiro-Ministro também não quis deixar dúvidas quanto à natureza reformista deste Governo. Há anos que se reclama por reformas necessárias. O País não pode ficar à espera, prisioneiro de associações profissionais, lobbies e interesses mais ou menos legítimos. Foi por isto que os portugueses deram mais uma maioria absoluta num sistema eleitoral desenhado para as dificultar.
Coragem reformista é o que o País que exige.

Aplausos do PS.

O primeiro sinal foi dado com o anúncio da possibilidade de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica fora das farmácias. Os cínicos do costume relativizaram o impacto da medida, previram que se tratava de um acto isolado, um momento de campanha para "português ver". Enganaram-se! A redução das férias judiciais, a adaptação do ensino superior às regras de Bolonha, o combate à fraude na segurança social são iniciativas que ilustram bem o permanente compromisso do Governo com o bem comum e com a qualidade de vida dos cidadãos.

Aplausos do PS.

Na Assembleia da República, no debate do Programa do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro identificou ainda os desafios que o País enfrenta. Destaco aqui os desafios do crescimento económico, da coesão social e da modernização do sistema democrático.
Com o discurso irresponsável, o governo da direita transformou dificuldades orçamentais numa grave crise económica.

Aplausos do PS.

Na altura, por certo, o governo do PSD não ouviu o "choque fiscal" do Deputado Miguel Frasquilho.

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

O equilíbrio das contas públicas passa certamente por uma política de rigor na despesa, mas não passa

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seguramente por cortes cegos no investimento e pela desmotivação da Administração Pública.
A prioridade deve ser o crescimento económico. Para isto, é fundamental a aposta nas novas tecnologias, na inovação e na qualificação dos portugueses.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Uma falácia!

O Orador: - Em apenas 60 dias, o Governo lançou um programa de estágios profissionais em empresas para jovens quadros, um sistema de incentivos fiscais à investigação empresarial e um rigoroso sistema de avaliação aplicável às instituições que se dedicam à investigação científica e tecnológica. Foi assim que cresceram as economias mais avançadas da União Europeia. É assim que queremos e devemos voltar a crescer.
Para isso, era essencial que as diferentes forças sociais e políticas assumissem a relevância nacional desta aposta. O Prof. Cavaco Silva já o reconheceu num artigo de opinião publicado ontem no jornal Público que, pelos vistos, alguns dirigentes do PSD ainda não leram. Era bom que outros se juntassem a nós nesse entendimento…

Aplausos do PS.

Para nós, socialistas, é a economia de mercado que está ao serviço da sociedade, e não o contrário. Pensamos que o crescimento não faz sentido se não for em benefício do maior número. Modernização económica e coesão social são, portanto, objectivos indissociáveis.
Nesse sentido, não podemos deixar de sublinhar, em tempos de necessária contenção da despesa, o compromisso com a criação de uma prestação para os idosos mais carenciados, a defesa da contratação colectiva, o regresso da concertação social, a revisão do rendimento social de inserção e o lançamento da aprendizagem do inglês no ensino básico.
A direita dirá, continuará a dizer, com desânimo, que estas não são reformas, mas nós não fomos eleitos para aprovar as reformas da direita!

Aplausos do PS.

Estão igualmente em curso as reformas do sistema político e judicial. Não há boas políticas sem boa política e sem boa justiça.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É a qualidade dos sistemas políticos e de justiça que dá confiança aos agentes económicos e condições à concretização das políticas públicas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em apenas 60 dias, foram submetidas à Assembleia da República novas regras e condições para o exercício de cargos públicos, subordinadas aos princípios do rigor e da transparência: primeiro, com a proposta de lei sobre a limitação de mandatos; em seguida, com a proposta de lei que altera o estatuto do pessoal dirigente no sentido de clarificar o que são cargos de confiança política, reduzindo o seu número e introduzindo de novo regras de concursos para o recrutamento de dirigentes intermédios.
Em apenas 60 dias, o Governo já aprovou um conjunto de medidas que atacam o gravíssimo problema da morosidade da justiça e do congestionamento dos tribunais. Sem uma resolução atempada dos processos perde-se o sentimento de justiça e minam-se, assim, os alicerces do próprio Estado de direito democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Novo modelo de crescimento, mais cidadania social, melhor democracia - são três eixos orientadores de uma política progressista que já arrancou e que alguns teimam em não ver.
Nunca, em tão pouco tempo, foram dados tantos passos seguros no caminho do desenvolvimento.

Aplausos do PS.

Apesar disso, nas últimas semanas, tal como hoje, temos ouvido dizer que o Governo não avança com as chamadas medidas de fundo.

Vozes do PSD: - É verdade!

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O Orador: - É o velho canto de uma sereia triste e desanimada!

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, há aqui um equívoco em torno do conceito de reformismo que importa esclarecer desde já: este não é um Governo revolucionário nem um governo irresponsável, que avança primeiro e que estuda depois.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O País está farto de leis-quadro, de leis de bases, de leis de faz-de-conta que em nada mudam a vida das pessoas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados do PSD, estamos fartos de reformas de papel!
O governo anterior apresentava-nos diariamente grandes pacotes legislativos e comprava semanalmente guerras inúteis - o resultado está à vista. Não vamos cometer os erros do passado nem vamos governar com a agenda da direita!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que este é um Governo de esquerda reformista que avança gradualmente para solucionar problemas concretos. Não vamos legislar por legislar! A nossa aposta é na mudança que muda, ao serviço do desenvolvimento de Portugal!!

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, devo dizer que, ouvindo a sua intervenção - e fi-lo com toda a atenção -, me pareceu que ela tinha como objectivo tentar mostrar que a maioria socialista ainda cá está, porque novidades não houve, sobretudo aquelas novidades que o povo português - como o Sr. Deputado disse e muito bem - queria ouvir, porque corresponderiam à forma como votou a 20 de Fevereiro, continuam a não aparecer.
Diz o Sr. Deputado que o Governo está a ser injustamente acusado de apresentar medidas casuísticas e de não ir aos problemas de fundo e que isso não é verdade. E deu exemplos: falou das férias judiciais, e de outras medidas (que, aliás, já o clarificámos, entendermos como positivas) em matéria de justiça, mas são medidas pontuais.
Onde é que estão as medidas para resolver o problema das custas judiciais, do apoio judiciário, que está a bloquear o acesso à justiça, o acesso ao Direito por parte dos estratos mais desfavorecidos de cidadãos e de trabalhadores?!
O Sr. Deputado falou ainda da questão do combate à fraude na segurança social, e não podíamos estar mais de acordo, embora tenhamos que dizer que todos os governos têm prometido o combate à fraude fiscal e na segurança social.
Mas onde é que está o compromisso do Governo com a revisão de uma lei de bases da segurança social, que foi aprovada pela direita no anterior governo, que é negativa e que parece que o Partido Socialista quer manter intacta?!...
O Sr. Deputado falou do processo de Bolonha e da sua adaptação - que, aliás, vai ser discutida hoje -, mas onde é que está uma maior generalização do ensino superior para poder dar resposta à falta de quadros qualificados que o nosso país continua a ter?!|
Sr. Deputado Alberto Martins, penso que continuamos com algumas medidas casuísticas, mesmo sendo umas positivas e outras nem tanto, e que falta a verdadeira inversão, a verdadeira mudança que os portugueses desejaram a 20 de Fevereiro.
O Sr. Deputado condenou o "discurso da tanga" do governo anterior - fez muito bem! Mas o que é se não uma edição do "discurso da tanga" aquilo que ouvimos ontem ao Ministro das Finanças, e que é exactamente a repetição daquilo que antes a Dr.ª Manuela Ferreira Leite e o Dr. Bagão Félix diziam? Restrição na despesa pública, corte cego na despesa pública, diminuição dos funcionários públicos… (quando temos muitos sectores em que a carência é enorme), diminuição dos salários da função pública… Enfim, a mesma receita de sempre…! É o segundo "discurso da tanga" em que o PS prova que também tem a obsessão do défice!
Para terminar, devo dizer que o Sr. Deputado Alberto Martins tentou demonstrar, com indicadores relativos à confiança dos portugueses, designadamente no Parlamento, que também conhecemos. Mas o

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problema não é aquilo em que eles acreditam agora; o problema, Sr. Deputado, é que cada vez mais vão percebendo que aquilo que acreditaram que ia ser a mudança de 20 de Fevereiro demora a concretizar-se, e essa é que é a grande responsabilidade do Partido Socialista!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, sem desdoiro para a sua intervenção, creio que ela poderia ter sido feita hoje, há algumas semanas, ou, eventualmente, daqui a algumas semanas, porque foi tão redonda, tão genérica que se afasta das expectativas, das atenções e das preocupações dos portugueses, que são as de saber, em concreto, quais as políticas do Governo do Partido Socialista. Algumas são, para nós, preocupantes, e, pela "amostra do pano", vai-se vendo a continuidade das mesmas. Mas, na verdade, a primeira angústia, a primeira inquietação, a primeira pergunta que queremos fazer é a de saber qual é a ideia do Governo do Partido Socialista para combater o desemprego.
Há poucos dias, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou algumas medidas na área do emprego público e do apoio a emprego privado, que eventualmente darão lugar a alguns milhares de postos de trabalho, poucos milhares de postos de trabalho. Mas, curiosamente, nos últimos meses, os postos de trabalho perdidos têm sido superiores a essa oferta de emprego que o Governo tenta promover.
É preciso saber com que política económica, com que ideias, com que tipo de investimento público é que vão concretizar a promessa de promover as condições para a criação de 150 000 empregos. Isto é que nós gostaríamos de ter ouvido na intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins e nas declarações de intenção do Governo do Partido Socialista. Porque o desemprego continua a galopar, a crise social continua a aumentar e ela foi estranhamente omissa no discurso do Sr. Deputado Alberto Martins.
Será que começamos já, tão cedo, a ter um Governo do Partido Socialista autista em relação às preocupações sociais e ao desenvolvimento do desemprego? Que medidas e que políticas é que vão adoptar, Sr. Deputado Alberto Martins? Era isto que gostaríamos de saber.
Como vamos obter a diminuição do desemprego? Como é que vão ser criados 150 000 postos de trabalho?

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, devo dizer-lhe - vale a pena lembrar - que o Governo não é nem revolucionário nem irresponsável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo tem um calendário e um Programa claros e, por isso, V. Ex.ª aludiu à situação de ter sido feita uma intervenção para marcar presença, mas nós não precisamos de marcar presença, pois ela tem sido bem marcada e bem vincada pelo Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado aludiu a um conjunto de medidas (às quais deu o seu acordo), quer no âmbito da justiça quer no do combate à fraude fiscal em relação à segurança social, fazendo referência ao desemprego - matéria igualmente referida pelo Sr. Deputado Luís Fazenda. Quanto a esta matéria, devo dizer que o Governo inscreveu como objectivo, de forma clara, o crescimento económico como prioridade essencial, como necessidade de uma nova aposta dos portugueses na inovação, na qualificação e nas novas tecnologias, como meio de criação de emprego, tendo consciência de que a luta conta o desemprego é uma questão essencial do combate político.
Este combate político faz-se com um conjunto alargado e sistematizado de medidas, e não é ao fim de 60 dias que elas podem ter um resultado imediato. Mas é certo (isso foi já dito pelo Governo) que foi lançado um conjunto de medidas relacionadas com estágios profissionais em empresas para jovens quadros e com incentivos fiscais à investigação empresarial, articuladas com outras que procuram desenvolver as condições e o espaço para a criação de novos empregos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, não confundamos o curto prazo com as medidas programáticas que estão inscritas em objectivos mais largos.

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Aplausos do PS.

A pressa é inimiga das medidas sérias, consistentes e estratégicas. Não é possível fazê-lo com varinhas de condão - mesmo quando dão a ideia de poderem dispor delas, os senhores não as têm, não existem estas medidas, os senhores não fazem milagres. Um programa consistente, sério, estratégico exige tempo, e as medidas que já foram tomadas pelo Governo no curto prazo de 60 dias indicam esse objectivo estratégico.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso diria aos Srs. Deputados que a nossa grande visão de fundo é que o défice não é o nosso objectivo absoluto, é, sim, um instrumento necessário, fundamental para garantir o crescimento económico, pela via da competitividade nacional, da inovação da qualificação dos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se o que se pretende no imediato é outra coisa, não contem connosco! Não queremos remendar situações imediatas. Queremos que haja qualidade e queremos avançar para alterações estruturais e de fundo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, o Sr. Deputado tem razão quando afirma na sua intervenção (aliás, temo-lo dito aqui com frequência) que, no dia 20 de Fevereiro, os portugueses votaram com uma expectativa de mudança.
Pena é que, ao fim de 60 dias de governo do Partido Socialista, tenham ouvido declarações do Ministro Campos e Cunha que fazem lembrar, com todo o rigor, as declarações passadas da ministra Manuela Ferreira Leite: contenção da despesa, cortes na despesa, necessidade de obedecer aos índices estabelecidos para o défice… Portanto, um discurso em tudo igual ao anterior "discurso da tanga".
Para além disso, fazemos um balanço profundamente diferente daquele que o Sr. Deputado fez relativamente aos 60 dias de governo.
É certo (isso não pode ser negado) que o Governo tem trazido à Assembleia da República, designadamente, um conjunto de medidas pontuais relativamente a alguns sectores. Mas é preciso olhar também àquelas que foram as prioridades deste Governo nos ditos 60 dias - e quando falo do Governo falo também da maioria socialista.
É o caso, por exemplo, da proposta apresentada relativamente à constituição dos executivos "monocolores". Será que esta é uma prioridade para os portugueses? Não é, obviamente! Com certeza que os portugueses não estabelecem esta matéria como uma das suas prioridades, para além de que têm certamente consciência de que esta é uma medida que vem talhar e diminuir, com grande rigor, a falta de transparência nos municípios portugueses e trazer uma grande fragilização à fiscalização feita pelas oposições aos executivos municipais.
Para além disso, nestes 60 dias, o Governo não estabeleceu qualquer prioridade relativamente ao combate ao desemprego. Veja-se, designadamente em relação à vossa promessa eleitoral de alteração do Código do Trabalho, que a mesma ainda nem sequer é uma matéria cuja discussão tenha sido iniciada nesta Assembleia da República.
Devo dizer que ainda hoje tive oportunidade de receber a comissão de trabalhadores da Alcoa Fujikura, no Seixal, que vivem alarmados com a possibilidade de um despedimento de 1000 trabalhadores. E estes trabalhadores fizeram queixas muito específicas quanto ao facto de não terem tido qualquer resposta por parte do Governo relativamente à sua situação concreta e entendem que este silenciamento do Governo é perfeitamente aflitivo!
Também devo lembrar, Sr. Deputado, que nestes 60 dias o Governo do Partido Socialista e a maioria do Partido Socialista podiam já ter resolvido uma das matérias que é com certeza prioridade para as mulheres portuguesas, que é aquela que se prende com a alteração à legislação relativa à interrupção voluntária da gravidez. Ora, graças ao Partido Socialista, esta matéria continua a enrolar e a enrolar, quando a alteração da legislação podia já ter sido produzida e estar a entrar em vigor, resolvendo, aqui, nesta Câmara, a problemática do aborto clandestino em Portugal.
Mais medidas deste Governo?! Houve o aumento dos preços dos transportes públicos…! O Governo também "brindou" os portugueses com esta medida!
Portanto, Sr. Deputado, temos, para já, um balanço algo preocupante no que diz respeito àquelas que têm sido as "prioridades" desta maioria e deste Governo relativamente às questões prioritárias, que continuam

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certamente por resolver e que, infelizmente, muito afligem os portugueses!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, de facto, decorreram dois meses, só que, deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, decorreram dois meses de quase nada!
O PS reclamou uma maioria absoluta - e teve-a! Teve-a para governar, só que não o tem feito!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - Vou dar-lhe alguns exemplos.
Falou o Sr. Deputado da questão da saúde. Quando na oposição, as grandes prioridades do Partido Socialista na área da saúde eram o combate às listas de espera e a reavaliação do novo modelo de gestão hospitalar. De facto, estas eram então bandeiras políticas do Partido Socialista.

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - Ganharam as eleições e o que fizeram? Em relação às listas de espera, até agora, Sr. Deputado, nem uma palavra!! Nem do Governo nem do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao novo modelo de gestão hospitalar, curiosamente, anunciada a sua reavaliação, após estudo, afinal, anunciaram a decisão da extinção do novo modelo de gestão hospitalar, sem que se conheça, sequer, o resultado do dito estudo! Pior ainda: anunciaram a decisão e continuam a fazer o estudo!!...
Até lhe perguntava desde já, Sr. Deputado, para começo de conversa, o seguinte: então, para quê o estudo?! Por que razão continuam a fazer um estudo que, supostamente, irá sustentar uma decisão que já foi tomada?...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Convinha que fosse aqui dada uma resposta e que a mesma tivesse alguma razoabilidade.
Mas há mais, Sr. Deputado: qual foi a grande medida apresentada pelo Partido Socialista para a saúde em Portugal? Foi, nalguns casos, a venda de medicamentos em locais que não somente as farmácias.
Daí que lhe pergunte: é esta a grande medida estruturante que o Partido Socialista, depois de tudo aquilo que nos disse quando estava na oposição, nos traz agora, quando está no poder, para resolver os problemas estruturais da saúde?! Como é evidente, não resolvem com isto coisa alguma!
Muitos outros exemplos temos, Sr. Deputado, mas só lhe posso deixar alguns!
Em relação à justiça, por exemplo,…

O Sr. Mota Andrade (PS): - Mas a justiça está a andar!

O Orador: - … também tudo prometeram e argumentaram imenso a propósito do combate à morosidade processual nesta área, mas qual foi a "grande medida" que o Partido Socialista agora nos trouxe para combater a morosidade processual na área da justiça? A despenalização de cheques sem provisão até aos 150 euros?!… O Sr. Deputado julga que com isto vai resolver os problemas da litigância e da morosidade processual?! Em primeiro lugar, o Sr. Deputado deve ter a consciência de que se diminui a litigância penal, porque despenaliza o uso destes cheques, obviamente que vai aumentar a litigância cível!

Vozes do CDS-PP: - Como é óbvio!

O Orador: - E se diminui a litigância num lado, vai aumentá-la no outro e, seguramente, não resolve o problema estrutural da justiça, com a agravante seguinte: é que prejudica, larga e principalmente, os pequenos industriais e os pequenos comerciantes, que em relação aos cheques até aos 150 euros tinham, ainda assim - num comércio que vem sendo complicado -, a garantia possível de solvência do seu pagamento.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Portanto, não resolvem o problema da justiça e prejudicam aquilo que são, principalmente, os naturais interesses dos pequenos comerciantes e dos pequenos industriais, que são aqueles mais desfavorecidos em Portugal.
Isto para não falar da agenda política do Partido Socialista, que é alterada em razão das circunstâncias e das prioridades do Bloco de Esquerda e que, não o tendo sido, passou a ser o aborto.
Em relação a isto, mais uma trapalhada: em primeiro lugar, relativamente à data, a agenda passou a ser transposta para o mês de Julho, quando essa não era a agenda inicial do Partido Socialista,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e, depois, em relação à pergunta, uma fraude que aqui denunciamos e que foi acolhida, pois não correspondia com a iniciativa legislativa no que toca ao referendo. Tiveram de nos dar razão. Deixaram o problema para o Sr. Presidente da República!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E agora criam um novo problema, porque vão de problema em problema, que tem que ver com o início da próxima sessão legislativa! E aqui "deixam o menino nas mãos" do Sr. Presidente da Assembleia da República, que terá de nos informar, de acordo um requerimento que apresentámos, acerca de para quando o início da próxima sessão legislativa. Mas nem sequer em relação a esta questão se conseguiram entender!
Deixo-lhe, por isso, algumas questões, além das que preliminarmente já daqui se indiciam.
O Sr. Deputado desvalorizou as reformas. Compreende-se…! É porque, em bom rigor, não têm qualquer reforma estruturante para o País, e é disso que o País precisa!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou. Queira concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Importa-nos saber o que querem para a justiça, o que querem para a saúde, o que querem para o emprego. A este propósito, Sr. Deputado, como estamos em relação à criação dos 150 000 empregos que prometeram aos portugueses? O que é que fizeram? Quais são as medidas? Onde é que vão ser criados? E há muito mais!…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Dê-nos uma ideia do que o Partido Socialista pretende para o País, porque é certamente o que o País espera.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, permitam-me que identifique as duas intervenções que defraudaram completamente as minhas expectativas.

O Sr. José Junqueiro (PS): - É verdade!

O Orador: - Revelaram, aliás, uma circunstância muito particular: o balanço sobre os 60 dias do Governo já estava feito antes de o Governo entrar em funções!

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Por isso, se me permite dizê-lo, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, o seu pedido de esclarecimentos revela uma grande falta de frescura e de engenho, desde logo numa coisa que é exigível ao seu entendimento, ou seja, nós governamos com o nosso Programa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E o nosso Programa diz que o Governo do Partido Socialista se compromete a ter um sistema de governo local com maiorias homogéneas. É um compromisso perante o povo português.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, tem de ter paciência: ou tem mais votos e consegue ter maioria absoluta ou, não tendo maioria absoluta, aceita que esta matéria é da nossa responsabilidade!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Era o que mais faltava que a maioria absoluta do PS me calasse!!

O Orador: - A Sr.ª Deputada vai deixar-me falar, porque ouvi-a com toda a atenção.
Portanto, Sr.ª Deputada, tenha paciência! O nosso Programa é este e vamos cumpri-lo apresentando uma proposta de melhoria do governo local como o povo português pretende.
Por outro lado, há uma ideia que vale a pena ter: somos sensíveis à opinião de todos os partidos e dialogamos com eles, exercemos o contraditório, exercemos o dissenso e o consenso político. É óbvio, faz parte das regras da democracia! Mas não pretendam fazer a leitura do voto dos portugueses. Tenham igualmente paciência! Os portugueses fizeram a leitura do seu próprio voto, na altura em que votaram!

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - E quando o continuam a fazer, demonstram que estão de acordo, com margens significativas de confiança, com as políticas do Governo. Por isso, não confundam os vossos agrupamentos políticos e a vossa legítima representatividade com os portugueses!

Aplausos do PS.

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Quanto ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, o Sr. Deputado referiu-se a uma questão muito relevante a que quero dar ênfase, que é a questão das listas de espera dos hospitais.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Ainda está tudo em lista de espera!

O Orador: - Tenho ainda na minha lembrança, se a memória não me atraiçoa,…

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Atraiçoa, atraiçoa!…

O Orador: - Não atraiçoa não, Sr. Deputado! Já lhe vou mostrar que não!

Protestos do PS.

O Sr. Primeiro-Ministro Durão Barroso dizia que não iria haver Ota, enquanto houvesse listas de espera.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - E qual foi a situação dramática em que acabámos? Temos não uma mas duas listas de espera, e não temos Ota!
Ora, com o nosso Governo, vamos ter Ota e o fim das listas de espera!

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para já, a única coisa que temos são medicamentos nos supermercados!

O Orador: - Mas vamos igualmente à questão da justiça.
O problema da justiça, verdadeiramente - e o Sr. Deputado sabe isso tão bem quanto eu, pois é conhecedor desta área específica -, no que tem a ver com a litigância de massa, tem a ver com uma litigância frequente em que, no domínio cível, os tribunais estão "encharcados" (e esta metáfora é expressiva) de acções de bancos e de companhias de seguros para pequenas cobranças.
Ora, o que o Governo está a fazer é acabar com essa litigância nos tribunais, e isso dói, Sr. Deputado! Dói a alguns interesses, mas vamos combatê-lo!

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Bernardino Soares pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, esta interpelação devia já ter sido feita a propósito da intervenção da Sr.ª Deputada Teresa Caeiro há pouco, mas eu não tinha conhecimento desta matéria quando a intervenção ocorreu.
Tive conhecimento de declarações proferidas por um padre, de nome Domingos Oliveira, na homília a propósito da morte de uma criança que foi assassinada há bem pouco tempo, que diziam que mais grave do que a morte dessa criança é a morte dos fetos, que não têm condições nem para se defenderem, nem para gritarem, nem para chorarem.
Quero dizer, Sr. Presidente, que é inaceitável e repudiamos totalmente que quaisquer posições sobre outra matéria, que é a que aqui se quer atingir com estas declarações, sejam tomadas à custa da dor de um violento crime, que tanta consternação causou. Repudiamos totalmente este tipo de intervenções e de afirmações na praça pública, sejam feitas por quem forem.

Vozes do PCP: - Uma vergonha!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para interpelar a Mesa no mesmo sentido, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para, através da Mesa, solicitar ao Sr. Deputado Bernardino Soares que esclareça o que é que o que acabou de dizer tem a ver com a intervenção da Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
Compreendo que o Sr. Deputado Bernardino Soares, porventura, considere igualmente graves ambas as situações e eu, porventura, mais umas do que outras, agora não percebo é qual é a relação entre aquilo que o Sr. Deputado Bernardino Soares disse e a intervenção politicamente relevantíssima feita pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro a propósito dos maus tratos de crianças, que, suponho eu, é uma questão importante que nos deve afectar a todos, e, de resto, a Sr.ª Deputada quis envolver toda a Câmara nesse projecto de deliberação, solicitando a todos os partidos que se juntassem ao CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto não é uma interpelação!

O Orador: - Uma outra pergunta que faço ao Sr. Deputado Bernardino Soares, através da Mesa, é se, porventura, o Partido Comunista se exclui, desde já, dessa iniciativa que a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro anunciou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, registo as vossas intervenções sob a forma de interpelações à Mesa, mas tenho de vos dizer que a figura da interpelação não serve para cobrir esta temática, que podia ter tido lugar em sede de discussão aquando da intervenção da Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, porque agora gera controvérsia e direito de resposta e contra-resposta. Peço-vos, portanto, que se abstenham de prosseguir por este caminho.
Estão tornadas claras as posições, por isso penso que devíamos passar ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos e, nesse sentido, peço a vossa compreensão.
Srs. Deputados, terminámos, assim, o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 7/X - Segunda alteração da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, que estabelece a Lei de

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Bases do Sistema Educativo, regulando a organização de graus e diplomas do ensino superior, na sequência do processo europeu de Bolonha, e dos projectos de lei n.os 52/X - Altera a Lei de Bases do Sistema Educativo (BE), 54/X - Regula a organização de atribuição de graus académicos no ensino superior, em conformidade com o Processo de Bolonha, incluindo o Sistema Europeu de Créditos (CDS-PP), 55/X - Lei de Bases da Educação (PSD) e 59/X - Alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, na redacção dada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro) (PCP).
Todos estes diplomas se referem à alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo naquilo que tem a ver com as implicações para Portugal do processo de Bolonha.
Para apresentar a proposta de lei, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Mariano Gago): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo que hoje vamos discutir visa contribuir para o principal objectivo do Governo para o ensino superior no que respeita à necessidade urgente de garantir a qualificação das novas gerações para as exigências do espaço europeu.
Refiro-me, naturalmente, à necessidade de contribuirmos activamente para o processo de Bolonha de reforma do ensino superior na Europa e de garantir a plena integração e qualificação das instituições de ensino superior nacionais no espaço europeu do ensino superior.
Portugal esteve entre os primeiros subscritores do Acordo de Bolonha de 1999 e das declarações subsequentes. Contudo, após a adopção internacional - que também subscreveu - de um calendário de reformas, pouco ou nada fez para as cumprir e corria o grave risco de ver o seu sistema de ensino superior desvalorizado internacionalmente se esse atraso não fosse prontamente ultrapassado.
É precisamente esse o caminho que propomos, com carácter de urgência, à Assembleia da República, a uma semana apenas da Conferência Ministerial de Bergen, onde serão registados os passos dados por cada país e confirmado o processo de acreditação de formações à escala europeia a cumprir nos próximos anos.
A qualificação internacional do nosso ensino superior é hoje uma matéria essencial para o desenvolvimento do País e para a empregabilidade dos nossos diplomados. Não se trata aqui de um mero exercício formal que se esgota em diplomas enquadradores, mas de dar o primeiro passo para a libertação das energias de reforma que existem em cada instituição, de forma a promover melhores aprendizagens internacionalmente reconhecidas.
O processo de Bolonha é uma oportunidade que importa urgentemente explorar.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Permitam-me começar por realçar dois aspectos da proposta em discussão.
Primeiro, a abertura no acesso ao ensino superior e a criação de condições para que todos os cidadãos possam ter acesso à aprendizagem, ao longo da vida, também no ensino superior, assim como o desenvolvimento do papel das instituições de ensino superior.
Neste contexto a proposta agora em discussão garante a modificação das condições de acesso ao ensino superior para os que nele não ingressaram na idade de referência, atribuindo aos estabelecimentos de ensino superior a responsabilidade pela sua selecção.

Aplausos do PS.

A proposta de lei aponta ainda para a criação de condições para o reconhecimento da experiência profissional no acesso ao ensino superior.
Segundo, a transição de um sistema de ensino baseado na ideia da transmissão de conhecimentos para um sistema baseado no desenvolvimento de competências é a questão crítica central em toda a Europa e com particular expressão em Portugal, dados os altíssimos valores de abandono e insucesso que se verificam no nosso país e o peso conservador de modelos de ensino retóricos, medidos mais por horas de audição passiva de aulas do que pelo trabalho individual ou colectivo dos próprios estudantes, devidamente apoiados e orientados para as finalidades da aprendizagem e para as competências a adquirir.
A experimentação, o trabalho de projecto e a prática orientada de actividades de investigação, desde os primeiros anos, são essenciais neste processo de reforma que a lei anuncia e vem permitir e estimular.
Neste contexto, a proposta de lei do Governo prevê a adopção de um sistema de créditos curriculares de nível europeu, baseados precisamente no trabalho dos próprios estudantes, juntamente com a adopção do modelo de dois ciclos de estudos, conducentes aos graus de licenciado e de mestre. A proposta atribui pela primeira vez ao ensino politécnico a possibilidade de conferir o grau de mestre, sem prejuízo de, na regulamentação do sistema de graus, se vir a prever a desejável cooperação entre universidades e politécnicos em todos os ciclos de estudos, nacionais e estrangeiros, designadamente os conducentes ao grau universitário de doutor.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De acordo com o Programa do Governo, a proposta de lei em discussão é favorável ao desenvolvimento de um sistema de ensino superior orientado para públicos diversificados, no âmbito do qual a diversidade e a flexibilidade devem ser orientadas para a especialização e para o desempenho institucional. Assim, "a coexistência de formações e ambientes de ensino e pesquisa de perfil típico daqueles tradicionalmente associados a universidades e de perfil tradicionalmente associado a politécnicos constitui uma riqueza de que não deveremos abdicar. Mas isso deve ser conseguido garantindo o relacionamento mais estreito entre os subsistemas universitário e politécnico, valorizando a excelência em ambos".

Aplausos do PS.

Naturalmente que os doutoramentos, em toda a Europa definidores da própria instituição universitária, são conferidos pelas universidades, sem prejuízo da variedade de inserções institucionais dos centros e institutos de investigação onde se orienta e prepara o trabalho científico correspondente.
Neste contexto, quero sublinhar o empenho do Governo no reforço das qualificações do pessoal docente e das actividades de investigação em todo o ensino superior, especialmente nos institutos politécnicos cuja contribuição específica para o desenvolvimento urge potenciar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É ainda neste âmbito que a proposta de lei agora em apreciação na Assembleia da República consagra que só poderão conferir um dado grau académico numa determinada área os estabelecimentos de ensino superior que disponham de um corpo docente próprio, qualificado nessa área, e dos demais recursos humanos e materiais que garantam o nível e a qualidade da formação adquirida.
Esta preocupação pela qualidade é ainda reforçada em relação ao grau de doutoramento, que só deve ser atribuído por aquelas universidades que, para além da própria variedade disciplinar de capacidades de investigação e de formação superior que as caracterizam, demonstrem possuir os recursos humanos e organizativos necessários à realização de investigação e uma experiência acumulada, sujeita a avaliação e concretizada numa produção científica e académica relevante naquela área em que pretendem conferir esse grau.

Aplausos do PS.

Na fixação da duração das formações conducentes ao grau de licenciado e de mestre seguiram-se os parâmetros internacionalmente acordados, de forma a garantir a necessária comparabilidade no espaço europeu, a par da flexibilidade igualmente desejável e hoje largamente praticada dentro de cada país. A acção reguladora do Estado exercer-se-á posteriormente, quando necessário, de forma a imprimir ao sistema de ensino superior português uma mais generalizada cultura de responsabilidade no espaço europeu.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Muito bem!

O Orador: - A adopção do processo de Bolonha, consagrada na proposta de alteração à Lei de Bases em discussão, requer alterações, embora pontuais, à lei de financiamento. Não apenas se garante nesta proposta que a passagem para uma estrutura em dois ciclos de estudos não representará diminuição do financiamento público disponível…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … como se propõe que o valor das propinas a pagar pelos estudantes do segundo ciclo seja regulado e adequado à nova natureza deste ciclo.
Assim, é garantido, em simultâneo:
Que o financiamento público do ensino superior continuará a abranger, como já hoje acontece, o primeiro e o segundo ciclos de estudos;

Aplausos do PS.

Que a acção social escolar será estendida aos estudantes do segundo ciclo;
Que as propinas de mestrado continuarão a ser fixadas livremente pelas instituições de ensino superior, excepto quando se trate de novos mestrados indispensáveis para o exercício de profissões ou ainda de mestrados integrados.
Em termos de conclusão, e como discutido nesta Assembleia aquando da apresentação do Programa de Governo, devo sublinhar que, em nosso entender, o processo de Bolonha é uma oportunidade de diversificação

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e de autonomia responsável de universidades e politécnicos, e não de uniformização e muito menos de centralismo burocrático.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - A questão central é a comparabilidade de formações diferentes, para efeitos de reconhecimento internacional e de mobilidade, e de transparência da melhoria efectiva da qualidade das formações. É neste contexto que a proposta de lei em discussão traduz uma visão exigente, à luz de padrões internacionais, de modo a ser possível a acreditação internacional das formações adquiridas, a avaliação internacional das instituições e do próprio sistema e a reorganização necessária da rede actual do ensino superior português face aos desafios do futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o maior défice que temos é o défice de desenvolvimento, e, por isso, devo saudar V. Ex.ª e o Governo por trazerem aqui esta iniciativa, que é uma iniciativa que visa o combate positivo e pacífico pelo desenvolvimento e pelas qualificações.
Bolonha constitui um processo indispensável para garantir a mobilidade, a empregabilidade e a acreditação internacional de competências. Eis por que o método correcto foi o seguido pelo Governo, trazendo aqui com urgência as alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo, para permitir que Portugal não continue a atrasar-se numa matéria em que foi pioneiro.
Sr. Ministro, ouvi com particular atenção, ouvimos todos com particular atenção, a necessidade de aproveitar e de mobilizar as energias de reforma da cada instituição de ensino superior considerando a sua especificidade e ouvimos com especial gosto e agrado a dignificação das várias instituições e dos vários subsistemas, designadamente a universidade e o politécnico. Universidade e politécnico que têm muito para dar ao País e que só o poderão dar reconhecendo as suas próprias capacidades e as suas próprias competências.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A questão que gostaria de colocar-lhe, Sr. Ministro, é a seguinte: no contexto das medidas tomadas agora, como garantir o reforço da dignificação das várias instituições de acordo com essa flexibilidade, com a acreditação internacional de competências e com a avaliação internacional de competências? Como garantir essa avaliação internacional de competências? Como combater o insucesso e o abandono escolares no ensino superior?
E saudamos aqui especialmente as medidas anunciadas, designadamente no que se refere à igualdade de oportunidades e ao financiamento público quer do primeiro ciclo quer do segundo ciclo, uma vez que o processo de Bolonha não se trata de um procedimento de natureza financeira, trata-se de um procedimento para combater positivamente o maior défice com que contamos, que é o défice de desenvolvimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a S.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, começo por referir-lhe excertos de dois textos, que V. Ex.ª conhece certamente.
No seu Programa Eleitoral, o PS diz, na página 54, o seguinte: "O PS é favorável ao sistema binário: a coexistência de formações e ambientes de ensino e pesquisa de perfil mais universitário e de perfil mais politécnico constitui uma riqueza de que não deveremos abdicar. Mas isso não quer dizer divisão estanque entre os dois subsistemas, nem menorização do politécnico…" - repito, Sr. Ministro, nem menorização do politécnico - "… Em particular, a possibilidade de concessão de graus deixará de estar fixada por critérios unicamente administrativos, para passar a depender da satisfação de requisitos, exigentes e comuns, de qualidade".
Também o Programa do Governo, que foi apresentado aqui na Assembleia da República pela voz do Sr. Primeiro-Ministro, também na página 54, diz o seguinte: "A coexistência de formações e ambientes de ensino e pesquisa de perfil típico daqueles tradicionalmente associados a universidades e de perfil tradicionalmente associado a politécnicos constitui uma riqueza de que não deveremos abdicar. Mas isso deve ser conseguido garantindo o relacionamento mais estreito entre os subsistemas universitário e politécnico, valorizando a excelência em ambos. Em particular, a possibilidade de concessão de graus deixará de estar

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fixada por critérios unicamente administrativos, para passar a depender da satisfação de requisitos, exigentes e comuns, de qualidade".

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Ministro, aqui terminam as "coerências" Isto porque o Governo prometeu regular esta matéria de tal forma que satisfaça o cumprimento dos "requisitos, exigentes e comuns, de qualidade", mas, na realidade, no artigo 13.º, n.º 9, da proposta de lei que acaba de apresentar, mantém exactamente os critérios exclusivamente administrativos. Ou seja: ao dizer, como Sr. Ministro fez, que se recusa a desvirtuar o conceito de doutoramento, parece, isso sim, desvirtuar seriamente o conceito de institutos politécnicos superiores,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - … porque este n.º 9 do artigo 13.º diz que o grau de doutor é conferido apenas pelo ensino universitário.
O Sr. Ministro perdoar-me-á, mas faz-me lembrar aquela lógica do "polícia bom" e do "polícia mau", que parece ter sido introduzida pelo Governo do PS, em que o Programa Eleitoral do Partido Socialista, o Programa do Governo e o Sr. Primeiro-Ministro fazem sistematicamente de "polícia bom" e, depois, os Srs. Ministros - e já vimos que o Sr. Ministro da Saúde fez esse papel e agora o Sr. Ministro também está a fazê-lo! - vêm contradizer todas aquelas fantásticas propostas que tinham sido feitas em sede de Programa Eleitoral do Partido Socialista, de Programa do Governo mas também pelo Sr. Primeiro-Ministro!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS.

A Oradora: - Em que ficamos, Sr. Ministro? Como é que vai responder a esta contradição entre as promessas de "excelência" e de equivalência entre os sistemas de ensino superior, que o Sr. Ministro não quer desvirtuar, mas, depois, na proposta de lei, vem desvirtuar o ensino politécnico ao não lhe conceder a possibilidade de atribuição do grau de doutor.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Peço aos grupos parlamentares que facultem um contingente activo de eleitores às votações que estão em curso e que se vão prolongar até ao final da sessão.
Dou, agora, a palavra ao Sr. Deputado Agostinho Branquinho para formular o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, não podemos considerar que uma matéria tão relevante como esta tenha começado da melhor maneira. V. Ex.ª e o Governo comprometeram-se a enviar, em devido tempo, o diploma para a Assembleia da República, o que, de facto, não veio a acontecer.
O processo começou de forma atabalhoada e não é, de certeza, essa a maneira que temos de discutir seriamente, repito, seriamente, as questões que se prendem com o ensino superior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E é bom que, no início deste debate, todos digamos aquilo que é sério e o que não o é e, portanto, é bom que V. Ex.ª, que começou com o "pé esquerdo",…

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Não apoiado! Não apoiado!

O Orador: - … venha "emendar o pé", neste caso,…

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Ó Sr. Deputado, tem alguma coisa contra o "pé esquerdo"?!

O Orador: - … e, num futuro próximo, trazer as coisas à Assembleia em devido tempo…

Protestos do PS.

… e, sobretudo, respeitar aquilo que é necessariamente o trabalho parlamentar, para que todos possamos

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contribuir e enriquecer objectivamente as propostas que nos são presentes.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Muito bem!

O Oradora: - Sr. Ministro, ainda nesta linha de ser sério intelectualmente, deixe-me dizer o seguinte: não fica bem a V. Ex.ª, até porque é uma pessoa com grande currículo académico e membro do Governo, vir dizer a esta Câmara que até agora pouco ou nada se fez. Não é sério, Sr. Ministro! Não muito recentemente, em Junho de 2004, aprovámos nesta Assembleia da República uma lei de bases na qual estava contida uma parte fundamental destas matérias e, em Julho do ano passado, o Sr. Presidente da República entendeu vetar a lei. No entanto, a lei foi feita, teve até uma ampla discussão… Mas não interessa agora discutir isso, porque certamente ainda hoje abordaremos esta matéria. Portanto, não é sério dizer que nada se fez.
E V. Ex.ª também sabe, até porque o citou na sua intervenção, que o governo anterior aprovou em Conselho de Ministros, em Dezembro do ano passado, o Decreto-Lei n.º 42/2005, sobre esta matéria. Portanto, não é sério vir dizer que nada se fez.
Já agora, deixe-me congratular com a evolução do Governo e do Partido Socialista nesta matéria. A Sr. Deputada Teresa Caeiro já se pronunciou sobre isso e, portanto, não vou perder muito tempo com o assunto, mas é bom que os senhores se aproximem de posições que nós já defendemos no passado e que entendemos serem as mais relevantes no que concerne, sobretudo, à atribuição de graus académicos. Não vou, pois, perder tempo com esta questão.
Basicamente, gostava de colocar duas questões.
A primeira prende-se com a implementação destas matérias e, a este propósito, quero perguntar ao Sr. Ministro como é que isto vai ser feito, uma vez que, na proposta de lei, V. Ex.ª sobre isto nada diz. Se calhar, até era favorável que V. Ex.ª tivesse dito alguma coisa e mesmo que fizesse acompanhar a proposta de lei de uma proposta de regulamentação para todos ficarmos a perceber qual era o cenário que iríamos ter pela frente e, deste modo, poderíamos perceber melhor como é que V. Ex.ª, no terreno, prevê regulamentar e implementar esta matéria.
Por último Sr. Ministro, quero perguntar-lhe sobre o problema do financiamento. Para o Partido Social Democrata é importante que, com o Processo de Bolonha e com a nova estrutura dos graus académicos, não inibamos a participação dos jovens no seu processo formativo. Ou seja, se quiser, numa linguagem mais prosaica, o importante é que ninguém fique fora do sistema por não ter condições socioeconómicas.
Gostávamos que V. Ex.ª fosse um pouco mais além das meras palavras que proferiu sobre a acção social escolar e nos falasse um pouco mais sobre as matérias de financiamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o País corre hoje, nesta Assembleia, um grave risco: o de ver alterada a organização do ensino superior de uma forma perfeitamente administrativa. Estamos a fazer uma alteração com vista a uma reunião internacional, a realizar em Maio de 2005, mas que já está marcada desde 2003.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): - 2003?!

O Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: - 2002!

A Oradora: - E quer os governos do PS quer os do PSD são grandemente responsáveis pelo estado a que chegámos.

Protestos do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Ó Sr. Ministro, o senhor foi Ministro, lembra-se? De 1999 até hoje, tiveram muito tempo para trabalhar. Esqueceram-se, tiveram outras coisas para fazer e não trabalharam!
Mas fizeram outras coisas, Sr. Ministro. Fizeram, intramuros, aquilo que não era preciso fazer. Por exemplo: facilitaram a irracionalidade da rede nacional, pública e privada, do ensino superior;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - … ignoraram os 70% de professores com vínculo precário às universidades e aos politécnicos. E ignoraram porquê? Porque tinham de responder àqueles que, na defesa de uma política neoliberal, pretendem transformar o bem público que é a educação num espaço de mercantilização de saberes.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Estas eram as medidas urgentes, e não as outras. Inclusivamente, até temos aí alguns "opinadores" que, de vez em quando, já dizem que o que é urgente é que o Partido Socialista altere a Constituição da República Portuguesa e faça desaparecer a educação como bem público e a gratuitidade do sistema educativo. Cá estaremos para ver até onde vai o Partido Socialista!
Mas, hoje, seriam precisas soluções e, em vez de soluções, o Sr. Ministro só nos traz problemas. O Sr. Ministro comprou um "fato" em Bolonha mas esse "fato" é curto para os "clientes" que tem em Portugal. O que faz o Sr. Ministro? Corta os "clientes", porque não cabem no "fato"!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Ó Sr. Ministro, isso não se faz! Então, Sr. Ministro?!
Mais ainda: o Sr. Ministro encontrou alguns "clientes" mais exigentes que precisam de um "fato" um bocado mais comprido e que lhe disseram: "Não, não. Connosco, não! Nós queremos um 'fato' mais comprido!". O que fez o Sr. Ministro? Foi a um "saldo", comprou um conjunto de retalhos, acrescentou o "fato" e chamou-lhe "os mestrados integrados". Ó Sr. Ministro, isto não se faz! Não é disto que precisamos no ensino superior!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Do que precisamos, Sr. Ministro, não é que o "encurtador" encurte os "fatos" mas, sim, que o ensino superior em Portugal responda às necessidades do País.
Por isso, Sr. Ministro, vamos às perguntas concretas, que o tempo é pouco.
Para os "clientes" que não cabem nos três e quatro anos que se propõem e que vão fazer mestrados integrados quais são os cursos? Quais são as profissões? E quanto aos que ficam fora destes mestrados integrados, quais são os que o Sr. Ministro escolheu?
Mas estes jovens também podem ter acesso a um diploma de licenciatura. Vamos imaginar que é o curso de Medicina. Têm acesso a um diploma de licenciatura. Quais são as profissões ao fim dos três anos? Pode dizer-nos?
Por outro lado, afirma-se, em determinado momento, na "Exposição de motivos" da proposta de lei, que o Governo quer incentivar a entrada no ensino superior. Pergunto, Sr. Ministro: este incentivo tem a ver com o corte do financiamento dos mestrados não integrados, discriminando negativamente aqueles que querem fazer mestrado.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino, Sr. Presidente, com a questão da formação de professores. Que tipo de formação quer o Sr. Ministro para os professores, actores estratégicos do sistema educativo? É uma formação menorizada para os educadores e professores do 1.º ciclo, básico, e outra formação para os restantes professores? E quanto ao politécnico e às universidades? O Governo do Partido Socialista não vai ou não cumprir o Programa Eleitoral do Partido Socialista e o Programa do Governo? Diga-nos "sim" ou "não", Sr. Ministro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, dizia o cidadão Mariano Gago em 1993, em parecer do Conselho Nacional de Educação, que o aumento das propinas era um dos principais obstáculos à qualificação.
Diz o agora Ministro Mariano Gago que temos um situação paradoxal no ensino superior: uma redução do número de estudantes, por razões demográficas, e um alto nível de insucesso escolar, o que faz com que entrem 80 000 estudantes por ano e saiam cerca de 40 000 diplomados.
Pergunto, Sr. Ministro: as medidas que agora nos traz, à pressa, para apresentar "trabalho de casa" na reunião que vai realizar-se em Maio com os seus congéneres europeus, vão ou não dificultar a entrada de novos públicos no ensino superior? Isto por uma razão simples, Sr. Ministro: é que só os mestrados integrados terão as propinas fixadas pelo Ministério da Educação. Nos outros casos, as propinas vão ser fixadas pelas instituições naquela espécie de "autonomia do odioso", que é: "os senhores têm autonomia para executar o odioso. Aumentem os senhores as propinas, nós lavamos as nossas mãos!" E é evidente que as instituições do ensino superior vão aumentar as propinas dos mestrados, porque se sabe que elas são,

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hoje, subfinanciadas. Essa é a grande questão, Sr. Ministro.
Na verdade, temos como objectivo da União Europeia o aumento para 2% do PIB do investimento público em ensino superior. Muito concretamente, gostava de saber se o Programa de Estabilidade e Crescimento vai ou não abandonar aquela premissa de que o aumento do investimento no ensino superior seria "zero". É que, Sr. Ministro, o aumento "zero" do investimento no ensino superior em termos reais significa um decréscimo, já que, da parte das despesas, há sempre um aumento. Isto é, se o Estado investir todos os anos o mesmo no ensino superior, haverá um decréscimo real, porque as despesas estão sempre a aumentar. Gostava, pois, de ouvi-lo falar sobre isso.
Também gostava de o ouvir falar sobre um documento da União Europeia, documento esse que estabelece uma espécie de quotas educativas - e, a nosso ver, esta é a agenda oculta de Bolonha. Esse documento Making the best use of resources, isto é, fazer o melhor uso possível dos recursos, diz que os países longe da fronteira tecnológica - como é o caso de Portugal - devem concentrar-se principalmente no ensino primário e secundário, enquanto que os países mais perto da fronteira tecnológica - os países mais avançados - devem investir prioritariamente no ensino superior.
Isto é, será que Bolonha não é precisamente um instrumento para desinvestir no ensino superior? Será que Bolonha não é precisamente um investimento para criar cursos de primeira e cursos de segunda? Será que Bolonha não é precisamente o instrumento que este Governo está a utilizar, aproximando-se das posições do PSD, como diz o Sr. Deputado Agostinho Branquinho, para criar universidades de elite e universidades para os outros? Será que Bolonha não é, finalmente, o instrumento para que tenhamos, afinal de contas, menos estudantes? É que, sabe-se, o esforço será cada vez mais o das famílias e o subinvestimento do ensino superior será cada vez mais feito graças ao esforço das famílias e estas, Sr. Ministro, são diferentes, as famílias são desiguais. Portugal é um País com forte desigualdades sociais e essas desigualdades sociais serão cada vez mais desigualdades do sistema universitário.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito obrigado pelas vossas questões.
Naturalmente, terei de ser muito breve, porque o tempo é muito curto,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - O PS pode dar tempo!

O Orador: - … mas estarei à disposição dos Sr.as e Srs. Deputados para, em sede de comissão, discutirmos em detalhe todas estas questões.
Serei muito sucinto em questões básicas.
Julgo que há duas questões que têm de ficar claras. Estas medidas não são tomadas à pressa, são medidas que respondem a um atraso do País, desde o momento, em 2002, em que foi regulamentada a Declaração de Bolonha e em que ficou claro qual era o calendário de reformas estabelecido na Europa, livremente, pelos países signatários - desde 2002. Estamos em 2005.
Por que razão é que este problema é preocupante? Este problema é preocupante por força da acreditação dos estabelecimentos de ensino superior no espaço europeu e das formações no ensino superior. Existe uma enorme competição por recursos humanos qualificados em toda a Europa e faz parte dessa competição, como bem disse o Sr. Deputado do Bloco de Esquerda, procurar desvalorizar, desacreditar, as formações superiores de outras formações, de outras escolas, de outros países.
O documento que o Sr. Deputado João Teixeira Lopes citou, e que eu conheço, é altamente preocupante. Esse documento foi elaborado por um consultor da União Europeia, não é um documento oficial da Comissão Europeia que, a existir, motivaria, por certo, um protesto formal deste Parlamento e do Governo. Contudo, indica que existe um debate, que existe uma competição e que existe um real perigo na competição por recursos humanos qualificado em toda a Europa.
E só há uma maneira de nos batermos nesse território: sermos mais qualificados; batermo-nos, como também já fazemos nas instituições científicas, por avaliações credíveis do ensino superior; fazer com que as outras instituições reconheçam as nossas instituições como credíveis; batermo-nos no espaço da qualificação europeia.

Aplausos do PS.

Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, alimentar qualquer ilusão nesta brincadeira de que Bolonha é uma espécie de "alfaiataria" para a acreditação europeia que não nos serve, ou seja, que a Europa não nos serve,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Não foi isso que dissemos!

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O Orador: - … peço-lhe desculpa mas não é aceitável.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - O Sr. Ministro ouve mal!

O Orador: - A Europa é mesmo o que nos serve! Estarmos orgulhosamente sós contra a Europa e dizermos que o "fato" europeu não nos serve significa que nem os nossos "fatos" conseguimos vender na Europa!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Não!

O Orador: - Esta não é nenhuma medida preparada à pressa pelo Governo. É, sim, uma medida preparada com pressa, porque o atraso é muito, mas não é preparada para apresentar em Bergen o "trabalho de casa"!… Ó Sr.ª Deputada, francamente!

Protestos da Deputada do PCP Luísa Mesquita.

A Sr.ª Deputada Teresa Caeiro colocou uma questão relativa aos graus do ensino que, penso, convém clarificar. A Sr.ª Deputada, tentando encontrar uma casuística argumentativa…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - "Tentando" não. É óbvia!

O Orador: - … segundo a qual haveria uma contradição entre a proposta de lei e o Programa do Governo, trouxe-nos citações que interpretou no sentido de que agora todas as instituições passariam a dar todos os graus.

Vozes do CDS-PP: - Não!

O Orador: - Julgo que quer dizer que defende que os politécnicos, em princípio, devem poder dar o grau de doutoramento.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - O Sr. Ministro afirmou-o!

O Orador: - Não! Peço-lhe desculpa, mas não percebeu.
A situação europeia é a seguinte: quem dá os doutoramentos são as universidades. Ou seja, os doutoramentos são preparados em instituições de investigação, estejam elas em universidades, em institutos politécnicos ou em institutos de investigação que nada têm que ver com o ensino superior - aí que se faz a investigação -, mas quem define qual é o júri, quem faz o exame, quem acredita o doutoramento são as universidades. É essa a definição europeia consagrada de universidade!

Aplausos do PS.

Porquê? Porque as universidades têm uma variedade de formações - não é numa área, não é naquela área - e de competências de investigação e de produção de saber que lhe garantem esse facto.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Ministro.

O Orador: - A grande mudança desta lei é a de que os mestrados, como está a acontecer em vários politécnicos da Europa, pela primeira vez, vão poder ser concedidos pelos politécnicos. É assim que se deve ler o Programa do Governo.
Não faria qualquer sentido que a essência do grau de doutoramento, que é da universidade…

Protestos da Deputada do CDS-PP Teresa Caeiro.

Sr.ª Deputada, um bom politécnico não se transforma numa universidade mas num politécnico ainda melhor; uma má universidade não se degrada num politécnico! Não existe essa relação de classe entre politécnicos e universidades!

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos.

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, parabéns por ter conseguido fazer em dois meses aquilo que outros não conseguiram fazer em três anos.

Risos e aplausos do PS.

Parabéns por ter conseguido colocar Portugal, outra vez, no caminho do Espaço Europeu de Ensino Superior.
O Sr. Ministro apresentou as vantagens e as potencialidades, para o nosso país e para o nosso sistema de ensino superior, da implementação do Processo de Bolonha. Subscrevemos todas essas vantagens e todas essas potencialidades.
Para além dos cursos com os mestrados integrados, congratulamo-nos por saber que nenhum aluno a quem seja exigido o segundo ciclo para o exercício da sua profissão vai ter de pagar mais por isso.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É extraordinário!

O Orador: - No entanto, Sr. Ministro, a Juventude Socialista tem algumas preocupações, nomeadamente a que respeita aos estudantes dos cursos não abrangidos nestes dois grupos, cuja propina do segundo ciclo vai ser fixada pelas instituições de ensino superior, a bem da verdade com base em regras a definir pelo Governo em futuro decreto-lei. Temos receio que, com uma provável generalização do primeiro ciclo, o segundo ciclo passe a ser o elemento diferenciador para o mercado de trabalho. Receamos que muitos alunos não possam aceder ao ensino em condições de igualdade pelo facto de existirem diferentes capacidades económicas. Se isso acontecesse, estaríamos a reproduzir algumas desigualdades sociais, coisa que nem nós nem o Sr. Ministro havemos de querer.
Assim, pretendo saber, em primeiro lugar, qual o sentido das regras, a definir futuramente através de decreto-lei, que irão condicionar a fixação das propinas do segundo ciclo pelas instituições do ensino superior e, em segundo lugar, uma vez que a acção social escolar é um instrumento fundamental para a promoção da igualdade de oportunidades no que respeita ao acesso ao ensino superior e à sua frequência, se a acção social escolar directa vai estender-se aos estudantes do segundo ciclo e de todos os cursos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em primeiro lugar, queria deixar duas notas.
A primeira é para dizer ao Sr. Ministro que, em relação às respostas que tem para dar, se precisar de tempo, nós estamos disponíveis para o ceder. Portanto, não há-de ser por falta de tempo que o Governo não vai esclarecer todas as questões que aqui lhe forem colocadas, inclusivamente algumas da ronda de perguntas anterior que não foram esclarecidas pelo Sr. Ministro.
A segunda nota é para dizer que a pergunta colocada pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro não é propriamente uma perplexidade de uma bancada parlamentar que não consegue interpretar o Programa do Governo e o Programa Eleitoral do Partido Socialista.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Ainda esta semana, tivemos oportunidade de, na comissão, ouvir o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos manifestar perplexidade com esta incoerência do Partido Socialista entre aquilo que prometeu no Programa do Governo e aquilo que concretizou na proposta de lei. Portanto, são os próprios intérpretes do sistema que se queixam daquilo de que aqui falámos.
Mas há outras questões importantes. Ouvimos, aqui, a Juventude Socialista dizer que considera que este é o melhor dos projectos e que todos os problemas do ensino superior se vão resolver a partir deste momento - em 15 dias o Governo consegue resolver todos os problemas do ensino superior! -, contudo, há juventude que não pensa assim.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - E a juventude que aqui represento não pensa assim. Tem outras preocupações, como, por exemplo, a do acesso às profissões.
Como o Sr. Ministro sabe, o que diz a Declaração de Bolonha é que o primeiro ciclo deve permitir o acesso às profissões e o que acontece é que na proposta apresentada pelo Governo se assume à partida que o primeiro ciclo não vai ser suficiente para o exercício de algumas profissões e, pior do que isso, não se prevê quais são essas profissões, quais são as regras para as definir, nem de que forma isso se vai concretizar.
Pergunto, pois, ao Sr. Ministro o seguinte: como pretende resolver este problema? Quem vai ser determinante para esclarecer quais serão as profissões que vão necessitar de mestrado integrado para o seu exercício? São aquelas que o Sr. Ministro decidir que precisam? São aquelas profissões cujas ordens profissionais tiverem mais força, conseguirem pressionar mais e, assim, exigir que para o exercício das mesmas seja necessário o segundo ciclo? Estaremos aqui a "abrir a porta" para que algumas ordens profissionais que querem restringir o acesso a profissões, porque neste momento têm dificuldade em conseguir escoar todos aqueles que obtêm o seu grau, o façam de forma ilegítima, com a complacência do Governo? É que se o Governo não esclarecer esta matéria, Sr. Ministro, pelo menos, a desconfiança é permitida.
Era fundamental que o Governo esclarecesse quais serão as regras, os critérios, para sabermos que tipo de profissões vão ou não precisar de um segundo ciclo.
Acima de tudo, queria que clarificasse como é que vai explicar aos seus parceiros europeus que, ao contrário daquilo que diz a Declaração de Bolonha, a proposta apresentada pelo Governo português faz com que o primeiro ciclo não seja suficiente em relação ao exercício de muitas profissões.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, há muito tempo, já desde o anterior governo, que tentam convencer-nos de que a Declaração de Bolonha resolverá, como que num passe de mágica, todos os atrasos do ensino superior português, mesmos os estruturais. Talvez por isso mesmo a discussão em torno da aplicação da Declaração de Bolonha tenha sido totalmente arredada dos estudantes, das suas estruturas e daqueles a quem importava efectivamente dar opinião sobre a mesma.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ela tem vindo a ser aplicada de forma escondida como se fosse a coisa mais maravilhosa que aí vem para o ensino superior. Mas esconde-se aqui que o essencial problema do ensino superior em Portugal é o do subfinanciamento, que já é crónico, que afecta o País e o seu ensino superior há vários anos. E, diga-se de passagem, muitos dos governos sustentados pelo PS, que nada tiveram de socialistas, foram os responsáveis pelo aumento do subfinanciamento e das propinas.
O princípio da gratuitidade do ensino em todos os níveis deixou de ser um objectivo dos governos, as propinas tiveram aumentos acima das possibilidades da maioria das famílias portuguesas com a lei do financiamento aprovada pelo anterior governo. Por acaso, na altura o PS considerou esse aumento exagerado, mas agora, pelos vistos, já pensa que foi uma medida corajosa.
Queria dizer também que muitos foram os estudantes do ensino superior forçados a sair do mesmo por falta de condições económicas. E não somos só nós a afirmá-lo, ainda há pouco tempo o Reitor da Universidade do Minho quantificou o abandono escolar devido ao aumento das propinas.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Agora, estamos perante uma proposta de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo que mais não faz do que estabelecer mais um passo na desresponsabilização do Estado no que respeita à educação, mais particularmente no ensino superior.
Portanto, o que está em causa é que o Governo vai deixar de financiar os quatro ou cinco anos das actuais licenciaturas e vai passar a financiar exclusivamente três anos na generalidade dos cursos, fora os que a União Europeia ditar que devem ser financiados até ao mestrado.
Sr. Ministro, o que está a desaparecer não é o bacharelato. O que está a desaparecer é a licenciatura.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E o que o Sr. Ministro está a deixar de financiar é a licenciatura, passando a financiar

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exclusivamente o bacharelato.
O Governo está ou não o disposto a retroceder na intenção de relegar para as instituições a capacidade de fixação da propina de mestrado naqueles cursos em que as normas da União Europeia não previrem que o mestrado é necessário para o exercício da profissão?
O Governo admite ou não que está a retirar mais uma fatia da sua participação na formação dos quadros superiores em Portugal?
O Governo admite ou não que, ao passar a responsabilidade de afixação do valor da propina para as instituições, acaba por se desresponsabilizar da formação dos estudantes e por aumentar o valor da propina?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, queria falar brevemente num assunto que está no cerne da qualificação, que é o problema do acesso às pós-graduações.
É preciso que esta Câmara saiba que neste momento, em Portugal, há centenas de candidatos a pós-graduações no ensino universitário que não as podem frequentar porque não as podem pagar.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

O Orador: - Neste momento, na universidade portuguesa, há uma discriminação económica no acesso ao ensino pós-graduado. Neste momento, na universidade portuguesa, não são os melhores que entram no ensino pós-graduado, são os que têm dinheiro para o pagar.

Vozes do BE: - Exactamente!

O Orador: - E isto pela simples razão de que, no ensino superior público, as propinas dos mestrados e dos doutoramentos, que nunca são abaixo dos 500 contos, se transformaram, como o Sr. Ministro sabe tão bem como eu, numa forma de autofinanciamento das universidades,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

O Orador: - … por virtude do subfinanciamento público de que elas têm sido alvo por parte dos governos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Ora, nem o panorama das bolsas existentes está em condições de minorar isto, nem sequer o da acção social escolar. Não tenhamos ilusões nesta matéria!
Neste momento - e o Sr. Ministro também sabe bem disto -, em muitas escolas do ensino superior, os nossos melhores alunos, os melhores, não têm possibilidade de ir para a carreira académica, porque as faculdades não têm dinheiro para recrutar novos docentes (é isto que se passa),…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

O Orador: - … nem têm condições para ir para as pós-graduações, porque, muitos deles, não têm dinheiro para as pagar, o que significa que estamos a perder os melhores, que não são recuperados para a carreira nem para a investigação, ou seja, não estamos a renovar as nossas escolas públicas nem do ponto de vista da docência nem do ponto de vista da investigação. É preciso dizer isto, porque é o que se passa em grande parte do ensino superior público.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Perante esta situação, o que diz o Governo? O Governo vem dizer-nos que só mantém o apoio financeiro às pós-graduações ou, melhor, aos mestrados, porque aos doutoramentos não o mantém, de todo, para os cursos de mestrado integrados.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Isso não é verdade!

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O Orador: - Foi o que julguei ler, e o Sr. Ministro fará o favor de me corrigir se estou a dizer mal.
Esses cursos de mestrado integrados - misteriosa constelação! - são aqueles onde, provavelmente, a pressão das ordens profissionais vai obrigar a um certo número de anos para exercer a profissão e a esse tipo de financiamento.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

O Orador: - Ora, Sr. Ministro, o meu temor é o seguinte: grande parte das pós-graduações - e nós já estamos a adivinhar quais são essas pós-graduações, pois são sempre as eternas vítimas deste tipo de situações, que são as pós-graduações em ciências sociais e humanas -…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Claro!

O Orador: - … não será apoiada e, se se quiser mantê-las, deverão ser estabelecidas propinas a preços proibitivos, ou seja, acima dos tais 500 contos.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Nesta lógica, há muitas pós-graduações que ou terminarão, por falta de alunos, porque eles não têm capacidade para pagar as propinas que as faculdades serão obrigadas a manter, ou, então, serão pós-graduações para elites económicas que são capazes de as poder pagar.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

O Orador: - Ora, Sr. Ministro, a minha pergunta, e com isto termino, é esta: como é que se compatibiliza esta situação escandalosa, de perpetuação do acesso à qualificação especializada pelos melhores, unicamente feito com base em critérios de capacidade económica, com o discurso da aposta na qualificação? Esta é que é a minha pergunta, Sr. Ministro.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Mota.

O Sr. Manuel Mota (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, estamos perante uma importante revolução pacífica no nosso país. De forma alguma podemos desvalorizar esta grande oportunidade de reformar o ensino superior em Portugal.
A aposta na qualificação dos nossos recursos é, indubitavelmente, o pilar estratégico da nossa afirmação como povo, no dealbar do século XXI.
É indiscutível que algo vai mal no ensino superior em Portugal. Temos das mais baixas taxas europeias de alunos que concluíram e estão a concluir esse grau de ensino e temos também um problema de empregabilidade dos jovens licenciados.
A concretização efectiva do Processo de Bolonha permite-nos não só combater essa realidade como lançar os alicerces do novo desígnio nacional e europeu, consubstanciado na Agenda de Lisboa.
A proposta de lei do Governo cria, pois, condições para: aumentar substancialmente o número de pessoas com formação superior em Portugal, diminuindo o fosso que nos separa da média europeia; reduzir consideravelmente a taxa de insucesso e de abandono do ensino superior, particularmente evidente nas formações de longa duração de acesso abrangente, possibilitando a obtenção de um grau académico mais curto, necessário e relevante em termos de saídas profissionais; permitir aos jovens graduados entrar mais cedo na vida profissional, munidos de um grau de curta duração, mantendo a possibilidade de regressar mais tarde para obter um grau elevado e beneficiando, inclusive, dos créditos obtidos na actividade profissional; maximizar as possibilidades de mobilidade entre escolas do mesmo país ou de países diferentes; contribuir para a maior convergência possível, a nível europeu, dos graus nas mesmas áreas de formação e dos requisitos académicos para o exercício das mesmas profissões.
Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, esta alteração à Lei de Bases é apenas o primeiro passo num caminho mais ambicioso. Gostaria de saber como perspectiva V. Ex.ª: o incremento da cooperação activa entre os politécnicos e as universidades; a definição das saídas profissionais para o grau de primeiro ciclo, pelo menos no que diz respeito às profissões reguladas, não devendo essa tarefa, em meu entender, ser deixada à auto-regulação das organizações profissionais e das escolas; a necessária avaliação internacional do ensino superior português; a alteração do Estatuto da Carreira Docente e da Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior, nomeadamente valorizando a eficiência das instituições, ao

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nível do sucesso escolar, dos índices de empregabilidade e do número de captação de adultos para o sistema. São talvez muitas questões, o que só releva a importância do tema.
Estou certo de que o País e as instituições saberão acompanhá-lo nesta reforma fundamental, Sr. Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Mota, são, de facto, muitas questões para 4 minutos e 57 segundos.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - O PS cede tempo, certamente!

O Orador: - Foram suscitadas muitas questões e gostaria muito de ajudar a esclarecer algumas delas. Começo pelas questões que são de esclarecimento de facto.
O primeiro problema referido foi o do financiamento. Hoje, antes da aprovação desta lei, o financiamento do primeiro ciclo das licenciaturas actuais ou dos bacharelatos actuais e também o financiamento dos alunos do mestrado é garantido pelo Estado no ensino superior público. Os estudantes de mestrado contam para a fórmula de financiamento do ensino superior, aliás, com rácios melhores do que os de licenciatura e um custo médio maior.

Vozes do PCP e do BE: - E as propinas?!

O Orador: - A diferença é a seguinte: a lei que está em vigor, no que diz respeito às propinas que as instituições podem cobrar, relativamente aos mestrados e doutoramentos, autoriza as instituições a cobrarem livremente essas propinas. Mas, repito, o Estado financia os alunos de mestrado, tal como financia os alunos de licenciatura.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ficamos todos descansados!…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - O Sr. Ministro "lava as suas mãos"!…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Como Pilatos!

O Orador: - Gostava de esclarecer que este ponto é crítico, porque aquilo que a proposta de lei vem fazer é limitar a actual liberdade das instituições na fixação de propinas de mestrado, num certo número de casos, e limitá-la…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - E discriminar!

O Orador: - … em todos os casos em que esse mestrado…

Protestos do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

Posso continuar, Sr. Deputado?!

Pausa.

Como estava a dizer, a lei proposta vem limitar a possibilidade de fixação livre de propinas, nos casos em que os mestrados sejam necessários para o exercício de profissões e nos casos em que os mestrados sejam integrados.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - São as corporações, Sr. Ministro, as ordens profissionais!…

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas não são as corporações.
O Sr. Deputado entende que um estudante de Medicina deveria ter propinas diferenciadas entre o 3.º e o 4.º anos?

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - E os outros?!

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O Orador: - Ou o Sr. Deputado entende que isso não faz parte da autonomia das instituições e, portanto, não deveria haver liberdade de fixação de propinas, em nenhum caso, pelas instituições? Mas, então, se é isso, diga-o! Entende que não deve haver liberdade de fixação de propinas em nenhum caso?

Vozes do PCP e do BE: - É isso! Exactamente!

O Orador: - Bom, nós não o entendemos. Nós entendemos que as instituições devem ter liberdade de fixar propinas de pós-graduação, como acontece em todo o mundo,…

Aplausos do PS.

… mas entendemos que o Estado deve regular essa matéria em todos os casos em que o mestrado seja necessário para o exercício de uma profissão ou faça parte da formação de base.
Gostava também de deixar clara a questão que foi suscitada por alguns Srs. Deputados - "Bolonha não diz que é preciso empregabilidade ao fim do primeiro ciclo? Mas, então, existem segundos ciclos que são necessários para a empregabilidade?" -, no sentido de saber se não haveria aqui uma contradição com Bolonha. Ó Sr. Deputado João Pinho de Almeida, é exactamente assim em toda a Europa. Ou seja, o primeiro ciclo deve fornecer empregabilidade…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Mas quais são?!

O Orador: - … e, em muitos casos, o segundo ciclo também deve fornecer empregabilidade, e é necessário. Ou o Sr. Deputado quereria que os nossos médicos, que teriam de ter cinco e seis anos de formação, tivessem, no fim, uma licenciatura e, quando chegassem a outro país europeu, lhes fosse dito: "vá fazer o mestrado"? Não é possível!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Diga quais são!

O Orador: - No final dessa formação, que, por directiva europeia, é obrigatório que seja longa, que tenha, pelo menos, 10 semestres, eles têm de ter o grau internacional de master. É óbvio que tem de ser assim! E tem de ser assim nas profissões que são reguladas em arquitectura… Os países que começaram por escolher chamar a essa formação "licenciatura", rapidamente, arrepiaram caminho, porque compreenderam que estavam a desproteger os seus licenciados no mercado de trabalho internacional.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não era essa a questão! Isso é óbvio! Tem de dizer quais são os cursos!

O Orador: - Alguns Srs. Deputados suscitaram uma questão que considero muito séria e que havemos de discutir seriamente, que é a das ordens profissionais versus o interesse público. Esta questão é muito séria e deve ser discutida, pelo que agradeço aos Srs. Deputados que a tenham suscitado. O Governo está muito atento e não permitirá uma deriva corporativa que faça com que, artificialmente, em Portugal, as formações sejam mais ineficientes do que em toda a parte do mundo.
Nós sabemos que, hoje, para grande número de formações em Portugal, o período é mais longo do que em toda a parte da Europa e a formação é mais ineficiente. Não é possível! E não é possível aceitar ou vir a aceitar alguma deriva corporativa em que corpos profissionais reservem a entrada no mercado de trabalho por fins que não sejam do interesse nacional. Estaremos muito atentos a esta questão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr. Ministro, terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Se o Sr. Presidente me permitir ou se algum dos grupos parlamentares, que anunciou tão generosamente ceder-me tempo,…

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr. Ministro, dispõe de 2 minutos cedidos pelo Grupo Parlamentar do PS.

O Orador: - Muitíssimo obrigado, Sr. Presidente. Os 2 minutos devem ser suficientes para clarificar estas contradições inexistentes com Bolonha.
Gostaria de deixar clara uma questão que me foi colocada pelo Sr. Deputado Pedro Nuno, sobre a acção social directa e as suas regras. Repito: a acção social, que, hoje, está reservada ao primeiro ciclo das formações, será estendida a todos os estudantes de segundo ciclo, qualquer que ele seja. E não só a

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acção social será estendida a todos os estudantes de segundo ciclo, qualquer que ele seja, como o financiamento público, sem nenhuma discriminação, será concedido a todas as formações de mestrado, sejam elas necessárias ou não para o exercício de profissão. Que isto fique absolutamente claro!

Aplausos da Deputada do PS Manuela Melo.

Por último, gostava de contestar a demagogia que me parece de pouco interesse para a qualificação do ensino superior português e que consiste em dizer, de cada vez que se resolve um problema, que essa solução não resolve todos os problemas do mundo. Pois não, Srs. Deputados, resolve aquele!

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, temos o problema de não estarmos a cumprir uma reforma livremente assumida, que é boa para Portugal e necessária para a qualificação do ensino superior português no espaço europeu e que me parece ser um objectivo que todos devíamos comungar. Quando se resolve este problema, vêm dizer-nos: "mas isso, meus amigos, não resolve todos os problemas do ensino superior". Pois não! Não resolve todos os problemas do ensino superior, há muitos outros problemas do ensino superior para resolver…

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - … e cá estaremos, convosco - espero! -, para ajudar a resolver esses problemas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): - O Sr. Ministro dispôs de 4 minutos a mais, 2 dos quais cedidos pelo PS e outros 2 cedidos pelo CDS-PP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O chamado Processo de Bolonha carrega, em si, uma dose forte de ambiguidade e pode ser mesmo nocivo à democratização do acesso ao ensino superior, quando encarado numa lógica estrita de "aquisição de competências" - e cito os documentos dominantes - para um mercado de trabalho "competitivo", para utilizar a palavra tão usada.
Existe, aliás, em nossa opinião, uma "agenda oculta de Bolonha", claramente na sequência da chamada Estratégia de Lisboa: criação de um mercado de aprendizagens - vejam bem! -, ou seja, uma "moeda única pedagógica" resultante da uniformização dos cursos e dos graus, "mercadorizando" o ensino; a cópia descarada do modelo anglo-saxónico, em que as licenciaturas se reduzem a três anos, não cuidando do que de positivo existe na diversidade de sistemas de ensino europeus; o estabelecimento de rankings entre as universidades; o estímulo à "competitividade" e "produtividade" (numa nítida importação da retórica da ortodoxia financeira e da subordinação dos processos educativos à dimensão económica) entre as instituições de ensino superior e os próprios professores, com financiamentos e salários diferenciados de acordo com a quantidade e qualidade do "produto educativo" oferecido; e desvalorização da formação de professores. Em suma, o fim da ligação existente, desde o pós-guerra, entre a universidade moderna e o Estado Providência, numa lógica bem patente no texto do Tratado Constitucional Europeu, em que os serviços públicos, aliás, incluindo a educação, surgem designados como "serviços de interesse económico geral".

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Orador: - É esta a agenda oculta de Bolonha!
De facto, no que diz respeito ao Processo de Bolonha, corremos o risco de ter dois tipos de cursos de ensino superior: um correspondente a um primeiro ciclo, tendencialmente de três anos (é para aí, aliás, que aponta a proposta deste Governo, na tal aproximação à posição do PSD de que falava o Sr. Deputado Agostinho Branquinho), e outro que vai até ao segundo ciclo (mais dois anos).
Importa atentar, aliás, no caso do ensino politécnico, em que já temos o bacharelato de três anos mas em que nenhum aluno se fica por aí, optando por fazer mais dois anos para poder dispor da licenciatura. O próprio mercado de trabalho, tradicionalmente, sempre olhou desconfiado para os cursos de curta duração, e não vai ser a discussão que hoje aqui temos que vai mudar essa situação. É o valor social do título que está em causa, e é esse valor que empurrará os estudantes que podem pagar para o segundo ciclo. É fundamental, portanto, que o Estado garanta a gratuitidade tendencial deste ciclo.
Além do mais, existe a questão de uma Europa a duas velocidades, porque teremos certamente países em que os dois ciclos são financiados e outros em que só o primeiro ciclo é financiado. Ora, a fórmula que

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consta do Programa do Governo é extraordinariamente ambígua. Diz-se que "(…) o Estado assume a parte principal dos custos com a educação superior que será, pois, progressivamente estendida ao segundo ciclo de estudos, embora com valores diferenciados das propinas a pagar pelos estudantes."
É que, na verdade, se queremos um ensino público massificado ao nível do ensino superior; se queremos menos selectividade social no acesso ao ensino superior; se não somos (como não somos, de facto) um País com excesso de licenciados (basta ver que apenas 9% da população activa tem um curso superior e que 47% dos jovens não estão a estudar, abandonando muitos deles precocemente o sistema de ensino); se queremos generalizar também a frequência do segundo ciclo de estudos superiores, como compatibilizar essa vontade de não "elitizar" a universidade com esta fórmula ambígua que remete claramente para um aumento das propinas, embora - claro! - deixando para as instituições de ensino superior o odioso desse aumento?
No primeiro caso temos, porventura, aquilo que Bolonha transporta de potencialmente positivo: a criação de redes científicas internacionais; a mobilidade de docentes e discentes através do desenvolvimento de um sistema de acreditação, certificação e de procedimentos comparáveis (centrado particularmente na definição e implementação dos ECT, ou seja, do Sistema Europeu de Créditos); a aprendizagem centrada no aluno para a aquisição de competências numa base interdisciplinar; ou, ainda, a aprendizagem ao longo da vida, associando formação académica e formação profissional e valorizando os saberes não formais, isto é, possibilitando àqueles que não têm um currículo académico entrar no ensino superior.
Em suma, o reconhecimento, plasmado no texto da Declaração de Bolonha, da importância da "educação e da cooperação no desenvolvimento e fortalecimento de sociedades estáveis, pacíficas e democráticas".
Em Portugal, no entanto, o documento orientador dos grupos de trabalho aponta claramente para uma redução da formação superior inicial de seis semestres, salvo raras excepções onde a especificidade da formação e/ou o peso social e político das respectivas ordens profissionais conseguir conter o ímpeto desqualificante. Só nessas situações, de acordo com a proposta do Governo, teremos os mestrados integrados e uma fixação de propinas. Nos restantes casos emerge, de novo, a figura de uma autonomia burocrática, subalterna e executante: as instituições de ensino superior poderão cobrar o que entenderem pelo segundo ciclo de estudos, isto é, o mestrado, cabendo-lhes o odioso da situação, como há pouco referi.

Aplausos do BE.

O Ministério e o Governo - claro está - lavam daí as suas mãos!
Propomos, pois, várias alterações. Em primeiro lugar, no sistema de graus. No ensino superior, segundo o nosso projecto de lei, são conferidos os graus académicos de diplomado em estudos superiores, mestre e doutor. O primeiro ciclo de estudos tem a duração, por defeito, de quatro anos, podendo, de acordo com a autonomia das instituições, ter menos dois semestres ou até mais quatro. Neste último caso é concedido o grau de mestre.
Em segundo lugar, na organização dos cursos de mestrado e de doutoramento. Será condição para a atribuição dos graus de mestre e de doutor que os programas de mestrado ou de doutoramento sejam orientados por um número mínimo de doutores, a definir através de regulamentação posterior, e que se verifique a existência de investigação científica desenvolvida por unidades de investigação na área científica em causa nos últimos três anos, quer se trate de um instituto politécnico quer se trate de instituição universitária. O Governo falha o seu compromisso com os portugueses, plasmado na página 52 do Programa do Governo, ao não permitir que os institutos politécnicos, de forma autónoma, confiram, quando cumprindo os requisitos exigidos, o grau de doutor. Essa falta de promessa é algo que o PS sempre criticou aos anteriores governos, mas que agora repete.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): - Muito bem!

O Orador: - Queremos também novas regras para reforçar os mecanismos de mobilidade docente e discente, facilitando percursos curriculares entre cursos e/ou instituições nacionais, creditando toda a formação relevante, mesmo a não formal, de forma a assegurar a mobilidade dos estudantes.
Queremos apoiar as actividades e as carreiras de investigação no ensino superior.
Quanto ao financiamento, finalmente, propomos a gratuitidade do primeiro ciclo de estudos superiores e a gratuitidade tendencial do segundo, com o valor das actuais propinas de licenciatura.
Bolonha não pode ser um instrumento de criação de uma bolsa de licenciados para um mercado de trabalho pautado pela precariedade e por relações laborais mais flexíveis, de forma a diminuir drasticamente os custos de mão-de-obra e o financiamento do ensino superior.
Gostava, Sr. Ministro, que nos dissesse se vai ou não continuar com o Programa de Estabilidade e Crescimento, que prevê que não haverá aumento do investimento no ensino superior público.
Não é por aí que competiremos com os Estados Unidos da América e com os países asiáticos, a não ser que importemos também os seus enormes níveis de desigualdade social, a sua atracção pela desprotecção do trabalho e pelo fim da própria ideia de serviço público, transformando-nos, enfim, numa antieuropa - um

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território de exclusão, de pobreza selectiva e de lei da selva. A nossa Europa é outra!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A importância do Processo de Bolonha e as suas consequências, quer ao nível nacional quer, principalmente, ao nível internacional, na competitividade e na qualificação dos portugueses faz com que, para o CDS-PP, esta seja uma matéria de consenso, de discussão séria e de procura da melhor solução possível para o País, e nunca uma matéria de combate político e de divergência pela divergência.
O procedimento que trouxe até este debate quer a proposta de lei do Governo quer os vários projectos de lei dos partidos não foi, no entanto, o desejável. Era desejável que tivesse havido um tempo para que o Governo preparasse a sua proposta de lei - e houve-o - mas que também os partidos tivessem oportunidade, conhecendo aquilo que o Governo lhes apresentava, de preparar com tempo os seus projectos de lei e de, assim, os apresentarem de uma forma mais profunda e mais eficaz.
Acontece que o tempo que mediou entre o conhecimento da proposta de lei do Governo e o fim do prazo para que os grupos parlamentares apresentassem os seus projectos alternativos foi de quatro horas. Ora, quatro horas, manifestamente, não é tempo suficiente…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Pois não!

O Orador: - … para que os grupos parlamentares possam, de uma forma digna, exercer o seu direito de oposição e apresentar propostas alternativas com termos e com capacidade de o serem de facto.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Ainda assim, o CDS-PP traz a esta discussão o seu projecto de lei, porque, como disse, esta não é uma matéria de agora. O Processo de Bolonha é, para nós, uma matéria muito importante e, ainda que o tivéssemos de fazer em quatro horas, elaborámos o projecto de lei e temo-lo aqui para debate.
Preocupamo-nos, acima de tudo, com os estudantes, porque consideramos que são eles, os que estão hoje no ensino superior português e, principalmente, aqueles que o virão a integrar, os destinatários desta reforma, e é a pensar neles que ela deverá ser feita. E isto não é apenas uma declaração de princípios, tem consequências, nomeadamente na tentativa de, depois, se compatibilizar o legítimo interesse dos que hoje estudam no ensino superior e dos que aí vierem a estudar com outros possíveis interesses, quer de ordens profissionais quer de outro tipo de corporativismos.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Na anterior legislatura, o governo apresentou uma proposta de lei de bases da educação de carácter geral, que incluía, entre outras matérias, a adequação dos graus do ensino superior ao Processo de Bolonha. Optámos por apresentar, neste momento, um projecto de lei exclusivamente dedicado a esta matéria, mas consideramos oportuno fazer-se um debate profundo sobre todo o sistema educativo em Portugal. Por isso, saudamos a apresentação do projecto de lei do PSD e pensamos que oportunamente se deve fazer um debate sobre as questões de educação, para além do Processo de Bolonha.
A questão principal do projecto de lei que apresentamos é, naturalmente, a da flexibilidade ao nível da aplicação do Sistema Europeu de Créditos. Do nosso ponto de vista, o projecto de lei do CDS-PP permite uma maior flexibilidade, proporcionando, dessa forma, aos estudantes uma programação mais livre do seu plano curricular. E isto é importante porque, hoje em dia, o ensino superior deve ser cada vez mais autónomo para as instituições mas também cada vez mais livre para os estudantes, de forma a poderem adequar a sua frequência do ensino superior com outras actividades e a poderem programar a sua vida académica da maneira que melhor lhes convier, de acordo com uma realidade que deve ser cada vez mais livre e que permita também uma maior responsabilidade da sua parte.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Há uma matéria em que discordamos totalmente daquilo que é apresentado pelo Governo. Aliás, discordamos nós e discorda o próprio Programa do Governo, portanto, não é exclusivo nosso discordar do Governo.
Discordamos da proposta de lei do Governo por não entendermos por que se mantém o preconceito de permitir exclusivamente a um dos tipos de instituições a atribuição do grau de doutor. Até à altura em que

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alguém nos conseguir explicar por que é que uma instituição chamada universidade pode conceder o grau de doutor e uma instituição chamada politécnico não o pode fazer, única e exclusivamente porque uma se chama universidade e a outra se chama politécnico, não aceitaremos esta distinção e esta hierarquização entre estes dois tipos de ensino superior em Portugal.
Nunca conseguiremos a dignificação do ensino politécnico em Portugal, nunca conseguiremos que este seja uma realidade do ensino superior com a mesma dignidade que o ensino universitário se não combatermos este tipo de preconceitos. Parece-nos que, nesta matéria, é o PS que mantém o preconceito, que resiste por ele e que quer levá-lo avante. Isso não é positivo; não devíamos ir por aí!
Consideramos que o único critério que deve permitir que os vários graus sejam atribuídos nas instituições de ensino superior em Portugal é o da qualidade. Este é o único critério aceitável para que esses graus sejam atribuídos.
Para nós, se há muitos institutos politécnicos que não têm, neste momento, capacidade de conceder o grau de doutor, se calhar, também há muitas universidades que a não têm. E muito mais importante do que estarmos a distinguir pela nomenclatura é distinguirmos pela qualidade, pela avaliação profunda da qualidade.

Aplausos do CDS-PP.

Se calhar, ajudar-nos-ia a avaliar melhor a qualidade das universidades fazermos essa atribuição desta forma.
No projecto de lei do CDS-PP introduzimos uma realidade que não é focada pela proposta de lei do Governo - um conselho estratégico do ensino superior que permita, por um lado, fiscalizar a adequação do sistema português ao sistema de Bolonha e, por outro lado, avaliar a qualidade das instituições para conferirem os vários tipos de graus. Falamos de uma entidade independente que permita avaliar essa qualidade, que a certifique e que garanta que os graus atribuídos pelas instituições de ensino superior em Portugal são-no em condições e com os níveis de qualidade exigíveis.
Por outro lado, preocupa-nos, e muito, como já referimos em pergunta ao Sr. Ministro, a questão do acesso a profissões.
A Sr.ª Deputada Teresa Caeiro teve a oportunidade de, a propósito da questão dos doutoramentos no politécnico, citar a história do polícia bom e do polícia mau. O Sr. Primeiro-Ministro é, normalmente, o polícia bom e diz que pode haver doutoramos no ensino politécnico. O Sr. Ministro, neste caso, faz de polícia mau e diz que não pode haver doutoramentos no ensino politécnico.
No entanto, temos outra questão. O Sr. Ministro disse-nos que não vai haver dificuldades com as ordens profissionais, que o Governo vai resistir às forças corporativas e às ordens profissionais e que não vai haver quaisquer problemas porque não se vai deixar condicionar por elas. Neste caso, o Sr. Ministro fez de polícia bom; o Sr. Secretário de Estado, se calhar - e devia começar a preocupar-se com isso -, vai ter de fazer de polícia mau nesta história, quando viermos a perceber que essa resistência não é assim tão forte.

Aplausos do CDS-PP.

Para que essa resistência fosse forte era necessário que agora se definissem critérios, e não percebemos por que não são eles definidos.
O Sr. Ministro cita o exemplo fácil, que é o da Medicina. Como é óbvio, concordamos que em relação à Medicina é exigível um determinado número de anos de ensino, sendo necessário o segundo ciclo para o exercício da profissão. Mas em relação a outras áreas não há consenso como existe quanto à Medicina, pelo que se aprovarmos exclusivamente a proposta de lei ficamos sem saber de que forma vai esse critério ser utilizado pelo Governo em relação a outras profissões, quando sabemos, por exemplo, que há ordens profissionais que já fizeram conhecer, a título individual e de forma unilateral, que se acham no direito de não aceitar para o exercício de profissões estudantes que tenham concluído apenas o primeiro grau do ensino superior.
Em que termos é que o Governo nos garante que vai resistir a essas pressões, já que reconhece que elas existem? Gostaríamos de saber em que termos vai ser capaz de o fazer e com que regras, porque caso contrário não teremos razões para acreditar no que diz.
Outro problema que nos preocupa é o do financiamento e, principalmente, que o mesmo seja resolvido em dois ou três artigos desta proposta de lei. Para nós, esta revisão de todo o sistema de graus do ensino superior devia ser acompanhada por uma revisão muito mais profunda do sistema de financiamento do ensino superior.
Consideramos que é necessário rever toda a lei que estabelece as bases do financiamento do ensino superior, e não apenas fazer pequenas alterações neste momento.
Consideramos que é preciso um debate profundo para adequar o financiamento do ensino superior a um novo sistema de graus, e não só ao nível das bolsas. O Sr. Ministro costuma dizer que ao nível das bolsas se resolve o problema do segundo ciclo. Não se resolve só com bolsas, é preciso fazer uma discussão muito mais profunda. Apresentaremos um projecto de lei de alteração à lei que estabelece as bases do financiamento

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do ensino superior porque pensamos que é preciso fazer um debate exclusivamente sobre essa matéria.
Por isso, a nossa preocupação é a que disse inicialmente, ou seja, preocupamo-nos, acima de tudo, com aqueles que hoje em dia estudam no ensino superior, em Portugal, e com aqueles que nele irão estudar, porque sabemos que hoje a competitividade dos graus de ensino é real. Não vale a pena discuti-la, sabemos que existe.
Esta competitividade está também globalizada e, portanto, uma resposta eficaz é permitir que aqueles que adquirem os graus de ensino superior em Portugal estejam, nessa competitividade, em condições de serem tão bons ou melhores do que aqueles com quem têm de competir, e é também saber que as instituições que conferem graus em Portugal estão em condições de serem tão boas ou melhores do que aquelas com que têm de competir. É esta capacidade de exigirmos qualidade que vai definir se somos ou não capazes de reformar o ensino superior em Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para apresentar o projecto de lei do seu partido, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, importa asseverar que, no PSD, não hesitamos quando se afirma que o caminho mais curto para o progresso e o desenvolvimento equilibrado de uma comunidade passa por uma aposta de sucesso na qualificação das pessoas.
Como tal, perante os problemas estruturais e conjunturais que Portugal enfrenta e perante os imprevisíveis desafios que um mundo globalizado e mutável nos apresenta, nada mais intuitivo do que uma verdadeira opção nacional na educação e na formação dos portugueses. Esta deve ser, com efeito, a base onde assenta uma sólida estratégia de desenvolvimento nacional.
Em segundo lugar, importa afirmar que a generalidade dos estudos e avaliações evidenciam que Portugal apresenta níveis de eficiência extraordinariamente insatisfatórios no seu sistema de ensino.
Não podemos, portanto, continuar a contemplar impavidamente os preocupantes índices de iliteracia, os dramáticos números do abandono escolar, o insucesso generalizado em todos os ciclos, a ausência de educação ao longo da vida ou as enormes dificuldades na aquisição de competências, nomeadamente nas áreas científicas, na matemática e na língua portuguesa.
A título de exemplo, poderemos recorrer aos estudos recentemente divulgados: o Relatório sobre a Estratégia de Lisboa, o Programme for International Student Assessement (PISA) 2003, ou os resultados das provas de aferição ainda ontem divulgados.
Nestes como noutros dados, uma conclusão salta à evidência: estamos muito aquém de resultados desejáveis, quer em termos relativos quer em termos absolutos.
Deixo apenas dois indicadores paradigmáticos: no nosso País, dos actuais jovens com 22 anos apenas 49% concluiu o ensino secundário. A média da União Europeia a 25 está nos 76,5%, havendo mesmo 14 países que ultrapassam já a fasquia dos 80%. A Eslováquia, por exemplo, tem hoje 90% da sua população jovem habilitada com o ensino secundário. Nós, repito, ficamos pelos 49%.
O segundo número preocupante diz respeito ao abandono imediatamente no final do ensino básico: 39,5% dos nossos jovens. Na União Europeia só Malta tem uma situação pior.
Desta forma, o PSD não pode deixar de enfatizar a proposta que hoje, aqui, apresenta, no sentido do alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos, afirmando, sem hesitações, que será da maior relevância política, e até cultural, que todos os grupos parlamentares a ela se associem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes são apenas alguns sintomas das dificuldades que moldam a nossa realidade. Portanto, a pergunta que se impõe é óbvia: quereremos que tudo continue na mesma?
Srs. Deputados, as causas que justificam estes amargos e penosos resultados estão, na nossa óptica, identificados: ao longo dos anos, foi-se impondo uma cultura de facilitismo, avessa ao rigor, à exigência, à excelência e a qualquer ideia de avaliação ou monitorização; de igual modo, devemos afirmar que tem vingado uma orientação política excessivamente centrada nos docentes, sem consequência na melhoria das suas condições de exercício da função - temos um sistema que promove a instabilidade do corpo docente; paralelamente, vai vingando a obsoleta opção ideológica por um falso igualitarismo, que tem servido de constante pretexto para aniquilar a necessária diversidade que, por exemplo, promova as vertentes profissional e tecnológica no nosso ensino; poderão ainda ser trazidos à colação a rigidez e o imobilismo que por vezes caracterizam o ensino superior, donde se anseia provir uma primacial fonte de abertura e inovação, apoiada na investigação e na busca do saber.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não há tempo a perder! Por isso, defendemos a imediata modernização do nosso sistema de educação e formação, começando, desde logo, pelo desenvolvimento das bases normativas que conformam a nossa realidade.
Assim, o Grupo Parlamentar do PSD decidiu, em coerência com o seu passado recente e com o sentido da responsabilidade que lhe cumpre na procura das melhores respostas para o nosso futuro, apresentar um

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projecto de lei que consagra uma nova lei de bases da educação.
Apresentamos um projecto arrojado e ambicioso, mas fazemo-lo em resposta às necessidades. Perante as transformações que, à escala planetária, todos sentimos, exigem-se novos paradigmas na formação dos nossos recursos humanos. Só assim poderemos ajudar a nossa sociedade a enfrentar uma realidade crescentemente competitiva.
Em consequência, apresentamos propostas concretas, que desejamos consensuais: a defesa da liberdade de ensinar e aprender, como veículo para a profusão da criação e do saber; a promoção do princípio da igualdade de oportunidades; uma política inclusiva de educação pré-escolar, escolar e de formação profissional, convergente na ideia de aprendizagem ao longo da vida; o prolongamento da escolaridade obrigatória - repito - de 9 para 12 anos; a dignificação da função docente, apostando-se na sua formação inicial e contínua; a estruturação de uma rede de estabelecimentos de serviço público de educação, servindo de forma racional, toda a população; a confiança na descentralização e autonomia das escolas, valorizando os seus projectos educativos e a sua capacidade de gestão; o primado da vertente pedagógica e científica, sem prejuízo, contudo, da necessidade de gestão criteriosa e competente dos recursos públicos; um ensino superior competitivo, que, no âmbito do Processo de Bolonha, se mostre adaptado à sociedade do conhecimento e assegure a comparabilidade das qualificações e a mobilidade de alunos e docentes.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No fundo, visa-se uma educação de qualidade, eficaz e eficiente, motora de uma sociedade que não receia a inovação e busca o progresso.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PSD pretende, com a apresentação desta iniciativa legislativa, espicaçar os espíritos mais acomodados.
Não hesitamos em afirmar que a ausência do Governo e do PS neste debate sobre uma reforma profunda da lei de bases é, politicamente, muito relevante.
A proposta que o Governo apresenta é pontual e minimalista. Surge, aliás, a reboque de obrigações internacionais.
Por isso, desafiamos directamente o Governo a trazer para este debate uma proposta sua, de alteração e modernização da presente lei de bases, que, recordo, data de 1986.
Esta Assembleia não pode, responsavelmente, negligenciar que tudo mudou à sua volta nestas duas últimas décadas. Não há tempo a perder, Sr. Ministro!
Fica, pois, um apelo: sejamos todos sensíveis às angústias dos jovens e dos seus pais, que, legitimamente, anseiam por um próspero futuro.
E já agora, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados do Partido Socialista, sejamos também sensíveis às preocupações manifestadas pelo Sr. Presidente da República, há apenas três dias atrás.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uma última palavra, compreensivelmente de maior detalhe, para o ensino superior, mais concretamente, para o Processo de Bolonha.
Assumimos com clareza a compatibilidade entre o ensino universitário e o ensino politécnico, cuja igual relevância não deve significar confusão entre os seus diferentes objectos.
De igual modo, valoriza-se a experiência profissional e outros percursos formativos no acesso ao ensino superior, promovendo, assim, a aprendizagem ao longo da vida.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Prevê-se, igualmente, a possibilidade de as instituições ministrarem cursos de especialização pós-secundária. E propomos três ciclos, conducentes à atribuição dos graus de licenciado, mestre e doutor, organizando-se os cursos pelo regime de unidades de crédito, assegurando, desta forma, a comparabilidade das formações e a mobilidade dos estudantes.
Paralelamente, alarga-se a possibilidade de atribuição do grau de mestre aos institutos politécnicos, estimulando-se a associação entre diferentes estabelecimentos de ensino superior para a organização de cursos e atribuição de graus, incluindo doutoramentos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, reconhecemos a necessidade de adequação urgente da nossa legislação aos compromissos que o nosso país, em boa hora, assumiu.
Aqui, como em todas as circunstâncias, o PSD terá o devido sentido de responsabilidade, associando-se ao desejável esforço nacional na melhoria do nosso ensino superior.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O PSD encara o Processo de Bolonha como uma relevante oportunidade que o País não pode desperdiçar, já que permite estimular a qualidade e a competitividade do nosso sistema integrado num

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espaço europeu coeso, que promove a mobilidade de docentes e estudantes, a aprendizagem ao longo da vida e a empregabilidade dos diplomados.
Podem, naturalmente, continuar a contar com o PSD, em nome do futuro de Portugal. Mas não podemos deixar de lamentar que, também aqui, o Governo não manifeste qualquer capacidade de iniciativa e se limite a reagir, ainda por cima de forma atabalhoada, à pressão de prazos impostos por compromissos internacionais.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Jaime Gama.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O Governo não começou bem no que ao ensino superior diz respeito, já que ora optou por medidas mediáticas isoladas sem agenda concretizadora, ou ora optou por acções apressadas sem a exigente maturação.
Anunciou o Governo que no ensino superior vão encerrar todos os cursos com menos de 20 alunos. É possível tomar esta medida num País onde o PS e o PSD facilitaram, motivaram e viabilizaram o actual cenário, quer através da legitimação de cursos e de estabelecimentos de ensino superior público sem simultaneamente asseguraram a sua qualidade e o seu financiamento, quer através da autorização de funcionamento de instituições de ensino superior privadas sem a garantia da existência de requisitos de qualidade e sobrevivência?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa é que é a verdade!

A Oradora: - E não foi por desconhecimento, antes pelo contrário. A abertura de estabelecimentos de ensino superior e o diferimento de cursos transformaram-se em material de propaganda eleitoral por todo o território nacional sem que se avaliassem as consequências negativas para o País, para os jovens e para as respectivas famílias, que se tornaram alvo fácil de tamanha irresponsabilidade.
Mas, cumprida a tarefa do gabinete de imprensa do Governo e ouvidas as muitas críticas e preocupações dos mais diversos sectores, nada se sabe quanto à agenda para concretizar a medida.
Entretanto, e de forma inesperada, o Governo produz uma proposta de lei para transformar administrativamente o sistema de ensino superior, que rapidamente é aprovada em Conselho de Ministros e, simultaneamente, se propõe para discussão em sede de Parlamento, não com o objectivo de identificar as soluções para os problemas conhecidos, não para melhorar os insuficientes números do acesso comparativamente com a média comunitária, não para encontrar instrumentos de financiamento que sejam capazes de transformar os métodos de trabalho e diminuir as elevadas taxas de insucesso e abandono do sistema, inigualáveis no espaço comunitário, mas tão-só uma proposta de lei que pretende, exclusivamente, apresentar algum trabalho de casa numa reunião com os parceiros de Bolonha.
Esta reunião de 2005 foi marcada numa Cimeira em Berlim, em Setembro de 2003.
Há anos que o PS e o PSD, que falam de Bolonha e falam de Bolonha, formam grupos de trabalho, com mais sábios ou menos sábios, ora consideram Bolonha uma imposição ora um processo, mas nem PS nem PSD quiseram entender Bolonha como uma oportunidade de reflexão e avaliação do nosso sistema de ensino superior para, a partir daí, operacionalizar as transformações que interessassem ao País e, naturalmente, facilitassem a mobilidade e o reconhecimento de um espaço europeu de ensino superior.
Naturalmente que a dupla agenda do Processo de Bolonha não é ausente de polémica e terá contribuído para a dificuldade; naturalmente que aqueles que só vislumbram vantagens e benefícios neste processo não têm sido capazes de concretizar as acções que deveriam sustentar a sua defesa, e por isso chegámos ao estado a que chegámos, com um texto que propõe à Assembleia de República que aprove a transformação do sistema de ensino superior em Portugal em dois ciclos, em que o primeiro ciclo visa produzir, com maior celeridade, quadros para o mercado de trabalho e o segundo ciclo passa a constituir, salvo raríssimas excepções de engenharia administrativa, um espaço de formação elitizado, onde ficarão os que puderem e não os que quiserem.
Esta operação administrativa tem, sobretudo, um objectivo de mercado e de redução do investimento público, contrariando um dos pressupostos de Bolonha, aquele que propõe aos Estados um maior investimento no ensino superior que sustente a sua qualidade, fazendo notar as diferenças entre as insuficientes disponibilidades financeiras europeias e, por exemplo, os esforços japoneses ou canadianos.
É bom lembrar, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, que, segundo dados da OCDE, Portugal mantêm-se no fim da lista do investimento por estudante do ensino superior. À nossa frente estão a Irlanda, a Finlândia, o Chile, a Hungria, a Eslováquia e o Brasil. Atrás de nós restam o México, a Indonésia, as Filipinas, o Paraguai e pouco mais.
Mas sendo a proposta do Governo de diminuição de anos de formação, de menor responsabilização

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financeira do estado e de maiores custos para os estudantes e suas famílias, o Governo afirma tranquilamente, na exposição de motivos, que esta é a "oportunidade relevante para incentivar a frequência do ensino superior."
Se hoje já possuímos a mais baixa taxa de diplomação da União Europeia, o conteúdo da proposta de lei nada tem que possa contrariar estes números, antes pelo contrário. Até porque os diferentes governos, e também o Governo do Partido Socialista - e por isso indexaram as propinas ao salário mínimo nacional -, entendem a formação superior como um benefício individual e não como um contributo para a valorização e qualificação colectiva do País.
Portugal é um dos países onde é efectivamente mais caro frequentar o ensino superior público e por isso estamos ainda tão longe da democratização deste nível do sistema, ao contrário do que tem vindo a ser dito pelos sucessivos governos.
O percurso da agenda de Bolonha, despoletado em 1998 por quatro países que, entretanto, subscreveram a Declaração da Sorbonne, foi tão-só um processo para legitimar, de forma supranacional, as políticas que, internamente, obtiveram resistências das instituições, dos docentes e dos estudantes.
Todas as reformas que nos últimos anos, também aqui em Portugal, se foram produzindo no âmbito do ensino superior se encaminharam no sentido de políticas idênticas, pautadas sempre pela exigência da redução do investimento por parte do Estado.
Hoje, o modelo proposto concretiza esse objectivo: a diminuição da formação superior para permitir, cada vez mais cedo, a entrada no mercado de trabalho de profissionais com os perfis desejados à produtividade e à competitividade das empresas; o alargamento do campo de recrutamento dos que forem considerados melhores, segundo itens empresariais e por isso a necessária mobilidade dos estudantes.
Sr. Ministro, sujeitar o ensino superior a visões de curto prazo, considerar este espaço messiânico na recuperação da economia nacional, é consequentemente impor limitações às missões e às funções sociais que lhe estão consagradas constitucionalmente.
Uma das principais missões do ensino superior é a formação de quadros superiores necessários ao desenvolvimento cultural, social e económico do País. Esta formação deve ser da máxima qualidade para todos, devendo ser adoptadas metodologias pedagógicas centradas no aluno para que todos encontrem as melhores condições para o máximo desenvolvimento das suas capacidades.
Sendo este o nosso entendimento, o Partido Comunista Português propõe que o objectivo fundamental das alterações a considerar no âmbito do Processo de Bolonha seja a qualidade da formação e da qualificação, a democratização do acesso e da frequência dos cursos de formação inicial e das formações subsequentes. Nesse sentido, propomos que, ao contrário da proposta do Governo, se aumente o esforço público de investimento global na investigação e no ensino superior.
Relativamente à formação de educadores e professores, ao contrário da proposta governamental, que se limita a fazer cair a denominação "licenciatura" sem nenhuma explicação, o nosso projecto reforça e consolida essa formação e compromete o Estado com o financiamento de todo o percurso formativo de educadores e professores.
Não aceitaremos que, a reboque de Bolonha, se subscrevam concepções ultrapassados que entendem a complexidade e a importância do exercício da função docente na razão inversa da idade das crianças e dos jovens.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - No que se refere ao financiamento, e porque o Governo, em resposta aos ditames da política neoliberal, se propõe diminuir a responsabilidade do Estado, apesar de o texto constitucional considerar a gratuitidade do ensino superior público, o PCP propõe que seja garantida a gratuitidade deste nível do sistema até ao final do mestrado e que a frequência dos cursos ou programas de doutoramento na rede pública seja comparticipada de forma significativa pelo Estado, considerando o crescente interesse social deste nível de formação.
Gostaríamos ainda de chamar a atenção para a discriminação proposta pelo Governo no que toca ao financiamento de alguns cursos conferentes do grau de mestre.
O Governo excepciona alguns saberes cujas licenciaturas são hoje de cinco e de seis anos, propondo que só nestes casos a totalidade do percurso seja comparticipado pelo Estado e, simultaneamente, exclui todas as outras áreas de saber com formações temporais idênticas, remetendo para os estudantes e para as famílias os custos financeiros destas formações.
Na nossa opinião, este diferente tratamento conduzirá ao condicionamento de opções estruturais por parte das instituições quanto à salvaguarda da sustentabilidade financeira, em detrimento do modelo de graus que decorre do livre exercício da sua autonomia pedagógica e científica.
Consideramos que a gratuitidade é um contributo indispensável à democratização do ensino superior, num quadro de origens sociais muito diversificadas, de diferentes condições de frequência e sucesso daí derivados e, ainda, dos elevados encargos associados à frequência do ensino.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

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A Oradora: - Referiria ainda uma outra proposta que consideramos determinante na construção da qualidade das instituições e das consequentes formações: o nosso projecto propõe que as condições de atribuição de todos os graus académicos, nomeadamente a qualificação do corpo docente, as infra-estruturas, as tipologias das áreas curriculares e as áreas científicas sejam objecto de regulamentação de aplicação universal a todo o sistema de ensino superior, em cada domínio do saber.
Consideramos inaceitável que o Partido Socialista, ao contrário do que afirma nos programas eleitoral e de Governo, decida propor uma medida administrativa para atribuição de graus sustentada pela denominação das instituições e não exclusivamente pela "satisfação de requisitos, exigentes e comuns, de qualidade", como se comprometeu com os portugueses.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

A Oradora: - Diz o Partido Socialista que o Governo faz isto por uma questão de tradição europeia, só que não considerou essa tradição quando formulou os respectivos programas.
Mas nada é mais falso. Ainda ontem, na Comissão de Educação Ciência e Cultura, ouvimos o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos dar nota do que acontece por essa Europa e dizer que há vários países onde não é recusada a atribuição de todos os graus às escolas superiores politécnicas, que outros optaram por denominá-las universidades politécnicas para evitar qualquer tentativa de discriminação e que há ainda outros que, a propósito de Bolonha, estão a equacionar a hipótese de alargar a todo o sistema esta atribuição, definindo requisitos de exigência e rigor, única medida séria que deverá determinar a atribuição de qualquer grau no ensino superior, quer público quer privado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: Finalmente, e querendo acreditar que os procedimentos propostos para esta discussão não tiveram como único objectivo "despachar" um texto para uma reunião internacional, proponho ao Partido Socialista que se aprovem, na generalidade, todos os projectos de lei, independentemente da sua convergência ou divergência com a proposta de lei do Governo e que o debate não fique sujeito a uma única visão, a governamental.
Propomos exactamente a mesma metodologia aqui defendida por todos os grupos parlamentares quando da discussão de alterações ao mais importante documento legislativo na área da política educativa, a Lei de Bases da Educação, ocorrida na última Legislatura. É exactamente o que fazemos hoje e numa área tão estratégica para o País como o ensino superior e tão maltratada pelos diferentes governos ao longo dos últimos anos.

Aplausos do PCP e de Os Verdes

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei hoje apresentada constitui o primeiro, mas também decisivo e irreversível, gesto do Governo português para transpor para o quadro legislativo nacional os princípios já definidos e aceites no chamado Processo de Bolonha, originado na declaração conjunta dos ministros com a tutela do ensino superior de 29 países europeus, assinada em Bolonha em 19 de Junho de 1999, e na qual Portugal, por acção de um governo do Partido Socialista, teve um papel fundador. Constitui também mais uma marca daquilo que tem vindo a ser a prática do actual Governo constitucional: cumprir, a tempo e bem, o programa que foi clara e inequivocamente aprovado pelos portugueses.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Convém salientar que a presente proposta de lei consiste numa alteração à Lei n.º 46/86 - Lei de Bases do Sistema Educativo. O facto de esta lei ter sido aprovada pela Assembleia da República com um largo consenso, de ter permitido a total democratização e o desenvolvimento do sistema educativo no nosso pais e de ainda funcionar perfeitamente na generalidade, levou a que o Partido Socialista entendesse - como entende -, que não é prioritária a aprovação de uma nova lei de bases, devendo antes optar-se pela introdução, no texto da actual lei, das alterações que, em virtude da necessidade de adaptação aos novos tempos e condições se considerem convenientes. É o caso da proposta de lei que agora estamos a discutir e que vai ser votada.
O texto da proposta de lei é claro - e o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior ainda a foi mais - naquilo que o novo diploma representa de bondade acrescida para o nosso sistema de ensino superior: na senda da Declaração de Bolonha, e em respeito pelo Programa do Governo, define-se finalmente como princípio orientador do ensino superior a lógica da aquisição e desenvolvimento de competências, remetendo-se de vez para os arcanos da nossa triste história da educação o sistema de ensino superior baseado numa geralmente indigesta e inútil transmissão de conhecimentos.

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Aplausos do PS.

O texto da proposta de lei também é claro, como já o eram as posições do Partido Socialista na anterior Legislatura, no que diz respeito à definição da arquitectura do ensino superior tal como previsto na Declaração de Bolonha: dois ciclos de estudos. O primeiro ciclo, com a duração mínima de três anos, dá o grau de licenciado, o segundo ciclo dá os graus de mestre e/ou doutor.
Também é claro, no que diz respeito à adopção, em definitivo, de um sistema de unidades de crédito, que considera e valoriza, para além das aprendizagens obtidas em contexto de ensino superior, aquelas outras aprendizagens obtidas pelo cidadão em contexto de formação pós-secundária e a formação profissional. Isto porque o Partido Socialista entende que a educação é um processo que se desenrola ao longo de toda a vida do indivíduo, que considera todas as aprendizagens e competências por ele adquiridas ao longo de todo o seu percurso escolar e profissional e que tem por objectivo a aquisição e a transmissão de conhecimentos, incluindo a formação profissional, que devem ser combinados com a cultura, o ensino superior, a investigação científica, etc.

Aplausos do PS.

A partir de agora podemos dizer que o Governo do Partido Socialista conseguiu dar corpo a um conjunto de medidas que consagrarão uma maior facilidade de equivalência entre graus académicos, permitirão uma maior mobilidade aos estudantes no acesso a oportunidades de estudo e de estágios e aos professores e investigadores no reconhecimento e valorização dos trabalhos de docência e investigação em escolas de ensino superior dos outros Estados.
Trata-se, em suma, de uma verdadeira redefinição do conceito de ensino superior em Portugal, que o Partido Socialista reconhece, apoia e aplaude, com grande satisfação e orgulho, como obra de um governo seu.

Aplausos do PS.

Hoje, passados seis anos sobre a produção da Declaração de Bolonha e do processo de discussão por ela desencadeado, se dermos uma vista de olhos à nossa volta - e, de um modo particular, pelos restantes partidos com assento parlamentar -, temos o grato prazer de verificar que já não estamos, afinal, "enfim, sós" nesta matéria. Os nossos adversários políticos decidiram, e bem, participar na recta final desta caminhada e vieram à liça com projectos de lei que, diversamente embora, poderão dar o seu contributo para a discussão na especialidade, que se seguirá: tanto o Bloco de Esquerda, como o CDS-PP e o PCP apresentaram projectos de lei, igualmente pontuais, no sentido de adaptar a lei actual aos princípios da Declaração de Bolonha; o PSD também respondeu à chamada, ainda que de uma maneira envergonhada e, convenhamos, algo tortuosa, pois, não recomposto do facto de a Lei de Bases da Educação, aprovada apenas pela sua maioria parlamentar que entretanto se esfumou, ter sido vetada pelo Sr. Presidente da República, resolveu agora apresentar o mesmo texto - ao que parece levemente retocado e sob a encarnação de um projecto de lei - numa subtil tentativa de salvar a face, como que dizendo que não querem perder o "comboio de Bolonha", mas também não desistem de acabar, no seu todo, com a lei fundadora da democratização do sistema escolar português.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, estaremos disponíveis para tornar possível a descida à comissão do projecto do PSD, desde que fique bem claro que aquilo de que estamos a falar e a maneira como trabalharemos esse projecto não irá além daquilo que nele diz respeito ao ensino superior e à matéria relacionada com a Declaração de Bolonha.
Em matéria de educação, como de resto em outras matérias, o PS tem dado provas de ser um partido defensor de consensos: foi-o em 1986, quando da aprovação da actual Lei de Bases, e em 2004, quando, perante a desarrazoada decisão da maioria de então em avançar com uma nova lei de bases, tudo tentou para chegar a um consenso, e é-o também hoje - e vai demonstrá-lo nas votações que se vão seguir -, viabilizando a descida à Comissão de Educação, Ciência e Cultura de todos projectos de lei que, de uma maneira leal e objectiva e trazendo propostas razoáveis e realistas, poderão dar o seu contributo positivo para o texto final da nova lei.
Sr.as e Srs. Deputados: Bem-vindos à discussão e ao consenso. É disso que o País está à espera. Mas, atenção: o que aqui nos traz hoje é, no essencial, a transposição para o edifício legislativo português das medidas de fundo que deram corpo à Declaração de Bolonha, de 19 de Junho de 1999, porque, no que à política de educação e ensino superior diz respeito, a discussão de ideias dificilmente terá um fim. Mas se temos um País com problemas concretos nestas áreas - problemas estes que, na sua generalidade, já foram identificados -, o que temos de fazer, em primeiro lugar, é resolvê-los. E o Governo, de uma só penada, com esta proposta de lei, já resolveu uma boa parte deles.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte, neste debate sobre a questão de Bolonha, o Partido Socialista fez uma série de discursos, salvo o devido respeito, totalmente laudatórios e inócuos acerca da substância desta questão. Quer dizer, louvaram o Governo sem nenhuma espécie de discussão crítica.
Ora, Bolonha não é objecto de consenso. Dependendo da maneira como o Governo tratar esta questão, Bolonha pode ser regressão científica neste país!
Repito a questão: hoje, com o Governo a financiar parte dos mestrados e com tudo o que foi dito, em grande parte do nosso ensino superior os nossos melhores alunos não podem ir nem para a carreira académica, porque não há dinheiro para os contratar, nem para os mestrados, porque não têm dinheiro para os pagar.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Perante isto, o que é que o Governo faz? Diz que em parte dos mestrados vai manter as propinas da licenciatura e no resto não alarga esse sistema, o que significa que numa grande parte do sistema fica tudo na mesma.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Não é nada disso!

O Orador: - Pergunto: os senhores, que gastaram o vosso tempo a louvaminhar esta proposta, consideram que ela se compatibiliza com uma aposta na qualidade, quando deixamos grande parte dos nossos melhores alunos na mesma, ou seja, sem poderem ir para a carreira académica nem para a investigação, a não ser um pequeno número (que o Governo não diz quanto é) relativamente a um certo número de licenciaturas que, provavelmente, são aquelas pressionadas pelas ordens?

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - VV. Ex.as consideram que isto é apostar na qualificação?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, queria apenas dizer-lhe que a resposta a todas as perguntas que fez neste momento se encontram no Programa do Governo que circula por aí.

Vozes do PCP e do BE: - Ah!

O Orador: - No que diz respeito à qualidade, ela não é estabelecida pela lei; depende de muita coisa, incluindo dos professores, como o Sr. Deputado e eu próprio, e das condições que existem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, essas condições, a qualidade dos professores e o funcionamento do sistema será objecto de regulamentação por parte do Governo.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não está a responder!

O Orador: - Não é a lei que define isso. Bolonha pode ser má se for mal aplicada, como tudo será mau se for mau aplicado! O Sr. Deputado quer tresler Bolonha, pois que tresleia Bolonha. O PS está aqui para avançar, para fazer com que entre no nosso país aquilo que é bom e que pode vir de Bolonha.

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não respondeu!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A Declaração de Bolonha, assinada em 19 de Junho de 1999 pelos Ministros da Educação de 29 países europeus, apresentou como objectivos gerais o aumento da competitividade do Sistema Europeu de Ensino Superior, bem como a promoção da mobilidade e a empregabilidade no espaço europeu.
Para atingir esses objectivos gerais, acordaram os Estados signatários na necessidade de apostar na concretização de objectivos específicos, como a adopção de um sistema de graus comparável, que permita a empregabilidade dos cidadãos europeus nos vários países, independentemente da nacionalidade das suas formações; o estabelecimento do Sistema Europeu de Transferência de Créditos, que permita não só a mobilidade entre estudantes como a valorização de conhecimentos e experiências adquiridas fora do contexto do ensino superior; ou a promoção da cooperação europeia entre instituições e a fundamental garantia do levantamento de obstáculos ao efectivo exercício da livre mobilidade entre estudantes, professores, investigadores e pessoal administrativo.
Não restam dúvidas de que existem princípios e objectivos importantes no quadro do Processo de Bolonha que importa procurar implementar, designadamente o objectivo da mobilidade e da empregabilidade.
No entanto, o Processo de Bolonha, que de per si não teria de constituir nem uma fatalidade nem uma oportunidade de reforma do nosso sistema nacional de ensino superior, apresenta-se-nos hoje como um desafio e um passo importante, ao qual importa responder da melhor forma possível.
Com efeito, o rumo e os contornos que este Processo tem vindo a assumir demonstrou-nos que existe a tentação real de, a reboque da implementação de Bolonha, se colocarem em causa direitos fundamentais ou valores e princípios constitucionalmente garantidos que constituem as fundações no nosso sistema nacional educativo público, hipotecando o futuro do nosso país.
Não podemos deixar que o carácter economicista, tecnocrático e de competitividade, apelando a uma formação à pressa e insuficiente, se sobreponha a uma formação sólida, completa e humana que prepare não só técnicos mas principalmente cidadãos críticos e livres. O mercado de trabalho preferirá sempre, certamente, pessoas mais bem formadas e preparadas do que pessoas mais rapidamente formadas.
Não podemos deixar que este se torne num processo de uniformização cega dos diferentes sistemas nacionais de ensino, que conduza à perda da riqueza adveniente da diversidade de patrimónios, culturas, valores, línguas, percursos e experiências nacionais que constituem o próprio substrato e mais-valia do espaço europeu.
Não podemos, finalmente, deixar que, no jogo das reformas e retalhos dos cursos por ciclos de formação, se introduzam formas veladas de desinvestimento do Estado. Este desinvestimento, para além do estrangulamento que provoca nas instituições de ensino superior, empurrando-as para a mercantilização de serviços e para a privatização da educação, apela ainda ao aumento da comparticipação financeira por parte dos estudantes e suas famílias, dificultando o acesso e a frequência no ensino superior aos que menos podem, designadamente no 2.º e 3.º ciclos.
A questão do financiamento do ensino superior, que continua a avançar no sentido de uma progressiva elitização em vez de avançar no sentido de uma progressiva gratuitidade, não é uma questão menor e está hoje necessariamente em cima da mesa.
Com efeito, Bolonha não prevê nem obriga a um desinvestimento por parte do Estado na educação e na investigação, e este não pode acontecer. Bolonha e o desígnio da mobilidade apelam, pelo contrário, a uma forte aposta e investimento do Estado em recursos e financiamento para permitir a sua efectiva concretização.
É, por isso, preocupante que não vejamos da parte do Governo ou do Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior disponibilidade para assumir, na senda do que defendeu quando não desempenhava funções governativas, a necessidade da redução das propinas, no sentido da tendencial gratuitidade do sistema educativo.
Num país como o nosso, em que as taxas de insucesso e abandono escolar estão claramente acima da média europeia, é com preocupação que verificamos a intenção por parte do Governo, declarada no seu Programa do Governo e na presente proposta de lei, de abrir a possibilidade do aumento das propinas no 1.º e 2.º ciclos, bem como a proposta de sujeitar à livre fixação por parte das instituições de ensino superior as propinas dos cursos pós-secundários não superiores, à semelhança do que acontece para os mestrados e doutoramentos.
Igualmente preocupante e incompreensível é a proposta do Governo do Partido Socialista, em absoluta contradição com o projecto de lei que apresentaram no ano passado e com o seu Programa do Governo, que reserva o grau de doutor apenas para as universidades, impossibilitando a sua concessão pelos institutos politécnicos, independentemente das reais condições e qualidades pedagógicas, científicas e materiais dos mesmos. Lá se vai a coerência e o respeito pelo programa sufragado pelo eleitorado, que até hoje tanto gostavam de referir...
Infelizmente, temos ainda de lamentar que, sob o imperativo da urgência e a ameaça de podermos ser vistos como um País subdesenvolvido, se queira agora aprovar rapidamente este diploma. Portugal, que não gosta de ser mau aluno nas questões europeias e que às vezes é tão obediente que não acautela

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suficientemente as suas necessidades e especificidades internas, está agora a fazer o "trabalho de casa" à pressa para apresentar na próxima reunião, em Bergen, já este mês. É lamentável…
Tal como é lamentável que a implementação deste processo, que faz precisamente seis anos no mês que vem, não se tenha iniciado no nosso país há muito tempo, envolvendo instituições de ensino superior, sindicatos, associações de professores e investigadores, ordens profissionais, associações de estudantes, entre outras, num amplo e profundo debate. Os sucessivos governos que tivemos desde 1999 têm de ser responsabilizados, têm de responder por isto.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um sistema de ensino público forte, de qualidade, democrático e inclusivo é não só garante do inalienável direito individual à educação e formação profissional, como é também um dever do Estado assegurar a sua qualidade e democraticidade no seu acesso e assumir o mesmo como um investimento fundamental na produtividade do País e na consagração da cidadania. É isso também que aqui hoje está em causa. Não podemos jamais esquecê-lo.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como última intervenção neste debate, gostaria de agradecer todos os comentários e dizer que me choca a oposição latente que senti por parte dos partidos da oposição à internacionalização do sistema de ensino superior, quase 20 anos após a adesão de Portugal à União Europeia, que se vai comemorar daqui a poucos dias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também me choca a demagogia do financiamento. Quando é dito na proposta de lei e eu próprio afirmo e reafirmo que o financiamento público está garantido para o 1.º e 2.º ciclos, repete-se, exactamente, o contrário.
Por último, choca-me excessivamente a demagogia da qualidade. Um politécnico de qualidade, repito, não é, em parte nenhuma do mundo, uma universidade; é um excelente politécnico.

Aplausos do PS.

Uma universidade sem qualidade não é um politécnico - isso seria uma humilhação para a ideia de politécnico e para a ideia de universidade. Uma universidade sem qualidade não é um politécnico, é uma má universidade, e como tal deve ser tratada.
A diferença entre politécnico e universidade, Srs. Deputados, não é de nome, mas de natureza.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - São instituições diferentes!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Ah! Que novidade!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Que novidade!

O Orador: - Em toda a Europa, valoriza-se o ensino superior técnico. Em Portugal - e de onde menos se espera -, o peso conservador e retórico de uma visão ultrapassada da educação como mero processo de selecção social, mal disfarçada contra as formações técnicas e que irresponsavelmente aponta aos institutos politécnicos copiar as universidades como via de progresso e crescimento, deve ser combatido.

Aplausos do PS.

Ou querem os Srs. Deputados da oposição que toda a formação politécnica se transforme em formação universitária e que, após assim terem extinto as formações técnicas superiores e generalizado o ensino universitário medíocre no nosso país, fique o país na necessidade de recriar escolas técnicas superiores?!
É este o dilema que temos pela frente: há quem esteja contra o processo de Bolonha, porque está contra toda a internacionalização; há quem esteja contra o processo de Bolonha, mas também contra a formação técnica superior, que não concebe como suficientemente específica ou, como ouvi dizer, digna; e há quem esteja a favor do processo de Bolonha, mas contra as formações técnicas. Todas estas posições estão, infelizmente, contra o desenvolvimento e a qualificação do ensino superior no espaço europeu.

Página 833

0833 | I Série - Número 020 | 13 de Maio de 2005

 

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Pinho de Almeida inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Ministro já não dispõe de tempo para responder.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço, então, a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado, mas, nesse caso, tem de aguardar a sua vez.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sr. Ministro, o que choca é vê-lo detentor da verdade absoluta.

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - E o que choca, acima de tudo, Sr. Ministro, é vê-lo a desmentir o próprio Programa do Governo, que foi a base e o compromisso com que o Partido Socialista ganhou estas eleições. Isto é que choca! A prová-lo, veja-se a pág. 52 do Programa do Governo.

Aplausos do BE.

O que choca, Sr. Ministro, é que vamos ter alunos com apenas três anos de formação no 1.º ciclo, a quererem cumprir o 2.º ciclo (porque o mercado de trabalho lhes exige o 2.º ciclo) e, para isto, vão ter de pagar propinas cada vez mais altas.
E o Sr. Ministro, que, um dia, foi contra o aumento das propinas, aparece agora como o paladino de uma maior selectividade do ensino superior, ensino superior este que está a perder alunos e que vai continuar a perder alunos.

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que choca, Sr. Ministro, é que estamos a especializar-nos como um país que vai produzir licenciados para segmentos desqualificados e precários do mercado de trabalho, numa divisão internacional do trabalho que nos desfavorece. Isto é que choca, este é que é o uso que está a ser feito de Bolonha, esta é que é a leitura de Bolonha que infelizmente está a ser feita por este Governo.
Finalmente, Sr. Ministro, gostava de saber se vai ou não abandonar o Programa de Estabilidade e Crescimento, que prevê que não exista maior investimento no ensino superior. Esta é a grande questão a que o Sr. Ministro não respondeu. É que, se não houver maior investimento no ensino superior, vamos ter perda de receitas e, com a perda de receitas, será muito maior a tendência para as universidades aumentarem as propinas dos mestrados, cabendo-lhes obviamente o odioso, porque o Governo "lava daí as suas mãos".
Esta é que é a grande questão; é investir mais no ensino superior, na qualidade das suas instituições, nos laboratórios e na acção social escolar - isto era o que gostaríamos de ter ouvido aqui e, sobre isto, o Sr. Ministro disse "zero"!
Dê-nos esta garantia, Sr. Ministro, e sairemos daqui muito mais satisfeitos, dê-nos a garantia de que vai aumentar, em termos reais, o investimento no ensino superior público.

Aplausos do BE.

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Serve esta minha intervenção para dar nota que o PSD assumiu em todo este debate, como, aliás, ao longo de todo este processo de Bolonha, uma postura com sentido de Estado, com sentido de responsabilidade, e construtiva, em prol de um melhor ensino superior no nosso país e, assim, também de um melhor futuro para todos os nossos concidadãos.
Portanto, não podemos deixar de lamentar que neste debate não tenha havido conhecimento, por parte, nomeadamente, do Governo e da bancada que o suporta, desta postura construtiva e responsável do Partido Social Democrata, em coerência, aliás, com o que sempre tem vindo a defender desde 1999.
O Sr. Ministro chegou ao ponto de inclusivamente generalizar, dizendo que as oposições estão contra o processo de internacionalização do ensino superior. Ora, isto não me parece rigoroso e muito menos correcto.

Página 834

0834 | I Série - Número 020 | 13 de Maio de 2005

 

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - O Sr. Deputado não percebeu!

O Orador: - Por isso, quero deixar claro que o Partido Social Democrata, neste debate, desafiou o Governo, o Partido Socialista, a fazer um pouco mais pelo ensino superior do que limitar-se (citando o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte) "a transpor aquilo que eram obrigações previstas na Declaração de Bolonha".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, hoje, viemos a um debate em que afinal nos limitámos a transpor uma declaração internacionalmente assumida e em relação à qual Portugal já se comprometeu, há alguns anos. Ora, isto é pouco, nomeadamente para quem como o Sr. Ministro se apresentou neste debate como alguém que trazia grandes inovações, que ia "tirar grandes coelhos da cartola".
Assim sendo, é bom que se registe - até para informação, porque admito que possa ser por falta da mesma que tal foi proferido, do Sr. Ministro e do Governo - o seguinte: a realidade é que esta Assembleia já aprovou este mesmo tipo de alterações, há mais de um ano, numa alteração à lei de bases. A realidade é que foi publicado - o Sr. Ministro, eventualmente, não terá dado nota -, em Fevereiro passado, um decreto-lei, aprovado pelo governo anterior, em Dezembro passado, que prevê "Princípios reguladores dos instrumentos para a criação do espaço europeu do ensino superior". Portanto, dizer-se que nada foi feito, não é correcto.
Há algo que é verdade: a lei de bases não foi, de facto, alterada, apesar de a Assembleia da República a ter aprovado, isto é correcto. Mas, perguntemos, por que tal não aconteceu? Porque o Sr. Presidente da República não promulgou esse diploma. E por que é que o Sr. Presidente da República não promulgou essa lei? É importante que todos nos lembremos, há dois argumentos essenciais: um de ordem circunstancial - tinha a ver com o momento que, na altura, se vivia -, afirmando que um novo governo iria tomar posse e, portanto, não deveríamos apresentar um facto consumado ao novo governo (este argumento, neste caso, não é relevante); e um outro substantivamente muito mais relevante, que tinha a ver com a falta de consenso criado nesta Câmara, nomeadamente que previsse as alternâncias democráticas naturais no nosso sistema - no fundo, traduzindo em miúdos, porque o Partido Socialista votou contra, na votação final global, e esta é que foi a razão.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Pois claro!

O Orador: - Assim sendo, o que, de facto, é inovador aqui hoje é a evolução do Partido Socialista. Sr. Ministro, não confundamos, o que, de facto, mudou foi a posição do Partido Socialista.
É que poderão dizer: não, o Partido Socialista votou contra a lei de bases por outras razões que não tinham a ver com o processo de Bolonha. Bom, entendamo-nos: tenho comigo o relatório da Comissão de Educação, Ciência e Cultura sobre a votação, na especialidade, da proposta de lei de alteração da Lei de Bases da Educação. Ora, neste relatório, por exemplo, o artigo 18.º, relativo ao acesso ao ensino superior (à valorização no acesso ao ensino superior), onde se prevê aquilo que o Sr. Ministro aqui apresentou como uma grande inovação, nomeadamente a valorização de competências adquiridas através de diferentes percursos formativos e experiências de trabalho - portanto, essa valorização no acesso ao ensino superior, medida já prevista neste artigo 18.º da lei anterior -, foi aprovado na Assembleia da República, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e - pasme-se! - do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Essa é que é essa!

O Orador: - O artigo seguinte "Graus académicos e diplomas" - artigo, julgo, estruturante nesta inovação que hoje estamos aqui a introduzir -, em que se previa os graus, os três ciclos de ensino, por exemplo, entre outras medidas, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e - pasme-se! - do Partido Socialista.
Para terminar, dou um outro exemplo, o artigo relativo aos estabelecimentos de ensino superior - outra grande inovação aqui apresentada, que, aliás, consta do preâmbulo da proposta de lei -, que prevê a possibilidade de os estabelecimentos de ensino se associarem para a atribuição de graus, nomeadamente de doutoramentos, como o Governo aqui apresentou hoje, foi aprovado, com a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e do BE e - pasme-se! - a abstenção do Partido Socialista, o único partido que não votou favoravelmente.
Portanto, registemos todos que não é correcto, não é rigoroso e, perdoem-me, não me parece que seja

Página 835

0835 | I Série - Número 020 | 13 de Maio de 2005

 

sequer delicado, para não dizer educado, que venhamos para este debate dizer que nada estava feito, que tudo estamos a começar, que temos aqui uma grande medida inovadora - quase diria revolucionária!… - para o nosso sistema de ensino superior.
Não é um facto! Limitámo-nos, hoje, aqui, e bem, a fazer aquilo que são as nossas obrigações internacionais, em bom nome de Portugal.
Muito há para se fazer, para implementar o processo de Bolonha. Portanto, também lamentamos que não tenhamos obtido a resposta devida quando foram colocadas questões mais concretas relativas à implementação do processo de Bolonha.
Estaremos vigilantes, como nos compete enquanto oposição, mas o Governo também pode contar que não teremos a mesma postura destrutiva que o Partido Socialista teve no passado. Da nossa parte, estaremos construtivamente ao lado do Governo, a melhorar o ensino superior no nosso país.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que o desejarem, ainda poderão votar nas urnas, que se encontram no Hemiciclo, até ao final da sessão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não quero, de forma alguma, alimentar uma polémica - acho que, nesta altura, isso não tem qualquer sentido -, mas tão-só dizer, Sr. Ministro, que podemos ter opiniões e soluções diferentes. Isto não faz com que nos choquem aquelas que são as opiniões e as posições do Governo e parecia-nos avisado que também não ficasse o Governo chocado com o facto de as oposições terem opiniões e soluções diferentes nesta matéria.
Viemos aqui - e falo em nome desta bancada - de forma construtiva. Dissemo-lo numa declaração de princípio e acho que o concretizámos na forma como apresentámos as nossas ideias, que, em alguns casos, são, de facto, diferentes das do Governo. Mas isto não faz com que isto seja alguma forma atentatória para com a proposta do Governo que justifique que o Governo fique chocado por assim pensarmos, e pensarmos de forma diferente. E até temos base para continuarmos a pensar assim no fim deste debate.
Em relação aos politécnicos, o Sr. Ministro referiu agora uma coisa importantíssima, que é a de eles se quererem transformar em universidades. Ora, a nosso ver, a principal razão por que os politécnicos se querem transformar em universidades é a de continuarem a não ter a dignidade que deveriam ter, como um dos sectores do ensino superior. Como estão hierarquizados abaixo das universidades, a melhor solução que têm para atingir essa dignidade é a de tentarem transformar-se em universidades. Se se permitisse que o grau de doutor fosse ministrado e dado pelos politécnicos, eles deixariam de ter essa aspiração.
Por outro lado, continuamos preocupados em relação ao acesso às profissões, porque não houve garantias da parte do Governo de que, de facto, há mecanismos e regras claras para resistir aos ímpetos dos corporativismos. Continuamos preocupados em relação ao financiamento, porque achamos que é preciso fazer um debate autónomo da lei do financiamento, não bastando incorporá-lo, agora, em dois ou três artigos.
Por isso, Sr. Ministro, continuamos preocupados, continuamos a ter posições diferentes, mas continuamos a ter essas posições de forma construtiva. Será assim que continuaremos a pautar o nosso trabalho de oposição e entendemos que o Governo não tem o direito de se chocar por causa disso.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores inscritos, terminámos a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 7/X e dos projectos de lei n.os 52/X (BE), 54/X (CDS-PP), 55/X (PSD) e 59/X (PCP).
Srs. Deputados, vamos agora entrar no período regimental de votações.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando, para o efeito, o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 154 presenças, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Começamos por votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 7/X - Segunda alteração da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, que estabelece a Lei de Bases do Sistema Educativo, regulando a organização de graus e diplomas do ensino superior, na sequência do processo europeu de Bolonha.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD e abstenções do PCP, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes.

Página 836

0836 | I Série - Número 020 | 13 de Maio de 2005

 

Este diploma baixa à 8.ª Comissão.
Srs. Deputados, passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 52/X - Altera a Lei de Bases do Sistema Educativo (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do BE e de Os Verdes e abstenções do PS, do PSD, do PCP e do CDS-PP.

O projecto de lei baixa à 8.ª Comissão.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, é só para anunciar que entregarei uma declaração de voto em nome pessoal.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr.ª Deputada. Dispõe de três dias para fazê-la chegar à Mesa.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 54/X - Regula a organização de atribuição de graus académicos no ensino superior, em conformidade com o Processo de Bolonha, incluindo o Sistema Europeu de Créditos (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O diploma baixa à 8.ª Comissão.

Vamos, agora, votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 55/X - Lei de Bases da Educação (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O projecto de lei n.º 55/X baixa à 8.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 59/X - Alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, na redacção dada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro) (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP e de Os Verdes e abstenções do PS, do PSD, do CDS-PP e do BE.

Este diploma baixa à 8.ª Comissão.

Vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 29/X - Viagem do Presidente da República a Oxford e ao Japão (Presidente da AR).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura de três pareceres da Comissão de Ética.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais - Processo n.º 2693/03.8TACSC -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Luís Marques Guedes (PSD) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela

Página 837

0837 | I Série - Número 020 | 13 de Maio de 2005

 

2.ª Secção do 3.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa - Processo n.º 1088/00.0TDLSB (329/03) -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP) a intervir, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal - Processo n.º 330/03.0TAPBL -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Maria Ofélia Moleiro (PSD) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar amanhã, sexta-feira, às 10 horas e terá como ordem do dia a apreciação da proposta de lei n.º 5/X - Cria o SIFIDE - Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial e do projecto de resolução n.º 21/X - Visa a não realização dos exames nacionais do 9.º ano (PCP).
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 52/X.

O Bloco de Esquerda apresentou um conjunto de propostas de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo que procuram gizar uma resposta estruturada aos estrangulamentos do actual sistema de ensino superior em Portugal. As propostas têm como objectivos centrais a promoção de qualificações superiores, a equidade no acesso à formação superior e a integração competitiva do ensino superior português num espaço crescentemente internacionalizado de formação e qualificação.
No que toca ao essencial da proposta, creio que ela é politicamente forte e capaz de orientar uma mudança estrutural que é hoje imperativa. Tenho, contudo, uma divergência no que toca à proposta de possibilitar ao subsistema do ensino politécnico a atribuição dos graus de mestre e doutor, pela simples razão de que se não for bem orientada, pode conduzir a uma duplicação de estruturas, reproduzindo as atribuições do universitário e descaracterizando a diferenciação entre os dois subsistemas do ensino superior.
Esta é, contudo, uma discussão sobre a arquitectura da formação superior em Portugal e não uma divergência política de fundo. Por esta razão, no meu entender, o mérito global das propostas defendidas pela bancada do Bloco de Esquerda e a urgência da sua implementação mereceram necessariamente o meu voto favorável.

A Deputada do BE, Ana Drago.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Luís Garcia Braga da Cruz
Renato Luís Pereira Leal

Página 838

0838 | I Série - Número 020 | 13 de Maio de 2005

 

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Carlos Jorge Martins Pereira
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Miguel Pais Antunes
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Alberto Pinto
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rego Mendes Martins
Mário Henrique de Almeida Santos David
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Paulo Sacadura Cabral Portas

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