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1272 | I Série - Número 031 | 17 de Junho de 2005

 

Tornou-se num homem culto, sensível, modesto, asceta, avesso à mediocridade, amante do sol e do sul que encontrou nas sombras graníticas e chuvosas do Norte o porto de abrigo, que o acolheria como seu durante longos 55 anos da sua vida.
Habitando em frente ao mar imenso da Foz e do imaginário nacional, o poeta da terra sonhava porventura com a sua casinha natal da Beira Baixa e com o mar das searas de trigo a perder de vista!
No Porto, sem parar, ouve música, cultiva amizades, escreve poesia! 'Faço aquilo de que realmente gosto', diz um dia o poeta, um dos maiores da língua pátria!
Aparece raramente em público, mantém ciosamente a sua independência, a sua distância do poder, dos microfones, do 'falar por falar', nas suas sóbrias palavras!
Morreu um português de lei, um cidadão exemplar, um profeta dos nossos dias, um poeta sensível e sensato que um dia escreveu:
'No prato da balança um verso basta / Para pesar no outro a minha vida!'
Fuit vir bonus, diriam os latinos! Foi um homem bom!
O seu honrado nome foi - e será - objecto de profundo respeito e de justa veneração.
Como portugueses e como Deputados, curvemo-nos perante a perda do homem de bem e prestemos a sentida homenagem desta Câmara ao poeta maior que ficará connosco para sempre!"
Tem a palavra o Sr. Deputado José Amaral Lopes.

O Sr. José Amaral Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tendo consciência da distância que me separa, mas procurando aproximar-me, de quem homenageamos hoje, recorro, por isso, a quem é muito maior do que eu, começando por citar Goethe: "Como o artista deve procurar erguer-se acima da sua personalidade, deve procurar levantar-se fora da sua época." Lembrando que, como pessoa, retomamos a consciência de que a poesia é o lugar privilegiado para as pulsões que emanam da condição humana mais pungente.
Citando Maria Alzira Seixo: "Eugénio tem a faculdade de articular o circunstancial com o absoluto, de perceber num ambiente concreto a voz de comunicação que o levará à inscrição poética, à transfiguração modelar, numa expressão límpida e pura muito própria."
Lembremos Eugénio de Andrade como o poeta que, de forma harmoniosa, soube conciliar valores estéticos e éticos, através da articulação do verso com que a palavra nos premeia na demanda incessante de harmonia, de absoluto, e que permanecerá na nossa memória através da sua obra, que será eterna.
Com Eugénio de Andrade, o espiritual e o material persistem no desencontro a que Cervantes deu voz e que Almeida Garrett soube compreender para continuar a exprimir a dialéctica da intemporalidade humana.
A morte de Eugénio de Andrade constitui para nós apenas a perda da pessoa. Ele permanecerá vivo e estará presente sempre que for lido.
Eugénio de Andrade - e perdoem-me o cliché - é um dos que "da lei da morte se libertou".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para Eugénio de Andrade a poesia era um ofício - um ofício de paciência, de austeridade, de sobriedade -, uma escultura permanente, mas também experimentação.
Do outro lado, a poesia era exaltação, libertação dos sentidos, libertação do desejo, libertação do corpo. E Eugénio de Andrade lutou, pelas palavras e pela sua acção cívica, contra todas as formas de repressão, mesmo aquelas e principalmente aquelas que se inscrevem no corpo.
Fez do Porto a sua terra de acolhimento e deixou entrar na sua poesia a experiência anódina do quotidiano: o granito da cidade, a luz da Foz, os gatos, os jardins, a experiência das pessoas simples com quem contactava.
Óscar Lopes cedo pressentiu o que era a sua poesia: poesia/música. E Eugénio de Andrade está agora no limiar do silêncio - matéria solar, essa outra música.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente: "(…) A poesia de Eugénio de Andrade sabe-nos à vitória, passo a passo, da plenitude e da esperança. Vitória conseguida de modo conscientemente precário sobre todo o negativo, mas conseguida (…)" - assim escreveu sobre Eugénio de Andrade e a sua obra Óscar Lopes, um dos seus maiores estudiosos.
Cantor do corpo, das exaltações do desejo e das suas sombras, Eugénio de Andrade sustentou a sua escrita num complexo de audaciosas imagens ligadas ao corpo, à terra e aos seus frutos, à luz, às aves e aos barcos, à água e ao lume, ao ar e aos rumores do mundo… Imagens que acabaram por o impor também como um poeta dos elementos, capaz de apreender como poucos a secreta música da terra. E que, por certo, moldaram a inegável fortuna que a sua poesia conheceu mesmo junto de públicos não especializados, onde tornou, por certo, possível um certo reencontro com a escrita poética dos nossos dias.

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