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1279 | I Série - Número 031 | 17 de Junho de 2005

 

Recusou sempre, mesmo nos momentos mais difíceis e nas derrotas mais duras, o fatalismo e o determinismo do fim da história.
No quadro do grande colectivo que desde sempre e para toda a vida abraçou, que a sua inteligência, coragem política, ideológica, moral e física ajudou a erguer, o meu camarada Álvaro Cunhal deu uma contribuição de alcance histórico à luta do povo português no derrube da ditadura fascista e o seu nome ficará para sempre ligado à Revolução Portuguesa do 25 de Abril.
A sua força resultava de convicções inabaláveis. Incapazes de o matarem fisicamente os servidores repressivos do fascismo tentaram vencê-lo pela destruição psíquica e intelectual, isolando-o do mundo, da família e dos seus camaradas durante anos e anos seguidos de prisão! Mas ele não só resistiu como voltou sempre ao combate.
A sua determinação revolucionária, a firmeza na defesa dos princípios, a dureza de tantos combates não deixaram muitas vezes que se revelasse a sua dimensão humanista para com os mais fracos, os mais pobres e explorados e particularmente para com as crianças para quem o seu afecto tocante surpreendia na aparente contradição com a sua tenacidade e determinação.
Um dia, durante a visita ao nosso país de um Secretário-Geral de um Partido Comunista da América Latina, exilado por força da implantação de uma ditadura no seu país, um encontro com o então primeiro-ministro Mário Soares, no Salão Nobre da Assembleia, prolongou-se excessivamente, impedindo um convívio com crianças e jovens que o aguardavam aqui um pouco mais acima, na Calçada da Estrela.
Nas conversações finais, Álvaro Cunhal, depois da saudação fraterna ao camarada e ao seu partido e ao seu povo, disse-lhe que um dirigente comunista que troca mais meia hora de encontro institucional por um encontro fraterno com crianças e jovens que o esperavam subestimava a dimensão humanista de um dirigente revolucionário…
As suas criatividade e obra artística revelavam a grandeza da sua alma, manifestada tantas vezes num livro, num desenho feito na prisão ou num intervalo de uma reunião, comprovativo também da frase que um dia pronunciou da inexistência de zonas brancas na sua vida.
Se não dava tréguas aos adversários no combate político e ideológico, tinha sempre por eles o respeito devido. Nunca teve sequer um sentimento de ódio ou de ajuste de contas para com aqueles que, inclusive, o brutalizaram, o torturavam ou o ofenderam na sua dignidade.
A marca da superior dimensão política, ideológica, intelectual e humana do camarada Álvaro Cunhal ficou impressivamente gravada neste partido, que é o nosso, neste colectivo partidário firme nos seus ideais e nos seus princípios; neste colectivo partidário fraterno e solidário, unido num imenso abraço de camaradagem e amizade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguns, procurando datar a sua obra e as suas ideias tão-só até ao tempo em que nos deixou, subestimam uma das (suas) lições e ensinamentos mais importantes da sua concepção comunista. Afirmava Álvaro Cunhal que a chave do segredo da longevidade e do futuro do nosso partido e do seu projecto, para além do mérito e da valiosa contribuição de tal ou tal militante, de tal ou tal dirigente, residirá sempre e fundamentalmente na capacidade colectiva, na unidade e coesão e no generoso empenhamento e capacidade de nos ligarmos aos trabalhadores e ao povo, de viver os seus problemas e aspirações, de agir e lutar pela sua resolução e realização e de partir sempre da nossa luta nacional para desenvolver a nossa solidariedade também no plano internacional.
Quem esteve ou quem viu ontem aquela incontável manifestação de homenagem ao camarada Álvaro Cunhal sentiu a nossa dor, o nosso sentimento de perda, mas também um sentimento de confiança.
O que de melhor tem o ser humano transbordou à escala de uma imensa multidão que reconhece valores, coerência e verticalidade e que não desiste de acreditar num País e num mundo melhor, mais justo e democrático e que, tal como a vida, a luta continua.

O S. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, quero também expressar novamente as minhas condolências ao Grupo Parlamentar do PCP neste momento em que rendemos uma homenagem formal do Parlamento português àquele que, abraçando uma causa, foi um exemplo na firmeza das suas convicções e na capacidade, ao limite do sacrifício, por uma batalha política, com abnegação e com capacidade para enfrentar a rudeza da vida clandestina, o resultado imprevisível da fuga da prisão, o sofrimento, o isolamento, o exílio, a tortura e as várias formas insidiosas de humilhação ritual da ditadura. Ditadura de que ele foi um dos mais tenazes e consequentes adversários e um dos mais valorosos artífices do seu fim.
Por isso, no dia de ontem e de anteontem, assistimos da parte de todas as forças políticas, o que é extremamente louvável, e da parte dos órgãos do Estado democrático a uma homenagem em sua memória. Uma homenagem ao político português que brilhou bem alto na constelação e no firmamento europeu e mundial da sua própria família política, o que, naturalmente, é também um motivo de orgulho para o nosso país.
O seu funeral foi uma grande expressão cívica. Expressão cívica dos seus militantes, dos seus apoiantes e dos comunistas portugueses, para quem, em anos anteriores, quando o nosso país era um país atrasado e sem democracia, ele foi mais do que um referencial de esperança. Mas, na dura confrontação das desigualdades sociais, soube também ser para muitos milhares de portugueses um referencial de dignidade.

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