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1274 | I Série - Número 031 | 17 de Junho de 2005

 

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É verdade, a morte não quer palavras. Antes o silêncio.
Para Eugénio de Andrade bastaria talvez devolver-lhe a última palavra, a que sobrevive ao lado do silêncio e dizer-lhe só o "Adeus" de Os Amantes sem Dinheiro.
Também nós "Já gastámos as palavras (…) / e o que nos ficou não chega / para afastar o frio de quatro paredes. / gastámos tudo menos o silêncio".
Impossível dizer mais, imperdoável escrever mais para o poeta a quem bastavam "três ou quatro sílabas de cal viva junto à água" para ser Poesia e ser Poética.
Eugénio de Andrade, o poeta da claridade, da leveza e da música, deixa uma vasta obra. A poesia está toda aí: dos clássicos e madrigais a Shelley, Keats ou Rilke, na marca depurada e singular de Eugénio de Andrade.
Mas há sempre um livro de onde tudo parte e ao qual é obrigatório voltar. No caso de Eugénio de Andrade, esse livro é As Mãos e os Frutos.
Eduardo Lourenço disse-o: "Com As Mãos e os Frutos nasceu uma poesia diferente".
E Jorge de Sena confirma-o: "As Mãos e os Frutos é o primeiro na lista da sua obra poética.
Escrita por um homem na força da sua juventude, no momento raro em que a adolescência não murchou de amarga, nem a maturidade já se fez de triste. Versos musicais, fluidos, firmes, a que a rima dá por vezes a marcação da dança, uma poesia do ser e do amar, entre a carne e o espírito."
Que não me levem a mal os nascidos no Fundão, mais propriamente na Póvoa da Atalaia, terra natal do poeta, ou os da sua cidade de acolhimento, A Cidade de Garrett, sobre a qual Eugénio de Andrade, considerando-se embora um homem do Sul, dizia: "Só esta cidade, o Alentejo e o Douro têm ainda carácter".
Que não me levem a mal por me situar em Coimbra, cidade onde escreveu As Mãos e os Frutos, ponto de encontro com os amigos Miguel Torga, Joaquim Namorado (com quem tinha lições de Matemática três vezes por semana), Carlos de Oliveira, a quem depois pediria: "Lá onde estás chegaste antes de mim / O sítio deve ser mais asseado: / Guarda-me lugar perto de ti", mas também com Eduardo Lourenço e Vitorino Nemésio, para quem escreve um afectuoso lamento: "Ninguém te lê os versos, tão admiráveis alguns, e a prosa não tem muitos leitores, embora todos reconheçam, mesmo os que nunca te leram, que é magnífica".
Seria em Coimbra, na cidade "tão provinciana", como lhe chamava, que na igreja de Santiago sentiria a paixão de D. Pedro e chama a si a divisa do rei - Désir:
"Eu não tenho nada. / Amei o desejo / Com o corpo todo."
Em Coimbra, para onde, no dizer do poeta, a guerra o empurrou, viveu Eugénio de Andrade, na Casa das Lapas: "Alcandorada sobre um abismo surpreendente de mágica e de cujos terraços se domina todo o fértil e risonho Vale do Ceira."
É lá também que Torga o leva ao Parque, para lhe mostrar a canforeira, e aí, atravessando o canteiro, foi colher uma flor para lhe dar: "Foi por essa flor que comecei a querer-lhe bem."
Em todos os lugares o poeta buscava um jardim, as araucárias, os jacarandás ou, como no Porto, "a musicalidade dentro dos seus jardins murados." Merecia ter ficado num jardim. Por isso, fica a promessa: quando voltar a Coimbra, irei à canforeira e hei-de provar os frutos da cerejeira da Casa das Lapas.
Em nota à 2.ª edição de Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, Eugénio de Andrade escreveu: "Santo Agostinho afirmou que a beleza é o esplendor da verdade. Gostaria que, onde o Santo escreveu beleza, se lesse poesia."
Em Eugénio de Andrade a poesia é toda a beleza e toda a luz. A luz que ele gostaria de levar nos olhos quando morresse: "a luz do mar da Foz, atravessada por duas gaivotas."
É por isso que hoje estamos de luto pela poesia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Eugénio de Andrade continuará a falar através das palavras que deixou escritas na sua vasta obra literária. Escritas depois de criteriosamente escolhidas, a expressar mensagens claras com uma bela simplicidade. A dizer a todos e a chegar a todos. Deixa uma obra de respeito e diversas publicações traduzidas em várias línguas. Um poeta que encontrou na relação com os elementos naturais e também na natureza humana uma fonte inesgotável de amor, de alegria e de música, traduzindo-as na sua poesia, eivada de sensibilidade e de simplicidade, tal como o que de mais natural há.
Foi um homem que dispensou a projecção pública, tendo aparecido raras vezes em público, devido, como disse, "a essa debilidade do coração que é a amizade". Contudo, a sua projecção pública é inerente à genialidade da sua produção artística, reconhecida com diversos e prestigiantes prémios nacionais e internacionais, aos quais nunca concorreu. Uma obra desta envergadura não se guarda, vive-se! E nisso o nosso sistema de ensino tem uma responsabilidade grande, a de fazer viver essa obra: "Estou contente, não devo nada à vida, / e a vida deve-me apenas / dez réis de mel coado. / Estamos quites, assim / o corpo já pode descansar". Já descansa.
À família de Eugénio de Andrade, o Partido Ecologista "Os Verdes" manifesta sentidas condolências.

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