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Sábado, 22 de Outubro de 2005 I Série - Número 58 (*)
X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006) (*)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE OUTUBRO DE 2005
Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama
Secretários: Ex.mos Srs. Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 39 /X.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 38/X - Estabelece mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social, no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões, sobre a qual intervieram, além dos Srs. Ministros de Estado e das Finanças (Teixeira dos Santos) e do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva), os Srs. Deputados José Luís Ferreira (Os Verdes), Adão Silva (PSD), Teresa Diniz (PS), Mariana Aiveca (BE), Teresa Caeiro (CDS-PP) e Jorge Machado (PCP).
Foram ainda apreciados, na generalidade, os projectos de lei n.os 141/X - Regula as aplicações médicas da procriação assistida (BE), 151/X - Regula as técnicas de procriação medicamente assistida (PS), 172/X - Regula as técnicas de reprodução medicamente assistida (PCP) e 176/X - Regime jurídico da procriação medicamente assistida (PSD), tendo-se pronunciado, a diverso título, os Srs. Deputados Ana Drago (BE), Duarte Lima (PSD), Maria de Belém Roseira (PS), António Carlos Monteiro (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Teresa Caeiro (CDS-PP), Francisco Louçã (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 50 minutos.
(*) Artigo 174.º n.º 1 da CRP, Artigo 47.º n.º 1 do RAR e Artigo 171.º n.os 1 e 2 da CRP.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Garcia Braga da Cruz
Luís Manuel de Carvalho Carito
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Luís Gomes Vaz
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Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Susana de Fátima Carvalho Amador
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Umberto Pereira Pacheco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
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Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Irene Martins Baptista Silva
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
Eugénio Óscar Garcia da Rosa
José Batista Mestre Soeiro
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro
Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
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Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta do expediente.
A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 39/X - Autoriza o Governo a legislar em matéria de direitos dos consumidores de serviços financeiros, comunicações comerciais não solicitadas, ilícitos de mera ordenação social no âmbito da comercialização à distância de serviços financeiros e submissão de litígios emergentes da prestação a consumidores de serviços financeiros à distância a entidades não jurisdicionais de composição de conflitos, a fim de transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o primeiro ponto da ordem do dia é a apreciação da proposta de lei n.º 38/X - Estabelece mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social, no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças (Teixeira dos Santos): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A lei que, em 2000, aprovou as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social estabeleceu que se procedesse à regulamentação dos regimes de protecção social da função pública, por forma a convergirem com o regime geral da segurança social. Do mesmo modo estabeleceu a lei que, em 2002, aprovou as bases da segurança social.
A convergência do regime de aposentação da função pública com o regime geral da segurança social estava prevista no programa eleitoral apresentado pelo Partido Socialista que os portugueses sufragaram.
Essa medida consta, igualmente, do Programa do Governo apresentado a esta Assembleia e do Programa de Estabilidade e Crescimento.
Esta é uma reforma que a situação difícil das finanças públicas impõe, que a sustentação financeira dos sistemas de segurança social, a médio e a longo prazos, exige e que princípios de equidade e de justiça relativa, no tratamento que deve ser dado a todos os trabalhadores portugueses, inspiram.
É uma reforma há tantos anos prevista e há tanto tempo anunciada. Finalmente, houve a coragem necessária à sua formulação e apresentação.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - A proposta que o Governo apresenta a esta Assembleia concretiza pois, integralmente, a convergência do regime de aposentação dos funcionários públicos com o regime geral.
Consciente de que esta mutação significa uma alteração nas perspectivas de vida de muitos portugueses, a convergência é realizada segundo um modelo de transição gradual e sem rupturas. Este objectivo é obtido pela conjugação de várias medidas, com períodos de transição, salvaguardando direitos e criando mesmo regimes que protegem as situações especiais de carreiras contributivas mais longas.
Em suma, concretiza-se a convergência mas progressivamente e atendendo equilibradamente a todos os valores em presença.
Assim, para os novos funcionários e outros servidores do Estado admitidos a partir do próximo ano, prevê-se a sua inscrição no sistema geral de segurança social. A Caixa Geral de Aposentações não admitirá novas inscrições. Encerra-se, neste domínio, um capítulo da história da Administração Pública portuguesa.
Para os trabalhadores que, até ao final do corrente ano, reunirem as actuais condições exigidas para aposentação, isto é, 60 anos de idade e 36 anos de serviço, respeitar-se-ão, integralmente, as suas expectativas, podendo aposentar-se com o actual regime, independentemente da data em que o venham a fazer.
Para os trabalhadores admitidos depois de Setembro de 1993, eleva-se a idade de condição de aposentação dos 60 para 65 anos, com um período de transição de 10 anos, durante o qual tal exigência aumentará 6 meses por ano. Para estes trabalhadores mantém-se a fórmula de cálculo da pensão, já que é a mesma da segurança social.
Para os trabalhadores admitidos antes de Setembro de 1993, aumentará também progressivamente a idade para aposentação, com o mesmo período de transição de 10 anos, e alterar-se-á a fórmula de cálculo da pensão de aposentação que passará a ter duas parcelas: a primeira, que se aplicará ao tempo de exercício de funções até ao final deste ano, baseia-se na fórmula actualmente existente e respeita legítimas
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expectativas existentes; a segunda parcela, que se aplicará ao tempo de serviço posterior a 1 de Janeiro do próximo ano, aproxima-se das fórmulas gerais da segurança social aplicadas à generalidade dos trabalhadores e, como disse, também já aplicadas aos funcionários públicos admitidos depois de Setembro de 1993.
Durante o período de transição, mantém-se a exigência de 36 anos de serviço para aceder à aposentação. Findo aquele período, aplicar-se-á a regra geral de 15 anos de prazo de garantia.
Mas, à luz das regras do sistema geral da segurança social, o número de anos necessários para obter uma pensão completa aumentará também, progressivamente, dos 36 para os 40 anos, ao ritmo de 6 meses por ano.
Manter-se-ão, contudo, na função pública, regimes de aposentação antecipada: o actual, que permite antecipar em um ano a idade de aposentação por cada 3 anos de serviço a mais que se tenha prestado, e um novo regime, mais flexível, que prevê a antecipação em 6 meses de idade por cada ano de serviço que se preste a mais.
Previram-se, igualmente, regimes especiais transitórios para quem não tendo, até ao final do ano, 60 anos de idade, tenha já, pelo menos, 36 anos de serviço.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é uma reforma necessária.
Esta é uma reforma que não se podia adiar mais.
Esta é uma reforma justa, porque coloca, a prazo, todos os portugueses num plano de igualdade e porque ajuda a salvaguardar, no futuro, os nossos sistemas de segurança social, protegendo também a aposentação futura dos portugueses que trabalham nas administrações públicas.
O Governo cumpriu, pois, a sua missão neste domínio, prosseguindo objectivos de equilíbrio das finanças públicas, reforçando as condições de sustentação financeira dos sistemas de segurança social, promovendo a igualdade entre todos os trabalhadores, respeitando expectativas legítimas. Aguarda, agora, serenamente, o juízo de VV. Ex.as, Sr.as e Srs. Deputados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, através desta proposta, o Governo pretende transportar os trabalhadores da Administração Pública para o regime geral da segurança social.
Porém, essa manobra vai provocar um gigantesco aumento nos encargos do sistema com os beneficiários e, até agora, o Governo ainda nada disse sobre como é que, enquanto entidade patronal, vai proceder às respectivas comparticipações.
Dito de outro modo, essa operação implica que os organismos públicos façam, naturalmente, os respectivos descontos para a segurança social, tal como fazem os privados, e o Governo, até agora, ainda não disse aos portugueses qual a taxa social única que os organismos públicos vão pagar a partir do próximo ano, isto é, se é de 23,75%, se não é, se é menor, e nós consideramos que os portugueses deveriam sabê-lo.
Assim, Sr. Ministro, o meu pedido de esclarecimentos é no seguinte sentido: qual a percentagem de descontos que vai ser feita na primeira fase? Qual a referência máxima a atingir? Qual o plano, em termos temporais, para a aproximação a esse valor máximo?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, posso esclarecê-lo de que a taxa que será aplicável é a prevista para as instituições não lucrativas, tal como está estabelecida na actual legislação. Aqui não haverá alteração.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): - Logo no primeiro ano?!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.
O Sr. Adão Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Desde há mais de duas décadas que existe o propósito de fazer convergir os regimes de protecção social da função pública com os regimes do sistema de segurança social, quanto ao âmbito material, regras de formação de direitos e atribuição de prestações.
Com efeito, vale a pena invocar, neste contexto, a primeira lei de bases da segurança social, a Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, secundada, uma década e meia depois, pela Lei n.º 17/2000, de 20 de Agosto, e, mais recentemente, pela Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro.
No entanto, esta matéria sempre foi objecto de abordagens muito prudentes, não apenas pela inerente complexidade mas também pelos impactos junto da população envolvida.
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Recordemos que o primeiro passo concreto tendente à convergência de regimes constituiu-se no Decreto-Lei n.º 286/93, para os funcionários públicos que vieram a inscrever-se na Caixa Geral de Aposentações a partir de Setembro de 1993.
Lembremos que foi necessário que transcorressem 10 anos, tendo de permeio dois governos socialistas, para que um segundo movimento de convergência entre os regimes público e privado de segurança social ocorresse, através da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, da responsabilidade do governo do Dr. Durão Barroso.
Durante os últimos anos, todos ganhámos uma consciência muito aguda da imperatividade de se proceder a alterações no estatuto da aposentação dos funcionários públicos que, garantindo os direitos desses trabalhadores, permitissem a solvabilidade da Caixa Geral de Aposentações e, desta forma, a capacidade de o Estado continuar a assegurar as prestações sociais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Com efeito, a situação actualmente existente na Caixa Geral de Aposentações é de grande estrangulamento orçamental e o seu desequilíbrio tenderá a agravar-se fortemente nos próximos anos.
Segundo números recentes, publicados num relatório do Tribunal de Contas, em 2004, havia 737 355 subscritores que descontavam para 512 956 indivíduos beneficiários de vários tipos de pensões, fazendo com que existisse um beneficiário activo para cada 1,4 beneficiários passivos.
Por outro lado, em 2004, a despesa com pensões da Caixa Geral de Aposentações atingia o valor de 5989 milhões de euros, isto é, 4,43% do PIB, quando, em 2002 - dois anos antes -, estes valores eram de 4948 milhões de euros, ou seja, sensivelmente menos 1000 milhões de euros.
Finalmente, tal como o PSD sempre afirmou frontalmente, se nada fosse feito, esta acelerada degradação a que estamos a assistir cresceria, nos próximos anos, de forma imparável, pondo, inexoravelmente, em causa a própria sobrevivência do sistema público de pensões.
Bem consciente da gravidade da situação e da urgência em tomar medidas, o PSD deixou muito claro, no seu programa eleitoral de Fevereiro último, que, se fosse governo, concretizaria as medidas necessárias para a convergência dos regimes.
Nesta matéria, como em todas, o PSD não vira a cara aos problemas difíceis, consciente de que "mais vale prevenir do que remediar".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Já o Partido Socialista, quando esteve no governo, fechou os olhos à situação e, quando esteve na oposição, atacou, com violência, as medidas que, então, propusemos e aprovámos e que eram, já ao tempo, absolutamente imperativas.
Mais grave ainda, apesar da evidência e da premência do problema, o Partido Socialista esquivou-se a referir esta questão, de forma clara, no seu programa eleitoral de Fevereiro último, e nunca a ela os seus dirigentes fizeram grande referência, como era de esperar.
Com efeito, o PS passou a campanha eleitoral para as eleições legislativas a anunciar pensões acrescidas para todos, mas dissimulou a enumeração dos problemas e foi omisso nas propostas para enfrentá-los.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): - Não esteve atento!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este é o motivo verdadeiro da estupefacção de largas centenas de milhares de portugueses, que não esperavam que o PS tomasse este tipo de medidas, uma vez chegado ao governo. Estavam mesmo convencidos de que José Sócrates, uma vez eleito Primeiro-Ministro, havia de encontrar, providencialmente, soluções mágicas que não deixariam de pôr os portugueses a salvo das medidas de rigor, de austeridade e de contenção que o PSD, com verdade, anunciava.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Numa palavra, durante a campanha eleitoral, o PS agiu com hipocrisia e desonestidade política, escondendo os problemas aos portugueses e acalentando-lhes esperanças vãs.
Aplausos do PSD.
Aqui radica também a razão da revolta dos funcionários públicos perante o texto da proposta de lei n.º 38/X, que vem estabelecer os mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social.
Com efeito, depois da surpresa que constituiu o congelamento das carreiras até final de 2006 e a certeza de que os salários para os funcionários públicos vão crescer abaixo da inflação no próximo ano, a estupefacção
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é incontida perante os conteúdos da proposta de lei em debate. Estupefacção sustentada ainda por quatro razões acrescidas.
Em primeiro lugar, de facto, a proposta de lei não se fundamenta em qualquer estudo ou análise comparativa e permite antever com preocupante certeza inúmeras situações de desigualdade e iniquidade entre funcionários públicos de diferentes idades e sectores profissionais.
Além disso, o texto da proposta de lei é um labirinto interpretativo, onde uma miscelânea de regimes se entrecruzam, onde uma fórmula de cálculo de pensões propicia quase um exercício cabalístico.
O texto actual será com certeza o ganha-pão de muitos advogados, mas será igualmente um manancial de injustiças para os futuros aposentados. Ora, o que se esperava era que, atendendo à delicadeza da matéria em causa e ao universo da população abrangida, o texto fosse claro, bem sistematizado, de fácil compreensão, alheio a ambiguidades, sofismas e múltiplas interpretações.
Em terceiro lugar, é deplorável a forma como o Governo justifica a grande mudança que a proposta de lei comporta. Num mísero parágrafo são listadas razões sem qualquer desenvolvimento, justificação ou convalidação.
Quais são, Srs. Membros do Governo, as razões de equidade e de justiça social que fundamentam afinal este diploma? Quais as razões, Srs. Membros do Governo, que desapareceram e que estavam na base da criação do regime de pensões dos funcionários públicos?
O Governo não diz! A não ser que, de omissão em omissão, o Governo vá continuando a legislar no sentido de alterar completamente o regime estatutário da função pública, em que esta alteração profunda, mal estudada, escassamente negociada com os sindicatos e de efeitos mal calculados do regime da aposentação é apenas uma primeira etapa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, finalmente, entendemos que, no momento em que se exigem sacrifícios para a sustentabilidade das finanças públicas, os trabalhadores do Estado não podiam eximir-se a este esforço solidário que deve ser de todos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo também é que recusamos que se lance sobre eles um anátema, diabolizando-os e convertendo-os em cidadãos detentores de privilégios injustificados que é preciso combater ou eliminar de forma destemperada.
A necessária convergência de regimes de protecção social não tinha de ser feita com rasgos de amesquinhamento, lançando incertezas sobre o futuro dos funcionários públicos e das suas famílias.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O Partido Social-Democrata sempre entendeu, e continua a entender, que os funcionários públicos são agentes essenciais de modernização do País e, como tal, profissionais que devem ser tratados com toda a dignidade.
Por isso, embora concordando com a necessária convergência de regimes de pensões, lamentamos a atitude do Governo, que, num texto mal ponderado, converte os funcionários públicos em bodes expiatórios de uma crise que tem de ser superada com o esforço de todos, sem qualquer excepção.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Diniz.
A Sr.ª Teresa Diniz (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, através da sua intervenção não se conseguiu perceber se o PSD é a favor ou contra a proposta de lei apresentada. Mais ainda: o Sr. Deputado falou em desonestidade política. Não sei se ouviu bem o Sr. Ministro a explicar a convergência entre os dois sistemas, convergência essa que já advinha do Programa Eleitoral do Governo.
O Sr. Deputado falou em incertezas para a vida dos funcionários públicos. Penso que não terá lido cabalmente a proposta de lei, que é bastante clara e que incertezas não tem nenhumas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Vai ser difícil!… Vai ter de inventar!…
O Sr. Adão Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Diniz, em primeiro lugar, agradeço-lhe a sua solicitude em relação à posição do PSD.
O debate começou neste momento e deixámos já algumas pistas na nossa intervenção sobre a nossa posição final. Espero que a Sr.ª Deputada seja capaz de, até ao final do debate, descodificar as nossas
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explicações.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, Sr.ª Deputada, recordo-lhe que o PS, em Fevereiro de 2005, e, depois, no Programa do Governo, nunca deixou de forma absolutamente clara, como estes assuntos têm de ser tratados, que iria proceder a esta convergência de pensões.
No que se refere à clareza desta proposta de lei, Sr.ª Deputada, considero que este diploma enferma de muitos males, de muitos vícios, em que o menor dos quais não é seguramente esta questão.
Portanto, Sr.ª Deputada, as incertezas estão lançadas e os funcionários públicos estão angustiados em relação ao conteúdo do texto, porque o mesmo não é claro, não é lógico, está eivado de imensas incertezas, que é preciso, obviamente, ultrapassar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: 21 de Fevereiro de 2005 - o dia seguinte às eleições, o dia em que a esperança e a expectativa eram bem patentes nos rostos daqueles, muitos funcionários públicos, que com o seu voto contribuíram para despedir, e com justíssima causa, o governo das direitas. Mas, muito mais rapidamente do que até os mais cépticos poderiam antever, a esperança transformou-se em desilusão e a expectativa em revolta.
A verdade é que o Programa do Governo do PS não passou de uma enorme ilusão de óptica, qual cavalo de Tróia de onde saíram as "tropas" de Manuela Ferreira Leite.
Os trabalhadores da Administração Pública têm sido acusados de serem os causadores da ineficácia dos serviços, do excessivo aumento das despesas públicas, enfim, de todos os males que grassam nos serviços públicos. Tal campanha tem como objectivo branquear a estratégia seguida nos últimos anos, com fortes restrições orçamentais, ataque aos direitos, não aposta na qualificação e privatização dos serviços públicos.
Estas políticas têm agravado o atraso, têm aumentado o desemprego e têm agravado as condições de vida dos mais pobres. O seu resultado está à vista: de recessão em recessão, cá vamos na cauda da Europa.
A proposta de lei n.º 38/X, que hoje, 21 de Outubro de 2005 - exactamente 8 meses depois -, estamos a discutir é bem o exemplo de como, sob a capa do combate ao défice, do combate aos privilégios, da sustentabilidade do sistema de segurança social, da equidade e de justiça social, se cortam direitos e se estigmatiza um largo sector da sociedade.
Sustenta o Governo que tais medidas são tomadas por "razões de equidade e de justiça social", bem como pela "necessidade de contrariar o desequilíbrio financeiro do sistema". Se serão "razões de equidade e de justiça social" que ditam que Santana Lopes seja reformado com 49 anos de idade e 3178 euros, José Cutileiro com 3030 euros, para além de Narciso Miranda, Nascimento Rodrigues e tantos, tantos outros,…
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Bem lembrado!
O Orador: - … a equidade faz-se nivelando por baixo, Srs. Membros do Governo?!
Será que os senhores se esqueceram da declaração de voto que o Partido Socialista apresentou em 3 de Dezembro de 2003, quando nesta Câmara se discutia uma proposta de alteração ao Estatuto da Aposentação apresentada pelo governo PSD/CDS-PP? Diziam, nessa altura, o seguinte: "(…) de sublinhar também que algumas das soluções normativas nunca poderiam merecer a aprovação dos Deputados do PS por se afigurarem muito gravosas para os trabalhadores da Administração Pública, podendo mesmo vir a gerar no futuro situações de injustiça grave". Então e hoje, Srs. Deputados, esta posição já não vale?!
Quanto ao desequilíbrio financeiro, importa recordar que o Estado patrão nunca cumpriu as suas obrigações. Em que Estado estamos quando este tem contribuído, em média, com 5% do valor dos salários dos seus funcionários para a Caixa Geral de Aposentações contra os 23,75% pagos pelos empregadores?
Poderá o Governo do PS dizer que também foi surpreendido com a situação da Caixa Geral de Aposentações?! Mas os trabalhadores alertam para esta situação há longo tempo! Em 2003, o próprio Presidente do Tribunal de Contas aconselhava a tomada de medidas, que nunca foram tomadas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. e Sr.as Deputadas, esta proposta de lei penaliza 448 000 trabalhadores, ou seja, 60% de todos os trabalhadores da Administração Pública, dados que o Governo nunca referiu porque nunca assumiu, mesmo durante o simulacro de negociações, cumpridas apenas por exigências legais, ter feito tal estudo.
Esta proposta não visa só aumentar o tempo de serviço e a idade de aposentação, também reduz o valor da pensão. Esta proposta não deixa claro como vai ser o futuro dos pensionistas, que ficam num sistema
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fechado. A fórmula contida na proposta, de tão complicada, necessitará certamente que seja clarificada por inúmeras circulares.
Mas esta proposta tem um mérito: o de congregar, pela primeira vez, todos os sectores contra ela. A manifestação que ontem aconteceu frente a esta Casa, bem como os protestos que se ouvem de todos os sectores, são bem o reflexo disso.
Os trabalhadores da Administração Pública estão contra a fórmula e a forma com que o seu patrão os "brindou" com esta proposta de lei, mudando as regras no intervalo do jogo, fazendo caducar uma parte do seu contrato de trabalho sem tão-pouco terem direito a árbitro.
O Bloco de Esquerda está do lado deles e claramente contra a proposta de lei agora apresentada.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Estado-providência como estrutura de protecção universal integral é, porventura, uma das mais importantes conquistas do século XX.
Um sistema de segurança social como o previsto na nossa Constituição, que assegura a todos os cidadãos uma protecção condigna, especialmente nos períodos de maior vulnerabilidade, como a doença, a invalidez e a velhice, é um património civilizacional que todos temos obrigação de preservar enquanto cidadãos, contribuintes e decisores políticos.
Mas, se nos devemos congratular com a rede de protecção que o modelo social europeu foi tecendo, não podemos esquecer três aspectos fundamentais que dele decorrem: em primeiro lugar, o facto de quanto mais abrangente, evoluído e aperfeiçoado for o sistema previdencial maiores serão os desafios que se colocam quanto à sua sustentabilidade.
Um número tão vasto de eventualidades como aquelas que nos prezamos ter comporta um esforço acrescido para o Estado e para os contribuintes. São disto exemplo a complexidade do sistema, que inclui o subsídio de desemprego, as prestações não contributivas, as várias prestações familiares, o rendimento social de inserção, as pensões de sobrevivência e toda a acção social desenvolvida.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Em segundo lugar, o modelo foi concebido num determinado enquadramento demográfico, económico, político e social e se, por um lado, cumpre ao Estado dar a sua parte na repartição das obrigações, por outro cabe aos empregadores e trabalhadores cumprirem as suas, o que pressupõe a manutenção ou o crescimento da taxa de natalidade na famosa pirâmide que há tanto não vemos.
Mais: supõe que haja uma população activa (leia-se contribuinte). Ora, como sabemos, há uma quebra da natalidade que não conseguimos inverter; depois, há uma esperança de vida que é, e felizmente, cada vez maior, alargando o número de anos em que os contribuintes passam à mera condição de beneficiários e não de contribuintes e, simultaneamente, de maiores utilizadores de assistência social, médica e de lazer, logo, representando um acréscimo das despesas sociais; por fim, confrontamo-nos com um crescimento da taxa de desemprego que o Governo parece querer perpetuar na exacta medida em que parece querer eternizar a estagnação da nossa economia, a avaliar pelas políticas económicas que tem vindo a adoptar e pelo aumento da desconfiança que tem vindo a gerar nos agentes económicos. Repito, a competitividade e o crescimento da economia são factores cruciais para a sustentabilidade da protecção social.
Em terceiro lugar, existiu algum autismo e um excesso de voluntarismo. Autismo, porque se deixou que quer o regime geral da segurança social quer o regime de protecção social da função pública chegassem a um ponto em que o seu colapso é previsível a curto prazo; excesso de voluntarismo, porque se aceitou a criação de inúmeros regimes especiais no seio da própria função pública, descurando muitas vezes regras básicas da equidade e da sustentabilidade.
Em consciência, não podemos deixar perpetuar um sistema de que beneficia uma geração deixando para as gerações vindouras uma herança que não podem pagar.
Chegamos, pois, a uma situação em que o "contrato social" implícito entre gerações tem de ser revisto, independentemente da grave crise conjuntural que enfrentamos. E importa saber em que termos.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - A proposta de lei que o Governo nos apresenta parte de um pressuposto, que aqui está implícito mas que perpassa todas as medidas que tem adoptado: o de que a sua função é o combate a privilégios e que todos os portugueses - e neste caso os funcionários públicos - são, de alguma forma, detentores de regalias indevidas.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - É verdade!
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A Oradora: - O CDS-PP repudia vivamente esta visão persecutória do Governo socialista. Consideramos que os funcionários públicos são um corpo de servidores do Estado, empenhados no bem público e, na sua esmagadora maioria, profundamente dedicados ao seu dever. É certo que razões várias, nomeadamente o facto de nunca ter sido introduzido um sistema de avaliação efectiva pelo mérito, a existência de tratamentos iníquos, ou os baixos salários, introduziram factores de desmotivação e instabilidade nos serviços. Isto, porém, nunca poderá ser imputado aos funcionários públicos.
Em quarto lugar, julgamos que não foi suficientemente acautelada a situação dos funcionários que têm uma carreira contributiva muito longa mas que ainda não perfizeram 65 anos de idade, ou seja, daqueles que, em virtude dos condicionalismos sociais da sua juventude, ou do enquadramento familiar em que se encontravam, não puderam continuar a sua formação académica ou profissional e se viram obrigados a começar a trabalhar muito jovens, frequentemente em trabalhos particularmente penosos.
Por uma questão de justiça social, o Governo deveria ter atendido a estas situações e permitido que estas pessoas, que trabalharam toda uma vida, pudessem aposentar-se durante o período de transição quando completassem 40 anos de serviço, independentemente da sua idade.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Tão pouco compreendemos o seguinte: de acordo com a fórmula apresentada para cálculo da pensão daqueles que se inscreveram até Agosto de 1993, a fim se apurar a parcela "p1" que corresponde ao tempo de serviço prestado entre essa data e 31 de Dezembro de 2005, é aplicada uma penalização, ou seja, é feita uma divisão progressiva pelo número de anos de carreira contributiva que vai passar a ser exigida até Janeiro de 2013, altura em que esta passará a ser os 40 anos. Por que razão não se aplica o coeficiente previsto na lei de 1993, ou seja, os 36 anos, ao tempo de serviço exigido para a reforma nesse período? Esse, sim, deveria ser o coeficiente permanente até ao fim do período de transição para estes funcionários.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Bem lembrado!
A Oradora: - Existem ainda outros aspectos que colidem com a pretensa vontade de evitar rupturas fracturantes e que quebram, mais uma vez, a confiança no Governo. O que sucede, em sede de pensão de sobrevivência, caso o óbito ocorra entre 1 de Janeiro de 2006 e 30 de Abril de 2006, altura em que as pessoas estão já ao abrigo do regime geral da Segurança Social e as suas normas de densidade contributiva exigem 120 dias de contribuições no ano civil, quando o cônjuge sobrevivo formular o seu direito à respectiva pensão?
Por outro lado, segundo declarações do Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, o Estado empregador não começará, desde já, a pagar a taxa social única correspondente à entidade patronal (20,6%), o que irá viciar ainda mais o sistema. Portanto, desconhecemos "quando", "quanto" e "como" o Estado empregador irá contribuir directamente para a sustentabilidade da Segurança Social. Desconhecemos, igualmente, o que acontecerá aos funcionários dos quadros de supranumerários. Existirá um novo regime de afectação e desvinculação na função pública? Em que sentido?
Sobre esta matéria têm vindo notícias na comunicação social - como já é hábito deste Governo, ela é a primeira a saber -, mas desconhecemos em que medida este regime irá ser alterado.
Esta teria sido uma oportunidade para que o Governo expusesse o que pensa e que medidas pretende adoptar para uma verdadeira reforma da Administração Pública, para uma verdadeira avaliação do desempenho pelo mérito e pela qualidade dos serviços,…
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
Como dizia, esta teria sido uma oportunidade para que o Governo expusesse o que pensa e que medidas pretende adoptar para uma verdadeira reforma da Administração Pública, para uma verdadeira avaliação do desempenho pelo mérito e pela qualidade dos serviços, mas também para que nos dissesse se tem alternativas construtivas, e não apenas penalizadoras, para assegurar a sustentabilidade da Segurança Social, como irá criar mais emprego, aumentar a produtividade dos trabalhadores, elevar a competitividade das nossas empresas e gerar e mais riqueza.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Mas não, ficamos, mais uma vez, numa nebulosa.
Entendemos que as 737 000 mil famílias portuguesas que dedicaram a vida a servir o Estado mereciam mais consideração e justiça por parte do Governo. Mas, conforme o Governo tem vido a habituar-nos, esta é uma expectativa vã.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Diniz.
A Sr.ª Teresa Diniz (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Esta discussão em Plenário marca um momento decisivo, se não mesmo histórico: a concretização da convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que diz respeito às condições de aposentação e de cálculo das pensões.
Reportemo-nos à história. O sistema de protecção social dos trabalhadores do sector privado - a Previdência Social - teve a sua génese nos seguros sociais durante o período pós I Grande Guerra, mas foi no período após o segundo grande conflito mundial que esses seguros sociais se transformam em obrigatórios, o que decorreu do princípio universalista e da integração da regra de que todos os cidadãos são portadores de direitos sociais. Foi a partir desse momento que se consolidou o direito à Segurança Social ou o conceito de Segurança Social.
Quanto à protecção social dos trabalhadores da função pública anterior à previdência social, efectivamente reporta-se à segunda metade do século XIX, mais propriamente a 1886, ano da criação da Caixa de Aposentações, organismo específico da aposentação dos servidores do Estado (ou do Reino, como queiram). Desde logo, o termo "aposentação" designava a pensão conferida aos empregados civis do Estado.
Interessa salientar que para adquirirem o direito à aposentação ordinária os subscritores deveriam, simultaneamente, satisfazer as seguintes condições: ter, pelo menos, 60 anos de idade, prestado 30 anos de serviço, contribuído durante 10 anos com a quota para a Caixa de Aposentações e, ainda, estar impossibilitados, física e moralmente, para o desempenho do cargo.
Em 1929, o Governo estabelece um novo regime de aposentações e cria a Caixa Geral de Aposentações, em que a aposentação deixa de ser um benefício para passar a ser um direito. Assim, quando se impõe a idade limite de 60 anos dispensa-se o estado de incapacidade para o trabalho. Mas, no caso de invalidez do funcionário público, o período de serviço era determinante: se fosse igual ou superior a 36 anos de serviço quando ocorresse a incapacidade, a idade não era tida em conta; porém se o funcionário tivesse menos de 36 anos de serviço, exigia-se, pelo menos, 40 anos de idade.
Julgamos estar sobejamente demonstrada a "tradição" do regime de protecção social dos funcionários públicos e quanto as regras eram, e ainda são, tremendamente desiguais face aos demais trabalhadores.
Em nossa opinião, hoje é fundamental - e já há muito que o era -, a aproximação dos dois sistemas ou regimes. Não é esta a sede para discursos dogmáticos sobre a qualificação do regime de protecção social dos funcionários públicos, se se trata de um sistema autónomo do sistema de segurança social ou se, pelo contrário, é um subsistema do próprio sistema.
Também não é esta a sede para entrarmos em discussões doutrinais sobre o que pretendia o legislador constitucional ao consagrar na lei fundamental o sistema de segurança social como um sistema unificado.
O certo é que todos os cidadãos são iguais perante a lei,…
A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Muito bem!
A Oradora: - … o certo é que todos os cidadãos têm direito à segurança social. Digam-me, Sr.as e Srs. Deputados: no que é que diferem as funções desenvolvidas por um empregado de escritório das de um funcionário público da carreira administrativa? Serão os 35 anos de antiguidade, por exemplo, diferentes de um em relação ao outro?
Sr.as e Srs. Deputados, a convergência irá ser feita tentando compatibilizar os interesses do Estado e as legítimas expectativas de todos aqueles que estejam em condições de se aposentar. O mesmo é dizer que a convergência irá ser feita de modo gradual e, preferencialmente, irá envolver todos os visados, que, afinal, somos todos nós.
Desde logo, a lei assegura aos funcionários que reúnam os requisitos para se aposentarem a garantia de que o fazem mantendo o regime de protecção actual, independentemente do momento que venham a aposentar-se.
Ninguém de bom senso pode afirmar que o momento actual das nossas finanças públicas seja bom (antes pelo contrário). O País e os seus compromissos obrigam a que todos, mas todos, estejamos cientes de que algumas medidas se revestem de particular sacrifício,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas são sempre para os mesmos!
A Oradora: - … mas elas são plenamente necessárias, sob pena de os funcionários aposentados terem, a breve trecho, "uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma", por ruptura do sistema. O mesmo é dizer que a ruptura do regime de protecção dos funcionários públicos há muito que é deficitário e que, ano após ano, com o exponencial aumento de aposentados, leva a que a rácio funcionários/aposentados se situe entre os 700 000 funcionários para quase meio milhão de aposentados.
O actual Governo teve a coragem de não continuar a pactuar com o evoluir da situação, fingindo que não via. Foi preciso coragem, muita coragem! O Governo socialista, teve essa coragem. Urge agora passar
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das palavras aos actos e, em nome do futuro, intervir rapidamente, por forma a não permitir que a situação de eminente ruptura, e suas consequências, se agrave. Medidas impõem-se.
Acresce que é de elementar justiça e equidade que os regimes público e privado se aproximem - com algumas excepções, é certo -, pois não existe actualmente razão alguma de fundo consequentemente relevante para não tratar os cidadãos por igual, não há razão alguma para que se mantenha tal discrepância de regimes.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O regime jurídico vertido no diploma do Governo, que entrará em vigor no dia 1 de Janeiro de 2006, que agora é presente a esta Assembleia, é equilibrado, extremamente claro e, diria mesmo, perfeito. Visa garantir uma transição suave, uma vez que estabelece um aumento progressivo da idade para o acesso à aposentação entre 1 de Janeiro de 2006 e 31 de Dezembro de 2014, até atingir os 65 aos de idade. E ainda, a título exemplificativo, mantém a fórmula de cálculo da pensão do anterior regime para os subscritores inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993, em conformidade com o regime legal que sempre lhes foi aplicável; mantém a possibilidade de aposentação antecipada; o tratamento especial para as carreiras longas, é muito mais favorável do que o actual sistema. Por último, a lei é clara ao vedar, a partir de 2006, a inscrição de novos funcionários na Caixa Geral de Aposentações.
Apesar das diferenças, estamos em crer que o bom senso prevalecerá. É esta a minha convicção.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.
O Sr. Jorge Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei apresentada pelo Governo, hoje em discussão, afirma estabelecer mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social.
Os motivos evocados pelo Governo prendem-se com razões de equidade, de justiça social e com a necessidade de contrariar o desequilíbrio financeiro do sistema. Os motivos evocados, além de não corresponderem à verdade, visam esconder as verdadeiras razões que motivam o Governo. Contudo, e antes de outras considerações, gostaria de me referir à forma como o Governo lidou com o processo de negociação colectiva.
Na verdade, não se pode afirmar que houve uma verdadeira negociação colectiva. O que o Governo fez foi ouvir os diferentes sindicatos, cumprindo formalmente a negociação, mas na prática não estava nem nunca esteve disposto a verdadeiramente negociar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quanto às medidas propriamente ditas, estas não visam a convergência com o regime da segurança social. Bem pelo contrário: vão, sim, criar um regime mais gravoso para os trabalhadores do Estado e têm como objectivo reduzir o valor das pensões dos trabalhadores.
Senão, vejamos: o presente diploma aumenta de forma gradual a idade de reforma dos trabalhadores do Estado para os 65 anos. Contudo, estabelece um conjunto de penalizações e formas de cálculo que, se não forem corrigidas em sede de discussão na especialidade, irão implicar que a grande maioria dos cerca de 440 000 trabalhadores a quem este diploma se aplica tenham de ter carreiras contributivas superiores a 40 anos ou a trabalhar muito para além dos 65 anos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!
O Orador: - Isto só é possível devido a dois factos.
Primeiro, porque o Governo, além de manter a penalização de 4,5% por cada ano a menos na idade de reforma, aplica essa penalização à nova idade de aposentação, e não aos 60 anos de idade como até aqui se verificava.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Segundo, porque o Governo criou uma nova penalização, que os trabalhadores do regime geral não têm, que implica uma redução entre 2% e 2,25% por cada ano a menos no tempo de serviço. A título de exemplo, um trabalhador que tenha 62 anos de idade em 2009 e 34 anos de serviço sofre uma redução de 8% na sua aposentação.
Assim, facilmente se constata que este diploma cria um regime mais desfavorável para os trabalhadores do Estado do que o do regime geral da segurança social.
Por outro lado, o presente diploma ataca direitos já formados, uma vez que a fórmula de cálculo do tempo de serviço prestado até 2005 implica a sua desvalorização. Isto deve-se ao facto de a taxa de formação a aplicar, entre 2,47% e 2,2%, ser inferior à que se aplica hoje em dia, que é de 2,5%.
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É este o diploma da justiça social que o Governo do PS propõe e é este o diploma que pretende a convergência. Ora, nem uma coisa nem outra.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Este diploma cria, sim, um regime mais gravoso do que o que existe para os restantes trabalhadores. Este diploma constitui, sim, um verdadeiro retrocesso social.
Na realidade, este diploma viola as legítimas expectativas e direitos já formados dos trabalhadores. E esta interpretação só não colhe na bancada do PS, porque, infelizmente, tem memória curta.
O PS esquece-se que, na anterior Legislatura, na discussão sobre a aplicação da penalização de 4,5% (a proposta de lei do PSD), o então Deputado Artur Penedos, hoje assessor do Primeiro-Ministro para - imagine-se! - os assuntos sociais, subscreveu uma declaração de voto, em nome da bancada, onde afirmava "que algumas soluções normativas plasmadas no projecto de lei nunca poderiam merecer aprovação dos Deputados do PS por se afigurarem muito gravosas para os trabalhadores da Administração Pública" e reiterava que "a sua pensão será calculada em moldes gravosos, violação dos direitos adquiridos e em formação", chegando ao ponto de falar em "expectativas jurídicas entretanto adquiridas".
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso era antigamente!
O Orador: - Pena seja que a bancada do PS se esqueça, mal chegue ao poder, quer dos conceitos jurídicos quer da sua consciência social.
O Sr. António Filipe (PCP): - Já deu uma grande volta!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Este aumento da idade de reforma é justificado com a necessidade de convergência prevista na Lei de Bases da Segurança Social. Contudo, o Governo esquece-se de referir que a convergência dos sistemas não implica forçosamente que esta se faça por baixo.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ora bem!
O Orador: - O PCP considera que o caminho da convergência não tem de ser necessariamente este.
O Governo aponta, como razão para esta opção, o desequilíbrio financeiro do sistema.
Há que repor a verdade. Os chamados desequilíbrios financeiros da Caixa Geral de Aposentações não surgiram do nada, Srs. Ministros. Estes foram provocados pelo facto de os sucessivos governos PS e PSD, com ou sem o CDS-PP, nunca terem transferido a totalidade das verbas que deviam à Caixa Geral de Aposentações.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!
O Orador: - Se o Estado tivesse entregue o correspondente a 23,75% das remunerações que foram pagas - valor que o Estado exige a qualquer entidade patronal -, a situação financeira da Caixa Geral de Aposentações seria bem diferente.
Na verdade, a preços de 2005, o Estado deve a esta Caixa um montante aproximado de 9000 milhões de euros - repito: 9000 milhões de euros! Com este encaixe financeiro e sendo devidamente aplicado num fundo de capitalização, estaríamos hoje numa situação financeira substancialmente diferente.
Outro facto, também da inteira responsabilidade do Estado, que fragiliza a Caixa Geral de Aposentações diz respeito aos novos subscritores, que a partir do ano de 2001 deixaram de aumentar, tendo mesmo diminuído em 2004.
É da inteira responsabilidade do Governo, porque, por um lado, é consequência do desinvestimento nas funções sociais do Estado e, por outro, é consequência da utilização por parte do Estado de contratos de direito privado, de falsos contratos de prestação de serviços, programas ocupacionais, etc.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Um conjunto de mecanismos que implicam a precariedade de milhares de jovens que, trabalhando para o Estado, não têm direito a inscrever-se na Caixa Geral de Aposentações, contribuindo, assim, para a sua fragilização.
Se se tomarem as medidas necessárias, é possível melhorar a situação financeira da Caixa Geral de
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Aposentações. No entanto, o que é inadmissível e totalmente injusto é que o Governo utilize as dificuldades económicas provocadas pelos erros dos sucessivos governos, incluído o do PS, para atacar, mais uma vez, os direitos e as legítimas expectativas dos trabalhadores do Estado.
Aplausos do PCP.
Com a campanha de hostilização contra a Administração Pública e com esta ofensiva por parte do Governo do PS - congelamento das carreiras, aumento da idade de reforma e aumentos salariais abaixo da inflação -, os trabalhadores só podiam ter dado uma resposta: a luta, o protesto e as greves.
A prova foi dada ontem. Milhares de trabalhadores da Administração Pública, espalhados pelo País, manifestaram-se contra este Governo. Se continuar nesta linha de ataque contra os trabalhadores, o PS pode ter a certeza absoluta de que os protestos e as manifestações vão continuar e vão ser cada vez maiores.
O Governo tem aqui, na Assembleia, infelizmente, o apoio dos Deputados do PS, que vão defender as posições do Governo, mesmo que tal implique atacar os direitos e interesses daqueles que, de boa fé, votaram no Partido Socialista. Mas vai contar com a firme oposição do PCP, que nunca traiu o seu eleitorado. Foi por isso que estivemos ao lado e nos solidarizamos com os trabalhadores, que ontem, naquela manifestação, gritavam: "Não podem ser roubados direitos já formados!".
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar de a "Exposição de motivos" da proposta que hoje discutimos se referir a razões de equidade e de justiça social, no nosso entendimento, os propósitos desta proposta visam apenas obrigar mais de metade dos actuais 738 000 trabalhadores da função pública a fazerem mais de 40 anos de serviço e a trabalharem para além dos 65 anos de idade para receberem a pensão completa.
Na verdade, estes trabalhadores vão passar a descontar muito mais anos e, automaticamente, a ver substancialmente reduzidos os anos de vida durante os quais recebem a pensão, porque, quando se aposentarem, serão muito mais velhos e, portanto, com um futuro mais curto.
E, se pretenderem reformar-se antes dos 40 anos de serviço e dos 65 anos de idade, sofrerão reduções no valor das suas pensões, pois, para além da redução da pensão por não terem atingido a idade que continuará a vigorar, o Governo criou ainda uma nova penalização, agora por tempo de serviço a menos, sem esquecer que muitos trabalhadores poderão ser atingidos não apenas por uma dessas penalizações mas pelas duas, o que poderá determinar reduções substanciais na pensão a receber.
O objectivo principal não é, portanto, a convergência para o regime geral mas reduzir custos através de uma redução substancial no valor das pensões ou, então, obrigar 441 000 trabalhadores da Administração Pública a efectuarem muito mais anos de serviço e a terem uma idade muito superior àquela que é hoje exigida para se poderem aposentar com direito à pensão completa.
Para Os Verdes não se pode, portanto, falar de convergência, porque deste universo de trabalhadores 86% vão ficar com um regime mais desfavorável do que aquele que hoje está previsto para o sector privado.
Assim, de nada valerá falar da boa fé contratual, e deveria pautar, sobretudo ao Estado, o comportamento exigível com esse princípio.
Também não será necessário falar da alteração das regras do jogo durante o seu decurso e muito menos das legítimas expectativas criadas pelos funcionários públicos quando ingressaram na Administração Pública.
De nada valerá falar de direitos adquiridos formados ou em formação, porque tudo isto o Governo já mostrou, há muito, que pouco interessa.
Também de nada valerá falar do facto de estarmos a ser governados por quem teimosamente insiste em fazer-nos crer que são as pessoas que existem para servir a economia e que não é a economia que existe para servir as pessoas, porque, perante isto, responder-nos-iam com o Pacto de Estabilidade e Crescimento - o tal "governante" que continua cegamente a ditar o dia-a-dia e os destinos dos portugueses.
Em suma, esta proposta, para além de não estabelecer convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social, materializa ainda um enorme retrocesso no que diz respeito aos direitos sociais dos funcionários públicos e, sobretudo, a nosso ver, uma inaceitável injustiça social.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
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O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que aqui travámos permitiu clarificar alguns pontos.
O primeiro deles, que julgo ser uma evidência, é o de que a convergência entre os sistemas de protecção social era um objectivo que estava previsto na nossa lei há vários anos, várias vezes tinha sido inscrito nos programas dos governos e dos partidos políticos mas, verdade se diga, durante todos esses largos anos, nada foi feito para concretizar esse objectivo de convergência, que é um verdadeiro objectivo de interesse nacional, de interesse para as gerações actuais e, principalmente, de interesse para as gerações futuras.
Agora está a fazer-se essa mudança e ela está a ser feita em defesa do futuro.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O grande objectivo do Governo ao apresentar a proposta de lei é, de facto, Sr.as e Srs. Deputados, trabalhar para que não só os actuais pensionistas, não só os actuais trabalhadores ao serviço da Administração Pública mas também os futuros pensionistas e trabalhadores da Administração Pública tenham direito a uma reforma digna após o seu tempo de trabalho.
Aplausos do PS.
Sr.as e Srs. Deputados, não tenhamos qualquer dúvida de que, se nada fosse feito, se o imobilismo fosse a política deste ou de qualquer governo, esses direitos estariam inevitavelmente em risco.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É na defesa desses direitos, é na garantia do Estado social que se funda o objectivo central e os princípios desta proposta de lei.
Assistimos, hoje, neste debate a duas posições curiosas por parte dos partidos da oposição.
O PSD e o CDS têm uma espécie de posição envergonhada - que, aliás, já vem caracterizando estes partidos, especialmente o PSD, de há uns tempos a esta parte -, não sabem muito bem o que hão-de dizer, se concordam ou não, dizem "sim, mas…". É uma espécie de política do "esconde-esconde".
Srs. Deputados, a verdade é que, ao contrário do que disse o PSD, este objectivo de convergência dos sistemas de protecção social não só estava inscrito numa lei aprovada nesta Assembleia, por proposta de um governo do Partido Socialista, como estava no programa eleitoral do Partido Socialista, foi aprovado no Programa do Governo e o Partido Socialista sempre o defendeu.
Aplausos do PS.
Estamos, mais uma vez, a cumprir o nosso Programa e a fazê-lo na defesa do futuro de todos os portugueses.
A posição do PCP e do BE também é curiosa: a de "esconder a cabeça debaixo da areia",…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa agora!
O Orador: - … a de fingir que os problemas não existem,…
Vozes do PCP: - Existem!
O Orador: - … a de dizer: "Talvez haja desequilíbrio mas se, nas últimas décadas, o Estado tivesse posto o dinheiro na Caixa Geral de Aposentações, esse desequilíbrio não existiria."
Protestos do PCP.
Contudo, Sr.as e Srs. Deputados, o facto é que o Estado não pôs esse dinheiro; o facto é que o problema não é apenas esse;…
Aplausos do PS.
… o facto é que, com a evolução do custo da protecção social dos trabalhadores da Administração Pública, estaríamos a caminho de uma situação de difícil sustentabilidade. E quem é que pagaria essa insustentabilidade? Seriam os portugueses, com mais impostos ou com uma redução, aí sim, drástica e injusta de direitos. Nós estamos contra essa situação, os senhores percebem isso, mas fingem não querer perceber, adoptando um discurso meramente populista e oportunista.
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Aplausos do PS.
Os princípios da proposta de lei que aqui foi apresentada são muito claros. Desde logo, o princípio da equidade,…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): - Equidade só para os outros!
O Orador: - … o princípio de que as situações idênticas devem ser tratadas pelo Estado de forma idêntica e as situações diferentes devem ser tratadas de forma diferente. E, Sr.as e Srs. Deputados, nada justifica que se continue a ter, hoje, um sistema de protecção social distinto para os trabalhadores do Estado e para os trabalhadores do sector privado. Ninguém nos perdoaria, no futuro, que não fizéssemos esta mudança. É por isso que a equidade é um princípio basilar da proposta do Governo.
Mas também o é o princípio da sustentabilidade. As Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados sabem bem que o que o Governo afirma é verdade. O crescimento da despesa com as pensões, designadamente com a fórmula de cálculo das pensões que estava em vigor, com a taxa de substituição que ela permitia e com o aproveitamento por vezes menos correcto dessa forma de cálculo, punha em causa, de facto, a sustentabilidade da protecção social dos trabalhadores da Administração Pública.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Não é verdade!
O Orador: - É a pensar nos trabalhadores da Administração Pública, nos de hoje e nos de amanhã, que fazemos estas mudanças.
Há, ainda, um outro princípio fundamental que os Srs. Deputados parecem não querer entender: o da progressividade. De facto, esta é uma lei que defende e respeita direitos adquiridos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É falso!
O Orador: - Não é verdade, é uma profunda mentira, Srs. Deputados, que a grande maioria dos trabalhadores hoje na Administração Pública passe a ter um regime de protecção social igual ou mais desfavorável do que o dos trabalhadores do sector privado. Não é verdade porque, para toda a carreira contributiva que até agora foi feita, é assegurada a manutenção da fórmula de cálculo em vigor até agora.
Vozes do PCP: - Não é verdade!
O Orador: - É a isto que se chama princípio da progressividade!
Aplausos do PS.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, há três formas de fazer uma mudança no regime da protecção social.
Uma forma (que já foi utilizada e, aliás, aqui saudada pelo Sr. Deputado do PSD Adão Silva) é a de remeter para daqui a décadas a resolução do problema, propondo que todos os que agora entrem de novo na função pública tenham uma situação diferente. Foi o que se fez em 1993, remetendo para daqui a 36 anos a produção de efeitos de equidade e de sustentabilidade. Esta é uma forma falsa e, para usar uma palavra não ofensiva, temerosa de fazer a reforma.
Outra forma é a que o PSD adoptou na última Legislatura, com a Sr.ª Ministra Manuela Ferreira Leite, a forma radical, que significa mudar tudo de uma vez! Não é esse o nosso caminho. O nosso caminho é mudar com progressividade.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, chega a ser um pouco chocante ouvir o Sr. Deputado do PSD dizer que o Governo não respeitou os princípios básicos da negociação, quando o governo de que o Sr. Deputado Adão Silva fez parte apresentou uma lei que foi chumbada no Tribunal Constitucional, a propósito do Estatuto da Aposentação, porque não tinha respeitado o princípio da negociação!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): - Pois não!
O Orador: - É extraordinário como o despudor chega tão longe!
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - São iguais!
O Orador: - Para quem diga que esta foi uma lei elaborada sem o respeito pelo princípio da negociação,
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posso acrescentar aqui, nesta Assembleia - e ninguém me poderá desmentir -, que cinco artigos da lei foram alterados na sequência de propostas das associações sindicais. Não é isto negociar?!
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): - Estavam tecnicamente errados!
O Orador: - Não é isto respeitar o direito de negociação?!
O Sr. António Filipe (PCP): - São as gralhas!
O Orador: - Não é isto ter em atenção o que é básico num Estado de direito, que o diálogo social?! É!
Termino, dizendo que continuaremos a reformar no respeito pelos direitos e no respeito pelo diálogo social, mas sem abdicar daquela que é nossa obrigação: trabalhar para defender o futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Governo esgotou o tempo de intervenção de que dispunha, por isso não poderei conceder a palavra ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que a tinha pedido.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.
O Sr. Adão Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo e, especialmente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: V. Ex.ª usou um tom proclamatório e elevou a voz, dando a ideia de que continua animado, se calhar, ainda a pensar que está na campanha eleitoral para as eleições autárquicas ou, quiçá, para as legislativas de Fevereiro passado.
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - É que, apesar das suas responsabilidades, nunca ouvi V. Ex.ª dizer nada sobre esta matéria da convergência de pensões entre regime privado e regime público durante a campanha eleitoral de Fevereiro de 2005. Nunca o ouvi dizer nada, Sr. Ministro!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: - Vota a favor ou vota contra?
O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Ministro, nós só usámos a sua conversão - há sempre uma "estrada de Damasco" para todos e para si também!
Em 2002 e 2003, quando, nesta Assembleia, se discutiu o caminho conducente à Lei n.º 1/2004, o Sr. Ministro não usava este tom proclamatório. Na altura, dizia "atenção que isto vai destruir direitos adquiridos! Atenção que isto vai subverter o estatuto jurídico!".
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Por favor conclua.
O Orador: - Naquela altura, repito, V. Ex.ª não tinha este tom proclamatório e, sobretudo, era crítico em relação às mudanças que então se propunham e que eram muito mais moderadas, muito mais mitigadas, muito mais de bom senso do que as que o Sr. Ministro hoje vem apresentar.
Em relação ao princípio da progressividade,…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, conclua, por favor.
O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Como dizia, em relação ao princípio da progressividade, o Sr. Ministro há-de explicar a todos os portugueses e aos funcionários públicos como é que vão ser remunerados em acréscimo aqueles funcionários públicos que, reformando-se apenas aos 65 anos de idade, vão trabalhar 42, 43, 48 anos, portanto, além dos 40 anos de trabalho que eram expectáveis.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.
O Sr. Jorge Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: No que se refere à negociação colectiva, alteraram cinco artigos tecnicamente errados, resultado da vossa incompetência! Nada de substancial!…
Sr. Ministro, a convergência pode ser feita nivelando por baixo ou por cima. A Lei de Bases da Segurança Social não diz que a convergência tem de ser nivelada por baixo. Pode ser nivelada por cima e o Sr. Ministro sabe-o bem.
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Governo invoca a necessidade de sustentabilidade do sistema e o financiamento, e diz que os governos anteriores não fizeram transferências, tudo como se fosse uma entidade estranha. Então, o PS não esteve no governo, no passado?!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Não transferiu verbas porquê? De quem é a culpa política? Não é vossa? É vossa, Sr. Ministro, e não dos trabalhadores!
O Sr. Ministro quer pôr os trabalhadores a pagar, e em sistema de recibo verde. É disto que se trata, Sr. Ministro!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Depois, o Sr. Ministro nada diz quanto aos contratos de trabalho precários na Administração Pública, sistema que desestabiliza e desequilibra todo e qualquer fundo de pensões. O Sr. Ministro nada diz sobre isto.
Por outro lado, Sr. Ministro, não corresponde à verdade quando diz que estão assegurados os direitos dos trabalhadores. É que o Sr. Ministro sabe que a taxa de formação da pensão implica que haja uma desvalorização da pensão e os trabalhadores são claramente prejudicados.
Sabe, Sr. Ministro, nesta Sala, tem o apoio de todas as bancadas mas, lá fora, os trabalhadores dizem que não podem ser roubados de pensões já formadas.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 38/X, passamos ao segundo ponto que consta da discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 141/X - Regula as aplicações médicas da procriação assistida (BE), 151/X - Regula as técnicas de procriação medicamente assistida (PS), 172/X - Regula as técnicas de reprodução medicamente assistida (PCP) e 176/X - Regime jurídico da procriação medicamente assistida (PSD).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vinte anos depois do nascimento do primeiro bebé-proveta em Portugal, discutimos hoje, nesta Câmara, um conjunto de propostas legislativas que procuram estabelecer regras orientadoras para o acesso e o uso das técnicas de procriação medicamente assistida.
Portugal está hoje numa situação quase ímpar no contexto europeu, de absoluta omissão legislativa no que toca à procriação medicamente assistida. A história deste processo é conhecida.
Ao longo dos anos, convivemos com um conjunto de disposições que remetiam para legislação específica posterior, legislação essa que nunca viu a luz do dia. Até 1999. Mas a proposta que, então, aqui foi aprovada acabaria por ser vetada pelo Presidente da República, e ainda bem. A comunidade científica, na época, foi quase unânime na contestação de uma lei que impediria, de facto, o sucesso das técnicas de procriação medicamente assistida.
Mas a questão e a omissão legislativa subsistem.
Esta é uma questão que tem a importância que deve ser atribuída a um problema, a infertilidade, que afecta hoje cerca de 20% da população em idade fértil. Em Portugal, isso significa que cerca de 500 000 portuguesas e portugueses têm problemas na área da fertilidade. É, pois, com atraso que chegamos a uma matéria central para tantos cidadãos do nosso país.
O Bloco de Esquerda tem vindo a apresentar iniciativas legislativas que procuram responder as estas questões, nas últimas legislaturas. O projecto de lei que, hoje, aqui defendemos retoma parte dessas propostas e centra-se, assim, naquelas que são, no nosso entender, as questões centrais.
Em primeiro lugar, estabelecer as regras sobre quem tem acesso, e em que termos, ao tratamento da procriação medicamente assistida. Em segundo lugar, definir boas práticas no uso médico destas técnicas. Por fim, definir os parâmetros para o uso dos embriões excedentários.
Que fique claro: as técnicas de procriação medicamente assistida têm uma única finalidade, a de resolver os problemas de todos - repito, "todos" -, pessoas e casais, que sofrem problemas de infertilidade.
A procriação medicamente assistida não é um método alternativo de acesso à maternidade ou à paternidade, é, antes, um conjunto de actos médicos que respondem a uma situação médica. Deve ser, por isso, acessível a todos que dela necessitem. O que, no nosso entender, tem duas implicações.
Por um lado, devem poder ser aplicadas técnicas de procriação medicamente assistida a todos, mulheres - repito, "todos" - e casais maiores de idade, capazes de consentimento informado.
É por isso que as restrições impostas, e trazidas para este debate, pelos projectos de lei do PS e do PSD no acesso à procriação medicamente assistida não fazem, no nosso entender, qualquer sentido. Restringir o acesso a estas técnicas a determinadas situações de conjugalidade e a casais heterossexuais é
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querer impor, sem razão, aos homens e às mulheres que procuram um tratamento médico um único modelo de constituição de família.
O que, em nosso entender, é uma restrição discriminante, deslocada, despropositada, porque ignora o que é a pluralidade dos modelos familiares que vemos hoje emergir e fazer caminho, pacificamente, na sociedade portuguesa e porque é até contraditório com o regime de adopção vigente em Portugal, o qual permite a adopção por parte de pessoas singulares.
Mas há uma outra questão que se prende com o acesso, que não deve ser escamoteada por mais polémica que seja. É que a facilitação do acesso a estes tratamentos tem de ter em conta os enormes custos financeiros que os mesmos exigem. Por isso, é fundamental a sua integração no Serviço Nacional de Saúde, de modo a verdadeiramente igualizar o recurso a todos os cidadãos. É isso mesmo que propomos.
Interessa, depois, definir competências médicas e seguir aquele que é o consenso estabelecido na comunidade científica. Esse consenso indica-nos que o número de embriões implantados não deve exceder os três, de modo a proteger a saúde da mulher e a prevenir o risco de gravidezes múltiplas.
No que toca à criação de embriões, a nossa posição é clara: recusamos firmemente que haja criação deliberada de embriões excedentários, mas entendemos que cabe ao médico avaliar a situação específica das pessoas e dos casais que trata e que, portanto, deve ser o médico a estabelecer esse número.
A legislação que regula actos médicos não contém, e não deve especificar até à exaustão, todas as decisões que devem ser tomadas pelos profissionais de saúde em função do quadro clínico que têm perante si. É assim para outras matérias, assim deve ser também neste caso.
Por fim, a todos se coloca a questão dos embriões excedentários que, quase inevitavelmente, resultam de algumas das técnicas actualmente disponíveis. Também aqui, as escolhas e as regras devem ser claras.
Até ao limite de três anos, cabe ao casal definir o destino a dar a esses embriões excedentários - usá-los para nova implantação ou doá-los a outros casais. Findo esse período de três anos, porque a prudência médica assim aconselha, esses embriões já não devem ser implantados. Devemos, por isso, avançar para a sua disponibilização para investigação científica, até porque é exactamente nesta área que encontramos, hoje, as maiores promessas de avanço no conhecimento médico e no tratamento de doenças.
Mas é porque esta é uma matéria complexa e exigente do ponto de vista legislativo que remetemos esta questão para uma outra iniciativa legislativa que assumimos o compromisso de tratar.
O que nos interessa, hoje, é responder ao que é um problema de saúde que afecta tantas pessoas e tantos casais na sociedade portuguesa. É verdade que chegamos tarde, mas esperamos alcançar uma boa solução.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Duarte Lima, tem a palavra para uma intervenção.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, sendo esta a primeira vez que uso da palavra nesta Legislatura, permita-me V. Ex.ª que o cumprimente, com todo o respeito, na sua qualidade de Presidente desta Câmara, e recorde momentos de um passado político comum em diversos combates políticos.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: As técnicas da reprodução medicamente assistida, enquanto instrumento que interfere com o princípio natural da reprodução humana, constituem um dos temas mais apaixonantes da genética e da biotecnologia actuais e são igualmente um dos campos da bioética que mais controvérsia suscita no interior das nossas sociedades pluralistas.
Tal controvérsia não deve espantar-nos, porque tudo quanto se relaciona com o nascimento e com a morte, os grandes enigmas da condição humana, carrega em si o potencial de carga emotiva que mexe com os estratos mais profundos da nossa consciência e com as próprias estruturas éticas, morais e culturais das nossas sociedades.
Sendo o objectivo principal destas técnicas o de resolver os problemas de infertilidade ou esterilidade dos casais que não conseguem ver satisfeito o seu legítimo anseio de ter filhos e de assegurar uma descendência, elas co-envolvem, nas suas consequências, um conjunto de questões colaterais que problematizam as fronteiras sempre frágeis entre os campos da ciência e da técnica, por um lado, e o campo da ética, por outro. O que nos leva à interrogação fundamental, e tantas vezes repetida, de saber se tudo o que é científica e tecnicamente possível é também eticamente aceitável.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É na tensão entre estes dois campos, e no justo equilíbrio que entre eles consigamos estabelecer, que poderemos encontrar a síntese que pode fazer das nossas sociedades sociedades melhores, colocando as importantes descobertas da ciência e as inovações tecnológicas ao serviço da dignidade do ser humano.
As sociedades pluralistas não são consentâneas com uma visão uniforme dos padrões éticos, já que estes são profundamente influenciados pela história e pela cultura, conformando mundividências distintas. Mas se há um esteio comum que pode ser encontrado nessa pluralidade de visões, ele é seguramente o da
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defesa e o da salvaguarda da dignidade humana.
Por isso, não estranhamos que, numa matéria tão problemática como esta, se polarizem concepções diferentes quanto à forma de atingir os mesmos objectivos, concepções que não são também uniformes dentro do próprio Partido Social Democrata, que aqui apresenta um projecto votado por maioria no seu grupo parlamentar, mas no interior do qual existem abordagens diversas, razão pela qual os seus Deputados terão liberdade de votar em consciência, sem obediência a disciplina de voto, qualquer dos diplomas hoje aqui em discussão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Gostaria de poder salientar, antes de mais, os grandes princípios que o PSD entendeu consagrar no seu projecto de lei, para referir, de seguida, o ponto mais dilemático que decorre do uso das técnicas de procriação medicamente assistida (PMA).
O primeiro desses grandes princípios é o da salvaguarda dos valores humanos relacionados com a paternidade e a maternidade, traduzidos na importância que tem para qualquer pessoa o facto de poder ter uma descendência própria. Sendo a esterilidade e a infertilidade uma doença, a possibilidade dada pelas técnicas de PMA, de ajudar os casais nessas condições a procriarem, é um objectivo que contribui para uma das mais nobres realizações do viver humano. E o facto de tal procriação se processar às vezes em situações que provocam dor e sofrimento, só valoriza - e não diminui - esse legítimo direito de procriação. Isso remete também para a concepção que defendemos, de que as técnicas de PMA devem ser um método subsidiário, e não alternativo, de reprodução humana.
Um segundo princípio tem a ver com a sensibilidade com que se deve encarar a vida que vai surgir como consequência das técnicas de PMA, o que leva a valorizar o direito da criança que vai nascer, no sentido de lhe serem dadas todas as condições idóneas que possibilitem e assegurem o seu desenvolvimento pessoal.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A vida do ser que vai nascer tem de ser vista como uma finalidade em si mesma, que não se esgota, antes está para além dos legítimos anseios procriativos dos pais.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E não pode ser encarada como se constituísse uma propriedade destes, como se resultasse de um direito a ser exercido em qualquer circunstância ou a qualquer preço. Na bela expressão de uma conhecida poetisa espanhola contemporânea, Maria Victoria Atencia, "os filhos não nos pertencem, vêm para estar ao nosso lado e para os criarmos, se possível à nossa imagem e semelhança. Mas desde que nascem têm uma liberdade".
Por isso, quando se defende neste diploma que as técnicas de PMA devem ser reservadas aos casais heterossexuais casados ou a viver em união de facto, não o fazemos por qualquer intenção discriminatória em relação a quem quer que seja, mas porque consideramos ser um dever ético dos futuros pais para com os futuros filhos assegurar-lhes a possibilidade de terem um homem como pai e uma mulher como mãe.
Igualmente consideramos fundamental afirmar o princípio da não discriminação de quem nasce com base em técnicas de PMA. E um corolário desse princípio radica na salvaguarda do direito a conhecer, sem quaisquer condicionantes, a sua história pessoal, genética e biológica - uma extensão do direito constitucional à identidade pessoal -, o que tem particular relevância no caso da adopção embrionária.
Um terceiro princípio leva-nos a não considerar aceitável o recurso às chamadas "mães portadoras", não apenas pelos evidentes abusos a que esta situação já conduziu, em diversos países, em que a mãe substituta se recusou a entregar a criança, ou em que esta foi abandonada pelos pais biológicos, o que se traduz numa situação intolerável para aquele ou aquela que vai nascer,…
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … mas ainda porque consideramos que tal recurso não considera devidamente a interacção profunda que se estabelece durante a gestação entre a criança e a mãe que o gera, com toda a carga biológica, psicológica e afectiva daí decorrente, que vai ser rompida com a sua entrega àqueles que virão a ser seus pais efectivos.
Um quarto princípio conduz-nos, sem necessidade de grande fundamentação, à proibição de toda uma série de técnicas que, em algumas legislações europeias e na comunidade dos cientistas e bioeticistas, são consideradas "desvios não desejáveis", como a clonagem reprodutiva, a fecundação interespécies, a fusão de embriões utilizando um embrião humano ou o eugenismo.
Um quinto princípio leva-nos a não considerar no nosso projecto a admissibilidade da PMA heteróloga com recurso a dádiva de gâmetas fora do casal. Não desvalorizamos as razões que a podem justificar, mas
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consideramos que merecem maior consideração as razões contrárias, que o próprio Parlamento Europeu consagrou, procurando evitar os problemas inerentes à dissociação da paternidade genética e social, para lá de hoje existirem novas técnicas que podem solucionar muitas das situações que a dádiva de gâmetas visava resolver, o que faz com que ela perca grande parte do seu sentido. Como disse, esta posição não é unânime no nosso grupo parlamentar, e disso devo dar aqui nota, razão pela qual os nossos Deputados não estão vinculados a disciplina de voto.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Entro na questão mais controversa, mas também mais importante, que tem a ver com uma consequência inevitável das técnicas de PMA, qual seja a da existência de embriões criopreservados em laboratório, os chamados embriões excedentários.
Este é, de todos, o problema ético mais complexo da PMA, porque, qualquer que seja o entendimento que se tenha em relação ao estatuto do embrião, há um ponto em relação ao qual muito poucos discordam: o embrião é vida humana, vida no seu início, é certo, mas vida dotada de dignidade, que merece respeito e protecção.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Dignidade que Jean Bernard, grande médico e humanista francês, descreve como "essa luz que sobre qualquer ser humano a liberdade do sujeito moral projecta por detrás do horizonte, muito tempo depois do seu ocaso e bem antes da sua aurora. É essa qualidade incorpórea que é preciso associar rigorosamente ao corpo do homem, se se quiser encontrar em tudo o que lhe diz respeito a linha ascendente do humanismo".
Se o problema do destino dos embriões criopreservados não se põe em relação àqueles que virão a ser usados numa segunda gravidez, ou que são destinados à adopção por um outro casal, põe-se obviamente em relação aos restantes, já que eles não podem ser criopreservados indefinidamente, e haverá um momento no tempo em que o seu destino seguro será a morte.
O nosso projecto legislativo procura acautelar ao máximo a criação de embriões excedentários, no limite do que é hoje tecnicamente possível em função dos conhecimentos da ciência.
Igualmente nos opomos, tal como outras forças políticas, à criação deliberada de embriões para investigação, porque isso seria contrário à dignidade humana que reconhecemos estar presente no embrião.
Aplausos do PSD.
Mas nos casos em que o único destino do embrião é a morte certa, estamos perante uma situação de fronteira em que se entrecruzam valores de importância ética semelhante.
Nesta circunstância, a nossa opção legislativa admite, sob condições de salvaguarda ética muito estritas, a possibilidade de o embrião cujo único destino é a morte certa poder ser usado em investigação científica, na base de projectos a apresentar perante a entidade de regulação ética competente e dos quais possa plausivelmente resultar um benefício para a humanidade.
É conhecida hoje a importante promessa que encerra para o futuro da humanidade a investigação em células estaminais. E se a investigação em células estaminais adultas não é controversa, já o mesmo se não pode dizer da investigação em células estaminais embrionárias, pois, neste caso, está sempre implícita a destruição do embrião.
Contudo, neste tempo sem precedentes no domínio da genética e da biotecnologia, sabemos que, até este momento, só as células estaminais do embrião - porque são células pluripotentes, quer dizer, que se multiplicam indefinidamente e podem reconverter-se em qualquer célula do organismo humano -, só elas, dizia, podem proporcionar a cura para doenças que hoje afligem milhões de pessoas em todo o mundo, como a diabetes, Alzheimer, Parkinson, doenças degenerativas da espinal medula ou do miocárdio, entre outras.
O nosso projecto, como disse, procura acautelar, no limite do tecnicamente possível para o actual estádio de conhecimentos, a criação de embriões excedentários.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas para lá de sabermos que, no futuro, mesmo com uma melhoria obtida nas técnicas de PMA, haverá sempre embriões excedentários, ainda que desejavelmente em menor número, há uma realidade incontornável em todo o mundo, e também em Portugal, que é a dos milhares de embriões que foram sendo criopreservados ao longo dos anos nos centros onde se processa a fertilização in vitro e cujo destino, a seu tempo, será a morte.
Ora, sendo esse o seu destino certo, parece-nos, apesar de tudo, que tem um valor ético acrescido a possibilidade de neles se poder realizar investigação científica que resulte em benefício comum da humanidade e que alivie o sofrimento de milhões de famílias.
Sabemos que este ponto da investigação em células estaminais do embrião não é pacífico para importantes correntes de opinião e também não desconhecemos que a sua aceitação indiscriminada e sem
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reservas é defendida por outras. Aqui se inscreve um dos desafios mais difíceis, que nos impõe que compatibilizemos os prodigiosos avanços da ciência com as necessárias salvaguardas de ordem ética.
Como reconciliar estes diferentes pontos de vista? Como indivíduo, cada um de nós transporta visões marcadas por factores intelectuais, emotivos, espirituais. E também a nossa circunstância concreta não é indiferente. Se alguém tem um filho com diabetes, um pai com Parkinson ou um irmão com uma doença degenerativa da espinal medula, isso não deixa de ter consequências na ponderação que é feita e no balanço que se estabelece entre os valores éticos que estão em jogo, ambos merecedores de respeito e consideração.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas, independentemente desse circunstancialismo, a forma como valorizamos a dignidade humana não nos deixa dúvidas de que esta solução é a mais adequada para melhorar a condição humana de que todos participamos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Naturalmente que o avanço por este caminho é repleto de dificuldades, razão pela qual se impõem condicionantes estritas, que passam pela criação de comissões de ética rigorosamente independentes e pluridisciplinares na sua constituição. E as próprias soluções que hoje consagrarmos na lei devem estar sujeitas a avaliação regular e periódica para eventual revisão, revisão que incorpore as novas conquistas científicas que possam permitir amanhã a utilização de métodos que não suscitem as objecções de natureza ética que hoje se colocam.
Tudo devemos fazer para melhorar a condição humana e depositar esperança nos espectaculares avanços da genética e da biotecnologia. Mas sem cair na tentação ilusória de tentar criar o "homem óptimo", para usar uma expressão conhecida e perigosa, que pode abrir a porta para injustas discriminações, formas novas de racismo e de domínio do homem sobre o homem.
As conquistas da genética e da biotecnologia confrontam-nos inelutavelmente, como bem lembra o filósofo e bioeticista Javier Gafo, com alguns dos mitos mais enraizados na consciência humana, nomeadamente os mitos de Ícaro e de Prometeu. Eles constituem os símbolos das grandes aspirações de domínio do mundo inscritos no coração humano, o domínio do espaço e o domínio do fogo. E na verdade, hoje, o homem domina crescentemente o espaço e inventou formas inusitadas de conservar o fogo. Mas o nosso tempo é também o tempo em que um outro mito, o de Fausto, começa a ocupar os lugares daqueles velhos mitos. Tal como Fausto, também a nova ciência aspira a conhecer e a dominar os grandes segredos da matéria e da vida, incluindo a vida humana.
Isso é bom, mas também é bom que não esqueçamos totalmente o simbolismo de Ícaro e Prometeu e que tenhamos a prudência de avançar passo a passo nesse percurso em direcção a um "mundo novo", que nem sempre é "admirável". Avançar ancorados em valores éticos sólidos, pois seria mais pobre um mundo que fosse muito mais perfeito na programação dos factores genéticos dos novos seres humanos mas que esquecesse que o homem não é apenas produto dos seus genes, é-o também da teia de relações humanas que se tecem em torno de si, para que os mais ambiciosos projectos, por isso, não terminem numa grande catástrofe. Afinal, voltando ao mito de Ícaro, para que as asas do seu engenho, as asas da ambição de transformar-se em Fausto, não derretam com a proximidade do Sol e o levem a estatelar-se no solo.
É que se é verdade, como disse Teilhard de Chardin, que "tudo o que sobe converge", não é menos verdade que esse caminho ascensional, se não for escorado em valores sólidos, só pode terminar em infortúnio e sofrimento, tão bem traduzidos naquele brocardo popular que nos lembra que "quanto mais alto se sobe, maior é a queda".
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, ouvimos com atenção os avisos que nos deixou, utilizando aqui muitos daqueles que são os mitos do pensamento ocidental, e partilhamos de parte das preocupações que coloca.
Mas houve, na sua intervenção, algumas matérias que me deixaram em parte baralhada e há, no projecto de lei apresentado pelo PSD, outros aspectos que não entendo e explicações que não encontro para as posições aí adoptadas.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado exprimiu na tribuna uma posição que é claramente divergente das propostas e escolhas do PSD no que toca aos embriões excedentários. De facto, o projecto de lei apresentado pelo PSD é muito claro na proibição da criação (e isso é consensual) e da utilização de embriões excedentários para quaisquer fins, o que inclui necessariamente o fim da investigação científica. Já o Sr. Deputado,
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na sua intervenção, com a justificação de que o fim esperado para os embriões excedentários é a morte, abriu a porta à possibilidade de se disponibilizarem esses mesmos embriões para investigação científica.
Gostava ainda de colocar-lhe duas questões que se prendem, por um lado, com o tipo de beneficiários que o PSD escolheu definir para o acesso às técnicas de procriação medicamente assistida, restringindo o acesso a estas técnicas a situações muito específicas de conjugalidade, a determinado tipo de casais, e que, penso, em muito ignora o que é hoje a realidade da sociedade portuguesa, mas, por outro, em particular, são muito paternalistas em relação a determinados modelos de família que existem hoje, fazendo quase uma equivalência, por exemplo, entre as famílias monoparentais e famílias menores.
Portanto, o projecto de lei do Partido Social Democrata exclui a possibilidade de mulheres sozinhas que têm problemas de infertilidade terem acesso a estas técnicas e, portanto, nega-lhes de alguma forma a possibilidade de constituírem família, de procriarem, de terem filhos.
Mas há outra questão que considero mais interessante e que é mesmo enigmática. Ou seja, se um casal recorrer ao seu médico para aceder às técnicas de procriação medicamente assistida e se este consentir na possibilidade de utilização de material genético exterior a esse casal, o Partido Social Democrata impede-lhe essa mesma possibilidade ao restringir a utilização de material genético apenas ao casal e ao material genético dos dois membros do casal.
Sr. Deputado, gostava que nos explicasse por que razão limita essa liberdade, que é uma liberdade e uma escolha dos casais que sentem necessidade de recorrer a estas técnicas e que fazem as suas escolhas em matéria de utilização de material genético, que só a eles cabem.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, agradeço as questões que me colocou e vou tentar responder-lhe.
Relativamente à sua primeira pergunta, quanto ao problema da investigação nos embriões excedentários, talvez não tenha lido o nosso projecto de lei na totalidade,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não deve ter lido, não!
O Orador: - … porque ele não diz exactamente aquilo que a Sr.ª Deputada interpretou. O que o nosso projecto de lei estabelece nesta matéria são diversos patamares - remeto-a para o artigo 11.º -, sendo que o primeiro, como é óbvio, é a definição de princípio de que é desejável, do ponto de vista dos princípios, que não existam embriões excedentários. Se for possível a utilização de todos os embriões excedentários, muito bem.
De acordo com o segundo patamar, é desejável que eles possam, no limite, inclusive numa segunda ou terceira tentativa de procriação, se for esse o desejo dos pais, ser utilizados pelo casal que lhe deu origem.
A terceira solução é que eles possam ser adoptados, que possam ser destinados à adopção de outro casal estranho, diferente do casal que lhes deu origem.
Só numa situação como estas, num prazo que definimos aqui como três anos após a sua não utilização depois da criopreservação, é que eles poderão ser destinados à investigação científica.
Portanto, a minha posição anunciada na tribuna não é diferente nem da posição do PSD nem do que está no nosso projecto de lei.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A Sr.ª Deputada coloca duas questões relativas ao pano de fundo de todos estes problemas, particularmente em relação à questão da procriação medicamente assistida heteróloga com recurso a gâmetas externos ao casal. Comecei por dizer que há aqui um pano de fundo que não é uma posição unívoca dentro do meu partido, mas é uma posição maioritária.
Na minha intervenção, valorizei o desejo de quem ambiciona procriar, de quem pretenda ter um filho, de qualquer casal de uma maneira geral, inclusive da mãe só que quer ter um filho, como um desejo autêntico, como um desejo legítimo de ser protegido. Simplesmente, valorizamos mais a criação das condições que, para nós, são fundamentais, que toda a criança que nasce deve ter. Ora, entre elas, para nós, em primeiro lugar está o direito legítimo de ter um pai e de ter uma mãe. Consideramos que esse direito é um direito superior, que do ponto de vista ético deve prevalecer em relação ao direito legítimo da mulher só.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Obviamente, não desconhecemos a realidade sociológica de que a família tradicional se alterou nas nossas sociedades e também em Portugal. Hoje, há diversas formas de constituição de família.
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Isso é uma coisa e outra coisa diferente é a possibilidade que se deve ou não dar a quem vai nascer. Do nosso ponto de visa, o direito da criança que vai nascer a ter um pai e uma mãe é um direito fundamental que valorizamos de uma maneira ascendente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não fora a convenção para a protecção dos direitos humanos e a dignidade do ser humano relativamente à aplicação da biologia e da medicina, mais conhecida por Convenção de Oviedo, e o respectivo protocolo adicional, relativo à clonagem de seres humanos, instrumentos de direito internacional já ratificados pelo Estado português e, portanto, integrando o direito português, por força do artigo 8.º da nossa Lei Fundamental, e existiria um vazio jurídico relativamente ao indispensável enquadramento que reclamam os avanços na medicina e na biologia que caracterizam a nossa época.
É certo que existem normas éticas e quadros deontológicos aprovados no âmbito de organismos, quer supra nacionais quer de representação profissional, de que saliento a UNESCO, a Organização Mundial de Saúde e a Associação Médica Mundial e o Conselho para as Organizações de Ciências Médicas.
Estes não dispensam, contudo, a existência de regulação jurídica em domínios de investigação científica e de prática clínica que podem interferir com a liberdade e a dignidade humanas, não só no que toca às gerações presentes como também às futuras.
É indispensável, pois, conciliar, por um lado, a liberdade de investigação com, por outro, a salvaguarda da liberdade e da dignidade humanas.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Trata-se, assim, de matéria de direitos, liberdades e garantias que carece de intervenção desta Assembleia da República no desenvolvimento de preceitos constitucionais.
Para além dos direitos humanos de primeira e de segunda geração (os políticos, civis, económicos, sociais e culturais), a nossa Constituição prevê também os denominados direitos humanos de terceira geração (os relativos à informática e protecção de dados, direitos dos consumidores, do ambiente e da qualidade de vida) e também os de quarta geração, como lhes chama Norberto Bobbio, no campo dos outros direitos sociais como o da garantia da identidade genética do ser humano e os direitos das gerações futuras.
Trata-se de questões do domínio da chamada bioética, conceito criado por Van Potter, no início dos anos 70, como recordam Rui Nunes e Henriqueta Melo, e definido por Francesc Abel como "o estudo interdisciplinar dos problemas criados pelo progresso médico e biológico, tanto a nível micro como macro-social, bem como às repercussões sociais no seu próprio sistema de valores no presente e no futuro".
Temas como a esterilização, a inseminação artificial, o estatuto do embrião e do feto, as manipulações genéticas, os direitos do recém-nascido, de que se referem, para além do direito à vida e à identidade, o direito à diferença, o direito a um nascimento natural, o direito à normalidade, para além dos direitos económicos, sociais e culturais, vieram abrir campos novos de reflexão filosófica e de criação de ordenamento jurídico adequado.
No nosso mundo de pluralismo filosófico, a dignidade humana e a dignidade inerente a todos os membros da família humana constituem o fundamento dos direitos humanos e da democracia. Não há justificação com base nos direitos humanos que não esteja associada, pelo menos implicitamente, à ideia de dignidade humana.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mas "dignidade" não é uma palavra mágica, não serve para resolver todos os problemas ligados aos dilemas bioéticos. Por isso, esta ideia surge associada a noções mais concretas, como o consentimento informado, a integridade corporal, a não discriminação, a privacidade, a confidencialidade, a equidade, que são utilizadas também na terminologia dos direitos.
A discordância teórica quanto à fundação última dos direitos não é incompatível com o acordo prático sobre os direitos que devem ser respeitados. A sua violação é frequente, mas o sistema corrente dos direitos humanos e a possibilidade da sua invocação jurídica, ou exequibilidade, constitui o único mecanismo para proteger as pessoas.
Por isso, é importante relacionar a biomedicina com os direitos humanos, porque ninguém pode pôr em dúvida que a engenharia genética e a clonagem reprodutiva têm relação com a preservação da identidade da espécie humana.
Esta relação permitiu estabelecer consensos, claramente minimalistas, é certo, mas muito importantes, porque constituem um primeiro passo para regulações a nível nacional.
Os instrumentos internacionais, como é evidente, têm como objectivo estabelecer princípios muito genéricos,
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como o do consentimento informado, o princípio da não discriminação por razões genéticas e a promoção da equidade na distribuição dos recursos. Estes princípios têm um impacto cada vez mais importante na regulação da nossa vida colectiva e deram origem a redes de estudo e avaliação das implicações éticas, legais e sociais da genómica humana.
Se é certo que a importância da confidencialidade de dados, do consentimento informado, da discriminação e a estigmatização entre outros, não são uma decorrência única da genómica, o que é certo é que esta vem introduzir conceitos novos nos cuidados de saúde, como "probabilidade" e "susceptibilidade", e fornece informações sobre doenças. Ora, isto tem imensa relevância na relação com terceiros, sejam eles as famílias, as companhias de seguros, os governos, as derivas totalitárias ou os investigadores científicos.
De qualquer forma o consenso internacional é hoje muito preciso em relação a duas questões específicas: as intervenções na linha germinal; a clonagem humana reprodutiva.
Desta vez o processo legislativo ultrapassou a ciência, porque visa estabelecer provisão legal para duas tecnologias que ainda não existem mas que são ameaçadoras.
Com efeito, se a alteração de genes nas células somáticas apenas afecta a pessoa tratada, o que não levanta questões éticas, já a intervenção na linha germinal tem efeitos irreversíveis nas futuras gerações e pode ser mal utilizada para fins eugénicos. Por isso, ela é desencorajada ou proibida em algumas regulações éticas e legais.
De qualquer forma, importa distinguir: as intervenções na linha germinal para fins terapêuticos, para evitar a transmissão de doenças, passando à margem da controvérsia sobre a investigação no embrião, não tem objecções assentes em argumentos éticos intrínsecos mas apenas nos riscos de sério e irreversível prejuízo para as gerações futuras. Isto só seria possível, contudo, ao longo de milhares de anos e recorrendo a um programa coercivo massiço que seria eticamente inaceitável.
Já as intervenções na linha germinal para fins de apuramento merecem objecções mais fundamentais, baseadas na ideia de que não temos o direito de pré-determinar as características dos indivíduos futuros. As pessoas têm de ter a liberdade de desenvolver livremente as suas potencialidades sem serem biologicamente condicionadas com base em conceitos particulares sobre o que é "bom" ou "mau" para determinada pessoa em determinada época.
Neste sentido, Habermas e outros autores que consideram que a genética não pode constituir o instrumento de uma espécie de tirania intergeracional.
Uma outra objecção tem a ver com o facto de um procedimento desta natureza nos poder transformar de sujeitos em objectos ou artefactos biológicos desenhados por outros.
Quanto à clonagem humana, também é indispensável distinguir entre clonagem reprodutiva e clonagem terapêutica. Se em relação à primeira existe o consenso de que deve ser banida, já a segunda não tem conseguido alcançá-lo. Também aqui há diferenças entre embriões produzidos propositadamente para a investigação em células estaminais ou a investigação realizada em embriões excedentários cuja destruição seja o único fim.
Os princípios éticos da utilidade, da beneficência e da não maleficência têm aplicação nos sistemas e nos serviços de saúde. O trabalho no sentido de atingir os mais elevados standards na saúde tem de ser feito respeitando um princípio de justiça, de liberdade, de dignidade humana e de equidade. Neste sentido, a terapia ou manipulação genética com o objectivo de melhorar um corpo humano saudável não é apoiada pela Organização Mundial de Saúde. Já a correcção do código genético para curar ou evitar doença ou enfermidade merece esse apoio, mas os avanços genéticos só serão aceitáveis se a sua aplicação decorrer de forma ética, com o devido respeito pela autonomia, pela justiça, pela educação e pelas convicções e recursos de cada país e comunidade.
O projecto de lei hoje apresentado pelo Partido Socialista sobre procriação medicamente assistida assenta nos princípios que enunciarei de seguida.
Assim, consideramos que as diferentes técnicas de procriação medicamente assistida que implicam manipulação gamética ou embrionária não constituem modo alternativo de procriação mas, antes, subsidiário.
O recurso à procriação medicamente assistida deve assegurar à criança condições para o seu desenvolvimento integral, particularmente o direito a beneficiar da estrutura familiar, biparental, de filiação, excepto em situações especiais.
Os actos requeridos pelas técnicas de procriação medicamente assistida têm, obrigatoriamente, de ser praticados em estabelecimentos com idoneidade comprovada técnica e cientificamente, devendo ser garantida a confidencialidade dos actos relativamente aos participantes das técnicas de procriação medicamente assistida.
Todo o produto biológico de natureza genética que seja objecto de dádiva não poderá, em caso algum, ser transaccionado nem lhe poderá ser atribuído qualquer valor comercial.
Será obrigatório em todos os actos relativos a técnicas de procriação medicamente assistida o expresso consentimento, livre e esclarecido, por parte dos respectivos beneficiários e intervenientes, sendo garantido aos profissionais de saúde o direito à objecção de consciência, que terá de ser explicitada.
Devem ser consideradas finalidades proibidas das técnicas de procriação medicamente assistida aquelas que pretendam obter determinadas características genéticas do nascituro, que envolvam a criação de
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clones humanos, de quimeras, ou a fecundação interespécies e ainda a maternidade de substituição e as inseminações post-mortem, a não ser em circunstâncias especificamente previstas.
Preconiza-se a legalização de unidades de conservação de sémen. A dádiva de ovócitos, tendo em consideração a impossibilidade técnica de congelar os gâmetas femininos de forma idêntica à dos gâmetas masculinos, só deve poder verificar-se em condições que efectivamente garantam o anonimato dos intervenientes.
A criação deliberada de embriões excedentários não deve ter lugar na prática corrente da procriação medicamente assistida, pelo que se preconiza que o número de ovócitos a inseminar em cada ciclo de fecundação in vitro deva depender do número de embriões a transferir e também da situação clínico-laboratorial concreta.
Podendo ocorrer a criação de embriões que depois não venham a ser transferidos para o útero, advoga-se a sua congelação para transferência posterior para o casal beneficiário. Excepcionalmente, quando esta transferência não se possa concretizar e mediante o consentimento dos beneficiários, pensamos que podem os embriões ser destinados a outro casal, cujo diagnóstico de infertilidade o aconselhe, ou doados para investigação científica.
Finalmente, prevemos a constituição do conselho nacional da reprodução medicamente assistida, para a orientação, decisão e acompanhamento no âmbito da procriação medicamente assistida, com competências alargadas e genericamente definidas para permitir a permanente actualização das regras relativas a esta matéria.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Tratando-se de matéria de inequívoca delicadeza e grande especificidade científica, em relação à qual seria desejável encontrar nesta Câmara consensos tão alargados quanto o possível, o PS está disponível para que sejam aprovados na generalidade os projectos hoje apresentados, sendo constituído um grupo de trabalho que os possa analisar, proceder às audições das entidades (designadamente, instituições científicas) que devem contribuir para o seu aperfeiçoamento e correcção científica, tentando encontrar-se uma redacção final que possa merecer aprovação alargada.
Não nos esqueçamos, porém, do que Kleegman e Kaufman escreveram em 1966, a propósito da inseminação artificial: "qualquer alteração nos costumes ou nas práticas nesta área emocionalmente carregada sempre provocou, do costume e da lei estabelecida, primeiro, uma negação horrorizada, depois, a negação sem horror, depois, uma curiosidade lenta e gradual, estudo, avaliação e, finalmente, uma muito lenta mas forte aceitação". Assim sejamos nós capazes de fazer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém, todos nos sentimos tocados pelo problema da infertilidade. Todavia, preocupam-nos também os problemas éticos, sociais e jurídicos levantados pela ciência, nomeadamente pela procriação medicamente assistida. Rejeitamos qualquer tipo de vanguardismo ou de experimentalismo social em torno desta matéria e consideramos que é fundamental equilibrar os interesses dos casais com os direitos da criança que nasce, nomeadamente o direito ao seu património genético, previsto no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa. Ou seja, no fundo, o direito à sua identidade.
O princípio estabelecido pelo Partido Socialista no seu projecto de lei no caso de doação de gâmetas é o do anonimato do dador. Considera a Sr.ª Deputada que isto defende o direito à identidade da criança que nasce? Como é que se salvaguardam todas as questões éticas e sociais que se podem levantar em relação às mães de aluguer e às maternidades de substituição? Como é que se garante que não há pagamentos para que estas maternidades de substituição se verifiquem? Como é que se evitam situações confusas, como as de mães que são, simultaneamente, avós e de tias que são, simultaneamente, mães? Nada disto está previsto no projecto de lei do Partido Socialista.
Não há, neste caso e na minha opinião, uma solução mágica para este tipo de problemas. Para além disto, todos sabemos que estamos muito próximos do Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, pelo que todos nós, quando legislamos sobre esta matéria, temos de ser tranquilizados quanto a estas preocupações. Refiro-me, sobretudo, ao ponto de vista social e jurídico do que o Partido Socialista tentou proteger - se bem que, na minha opinião, de forma insuficiente -, que são os impedimentos em termos de casamentos. Se há anonimato, independentemente das salvaguardas que o Partido Socialista tentou introduzir, não podemos ter a certeza de que, por via do registo civil, se consiga garantir que não vamos ter "casamentos" entre irmãos e entre pais e filhos. Esta é uma preocupação do Partido Socialista que percebo mas que, penso, não está suficientemente salvaguardada no seu projecto de lei, desde logo porque autoriza, no fundo, a procriação heteróloga.
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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.
A Sr. Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Monteiro, agradeço-lhe desde já as questões que me colocou. V. Ex.ª teve o cuidado de estabelecer uma baliza para enquadrar o que afirmou, o que, aliás, foi a nota dominante das intervenções que hoje se produziram sobre este tema. E essa baliza consistiu no facto de estas matérias terem, obviamente, implicações éticas, sociais e legais. Isso é sabido e reconhecido e é precisamente para encontrar um equilíbrio entre os princípios e a liberdade da investigação e da prática científicas que essas matérias se discutem em determinados organismos nacionais e supranacionais.
De qualquer forma, algumas das questões que o Sr. Deputado colocou relevam de contradição na apreciação. O projecto do Partido Socialista abre - e, a meu ver, bem - a possibilidade da maternidade de substituição em determinadas circunstâncias, seguindo, aliás, aquilo que já está em avançadíssima discussão no âmbito do Conselho da Europa. Estabeleceu, contudo, e como é óbvio, a gratuitidade e a não onerosidade absoluta de qualquer dessas relações. O Sr. Deputado perguntou-me como é que se controla esta gratuitidade ou não onerosidade e eu pergunto-lhe como é que se controlam todas as imposições legais de gratuitidade ou não onerosidade que existem no que toca à doação de sangue ou de órgãos, apenas para referir as questões mais ligadas à saúde. É óbvio que a determinação legal existe e deve continuar a existir e, em caso de prova do seu não cumprimento, estão, obviamente, previstas sanções para salvaguardar este princípio, uma vez que o direito se faz desta maneira.
De todo o modo, como o Sr. Deputado colocou questões que devem ser objecto de avaliação, lembro-lhe que o Partido Socialista tem dito que o seu projecto segue, na medida do possível, as regras gerais da adopção. Ora, nunca vi discutir nesta Câmara a preocupação de uma tia poder adoptar um sobrinho, que passaria, assim, a ser seu filho, ou de uma pessoa sem qualquer relação com uma criança poder adoptá-la, passando, desse modo, a ser mãe dessa criança. Temos, portanto, de nos libertar de preconceitos em relação a este tipo de matérias e temos de saber quais as soluções que devem ser adoptadas especificamente em cada caso, tendo em atenção os interesses do casal e, claro, o destino a dar ao embrião.
A fecundação heteróloga e a doação para investigação científica são, em meu entender, dos melhores destinos a dar a um embrião abandonado, pois, se é certo que um embrião não deve ser um meio mas, antes, um fim, é muito melhor, em meu entender, que um embrião abandonado possa servir os interesses da comunidade global, da humanidade, do que destiná-lo à destruição pura e simples.
Considero que aqui há um consenso muito alargado no âmbito do Partido Socialista e esta é a nossa posição - a do Sr.ª Deputado não será assim mas esta é firmemente a nossa posição.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A descoberta e o desenvolvimento das técnicas de reprodução medicamente assistida descerraram novos horizontes na área da medicina da reprodução. Uma nova esperança veio acalentar os casais vítimas dessa verdadeira doença de carácter social, que se tornou um problema de saúde pública, como aliás refere a Organização Mundial de Saúde.
Segundo esta organização, há no mundo cerca de 80 milhões de pessoas a tentar ter um filho. Graças às técnicas que estamos a discutir, cerca de 1 milhão e meio de pessoas em todo o mundo nasceram.
O desenvolvimento da reprodução assistida veio responder à necessidade de garantir uma nova forma de fecundação, que não é alternativa à fecundação natural. Tratou-se, porém, de uma revolução que não ficou por aí.
Com efeito, a evolução do conhecimento e a sua aplicação prática através de novas tecnologias no campo biológico e médico trouxeram novas oportunidades ao ser humano e à humanidade, suscitando questões sem precedentes na história das revoluções científicas.
As técnicas de reprodução medicamente assistida tornaram possível a prevenção de doenças genéticas graves, abriram caminho para o estudo da evolução da vida humana, tornaram possível que os casais com risco de gerarem filhos com graves doenças hereditárias tivessem filhos saudáveis. E logo as técnicas se passaram também a aplicar a casais férteis mas que se arriscavam a transmitir doenças à descendência.
As novas técnicas abrem novas possibilidades de encontrar o caminho para a cura de graves doenças que afectam o ser humano e que o transformam por vezes num ser meramente vegetativo, como a doença de Alzheimer, e também para muitas outras doenças, como a diabetes, as doenças cardiovasculares, o cancro e a coreia de Huntington.
A revolução genética, biológica e médica acrescentaram às transformações da natureza que envolve o ser humano, conseguidas pela revolução científica e tecnológica da era moderna, a possibilidade de o ser humano transformar a sua própria natureza, debelando o seu próprio sofrimento e o da humanidade.
É por isso que uma lei de regulação das técnicas de reprodução medicamente assistida tem de ser muito
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mais do que uma lei dirigida só ao tratamento da infertilidade. Tem de ser uma lei que, ultrapassando preconceitos ideológicos, impulsione o progresso, ele em si mesmo um valor ético fundamental.
O progresso do conhecimento é a fonte principal do progresso da humanidade, porque permite novas construções culturais da ideia da natureza, ideia, aliás, que António Gedeão transpôs para o grito do homem nascido: "Quero eu e a natureza, que a natureza sou eu.".
Assim, num momento em que as tecnologias biomédicas alargam os horizontes para além do que é possível factualmente, aquilo que é lícito ou que não é lícito não depende do que seria natural, ou do que não seria natural.
As regras morais estão também em permanente evolução e sempre que o ser humano se dá conta de que modificar o que esteve de "pedra e cal" pode tornar as coisas melhores, o que se faz através do conhecimento, então surgem novos conceitos de licitude ou ilicitude.
Na área que hoje nos ocupa, são estas bases da bioética que devem reger qualquer regulamentação das técnicas de reprodução medicamente assistida, as quais, aliás de acordo com o que foi dito, também estarão sempre sob sindicância, porque o conhecimento poderá dar origem a novos direitos, princípios ou valores.
A lei que a Assembleia aprovar tem de rejeitar preconceitos. Deve admitir, por exemplo, em nossa opinião, que uma mulher só, solteira, viúva ou divorciada possa ter acesso a estas técnicas. Sendo, aliás, uma consequência também do direito à saúde, não se percebe como é que uma mulher, apenas porque está só, pode ser discriminada no acesso a esse direito.
Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!
A Oradora: - Essa lei deve também admitir que um casal, ainda que fértil, possa recorrer a estas técnicas se houver o risco de transmitir à descendência uma doença grave. O diagnóstico pré-implantação determinará os embriões saudáveis para que possa nascer um filho saudável.
A lei deve igualmente admitir a escolha do sexo quando determinada doença dominar um determinado sexo, para permitir a implantação de embrião de outro sexo.
Deve ainda admitir, claro - consideramo-lo indiscutível -, o diagnóstico pré-implantação, sem o que se negaria o direito à mulher, e ao casal, de optar, sem o que o recurso às técnicas não poderia nunca ter como resultado evitar o sofrimento resultante de graves doenças genéticas. Mas, note-se, o diagnóstico pré-implantatório, como quaisquer técnicas de reprodução medicamente assistida, só se fará se os beneficiários derem o seu consentimento informado.
Entendemos também que o estado de avanço das tecnologias biomédicas permite que o diagnóstico sirva para detectar os embriões com grupo HLA compatível com outro filho ou filha do casal afectados por doença grave, só podendo evitar-se a sua morte com transplante compatível.
Contra os que entendem que isso seria instrumentalizar o ser humano, nós somos de opinião que essa é uma magnífica expressão do princípio de solidariedade que não deixará de reforçar os laços afectivos familiares.
Isto faz-se já no Reino Unido. A França, que recentemente alterou a lei de bioética, admitiu essa solução, ainda que a título experimental.
O recurso às técnicas deve garantir a prevenção de gravidezes múltiplas, fonte de muito sofrimento. Por isso, há propostas no sentido de um máximo de 3 embriões a transferir. Não deve, no entanto, limitar-se numericamente o número de ovócitos a estimular, mas afirmar o princípio de que esse número fica dependente de critérios a determinar pelo médico, de acordo com a história clínica dos beneficiários.
A cega limitação dos ovócitos a estimular, como acontece, por exemplo, na triste lei italiana, determinaria ainda maior sofrimento para a mulher, que, perante insucessos das técnicas, teria de se sujeitar de novo ao início do processo, teria de começar tudo de novo, já que embriões excedentários não haveria.
Preconceitos morais levaram à solução da lei italiana. Preconceitos morais levaram à solução da lei suíça, que impedia a conservação de embriões fora do corpo da mulher, preferindo a destruição. No entanto, a Suíça alterou a lei para permitir a congelação de embriões excedentários e a investigação científica sobre embriões em determinadas condições.
Os princípios que enunciámos logo de início valem plenamente para a questão da investigação científica com embriões. Investigação fundamental, nomeadamente com linhas de células estaminais embrionárias.
Propomos já algumas normas básicas sobre investigação científica. Os embriões excedentários que não forem utilizados pelos beneficiários, que por eles não forem doados a outros beneficiários, que por eles forem doados para investigação científica, e ainda os embriões abandonados e inviáveis devem poder ser usados na investigação, segundo propomos, com o objectivo de prevenção, diagnóstico ou terapêutica de embriões, de aperfeiçoamento das técnicas de reprodução medicamente assistida, de constituir bancos de células estaminais embrionárias para programas de transplantes, ou com quaisquer outras finalidades terapêuticas.
Propomos também que sejam usados na investigação os embriões obtidos sem recurso à fecundação por espermatozóide. Estamos aqui perante embriões criados através da transferência de núcleo. Estamos perante a clonagem terapêutica, que deve ser permitida pelas possibilidades que abre de debelar o sofrimento
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humano.
Os consultores da Organização Mundial de Saúde pronunciaram-se, há não muito tempo, da seguinte forma sobre esta matéria: a investigação, usando células estaminais embrionárias para cultura de novos tecidos (por forma a reparar ou a substituir os que foram afectados pela doença), sustenta uma promessa substancial. Alguma desta pesquisa pode envolver - dizem eles - fusão nuclear de uma célula de uma pessoa adulta com um óvulo enucleado, o primeiro passo para uma potencial clonagem humana. Dizem também que os possíveis benefícios da investigação, usando a fusão nuclear para produzir tecidos para tratamento de doenças, são reconhecidos, desde que não haja nenhuma tentativa de reproduzir um ser humano. Dizem que no momento presente a clonagem humana reprodutiva é não segura e não deve ser tentada - estamos de acordo.
Também recentemente, 77 prémios Nobel dirigiram-se ao Secretário-Geral das Nações Unidas solicitando, em nome da liberdade de consciência, da liberdade do conhecimento, que rejeitasse qualquer proposta que proibisse a investigação científica com células estaminais embrionárias, criadas quer a partir de embriões excedentários quer através da técnica de transferência do núcleo, finalizada na produção de células estaminais - nós estamos de acordo, por isso o propusemos
Estamos de acordo com a proibição da clonagem reprodutiva - aliás, propomo-la -, tentando assegurar, na nossa definição de clonagem, que ela não acabe por englobar degraus da clonagem terapêutica, ou os casos em que, através das técnicas de reprodução assistida, se faz uma transferência de núcleo por deficiências do citoplasma da mãe natural. Refiro-me aos casos em que o embrião terá duas mães biológicas, em que nem sequer há uma verdadeira clonagem, mas pode haver alguma confusão.
Queremos que a lei seja verdadeiramente a concretização dos direitos consagrados nos artigos 12.º e 15.º e do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que estabelece: o direito à liberdade, indispensável à investigação científica; o direito de cada um a beneficiar do melhor nível e qualidade de saúde física e mental. Direitos a que, segundo o mesmo pacto, por parte do Estado, corresponde o dever de respeitar, proteger ou realizar tais direitos e o direito do ser humano e da vida humana à dignidade.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário do que certamente desejaria a extrema esquerda, a Constituição da República Portuguesa consagra a família como a célula nuclear da sociedade, merecedora de direitos sociais próprios e objecto de especiais deveres de protecção por parte do Estado. É aqui que encontramos o direito inalienável à constituição de família, nomeadamente através da procriação medicamente assistida.
Este direito fundamental tem que respeitar e ser articulado com os valores supremos da dignidade do ser humano e do direito à vida, que são o verdadeiro epicentro de todos os direitos, liberdades e garantias.
A superioridade destes valores e as inúmeras perspectivas que encerram tornam particularmente complexa a regulamentação de uma matéria susceptível de fazer colidir extraordinários progressos da ciência e do conhecimento com a inviolabilidade da vida humana.
E se no campo científico podem existir algumas divergências, é na componente ética, doutrinária e filosófica que ocorrem os principais e mais acesos confrontos sobre os limites da utilização da biotecnologia.
Esta falta de consenso tem arrastado uma situação de vazio legal inaceitável, quer do ponto de vista da salvaguarda da dignidade da pessoa humana, quer do ponto de vista da segurança jurídica.
A sensibilidade e prudência com que a procriação medicamente assistida tem de ser encarada justifica o permanente acompanhamento por parte de inúmeras instâncias que se debruçam sobre bioética, como a Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida e o Comité Intergovernamental de Bioética, e também aqui o consenso não é encontrado.
Felizmente, existe um acordo generalizado, nas várias iniciativas aqui em discussão, quanto à subsidiariedade destes métodos, remetendo a sua aplicação para situações de infertilidade e/ou esterilidade, em que foram esgotadas todas as formas de cura, ou quando se trate do único meio de prevenção de doenças graves, hereditárias, do foro genético ou infeccioso.
Igual consenso existe quanto à estrita proibição de comercialização de ovócitos, esperma e embriões e quanto ao destino preferencial de ovócitos fecundados para adopção quando não aproveitados para fins procriativos.
Já quanto aos beneficiários surgem as primeiras dúvidas.
Pela parte do CDS-PP, entendemos que a assistência deve ser prestada a pessoas casadas ou a pessoas de sexo diferente que vivam em união de facto há mais de dois anos, desde que sejam maiores de 18 anos e que a mulher tenha até 45 anos ou o homem tenha até 55anos.
Esta limitação assenta num princípio fundamental em torno deste debate: o superior interesse do filho. Curiosamente, nenhuma das iniciativas aqui apresentadas contempla expressamente este princípio no seu articulado, embora o mesmo seja enunciado na exposição de motivos do projecto de lei do PSD e perpasse
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nas normas nele propostas.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Neste sentido, e atendendo ao superior interesse do filho, foram consagrados alguns limites, como é o caso da idade dos pais, a rejeição da inseminação e fecundação post mortem ou o direito à identidade genética, princípios com os quais concordamos.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Neste mesmo sentido, concordamos que possa haver uma implantação post mortem, desde que exista consentimento do pai para o projecto procriativo.
Já quanto à maternidade, entende o CDS-PP que não é permitido o recurso a mães portadoras. No entanto, em caso de violação desta proibição, deverá prevalecer a filiação em relação à mãe biológica e não em relação à mãe portadora.
Em suma, no equilíbrio entre o direito a concretizar um projecto procriativo e o supremo interesse da criança, julgamos que será de dar primazia a este último.
Outro aspecto que se prende intimamente com a preservação da dignidade humana é o da limitação da produção de embriões excedentários, devendo, em nosso entender, ser apenas fecundado o número de ovócitos estritamente necessário à procriação e serem implantados no prazo máximo de 3 anos ou destinados à adopção.
Relativamente à investigação científica, entendemos que em situação alguma pode ser afastado o respeito absoluto pelo direito destes embriões ao seu desenvolvimento, ainda que afastados do projecto originário de procriação. Entendemos, portanto, que só será aceitável a investigação científica em termos muito restritos. Desde logo, quando feita para benefício do próprio embrião ou quando desta investigação resulte benefício para a humanidade, mas apenas quando haja uma inequívoca inviabilidade das células estaminais e, como foi dito pelo Sr. Deputado Duarte Lima, por aqui estarem em confronto dois valores de dignidade igual.
A mesma prudência deve acompanhar o diagnóstico pré-implantatório, porque a investigação científica e o diagnóstico pré-implantatório não podem, em caso algum, constituir uma porta aberta para excessos e violações à dignidade do ser humano.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Relativamente ao diagnóstico pré-implantatório, entendemos que implica um risco real de selecção eugénica. Portanto, consideramos que deve ser feito apenas no interesse exclusivo do embrião - aqui com alguma nuance relativamente a qualquer uma das iniciativas legislativas apresentadas -, desde que exista uma forte suspeita de doença particularmente grave, nomeadamente aquelas doenças que justificariam posteriormente uma exclusão da ilicitude do aborto.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Relativamente à responsabilidade criminal por violação da lei, gostaria de destacar o aspecto seguinte: o CDS-PP defende que o crime de procriação assistida com escolha de características genéticas, designadamente o sexo do concepturo, deverá ser punido com pena de prisão. A excepção genérica prevista nalguns projectos de lei, nomeadamente no projecto de lei apresentado pelo Partido Social Democrata, para o caso de estar em causa doença relacionada com o sexo, não contempla todas as nossas inseguranças relativamente a esta matéria. Ou seja, uma mera previsão da exclusão de ilicitude, quando possam estar em causa doenças relacionadas com o sexo, sem que haja uma remissão expressa para regulamentação posterior para um elenco taxativo das doenças que estão em causa, não constitui, em nosso entender, garantia suficiente da sua aplicação restritiva.
Em suma, salvaguardadas as diferenças éticas e ideológicas das propostas concretas apresentadas, algumas das quais consideramos inaceitáveis, penso que, em todo o caso, é de destacar a importância das mesmas, bem como o passo extraordinário que foi dado com a presente discussão para a protecção da dignidade humana, no difícil equilíbrio com a evolução da ciência.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na opinião desta bancada, quando, em 1999, o Presidente Jorge Sampaio vetou um diploma sobre esta matéria, fê-lo por duas razões substanciais
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e justificadas. Em primeiro lugar, fê-lo porque o projecto de lei então discutido na Assembleia da República não previa rigorosamente o anonimato dos dadores de material biológico; em segundo lugar, porque introduzia algumas restrições às técnicas que eram contraproducentes do ponto de vista científico.
Herdámos, no entanto, um longuíssimo período, demasiado longo período, de seis anos, em que se prolongou a instabilidade e a incerteza jurídicas sobre o enquadramento das técnicas de procriação medicamente assistida.
O facto de hoje termos vários projectos de lei que convergem nesta matéria decisiva, que é o reconhecimento de que o tratamento da infertilidade é uma obrigação do Serviço Nacional de Saúde e um direito dos homens e mulheres que são vítimas dessa limitação tão importante na sua vida, é um facto importante que gostaria de começar por saudar.
É uma necessidade que a política da saúde em Portugal passe a enquadrar, de uma forma clara, tecnicamente competente, adequada e cientificamente flexível, toda a matéria da procriação medicamente assistida.
Por isso, o Bloco de Esquerda apresentou, na Legislatura anterior, um projecto de lei - a que se somou depois um projecto de lei do Partido Socialista - que, aliás, chegaram a estar agendados, por força do Presidente Mota Amaral, para os dias em que a Assembleia da República acabou por ser dissolvida, pelo que não chegou a ocorrer esse debate.
Nas circunstâncias actuais, dois outros projectos de lei, do PCP e do PSD, somam-se às iniciativas legislativas referidas, estando nós aqui a discutir esta matéria de grande importância.
Quero, aliás, sublinhar que esta matéria não fica esgotada com o debate sobre a procriação medicamente assistida. Tanto a intervenção do Deputado Duarte Lima como a intervenção da Deputada Odete Santos referiram também outras matérias conexas, mas que têm de ser tratadas e desenvolvidas em separado, processo para o qual, aliás, o Bloco de Esquerda já apresentou uma proposta relativa à investigação em células estaminais embrionárias, que esperamos seja discutida com todo o cuidado. Aguardo, nomeadamente, o contributo que o Sr. Deputado Duarte Lima possa dar a este respeito.
Sublinho ainda que há uma outra matéria, o diagnóstico pré-implantatório, que deve ser tratado, no que diz respeito às técnicas de procriação medicamente assistida, na discussão na especialidade, mas tem de ser tratado igualmente de uma forma mais geral. É que o diagnóstico pré-implantatório não está restrito às condições que derivam da aplicação de PMA, mas, pelo contrário, deve aplicar-se como um direito a que podem recorrer os casais ou as mulheres em situação de escolha de maternidade.
Dito isto, e presumindo que haverá consenso para prosseguirmos este esforço de modernização e de atenção aos problemas bioéticos e científicos de tal importância, gostaria de sublinhar que a comunidade científica foi consultada, e se pronunciou, pelo menos sobre os primeiros projectos de lei que estavam agendados para debate, pelo que, naturalmente, deverá continuar a dar toda a colaboração para o debate na especialidade que irá ter lugar.
O Prof. Alberto Barros, da Faculdade de Medicina do Porto, salientava, relativamente aos projectos de lei do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista, que apreciou, que se tratava de "projectos equilibrados e bem definidos, que protegem os doentes e salvaguardam o trabalho científico" e sublinhava o seu acordo com o projecto de lei do Bloco de Esquerda sobre a defesa absoluta do direito ao anonimato.
O Prof. António Pereira Coelho, da Faculdade de Medicina de Lisboa, sublinhava que aqueles projectos de lei eram importantes e que acompanhava o projecto de lei que considerava "mais equilibrado, flexível e suficiente para os tempos de hoje", o projecto de lei do Bloco de Esquerda.
Outros cientistas apresentaram outros pontos de vista e creio que os devemos considerar agora, com cuidado, no debate.
Quero, no entanto, referir alguns dos temas em relação aos quais há divergência e que são, portanto, as excepções neste contexto.
Em primeiro lugar, refiro a mãe de substituição. Creio que a posição que o PSD tomou com alguma reserva e que o PP toma com mais insistência é desumana a este respeito. A mãe de substituição só se justifica num caso específico, aquele em que a mãe não tem útero, derivado, por exemplo, de uma situação de cancro no útero ou de qualquer outro, em que, portanto, não pode ser aplicada qualquer técnica de procriação medicamente assistida. Acho que se deve reconhecer a uma mulher nestas circunstâncias, especificamente nestas circunstâncias, que pode produzir um óvulo mas não pode ter uma gravidez, o recurso à maternidade de substituição. E se definirmos com critério rigoroso as condições e os limites em que tal pode ocorrer, estamos a respeitar um direito de maternidade e a não impor qualquer restrição por preconceitos que são inaceitáveis, esses, sim, na nossa opinião, desumanos.
A segunda questão em que há divergência tem a ver com a reprodução heteróloga. Creio, aliás, que a posição do PSD é contraditória, porque se opõe à reprodução heteróloga, ou seja, à doação de ovócitos e espermatozóides de outros que não os membros do casal, que não o homem e a mulher, mas aceita a adopção de embriões. Ora, esta posição é contraditória, porque a adopção de embriões é, por definição, uma técnica heteróloga na procriação medicamente assistida, como bem se percebe. Portanto, não pode haver também, deste ponto de vista, qualquer preconceito, porque é de preconceito que se trata.
O Prof. Daniel Serrão, por exemplo - e já ouvi também muitos políticos de direita dizê-lo -, diz que
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a reprodução heteróloga é um adultério biológico. O que é extraordinário! Como se houvesse algum acto de adultério pelo facto de, por consentimento, por escolha, por vontade e até por necessidade imprescindível para a técnica da reprodução medicamente assistida, recorrer-se a ovócitos ou a espermatozóides que não estão disponíveis na relação do casal! Não há absolutamente nenhum adultério, e só o preconceito mais baixo é que pode introduzir uma proibição onde, pelo contrário, se vê um direito.
A Sr. ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Quem é que falou em adultério?
O Orador: - Nesse aspecto, o PP foi um pouco mais longe, dizendo que isso punha uma questão fundamental de anonimato em relação ao parentesco. É muito retorcido pensar que o dador de um espermatozóide tem alguma relevância do ponto de vista da concepção e da vida concreta da criança, que conhece o seu pai e a sua mãe e que com eles vive desde o dia em que abre os olhos na maternidade.
Protestos do CDS-PP.
Calma, Srs. Deputados! Não é por gritarem ou por me interromperem que têm mais razão!
Nos artigos 1985.º e 1987.º do Código Civil estabelece-se que, se for vontade do pai natural ou da mãe natural que à criança adoptada fique vedado o conhecimento do parentesco biológico, assim acontecerá. Por decisão deles! Porque, naturalmente, no conhecimento da criança adoptada o que decide a afectividade, a sua vida, o seu crescimento é a relação com as pessoas que a adoptaram, que são, para todos os efeitos, a sua mãe e o seu pai. Impor a isto um determinismo que vai antes do nascimento até ao momento do espermatozóide - permitam-me a franqueza -, só pela cabeça do CDS-PP é que podia passar uma ideia de que isto era adultério biológico.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Eu não disse isso! Quem falou em adultério?!
O Orador: - Naturalmente não é adultério. Mas essa é a nossa divergência.
Mas há uma terceira questão em que também divergimos, que ficou clara na intervenção do Sr. Deputado Duarte Lima, que, aliás, a tratou com cuidado, que é a ideia de que uma mãe solteira também poderia, mas não deverá ter acesso à PMA.
Condicionar não à vontade de quem são os progenitores, que são quem a vai criar, não à sua dificuldade de o ter porque existe infertilidade ou porque se tem problemas de fertilidade, mas a um preconceito social sobre a forma típica em que essa criança deve ser gerada parece-me um erro, e também um erro desumano.
Acho que, deste ponto de vista, a tolerância e o respeito pela necessidade das pessoas que querem ter crianças e que devem, por isso, poder aceder às melhores técnicas da reprodução medicamente assistida no âmbito da sua assumpção de responsabilidades, é um princípio aberto sobre o qual gostaria que pudéssemos entender-nos para o consagrarmos na especialidade.
Estas são três divergências importantes. São relevantes. E devemos discuti-las com cuidado e ouvindo os especialistas que temos de ouvir para este trabalho, porque daqui resultará também um conjunto de outros esforços que o Parlamento deverá fazer, nomeadamente naquelas matérias que já foram aqui citadas, em particular na investigação em células estaminais embrionárias, que é uma matéria que divide muito politicamente, e tal não devia acontecer.
Esse tema levou a que tivesse lugar um grande debate na campanha presidencial entre Georg Bush e os seus opositores, que levou, aliás, a família de Ronald Reagan, o antigo presidente republicano, a opor-se ao candidato republicano e a apoiar o seu challenger, porque entendia que era indispensável este princípio de humanidade, que é podermos contribuir da melhor forma para a investigação da diabetes, da leucemia, das doenças de Alzheimer e de Parkinson, onde só assim podemos começar a fazer progressos científicos.
Apelo também, no contexto deste debate, para que o mesmo princípio de abertura, de preocupação, possa orientar todas as bancadas no trabalho parlamentar a partir de agora em todas estas questões tão sensíveis da bioética e tão importantes para a vida de tantas pessoas, que temos de respeitar antes de mais.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes saúdam a discussão que hoje se retoma no Parlamento, com avanços claros em relação à discussão havida em 1998. Retomamos hoje a discussão parlamentar com ideias e propostas novas em relação ao decreto aprovado na Assembleia da República em 1998, ao qual se opôs a comunidade científica e que foi vetado pelo Sr. Presidente da República.
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Gostaria aqui de relembrar que Os Verdes votaram contra a proposta de lei do então governo, diploma esse que tinha, na nossa perspectiva, uma visão muito restritiva das técnicas de procriação medicamente assistida, que consagrava ela própria grandes obstáculos ao tratamento da infertilidade e que recusava a investigação científica.
Este processo legislativo que aqui hoje se inicia é, na perspectiva de Os Verdes, um passo importante para colmatar uma lacuna no nosso ordenamento jurídico em relação à procriação medicamente assistida, cuja regulamentação a Constituição da República Portuguesa consagra, salvaguardando a dignidade da pessoa humana como um dever do Estado.
A Organização Mundial de Saúde considera a infertilidade como uma doença que afecta um número considerável e crescente de pessoas.
Também era importante pensar na forma como as actuais condições de vida que nos são impostas por muitas políticas prosseguidas - de trabalho, de insegurança do nosso dia-a-dia, do ritmo alucinante que nos é imposto, da degradação progressiva das condições ambientais - têm reflexos tão sérios na saúde pública e têm implicações concretas também ao nível da discussão que hoje temos, no agravamento de doenças, como a infertilidade. Pensar nos métodos de prevenção transversais em todos estes horizontes seria importante.
Tendo em conta esta realidade e o estado de desenvolvimento técnico e científico, necessariamente, na nossa perspectiva, ao serviço da humanidade, consideramos que o Estado tem o dever de, através do Serviço Nacional de Saúde, dar resposta de tratamento e os cidadãos têm o direito de receber esse tratamento, em função das suas opções de vida e de construção familiar.
Assim sendo, e tendo, aliás, em conta aquela que é hoje a realidade que conhecemos, não é possível conceber que a procriação medicamente assistida seja ou não possível em função das condições económicas de cada indivíduo. Salvaguardar esta questão é, pois, importante na perspectiva de Os Verdes.
Gostaria de referir que os projectos de lei do PCP e do Bloco de Esquerda têm o total acordo de Os Verdes e consideramos também que o projecto de lei do PS teve avanços profundamente significativos em relação ao anterior.
Sobre algumas questões concretas, de uma forma muito sintética, gostaria de dizer que Os Verdes consideram que não devemos só cingir esta regulamentação à infertilidade, mas também ter uma visão de fim terapêutico específico para doenças genéticas e hereditárias.
Somos favoráveis às mães de substituição - já aqui teve lugar uma discussão concreta, designadamente em relação à divergência de uma bancada. E somos, naturalmente, favoráveis à utilização de embriões excedentários para investigação científica.
Gostaria também de referir que, para nós, é de superior importância a questão da acessibilidade a estas técnicas. Não concebemos como é que a concepção tradicional de família se consegue pôr à frente dos afectos, nem como é que o preconceito consegue, na óptica de algumas bancadas, designadamente na do CDS-PP, pôr-se à frente dos afectos. Negar às mulheres o direito de serem mães, porque não estão devidamente acompanhadas numa constituição familiar, necessária à luz de valores completamente ultrapassados pela própria realidade, que a própria sociedade arredou, não é, obviamente, na perspectiva de Os Verdes, correcto. A figura da adopção de crianças já ultrapassou, em certa medida, esse preconceito, pelo que, a nosso ver, transportá-lo para a discussão que hoje estamos a travar não é de todo correcto.
Estas são, no fundo, as ideias que gostaríamos de traçar nesta discussão.
Muito obrigada pela vossa atenção.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira. Dispõe de 2 minutos e 27 segundos.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, tentarei ser o mais breve possível para referir apenas dois ou três aspectos que considero essenciais.
O primeiro de todos é o facto de, por circunstâncias conjunturais, me ter cabido ser a proponente da proposta de lei de 1997, já aqui referida várias vezes. E mais uma vez aproveito para dizer que o que foi objecto de voto não foi a proposta de lei inicial mas, sim, o texto que resultou de um trabalho feito na Assembleia, ao tempo elaborado pelos Deputados do Partido Socialista e do Partido Popular, e que contrariava em aspectos essenciais a proposta por mim apresentada. É bom que esse aspecto fique salvaguardado.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - As coligações com a direita dão sempre isso!
A Oradora: - Em segundo lugar, quero referir que as discussões hoje aqui havidas reflectem já uma enorme evolução face à discussão então travada nesta Câmara, e que na altura também protagonizei, aquando da apresentação da proposta de lei. Quero, pois, saudar o facto de ter havido uma enorme evolução, designadamente as posições que hoje ouvi serem aqui defendidas quer pelo PP quer pelo PSD. Saúdo esse facto, porque o ideal seria que nos conseguíssemos encontrar em relação a alguns aspectos.
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O terceiro aspecto que quero referir é que a procriação medicamente assistida não esgota o conjunto de matérias sobre as quais devemos legislar.
Já foram referidas algumas dessas matérias pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, mas quero chamar a atenção para um aspecto que tem vindo a preocupar-me especialmente, que é a questão do congelamento do cordão umbilical e das células do cordão umbilical.
Neste momento, essa tecnologia é apenas permitida no âmbito do sector privado. Existe um enorme vazio relativamente ao que poderá acontecer se as pessoas, que em determinada época da sua vida tiveram possibilidade de pagar essa técnica mais o pagamento exigido anualmente, deixarem de ter essa possibilidade.
Portanto, existe aqui uma matéria de enorme delicadeza sobre a qual deveremos ser capazes de reflectir, aproveitando a oportunidade para legislar sobre ela. Como é evidente, já hoje temos assumidos alguns princípios essenciais no âmbito internacional, que devem presidir também a matérias desta natureza e desta sensibilidade, seguindo, evidentemente, o princípio geral de que eles devem ser usados em benefício da Humanidade e não em benefício de interesses meramente comerciais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Esta era a última nota que queria aqui deixar, saudando o interesse, a alegria e a vontade com que saímos daqui reforçados para trabalhar, em sede de especialidade, uma matéria que exigirá audições, trabalho de aperfeiçoamento e rigor científico, que nós, porventura, não seremos capazes de acrescentar, mas que, obviamente, já precedeu todo este trabalho de apresentação legislativa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, concluída a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 141/X, 151/X, 172/X e 176/X, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á na quarta-feira, dia 9 de Novembro, às 15 horas, para a apreciação, na generalidade, da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2006. Entretanto, e até lá, reunir-se-ão, nas próximas duas semanas, todas as comissões parlamentares para debaterem a proposta de lei orçamental.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 11 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Glória Maria da Silva Araújo
José Apolinário Nunes Portada
José Luís Pereira Carneiro
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Teresa Maria Neto Venda
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Partido Social Democrata (PSD):
Arménio dos Santos
Luís Miguel Pereira de Almeida
Mário Patinha Antão
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha
Partido Comunista Português (PCP):
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Artur Jorge da Silva Machado
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Socialista (PS):
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Partido Social Democrata (PSD):
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Partido Comunista Português (PCP):
Miguel Tiago Crispim Rosado
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS):
António José Ceia da Silva
João Barroso Soares
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Irene Marques Veloso
Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos Jorge Martins Pereira
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Pedro Augusto Cunha Pinto
Sérgio André da Costa Vieira
Zita Maria de Seabra Roseiro
Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
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João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL