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4912 | I Série - Número 106 | 31 de Março de 2006

 

para requerer a sua inclusão nos cadernos eleitorais, uma vez que era viúva e tinha uma filha a cargo. O Ministro do Interior de então, António José de Almeida, recusou essa inclusão. Tendo recorrido, viu a sua pretensão colher decisão favorável da 1ª Vara Cível de Lisboa, que ordenou a sua inclusão nos cadernos eleitorais. Tornou-se, assim, na primeira mulher a exercer o direito de voto em Portugal e em qualquer país da Europa do Sul.
Para completar este relato falta dizer que seguidamente a lei foi alterada no sentido de especificar que o direito ao voto pertencia apenas aos chefes de família homens.
Hoje este acontecimento parece-nos extraordinário e choca-nos, certamente. Mas não ignoramos que aquilo que hoje é perfeitamente consensual e adquirido em termos de direitos consagrados não pôde deixar de acarretar consequências no terreno do exercício prático, de milénios e milénios de divisões sociais de papéis, de milénios de produção de teorias filosóficas e de abordagens no domínio das ciências exactas que pretendiam demonstrar a desigualdade entre homens e mulheres, sustentadas sempre na superioridade daqueles relativamente a estas.
Hoje é pacificamente aceite pelos neurocientistas a influência que as motivações e as emoções têm nas instruções da evolução da espécie humana. Isso significa que, apesar da igualdade política consagrada em termos jurídicos, os constrangimentos sociais e pessoais, muitas vezes não consciencializáveis, que se opõem à capacidade de exercício das oportunidades já existentes constituem um obstáculo que deve ser derrubado à luz dos conceitos válidos e comummente aceites na época que estamos a viver.
Com efeito, a democracia é a sociedade dos cidadãos e assenta no reconhecimento dos direitos humanos que estão na base das constituições democráticas modernas. Assim também na nossa. E os direitos humanos, civis, políticos, económicos, sociais e culturais são, à luz da Conferência de Viena da ONU de 1993, universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados.
Por isso, a revisão constitucional de 1997 constituiu um marco importantíssimo no aprofundamento dos valores que fundam a civilização humana de forma universalmente reconhecida.
É neste contexto de percurso de evolução histórica, que passou da conversão dos direitos fundamentais em direito positivo, pela sua generalização e pela sua internacionalização até ao estadio de especialização, que os direitos das mulheres aparecem com uma dimensão indispensável à concretização do conceito vivido da universalidade.
A revisão de 1997 vem assumir esta nova exigência como devendo merecer uma cuidada atenção, ao consagrar como tarefa fundamental do Estado a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, ao consignar o direito de todos os homens e mulheres a tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do País e ao considerar que a participação directa e activa dos homens e mulheres na vida política é condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático e que a lei deve promover a igualdade no exercício dos direitos civis e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso aos cargos políticos, abrindo caminho à adopção de medidas de acção positiva nesse sentido.

Aplausos do PS.

É que estes 30 anos de vivência democrática caracterizam-se, no que à participação política diz respeito, por uma sub-representação feminina. Esta tem sido feita de avanços e recuos, em que a proclamação do discurso não é acompanhada de consequências práticas. Portugal fica em má posição, quer em termos comparados europeus quer em termos internacionais.
E fica mal porquê? Porque, à luz dos princípios hoje defendidos para o aperfeiçoamento dos regimes democráticos, o contributo das mulheres é indispensável. Constituindo elas metade da humanidade, não podem deixar de contribuir para a formulação da decisão política de que também são destinatárias. Não podem ficar de fora da definição das prioridades, da definição do seu conteúdo, da definição do seu âmbito e da definição do seu alcance. Porque têm competências que são indispensáveis para o aperfeiçoamento dessa mesma decisão, porque têm conhecimentos e vivências que atribuem uma ordem diferente às prioridades e, se assim é, não podem nem devem ficar arredadas do processo decisional.
Como afirmam Nuria Chinchilla e Consuelo Léon "Homem e mulher, como pessoas, na ordem do ser, são iguais. Do ponto de vista genético, a diferença entre homens e mulheres limita-se a 3%, uma percentagem pequena, mas que está presente em todas as células do nosso corpo. A consequência é clara: somos mais iguais do que diferentes e, simultaneamente, somos iguais e diferentes em tudo. Ser homem ou ser mulher significa um modo diferente de ver, entender, avaliar e, portanto, de actuar no mundo. Em resumo, a nossa biologia marca também diferenças claras na psicologia masculina e feminina, que são a base da complementaridade."
Mas se hoje os instrumentos jurídicos que facultam a participação já não constituem impedimento, porque persiste o fenómeno da sub-representação? Porque há constrangimentos sociais e fenómenos sociologicamente demonstrados de reprodução no poder que perpetuam a participação no masculino, por muito que as proclamações vão em sentido contrário. A desvalorização do papel das mulheres socialmente construída ao longo de séculos, a inferioridade que é atribuída explícita ou implicitamente às suas preocupações, a menorização que é atribuída à forma como exprimem a sua visão do mundo constituem

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