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Sexta-feira, 20 de Maio de 2005 I Série - Número 23

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE MAIO DE 2005

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex. mos Srs. Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Fernando Santos Pereira
Artur Jorge da Silva Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de resolução n.º 1/X e do projecto de lei n.º 79/X, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Procedeu-se à eleição de um secretário da Mesa da Assembleia da República proposto pelo CDS-PP, tendo sido proclamado eleito o Sr. Deputado Abel Baptista.
Em declaração política, o Sr. Deputado José Paulo de Carvalho (CDS-PP) referiu-se à necessidade de implementação de políticas transversais de apoio à família e anunciou a apresentação de um projecto de lei de bases da família. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP), a propósito da realização de um seminário sobre saúde sexual e reprodutiva e os compromissos com o desenvolvimento, inserido na iniciativa "A Lusofonia e os 10 anos da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento", chamou a atenção para a necessidade de desenvolvimento dos Objectivos do Cairo, com vista à superação das desigualdades, e criticou o Governo pela sua actuação na área da educação para a saúde sexual e reprodutiva.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) condenou o anterior governo por práticas de abuso de poder e promiscuidade entre os sectores público e privado, nocivas para a democracia e transparência da vida pública, tendo depois dado explicações aos Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Luís Marques Guedes (PSD), que usaram da palavra para defesa da honra e consideração das bancadas.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins (PS) teceu críticas à actuação dos anteriores governos, que não conduziu ao saneamento das contas do Estado, e falou acerca da necessidade de medidas concretas nesse sentido. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Miguel Frasquilho (PSD).
Por fim, em declaração política, o Sr. Deputado Mendes Bota (PSD), baseado em notícias veiculadas pela comunicação social e tendo em conta declarações de membros do Governo, acusou o Primeiro-Ministro de não cumprimento de promessas eleitorais caso venham a ser implementadas portagens nas auto-estradas SCUT, nomeadamente na Via do Infante. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Nuno Magalhães (CDS-PP) e José Junqueiro (PS).

Ordem do dia.- Procedeu-se a um debate sectorial com o Ministério da Administração Interna, tendo usado da palavra, a diverso título, além dos Srs. Ministros de Estado e da Administração Interna (António Costa) e dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva) e do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Ascenso Simões), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Marques Júnior (PS), Agostinho Lopes e António Filipe (PCP), Nuno Magalhães

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(CDS-PP), Fernando Rosas (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Luís Montenegro (PSD), Teresa Diniz (PS), José Soeiro (PCP), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Feliciano Barreiras Duarte (PSD) e João Serrano (PS).
Foi aprovado o voto n.º 8/X - De congratulação pelo final da II Guerra Mundial na Europa (CDS-PP).
Foi, igualmente, aprovado o voto n.º 9/X - De pesar pelo falecimento de Jorge Perestrello (PS), tendo no fim a Câmara guardado 1 minuto de silêncio.
Mereceu, ainda, aprovação, na generalidade, a proposta de lei n.º 5/X - Cria o SIFIDE - Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial.
Foi rejeitado o projecto de resolução n.º 21/X - Visa a não realização dos exames nacionais do 9.º ano (PCP).
A Assembleia aprovou um parecer da Comissão de Ética, autorizando um Deputado do CDS-PP a depor por escrito em tribunal na qualidade de testemunha.
Na generalidade, foram discutidos conjuntamente os projectos de lei n.os 27/X - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o quadro de competências e o regime de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa (PS), 66/X - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro (Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias) (PCP) e 76/X - Alarga as competências dos órgãos deliberativos das autarquias locais (BE). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Pita Ameixa (PS), Ana Drago (BE), Abílio Dias Fernandes (PCP), Mário Albuquerque (PSD), Pedro Farmhouse (PS), Abel Baptista (CDS-PP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António José Martins Seguro
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Carlos Cardoso Lage
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elísio da Costa Amorim
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Glória Maria da Silva Araújo
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
João Cândido da Rocha Bernardo
João Cardona Gomes Cravinho
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Apolinário Nunes Portada
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Luís Pereira Carneiro
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Garcia Braga da Cruz
Luís Manuel Carvalho Carito
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Marcos Sá Rodrigues

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Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino Costa
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Pinto
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando dos Santos Antunes
Fernando Mimoso Negrão

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Fernando Santos Pereira
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Amaral Lopes
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Mendes Bota
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

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João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de resolução n.º 1/X - Aprova, para ratificação, o Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 8 de Novembro de 2001, que baixou às 1.ª e 2.ª Comissões; e projecto de lei n.º 79/X - Alteração da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo) (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão.
Foram também apresentados diversos requerimentos.
Na reunião plenária de 11 de Maio - ao Governo e ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Alberto Antunes, José Soeiro e Miguel Tiago; aos Ministérios da Administração Interna e da Educação, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Sr. Primeiro-Ministro e aos Ministérios do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, e das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, da Economia e da Inovação e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Machado; aos Ministérios do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, da Cultura e do Trabalho e da Solidariedade Social, formulados pelos Srs. Deputados João Teixeira Lopes e Mariana Aiveca.
Nas reuniões plenárias de 12 e 13 de Maio - aos Ministérios do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, da Economia e da Inovação, das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e à Câmara Municipal do Seixal, formulados pelos Srs. Deputados Jovita Ladeira, Helena Terra, Luís Rodrigues, José Soeiro, Miranda Calha e Alda Macedo; aos Ministérios da Saúde, da Administração Interna, dos Assuntos Parlamentares e das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Pizarro, António Filipe, Bernardino Soares e João Pinho de Almeida; ao Ministério da Justiça, formulado pela Sr.ª Deputada Zita Seabra; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Machado; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado João Teixeira Lopes; à Autoridade Nacional das Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Louçã; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, formulado pelo Sr. Deputado Almeida Henriques; à Câmara Municipal da Amadora, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Pinto.
Nos dias 16 e 17 de Maio - aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Educação e da Cultura e ao Governo da Região Autónoma dos Açores, formulados pelos Srs. Deputados José Cesário, Honório Novo e Jorge Machado; aos Ministérios das Finanças, da Saúde, do Trabalho e da Solidariedade Social e da Cultura e à Câmara Municipal das Caldas da Rainha, formulados pelos Srs. Deputados Teresa Caeiro, Mariana Aiveca e João Cravinho.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: nos dias 12 e 13 de Maio - Jorge Machado, Luísa Mesquita e José Magalhães.
Em termos de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Recordo às Sr.as e Srs. Deputados que está a decorrer a eleição para um Secretário da Mesa, estando as urnas abertas até ao final do período de votações.

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Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No passado dia 15 de Maio assinalou-se o Dia Internacional da Família. Em Portugal, apenas os cidadãos mais atentos se aperceberam de tal facto, visto que o Governo se manteve completamente ausente, como se o tema da família não lhe dissesse respeito. As poucas iniciativas que tiveram lugar para assinalar a data surgiram pela mão de associações de família, promovidas por cidadãos anónimos. É claro que se pode afirmar que é preferível a concretização de políticas a favor da família do que gastar recursos em celebrações. Estamos absolutamente de acordo. O problema é que o Governo não faz uma coisa nem outra. O Governo despreza as famílias portuguesas!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Pela primeira vez na história da nossa democracia, não existe qualquer previsão ou enquadramento orgânico no Governo e nos serviços sobre os quais exerce tutela para as questões e para as políticas de família. É matéria de ninguém, pela qual ninguém, no Governo, é responsável.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Isto não se deve a mera incompetência do Governo, não se deve a um simples esquecimento, mas, sim, a uma directa intenção de desproteger as famílias portuguesas. A Constituição da República Portuguesa estabelece que a família é um elemento fundamental da sociedade e, precisamente por isso, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Destaca-se o dever, também previsto na Constituição, de ser definida e executada uma política de família com carácter global e integrado. Lamentavelmente para as famílias portuguesas, o Governo não tem nada a dizer.
O anterior governo aprovou uma política global para a família até 2006, assumindo 100 compromissos para uma política da família. Nestes se prevê uma política transversal de família, desde a conjugalidade e parentalidade, à saúde, educação, sociedade de informação, envelhecimento da população, trabalho e segurança social. O que pretende fazer este Governo? Vai continuar a fingir que não tem o dever de apoiar as famílias portuguesas? Sabemos que o actual Governo não é dado a assumir compromissos, mas o que pretende fazer a estes 100 compromissos para uma política de família? Estão em vigor? Serão submetidos a alterações ou simplesmente vão caducar? Admito que o Governo não queira aplicar uma política de família definida pelo governo anterior. Mas, então, defina a sua própria política de família! Foram extintos o cargo de Coordenador Nacional para os Assuntos da Família e o Conselho Consultivo para os Assuntos da família. O que lhes vai suceder? Tememos que rigorosamente nada!
Cabe aqui também perguntar o que pretende fazer o Governo para combater o negro quadro do envelhecimento da população portuguesa. Vai continuar a fingir que não tem nada a ver com isso? Como pretende melhorar, no respeito pela liberdade individual, a nossa taxa de natalidade? Apostar na família, comprometer-se no apoio à família, é a melhor forma de promover a justiça e a igualdade social. Estruturas familiares sólidas são o melhor apoio para o crescimento das nossas crianças, são o seu melhor escudo protector. É nas famílias desestruturadas e nas uniões de facto que há maior taxa de incidência de situações de violência doméstica. Infelizmente, também ocorre nas famílias, mas a sua taxa de incidência é muitíssimo menor. É também naqueles casos que há maior taxa de incidência de situações de abandono e de insucesso escolar.
O Estado não pode impor a ninguém um certo modelo de comportamento na esfera da sua liberdade pessoal, mas seria absurdo que o Estado não percebesse quais os modelos de organização familiar que são mais adequados a um bom desenvolvimento das nossas crianças e não criasse mecanismos pró-activos de apoio a essas mesmas famílias.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Como dizia Tony Blair, não se trata de dar sermões às pessoas, mas, sim, de enfrentar um enorme problema social. Todos os estudos revelam que são os filhos das famílias mais pobres e cujos pais têm menor escolaridade aqueles que mais sofrem com a crise da família. São estes os que vão viver pior e ter menos condições para o sucesso escolar. Desta forma, perpetua-se o ciclo da pobreza. Apoiar a família, repito, é a melhor forma de promover a justiça e a igualdade social.
As pessoas são absolutamente livres de optarem pela forma de vida que bem entenderem, por se relacionarem com quem entenderem e da forma que acharem melhor. Mas o Estado não pode fingir que ainda não percebeu as consequências sociais dos vários tipos de opções!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - Por isso, o CDS reafirma como necessidade prioritária o apoio à família e o estabelecimento e execução de políticas transversais aos seus diversos sectores, sendo sempre tido em conta o seu impacto sobre a vida das famílias portuguesas. O CDS continua a defender que os 100 compromissos para uma política de família são uma excelente linha orientadora para as políticas de família, na qual se revê e sobre a qual exige que o actual Governo se pronuncie.
Termino, informando que o CDS vai apresentar na próxima semana um projecto de lei para aprovar uma lei de bases da família.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, começo por saudá-lo pela sua intervenção, uma vez que ainda não tive ocasião de a si me dirigir desde que assumiu o seu mandato, no início desta Legislatura. Eu, contudo, já iniciei o meu mandato há algumas Legislaturas e, por isso, lembro-me bem da altura em que a bancada do CDS-PP falava na Maria e no Zé para exemplificar as dificuldades das famílias portuguesas relativamente aos mais variados assuntos.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - No caso concreto de que lhe quero falar hoje, mais importante do que dizer que os envolvidos se chamam Maria ou Zé é dizer que foram atingidos por uma decisão do governo anterior. A Maria é uma médica que trabalha num hospital do Porto e o Zé é um médico de medicina familiar que trabalhava na Sub-Região de Saúde do Norte e que, por despacho do anterior governo, foi colocado no Algarve, ficando, assim, impedindo, de conviver com a sua família. Tal poderia ser inteligível se no Porto não houvesse dificuldade em encontrar médicos para medicina familiar, mas há! Como tal, não havia necessidade de separar esta família.
De todo o modo, o apoio à família faz-se muito mais com medidas concretas de apoio aos casais do que com grandes declarações em termos de gestão política global que, essa sim, está na Constituição da República,…

A Sr.ª Cristina Granada (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … como o Sr. Deputado referiu e bem, num texto que, penso, foi aprovado por unanimidade nesta Câmara, em sede de revisão constitucional.
Mas pergunto mais ao Sr. Deputado. V. Ex.ª pensa que o Código do Trabalho aprovado na anterior Legislatura apoia a família quando estabelece o trabalho nocturno até às 22 horas?

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): - Os senhores têm de o alterar, Sr.ª Deputada!

A Oradora: - Crê o Sr. Deputado que a alteração ao subsídio de doença, que foi também decidida na anterior Legislatura, apoia a família? Para mais, sabendo nós que o apoio às pessoas dependentes recai sempre muito mais sobre as mulheres do que sobre os homens, visto que, na gestão do orçamento familiar e porque as mulheres têm salários mais baixos, acaba por ser sempre o seu emprego aquele de que se prescinde?

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Acredita o Sr. Deputado que o aumento do desemprego é uma medida de apoio à família? Não é, Sr. Deputado!
Penso que temos de ter a humildade de reconhecer que não precisamos de estruturas. As estruturas enunciam, por vezes, princípios gerais, mas o Sr. Deputado lembra-se bem, como eu, que a anterior Alta Comissária para os Assuntos da Família propôs algumas medidas de desagravo fiscal para as famílias e, não tendo estas sido aceites pelo governo anterior, entrou em rota colisão com um executivo que era suposto ter sensibilidade para estas matérias.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - Penso que nenhum de nós pode assumir a defesa das famílias apenas através do discurso. Temos de o fazer através de acções e creio que o Partido Socialista prosseguirá, com certeza, a muito

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importante política de conciliação entre a vida familiar e a actividade profissional, que é absolutamente essencial no nosso país. Contarei com o seu apoio para as medidas que decidirmos adoptar nesse domínio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço-lhe as simpáticas palavras que me dirigiu.
Em resposta, diria, desde logo, que penso ser interessante o facto de ter terminado a minha intervenção manifestando perplexidade pela inexistência de políticas de família do actual Governo e que, contudo, a Sr.ª Deputada não nos tenha dito quais são essas políticas, limitando-se a perguntar o que fez o governo anterior. Essa é a demonstração clara de que os senhores têm um Governo e uma maioria absoluta e continuam a olhar para trás e não para a frente!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Mota Andrade (PS): - Os senhores nem sequer para trás podem olhar!

O Orador: - Por outro lado, é óbvio que estou de acordo consigo quando diz que mais valem boas políticas do que boas estruturas. Sem dúvida! Acrescento que mais vale alguma colisão entre uma estrutura e um governo do que - e espero que isto fique bem claro - a extinção dessa mesma estrutura!

Aplausos do CDS-PP.

Quanto a medidas com incidência familiar e olhando um pouco para trás, sendo certo que, como disse, é preferível olhar para a frente, o anterior governo, para além das bases da segurança social, da diferenciação positiva no âmbito do abono de família a crianças e jovens, da abolição do imposto sucessório no caso de sucessão familiar, da diferenciação positiva que houve no regime de protecção social em eventualidade de doença, de um programa de emprego e de protecção social, definiu um conjunto de políticas pró-família que me dispenso de elencar. De todo o modo, tenho aqui três páginas que posso entregar-lhe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Estão é em branco!

O Orador: - Termino, Sr.ª Deputada, dizendo que nos orgulhamos do que o anterior governo fez, ficando na expectativa de saber o que este Governo vai fazer, se bem que até agora não tenhamos visto rigorosamente nada.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos. Com toda a estima que por si todos temos, Sr.ª Deputada, lembro-lhe que o tempo previsto no Regimento para a declaração política é de 8 minutos.

A Sr.ª Odete Santos ( PCP): - Ah! Por momentos pensei que o Sr. Presidente tinha diminuído o tempo de que disponho.!

O Sr. Presidente: - Jamais, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Odete Santos ( PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República, através do Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento, acolheu ontem o seminário sobre saúde sexual e reprodutiva e os compromissos com o desenvolvimento, inserido na iniciativa "A Lusofonia e os 10 anos da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento". Uma das ideias mestras do seminário, que contou com representantes parlamentares do espaço lusófono e com representantes das associações congéneres da Associação para o Planeamento da Família (APF) portuguesa da zona dos PALOP, foi a da necessidade de reforço da cooperação portuguesa com os PALOP, de modo a poderem superar-se atrasos relativamente ao cumprimento da Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento.
Nesta matéria, a Assembleia da República não tem sido chamada, como devia, a acompanhar iniciativas governamentais junto de instituições internacionais. O que aconteceu, nomeadamente com a apresentação perante as Nações Unidas do relatório elaborado pelo Instituto Português para o Desenvolvimento, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sobre o cumprimento dos Objectivos do Milénio, relatório que leva a

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data de Novembro de 2004? E o que consta desse relatório não coincide exactamente com a realidade que, por outras vias, nos é apresentada.
Em causa estão, no que toca a esse relatório, o cumprimento dos Objectivos do Milénio, declarados em 2000 pelas Nações Unidas, nos quais avulta uma meta para a erradicação da pobreza que se pode considerar ambiciosa, se tivermos em conta que as políticas neoliberais que triunfam no mundo nada mais fazem do que aprofundar a pobreza, atirando para os pobres a responsabilidade da sua pobreza.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas em causa estão também, face à Conferência do Cairo, os próprios Objectivos do Milénio, dada a sua indigência quanto à saúde sexual e reprodutiva.
Provada que está a interdependência entre a erradicação da pobreza e a promoção da saúde sexual, importa que, na cimeira que se realizará em Setembro, os serviços que garantam a saúde sexual e reprodutiva sejam claramente inscritos nos Objectivos do Milénio.
É claro que, por trás dos atrasos a nível mundial que o relatório do Fundo das Nações Unidas para Actividades de População (FNUAP), apresentado em 2004, regista quanto à plataforma de acção do Cairo, estão as famosas gag rules do inefável Presidente Bush, aquelas que deram origem a drásticos cortes nos apoios a organizações que nos países pobres lutam contra a pandemia do HIV, lutam pelo cumprimento dos direitos sexuais e reprodutivos. Em tão grande conta é tido pelo imperialismo norte-americano esse máximo objectivo do milénio: a erradicação da pobreza!
Mas também aí é possível terminar com a colonização "à la Bush". As gag rules acabaram de sofrer um sério revés no Senado norte-americano, com a introdução de uma emenda saudada pelas organizações não governamentais privadas dos apoios que vinham recebendo.
As trombetas desse exército de salvação "bushiano", de que são vítimas preferenciais as mulheres, ressoam mesmo entre nós numa campanha infame que se vem desenvolvendo de uma forma violenta contra a educação sexual nas escolas portuguesas, usando de calúnias, como aliás é hábito nestas matérias que têm uma estreita ligação com o flagelo do aborto clandestino, flagelo a que a 57.ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde declarou combate, inscrevendo pela primeira vez a eliminação do aborto não medicalizado nos seus objectivos.
Contra todas as posições internacionais relativamente à saúde reprodutiva, desencadeia-se entre nós, como íamos dizendo, uma campanha infame contra a educação sexual.
Perante a persistência do Partido Socialista em realizar um referendo sobre o aborto, pergunta-se: já se apercebeu a maioria absoluta do Partido Socialista do clima de violência que vem sendo desencadeado pelos que reprimem a sexualidade? A estratégia é hábil e conhecida. Eles não conhecem peias, copiando modelos made in América, nomeadamente quanto à educação sexual, e acolitando renegados e supostos especialistas norte-americanos.
O que conhecidos militantes antifeministas, usando as trombetas do pecado, vêm destilando na comunicação social - é convosco, Srs. Deputados do CDS-PP! - é um rol de aleivosias destinadas a virar a opinião pública contra a causa das mulheres, contra os objectivos da Conferência do Cairo e contra o direito à saúde sexual e reprodutiva.
Srs. Deputados, não há um programa de educação sexual nas escolas portuguesas, ao contrário do que mandam para os jornais, e muito menos com o conteúdo que ali descrevem. Há umas orientações para a educação sexual em meio escolar que nunca passaram a programa, precisamente com a obstrução que a direita lhes tem feito.
Confunde-se, propositadamente, livros e materiais ao dispor de professores, para os quais é quase inexistente a formação, com conteúdos destinados aos alunos. A "D. Moralidade e os seus vários maridos" - os bons costumes -, que conhecemos de antanho com todas as suas atitudes repressoras, querem perpetuar-se.
De resto, regista-se, por parte destes arautos, o saudosismo do passado. Um seminário que realizaram há não muito tempo tinha por título "50 anos de educação sexual". 50 anos?! Querem o que o fascismo quis: proibir a educação sexual e promover a repressão da sexualidade.
A educação sexual, apesar de um ou outro avanço, continua à espera. Continua à espera que se cumpra a lei, que seja inserida, num modo transversal, em várias disciplinas, como resulta da lei. Uma educação sexual compreensiva, abrangente, que, não afastando qualquer modalidade da mesma, não seja uma educação sexual impositiva do modelo de abstinência.
Para os que esta última advogam, talvez, como na Malásia, as famílias numerosas sejam o sinal de virilidade! Estão, desta feita, a contribuir para o aprofundamento da pobreza. E sobretudo da pobreza cultural.
Perante isto, pergunta-se ao Partido Socialista: querem continuar a abrir as nossas escolas a quem espalha valores retrógrados discriminatórios das mulheres? Pensam, ou não, dar cumprimento, ao modelo de educação sexual? Querem, ou não, pôr cobro à campanha de desinformação? Por que persistem em abrir largas avenidas por onde vão passear-se ódios recalcados, sacerdotes e sacerdotisas apregoando o pecado, a vozearia dos que continuam a condenar Eva? Por que persiste o Partido Socialista no referendo?

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Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Há poucos dias, duas figuras destacadas do CDS foram constituídas arguidas numa investigação sobre tráfico de influências: Nobre Guedes, ex-Ministro do Ambiente, e Abel Pinheiro, ex-tesoureiro do partido. Trata-se de uma acusação de enorme gravidade, que suscita questões que não podem passar em silêncio.
Trago o tema a debate porque se exige a todos os partidos que tomem posição clara sobre matérias decisivas para a democracia, para o combate à corrupção e para a transparência da vida pública.
Não cabe a este Parlamento, no entanto, discutir ou pronunciar-se sobre o caso de eventual tráfico de influências, que será tratado em tribunal.
A propósito de outras questões, como o caso Casa Pia, o Bloco de Esquerda tomou aqui a palavra para rejeitar o ambiente de insinuação, de tomadas de posição extemporâneas de agentes judiciários, de alimentação da especulação mediática, por via de fugas calculadas ao segredo de justiça, ou de precipitados julgamentos na imprensa de escândalos. Aplicamos agora o mesmo critério: o processo judicial é do tribunal e os acusados são inocentes até prova em contrário.
Mas há um outro problema igualmente grave, e esse, sim, deve ser tratado aqui, sob pena de cumplicidade com o abuso do poder. É, aliás, um problema ainda mais grave: o governo Santana Lopes-Paulo Portas promoveu, errada e ilegitimamente, uma promiscuidade nociva entre o interesse público e o privado. Esta atitude merece uma censura política, e o lugar para o fazer é neste Parlamento, perante o País.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - A promiscuidade manifestou-se, pelo menos, que se saiba até agora, em dois episódios chocantes. Em primeiro lugar, na concessão, pelo Ministro Daniel Sanches, de um contrato de 538 milhões de euros, concessionando o Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) a um grupo empresarial - no qual o próprio ministro trabalhara -, apoiado pelo parecer verbal de um funcionário, alguns dias depois de terem ocorrido as eleições em que o seu governo foi esmagadoramente derrotado. É curioso verificar a facilidade com que alguns governos apostam dinheiros públicos ao mesmo tempo que alegam o rigor orçamental.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Consultada a Procuradoria-Geral da República, confirmou-se que a decisão era ilegal, uma ilegalidade que é um abuso de poder; um governo em gestão não deve, não pode decidir sobre um contrato desta dimensão e duração.
Em segundo lugar, a promiscuidade entre o interesse público e o privado manifestou-se no caso Portucale, em que são agora acusados alguns ex-ministros.
O caso Portucale é um retrato dos negócios estranhos deste País. Começou pela privatização parcial da Companhia das Lezírias, em 1990, com Cavaco Silva. Foram então entregues 509 ha a uma empresa mista, constituída pela Companhia e Grupo Espírito Santo. O negócio acabou como se esperava: a Companhia das Lezírias ficou sem o terreno, saiu do negócio, recebeu menos do que tinha investido, e o Grupo Espírito Santo comprou o terreno a 78$/m2, 200 vezes menos do que o seu valor de mercado. Repito: 200 vezes menos!
Depois disso, ainda recebeu cerca de 4 milhões de euros para financiar dois campos de golfe nesse empreendimento.
Em 1999, nove anos depois, a Inspecção-Geral de Finanças concluiu um relatório que acusava este negócio de ter sido "em termos globais, desfavorável para o património e os interesses da Companhia das Lezírias, tanto na sua génese como na alienação da participação social que detinha na Portucale".
Mas a Inspecção-Geral de Finanças foi mais longe e condenou o futuro projecto do Grupo Espírito Santo para o terreno, e cito: "dificilmente poderá ser admitida a declaração de imprescindível utilidade pública (…), na medida em que os interesses prosseguidos são (…) de natureza meramente privada".
Seis anos depois deste relatório, o Ministro Nobre Guedes decidiu decretar a utilidade pública do negócio Portucale. Sabemos agora que não hesitou quanto aos meios: o despacho foi publicado já depois das eleições mas com data falsificada, para parecer que tinha sido assinado uns dias antes, quando se tratava, em qualquer caso, de um governo de gestão.
O ex-Ministro Telmo Correia veio mesmo dizer a público que, com o seu conhecimento actual, não teria assinado o despacho, remetendo a culpa para o Ministro Nobre Guedes.
Fica por saber o que teria travado Telmo Correia, se o conhecimento da falsificação da data, se o conhecimento deste processo atribulado e do favorecimento a interesses privados por abuso da legislação que

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só deveria servir para proteger o interesse público. Talvez algum dia nos esclareça acerca da sua consciência…
Mas não é menos preocupante a intervenção do tesoureiro de um partido do então governo, o CDS, na intermediação desta negociação.
Em defesa do seu constituinte, Abel Pinheiro, o Dr. José António Barreiros disse ao Expresso do passado sábado que a intermediação de negócios por partidos políticos é legítima e aceitável, e cito-o: "O essencial da questão" - vejam bem! - "consiste em saber quais são os limites da actuação dos partidos políticos na intermediação dos interesses da base social que os apoia".
Isto é, de facto, o essencial da questão: ficamos a saber que, para um partido que se vangloriava do seu sentido de Estado, a intermediação de negócios é praticável. A base social - é claro! - agradece, como se verifica pela lista dos bancos que têm sido financiadores do CDS.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O essencial da questão, para este Parlamento, em contrapartida, é a seriedade das regras que a política deve impor aos governos, a todos os governos!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - O essencial da questão é que os partidos não podem actuar em negócios privados, porque esse é o princípio da corrupção.
O essencial da questão é que um governo de gestão, Sr.as e Srs. Deputados da direita, não toma decisões que comprometem dinheiros públicos ou interesses públicos desta dimensão.

Aplausos do BE.

O essencial da questão é que os ministros não falsificam a data dos seus despachos.
O essencial da questão é que os ministros não tomam decisões se estas lhes são ditadas pelo interesse privado.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Orador: - Hoje, aqui, no Parlamento, veremos quais são os partidos que estão disponíveis para exigir e praticar a transparência das contas públicas e das decisões governamentais em todas as circunstâncias.
Veremos quem se compromete com o combate contra o conúbio entre o interesse público e o privado. Já sabemos que o PSD e o CDS não contam para esse combate pela responsabilidade, pela democracia e pela seriedade.

Protestos do PSD.

Esses partidos foram censurados a 20 de Fevereiro, e o povo não sabia sequer do que estavam a fazer!
Meus senhores, fiquem sabendo que não há nenhuma desculpa para o que fizeram no governo. É isso que o País vos censura, por menos que gostem dessa decisão.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para defender a honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na última legislatura, noutras circunstâncias, dizia aqui o Dr. Francisco Louçã: "o povo português não perdoaria ao Bloco de Esquerda qualquer forma de resposta ao populismo mediático", referindo-se, então, a notícias que, em telejornais, davam conta de processos judiciais em curso.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Na altura, rejeitou aqui, e bem, a realização de qualquer debate, acompanhando toda a Câmara, a propósito de processos judiciais em curso e algumas circunstâncias ainda agora pendentes.
Devo dizer hoje, como ontem, ao Deputado Francisco Louçã que acreditamos numa justiça, na que é feita pelos tribunais, a justiça que respeita a presunção da inocência do arguido.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - A justiça que respeita o segredo que constitucionalmente está consagrado e onde quem julga é um juiz, que está acima de todas as partes, que valora provas do Ministério Público, que tem a incumbência de acusar, mas também de arquivar, se for caso disso, e as provas dos arguidos, que têm todo o direito de se defender.
Por isso, Sr. Deputado Francisco Louçã, desprezamos profundamente os justiceiros, os populistas que apontam o dedo sem culpa formada, que acusam sem conhecerem a prova, que inclusivamente mentem.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Falamos de factos!

O Orador: - Digo isto a propósito do que o Sr. Deputado aqui fez, e que não se faz: o que o Sr. Deputado aqui hoje fez foi um triste exercício de democracia, foi uma exorbitância dos poderes, que, pela via democrática, conseguiu alcançar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado acusou sem culpa formada. O Sr. Deputado falou em acusação. Fique o Sr. Deputado sabendo que não há nenhuma acusação em nenhum processo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Há um processo de inquérito, há dois arguidos constituídos, mas a decisão, que poderá ser de acusação ou de arquivamento, ainda não ocorreu. E veio aqui o Sr. Deputado invocar o que o Ministério Público não fez. Isso é uma falsidade, é uma mentira, fica-lhe muito mal, Sr. Deputado, e por isso mente.
Mais: o Sr. Deputado invoca a falsidade de documentos sem os mostrar e sem demonstrar essa falsidade, e isso, Sr. Deputado, também lhe fica muito mal. O Sr. Deputado usa até do populismo mais demagogo.
Termino perguntando-lhe o seguinte: sabe qual é a grande diferença entre esta Câmara e um tribunal, o que, de resto, justifica a consagração do princípio da separação de poderes? É que, num tribunal, um visado, porque está presente, tem o direito de se defender.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado invoca o nome de pessoas, que têm um bom nome a defender, que têm uma honra a preservar, e que não estão aqui para se defender, num processo que está em curso e onde se presumem inocentes!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Se não estão aí, têm falta!

O Orador: - E, desse ponto de vista, aquilo que o Sr. Deputado aqui praticou, além da demonstração de populismo, foi também um acto de cobardia do ponto de vista político.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, percebo o nervosismo da sua bancada,…

Vozes do CDS-PP: - Oh!

O Orador: - …que aliás se estende à bancada vizinha, que ficará calada porque se sente mal com uma investigação que começou há cinco meses, ou seja, quando o governo PSD/PP estava no poder, e em que é muito confortável deixar cair uns para ver quem se safa.
Mas, repare, Sr. Deputado: não estou a levantar nenhuma acusação sobre pessoas,…

Protestos do PSD.

… estou a acusá-los a todos de uma vez, todos! A responsabilidade completa é do PSD e do CDS-PP, que estiveram no governo, e é uma responsabilidade política.

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Não sei o que o tribunal decidirá sobre as acusações muito graves acerca do tráfico de influências ou do financiamento partidário.

Vozes do CDS-PP: - Já decidiu!

O Orador: - Não digo uma palavra sobre isso, nem aqui nem circunstância alguma. Estou é a acusar o governo Paulo Portas/Santana Lopes de, através de vários dos seus ministros, ter actuado contra o interesse público, em nome do interesse privado, e esta acusação é política, e esta é a Casa para a discutir.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Orador: - Vergonha seria se o Parlamento fingisse não ter nada a ver com o caso político mais grave que tivemos em Portugal nos últimos anos!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - E repare bem, Sr. Deputado, que esperámos duas semanas para saber da resposta dos visados do CDS e do PSD às acusações de falsificação das datas do despacho.

Protestos do CDS-PP.

Os ministros e as pessoas em causa tinham obrigação de ter dito que achavam que se tratava de uma acusação política errada, e não o disseram!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Qual foi a acusação?!

O Orador: - Mas, mais do que isso: percebo o seu incómodo quando o advogado do ex-tesoureiro do PP veio dizer que era legítimo que houvesse intermediação dos partidos nos negócios privados, porque isso não é aceitável.
Trata-se de saber se o País aceita, se o Parlamento se cala e se não temos nada a dizer, ou se, pelo contrário, fica como regra, agora, para o governo de gestão que cessou funções, porque foi derrotado nas eleições, e para os próximos governos de gestão, quaisquer que eles sejam, a de que não pode haver abuso do poder na decisão em gestão de dossiers desta dimensão.
Não se apostam 538 milhões de euros por causa de um relatório oral de um funcionário!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mas que categoria, que nível, que rigor é que pode ter um ministro que toma uma decisão destas, comprometendo tantos anos do futuro orçamental do País?!
Mas que ministro é que pode mudar a data de um despacho porque lhe convém fingir em relação a isso?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Mas quem é que a mudou?!

O Orador: - Mas, que ministro é que pode, depois de 10 anos, - e, repare, Sr. Deputado, contra um parecer da Inspecção-Geral de Finanças -, fingir que é interesse público aquele interesse privado da Portucale?!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
E não basta ter o nome Espírito Santo para que qualquer governo se dobre perante os interesses privados! O interesse público e o rigor da verdade política estão sempre acima, e é isso que os senhores têm de ouvir.

Aplausos do BE.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Isso é perfeitamente desonesto!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para interpelar a Mesa, O Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de, através da Mesa - sob pena do que aqui foi feito se transformar num exercício de desonestidade, também intelectual -, solicitar ao Sr. Deputado Francisco Louçã que junte e mande distribuir, se for caso disso, cópia do documento falso que diz ter, com a demonstração dessa falsidade, bem com a acusação que afirmou aqui que foi proferida. Porque, da forma como colocou a questão, desconheço quer um caso quer o outro.
Como acredito na presunção de inocência e no segredo de justiça, e, a menos que o Sr. Deputado Francisco Louçã esteja a cometer um crime, conhecendo partes de um processo que é suposto não conhecer e invocando aqui algo que nenhum de nós sabe do que se trata, então, assuma que o que aqui praticou foi um acto de desonestidade intelectual, além de ser politicamente desonesto. De outra forma, entregue, por favor, o documento à Câmara, no sentido de ser distribuído por todos os Deputados, para que possamos todos tratar do assunto com as mesmas armas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Fica registada a interpelação à Mesa, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente, no mesmo sentido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que é do domínio público, através do jornal Expresso e de todos os outros jornais de referência, a notícia a que o Sr. Deputado se refere.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Junte mas é os documentos!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Agora fala aqui em nome do Expresso?!

O Orador: - Mas o Sr. Deputado poderia ter em consideração não a minha opinião, não a opinião de qualquer jornal de referência. Sugiro-lhe apenas que tome em consideração a opinião do Deputado Telmo Correia, que às 17 horas e 59 minutos de um determinado dia da semana teria assinado o despacho,…

Vozes do CDS-PP: - Prove isso!

O Orador: - … mas assim que foi informado, através do telejornal, que havia algo de estranho, decidiu que deixaria de o assinar.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - E então? Isso prova o quê?

O Orador: - Talvez os Srs. Deputados do CDS-PP pudessem seguir o exemplo do Sr. Deputado Telmo Correia e retirar-se desta história tão triste,…

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - … porque ela está muito mal contada, e o ex-Ministro Telmo Correia foi o primeiro a percebê-lo.

Aplausos do BE.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Pare de nos dar lições! Já chega! Tenha vergonha na cara!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, o Sr. Deputado veio hoje à Assembleia da República começar por falar de uma coisa de que disse não querer falar. A isso chama-se hipocrisia parlamentar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado afirmou, naquela tribuna, que respeita a inocência de qualquer cidadão até demonstração e condenação em contrário pelo tribunal, para logo de seguida acusar vários cidadãos, ex-membros do governo, de falsificações, de preterição do interesse público em favor do interesse privado e outras diatribes do género. A isso, Sr. Deputado, chama-se desonestidade política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado deve convir que este é o tipo de atitude que o Sr. Deputado pode utilizar dentro do seu partido ou nas convenções do Bloco de Esquerda,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … mas que não tem qualquer cabimento sério na Assembleia da República.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do BE.

O Orador: - O Sr. Deputado Francisco Louçã sabe que não ofende quem quer, ofende quem pode.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E pode ficar seguro de que, relativamente ao Partido Social Democrata, não vai ser com esses seus exercícios hipócritas e desonestos, como acabei de referir,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … que o senhor vai lançar lama sobre o Partido Social Democrata ou sobre as pessoas que, em nome do Partido Social Democrata, prestaram serviço público ao País. O senhor guarde a lama para si e não a lance para cima dos outros!

Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP Álvaro Castello- Branco.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, esperava uma defesa mais entusiástica da sua parte em relação ao governo anterior.

Vozes do PSD: - Nós sabemos!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não fez outra coisa!

O Orador: - Vejo, aliás, que sobre a matéria política não tem uma palavra a dizer, a não ser a sua sugestão, que felizmente não é aceite, de participar nas convenções do Bloco de Esquerda.

Vozes do PSD: - Não queremos! Somos democratas!

O Orador: - Levantaram-se aqui duas questões diferentes. E creio, desse ponto de vista, que a minha bancada é completamente coerente e rigorosa. Aceitamos e defendemos, sobretudo e por maioria de razão em relação aos nossos adversários políticos, a presunção da inocência.
Não me pronuncio sobre o caso que está em tribunal, que é a acusação de tráfico de influências. Nada tenho a dizer sobre o tráfico de influências.

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Protestos do CDS-PP.

Mas há culpa política de um governo em gestão. O senhor não vai desmentir que o governo, com a data de poucos dias antes das eleições, num caso, e a seguir às eleições, noutro caso, despachou o caso Portucale e o caso SIRESP, pois este facto não é discutível, sequer!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Ai não?

O Sr. Fernando Rosas (BE): - São factos! Não aconteceu? Não é verdade?

O Orador: - Acontece que, no caso Portucale, sabe-se agora, a data nem sequer era certa,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sabe-se agora?!

O Orador: - … e só chega aos outros ministérios - nomeadamente do actual Deputado Telmo Correia e do Dr. Costa Neves - depois das eleições de 20 de Fevereiro.
Daí que lhe pergunte, Sr. Deputado: o senhor aceitaria que um governo de outro partido comprometesse 538 milhões de euros quando estava em gestão, poucos dias depois de ter acabado o processo eleitoral?

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Essa é que é a questão!

Vozes do PSD: - Isso não é verdade!

O Orador: - Aceitaria alguma vez que uma decisão desta natureza, contra um parecer da Inspecção-Geral de Finanças, fosse, porventura, despachada por um governo em gestão? Tenho-o como um Deputado honesto e a resposta é que não aceitaria, como não aceitaria que outro governo decidisse assim!
Mas como é que pode aceitar que o seu governo decida assim? Porque, em última análise, o que o senhor nos está a dizer aqui e o que o PP nos vem dizer é que a única culpa neste caso é dos sobreiros (coitados!), que se "suicidaram", num processo completamente obscuro. Mas fique sabendo que a culpa é vossa!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Neste caso, a culpa é sua!

O Orador: - A culpa é de dois partidos do governo, que não respeitaram as regras da República e da seriedade política.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É sua! Desrespeitou o Parlamento!

O Orador: - A culpa é sua também, Sr. Deputado, por mais que lhe custe!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há um modo curioso de procurar afastar as responsabilidades, e esse é o de fazer de conta que nada tem a ver com nada, lançando-se a ideia de que cabe só aos outros fazer com urgência aquilo que não foi feito por quem deveria ter sido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Duas caras, duas atitudes, usando a ilusão com a secreta esperança de que alguém há-de deixar de reparar nos erros cometidos. Não podemos esquecer. Lembramo-nos da sobranceria e da intolerância dos julgamentos sumaríssimos de 2002.
O então governo do Dr. Durão Barroso, do qual era membro destacado o Dr. Luís Marques Mendes, actual líder do PSD, designava-se como salvador, justiceiro. Estamos a ouvir o discurso de então: crescimento em Portugal superior em 2% à média europeia; baixa de impostos; fim do desemprego; convergência, fim do défice orçamental; reformas orçamentais; reformas estruturais, tudo!…
E a atitude de então contrasta com uma atitude diferente que o governo presidido pelo Eng.º José Sócrates e que a maioria que o apoia definiu, segundo o qual não somos auditoria dos governos passados. Pomos o interesse de Portugal em primeiro lugar. Recusamos reabrir as contas do passado, e em especial as de 2004,

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mas tal não significa que não devamos pôr em primeiro lugar o sentido de responsabilidade, que parece estar, afinal, muito esquecido.

Aplausos do PS.

As promessas de outrora desvaneceram-se. Não é preciso, sequer, lembrar os números da nossa conjuntura económica para concluir que a sobranceria de 2002 escondeu uma grande incapacidade e escondeu muitos erros.
No entanto, o descalabro tem rostos. E os rostos são naturalmente os dos dois governos que nos governaram desde 2002.

Aplausos do PS.

Há responsáveis! Não o podemos esquecer. Não o esqueçam naturalmente também V. Ex.as.
O discurso pessimista gerou a falta de confiança. A quebra da confiança determinou a depressão económica. E veio a divergência, o desalento, o descrédito… Nas fábulas antigas, do tempo em que os animais falavam, todos nos lembramos das personagens que usavam a bazófia e invariavelmente apenas conseguiam o contrário do que proclamavam do alto da sua intolerância. Não gritava, afinal, o culpado apenas para ver se iludia as atenções?
E eis que ouvimos o novo líder do PSD, como se não tivesse sido face visível da última governação, como se acabasse de regressar de Marte, a pedir tudo: um orçamento rectificativo, como se não tivesse votado o que está em vigor; medidas urgentes, como se não tivesse sido o seu governo o autor do que está em vigor. É a suprema ironia e a supina contradição.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Mas onde estava o Dr. Luís Marques Mendes quando foram reduzidos impostos sem qualquer sustentação, contra os avisos reiterados dos mais responsáveis? Onde estava quando o Eng.º José Sócrates, contra todos os eleitoralismos, e contra tudo o que alguns esperariam, disse, com o sentido de responsabilidade verdadeira, que estava contra uma redução de impostos que apenas geraria problemas agravados e perda de qualidade dos serviços públicos?

Aplausos do PS.

E onde estava quando o então Primeiro-Ministro disse que estava acabada a austeridade, que estavam acabados os problemas, porque a crise orçamental estava finalmente debelada e as finanças consolidadas? Onde estava?!
Ontem, o anterior governo prometia que tudo iria caminhar para o melhor dos mundos, que depois dos cortes cegos e depois da adoração do "bezerro de ouro" das contas, viria o Eldorado. O que aconteceu? Uma crise orçamental, que não pode ser iludida, tornou-se rapidamente uma crise económica, com os efeitos dramáticos que todos reconhecem. Os resultados estão à vista. E o descalabro está aí!
Os relatórios do Banco de Portugal dizem hoje o que sempre disseram nos últimos anos. Não houve consolidação das finanças públicas.
Haverá os que argumentam que o abrandamento da economia e a evolução dos ciclos económicos explicam tudo. Acontece, porém, que não houve as mais elementares cautelas, e é preciso percebermos duas ou três coisas elementares.
A trajectória de despesa corrente primária não se inverteu entre 2002 e 2005. E houve tempo para o efeito.
Os défices orçamentais, sem receitas extraordinárias, os únicos que mereciam credibilidade no discurso catastrofista de 2002, não foram reduzidos.
E o que foram as receitas extraordinárias? Drogas perigosas e letais. Cobranças imediatas que comprometeram várias décadas de receitas, na concessão apressada da CREL ou na titularização das dívidas fiscais… Há um rol bem conhecido de exemplos! E essas drogas revelaram-se contraproducentes, geraram habituação, iludiram o mal e agravaram a doença. Geraram habituação, uma vez que se transformaram em panaceia em vez de serem um meio excepcional. Iludiram o mal, uma vez que funcionaram como medicamento mal administrado, dificultando a cura e perturbando o médico. Agravaram a doença, pois permitiram cultivar a pura ilusão, levando erradamente a pensar que a crise orçamental estava passada.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Muito bem!

O Orador: - E não estava, e não está!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Pois não!

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O Orador: - Usemos, porém, o método que nos exigem os cidadãos que representamos. A verdade e a transparência têm de entrar na ordem do dia. Houve erros, certamente que sim! Todos os temos de assumir. Assumimo-los. Mas não usemos "dois pesos e duas medidas", não pratiquemos a facilidade e a demagogia. Insisto no sentido cívico e patriótico que se nos exige de contrapor serenidade, competência e confiança aos discursos negativos e à intolerância dos falsos justiceiros.

Aplausos do PS.

Não podemos perder tempo. Olhemos o futuro com determinação e esperança. Não se nos peça, porém, que façamos nosso o programa e as prioridades de outros. Temos uma agenda, temos um Programa, a que somos fiéis, a que seremos fiéis. Temos compromissos que saberemos cumprir, com sentido de responsabilidade.
O rigor, o esforço e a disciplina constituem o método que os portugueses querem para que a economia se torne um factor activo de convergência real com os nossos parceiros europeus. O crescimento económico, o emprego e a consolidação das finanças públicas são, por esta ordem, nossas prioridades.
Não prometemos facilidade, prometemos responsabilidade. Não prometemos ilusão, queremos verdade. Eis porque insistimos na justiça, eis porque desejamos a disciplina financeira como salvaguarda do emprego e da qualidade dos serviços públicos. Eis porque pomos o interesse nacional em primeiro lugar. Eis porque acreditamos nas pessoas.
Insistimos numa política centrada na inovação, na educação, na formação, na ciência e na cultura, somos, afinal, fiéis à Agenda de Lisboa.
Não basta falar do projecto europeu. É fundamental tirar todas as consequências dessa opção. Estamos certos de que os portugueses compreenderão a linguagem de verdade, e devemos salientar o sentido de responsabilidade que tem sido demonstrado pelos parceiros sociais, conhecedores da situação e cientes de que só o rigor poderá fazer-nos regressar à convergência social com os parceiros europeus.
É o futuro que está em causa. A nossa agenda é positiva. Estamos fartos das recriminações, dos justicialismos hipócritas e das receitas dadas pelos que se especializaram em ideias gerais. Se há quem esteja preocupado com a urgência das medidas para o País, fica-nos, pelo menos, a esperança de que quem o reclama apoiará as medidas justas que o País precisa. Em vez de "dois pesos e duas medidas", da contradição e da ilusão, desejamos mobilizar os portugueses para o combate pacífico do desenvolvimento. Todos são chamados. Procuramos merecer a confiança que em nós depositou o povo português. Por isso, ninguém espere facilidade, ninguém espere adiamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Frasquilho.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, ouve-se V. Ex.ª e, de facto, não se acredita naquilo que se está a ouvir.

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - Agradecia que me deixassem formular o meu pedido de esclarecimento.
Sr. Deputado, isto é muito simples: de facto, o País precisa de medidas sérias e impopulares, que, em alguns casos, poderão ser drásticas. Mas se, de facto, queremos viver numa política de união, numa política de plataforma alargada de acordo, recordo que o nosso partido, o Partido Social Democrata, já propôs que essa mesma plataforma fosse conseguida e foi o Sr. Primeiro-Ministro que, ainda recentemente, no debate mensal, não permitiu que esse consenso fosse atingido desde já, recusando a alternativa que foi aqui apresentada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas deixe-me dizer-lhe mais: ainda hoje o editorial de um conhecido jornal de referência, como se gosta de dizer, o Público, refere explicitamente o seguinte: "… o país está perante desafios que exigem medidas que vejam mais longe do que uma legislatura, mesmo que completa, mesmo que com maioria absoluta". E diz mais: "O mais recente relatório do Banco de Portugal mostra, com rigor, quais foram os governos 'despesistas' e os que 'pouparam'. (…) O que nos mostra esse estudo? Primeiro, que os quatro últimos anos de Guterres - os dados só recuam a 1998 - foram catastróficos. Em 1998, 1999, 2000 e 2001, num período que abrange orçamentos de Sousa Franco, de Pina Moura e de Guilherme d'Oliveira Martins, o indicador de orientação de política orçamental traduziu-se sempre num agravamento em um ponto percentual do défice. Ano atrás de ano. Essa situação inverteu-se no primeiro ano de Manuela Ferreira Leite, 2002, em que se registou uma consolidação orçamental de cerca de um ponto, para voltar ao vermelho, se bem que

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marginalmente, em 2003 (…) e situar-se ligeiramente acima da linha de água em 2004 (…). Isto quer dizer que o pequeno pecúlio armazenado no tempo de Ferreira Leite exigia medidas estruturais continuadas, que não ocorreram, sendo que tudo indica que entretanto a orientação de política orçamental voltou a inverter-se (…)".
Ora, Srs. Deputados, se nos lembrarmos, houve muitas políticas de consolidação e de contenção que foram aqui prosseguidas - não as vou enumerar, pois os senhores conhecem bem quais elas são - e os senhores, sistematicamente, opuseram-se a elas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há uma coisa, no entanto, que vos posso garantir, é que, com o problema orçamental que todos estamos conscientes que o País tem, nunca terão da parte desta bancada a postura que os senhores tiveram para connosco entre 2002 e 2004.

Aplausos do PSD.

Estaremos sistematicamente receptivos a apoiar as medidas que os senhores propuserem para o nosso país, desde que sejam coerentes e consideremos que sejam positivas. Disso podem estar certos. A isto chama-se fazer política com seriedade e pensar no futuro do nosso país.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Frasquilho, ouvi com muita atenção a longa citação que aqui nos fez. Agradeço, naturalmente, essa recordação, porque é sempre bom ouvi-lo, mas seria talvez melhor ouvir o seu pensamento.

Aplausos do PS.

E o seu pensamento, felizmente, é conhecido. Recordamo-lo aqui: o Sr. Deputado Miguel Frasquilho foi o inspirador de um programa, que fez eleger o PSD como primeiro partido em 2002,…

O Sr. Mota Andrade (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - … segundo o qual havia uma promessa clara e firme que era o "choque fiscal".

Vozes do PS: - Exactamente!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Bem lembrado! Até ficou "electrocutado"!

O Orador: - Ora, Sr. Deputado, o resultado foi que, apesar de, durante a campanha eleitoral - aliás, o Sr. Deputado lembra-se bem disso, referiu-o várias vezes, escreveu-o até! -, ter dito que o défice orçamental seria à volta dos 5% (era o seu número, recordo-me bem!),…

O Sr. Miguel Frasquilho (PS): - Eu não disse isso!

O Orador: - … subitamente, chegados ao poder, chegados ao governo, entenderam que não, que era indispensável aumentar os impostos e deixar na gaveta essa promessa.
Mas deixemos o passado, Sr. Deputado Miguel Frasquilho, e olhemos fundamentalmente para o futuro.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Ora aí está!

O Orador: - Sabe que é positivo algo que ouvimos da sua boca, que é a disponibilidade para a análise e para o apoio relativamente às boas medidas de que o País necessita. É indispensável a redução da despesa corrente primária, Sr. Deputado,….

O Sr. Miguel Frasquilho (PS): - Muito bem!

O Orador: - … e a redução plurianual dessa despesa corrente. O Sr. Ministro das Finanças já o disse.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Mas como?!

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O Orador: - Agora, é indispensável que o Governo venha, dentro em breve, dizê-lo, e certamente que contaremos com o vosso apoio. Certamente, contaremos com o vosso apoio.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Certamente!

O Orador: - Mas sabe o que é fundamental, Sr. Deputado Miguel Frasquilho? O fundamental é percebermos, afinal, que a agenda política correcta é não considerar o défice como o "bezerro de ouro", considerar o crescimento económico como primeira prioridade,…

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … considerar a criação de emprego como prioridade essencial.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Nada disso é possível sem reduzir o défice!

O Orador: - São estes os dois termos fundamentais para podermos crescer com rigor, com exigência, com esforço e com sacrifício. Não prometemos facilidades!
Por isso é que é indispensável sabermos qual a vossa posição relativamente a um programa exigente e rigoroso, mas um programa que será fiel aos nossos compromissos eleitorais e ao Programa que nos fez eleger.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Costuma dizer o adágio popular que não há fumo sem fogo. Primeiro, foram as notícias avançadas em vários órgãos de comunicação social, nos últimos dias, sobre um conjunto de medidas draconianas que o Governo se prepara para implementar. Pode ser verdade, mas a fuga de informação insere-se claramente num contexto de preparação da opinião pública para as más notícias que se seguem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois de um retiro espiritual de dois meses, o Sr. Ministro das Finanças reapareceu em público de semblante carregado, como carregado terá sido o pacote das medidas de choque colocadas em cima da mesa do Conselho de Ministros.
Entre essas medidas, estarão aumentos de impostos, do IVA ao ISP, redução de regalias sociais no geral e na função pública em particular, adiamento de megaprojectos de investimento público e - surpresa, mas não tanto; surpresa, mas não tão já! - a introdução do pagamento de portagens nas auto-estradas até agora ditas sem custos para o utilizador.
O modelo das SCUT foi, como se sabe, uma criação do governo do Eng.º António Guterres em 1999, com custos a assumir pelo Estado durante 30 anos, um modelo de governação idolatrado pelo Partido Socialista durante a última campanha e pré-campanha eleitorais, até ao dia em que chegasse a primeira factura. A factura chegou, e é bem pesada, como, de resto, o PSD não se cansou de alertar.
Oportuno como sempre, com uma autoridade e competência acima de qualquer suspeita, o Governador do Banco de Portugal, qual ministro-sombra das preocupações orçamentais, apressou-se a dar cobertura à tomada das medidas "difíceis, diversificadas e abrangentes" atrás mencionadas, para as quais, naturalmente, o Governo irá contar com a compreensão do Presidente da República.
De resto, são do Dr. Vítor Constâncio as declarações de que o Estado não tem verba nem para "estradas, nem para o TGV, nem para o aeroporto da Ota", e é conhecida a sua receptividade ao aumento de impostos e à introdução de portagens nas auto-estradas SCUT.
Para o Governador do Banco de Portugal, antes do problema do crescimento económico, tem de resolver-se a crise orçamental. Não deixa, no entanto, de ser curioso que o Sr. Ministro da Economia e da Inovação defendeu precisamente o contrário na audição prestada esta semana na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, colocando o acento tónico na prioridade ao relançamento do investimento privado, como eixo fundamental para a recuperação financeira do País, e, por via dela, se resolverá a questão do défice orçamental.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa Eleitoral do Partido Socialista, bem como o seu decalque para o Programa do Governo, prevê de forma mitigada e sibilina a introdução de portagens nas auto-estradas SCUT, quando diz "(…) enquanto se mantiverem as condições que justificaram, em nome da coesão

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nacional e territorial, a sua implementação, quer no que se refere aos indicadores de desenvolvimento socioeconómico das regiões em causa, quer no que diz respeito às alternativas de oferta no sistema rodoviário".
Mas a verdade é que o agora Primeiro-Ministro e o Partido Socialista correram o País eleitoral a prometer isenções de portagem não só no Algarve, com o caso extraordinário da Via do Infante, como em Viseu ou em Chaves. Mais: o agora Primeiro-Ministro não se cansou de acusar o anterior executivo de "utilização abusiva do princípio do utilizador-pagador".
Ora, não se tendo alterado, por qualquer milagre do reino do inexplicável, de 20 de Fevereiro para cá, a situação socioeconómica das regiões beneficiárias de auto-estradas SCUT, nem se dando conta de qualquer movimento tendente à construção de alternativas rodoviárias, não deixam de ser surpreendentes as declarações do Secretário de Estado Adjunto do Ministro das Obras Públicas saídas a público ontem, não dando garantias de que, até ao final de 2005, não sejam introduzidas portagens na Via do Infante e no troço Porto-Mira. Declarações entretanto desmentidas pelo Gabinete do Ministro, o qual, ontem mesmo, na audição que teve aqui na Assembleia da República, na Comissão Parlamentar de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, acabou por confirmar que, embora o Governo ainda não tenha tomado qualquer decisão sobre a matéria, a introdução de portagens está admitida.
O Sr. Ministro até acrescentou o seguinte, quando interpelado por um Deputado do PSD: "Se lhe perguntarem 'O Sr. Deputado está a morrer?', pode dizer 'Não senhor, não estou', mas vou estar, é o destino…É como a questão das portagens!".
Perante mais este emaranhado de contradições em que o Governo se está a enredar, restam poucas dúvidas. Vai mesmo haver portagens nas SCUT! É fatal como o destino, no dizer autorizado do Ministro das Obras Públicas. A questão é saber quando. A questão é saber se antes ou se depois das eleições autárquicas.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Nem vale a pena entrar, neste momento, pela discussão da bondade ou da maldade dos benefícios ou dos malefícios do modelo SCUT. A questão crucial em termos de ética política reside no facto de um partido político vencer eleições sustentado em promessas concretas e específicas ao eleitorado e, dois meses depois, tomar atitudes próprias de quem as não cumprirá.
No caso da Via do Infante, no Algarve, está tudo muito fresco para ser esquecido: os cartazes, os panfletos, as declarações, os comícios e as manifestações. Resta uma certeza: os algarvios, os autarcas, as empresas algarvias e as suas forças representativas não compreenderão qualquer tentativa de os fazer pagar portagens na Via do Infante, porque a EN125 não é alternativa e a Via do Infante não é uma auto-estrada no sentido técnico do termo. Começou as ser construída muito antes das SCUT serem inventadas, logo seria uma injustiça e uma prepotência que os algarvios não aceitarão.
Pode o agora Primeiro-Ministro não acreditar, mas tem pela frente um verdadeiro teste à sua têmpera como homem de Estado. Se tem medidas drásticas para tomar, se tem medidas desagradáveis e impopulares para anunciar, se corre riscos de dano de imagem política, que tenha a coragem de as tomar e anunciar antes das eleições autárquicas de Outubro próximo,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … explicando, de forma frontal e com transparência, que medidas, os porquês, os conteúdos, as datas e o financiamento das mesmas.
É nesse teste que se verá se é um governante de navegação à vista, em função das sondagens, se é o coordenador da campanha eleitoral autárquica do Partido Socialista ou se é um verdadeiro homem de Estado. É isso o que Portugal dele espera!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota, começo por felicitá-lo por, neste período de antes da ordem do dia, ter trazido a Plenário uma matéria que também nós, CDS-PP, reputamos da maior importância.
Ouvi com atenção não só as suas palavras como também as palavras proferidas ontem pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações em Comissão. De facto, Sr. Deputado, percebo a sua preocupação de esta audição e de tudo o que decorreu desde o passado fim-de-semana até hoje poder representar o regresso do zigue e do zague tão familiar a todos quantos acompanharam a última governação socialista, nomeadamente em matéria relacionada com as SCUT.
Como o Sr. Deputado sabe, afasta-nos, do ponto de vista doutrinário, algumas questões em relação a esta matéria. Mas há uma coisa que nos aproxima, que é a necessidade da definição de uma política clara de financiamento para estas auto-estradas com serviços concessionados.

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Nós sabemos que, como não existem almoços grátis, também não existem estradas grátis. O Partido Socialista convenceu-se de que assim era, mas cedo constatou que as promessas, quando irrealistas e realizadas em campanha eleitoral, pagam-se: "quanto ao novo aeroporto, sabemos que há uma síntese de estudos de 20 anos; quanto ao TGV, veremos; quanto à terceira travessia sobre o Tejo, estudaremos, nada mais; quanto à questão das SCUT, com a ajuda prestimosa do Sr. Governador do Banco de Portugal, parece que encontrámos uma solução, que é o aumento de impostos, nomeadamente dos impostos sobre o consumo de produtos petrolíferos e do imposto automóvel".
Sr. Deputado não acha que, de facto, é necessário encontrar um modelo de financiamento e que este aumento de impostos é o modelo de financiamento actual? Como o Sr. Deputado disse, nós, CDS-PP, também achamos estranha tanta indecisão, porque, de facto, como disse, o destino parece estar irremediavelmente realizado, resta saber o seu momento.
Sr. Deputado, desconfio de que lá para Janeiro serão introduzidas portagens, mas gostava que me dissesse se também é dessa opinião.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota, ouvi-o com atenção e até senti alguma ironia da sua parte ao falar desta matéria. É que, desde o início, dei conta de que havia uma profunda divergência na sua bancada quanto a este assunto: é que o Sr. Deputado Miguel Frasquilho disse ser solidário com todas as medidas e que quer portagens, mas V. Ex.ª, pelo contrário, está a dizer que não quer portagens, não estando, portanto, a ser solidário nesta matéria.
Mas não se preocupe, Sr. Deputado, porque o Governo candidatou-se com um programa que vai cumprir. O do PSD era o programa da introdução das portagens, mas nós não as propomos.

Aplausos do PS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não? Têm a certeza disso? Vai fazer figura triste daqui a alguns meses!

O Orador: - Compreende-se o vosso nervosismo, porque a oposição e o Sr. Deputado Mendes Bota estão ansiosos por que o Governo faça o contrário daquilo que disse.
A minha pergunta é simples: Sr. Deputado Mendes Bota, se eventualmente fossem introduzidas portagens, o senhor estaria a favor ou contra? O senhor estaria a favor, porque o seu partido queria a implementação das portagens, mas nós estamos contra.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado e o PSD não se candidataram com um programa que propunha portagens na Via do Infante?!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O senhor está agora preocupado porque este Governo disse que não vai haver - e não haverá - portagens na Via do Infante? É essa a sua preocupação?!

Aplausos do PS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Estão contra, mas vão introduzi-las.

O Orador: - Sr. Deputado Mendes Bota, preocupante é os governos comprometerem o futuro. E comprometer o futuro foi os senhores terem feito um negócio com uma concessionária que lhes "meteu ao bolso" 300 milhões de euros - é o caso da CREL - reembolsados antecipadamente para "tapar o buraco" do défice.
O dinheiro desapareceu, o défice continua, e não existe qualquer fundo para investimento nas estradas. Isso é que é irresponsabilidade, porque o governo do seu partido comprometeu verbas de 300 milhões de euros, previstas para 30 anos!

Protestos do Deputado do PSD Jaime Soares.

Quanto à questão da "má gestão", deixo-lhe aqui a pergunta seguinte: e a SCUT da Costa de Prata?

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O Sr. Deputado devia preocupar-se em saber o que é que a Dr.ª Manuela Ferreira Leite e os senhores fizeram na SCUT da Costa de Prata, que ainda não está pronta, havendo um diferendo em Estarreja.
Os senhores consideraram, através de decreto, que fosse feito o pagamento dessa SCUT, de uma auto-estrada, que ainda não existe, que não está completa, para indemnizar uma concessionária. Políticas partidárias levaram ao atraso dessa obra, que agora se tenta ultrapassar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, vou responder em bloco às questões que me foram colocadas.
Mas não o farei sem, primeiro, prestar um esclarecimento para quem, eventualmente, ainda tenha dúvidas: há quem goste de ser "correia de transmissão" dos respectivos partidos, mas eu nunca fui "correia de transmissão" dentro do meu partido. Pensei sempre pela minha cabeça, no respeito pela vontade da maioria, mas também com o direito à diferença de pensamento.
Ao contrário de muitos, que têm posições completamente diferentes conforme estão na oposição ou na "situação", Sr. Deputado José Junqueiro, estive na manifestação contra a introdução das portagens no Algarve.
A questão específica da Via do Infante não tem a ver com o modelo das SCUT, que os senhores inventaram em 1999, e que negociaram terrivelmente.
O Sr. Deputado José Junqueiro, ao vir agora falar das indemnizações, deveria recuar alguns anos no tempo e constatar a forma desastrosa como foi negociado o modelo das SCUT.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - A forma como foi negociada a adjudicação levou a que houvesse necessidade de reequilíbrios financeiros;…

Vozes do PSD: - Ora bem!

Protestos do PS.

… que houvesse causa justa para que os empreiteiros pudessem reivindicar mais dinheiro; levou, Sr. Deputado, a que, ao fim de pouco tempo, a quantia que o Estado teve de pagar a mais fosse superior a 1000 milhões de euros!

Protestos do PS.

Foi precisamente devido à forma atrabiliária, precipitada, como os senhores lançaram o modelo das SCUT que levou a que não se prevenissem com estudos de impacto ambiental, o que inviabilizou que o Estado português obtivesse da União Europeia o financiamento para essas auto-estradas. O seu custo teve, pois, de ser suportado pelo Estado!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado José Junqueiro - e respondo também ao Sr. Deputado Nuno Magalhães -, depois de me terem relatado o que o Sr. Ministro afirmou - tal como o Sr. Deputado José Junqueiro, não estive presente na reunião de ontem da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações com o Sr. Ministro -, temo bastante pela decisão que irá ser tomada: é claro como a água - tal como ele disse, é uma "ironia do destino", é "fatal como a morte" - que vamos ter em Portugal a introdução de portagens nas SCUT.
A questão, a dúvida, consiste unicamente em saber o seguinte: em quais? Quando? Como? Antes ou depois das eleições autárquicas? É isto que é importante saber.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deveriam ter a coragem de definir. Começam pela Via do Infante, no Algarve? Vão para a Costa de Prata? Vão por onde? E de que maneira? Em que moldes?
É preciso dizer que o governo anterior, que aqui foi atacado, estabeleceu períodos de isenção, ficando a introdução das portagens sujeita à construção de alternativas. Mas, em relação à Via do Infante, o que se passa é que não há alternativa! A EN125 não é uma alternativa à Via do Infante! Ora, o que foi decidido pelo

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governo anterior é que, enquanto não houvesse alternativa, os algarvios não seriam obrigados a pagar portagens.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Mas não vai haver portagens!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, o governo anterior, por muitos defeitos que os senhores lhe apontem, tinha uma concepção correcta do instituto do utilizador/pagador; tinha uma concepção correcta da necessidade de ter um plano, de ter uma forma de financiar, nomeadamente as estradas não concessionadas; tinha, portanto, todo um conjunto programático que só não foi para a frente porque, infelizmente, por vontade dos portugueses, em última análise, em termos eleitorais, por vontade do Sr. Presidente da República, houve eleições.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Assumam a vossa responsabilidade!

Protestos do PS.

O Orador: - Mas, no resto, os senhores têm de assumir uma responsabilidade, não podem passar incólumes: o Sr. Eng.º José Sócrates, em Chaves, em Viseu, perante milhares de pessoas, assumiu o compromisso de que não haveria portagens na Via do Infante.

Vozes do PS: - E não vai haver!

O Orador: - Do Programa Eleitoral do Partido Socialista - tenho-o aqui -, no seu ponto n.º 6, consta o compromisso de que não haverá portagens na Via do Infante.

Vozes do PS: - E não vai haver!

O Orador: - Os senhores vão ver como dentro de pouco tempo estarão a dar-nos razão de denunciarmos a incoerência que existe.

Vozes do PSD: - Têm de se entender com o Sr. Ministro!

O Orador: - Não há incoerência da nossa parte, Sr. Deputado. A incoerência que os senhores vêem em mim, ou nesta bancada, é uma incoerência ilusória e aparente, enquanto que a incoerência que vem dessa bancada, infelizmente, é definitiva, é uma incoerência que, infelizmente, é irreversível.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje inicia-se com um debate sectorial, ao abrigo do artigo 240.º do Regimento da Assembleia da República, com o Ministério da Administração Interna.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permita-me, Sr. Presidente, que comece por felicitar V. Ex.ª com particular satisfação por vê-lo no exercício dessas funções.
Dispondo eu de 5 minutos para esta intervenção inicial, irei concentrar-me essencialmente naquela que julgo ser, dada a época do ano, a principal prioridade e preocupação dos Srs. Deputados em matéria de segurança interna. Refiro-me, naturalmente, à questão do risco de incêndios florestais.
A questão dos incêndios florestais é nacional e como tal deve ser encarada. Por isso, adoptámos uma estratégia de responsabilidade marcada por quatro vectores essenciais: em primeiro lugar, continuidade; em segundo lugar, aperfeiçoamento; em terceiro lugar, avaliação; e, em quarto lugar, decisão.
No que concerne a avaliação e decisão, passada que seja a época de fogos, teremos boa ocasião de avaliar o modelo institucional, o sistema de meios e de tomarmos as decisões adequadas. Neste momento, o que nos cumpre responsavelmente fazer é dar continuidade ao modelo e aos meios planeados pelo governo anterior, procurando aperfeiçoar, no que é possível, o sistema que nos foi legado.

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Aplausos do PS.

Aperfeiçoar, em primeiro lugar, no que diz respeito ao sistema de direcção e comando. Todos os estudos, e o próprio inquérito feito pela Assembleia da República aquando dos fogos de 2003, revelaram que havia uma pecha no sistema em matéria de unidade na direcção e da unidade do comando operacional. Foi possível adoptar providências legislativas para assegurar a existência de uma unidade de direcção ao nível nacional, com a criação de uma autoridade nacional de incêndios florestais, e, ao nível distrital, reinvestindo os governadores civis nas funções de direcção dos diferentes serviços concentrados, que têm responsabilidade ao nível distrital na operação de combate ao fogo.
Por outro lado também, queremos unidade de comando operacional, devolvendo efectivas funções de comando aos coordenadores nacionais e distritais para que possa restabelecer-se uma cadeia de comando clara, responsável e que permita assegurar a unidade das operações, ultrapassando defeitos verificados nas últimas épocas de incêndios.

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, visamos também aperfeiçoamento no que respeita ao sistema de comunicações: independentemente do que venha a ser o resultado final da decisão do Governo sobre o concurso do SIRESP, o certo é que nos próximos dois, três Verões não teremos SIRESP disponível, designadamente nas zonas de maior risco de incêndio florestal. Não poderíamos, por isso, conviver com a ideia de permanecer mais três anos com um sistema de comunicações desarticulado.
Decidimos, pois, reconstituir as redes de comunicação de banda alta, quer dos bombeiros quer da protecção civil, para podermos operar em todo o território nacional com duas redes em regime de redundância, restabelecendo uma capacidade de diálogo e de comunicação em todas as forças envolvidas no terreno.

A Sr.ª Cristina Granada (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este ano, não temos condições para equipar todas as viaturas dos bombeiros mas, felizmente, temos condições para equipar todas as viaturas que estão previstas ser envolvidas na campanha de fogos, já neste Verão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O aperfeiçoamento na relação com as corporações dos bombeiros e com os bombeiros voluntários é também um factor fundamental do sistema de segurança e de combate aos incêndios.
Relativamente às corporações, e em primeiro lugar, foi possível desbloquear já um primeira tranche de dois milhões de euros para pagamento das dívidas acumuladas às corporações de bombeiros pela campanha de fogos do ano anterior.
Em segundo lugar, e quanto aos bombeiros, foi possível restabelecer a legalidade, esclarecendo-se que, tal como sempre aconteceu, à excepção do ano anterior, as compensações pagas aos bombeiros que integram os grupos de primeira intervenção não estão sujeitas a tributação em imposto de rendimento sobre as pessoas singulares.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Era melhor!

O Orador: - Em terceiro lugar, foi possível, com o apoio importante da sociedade civil, actualizar minimamente os montantes da compensação paga aos bombeiros que integram os grupos de primeira intervenção, e que não eram actualizados há cerca de três anos.
O Estado, pelas razões que conhecem, não tinha condições para repor três anos de atraso nas actualizações. Não pudemos ir mais longe do que uma actualização de 3% relativamente ao montante em vigor, mas foi possível mobilizar um conjunto de entidades da sociedade civil, a quem quero agradecer, em particular à Associação Portuguesa de Seguradores, à Caixa Geral de Depósitos e à EDP. Estas entidades, em conjunto, conseguiram mobilizar verbas, que transferiram para a Liga dos Bombeiros Portugueses, para permitir complementar as verbas que o Estado podia disponibilizar, tendo podido, assim, no conjunto, actualizar estas compensações diárias, do valor de 35 € para 39,13 €. É evidente que este foi um esforço grande da parte do Estado que não teria possível conseguir sem o apoio da sociedade civil.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nestes 5 minutos, sintetizei a nossa linha de actuação relativamente à questão dos incêndios florestais: continuidade; aperfeiçoar o que é possível; reservar para a época própria a função de avaliação e decisão, para a qual contamos, naturalmente, com todos os Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, este debate prevê três voltas de perguntas: na primeira, intervêm todos os grupos parlamentares; na segunda, só os quatro maiores; e na terceira só os dois maiores. Para responder, o Governo disporá de tempo igual ao de cada pergunta, que, na primeira volta, podem alcançar 5 minutos e nas outras duas voltas apenas 3 minutos.
A primeira pergunta cabe ao Sr. Deputado Guilherme Silva.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, antes de mais queria saudar V. Ex.ª pela sua vinda à Assembleia da República para este debate, que é curto mas importante, e antecipar uma posição muito clara por parte do PSD.
Sr. Ministro, a nossa posição clara nesta matéria é a de que pode contar com a cooperação do PSD, enquanto maior partido da oposição, em tudo o que contribua para uma melhor política de segurança, porque ela é uma trave-mestra do Estado de direito democrático, que deve ser subtraída, tanto quanto possível, às questões da má política e às questões meramente partidárias.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta é a nossa postura quando estamos no governo e também, coerentemente, quando estamos na oposição.
Sr. Ministro, parece-me que, nesta matéria, temos, com certeza, uma convergência: mais vale prevenir do que remediar. O que quero dizer com isto? Quero dizer que, em todas as matérias atinentes à segurança, as que referiu e outras da criminalidade em geral, precisamos de aperfeiçoar os nossos mecanismos de prevenção. É essa a política fundamental.
É certo que, felizmente, em termos europeus, Portugal é um dos países com menor índice de criminalidade, a par da Irlanda, satisfazendo-nos bastante perceber que a tendência que se registou anteriormente de agravamento da criminalidade teve, no último ano, uma inversão. É preciso que a política de prevenção leve a que essa inversão se acentue, ou seja, que haja cada vez mais uma tendência de diminuição da criminalidade.
Em matéria de criminalidade, há problemas que ganham um vulto maior. Sabemos que os problemas relacionados com o tráfico e o consumo de droga são particularmente importantes, porque têm uma criminalidade conexa muito acentuada. Gostaria, pois, de saber o que é que V. Ex.ª e o Governo têm pensado para actuarem de forma bastante firme neste sector.
Outra questão que queria colocar-lhe é sobre uma matéria que tem um simbolismo muito importante, que é a criminalidade contra os agentes de segurança. Trata-se de um tipo de criminalidade que tem um indício de desrespeito pelo Estado, pela autoridade, que nós precisamos de combater. Regozijamo-nos, naturalmente, com as medidas que ainda hoje o Governo aprovou no sentido de assegurar indemnizações aos agentes das forças de segurança vítimas deste tipo de criminalidade ou às suas famílias, mas precisamos, também aí, de actuar em termos preventivos.
Gostaria ainda que me informasse se foi feita uma análise sociológica dos criminosos que atentam nessa área, se há, efectivamente, uma identificação do perfil daqueles que mais atentam contra os agentes das forças de segurança.
A outra questão que queria colocar-lhe tem a ver com a sinistralidade rodoviária. É uma área que a todos preocupa e em que somos um mau exemplo em toda a Europa. Nos governos anteriores, designadamente com os então Secretário de Estado Nuno Magalhães e Ministro da Administração Interna, foi feito um esforço no sentido de minorar a sinistralidade rodoviária que teve resultados positivos, porque houve uma redução da sinistralidade. É importante que este caminho não tenha recuo e que, pelo contrário, se avance mais nas medidas de prevenção.
Sabemos que para isso são precisos meios e a questão das SCUT, ainda há pouco referida, também tem que ver com isso.
Não valerá a pena admitir portagens se elas se traduzirem na eliminação de pontos negros e em meios para aperfeiçoar as nossas estradas e salvarmos mais vidas?
Não valerá a pena repensarem a vossa postura relativamente às portagens, que têm uma conexão directa com a manutenção das nossas estradas e com a melhoria dos nossos meios de comunicação?
Sr. Ministro, nesta matéria, há pontos do Programa do Governo que me causam alguma perplexidade: a carta dos direitos dos peões, de que V. Ex.ª ainda não falou; os contratos locais de segurança, que não sei o que são, mas gostava de saber; a preocupação de dignificar o dia da protecção civil, de que já lhe falei e que V. Ex.ª disse dever ter sido um lapso - todos os dias devem ser dias da protecção civil. Mas fico ainda mais perplexo quando vejo no Programa do Governo uma referência à segurança alimentar.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

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O Orador: - V. Ex.ª também está a trabalhar nesse dossier ou a integração da segurança alimentar no Programa do Governo na parte relativa à Administração Interna foi um lapso? Alguém leu a palavra "segurança" e pôs a segurança alimentar no Programa do Governo na parte relativa à Administração Interna.
VV. Ex.as ainda não tinham dado conta disso? Pois eu dei conta e questionei-me: "Que 'pratos' estará a cozinhar o Sr. Ministro António Costa?"

Risos.

Finalmente, queria saber se V. Ex.ª considera suas as nossas forças de segurança…

Vozes do PS: - Oh!…

O Orador: - … porque houve, no passado, quem com responsabilidades no Governo não considerasse a nossa polícia a sua polícia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, já nos temos encontrado em diversas circunstâncias, quando estou no governo e quando estou na oposição, e chego sempre à mesma conclusão: adoro vê-lo na oposição. Fica sempre óptimo na oposição. É um verdadeiro cavalheiro na oposição. E mais uma vez assim foi.

Risos.

Passo a responder às questões que colocou sobre criminalidade.
Como sabe, eu e o meu colega Ministro da Justiça estaremos brevemente na Assembleia da República para um debate sobre o relatório de segurança interna de 2004. Creio que valerá a pena que esse debate seja feito em conjunto com o Sr. Ministro da Justiça visto que grande parte das matérias que referiu dizem respeito à política criminal, que, naturalmente, é seguida e conduzida pelo Sr. Ministro da Justiça.
Quanto à segurança rodoviária, ela é, evidentemente, o maior factor de insegurança interna que existe no país, embora os primeiros dados existentes sobre a aplicação do novo Código da Estrada sejam positivos, pelo que aproveito para felicitar o anterior governo, na pessoa do Sr. Deputado Nuno Magalhães.
É evidente que não podemos tirar conclusões definitivas, mas a verdade é que se fizermos a comparação entre os anos de 2005 e de 2004, o que verificamos é que no período de vigência do novo Código da Estrada, ou seja, entre 26 de Março e 16 de Maio deste ano, há uma redução em todas as categorias: menos 10 mortos, menos 174 feridos graves, menos 1318 feridos leves. É indiscutível que estamos a ter em conta um período de mês e meio, mas julgo que o sinal é positivo e confirma quer a bondade dos trabalhos levados a efeito pelo anterior governo quer a boa decisão que o actual Governo tomou de fazer um esforço para que o novo Código entrasse em vigor na data prevista e para que se concluísse toda a sua regulamentação.
Creio que o respectivo Secretário de Estado não levará a mal se eu anunciar que nas próximas duas semanas estará concluído todo o trabalho regulamentar do novo Código da Estrada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Penso que temos de olhar para o futuro próximo com base na necessidade de reflectir como é que podemos racionalizar ou utilizar melhor os meios que temos ao nosso dispor, porque, feliz ou infelizmente - provavelmente felizmente, porque é um estímulo à imaginação -, não podemos contar com mais meios. Portanto, teremos de gerir melhor os meios de que dispomos, e isso deve ser um factor de estímulo.
Há, aliás, uma matéria, que tem que ver com a sinistralidade rodoviária, relativamente à qual pedi uma avaliação: a quantidade de efectivos policiais que têm sido utilizados para acorrer a acidentes que são estranhos à competência da polícia, designadamente os acidentes onde há meros danos materiais, onde a função de comparência de agentes policiais é absolutamente redundante e desaconselhável por significar uma deficientíssima gestão de meios.
Penso que temos de encontrar mecanismos para libertar a polícia da intervenção nos acidentes em que se verifiquem meros danos materiais. Ela só deverá intervir nos casos em que há crime ou suspeita de crime, designadamente em que há danos pessoais ou homicídios negligentes ou voluntários. Aí temos de agir.
Temos igualmente de agir no sentido de fazer uma melhor utilização dos meios tecnológicos à nossa disposição. Hoje, as redes de auto-estradas têm sistemas de vídeovigilância que temos de credenciar legalmente para podermos utilizá-los na repressão das infracções "estradais" de forma a não necessitarmos de mobilizar meios humanos para cada quilómetro de auto-estrada e a podermos beneficiar dos contributos da

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tecnologia que hoje estão ao nosso dispor. Que há problemas de habilitação legal, há! Que devem ser resolvidos, devem! E devem sê-lo quanto possível.
Em matéria de segurança alimentar, tranquilizo o Sr. Deputado Guilherme Silva: a segurança alimentar dos portugueses não está em causa. Contudo, se quiser comer bem terei muito gosto em convidá-lo e em ser eu próprio a confeccionar o prato. Certamente ficará satisfeito.

Risos e aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, as questões da segurança não devem ser erigidas como bandeira ideológica.
Todos nos recordamos do modo como a direita tratou as questões da segurança quando esteve na oposição, atitude que contrastou, aliás, com a posição que teve quando foi poder. O PS, por seu lado, quer na oposição quer no poder, sempre manteve um grande sentido de responsabilidade. Era desejável que, para resolver tantos e tão grandes problemas, todos - poder e oposição - tivessem um comportamento que ajudasse a enfrentar e a combater a criminalidade no respeito pela Constituição e pela lei, porque, na verdade, não é esse combate que divide esta Câmara.
Sr. Ministro, as questões da segurança, nas suas variadas vertentes, são um dos aspectos absolutamente essenciais à afirmação da cidadania e ao bem-estar dos cidadãos que um Estado de direito democrático deve garantir.
Nesta fase do nosso desenvolvimento, acentuado pela globalização, aparecem novos factores potenciadores de condições de insegurança a que os governos têm de responder. Não podemos ter ilusões: infelizmente, o combate ao crime nunca é um trabalho acabado e todos temos de encontrar, em cada momento, a forma mais adequada de o combater.
O Sr. Ministro já resumiu em duas palavras conceitos muitos importantes que, apesar disso, não são fáceis de pôr em prática, direi mesmo que são muito difíceis de pôr em prática. Esses conceitos são os da cooperação e coordenação. Para este efeito é necessário alterar mentalidades, determinar objectivos claros, mobilizar a opinião pública e, sobretudo, as forças e serviços de segurança. Para cumprir este desiderato são necessários meios materiais e humanos e, acima de tudo, é preciso racionalizar esses meios e motivar os homens e as instituições.
Como pensa V. Ex.ª melhorar a coordenação e a cooperação entre as forças e os serviços de segurança e responder à questão da motivação dos agentes de segurança, homens e mulheres, quando para além do sentido do dever, que não é questionável, existem tantos problemas relacionados com questões de ordem pessoal, nomeadamente as que se referem ao aspecto financeiro, que, como sabemos, é tão escasso?
Há, hoje, uma grande e legítima preocupação com a época dos fogos que se aproxima. Tem havido uma grande discussão sobre a utilização dos meios aéreos no combate aos incêndios e há várias notícias relativas aos concursos abertos para os mesmos. O combate aos incêndios é um problema que, como sabemos, é agravado devido ao facto de as barragens estarem com níveis de água tão baixos que dificultam a utilização de certos meios.
Pode o Sr. Ministro dar-nos uma informação actualizada sobre as perspectivas de utilização dos meios aéreos no combate aos incêndios e sobre os resultados dos respectivos concursos?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, em primeiro lugar, agradeço as questões que colocou e, para que não fique qualquer dúvida, aproveito também para responder a uma questão do Sr. Deputado Guilherme Silva que ficou por responder.
Tal como todo o Governo, e, creio, todos os Srs. Deputados e todos os portugueses, sei que estas são as nossas forças de segurança. Aliás, o Sr. Deputado Guilherme Silva bem sabe que foi esse o pensamento do Sr. Ministro Alberto Costa quando fez afirmações num debate nesta Assembleia da República, como ficou documentalmente provado. Portanto, nem todas as ideias que ficam são necessariamente verdadeiras.
Quanto à questão colocada sobre a coordenação, o Sr. Deputado Marques Júnior tem razão, porque tenho defendido que a grande prioridade da política de segurança interna deste Governo se resume em dois conceitos: coordenação e cooperação.
Tem sido possível, designadamente com o Sr. Ministro da Defesa Nacional e com o Sr. Ministro da Justiça, trabalharmos profundamente para podermos contribuir positivamente para a efectivação desses dois conceitos. O Sr. Ministro da Justiça, designadamente, já tomou a iniciativa de convocar, para o final deste mês, uma reunião de um órgão fundamental que não reunia há cerca de dois anos, que é o Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal, onde têm assento quer o Ministro da Justiça, quer o Ministro da

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Administração Interna, o Sr. Procurador-Geral da República, o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, o Sr. Comandante-Geral da GNR, o Sr. Director Nacional da PSP e, em algumas circunstâncias, os directores nacionais de outros órgãos de polícia criminal de competência especializada, precisamente para redinamizar o processo de coordenação da investigação criminal.
Mas há outros esforços de coordenação que têm de ser feitos e julgo que devíamos avançar para tentar definir um conceito estratégico de segurança interna que permitisse clarificar melhor o papel efectivo das forças de segurança de natureza civil, das forças de segurança de natureza militar e das Forças Armadas, em matéria de segurança interna, porque desde que foi aprovado o último conceito estratégico de defesa nacional é necessário revisitar o tema, do ponto de vista das forças de segurança. Considero este trabalho da maior urgência, seja para evitar zonas cinzentas, seja para clarificar zonas de fronteira, seja, sobretudo, para nos poder inspirar e determinar na organização do sistema de forças e serviços de segurança, sobre a qual, até ao final do ano, temos de tomar uma decisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à motivação, creio que se trata de uma preocupação central e, por isso, temos de revisitar também as diferentes parcelas da despesa com as forças de segurança, fazendo um grande esforço de contenção e uma distinção de rubricas que não têm a ver com a função central das forças de segurança, para nos permitir libertar meios que financiem aquele que é um trabalho urgente que importa realizar, que é a reinstalação e o reequipamento das forças de segurança, designadamente daquelas que dizem respeito ao Ministério da Administração Interna.
Como sabe, no Programa do Governo, consta o objectivo da aprovação de uma lei de programação dos meios das forças e serviços de segurança. É um objectivo que quero cumprir mas, para isso, temos de saber, claramente, onde podemos poupar, para financiar esta lei de programação. Esta é uma das nossas prioridades.
Agradeço a questão que colocou relativamente aos meios aéreos para combate aos fogos. O Governo anterior abriu cinco concursos para diferentes categorias de meios aéreos para o combate aos incêndios florestais, concursos esses que previam a mobilização dos meios a partir do próximo dia 1 de Julho. Infelizmente, a circunstância da seca determinou a anulação de um dos concursos, concretamente do relativo aos aviões médios anfíbios, visto que as novas quotas do plano de água das albufeiras não permitiam assegurar condições óptimas de reabastecimento. Esse concurso foi, pois, anulado, mas com uma verba relativamente próxima dessa, embora superior, foi possível realizar, por ajuste directo, a contratação de seis novos aviões ligeiros e de quatro novos aviões médios terrestres. Este processo de ajuste directo está a decorrer e foi determinado que, quanto a estes, o dispositivo pudesse ser accionado o mais cedo possível, concretamente a partir do dia 1 de Junho. São os meios que temos e estou convencido de que o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil está, neste momento, a desenvolver o seu melhor esforço para podermos ter esses meios tão rapidamente quanto possível.
Felizmente, pudemos também reforçar os meios por via de crédito de horas do aluguer feito no ano passado e que ainda não tinha sido devidamente utilizado.
Infelizmente, temos um problema gravíssimo com um dos concursos - quanto aos outros três, serão, certamente, adjudicados na próxima semana - que, aliás, ilustra bem uma das correcções mais importantes que vamos ter de fazer no final desta época de fogos.

O Sr. Presidente: - Deve concluir, Sr. Ministro.

O Orador: - Vou já concluir, Sr. Presidente.
Importa saber se podemos continuar sujeitos à necessidade de alugar estes meios ou se, de uma vez por todas, devemos dotar-nos deles.
É que, nesse concurso, para aluguer de seis helicópteros pesados - Sr. Presidente, agradecia apenas que me deixasse concluir esta informação que considero importante para o conjunto desta Assembleia -, aconteceu o seguinte: apareceu um único concorrente, precisamente o consórcio que reunia as duas empresas que, nos três anos anteriores, tinham aparecido no concurso; não apareceu mais ninguém, essas empresas vieram associadas em consórcio e com um aumento de 93% relativamente ao preço praticado no ano passado.
Creio que o Estado não se pode deixar chantagear pela necessidade de combater os incêndios e, por isso, hoje mesmo, decidimos que não adjudicaremos este concurso, razão pela qual ou o consórcio renegoceia connosco ou, então, teremos de seguir por outras vias, o que não podemos é deixar-nos chantagear.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular as suas perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

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O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, neste início de campanha do já tão ritualizado combate aos fogos florestais, duas afirmações do Governo merecem alguma da nossa atenção.
O Sr. Primeiro-Ministro disse que estávamos preparados para responder a todas as eventualidades e o Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas exortou os organismos envolvidos no combate aos incêndios a não passarem as culpas para o lado se algo correr mal. Quer isto dizer, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, que o Governo, ainda não começaram os fogos - e esperamos que não comecem -, já está a desresponsabilizar-se do combate eficiente dos fogos?
Sr. Ministro, várias resoluções desta Assembleia, e não só, têm vincado o aspecto fundamental da prevenção e vigilância em matéria de fogos florestais.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Até ao momento, temos ouvido falar do combate e o combate é, certamente, muito importante, assim como a melhoria da eficiência desse combate.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sempre foi defendida por nós!

O Orador: - Porém, que medidas, no terreno da prevenção e da vigilância, Sr. Ministro?
Gostaria de lhe lembrar a resolução desta Assembleia da República de Março de 2003, o relatório final da Comissão Eventual para os Incêndios Florestais, de 2004, que o Sr. Ministro certamente conhece, e ainda o decreto-lei sobre medidas e acções de prevenção e protecção da floresta, de Junho do ano passado. É que, para falarmos hoje, aqui, deste assunto, penso que teria tido mais interesse que o Sr. Ministro nos viesse dizer, relativamente às resoluções e ao decreto-lei, o que é que está feito, o que é que está a ser feito e o que é que, segundo a sua estratégia, vai ficar para Setembro ou Outubro.
No plano do ordenamento florestal, Sr. Ministro, não quero deixar de referir aqui que o Governo, ao adoptar, pela voz do Sr. Ministro da Agricultura, a aplicação da reforma da PAC resultante do anterior Governo, sabe que ela vai conduzir a mais terra abandonada, a mais desertificação e, portanto, a mais florestação de terras agrícolas e, inevitavelmente, a maiores riscos de incêndios. Por isso, o Governo precisa de assumir a responsabilidade pela escolha que está a fazer em matéria de política agrícola.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Ministro, relativamente ao ordenamento da floresta, há cerca de um ano, nesta Assembleia, o relatório da Comissão Eventual referia que, dos 21 planos regionais de ordenamento florestal, 19 estavam em elaboração, e até se previa que estariam prontos em Junho desse ano, ou seja, em Junho de 2004, e dois já estavam feitos. Sabemos que, até ao momento, não existe nenhum e mesmo os dois que estavam feitos, pelos vistos, andaram para trás. Qual é, pois, a situação, Sr. Ministro, em termos de PROF?
Em matéria de silvicultura preventiva, o que é que está feito, o que é que foi feito durante a Primavera e no período em que nos encontramos, relativamente à limpeza das áreas críticas da floresta? Que planos de defesa da floresta, municipais e intermunicipais, estão feitos? Que notificação de entidades que não tenham cumprido aquilo que a lei estabelece relativamente à defesa da floresta?
Quanto aos guardas florestais, o Sr. Ministro também sabe, certamente, a importância que foi dada a este corpo de segurança e vigilância florestal quer pela resolução da Assembleia da República, quer pelo relatório da Comissão Eventual para os Incêndios Florestais. Gostaria de lhe perguntar, passada, pelos vistos, a ideia de os colocar nos postos de vigia, que medidas pensa adoptar o Governo para o reforço do corpo de guardas florestais, sabendo-se que o seu número, neste momento, é de cerca de um terço do actual quadro estabelecido. E gostava também de saber se se mantém a ideia de, por razões orçamentais, e segundo um despacho do Governo, os fazer trabalhar durante 12 ou 14 dias por mês apenas durante a manhã, isto é, afastando-os do período da tarde, que é, com certeza, o período de maior risco de incêndios.
Sr. Ministro, uma outra questão é a do problema…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir, porque o tempo de que dispunha já terminou.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Relativamente ao problema das brigadas de sapadores florestais, também valorizadas em resoluções desta Assembleia, o Sr. Ministro é capaz de me dizer que medidas estão em curso para garantir ao País uma cobertura razoável por brigadas de sapadores florestais, dado que temos, neste momento, cerca de 160 e o País precisará de cerca de 500? E, sabido que o actual sistema conduzirá grande parte dessas brigadas ao desaparecimento, que medidas estão tomadas, ao nível do financiamento, para responder à sua manutenção, após os primeiros cinco anos de projecto?

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, parece-me haver um equívoco, porque este debate não é um debate temático, é um debate que, segundo o Regimento, incide, sectorialmente, sobre a actuação de um ministério.

Protestos do PCP.

Se fosse um debate sobre o tema "incêndios florestais", o Governo, naturalmente, estaria aqui representado pelo Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e por mim próprio; como o que consta da agenda é um debate com o Ministério da Administração Interna, só cá está o Ministério da Administração Interna. E se há coisa que não farei é responder a matérias que, como o Sr. Deputado sabe, estão legalmente atribuídas a outros colegas meus.

Protestos do PCP.

A única coisa relativamente à qual gostaria de o tranquilizar é que tenho trabalhado, conjuntamente com o Sr. Ministro da Agricultura, lado a lado ou, diria mesmo, braço a braço, e estamos totalmente solidários um com o outro. E estamos tão solidários um com o outro que, naturalmente, não me pronunciarei sobre as matérias que são da sua competência.

Aplausos do PS.

Protestos do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado António Filipe?

O Sr. António Filipe (PCP): - Para interpelar a Mesa sobre o andamento dos trabalhos, Sr. Presidente, tendo em conta aquilo que o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna acabou de referir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, tenho presente, porque estive na reunião da Conferência de Líderes, que foi proposto que esta sessão sectorial de perguntas ao Governo incidisse sobre a temática dos fogos florestais, com a presença do Sr. Ministro da Administração Interna. Eu próprio tive oportunidade de referir que, estando presente o Sr. Ministro da Administração Interna, obviamente responderia a todas as questões relacionadas com a sua área de actuação, fosse sobre fogos florestais, fosse sobre qualquer outra matéria.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Mas, como não sabe, não responde!

O Orador: - Mas nós, sabendo que foi manifestada, precisamente pelo Partido Socialista e pelo Governo, a intenção de que esta sessão sectorial de perguntas incidisse especialmente sobre a temática dos fogos florestais, presumimos que o Sr. Ministro da Administração Interna estivesse em condições de responder às várias questões que, sob vários ângulos, pudessem ser colocadas sobre essa temática. Foi precisamente nessa convicção que nós preparámos perguntas sobre o importantíssimo aspecto dos fogos florestais, na convicção de que o Governo está em condições de responder.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): - Sr. Presidente, gostaria de recordar o seguinte: este é um debate sectorial e, portanto, à luz do Regimento, as perguntas são dirigidas a um departamento governamental, com a presença do ministro responsável e da respectiva equipa governamental.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Foi isso, aliás, que foi acertado na Conferência de Líderes, ou seja, houve um pedido, por parte de um grupo parlamentar, no caso, se a memória não me falha, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, pedido, esse, no sentido de dirigir perguntas sectoriais ao Ministério da Administração Interna.
O tema "fogos florestais" é um dos que cabe na área de competências do Ministério da Administração Interna e cada grupo parlamentar é livre de colocar as questões que entender,…

O Sr. António Filipe (PCP): - Isso foi o que nós dissemos!

O Orador: - … desde que incidam sobre a área do departamento governamental que está aqui em causa. Trata-se de uma sessão de perguntas ao Ministério da Administração Interna e, evidentemente, o Ministério responde no âmbito das suas competências.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular as suas perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, começo por cumprimentá-lo e por lhe desejar as maiores felicidades nesta área, que é muito sensível e que, como sabe, sempre foi fundamental e prioritária para o CDS-PP.
Cremos mesmo que o facto de V. Ex.ª acumular as funções de Ministro da Administração Interna com as de Ministro de Estado, juntamente com a ampla maioria de que o PS dispõe neste Parlamento, constitui uma oportunidade e, sobretudo, uma responsabilidade para a realização de reformas absolutamente necessárias nestas áreas e para as quais - se VV. Ex.as, como esperamos, souberem aproveitar essa circunstância - poderão contar com uma oposição firme mas construtiva da parte do CDS-PP, uma vez que se trata de matérias de Estado e, nesse âmbito, sempre mantivemos esta postura.
Tive oportunidade de ler o Programa do Governo nesta área, tendo reparado também na questão da segurança alimentar.
Não estou a fazer-me convidado para o jantar, mas gostaria de lhe dizer, Sr. Ministro, que quanto a alguns conceitos a nossa posição não é tanto de discordância mas, sobretudo, de considerar que requerem uma pormenorização e uma concretização que, dentro do pouco tempo de que disponho, procurarei realizar.
O primeiro desses conceitos é relativo à política de imigração. Registamos com agrado que, anos volvidos, o PS finalmente entenda que a política de imigração deve ser regulada em torno de três eixos - a regulação dos fluxos; a fiscalização; e a integração -, facto que tínhamos mencionado em 2001, para grande incomodidade, na altura, do Partido Socialista.
Nesta matéria, há, no entanto, uma alusão no Programa do Governo que nos causa a maior perplexidade. Em primeiro lugar, porque é completamente contraditória com o resto do texto, com o qual até concordamos, e, em segundo lugar, porque, sendo verdade, causa-nos a maior preocupação por ser indiciador de que o Governo vai ceder à tentação de realizar um processo de regularização extraordinária.

Vozes do BE: - Faz falta!

O Orador: - Refiro-me, concretamente, à parte do Programa do Governo onde se menciona a possibilidade do regresso das autorizações de permanência. Ora, foi através desta solução que, em 2001, o PS realizou esse processo de regularização extraordinária,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - E bem!

O Orador: - … o que fez com que, em apenas dois anos, a população imigrante legal em Portugal duplicasse de 200 000 pessoas para mais de 400 000 pessoas, com todos os problemas de integração que daí resultaram e que o anterior governo procurou resolver.
Aliás, temos em Espanha um exemplo bem complexo do que é o "efeito chamada". O Governo do PSOE tomou essa decisão esperando poder legalizar 250 000 pessoas, mas por força desse "efeito chamada" já vai em 700 000 legalizações, o que motivou protestos de países como a Holanda, a Inglaterra ou a Alemanha, cujos governos até são de centro-esquerda, e inclusivamente da Comissão Europeia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria, portanto, Sr. Ministro, de saber se o Governo vai ou não ceder a esta tentação.

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Do mesmo modo, também nos parece bem a promoção de uma estratégia de policiamento de proximidade, que envolva não só o Estado como o poder local. Mas se a intenção é reforçar o papel das polícias municipais gostaria, então, de lhe perguntar como vai isso ser feito, com que modelo de financiamento, quais as suas atribuições concretas e para que locais do País.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à intenção de libertar efectivos das forças de segurança que exercem funções não policiais para outro tipo de funções, posso dizer-lhe que desde sempre fomos de acordo quanto a esta matéria. Porém, sabe o Sr. Ministro, como, aliás, reconheceu na 1.ª Comissão, que há muitos agentes que há anos, se não décadas, exercem essas funções. Disse-nos V. Ex.ª, na altura, que eles iriam para funções conexas ou complementares a funções policiais.
Gostaria de saber um pouco mais sobre essa matéria, se já está definido quais são essas tarefas e quais são os custos previsíveis do recurso a empresas privadas para fazerem as funções que esses agentes anteriormente desempenhavam, se é que esse valor está calculado e se é que é essa a sua intenção - admito que possa não ser.
No que respeita à redistribuição do dispositivo territorial das forças de segurança, disse-nos o Sr. Ministro que ia aproveitar o plano já existente, criado pelo anterior governo, mas que iria ser um pouco mais ambicioso. Está já o Sr. Ministro em condições de nos dar a medida dessa ambição?
Por outro lado, em relação à revisão do estatuto remuneratório, disse também o Sr. Ministro que iria procurar harmonizar as mais de duas dezenas de suplementos e subsídios - o que me parece bem - existentes nas forças de segurança. Como é que o Sr. Ministro vai fazê-lo? Criando um vencimento base único? Reduzindo alguns dos suplementos existentes? Recordo-me que o Sr. Deputado Vitalino Canas, que não está presente, tem particular atenção a estas matérias, nomeadamente no que diz respeito aos subsídios de risco.
Acabámos de receber o Relatório de Segurança Interna de 2004, que discutiremos oportunamente, mas é claro que, pela primeira vez nos últimos seis anos, reduzimos a criminalidade em Portugal, muito por força do investimento na formação e no equipamento durante a segurança do Euro 2004.
Sr. Ministro, qual é o plano do Ministério da Administração Interna para aproveitar este investimento, nomeadamente em bolsas urbanas mais vulneráveis? Será pelo reforço dos poderes do Gabinete Coordenador de Segurança, pelo qual sei que o Sr. Ministro nutre particular simpatia (gostaria, no entanto, de saber como vai concretizá-la, pois também nutro por ele essa simpatia), ou pela participação em medidas pontuais com os magistrados do Ministério Público, como anunciou? Ou abandonou o Sr. Ministro esta ideia, devido àquele erro em que laborou, de acordo com o parecer da Procuradoria-Geral da República? Se não recuou, quando irão começar essas intervenções?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente, até por uma questão de delicadeza.
Por fim, quero apenas agradecer as amáveis palavras do Sr. Ministro e do Sr. Deputado Guilherme Silva quanto às questões da segurança rodoviária.
Sr. Ministro, as medidas que aqui apresentou merecem, da parte do CDS-PP, total concordância, pois parecem-nos excelentes medidas e estamos disponíveis para colaborar. Nesse sentido, pergunto-lhe se está disponível para, tal como aqui propusemos, rever o objectivo de redução em 50% do número de vítimas mortais, visto que, neste momento, já houve uma redução de cerca de 38% do número de vítimas mortais e de 70% do número de feridos graves. Penso que isto seria importante, até por uma questão de motivação.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância no que respeita ao tempo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, relativamente às questões da imigração responder-lhe-ei com particular acuidade, visto que a sua pergunta ecoa sempre numa interpretação diversa daquilo que é efectivamente dito.
Em primeiro lugar, não haverá qualquer processo de regularização extraordinária. Como sabe, há muitos anos dissemos que a solução não passa por regularizações extraordinárias mas, sim, por termos na lei mecanismos que não sejam promotores da ilegalidade e da clandestinidade; a promoção da ilegalidade e da clandestinidade não reforça a segurança, limita-se a reforçar a insegurança no Estado português.
Portanto, quando V. Ex.ª sinaliza mecanismos que, no passado, duplicaram a população legal, devo dizer-lhe que é óptimo duplicar a população legal,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Em dois anos?

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O Orador: - … o que é péssimo é aumentar a população ilegal. E duplicar a população legal não quer dizer que tenha entrado quem não devia entrar; quer dizer que quem entrou está cá legalmente, e não ilegalmente. Estar cá ilegalmente é um factor que contribui para o aumento da insegurança interna. Não contribuiremos para o aumento da insegurança interna, trabalharemos para aumentar a segurança de todos aqueles que residem em Portugal.
Em segundo lugar, quanto à questão da reestruturação das forças de segurança, disse - e repito - que houve um trabalho elaborado pelo Gabinete Coordenador de Segurança que servirá como base de laboração. Não faz sentido que cada governo que chega, em vez de aproveitar os estudos existentes, mande fazer novos estudos sobre uma matéria que já está estudada.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - Assumi o compromisso, e reafirmo-o, de tomar uma decisão até ao final do ano, mas tomaremos essa decisão - e, há pouco, em resposta ao Sr. Deputado Marques Júnior procurei indiciar isso - com base numa metodologia que passa, em primeiro lugar, por revisitar o que deve ser o conceito estratégico de segurança interna, o qual, hoje, em face do novo conceito estratégico de defesa nacional deve ser revisitado; em segundo lugar, em função desse conceito, por definirmos claramente qual deve ser o sistema de forças; e, em terceiro lugar, por definir a execução desse plano de reestruturação. Este deve ser executado, por um lado, tendo em conta as funções que cada uma das forças de segurança deve desempenhar no sistema de segurança interna e, por outro lado, em função de um dado que convém sempre termos presente quando elaboramos, ou seja, qual o impacto financeiro de cada uma das soluções.
Para minha surpresa, aquele estudo é muito interessante, mas é totalmente omisso quanto a saber-se quanto custa a sua execução, se daí resulta uma diminuição de despesa ou um aumento da despesa, dados sem os quais não podemos decidir. Decidir, na vida política, não é só decidir em abstracto, de acordo com objectivos,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Estou de acordo!

O Orador: - … valores ou princípios míticos, mas sim em função dos valores e dos princípios, testar a sua adequação à realidade, à prática, o que, muitas vezes, passa pelo teste orçamental. Este teste orçamental não está feito, sendo, por isso, necessário que o seja.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular as suas perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, não vou falar dos fogos florestais, o que propôs. Quero falar de outro "fogo que arde sem se ver" na nossa sociedade: o do problema da imigração. E porque não queria contribuir para o "pecado" de o Sr. Ministro se desviar do assunto ou não responder à questão, é só esse que vou colocar-lhe.
O Decreto Regulamentar n.º 6/2004, de 26 de Abril, permitiu a abertura - ainda que os proponentes não gostem de lhes chamar assim - de um processo real de regularização extraordinária da imigração, cujos dados foram conhecidos há dois dias.
Registaram-se para legalização, em Junho do ano passado, 53 197 candidatos; registados na Segurança Social como tendo feito descontos durante três meses, até 12 de Março de 2003 (condição necessária para serem legalizados), havia 7729 candidatos; registados mas não tendo os descontos confirmados, não podendo ser legalizados, havia 7721 candidatos. O facto é que, desde Junho de 2004 até agora, conseguiram legalizar-se menos de 1000 candidatos - foi este o número de candidatos que se legalizaram ao fim de quase um ano!
Isto quer dizer que dos 53 197 candidatos à legalização só 7729 poderão, eventualmente, vir a legalizar-se e só menos de 1000 o foram até agora. Ora, a pergunta que cabe fazer, Sr. Ministro, é a seguinte: e os 52 000 candidatos que faltam? Ou, na melhor das hipóteses, os 45 468 candidatos que passarão a faltar se os cerca de 7000 candidatos que podem legalizar-se o forem?
O que é que vão fazer aos que ficam de fora? Vão mandá-los embora? Vão metê-los num campo de internamento? Vão deixá-los por aí, como mão-de-obra, sem papéis e sem direitos, sem defesa, portanto, sujeitos à prepotência e à má-fé de patrões e de intermediários sem escrúpulos?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso é na Alemanha!

O Orador: - Se o Sr. Ministro admite aqui publicamente que não vai haver processo extraordinário de regularização, então, o que é que vão fazer a esta gente, sendo certo que de 2003 até agora, segundo as

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informações das associações de imigrantes, entraram no País mais cerca de 100 000 trabalhadores imigrantes, actualmente indocumentados?
A pergunta que cabe fazer é esta: qual é a política para tratar deste assunto? Porque os senhores ou os mandam embora ou os deixam por aí, e deixá-los por aí é fomentar o trabalho semiescravo, uma vez que ficam sem direitos, sem papéis, sem defesa alguma!
Portanto, qual é a política que o Governo tem para este problema? Este é um problema real, pois não são quatro ou cinco pessoas!… Entre os que vão ficar de fora desta regularização e os que entraram clandestinamente são para cima de 150 000 pessoas!
A estes acrescem os brasileiros. Vejamos o balanço do "acordo Lula", também de 2003. Candidataram-se à obtenção de visto de trabalho 35 000 cidadãos brasileiros. Só 14 000 o obtiveram, tendo ficado de fora 21 000, ou seja, 60% dos candidatos. O que vai o Governo fazer quanto a eles, sendo que, como já disse, após 2003 terá entrado um grande número de imigrantes que estão também actualmente indocumentados? Qual vai ser a política do Governo para fazer face a esta realidade?
Tem o Governo a consciência de que esta política de recusa generalizada das legalizações de imigrantes é ela própria a principal promotora da oferta de mão-de-obra barata, sem direitos e indefesa face à ganância criminosa de angariadores e de patrões sem escrúpulos?
Tenciona o Governo substituir os actuais vistos de trabalho para reeditar as famigeradas autorizações de permanência, forma de manter os trabalhadores imigrantes numa espécie de "limbo" de ausência de garantia efectiva dos seus direitos, terreno onde actua o arbítrio?
Estas perguntas são colocadas pela opinião pública e por dezenas de milhares de trabalhadores que estão neste país sem direitos e à espera de uma definição política do Governo que, na efectividade e na prática, os garanta.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, começo por registar, com alguma perplexidade, a coincidência entre a apreciação que V. Ex.ª e o Sr. Deputado Nuno Magalhães fazem das autorizações de permanência, por si designadas de "famigeradas"…!
Hoje, depois desta deriva centrista que o CDS-PP agora ensaia, já não são assim classificadas, mas em tempos foram referidas como verdadeiros produtos "liberticidas" que o governo socialista tinha produzido para legalizar de forma disfarçada imigrantes clandestinos.
Fico perplexo com esta confluência de pontos de vista entre o Sr. Deputado Fernando Rosas e o Sr. Deputado Nuno Magalhães…!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Olhe que não!

O Orador: - Infelizmente, fico perplexo, mas não comovido, porque, basicamente, discordo de ambos relativamente a esta matéria.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - E nós também de si!

O Orador: - Quanto ao problema que coloca - e não vamos aqui discuti-lo -, receio que some números desagregados aos números globais e que depois, no conjunto, isso lhe dê um número absurdo.
No entanto, gostaria de dizer-lhe o seguinte: é indiscutível que, quer quanto ao processo desencadeado com base no processo regulamentar quer quanto ao processo relativo à legalização dos brasileiros, existe um atraso absolutamente escandaloso.
Algumas fontes dizem - mas não o posso confirmar - que tais atrasos resultam de instrução política que foi transmitida pelo então Secretário de Estado da tutela. Como lhe disse, não posso confirmá-lo, mas o antigo Secretário de Estado da tutela está aqui e poderá desmentir essas fontes. E como não posso confirmá-lo, tomo por boa uma outra interpretação, que é a de que há um efectivo problema de funcionamento, que pode resultar ou de falta de quadros, ou de um processamento excessivamente burocrático, ou de um estrangulamento efectivo. O que posso assegurar-lhe é que o Sr. Secretário de Estado Adjunto da Administração Interna - e aproveito a ocasião para explicar que ele não está hoje aqui connosco, como manda o Regimento, porque se encontra em missão no estrangeiro no âmbito dos passaportes biométricos - tem estado a trabalhar muito intensamente com a direcção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para encontrar medidas que permitam desbloquear o que está hoje bloqueado nos serviços daquela direcção e que, felizmente, que mas próximas semanas poderemos tomar algumas medidas nesse sentido.
Tais medidas incidem, em primeiro lugar, num tratamento diferenciado, e muito desburocratizado, relativamente aos cidadãos comunitários residentes em Portugal, que têm um peso muito grande na utilização dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, e na celebração de protocolos com um conjunto de câmaras

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municipais, designadamente com as da Área Metropolitana de Lisboa, tendo em vista desconcentrar os postos de atendimento do SEF.
Por outro lado, pretendemos alargar a presença dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras à Loja do Cidadão, aproveitando, aliás, o espaço que vai ser deixado vago por outros serviços do Ministério da Administração Interna, os quais vão deixar a Loja do Cidadão porque nela tinham uma situação meramente residual, já que esse não era o local adequado para se localizarem - tal é o caso dos postos para apresentação de queixas de violência doméstica. Está mesmo a ver-se que ninguém utiliza a Loja do Cidadão para apresentar queixas sobre violência doméstica!… Portanto, trata-se de um espaço que já existe e que pode ser reaproveitado pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, de forma a permitir um mais fácil acesso.
Há, pois, um conjunto de medidas de simplificação que, creio, permitirá resolver o problema de congestionamento que actualmente existe. Penso que, basicamente, se trata de um problema de congestionamento.
Se era um problema político - não sei, há quem diga que sim, mas o Sr. Ex-Secretário de Estado diz que não - deixou de o ser; se era, e é, um problema de tratamento administrativo vamos tentar resolvê-lo. E espero que possamos resolvê-lo para satisfação de todos, do Sr. Deputado e minha, em particular…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - E os 50 mil imigrantes?

O Orador: - … e da dos imigrantes, naturalmente!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Magalhães, pede a palavra para que efeito?
.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, para exercer o direito de defesa da honra da bancada, porque foi dito que um seu membro, no exercício de funções governativas, terá dado ordens à Administração Pública para que não despachasse projectos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como sabe essa figura regimental só pode ser invocada por um dirigente da bancada. Não se tratará de defesa da honra pessoal?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso deveria dar-lhe a palavra no fim do debate, mas dá-la-ei de imediato, pedindo-lhe que seja sucinto.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, sê-lo-ei.
O Sr. Ministro falou de uma "fonte" e eu quero dizer-lhe que o Sr. Ministro "foi à fonte com um cântaro e ele partiu-se". Portanto, gostaria que antes de proferir as afirmações que acabou de fazer perante os representantes de todos os portugueses tivesse, até porque tem serviços sob a sua tutela que podem fazer isso, o cuidado de averiguar da veracidade, da capacidade e até da honestidade dessa "fonte".
Como sabe - acabou de dizê-lo e eu concordo -, é importante que a Segurança Interna tenha a noção de quem vem, de quem se legaliza. Para isso é importante a apresentação de um conjunto de documentos essenciais, sendo um deles - e parece-me que com isso todos os Deputados (enfim, talvez alguns não!) e o Sr. Ministro concordarão -, obviamente, o certificado criminal.
Ora, como também imagina, quer quanto ao certificado criminal quer quanto a outros documentos - não vivemos num mundo perfeito… -, existem, infelizmente, situações de falsificação - diz-me aqui o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, e bem, que o Sr. Deputado Francisco Louçã às vezes descobre falsificações de que ninguém sabe… - e, consequentemente, há que proceder às respectivas averiguações.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não desvie o assunto!

O Orador: - Portanto, quero dizer-lhe que para além dessa há ainda outras questões, que, obviamente, o Sr. Ministro conhece e que as suas fontes desconhecem e que têm a ver, nomeadamente, com as autoridades brasileiras. Aliás, elas próprias já assumiram publicamente a dificuldade que têm em obter o certificado criminal no país de origem.
Sr. Ministro, gostaria ainda de dizer-lhe que em dois anos conseguimos recuperar o atraso médio dos tempos de concessão de autorizações de residência ou de permanência que, anteriormente, o governo socialista demorava cerca de um ano a conceder. Quando saímos do governo elas demoravam cerca de dois meses para serem concedidas e em algumas delegações do SEF eram dadas no próprio dia. E o Sr. Ministro também não desconhece que quem lançou o novo cartão de autorização de residência, que confere muito maior dignidade, celeridade e segurança, foi o anterior governo.

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Portanto, Sr. Ministro, gostaria que, para além dos 4 ou 5 milhões de euros investidos na maior celeridade dessa matéria - e com isso ganharíamos todos nós e a democracia -, dissesse aqui que, afinal, a sua "fonte" tinha secado.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Mas estão 50 mil imigrantes por legalizar…! Esse é que é o facto!…

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim entender, tem a palavra o Sr. Ministro do Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro do Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães: Ainda bem que me deu esta oportunidade, porque, assim, posso repetir o que disse há pouco.
Eu não afirmei que o Sr. Deputado, enquanto Secretário de Estado da Administração Interna, tinha dado instruções!… O que eu referi, em resposta ao Sr. Deputado Fernando Rosas, foi que havia uma fonte que dizia isso e que eu não podia confirmar que assim fosse…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Ó Sr. Ministro!…

O Orador: - … e que como não podia confirmar - como, aliás, não posso - tomava por boa outra versão que não a da fonte, a de que o atraso se resumia a um problema de natureza administrativa. E concluí dizendo que se havia um problema político ele deixou de haver, e se havia, e há, um problema administrativo, vamos resolvê-lo.
O Sr. Deputado diz que essa versão é incorrecta. Magnífico! Isso só confirma uma das hipóteses: havia, e há, um problema administrativo e nós vamos resolver o problema administrativo que ficou por resolver!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para colocar uma pergunta ao Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: Antes de mais quero saudá-lo nesta sua vinda ao Parlamento.
Quero, depois, dizer-lhe que também Os Verdes ficaram surpreendidos com a sua recusa em falar nas questões da prevenção. De facto, falar dos incêndios florestais e não falar da prevenção é não falar em absoluto do problema, porque ele começa, principalmente, na prevenção, ou seja, na limpeza das matas, na abertura e manutenção dos caminhos, no ordenamento florestal, no cadastro de propriedade, no trabalho no terreno com as associações e com as populações. É aí que tem de começar o trabalho, essa é que tem de ser a prioridade do Governo.
Sendo esta uma questão transversal, preocupa-nos que haja alguma miopia do Governo nesta área que não lhe permita sequer abordar as questões da prevenção, porque, em nosso entendimento, estas questões da prevenção têm, naturalmente, de merecer a atenção do Ministério da Administração Interna. Mas, uma vez que o Sr. Ministro não está habilitado a responder a estas questões,…

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Não estou!

O Orador: - … passamos à frente.
No dia 13 de Maio, em Abrantes, no âmbito da abertura da época de incêndios florestais, o Sr. Primeiro-Ministro afirmou solenemente: "estamos prontos". Nós, Os Verdes, gostaríamos que assim fosse de facto, mas, infelizmente, temos de duvidar dessa afirmação.
Se algo os incêndios, designadamente os de 2003 e de 2004, mas também os de outros anos, nos ensinaram foi a ser humildes e a respeitar a dimensão da tragédia que eles representam.
De facto, nós nunca estamos completamente prontos e as fragilidades continuam a ser muitas. Essa foi, sem dúvida, uma afirmação política com fins de propaganda e não pode ser vista de outra forma, Sr. Ministro. Cautela! Esperemos que esta afirmação não vos venha a queimar os lábios e, eventualmente, a reduzir a cinzas a vossa credibilidade.
Porém, nem tudo é mau: alegramo-nos, por exemplo, com o facto de os senhores, no seguimento de uma proposta de resolução que apresentámos em 14 de Abril, terem tão prontamente, passada apenas uma semana, acedido à nossa proposta, vindo a antecipar a época de incêndios. Essa é uma medida positiva e com ela nos congratulamos.
Mas em relação ao combate, Sr. Ministro, quero, concretamente, colocar-lhe algumas questões.
No que respeita aos meios de comunicação, o Sr. Ministro já veio dizer que não estamos prontos, que ainda há muito a fazer. De facto não pomos em causa que o contrato com o Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) seria, eventualmente, um "mau negócio" - admitimos que houvessem questões a ser acauteladas nesse âmbito, mas a verdade é que esse problema fica por resolver.

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Provavelmente, em muitas zonas do País os bombeiros vão continuar a usar os seus telemóveis particulares em serviço, uma vez que, como o Sr. Ministro já disse que esta questão da comunicação não vai ser alargada a todo o território.
Outra pergunta: e as comunicações terra/ar, as comunicações com os meios aéreos e com o combate no terreno, como é que vão ser asseguradas?
Em relação aos equipamentos, o Sr. Ministro sabe certamente que os incêndios de 2003 e de 2004 implicaram grande desgaste das viaturas, designadamente devido ao apoio que determinadas corporações deram a outras zonas do País, como o Algarve (viaturas do distrito de Santarém foram dar apoio ao Algarve, outras a outros pontos do País). Muito deste equipamento está desadequado para as operações de combate a incêndios florestais, já que foi muito desgastado nestas deslocações ao longo do território nacional.
Falta também material de protecção individual, não só nos bombeiros como em toda a protecção civil. Aliás, isto ficou demonstrado durante o último incidente no terminal portuário da GALP, em Matosinhos: os bombeiros não tinham equipamento de protecção pessoal que lhes permitisse fazer face a esse desastre.
Todas estas debilidades, associadas à ausência de comunicações, contribuem para a falta de eficácia no combate e aumentam o risco que os próprios bombeiros correm. Gostaria de perguntar, uma vez que estão no Governo há pouco tempo, que avaliação está a ser feita, ou já foi feita, desta situação, distrito a distrito, tendo em atenção que, naturalmente, há zonas do País diferentes umas das outras - algumas estão mais isoladas - e que, portanto, em termos de apoio de corporações de bombeiros a situação é diferente.
No que respeita aos meios aéreos os senhores já referiram o que vai ser a próxima época de incêndios, mas eu gostaria de saber qual será, no futuro, a política do PS em termos da aquisição de meios aéreos de combate a incêndios. Vai o Governo continuar a apostar no aluguer de material que nem sempre é de última geração, que é material obsoleto, ou vai apostar noutras formas de aquisição de material?
Relativamente aos meios humanos, as operações de combate aos incêndios florestais são asseguradas, na sua esmagadora maioria, por bombeiros voluntários, que desempenham um papel fundamental e insubstituível. Mas temos um problema grave a resolver: o de que a disponibilidade dos mesmos é cada vez mais dificultada por questões laborais. Qual é a proposta do Governo para minorar este problema?
Também a ridícula comparticipação financeira que é dada aos bombeiros, e muitas vezes atrasada, para os Grupos de Primeira Intervenção, não facilita, certamente, a mobilização para estes grupos. Para quando um novo estatuto social do bombeiro? Que pensam os senhores da necessidade da institucionalização de grupos profissionais permanentes dentro de cada corpo de intervenção, situação reconhecida pela generalidade dos corpos de bombeiros ao longo deste país?
Mas como a prevenção civil não se resume aos incêndios, gostaria ainda de deixar-lhe preocupações noutra área. Temos um País com grandes riscos sísmicos, como a História, infelizmente, registou da forma mais dramática. Que formação, que preparação, que equipamento, que coordenação, que investimentos vão os senhores fazer atendendo a esta questão tão específica e tão problemática? Não considera o Sr. Ministro pertinente que, tal como no Algarve, onde foi iniciada a realização de um estudo de risco sísmico, se faça igual estudo para o Vale do Tejo, que é uma das três zonas nacionais - as outras são, como já disse, os Açores e o Algarve - que merecem particular atenção? Lembremo-nos de que, há cerca de 100 anos, a vila de Benavente foi completamente arrasada durante um sismo.
Pensam os senhores avaliar da necessidade de um sistema de detecção e alerta de tsunamis em Portugal?

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Finalmente, pensam os senhores reforçar o número de estações de sismógrafos a nível nacional, não só em mar mas também em terra, para melhorar a leitura e localização dos epicentros em tempo real?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, ainda bem que, a certa altura, disse que estamos há pouco tempo no Governo, porque, ao ouvi-lo, fiquei convencido de que já cá estávamos há 10 anos…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas há 10 anos estavam!

O Orador: - Sobre as diversas questões que colocou, admito que não tenha ouvido a minha intervenção inicial.
Em primeiro lugar, quanto às compensações dos bombeiros que integram os Grupos de Primeira Intervenção, estes bombeiros auferiam uma compensação de 35€/dia, que não era actualizada há três anos, e entendemos que era necessário dar um sinal que permitisse a actualização. Como sabe, a proposta da Liga dos Bombeiros Portugueses era de uma actualização para 40€/dia. O Estado, infelizmente, não tinha

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condições financeiras para resolver por si esse problema e não podia ir mais longe este ano do que actualizar em 3%, que foi a actualização geral dos vencimentos na Administração Pública. E foi o que fizemos.
Assim, pudemos promover - e aproveito para agradecer, aqui, publicamente - uma pool de entidades privadas que se associaram para dotar a Liga dos Bombeiros Portugueses com uma transferência de 1,350 milhões de euros que completou o esforço do Estado e nos permitiu chegar a uma actualização não para os 40€, porque não conseguíamos, mas para os 39,13€. Foi esse o resultado final do esforço do Estado e do que foi possível reunir por parte da sociedade civil.
Portanto, as compensações foram actualizadas e vão ser pagas actualizadas aos bombeiros que integram os Grupos de Primeira Intervenção nesta campanha de fogos.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado colocou uma questão quanto às viaturas. Também tive oportunidade há pouco de o recordar, mas posso repetir agora, que já foi possível libertar uma primeira tranche de 2 milhões de euros para compensar as corporações de bombeiros pelos danos sofridos nas viaturas ou pelo excesso de consumo de combustível que tiveram de suportar pelas campanhas de fogos dos anos anteriores.
Em terceiro lugar, quanto à questão das comunicações, o que explicitei foi que, qualquer que seja a decisão final do Governo relativamente ao processo do SIRESP, com esse sistema a funcionar nos próximos três anos, não nos podíamos conformar em manter a situação como ela existe actualmente. Entendemos, assim, que era necessário, em qualquer caso, agir repondo em pleno funcionamento as duas redes de cobertura nacional em banda alta: a rede do Serviço Nacional de Bombeiros e a rede do serviço de Protecção Civil. Nesse sentido, dotámo-las, primeiro, das bases necessárias aos retransmissores e, em segundo lugar, do equipamento dos terminais necessários para que todas as forças que vão ter de intervir este ano na campanha dos incêndios possam operar em ambas as redes, assegurando, assim, uma coisa essencial, que é a função de redundância, de forma a que, no caso de não funcionar uma, estar a outra apta a poder funcionar.
Como disse há pouco também, mas repito, este ano, não podemos equipar as 3500 viaturas que existem na totalidade dos corpos de bombeiros. Faremos isso até ao próximo Verão. No entanto, este ano conseguiremos já equipar a totalidade das viaturas que está previsto intervirem na actual campanha de fogos. Como sabem, na campanha de fogos não se prevê a intervenção de todos os bombeiros, de todas as corporações e, muito menos, de todas as viaturas. Há um número pré-definido de viaturas que são mobilizadas para esta campanha e, quanto a essas, vamos resolver o problema de comunicações, precisamente para que, nesta época de fogos, possamos operar em duas redes - a da Protecção Civil e a do Serviço Nacional de Bombeiros - e não seja necessário recorrer, espero, aos telemóveis privados de cada um dos bombeiros.
Em quarto lugar, Sr. Deputado, percebo que esteja satisfeito por termos dado ouvidos a Os Verdes e antecipado a época de fogos - creio que é isso que posso interpretar da sua intervenção. Quanto ao estudo de risco para o Vale do Tejo já está, neste momento, a ser realizado, mas não é mérito nosso, pois já estava a ser realizado; o nosso único mérito foi não o termos interrompido.
Quanto à atitude do Governo e, em particular, do Sr. Primeiro-Ministro, ela tem sido muito clara: concluímos aquilo que podíamos ter concluído para enfrentar esta época de fogos. Se é motivo de tranquilidade, não pode ser motivo de intranquilidade. Temos, aliás, dito repetidamente, porque todos os portugueses têm obrigação de saber, que existe um elevadíssimo risco de incêndio florestal, particularmente num ano com as condições atmosféricas como as que temos vivido. No entanto, isto não pode ser entendido como um factor de insegurança mas como um factor de responsabilização de todos para que cada um faça aquilo que lhe compete fazer: ao Ministério da Administração Interna ter um dispositivo de combate preparado; ao Ministério da Agricultura, como tem acontecido, ter um sistema de prevenção instalado; e ao conjunto da sociedade civil - às autarquias locais, aos cidadãos em geral, aos proprietários da floresta - que tem responsabilidades não só na protecção do seu património como em evitar que o mau estado do seu património provoque riscos sociais para o património de todos. Esses também são responsáveis e essa responsabilização também tem de existir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a segunda volta de perguntas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, há menos de um ano, neste Hemiciclo, um Deputado do Partido Socialista acusava o governo de então de ter desinvestido na segurança interna provocando com isso "um aumento da criminalidade como não havia memória".
O Relatório de Segurança Interna, que o Governo enviou este mês à Assembleia da República e que discutiremos com mais pormenor oportunamente, veio, felizmente, desmentir categoricamente essa afirmação.
A nossa posição, hoje como ontem, é a de olhar para os números, causas e consequências da criminalidade com grande sentido de responsabilidade, enfatizando os indicadores que revelam tendências positivas e apreendendo os dados que expressam evoluções mais preocupantes. Do nosso ponto de vista, as duas coisas são necessárias.

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Do que aconteceu em 2004, é positivo constatar a diminuição da criminalidade participada em 1%, até porque ela contraria a tendência dos anos anteriores, nomeadamente de 2002 e de 2003, em que tinha havido uma acréscimo de criminalidade na ordem dos 4,9% e 6%, respectivamente. Positivo é também verificar a diminuição dos crimes contra as pessoas e contra o património.
No que tange à criminalidade violenta e grave, embora os números denotem alguma estabilização, não podemos deixar de nos preocupar com os dados revelados no Relatório: a criminalidade grupal, fenómeno especialmente importante e sentido nas áreas mais densas do ponto de vista populacional, cresceu 5,7% e, apesar de bem longe do boom de 2000 e de 2001, tem de ser tida em linha de conta.
Partindo desta situação, Sr. Ministro, quero colocar-lhe algumas questões.
O Sr. Ministro já aqui disse hoje que prepara para o fim do ano a reestruturação das forças de segurança. Em todo o caso, há ou não algumas medidas no que toca, nomeadamente, à distribuição de meios humanos e materiais a tomar imediatamente ou num quadro temporal mais próximo?
Já agora, aproveito para lhe recolocar uma questão que não ficou totalmente dirimida aquando da pergunta do meu colega Guilherme Silva. Gostaria que explicitasse melhor o que são os Contratos Locais de Segurança presentes no Programa do Governo.
Sr. Ministro, uma última e derradeira pergunta - e, assim, termino - relativamente à legislação sobre detenção, fabrico e comércio de armas e explosivos: conhecemos as vicissitudes por que passou o processo legislativo na legislatura anterior. Sabemos também, pelos primeiros dias de exercício de funções deste novo Governo, que têm a intenção de impulsionar e acelerar a produção dessa legislação. Pergunto-lhe, atendendo ao respeito que já disse demonstrar sobre o trabalho que anteriormente estava feito, quando é que poderemos estar em condições de ter, na Assembleia da República, para discussão, a legislação relativa ao comércio e à detenção de armas e explosivos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna:- Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, discutiremos, então, no momento próprio, o Relatório de Segurança Interna.
Quanto à matéria dos explosivos, como sabe, o anterior governo que integrei tinha aprovado um decreto-lei, que foi suspenso pelo governo de Durão Barroso pelo período de dois anos e cuja suspensão terminava, precisamente, no dia 17 de Maio. Portanto, havia que prorrogar a suspensão ou repor o diploma em vigor. Decidimos pô-lo em vigor e criámos um regime de transição para assegurar que, apesar de tudo, se evitasse um encerramento generalizado dos estabelecimentos dos explosivos.
Quanto ao diploma das armas, conhecemos as vicissitudes. Decidimos que o iríamos enviar já não sob a forma de autorização legislativa, mas de lei material, para procurar recuperar algum atraso relativamente ao que aconteceu. No entanto, tem-se verificado a necessidade de introduzir algumas alterações, tendo em conta pareceres novos que surgiram, designadamente da Guarda Nacional Republicana e do Ministério Público, que, aparentemente, não tinham sido tidos totalmente em conta, em especial no que se refere às armas de calibre de 9mm, em que - admito que por erro legislativo - se acabava por adoptar uma solução que não parecia corresponder à exposição de motivos da lei.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto José Magalhães tem dado uma grande prioridade a esse dossier e a informação que me deu antes de embarcar para a Alemanha foi a de que, na próxima semana, teremos uma primeira leitura desse diploma no Ministério e, em função do resultado dessa leitura, entrará ou não de imediato no circuito legislativo do Governo para dar entrada na Assembleia da República. Antes do termo desta sessão legislativa, terão cá, com certeza, esse diploma, tanto mais que o Governo quer utilizá-lo, como anunciámos, para fazer aprovar as operações especiais de polícia. O Sr. Deputado Nuno Magalhães, há pouco, aliás, fez uma referência a essa matéria. Eu hoje não faço ironia sobre isso, visto que a ironia que adoptei na comissão não foi bem compreendida pelos Srs. Jornalistas, apesar de ter sido bem registada pelos Srs. Deputados.
Nesse sentido, traremos à Assembleia da República uma norma sobre as operações especiais de polícia totalmente ajustada à nova interpretação vigente do quadro legal, da qual resulta que nas acções de prevenção não é necessário o controlo judiciário, visto que não se actua no âmbito do Código de Processo Penal. Nesse âmbito da prevenção, as forças policiais poderão desenvolver acções de identificação e revistas, podendo ou não, conforme o entenderem as autoridades judiciárias, fazer acompanhar a operação com a presença de algum magistrado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Diniz.

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A Sr.ª Teresa Diniz (PS): - Sr. Presidente, permita-me que o cumprimente nesta minha primeira intervenção, desejando-lhe uma excelente condução dos trabalhos parlamentares e fazendo votos, dirigidos a todas e a todos os Deputados com assento nesta Assembleia, no sentido do desenvolvimento dignificante da função parlamentar.
Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, no passado dia 13 de Maio, tivemos boas notícias: o Governo, para assinalar a antecipação, para 15 de Maio, da abertura da época de incêndios florestais, apresentou, em Sertã, os programas de prevenção e valorização da floresta e o dispositivo nacional de combate aos incêndios florestais, uma medida consentânea quer com os compromissos eleitorais do Partido Socialista quer com os objectivos plasmados no Programa do XVII Governo Constitucional.
Na verdade, a defesa de uma postura de prevenção e de minimização de consequências provocadas pelos acidentes florestais requer a contextualização de planos de prevenção e de combate aos fogos florestais. Foi isso mesmo que o Primeiro-Ministro, Eng.º José Sócrates, acompanhado do Ministro de Estado e da Administração Interna, Dr. António Costa, e do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, Dr. Jaime Silva, quiseram mostrar ao País, no passado dia 13.
Contudo, é também preocupação do Governo determinar novas políticas que valorizem a actividade do bombeiro.
Com efeito, como bem sabemos, durante o Verão, e para fazer frente a esta época especial, é habitual o reforço de meios humanos em todos os corpos de bombeiros de cariz voluntário. São formados piquetes de serviço para as 24 horas do dia, com pessoas prontas a intervir caso haja algum incêndio. Trata-se de bombeiros com disponibilidade, normalmente porque se encontram em período de férias ou - e não podemos ignorá-lo - porque se encontram desempregados.
Sr. Ministro da Administração Interna, é um facto que, durante os meses de Verão, somos fustigados pelos fogos, mas é verdade que os incêndios se distribuem por todo o ano. Também é verdade que os corpos de bombeiros voluntários funcionam durante todo o ano e que os fogos que surgem vão sendo extintos por esses mesmos bombeiros, homens e mulheres que, por vezes, saem à pressa dos seus postos de trabalho e deixam mesmo de descansar quando tinham direito ao descanso, mas dispostos a enfrentar o perigo das chamas.
Sr. Ministro, para levar por diante esta missão torna-se indispensável a profissionalização, gradativa, é certo, de parte dos corpos de bombeiros. Para quando o início desse processo?
É que, hoje em dia, o lema "é bombeiro voluntário quem quer e quem pode" tem limites. A adesão à causa não tem diminuído, antes pelo contrário, o que tem diminuído - isso, sim! - é a disponibilidade de quem é bombeiro voluntário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Diniz, permito-me começar por completar a resposta que há pouco ficou por dar ao Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Deputado tem toda a razão, pois começa a não ser possível dizer que há uma época oficial de incêndios florestais coincidente com o calendário da Natureza. Aliás, dizemos que vai começar agora a época de fogos quando a verdade é que, comparando o período desde Janeiro deste ano até hoje com o período homólogo de 2004, se verifica que já houve mais 1000 incêndios do que há um ano. Há distritos, como o de Castelo Branco, onde, este ano, houve cinco vezes mais incêndios, e, no distrito de Braga, houve 10 vezes mais incêndios florestais do que tivemos em igual período do ano passado. Portanto, significando isto uma alteração consistente do padrão, exigirá provavelmente, uma alteração igualmente consistente do dispositivo.
Decidimos que, depois de terminada a época oficial de incêndios, ou seja, em 30 de Setembro, chegado o Outono, devemos fazer um debate sereno sobre as alterações profundas de que o sistema porventura carece, quer do ponto de vista orgânico, quer do ponto de vista estatutário, quer do ponto de vista dos meios.
Há pouco, o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes perguntava qual é a posição do Governo relativamente aos meios aéreos de combate aos incêndios. Respondo-lhe que, uma vez chegados ao Outono, penso que vamos ter de tomar uma decisão muito séria no sentido de saber se queremos manter o actual sistema de aluguer, se queremos evoluir para um sistema de aluguer plurianual, se queremos evoluir para um sistema de aquisição ou se preferimos evoluir para um sistema misto, englobando aluguer, aquisição e aluguer de longa duração.
O mesmo se diga relativamente à questão da profissionalização dos bombeiros.
Devo dizer que entendo que temos de acarinhar muito o voluntariado e os bombeiros voluntários. Num país como o nosso, onde o nível de voluntariado é habitualmente tão baixo e em que, excepcionalmente, temos aqui uma área onde é tão alto, seria absolutamente criminoso que não acarinhássemos e acalentássemos este espírito de voluntariado que, na generalidade do País, tem preenchido as necessidades de desenvolvimento deste esforço que é crucial para a segurança interna.

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Dito isto, não significa que não haja algumas funções especializadas, designadamente ao nível de comando, ou de tipo de incêndios particularmente críticos que não requeiram um certo grau de profissionalização. É minha convicção que assim é.
No entanto, assumo esta minha convicção com a total humildade de quem está disponível para, nos próximos meses, aprofundar a reflexão, avaliar o sistema que temos para que, chegado Outubro, possamos decidir mais bem informados sobre qual deve ser o quadro da evolução.
Eis, pois, o que posso dizer sobre a matéria neste momento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a forma como o PS e o Governo decidiram agendar o tema dos fogos florestais é sintomática quanto ao modo como encaram este flagelo que está na origem de tantos e tão graves dramas sociais e económicos.
Há dias, estive com vítimas dos incêndios de 2003 e 2004. Não sei o que pensariam aquelas mulheres e aqueles homens que perderam todos os seus haveres em grande parte por falta de medidas tomadas a tempo, não para combater os incêndios mas para os evitar.
Por isso, não sei como pode entender-se um debate sobre incêndios em que apenas está presente uma das componentes. Efectivamente, falta aqui a outra parte!
Se é assim que o Governo pensa discutir em profundidade as medidas para combater os incêndios no nosso país, vamos mal, Sr. Ministro, vamos mesmo muito mal!!
É que não se pode pensar apenas nos meios para combater os incêndios. É sabido - os profissionais que combatem os incêndios sabem-no melhor do que ninguém e o Sr. Ministro também o sabe - que não é raro que os meios, por muito bons que sejam, se não contarem com caminhos, com estradas, com pontões, para chegar ao local do incêndio,…

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … se não contarem com as reservas de água necessárias para combater o fogo, servem de zero, Sr. Ministro!
Temos de fazer um debate nesta Câmara sobre incêndios, mas não venha o Governo dizer que temos de fazer discussões parcelares. Que venham cá as pessoas que for necessário virem, embora se tenha acabado de dizer que só é necessário virem pessoas ligadas à Administração Interna.
Dado que o facto de estarem sentados lado a lado em Conselho de Ministros não permite ao Sr. Ministro da Administração Interna responder cabalmente sobre as questões dos incêndios, deixaremos para oportunidade futura a formulação de outras questões.
Assim, o que hoje gostaria de perguntar ao Sr. Ministro é quanto a saber quando é que o Governo pensa assegurar a revisão da lei de tipificação dos corpos de bombeiros, por forma a definir concretamente a dotação de meios humanos e técnicos necessários ao seu funcionamento, os equipamentos que devem possuir, bem como o respectivo financiamento, tendo em conta o seu reequipamento.
Sr. Ministro, penso que seria tempo de acabarmos com uma situação que devia envergonhar-nos todos e pela qual certamente já passou a maior parte dos que se sentam nesta Câmara: chegar ao cruzamento de uma qualquer estrada e ver bombeiros fardados, a pedinchar, Sr. Ministro, a pedir que compremos uma "rifazinha" para poderem financiar o seu reequipamento. A mim envergonha-me, Sr. Ministro! Espero que também o Governo sinta vergonha e faça o que é preciso fazer para acabar com esta situação de uma vez por todas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Ascenso Simões): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, o Sr. Ministro da Administração Interna já respondeu em parte à sua pergunta. Já informou que, em Outubro, vamos iniciar um processo, em conjunto com a Liga dos Bombeiros Portugueses, as autarquias locais, através da respectiva associação, e a Associação Nacional de Freguesias, para determinarmos um conjunto de iniciativas legislativas que comecem, desde logo, por introduzir na Lei de Bases da Protecção Civil a alteração que entendemos necessária.
Queremos, ainda, promover uma alteração à estrutura orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil e, ao mesmo tempo, regressar a um conjunto de iniciativas que foram desenvolvidas em 2000 e 2001 mas que foram suspensas durante os últimos três anos, na vigência dos governos de direita. Incluída nesse conjunto de iniciativas está também a questão da tipificação dos bombeiros.

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Aliás, já existe um decreto que determina a tipificação dos bombeiros, mas, agora, precisamos de consolidá-la. Na verdade, precisamos de ir mais longe e determinar também a estrutura de comando, precisamos de profissionalizar em parte um conjunto de meios que hoje existem nas corporações de bombeiros e, também, determinar planos de formação para os bombeiros, tendo em conta a área em que estão integrados.
Portanto, Sr. Deputado, temos um conjunto de iniciativas, algumas das quais traremos à Assembleia da República enquanto outras serão aprovadas em Conselho de Ministros, que correspondem completamente à sua solicitação.
Fica, pois, determinada a cronologia, seguindo as orientações que o Sr. Ministro da Administração Interna já tinha anunciado nesta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, vou colocar-lhe uma questão com toda a educação, como sempre, de resto, para ser esclarecido - que me conste, pedir um esclarecimento não ofende!
Por cautela, tendo em conta que vou falar de um tema, que vai ser recorrente, relativo a uma recente discussão que tivemos e que até provocou algum frisson, tendo mesmo havido um incidente mais tarde devidamente justificado, pedi aos Serviços de Apoio a cassete contendo a gravação das palavras do Sr. Ministro e fiz uma transcrição das mesmas. Portanto, vou ser particularmente pormenorizado.
Disse o Sr. Ministro, na Comissão em que veio prestar declarações: "(…) há n entidades disseminadas pelos mais diversos ministérios com competências relativas ao controlo de fronteiras, algumas diferenciadas, outras mesmo sobrepostas, e é essencial procedermos a uma clarificação dessa matéria (…). Logo a seguir, afirmou: "(…) agora, relativamente ao SEF, já tivemos uma sessão de trabalho com o novo Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Não queria antecipar muito, mas há uma coisa que gostaria de dizer ao Sr. Deputado António Filipe e aos outros Srs. Deputados e, porventura, ao Sr. Deputado José Pedro Aguiar Branco que será bastante sensível a esta questão. É que algumas funções actualmente desempenhadas pelo SEF, em bom rigor, devem ser transferidas para o Ministério da Justiça (…)".
Sr. Ministro, o esclarecimento que lhe peço é no sentido de saber quais são essas competências que serão transferidas para o Ministério da Justiça. Serão algumas em favor da Polícia Judiciária? Tendo em conta o controlo de fronteiras, serão algumas relacionadas com a investigação criminal? Senão, quais e em que termos?
Foi um pedido de esclarecimento que transitou do outro debate para este, mas relativamente ao qual espero bem que o Sr. Ministro possa ser bem mais esclarecedor.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, vejo que já houve uma evolução bastante importante, visto que, no anterior debate, o Sr. Deputado garantia que eu tinha dito que as matérias de investigação criminal iriam transitar do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para a Polícia Judiciária. Posso ter-me distraído, mas não me pareceu ouvir, nessa leitura que fez, eu ter anunciado essa transferência das competências de investigação criminal do SEF para a Polícia Judiciária…!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Foi por distracção!

O Orador: - E estou mesmo convencido de que não foi por distracção minha, foi porque o Sr. Deputado não leu.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Está aqui escrito!

O Orador: - E sabe por que é que o Sr. Deputado não leu? Porque leu a transcrição do que eu disse e o que eu disse na Comissão não foi o que o Sr. Deputado disse aqui ao Primeiro-Ministro que eu tinha dito.
Espero que estejamos entendidos: não há transferência das competências de investigação criminal do SEF para a Polícia Judiciária! Não é que pudesse ser crime, mas não há.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Então quais são?!

O Orador: - Se o Sr. Deputado se tivesse dado ao trabalho de ouvir a cassete toda - e, então, com a devida atenção -, teria tido a mesma informação que todos os Deputados que estiveram presentes nessa

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comissão tiveram. Referi-me, única e exclusivamente, à transferência para o Ministério da Justiça, que não se resume à Polícia Judiciária - veja bem, não se resume à Polícia Judiciária! -,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Grande informação!

O Orador: - … dos procedimentos relativos à atribuição da nacionalidade por via da naturalização.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Então e o controlo de fronteiras?

O Orador: - E posso garantir-lhe que não passa pela cabeça do Sr. Ministro das Justiça - estou autorizado a dizê-lo sem me intrometer "em seara alheia" - atribuir à Polícia Judiciária as competências para a atribuição da nacionalidade no processo de naturalização. Não lhe passa pela cabeça! E não passa porque entende que este procedimento não deve ser atribuído a um serviço com natureza policial - admito que lhe passe pela cabeça atribuir isto às conservatórias do registo central, é capaz de ser essa a ideia que ele tem. Pela minha parte, acrescei que o SEF deve continuar a intervir por via consultiva, ou seja, emitindo parecer - por exemplo, dizendo que a determinada pessoa não deve ser atribuída a nacionalidade portuguesa por em relação a essa pessoa existir a informação da prática de um conjunto de actos de natureza criminal -, mas não deve ser o SEF, precisamente porque é uma entidade de natureza policial, a decidir se é ou não atribuída a nacionalidade a uma determinada pessoa. Tal como não deve ser atribuída à Polícia Judiciária, que tem uma natureza idêntica à do SEF: são órgãos de polícia criminal que não devem ter essa dimensão.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E o controlo de fronteiras?

O Orador: - Finalmente, e para não haver qualquer tipo de confusão, o controlo de fronteiras não é investigação criminal, não. As competências do SEF em matéria de investigação criminal estão para cá da fronteira. A função de fronteira é uma função puramente administrativa, de polícia administrativa.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente!

O Orador: - E, quando referi o concurso de diversas entidades, veja bem a que é que me referia: à Direcção-Geral das Alfândegas, por exemplo, que, não sei se sabe, também tem funções de controlo de fronteiras e é até é órgão de polícia criminal.

O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Ministro.

O Orador: - Referia-me, por exemplo, à Polícia Marítima, que é uma força policial que integra as Forças Armadas, e a outras entidades que concorrem nas suas competências na fronteira.
Se me pergunta se é boa esta confusão de entidades com competências para a gestão de fronteiras, digo-lhe: é má! E acho que deve ser modificada.
Esta é uma primeira matéria. Quanto à segunda, a investigação criminal, a competência do SEF em matéria de investigação criminal não deve ser alterada.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Óptimo!

O Orador: - Em terceiro lugar, quanto às competências do SEF em matéria de atribuição da nacionalidade, estas devem ser retiradas ao SEF e atribuídas ao Ministério da Justiça, porque é uma matéria que esteve e deveria continuar a estar no Ministério da Justiça.
É esse o meu modesto entendimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, vamos iniciar a terceira e última volta de perguntas e respostas.
Para formular as suas perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Feliciano Barreiras Duarte.

O Sr. Feliciano Barreiras Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado: Nos três minutos de que disponho, quero colocar três questões ao Sr. Ministro, fazer três considerações e um cumprimento especial. Um cumprimento especial é para lhe dizer, Sr. Ministro, que sabe da consideração e do respeito que tenho por si e que lhe desejo, com sinceridade, um bom desempenho nas suas funções - o seu bom desempenho será positivo para Portugal e para os portugueses. Um cumprimento especial, para lhe dizer ainda, Sr. Ministro, que o PSD regista positivamente que o Programa do XVII Governo Constitucional, na área da imigração, é, na prática, a continuidade do trabalho que o XV Governo Constitucional e o XVI Governo

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Constitucional tiveram oportunidade de pôr em prática, nos últimos anos, nestas áreas. São poucas as alterações que fizeram, o que registamos positivamente. E, como já aqui foi referido na intervenção do Deputado Guilherme Silva, o PSD estará sempre disponível para colaborar, porque consideramos estas matérias como sendo de interesse de Estado e de grande relevância.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Um verdadeiro social-democrata! Está moderado!

O Orador: - Uma consideração sobre as questões da imigração para dizer, Sr. Ministro, que estas são matérias muito transversais. Sei que a lei orgânica deste Governo atribui responsabilidades nesta matéria não só ao Sr. Ministro da Administração Interna mas também ao Sr. Ministro da Presidência e, se a memória não me falha, ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social. Por isso, vou escusar-me a fazer considerações sobre uma área que, para nós, é muito cara, a da integração, por entendermos que teremos outras oportunidades para falar sobre isso.
Sr. Ministro, ouvi com atenção muitas das questões aqui colocadas, a saber, as do Sr. Deputado Fernando Rosas acerca do célebre caso dos brasileiros e da aplicação do artigo 71.º do Decreto Regulamentar n.º 6/2004, de 26 de Abril. Se me permite, Sr. Deputado Fernando Rosas, com todo o respeito, sugeria-lhe que recolhesse um pouco mais de informação sobre esses dois processos. Em termos de números, muitas das coisas que disse correspondem à verdade, mas falta-lhe muita informação. Este é um mal da classe política, o de, às vezes, nos guiarmos exclusivamente pelos takes da Lusa e, muitas vezes, não fazermos o "trabalho de casa".
Quero, então, dizer-lhe, Sr. Deputado Fernando Rosas, que a aplicação do artigo 71.º do referido decreto regulamentar procurou resolver problemas a imigrantes que, até 2002, tinham pago impostos e feito descontos para a Segurança Social e que continuavam ilegais. Esse processo é moroso porque obriga a que muitos desses imigrantes tenham de preencher um conjunto de requisitos. Assim, esses 53 000 candidatos à legalização, de acordo com esse artigo 71.º, o qual prevê três universos distintos de imigrantes que podem regularizar a sua situação, estão, neste momento, em condições para, durante os próximos tempos, conseguirem resolver parte dos seus problemas. Existem mecanismos legais nesse sentido.
Sobre o processo relativo aos brasileiros, Sr. Deputado Fernando Rosas, permita-me dizer-lhe que são mais as vezes que o Bloco de Esquerda se queixa desse processo do que o próprio Governo brasileiro e até a própria Casa do Brasil,…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Olhe que a Casa do Brasil não!

O Orador: - … que colaborou com o Governo português nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E o problema dos brasileiros tem a ver com a dificuldade que o Governo brasileiro tem tido em facultar os respectivos certificados de registo criminal.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Isto é uma interpelação ao Governo ou a nós?! Nós não estamos no Governo!

O Orador: - Sr. Ministro, neste sentido, coloco-lhe três questões: o Governo vai ou não alterar a lei da imigração, como se diz no Programa do Governo? A lei da nacionalidade vai ser alterada ou não? E qual é o ponto da situação quanto à aplicação do protocolo entre o Ministério da Administração Interna e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) no que diz respeito aos processos de retorno voluntário?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Aproveito para solicitar aos Srs. Deputados que ainda não exerceram o seu direito de voto para a eleição de um Secretário da Mesa, o favor de o fazerem, nas urnas que se encontram na Sala.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Feliciano Barreiras Duarte, o Sr. Deputado utilizou parte do seu tempo questionando o Sr. Deputado Fernando Rosas, mas ele não me passou procuração para responder e sustentar a tese dele, até porque está em absoluta divergência comigo e só em coincidência parcial com o Sr. Deputado Nuno Magalhães…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Nós é que não podemos responder!

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O Orador: - Agora, quero agradecer-lhe o seu cumprimento, que sei ser sincero - e, aliás, retribui os cumprimentos que tive oportunidade de lhe fazer enquanto exerceu funções governativas -, e dizer-lhe que tenho a certeza de que está feliz por, finalmente, ver no Ministério da Administração Interna alguém que pensa quase o mesmo que o Sr. Deputado sobre as questões da imigração. Depois de ter sofrido o que sofreu em termos de divergências, creio que finalmente está satisfeito, como eu, com isso.

Aplausos do PS.

E não me esqueço - e acho que nunca ninguém se deve esquecer - da forma, aliás, corajosa como veio a público, e por escrito, sendo secretário de Estado do governo que era, repor a orientação política do governo, numa altura em que a intervenção de alguns ministros (estranhos, aliás, à área e sem qualquer competência nessa matéria) estava a introduzir uma profunda deriva na condução política do governo em matéria de política de imigração.
Como o Sr. Deputado sublinhou, ao Ministério da Administração Interna só cabe uma pequena parcela da política de imigração. É que, como sempre entendi - e já o entendia quando estava na oposição entre 1991 e 1995 -, deve haver uma distinção muito clara entre quem tem competência para as funções policiais da política de imigração, ou seja, a gestão dos fluxos fronteiriços, e a quem cabe a política de integração, outra componente essencial da política de imigração. E esta última componente não cabe, de facto, ao Ministério da Administração Interna, sendo atribuída, e bem, ao Sr. Ministro da Presidência e ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social. E tenho a certeza de que o Sr. Ministro da Presidência já tem um calendário muito claro sobre as acções que tomará, designadamente, em matéria de alteração da lei da nacionalidade, nas quais o Ministério da Administração Interna não terá intervenção directa, tanto mais que, entretanto, resolveremos o problema orgânico que está pendente sobre essa matéria.
Quanto aos protocolos que estão assinados, eles estão a ser executados. Desejamos poder cumprir, mas o Sr. Deputado conhece bem as condições estruturais que dificultam o cumprimento desses protocolos de regresso voluntário e esses problemas estruturais ainda não estão resolvidos. Desde que o Sr. Deputado saiu do governo, ou seja, há dois meses, eles estão exactamente como estavam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular a última pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado João Serrano.

O Sr. João Serrano (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretário de Estado: António Abrantes, Paulo Alves, Irineu Dias, Feliciano Alves e António Rodrigues eram agentes das forças de segurança e todos eles foram assassinados nos últimos três anos no exercício das suas funções, sendo que três deles nos últimos meses.
Estes trágicos acontecimentos vieram relembrar que os agentes das forças de segurança enfrentam na sua actividade riscos específicos, dos quais podem resultar a morte e a invalidez permanente dos seus membros.
E tendo presente que o Programa do Governo diz claramente que uma das principais prioridades da acção governativa é a melhoria das condições de exercício das funções dos elementos que integram as forças de segurança, gostava de pedir-lhe, Sr. Ministro, que informasse esta Câmara sobre o teor da importante medida que o Governo hoje tomou, relativamente à atribuição de uma compensação financeira às famílias dos agentes das forças de segurança não casados, que morreram no exercício das suas funções e cujas famílias, até hoje, não foram contempladas com esta compensação.
Por outro lado, também ao nível da transferência de dinheiros públicos, gostaria de saber quando o Governo pretende regularizar a dívida do sistema de saúde dos agentes das forças policiais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Serrano, quanto à primeira questão, o governo anterior adoptou um diploma - primeiro, só para a GNR e a PSP e, depois, sucessivamente alargado à carreira de investigação do SEF, à Polícia Marítima e, agora, também ao corpo nacional de guardas florestais e aos guardas prisionais - para generalizar às forças e serviços de segurança um regime que só existia para os agentes da Polícia Judiciária, o qual consistia em assegurar um regime de natureza de seguro para compensar os danos de morte ou de incapacidade permanente em serviço dos agentes das forças e serviços de segurança.
Esse diploma, por um lado, carecia de regulamentação, que nunca tinha sido feita, e, por outro, deixava a descoberto algumas situações que, em nosso entendimento, deviam ser cobertas.
O diploma hoje aprovado vem alargar o universo de potenciais beneficiários, em primeiro lugar, remetendo e confiando ao agente ou militar das forças de segurança a indicação de quem deve ser o beneficiário desse

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seguro em caso de morte, em segundo lugar, estabelecendo que, na ausência de uma indicação por parte do segurado, deve actuar a lei, de acordo com os critérios estabelecidos na lei geral - em primeiro lugar, cônjuge e descendente, em segundo lugar, quem viva em união de facto e, em terceiro lugar, ascendentes.
Por outro lado, fez-se directamente a regulamentação e, portanto, a norma, assim que promulgada, publicada e entrada em vigor, é de imediato exequível, tendo-se definido que, onde anteriormente se dizia que a indemnização seria entre 150 e 250 salários mínimos nacionais, sem se fixar qualquer critério de afixação em concreto, para o dano "morte", a indemnização é de 250 salários mínimos nacionais e que para o dano "incapacidade permanente", a indemnização é entre 150 e 250 salários mínimos nacionais, em função do número de anos de serviço que havia a expectativa de poderem ser prosseguidos.
Finalmente, quanto à gravíssima situação financeira em que se encontram os sistemas de apoio na doença da GNR e da PSP, que têm uma dívida transitada de 2004 da ordem dos 80 milhões de euros e uma dívida projectada até ao final do ano de cerca de 150 milhões de euros, como eu disse na Comissão, é entendimento do Governo que não é possível atirar, outra vez, dinheiro para um "buraco" que não tem fundo e é necessário fazer o pagamento da dívida, tendo-se previamente resolvido o problema estrutural daqueles dois sistemas de saúde. Posso dizer-lhe que temos definido qual é o objectivo estratégico. O objectivo estratégico é a coincidência desse sistema de protecção na saúde com o sistema de protecção da saúde da generalidade dos funcionários e agentes do Estado, ou seja, o regime da ADSE.
Posso também informar que temos, neste momento, prontas três versões de um diploma, as quais variam quanto ao ritmo da convergência com a ADSE e a escolha do ritmo depende exclusivamente do grau de dificuldade da situação financeira do Estado que vier a ser apurada pela Comissão presidida pelo Dr. Vítor Constâncio. Assim que essa Comissão apurar o resultado, estamos em condições de apresentar o diploma que consagra esse regime de convergência. O objectivo será idêntico e não variará qualquer que seja a conclusão da Comissão. O ritmo da convergência é que terá de ser mais ou menos acelerado, consoante a gravidade apurada por essa Comissão.
Portanto, assim que essa Comissão conclua os seus trabalhos, estaremos em condições de tomar as medidas necessárias. E uma coisa pode ter por certo: essas medidas serão tomadas antes do Orçamento rectificativo para que este possa regularizar, porque não poderá fazê-lo sem que previamente se resolva o problema estrutural dos serviços de saúde da PSP e da GNR.
Sendo esta a última intervenção deste debate sectorial, quero agradecer não só ao Sr. Presidente pelo tempo que me concedeu para as respostas mas também a todas as Sr.as e a todos os Srs. Deputados que tiveram a amabilidade de nos questionar e esperamos ter contribuído para uma melhor informação da Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, agradeço a presença do Governo neste debate sectorial com o Ministério que tutela.
Srs. Deputados, vamos entrar no período regimental de votações.
Em primeiro lugar, vou dar a palavra Sr.ª Secretária para proceder à leitura do voto n.º 8/X - De congratulação pelo final da II Guerra Mundial na Europa (CDS-PP).
Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

No dia 9 de Maio de 2005, comemorou-se o 60.° Aniversário da capitulação do regime nazi que conduziu ao final da II Guerra Mundial na Europa, evitando-se a continuação de um historial de totalitarismo e barbárie humana que jamais se deverá repetir.
O terrível sofrimento de povos e nações vítimas do nazismo faz parte dos livros da História da Humanidade, mas cumpre ser recordado todos os dias para que não sejam também esquecidos os homens e as mulheres que tombaram no combate a um regime implacável e destruidor.
A vitória das forças aliadas sobre o III Reich de Adolf Hitler é hoje motivo de saudável e natural celebração numa Europa cada vez mais alargada e mais forte, devendo ser pretexto motivador para que se consiga concretizar uma ordem mundial baseada essencialmente nos mecanismos da diplomacia internacional, evitando-se quaisquer totalitarismos ou tentativas de implantação de regimes ditatoriais ou autoritários.
A Assembleia da República une-se a todos aqueles que celebraram a ocasião histórica, felicitando todos os países e todos os povos da Europa e do mundo que, desta forma, comemoram também a democracia e a liberdade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos à votação deste voto, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

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Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 149 presenças, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Srs. Deputados, agora sim, vamos proceder à votação do voto n.º 8/X - De congratulação pelo final da II Guerra Mundial na Europa (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vou dar agora a palavra à Sr.ª Secretária para proceder à leitura do voto n.º 9/X - De pesar pelo falecimento de Jorge Perestrello (PS).
Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Era um jornalista que não deixava ninguém indiferente. A sua voz inconfundível, que marcava os relatos desportivos com metáforas que exploravam a plasticidade da nossa língua, era arrancada com sentimentos vibrantes que vinham da alma. Ouvíamo-lo como se estivéssemos no estádio. Chamava-se Jorge Perestrello e faleceu prematuramente, com apenas 56 anos de idade, de forma inesperada. O coração não resistiu. E Jorge Perestrello era um homem que falava com o coração. Da sua Angola natal, trouxe na bagagem a experiência em vários rádios regionais e uma concepção universalista de estar e de sentir. Com outros amigos da terra de origem concorreu para a criação da TSF e nela foi jornalista e mais tarde também na SIC. A sua concepção universalista levou-o à procura constante de pontos de encontro com toda a gente que se expressava na fala comum.
Deixámos de o ouvir mas ele estará sempre presente.
À família enlutada a Assembleia da República apresenta os seus mais sentidos pêsames.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos guardar 1 minuto de silêncio em homenagem a este jornalista.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 5/X - Cria o SIFIDE - Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Este diploma baixa à Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional.

Srs. Deputados, vamos votar agora o projecto de resolução n.º 21/X - Visa a não realização dos exames nacionais do 9.º ano (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes.

A Sr.ª Secretária vai proceder à leitura de um parecer da Comissão de Ética.
Faça favor, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, Processo n.º 834/05.OTBLLE, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Antes de passarmos ao ponto seguinte da ordem do dia, peço aos Srs. Deputados que exerçam o seu direito de voto para a eleição de um Sr. Deputado do CDS-PP para secretário da Mesa, uma vez que a urna, que se encontra à direita da Mesa, ainda se encontra aberta por mais alguns momentos.
Srs. Deputados, agora sim, vamos passar à apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 27/X - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o quadro de competências e o regime de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa (PS), 66/X - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro (Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias) (PCP) e 76/X - Alarga as competências dos órgãos deliberativos das autarquias locais (BE).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reforma do sistema de governo municipal proposta pelo Partido Socialista engloba, em primeiro plano, o reforço dos poderes e meios de intervenção do órgão deliberativo e fiscalizador. É isso que faz o projecto de lei n.º 27/X, que é consonante e conexo com o projecto de lei n.º 28/X, já aqui aprovado na generalidade,
Trata-se de uma reforma de fundo no sistema político, consequente com os termos constitucionais, progressista, que rompe com o conservadorismo e dará ao País uma melhor Administração para o mais vetusto poder político em Portugal, o poder municipal.
Com esta importante reforma, o sistema municipal passará a pautar-se por regras semelhantes aos demais, introduzindo-se coerência e racionalidade.
Os eleitores passarão a beneficiar da clareza e simplificação de expressarem um só voto para cada uma das autarquias, diminuirá o número de vereadores e, consequentemente, sanar-se-á a confusão sobre o seu papel na Administração e restringem-se as despesas públicas. A câmara ganhará - e muito - em eficiência e eficácia na sua acção.
A possibilidade de remodelação do executivo permite adaptá-lo a novas dinâmicas e salvar o interesse público de ser prejudicado por distorções ou conflitos internos.
Maior responsabilização de quem ganha eleições e tem a obrigação de governar, sem margem para desculpas nem espaço para confusões, que é absolutamente fundamental, é aqui, por nós, introduzida na vida política e, muito em especial, no âmbito municipal.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - A oposição tem de ser livre e uma potencial alternativa verdadeira e viva.
É fora dos compromissos ou peias do órgão executivo que a oposição melhor fiscaliza e controla a acção da câmara municipal. Não dentro dela.
Propomos e queremos ganhos de controlo e fiscalização que vão ao ponto de valorizar a moção de censura, que tenha efeitos, quer obrigando à remodelação da política e equipa municipais, quer, em ultima ratio, levando à convocatória eleitoral.
O amplexo legislativo reformista proposto pelo Partido Socialista, de que este projecto de lei n.° 27/X faz parte, é tão incisivo no reforço da capacidade de fiscalização democrática, conferida aos Deputados dos munícipes, que leva às últimas consequências, com a sanção da dissolução, as câmaras que obstem a um exercício transparente.
Escorreito ficará, afinal, o sistema com a limitação de mandatos consecutivos em excesso, imposta por lei, aos presidentes das câmaras, em coerência e igualdade com os demais sectores do sistema político, no âmbito da presidência de órgãos executivos, todos eles, sem excepção e com efeitos à vista.
Enfim, como se pretende fazer com o sistema de governo municipal: coerente e uniforme com todo o sistema político.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pita Ameixa, o projecto de lei que o Partido Socialista hoje apresenta vem, no fundo, completar ou tentar harmonizar aquela que já tinha sido a proposta e a escolha política do Partido Socialista no que toca à lei eleitoral autárquica, matéria que discutimos nesta Assembleia há duas ou três semanas atrás.
Como dissemos então, essa escolha parece-nos prejudicial à tradição de gestão democrática nas autarquias. O Partido Socialista escolhe e assume, de forma muito clara, um regime de presidencialismo, praticamente puro e duro. Ou seja, corta com uma tradição de gestão democrática partilhada entre as diferentes forças políticas: vai barrar a participação no executivo camarário de forças políticas minoritárias e, na prática, vai barrar a participação no executivo camarário das listas de cidadãos que não sejam maioritárias.

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Portanto, reduz a gestão ou o executivo autárquico à figura, quase imperial, do presidente da câmara, seguida dos vereadores que são tidos, claramente, como "os homens do presidente".
Nesta escolha do Partido Socialista para a transformação dos executivos camarários, há um modelo quase de inspiração coreana: os senhores pretendem transformar o que pode ser uma maioria relativa num executivo absoluto, totalitário e balizá-lo de competências fiscalizadoras de outras forças nesse executivo.
Sobre esta matéria, queria colocar duas questões.
Primeira: os senhores argumentaram que as assembleias municipais teriam mais poderes de forma a fiscalizar melhor estes executivos monopatidários, mas a verdade é que estabelecem na vossa proposta um mecanismo que é inaudito. Pedia-lhe, por isso, um comentário ou, quanto mais não seja, que nos revelasse qual foi a fonte inspiradora que os levou a estabelecer, neste projecto de lei, que a moção de censura apresentada na assembleia municipal passa a ter uma consequência política, não se for aprovada por uma maioria simples - como aconteceria nesta Câmara, por exemplo - mas apenas no caso de o ser por uma maioria de dois terços, o que é claramente inovador e, devo dizer, preocupante para as possibilidades de fiscalização democrática dos exercícios da câmara. Pior ainda, porque o presidente da câmara não cai, caem apenas os seus vereadores, sendo então apresentada uma nova proposta de executivo à assembleia municipal.
Segunda questão: no ar dos tempos, há uma transformação profunda da forma como se organiza a gestão autárquica em Portugal e, tanto assim é, que temos assistido à multiplicação de empresas e fundações municipais que, hoje em dia, se ocupam de aspectos centrais da gestão autárquica e municipal. Ora, faz parte do projecto do Bloco de Esquerda criar e fornecer instrumentos às assembleias municipais de modo a fiscalizar e a controlar a acção destas empresas e fundações municipais. Pergunto ao Partido Socialista se está disposto a, na especialidade, considerar a inclusão destes instrumentos que o Bloco de Esquerda propõe no seu projecto de lei.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, em primeiro lugar, queria contestar vivamente que o projecto de lei do PS introduza o presidencialismo. A meu ver - e gostaria de dispor de mais tempo para lhe explicar, mas poderei fazê-lo um dia -, passa-se o contrário: o projecto de lei do PS combate o presidencialismo actualmente existente nas câmaras municipais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A lei de 1991 deu ao presidente de câmara poderes exagerados, constituindo ele um executivo sub-reptício (que não está formalmente previsto na lei) com os vereadores a quem dá pelouros e decidindo à parte do órgão executivo. Ora, o que vamos fazer é trazer para dentro do órgão executivo formal, que está previsto na lei, toda a vida municipal, toda a vida da câmara.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E consegue dizer isso sem se rir. É espantoso!

O Orador: - Portanto, com este projecto de lei, o presidencialismo vai ser combatido, ao contrário do que foi dito.
Em relação à questão da moção de censura, o importante é o princípio. A moção de censura vai permitir que o próprio presidente de câmara possa cair, o que é uma novidade e significa, justamente, um combate ao presidencialismo. A maioria de dois terços exigida prende-se com o facto de ter de existir alguma base de estabilidade.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Significa a sua impossibilidade prática!

O Orador: - De qualquer forma, essa questão pode ser sempre analisada e os números podem ser sempre debatidos. Mas, independentemente dos números, repito, o importante é o princípio. E o facto de haver esta possibilidade da moção de censura, que faz remodelar o executivo ou que faz cair o próprio presidente de câmara, é fundamental e traduz-se numa das formas de combater o presidencialismo.
Quanto à possibilidade de fiscalização de zonas de intervenção paramunicipal, com certeza que sim! A nossa ideia é a de que os órgãos representativos do município deve ter a possibilidade de fiscalizar toda a actividade, directa e indirecta, do município.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abílio Dias Fernandes.

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O Sr. Abílio Dias Fernandes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estrutura do poder local democrático saída da Revolução de Abril assenta em dois pilares fundamentais: a composição multipartidária dos executivos e a existência de dois órgãos, um deliberativo e outro executivo, eleitos directamente pelas populações em voto separado.
A proposta do Partido Comunista Português, de reforço das competências das assembleias municipais, pretende contribuir para um melhor aperfeiçoamento do quadro jurídico que regulou, até hoje, estes órgãos autárquicos, cuja responsabilidade de acompanhar e fiscalizar a câmara constitui um fórum convidativo de participação e representação alargada da população na defesa dos seus interesses e no âmbito das suas atribuições.
O Partido Comunista Português propõe que a assembleia municipal possa alterar e aprovar o plano de actividades e o orçamento apresentado pela câmara, introduzindo alterações que não impliquem acréscimo de valores globais, estabelecer taxas e tarifas municipais e fixar os respectivos quantitativos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Propõe a criação de uma comissão permanente multipartidária que acompanhe os trabalhos da assembleia e a actividade municipal e que possa criar grupos municipais com os apoios necessários ao seu normal funcionamento.
Apesar da importante contribuição para o desenvolvimento, todos conhecemos as limitações impostas ao poder local pelo não cumprimento da Lei das Finanças Locais por parte dos diversos governos maioritariamente do PS ou do PSD, o que implicou não só travagens como retrocessos na autonomia patrimonial e financeira das autarquias locais durante estes 28 anos de institucionalização da democracia local.
E chegados que estamos a um momento decisivo da vida do País, com os mais variados desafios de aumento de produtividade, quer a nível público ou privado, quer na concorrência intercidades e inter-regiões, quer nos pesados entraves para Portugal causados pela globalização neoliberal, impõe-se defender a estrutura basilar do poder local que contribuiu decisivamente, até hoje, para uma parte importante do desenvolvimento do País, evitando, na generalidade dos municípios, o desperdício, o aproveitamento indevido, a sobreposição do interesses particulares sobre o interesse geral das populações.
A proposta do Partido Socialista que hoje vem à discussão deste Plenário insere-se no conjunto de propostas de alteração da lei eleitoral e da lei dos mandatos. Estas alterações, como já denunciámos, apontam para o presidencialismo na gestão autárquica, para a bipolarização partidária nos actos eleitorais e para o centralismo da política nacional.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que o Partido Socialista, em convergência com o PSD, não revelou, ao longo dos anos, qualquer preocupação quanto ao reforço dos poderes das assembleias municipais e de freguesia. Antes pelo contrário: começaram por extinguir a participação das comissões de moradores, depois extinguiram os conselhos municipais e retiraram competências na aprovação dos planos de obras executadas pelas câmaras. Também a perda do poder tarifário, o impedimento de alterações ao orçamento e a instituição em concreto das regiões administrativas, entre outras, demonstram, ao contrário, uma sucessiva perda de competências das assembleias municipais na intervenção autárquica.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E vem agora o Partido Socialista propor o reforço dos mecanismos de acompanhamento e fiscalização das assembleias municipais, tendo em conta as alterações que propuseram ao sistema de governo municipal. A justificação é clara. Mas também é claro que o que está por trás desta proposta é a constituição de executivos formados por um só partido e de um presidente que escolhe os acólitos para o coadjuvarem no comando pessoal da vida municipal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Esta é que é a questão que afecta profundamente a vida democrática do poder local, com o afastamento dos eleitos de outras forças partidárias nos órgãos executivos como garantes que têm sido do funcionamento democrático e regular das instituições locais.
Por sua vez, segundo a proposta do Partido Socialista, é das assembleias municipais que emana o presidente da câmara e os vereadores. Estas não serão mais do que órgãos nascidos do mesmo berço e do mesmo voto dos cidadãos. Não sai, naturalmente, fortalecida a assembleia municipal assim constituída relativamente ao actual sistema, em que o cidadão é livre de escolher directamente não só o presidente de câmara mas também os vereadores e, em voto separado, os membros da assembleia municipal.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Há, actualmente, uma conexão estreita entre os cidadãos e a composição dos órgãos responsáveis pelo governo do município. E deixará de haver se a proposta do Partido Socialista sobre os executivos municipais monocolores for aprovada, conduzindo a um presidencialismo exacerbado nas autarquias de Portugal.
Todas estas alterações no seu conjunto virão provocar um ainda maior retrocesso na autonomia do poder local e um maior afastamento das populações na participação da vida pública.
A proposta do BE contém aspectos de reforço do papel das assembleias municipais que evidentemente acompanhamos, embora consideremos discutível a proposta de permitir a dissolução das câmaras e das juntas pela simples aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta dos membros da assembleia, uma vez que se poderá eventualmente transformar num foco de instabilidade a generalização desta atitude e nem sempre por razões pertinentes de defesa do interesse geral da população.

O Sr. Pedro Quartin Simão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quem perde são as populações, quem perde é o País.
Depois de abrir todos os caminhos para o precipício, procura agora o Partido Socialista que seja a assembleia municipal a tábua de salvação. É, na verdade, uma concepção frágil, ilude a segurança do sistema e conflui para uma estrutura de poder local vulnerável ao caciquismo, aos desvios dos interesses das populações, à sobreposição dos interesses individuais e de grupos e traduz-se, muito negativamente, na perda de uma das maiores riquezas que os portugueses possuem:…

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … a sua grande capacidade de mobilização e entusiasmo na intervenção e na afirmação dos seus valores de identidade e interesse nacional sempre que lhes seja proporcionada uma transparência do poder político na defesa do interesse público.
O reforço das assembleias municipais é um propósito que o Partido Comunista Português sempre defendeu e está na base do nosso projecto.
Acompanharemos, por isso, todas as propostas que vão nesse sentido, sem deixar de criticar o enorme desvirtuamento da democraticidade do poder local que pode ter lugar se o reforço do papel das assembleias municipais tiver como contrapartida negativa o fim da eleição directa das câmaras municipais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como disse há pouco, o debate que hoje travamos contrapõe, no essencial, duas visões sobre o exercício democrático do poder autárquico e duas visões sobre o controlo democrático desse exercício de poder. Portanto, é uma continuação de um debate que aqui se travou há três semanas, sobre a lei eleitoral autárquica.
Defendemos, então - e continuamos a defender hoje - que é necessário, num regime instituído em 1976, estabelecer um conjunto de reformas que possa qualificar a participação democrática no sentido de potenciar todo o tipo de participação dos cidadãos nos seus órgãos autárquicos, na sua política mais próxima e nos modelos de gestão que afectam as suas vidas.
Nesse sentido, apresentamos hoje um projecto de lei que contém três ideias centrais que nos parecem extremamente importantes.
A primeira é a de alargar a participação na elaboração do orçamento municipal e do orçamento da junta de freguesia, permitindo que sejam apresentadas propostas de alteração, até aqui vedadas, quer no orçamento quer nas grandes opções destes dois tipos de órgãos autárquicos. Ou seja, propomos que se possa, de alguma forma, potenciar e alimentar democraticamente novas opções na gestão autárquica.
A segunda ideia central é a de dar substância a uma concepção política, agora já inscrita na lei, que é a da moção de censura. Para nós, a moção de censura deve implicar claramente, quando votada na assembleia municipal e na assembleia de freguesia, uma nova forma de legitimidade dos executivos e conduzir a eleições. E estas moções de censura, tal como aqui, na Câmara magna da democracia representativa, devem ser votadas e ter as suas consequências políticas a partir de uma maioria simples. Como sempre aconteceu em democracia, por um voto se ganha, por um voto se perde.
A terceira ideia central prende-se com o modelo de controlo e de fiscalização das empresas municipais. Como referi há pouco, no ar dos tempos, assiste-se ao aparecimento desta forma de gestão, em diferentes patamares do Estado, em que se procura fugir, de alguma forma, às regras da Administração Pública e criar

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mecanismos mais flexíveis e, desse modo, fugir a regras de controlo público. A verdade é que, hoje em dia, a gestão autárquica e municipal está implicada nas empresas municipais e num conjunto de fundações que lidam e gerem aspectos centrais da vida municipal.
Nesse sentido, para responder a esse ar dos tempos, parece-nos fundamental permitir que as assembleias municipais tenham instrumentos de controlo e de fiscalização sobre como essa gestão é feita.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Acima de tudo, consideramos fundamental potenciar a participação das populações. Foi esse o sentido político que presidiu à nossa proposta.
Não nos vamos opor à escolha e à argumentação do Partido Socialista e, portanto, não votaremos contra a proposta do Partido Socialista, mas esperamos que o Partido Socialista esteja disposto a, em sede de especialidade, ouvir as contribuições dadas por diferentes grupos parlamentares para que o regime de gestão dos órgãos municipais não perca o seu carácter democrático e participado e que, pelo contrário, possamos todos contribuir para a qualidade da democracia em Portugal.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Albuquerque.

O Sr. Mário Albuquerque (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, os projectos de lei n.os 27, 66 e 76/X, respectivamente do Partido Socialista, do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda, que contemplam alterações à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, mais concretamente no que concerne ao regime de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias.
Trata-se, com efeito, de uma iniciativa legislativa que visa, fundamentalmente, dotar as assembleias municipais de um significativo acréscimo de poderes, de forma a que, conforme é sustentado, possam melhor exercer a sua função fiscalizadora.
O Partido Socialista pretenderá com as suas propostas, tal como, aliás, é referido no respectivo preâmbulo, complementar o seu projecto de lei n.º 28/X, reportado à Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.
As mudanças agora apresentadas, mais especificamente pelo Partido Socialista, serão a inevitável consequência da pretendida implementação de executivos municipais homogéneos, monocolores ou monopartidários, pelo que se vê, desta forma, coagido, em nome do consagrado estatuto da oposição, a reforçar substancialmente o quadro de atribuições e competências das assembleias municipais.
O PSD - partido de matriz profundamente reformista -, em nome do respeito e dignificação do poder local, há muito que vem sustentando a necessidade de se fazerem alguns importantes ajustamentos à respectiva legislação, conforme o demonstrou, mais uma vez, através da apresentação do projecto de lei n.º 5/X, recentemente discutido nesta Câmara, no sentido de que possam ser reformulados alguns procedimentos que, só por si, representam sérios entraves ao normal funcionamento dos respectivos órgãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto em abono da eficiência, eficácia e estabilidade dos executivos municipais e, por outro lado, da mais efectiva responsabilização dos eleitos, favorecendo, de igual modo, princípios de uma mais desejável transparência.
Já nos distantes anos de 1979, no seu contributo Uma Constituição para os Anos 80: contributo para um projecto de revisão, o Dr. Sá Carneiro abordou esta questão, defendendo a eleição directa da assembleia municipal e sustentando, inclusivamente, candidaturas independentes para além das que se encontravam legalmente consagradas.
Mais sustentava, no mesmo documento, o princípio da coerência política dos executivos responsáveis perante as assembleias municipais e por elas fiscalizadas.
Outros testemunhos do nosso empenhamento, reportados a este tema, poderíamos trazer hoje aqui, como seja, por exemplo, os contactos e consultas múltiplos que, de boa fé, vínhamos fazendo, em finais do ano transacto, com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, no sentido de se conseguir um texto final tão equilibrado e consensual quanto possível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para surpresa nossa, o Partido Socialista, sem quaisquer justificações, que nos seriam devidas, a que certamente não teria sido alheia a nova realidade política do País, acabou por se desligar unilateralmente deste processo e, inclusivamente, dos compromissos já assumidos, recordando-se que o consequente debate se encontrava agendado para o passado dia 20 de Dezembro, vésperas da dissolução da Assembleia da República.

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Avançou, deste modo, de forma isolada - diremos mesmo desgarrada -, quer através de iniciativas do Governo (caso da limitação de mandatos) quer por conta do respectivo Grupo Parlamentar (caso da lei eleitoral e das novas competências das assembleias municipais), fazendo tábua rasa dos entendimentos a que, nesta matéria, que exige maioria qualificada para aprovação, tinha chegado com o Partido Social Democrata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD, não obstante a sua permanente preocupação em valorizar e prestigiar as instituições do poder local, julga em consciência que não se deve ir tão longe quanto o pretendem muito particularmente o Partido Socialista pelas razões objectivas que se passam a especificar: porque defende, em domínio que se reputa de enorme sensibilidade, que estas alterações sejam tratadas de forma prudente, equilibrada e gradual; porque é possível garantir-se governabilidade, estabilidade, eficiência e eficácia dos executivos municipais, desde que lhes sejam garantidas maiorias sólidas, com a saudável representação dos partidos da oposição, tal como decorre, aliás, das propostas vertidas no nosso projecto de lei n.º5/X; porque também, deste modo, se encontra perfeitamente assegurado o estatuto e direitos da oposição; porque, desta forma, não existirão razões substantivas que justifiquem quaisquer alterações ao actual quadro de funcionamento das assembleias municipais.
Constituem estes argumentos de peso, no nosso ponto de vista, para colocarmos muito sérias reservas aos projectos hoje em debate. Projectos esses que, se fossem aprovados, poderiam acarretar sérias dificuldades e consequente instabilidade ao próprio funcionamento das assembleias municipais, porquanto o quadro daí resultante relevaria para uma impensável disponibilização dos deputados municipais, no contexto de uma quase profissionalização, como única forma de poderem dar resposta cabal e pronta a tantas e tão exigentes tarefas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seria, no nosso ponto de vista, também sustentado por alguma experiência acumulada no terreno, mais uma lei de difícil aplicação, porquanto distante e desconforme com a realidade, direi mesmo ao arrepio das condições de funcionamento, e também de financiamento, que normalmente caracterizam a vida dos citados órgãos, ou seja, das assembleias municipais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria bom que, a exemplo de tantos casos conhecidos, não se legislasse de forma precipitada e incoerente, pois quando assim acontece estamos, inevitavelmente, a questionar o próprio prestígio da Assembleia da República.
Não seria curial, nem lógico, e muito menos racional, confrontar, diariamente, os deputados municipais, todos eles em exercício de pleno voluntariado, sublinho, todos eles em exercício de pleno voluntariado, com matérias complexas, absorventes e de enorme responsabilidade, a exigirem longo e aturado estudo, como sejam, por exemplo: o envolvimento, com maiores exigências, em comissões especializadas; a participação efectiva em comissões eventuais de inquérito; a integração, com as inerentes responsabilidades, de uma comissão permanente; a apreciação, discussão e votação de moções de censura, com todo o melindre, e profundo conhecimento técnico e político envolventes; a alteração das propostas dos planos de actividades a apresentar pelas câmaras municipais - nem quero acreditar nesta proposta!; a promoção da perda de mandato dos órgãos municipais, com a óbvia subjectividade que envolve, conforme preconizado no texto dos projectos de lei em análise.
Tudo isto sem que tenha havido a preocupação mínima, como seria suposto e, neste contexto, de elementar imperativo, de mexer no Estatuto dos Eleitos Locais, regulado pela Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, mais concretamente no que se reporta ao seu artigo 10º, que preceitua o pagamento de senhas de presença aos deputados municipais.
Como se pode constatar, recomendam as realidades conhecidas, e o próprio passado de sucesso das nossas autarquias locais, que sejam profundamente ponderadas todas as alterações ora em discussão, pois de outro modo poderemos correr o risco sério de estarmos a contribuir para algo que, efectivamente, possa virar-se contra nós próprios e esteja, inclusivamente, distanciado dos verdadeiros interesses das populações que representamos.
Todavia, manifestamos, sem quaisquer reservas, a nossa pronta disponibilidade para darmos o nosso melhor contributo em sede de comissão especializada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Farmhouse.

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O Sr. Pedro Farmhouse (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Albuquerque, acabei de ouvir a sua intervenção e fiquei com algumas dúvidas. Estamos de acordo que é preciso reforçar a governabilidade dos executivos municipais, a discussão que tivemos nesta Casa há 15 dias. No preâmbulo do vosso projecto de lei, afirmavam que era preciso fazer o contraponto à homogeneização, neste caso à maioria absoluta dos vereadores de um só partido, fazendo o contraponto com a assembleia municipal.
No entanto, hoje, os senhores não apresentam qualquer proposta para reforçar os poderes da assembleia municipal em relação a esta matéria, sabendo que, tal como o Sr. Deputado afirmou, o PSD é um partido de matriz reformista, que também tem uma preocupação, que pensa ser partilhada por todos nós, de melhorar e aperfeiçoar o poder local.
Os senhores vieram aqui dizer que estão disponíveis em sede de comissão da especialidade para aprovar, mas não disseram o quê. Estão de acordo com a comissão permanente? Não estão. Estão ou não de acordo com as competências dos grupos municipais? Estão ou não de acordo com as comissões especializadas e com as comissões eventuais de inquérito? Essa matéria não está só dependente da composição dos executivos. É também um verdadeiro reforço dos poderes da assembleia municipal.
A questão que coloco a V. Ex.ª é a de saber se o PSD está ou não disponível para introduzir maiores poderes à assembleia municipal e quando estará disponível. É que tiveram tanta pressa em trazer a Plenário a questão de alteração da composição dos executivos e, neste caso, em relação ao reforço dos poderes da assembleia municipal, não tiveram tanta pressa.
É preciso lembrar que foram os senhores que, até por agendamento potestativo, trouxeram a esta Assembleia apenas a questão dos executivos. Nós fomos coerentes, trouxemos a nossa proposta de alteração de composição dos executivos, mas, complementarmente, trouxemos uma proposta de reforço dos poderes das assembleias municipais.
É importante credibilizar o poder local. É importante melhorar a qualidade do exercício das funções dos autarcas, e não é só das câmaras ou das assembleias municipais. A questão essencial - aí está a nossa divergência de fundo - é que o executivo é um órgão que executa, enquanto que um órgão deliberativo deve acompanhar e fiscalizar a actuação do órgão executivo. Nós não confundimos as questões.
Nesse sentido, entendemos que as funções de fiscalização competem à assembleia municipal, ao contrário dos senhores, que entendem que, no caso de uma câmara com 50 000 eleitores, compete a um vereador da oposição fazer a tal fiscalização do executivo camarário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A questão que se coloca é a de saber se os senhores estão ou não disponíveis para reforçar os poderes das assembleias municipais e dar reais condições de uma efectiva fiscalização da câmara municipal pelas assembleias municipais.
Essa é para nós uma questão central, porque se trata de uma questão de credibilização do exercício das funções dos autarcas, sejam eles vereadores, presidentes de câmara ou apenas membros das assembleias municipais, que, para nós, valem tanto como todos os outros.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Albuquerque.

O Sr. Mário Albuquerque (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Farmhouse, antes de mais, quero cumprimentá-lo e saudá-lo pela intervenção que fez, pois revela o seu empenhamento, tal como eu, em matéria que tem a ver o funcionamento das nossas autarquias locais. Acredito que a posição do seu partido e a nossa sejam bem intencionadas, embora tenhamos pontos de vista diferentes, o que é lógico e normal em democracia.
V. Ex.ª procurou colocar-me numa situação de alguma ambiguidade relativamente ao relatório que, em sede de Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, fiz ao projecto de lei que VV. Ex.as apresentaram. É bom que se diga que esse é um relatório factual e que tinha a ver com as propostas do Partido Socialista.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - Obviamente, limitei-me a dizer que era uma complementaridade do vosso projecto de lei anteriormente apresentado relativamente à alteração às leis eleitorais para os órgãos das autarquias.
De qualquer forma, tenho já uma larga experiência do funcionamento das assembleias municipais, além de ter sido presidente de câmara durante alguns anos. Só quem não anda nestas coisa é que terá alguma veleidade em pensar que será possível atribuir mais competências para além daquelas que já têm.
Sr. Deputado, é que depois as coisas não funcionam! Esta é que é a realidade. O senhor não vai aumentar as obrigações de um deputado municipal, que não ganha rigorosamente nada - porque isto, enfim, também

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se mede um pouco por isso -, e não vai procurar "parlamentarizar" a assembleia municipal quando não dá a mínima compensação aos deputados municipais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é possível!

O Orador: - É que, depois, as coisas não funcionam, as leis não se cumprem e a Assembleia da República é desprestigiada, como acabei de dizer na minha intervenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os senhores defendem, de facto, alterações ao actual quadro de competências da assembleia municipal, porque isso vem na sequência da vossa lei. Mas nós não temos necessidade de fazer isso, visto que a nossa lei contempla executivos sólidos e maioritários, mas com representatividade das forças da oposição, pelo que o estatuto da oposição está, desde logo, devidamente contemplado. Como tal, não temos necessidade de alterar o que quer que seja, Sr. Deputado.
De qualquer forma, respondendo ao repto que me lançou, estamos disponíveis para, em sede de comissão especializada, discutir de boa fé estas matérias, procurando encontrar os consensos possíveis e estando cientes de que teremos algumas divergências. Mas o Sr. Deputado sabe que as negociações são sempre assim, com avanços e recuos. Estou convencido, contudo, de que, se calhar, somos capazes de encontrar uma boa lei para as assembleias municipais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, darei a palavra ao Sr. Deputado Abel Baptista. Antes, porém, a Sr.ª Secretária vai dar-lhe conta de uma boa notícia.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a acta da eleição de um secretário da Mesa da Assembleia da República é do seguinte teor:

Aos dezanove dias do mês de Maio de dois mil e cinco, procedeu-se à eleição de um Secretário da Mesa da Assembleia da República, proposto pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, tendo sido apurado o seguinte resultado:
Votantes - 172
Candidato proposto: Abel Lima Baptista
Votos "sim" - 145
Votos brancos - 26
Votos nulos - 1
Face ao resultado obtido, declara-se eleito o candidato proposto.
Para constar se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores, Maria Ofélia Moleiro - Maria Celeste Correia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostava de o saudar de forma especial por ser esta a primeira vez que uso da palavra, não deixando de agradecer a todos os Deputados que tiveram a bondade de me eleger Secretário da Mesa. Espero não "furar" as expectativas que depositaram em mim.
Relativamente ao assunto em discussão, a alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, e os projectos de lei apresentados pelo Partido Socialista, pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda, creio que, no essencial, o que se pretendia (nomeadamente, com o projecto do Partido Socialista) era reforçar os poderes das assembleias municipais. Todavia, saudando o facto de essa matéria ter sido abordada e desejando esse mesmo reforço de poderes, verificamos, pela análise do conteúdo do projecto de lei, que as competências das autarquias locais, nomeadamente das assembleias municipais, saem muito pouco reforçadas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - Afirmo-o, porque, ao fim e ao cabo, este reforço acaba por se resumir à alteração de cinco alíneas do artigo 53.º da Lei. Por outro lado, no que se refere, por exemplo, à moção de censura à câmara municipal, estabelece-se uma norma que resulta na total ineficácia desta figura, visto que se exigem dois terços dos votos dos membros da assembleia municipal para poder aprovar uma tal moção. Ora, considerando o actual panorama político-partidário dos 308 municípios existentes no País, e tendo em conta as votações das oposições nesses municípios, concluímos que apenas em quatro seria possível aprovar uma moção de censura respeitando esta regra.

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Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Ou seja, pela forma como vem consagrada, esta norma torna-se inútil.
Por outro lado, diz-se que se pretende valorizar o papel dos grupos municipais, dotando-os de um conjunto de competências que, depois, verificamos que são "vazias" de conteúdo. Aliás, essas competências são as que já hoje existem e, assim sendo, não era necessário estarmos hoje a discutir novamente esta Lei.
Acresce a isto que, querendo alargar as competências das assembleias municipais, os senhores acabaram por alargar a composição da mesa das assembleias municipais e eu confesso que não vejo a utilidade deste alargamento. Na quase totalidade dos municípios, as assembleias municipais reúnem periodicamente com os grupos municipais, nomeadamente para fazer o agendamento das suas sessões e para discutir os pontos a agendar para essas sessões. Como tal, dizer que se consagra a representatividade dos vários grupos municipais na composição da mesa quando verificamos que nos municípios com menos de 50 000 eleitores se mantém a proporcionalidade actualmente existente, acaba por resultar na desnecessidade de estar a introduzir esta norma. Não vemos, portanto, a utilidade prática desta alteração.
Por outro lado, já foi aqui referido que os mandatos dos membros das assembleias municipais são exercidos em regime de voluntariado, o que para nós é muito bom e deve mesmo ser mantido, nomeadamente no que respeita à atribuição da pequena compensação que é a senha de presença. Diz-se, contudo, no relatório que acompanha um destes projectos de lei que estas alterações não implicam encargos financeiros, o que não corresponde inteiramente à verdade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - As alterações relativas aos membros das mesas das assembleias municipais e a existência de uma comissão permanente representam, obviamente, encargos financeiros. Tudo isto sendo certo que, de acordo com o quadro normativo actual, um terço dos deputados já pode requerer a convocatória de uma assembleia municipal, que poderá funcionar normalmente, sem ser necessária a existência de uma comissão permanente. Para mais, a existir esta comissão permanente, ela retirará poderes de fiscalização do âmbito global da assembleia municipal.
Sr. Presidente, no que respeita a esta matéria, o que o Partido Socialista pretende agora fazer parece-nos inoportuno face ao calendário actual de preparação de eleições autárquicas, momento em que nos parece ser conveniente a existência de uma certa estabilidade do quadro legislativo das competências e atribuições das autarquias locais. Não nos parece, portanto, que este seja o momento mais indicado para alterar este capítulo, para mais quando o que se propõe é muito limitado e sectorial, dando a ideia de que o que se pretende é criar mais um "retalho" para compor a "manta" mais tarde, sem saber, sequer, que "manta" será essa que nos vai cobrir!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Partido Ecologista "Os Verdes" considera que o reforço dos poderes das assembleias municipais é de extrema importância, como de extrema importância é que estes órgãos municipais sejam dotados de estruturas e mesmo de uma nova forma de organização de maneira a ganharem mais poderes de intervenção e de fiscalização.
O problema da proposta do Partido Socialista que nos é apresentada é que ela parte de um princípio do qual discordamos completamente, que é o fim das eleições directas do órgão câmara municipal - os cidadãos deixam de escolher directamente os membros deste órgão - e a composição das câmaras municipais, designadamente a vereação, passa a ser escolhida pelo respectivo presidente da câmara, tendo o Partido Socialista como objectivo último o da constituição dos executivos monocolores.
Na nossa perspectiva, esta proposta é extremamente negativa, designadamente para o aprofundamento que se quer da democracia portuguesa, neste caso concreto a nível autárquico, porque ela vem dotada de um impedimento de fiscalização concreta ao nível das assembleias municipais e da fragilização da transparência das acções e das medidas das câmaras municipais.
E isso mesmo é assumido pelo próprio Partido Socialista no seu projecto, quando, na "Exposição de motivos", refere justamente, no segundo parágrafo, que "Neste sentido, e no quadro da tendencial homogeneidade do executivo municipal…" - leia-se executivos monocolores! - "… proposta no mencionado projecto de alteração à lei eleitoral autárquica, impõe-se um reforço dos mecanismos de acompanhamento e fiscalização pela assembleia municipal." O Partido Socialista acaba por referir expressamente que, através da composição destes executivos, se perdem, de facto, poderes de fiscalização e perde-se na transparência dos actos e por isso compensa com o reforço de poderes para as assembleias municipais.

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Aquilo que entendemos é que, olhando para a vossa proposta, ela não é compensadora relativamente ao papel actual dos vereadores da oposição e dos próprios mecanismos que hoje detêm relativamente ao acompanhamento mais directo, regular e interventivo dos actos das câmaras municipais.
O PS assume, por outro lado, que só apresenta esta proposta de reforço dos poderes das assembleias municipais porque sugere também uma outra que tenderá à concretização dos executivos monocolores. Portanto, ela parte de um princípio com o qual discordamos profundamente e, nesse sentido, nunca poderemos votar favoravelmente este projecto do Partido Socialista.
Para além disso, considerámos que seria importante dar também uma resposta ao nível legislativo em relação a esta proposta do PS.
Nesse sentido, não estamos aqui a discuti-la hoje, na medida em que ela não está directamente conexa com as propostas que foram apresentadas hoje, porque ela não se relaciona directamente com os poderes das assembleias municipais. Mas, face à intenção do Partido Socialista, considerámos extremamente importante dotar também os próprios cidadãos de mais mecanismos de participação e, consequentemente, de fiscalização directa dos próprios órgãos executivos colegiais, designadamente ao nível municipal.
Por isso, apresentámos um projecto de lei que prevê que todas as reuniões das câmaras municipais sejam públicas e não exclusivamente aquelas que, hoje, a actual lei prevê, ou seja, uma vez por mês.
Por outro lado, prevemos quanto à publicitação dessas reuniões, (propomos que sejam todas públicas) que, para além da informação sobre o dia, a hora e o local da realização da reunião, obrigatoriamente se informe sobre a ordem de trabalhos que irá ser discutida nessa reunião das câmaras.
Propomos, ainda, que o período de intervenção do público, que necessariamente se faz nessas reuniões públicas (em todas, de acordo com a nossa proposta) seja feito antes da ordem do dia, por forma a que os munícipes possam pôr todas as questões que entendam e, inclusivamente, pronunciar-se sobre as propostas que vão ser apreciadas e votadas nas reuniões das câmaras municipais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é esta a resposta que também queremos dar para contribuir relativamente à sequência de propostas que tem sido apresentada ao nível da Assembleia da República, nesta Legislatura, sobre a composição dos órgãos municipais e dos seus poderes e competência.
No final desta intervenção, reforço que Os Verdes consideram que o Partido Socialista está a dar um grande contributo - extremamente preocupante, na nossa perspectiva! - para diminuir a fiscalização, para aumentar a falta de transparência ao nível dos órgãos autárquicos e, nesse sentido, está a contribuir, de uma forma extremamente preocupante, para o não aprofundamento da democracia a nível autárquico.
Fica aqui registada esta preocupação e este impedimento de, por discordância completa deste princípio, votarmos favoravelmente o projecto de lei do Partido Socialista.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, usufruindo de uma transferência de tempo por parte do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria dizer que sabemos bem o que estamos a fazer. A nossa luta é por uma democracia de qualidade e o sistema de governo municipal precisa de ser melhorado - é este o nosso propósito.
O Sr. Deputado Abílio Fernandes e as Sr.as Deputadas Ana Drago e Heloísa Apolónia falaram e, com um vago ar de artistas, trouxeram-nos um pouco uma "pintura" ao estilo tromp d'oeil, uma ilusão de óptica, porque, neste momento, há um deficit de fiscalização da actividade da câmara municipal.

Protestos do PCP e de Os Verdes.

É que os vereadores que estão na câmara municipal são entorpecidos na nossa acção e têm dificuldade em afirmar-se: ou são coniventes com a liderança da câmara e não são alternativa no futuro ou, então, são vereadores que estão sempre contra tudo e contra todos e são queimados politicamente por isso.

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Ora, o sistema actual cria grandes dificuldades a que haja fiscalização efectiva. O que temos de fazer é justamente esclarecer o sistema. O sistema está errado, é uma ilusão de óptica, temos de criar, no Parlamento, melhores condições para a existência de uma fiscalização efectiva e controlo da actividade da câmara.
Mas os senhores não disseram que havia um perigo democrático no funcionamento das nossas freguesias, nem sequer no do governo nacional. E nas freguesias o sistema que funciona é justamente semelhante àquele que propomos que funcione para os municípios. Portanto, há aí um grande erro.

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A assembleia municipal tem de ter novos poderes, que são os de colocar na sua dependência a constituição, a possibilidade de remodelação, que é muito importante. O presidente da câmara deve ter a possibilidade de remodelar, a certa altura, o seu executivo, e não ficar amarrado àquele executivo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - E os boys?!

O Orador: - A eleição directa de vereadores é um erro tremendo, que tem de ser emendado!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Os yes men!

O Orador: - O presidente tem também de sujeitar-se à censura da assembleia municipal.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Os homens do cartão!

O Orador: - E essa censura dá à assembleia municipal uma dimensão política, uma capacidade política e uma dignidade totalmente diferente daquela que tem hoje e que muito contribuirá para a qualificação da nossa democracia.
Por outro lado, temos a constituição de comissões permanentes que acompanham a actividade da câmara e que hoje não existem. Estas comissões são também muito importantes para que vários partidos que estão na assembleia municipal possam ter essa capacidade de controlar. Porque o que sucede hoje é que nem todos os partidos têm essa capacidade. Só aqueles que estão na câmara. Há muitos partidos que estão na assembleia municipal e não têm vereadores.
Na proposta do PSD, abaixo de 50 000 eleitores, só haveria um vereador da oposição. Teríamos de escolher de que partido seria ele. Qual o partido que poderia fazer a fiscalização? E os outros não poderiam?
Ora, nós melhoramos a assembleia municipal, dando mais poderes à assembleia municipal, e mexemos também na lei da tutela para que qualquer câmara que obste à transparência caia em dissolução.
Trata-se, portanto, de um grande esclarecimento, de um sistema com mais qualidade e de uma democracia mais esclarecida, com mais qualidade e mais limpa para termos mais transparência na administração local.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Ainda bem. Tanta asneira!

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, sublinhando que a existência de vereadores dentro do órgão executivo não contribui para a transparência do poder municipal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim dos trabalhos.
Amanhã não há sessão plenária devido às jornadas parlamentares do PCP, a cujos Deputados desejamos bom trabalho.
A próxima sessão plenária realiza-se quarta-feira, dia 25, às 15 horas, e será integralmente preenchida com o debate mensal com o Primeiro-Ministro.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António Ramos Preto
Horácio André Antunes
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos das Dores Zorrinho
Luís António Pita Ameixa
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão

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Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Susana de Fátima Carvalho Amador

Partido Social Democrata (PSD):
Agostinho Correia Branquinho
António Alfredo Delgado da Silva Preto
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Francisco José de Almeida Lopes

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Helena Maria Moura Pinto

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
José de Almeida Cesário
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Miguel Pais Antunes
Mário Henrique de Almeida Santos David
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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