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DEZEMBRO DE 2006

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: Em 45 anos de vigência, o Código do Processo Civil conta já com 40 alterações — vamos ao artigo 1.º e contamos os diplomas —, e algumas delas de vulto. Foi uma média de uma por ano.
A cada uma dessas alterações parcelares corresponderam de uma maneira geral momentos de instabilidade nos tribunais, incerteza quanto à jurisprudência maioritária, aumento da conflitualidade processual, aumento do número de recursos, aumento da morosidade da justiça.
Era chegado o tempo de proceder à elaboração de um novo Código, extirpado de burocracias inúteis, onde se reconhecesse uma filosofia global posta ao serviço da justiça e dos cidadãos, e não esta «manta de retalhos» que continuaremos a ter.
Não o entendeu assim o Governo, que, em execução das Grandes Opções do Plano, avançou prioritariamente com alterações profundas no sistema de recursos.
Sempre ficará a ideia (errada) de que o Código do Processo Civil é demasiado garantístico, sendo necessário um travão a uma recorrente litigância. Travão que, de resto, se apresenta com folgas que poderão provocar novas derrapagens.
A juntar a esta eleição dos recursos como a prioridade «prioritária», junta-se a sempre adiada concretização — Sr. Ministro da Justiça, mais uma vez — da promessa de alterar a lei do apoio judiciário.
Aliás, não consta do tal pacto entre os dois partidos a alteração desta lei.
Também encontramos nas Grandes Opções do Plano a afirmação de que, para o Governo, a melhoria da resposta judicial passa pela garantia do acesso dos cidadãos ao sistema judicial, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 20.º da Constituição.
A verdade é que já quase todos se esqueceram dos sucessivos prazos que, nesta Assembleia, se indicaram para apresentação de uma proposta de lei do Governo que garantisse o acesso ao direito e aos tribunais. De maneira que os cidadãos, nomeadamente os que recorrem aos tribunais do trabalho, vão continuar a debater-se com o freio de uma justiça cara, sem mecanismos que lhes garantam o acesso ao direito. Sem mecanismos que garantam, quanto a eles, que a mediação laboral é verdadeiramente uma mediação, e não a abdicação por insuficiência económica.
Se é certo que o diagnóstico feito nesta proposta de lei está correcto, em abstracto, a verdade é que as soluções se revelam aqui e além, desajustadas, geradoras de novas conflitualidades, de outras morosidades, por vezes infractoras do princípio da igualdade dos cidadãos e, até, da independência dos tribunais.
Do princípio que afasta o recurso de decisões interlocutórias para o recurso da decisão final, pondo em causa o caso julgado formal que confere estabilidade à instância, poderá resultar (no final de uma marcha processual que se acelerou dessa forma) a inutilização do processado, o recomeço da litigância em certo ponto, mais uns meses de alongamento da mesma, ou uma multiplicidade de recursos de decisões interlocutórias geradoras de maior morosidade.
Foram suprimidos mecanismos, como os relativos à reforma da sentença e à reparação, nos casos de agravo, que agilizavam a prossecução da justiça material.
Por outro lado, se é objectivo justo garantir a dignidade do Supremo Tribunal de Justiça — e este objectivo é de aplaudir, mas parece-nos que não é feito de uma forma correcta —, verdade é também que a proposta de lei contém soluções infelizes, no mínimo. Para não falar já dos próprios acórdãos de uniformização de jurisprudência, que me parece terem ido longe demais em relação à imposição aos juízes de seguimento desses acórdãos.
Acontece também quanto à impossibilidade de recurso relativamente à jurisprudência consolidada e quanto à chamada «dupla conforme».
Pergunta-se: que magistrados se encontram na mente do Governo para necessitar destas soluções apresentadas? Nas Grandes Opções do Plano consagrou-se o princípio da carreira plana dos magistrados judiciais e do Ministério Público, permitindo uma progressão profissional não condicionada pelo grau hierárquico dos tribunais e conferindo maior liberdade de escolha dos magistrados — sublinho, maior liberdade de escolha dos magistrados —, segundo critérios de competência e vocação profissional.
A esta definição demasiado genérica — e é por isso que se pergunta que magistrados serão!? — corresponderá para o Governo uma certeza quase matemática do Direito. E se a certeza e a segurança jurídicas têm de ser a base das soluções do ramo processual civil (não são a única base), há outro princípio que deste ramo não pode ser afastado: o da verdade material. A certeza matemática, ou quase matemática, nunca poderá ser a base do Direito, pois que é avessa à criatividade judiciária que vive do mundo social, das transformações da vivência deste, que não pode dissociar-se do objectivo de prosseguir a justiça material.
Ora, a criação do conceito de jurisprudência consolidada — três acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma questão, no mesmo sentido, sem acórdão subsequente de oposição —, impedindo o recurso de decisão, cristaliza a jurisprudência, obstando à renovação da mesma, e colide com a independência dos tribunais. Tudo sob o «cutelo» de um novo recurso a interpor de decisão proferida contra essa jurisprudência, que funcionará, de facto, como freio de inovações e não como garantia de inovação, como resultaria, em princípio, do n.º 3 do artigo 732.º-A, pois que o magistrado não será seguramente imune à possibilidade de ver

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