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Quinta-feira, 20 de Outubro de 2005 I Série - Número 56 (*)

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006) (*)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE OUTUBRO DE 2005

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Fernando Santos Pereira

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 40/X, do projecto de lei n.º 175/X, das apreciações parlamentares n.os 7 a 9/X, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Afonso Candal (PS) congratulou-se pela apresentação da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2006, no cumprimento dos compromissos políticos do Governo e do PS. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Diogo Feio (CDS-PP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Frasquilho (PSD) teceu críticas à política económica traçada pelo Governo na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2006, designadamente quanto às finanças públicas e investimentos, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Afonso Candal (PS) e Diogo Feio (CDS-PP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) condenou as opções políticas subjacentes à proposta de lei do Orçamento do Estado para 2006.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Agostinho Lopes (PCP) criticou a Estratégia Nacional para a Energia, aprovada em Conselho de Ministros, e a continuação da privatização de empresas nacionais do sector.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) insurgiu-se contra a intenção anunciada pelo Primeiro-Ministro de avançar com a co-incineração de resíduos industriais perigosos nas cimenteiras da Cimpor em Souselas e da Secil no Outão. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Eduardo Martins (PSD), Nuno Magalhães (CDS-PP), Mariana Aiveca (BE), Mota Andrade (PS) e Bernardino Soares (PCP).

Ordem do dia.- Foram aprovados dois pareceres da Comissão de Ética relativos à substituição e à renúncia de Deputados do PSD e à substituição de um outro do PCP.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 34/X - Aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que estabelece um regime especial de actualização das rendas antigas, e procede à alteração do Código Civil, do Código de Processo Civil, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis e do Código do Registo Predial, e do projecto de lei n.º 174/X - Regime jurídico

(*) Artigo 174.º n.º 1 da CRP, Artigo 47.º n.º 1 do RAR e Artigo 171.º n.os 1 e 2 da CRP.

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do arrendamento urbano para habitação (BE). Pronunciaram-se, a diverso título, além dos Srs. Ministro de Estado e da Administração Interna (António Costa) e Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local (Eduardo Cabrita), os Srs. Deputados Hortense Martins (PS), José Luís Arnaut (PSD), Alda Macedo (BE), Odete Santos (PCP), António Carlos Monteiro (CDS-PP), Rosário Cardoso Águas (PSD), Ramos Preto (PS), José Luís Ferreira (Os Verdes) e Cláudia Couto Vieira (PS).
Foi também apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 89/X - Estabelece o imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas (BE), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Diogo Feio (CDS-PP), Patinha Antão (PSD), Maximiano Martins (PS), Honório Novo (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Procedeu-se à apreciação do Decreto-Lei n.º 129/2005, de 11 de Agosto, que altera o Decreto-Lei n.º 118/92, de 25 de Junho, que estabelece o regime de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos [apreciações parlamentares n.os 2/X (CDS-PP), 3/X (PCP) e 4/X (PSD)], tendo intervindo, além do Sr. Secretário de Estado da Saúde (Francisco Ramos), os Srs. Deputados Teresa Caeiro (CDS-PP) Bernardino Soares (PCP), Carlos Miranda (PSD), Manuel Pizarro (PS) e Ana Drago (BE).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elísio da Costa Amorim
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Luís Pereira Carneiro
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Júlio Francisco Miranda Calha
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Garcia Braga da Cruz
Luís Manuel de Carvalho Carito
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva

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Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosalina Maria Barbosa Martins
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão

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Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Irene Martins Baptista Silva
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
António de Magalhães Pires de Lima
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães

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Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai ter a bondade de proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 40/X - Orçamento do Estado para 2006, que baixou à 5.ª Comissão; projecto de lei n.º 175/X - Estabelece novas regras para as provas de agregação na carreira académica (PSD), que baixou à 8.ª Comissão; apreciações parlamentares n.os 7/X - Decreto-Lei n.º 157/2005, de 20 de Setembro, que altera o regime da aposentação e pré-aposentação do pessoal com funções policiais da PSP" (PCP), 8/X - Decreto-Lei n.º 158/2005, de 20 de Setembro, que aprova o regime jurídico de assistência na doença da GNR e PSP (PCP) e 9/X - Decreto-Lei n.º 159/2005, de 20 de Setembro, que altera o Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, que aprova o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, modificando o regime da passagem à reserva e à reforma dos militares da GNR (PCP).
Foram também apresentados na Mesa diversos requerimentos.
No dia 11 e na reunião plenária de 12 de Outubro - ao Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, formulados pelos Srs. Deputados Paulo Portas, José Luís Ferreira e Ricardo Martins; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Hermínio Loureiro; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, da Economia e da Inovação, das Finanças e da Administração Pública e do Trabalho e da Solidariedade Social, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; ao Ministério da Educação, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Entretanto, o Governo respondeu, no dia 12 de Outubro, a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Honório Novo e Nuno Magalhães, Manuel Maria Carrilho, Leonor Coutinho, Telmo Correia, Miguel Tiago, Heloísa Apolónia, Miguel Laranjeiro e Luísa Mesquita, Alda Macedo, Odete Santos, José Soeiro, Jorge Machado.
Foram ainda respondidos, no dia 12 de Outubro, requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados José Luís Ferreira e João Rebelo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período de declarações políticas, sendo que o primeiro inscrito é o Sr. Deputado Afonso Candal.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na passada segunda-feira, entregou o Governo, nesta Casa, o Orçamento do Estado para o ano de 2006. É um orçamento credível, porque assenta num cenário macroeconómico realista, com um crescimento moderado do PIB, abaixo das previsões de outras entidades credíveis, uma inflação nos 2,3% e um preço médio anual do barril de petróleo estimado 30% acima daquele que estava estimado no Programa de Estabilidade e Crescimento.
É, igualmente, um orçamento de verdade, porque não apresenta recurso a expedientes com o objectivo de mascarar a real situação das finanças nacionais. Elimina a suborçamentação, em especial numa área central da prestação do serviço público e de enorme relevância social, como é a saúde.
Assim, em matéria de financiamento do Serviço Nacional de Saúde, este Orçamento é aquilo que podemos designar como um verdadeiro "dois em um", isto é, tem o Orçamento-base e o Orçamento rectificativo logo no início. Assim, o Serviço Nacional de Saúde vê aumentada a sua dotação para 2006, face ao Orçamento inicial de 2005, em 31%.

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São, igualmente, salvaguardados os compromissos políticos do Governo e do PS, no que respeita, por exemplo, ao ensino do Inglês no 1.º ciclo do ensino básico, bem como à garantia do rendimento mínimo de 300 euros mensais para os nossos concidadãos mais desfavorecidos, numa primeira fase apenas para os que tiverem mais de 80 anos mas a continuar este esforço no futuro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não obstante as medidas antes descritas, é um orçamento de consolidação, porque, aumentando algumas despesas fundamentais para o Estado social, que todos queremos preservar, contém drasticamente a despesa, sem olhar a cortes cegos indiscriminados e arbitrários ou generalizar elevadas taxas de cativação a todas as despesas e sectores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Representa uma forte aposta em promessas antigas mas nunca antes realizadas, como seja uma nova política de gestão de recursos humanos, uma nova política de gestão do património do Estado e um processo acelerado de auditorias em todas as áreas governamentais, que virá a inspirar uma profunda reestruturação nos serviços públicos, por forma a melhorar os serviços prestados e a racionalizar os gastos.

Aplausos do PS.

Este é um orçamento que serve os portugueses de múltiplas outras formas, desde a criação do balcão único dos serviços públicos à concretização do cartão único do cidadão ou à implementação do documento único automóvel, passando por medidas igualmente inovadoras, como seja a introdução de critérios ambientais no cálculo do imposto automóvel ou o fim do sigilo fiscal, que permita a divulgação pública dos contribuintes em dívida para com todos nós.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Muito bem!

O Orador: - É um orçamento que busca igualmente a transparência e a justiça social, apresentando passos importantes e determinados no sentido da aproximação dos regimes de protecção social ou de assistência na doença, bem como no campo da simplificação e harmonização fiscais.
Nele se inclui, de forma explícita, a preocupação da sustentabilidade dos regimes de protecção social, situação bem evidente no aumento significativo das transferências para a segurança social.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que enumere ainda outras medidas relevantes constantes da proposta do Governo.
Em matéria fiscal: a tributação, em sede de IRC, das empresas que se deslocalizem - antiga aspiração de muitas e muitas forças políticas nacionais,…

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Esqueceram-se!

O Orador: - … em especial do Partido Socialista;…

Aplausos do PS.

… a objectivação do quadro legal que permita uma realista imputação de proveitos à zona franca da Madeira para as empresas que aí operem; o reforço do combate à evasão e fraude fiscais, com a definição de um quadro ímpar de controlo dos sistemas informáticos de apoio à facturação das empresas; uma atenção muito especial à operação de empresas que declaram a cessação de actividade, continuando, no entanto, a operar, distorcendo, desta forma, a verdade da concorrência e incumprindo as suas obrigações em matéria fiscal e de contribuições para a segurança social;…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … o aumento da eficiência fiscal, resultante de um reforço de meios humanos de fiscalização, bem como de novas políticas de coordenação e cooperação entre diversas entidades, como sejam a administração fiscal, a segurança social, a Brigada Fiscal ou os próprios serviços de alfândegas.

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O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Merece ainda destaque, neste capítulo, o reaparecimento dos benefícios fiscais para os PPR, numa lógica, no entanto, substancialmente diferente da existente no passado,…

O Sr. Mota Andrade (PS): - Muito bem!

O Orador: - … a democratização no acesso a este instrumento de poupança e não a sua reserva aos nossos concidadãos com mais abastados recursos financeiros, como sucede no presente, e um direccionar do uso destas poupanças à saída, em que se discrimina quem delas beneficie sob a forma de renda, e, assim, como complemento à sua reforma, em desfavor de quem faça o resgate integral do capital acumulado.
Finalmente, as alterações à tributação das pensões. A verdade é que a tributação das pensões já hoje existe, o que também existe é uma discriminação pouco explicável entre a forma de tributação destes rendimentos e a forma de tributação dos rendimentos do trabalho e, por isso, se propõe, desde logo, uma aproximação da dedução específica entre estes dois segmentos.
Por que razão um trabalhador no activo que tenha um rendimento anual de cerca de 10 000 euros é tributado em mais de 500 euros, enquanto um pensionista com o mesmo rendimento nada paga? A verdade é que apenas três países nos acompanham nesta disparidade de tratamento - Chipre, Luxemburgo e Malta -, porque o grosso dos nossos parceiros europeus trata de igual forma estes dois tipos de rendimento, como, aliás, se pode ver no relatório do Orçamento do Estado.
Há ainda uma alteração significativa para pensões com valor superior a 40 000 euros - em moeda antiga, cerca de 600 contos/mês -, na medida em que passam a perder progressivamente o direito à dedução específica, que existe principalmente para favorecer os rendimentos mais baixos.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - É assim a busca da harmonização e do aumento da progressividade, também em sede fiscal.
Estas serão questões a aprofundar durante o debate já iniciado e que se vai desenvolver - chamo a atenção - em paralelo com a discussão do estudo realizado sobre a sustentabilidade da segurança social, cujos primeiros dados apontam, optimisticamente, segundo alguns, para um aparecimento e agravamento de défices anuais já a partir do ano de 2015.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Perante isto, Sr.as e Srs. Deputados, na plena assunção das nossas responsabilidades para com os portugueses, discutamos, questionemos e apresentemos as nossas propostas. Esta será uma tarefa de todos: do Governo e do grupo parlamentar que o suporta mas também das oposições.

Aplausos do PS.

Das oposições que, construtivamente, consideram esta proposta globalmente positiva mas também daquelas que insistem em não querer ver a realidade e caminham demagógica e populistamente para uma situação de muito difícil recuperação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Candal, V. Ex.ª, neste preciso momento, teve de cumprir uma tarefa difícil:…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito difícil!

O Orador: - … apresentar um orçamento que é tipicamente socialista,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … um pouco na tradição daqueles que o Partido Socialista, em várias alturas, aqui apresentou, como se não o fosse.
Sr. Deputado, desde logo, há uma questão que nos divide e sobre a qual gostaria de ouvir a sua opinião.

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Sendo aceitável e importante o objectivo da consolidação orçamental - sejam bem-vindos também a esse objectivo,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … que esta bancada, durante tantos anos, aqui foi afirmando -, não considera que ela se deve fazer essencialmente pelo lado da despesa e não da receita? É que, Sr. Deputado, sejamos muito claros: tudo o que for para consolidar as nossas finanças públicas pelo lado da despesa terá o apoio da bancada do CDS,…

O Sr. Mota Andrade (PS): - Não parece!

O Orador: - … desde que seja explicado e quantificado, pois, em relação a esta matéria, não passamos cheques em branco.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas aquilo que vemos neste Orçamento é que a consolidação orçamental, em dois terços, é feita pelo lado da receita. Este é o Orçamento que personifica o aumento de impostos: o IVA, o imposto sobre os produtos petrolíferos, o imposto sobre o tabaco, onde, claramente, e com grande probabilidade, aquilo que se vai aumentar é o contrabando do produto em causa.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, considera justo que se continue a aumentar a carga fiscal dos portugueses? O vosso caminho é este? Têm uma maioria estável, como se tem dito; o vosso caminho será o de continuar a aumentar a carga fiscal dos portugueses? É assim que querem atingir o objectivo dos 3% em 2008?

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É que, se é assim, estamos perante uma situação politicamente grave.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Os senhores, a nível de receitas, tomam opções erradas em relação aos pensionistas. Ainda hoje apareceram estudos segundo os quais um pensionista que receba 15 000 euros por ano, com a vossa política, vai ver a sua situação tributária agravada em mais de 40%.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E estamos a falar dos pensionistas mais necessitados! Assim o dizem, desde logo, as auditoras que hoje apresentaram os seus estudos na comunicação social e que, com certeza, o Sr. Deputado viu.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - É a política social "à socialista"!

O Orador: - Mas parece que temos também uma política contrária à simplificação fiscal. É que se terminou com um benefício fiscal como aquele que tinha a ver com os PPR - que até Agosto deste ano subiram 70% em relação ao ano anterior - e o Partido Socialista vem repor esse benefício. Mas porquê se, sem o benefício, a corrida aos planos poupança-reforma ainda aumentou?!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Exacto! Muito bem!

O Orador: - Qual é o objectivo político dos senhores?!
Felizmente, Sr. Deputado, vamos ter variadíssimas oportunidades para debater o Orçamento, mas hoje já parece claro que este é, fundamentalmente, um orçamento de oportunidade perdida e, por isso mesmo, o CDS contra está ele.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

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O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, sobre a questão da despesa e da receita e sobre as discordâncias em face deste Orçamento, ficamos a aguardar com alguma expectativa as propostas do CDS-PP no sentido de descer a despesa, nomeadamente onde ela sobe, seja no Serviço Nacional de Saúde, nas transferências para a segurança social, nos 300 euros mensais para os idosos com mais de 80 anos, no ensino do Inglês e noutras medidas, que são a concretização de promessas eleitorais.

Aplausos do PS.

Aguardamos essas propostas.
Sobre a questão dos planos de poupança reforma (PPR), compreendo bem a posição do CDS-PP. Mas, enfim, os vossos representados são certamente diferentes dos representados do Partido Socialista. Os planos de poupança reforma não foram feitos para funcionarem como um depósito a prazo com beneficio fiscal, ou seja, não servem para as pessoas que têm disponibilidade, mesmo não havendo o benefício à entrada, colocarem lá o dinheiro e, passados alguns anos, quando o retiram integralmente, obtêm aí o benefício fiscal. O objectivo dos PPR é o de estimular a poupança para, mais tarde, sob a forma de usufruto de rendas, poder haver um complemento à reforma.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É isto que está a ser feito, repondo o benefício à entrada e estimulando a renda à saída.

Aplausos do PS.

Sobre a questão da tributação dos pensionistas, Sr. Deputado Diogo Feio, quero dizer-lhe que é algo que já existe hoje. Porém, existe também uma dedução específica ao rendimento do trabalho de 3200 euros e uma dedução específica ao rendimento de pensões de 8200 euros. Ora, esta disparidade não se justifica. Por isso, foi dado o primeiro passo para a aproximação.
Mas digo-lhe mais: sei que a questão é complexa, mas isso não justifica alguma leviandade na análise da mesma. Há correcções muito significativas e, ao contrário do que é dito, num quadro, admitamos, de actualização dos valores das pensões em dois pontos percentuais, o escalão de rendimento que passa a ter rendimento disponível inferior está acima dos 44 000 euros anuais. São 44 000 euros de matéria tributável, já depois de deduzidas, nomeadamente, todas as despesas de saúde, etc. Portanto, a diminuição do rendimento disponível atinge principalmente os mais altos rendimentos de pensões, acima dos 44 000 euros anuais.
Assim, Sr. Deputado, esta é uma medida de justiça, porque estimula a progressividade. E vou-lhe dizer por que é que agrava esses escalões. Hoje, até ao valor tributável de 80 000 euros/ano, os cidadãos continuam a usufruir da dedução específica de estarem isentos do pagamento de impostos em 8000 euros. E essa dedução específica existe para ajudar aqueles que menos rendimentos têm. O que é proposto neste Orçamento é que essa dedução específica, esse benefício, vá diminuindo entre quem tem matéria tributável de 40 000 euros/ano, até ser extinto esse benefício para matérias tributáveis de 80 000 euros/ano. Por isso, há um aumento da progressividade e há um aumento da justiça.
Agora, se V. Ex.ª me diz que quem pagava um euro de imposto e vai passar a pagar um euro e meio tem 50% de agravamento… Sejamos sérios, Sr. Deputado!…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Para rendimentos na ordem dos 200 contos brutos - como sabe, há uma série de deduções até chegarmos à matéria colectável, e isso tem de ser tido em conta -, o imposto que vai passar a ser pago é de 1300 escudos por mês, ou seja, 1300 escudos por mês para rendimentos na ordem dos 200 contos mensais. É disto que estamos a falar, de uma política de aproximação entre a classe A e a classe H, no que diz respeito à tributação dos rendimentos em sede de IRS.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Frasquilho.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos no início do debate sobre o Orçamento do Estado para 2006, entregue na passada segunda-feira neste Parlamento. Numa primeira leitura, há três aspectos que o PSD entende dever sublinhar: o primeiro quanto ao discurso que sobressai deste Orçamento; o segundo em relação às dúvidas essenciais que o Orçamento suscita; o terceiro no que toca a discordâncias de fundo que julgamos pertinente expressar.
A direcção proposta neste Orçamento parece-nos globalmente positiva, tal como o discurso que lhe está

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subjacente, que é essencialmente correcto.
Há vários anos que o PSD vem defendendo que o caminho que o País precisa de percorrer é o da consolidação orçamental, feita, sobretudo, do lado da despesa. O problema essencial que Portugal tem é um problema de excesso de despesa. Ficamos satisfeitos, em nome do interesse nacional, que finalmente o Partido Socialista o reconheça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, que bom teria sido para o País e para a consolidação das nossas contas públicas se o PS tivesse, num passado não muito distante, tido a atitude que agora revela.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A este propósito, não posso deixar de ler aqui uma passagem do relatório que acompanha o Orçamento entregue na passada segunda-feira.
Srs. Deputados do Partido Socialista, agradeço que prestem atenção, pois isto é para vós. Pode ler-se, na página 5, o seguinte: "(…) A literatura económica mostra que as consolidações orçamentais baseadas na redução da despesa são em geral mais bem sucedidas do que as assentes em aumentos de impostos".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - "Por outro lado, uma política de contenção e de racionalização da despesa pública pode não apenas aumentar o potencial de crescimento económico a médio e longo prazo (por efeitos sobre a oferta), mas também estimular o nível de actividade no curto prazo (por efeitos sobre a procura). Este estímulo, que pode ser suficientemente forte para se sobrepor aos efeitos keynesianos convencionais, está intimamente ligado à confiança dos agentes económicos e, como tal, à credibilidade da política orçamental. O investimento privado poderá ser particularmente estimulado por uma estratégia credível de redução do défice orçamental (…)".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, sobretudo os Srs. Deputados do Partido Socialista, estas frases que agora li constituem o pensamento económico mais neoliberal e monetarista que me lembro de ver.
Com certeza que Milton Friedman ou Robert Lucas, da Escola de Chicago, as poderiam ter escrito. Não é possível encontrar nos Orçamentos do Estado para 2003, 2004 ou 2005 uma tão grande apologia deste caminho económico, que representa, ao mesmo tempo, uma viragem de 180º na atitude do PS em relação à estratégia de consolidação das finanças públicas no nosso país.

Aplausos do PSD.

Repito: que bom teria sido que, quer quando anteriormente foi governo, entre 1996 e 2001, quer depois, na oposição, o PS tivesse mostrado uma atitude razoável como esta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, enfim, Srs. Deputados, lá diz o povo que "mais vale tarde do que nunca" e por isso nos congratulamos por esta mudança de atitude. Todavia, convenhamos, também não havia necessidade de exagerar e de agora o PS ultrapassar todos os grupos parlamentares pela direita, de acordo com o que está escrito no relatório do Orçamento do Estado.
Mas esta direcção que o Orçamento do Estado parece querer indiciar levanta dúvidas que nos parecem pertinentes.
O cenário macroeconómico afigura-se-nos muito optimista, em particular no que respeita à previsão de crescimento das exportações.
Com as perspectivas para a economia europeia a serem revistas sistematicamente em baixa, parece ser muito pouco prudente assumir que as exportações crescerão quase 6% em 2006, depois de aumentarem apenas 1,2% neste ano.
Por outro lado, é importante reduzir a despesa corrente do Estado. O problema é que verdadeiramente este Orçamento não diz como é que este objectivo vai ser concretizado e o discurso do Ministro das Finanças, apesar de correcto, é demasiado vago, não avançando elementos concretos relativamente à forma de concretização desta meta essencial para o nosso país.
Finalmente, Srs. Deputados, temos, quanto ao Orçamento apresentado, discordâncias de fundo, divergências que são essenciais, sendo a primeira quanto à redução da despesa. Para além de não estar concretizada a forma como o Governo vai fazer a redução que se propõe, o PSD entende ainda que esta redução

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poderia e deveria ser mais ambiciosa. De facto, reduzir o peso da despesa no PIB de 49,3% para 48,8%, isto é, meio ponto percentual apenas, é manifestamente pouco para o quadro macroeconómico de que o País necessita. Aliás, basta repararmos que o peso do total da receita pública no PIB aumenta em um ponto percentual, de 43% para 44% e que, portanto, do somatório das duas componentes, redução da despesa e aumento da receita em percentagem do PIB, obtém-se a redução prevista para o défice público, de 6,2% para 4,8% do PIB. Assim, como é fácil de perceber, dois terços, ou 67%, dessa redução acontecem pelo lado da receita (mais de 2,2 mil milhões de euros), e apenas um terço, ou 33%, acontece por via da despesa (cerca de 1,185 milhões de euros). É pouco, muito pouco!
Por isso mesmo, é lamentável que este Orçamento não apresente um plano de redefinição das funções do Estado, no sentido de passar algumas das suas funções para a iniciativa privada ou social, assim contribuindo para um Estado mais pequeno e mais eficaz e para uma redução da despesa pública mais acentuada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E é também lamentável que o Primeiro-Ministro tenha recusado a proposta de pacto de regime que o presidente do meu partido propôs nesta matéria, logo no início da presente Legislatura. Se tal não tem acontecido, os progressos agora propostos na área da consolidação orçamental, pela despesa, poderiam ser bem mais significativos.

Aplausos do PSD.

A segunda discordância é em relação às SCUT. Apesar de a posição de base do Primeiro-Ministro ser conhecida, surgem agora declarações do Ministro das Finanças que deixam aberta a porta à introdução de portagens, já no próximo ano, em algumas destas vias. Seria urgente clarificar a situação, saber quem realmente fala verdade, saber em quem acreditar. O Primeiro-Ministro, que persiste em afirmar não querer mudar a política neste domínio, o que seria profundamente negativo e injusto, ou o Ministro das Finanças, que deixa anteceder algumas mudanças? Vamos entender-nos: antes de tudo, esta confusão e falta de clareza e autoridade não é positiva nem transmite confiança a ninguém e por isso é urgente esclarecê-la.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, insistimos, não é um critério justo estar a pedir sacrifícios aos portugueses quando, ao mesmo tempo, o Estado paga, por ano, milhões de euros de portagens - cerca de 700 milhões de euros já a partir de 2007 - que, em abono da verdade e da justiça, deveriam ser pagos pelos respectivos utilizadores e não por todos os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A terceira discordância diz respeito aos mega-investimentos da OTA e do TGV. Com ou sem verbas significativas, o texto do relatório do Orçamento é claro quanto à teimosia do Governo em insistir nestes projectos apesar de todos - da esquerda à direita - reconhecerem que tais investimentos não são nem reprodutivos nem acrescentem competitividade à nossa economia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou. Agradeço que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Continuamos a considerar que a OTA não é um investimento necessário e muito menos urgente, e defendemos, no que toca ao TGV, que os estudos até ao momento conhecidos não são suficientes para se criar, desde já, o facto consumado.
Não é de bom senso pedir sacrifícios aos portugueses e depois insistir na realização de investimentos que não são manifestamente prioritários e que não têm verdadeira justificação económica e social.
Uma palavra final para recordar que o debate orçamental só agora se inicia. Esperamos que as dúvidas e divergências essenciais que agora colocamos sejam devidamente esclarecidas, quer em matéria de SCUT, quer em relação aos chamados mega-investimentos, quer na redefinição das funções do Estado.
Mas tudo isto é, aliás, ainda mais importante se tivermos em atenção que é em 2006 que os portugueses mais irão sentir os efeitos negativos do aumento dos impostos decidido no Orçamento rectificativo, designadamente o IVA e o ISP.
Numa palavra: se o Governo, através do aumento de impostos, pede mais sacrifícios aos portugueses, deveria ter em atenção que a primeira entidade a dar o exemplo deveria ser o próprio Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Porque só dessa forma podem ser libertados recursos para a sociedade civil, desonerando empresas e famílias e aumentando a nossa competitividade, sobretudo no domínio fiscal, que é literal e infelizmente esquecida neste Orçamento, ao contrário do que acontece nos países nossos parceiros, e que o Governo parece teimar em não ver.
Esperamos, pois, sinceramente, que no debate orçamental o Governo venha a demonstrar abertura e humildade para corrigir tudo aquilo que o superior interesse nacional exige. Se a opção do Governo for a de não escutar essas críticas, não é à oposição que estão a virar as costas mas, sim, ao nosso país.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Mesa recebeu a inscrição de dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Miguel Frasquilho. Suponho que o Sr. Deputado interveniente desejará responder a ambos no fim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Frasquilho, uma primeira nota introdutória relativamente às SCUT: remeto V. Ex.ª para o que consta do Programa do Governo, e que faz depender a introdução de portagens da existência de alternativas ou de um rendimento per capita que assim o justifique. Portanto, quanto a isso, nada mais há a dizer.
Sobre a OTA e o TGV, relembro que os orçamentos, nomeadamente aqueles em que V. Ex.ª teve responsabilidade enquanto Sr. Secretário de Estado, foram prevendo ao longo do tempo verbas muito superiores àquelas que estão previstas hoje exactamente para essas obras. Portanto, convém não perder a memória!

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, na abrangente tolerância do Partido Socialista, compreendemos a dificuldade que V. Ex.ª tem de aproximação à realidade que é este Orçamento. V. Ex.ª foi Sr. Secretário de Estado do Tesouro quando era ministra a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, e já fazia parte desta bancada, tendo como Ministro das Finanças o Dr. Bagão Félix, e, de facto, contenção nunca se viu nenhuma! Nenhuma! Só se viu cosmética e cosmética!

Aplausos do PS.

Com a agravante, Sr. Deputado, de já saberem internamente que, para 2004, o défice real era de 6,4%, como foi amplamente noticiado em vários jornais. Assim, Sr. Deputado, compreendemos essa sua aproximação.
Já agora, permita-me que lhe diga que a frase que tem vindo a ler tem como autor o ilustre economista Olivier Blanchard, francês, professor do MIT e ilustre keynesiano. Por isso, o conselho que dou a V. Ex.ª - também para não pôr em causa as teses próprias do autor - é que deixe essa frase e parta para a leitura das restantes 249 páginas do relatório.

Aplausos do PS.

De qualquer forma, Sr. Deputado, aquilo que diz em relação a muitas coisas é verdade. Inclusivamente, VV. Ex.as não fizeram o que deviam ter feito. Se o tivessem feito, eventualmente, as medidas constantes deste Orçamento não teriam necessidade de aqui estar. Mas têm! São medidas necessárias e são medidas justas, tendo em conta o quadro difícil que o País atravessa. Porém, nem sempre são populares. Neste sentido, é de saudar - digo-o sinceramente - a abertura demonstrada por parte do PSD, fazendo uma avaliação globalmente positiva deste Orçamento, que é um Orçamento sério, credível, de rigor e que responde àquilo que são os problemas que o País enfrenta hoje e aos desafios que o País enfrentará no futuro.
É evidente que teremos discordâncias. Isso é evidente! Mas essas discordâncias não podem manchar o essencial da concordância já aqui hoje manifestada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Depois do debate, na generalidade, da proposta de lei do Orçamento do Estado, teremos oportunidade de, em sede de especialidade, podermos dirimir essas mesmas discordâncias. Até lá, é de registar, ao contrário de outras oposições, a abertura manifestada pelo PSD.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Frasquilho, ouvi com atenção a intervenção que aqui fez há pouco, em que determinava as razões pelas quais considera o Orçamento apresentado como o Orçamento globalmente positivo, ainda que sem determinar o sentido de voto que em relação ao mesmo o Partido Social Democrata terá.
Desde logo, uma questão se coloca: para quando é que haverá determinação do sentido de voto do Partido Social Democrata?
Neste momento, os Grupos Parlamentares do Partido Socialista, do PCP, do Partido Ecologista "Os Verdes", do Bloco de Esquerda,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - O PSD/Madeira também!

O Orador: - … do CDS-PP já determinaram o seu sentido de voto e até ouvimos uma declaração, mais ou menos solene, do Presidente do Governo Regional dos Açores a determinar o sentido de voto dos Deputados do Partido Socialista eleitos pelo Círculo Eleitoral dos Açores, por isso, Sr. Deputado, é importante que a resposta seja rápida, senão começamos a ter notícias da Madeira, e estamos preocupados com isso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, consideramos que é importante que o PSD clarifique rapidamente o seu sentido de voto.
Mas voltemos ao Orçamento globalmente positivo. É globalmente positivo mas é criticável quanto às opções financeiras em relação à Ota e ao TGV - disse-o aqui o Sr. Deputado -, quanto às opções financeiras em relação às SCUT e quanto às opções em relação à redefinição das funções do Estado. Isto não basta para que ele deixe de ser globalmente positivo?!
Mas até podemos ir a outra matéria em relação à qual sempre ouvi o Sr. Deputado com especial atenção, que é a matéria das receitas fiscais. O Sr. Deputado sempre teve, em relação a esta matéria, uma posição clarividente de que era necessário diminuir a carga fiscal e era necessário actuar em relação a alguns impostos de uma forma especialmente serena mas no sentido do seu corte.
Sr. Deputado, como é que é globalmente positivo um Orçamento que personifica o aumento do IVA, o aumento do imposto sobre os produtos petrolíferos, o aumento do imposto sobre o álcool, o aumento do imposto sobre o tabaco, que aumenta a carga fiscal, por exemplo, para os pensionistas e que tem - o que não me parece algo para deixar de lado - previsto um aumento ao limite máximo do pagamento especial por conta em relação ao IRC, que pode fazer com que algumas empresas, em Portugal, tenham enormíssimas dificuldades?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Como é que é globalmente positivo um Orçamento que não define o modelo económico de desenvolvimento que é necessário, um Orçamento que eu diria que não é "amigo das empresas"?
Todas estas matérias fizeram, desde logo, com que o CDS-PP não considerasse este Orçamento como globalmente positivo, razão pela qual temos alguma perplexidade perante a posição do PSD. Mas nós, em relação a esta matéria, que é matéria orçamental, mantemo-nos no sítio em que sempre estivemos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Frasquilho.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Sr. Presidente, vou começar por responder ao Sr. Deputado Diogo Feio.
Sr. Deputado, não quero fazer a injustiça ao CDS-PP de já ter, de facto, predefinido o seu sentido de voto, mesmo antes de o Orçamento ser apresentado, como o Bloco de Esquerda e o PCP já tinham feito, o que não sucedeu certamente, mas gostava de lhe dizer que, iniciando-se agora o debate do Orçamento do Estado - e temos todo um mês de discussão sobre as propostas, sobre as alternativas, enfim, sobre tudo o que está patente no Orçamento do Estado -, estranho seria que, no primeiro dia em que o debatemos, e ainda fora do debate institucionalmente consagrado na Assembleia da República, fossemos revelar o nosso sentido de voto.
O Sr. Deputado pergunta-nos para quando essa revelação…

O Sr. Mota Andrade (PS): - Não sabem!

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O Orador: - … e eu digo-lhe que será no momento oportuno, quando as votações acontecerem aqui, em sede de Assembleia da República, por ser esta a ocasião propícia para definirmos o nosso sentido de voto a propósito deste Orçamento do Estado.

Aplausos do PSD.

E, Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe também que o que me ouviu dizer há pouco da tribuna foi que este Orçamento ia numa direcção que globalmente considerávamos positiva. No entanto, ouviu-me também defender que temos diversas dúvidas e algumas discordâncias de fundo quanto ao que é apresentado neste documento, uma das quais reside precisamente, tal como referi, na questão da competitividade fiscal, que não é devidamente salvaguardada. Portanto, são dúvidas e questões que, a seu tempo, levantaremos ao Governo para saber como vai reagir. São dúvidas, de facto, importantes.
Sr. Deputado Afonso Candal, a propósito das SCUT, sabe que o que me disse agora eu já tinha ouvido da boca do anterior Ministro de Estado e das Finanças, que teve o fim que todos nós conhecemos,…

Vozes do PSD: - Foi-se embora!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E por isso foi para a rua!

O Orador: - … por divergências claras com o resto do Governo. Portanto, só espero que isso agora não venha a suceder, porque o que temos aqui é uma claríssima divergência, como, aliás, ainda esta semana se viu, entre o que defende o Sr. Primeiro-Ministro e o que defende o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
Portanto, mesmo antes da nossa posição sobre o assunto, convém esclarecer para que os portugueses não fiquem baralhados. É que, quando os governantes falam a mais do que a uma voz, é péssimo para a confiança e para a actividade económica prosseguir em bom ritmo.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, só dá para rir quando V. Ex.ª vem dizer que, na altura em que fomos governo, não houve contenção orçamental. Entre 2002 e 2004, a despesa, seja qual for o prisma por que é encarada, cresceu entre 3% e 4% ao ano e recordo-lhe que, entre 1996 a 2001, ela cresceu à volta de 10% ao ano. Quem é que foi despesista, Sr. Deputado?! Quantos membros do actual Governo faziam, então, parte dos governos do Eng.º António Guterres, com uma política orçamental diametralmente oposta da que os senhores agora defendem? É bom que nos expliquem isto, porque esta é que é a realidade!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E os senhores, de 2002 a 2004, foram sempre contra! Isso é que é extraordinário! E agora vêm lembrar-nos do que o Sr. Blanchard escreveu… Bom, de facto, acho extraordinário que nos venham dizer isto, porque quer o Sr. Friedman, como referi, como o Sr. Barre podiam ter escrito exactamente a mesma coisa.
Mas imagine-se a reacção que o Sr. Deputado teria se, em 2002 ou 2003, ouvisse ou lesse no relatório do Orçamento do Estado tais declarações! Como é que essa bancada reagiria? Aliás, como é que essa bancada reage, globalmente, a um parágrafo deste género, que ultrapassa toda a gente pela direita mais radical que existe?

O Sr. Mota Andrade (PS): - Direita mais radical!…

O Orador: - Gostaria de saber como é que isto é feito.
Sei que boa parte, se calhar uma grande parte, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista gostaria de rasgar algumas páginas, se calhar muitas, e muitas propostas do Orçamento do Estado, mas não o pode fazer, porque não é um Orçamento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista mas, sim, do Governo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - Portanto, talvez os senhores não possam rasgar essas páginas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, ouviu-me dizer que a direcção em que vai este documento é globalmente

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positiva. É verdade! Mas também lhe disse que se tratava de uma primeira leitura.

Vozes do CDS-PP: - Ah!…

O Orador: - Levantei aqui várias dúvidas, várias questões e várias divergências de fundo. E lanço, mais uma vez, o repto ao Governo e ao Partido Socialista para que estas questões que aqui levantámos quanto à redefinição das funções do Estado, ao emagrecimento do Estado, às SCUT, aos megainvestimentos, à competitividade fiscal, que, lamentavelmente, é esquecida neste Orçamento do Estado, possam ser equacionadas. Vamos ver que resposta é que os senhores darão. Então, quando tivermos tudo esclarecido, nessa altura indicaremos qual será o nosso sentido de voto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ainda só ouvimos duas intervenções de fundo sobre o Orçamento do Estado e ele já ganha algumas cores que são inéditas neste Parlamento. O Partido Socialista explica que o Orçamento é, ao mesmo tempo, um Orçamento rectificativo de si próprio; o Partido Social Democrata, num momento carinhoso, pede ao Partido Socialista que não vá tão à direita; e o CDS-PP pede ao PSD que explique o Orçamento do Partido Socialista.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - E vocês "zero"!

O Orador: - Creio, no entanto, que ainda estamos longe do debate na especialidade e que, nessa altura, valerá a pena voltarmos a tratar todas estas questões que parecem unir algumas das bancadas deste Parlamento.
Agora é precisamente o tempo de pensar as condições do Orçamento e, nomeadamente, perguntar se a estratégia que tem sido seguida, e que parece concitar tanto entusiasmo nas bancadas da direita, do centro e do Governo, contribui ou não para combater pelo desenvolvimento económico e social ou se, pelo contrário, mantém o atraso e o agrava. Creio que é tempo de discutir a política deste ponto de vista, porque a proposta deste Orçamento, como os orçamentos dos anos anteriores, abdica de promover a qualificação, o emprego e a recuperação do ambiente e, pelo contrário, acentua o conservadorismo de uma economia que despreza as pessoas e de uma política que as ignora.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - A experiência prova, aliás, que estas políticas económicas têm o resultado oposto ao que proclamam e são, portanto, um fracasso à luz dos seus próprios critérios. O desemprego aumentou e continuará a aumentar; a diferença entre os mais ricos e os mais pobres é a mais acentuada da Europa e continua a crescer; e a pobreza e a exclusão social continuaram a aumentar nos últimos anos. Portanto, medida pelas pessoas, a política económica centrada na obsessão do défice não corrigiu as contas públicas e, pelo contrário, destruiu empregos e competências.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - É a partir da recusa deste gigantesco embuste, que foi o apregoado combate ao défice, que podemos partir para definir uma nova política para um tempo novo.
No entanto, como foi bem sublinhado nas intervenções anteriores, o Orçamento proposto repete exactamente a mesma política. Aliás, a ideia dos ideólogos neoliberais do Orçamento é simples e bem conhecida: é preciso um ajustamento doloroso, com um longo período de recessão, em que salários e pensões são reduzidos, com aumento do desemprego ao mesmo tempo, para, assim, aumentar os lucros e relançar a capacidade exportadora, que aumentaria o produto que aumentaria o emprego.
O Deputado Miguel Frasquilho citou os "pais-santos" do neoliberalismo, Nilton Friedman e Robert Lucas, com razão, porque as suas teorias são precisamente as geradoras destas soluções.
Ora, é precisamente a opção liberal que é persistente neste Orçamento, e com uma clareza que é meridiana: os salários reais da função pública devem ser reduzidos pelo oitavo ano consecutivo; as pensões devem ser reduzidas e o desemprego vai continuar a aumentar. E, desta forma, o ajustamento liberal acentua as desigualdades, sabe que acentua as desigualdades e quer acentuar as desigualdades.
Mesmo se não apreciássemos esta política pelo seu projecto mas antes pelos seus resultados, o balanço seria negativo. Portugal está no 5.° ano de divergência em relação à União Europeia e vai continuar. Portugal foi o único país que voltou a entrar numa recessão, quando todos os outros dela saíram e continua, em 2006, numa situação de estagnação, com 1 % de crescimento, que, aliás, depende da previsão

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extravagante de que o aumento das exportações será quintuplicado entre o ano actual e o próximo.
De todos os pontos de vista, esta política falhou, provoca recessão e estagnação e não há qualquer razão para insistir no erro.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mas é isto precisamente que faz o Governo Sócrates: insistir no erro!
E não é menos estranho que um partido que se chama socialista se torne agora o principal promotor das políticas liberais e que as aplique com o entusiasmo deslumbrado de quem não quer saber os efeitos sociais que provoca.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Orador: - Esta política está errada, e está errada por que vai determinar a vida de muitas gerações.
O Orçamento promove uma nova vaga de privatizações e, aliás, como sempre, não tem a decência e a transparência de dizer quais são, mas sabe-se que é a venda de interesses do Estado na GALP, na REN e na EDP. E, assim, o Governo escolhe avançar para a privatização completa do sector da energia.
O Orçamento anuncia igualmente o estudo da subida da idade da reforma para 66 e, depois, para 67 anos, quando se sabe que a esperança média de vida dos homens é de 74 anos.
Assim sendo, todas estas propostas têm o mesmo fundamento: abdicar do controlo público sobre os mercados estratégicos e entregar aos privados aqueles negócios que, sendo monopólios, permitem a manipulação do preço ao consumidor. É a política liberal dos dias de hoje.
Reduzir salários e pensões e aumentar o tempo de desconto para reduzir o tempo da reforma é a política liberal que dispensa a segurança social. Manter um Orçamento para a construção civil, já que 40% do PIDDAC são investimentos em transportes, quando as prioridades para o investimento público, se as levarmos a sério, deveriam ser totalmente reorientadas para a grande prioridade da formação profissional, técnica e científica.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Registamos, por isso, o fracasso desta política dos últimos 20 anos e até o seu cinismo. O ajustamento liberal tem como pressuposto que é preciso reforçar a elite económica que dirige o País, mas esta elite fracassou, e todos sabemos que fracassou. Os que exigem a redução dos rendimentos do trabalho ou uma maior fatia orçamental para suportar os negócios são os mesmos, exactamente os mesmos, que reduziram o investimento em 20% nos últimos quatro anos. Nem por milagre poderá a produtividade e a competitividade aumentar sem investimento, sem inovação e sem aprendizagem.
A política de adiamento, mantendo a mesma orientação dos últimos 20 anos, é, por isso, a pior de todas, porque aumenta os rendimentos do capital, reduzindo os do trabalho, e contribui para adiar e impedir os ajustamentos produtivos necessários neste país.
Com esta política, Sr.as e Srs. Deputados, a capitalização bolsista subiu 14%, quando o produto cresce 0,5% - uma gigantesca bolha especulativa que só pode rebentar; com esta política, o endividamento das famílias é de 130% do seu rendimento disponível, quando o juro começar a aumentar.
Estas são as questões decisivas para os próximos 10 anos. E é por aqui, Sr.as e Srs. Deputados, que devia começar uma política de mudança.
A esquerda socialista moderna deve, por isso, rejeitar o Orçamento proposto pelo Governo Sócrates.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - É uma questão de sobrevivência para as políticas socialmente responsáveis e portadoras do combate ao atraso, a política necessária que melhora a segurança social, que aumenta o emprego para aumentar a produtividade e que melhora a justiça da distribuição dos rendimentos.
Seremos talvez poucos os que, neste Parlamento, nos opomos ao pensamento único liberal, agora reforçado pelo casamento anunciado das bancadas do centro e da direita com o Governo, mas será sempre o País, e só o País, quem dirá se é avisado manter tudo igual no erro que nos tem trazido à crise actual ou se vale a pena enfrentar a dificuldade de criar uma alternativa. Este é o caminho do Bloco de Esquerda.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Provavelmente o mais importante desafio que se coloca actualmente aos estados é enfrentar e resolver o problema energético.

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É consensual que a produção petrolífera mundial está prestes a atingir o seu nível máximo e que, a partir desse ponto, decairá continuamente até ao esgotamento. Os actuais aumentos dos preços, que temos tendência a considerar conjunturais e atribuíveis a factores bem identificados, mais não são do que o reflexo do esgotamento das reservas, o que significa que serão cada vez mais sentidos.
Face ao problema, que no nosso país se coloca com especial relevância, tendo em conta a nossa excessiva dependência energética, é obrigação do Governo preparar as estratégias que permitam viabilizar o futuro.
O Conselho de Ministros aprovou, no passado dia 29 de Setembro, a Estratégia Nacional para a Energia, sob a forma de resolução do Conselho de Ministros. Conhecendo-se apenas os textos disponibilizados publicamente, a resolução do Governo está muito longe de propor uma estratégia nacional para a energia. No essencial, aquilo que o Governo veio anunciar pode sintetizar-se em dois aspectos: continuar o processo de privatização das empresas de energia - EDP, GALP e REN - e não prosseguir a reestruturação empresarial que estava apontada anteriormente, optando por deixar que a EDP e a GALP disputem, pelo menos do ponto de vista formal, livremente o mercado do gás e da electricidade ibéricos.
O Orçamento do Estado para 2006 veio completar e consolidar essa estratégia privatizadora e liberalizadora.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - À venda de mais 5% da EDP, no presente ano, seguir-se-á - segundo o documento do Orçamento do Estado, ao que tudo indica - uma nova tranche da EDP, em 2006, parte do capital da GALP e o início da privatização da REN - sem golden shares, segundo o Ministro da Economia.
À vista do indigente documento, apresentado como "estratégia nacional para a energia", pode afirmar-se com certeza que Portugal continua a não dispor de uma política energética. Aquilo a que o Governo chama "política energética" deve ser, mais propriamente, chamada "política do grande capital para o sector energético".

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Não tanto pelo curto texto que dá notícia pública da resolução do Conselho de Ministros mas principalmente pela análise do conteúdo dos slides de apoio à conferência de imprensa, podemos constatar que o Governo evidencia uma postura de total capitulação perante os núcleos duros do capitalismo internacional e, principalmente, põe-se completamente à mercê dos poderosos e eficazes interesses espanhóis, sob a capa pacóvia de que pretende contribuir para o aumento da concorrência e da eficiência energética e que isso seria bom para os consumidores e os portugueses em geral.
O Ministro da Economia, na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, foi anunciando sucessivas datas para expor o projecto do Governo para a estrutura do sector da energia: fins de Maio, Junho, Julho… E, assim, chegámos ao fim de Setembro e à resolução do Conselho de Ministros do dia 29, que aprova a Estratégia Nacional para a Energia, sem que aquela Comissão tivesse obtido qualquer informação sobre o assunto. Afinal, o Governo estava à espera da decisão do Tribunal de 1.ª Instância das Comunidades Europeias, que considerou improcedente o recurso da EDP ao veto de Bruxelas à aquisição da GDP por aquela empresa. Tal decisão, tudo leva a crer, será complementada com a homologação da OPA da Gás Natural sobre a Endesa.
Isto demonstrará, com toda a clareza - se ainda fosse necessário -, que a Comissão Europeia está completamente ao serviço dos interesses do grande capital europeu, não hesitando, quando se trata de prejudicar os interesses dos países mais pequenos, ou seja, quando se trata de menosprezar os interesses dos grupos empresariais mais fracos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Percebe-se, cada vez mais claramente, o que o Primeiro-Ministro José Sócrates quis dizer quando declarou que o futuro económico de Portugal passava por Espanha!

Risos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

Para além da OPA da Gás Natural sobre a Endesa, operação que, deve sublinhar-se, envolve também a Iberdrola, reforçando-a, o que atesta a visão estratégica da operação, a Europa viu há poucas semanas a EON - a grande empresa alemã que é uma das maiores do ramo a nível mundial - comprar a Scottish Power. Estamos a entrar numa fase, que há muito se esperava, de fusões e aquisições com vista à concentração capitalista no sector energético europeu.
Neste contexto, os governos de países pequenos e periféricos deveriam, caso quisessem de facto defender os seus países e os seus povos, até na sua perspectiva restrita de consumidores, adoptar políticas firmes. Sabemos que, no actual contexto europeu, não é nada fácil contrariar os desígnios do grande capitalismo - ainda por cima, com o apoio da União Europeia -, mas exigia-se a um governo de um partido socialista que tivesse um mínimo de decoro e não escancarasse ainda mais a porta do sector energético português. O PS nada aprendeu com a "história" da ENI!

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - De facto, não é privatizando ainda mais a EDP e a GALP nem iniciando a privatização da REN ou insistindo nas negociatas com a ENI, sob ultimato desta - "dá cá o petróleo e eu entrego o gás mais umas centenas de milhões de euros" - e desarticulando as gestões das principais empresas energéticas portuguesas, sob o pretexto de que devem ser as administrações destas empresas a encontrar o seu próprio caminho no mercado, através da chamada livre competição, que conservaremos estas empresas-chave sob o controlo português, para já não dizer sob o controlo público, porque este já foi prévia e metodicamente corroído.
Anote-se que até um articulista, indefectível apoiante deste Governo, veio um dia destes questionar a privatização da REN e, devemos dizer, por boas e justas razões.
Os vários cenários que equacionam as possibilidades de a GALP adquirir significativos activos eléctricos em Portugal e/ou Espanha, e, por outro lado, as de a EDP vir a adquirir novas potencialidades na electricidade e gás ibéricos, sem ser numa operação articulada à luz de interesses nacionais e públicos, enquadrando nesse movimento o papel da REN e da GDP, são cenários pouco mais do que académicos, condenados ao fracasso.
Ao contrário do que defendem muitos comentadores, as razões que levaram a esta situação, de grande fragilidade empresarial do sector energético português, não se devem à intervenção que o Estado ainda tem nessas empresas. O problema é que essa intervenção tem sido usada no pior dos sentidos pelos governos do PS e do PSD/CDS, com governantes a transmitir orientações completamente coladas aos interesses deste ou daquele grupo, nacional ou internacional, numa trajectória errática e muitas vezes pouco transparente. Já vamos em quatro reestruturações energéticas!
Também não se poderá concordar com as análises que defendem que o crescente poderio espanhol se deve ao facto de as empresas daquele país decidirem apenas de acordo com critérios de mercado e de racionalidade empresarial, sem intervenção do Estado nem dos governos. Obviamente, só por ingenuidade se poderia pensar que estas últimas movimentações no sector energético espanhol não estão concatenadas com o poder político ao mais alto nível.
Depois de todo o voluntarismo e propaganda, e até alguma "ingenuidade", com que os vários governos e as empresas anunciaram o MIBEL (mais datas de inauguração do que ministros das Finanças!) como a grande solução para o mercado ibérico de energia, verifica-se que este talvez nem venha a ser concretizado, porque, no fundo das coisas, não será possível nem necessário face aos "dois monopólios" espanhóis. Mas se o MIBEL vier a ser concretizado, por uma questão de aparência de mercado, é óbvio que pouca ou nenhuma convergência de regulação haverá, assim como pouca ou nenhuma convergência haverá das próprias políticas de concorrência e de fixação de preços entre os dois países, porque será um jogo completamente viciado à partida.
O Governo devia, pelo menos, poupar os cerca de 3 milhões de euros que o "omni" do MIBEL está a custar neste momento ao Estado português.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Esta é a denúncia política que, hoje, aqui julgamos dever fazer. Regressaremos ao tema com propostas e medidas concretas.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram diversas as vezes que Os Verdes questionaram neste Hemiciclo o Sr. Primeiro-Ministro sobre as suas intenções em relação à co-incineração de resíduos industriais perigosos. Foram as mesmas as vezes que Os Verdes solicitaram ao Sr. Primeiro-Ministro que, antes das eleições autárquicas, e para que as populações tivessem os "dados sobre a mesa" para tomar conscientemente as suas opções, esclarecesse em que cimenteiras pensava implementar a co-incineração. O Eng.º José Sócrates nunca o disse.
Eis senão quando, nove dias depois das eleições autárquicas, o Sr. Primeiro-Ministro afirma publicamente que a co-incineração é para avançar em breve na cimenteira em Souselas e na Secil no Outão.
Ficou, assim, claro que o Sr. Primeiro-Ministro governa em função de estratégias eleitorais, o que é de uma profunda desonestidade para com as populações.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - É verdade!

A Oradora: - Ainda assim, não lhe valeu de muito.

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Sobre a questão da localização ainda muita água há-de voltar a correr. Gostaria apenas de referir que o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, na versão que esteve em discussão pública em 2003, proibia a co-incineração de resíduos industriais naquela área protegida - questão em nada contestada, muito pelo contrário louvada por todos os participantes no processo de inquérito público.
Contudo, este Governo, de uma forma unilateral, sem prestar contas a ninguém, desrespeitando o processo de consulta pública, em suma, de uma forma profundamente desonesta e violando o princípio da participação pública, fez publicar uma versão do Plano de Ordenamento que, afinal, permitia a co-incineração de resíduos industriais perigosos no Parque Natural da Arrábida. E mais: a própria Secil anunciou entretanto, publicamente, que não estava interessada na queima de resíduos industriais perigosos e que, se tivesse adivinhado a contestação que assentou na opção pela co-incineração na Arrábida, nunca se teria envolvido nesse processo. Esta declaração da administração da Secil é, na nossa perspectiva, para ser levada a sério.
Porém, sobre esta matéria, que se relacionará directa e inevitavelmente com o anúncio feito ontem pelo Primeiro Ministro sobre o avanço da co-incineração, o Sr. Ministro do Ambiente virá prestar os esclarecimentos devidos, no próximo dia 25 deste mês, por iniciativa do Grupo Parlamentar de Os Verdes, à Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, como acabei de referir, o Eng.º José Sócrates disse, ontem, que a co-incineração vai avançar em breve no Outão e em Souselas, contudo sem estar ainda concluído aquilo que ele próprio designou como a actualização dos estudos feitos pela dita comissão científica independente, há cinco anos atrás. A conclusão está, afinal, tirada antes de se conhecerem essa actualização e os dados que supostamente levariam a essa actualização. Torna-se, assim, claro que o Governo encomendou uma actualização de estudos que não podem dar outro resultado que não aquele que ele próprio já decidiu que seria o resultado.
Aliás, quem se lembrar bem do processo anterior, sabe que desde o início nos habituámos a ver que era assim que a comissão científica, dita independente, funcionava.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Tal e qual!

A Oradora: - Mas há um conjunto de questões novas que merecem uma resposta credível e séria.
Os estudos feitos há cerca de cinco anos e meio atrás tinham como objectivo aferir se era mais vantajosa a co-incineração ou a incineração dedicada; não tiveram como objectivo tipificar e quantificar por característica os resíduos produzidos em Portugal de forma a indicar a forma de tratamento mais adequada para cada grupo de resíduos.
Para além disso, os estudos realizados há quase seis anos atrás não tiveram em conta os CIRVER (Centros Integrados de Redução, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos), que pensamos estarem, entretanto, a avançar e que, à partida, deveriam dar resposta de encaminhamento e tratamento aos resíduos industriais perigosos.
Mas, mais: os estudos realizados há tanto tempo atrás não tiveram em conta um tal plano tecnológico, de que tanto se fala, hoje, mas de que tão pouco se conhece. Nós, Os Verdes, não vemos como é que este plano tecnológico, se for sério e estruturante, não pode ter repercussões na redução de resíduos industriais perigosos e, até, na sua forma de produção. Então, como ignorar isto, que deveria ter reflexos directos na concretização de tratamento para os resíduos industriais perigosos?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A implementação da co-incineração condicionará o futuro do tratamento de resíduos industriais perigosos. As cimenteiras vão querer rentabilizar o seu investimento e o seu negócio. A queima de resíduos não é compatível com objectivos significativos de redução de resíduos nem com a aposta noutras formas de tratamento especialmente porque esse circuito ainda não está implementado no terreno. Era preciso começar por aí - e perdemos já tanto tempo! -, era preciso encontrar, para todas as fileiras de resíduos, circuitos certos de reciclagem, fundamentalmente nunca perdendo de vista o princípio da redução de resíduos, objectivo este, sim, que seria um suporte absolutamente importante ao nível da competitividade das nossas indústrias.
Mas, mais uma vez, o Governo quer, primeiro, agarrar-se ao tecto, às soluções de fim de linha, que têm impactos significativos de riscos ambientais, deixando todo o edifício de métodos de tratamento sem sustentação. Com a co-incineração, arriscamo-nos a ver queimados resíduos que poderiam ser sujeitos a outra forma de tratamento ou, até, a importar resíduos perigosos para suportar esse negócio.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Seria muito positivo que a teimosia e o acerto de contas com as vivas contestações que se formaram no passado em relação à co-incineração, dessem lugar a uma política responsável de resíduos em Portugal. Se tal tivesse sucedido, não estaríamos a falar hoje de co-incineração de resíduos industriais perigosos. Certamente, teríamos um sistema criado de circuito, encaminhamento e tratamento de resíduos perigosos a funcionar; com certeza, teríamos níveis de redução, níveis de reaproveitamento e de reciclagem que nos motivariam ao encontro de uma política ambiental que estivesse ao serviço da melhoria da saúde pública e dos índices ambientais e não ao serviço dos inúmeros negócios que a área do ambiente vai desenvolvendo, desvirtuando os seus verdadeiros objectivos.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se cinco Srs. Deputados para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Pergunto à Sr.ª Deputada se deseja responder em separado ou conjuntamente.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Responderei em grupos de até três pedidos de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Muito bem, Sr.ª Deputada.
O primeiro pedido de esclarecimento vai ser formulado pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins, a quem dou a palavra.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, faz justamente hoje três semanas que o PSD, por intermédio deste seu humilde interlocutor, teve ocasião de se dirigir à Câmara, dizendo aquilo que, já na altura, parecia óbvio. Uma coisa que era tão fácil e estava tão assente na cabeça do Sr. Primeiro-Ministro só não era conhecida dos portugueses por uma razão eleitoral.
Até esta semana não havia anúncio algum sobre a co-incineração única e simplesmente por uma razão eleitoral, o que, digamos em abono da verdade, para sermos rigorosos, não nos surpreende. Estamos habituados à incapacidade do Partido Socialista de conjugar a verdade no tempo das eleições, pelo que não esperávamos outra coisa em período de campanha eleitoral.
Mas a verdade é que, como a Sr.ª Deputada bem sublinhou, aquilo que o Primeiro-Ministro ontem disse é ainda mais grave. O Primeiro-Ministro disse que ainda não conhecíamos a decisão porque se estava à espera de uma actualização dos estudos. Mas a decisão é esta, ou seja, a própria contradição que está implícita nas declarações do Primeiro-Ministro, que, já tendo dito tanta coisa sobre esta matéria, se podia prestar a ter um bocadinho mais de cuidado com aquilo que diz. E o que disse, como a Sr.ª Deputada bem sublinhou, é que vão actualizar os estudos para tomarem uma decisão que já tomaram, o que significa que, desta vez, como da vez anterior, não vão estudar coisa alguma.
Sobre esta matéria, Sr.ª Deputada, há uma nota que me deixa profundamente constrangido: fui eleito Deputado pela primeira vez em 1999, e desde então até hoje, 2005, continuamos aqui a falar de co-incineração e de resíduos perigosos. Mas gostava de dizer-lhe que assumimos - assume toda esta bancada, com muito orgulho - o que fizeram o XV e o XVI Governos Constitucionais em relação a esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Nada!

O Orador: - É que, quando o Sr. Eng.º Sócrates deixou de ser Ministro do Ambiente, Portugal pensava que tinha 130 000 t de resíduos perigosos e depois de o último governo ter mandado estudar o problema, para não diagnosticar cura sem conhecer o doente, ficámos a saber que temos 250 000 t. Dantes, tínhamos única e exclusivamente como tratamento um método de fim de linha, e hoje os CIRVER - sigla que surgiu numa mesa de trabalho a que tive a honra de presidir e que o próprio actual Primeiro-Ministro, enquanto Deputado, aqui desprezou num debate que citei há três semanas - fazem hoje parte - tal e qual assim, CIRVER! - do Programa de Governo e do programa eleitoral do Partido Socialista.
Mas, nem assim, copiando o que os outros fizeram e que nunca quiseram ter a iniciativa de fazer, aprenderam, porque para uma pequena percentagem de resíduos, que manifestamente não conhecem, querem continuar a insistir na queima.
Sabem o que vai acontecer? A Sr.ª Deputada sabe, mas não sei se a Câmara está atenta de forma a perceber que, por exemplo, no dia em que as cimenteiras tiverem à sua disposição os óleos e os solventes para queimarem - a fileira de regeneração e de reciclagem de óleos e solventes só existe por iniciativa legislativa do governo do PSD - estes nunca irão ser reciclados. E é nessa política que o Partido Socialista insiste, porque não tem outra.
A minha pergunta, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, é muito simples. Não tem a ver com a verdade ou com a falta dela em campanha eleitoral - já não esperamos nenhuma verdade do Primeiro-Ministro; tem a ver, em concreto, com este problema.
Sabe, Sr.ª Deputada, apesar de tudo, tenho esperança de que este disparate possa não ser imposto aos portugueses; de que, em vez de uma solução "à martelada", arrogante, contra a vontade das populações e da saúde pública, se possa retomar o método que o PSD deixou em funcionamento e que as autarquias, os ambientalistas e todos em geral - até VV. Ex.as! vêm aplaudir. Pode ser que haja consenso, quero acreditar nisso, e gostava de saber a sua opinião, Sr.ª Deputada.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em primeiro lugar gostaria de felicitá-la por ter trazido a esta Câmara um assunto importante como é o da co-incineração. Mais do que importante, este é um assunto que diz muito a todos os portugueses e, em particular, a todos os eleitores e habitantes do distrito pelo qual tive a honra de ser eleito, que é o distrito de Setúbal.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Como V. Ex.ª bem aqui referiu -e o Deputado que me antecedeu também o fez -, o assunto em questão trata de um processo antigo que começou na teimosia do então Ministro do Ambiente, hoje Primeiro-Ministro, Eng.º José Sócrates. Ao que parece, o tempo em nada o fez mudar em matéria de teimosia e de autismo político.

Vozes do CDS-PP: - Bem lembrado!

O Orador: - Na verdade, os anteriores governos, nomeadamente o anterior governo e o anterior Ministro do Ambiente, Luís Nobre Guedes, com a concordância científica, ambientalista e da população, inovaram, tendo apresentado a esta Câmara uma solução tecnicamente sustentada para o tratamento dos resíduos perigosos, nomeadamente os CIRVER.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - Foi então revogado tudo o que, anteriormente, a teimosia do Eng.º Sócrates tinha, a todo o custo, querido impor às populações.
No entanto, nem mesmo nas eleições autárquicas - em que eu próprio assumi esse desafio em relação ao distrito de Setúbal -, o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro do Ambiente, o Partido Socialista e o seu candidato nesse distrito foram capazes de responder e de tomar posição em relação a esse desafio difícil.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Só agora, depois de terem tido lugar as eleições autárquicas, é que volta a teimosia e tudo aquilo que eram estudos e certezas. E isto, Sr.ª Deputada, em meu entender - gostaria de ouvir a sua opinião -, tem um nome: oportunismo político.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Com isto não podemos pactuar!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Uma co-incineradora no Parque Natural da Arrábida, pouco mais de um mês depois de, com pompa e circunstância, se anunciar um megaprojecto turístico para Tróia como sendo o grande baluarte impulsionador de todo o desenvolvimento económico de uma região - o que, aliás, foi defendido na campanha eleitoral pelos candidatos de todos os partidos aqui presentes -, é algo que não deixa de ser absolutamente extraordinário!
De forma a contribuir para esse desenvolvimento económico, o anterior Ministro do Turismo, hoje Vice-Presidente da Assembleia da República, Dr. Telmo Correia, criou pela primeira vez o núcleo de formação de estudantes para o turismo. E podendo Setúbal ganhar muito com o projecto turístico de Tróia ao nível de criação de riqueza e sua redistribuição, passado pouco mais de um mês temos esta péssima notícia que só pode ter explicação na teimosia política.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, nesta matéria, a teimosia política paga-se caro. E quem vai pagar caro são os portugueses e, em particular, os setubalenses.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - Por isso, pode contar com a oposição radical desta bancada àquilo que é uma opção política errada e, mais do que isso, que é fruto, apenas e só, de uma opção pessoal e de teimosia do Eng.º José Sócrates.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, o Bloco de Esquerda apresentou, há uns tempos largos, um requerimento sobre este assunto, tendo obtido resposta no passado mês de Junho, da qual constava que o Ministério do Ambiente não tomaria qualquer medida sem estudar melhor o problema.
A própria Secil, que se encontra em fase de reestruturação, já tinha declarado, no âmbito da discussão do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA), que não estaria interessada na queima destes resíduos. O Ministério do Ambiente, por seu lado, tem sustentado que esta solução de fim de linha também carece de estudos a montante.
As declarações recentes do Sr. Primeiro-Ministro revelam duas contradições. Em primeiro lugar, o Governo mostra um desrespeito total pela discussão pública do POPNA, uma vez que a versão em discussão proibia a co-incineração na zona do Parque, o que era comummente aceite por todas as entidades envolvidas nesta discussão - autarquias, movimentos de cidadãos e população do concelho de Setúbal.
Em segundo lugar, denota também uma grande desorientação no seio do próprio Governo: por um lado, o Ministro do Ambiente tem vindo a reafirmar e a sustentar que esta solução de fim de linha carece de estudos a montante; por outro, o Sr. Primeiro-Ministro fez o anúncio que fez e do qual todos tomámos conhecimento.
Pergunto, pois, à Sr.ª Deputada como é que vê esta contradição, tendo em conta que, em última análise, serão as populações do concelho de Setúbal, tão martirizadas por outras razões, as prejudicadas também na área do ambiente e que serão sempre alvo das medidas mais gravosas e de agressão àquela zona do Parque Natural da Arrábida.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, para o que dispõe de 5 minutos, pedindo-lhe que tenha em consideração que há mais dois oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, agradeço as questões e os comentários feitas pelos Srs. Deputados em torno do tema da co-incineração, que Os Verdes aqui apresentaram em virtude do anúncio feito ontem pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Gostaria de dizer que uma das grandes falhas do estudo feito há cinco ou seis anos pela comissão científica independente, ou dita independente, baseava-se desde logo no objectivo do estudo, que deveria ter tipificado, quantificado os resíduos produzidos em Portugal para lhes adequar a melhor forma de tratamento. Foi isso que a Assembleia da República lhe pediu. O que a comissão fez foi, pura e simplesmente, determinar se seria melhor a co-incineração ou a incineração dedicada, baseando o seu estudo justamente nestas soluções de final de linha. Portanto, não era isso que lhe tinha sido pedido.
Por outro lado, como bem recordou o Sr. Deputado José Eduardo Martins - e muito bem, na nossa perspectiva -, quanto à própria quantificação de resíduos feita nesse estudo, relembro que havia três estimativas com números completamente diferentes. Ou seja, o estudo baseava-se num desconhecimento total da realidade.
Havia um objectivo económico muito claro: tratava-se de uma questão de compromisso do Eng.º José Sócrates não sei com quem, nem sei se esse compromisso ainda vigora ou não… Não sei o que é que está por detrás daquilo que sabemos (gostaria de saber, talvez um dia ainda possamos vir a saber), mas é evidente que a decisão agora tomada não se baseia em estudos sérios, científicos, credíveis que nos motivem a acreditar naquilo que, mais uma vez, o Eng.º José Sócrates quer impor ao País, que é a sua obsessão com a co-incineração.
Reafirmo aqui, mais uma vez, a profunda desonestidade relativamente ao timing escolhido para anunciar esta solução - nove dias depois das eleições autárquicas -, quando nós pedíamos aqui, insistentemente, ao Sr. Primeiro-Ministro para dizer a verdade aos portugueses, àqueles que residem onde há cimenteiras e a única coisa que o Sr. Primeiro-Ministro nos sabia dizer era: "prometo e declaro aqui que, em Portugal, nesta Legislatura, vai haver um sistema de tratamento de resíduos industriais perigosos".

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Uma vergonha!

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A Oradora: - Nunca teve a hombridade de referir o seu objectivo e agora, 9 dias depois das eleições autárquicas, vem dizer, sem que a actualização dos estudos, que já eram maus, estivesse feita, que, afinal, a co-incineração iria avançar em breve no Outão e em Souselas. Isto não se faz e é de uma profunda desonestidade!
Concordei com grande parte do que referiu o Sr. Deputado Nuno Magalhães, mas também que lhe quero dizer que não associo este projecto ao empreendimento de Tróia.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Eu também não!

A Oradora: - Mesmo que o empreendimento de Tróia lá não estivesse o Parque Natural da Arrábida e a saúde da população de Setúbal valiam por si só.
Na nossa perspectiva, esta é, pois, uma opção errada, que comporta custos ambientais, económicos e uma eventual predisposição para a importação de resíduos industriais perigosos, pelo que devemos estar muito atentos e dizer às populações que a melhor forma de dar resposta a esta obsessão do Eng.º Sócrates é a da retoma de uma contestação viva à solução que nos quer impor, que é a co-incineração nos locais que referiu.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Andrade.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia trouxe aqui, e bem, um tema que nos preocupa a todos e que - faço-lhe este elogio - tem preocupado V. Ex.ª ao longo do tempo, que é o dos resíduos industriais perigosos.
Os Verdes têm alguma razão, porque se trata de um problema que a todos aflige e têm ainda mais razão porque o problema ainda não está resolvido. Mas Os Verdes nunca estiveram no governo, pelo que o mesmo já não se compreende no que diz respeito ao PSD.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - É preciso ter coragem para o dizer!

O Orador: - Nos últimos 20 anos, o PSD esteve 14 anos no Governo e não resolveu nenhum dos problemas dos lixos tóxicos que afligem os portugueses.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Deixe-me, aliás, dizer-lhe que, em determinada altura, o PSD condicionou o seu apoio à co-incineração em função de estudos científicos. O Governo encomendou esses estudos, foi nomeada uma comissão científica, que chegou a uma conclusão inequívoca, tendo depois o PSD feito "marcha atrás": foi para o Governo, onde esteve mais de três anos, e nada resolveu!

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Sr.ª Deputada, o PS e o Governo vão resolver o problema dos lixos industriais perigosos durante os próximos quatro anos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Ah!…

O Orador: - E vão resolvê-lo de uma forma muito simples: é, de facto, com a co-incineração.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Andaram a mentir aos eleitores!

O Orador: - Mas este sistema não foi anunciado só agora A co-incineração foi anunciada na campanha eleitoral, faz parte do Programa do Governo, é para levar para a frente e foi referendada por todos os portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quando resolvermos esse problema teremos um país com melhor qualidade de ambiente

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e haverá também oportunidade de V. Ex.ª poder "co-incinerar" todos os argumentos que tem utilizado, uma vez que, da parte da Sr.ª Deputada, trata-se de um tema recorrente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, queria colocar-lhe algumas questões não sem concordar com algumas das observações já aqui feitas sobre o tempo do anúncio desta decisão.
É evidente que, neste caso, houve um cálculo de contenção de danos eleitorais, que aliás acabou por não ter grande efeito, como se constatou pelos resultados das últimas eleições autárquicas, pois procurou esconder-se a concretização desta medida até depois das eleições.
De facto, Sr. Deputada, esta decisão é mais uma vez tomada ao arrepio da participação, do envolvimento e da opinião das populações e dos seus representantes. É mais uma vez tomada na lógica de uma solução de sentido único. O Governo, no fundo, tem esta atitude: "podem discutir o que quiserem, mas a solução é a da co-incineração. Podem dizer o que quiserem, fazer debates, criar comissões, mas a solução é a da co-incineração". Esta não é uma forma séria de tratar este problema.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - É uma vingança eleitoral!

O Orador: - É uma solução de menorização das iniciativas, dos processos e da aposta na reciclagem. É uma solução que até teve que incluir no Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida essa possibilidade à revelia das populações e da discussão pública. É um caso típico de uma decisão que há muito já estava tomada. Aliás, note-se que o Sr. Primeiro-Ministro anuncia a decisão e depois diz que os estudos vão ser actualizados. Portanto, para o Primeiro-Ministro, o resultado da actualização dos estudos pouco importa, porque a decisão é a da co-incineração.
Essa situação é, pois, de profundo desrespeito pelas populações, de profundo desrespeito pelo ambiente. É uma situação em que, quando não quer anunciar a decisão, o Governo fala em fazer os estudos, mas quando chega o momento de a pôr em prática já não lhe interessam os estudos, porque a sua decisão há muito estava tomada.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Bernardino Soares colocou uma questão, na nossa perspectiva, de profunda importância e que, aliás, temos denunciado diversas vezes nesta Câmara, que é justamente a da participação.
Relembro, mais uma vez, a desonestidade que teve lugar- perdoem-me que refira tantas vezes a palavra "desonestidade", mas considero que este procedimento do Governo corresponde a uma profunda desonestidade em relação à versão do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida que foi alvo de discussão pública
As pessoas pronunciaram-se, louvaram a proibição da co-incineração e o Governo arrecadou as opiniões da consulta pública e depois alterou-as unilateralmente, não permitindo mais a existência de participação em inquérito público relativamente a esta matéria. É, de facto, uma vergonha!
Penso que o Sr. Deputado do Partido Socialista disse tudo: que o Governo vai resolver a questão dos resíduos industriais perigosos com a co-incineração. Ora, aí está o pior: não disse "também", disse "com" a co-incineração.
Este é que é o grande drama. Os senhores começam do "tecto" uma pseudo-solução de fim de linha e esquecem tudo o resto: não apostam na redução - nem falam disso, o plano tecnológico não caberá aí seguramente -, nem na reciclagem, nem na reutilização ou noutras formas de tratamento. Nada! Os senhores não falam em nada, não vão apostar nas verdadeiras e adequadas formas de tratamento de resíduos industriais perigosos, mas no negócio da co-incineração. Vão rentabilizar bem as cimenteiras e os seus negócios - esse é o vosso grande objectivo -, mas acredito que os portugueses ainda vão saber que negociatas há por detrás desta verdadeira obsessão pela co-incineração.
O Sr. Deputado Mota Andrade disse que as conclusões do estudo da comissão científica independente são inequívocas. Mas são inequívocas em relação a quê? Só relativamente a uma melhor opção entre co-incineração e incineração dedicada, e não é isso que está em causa, mas sim, mais uma vez, as soluções de final de linha. Os senhores não se pronunciam sobre as verdadeiras opções de tratamento de resíduos industriais perigosos.
Até concordo que os governos do PSD deveriam ter andado de uma forma mais célere com os CIRVER.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Vá lá!…

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O Orador: - Provavelmente, isso também teria dado uma ajuda para não termos chegado ao ponto de ouvir aquilo que ouvimos por parte do Partido Socialista.
Sr. Deputado, temos de acabar com o argumento de que a co-incineração fez parte das vossas promessas eleitorais. Aquilo que disseram, fundamentalmente, foi que iam avançar com a co-incineração, mas o certo é que há um conjunto de dados novos que não pode ficar arredado da vossa opção, que são os Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos (CIRVER), é o tal plano tecnológico… Há um conjunto de questões que os senhores não integraram nesta vossa nova reflexão e nem querem tão-pouco dar explicações relativamente a essas questões, o que - digo-o mais uma vez - é de uma profunda desonestidade.
Sr. Deputado Mota Andrade, o túnel do Marquês também fazia parte das promessas eleitorais da direita. Lembra-se?

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
O Partido Socialista assumiu a posição que assumiu relativamente ao túnel do Marquês, considerando que o argumento utilizado não era suficiente para poder obstaculizar a obra. Ora, nós dizemos exactamente o mesmo relativamente à co-incineração.
Os senhores sejam sérios para com os portugueses e definam soluções credíveis, até cientificamente.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (António Filipe): - Antes de dar início às discussões que estão agendadas para hoje, vou dar a palavra a Sr.ª Secretária da Mesa para dar conta de dois relatórios e pareceres da Comissão de Ética.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o primeiro relatório da Comissão de Ética refere-se à substituição, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado Virgílio Almeida Costa (PSD), círculo eleitoral de Braga, por Eugénio Marinho e à substituição deste, mediante renúncia, por Maria Irene Baptista da Silva, com efeitos desde 14 de Outubro corrente, inclusive, sendo o respectivo parecer no sentido de admitir as substituições em causa, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): - O segundo relatório da Comissão de Ética refere-se à substituição, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º do Estatuto dos Deputados, por um período de 50 dias, do Sr. Deputado Francisco Lopes (PCP), círculo eleitoral de Setúbal, por Eugénio Óscar Garcia da Rosa, a partir de 19 de Outubro, sendo o parecer no sentido de se considerar relevante, e como tal justificado, o motivo invocado pelo Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, o primeiro ponto da nossa do ordem do dia diz respeito à apreciação conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 34/X - Aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que estabelece um regime especial de actualização das rendas antigas, e procede à alteração do Código Civil, do Código de Processo Civil, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis e do Código do Registo Predial, e do projecto de lei n.º 174/X - Regime jurídico do arrendamento urbano para habitação (BE).
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Hortense Martins, na qualidade de relatora, para uma breve apresentação do relatório elaborado pela Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional.

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A Sr.ª Hortense Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Encontram-se hoje em discussão a proposta de lei n.º 34/X, do Governo, que visa aprovar o novo regime do arrendamento urbano, e o projecto de Lei n.º 174/X, do Bloco de Esquerda, que aprova o regime jurídico do arrendamento urbano para habitação.
Tanto a proposta de lei n.º 34/X como o projecto de lei n.º 174/X têm como objectivo a dinamização, renovação e requalificação do mercado do arrendamento urbano, limitando o projecto de lei o seu âmbito ao arrendamento urbano para habitação.
A proposta de lei n.º 34/X visa, em particular, alcançar objectivos considerados essenciais ao saudável desenvolvimento do mercado habitacional português através da previsão de regras que, simultaneamente, promovam e facilitem o mercado de arrendamento para habitação, serviços e comércio; a mobilidade dos cidadãos; condições atractivas para o investimento privado no sector imobiliário; a reabilitação urbana, a modernização do comércio e a qualidade habitacional; e uma racional alocação de recursos públicos e privados.
Para atingir estes objectivos, a proposta de lei propõe a aprovação de um novo regime jurídico do arrendamento urbano, no âmbito do qual estabelece o regime de comunicações entre as partes, relativo à cessação do contrato de arrendamento e actualização de renda e obras, e um regime especial de actualização das rendas antigas, procedendo também à alteração do Código Civil, do Código de Processo Civil, do Código do Registo Predial, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, e do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
Por seu turno, o projecto de lei n.º 174/X, do Bloco de Esquerda, parte, de acordo com os seus autores, da necessidade de uma intervenção legislativa sobre aspectos relativamente aos quais o regime do arrendamento urbano em vigor falhou.
Assim, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe alterações ao Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, na sua actual redacção, exclusivamente na parte atinente ao arrendamento para habitação, mantendo intocado o regime jurídico em vigor relativo aos arrendamentos para comércio ou indústria, para o exercício de profissões liberais e para outros fins não habitacionais.
Considerando o âmbito das referidas iniciativas legislativas, a relatora optou, no relatório que apresentou na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, por proceder à análise dos objectos das iniciativas em discussão segundo o respectivo alcance no ordenamento jurídico vigente, isto é, o seu impacto nas regras relativas à formação, conteúdo e cessação do contrato, regime processual e, por último, o regime transitório.
Assim, deu particular relevância às alterações propostas mas significativas, em torno dos seguintes aspectos do regime jurídico do arrendamento urbano, dos quais menciono somente os seguintes: a qualificação do contrato de arrendamento e seu regime; os direitos e obrigações das partes; o regime transitório das rendas, entre outros.
Neste contexto, a relatora apresentou um conjunto de conclusões que foram aprovadas na Comissão Parlamentar de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, apenas com a abstenção do Grupo Parlamentar do PCP, e que se reconduzem, no essencial, aos aspectos que passo a mencionar.
Em 27 de Julho de 2005, deu entrada na Assembleia da República a proposta de lei n.º 34/X, que aprova o regime do arrendamento urbano (NRAU).
Em 11 de Outubro de 2005, foi apresentado à Mesa da Assembleia da República o projecto de lei n.º 174/X, que aprova o regime jurídico do arrendamento urbano para habitação, subscrito pelos Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A proposta de lei n.º 34/X introduz alterações ao Código Civil, voltando a incluir neste Código o regime do arrendamento urbano, ao Código de Processo Civil, ao Código do Registo Predial, ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e ao Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
O projecto de lei n.º 174/X retoma o projecto de lei n.º 505/IX. O mencionado projecto de lei altera o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, na sua actual redacção, em tudo o que se refere ao arrendamento para habitação.
A proposta de lei n.º 34/X, do Governo, e o projecto de lei n.º 174/X, apresentado pelo Grupo Parlamentar do BE, reúnem os requisitos constitucionais, legais e regimentais, pelo que estão em condições de subir ao Plenário.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para apresentar a proposta de lei do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local (Eduardo Cabrita): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que aprova o novo regime do arrendamento urbano corresponde a uma reforma indispensável para que seja assegurado o direito à habitação e a renovação urbana. Trata-se

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de uma reforma desde há muito anunciada, mas que cabe ao XVII Governo Constitucional concretizar.
O Programa do Governo estabeleceu a revisão da lei do arrendamento urbano como uma das suas prioridades, comprometendo-se a apresentar esta proposta de lei nos primeiros 100 dias de mandato. A iniciativa legislativa a apresentar teria em conta "o debate travado na sociedade portuguesa, apostando na dinamização do mercado de arrendamento, através do alargamento da oferta de imóveis para arrendamento, da mobilidade e da promoção do acesso das famílias a esse mercado".
A reforma, ainda segundo o Programa do Governo, "visará permitir a actualização gradual das rendas sujeitas a congelamento de imóveis em bom estado de conservação, minimizando os riscos de rupturas sociais e económica".
É essa reforma que aqui hoje o Governo apresenta. Com ela pretende-se um justo equilíbrio na salvaguarda dos legítimos direitos de proprietários e dos inquilinos. Pretende-se igualmente a agilização da liberdade contratual nos novos arrendamentos.
O Governo tem, nesta matéria, plena consciência do dever cumprido. Apresentámos neste Parlamento, enquanto oposição responsável, as propostas que constituiriam, para nós, as bases para uma necessária reforma do Regime do Arrendamento Urbano, garantindo um alargado consenso na sociedade portuguesa. De facto, logo após a tomada de posse do Governo foram ouvidas as associações representativas de proprietários e de inquilinos, a Confederação de Comércio e Serviços de Portugal e a Confederação do Turismo Português, entre outras associações empresariais, associações de consumidores, ordens profissionais e a Associação Nacional de Municípios Portugueses sobre as grandes linhas da reforma então em preparação.
Em Junho, dentro do prazo de 100 dias previsto no Programa do Governo, foram aprovadas em Conselho de Ministros as linhas gerais da proposta de lei material que procede à revisão do Regime do Arrendamento Urbano. Durante o mês seguinte, decorreu uma ampla e participada discussão pública, largamente divulgada pela comunicação social, e que antecedeu a aprovação desta proposta de lei pelo Governo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, esta é, como já dissemos, uma reforma indispensável, que se quer dinamizadora do mercado habitacional mas marcada por significativas preocupações sociais. Nela foram considerados todos os trabalhos preparatórios anteriores, designadamente os desenvolvidos pelo anterior Governo.
Com esta reforma pretende-se um envolvimento e um acompanhamento estreitos pelo Parlamento, ao longo de toda a Legislatura, quanto à sua aplicação, que, temos consciência, terá profundas implicações na política de cidades, na requalificação urbana e no reequilíbrio das prioridades do sector da construção para habitação.
O passado ensina-nos lições que não devemos ignorar. A dinâmica social das últimas décadas alterou profundamente o papel do arrendamento no quadro das soluções de habitação.
Nos últimos 15 anos, o parque habitacional cresceu perto de 25%, aumentou para mais de 75 % a habitação em casa própria, quase sempre com recurso ao crédito hipotecário, e praticamente duplicou o número de habitações para uso sazonal. Hoje, por outro lado, existem em Portugal cerca 550 000 alojamentos vagos. Tal determinou uma tendência de redução significativa do número de fogos arrendados, hoje apenas 20% de todo o parque habitacional, ainda que com um peso mais significativo em Lisboa e no Porto.
As políticas urbanas privilegiaram a nova construção, a urbanização acelerada, com consequências gravosas nos planos social, ambiental e de constrangimento da mobilidade urbana. Neste contexto, seis décadas de limitação ao funcionamento dos mecanismos de mercado contribuíram para significativas distorções no regime do arrendamento urbano.
A proposta de lei agora em discussão assenta nos seguintes princípios fundamentais: autonomia das partes e liberdade contratual nos novos arrendamentos; convergência gradual com os preços de mercado das rendas anteriores a 1990; prioridade à requalificação urbana; agilização dos mecanismos processuais para exercício de direitos por proprietários e por inquilinos; lançamento de um programa de acção legislativa no domínio da política de habitação a desenvolver ao longo da Legislatura.
Assim, os novos arrendamentos habitacionais ou comerciais devem ter por princípio básico a liberdade de contratar e a salvaguarda do direito à atempada revisão das condições contratuais. São igualmente reconhecidos os problemas específicos do arrendamento não habitacional, designadamente comercial, para restauração ou turismo, permitindo a repartição das obrigações relativas à manutenção do edificado. É igualmente adoptada, como princípio geral, a flexibilidade nos prazos de celebração dos novos contratos.
Todavia, temos consciência de que o maior constrangimento à dinamização do mercado de arrendamento e à salvaguarda do direito à habitação é a existência de cerca de 400 000 fogos arrendados com contratos celebrados antes de 1990, metade dos quais com rendas inferiores a 60 euros, muitos dos quais em condições degradantes de conservação. O bloqueamento do mercado tradicional de arrendamento teve por contrapartidas a especulação dos preços dos novos arrendamentos e a decadência dos centros urbanos, progressivamente insalubres, desertificados e inseguros.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo adopta, na proposta de lei que hoje apresenta à Assembleia da República, uma estratégia de verdade, de transparência e de gradualismo, segundo a qual o valor de referência para a actualização das rendas antigas deve ser o valor da avaliação fiscal dos prédios nos termos das regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

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Aplausos do PS.

O valor desses prédios arrendados terá de ser tendencialmente o mesmo para o mercado, para a relação entre as partes e na relação destas com a administração fiscal.
A taxa de referência de 4% corresponde a um indicador que visa ultrapassar gradualmente décadas de afastamento entre as rendas e a realidade económica, sendo superior à taxa aplicável ao crédito à habitação ou à remuneração dos depósitos a prazo.
Proprietários e inquilinos estiveram de acordo com o Governo sobre a indispensabilidade de uma actualização gradual das rendas, ainda que com compreensíveis diferenças quanto ao ritmo de actualização e quanto às situações excepcionais a salvaguardar.
O regime geral prevê, assim, a convergência ao longo de cinco anos, até ser atingida a renda resultante da avaliação fiscal, ainda que se admita, em caso de rendimentos especialmente elevados, uma transição em apenas 2 anos, ou em 10 anos para os inquilinos idosos, com rendimentos baixos ou que sejam portadores de deficiência.
Assegura-se igualmente a concessão de subsídios de renda a inquilinos carenciados. Os proprietários, esses, não têm de continuar a suportar políticas que cabem às funções do Estado, mas compreenderam a necessidade de ser assegurada uma transição que afaste o risco de rupturas sociais.

Aplausos do PS.

A garantia das condições de conservação dos fogos e o estímulo à requalificação urbana condicionam a possibilidade de actualização da renda, daí a necessidade de verificação das condições de conservação por arquitectos ou engenheiros indicados pelas respectivas ordens. Premeia-se a valorização dos fogos e as obras de conservação efectuadas pelos proprietários, tal como se atribui relevância às obras realizadas pelos inquilinos.
Condição indispensável à criação de confiança no mercado de habitação é a existência de mecanismos que garantam com eficácia a regulação do sector e permitam o exercício de direitos por proprietários e inquilinos.
As comissões arbitrais municipais são estruturas simplificadas de acompanhamento e mediação de conflitos, com a participação da administração fiscal, das autarquias locais e de representantes de proprietários e de inquilinos.
Por outro lado, tendo consciência de que a esmagadora maioria dos conflitos associados ao arrendamento têm que ver com o não pagamento de rendas, cria-se, por um lado, um mecanismo processual específico para exigir o pagamento…

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Seis meses!

O Orador: - … e, por outro, considera-se que o comprovado não pagamento por três meses permite a formação de título executivo para efeitos de despejo, agilizando mecanismos processuais que hoje se arrastam por longos anos, pondo em causa a confiança das partes.
A salvaguarda das condições de conforto e conservação exige uma profunda transformação no regime das obras necessárias à garantia da dignidade na habitação. Serão assim reforçados os instrumentos financeiros que apoiem a realização de obras pelos proprietários, mas propõem-se igualmente mecanismos que permitam a realização das obras pelas autarquias locais ou pelos inquilinos nos casos em que os proprietários não as concretizam por vontade própria.
Finalmente, estimula-se a colocação no mercado de fogos que se encontram desocupados, duplicando a tributação em imposto municipal sobre imóveis (IMI) a que estes estão sujeitos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, temos consciência da profundidade da reforma proposta e de como poderá constituir uma alavanca para uma nova geração de políticas urbanas. Por isso, apresentamos esta iniciativa no início da Legislatura, queremos que esteja em vigor em 2006 e iremos acompanhar atentamente a sua concretização.
Igualmente não se trata de uma iniciativa isolada, será completada por um programa de acção legislativa que integra um conjunto de medidas necessárias para a entrada em vigor desta reforma e um conjunto de medidas complementares que visam potenciar, noutros domínios das políticas urbanas, as opções da reforma do arrendamento urbano. São os casos da criação de um observatório da habitação, permitindo o acompanhamento da aplicação da reforma e dando transparência ao mercado da habitação para arrendamento; a revisão do regime de arrendamento por entidades públicas, abrangendo dezenas de milhares de fogos, grande parte dos quais em acentuada degradação; ou, finalmente, o regime de intervenção dos fundos de pensões e de fundos imobiliários, permitindo uma intervenção alargada no domínio do arrendamento para habitação, mediante a intervenção, com a escala adequada, na recuperação de áreas de construção antiga com significativas potencialidades de recuperação urbanística.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, trata-se, pois, de uma reforma tão ousada quanto necessária,

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que esperamos possa ser enriquecida pelo contributo deste debate e pelas propostas a apresentar em sede de especialidade.
O Governo, com esta proposta de lei, cumpre o seu Programa, é coerente com as orientações defendidas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista exactamente há um ano atrás e dá início a uma decidida mudança nas políticas urbanas, garantindo que tudo faremos pelo direito dos portugueses à habitação condigna e pela renovação das nossas cidades.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Arnaut.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, é com grande satisfação que vemos a apresentação desta proposta de lei e, em particular, a presença do Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna no debate desta matéria.
Esta é uma proposta de lei que enferma de alguma confusão e, sobretudo, cujos objectivos são muito pouco claros; tem erros de carácter técnico e de carácter jurídico. Aliás, esta é a segunda proposta apresentada num período de um mês (houve duas propostas), tendo ao longo desse tempo sido feitas 73 alterações - eu diria mesmo 73 pequenas alterações à la carte - que, de certo modo, desconfiguraram o texto inicial.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas, ao contrário do que outrora foi feito, a proposta de lei que vem hoje ao Plenário da Assembleia da República deve ser complementada por um conjunto de diplomas - sete -, os quais não são conhecidos, não foram dados a divulgar ao Parlamento, pelo que este não consegue ter uma visão completa dos objectivos do Governo.
Por isso, mais do que uma reforma do regime do arrendamento, esta é uma oportunidade perdida para a fazer, pois estamos perante uma revisão da lei das rendas, já outrora feita. Desta forma, a ousadia que V. Ex.ª vê nós ainda não a encontrámos.
V. Ex.ª diz que quer devolver autonomia às partes, mas fixa prazos de cinco anos, em toda a matéria cria entraves burocráticos, em toda a matéria se aposta na "judicialização". Aliás, é estranho que numa matéria deste teor, que consubstancia uma alteração à pedra basilar do sistema jurídico português, o Código Civil, o Ministério da Justiça não esteja envolvido na sua plenitude.
Sabemos bem que o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna é um eminente jurista e que foi um grande ministro da justiça, por isso seguramente avocou a si essas competências.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna (António Costa): - Não!

O Orador: - Mas, seguramente, ainda não teve ocasião de ler em detalhe esta proposta de lei, porque se o tivesse feito com certeza que ela não teria as inconstitucionalidades e os erros técnicos de palmatória que tem!

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Importa precisar três ou quatro aspectos, desde logo no que se refere à actualização das rendas.
Para haver actualização das rendas é necessário que os senhorios façam obras. Sucede que para os senhorios que estão descapitalizados, consequência de anos e anos de rendas baixas, não é previsto um esquema de auxílio para poderem fazer essas obras. Aliás, como contrapartida "premeia-se" os senhorios que se encontrem descapitalizados e que não possam fazer obras com uma disposição indubitavelmente inconstitucional, dando ao arrendatário o direito de expropriar o local locado pelo valor da avaliação fiscal sem que o próprio senhorio se possa opor a essa determinação. Esta é uma norma manifestamente inconstitucional.
Para além disso, como o Sr. Secretário de Estado anunciou, temos 4% do valor tributário do imóvel como limite máximo de actualização da renda. Ora bem, porquê 4%? Por que não 6% ou 8%? É uma escolha aleatória!
Se a estes 4% juntarmos os encargos de manutenção, os seguros e os impostos que têm de ser pagos relativamente a estes rendimentos teremos, seguramente, taxas que estão entre 2% e 1%, e se a isso adicionarmos a inflação estamos com taxas negativas.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

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O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Coloca-se também a questão da transição e da transmissão. Criam-se normas dúbias, que levam, seguramente, à criação de situações indesejáveis que hão de conduzir a despejos massivos.
É em relação a esta situação de normas dúbias nos períodos de transição e transmissão e a segurança jurídica dos contratos que precisávamos de ser esclarecidos.
Sr. Secretário de Estado, estamos perante algo inacabado, algo que partiu de um trabalho e de uma discussão pública, mas estamos perante algo que está profundamente longe daquilo que o País precisa: uma verdadeira reforma da lei do arrendamento urbano.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, permita-me dizer-lhe que, na nossa óptica, a proposta de lei que o Governo hoje aqui traz a debate nada mais faz do que colocar sobre os ombros dos inquilinos o custo - é este objectivo que o Governo anuncia - da dinamização do mercado habitacional.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Devo dizer-lhe que, em nossa opinião, esta proposta do Governo, se sintetiza naquilo que o Sr. Secretário de Estado aqui anunciou como sendo um grande fundamento: a convergência das rendas anteriores a 1990 com o mercado. Ora, para este fundamento só existe um significado, o do brutal aumento do valor das rendas anteriores a 1990.
A outra matéria que vale a pena ser equacionada tem a ver com a limitação dos efeitos que esta proposta de lei terá sobre a desregulação que hoje existe no mercado de arrendamento. O Sr. Secretário de Estado terá certamente presente que foram feitas outras reformas do arrendamento urbano anteriores a esta - ocorreram em 1981, em 1985, em1990 e em 1995 -, cuja grande ambição sempre se traduziu em pontuais actualizações do valor da renda. Mais uma vez, é esta a base da proposta de lei do Governo.
O que é que significaram as outras reformas do passado? Significaram levar-nos hoje à situação de desregulação, de caos total em termos de mercado do arrendamento, com imóveis por alugar e com pessoas a precisar de habitação.
Lamento dizer-lhe que a ambição desta proposta do Governo é absolutamente limitada e que ela se arrisca a conhecer o mesmo destino de outras reformas antes dela.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, em relação aos apoios do Estado aos agregados familiares carenciados, na proposta do Governo tais apoios assentam num conceito extremamente vago. O que é que é isto do rendimento anual bruto corrigido? Significa exactamente o quê em termos dos rendimentos das famílias? Significa que estamos a falar de agregados familiares de quanto membros?
Nada disto é clarificado na proposta do Governo, que remete para legislação complementar, sem deixar minimamente anunciados nem o sentido nem os parâmetros pelos quais se definirá este conceito. O que constatamos na proposta do Governo é a grande ausência de uma preocupação com uma politica social para a habitação.
Finalmente, a grande "pedra de toque" ideológico tem a ver com as condições de resolução dos contratos. É extraordinário que o Governo do Partido Socialista recorra aos valores do salazarismo para admitir como condições de resolução de contratos práticas que são contrárias aos bons costumes e à ordem pública.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sr. Secretario de Estado, isto é uma porta aberta para as manifestações de intolerância, de discriminação e de xenofobia, disfarçadas de bons costumes e de ordem pública.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, porque disponho apenas de 9 minutos para todo o debate, terei de ser telegráfica nas duas questões que quero colocar.

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Primeira questão: uma vez que querem que este diploma entre em vigor já no dia 1 de Janeiro de 2006 e já devem ter cálculos sobre quantas pessoas vão ser abrangidas pelo subsídio de renda, eu gostava de saber mais qualquer coisa sobre o subsídio de renda, para poder fazer uma avaliação total e completa dos resultados anti-sociais desta proposta de lei.
Segunda questão: pode explicitar-me qualquer coisa mais sobre a venda forçada - isso não está na proposta - para eu saber se, de facto, o valor será o que o inquilino possa pagar ao pequeno senhorio - é ele o atingido por isto e não o grande - ou se o inquilino arranjará um testa-de-ferro que esteja interessado em negócios imobiliários para lhe pagar o preço do imóvel?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Penso que é do interesse de todos a dinamização do mercado de arrendamento, quer pela sua importância em termos de habitação quer pela sua importância em matéria de realização urbana.
Nós sabemos que, ao longo dos anos, o Estado se demitiu da sua responsabilidade social nesta matéria, o que levou a que todo o centro das nossas cidades se fosse degradando, descapitalizando os senhorios.
Aliás, foram os tribunais que, através da figura do abuso do direito, impediram que senhorios com rendas baixas e sem capitais fossem obrigados a fazer obras. Por isso, confesso, não entendo a violência, prevista na sua proposta, de permitir que um inquilino confisque, exproprie, esbulhe um proprietário tantas vezes descapitalizado, forçando-o a vender-lhe o seu imóvel. É de uma notória inconstitucionalidade!
Isto já para não falar no caso de se obrigar o proprietário a fazer obras sempre que o nível de conservação tenha classificação inferior a três, ou seja, sempre que o estado de conservação seja excelente ou bom. Parece-me que não é aí que reside o principal problema em termos de reabilitação urbana!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, parece-me, claramente, que há aqui uma proposta que é omissa, num conjunto de outras que nos são prometidas pelo Governo, e que, não tenho dúvida alguma, está ao arrepio do que todos nós desejamos e que é ter um mercado de arrendamento que dê sinais de evolução e de estabilidade. Porém, o Governo dá estes sinais contraditórios. Esta violência que se pretende estabelecer com a mudança da propriedade dos imóveis pelo facto de não se fazerem obras é um sinal que introduz instabilidade num mercado que se não for estável nunca conseguirá relançar-se em Portugal.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Hortense Martins.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, nos seus primeiros 100 dias de governação o Governo deu cumprimento ao compromisso que tinha estabelecido com os portugueses através do seu programa e de acordo com os objectivos nele definidos. A revisão da Lei do Arrendamento Urbano, que aí tinha sido assumida como prioridade, é, efectivamente, tratada como tal.
A necessidade de revisão do actual regime é consensual. O Partido Socialista só pode congratular-se e saudar o Governo por esta iniciativa e por, logo nos primeiros 100 dias de governação, ter cumprido o seu programa e apresentado esta reforma importantíssima, que todos os portugueses esperavam.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Está tudo de braços abertos!

A Oradora: - Consideramos que, ao contrário de outras propostas, a proposta de lei n.º 34/X é justa e equilibrada. Por isso, Sr. Secretário de Estado, gostaria que me explicasse, de forma mais detalhada, como irão, na prática, conjugar-se as necessidades de dinamização do mercado de arrendamento com as preocupações sociais relativas aos extractos sociais mais desfavorecidos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah, mas essa é uma pergunta que não devia fazer ao Sr. Secretário de Estado porque não é possível responder-lhe!
Tenha pena do Sr. Secretário de Estado, que é do seu partido!

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosário Cardoso Águas.

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A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, começo por dizer-lhe que gostava, muito sinceramente, de neste dia poder felicitá-lo se nos tivesse trazido aqui uma solução eficaz para o arrendamento, uma solução que promovesse, efectivamente, a confiança dos agentes económicos, de forma a que pudessem colocar no mercado as dezenas de milhares de fogos devolutos e que fosse capaz de incentivar a reabilitação urbana.
Infelizmente, posso apenas cumprimentá-lo por ter cumprido a sua agenda política e por ter também tido a humildade de, com os diplomas que entregou, ter reconhecido a actualidade da proposta do governo anterior, já que muitos documentos são verdadeiramente cópias e o modelo é o mesmo, havendo apenas uma pequena "enormíssima" diferença no que diz respeito ao regime de transição. É pena, porque é aquilo que marca a diferença entre uma proposta eficaz e uma proposta não eficaz.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - São ineficazes as duas!…

A Oradora: - Deixa-me falar, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Deixo, deixo.

A Oradora: - Como dizia, eu esperava e desejava que esta proposta tivesse mesmo a marca do Sr. Primeiro-Ministro, que fosse corajosa e dirigida, sem medos, às causas dos problemas.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): Ahhh…!

A Oradora: - Mas não! Esta proposta de lei tem a marca de um Ministro, ou de um Secretário de Estado, que não está disposto a arriscar a sua popularidade. É uma proposta que adia o problema e está cheia de complexos e de ideologia.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - Quando todos sabemos que foi a intervenção do Estado, no passado, que causou a situação que hoje enfrentamos, a proposta do Governo insiste no erro, sobrepondo o Estado à vontade das partes na fixação administrativa do valor das rendas, na proliferação dos direitos de preferência e nas restrições ao direito de denúncia do senhorio.
O Governo ainda não compreendeu que cada restrição, que cada entrave que coloca no mercado de arrendamento tem um custo marginal para a renda que será pago pelo futuro arrendatário.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Bem lembrado!

A Oradora: - Quanto à actualização de rendas, o Governo insiste na fixação administrativa, um método que é injusto e irracional. É injusto porque os limites dos aumentos das rendas são em valor absoluto e não ponderam os rendimentos dos agregados, o que provoca taxas de esforço incomportáveis para os pobres e insignificantes para os ricos; é irracional por várias razões, mas, basicamente, porque ignora o mercado e a vontade das partes.
Gostava de perguntar-lhe a este propósito, Sr. Secretário de Estado, o que é que pensa fazer nos casos em que o Estado é arrendatário. Deve saber tão bem como eu que o Estado tem cerca de 300 000 m2 só de serviços centrais, alguns a pagar 15$ e 20$/m2. Como vai ser feita esta actualização? O Estado vai aproveitar-se dos prazos de transição ou vai dar o exemplo, como lhe compete?
Outra questão: Portugal tem 500 000 fogos devolutos, tem 800 000 fogos a necessitar de obras. O Partido Socialista foi o campeão dos fogos vagos (100 000 em seis anos), foi campeão dos fogos degradados (85 000 em seis anos) e foi campeão em construção civil (800 000 fogos).

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - A sua proposta não responde a este problema. Gostávamos de saber, Sr. Secretário de Estado, quanto está previsto no Orçamento do Estado para reabilitação urbana.
Por último, Sr. Secretário de Estado - e peço ao Sr. Presidente um pouco de tolerância, dadas as interrupções que tive -, …

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A minha alma está parva!…

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A Oradora: - … de acordo com o n.º 4 do artigo 47.º das normas transitórias, um senhorio que perdeu a capacidade financeira para realizar as obras necessárias será obrigado a vender o locado ao arrendatário pelo valor determinado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI). Só há uma conclusão a tirar: o Sr. Secretário de Estado quer "exterminar" os antigos senhorios e substituí-los pelos antigos arrendatários.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Eu pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado, por que razão, ao abrigo de que direito, se atreve a propor a este Parlamento uma expropriação por utilidade particular, quando foi o Estado o responsável pela situação em que se encontram os antigos senhorios e quando foram estes que se substituíram ao Estado nas suas obrigações sociais.

O Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr.ª Deputada. Ainda pode fazer uma intervenção depois.

A Oradora: - Concluí, Sr. Presidente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder a todo este rol de perguntas, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, que dispõe de 5 minutos e 40 segundos.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: - Sr. Presidente, antes de mais agradeço a todas as Sr.as e Srs. Deputados que tiveram a oportunidade de colocar perguntas pertinentes sobre esta relevantíssima reforma.
Começo por me dirigir aos Srs. Deputados José Luís Arnaut e Rosário Águas, compreendendo, certamente, a situação difícil em que se encontram hoje - a de quem durante três anos não foi capaz, com uma larguíssima maioria absoluta, de proceder à reforma do arrendamento urbano…

Aplausos do PS.

… e que, nesses três anos, o que há um ano atrás trouxe à Assembleia foi um mero pedido de autorização legislativa.

Protestos do PSD.

O Partido Socialista teve nesse debate uma posição construtiva, que levou, aliás, a uma votação que viabilizou a proposta do governo, apresentando um conjunto de propostas que permitiam, no nosso entendimento, que essa fosse uma boa Lei do Arrendamento Urbano.
O desafio que faço, neste momento, em nome do Governo, ao maior partido da oposição, é que tenha um sentido de responsabilidade equivalente e que, em sede de especialidade, naquilo que são matérias em que entende ser possível um amplo consenso nacional, a bem de uma questão que o merece, e não tendo apresentado qualquer iniciativa legislativa, apresente as propostas que permitam corrigir os alegados erros de uma lei, em relação à qual oscila entre entender que, no essencial, é a mesma e, logo a seguir, que enferma de erros gravíssimos.

Aplausos do PS.

Quanto à referência ao processo de debate, a diferença é toda: o Governo não só cumpriu o objectivo de apresentar esta lei nos primeiros meses do seu mandato como o fez ouvindo os parceiros, criando um significativo consenso sobre a sua matriz essencial, com compreensíveis e naturais divergências em que proprietários entendem que a transição deve ser tão curta quanto possível e com o mínimo de excepções e inquilinos defendem que, sendo esta a matriz com que estão de acordo, deve ter uma transição tão longa quanto possível e um âmbito de casos excepcionais tão vasto quanto desejável.
Aliás, sobre as preocupações que o Sr. Deputado José Luís Arnaut aqui referiu, o Presidente da Associação Lisbonense de Proprietários foi muito claro. Numa entrevista dada depois de esta versão final, aprovada em Conselho de Ministros, ter sido entregue na Assembleia da República, disse, sobre a nova lei, que as novas rendas vão ser mais baratas com a entrada em vigor da lei e, sobre o projecto antigo, que a proposta do Dr. Arnaut era um disparate, era uma "lei dos despejos". Esta era a opinião do Presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, em Agosto, depois da aprovação da versão final em Conselho de Ministros.
Já agora, gostaria de dar um esclarecimento sobre uma pequena e óbvia confusão acerca das 73 alterações entre a versão posta à discussão pública, no início de Junho, e a versão que foi entregue na Assembleia,

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no final de Julho. O Governo do Partido Socialista não só cumpre o seu programa como faz uma discussão pública séria e efectiva, que se traduz no acolhimento das 73 alterações que o Sr. Deputado José Luís Arnaut teve a bondade de referenciar.

Aplausos do PS.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Descaracterizou-as!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, compreendo as observações que faz. No debate na especialidade iremos, certamente, ter oportunidade de discutir as preocupações que entendeu suscitar.
Sr.as Deputadas Odete Santos e Alda Macedo,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Finalmente!

O Orador: - Sr.ª Deputada, com toda a amizade, os últimos são os primeiros…

Risos do PS.

Sr.as Deputadas, o que está aqui em causa, fundamentalmente, é encontrarmos mecanismos que salvaguardem o efectivo direito a uma habitação condigna conservada para as velhas gerações dos velhos arrendamentos, com um período de transição com base em preocupações sociais de 10 anos, em que se atende à situação efectiva, ao rendimento do agregado familiar, garantindo um subsídio de renda para todos aqueles que têm rendimentos inferiores a três salários mínimos nacionais.
Por fim, quanto à questão, aqui tão discutida hoje, da possibilidade de compra pelo inquilino, é uma última solução: é a solução de quando o proprietário não faz as obras que garantam a requalificação do prédio,…

O Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - … quando a autarquia não faz as obras de requalificação do prédio, quando o inquilino as quer fazer e tal não lhe é admitido.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É porque o inquilino tem dinheiro.

O Orador: - No Governo do Partido Socialista não nos vergamos, não desistimos perante a decadência das nossas cidades. Acreditamos na prioridade da renovação urbana, não queremos a morte do centro urbano de cidades, como Lisboa e Porto,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas têm mecanismos para isso na proposta de lei, como a venda forçada! É o "testa-de-ferro"!

O Orador: - … e estamos disponíveis para, na especialidade, com os Srs. Deputados, encontrar as melhores soluções para dar resposta a esse problema.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O mercado de habitação é um dos maiores mistérios do nosso país. Os planos directores municipais, todos juntos, prevêem a construção para 40 milhões de habitantes, mas ao mesmo tempo temos mais de meio milhão de fogos devolutos e milhares de agregados familiares a viver em casas minúsculas.
Somos o país da Europa com o maior índice de construção de nova habitação e onde menos se investe na recuperação dos prédios. Tudo junto, o resultado é conhecido: o parque habitacional degrada-se progressivamente, enquanto os proprietários esperam que os prédios caiam de velhos, a contar com a especulação do mercado imobiliário.
Urge, por isso, alterar a lei das rendas actualmente em vigor, exigindo da parte do Estado uma capacidade de dinamização muito mais actuante, capaz de chamar a si os incentivos necessários para estimular o mercado do arrendamento.
Infelizmente, a proposta do Governo que hoje, aqui, é discutida baseia-se, tão simplesmente, numa confiança desmedida na capacidade de auto-regulação de um mercado que já deu, no passado, todas as provas

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da sua incapacidade de regulação.
Partilhamos com o Governo a orientação de que o cálculo do valor do imposto municipal sobre imóveis deve ser agravado no caso dos imóveis devolutos, mas a nossa concordância termina aí mesmo. Ao contrário do Governo, não acreditamos que baste agravar o imposto para que estes imóveis passem a cumprir a função para que foram construídos.
O nosso projecto de lei defende a constituição de uma bolsa de arrendamento a partir das habitações que se encontram devolutas ou que foram objecto de expropriação pelas câmaras municipais, no sentido de promover a sua incorporação no mercado do arrendamento de uma forma dinâmica. Para tanto, é imprescindível proceder a um recenseamento geral da habitação. É inaceitável - e exemplar sobre a desresponsabilização do Estado - que nem mesmo os organismos e as autarquias conheçam a dimensão do seu património imobiliário.
O Bloco de Esquerda considera que o direito à habitação é mais do que um direito constitucional. O direito à habitação é um direito social e um requisito imprescindível para a coesão e é, portanto, um dever do Estado garantir o cumprimento desse direito. Nesta matéria, o Governo dá-nos "uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma". Essa é a nossa profunda divergência: o Estado tem de ter uma política social para a habitação.
Sendo a habitação uma das necessidades mais elementares, uma política social de habitação tem de pautar-se pelo apoio do Estado ao esforço dos agregados familiares com as despesas de habitação.
A proposta do Bloco de Esquerda defende o subsídio à actualização das rendas sempre que se verifiquem factores de fragilização da situação dos agregados. Factores como o desemprego, os baixos rendimentos, a deficiência e a idade avançada dos titulares do arrendamento devem constituir parâmetros de reconhecimento, da parte do Estado, da existência de um campo de atribuição de um subsídio à renda desses agregados.
Esta é a condição para que o Estado seja verdadeiramente um Estado social, aquele que reconhece as necessidades mais elementares da sua população e se mobiliza, de uma forma solidária, para lhes dar resposta. E é aqui que o Governo se revela mais ausente na sua proposta. Razão pela qual o Bloco de Esquerda não pode senão votar contra esta lei.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Arnaut.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A reforma do regime jurídico do arrendamento urbano é - já o afirmámos vezes sem conta - absolutamente imprescindível e cada vez mais urgente para evitar a irreversibilidade da degradação do parque habitacional português e reequilibrar o mercado da habitação nacional.
Os principais problemas do actual regime jurídico são por todos demais conhecidos.
Importa salientar que, antes de mais, temos o carácter vinculístico dos contratos celebrados antes de 1990.
Todos sabemos que contratos que foram celebrados com um determinado prazo se eternizaram e se eternizam hoje em dia.
Estas regras levaram à desconfiança dos agentes no mercado do arrendamento e ao seu afastamento.
Outro problema - hoje também por todos reconhecido - tem origem no congelamento do valor das rendas, ao longo de décadas. Indirectamente, o congelamento das rendas, ao descapitalizar os senhorios, é um dos principais responsáveis pela degradação do património imobiliário e pela consequente desertificação dos centros urbanos; por outro lado, ao induzir a prática de valores de renda excessivos nos contratos mais recentes, ele é indirectamente responsável pelo endividamento das famílias jovens, as quais, não encontrando no arrendamento uma opção de habitação, se vêem forçadas a recorrer a empréstimo bancário para aquisição de casa própria, com as consequentes repercussões ao nível da sua mobilidade.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por último, não podemos esquecer a complexidade, a lentidão e a onerosidade da acção de despejo.
Ora, para que qualquer projecto legislativo que anuncie a reforma do actual regime jurídico do arrendamento se revele sério e verdadeiramente determinado a resolver os problemas que resumidamente aflorámos, ele terá necessariamente de visar atingir, pelo menos, cinco objectivos: primeiro, promover o mercado de arrendamento para habitação, criando uma alternativa económica e real à aquisição de casa própria; segundo, proporcionar a mobilidade dos cidadãos, em especial dos mais jovens; terceiro, incentivar a reabilitação urbana, criando, em consequência, condições para o regresso da população aos centros das cidades; quarto, encorajar a racional utilização dos recursos habitacionais disponíveis; e, quinto, proporcionar o aumento da qualidade habitacional, por via do incentivo à recuperação dos fogos degradados.
Para alcançar tais objectivos, será necessário que a reforma do regime jurídico do arrendamento

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contemple, pelo menos, as seguintes alterações ao estabelecido no regime em vigor: primeiro, restabeleça a duração limitada dos contratos; segundo, acabe com a transmissibilidade dos contratos; terceiro, actualize o valor das rendas nos contratos anteriores a 1990, cujo valor médio é de 55 €; quarto, crie a possibilidade de denúncia dos contratos de arrendamento e estabeleça prazos para a efectivação desta; quinto, agilize e simplifique as acções de despejo; sexto, incentive a reabilitação dos imóveis degradados, assegurando as condições mínimas de habitabilidade e o rejuvenescimento do comércio - será, no entanto, indispensável que o Estado apoie inicialmente o processo de reabilitação dos imóveis mais antigos, que o Estado não se demita de ter aqui um papel activo; sétimo, proteja o direito à habitação, através da concessão de apoios a quem realmente deles necessita - a habitação das famílias mais carenciadas e socialmente mais frágeis deve ser assegurada pelo Estado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por último, que crie incentivos fiscais ao arrendamento, não só através do agravamento da taxa do IMI (imposto municipal sobre imóveis) para os prédios devolutos, mas, principalmente, através de inovadoras medidas de amortização excepcional dos investimentos efectuados em imóveis para habitação, que sejam afectos ao arrendamento, por um determinado período mínimo de tempo e em determinadas condições de renda.
Vejamos, agora, por que é que as soluções apresentadas pelo actual Executivo, na proposta que hoje discutimos, não contemplam as medidas que entendemos necessárias para atingir os objectivos de uma verdadeira e justa reforma do arrendamento urbano.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Comecemos pela actualização do valor das rendas.
Seguindo as regras propostas pelo Governo, não haverá uma verdadeira actualização do valor das rendas antigas, mas apenas actualizações fiscais dos prédios.
A fórmula proposta não é nova - o primeiro a recorrer a ela foi, aliás, o Prof. Oliveira Salazar, cujos pensamento e opções políticas se revelam agora, para nosso espanto, coincidentes com os do Partido Socialista.
Infelizmente, já todos conhecemos os limitados resultados da aplicação desta fórmula, devido à escassez de meios humanos pela administração fiscal. A médio prazo, a aplicação de critérios puramente administrativos, que determinam uma taxa fixa de retorno do capital, sem incorporar os níveis de risco inerentes ao investimento e sem ter em atenção factores de natureza subjectiva essenciais na determinação do valor de qualquer bem, não irá assegurar a convergência do valor da renda para valores de mercado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Acresce que, para haver actualização nos arrendamentos para habitação, é necessário que os senhorios façam obras. O princípio está correcto, mas como vão os senhorios financiar essas obras se estão descapitalizados por anos e anos de rendas baixas? Parece inacreditável, mas o Governo, na sua proposta, não prevê qualquer forma de ajuda financeira ao senhorio para as obras, mas, como contrapartida, premeia-o com uma disposição indubitavelmente inconstitucional, ao permitir que o arrendatário lhe exproprie o locado, pelo valor da avaliação fiscal, sem que o senhorio se possa a tal opor.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Segue-se a questão do limite da actualização nos 4% do valor tributário do imóvel. Porquê 4% e não 2% ou 8%? O valor escolhido pelo Governo é totalmente aleatório e sem qualquer suporte financeiro. Se tivermos em conta todos os encargos e a inflação, estas percentagens podem chegar a ser negativas, inclusivamente.
Como se isto não bastasse, o Governo propõe regras para a realização da avaliação fiscal que se revelam confusas, incertas e altamente burocráticas. Várias questões se levantam. Afinal, quantas avaliações podem ser feitas? Quais as competências de cada entidade que compõem a CAM (Comissões Arbitrais Municipais)? Por que vale mais a avaliação pedida pelo arrendatário, em caso de recurso?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Não poderemos terminar, Srs. Deputados, sem aflorar uma última questão que nos parece de essencial importância. Refiro-me à questão da transição dos contratos antigos e da confusão gerada pelo texto apresentado pelo Governo.
Afinal, ao passarem para o novo regime, qual o regime que lhes é aplicável, em termos de duração? O

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Governo parece cometer um imperdoável erro: esquece ou, então, desconhece, o que é mais grave, que todos os contratos celebrados antes da entrada em vigor do RAU (1990) ou na sua vigência são contratos com prazo, pelo que, ao determinar a sua passagem para o novo regime, aplicar-se-ão as regras dos contratos a termo certo. Ora, se assim for, de nada adianta prever limitações ao direito de denúncia do senhorio, pois, no regime de prazo certo, o senhorio não pode denunciar o contrato. Não faz sentido limitar um direito que não existe!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Consequência: se todos os contratos antigos são de prazo certo e a eles se vai passar a aplicar o regime previsto no novo regime, então, os senhorios poderão opor-se à renovação desses contratos, o que facilmente se percebe que implicará que, a breve prazo, milhares e milhares de inquilinos possam ver os seus contratos terminados e haja milhares e milhares de acções de despejo.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Acresce que o texto do projecto apresentado prevê, simultaneamente, a aplicação aos contratos antigos de duas regras diferentes quanto à transmissão dos contratos. Uma, prevista no artigo 57º das normas transitórias, prevê a transmissão apenas ao cônjuge, unido de facto e filhos; enquanto a outra, o artigo 1106.º do RNAU, tem como destinatário da transmissão um leque muito mais alargado de pessoas.
Se não forem clarificadas estas disposições, esta lei revelar-se-á - ela, sim - uma fonte de litígios e uma verdadeira "lei dos despejos", mas, desta feita, sem direito a qualquer indemnização ao arrendatário e independentemente da idade e condição socioeconómica deste.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Erros técnicos como estes provam que o Governo não conhece o regime que quer mudar, pelo que aponta soluções confusas, contraditórias e que irão provocar o caos no mercado do arrendamento e irão, sem dúvida, aumentar litígios e entupir os tribunais com processos. Estou certo de que não é isto que o Governo deseja.
Por isso, não se compreende que o Governo insista numa visão arcaica do mercado de arrendamento. Demonstrando que desconfia do mercado, o Governo incentiva os litígios entre as partes e não tem a coragem de resolver os verdadeiros problemas de que padece, há décadas, o mercado habitacional português.
O Estado tem de ser uma entidade reguladora, não tem de ter um papel, aqui, controlador e incentivador.
A confusão e a incerteza geradas pela proposta apresentada pelo Governo, aliadas ao facto de nela não encontrarmos soluções que incutam confiança nos agentes que intervêm neste mercado, faz com que esta proposta de lei, enquanto intenção de reformar o regime jurídico do arrendamento urbano, se revele uma oportunidade perdida e estejamos apenas perante um mero retoque cosmético na lei das rendas.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, em sede de comissão, iremos apresentar propostas concretas e apostar que haja, em Portugal, depois de todo este debate, uma profunda e verdadeira lei do arrendamento.
Nesse sentido, Sr. Ministro, esperamos também, da sua parte, um envolvimento profundo nesta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 34/X pretende rever o Regime Jurídico do Arrendamento Urbano através da criação daquilo que denomina o "novo Regime do Arrendamento Urbano".
A exposição de motivos dá-nos conta da motivação que levou o Governo a apresentar a presente proposta de lei: "Promover o mercado de arrendamento, facilitando a mobilidade dos cidadãos e criando condições atractivas para o investimento privado no sector imobiliário, devolvendo confiança aos agentes económicos e promovendo a reabilitação urbana, a modernização do comércio e a qualidade habitacional."
Ora, perante tão ambiciosos e solenes objectivos (cujo mérito não se questiona), após uma leitura atenta da presente proposta de lei, não podemos deixar de retirar uma só conclusão: a anunciada reforma não é mais do que um arrazoado de medidas avulsas, umas que indiciam opções político-legislativas erradas e outras tecnicamente (leia-se constitucionalmente) de difícil, para não dizer impossível, conformidade com o ordenamento constitucional em vigor.

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, assim, de mais uma oportunidade perdida.
Ao invés de aproveitar na plenitude o trabalho anterior da coligação PSD/CDS-PP que tinha concluída uma verdadeira reforma das leis do arrendamento, o Governo apresenta-nos uma proposta tímida, envergonhada, muito aquém do esperado e, sobretudo, do necessário para que os objectivos proclamados possam ter alguma aplicação, mantendo, ao invés, o carácter eminentemente vinculístico deste regime.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E nem se questiona a opção do ponto de vista sistemático de a matéria do contrato de arrendamento regressar ao Código Civil e, desde logo, à inserção anterior à publicação do Regime do Arrendamento Urbano. É sempre positivo o combate à dispersão legislativa sobre a mesma matéria, ainda que, neste caso, possa trazer algumas dificuldades aos operadores de justiça.
Mas do ponto de vista substantivo, muitas opções merecem as nossas maiores dúvidas.
Senão vejamos.
A tradicional partição do arrendamento urbano (habitacional, para exercício de comércio e indústria, ou para o exercício de profissão liberal, ou outra aplicação lícita) é substituída apenas pela divisão entre arrendamento habitacional e não habitacional. Até nem se questiona esta opção de fundo cujo objectivo, julgo, é simplificar regimes. Mas esta simplificação não deve nem pode provocar, como provoca, a aplicação quase automática de normas, que, pela sua natureza, estão pensadas para o arrendamento habitacional, aos arrendamentos para o exercício de comércio, indústria ou profissão liberal.
Do mesmo modo, a apregoada agilização processual, sobretudo da acção de despejo (que não só é positiva como desejável), deixam-nos dúvidas sobre as suas aplicabilidade e eficácia.
A separação entre a fase declarativa e a fase executiva, passando aquela a poder ser intentada sob a forma de processo comum, ordinário ou sumário, ou a supressão da fase declarativa em alguns casos, ou o alargamento do leque de títulos executivos extrajudiciais e, ainda, as alterações ao regime da execução para entrega de coisa certa, até constituem sinais positivos.
Mas pouco poderão fazer nesta matéria se não forem acompanhadas por outras de carácter legislativo mas também de organização e funcionamento dos tribunais no reforço, quer de meios materiais quer de meios humanos, especialmente em sede da reforma da acção executiva.
Neste sentido, a proposta de lei parece-nos de igual modo pouco ambiciosa na promoção de formas de resolução extra-judicial dos conflitos que constituem, essas, sim, a verdadeira forma de agilização do processo e de combate à morosidade.
De igual modo, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, estamos de acordo com o princípio geral (e até com a necessidade) de actualização das rendas antigas - sempre o dissemos - e até com o mecanismo-regra consagrado de determinação do valor de correcção das rendas anteriores a 1990, para os arrendamentos habitacionais, ou a 1995, para os arrendamentos comerciais, que é o das avaliações efectuadas no âmbito da reforma da tributação do património e o valor de mercado para efeitos de IMI, assim se estabelecendo a tal ligação entre a actualização das rendas antigas e a reforma da tributação do património.
Mas não deixamos de notar que existem alguns mecanismos que nos merecem as maiores dúvidas e que, em sede de especialidade, iremos apresentar propostas de alteração.
Desde logo, o montante e os prazos das actualizações e até a constituição das comissões arbitrais municipais que, para além de se traduzir numa estrutura burocrática que afasta o relevante papel da peritagem, não compreende todos os representantes de entidades com legítimo interesse na matéria, nomeadamente no sector do arrendamento comercial.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas é do ponto de vista constitucional que a presente proposta de lei nos merece as maiores das dúvidas.
A título de exemplo, referimos a alínea a) do n.º 3 do artigo 36.°, que prevê a possibilidade de o inquilino obstar à actualização da renda por iniciativa do senhorio invocando a circunstância de possuir um rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a cinco salários mínimos nacionais anuais. Em regra, esta actualização é feita gradualmente ao longo de cinco anos. Pode, no entanto, ser feita em dois anos, quando o senhorio invoque que o arrendatário dispõe de um rendimento superior a 15 salários mínimos nacionais anuais. Neste caso, cabe ao senhorio provar, requerendo ao serviço de finanças o comprovativo de que o inquilino dispõe de um rendimento superior a 15 salários mínimos nacionais anuais.
Contudo, muitas dúvidas suscita esta norma quanto à forma como se irá processar, uma vez que o senhorio estará a aceder a dados de uma situação contributiva que não é a sua. Será aceitável se o serviço de finanças se limitar a certificar, em abstracto, que o inquilino tem rendimentos superiores a 15 salários mínimos nacionais anuais. Mas já será de todo inaceitável a transmissão ao senhorio de uma certidão da

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declaração de rendimentos de um terceiro, violando a norma constitucional que proíbe o acesso a dados pessoais de terceiros, plasmada no artigo 35.º, n.º 4.
É de referir, ainda, que a presente proposta de lei, em muitos aspectos, é vaga, genérica e remete para a aprovação, pelo Governo, de nova legislação no prazo de 120 dias, sem o necessário, exigível e atempado escrutínio atempado da Assembleia da República, e, desde logo, em matérias tão sensíveis como o regime jurídico das obras coercivas ou a definição do conceito de prédio devoluto.
Por exemplo, em relação ao regime jurídico das obras coercivas, falta conhecer quais os mecanismos que o Governo prevê consignar na lei para prever a possibilidade de os arrendatários adquirirem o prédio ou fracções. É que, sem tal referência, a Assembleia da República poderá estar a conceder, de forma inaceitável, autorização para a violação de um direito fundamental como é o direito de propriedade, consagrado e defendido desde sempre na Constituição da República Portuguesa.
O mesmo se diga quanto à autorização relativa à definição do conceito de prédio devoluto, cuja extensão compreende a definição dos meios de detecção da situação de devoluto, bem como a indicação da entidade que a ela procede, e do procedimento aplicável. Quais são estes meios de detecção da situação de devoluto? É uma pergunta que fica sem resposta, a qual esta Assembleia deveria conhecer de forma precisa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em suma, o CDS-PP continua disponível para realizar a necessária discussão sobre esta matéria. Um debate político, mas sem dogmas ideológicos a determinar opções jurídicas; um debate social, mas sem fazer das leis do arrendamento o único instrumento de combate à exclusão social que deve ser realizado por outros meios; um debate jurídico, mas com intenção de busca das melhores soluções para os relevantes interesses em causa e não como meros instrumentos de intenções proclamatórias e desfasadas da realidade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nestes termos, da real disponibilidade, ou não, do Governo e do Partido Socialista para, em sede de especialidade; procederemos em conjunto a alterações profundas à presente proposta de lei, dependerá o sentido de voto do CDS-PP.
Já o mesmo não podemos dizer do projecto de lei do BE que, para além de consagrar soluções políticas erradas para um problema que é sério, propõe medidas completamente demagógicas, irrealizáveis e próprias de quem não governa e nem quer governar,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - O costume!

O Orador: - … pelo que votaremos contra.
Concluindo, para uma reforma profunda e necessária da lei do arrendamento está o CDS-PP disponível, para medidas populistas ou reformas de cosmética de duvidosa eficácia e até legalidade não contem connosco!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado: No anterior debate sobre o Regime do Arrendamento Urbano, o então Deputado Eduardo Cabrita criticou a proposta de lei em discussão, afirmando que se tratava de uma lei dos despejos, de ruptura social, de precariedade que ameaçava todos os inquilinos, habitacionais ou não.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Bem lembrado!

A Oradora: - Referia-se o agora Secretário de Estado à disposição da proposta de lei que permitia a denúncia dos arrendamentos, sem causa justificativa, colocando todos os inquilinos com um contrato a prazo. Referia-se também às disposições que enunciavam, a título meramente exemplificativo, a justa causa de despejo. Disposições onde até cabiam considerações subjectivas para provocar uma rápida desocupação dos imóveis, deixando os arrendatários, habitacionais ou não, na maior das instabilidades.
E porque assim era, reza o Diário da Assembleia da República, que tenho comigo, que o Partido Socialista propôs a eliminação da disposição que permitia a denúncia do arrendamento sem causa justificativa.
Reza também o Diário da Assembleia da República que, quanto aos motivos de resolução do arrendamento, o Partido Socialista apresentou uma proposta para que o enunciado dos motivos fosse taxativo, não podendo ser admitidas quaisquer outras razões, assim se garantindo segurança na relação arrendatícia.
Reza o Diário da Assembleia da República, mas essa era já uma oração pelos fiéis defuntos…

Risos.

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… porque, menos de um ano depois, o Partido Socialista, agora no Governo, propõe que o senhorio possa denunciar o arrendamento com a antecedência de cinco anos sobre a data em que pretende o despejo, sem qualquer justificação, e sem indemnização.

Protestos do PS.

Vão ver a proposta! Não lêem! Leiam o artigo 1101.º, alínea c)!
E o que é isto senão a ruptura social, a precariedade, na voz crítica de um Deputado então da oposição?
Mas o Partido Socialista, agora no Governo, propõe também que a justa causa de resolução do contrato seja um conceito aberto, onde cabem os motivos que a proposta enuncia, mas também muitos outros, como na proposta de "lei Arnaut", do PSD?
E o que é isto senão instabilidade e precariedade?
O que é isto senão dar o dito por não dito, tentando jogar com o direito à habitação, usando da negação do direito para favorecer interesses imobiliários, para garantir o equilíbrio no instável mercado imobiliário que concita as preocupações do FMI, segundo li num relatório do Senado francês sobre o mercado imobiliário em França?
São ainda outras as disposições onde se pode ler precariedade e instabilidade.
Falemos, por exemplo, de algumas disposições das normas transitórias, das normas, muito "coxas", que se referem a arrendamentos de pretérito.
Ora, se é certo que, relativamente aos arrendamentos celebrados na vigência do RAU (Regime do Arrendamento Urbano), habitacionais e comerciais, celebrados depois do Decreto-Lei n.º 257/95, não podem ser denunciados sem causa justificativa, a verdade é que o Partido Socialista encontrou uma forma enviesada de tornar maleável o regime e de criar mecanismos que conduzam à possibilidade de despejar mais depressa.
Esses mecanismos residem, nos contratos habitacionais, na eliminação da protecção aos filhos e aos enteados e, sobretudo, aos ascendentes do arrendatário que, atingindo os 65 anos, ou estando na situação de reforma por invalidez absoluta, ou de incapacidade total para o trabalho, deixam de poder opor-se ao despejo quando o senhorio invoque a necessidade da casa para habitação própria ou dos seus descendentes no 1.º grau.
Não será difícil, Sr. Secretário de Estado, perspectivar a angústia de um filho deficiente que, tendo recebido do pai o arrendamento, um dia se vê confrontado com o aviso de denúncia do mesmo para habitação do senhorio ou de um filho deste. Ou a angústia daquele pai com mais de 65 anos que, vivendo com o arrendatário, seu filho, um dia tem de aceitar a denúncia do arrendamento por aquelas razões invocadas pelo senhorio.
Relativamente aos arrendamentos não habitacionais, celebrados antes e depois do Decreto-Lei n.º 257/95, a lei acelera o final do arrendamento, nos contratos a prazo, diminuindo de dois anos o prazo da renovação automática para que o locado fique desocupado mais cedo, passando os contratos não habitacionais de duração ilimitada a ficar sujeitos à denúncia sem causa justificativa, e sem indemnização, depois do trespasse ou locação do estabelecimento feito após a entrada em vigor da lei.
Conta o Governo, com isto, que não haja trespasse nem locação, como, de facto, não haverá com a disposição referida, pois ninguém irá tomar de trespasse um estabelecimento sabendo que, no curto prazo de cinco anos, poderá ver cessado o arrendamento.
Ao inquilino comercial restará morrer de inacção à frente do seu estabelecimento cujo arrendamento nem sequer se transmitirá senão a um sucessor que com ele explore em comum o estabelecimento há mais de três anos.
As normas relativas ao pequeno e médio comércio inviabilizam, de facto, os trespasses.
Adivinha-se porquê: os centros dos grandes agregados urbanos, pasto da avidez dos grandes interesses imobiliários, ainda registam pequeno comércio e arrendamentos que barram os objectivos daqueles interesses.
Mas as injustiças não se ficam por aqui!
O regime da actualização de rendas, previsto nas normas transitórias, é, para os arrendamentos habitacionais anteriores e também para os celebrados depois do Decreto-Lei n.º 148/81, e, para os não habitacionais celebrados depois da Lei n.º 46/85, um regime injusto. Explicarei porquê.
Porque estes arrendamentos já estiveram sujeitos a actualizações anuais, não a correcções extraordinárias. São arrendamentos em regime de renda condicionada ou mesmo renda livre. E os de renda livre, a partir de 1985, também tiveram actualizações anuais.
E também é um regime injusto para os contratos de arrendamento não habitacionais celebrados depois de 1985, pois que também eles foram celebrados em regime de renda condicionada ou livre, sujeitos a actualizações anuais.
Assim, todos estes contratos, já com rendas muito elevadas, vão ser alvo de segunda actualização. Porquê?
O Governo não gosta destes arrendamentos - são arrendamentos de pretérito -. porque foram celebrados

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quando havia normas protectoras dos arrendatários, garantindo o direito à habitação, garantindo o pequeno e médio comércios.
Estes arrendamentos são um obstáculo à plena liberalização do arrendamento e ao fim de quaisquer normas que ainda confiram algum carácter vinculístico ao arrendamento. São um obstáculo à aplicação do novo regime, claramente antivinculístico, claramente contra os inquilinos e desconhecendo os pequenos senhorios.
São elucidativas as disposições do novo Regime do Arrendamento Urbano que permite: livre estipulação de renda; livre estipulação da actualização anual da renda; denúncia sem causa justificativa e sem indemnização; recusa, pelo senhorio, da manutenção do contrato de arrendamento quando o atraso no pagamento da renda seja superior a três meses; a prestação, pelo arrendatário, de caução de três meses de renda e de caução de outras obrigações.
Trata-se de um diploma que não tem em conta a grave situação social do País (desemprego, precarização do trabalho, atingindo sobretudo trabalhadores qualificados, pobreza, pobreza infantil).
Trata-se de um diploma que não dinamizará o mercado do arrendamento e que vai empurrar muitos portugueses para o limiar de pobreza ou abaixo desse limiar, que vai dar um novo fôlego ao mercado imobiliário e retirar o fôlego a famílias que se endividam para adquirir casa própria perante a especulação com as rendas.
Esta é mais uma medida anti-social do Governo do Primeiro-Ministro José Sócrates. Para que conste!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ramos Preto.

O Sr. Ramos Preto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Apreciamos hoje, nesta Assembleia, a proposta de lei n.º 34/X, que aprova o novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que estabelece um regime especial de actualização das rendas antigas e procede à alteração de um conjunto de códigos que existem no nosso ordenamento jurídico.
A proposta em apreço trata de matéria de relevante interesse nacional, atenta a sua importância para os portugueses e para o desenvolvimento do nosso país.
A proposta dá cumprimento a uma das prioridades consagradas no Programa do Governo, que prevê a revisão da Lei do Arrendamento Urbano, tendo em conta "o debate já travado na sociedade portuguesa sobre este tema e aposta na dinamização do mercado do arrendamento, por via da oferta de imóveis para arrendamento, da mobilidade e da promoção do acesso de famílias e agentes económicos a esse mercado".
É uma reforma que permitirá a actualização gradual das rendas, sujeitas a congelamento, dos imóveis que se encontrem em bom estado de conservação, minimizando os riscos de rupturas sociais ou económicas, incluindo no que se refere ao arrendamento comercial.
E se é um facto que, com a presente proposta, é ampliada a liberdade das partes na negociação do contrato, também é certo que, estando em causa a habitação dos cidadãos, há preocupações sociais que têm de ser consideradas, e que o são.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o facto de a habitação ser um direito fundamental, como tal considerado pela Constituição da República Portuguesa, leva a que o legislador possa conceder certo tratamento favorável ao arrendatário.
Sabemos que esta reforma tem por objectivo, entre outros, o aumento da oferta de habitações para arrendar, com o que isso significa de reequilíbrio de poder entre as partes.
No entanto, mesmo que o arrendatário, insatisfeito com a sua situação, não tenha dificuldade em encontrar no mercado de arrendamento uma nova habitação que satisfaça, a preço comportável, as suas necessidades, qualquer mudança de habitação tem inconvenientes associados. E, por isso, congratulamo-nos pelo facto de o Governo apresentar uma proposta na qual se justifica a tutela da estabilidade em termos efectivos, mantendo-se, por isso, o direito de preferência do arrendatário, o que louvamos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A aprovação da presente proposta de lei é absolutamente imperiosa dado que todos reconhecem que a actual situação é insustentável, atenta a degradação do parque habitacional português.
Procedendo à audição das associações representativas das diferentes partes contratantes, logo concluímos que há que mudar a situação existente, sob pena de não se atingirem os objectivos propostos no Programa do Governo e que correspondem às necessidades do País e dos portugueses, ou seja, a promoção da modernização do mercado do arrendamento, corrigindo as injustiças do passado, sem a criação de novas injustiças.
Na verdade, a proposta que é trazida a debate é ousada sem ser radical, é gradualista e não de execução instantânea, e é acompanhada pelo Estado que não desampara os mais carenciados, vai permitir que

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se estanque a degradação do parque urbano sem potenciar graves rupturas sociais a médio prazo, assegura a renovação urbana que todos reclamam, potencia a entrada no mercado do arrendamento de milhares de fogos devolutos, permite um aumento de rendas com base num método objectivo e de execução diferida no tempo e não em resultado de um processo negocial entre as partes que, como na reforma anterior, na falta de acordo, levava ao despejo do arrendatário.
Há quase um ano, a 22 de Outubro de 2004, o PS, nesta Assembleia da República, pela voz do então Deputado Eduardo Cabrita, apresentou um conjunto de propostas que constituíam "a base para uma reforma concertada do regime do arrendamento urbano", das quais realço:
Primeiro, as actualizações de renda devem determinar a avaliação dos prédios nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis;
Segundo, a renda máxima deve corresponder a uma percentagem a fixar, de acordo com as regras do mercado, considerando o valor patrimonial do prédio para efeitos fiscais;
Terceiro, a actualização da renda deve ser feita gradualmente;
Quarto, os inquilinos de rendimentos baixos devem beneficiar sempre de subsídio de renda;
Quinto, deve ser significativamente agravada, fiscalmente e nas taxas municipais, a situação de proprietários de prédios devolutos ou degradados que insistam em não colocar o prédio no mercado de arrendamento;
Sexto, que sejam criadas comissões arbitrais municipais com a participação das associações representativas que intervenham em alguns aspectos relativos à fixação da renda e outros;
Sétimo, que o Estado, em colaboração com as autarquias, estabeleça um programa de informação sobre os preços no mercado imobiliário de venda e de arrendamento.
Decorrido um ano, verificamos que o Governo, suportado nesta Câmara pelo Partido Socialista, apresenta uma proposta de lei à Assembleia da República que consagra as propostas que, então, pretendíamos ver discutidas na especialidade.
Na altura, afirmámos nesta Câmara que as políticas urbanas não podiam ser marcadas pelo terror da ameaça de despejo, pela ruptura social e pelo primado da capacidade financeira para indemnizar.
Hoje, apoiamos a proposta de lei que o Governo aqui nos apresenta, porque ela é coerente com o pensamento do PS nesta matéria, que não mudou e foi sufragado pelo povo português.
Com a presente proposta de lei, o Governo está a contribuir para que, no nosso país, passe a existir um sistema integrado de política urbana e de habitação, do qual resulte uma requalificação do património edificado, conjugada com dinamização do mercado do arrendamento, por via do aumento da oferta e da estabilização das próprias rendas, contribuindo assim para a promoção da qualidade de vida dos cidadãos.
O Governo, pela voz do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, já referiu que está disponível, assim como o PS está, para, em sede de especialidade, apreciar soluções de outros partidos que se considerem relevantes.
Há um ano, como sabem, abstivemo-nos na votação do projecto de lei aqui apresentado pelo Bloco de Esquerda. Hoje, atenta a posição aqui referida pelo Bloco de Esquerda em relação à proposta de lei, o Partido Socialista agirá em conformidade.
O PSD, pela voz do Sr. Deputado José Luís Arnaut, referiu aqui que esta proposta de lei é uma oportunidade perdida…

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - E é!

O Orador: - … e altamente negativa.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - E é!

O Orador: - Sr. Deputado, vou ler-lhe o que, há algum tempo, foi dito por alguém sobre a reforma legislativa trazida por si a este Parlamento: "O projecto de reforma legislativa apresentado pelo anterior governo apresentava-se-nos negativo, na medida em que optava por uma via conflituosa para a actualização das rendas antigas". Não foi a Associação de Inquilinos Lisbonense que disse isto, foi o Presidente da Associação Lisbonense de Proprietários.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Com o objectivo de dinamizar o mercado de arrendamento e impulsionar a renovação, reabilitação e requalificação urbanas, o Governo apresentou a proposta de lei que aprova o novo regime do arrendamento urbano (NRAU) e que hoje discutimos.
Para atingir estes objectivos, o Governo insiste, porém, no caminho trilhado pelas últimas alterações ou reformas de que o arrendamento tem vindo a ser objecto, que é o da liberalização assumida do mercado de

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arrendamento.
Os resultados das alterações que tiveram por base a liberalização estão à vista de todos: paralisação do mercado de arrendamento, degradação do parque urbano e especulação imobiliária.
O regime de rendas livres, trazido com a alteração de 1981 e depois acentuado em 1985 e 1990, também transportava os mesmíssimos objectivos que o Governo afirma na sua proposta, ou seja, a dinamização do mercado e a recuperação das casas degradadas. Porém, o que se verificou foi exactamente o contrário e os cerca de 550 000 fogos devolutos dão-nos a exacta leitura da pretendida dinamização do mercado com recurso à liberalização do arrendamento.
Os erros deveriam servir para com eles aprendermos, como forma de evitar repeti-los, mas o Governo insiste na liberalização, correndo, portanto, o sério risco de voltar a errar. É normalmente o que acontece quando nada aprendemos com os erros, quando os erros do passado não têm qualquer relevância nas decisões futuras.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Constituição da República, no seu artigo 65.º, elege a habitação como um direito que assiste a todos os portugueses, competindo, por isso, ao Estado criar as condições políticas que permitam a materialização desse direito.
Apesar disso, o Governo pretende agora acabar com a protecção que a lei, até agora, tem vindo a conceder - e, a nosso ver, bem - aos inquilinos, garantindo uma relação equilibrada e estável entre as duas partes.
Em nosso entender, o arrendamento não pode ser visto apenas sob a perspectiva do potencial económico que pode representar; tem, acima de tudo, de ser encarado na perspectiva de que a habitação é um bem social, um direito fundamental, que se vê, assim, profundamente abalado no caso de esta proposta chegar a lei.
Esta proposta representa, antes de mais, um forte empurrão para que o arrendamento se situe exclusivamente dentro da esfera da autonomia negocial das partes, cujo exemplo mais claro nesta matéria é a possibilidade de o senhorio denunciar o contrato sem causa justificativa.
Com esta proposta, o contrato pode cessar por iniciativa unilateral e não justificada pelo senhorio. Tudo se passa como se as partes estivessem em pé de igualdade, quando sabemos que não estão.
Depois, como é que se pode afirmar que se pretende combater a degradação do património urbano, quando a proposta em discussão acrescenta à alínea e) do artigo 1051.º do Código Civil o desaparecimento de qualidades do edifício como causa de caducidade do contrato?
Desta forma, não estaremos a incentivar o senhorio a não fazer as obras no edifício para que este perca as suas qualidades e para, por via desse facto, poder fazer caducar o contrato de arrendamento? Onde está o combate à degradação do património?
Por outro lado, a abertura que é feita na proposta para a possibilidade de haver contratos que dispensem a licença de utilização (n.° 2 do artigo 1070.° do Código Civil) poderá vir a permitir a celebração de contratos de arrendamento de prédios sem o mínimo de condições, degradados e até clandestinos.
No que diz respeito à resolução do contrato para arrendamento, registe-se a redacção proposta para o n.° 2 do artigo 1083.° do Código Civil, que faculta ao senhorio um indeterminado rol de fundamentos para a resolução do contrato por incumprimento.
Acresce, ainda, que a proposta atribui ao senhorio o poder de recusar a manutenção do contrato, se o arrendatário estiver em mora no pagamento de renda superior a três meses, ignorando, assim, a situação económica e financeira de muitos portugueses, fechando, desta forma, os olhos perante o aumento do desemprego e, sobretudo, esquecendo que o próprio Governo não prima pela pontualidade no que diz respeito ao pagamento de subsídios aos portugueses que deles beneficiam.
Também na denúncia para habitação nos contratos de duração indeterminada, a proposta consagra situações que, a nosso ver, são inaceitáveis. Desde logo, a faculdade que é atribuída ao senhorio, nos termos do artigo 1101.º do Código Civil, para, sem ter de justificar, poder denunciar o contrato, bastando, para tal, que comunique o facto ao arrendatário com a antecedência de cinco anos. E, neste caso, ao contrário dos restante casos de denúncia por parte do senhorio, sem prever qualquer indemnização para com o arrendatário.
Relativamente ao regime da transmissão por morte, é verdade que a proposta vem alargar o universo das pessoas para quem a transmissão pode operar, quando comparado com o universo actual, o que aparentemente seria positivo. Porém, se tivermos em consideração a faculdade que a proposta confere ao senhorio de, sem causa justificativa, poder denunciar o contrato, facilmente constatamos que a transmissão pode ser travada unilateralmente pelo senhorio, bastando para tal aguardar cinco anos. Portanto, o objectivo que, em matéria de transmissão por morte, a proposta pretende, cai também por terra.
Em conclusão, a nosso ver, a proposta do Governo, para além de não contribuir para dinamizar o mercado de arrendamento, nem impedir a progressiva degradação do património urbano, é desequilibrada e socialmente injusta.
Foi dito aqui que, no passado, houve uma proposta de lei que não chegou a lei e que era a "lei dos despejos". Esta não chega a ser a "lei dos despejos", porque acaba por dispensá-los, tantas são as faculdades dadas para cessar o contrato.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Couto Vieira.

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto lei do Bloco de Esquerda agora em discussão mais não é do que uma réplica fiel do projecto de lei n.° 505/IX, apresentado pelo Bloco de Esquerda na anterior Legislatura; tendo como pano de fundo o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 321-B/90, de 15 de Outubro, com as alterações a que foi sucessivamente sujeito, cingindo-se, porém, incompreensível e lamentavelmente, ao arrendamento urbano para habitação.
É, porém, de louvar a iniciativa do Bloco de Esquerda, que logrou trazer ao debate outras ideias, ainda que sem novidade, saliente-se, contrariamente aos partidos da anterior maioria que, certamente convencidos da lucidez do trabalho realizado e da necessidade dos trabalhos de comissão, não ousaram sequer apresentar qualquer proposta.
Surpreende-me, porém, o teor do projecto de lei agora em discussão, até por vir de quem vem (do Bloco de Esquerda), e surpreenderá com certeza a maior parte dos portugueses (e tenho sérias dúvidas de que a Sr.ª Deputada Alda Macedo se lembre ainda do seu conteúdo, pelas afirmações que há pouco produziu relativamente à proposta do Governo), uma vez que tal diploma, a ser aprovado, erradicaria definitivamente o chamado "vinculismo".
Isto, porque o diploma em discussão, aparentemente, prevê apenas a existência e a possibilidade de celebração de contratos de arrendamento de duração limitada, cuja duração fica entregue ao livre arbítrio das partes, estabelecendo-se, todavia, como prazo supletivo o de cinco anos.
Nesse sentido, ou seja, no de que este projecto de lei apenas prevê a celebração de contratos de duração limitada, consagra-se, no seu artigo 8.º, que as partes podem opor-se à renovação do contrato nos moldes até agora previstos no artigo 100.° do Regime do Arrendamento Urbano, ou seja, para os contratos de duração limitada.
Assim sendo, e esperando que o Bloco Esquerda esclareça devidamente os portugueses sobre esta matéria, que sentido faz e que efeitos práticos tem (a não ser, claro está, para os contratos anteriormente celebrados) consagrar-se em tal diploma "Casos de denúncia pelo senhorio", "Transmissão do direito do arrendatário" ou o "Do direito a novo arrendamento", quando o senhorio pode livremente denunciar o contrato mediante notificação judicial avulsa ao inquilino, requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação e sem que dessa denúncia resulte para o arrendatário direito a qualquer indemnização?
E que alcance prático produzirá igualmente a política de actualização de rendas, prevista neste diploma, quando os senhorios poderão sempre proceder à sua actualização como muito bem entenderem, com a ameaça que paira sobre o inquilino, resultante da ampla faculdade de denúncia que lhe é conferida pelo artigo 8.°?
A aprovar este diploma, esta Assembleia estaria não só a manter como a incentivar a prática de rendas especulativas (de que, aliás, a Sr.ª Deputada Alda Macedo falou há pouco, mas com essa preocupação relativamente à proposta do Governo), com a agravante de que passariam a ser subsidiadas pelo Estado, ou seja, com o dinheiro dos impostos dos portugueses.
São, pois, questões que os portugueses gostariam de ver esclarecidas, atenta a posição assumida pelo Bloco de Esquerda face à proposta apresentada pelo Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.

O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Devo confessar-vos que me senti aqui esta tarde numa posição não direi desconfortável mas original, que foi como que a de um magistrado num tribunal ouvindo duas versões radicalmente diversas sobre os mesmos factos. De facto, a mesma proposta de lei foi aqui classificada, com grande emotividade, grande determinação e grande convicção, como uma proposta de lei absolutamente horrível para os senhorios e, com a mesma convicção e a mesma determinação, igualmente horrível para os inquilinos.
Porém, ao longo da tarde, fui-me convencendo e reforçando a minha convicção de que esta proposta de lei é, de facto, equilibrada…

Vozes do PSD: - Ah!…

O Orador: - … e não está ao serviço de nenhuma das partes, mas tão-só da reanimação urbana e da reanimação do mercado de arrendamento.

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Aplausos do PS.

Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP, quanto a eficácia e oportunidade perdida, a oportunidade perdida foi a da reforma que propuseram e que fracassou. Já esta é a oportunidade agarrada, a da reforma que vai ser feita e que entrará em vigor já no próximo dia 1 de Janeiro. Esta é a oportunidade que é agarrada e vai ser prosseguida.

Aplausos do PS.

O que é que marca profundamente o equilíbrio e o sentido de justiça desta lei? É isso mesmo, é uma lei que é inspirada essencialmente pelo valor da justiça. Justiça, em primeiro lugar, porque assenta no princípio da verdade fiscal. Verdade fiscal, por um lado, quanto ao valor do imóvel: o imóvel não tem um valor para o mercado, um outro valor para a avaliação para a hipoteca e ainda um outro valor para a avaliação para fins fiscais; o imóvel tem um valor que é o mesmo para o mercado, para o fisco, para a garantia bancária, enfim, para tudo. Esse é um princípio essencial de transparência e de verdade fiscal.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Com certeza. Muito bem!

O Orador: - Verdade fiscal, por outro lado, quanto à necessidade. É que o importante não é proteger o inquilino antigo e não proteger o inquilino novo; o importante é proteger o inquilino carenciado, aquele cuja necessidade é também fiscalmente evidenciada dentro do mesmo princípio de transparência.
Assim sendo, justiça, em primeiro lugar, porque esta proposta de lei assenta no princípio da verdade fiscal.
Justiça, em segundo lugar, quanto à repartição dos encargos. Efectivamente, importa assegurar um regime de transição para os arrendamentos antigos. Mas esse regime de transição não deve ser idêntico, nem deve ser cego à necessidade efectiva do inquilino. Por isso, a transição tem um prazo máximo de 10 anos para quem é efectivamente carenciado, mas já tem um prazo máximo de dois anos para quem não é carenciado nem merece essa tutela.

Aplausos do PS.

Da parte do senhorio, por seu lado, é evidente que há que pôr fim a este ciclo, em que o Estado delegou nos senhorios o custo social da protecção das rendas. Por isso, a proposta de lei estabelece que ao longo do período de transição - esse período de transição é como que uma menos-valia, que desvaloriza o imóvel - haverá um menor valor a pagar em sede de IMI.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Ou seja, maior período de transição também significa menos imposto por parte do proprietário e menor período de transição significa mais imposto por parte do proprietário. É correcto e justo que assim seja.
Em terceiro lugar, também há justiça no que diz respeito à protecção das partes. Abandonámos aquele princípio inaceitável da proposta de lei do anterior Governo de que a falta de acordo entre senhorio e inquilino quanto ao valor da nova renda dava lugar ao despejo do inquilino.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Não era esse o esquema!

O Orador: - Era um factor de ruptura social e foi isso que levou inquilinos e proprietários - e a sociedade portuguesa - a rejeitarem esse modelo, por ser um modelo de despejo e não de renovação de contrato de arrendamento.

Protestos do Deputado do PSD José Luís Arnaut.

Nós agilizamos o despejo quando este deve ser agilizado. Ou seja, agilizamos o despejo numa situação de falta de pagamento da renda…

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Seis meses!

O Orador: - … e, na situação de falta de pagamento da renda, agilizamos tanto que prescindimos de um processo declarativo, constitui desde logo um título executivo, permitindo passar de imediato à execução do despejo para entrega de coisa certa.
Sr. Deputado José Luís Arnaut, isto não é judicializar! Pelo contrário, significa desjudicializar e agilizar a acção de despejo nas situações em que ela, efectivamente, deve ser agilizada.

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Aplausos do PS.

Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP, quanto a eficácia e oportunidade perdida, a oportunidade perdida foi a da reforma que propuseram e que fracassou. Já esta é a oportunidade agarrada, a da reforma que vai ser feita e que entrará em vigor já no próximo dia 1 de Janeiro. Esta é a oportunidade que é agarrada e vai ser prosseguida.

Aplausos do PS.

O que é que marca profundamente o equilíbrio e o sentido de justiça desta lei? É isso mesmo, é uma lei que é inspirada essencialmente pelo valor da justiça. Justiça, em primeiro lugar, porque assenta no princípio da verdade fiscal. Verdade fiscal, por um lado, quanto ao valor do imóvel: o imóvel não tem um valor para o mercado, um outro valor para a avaliação para a hipoteca e ainda um outro valor para a avaliação para fins fiscais; o imóvel tem um valor que é o mesmo para o mercado, para o fisco, para a garantia bancária, enfim, para tudo. Esse é um princípio essencial de transparência e de verdade fiscal.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Com certeza. Muito bem!

O Orador: - Verdade fiscal, por outro lado, quanto à necessidade. É que o importante não é proteger o inquilino antigo e não proteger o inquilino novo; o importante é proteger o inquilino carenciado, aquele cuja necessidade é também fiscalmente evidenciada dentro do mesmo princípio de transparência.
Assim sendo, justiça, em primeiro lugar, porque esta proposta de lei assenta no princípio da verdade fiscal.
Justiça, em segundo lugar, quanto à repartição dos encargos. Efectivamente, importa assegurar um regime de transição para os arrendamentos antigos. Mas esse regime de transição não deve ser idêntico, nem deve ser cego à necessidade efectiva do inquilino. Por isso, a transição tem um prazo máximo de 10 anos para quem é efectivamente carenciado, mas já tem um prazo máximo de dois anos para quem não é carenciado nem merece essa tutela.

Aplausos do PS.

Da parte do senhorio, por seu lado, é evidente que há que pôr fim a este ciclo, em que o Estado delegou nos senhorios o custo social da protecção das rendas. Por isso, a proposta de lei estabelece que ao longo do período de transição - esse período de transição é como que uma menos-valia, que desvaloriza o imóvel - haverá um menor valor a pagar em sede de IMI.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Ou seja, maior período de transição também significa menos imposto por parte do proprietário e menor período de transição significa mais imposto por parte do proprietário. É correcto e justo que assim seja.
Em terceiro lugar, também há justiça no que diz respeito à protecção das partes. Abandonámos aquele princípio inaceitável da proposta de lei do anterior Governo de que a falta de acordo entre senhorio e inquilino quanto ao valor da nova renda dava lugar ao despejo do inquilino.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Não era esse o esquema!

O Orador: - Era um factor de ruptura social e foi isso que levou inquilinos e proprietários - e a sociedade portuguesa - a rejeitarem esse modelo, por ser um modelo de despejo e não de renovação de contrato de arrendamento.

Protestos do Deputado do PSD José Luís Arnaut.

Nós agilizamos o despejo quando este deve ser agilizado. Ou seja, agilizamos o despejo numa situação de falta de pagamento da renda…

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - Seis meses!

O Orador: - … e, na situação de falta de pagamento da renda, agilizamos tanto que prescindimos de um processo declarativo, constitui desde logo um título executivo, permitindo passar de imediato à execução do despejo para entrega de coisa certa.
Sr. Deputado José Luís Arnaut, isto não é judicializar! Pelo contrário, significa desjudicializar e agilizar a acção de despejo nas situações em que ela, efectivamente, deve ser agilizada.

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fazê-lo desde esta primeira intervenção.
O objectivo da receita é razoável e, até, importante num País em que há graves problemas de receita fiscal e de equilíbrio orçamental. Mas vale a pena chamar a atenção para a justiça que está implícita na defesa deste princípio, que foi o que levou o governo socialista francês ou os governos socialistas em Espanha a aplicarem este tipo de lei.
Há pouco tempo, no debate, discutia-se se as pensões de reforma devem ter a mesma tributação do IRS, que incide sobre os rendimentos do trabalho. Admitamos que a discussão é uma questão importante entre os meios fiscais, mas quero chamar a vossa atenção para uma outra assimetria.
Os juros de capital, os juros de depósitos na banca, pagam menos imposto do que as taxas do IRS. Por que é que é assim? Porque se presume que se está a taxar o juro sobre um rendimento já taxado anteriormente em IRS. E, desse ponto de vista, é coerente que o imposto que incide sobre o juro possa ser menor do que o imposto que incide sobre o rendimento originário que está então depositado no banco para depois obter esse juro.
Mas há um caso que não fica coberto por esta medida. Imagine-se uma situação de riqueza, em que alguém obtém juros de depósitos que não derivam do resultado e do produto do seu trabalho (portanto, que nunca pagou imposto), mas exclusivamente de riqueza obtida ou herdada. É o caso do marajá, que não trabalha, que não paga imposto sobre o trabalho, não paga IRS e, portanto, vai beneficiar de uma vantagem fiscal a que não tem direito na devida medida. Ora, foi precisamente por isso que foi concebido, há muitas décadas atrás, o imposto sobre a riqueza.
O imposto sobre a riqueza incide sobre uma acumulação de fortuna extremamente elevada - mais de 150 000 contos em França, mais de 20 000 contos em Espanha -, que cria uma separação social suficientemente nítida para dar vantagens tais ao seu detentor que não são cobertas pelo sistema fiscal.
Esta é a primeira razão, uma boa razão, no entender do Bloco de Esquerda, para que este imposto seja aplicado.
Mas há uma segunda razão que não sei se o Ministério das Finanças, porventura consultado a este respeito, terá tido em consideração: a questão do controlo do sistema das declarações tributárias. A razão pela qual, em Espanha, há quase 1 milhão de contribuintes que têm de fazer uma declaração específica sobre médias fortunas e grandes fortunas prende-se com o facto de essa declaração permitir, pela verificação da evolução do património, da riqueza, apurar se são verdadeiras as declarações sobre os rendimentos. E essa vantagem é tão importante para a fiscalidade espanhola que tem vindo a ser ampliado, cada vez mais, o universo dos contribuintes abrangidos pela lei das fortunas.
É, portanto, por estes dois motivos essenciais que nos parece justo, adequado, atempado e importante que, tal como em oito países muito mais desenvolvidos do que nós e, certamente, com um sistema fiscal muito mais eficiente e exigente do que o nosso, se aplique também em Portugal uma lei sobre as grandes fortunas.
Na verdade, não faríamos menos do que esses outros países mas, certamente, faríamos mais do que um sistema ainda laxista e ainda incapaz de defender princípios de transparência e de justiça eficiente, que devem ser os princípios essenciais da nossa política fiscal.

Aplausos do BE.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, começo por dizer que a discussão deste projecto de lei é, essencialmente, de natureza política. Nunca será uma discussão de natureza técnica - a técnica utilizada é boa, situa-se, aliás, na linha de outros projectos noutros países e, portanto, não é inovadora. Mas a nossa discussão não será essa.
A nossa discussão prende-se com um conjunto de conceitos.
Comecemos pelo título. Qual é o conceito de solidariedade que está em causa? A solidariedade faz-se por via de um novo imposto? É assim que pretendem fazer solidariedade em Portugal? Mais: qual é o conceito que defendem quando determinam uma cláusula de salvaguarda para, no fundo, não se poder tributar para além de 60% em relação ao rendimento e ao património? Isto é, alguém que gera riqueza de 100, estando dentro do conceito de grande fortuna que a lei determinaria, teria tributados 60% desses mesmos 100.
Com a sua intervenção, ficámos a entender um pouco qual é o conceito que tem de grandes fortunas - os marajás. Mas há bastante mais para além dos marajás, Srs. Deputado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Há os sultões!… Os cheik!…

O Orador: - Há quem crie riqueza por via da sua própria riqueza. É por isso que é necessário tratar de forma diferente os rendimentos do trabalho e os rendimentos do capital, que são, por natureza, conceitos

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diferentes.
Parece-lhe correcto que, em relação a cidadãos individuais, podendo alguns ter as suas empresas e gerar grande riqueza distribuída em muitos salários, exista uma tributação que possa atingir esse nível? Isto, apesar de os senhores terem melhorado em relação ao projecto anterior, que falava em 70% - agora, diminuíram esse valor para 60%.
Parece-lhe razoável que cidadãos fossem tributados, pretensamente, com uma taxa de 42% a nível do IRS, que sofressem também os efeitos do IRC, como é evidente, que até pudessem ser tributados a nível do imposto de sucessões e de doações, que pagassem, com toda a certeza, o imposto municipal sobre imóveis, que pudessem pagar imposto municipal sobre as transacções e que ainda pagassem este novo imposto criado?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - É extraordinário!

O Orador: - É preciso determinar qual o modelo que os senhores pretendem aplicar ao nosso país, qual a economia em que querem viver. Estas são questões essenciais e que estão muito para além da mera questão de, na altura do debate do Orçamento do Estado, tentar criar problemas ao Partido Socialista.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, certamente tem consciência de que a maior fortuna que existe em Portugal é de cerca de 500 milhões de contos e de que se essa fortuna estivesse em Espanha pagaria 2,5% na taxa mais alta do imposto sobre as fortunas. Aliás, devo dizer-lhe que os governos mais extremistas de direita em Espanha não alteraram esta lei, não a puseram em causa.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mas se o incomoda que a acumulação do imposto sobre fortunas com o IRS possa chegar a 60%, digo-lhe que o próprio IRS, em países como a Suécia ou como a Alemanha, chega aos 60%, o que aqui tanto o indigna. Ora, não consta que esses países sejam menos injustos do que Portugal na distribuição de rendimentos ou que tenham menos desenvolvimento do que Portugal a esse respeito! Portanto, é uma questão de clareza e de coerência.
O combate pela justiça e pela solidariedade está já implícito naquilo que muito vos incomoda, que é a progressividade das taxas do IRS. Sei que na direita portuguesa, hoje, vai fazendo caminho a ideia de que deve haver uma única taxa lisa para todos os contribuintes, para que em IRS os mais pobres paguem 20% e os mais ricos também paguem 20%.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Quem lhe disse isso?!

O Orador: - Contra essa ideia, defendemos a manutenção do princípio constitucional e essencial da progressividade dos impostos. Por isso mesmo, é pela progressividade que aparece, em relação aos casos das grandes fortunas, este factor de correcção.
E deixe-me dizer-lhe isto: quando diz que as grandes fortunas distribuem salários, está enganado; quem distribui salários são as empresas. As grandes fortunas talvez distribuam salário ao mordomo e ao jardineiro!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - São tão demagógicos!

O Orador: - Talvez seja por aí. Contudo, do que estamos a tratar é dos rendimentos pessoais,…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Exactamente!

O Orador: - … que resultam do produto das partes sociais e outras. Mas essas são riqueza individual.
Em todos os países onde se aplicou este sistema funcionaram exactamente, de uma forma eficiente, os dois princípios que enunciei. Permitiu uma cobrança fiscal significativa, maior nuns casos, menores noutros, à volta de 1% do produto e 3% da receita fiscal nuns casos e bastante menos em alguns outros e, sobretudo, serviu para o que tem de servir um imposto desta natureza. Isto é, permitir uma segunda forma de controlo e de clarificação de todas as declarações de IRS, precisamente num dos sectores onde maior é a fraude e maior é a necessidade de controlo.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos hoje em Plenário uma iniciativa do Bloco de Esquerda que pretende criar entre nós um imposto sobre as grandes fortunas. Trata-se de uma terceira tentativa.
A primeira, ocorreu em Setembro de 2000. O respectivo projecto de lei não chegou sequer a ser discutido na então Comissão de Economia e Finanças e acabou por caducar, em Abril de 2002.
Idêntica sorte teve a segunda tentativa. O projecto de lei, entrado seis meses depois, também não foi discutido naquela Comissão e acabou por caducar, em Dezembro de 2004.
Desta vez, a actual Comissão de Orçamento e Finanças entendeu, e bem, que esta iniciativa do Bloco de Esquerda devia ter a oportunidade de ser discutida em Plenário. Não se infira daí que ela não deva ter o mesmo destino de rejeição que as anteriores tiveram. Mas o seu debate tem a utilidade de nos interpelar sobre a visão estratégica da nossa política fiscal. É ela adequada, face à tendência em curso na União Europeia, para o aparecimento de novas e mais agressivas formas de concorrência fiscal internacional?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na União Europeia nenhum Estado-membro equaciona sequer a hipótese de criar um imposto sobre as grandes fortunas.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Alguns já o têm!

O Orador: - Bem pelo contrário, a tendência é para a sua abolição. Foi o que aconteceu na Irlanda, em 1974, e, mais recentemente, na Alemanha, Áustria e Dinamarca. Este tipo de imposto subsiste, apenas, e por inércia, na França, Espanha, Holanda e Suécia (incidindo apenas nas pessoas singulares) e no Luxemburgo e Finlândia (que também tributam as pessoas colectivas).
Na verdade, as autoridades fiscais destes países não manifestam qualquer entusiasmo por ele. Com efeito, ele não gera receita fiscal significativa (em nenhum caso representa mais do que 2% das receitas fiscais). Também não assegura a neutralidade fiscal (os sujeitos passivos facilmente deslocam, dentro do quadro legal, o seu património mobiliário para aplicações financeiras isentas de imposto ou para outros territórios fiscais).

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Pois está claro!

O Orador: - Assim, a sua introdução entre nós não seria eficaz, nem para gerar equidade horizontal (pelo contrário, induziria fugas de capitais) nem para melhorar a equidade vertical (seria até redundante, uma vez que o Governo aumenta neste Orçamento do Estado para 2006 a taxa marginal do último escalão do IRS para 42%).
Por último, obrigaria a mobilizar recursos desproporcionados para o controlo da situação tributária dos contribuintes, que fazem muito mais falta noutros domínios do combate à fraude e evasão fiscais.
Bastariam estes considerandos apriorísticos para justificar o chumbo definitivo deste projecto de lei. Mas o seu conteúdo e a síndrome albanesa de tributação do capital que o inspira…

Risos do PSD.

… emprestam a este chumbo um valor reforçado.
Com efeito, o Bloco de Esquerda quer até tributar, como refere na "Exposição de motivos" "… ganhos latentes em mais-valias cambiais, bolsistas ou outras formas de capital mobiliário, ainda que não correspondentes a transacções…" e, como refere ainda no artigo 2.º, "… cavalos, gado e outros animais com valor determinável no mercado".

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Vejam só!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O enviesamento ideológico em relação à tributação do capital também tem perturbado, embora de forma mais moderada, o Partido Socialista.
Em 1999, a "Comissão Medina Carreira" recebeu a incumbência de estudar e criar um imposto único sobre o património, não apenas para substituir a sisa, a contribuição autárquica e o imposto sobre sucessões e doações, mas também para tributar valores mobiliários (acções, quotas ou outras partes sociais, depósitos bancários, obrigações e demais instrumentos dos mercados financeiros).
Apesar da boa qualidade técnica da proposta que a Comissão apresentou, o então Primeiro-Ministro, Eng.º Guterres, recuou e deixou-a cair. Terá receado a contestação social e política ou terá percebido que querer tributar igualmente o património mobiliário só dificultava a reforma da tributação do património imobiliário? Por fim, nem esta foi capaz de realizar. Ela acabou por ser feita, e bem, pelo governo seguinte, presidido

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pelo Dr. Durão Barroso.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - As indefinições e os ziguezagues do Eng.º Guterres sobre a tributação do capital tiveram, porém, mais dois episódios. Numa pomposa iniciativa intitulada "Reforma Fiscal Inadiável", o governo proclamou em Novembro de 2000 que "… na tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias se substituiriam as taxas liberatórias pelo englobamento obrigatório".
Como seria de esperar, em bases fiscais tão móveis, sujeitas a uma preferência fiscal à Tiebout, a fuga de capitais que se seguiu obrigou o governo a arrepiar caminho e, na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2002, recuou, para metade, na tributação das mais-valias efectivamente obtidas.
Depois disso, a União Europeia desistiu de harmonizar a tributação do capital para além dos mínimos conseguidos com as directivas da tributação da poupança e do lucro de empresas transeuropeias, regulado pelas directivas que ligam as empresas-mãe às afiliadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista é de novo Governo. Dispõe de uma maioria para governar nos próximos quatro anos. Terá aprendido algo com as lições destes seus insucessos no passado?
Neste Orçamento do Estado para 2006, não há nem sombra de preocupação com a agressiva concorrência fiscal que os novos Estados-membros da União Europeia estão a fazer na captação de investimento directo estrangeiro (IDE),…

Vozes do PSD: - Bem lembrado!

O Orador: - … optando por tributar lucros e rendimentos de capitais de residentes e de não residentes sob regimes de imposto único, a taxas inferiores em metade, ou mais, às praticadas em Portugal.
Também não há nem sombra de preocupação com os regimes preferenciais para as holdings, por exemplo, na Holanda e no Luxemburgo, nem com os regimes menos atractivos que temos, em matéria de preços de transferência, subcapitalização ou tributação do goodwill em reestruturações empresariais.
Quando perceberemos, Sr.as e Srs. Deputados Partido Socialista, sobretudo, que enquanto não voltarmos a ser fiscalmente competitivos não teremos crescimento económico?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins.

O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do Bloco de Esquerda tem uma "Exposição de motivos" e assenta em pressupostos que muitos de nós poderíamos subscrever. A começar pela constatação da enorme desigualdade de rendimentos existente em Portugal - citando, de resto, os trabalhos do economista Eugénio Rosa, que está presente neste Plenário e que aproveito para saudar, e também de outros economistas - ao arrepio de boas normas de equidade e justiça social.
Também poderíamos subscrever a constatação dos elevados níveis de fraude e evasão fiscais em Portugal (que poderá ser avaliado entre 4 a 7% do PIB), muito embora aqui nem todos os economistas concordem com esta avaliação).
Também reconhecemos que a experiência internacional é diversa, incluindo avanços e recuos na aplicação de um imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas.
O panorama internacional, porém, é menos positivo do que aquele que o Bloco de Esquerda aqui apresenta, dado que a informação disponível, designadamente um estudo recente da Lund University, mostra-nos que apenas oito países da OCDE aplicavam uma tributação desta natureza, em 2002, e nesses países não se incluem a Alemanha e a Áustria, dado que a Alemanha aboliu esta tributação em 1997 e a Áustria em 1994.
Diz-nos também que o contributo deste tipo de tributação para o total das receitas fiscais destes países é diminuto (na Finlândia, representa 0,15% desse total; França e Espanha representa 0,4%; só na Suíça e no Luxemburgo é que assume com alguma expressão). Ora, isto significa que o ratio entre o montante arrecadado relativo a impostos desta natureza e o PIB destes países é também pouco significativo.
Muitos autores defendem que este tipo de tributação pode prejudicar o crescimento da economia, dado o papel que a tributação tem, em geral, sobre os comportamentos dos agentes económicos, envolvendo, neste caso, a deslocalização das riquezas, que é um facto ao qual não podemos fechar os olhos.
Mas vamos ter ampla oportunidade de discutir este assunto em sede de debate orçamental, porque aí estão as opções do Governo em matéria de política fiscal e financeira.
As opções do Governo nesta matéria são conhecidas e encontram-se consagradas na proposta de Orçamento do Estado, de modo que este debate acaba por ser pouco interessante por antecipar, sem grande

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utilidade, uma análise mais abrangente, coerente e sistémica do que aquela que integra o Orçamento do Estado.
Há que dizer que as nossas opções em matéria de política fiscal e financeira não passam pela aprovação da proposta do Bloco de Esquerda. Os objectivos que fixámos passam por outros instrumentos, em nossa opinião, mais eficazes para os objectivos fixados.
Estamos, de resto, em coerência com aquilo que integra o Programa do XVII Governo Constitucional, quando fixa como vectores principais da política fiscal do Governo a estabilidade, a equidade, a transparência, a simplicidade e a eficiência. Estes princípios indutores de confiança nos agentes económicos e nos cidadãos são um aspecto muito importante das políticas públicas, em geral, e da política fiscal, em particular.
Ora, a estabilidade do sistema fiscal passa por promover a estabilidade legislativa do quadro fiscal, tornando excepcional a alteração casuística da legislação fiscal e uma intervenção de natureza pontual. E os princípios da equidade fiscal, da transparência do sistema fiscal e da eficiência fiscal são muito melhor atingidos com as iniciativas coerentes e sistémicas que o Orçamento do Estado para 2006 consagrará com a sua aprovação na Assembleia da República.
Referirei algumas destas iniciativas: desenvolvimento do cruzamento de informações fiscais e da segurança social, bem como do acesso pela administração fiscal à informação registral e notarial; cruzamento das diversas bases de dados fiscais e gestão integrada dos meios técnicos e humanos de fiscalização tributária, bem como melhoria geral dos meios ao dispor da Administração; simplificação do acesso da administração fiscal à informação bancária com relevância fiscal; fiscalização rigorosa da utilização pelos contribuintes de zonas francas ou da detenção de rendimentos ou de património sedeado em territórios com regimes fiscais privilegiados, que o Orçamento do Estado para 2006 volta a intensificar; a própria publicitação de casos envolvendo empresas e cidadãos com irregularidades em práticas de fraude fiscal e branqueamento de capitais, envolvendo ou não offshore, tem um importante efeito dissuasor; o novo escalão do IRS dá também um sinal relativo a princípios de justiça distributiva, etc.
De resto, justamente a partir de hoje, entram em vigor novas regras definidas pelo Banco de Portugal, mais exigentes para a informação e documentação que os bancos portugueses devem dispor relativamente a clientes e operações, resultando em parte das exigências de combate ao branqueamento de capitais. Às novas regras do Banco de Portugal acrescem alterações à actividade das seguradoras e dos intermediários financeiros introduzidos pelo Instituto de Seguros de Portugal e pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários.
Poderia, ainda, incluir diversas acções de natureza geral, mas com sérias repercussões sobre a melhoria de eficiência fiscal, como a participação activa de Portugal e da administração fiscal na coordenação de acções de combate à fraude e à evasão fiscais internacionais, através da coordenação da informação com as administrações fiscais, sobretudo, da União Europeia e da OCDE. Como, de resto, é conhecido, o Grupo de Acção Financeira sobre o Branqueamento de Capitais (GAFI) está numa fase importante da sua actividade.
Tudo somado assistir-se-á a sensíveis ganhos de eficiência fiscal, em 2005. Esses ganhos, medidos pela diferença entre o crescimento anual da receita e o crescimento da economia, são da ordem de quatro pontos percentuais, em 2005 e em 2006.
Este é o caminho que vamos prosseguir, visando os objectivos que fixámos e que consideramos deverem ser conduzidos de forma coerente e sistémica, e o Orçamento do Estado será o documento que consagrará os instrumentos visando esses objectivos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As formas de tributar são conhecidas e são, basicamente, três - a tributação do rendimento obtido, a tributação do rendimento utilizado ou do consumo e a tributação do património. É assim em Portugal e é assim, por exemplo, nos países do norte da Europa, sem que isso possa levar a que sejam comparáveis sistemas fiscais tão diferentes nas suas concretizações.
Ora, aquilo que aqui nos é proposto é um imposto geral sobre o património de alguns que tem dificuldades evidentes, razão pela qual é necessário recorrer a isenções, técnica legislativa claramente aceitável. Contudo, estranhamos, por pensarmos que não é necessário, que o n.º 2 do artigo 9.º do projecto de lei aqui em discussão diga que estão isentos os depósitos à ordem ou a prazo de agentes económicos não residentes, bem como os seus títulos e participações financeiras. Provavelmente, na lógica do Bloco de Esquerda apenas devem ser tributados os marajás residentes, isentando-se os marajás não residentes. É estranho, mas não deixa de ser assim!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - Este é um projecto que demonstra uma visão de acordo com a qual é preciso castigar aqueles que mais obtêm pelo seu capital e pelo seu rendimento. "Riqueza" parece ser uma palavra antagónica no ideário do Bloco de Esquerda, que tem dela uma visão errada. Há mais riqueza para além da dos marajás ou da dos que ganham o Euromilhões. Há muita riqueza que também gera riqueza e que paga muitos salários, para além dos salários dos mordomos aqui referidos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não se preocupa, contudo, o Bloco de Esquerda que possa, com este imposto, criar-se uma situação de dupla tributação ou uma tributação que atinja um limite de 60%.
Este projecto liga, pois, os "grandes" - para utilizar a linguagem dos proponentes - à fraude fiscal e considera que a melhor forma de a combater é através da criação de mais um imposto. Parecem esquecer-se os proponentes, porém, que quem se insere na categoria B do IRS tem, obrigatoriamente, de ter contabilidade organizada, como parecem esquecer o artigo 89.º da Lei Geral Tributária, que determina a avaliação indirecta para as manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais. Não explicam, por outro lado, como é que um imposto vai diminuir a fraude fiscal, basicamente porque a forma de a diminuir é bem outra. Refiro-me às medidas administrativas que têm de ir sendo aplicadas e cujos resultados se começam a sentir, por exemplo, nas contas que são feitas no actual Orçamento do Estado. Não entendem, finalmente, os proponentes a diferença entre capital e trabalho, se bem que haja diferenças entre estes dois conceitos, nomeadamente a nível do IRS e do tratamento legislativo dos impostos em Portugal.
Os pressupostos que estão na base deste projecto estão errados. Não é com mais impostos que se diminui a fraude fiscal, que se é solidário ou que se diminuem as desigualdades.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não é com mais um imposto que se determina um princípio de simplicidade fiscal. Quando muito, atrapalha-se o Partido Socialista, que propõe um novo escalão de IRS, que tributará 42% dos rendimentos percebidos. Todavia, com toda a sinceridade, para um projecto legislativo parece-nos muito pouco, pelo que votaremos, como o Sr. Deputado Francisco Louçã já adivinhava, contra esta iniciativa.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabe-se que a fraude e a evasão fiscais fazem perder ao Estado uma receita fiscal que se estima poder atingir o valor verdadeiramente incomensurável de cerca de 10% do PIB. O próprio Ministério das Finanças - o Sr. Deputado Maximiano Martins disse-o, e bem - já admite hoje que a quebra de receitas resultante da economia paralela ou da subdeclaração de rendimentos possa atingir qualquer coisa entre os 4% e os 7% do PIB. Isto é, há, no mínimo e por estimativas bem modestas, um valor entre 5000 milhões e 9000 milhões de euros de receitas fiscais que em cada ano não entram nos cofres do Estado. Esta quantia dava para resolver o problema do controlo do défice orçamental deste ano e do ano que vem.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Presidente, é fundamental um combate eficaz à evasão fiscal. Por isso, todos os anos, sistematicamente, se enunciam propósitos que a realidade vem, depois, desmentir. Por isso, de novo, o Orçamento do Estado para 2006 nos anuncia aumentos de receita fiscal baseados, sobretudo e em parte substancial, num acréscimo da eficiência de cobrança cujos resultados concretos ficarão, certamente, muito aquém do enunciado, do necessário e do possível, como se conclui pelas referidas avaliações do Ministério das Finanças, mas que servem, acima de tudo, finalidades mediáticas.
Mas não é apenas por causa da evasão fiscal que existe em Portugal um problema de défice orçamental quase crónico. Sem querermos neste debate enunciar as opções orçamentais e políticas que poderiam e deveriam resolver esse problema - como, por exemplo, o abandono das perspectivas recessivas e a opção pelo apoio e incentivo ao crescimento económico -, a verdade é que também em sede de carga e de cobrança fiscal, designadamente na injustiça fiscal existente, reside muito do que está na base da exiguidade das receitas fiscais, mesmo no quadro político-orçamental actual, em que, aliás, o Governo insiste no Orçamento para 2006. De facto, a carga fiscal é profundamente injusta e geradora de desigualdades sociais crescentes e inaceitáveis no nosso país. Todos temos consciência deste problema, mas, pelos vistos, há muita gente incapaz de ter vontade política para alterar esta situação.
O problema não reside, por outro lado, no volume de carga fiscal, que em Portugal é, aliás, em termos absolutos, inferior à média comunitária. Em 2003, por exemplo, a carga fiscal era de cerca de 38% do PIB, contra cerca de 42% na União Europeia e no mesmo ano. A questão da injustiça resulta, sobretudo, do peso diferenciado dos impostos directos e indirectos no volume da carga fiscal. Os impostos directos, que directamente têm a ver com os rendimentos individuais, não chegarão, em 2005, a 38% da carga fiscal. Os impostos indirectos, por seu turno, os impostos mais injustos porque não atendem ao rendimento efectivo

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dos contribuintes (já que ricos e pobres pagam o mesmo, independentemente das flagrantes diferenças de rendimento), representarão cerca de 62% da carga fiscal no ano que está em curso!…
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estrutura fiscal em Portugal é, portanto, profundamente injusta. Em primeiro lugar, porque permite níveis alarmantes de evasão e fraude fiscais. Em segundo lugar, porque impõe níveis inaceitáveis de impostos indirectos, muito superiores ao que se passa na União Europeia. E, no que toca a este ponto, permitam-me salientar, porque também se insiste nesta imposição com o aumento da carga dos impostos indirectos no Orçamento para 2006! Em terceiro e último lugar, porque, no que toca aos impostos directos, determina que sejam sobretudo os trabalhadores por conta de outrem e os reformados quem paga cerca de 90% do que é arrecadado, permitindo, por outro lado, que profissões liberais, rendimentos empresariais, prediais e incrementos de património contribuam, no conjunto, com apenas cerca de 10% do total da receita.
Quando, em termos orçamentais, se coloca - erradamente - no centro do debate político a questão do controlo do défice, é também o debate sobre a injustiça ou a justiça fiscal aquele que se impõe fazer, no sentido de combater a evasão, no sentido de evitar resolver o problema das receitas fiscais à custa, sistematicamente, dos impostos indirectos (como novamente se pretende fazer no Orçamento para 2006) e, por último, no sentido de introduzir mais justiça na cobrança dos impostos directos, fazendo pagar quem não paga ou paga muito menos do que poderia e deveria. Fazemos, ainda, este debate no sentido de criar novos impostos, socialmente justos e fiscalmente razoáveis e operacionais, que, de forma transitória - para ajudar a resolver, pelo lado das receitas, o problema do défice - ou mesmo definitiva, sejam adoptados.
É o caso do chamado imposto sobre as grandes fortunas, que já existe, de forma não transitória, mas permanente, em muitos outros países. Deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado Patinha Antão, que este imposto não existe nesses países por qualquer espécie de inércia mas, sim, por opção e vontade políticas. Por inércia e falta de vontade política existe em Portugal esta injustiça fiscal absolutamente inaceitável, que, pelos vistos, pela mão do Partido Socialista, vai continuar. Veja-se, por exemplo, o que diz sobre esta matéria o Orçamento do Estado para 2006.
O imposto sobre as grandes fortunas, por outro lado, resolve, por si só, o argumento contraditório que se poderia colocar quanto à razoabilidade da sua implementação e da sua operacionalização. Não seremos, nesta matéria, inovadores nem vanguardistas, pois cremos que, quanto à sua razoabilidade social, ela é bem notória e evidente. Evitar-se-ia, assim, o agravamento da sobrecarga fiscal que atinge as classes de mais baixos rendimentos, a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e os reformados, e impedir-se-ia o agravamento das enormes desigualdades já existentes entre os 20% que mais têm e os 20% mais pobres do nosso país.
É por tudo isso, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Presidente, que o PCP se pronuncia claramente a favor do imposto sobre as grandes fortunas, cuja criação é proposta no projecto de lei n.º 89/X do Bloco de Esquerda.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, na segunda-feira assinalou-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que nos veio relembrar números profundamente angustiantes. E quando falamos de riqueza temos de falar, necessariamente, de pobreza, para perceber, de facto, a injustiça em que vivemos. Dois milhões de pessoas integram uma bolsa de pobreza que envergonha este país. Portugal é, para além disto, um dos países da União Europeia com um maior risco de pobreza e é mesmo o país da União Europeia com o maior fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres. Isto diz-nos muito sobre uma realidade onde a pobreza sustenta grandes lucros e grandes fortunas, que vão crescendo, não obstante a crise de que tanto nos falam. Uma realidade que é caracterizada por uma absoluta injustiça na distribuição da riqueza.
Urge, então, na perspectiva de Os Verdes, abandonar o princípio da caridade e aplicar o princípio da solidariedade. O pior sucede, contudo, quando percebemos que as políticas que são prosseguidas nos mais diversos sectores têm contribuído para agravar esta realidade, este fosso profundamente vergonhoso, e que não conseguem fazer-lhe face. De facto, não sairemos desta situação enquanto os parâmetros que usamos para avaliar o crescimento deixarem de fora factores como a pobreza, o desemprego ou as próprias condições e índices ambientais. Nada mudará enquanto as pessoas continuarem a ser vistas única e exclusivamente numa óptica de consumidores e não como cidadãos de pleno direito.
Depois, vamos, por exemplo, à saúde, onde os orçamentos familiares são cada vez mais agravados pelos custos deste sector. Vamos à educação constatar que esta, em termos dos orçamentos familiares, é, em Portugal, das mais caras da Europa. Temos um Estado que sucessivamente se desresponsabiliza em sectores tão básicos como este. E, ao olharmos o sistema fiscal, que deveria conseguir impor justiça, verificamos que se caracteriza, como aqui já foi referido, nas mais diversas intervenções, por pouca eficiência e

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por uma profunda injustiça, as quais contribuem, justamente, para erradicar aquilo que era fundamental, que era a aplicação do princípio da solidariedade entre os cidadãos deste país. Temos um sistema fiscal que permite deixar de fora muitos rendimentos, muitos lucros e mais-valias que não são tributadas, onde o combate à fraude e à evasão fiscais, apesar dos discursos e das medidas pontuais de cada governo, não consegue ser uma realidade, seguramente por falta de vontade política - não há outra leitura -, e onde o agravamento dos impostos directos tem sido uma solução que, obviamente, toca a todos mas de uma forma muito mais profunda e penalizadora aqueles que menos ganham e que menos têm.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

A Oradora: - Esta é a forma como o sistema fiscal tem contribuído também para acentuar a profunda injustiça que se vive em Portugal.
Quando este Governo tomou posse, e no decurso da apreciação do seu Programa e das n medidas anunciadas, de profundo agravamento e penalização para os portugueses, com a questão da surpresa do défice, Os Verdes tiveram oportunidade de questionar o então Sr. Ministro das Finanças sobre a possibilidade de pensar na aplicação, ainda que transitoriamente, do imposto sobre as grandes fortunas. Face ao discurso dramático do Governo, eram precisas medidas corajosas, no sentido de equilibrar as contas e impor justiça neste país. A resposta que obtivemos, por parte do Sr. Ministro, foi a de que estavam a adoptar uma medida muito idêntica, isto é, um novo escalão de 42% para o IRS, quando sabemos que uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra, porque a medida do Governo é baseada nos rendimentos do trabalho e fugir a uma declaração de um rendimento desta natureza é das coisas mais fáceis em Portugal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Neste sentido, Os Verdes declaram, nesta intervenção, que votarão favoravelmente, como é natural, o projecto de lei do Bloco de Esquerda.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para um segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com excepção, naturalmente, das intervenções de Os Verdes e do PCP, que apresentaram o fundamento da sua análise do sistema fiscal, o CDS, o PSD e o PS procuraram refugiar-se e contornar o debate essencial. Creio que fazem mal! Aliás, gostaria de começar por fazer uma observação à intervenção do Sr. Deputado Patinha Antão.
O Sr. Deputado Patinha Antão, que é Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, falando aqui na qualidade de representante da sua bancada, explicou, como homem magnânimo que é, que a Comissão entendeu dever dar oportunidade à discussão deste projecto. Convinha que o Sr. Deputado Montalvão Machado explicasse ao Sr. Deputado Patinha Antão que quem agenda os projectos são os autores…

Protestos do Deputado do PSD António Montalvão Machado.

… e, neste caso, foi o Bloco de Esquerda que o propôs ao Sr. Presidente, sendo que o agendamento foi aceite na Conferência de Líderes. Portanto, isto nada depende da boa vontade de nenhuma comissão; a comissão, simplesmente, faz o trabalho que lhe compete, como é de esperar, que é a elaboração do relatório.
No entanto, a crítica que o Sr. Deputado Patinha Antão nos fez foi a de enviesamento ideológico. Aliás, explicou as maldades deste projecto e quando chegou à suprema maldade, que era a de incluir os cavalos na listagem dos bens de riqueza, descobriu o enviesamento ideológico. Porém, este enviesamento é, certamente, seu, porque do que se trata é de, segundo as boas técnicas dos outros países que têm uma norma deste tipo, considerar todo o tipo de bens de fortuna que, naturalmente, é comercializável e que não diz respeito a bens de família.
Mais surpreendente é a posição do Partido Socialista, porque o Sr. Deputado Maximiano Martins diz que poderiam aceitar os pressupostos mas sugeriu duas razões para rejeitar a lei. E essas duas razões são muito frágeis e mesmo tristes, se me permite a franqueza. A primeira razão foi a de que a iniciativa antecipa o debate do Orçamento e, portanto, é pouco interessante. Bom, se já chegámos à situação em que uma maioria absoluta considera pouco interessante uma iniciativa legislativa porque não concorda com ela ou porque não faz parte da sua agenda, é estranho,…

Protestos do Deputado do PS Maximiano Martins.

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… porque, a partir daqui, haverá um critério muito bizarro.
Na verdade, o que o Sr. Deputado Maximiano Martins nos veio dizer foi que era preferível uma estabilidade do sistema fiscal. "Bem prega Frei Tomás!", porque o Partido Socialista não é, certamente, o partido que deva propor-se aqui como campeão da estabilidade do sistema fiscal. Propunha-se no programa eleitoral, mas violou a estabilidade do sistema fiscal quando aumentou o IVA.
Mas o que não pode dizer é que este imposto, ou outros, devem ser discutidos em Orçamento, porque o Sr. Deputado tem de concordar comigo que não é no Orçamento que se devem discutir alterações à política fiscal.

Protestos do Deputado do PSD António Montalvão Machado.

As grandes alterações são discutidas por si só e não no Orçamento! "Cavalgar" o Orçamento com sucessivas alterações à política fiscal é errado! Tem sido sistematicamente repetido mas é errado! É preciso perceber-se que o debate fiscal é um debate com uma delicadeza que exige a especialidade e no Orçamento discutem-se taxas, algumas correcções, mas não se alteram as políticas fiscais, nomeadamente a criação dos impostos. Estará, certamente, de acordo comigo, pelo que, a este respeito, a sua intervenção deixa de ter sentido.
O segundo argumento do Partido Socialista foi o de que a nossa iniciativa prejudica o crescimento da economia porque pode haver deslocalização de empresas. Bom, o Sr. Deputado está a utilizar uma "língua de pau" que permite justificar o que quer que seja. Amanhã, alguém lhe vai dizer que a taxa de 42% no IRS também prejudica o crescimento da economia, porque permite a deslocalização de empresas.

Protestos do PSD.

Perante o que quer que se faça desse ponto de vista, é sempre possível encontrar alguém que, de boa fé ou de má fé, diga que pode haver deslocalização de empresas, que é a ameaça para nunca se fazer nada em termos da cobrança verdadeira dos impostos.

Protestos do Deputado do PS Maximiano Martins.

Este argumento não vale, não pode valer!
Quanto à essência, o Sr. Deputado Maximiano Martins citou-nos um trabalho da Universidade de Lund. Mas, se o leu bem, o trabalho refere, na página 16, que, por exemplo, "um imposto sobre as fortunas pode aumentar a uniformidade do sistema fiscal, encorajar o investimento em capital humano e aumentar a igualdade, o que aumenta o crescimento". E explica depois que há também outros argumentos contrários mas não há suficiente evidência empírica a este respeito,…

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: - … a não ser que fica muito claro que permite uma cobrança fiscal que não seria obtida de outra forma, permite controlar o sistema fiscal e é por isso que é um sistema tão estável que faz com que, em Espanha, estejamos à beira de comemorar o 30.º aniversário de uma lei de imposto sobre as grandes fortunas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Também para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muito breve, pois quero apenas dizer, na sequência do que foi referido pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, que o meu propósito, quando referi a intervenção da Comissão de Orçamento e Finanças, foi tão-somente o de sublinhar o seguinte: em sede da Comissão de Economia e Finanças, em duas versões anteriores, não houve prioridade do ponto de vista da afectação do tempo para discutir um tipo de proposta semelhante.
Portanto, porque há um relatório e porque houve debate, pareceu-nos razoável e adequado trazer esta matéria para Plenário, para possibilitar o debate que aqui tivemos, que foi um debate político sobre orientações estratégicas de política fiscal. Naturalmente, como o Hemiciclo é plural, tivemos oportunidade de ver, com clareza aquilo que nos separa. E ainda bem que assim é, porque, efectivamente, neste Hemiciclo, sobretudo em relação a matéria desta natureza, é natural, salutar e desejável que existam diferenças e clivagens muito profundas nas orientações estratégicas da política fiscal. Afinal, recordo que os parlamentos nasceram exactamente por pressão da opinião pública, por pressão dos contribuintes de então, que em Inglaterra fizeram até uma revolução para que os parlamentos pudessem, na sua pluralidade, discutir e votar todas as matérias de natureza fiscal.

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Foi, pois, neste sentido, Sr. Deputado, que trouxe à colação esta matéria. Julgo que, com este esclarecimento, aquilo que V. Ex.ª referiu fica agora devidamente enfatizado.

O Sr. Presidente (António Filipe): - O Sr. Deputado Francisco Louçã pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, estive até agora na convicção regimental de que as comissões elaboravam os relatórios em função do seu trabalho normal, em particular quando um projecto de lei estava agendado para debate em Plenário. Não sei se o Sr. Presidente me pode esclarecer se esta minha interpretação está correcta ou se deixou de ser assim.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr. Deputado, obviamente que todos sabemos que é assim.
Em todo o caso, a Comissão não é obrigada a fazer o relatório só quando o debate é agendado para Plenário, pode fazê-lo a partir do momento em que a iniciativa legislativa baixa à Comissão para apreciação e até ao debate em Plenário, como é do conhecimento geral desta Câmara.
Srs. Deputados, terminado que está este ponto da ordem de trabalhos, vamos dar início à apreciação do Decreto-Lei n.º 129/2005, de 11 de Agosto, que altera o Decreto-Lei n.º 118/92, de 25 de Junho, que estabelece o regime de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos, através das apreciações parlamentares n.os 2/X, do CDS-PP, 3/X, do PCP e 4/X, do PSD.
Para apresentar a apreciação parlamentar n.º 2/X, do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O CDS-PP veio requerer a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 118/92, de 25 de Junho, por uma série de razões, todas elas sobejamente conhecidas e já discutidas várias vezes neste Plenário.
Gostaria de começar por dizer que reconhecemos, compreendemos e concordamos que a redução da despesa pública é fundamental para atingirmos a tão necessária consolidação das finanças públicas. Refira-se, de resto, que esta forma de contenção das finanças públicas e o seu equilíbrio não tem sido privilegiada pelo Governo para conter o défice. Aliás, apesar da promessa constante do Orçamento do Estado, com contornos ainda que enigmáticos, de que o Governo irá fazer uma grande redução nas despesas, a verdade é que até agora o Governo do Partido Socialista tem tentando equilibrar as contas públicas através do aumento da receita. Fê-lo, como sabemos, através de diversos processos: aumentando o IVA, aumentando o imposto sobre produtos petrolíferos,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - … criando um novo escalão para o IRS, aumentando indirectamente o IRC através do fim dos benefícios fiscais, enfim, através de um sem fim de novas taxas como o novo imposto sobre o tabaco. Portanto, tem sido através do aumento da receita e não através da contenção da despesa que o Governo tem vindo a tentar equilibrar as finanças públicas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Foi assim que o Governo Socialista se viu na contingência de aplicar novas medidas para a política do medicamento, que agora estão em discussão, vendo aqui, como se diz hoje em dia, uma "janela de oportunidade" para arrecadar mais 120 milhões de euros, através da dedução das comparticipações e do fim da majoração para os medicamentos genéricos.
E fê-lo, de facto, reduzindo a taxa, nos seus vários escalões de comparticipação, proclamando ainda que existirá uma salvaguarda para os pensionistas mais carenciados.
Mas, Sr. Secretário de Estado, com toda a franqueza, os pensionistas considerados mais vulneráveis são aqueles que auferem menos de 14 salários mínimos por ano. Ora, uma pessoa que tenha cerca de 70 contos (em moeda antiga) de vencimento por mês não poderá ser considerada uma pessoa não desfavorecida. Por isso, logo aí, consideramos que fizeram um atalho de uma forma muito pouco razoável.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, esta eliminação da majoração em 10% da comparticipação nos medicamentos genéricos, e passo a ler o que está no preâmbulo, foi feita por se considerar que os mesmos já dispõem, neste momento, de uma adequada implantação no mercado. Refira-se, no entanto, que ainda

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recentemente o Sr. Ministro veio lamentar, em declarações públicas, a fraca implantação no mercado dos medicamentos genéricos.

Protestos do Sr. Secretário de Estado da Saúde.

Tenho aqui as declarações, e não creio que seja de desconfiar da comunicação social, visto que o que acabo de ler está como uma citação. Portanto, logo aqui, há uma discrepância e ficamos sem perceber qual é a verdadeira posição e qual é a verdadeira opinião do Ministério de Saúde.
Pela nossa parte, consideramos que a quota do mercado dos genéricos é ainda incipiente. Estes 12% são, de facto, muito parcos, sobretudo quando comparados com quotas de mercado que equivalem praticamente ao triplo noutros países da União Europeia.
Assim, o que verificamos é que houve um desperdício do empenhamento que foi dado nos últimos anos para que houvesse o crescimento desta quota de mercado, porque houve um empenho financeiro e político para que esta quota se elevasse de 0,3%, em 2001, até chegar a 10% em 2004, sendo de 12% em 2005. Mas, para além deste desperdício, perguntamos como é que o Governo tenciona dar impulso ao mercado dos genéricos, quando o reflexo do fim da majoração e a alteração das comparticipações já se fazem sentir, obviamente, no bolso dos doentes.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr.ª Deputada, terminou o seu tempo.

A Oradora: - Vou concluir imediatamente, Sr. Presidente.
A este propósito vou dar apenas um exemplo: um medicamento do escalão B que custe € 100,00 - isto para facilitar as contas -, com a comparticipação ficava por € 94,00, mas com o fim da majoração e com a redução da comparticipação o valor de € 20,00, que era o assumido pelo doente, passa a ser de € 28,20. Ou seja, estamos a falar não num aumento de 4%, como o Governo nos tem querido fazer crer, que seria o diferencial entre os 10% da majoração e a queda dos preços em 6%, mas, sim, num aumento de 40%, que é muitíssimo penalizador para os doentes.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem mesmo de terminar.

A Oradora: - Vou concluir neste preciso momento, Sr. Presidente.
Face a estes aspectos e porque entendemos que há outros mecanismos que não são tão penalizadores para os utentes, questionamos como é que o Governo pretende, de uma forma socialmente preocupada, prosseguir estes seus objectivos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para apresentar a apreciação parlamentar n.º 3/X (PCP), também relativa ao Decreto-Lei n.º 129/2005, de 11 de Agosto, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje, mais uma vez, a questão importantíssima do aumento dos gastos dos utentes com os medicamentos, fruto das últimas decisões do Governo, apesar da decisão sobre a diminuição do preço dos medicamentos em 6%, que em muitos aspectos e em muitas áreas ainda não está a ser sentida pelos utentes e que vai ser, certamente, também minorada pelas excepções que podem existir e, por outro lado, pela capacidade da indústria de reconverter a sua pressão do ponto de vista da prescrição.
Estas medidas concretas que hoje aqui discutimos com este decreto-lei são, de facto, a tradução de uma linha de redução do apoio do Estado no acesso aos medicamentos e de aumento da participação dos utentes no acesso a esses mesmos medicamentos. Veja-se, aliás, as linhas anunciadas para o Orçamento do Estado, onde o próprio Ministro de Estado e das Finanças, na sua apresentação, se referiu à política do medicamento como um instrumento de redução da despesa. Ora, isto é, em si mesmo, a tradução de uma política que reduz os custos do Estado não pela via da racionalização mas, sim, pela via da sua transferência para os utentes.
Nestes dois casos que aqui estão abrangidos, a comparticipação agora a 95% dos medicamentos do escalão A e o fim da majoração dos genéricos, diz o Governo que, no primeiro caso, é preciso combater os abusos, as fraudes, que existem em grande medida na utilização de regimes especiais de acesso a comparticipações especiais dos medicamentos, mas a verdade é que, sendo certo que é preciso combater essas fraudes, quando o Governo diminui de 100% para 95% esta comparticipação está a penalizar tanto os fraudulentos, que usavam indevidamente estes apoios, como os que não praticam fraudes, que passam a ser penalizados por responsabilidades que não são suas. Portanto, pagam os fraudulentos e os não fraudulentos; pagam os ricos mas também os pobres. É uma diminuição de comparticipação injusta.
Da mesma forma podemos dizer que o fim da majoração dos genéricos, para além das evidentes consequências na ainda desejada expansão do mercado de genéricos e da sua implantação, é um acréscimo

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mais no custo destes medicamentos para os utentes, e isso é significativo, porque anula e suplanta até a diminuição do preço em 6%, mesmo que essa diminuição se verificasse em toda a sua extensão, correspondendo, portanto, a um aumento concreto dos medicamentos genéricos. Portanto, é uma medida que, do ponto de vista quer da política do medicamento em relação ao potenciar da utilização de genéricos quer da diminuição dos custos para os utentes, é negativa.
No nosso país, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a factura que as pessoas pagam com os seus medicamentos é das mais elevadas da Europa. Isto é, no nosso país, a parte que é paga directamente pelas populações, muitas delas com grandes dificuldades, é muito mais elevada do que na maioria dos países da Europa.
Portanto, neste país a política devia ser a contrária à que está a ser seguida, devia ser uma política de maior apoio, certamente aliada a uma racionalização dos gastos com medicamentos, cortando nas despesas que não se traduzem em benefícios para os utentes. Mas não é isso que está em cima da mesa.
Aliás, estas medidas, designadamente a medida da diminuição da comparticipação do escalão A de 100% para 95%, valem pelo que são e valem pelo que simbolizam e anunciam. São, de facto, uma diminuição da comparticipação que, em alguns casos, onera vários doentes e utentes com quantias significativas, mas também significam que o Governo, como todos sabemos e como já se pode ler, por formas mais ou menos elípticas e abstractas, no Programa do Governo e noutros documentos do próprio Ministério da Saúde, está disposto a diminuir as comparticipações em muitos medicamentos, em fazer uma revisão dessas comparticipações não para racionalizar o seu uso mas, sim, para transferir mais factura para os utentes. É este o caminho que aí vem.
Por isso, podemos dizer que este diploma e as suas medidas são o início não de um PREC mas de um PDEC, um processo de descomparticipação em curso, que é, sem dúvida, o que está nas intenções do Governo, e este diploma é um dos primeiros sinais dessa política, pelo que propomos que cesse a sua vigência.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para apresentar a apreciação parlamentar n.º 4/X - Decreto-Lei n.º 129/2005, de 11 de Agosto, da iniciativa do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miranda.

O Sr. Carlos Miranda (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que inicie a minha intervenção com uma nota de protesto, pedindo a fineza aos Srs. Membros do Governo que transmitam este protesto ao Sr. Ministro da Saúde.
Protesto pela forma muito deselegante e muito pouco democrática como o Sr. Ministro da Saúde e o Sr. Secretário de Estado da Saúde fugiram deliberadamente ao debate exactamente desta matéria na Assembleia da República, na passada quarta-feira.
Todos os grupos parlamentares, incluindo aquele que apoia o Governo, interpelaram VV. Ex.as acerca da ponderação dos riscos de eliminação dos incentivos à utilização dos medicamentos genéricos. Em particular, o Grupo Parlamentar do PSD, depois de demonstrar com factos quer a fragilidade do mercado dos genéricos quer a especificidade deste mercado, dirigiu a VV. Ex.as um repto de responsabilidade: aceita o Governo repor a majoração de 10% na comparticipação dos genéricos se, no final do primeiro trimestre de 2006, se verificarem indícios de regressão deste mercado?
O Sr. Ministro da Saúde fugiu inteiramente a esta resposta. Espero que V. Ex.ª , Sr. Secretário de Estado, tenha hoje disponibilidade para a dar.
Tão grave como a fuga ao debate foi a desconsideração feita a esta Câmara por esta equipa ministerial, que, aqui dentro, no decurso do debate, não respondeu às questões que lhe foram colocadas, mas, mal transpuseram a porta de entrada no Hemiciclo, "lançaram-se nos braços" dos jornalistas, a quem revelaram medidas de política de medicamento que, aqui dentro, esconderam ou camuflaram ou escamotearam.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Dois exemplos: o PSD perguntou ao Sr. Ministro da Saúde em que sentido estava a pensar rever o regime de fixação do preço dos medicamentos. O Sr. Ministro não respondeu absolutamente nada sobre isto - e o Sr. Secretário de Estado também não -, mas guardou para os jornalistas a bombástica notícia da liberalização do preço dos genéricos, que é tão preocupante para os utentes da saúde deste país.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Trata-se de um tema que, manifestamente, não pretendiam partilhar com os Deputados desta Câmara.
O segundo exemplo: a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro perguntou-lhe sobre qual a orientação que vai ser tomada pelo Governo quanto ao alargamento da prescrição por denominação comum internacional (DCI).

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Fez-lhe, pois, uma pergunta directa.
Efectivamente, todo o sector da saúde anda perdido acerca desta questão, porque havia uma resposta no Programa de Governo mas era contrariada pelas declarações do Ministério. Dizia o Ministério que o alargamento da prescrição por DCI só aconteceria lá para 2007, salvo erro. Pois bem, na passada quarta-feira, aqui dentro, perante a Câmara, o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado nada disseram sobre este assunto, mas mal saíram do Hemiciclo foram imediatamente ter com os jornalistas, dizendo-lhes que a obrigatoriedade da prescrição por DCI seria colocada em lei ainda até ao final do corrente ano.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Isto é verdade!

O Orador: - O Sr. Ministro da Saúde e o Sr. Secretário de Estado ainda não perceberam que a quem têm de prestar contas da sua acção governativa é aos Deputados desta Assembleia e não à imprensa.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - Ora, este é de novo o momento oportuno para V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado da Saúde, esclarecer aquilo que não esclareceu no debate da semana passada e vou voltar a repetir. São cinco pontos, muito simples.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Só cinco!

O Orador: - Primeiro: aceita rever a sua política no tocante aos genéricos, repondo a majoração, se o mercado regredir?
Segundo: o que é isso da liberalização dos preços dos genéricos? Vão deixar de ter o seu preço inicial administrativamente fixado? Vão poder subir de preço livremente, uma vez que já podem baixar de preço?

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Sim ou não?

O Orador: - Terceiro: VV. Ex.as têm informações cientificamente estudadas sobre o impacto dessa medida no mercado e no orçamento das famílias?

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Sim ou não?

O Orador: - Quarto: quanto à prescrição por DCI, vai mesmo até ao final do ano rever a receita médica, de forma a tornar obrigatória a prescrição por denominação comum internacional?
Finalmente, deixe-me colocar-lhe o quinto e último ponto: tem V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado (e o Ministério da Saúde) previstas algumas medidas de incentivo aos medicamentos genéricos ou só está a prever desincentivá-los?
É que a resposta que V. Ex.ª, por certo, desta vez não se esquivará a dar é decisiva para a ponderação do sentido de voto desta Assembleia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pizarro.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que estamos aqui, de facto, a assistir a uma discussão repetida. É repetida em relação à da passada quarta-feira, em que a generalidade dos intervenientes tiveram muita dificuldade em arranjar um argumentário novo - em particular, o Sr. Deputado Carlos Miranda fez o que pôde e repetiu o argumentário antigo na tentativa de impressionar.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - E fez bem!

O Orador: - Mas impressiona pouco, Sr. Deputado, porque, em boa verdade, o que está aqui subjacente a esta apreciação parlamentar é a discussão de uma inversão de alguns aspectos da política do medicamento. Isto obriga-nos a discutir se os Srs. Deputados querem aceitar como normais alguns dos factos da política do medicamento no nosso país, se querem aceitar como normal que Portugal seja o país da OCDE em que, percentualmente e no conjunto dos custos da saúde, o custo do medicamentos é o maior, pois cerca de 25% dos custos da saúde são custos com os medicamentos.

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

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Isto obriga-nos a discutir, ainda, se os Srs. Deputados querem aceitar como normal que, num país onde os custos das famílias e dos cidadãos com a saúde são particularmente elevados, em termos percentuais, o custo dos medicamentos represente cerca de 60% desses custos das famílias e dos cidadãos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ora, aí está!

O Orador: - Esta foi a realidade que se encontrou quando o Governo tomou posse, não é a realidade criada por este Governo.
Quero também acrescentar que algumas das medidas tomadas pelos dois anteriores governos, pese embora a sua "bondade" e a tentativa de branqueamento que agora delas é feita, conduziram, de certa forma, a "mais do mesmo". A verdade é que o aumento dos custos com medicamentos, quer para as famílias quer para o Orçamento do Estado, entre 2003 e 2004, atingiu um valor superior a 10%, valor que só foi interrompido no ano anterior mas que rapidamente se voltou a revelar.
Portanto, parece-nos absolutamente inquestionável que alguma coisa teria de ser feita e parece-nos que estas medidas, que o Governo legislou, vão no sentido correcto.
Senão vejamos quais são as objecções que lhes são postas.
Uma área é a da alteração da comparticipação dos medicamentos do escalão A de 100% para 95%. Naturalmente, reconhecemos que esta alteração tem algum impacto sobre as famílias, é evidente que tem, mas vamos admitir que se trata de um impacto de pequeno montante. Esta é que é a verdade e não convém nem vale a pena fazer demagogia a este respeito.

Protestos do PCP e do BE.

Ainda por cima, temos de acrescentar que, entre os medicamentos abrangidos por esta medida, há 128 medicamentos que são considerados fármacos de sustentação de vida e, portanto, estão excluídos desta medida, sendo dela excluídos também todos os regimes especiais para determinadas patologias crónicas e ainda os cidadãos que tenham um rendimento anual inferior 14 vezes o salário mínimo nacional. Com este conjunto de exclusões, julgamos estar acautelado o princípio da protecção social.
Em segundo lugar, trata-se do problema do desaparecimento da majoração de 10% nos genéricos. Mas ninguém ignora - para quem gosta tanto de citar o conjunto de estudos que as associações da área produzem - que mesmo a Associação Nacional das Farmácias, da qual somos absolutamente insuspeitos de estar conluiados, admitia que este mecanismo de majoração introduzia uma distorção do mercado, contribuindo para que o preço dos genéricos, em Portugal, fosse substancialmente superior ao dos genéricos no conjunto dos países na União Europeia.
Aliás, quanto à forma como este debate é conduzido, consideramos particularmente sintomático que sejam apontada estas medidas mas que os partidos da oposição, claramente, se esqueçam de referir a medida corajosa que este Governo tomou, assumiu e pôs em prática quando reduziu em 6% o preço dos medicamentos que estão à venda nas farmácias, medida esta que, no seu conjunto, permite às famílias, aos cidadãos, uma poupança muito superior (estimada em 50 milhões de euros) aos encargos adicionais das medidas do diploma que hoje aqui se pretende ver reapreciado.

Tudo isto são razões para que acreditemos que, com respeito pelas pessoas e pelas famílias, com consciência social, mas simultaneamente com consciência orçamental, este Governo está, do ponto de vista da política do medicamento, a dar passos no sentido certo e a merecer o apoio da nossa bancada e do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, o Sr. Deputado Manuel Pizarro tem, de facto, razão quando diz que, no espaço de algumas semanas, é a terceira vez que discutimos nesta Assembleia a política dos medicamentos. Não penso que seja por acaso, e parece-me importante que o façamos, porque as medidas que têm vindo a ser avançadas pelo Governo, ao contrário do que o Sr. Deputado acaba de dizer, têm um impacto gravíssimo sobre as famílias.
O Sr. Deputado traçou um diagnóstico absolutamente claro. Sabemos que, em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde gasta muitíssimo com o consumo de medicamentos, sabemos que as famílias portuguesas são aquelas que, no cenário europeu, mais gastam com o consumo de medicamentos, e todas as medidas que têm vindo a ser tomadas até agora, ou seja, o fim da majoração de 10% nos genéricos e o fim da comparticipação a 100% em 388 medicamentos do escalão A, vão ter impactos nas famílias.
As únicas pessoas que os senhores não atingem com esta medida são aquelas que já estão a morrer, ou que podem morrer se não tiverem acesso a esses medicamentos, ou as que são absolutamente pobres e miseráveis.

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O Sr. Manuel Pizarro (PS): - Não é esse o conceito de medicamento de suporte de vida!

A Oradora: - Todas as medidas que os senhores implementaram até agora têm a ver com uma transferência de custos no consumo de medicamentos para os utentes, o que aliás foi reconhecido pelo Sr. Ministro da Saúde no último debate que aqui teve lugar.
O Sr. Ministro reconheceu que o fim da majoração dos 10% e o fim da comparticipação de 100% no escalão A na maior parte dos medicamentos vai ter efeitos sobre as famílias pobres e sobre aquelas que dependem de um conjunto de medicamentos para terem qualidade de vida.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): - E a baixa do preço dos medicamentos?

A Oradora: - Se é importante fazermos, nesta Câmara, os debates necessários sobre a política de medicamentos de modo a racionalizar os custos que os utentes e o Serviço Nacional de Saúde têm com o consumo de medicamentos, a verdade é que foi anunciado um conjunto de novidades no âmbito do Orçamento do Estado e também pelo Sr. Secretário de Estado, depois de ter saído do debate que fizemos na quarta-feira passada, pelo que seria interessante que nos desse alguma justificação sobre as escolhas que o Governo faz em matéria de genéricos.
Uma das medidas inscritas no relatório do Orçamento do Estado anuncia a intenção do Governo de liberalizar o preço dos genéricos, tendo o Sr. Secretário de Estado da Saúde justificado à imprensa a sua existência, dizendo que ela iria permitir aumentar a concorrência no mercado dos genéricos e, portanto, baixar o preço.
Porém, ao contrário do que o Sr. Secretário de Estado tem dito, todos os agentes da área têm vindo a dizer que Portugal não tem um mercado suficiente para permitir que a concorrência venha a baixar o preço dos medicamentos genéricos.
Para além disto, no relatório do Orçamento do Estado, o Secretário de Estado da Saúde, o Ministro da Saúde, o Governo não nos apresentam aquela que seria a medida essencial, isto é, uma intervenção no mercado dos genéricos, promovendo a própria produção dos genéricos, ou seja, o Estado criando mecanismos de concorrência que permitam a baixa de preços.
Sr. Secretário de Estado, aproveito para lhe deixar este desafio.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (Francisco Ramos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as intervenções de todas as bancadas e espero não cometer nenhuma injustiça ao agradecer em especial à Sr.ª Deputada Ana Drago por ter lembrado ser esta a terceira vez que debatemos a política do medicamento, sempre com a presença do Governo.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Mesmo assim, ainda tiveram que anunciar coisas lá fora!

O Orador: - Isto permite-me esclarecer, desde já, que a referência do Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda, ao dizer que o Governo está pouco disponível para discutir, seja que política for, com a Assembleia da República, foi profundamente injusta. De facto, Sr. Deputado, considero o que disse de uma injustiça tremenda, porque esta equipa do Ministério da Saúde sempre, mas sempre, manifestou toda a disponibilidade - e o Sr. Deputado sabe-o muitíssimo bem - para discutir, sempre que os senhores quiserem, todas as políticas do Ministério da Saúde, como o evidencia estas três discussões num tão curto espaço de tempo.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Vêm cá para falar com os jornalistas, não connosco!

O Orador: - Passo às questões que aqui nos trazem, ou seja, a apreciação do decreto-lei que regula o regime de comparticipações. Factos são factos, e o que o decreto-lei faz é baixar a comparticipação do escalão A de 100% para 95%.
Já foi aqui dito, e reafirmo, que a justificação para tal é a de que todos os bens têm um valor e, portanto, devemos reduzir, tanto quanto possível, o fornecimento inteiramente gratuito dos bens. Porém, tomámos esta medida com salvaguarda de medicamentos essenciais de sustentação à vida e aos pensionistas de baixos rendimentos.
Retirámos também a majoração da comparticipação de 10% nos genéricos. Tal como também já foi dito, essa era uma medida que visava o lançamento do mercado dos genéricos e que, nesta altura, estava a

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distorcer o seu funcionamento.
Para além disto, revimos a comparticipação acrescida para pensionistas de forma a torná-la mais justa. Temos cerca de 19% de inscritos no Serviço Nacional de Saúde a gastar 53% da despesa total em medicamentos. O que fizemos foi tornar mais claro o direito ao acesso a essa bonificação adicional, o que terá efeitos apenas a partir de Março.
Aliás, devo dizer, sobretudo para a bancada do CDS-PP, que se é reclamada menor despesa há que actuar nalgumas áreas. E, portanto, se é reclamado que o Estado gaste menos convém saber em que é que podemos gastar menos.
Só é possível fazer a avaliação desta medida em conjunto com a redução dos 6%. Ou seja, pegar na medida da redução das comparticipações de forma individual é, de facto, enviesar o problema.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): - Foi isso o que o Governo fez!

O Orador: - E todos sabemos que o impacto conjugado da redução dos 6% com a redução de algumas comparticipações é, provavelmente - podemos dizê-lo, Sr. Deputado -, um "PREC", um processo de redução de encargos para o cidadão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que, de facto, da conjugação das duas medidas resulta um impacto positivo na bolsa dos cidadãos entre 20 a 25 milhões de euros por ano, como também já foi dito.
Os dados que temos revelam que o crescimento dos encargos do Serviço Nacional de Saúde, em termos acumulados, era de 6% em Agosto e de 5,8% em Setembro. Ou seja, durante o mês de Setembro o conjunto de medidas teve um curtíssimo impacto, praticamente não se fez sentir ainda, na despesa do Serviço Nacional de Saúde.
De resto, devo dizer mais uma vez, e no que respeita à questão da transparência, que estes dados sobre o comportamento do mercado no mês de Agosto estão já disponíveis na página da internet do INFARMED. Portanto, estamos neste processo com toda a transparência e a acompanhar a evolução do mercado.
Finalmente, no que se refere aos genéricos - certamente que durante a discussão do Orçamento do Estado para 2006 teremos oportunidade de aprofundar esta matéria -, devo dizer que o mercado dos genéricos estava bloqueado. Desde 2003 que a percentagem de substâncias activas, o valor das substâncias activas onde há genéricos, se mantém à volta de 30%. Concretamente, 30% em 2003; 34% em 2004; e 33% de valores acumulados até 2005.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Concluo de imediato, Sr. Presidente.
O que há a fazer no mercado dos genéricos é, de facto, desbloquear esse impasse, sabendo nós que há 25% do mercado que se refere a substâncias que já perderam a protecção de patente, em que não há genéricos. Esse é o caminho que temos de fazer, porque os genéricos, nestes últimos anos, têm tido um desenvolvimento aditivo nas mesmas substâncias e não aquilo que certamente todos queremos: um alargamento a mais medicamentos, a mais substâncias activas. É nesse caminho que trabalharemos, é nesse sentido que vamos continuar a trabalhar.
Com a tolerância do Sr. Presidente durante mais alguns segundos, gostaria de dizer, como já tive oportunidade de o fazer na semana passada, creio que em resposta à Sr.ª Deputada Ana Drago, que em relação à formação do preço dos genéricos faria todo o sentido flexibilizar - e estamos a trabalhar nesse sentido - as regras de formação de preços, no sentido de tornar menores as reduções de preços para produtos mais baratos e, provavelmente, tornar ainda maiores as reduções de preços para produtos mais caros, uma vez que temos sinais de que o mercado o comporta. Essas são medidas que poderão alargar consistentemente o mercado dos genéricos, conforme todos queremos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa dois projectos de resolução propondo a cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 129/2005, de 11 de Agosto, que estivemos a apreciar, apresentados, um deles, pelo Grupo Parlamentar do PCP e, o outro, pelo Grupo Parlamentar do PSD. Não recebemos da parte do Grupo Parlamentar do CDS-PP, autor da apreciação parlamentar n.º 2/X, qualquer projecto de resolução.
Estes projectos de resolução serão votados oportunamente, em próxima reunião com período regimental de votações.
Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.

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A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, quinta-feira, às 15 horas, constando do período da ordem do dia a apreciação dos projectos de lei n.os 84/X, 58/X, 42/X e 39/X, relativos à Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, a que se seguirá o período regimental de votações.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes
António José Ceia da Silva
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Horácio André Antunes
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Apolinário Nunes Portada
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Susana de Fátima Carvalho Amador
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
Domingos Duarte Lima
Fernando dos Santos Antunes
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva
José de Almeida Cesário
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Miguel Pais Antunes
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Eugénio Óscar Garcia da Rosa
Jerónimo Carvalho de Sousa
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Paulo Sacadura Cabral Portas

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
José Luís Teixeira Ferreira

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
João Cardona Gomes Cravinho
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira

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Partido Social Democrata (PSD):
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto

Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque

Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Almeida Henriques
Emídio Guerreiro
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Mário Henrique de Almeida Santos David
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

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