O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Sexta-feira, 13 de Abril de 2007 I Série — Número 71

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE ABRIL DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 126/X.
O Sr. Presidente deu conta do teor da mensagem do Sr.
Presidente da República acerca da promulgação do decreto que regulou a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez, tendo-se seguido intervenções dos Srs. Deputados Ricardo Rodrigues (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Diogo Feio (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Luís Fazenda (BE).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) criticou a política governamental para a área da justiça, aproveitando a oportunidade para, no dia em que cessa funções como Deputada, exortar todos os Deputados a lutarem por essa causa. Depois, usaram da palavra para homenagear a oradora, além do Sr. Presidente e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados António Montalvão Machado (PSD), Nuno Magalhães (CDS-PP), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Luís Fazenda (BE) e Alberto Martins (PS), tendo, no fim, a oradora agradecido.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Rosas (BE) manifestou preocupação pelo facto de o Presidente da República, com as suas declarações, dar a entender poder vir a vetar uma decisão no sentido de o futuro Tratado Europeu ser ratificado por via referendária. Respondeu, depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Armando França (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado José Lamego (PS), referindo-se à primeira volta das eleições presidenciais em Timor-Leste, recentemente realizadas, deixou uma mensagem de esperança para que estas eleições

Página 2

2 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

sejam um passo na consolidação das instituições democráticas naquele país.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Abel Baptista (CDS-PP) criticou o Plano de Desenvolvimento Rural (PDR) para 2007-2013, apresentado pelo Ministro da Agricultura, Desenvolvimento e das Pescas, tendo referido a necessidade de o mesmo ser alterado. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Manuel Ribeiro (PSD) e Jorge Almeida (PS).
Ordem do dia. — Foi debatido e aprovado, por unanimidade e aclamação, o projecto de resolução n.º 200/X— Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes), tendo intervindo, além do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Jorge Lacão), os Srs. Deputados Mendes Bota (PSD), Helena Pinto (BE), Maria do Rosário Carneiro (PS), Teresa Caeiro (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Bernardino Soares (PCP).
Mereceu aprovação, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 107/X — Cria um regime de mediação penal, em execução do artigo 10.º da Decisão-Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética autorizando a suspensão do mandato de um Deputado do PS para efeitos do prosseguimento de um processo que corre em tribunal.
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 117/X — Aprova o regime de organização e funcionamento do Conselho Superior da Magistratura e do projecto de lei n.º 243/X — Aprova a Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura (PSD), tendo proferido intervenções o Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa) e os Srs. Deputados Paulo Rangel (PSD), Nuno Magalhães (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Teresa Diniz (PS).
Por último, foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 124/X — Autoriza o Governo a legislar em matéria de propriedade das farmácias e a adaptar o regime geral das contra-ordenações às infracções cometidas no exercício da actividade farmacêutica. Intervieram no debate, a diverso título, além Sr. Ministro da Saúde (Correia de Campos), os Srs. Deputados Ana Manso (PSD), Manuel Pizarro e Afonso Candal (PS), João Semedo (BE), Bernardino Soares (PCP), Teresa Caeiro (CDS-PP) e Maria Antónia Almeida Santos (PS). O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.

Página 3

3 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro

Página 4

4 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Manuel José dos Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato José Diniz Gonçalves
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso

Página 5

5 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando dos Santos Antunes
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Francisco José de Almeida Lopes
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Página 6

6 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Secretária para proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 126/X — Aprova o Regime Jurídico da Avaliação do Ensino Superior, que baixa à 8.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, do período de antes da ordem do dia consta leitura da mensagem do Presidente da República, enviada à Assembleia nos termos do artigo 133.º, alínea d), da Constituição, a qual passo a ler: «Nos termos do artigo 134.º, alínea b), da Constituição, decidi promulgar como lei o Decreto n.º 112/X, da Assembleia da República, que regulou a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez.
No uso da faculdade prevista na alínea d) do artigo 133.º da Constituição, entendi fazer acompanhar o acto de promulgação de uma mensagem à Assembleia da República.
1 — Como é do conhecimento público, o Decreto n.º 112/X foi aprovado na sequência do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez que se realizou no dia 11 de Fevereiro de 2007, o qual não logrou obter a participação de votantes necessária para que o mesmo se revestisse, nos termos do artigo 115.º, n.º 11, da Constituição, de carácter juridicamente vinculativo.
2 — Não se encontrando a Assembleia da República juridicamente vinculada aos resultados do citado referendo, entendeu, todavia, o legislador, no uso de uma competência que a Constituição lhe atribui, fazer aprovar o Decreto que agora me foi submetido a promulgação.
3 — Para esse efeito, terá por certo concorrido a circunstância, a que o Presidente da República não pode ser indiferente, de naquele referendo ter sido apurada uma percentagem de 59,25% de votos favoráveis à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, nas condições e nos termos expressos na pergunta submetida à consulta popular e cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional, através do seu Acórdão n.º 617/2006, deu por verificada.
4 — De igual modo, não pode o Presidente da República ser indiferente à circunstância de o Decreto n.º 112/X ter sido aprovado por uma larga maioria parlamentar.
5 — Considero, todavia, que existe um conjunto de matérias que deve merecer especial atenção por parte dos titulares do poder legislativo e regulamentar, de modo a que, da concretização da legislação

Página 7

7 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

ora aprovada e de outras leis a emitir no futuro, se assegure um equilíbrio razoável entre os diversos interesses em presença.
6 — Assim, prevendo a lei que a «informação relevante para a formação da decisão livre, consciente e responsável» da mulher grávida, a que se refere a alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal, seja definida através de portaria — opção que se afigura questionável, dada a extrema sensibilidade da matéria em causa — importa, desde logo, que a mulher seja informada, nomeadamente sobre o nível de desenvolvimento do embrião, mostrando-se-lhe a respectiva ecografia, sobre os métodos utilizados para a interrupção da gravidez e sobre as possíveis consequências desta para a sua saúde física e psíquica.
A existência de um «período de reflexão» só faz sentido, em meu entender, se, antes ou durante esse período, a mulher grávida tiver acesso ao máximo de informação sobre um acto cujas consequências serão sempre irreversíveis. E a decisão só será inteiramente livre e esc1arecida se tiver por base toda a informação disponível sobre a matéria.
Por outro lado, afigura-se extremamente importante que o médico, que terá de ajuizar sobre a capacidade de a mulher emitir consentimento informado, a possa questionar sobre o motivo pelo qual decidiu interromper a gravidez, sem que daí resulte um qualquer constrangimento da sua liberdade de decisão.
Parece ser também razoável que o progenitor masculino possa estar presente na consulta obrigatória e no acompanhamento psicológico e social durante o período de reflexão, se assim o desejar e a mulher não se opuser, sem prejuízo de a decisão final pertencer exclusivamente à mulher.
É ainda aconselhável que à mulher seja dado conhecimento sobre a possibilidade de encaminhamento da criança para adopção, no âmbito da informação disponibilizada acerca dos apoios que o Estado pode dar à prossecução da gravidez, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da presente lei.
A transmissão desta informação deve revestir-se de um conteúdo efectivo e concreto, não podendo cingir-se a uma mera formalidade, antes tendo de incluir todos e quaisquer elementos que esclareçam a mulher sobre a existência de procedimentos, medidas e locais de apoio do Estado à prossecução da gravidez e à maternidade.
A disponibilização da informação acima referida constitui algo que não só não contende com a liberdade de decisão da mulher como representa, pelo contrário, um elemento extremamente importante, ou até mesmo essencial, para que essa decisão seja formada, seja em que sentido for, nas condições mais adequadas — quer para a preservação do seu bem-estar psicológico no futuro, quer para um correcto juízo de ponderação quanto aos interesses conflituantes em presença, quer, enfim, quanto às irreparáveis consequências do acto em si mesmo considerado.
7 — Tendo em conta que o acompanhamento psicológico e social, durante o período de reflexão que precede a interrupção da gravidez, pode ser prestado não apenas em estabelecimentos oficiais mas também em estabelecimentos de saúde oficialmente reconhecidos (v. g., clínicas privadas especialmente dedicadas a esse fim), importa que o Estado assegure uma adequada fiscalização, designadamente através da implementação de um sistema de controlo da qualidade profissional e deontológica e, bem assim, da isenção daqueles que procedem a tal acompanhamento.
Na verdade, podendo não existir separação entre o estabelecimento onde é realizado o acompanhamento psicológico e social e aquele em que se efectua a interrupção da gravidez e tendo a lei procurado garantir a imparcialidade e a isenção dos profissionais de saúde — determinando-se, nomeadamente, que o médico que realize a interrupção não seja o mesmo que certifica a verificação das circunstâncias que a tornam não punível —, considero que salvaguardas do mesmo teor devem ser asseguradas no que respeita ao acompanhamento psicológico e social, especialmente quando a interrupção da gravidez é realizada numa clínica privada.
Além disso, o Estado não pode demitir-se da função de criar uma rede pública de acompanhamento psicológico e social para as mulheres que o pretendam ou de apoiar a acção realizada neste domínio por entidades privadas sem fins lucrativos.
8 — Para além do plano regulamentar, a exclusão dos profissionais de saúde que invoquem a objecção de consciência, prevista no n.º 2 do artigo 6.º, parece assentar num pressuposto, de todo em todo indemonstrado e ademais eventualmente lesivo da dignidade profissional dos médicos, de que aqueles tenderão a extravasar os limites impostos por lei e, além de informarem a mulher, irão procurar condicioná-la ou mesmo pressioná-la no sentido de esta optar pela prossecução da gravidez.
Não parece que a invocação da objecção de consciência à prática da interrupção da gravidez constitua, em si mesma, motivo para a desqualificação dos médicos para a prática de um acto de outra natureza — a realização de uma consulta com um conteúdo clínico informativo.
Esta exclusão é tanto mais inexplicável quanto, em situações onde podem existir legítimos motivos para suspeitar da imparcialidade e da isenção dos prestadores da informação, o legislador nada previu, nem evidenciou idênticas preocupações quanto à salvaguarda da autonomia das mulheres.
9 — Além disso, é legítimo colocar a dúvida sobre se a invocação do direito à objecção de consciência pelos médicos e outros profissionais de saúde tem de ser feita obrigatória e exclusivamente de modo geral e abstracto — o que parece desproporcionado — ou se poderá ser realizada também selectivamente, de acordo com circunstâncias específicas transmitidas pela mulher, nomeadamente o recurso reiterado à interrupção da gravidez, a existência de pressão de outrem para a decisão tomada ou mesmo

Página 8

8 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

o sexo do embrião, cada vez mais precocemente determinável.
10 — Considero que devem ser delimitadas de forma rigorosa as situações de urgência em que a interrupção da gravidez pode ter lugar sem a obtenção do consentimento escrito da mulher e sem observância do período de reflexão mínimo de três dias, nos termos do n.º 6 do artigo 142.º do Código Penal.
Esta questão ganha agora uma acuidade acrescida com a despenalização da interrupção da gravidez, por opção da mulher, até às 10 semanas.
11 — Sendo a interrupção da gravidez um mal social a prevenir, como foi amplamente reconhecido por todas as forças que participaram na campanha do referendo, será anómalo que o legislador não tome providências que visem restringir ou disciplinar a publicidade comercial da oferta de serviços de interrupção da gravidez.
Assim, à semelhança do que fez em relação a outros males sociais, devem proscrever-se, nomeadamente, formas de publicidade que favoreçam a prática generalizada e sistemática da interrupção voluntária da gravidez, em detrimento de métodos de planeamento familiar cujo acesso o Estado está obrigado a promover e que, nos termos da presente lei, se encontra vinculado a transmitir à mulher.
12 — Justamente no quadro do planeamento familiar, tem igualmente o Estado a obrigação, agora ainda mais vincada, de levar a cabo uma adequada política de promoção de uma sexualidade responsável e de apoio à natalidade.
13 — Registei o progresso efectuado no sentido de aproximar o conteúdo do diploma das soluções contidas na generalidade das legislações europeias nesta matéria, através da proposta de alteração apresentada no Plenário da Assembleia da República no dia 8 de Março, que determinou a obrigatoriedade de a mulher que se proponha interromper a gravidez ser informada sobre «as condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e à maternidade».
14 — Considero ainda que, se o processo legislativo em causa tivesse beneficiado de um maior amadurecimento e ponderação, talvez daí resultassem, como seria desejável, um consenso político mais alargado e soluções mais claras em domínios que se afiguram de extrema relevância, alguns dos quais atrás se deixaram identificados, a título exemplificativo.
Após a sua entrada em vigor, caberá então verificar se, na prática, esta lei contribui efectivamente para uma diminuição não só do aborto clandestino como também do aborto em geral, o que implica uma avaliação dos resultados do presente diploma, a realizar pelo legislador num prazo razoável.
15 — De todo o modo, no Decreto n.º 112/X, aprovado por uma ampla maioria, encontram-se reunidas, no essencial, as condições para que se dê cumprimento aos resultados da consulta popular realizada no dia 11 de Fevereiro de 2007 e à pergunta então submetida a referendo.
Além disso, os aperfeiçoamentos introduzidos no decurso do debate parlamentar constituem, na medida em que se tenham em consideração as observações atrás formuladas, um passo para conciliar a liberdade da mulher e a protecção da vida humana intra-uterina, valor de que o Estado português não pode, de modo algum, alhear-se.
Lisboa, 10 de Abril de 2007.» É deste teor a mensagem que nos é dirigida pelo Sr. Presidente da República no acto de promulgação do decreto da Assembleia sobre as matérias constantes do tema da mensagem.
Está aberto um período de intervenções sobre esta mensagem presidencial por parte dos grupos parlamentares, que dispõem para tal de 3 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista ouve e respeita as opiniões do Sr. Presidente da República. Porém, na verdade, a Assembleia da República aprovou uma lei por consenso generalizado. Esta é a lei de que Portugal irá dispor nos próximos tempos para que as mulheres, aquelas que durante muitos anos foram vítimas de perseguição, possam tirar de cima dos seus ombros o peso da perseguição, pela polícia e pelos tribunais, por um crime cujo ilícito nunca o deveria ter sido.
Trata-se de uma lei que, num Estado de direito democrático, segue os seus trâmites normais, ou seja, daqui em diante compete ao Governo regulamentá-la da forma como a própria lei o prevê: através de portaria. Portanto, é neste domínio que, num Estado de direito democrático, nos enquadramos.
Se é verdade — e repito — que respeitamos a opinião do Sr. Presidente da República, também devemos realçar que o próprio Sr. Presidente da República dá um contributo decisivo para que Portugal possa dispor dessa lei: em primeiro lugar, por considerá-la não inconstitucional, ou seja, não levantou qualquer questão de inconstitucionalidade; e por, em segundo lugar, ao promulgar a lei, viabilizar que Portugal ficasse ao nível dos outros Estados europeus no domínio da ilicitude no que diz respeito à interrupção voluntária da gravidez.
Ou seja, registamos o contributo do Sr. Presidente da República para a entrada em vigor da lei.
Foi na X Legislatura que a Assembleia da República produziu uma lei que honra a própria Assembleia da República, que honra os direitos das mulheres — e o Partido Socialista congratula-se com esse facto.
Por isso mesmo, não há que estranhar a mensagem do Sr. Presidente da República quanto às relações instituições entre dois órgãos de soberania — o Sr. Presidente da República e a Assembleia da

Página 9

9 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

República.
Nós cumprimos a nossa missão: aprovámos a lei na decorrência de um referendo nacional, fizemos aquilo que devíamos ter feito, interpretámos correctamente a posição dos portugueses sobre essa matéria. Nesse sentido, todos os órgãos de soberania funcionaram, a democracia funcionou e os portugueses, e de uma forma particular as portuguesas, dispõem de uma nova lei.
Aguardamos com a naturalidade que existe num Estado de direito democrático que a lei seja regulamentada.
Aqui registamos o facto de Portugal ter dado um passo em frente, de ficarmos mais iguais aos nossos parceiros e de a democracia ter ganho com essa nova lei.

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Partido Social-Democrata leu com muita atenção e registou a mensagem do Sr. Presidente da República, mensagem esta na qual pretendeu deixar claro que alguns dos aspectos da lei aprovada nesta Assembleia são discutíveis e que deveriam ter merecido, em alguns casos, outra ponderação.
Na parte em que devem merecer ponderação, esta mensagem, sendo dirigida à Assembleia da República, dirige-se fundamentalmente a quem a vai regulamentar e quem a vai regulamentar é o Governo, uma vez que a lei aprovada aqui, na Assembleia da República, remeteu para o Governo essa mesma competência. Como tal, é bom que o Governo tome boa nota destas posições colocadas na mensagem do Sr. Presidente da República, algumas delas bastante pertinentes e outras, de resto, também suscitadas pelos Deputados do PSD aquando do debate aqui ocorrido.
A título de exemplo cito três que me parecem que, de uma forma mais clara, deveriam merecer uma atenção especial.
Por um lado, o tipo e o conteúdo do aconselhamento à mulher. Por outro, a não exclusão liminar dos médicos objectores de consciência, que é algo, de facto, bastante incompreensível. Em terceiro lugar, a questão da proibição da publicidade. O aborto é um mal em si mesmo, como o Sr. Presidente da República diz nesta mensagem e como todas as bancadas deste Hemiciclo o disseram durante o período da campanha do referendo. Como tal, não se compreenderá que, numa sociedade como a nossa, num Estado de direito como o nosso, possa ser permitida a publicidade ao aborto.
Uma última palavra, Sr. Presidente, para nos associarmos também à preocupação manifestada pelo Sr. Presidente da República na parte final da sua mensagem quando lamenta — o que nós também fazemos — a forma sectária…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sectária?... Onde é que viu isso?

O Orador: — … com que a maioria socialista nesta Assembleia entendeu que a lei deveria ser aprovada, deixando de fora uma parte significativa deste Parlamento.
Foi uma atitude, de facto, sectária, que não visou procurar um consenso o mais abrangente possível; não procurou aproximar posições, quando todos sabemos que em algumas matérias isso teria sido possível. Queremos deixar aqui o nosso lamento relativamente a esse procedimento e, também nesse aspecto, nos associamos à mensagem do Sr. Presidente da República.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a mensagem que o Sr. Presidente da República enviou ao Parlamento — sem ter utilizado os poderes constitucionais de veto político ou de remissão do decreto para o Tribunal Constitucional — é importante e deve ser especialmente atendida em alguns dos seus vectores fundamentais.
Em primeiro lugar, como o Grupo Parlamentar do CDS-PP tem afirmado, demonstra uma visão de impossibilidade de se deixar de atender a uma maioria num referendo, por muito que isso nos custe, por muito que não nos agrade.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Em segundo lugar, analisa o processo legislativo na Assembleia da República e refere que o mesmo necessitaria de mais amadurecimento e ponderação. O CDS sempre aqui o afirmou: a pressa é má conselheira numa situação com a delicadeza desta.

Página 10

10 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Em terceiro lugar, salientamos também a referência à necessidade de uma grande informação quanto a esta matéria e manifestamos a nossa estranheza por se ter deixado para uma simples portaria a determinação do que deve ser essa informação.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Consideramos que uma decisão livre é sempre uma decisão responsável. Por isso mesmo, salientamos a necessidade de uma grande fiscalização quanto ao cumprimento desta legislação e da sua regulamentação e ainda a necessidade de se tomar em atenção a essencial vertente social, que deve ser bem explicada, desde logo, em relação aos mecanismos da adopção. Não defendemos uma informação de natureza formal, não defendemos uma informação que não tenha em atenção as tão referidas «boas práticas» europeias.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Exactamente!

O Orador: — Para terminar, devemos salientar o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro ontem afirmou que é «um gosto trabalhar com este Presidente da República». Esperamos, com sinceridade, que o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo também tenham gosto em ouvir as mensagens do Presidente da República e que, por isso mesmo, assumam a sua responsabilidade e, com toda a sinceridade, esperamos que, na regulamentação, prevaleça o bom-senso que tantas vezes tem faltado nesta matéria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em relação à mensagem que estamos a analisar, cumpre salientar, em primeiro lugar, o principal facto que ela nos transmite, que é o de que a lei foi promulgada. Este é, no fundo, o principal facto que decorre desta mensagem.
É também muito importante salientar que o Presidente da República não entendeu necessário enviar a lei para fiscalização preventiva da constitucionalidade, confirmando o que dissemos nesta Assembleia aquando da discussão deste texto, isto é, que esta lei não tem qualquer problema de constitucionalidade, estando, portanto, livre dessa consideração.
A mensagem do Presidente da República à Assembleia da República é uma faculdade prevista, e a sua utilização é, evidentemente, legítima e está ao dispor do Presidente da República.
Já quanto ao conteúdo da mensagem, julgamos que são necessárias algumas considerações. A primeira para dizer que a mensagem dirige-se à Assembleia da República, mas o seu conteúdo dirige-se à regulamentação que o Governo irá fazer sobre ela. Nalguns aspectos, é até uma espécie de guião para essa regulamentação, na opinião do Sr. Presidente da República.
A mensagem, em vários pontos (temos de o dizer), enforma de um pressuposto de desconfiança em relação à decisão das mulheres e à sua capacidade de decisão livre e responsável.
Perante isto, penso que devemos salientar dois factos incontornáveis: um facto político, que é o referendo e a sua decisão clara e politicamente inequívoca, favorável à despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas, por opção da mulher. E outro facto, que é político e jurídico, consiste na aprovação, pela Assembleia da República, de uma lei com uma maioria politicamente muito reforçada — o PS, o PCP, o Bloco de Esquerda, Os Verdes e 21 Deputados do PSD votaram a favor desta lei —, o que é, politica e juridicamente, incontornável.
Esta lei definiu as condições e os procedimentos que quis e afastou os que não quis. A lei procurou encontrar uma formulação equilibrada e consciente das suas opções.
A regulamentação desta lei terá de tratar da sua aplicação concreta e não da sua extensão nem da sua restrição. E se a lei não refere a questão da obrigatoriedade de conter informação sobre a adopção, incluí-la na regulamentação será alterar o sentido da lei. Se a lei não incluiu informação, como é proposto pelo Sr. Presidente da República, sobre o nível de desenvolvimento do embrião e, sim, sobre os riscos da interrupção da gravidez, incluí-la na regulamentação seria alterar a lei.
A lei e o referendo definiram que o recurso à interrupção voluntária da gravidez seria por opção da mulher. Definir que a mulher tem de dizer ao médico a razão da sua opção será evidentemente condicioná-la.
Outras considerações seriam possíveis a propósito desta mensagem, mas julgo que podemos concluir dizendo que a lei foi promulgada, que a partir de agora poderemos ter uma lei que trata as mulheres com dignidade e não como criminosas e que a regulamentação e a aplicação da lei devem continuar a manter a atenção da Assembleia da República.

Página 11

11 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Aplausos do PCP e de Deputados do PS e do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Os Verdes também entendem que o primeiro facto a relevar nesta mensagem do Sr. Presidente da República é, com efeito, a promulgação desta lei. De resto, outra coisa não seria de esperar, depois de todo o processo que decorreu e da forma como culminou. Portanto, fica o registo da promulgação da lei e do culminar deste processo legislativo.
Entendeu, contudo, o Sr. Presidente da República associar a esta prorrogação uma mensagem à Assembleia da República onde inclui um conjunto de recomendações ao Parlamento e substancialmente ao Governo.
A interpretação que Os Verdes fazem da mensagem do Sr. Presidente da República é a de que ela não constitui mais do que uma palavra de conforto àqueles que não queriam a promulgação desta lei.
Entendemos também que o Sr. Presidente da República sabia que muitas das recomendações que fez não têm qualquer consequência prática, na medida em que muitas delas contrariam claramente o que consta do decreto que acabou por promulgar.
Neste sentido, e feita a leitura destas recomendações, Os Verdes consideram que algumas delas são claramente excessivas, porque, como referimos, acabam mesmo por contrariar directamente o debate que se promoveu aqui, na Assembleia da República, que culminou justamente neste decreto agora promulgado, acabando por contrariar também alguns dos objectivos previstos nessa mesma lei.
Para dar alguns exemplos já aqui focados por outros Srs. Deputados, o facto de um médico objector de consciência poder informar ou proceder à consulta obrigatória que precede o período de reflexão visa claramente promover um aconselhamento à mulher no sentido de procurar dissuadi-la da decisão que tomou de proceder à interrupção voluntária da gravidez, ou mesmo o encaminhamento para adopção constitui também esse objectivo, ou ainda o facto de se poder sujeitar a mulher a um interrogatório, designadamente com o objectivo de que aquela revele o motivo que a levou a decidir interromper a sua gravidez.
Consideramos que o próprio Sr. Presidente da República sabia que estas recomendações não poderiam ter efeito prático — e, na verdade, o que constituíram foi, de facto, uma palavra de conforto àqueles que lhe pediram a não promulgação da lei —, mas assustámo-nos quando, de imediato, ouvimos reacções quer do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares quer do Sr. Ministro da Saúde, que, imediatamente e publicamente, garantiram que as recomendações do Sr. Presidente da República seriam tidas em conta na regulamentação da lei. Mas, ao que parece, o Partido Socialista depressa percebeu que aquelas constituíam uma clara contradição com o que vem estipulado na lei, e asseguraram publicamente, hoje, que essas recomendações não seriam tidas em conta.
Por fim, o Sr. Presidente da República não o disse, mas Os Verdes dizem, porque consideramos que é importante: não há apoio à natalidade sem uma melhoria concreta das condições de vida das pessoas e das famílias, e a promoção da educação sexual nas escolas é determinante para garantir a plenitude de uma sexualidade feliz, plena, consciente e responsável.

Aplausos de Os Verdes e de Deputados do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda entende que o Sr.
Presidente da República, muito mais do que os seus antecessores, tem tido a iniciativa de se dirigir à Assembleia da República sob a forma de mensagem. Entendemos esta prática como positiva, porquanto é bom, é salutar e é positivo para a democracia política que conheçamos as posições políticas e tenhamos a oportunidade de as debater aqui, na Casa da democracia.
Sobre a mensagem em apreço, entendemos que o facto relevante em si mesmo é a promulgação da lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas. Trata-se de uma promulgação feita sem qualquer dúvida de constitucionalidade e que visa uma nova experiência na sociedade portuguesa, do ponto de vista dos direitos das mulheres, da consideração da saúde pública, sendo um «virar de página», que era uma página de ignomínia e de divisão na sociedade portuguesa.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Outros aspectos da mensagem do Sr. Presidente da República reflectem tão-somente, e com o devido respeito, opiniões próprias, que devemos todos valorar (vindas de onde vêm), mas que mais não são do que isso e que, de um modo geral, têm duas características: ou, na óptica do Sr. Presidente da República, se destinam a condicionar a livre decisão da mulher de realizar uma interrupção voluntária da gravidez; ou então tentam criar uma situação em que, não havendo uma infracção penal,

Página 12

12 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

há sempre uma infracção moral, que é uma ideia de que discordamos radicalmente, mas que é devida a uma concepção conservadora da sociedade da qual não partilhamos.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Por outro lado, é importante anotar que, neste debate, nenhum grupo parlamentar suscitou qualquer crítica à promulgação da lei, nem sequer a alegadas inconstitucionalidades da mesma, o que já é uma mais-valia em relação à mensagem do Sr. Presidente da República.
Uma última nota acerca da regulamentação da lei. Todos cremos, nas bancadas e os Deputados que alargadamente a votaram, que não será por via regulamentar que serão incluídas as propostas que foram objecto de propositura aqui, na Assembleia da República, e que, todas elas, todas sem excepção, foram derrotadas democraticamente neste Hemiciclo. Só podemos acreditar que o Governo, em boa linha com o que foram as decisões da Assembleia da República, procederá, tão cedo quanto possível, à necessária regulamentação.
A nossa consciência, neste aspecto, não tem a objecção do tempo, nem seremos coniventes com objecções de consciência alargadas da sociedade, que visam tão-somente uma má consciência em relação aos tempos anteriores.

Aplausos do BE e de Deputados do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está concluído este ponto, sobre a mensagem presidencial. Em breve teremos a oportunidade de escutar uma nova mensagem presidencial, uma vez que, em nome de VV. Ex.as
, convidarei o Sr. Presidente da República a dirigir-se aos parlamentares, por ocasião das comemorações oficiais do 25 de Abril, na Assembleia da República.
Passamos agora ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos.
Há declarações políticas, sendo a primeira, em nome do PCP, a da Sr.ª Deputada Odete Santos, que já tem muitos Srs. Deputados inscritos para se lhe dirigirem, a seguir à sua intervenção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — E eu ainda não comecei a falar!...

Risos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos tantos anos sob a ameaça de um sebastianismo que se mostrava como um salvador do povo, que não nos podemos espantar quando, por detrás de uma ou de outra política, encontramos como fio condutor a crença de que o povo continua passivamente à espera dessa «manhã de nevoeiro» que lhe vai trazer o salvador, a pessoa que vai meter na ordem aquelas instituições que exercem um mandato constitucional de defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Estou a referir-me, como é óbvio, à área da Justiça, relativamente à qual, pelos problemas com que tem sido confrontada, nascidos muitas vezes de engenharias cirúrgicas, numa cirurgia trapalhona, como aconteceu, por exemplo, com a reforma da acção executiva, e também da judicialização da crise social, foi, de algum modo, fácil assacar culpas aos profissionais do foro. Muitos terão acreditado que os magistrados, durante três meses por ano, perdiam a chave do seu tribunal num qualquer paraíso de férias e outros terão acreditado que os tribunais obstruíam a acção do Executivo pelos «privilégios» de que usufruíam, e opunham-se a uma política igualitária.
Hoje, uma ou outra voz, cada vez mais isolada, neste ou naquele periódico, continua a mostrar saudosismo e a pugnar por uma magistratura amorfa, que não obstaculize o poder executivo. Esta é, de resto, uma posição consonante com a globalização neoliberal que, querendo um Estado amputado de funções sociais e mesmo dos seus poderes de soberania, sabe que é incompatível com os seus objectivos a independência do poder judicial, a autonomia do Ministério Público.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

A Oradora: — Mas se, de início, ainda foi possível ludibriar alguns que sentem que a justiça lhes tem sido denegada, os constantes atropelos aos direitos, repetidamente apresentados como privilégios, determinaram uma crescente judicialização da crise social. É assim que, confiando na independência do poder judicial, aos tribunais se recorre para que se ponha termo à co-incineração, para que se suspenda o encerramento de maternidades, para que se suspenda o encerramento de urgências hospitalares e para que se pare com a lesão dos direitos dos funcionários da Administração Pública, vítimas do famoso PRACE, que prossegue, sistematicamente, uma política homicida contra o Estado,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

Página 13

13 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

A Oradora: — … em nome de políticas neoliberais.

Vozes do PCP: — Muito bem!

A Oradora: — A isto corresponderá, como é óbvio, um aumento de pendências processuais, que não estaria, em princípio, no horizonte do Ministério da Justiça.
Enquanto tudo isto se tem passado, os responsáveis pela política da justiça, dilataram no tempo a alteração do diploma sobre o apoio jurídico e judiciário, que nem sequer mereceu honras de ser incluído no acordo entre os dois maiores partidos, vedando a muitos cidadãos de fracos recursos, nomeadamente nos conflitos laborais, o acesso aos tribunais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Oradora: — Prometida, já há mais de dois anos, a alteração de uma lei, com uma negra experiência de aplicação, pois vedou a cidadania aos mais carenciados, só agora veio o Governo apresentar uma alteração à mesma, e, ao que parece, porque, em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional, em Janeiro de 2007, julgou inconstitucional o anexo da Lei n.º 34/2004 e os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/84, relativos ao rendimento relevante.
Uma análise, ainda que sumária, da proposta de lei, recentemente entregue na Assembleia, revela que o Governo foi insensível aos argumentos vazados no Acórdão do Tribunal Constitucional, mostrando, aqui e além, o seu objectivo de poupar na despesa pública, ainda que isso signifique para muitos cidadãos a amputação de um direito fundamental, o direito de acesso ao Direito e aos tribunais; ainda que os números revelem, de acordo com um relatório do Conselho da Europa, utilizado, por sua vez, num recente relatório da auditoria do Tribunal de Contas — e convido-vos a ler este relatório — aos sistemas de gestão e controlo do financiamento do acesso ao Direito e aos tribunais, que, em Portugal, o valor per capita desse encargo com o apoio jurídico e judiciário — um encargo directo para o Estado — apenas alcançava 32% da média dos países europeus; ainda que o relatório do Tribunal de Contas revele, relativamente aos anos de 2003 a 2005 — já também neste Governo —, que os dinheiros utilizados foram mal geridos e foram geridos com falta de transparência; e ainda que o relatório mostre que o Estado não organizou, como devia, o sistema de acesso ao Direito e aos tribunais, dando razão às propostas do PCP nessa matéria.
Mas, enquanto o cidadão de parcos recursos é praticamente abandonado à sua sorte, mesmo na nova proposta de lei, o Governo acautela-se perante a eventualidade de necessitar de uma intervenção forte e «musculada» na área da prevenção e investigação criminal.
E aqui também não é difícil canalizar o descontentamento dos cidadãos, face à insegurança e à criminalidade, contra os tribunais, tanto mais que, com a lei-quadro da política criminal, o Governo criou a aparência de dotar o Ministério Público com os instrumentos adequados ao combate à criminalidade.
Mas o anteprojecto da lei da política criminal, já duramente criticado pelo Conselho Superior do Ministério Público, prova que a mesma abre as portas a uma outra leitura — sempre que tal se revelar necessário para o Governo — do Estatuto de Autonomia do Ministério Público, através de orientações concretas para o Ministério Público, dimanadas do Procurador-Geral da República, mesmo em sede de alegações orais em julgamento — pasme-se! Aí temos a possibilidade de entorses àquela autonomia, condicionando-se, dessa forma, a própria independência da magistratura judicial.
Se compaginarmos as soluções do esboço de lei, com o que tem sido anunciado quanto à projectada reforma do sistema de segurança interna, verificamos que se adensam as ameaças. A tentação de comandar a acção concreta do Ministério Público, do Procurador-Geral da República e, por seu intermédio, dos juízes é tão forte que está projectada a criação de um órgão de coordenação da investigação criminal integrado por dois ministros, presidido pelo Primeiro-Ministro, colocando no mesmo plano o Procurador-Geral da República e os chefes de polícia!!...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!

A Oradora: — As soluções que espreitam na nuvem sebastianista não respeitam o figurino constitucional.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já terminou o seu tempo, mas está autorizada a não concluir no tempo devido, atendendo ao dia de hoje.

A Oradora: — Sr. Presidente, agora é a parte solene!

Risos.

Página 14

14 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. Presidente: — Está autorizada a não concluir no tempo regimental, Sr.ª Deputada.

A Oradora: — Mas chegou a altura — e tenho isto aqui escrito — de pôr termo a esta intervenção e, consequentemente, a uma actividade política, que não de profissão, de mais de 26 anos. Já sinto, por sobre o meu ombro, o olhar vigilante do Sr. Presidente,…

Risos.

… sempre atento aos papéis que daqui vamos desfolhando ou ao improviso que se desenrola construindo uma frase, sempre «a última frase à Saramago» — como dizia, com uma fina ironia, o Presidente Dr. Almeida Santos —, ou sempre uma última frase, que ficava por vezes suspensa e entupida na garganta pelo rigoroso cumprimento dos acordos regimentais por parte do Presidente Mota Amaral.
Se vou ter saudades deste trabalho, Sr. Deputado Manuel Alegre, mesmo dos violentos debates em que me vi envolvida não raras vezes? As áreas que ocuparam a minha actividade — os direitos das mulheres, ainda há pouco referidos, os direitos dos trabalhadores e a justiça — são aquelas que suscitam debates apaixonados e acesos. É claro que vou sentir saudades, sobretudo da aprendizagem que iniciei no já remoto mês de Novembro de 1980!! E não hei-de chorar a pensar na minha juventude nessa época!

Risos.

Mas tenho também saudades do futuro, para usar uma expressão de um cientista, que foi levada para a poesia por José Gomes Ferreira e divulgada na música de Os Trovante e na voz de Luís Represas. As saudades do futuro nascem da necessidade de transformar o mundo e na antevisão desse mundo futuro a partir das realidades que conhecemos, das utopias de hoje, que serão as realidades de amanhã.
E seria bem pobre a intervenção humana nessa transformação, se ela se limitasse à política institucional.
Um vastíssimo rio de intervenção política corre lá fora, nas horas empolgadas de vitórias, como aconteceu na luta pela despenalização do aborto, mas também nas horas amargas, que, como disse António Aleixo, nos dão lições de filosofia. Melhor do que eu também o diria o nosso poeta que levou a canção para a praça…! Por isso, esta é uma despedida que o não é; é um até sempre, mesmo que em barricadas opostas, e estaremos em barricadas opostas, com certeza.
Permitam-me que, agora sim, a terminar, me dirija de uma forma especial ao meu grupo parlamentar, ao meu partido, a quem devo os meus mandatos e a aprendizagem de mais de 26 anos: até amanhã, Camaradas!!

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, sendo hoje a sua última intervenção neste Plenário, não podia V. Ex.ª ter deixado de falar, como falou, na sua causa de sempre, que foi a causa da justiça. Deixe-me lembrar-lhe, e a todos também, que, quando aqui cheguei em 1999, muitos anos depois da Sr.ª Deputada, fui logo para a 1.ª Comissão, onde travei com V. Ex.ª dezenas e dezenas de debates acalorados. Mas não apenas na 1.ª Comissão — a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias —, também neste Plenário, por esse País fora, nos meios de comunicação social e noutros fóruns travámos muitos e muitos debates.
Há — permitam-me que o diga — três características essenciais que quero referir neste momento, características que demonstram e definem a estrutura e a sensibilidade de V. Ex.ª A primeira característica é a de uma verdadeira juventude irreverente. V. Ex.ª, ao contrário do que disse, não era jovem em 1980, quando aqui chegou, ainda é jovem, tem uma verdadeira juventude irreverente e vai continuar a tê-la.
A segunda característica, que não posso deixar de salientar, é o seu permanente inconformismo contra tudo aquilo com que V. Ex.ª não concorda. A Sr.ª Deputada Odete Santos habituou esta Câmara e o País a ser inconformada, lutando sempre contra aquilo em que não acredita, com todos aqueles argumentos que a sua raça lhe dá sistematicamente.
Por último, a terceira característica: deixe-me dizer-lhe, ainda que em bancadas bem opostas, V. Ex.ª foi sempre de uma franqueza e de uma lealdade políticas que têm de ser salientadas e manteve sempre todos os debates com muita elevação.
A imagem que V. Ex.ª deixa hoje aqui, Sr.ª Deputada Odete Santos, é uma imagem de grande fronta-

Página 15

15 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

lidade política, e isso é um ponto muito importante que não posso deixar de realçar.
Espero-a, por isso, a partir de hoje, noutros terrenos, que não este, como é evidente, noutros debates, noutros fóruns, quanto mais não seja, Sr.ª Deputada, para tentar convencê-la da razão dos nossos princípios.

Risos.

Reconheço que não é fácil, e essa é a maior honra que lhe posso prestar. Reconheço que não é fácil.
Sr.ª Deputada, creia que o Partido Social-Democrata, como, afinal, todos os outros partidos, continuarão a lutar pela causa da justiça, para que esta seja, de facto, um bem essencial num Estado de direito democrático. Sobre este futuro quero perguntar-lhe, Sr.ª Deputada, se podemos contar consigo em todos e quaisquer terrenos, ainda que fora do Parlamento, para nos ajudar com a sua sensibilidade e com a sua experiência a fazer cada vez mais uma justiça melhor.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, quero associar-me às palavras do colega que me antecedeu, o Sr. Deputado António Montalvão Machado.
Evidentemente que não tive a oportunidade e também o privilégio de, durante tanto tempo, e em sede de 1.ª Comissão, travar, ainda que de «barricadas opostas», para utilizar as suas palavras, discussões e debates sobre uma área fundamental — e felicito-a por a ter trazido aqui —, que é a justiça em todas as suas vertentes. Mas é verdade que tive a oportunidade de travar alguns debates, que foram de enorme interesse e importância, em que, de facto, com todas as divergências que tínhamos e às vezes até com as convergências que eram possíveis, V. Ex.ª foi de uma grande lealdade e frontalidade e teve uma característica que é essencial em política que é a de falar com a convicção de quem julga que tem razão, mesmo quando, a meu ver, não a tem.
Procurarei noutros fóruns convencê-la de que não tem razão, mas bem sei — citando-a também — que, provavelmente, será uma utopia da minha parte,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Não será realidade amanhã!

Risos.

O Orador: — … mas também será uma irreverência procurar, noutros fóruns e noutros locais, poder convencê-la da nossa razão e, por vezes, da inexistência de razão da Sr.ª Deputada.
Aliás, sendo também, com muita honra e gosto, Deputado eleito por Setúbal, tive oportunidade de o fazer em sede de campanha eleitoral, onde pude ver e verificar o empenho que a Sr.ª Deputada colocou sempre nessas questões, empenho que, com certeza, procurei acompanhar.
Gostaria, portanto, de dizer-lhe que, da nossa parte, evidentemente, com todas as divergências ideológicas que nos separam, reconhecemos-lhe, em 26 anos de serviço público, porque é de serviço público que se trata, a capacidade de procurar, com a sua ideologia, melhorar uma área fundamental como a justiça. Discordamos das soluções? Com certeza! Mas, afinal, não é isso que enriquece a democracia? É, com certeza!! Julgo que neste debate que iremos continuar a fazer noutros fóruns, noutros locais, quiçá em Setúbal, poderemos todos juntos, ao fim e ao cabo, que é aquilo que interessa, fazer uma justiça mais justa para os cidadãos.
É esta palavra de saudação, com a convicção de que vamos continuar a debater, em «barricadas opostas», é certo, mas com lealdade, com franqueza e com frontalidade, que aqui quero deixar. Isso é democracia, isso beneficia todo um regime.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, para mim, que sou Deputado nesta Casa apenas há cerca de dois anos, foi uma honra, neste curto espaço de tempo e de vida em que pude partilhar o espaço do Hemiciclo com a Sr.ª Deputada, assistir às suas intervenções, plenas de paixão, mas sem nunca perder a razão, plenas de garra, de combatividade, de energia e de coragem. Pude apreciar os seus argumentos inteligentes, lúcidos e bem fundamentados e aprender com a experiência e a clarividência, que lhe reconheço.
Ninguém, neste Parlamento, ficava indiferente às intervenções da Sr.ª Deputada, à sua irreverência,

Página 16

16 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

para com certas convenções e convencionalismos, aos apartes incontidos, destemidos, por vezes impulsivos, mas sempre verdadeiros e sentidos, de alguém para quem a indignação e a revolta contra a mentira, a desigualdade, o preconceito, a injustiça não se pode jamais calar e esconder sob pena de com eles pactuar.
Por isso mesmo, em meu nome pessoal e do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», gostaria de aqui deixar uma palavra sincera de reconhecimento pelo trabalho que desenvolveu, pelos contributos que deixou e com os quais enriqueceu os trabalhos parlamentares e, acima de tudo, pela força que emprestou na defesa dos princípios e dos valores da democracia, da justiça, da igualdade, nas lutas pelos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, pelo direito do acesso à justiça.
Aliás, a declaração política que a Sr.ª Deputada nos trouxe hoje aqui, referindo questões importantíssimas no domínio da justiça — e gostaria de destacar o acesso ao apoio judiciário e a lei do acesso à justiça, que têm constituído, nos actuais moldes, um verdadeiro empecilho do acesso à justiça para uma boa parte da população, aquela que mais desprotegida se encontra e que tem tardado tanto a obter uma solução que altere e reconduza verdadeiramente àquilo que é necessário para responder às necessidades da população portuguesa —, é um bom exemplo das muitas e justas causas pelas quais se bateu dentro do Parlamento e fora dele, onde continuará, estamos certos, a debater de forma frontal, convicta e incansável.
O carinho que as pessoas fora deste Parlamento também lhe têm é o reconhecimento dessa luta e desse empenho que demonstrou ao longo de muitos anos e, certamente, vamos poder contar com ele futuramente, agora fora do Parlamento.
Por tudo isto, um muito obrigado e um até logo.

Aplausos de Os Verdes, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda saúdo-a agora que se aproxima o termo da sua experiência parlamentar.
Deixou a Sr.ª Deputada uma marca inconfundível neste Parlamento pela sua espontaneidade, pela sua naturalidade, para além das suas convicções.
Hoje, trouxe aqui um tema importante que gostaríamos de sublinhar pela generalidade das questões abordadas acerca da justiça — a autonomia do Ministério Público, o apoio judiciário, o acesso ao Direito, os problemas que os tribunais hoje têm face à crise social. Mas também achei interessante — e gostaria aqui de sublinhar a nossa concordância, o nosso empenho e a partilha de perspectiva — quando, numa espécie de intervenção preventiva, numa intervenção por antecipação, deixou já cá a sua intervenção para um debate que vamos ter sobre a lei de segurança interna, grande preocupação sobre alguma deriva securitária que venhamos a ter por aí pelas mãos do actual Governo do Partido Socialista.
Por isso, felicito-a e apresento-lhe a nossa homenagem pelo seu tempo de participação política e parlamentar, na certeza de que, saindo da Assembleia da República, não sai da luta política e por aí nos encontraremos nos nossos combates, comuns e incomuns, em prol da democracia e dos direitos dos trabalhadores.

Aplausos do BE, do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, em nome do meu grupo parlamentar, tenho um gosto particular em fazer-lhe uma pergunta que verdadeiramente não é uma pergunta mas uma identificação com uma parte substancial da sua intervenção, que é aquela que considera que a liberdade e a justiça são valores matriciais do Estado de direito democrático e que a salvaguarda dos direitos fundamentais é algo com que indissociavelmente estamos identificados.
O Partido Socialista honra-se de ser fundador do Estado democrático e honra-se, naturalmente, da protecção e defesa dos direitos fundamentais.
Mas deixe-me testemunhar-lhe o grande apreço do nosso grupo parlamentar e o meu, pessoalmente, pelo grande contributo que a Sr.ª Deputada deu ao Parlamento, à vida política e à República. A sua intervenção, nestes diversos e distintos domínios, honram o Parlamento, a República e a democracia portugueses.
Sempre interveio com grande sentido de paixão, de determinação, de vontade de fazer vencer as suas convicções. Muitas vezes, estivemos em campos ou em perspectivas distintas, mas todos temos que reconhecer a sua essencial e primordial vontade, gosto e decisão de defesa da justiça.
Por isso, quando a Sr.ª Deputada invoca a praça da canção ou a «canção da praça», podemos dizer, em referência ao Manuel Alegre,…

Página 17

17 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Mas era em homenagem ao Manuel Alegre!

O Orador: — … «tão perto e tão longe» que nós temos estado.
Por isso, quando sei, agora, que a Sr.ª Deputada se vai retirar da vida parlamentar, há uma certeza que tenho: a de que, quando pergunto onde é que ela estará, sei que o seu lugar será sempre o lugar da liberdade e o lado esquerdo da vida!

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, quero também associar-me a esta homenagem. Aliás, a melhor homenagem que posso fazer à Sr.ª Deputada Odete Santos, mas a melhor homenagem que posso fazer-lhe é contestá-la: contestar, em particular, a sua utilização da metáfora, que já teve o seu tempo, das «barricadas opostas». Contrariamente ao que a Sr.ª Deputada pensa, nós não estamos em barricadas opostas, embora tenhamos maneiras diferentes, divergentes e, em certos pontos, essenciais, conflituais, de procurar atingir as mesmas finalidades e os mesmos objectivos.
Três grandes objectivos e finalidades reúnem a esquerda.
Em primeiro lugar, a ideia fundadora da esquerda, que vem da Revolução Francesa, que é a de que é preciso, ao mesmo tempo, atingir a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Provavelmente, teremos concepções diferentes da forma como se deve articular liberdade e igualdade — a mim parece-me que a liberdade é o valor primeiro, mas também entendo, ao contrário de muitos outros, que a liberdade, ela própria, tem uma dimensão de igualdade e que é preciso igualdade para que as pessoas possam assumir plenamente a sua própria liberdade.
Temos uma segunda finalidade comum, que é o Estado de direito, nas várias gerações de direitos e nas várias dimensões de direitos. Aliás, todos os perigos que a Sr.ª Deputada vê no horizonte em matéria de Estado de direito em Portugal não demorará muito tempo a que a Sr.ª Deputada possa reinterpretá-los como avanços na consolidação do Estado de direito em Portugal, nos diferentes domínios do Direito e nas formas de organização do nosso sistema judicial para que os direitos sejam acautelados, promovidos e cumpridos.
Uma terceira grande finalidade é o Estado da igualdade, o Estado social, o Estado providência, o Estado do bem-estar ou qualquer outra terminologia que queiramos utilizar. Também aí a Sr.ª Deputada, mais cedo do que tarde, irá compreender que estamos todos a trabalhar para que o Estado social português não só seja sustentável mas também se consolide e aprofunde.
Mas, Sr.ª Deputada — por isso é que digo que quero contestar a sua expressão sobre «barricadas opostas» porque não são bem barricadas e não é apenas oposição aquilo que define a posição geométrica de uns em relação aos outros —, gostava de terminar fazendo-lhe a seguinte homenagem: quem tiver o prazer de ler a Odisseia, na belíssima tradução portuguesa de Frederico Lourenço, sabe que na Odisseia, constantemente, se separam as «palavras de vento» das «palavras apetrechadas de asas».
As «palavras de vento» são as palavras sem substância, as palavras inúteis.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Mas não são as minhas!

Risos.

O Orador: — Ao contrário, na Odisseia, as «palavras apetrechadas de asas» são as palavras rápidas, são as palavras úteis, são as palavras que chegam rapidamente como setas ao interlocutor.
A melhor homenagem que lhe posso prestar, em meu nome e também em nome do Governo, é dizer que as suas palavras são sempre palavras não de «vento» mas «palavras apetrechadas de asas».

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Obrigada!

O Orador: — Como a Sr.ª Deputada sabe muito bem — cito agora a Antígona, de Sófocles —, «Muitos prodígios há; porém nenhum maior do que o homem».
A Sr.ª Deputada é uma das responsáveis, na sociedade portuguesa, por que nós todos interpretemos, hoje, esse belo dito clássico: o de o maior prodígio ser o homem e a mulher. E o homem distingue-se de todos os outros pela capacidade que tem de usar a palavra e de debater com palavras com os seus semelhantes…, «palavras apetrechadas de asas» como as suas!

Aplausos do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Também quero juntar às palavras dos oradores precedentes uma saudação à

Página 18

18 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Sr.ª Deputada Odete Santos, agora que nos vai deixar. Na verdade, ela não vai deixar-nos, porque, com a expressão «até amanhã camaradas», ela revia-se na frase evangélica «não me tornareis a ver, mas eu estarei convosco até ao fim dos tempos».

Risos.

É um sentido profundo daquilo que ela hoje nos quis transmitir — aliás, não fazendo um testamento político mas uma intervenção sobre um tema concreto e de actualidade.
A Sr.ª Deputada Odete Santos percorreu estas décadas fazendo uma extraordinária adaptação àquilo que foi a evolução da vida política. Ela é um dos casos de maior sucesso português na adaptação política da imprensa escrita para o audiovisual.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Ah!

O Sr. Presidente: — Ela é uma grande comunicadora. É uma pessoa que, conforme ainda hoje revelou numa entrevista muito pessoal, tem a sua origem política muito marcada. Ela é um caso, na vida portuguesa, de uma beirã assumida…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sou!

O Sr. Presidente: — … que cooptou a cultura política de modernidade da Grande Lisboa e que viveu esse «caldo» de combates políticos dos anos 60 até à actualidade. E foi uma grande Deputada. Foi-o na área jurídica, na área da intervenção em matéria laboral, na área da defesa dos direitos da mulher, à sua maneira — e temos de respeitá-la por isso —, sendo também um misto entre uma verdadeira radical, uma radical de esquerda, e uma verdadeira comunista. Isso ela soube unir e o seu futuro testemunhará sobre toda essa sua opção de vida.
Ela sai de Deputada, mas na sua convicção política uma Deputada é uma situação transitória, porque ela tem na sua opção noções que a levam sempre a distinguir o essencial do acessório, a contradição principal da contradição secundária, o serviço político, o empenhamento sociopolítico e as suas convicções muito profundas. E nós, que em muitas ocasiões discordámos dela, temos de respeitá-la, enobrecêla e elogiá-la, e vimos hoje aqui que as bancadas em relação às quais ela frequentemente mais se dirigia, que são as que estão na sua frente, mas também a bancada em relação às quais ela não chegou a dirigir-se, que é paradoxalmente a que está à sua direita no Hemiciclo e aquela em que era uma verdadeira especialista, a bancada do PS, o fizeram.

Risos.

E, até no PS, aqueles Deputados que ela tinha como interlocutores de estimação, e na bancada do Governo o próprio Ministro dos Assuntos Parlamentares, com quem ela mantinha um diálogo muito exigente, o fizeram também.
A Sr.ª Deputada Odete Santos foi um grande contributo para o Parlamento português. Ela não deixa a vida política, nem deixa de dar o seu contributo à vida nacional.
Nesta hora de partida, quero cumprimentá-la de forma muito especial, porque foi sempre uma Deputada que tanto ao seu líder parlamentar como a mim próprio, que comungamos dessa responsabilidade, nos colocou o problema de lhe dar a palavra e também de lhe tirar a palavra.

Risos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Nesta hora final, ao despedir-me e ao desejar-lhe boa vida e boa defesa das suas ideias, quero deixála livre para nos responder naquilo em que ela é excelente, que é a procura de um final para as intervenções.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — E já sei qual vai ser!

O Sr. Presidente: — Não é o final da carreira política mas é a sua última intervenção na Assembleia da República e seguramente, agora, ela vai ser igual a si mesma.
Muito obrigado pelo contributo que deu ao Parlamento português!

Aplausos gerais.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de escla-

Página 19

19 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

recer que só fiz referências pessoais a pessoas que foram Presidentes da Assembleia e a um poeta, o Manuel Alegre, porque nunca mais me esqueço do dia, durante o fascismo, em que li para o meu pai e para a minha mãe um notável prefácio de um livro que fala da sua mãe e do hábito que ela tinha, salvo erro no dia dos seus anos, de lhe oferecer umas rosas. E devo dizer que comecei a chorar enquanto estava a ler aquilo. Os tempos eram outros… De facto, vivi muitos dos meus melhores anos nos tempos do fascismo.
Não fiz mais referências pessoais, mas não se considerem excluídos pelo facto de não se terem revisto na intervenção que fiz. Com certeza estão lá. E estão quando falo da aprendizagem que aqui fiz, porque todos agradeceram o meu contributo, mas eu tenho dito sempre que, desde que para aqui entrei, trazendo apenas a tarimba de uma advogada de província, portanto, com um horizonte limitadíssimo, aprendi muitíssimo no mundo do Direito e, de facto, enriqueci-me — não monetariamente, como devem compreender… É melhor esclarecer isto, porque senão depois, lá fora, começam a dizer que saio daqui carregada de ouro…!!

Risos.

Mas enriqueci os meus conhecimentos, criei mais neurónios, mais sinapses de neurónios, portanto, criei outras possibilidades de interpretar a vida. Queria que isto ficasse muito marcado e que todos estão lá, naquela intervenção.
Propositadamente, não fiz apenas uma intervenção de despedida — aliás, nem queria fazê-la, devo dizê-lo, e tenho testemunhas disso no meu grupo parlamentar —, mas resolvi trazer aqui um problema, não como uma antecipação de um debate em que já não vou estar mas porque é um tema que sempre me interessou. Estive no congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, onde temas deste género foram muito bem tratados. Foi por isso que resolvi optar por este estilo de intervenção, porque sair daqui, sair deste Parlamento, é uma coisa natural. É tão natural como entrar e sair em qualquer altura… Num outro dia, achei graça a um Sr. Deputado do Partido Socialista — peço desculpa por não saber o nome mas a minha cabeça já não dá para tanto… — porque, quando eu estava a falar de trabalho temporário, ele disse qualquer coisa, resmungou, não sei o que foi, ao que respondi: «Ah, não acha? Se tivesse trabalho temporário…» e ele começou a dizer «Mas eu tenho, pois este é um trabalho temporário».

Risos.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): — Fui eu!

A Oradora: — Foi o Sr. Deputado, sim senhor.
Mas este é bom que o seja… E é trabalho temporário.
Agradeço muito as vossas palavras. Detesto chorar, devo dizer, porque acho que é um sinal de fraqueza terrível. Portanto, vou resistir, apesar do que digam para aí. Vou resistir.
Só quero esclarecer o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, porque não estava a ver-me: é que, quando falei nas «barricadas opostas», olhei expressamente para a direita,…

Risos.

… não olhei para o Partido Socialista! Não olhei para a bancada do PS,…

O Sr. Alberto Martins (PS): — Nem podia!

A Oradora: — … olhei, sim, para a bancada da direita.
Mas, Sr. Deputado Alberto Martins, às vezes, temos estado em barricadas opostas. E, Sr. Deputado, ainda temos umas contas a ajustar…

Risos.

… por uma provocação que me dirigiu numa das portas de entrada do Hemiciclo. Ainda vamos ajustar essas contas! Aliás, ajustamos já! Sabe como é que respondo? Acha que já chegou ao fim da História, como o outro dizia?

Risos do Deputado do PS Alberto Martins.

Não chegámos ao fim da História.
Tenho muita inveja dos Srs. Deputados que falaram e que já cá me encontraram. Sabem porque é

Página 20

20 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

que tenho inveja? Porque são muito mais novos do que eu, portanto, ainda têm um amplo campo de trabalho aqui. Eu vou ter lá fora, mas também já não é uma perspectiva muito grande. Isto é assim! O caminho vai-se estreitando, e é natural e normal.
Mas eu conheci também aqui o pai do Sr. Deputado Montalvão Machado, com quem tive o grande prazer de trabalhar. Conheci o filho, não conheci o neto…

Risos.

… e esse, se calhar, já não conhecerei. Mas, Sr. Deputado Montalvão Machado, agradeço as suas palavras, bem como as do Sr. Deputado Nuno Magalhães, e desejo-lhes que empreguem a vossa juventude a bem do povo. É claro que não acredito…

Risos.

Isso é mais ali para o Deputado Nuno Magalhães,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Olhe que não!

A Oradora: — … porque na área da justiça e dos tribunais eu e o Sr. Deputado Montalvão Machado temos muitos pontos em comum. Ainda pertence ao Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, ou já não?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Não!

A Oradora: — Mas eu vou continuar lá e podemos vir a encontrar-nos lá. Até já fui convocada para uma reunião, amanhã, às 10 horas e 30 minutos.

Risos.

Veja lá que queria descansar um bocadinho e não posso!… Faço gosto em registar que a lealdade que sempre usei no debate parlamentar também a aprendi na advocacia em Setúbal, uma grande lealdade. Penso que o Sr. Dr. Juiz… aliás, aqui não é juiz mas Deputado Fernando Negrão há-de reconhecer que é verdade que entre os advogados mais antigos da Comarca de Setúbal sempre houve uma grande lealdade.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — É verdade!

A Oradora: — E eu isso já trazia da minha actividade profissional.
Gostava de ter tido a possibilidade… Fui para Direito, porque era a maneira de… Depois, não gostei, mas como fui passando todos os anos e tinha pena de inutilizar um ano e de mudar de curso lá o fui tirando, com grande esforço. E hoje, não estou arrependida, porque é uma coisa maravilhosa.
Mas devo dizer que, quando tiver tempo — pode ser que tenha proximamente! —, vou comprar a Odisseia.

Risos do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Só a conheço daqueles resumos que havia antes e que o meu pai me comprou para eu ler aquela história. O Sr. Ministro usou imagens extraordinárias de uma grande poesia e de um grande significado.
Só queria que essa poesia fosse utilizada em prol dos interesses do povo, que as palavras do Governo nos Diários da República também fossem «palavras com asas». No entanto, acho que nem sempre são e aí é que estamos separados.
A palavra barricada acha que é feia? Não é! Há lá coisa mais bonita do que ir ler a História: as barricadas da Comuna de Paris, a barricada defendida pelas mulheres em Paris?! Não é nada feia.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): — La Pasionaria!

A Oradora: — Não, ali era a Louise Michelle, da Comuna de Paris. La Pasionaria é outra, mas não me referia a essa, porque estava precisamente a lembrar-me daquela belíssima canção Le temps des cerises — o tempo das cerejas.
E, como vou ter de terminar, porque penso que foram momentos que, ao fim ao cabo, acabaram, se calhar, por revelar certas coisas acerca da maneira de ser de algumas pessoas, queria fazê-lo, referindo que não tenho essa cultura das literaturas clássicas, mas li uma tragédia numa tradução para português, na Biblioteca Cosmos, dirigida então pelo saudoso Bento de Jesus Caraça, que era Prometeu Agrilhoa-

Página 21

21 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

do.
A certa altura, Prometeu diz mais ou menos isto «eu sei que virá um dia em que humilde Zeus será, por mais soberbo que tenha o coração»! Acho estas palavras admiráveis, porque justificam lutas por causas e lutas incessantes até ao fim da História, até ao fim do universo. Só nessa altura é que haverá o fim da História…!.

Risos do Deputado do PS Alberto Martins.

É esta a luta que sempre me encantou, mesmo aquando da década de 60 — que, parece, agora é muito mal vista por certas pessoas… Mas eu sou de outra, sou de 62, não sou da sua, Sr. Deputado Alberto Martins…

Risos.

Mas já que o Sr. Deputado parafraseou Jorge Palma, terminaria dizendo que, quanto a mim, em relação à intervenção política, posso cantar (canto muito mal) uma letra dele: «Enquanto houver estrada para andar, eu vou continuar»!

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos continuar o período de antes da ordem do dia.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O País foi ontem surpreendido pelas declarações do Presidente da República, num encontro internacional em Riga, defendendo a ratificação do futuro Tratado da União Europeia pela Assembleia da República sem necessidade de recorrer a um referendo.
Atendendo aos poderes constitucionais que o Presidente da República detém nesta matéria, designadamente o de, em último caso, se poder recusar a convocar um referendo aprovado pela Assembleia da República, as declarações presidenciais revestem-se de uma gravidade que não pode ser desvalorizada nem minimizada.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Orador: — Refira-se, a título de curiosidade, que o único precedente de recusa presidencial nesta matéria — a recusa do Presidente Jorge Sampaio em convocar o referendo sobre a despenalização do aborto, em Junho de 2005 — se deveu precisamente à alegada necessidade de evitar a coincidência com o referendo sobre o Tratado Constitucional, que se pensava, então, ter lugar nos meses seguintes.
As declarações do Presidente da República, neste contexto, levantam, por isso mesmo, uma dupla preocupação.
A primeira preocupação é a de que o Presidente não desconhece que o Partido Socialista e o seu Governo assumiram, com o eleitorado, nas últimas eleições legislativas, um compromisso explícito de realizar um referendo para ratificar o Tratado Europeu. E tanto não o ignora que, em declarações feitas em 15 de Março de 2005, apesar das dúvidas que expressava sobre a eficácia do debate referendário, Cavaco Silva reconhecia, e cito, «mas já há um compromisso político para realizar esse referendo e por isso tem que ser realizado».
Deve, aliás, dizer-se que o único ponto de acordo entre todos os partidos parlamentares acerca do Tratado residia, precisamente, na necessidade de o ratificar através de referendo.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Exactamente!

O Orador: — É esse compromisso do Governo, perante os eleitores, e esse consenso de todo o arco parlamentar em torno de uma consulta democrática que o Presidente da República agora, mudando de opinião, parece estar disposto a desafiar.
E a questão política, verdadeiramente relevante, que se coloca, face às declarações do Presidente da República, é esta: está agora o Presidente, ao contrário de há dois anos atrás, disposto a vetar a convocação de um referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu que venha a ser aprovado pela Assembleia da República? Esta bancada entende que, em face das declarações de Riga, o Presidente da República não pode deixar de esclarecer o País, sem ambiguidades, acerca desta questão.

Vozes do BE: — Muito bem!

Página 22

22 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Orador: — A segunda preocupação respeita, naturalmente, ao fundo da questão. E o fundo da questão é que o Presidente da República parece ter feito suas as recentes teses da direita europeia para fugir ao veredicto popular sobre o futuro do Tratado. Depois dos «nãos» francês e holandês, o expediente defendido por Sarkozy — e que começa a fazer caminho — é o de fabricar tratados curtos e simplificados, a ratificar nos Parlamentos e sem correr riscos de grandes debates públicos e de votações directas pelos cidadãos. Isto é, um Tratado Constitucional, «cozinhado» nas chancelarias das principais potências, que nos continuará a condenar, como se fora uma fatalidade, ao modelo único das políticas neoliberais e anti-sociais e ao ascenso do securitarismo contra as liberdades públicas, tudo ratificado por maiorias parlamentares seguras e longe da arriscada imprevisibilidade, decorrente de uma genuína intervenção popular, potenciável pela via referendária.
A direita e o social-liberalismo europeus não aprenderam nada com o fiasco do primeiro Tratado Constitucional, com o impasse político da construção europeia, com a estagnação económica, com o crescente desemprego estrutural, com a crise do Estado social, com a xenofobia e o racismo. E fogem! Fogem para a frente! As suas não soluções, ou seja, as soluções dos directórios políticos e financeiros europeus, são a flexissegurança, o securitarismo policial, o condicionamento das liberdades e, naturalmente, a fuga às consultas referendárias.
O nosso caminho é outro. Achamos que é possível outra Europa, com outras políticas e outros protagonistas. Uma Europa refundada, constitucional e democraticamente, para a solidariedade, para o desenvolvimento sustentado e para a paz. É isso que é urgente discutir a propósito de um novo Tratado Europeu e através de um amplo e livre debate referendário.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Da nossa parte, não existe qualquer espécie de reserva, e muito menos qualquer espécie de receio, relativamente à consulta popular. Continuamos a considerar que o referendo sobre o futuro político da Europa é uma exigência incontornável da vida democrática portuguesa.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Orador: — Falta saber o que pretende o Presidente da República: quer viabilizar ou pretende vetar esta pretensão? Aguardamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Presidente da República cumpra o dever de esclarecer o País sobre esta questão.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Armando França.

O Sr. Armando França (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, é sempre com muito gosto e mesmo com satisfação que o ouvimos e lemos as suas intervenções, aqui e noutros espaços onde V. Ex.ª intervém, pois fá-lo, por via de regra, com grande argumentação e com grande capacidade de comunicação.
Porém, em representação do Bloco de Esquerda, também é necessário que V. Ex.ª dê passos para que compreendamos o que o Bloco pretende do Tratado Constitucional.
Penso que V. Ex.ª e a Câmara sabem que a posição do Partido Socialista sobre o Tratado Constitucional está fora de questão: conforme referiu, e muito bem, o referendo ao Tratado Constitucional é um compromisso do Partido Socialista. Registamos e respeitamos a intervenção do Sr. Presidente da República, mas temos o nosso próprio compromisso. De resto, já nesta Legislatura, o PS tomou a iniciativa de promover uma revisão constitucional, precisamente com vista à possibilidade do referendo sobre o Tratado Constitucional. Somos pela institucionalização dos direitos fundamentais, somos pela manutenção e reforço do modelo social europeu, somos por uma união política.
Mas, Sr. Deputado Fernando Rosas, precisamos de saber o que o Bloco pensa, porque não basta dizer, como V. Ex.ª disse, «achamos que é possível outra Europa». Outra Europa? Que Europa? Que Europa é esta que o Bloco equaciona? Que Europa é esta que o Bloco pretende? Que Europa é esta que o Bloco deseja para os 450 milhões de europeus que integram os 27 Estados-membros?

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — É uma «não-Europa»!

O Orador: — Gostaria que V. Ex.ª, nesta oportunidade, nos ajudasse a esclarecer, por exemplo, o que é que o Bloco pensa não só sobre a manutenção mas também sobre o reforço do mercado interno na União Europeia, o que é que o Bloco pensa sobre a necessidade ou não do desenvolvimento de uma verdadeira política externa institucionalizada, o que é que o Bloco pensa sobre a necessidade de desenvolver uma política de segurança comum, o que é que o Bloco pensa sobre se se deve ou não desenvolver uma política de defesa comum.

Página 23

23 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Defesa, segurança e política externa comuns — o que é que o Bloco pensa sobre estas questões fundamentais que são também aquelas que, a nosso ver, devem integrar o próximo futuro Tratado Constitucional e, bem assim, reforçar o conceito de união política da Europa.
Esperamos respostas muito claras, para sabermos qual a verdadeira posição do Bloco, neste processo de construção europeia, sobre a União Europeia e sobre a política da União Europeia do próximo futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando França, quero, em primeiro lugar, agradecer as palavras amáveis que proferiu a propósito da minha pessoa e que são, naturalmente, devidas à sua generosidade e não a qualquer outra coisa.
Também o ouvi com muita atenção e quero dizer-lhe que a questão que hoje aqui trazemos, ao Parlamento, nem sequer é uma questão que respeite ao conteúdo do Tratado Europeu. O que neste momento está a preocupar-nos, em face da declaração do Presidente da República, é o facto de o Presidente da República, com as suas declarações, dar a entender que pode vir a vetar uma decisão, que, até agora, era consensual entre todos os grupos parlamentares, no sentido de o futuro Tratado Europeu ser ratificado por via referendária.
O facto novo que foi trazido, pela declaração de ontem do Presidente da República, para a vida política é que o Presidente da República não concorda ou parece não concordar com a via referendária, que, tendo todos nós posições diferentes sobre o Tratado, era a única em que todos estávamos de acordo, ou seja, o Tratado tem de ser referendado, tem de ser objecto de um referendo.
Ora, a declaração do Presidente da República não é inocente! O Presidente da República tem poderes constitucionais para vetar uma decisão da Assembleia da República que convoque um referendo. Por isso, a nossa declaração vai no sentido de se perguntar ao Presidente da República o que tenciona fazer sobre este assunto, uma vez que as suas declarações podem permitir a suposição de que, no uso dos poderes constitucionais que lhe são conferidos, se vai opor a uma decisão da Assembleia da República.
Perante uma situação tão séria e havendo um compromisso governamental como o de VV. Ex.as e o dos diversos partidos com o seu eleitorado relativamente à realização de um referendo, há um facto novo na vida política: o Presidente da República resolveu desafiar quer o vosso compromisso, quer o nosso, de cada partido, relativamente à realização do referendo. E é preciso saber, daqui para diante, em tudo o que vier a ser decidido sobre esta matéria, o que é que o Presidente da República vai fazer, isto é, se vai ou não proceder à convocatória do referendo, no caso de a Assembleia manter a posição de o convocar.
Quanto ao Tratado, a nossa posição é claríssima, Sr. Deputado: entendemos que o Tratado que nos é proposto consagra a única coisa que a Europa nos deu até agora em matéria de políticas verdadeiramente europeias, que é o combate ao défice, a moeda, as polícias e o armamento. O que nós queremos é uma política europeia de pleno emprego, uma política europeia de segurança social, uma política europeia de segurança, enfim, queremos que a Europa tenha a ousadia de estabelecer políticas que até agora não estabeleceu. E o instrumento fundador da Europa que propomos terá de consagrar este tipo de opção e não as que, até agora, tem consagrado.
Temos, pois, divergências muito claras sobre o conteúdo do Tratado, mas nem sequer foi esta questão que aqui trouxe. O debate sobre o conteúdo do Tratado é um debate que teremos de fazer, provavelmente, na altura do referendo, mas o que agora importa saber — e ouvimos, ontem, uma declaração do Primeiro-Ministro sobre essa matéria — é a posição do Presidente da República. Se decidirmos realizar um referendo, o que fará o Presidente da República, que diz não concordar com ele? É uma declaração sem consequências ou terá consequências? Nós precisamos de o saber e foi isto que perguntámos na declaração política, Sr. Deputado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estão quase totalmente apurados os resultados da primeira volta das eleições presidenciais em Timor-Leste. A intensidade da competição política e institucional que marcou o último ano da vida do país tinha criado dúvidas sobre a capacidade de consolidação do regime constitucional da democracia timorense. Felizmente, o modo como estão a decorrer as eleições está a contribuir para dissipar muitas dessas dúvidas. A primeira mensagem é, portanto, uma mensagem de esperança. Esperança cautelosa, mas esperança! Teremos, com toda a probabilidade, na segunda volta das eleições presidenciais, duas personalida-

Página 24

24 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

des determinantes na resistência e no processo de fundação do Estado: Francisco Guterres e José Ramos-Horta.
A recente crise política por que passou o país reforçou as responsabilidades do Presidente da República como garante da independência nacional e da ordem constitucional democrática. As provas da democracia serão, decerto, menos heróicas do que as lutas do passado, mas é dessas provas que depende hoje a credibilidade interna e externa dos actores políticos timorenses. A capacidade de compromisso e a vontade de balizar a disputa política pelo cumprimento dos princípios constitucionais são, hoje, o critério de avaliação dos comportamentos das forças e das personalidades relevantes na cena política timorense.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há cerca de um ano, teve início um ciclo de violência política e de instabilidade em Timor-Leste.
A redução gradual da missão das Nações Unidas em Timor-Leste, que acabou por prescindir da sua dimensão militar, dificultou o evitar de uma escalada de violência interna, o que colocou as autoridades timorenses na necessidade de requerer a Portugal, à Austrália, à Malásia e à Nova Zelândia que enviassem as suas forças, a fim de restaurar a ordem pública em Díli. Na sequência dessa intervenção, o Conselho de Segurança das Nações Unidas acabou por reconhecer que a partida da sua missão militar tinha sido precipitada. Em anos sucessivos, a diplomacia portuguesa, em conjunto com os responsáveis timorenses, defendeu, no Conselho de Segurança, a permanência de uma missão militar e policial internacional em Timor-Leste durante um período de transição prolongado. Portugal esteve sempre preparado e disponível para participar nessa força de segurança, ciente de que a dimensão da segurança é fundamental na construção de um Estado com instituições democráticas e de que, numa situação pós-conflito, essa garantia de segurança só pode ser assegurada por uma presença militar internacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não são interesses imediatos de política externa de Portugal que se jogam hoje, como não foram esses interesses que determinaram a posição diplomática portuguesa de exigir a cessação da ocupação indonésia e de apoiar o acesso de Timor-Leste à independência.
Mas existem interesses nacionais portugueses na consolidação do Estado democrático timorense, bem como no facto de poder contar com um Estado da Ásia do Sudeste como membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Ao mesmo tempo, a participação de forças militares e policiais portuguesas em missões de paz tem afirmado a vontade de Portugal de ser reconhecido como um produtor de segurança internacional. Timor tem sido, a este respeito, a causa mais consensual na opinião pública e no debate democrático em Portugal.
Do mesmo modo, perante as peripécias da crise recente e as incertezas sobre o futuro, Portugal deve continuar a consolidar uma relação de cooperação política e militar com a Austrália, cujo beneficiário é, naturalmente, Timor-Leste.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal tem uma relação especial com TimorLeste. É essa relação que terá de continuar a ser honrada. E sê-lo-á tanto mais quanto Portugal puder continuar a ser um factor de activação da solidariedade da comunidade internacional em relação a Timor-Leste.
O melhor modo de honrar a luta de resistência é contribuir para a consolidação das instituições democráticas em Timor-Leste. Que estas eleições sejam um passo na consolidação dessas instituições para que todos possamos continuar a dizer, libertos do dramatismo e dos constrangimentos do passado: «Viva Timor-Leste livre e independente».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na passada terça-feira, o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas apresentou o Plano de Desenvolvimento Rural (PDR) para o período 2007-2013.
O PDR incide, no continente, em cerca de 85% do seu território. O investimento total previsto é de 6,566 milhões de euros, com uma contribuição do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) de 3,4 milhões de euros. O documento apresentado não vai, na nossa opinião, desenvolver de forma sustentável os referidos 85% do território.
Este Plano de Desenvolvimento Rural esquece sectores de grande potencialidade que deveriam merecer maior e melhor atenção. Do que ficou praticamente de fora, destacamos a pecuária extensiva,

Página 25

25 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

sector com impacto muito positivo no desenvolvimento rural e com potencial competitivo, contribuindo para o PIB nacional.
Todos os dias se fala que o País precisa de reduzir a sua factura energética, mas neste PDR não encontramos medidas específicas que apoiem o desenvolvimento e o incremento do sector dos biocombustíveis.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — É caso para se perguntar: o País necessita ou não de fazer este investimento? Vai ou não o Estado fazer este esforço, abrindo uma janela de oportunidades para a agricultura? Como é que se explica que o apoio a investimentos de pequena dimensão seja dado através de «linha simplificada de micro crédito»? Entende o Sr. Ministro que os pequenos agricultores estão capitalizados para poderem fazer investimentos sem apoios directos?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ao que parece!

O Orador: — Ou este tipo de apoio, ao ser para dar «vantagens recíprocas a todos os intervenientes», é para financiar a banca? Será que o desenvolvimento rural passa pelo financiamento do sector bancário? Aos mais pequenos e de menores rendimentos fica reservado o crédito. Aqui se nota a justiça social deste Governo para os mais pobres do mundo rural!… Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na identificação dos pontos fracos constante deste PDR, é referido que constitui uma fragilidade o alto nível etário dos nossos agricultores; no entanto, este PDR destina apenas à instalação de jovens agricultores 106 milhões de euros. Ou seja, a aposta nos jovens empresários agrícolas, necessários ao desenvolvimento da agricultura portuguesa e, consequentemente, ao desenvolvimento rural, vale 1,6% deste PDR. Isso mesmo: 1,6% do PDR. Será caso para dizer: grande aposta nos jovens! Grande aposta na modernização!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Grave neste PDR é a quantidade de verbas atribuídas ao financiamento de obras públicas do Estado e ao seu financiamento. Em abstracto, a administração central poderá beneficiar de mais de 1,238 milhões de euros, ou seja, o Governo prepara-se para absorver quase 20% do total deste PDR para se autofinanciar. Será caso para dizer que «quem parte e reparte e não fica com a melhor parte…».
Um dos piores exemplos de «cativação» de verbas para a Administração Pública está no financiamento do regadio do Alqueva.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Do total de investimento nacional em regadio, 68,9% será gasto no regadio do Alqueva, mais de 533 milhões de euros, obra realizada através de uma empresa do Estado.
Que fique claro que o CDS não se opõe à realização do regadio do Alqueva, temos é fundadas dúvidas de que esse regadio se destine a infra-estruturas agrícolas…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … e, nessa medida, não deveriam ser verbas da agricultura a financiar a obra.
Ao longo de todo o País, existem obras de regadio fundamentais para o desenvolvimento de fileiras referidas no próprio documento, e cito apenas, como exemplo, o caso da fruticultura, para as quais não vai haver, com certeza, verba disponível.
Ao nível do desenvolvimento florestal o que se nota é uma total ausência de sentido de fileira que passe pela exploração florestal, pela indústria e pela valorização e exportação do produto acabado.
A fileira florestal não pode, nem deve, ser tratada num único bloco. A exploração do pinheiro bravo ou do eucalipto nada tem a ver com a fileira da cortiça, por exemplo. Estas realidades deveriam ser tratadas em separado. Assim se valorizariam e poder-se-ia criar aqui verdadeiras fileiras.
Será caso para perguntar onde pára, neste PDR, o incentivo à indústria de mobiliário nacional, que, apesar de tudo, muito tem contribuído para a valorização, junto do produtor, da própria fileira? Não deveria este PDR dar maior ênfase ao sector corticeiro, desde o montado de sobro até à indústria e exportação da cortiça, onde lideramos a nível mundial? Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na nossa opinião, o desenvolvimento rural passa muito pelo envolvimento e dinamização dos protagonistas locais — associações de desenvolvimento local, autarquias e associações de agricultores e produtores.
O que verificamos é que este PDR marginaliza quase por completo quer as autarquias locais quer os outros actores locais de desenvolvimento. Não há um verdadeiro incentivo ao estabelecimento de parcerias com vista ao desenvolvimento de todos os sectores do mundo rural. Da nossa parte, entendemos

Página 26

26 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

ser muito pouco o facto de ser ter «atirado» para este documento o programa LEADER, colocando-o, pomposamente, como um dos eixos do próprio PDR.
Por que é que o Governo não assume que as autarquias locais são os principais parceiros do desenvolvimento local? Só podemos entender que neste caso se tenha, mais uma vez, colocado a veia centralista deste Governo para tudo controlar e orientar.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Este documento, que deveria ser um instrumento de orientação, é apenas um documento reactivo. Não existe qualquer referência a novos produtos, não existe referência a novos mercados.
Perguntamos mesmo que ênfase dá este PDR ao papel da indústria enquanto motor do sector agrosilvícola? Nenhum, ou quase nenhum, quanto a nós.
O Sr. Ministro da Agricultura, na passada terça-feira, ao fazer a apresentação deste PDR, referiu que a agricultura portuguesa, além de competitiva, deverá também ser ambientalmente sustentável. Isto quer dizer que os agricultores, além de serem economicamente competitivos, ainda têm que preservar, promover e salvar o ambiente.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Mas para que isso possa ser feito, qual o valor com que o Estado se propõe colaborar? Da leitura atenta do documento conseguimos verificar que, para isto, está reservada uma verba de cerca de 200 milhões de euros, ou seja, cerca de 3% do total do orçamento proposto, verba que não nos parece suficiente para dar devido apoio a tão ambiciosa meta.
Este PDR não valoriza uma das realidades e valores do nosso país: a sua paisagem transformada pela agricultura e pela sua multifuncionalidade.
Se faz sentido, em alguns casos, tratar individualmente algumas fileiras, outras situações há em que, devido à sua especificidade (dimensão reduzida da propriedade, solos pobres e de montanha, entre outras), deveriam ser tratadas como actividades que coexistem e que devem ser apoiadas e incentivadas nessa coexistência. Estou, por exemplo, a pensar na convivência entre pecuária e montado, entre explorações cerealíferas e forragens.
Este PDR, que já vai merecendo reparos da União Europeia, não mereceu consenso da sociedade portuguesa, não mereceu o consenso das organizações de agricultores, o que, aliás, está bem demonstrado na forma como os agricultores se manifestaram no dia da sua apresentação, e não merece o consenso deste Parlamento.
O PDR deveria apontar metas qualitativas e quantitativas até 2013, fosse ao nível do número de empregos a criar no mundo rural, fosse ao nível dos índices de desenvolvimento que se propunham para cada uma das regiões ou Nomenclatura das Unidades Territoriais (NUT), fosse ainda quanto ao tipo e quantidade de produtos a produzir. Assim poderíamos, pelo menos, chegar a 2013 e avaliar o que correu bem e o que falhou. Ao não apresentar metas torna-se também pouco ambicioso.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esperávamos que este PDR viesse propor a criação de uma política agrícola nacional e definir um planeamento efectivo do mundo rural. No entanto, isto não é feito.
A revisão da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional deveria ser abordada neste documento. O Governo já anunciou que o vai fazer, mas omite no PDR qualquer referência e orçamentação sobre essas alterações.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Orador: — Daqui só podemos tirar duas conclusões: ou o Governo não vai rever coisa nenhuma ou fez um documento apressado e desconexo.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Que tipo de incentivo fiscal vai o Governo dar às actividades de relevância ambiental e de desenvolvimento rural? Não seria essa uma medida eficaz para o desenvolvimento do mundo rural? Não seria essa uma forma de discriminar positivamente estas regiões e de aliviar a pressão sobre as zonas urbanas? Finalmente, este documento é muito pouco adjectivo e substantivo no que diz respeito a outras actividades do mundo rural — a caça, a pesca, o turismo na natureza e o turismo em espaço rural.
Estas são actividades complementares mas que devem ser apoiadas, incentivadas e melhoradas, como forma de reforçar o rendimento das populações rurais e de qualificar o espaço rural.
O PDR apresentado pelo Governo, como já se disse, é pouco ambicioso, diria mesmo deprimente.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

Página 27

27 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Orador: — Não será com este documento que as regiões deprimidas se vão aproximar das mais desenvolvidas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Ribeiro.

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Abel Baptista, quero começar por felicitá-lo pelo facto de trazer ao Plenário da Assembleia da República esta importante matéria.
O Programa de Desenvolvimento Rural, o PDR, é claramente o mais importante instrumento de intervenção do Estado português para apoio ao sector agrícola e ao desenvolvimento das zonas rurais, instrumento este que ascende, como sabe, a cerca de 3500 milhões de euros, por aqui se vendo o valor alto que é consagrado à nossa agricultura.
Está em causa, de facto, um instrumento que, pela dimensão dos meios financeiros envolvidos, provavelmente não irá repetir-se. Constitui, pois, ou deveria constituir, uma oportunidade única para desenvolver e implementar uma estratégia consistente de desenvolvimento sustentável do sector agrícola e das zonas rurais portuguesas, em particular das mais frágeis, como chegou a dizer, e das mais deprimidas dos País.
Este exercício deveria ter sido antecedido de um diagnóstico rigoroso e exaustivo que fundamentasse a estratégia e a intervenção consequente e deveria também sido objecto de uma consensualização tão larga quanto possível. Mas, na verdade, Sr. Deputado, o que se passou foi que houve uma completa alienação dos vários agentes do sector e dos seus representantes, pois não foi requerida a sua participação, não foi requerido o seu envolvimento, não foi requerida a sua cooperação. Lamentavelmente, esta foi, de facto, a opção do Sr. Ministro da Agricultura, que, em vez de fazer tudo isto, optou por aquela sua atitude, que começa a ser muito habitual e que é lamentável, de querer hostilizar permanentemente os agentes do sector e as suas organizações.
De facto, atribuiu esta tarefa a um grupo de trabalho muito restrito e, infelizmente, ignorou um conjunto de importantes elementos, essenciais para todo o processo. E dou aqui ênfase àquele importante relatório de análise da situação da agricultura portuguesa, solicitado pelo governo português à Comissão Europeia em 2003, que trazia uma série de elementos relevantes para serem consagrados neste PDR.
Foi, infelizmente, um documento ignorado por completo neste processo todo.
Por outro lado, é preciso também referir que este PDR está em total contradição com aquilo que o Governo tem dito, no sentido de entender que o mesmo vem trazer coesão territorial e social. É precisamente no sentido contrário: vem criar mais divergências, mais assimetrias e temos, de facto, um PDR que em vez de optar de forma clara pela coesão territorial e social faz exactamente o seu contrário.
É também um PDR com uma clara ausência no que se refere às mais graves carências diagnosticadas da nossa agricultura, nomeadamente três: os graves problemas estruturais das explorações agrícolas; o extremo envelhecimento dos nossos agricultores; e o baixo nível de formação. Estes são, de facto, os três principais problemas que estão na génese, na origem, da nossa competitividade e que são completamente ignorados neste PDR.
Trata-se ainda de um PDR que, ao invés de ter uma abrangência clara em termos de competitividade, se limita a apoiar exclusivamente o que é competitivo, que ignora por completo o que pode ser competitivo. E isto funciona não como um regime de apoio mas, antes, como um prémio ao desempenho, o que é claramente errado. É de, facto, um PDR burocrático, um PDR complexo e que, naquilo que deveria ser o fundamental, o apoio aos jovens agricultores e às explorações agrícolas, falha completamente.
Sr. Deputado, termino referindo que este é um PDR que traz uma brutal discriminação negativa das explorações agrícolas mais frágeis, mais débeis e também das regiões mais desfavorecidas. Quero, no entanto, deixar-lhe algumas questões.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: — Terminarei rapidamente, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, gostaria de saber se concorda com as opiniões do PSD, se concorda, sobretudo, que este PDR é negativo para os nossos agricultores e para a nossa agricultura e se os agricultores e a agricultura portuguesa merecem este Ministro, que está permanentemente de costas voltadas para o sector.
Gostaria ainda que me dissesse se acha que é esta postura e este PDR que defendem a nossa agricultura, os nossos agricultores e as suas organizações, se é assim que se consegue dar confiança e motivação aos agentes desta área, no sentido de conferir sustentabilidade a este importante sector do nosso país, e, finalmente, se não considera que este PDR é verdadeiramente uma oportunidade perdida.

Aplausos do PSD.

Página 28

28 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Almeida.

O Sr. Jorge Almeida (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Abel Baptista, é sempre interessante trazer a debate em Plenário matérias que nos são comuns e que trabalhamos em comissão e no terreno com as organizações. Quero, no entanto, dizer-lhe que, depois de todas as discussões que temos tido e daquilo que temos observado in loco, o Sr. Deputado continua com uma visão parcelar do Programa de Desenvolvimento Rural.
Não é verdade que não esteja contemplado no Plano de Desenvolvimento Rural oportunidades de investimento em biocombustíveis, Sr. Deputado! Não vale a pena repetir permanentemente uma coisa que é errada.
Não é verdade que não há apoios substanciais à instalação de jovens agricultores.

Protestos do CDS-PP.

Não é verdade! A meta está equacionada para uma instalação substancial de jovens agricultores, que vão ter mais apoios, uma nova metodologia para instalação, que terá por base um processo de avaliação, um processo eventualmente de prémios e de majorações à instalação de jovens agricultores.
Sr. Deputado, é preciso ler, interpretar e perceber…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Até inventar!

O Orador: — … o alcance e a importância dos instrumentos que estão ao nosso dispor. Não é verdade e não é certo aquilo que o Sr. Deputado disse na tribuna.
Por outro lado, Sr. Deputado, não é verdade que o regadio do Alqueva, ao qual estão destinados 533 milhões de euros, seja para servir outras necessidades que não as agrícolas. O Sr. Deputado já ouviu o Sr. Ministro explicar, em comissão, que é um projecto agrícola, para servir os agricultores, mas continua a dizer outra coisa.
Não é verdade que há falta de apoios para os montados de sobro e de azinho. As definições são claras: permite e prepara uma expansão da floresta de ciclo longo, da floresta de sobro e azinho; prepara a reflorestação destas regiões e prepara também instrumentos financeiros substanciais para incrementar todas estas lógicas e sistemas de multifuncionalidade da floresta.
Sr. Deputado, é necessário que saibamos interpretar este PDR e uma das coisas que ele traz é a exigência, de facto, aos agricultores, aos investidores e também à administração, no sentido de que os próprios instrumentos de aplicação da política sejam monitorizados, avaliados e, eventualmente, nalgumas áreas, adaptados e ajustados às necessidades que forem surgindo com a evolução dos investimentos. É esta, de facto, a interpretação justa e correcta do PDR.
Por outro lado ainda, o Sr. Deputado veio aqui falar na contestação dos agricultores, mas também esteve no local e sabe muito bem que a grande contestação dos agricultores tem a ver com o problema da modulação.
Relativamente à modulação e ao grande instrumento que este Plano de Desenvolvimento Rural traz para o sector, que é a questão da competitividade, queria fazer-lhe uma pergunta directa.
Como sabe (e o seu patamar ideológico deve sintonizar-se com esta ideia), estamos numa fase crucial da nossa agricultura, em que temos de a preparar para os grandes desafios que estão a surgir a todo o momento — os desafios da globalidade, os desafios da competitividade — e para esta intersecção entre competitividade, valores ambientais e a meta de 2013, a partir da qual, provavelmente, muitos dos subsídios de ajuda directa à agricultura desaparecerão.
Assim, Sr. Deputado, nesta fase de encruzilhada da agricultura portuguesa, o que é que entende que se deve fazer na agricultura: prepará-la no sentido da competitividade, entendendo os subsídios com lógica de complementaridade, ou prefere manter ou aumentar os subsídios de forma a alimentar ficticiamente algumas explorações, não as preparando para aquilo que é essencial, que é a competitividade, criando sistemas de modulação que, inclusivamente, podem vir a reverter para o agricultor a quem foi aplicada a modulação, usufruindo esse mesmo agricultor desse subsídio para investir cada vez mais em competitividade e preparar a sua exploração agrícola para os dias e anos que aí vêm?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados José Manuel Ribeiro e Jorge Almeida pelas questões aqui colocadas.
Sr. Deputado José Manuel Ribeiro, temos discutido esta questão e estamos, no essencial, de acordo.
Obviamente que este PDR não serve a agricultura portuguesa, não serve os agricultores portugueses e

Página 29

29 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

não serve o desenvolvimento rural.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Aliás, se dúvidas houvesse, o Deputado Jorge Almeida veio aqui dar esclarecimentos suficientes, dizendo exactamente aquilo que temos vindo a confirmar. É que, através daquilo que este Ministro vem propor, seremos, juntamente com a Inglaterra, dos únicos países da União Europeia a praticar a modulação, sendo que, no nosso caso, se prevê que ela vá para patamares de 20% e os ingleses, quando muito, aceitam-na a 15%. É isso, efectivamente, o que a modulação nos vai trazer.
Gostava de saber como é que o Sr. Deputado Jorge Almeida consegue fazer esse exercício extraordinário, concluindo que, através da modulação, vai entregar a verba ao mesmo agricultor a quem foi retirada. Tira pela porta para dar pela janela? Se calhar, é aquilo que este Governo vai querer fazer… Seria muito interessante.
Sr. Deputado Jorge Almeida, não conseguiu, no entanto, contrariar nada daquilo que referi nem me ouviu bem, porque eu não disse que não vai haver apoio para a instalação de jovens agricultores. Aquilo que eu disse foi que um dos pontos fracos apontados no PDR — e não fui eu que o fiz, mas o Governo — é o alto nível etário dos nossos agricultores. E sabe qual é a verba para apoiar a instalação de jovens agricultores? São 106 milhões de euros, ou seja, é 1,6% de todo o PDR!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — 1,6%!

O Orador: — Veja bem se isto é, efectivamente, um apoio à instalação de jovens agricultores.
Diz, V. Ex.ª, Sr. Deputado Jorge Almeida, que há outras coisas, que é preciso interpretar… Lá está! Há «gato escondido com o rabo de fora». Pelo menos, parece! Não é isso que, efectivamente, se lê e retira deste PDR. Aliás, só o Sr. Ministro e V. Ex.ª é que o conseguem ler assim. Os agricultores não lêem assim, a oposição não lê assim, a economia não lê assim, a própria União Europeia já começou a fazer reparos. Só V. Ex.ª é que está certo. Faz lembrar aquele rapaz que, na tropa, marchava de passo trocado e os pais diziam: «Por que é que os outros não marcham todos como o nosso filho? Estão todos errados!»

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — O Sr. Deputado Jorge Almeida perguntou-me se não sou a favor da competição e da competitividade económica. Seguramente! No entanto, o que, desde logo, na linguagem de V. Ex.ª está errado são os subsídios. É que a agricultura portuguesa não tem direito a subsídios, tem direito a pagamentos, pelo facto de se integrar numa comunidade, que é, ela sim, muito mais competitiva, e devido à abertura dos mercados a essa competitividade.
Como V. Ex.ª sabe e ouviu dizer há dias, em 1984, um produtor de leite de ovelha para fazer o queijo de Nisa recebia 200$ por litro; hoje, recebe o equivalente a 140$ no mercado. Porquê? Porque o mercado abriu. O produtor de milho recebia 30$; hoje, recebe o equivalente a 22$.
Portanto, a diferença é esta: não é subsídio mas pagamento para podermos manter o nosso mundo rural, que hoje já não é exclusivamente propriedade dos agricultores, é onde todos temos de coabitar para defesa do nosso ambiente.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a discussão do projecto de resolução n.º 200/X — Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres, (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota, que tem dedicado grande atenção a esta temática, quer no nosso Parlamento nacional quer na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje é um dia marcante para este Parlamento, na longa luta pelos direitos humanos, pela igualdade de género e contra a violência inaceitável que ainda se exerce sobre as mulheres, designadamente no quadro das relações domésticas,

Página 30

30 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

familiares e afectivas.
No passado dia 7 de Dezembro, celebrámos aqui, num curto debate solene, o início da campanha da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Mas, então, fomos meia dúzia a falar para outra meia dúzia a ouvir — aliás, quase um pouco como hoje também.
Hoje, dia 12 de Abril de 2007, daqui a pouco, no «toque a rebate» da hora das votações, será toda esta Assembleia, serão todos os parlamentares que assumirão o compromisso de honra de lutar contra a violência sobre as mulheres, na votação do projecto de resolução subscrito por todos os grupos parlamentares e cujo resultado constituirá um momento de especial e solidária unanimidade.
A partir de hoje, que não restem dúvidas em Portugal sobre o empenho que as Deputadas e os Deputados portugueses se cometem, num combate sem tréguas contra a iniquidade, a injustiça e o sofrimento que se abate sobre mais de um milhão de portuguesas e um número incomensurável de mulheres no mundo, a fazer fé na estimativa de que uma em cada quatro mulheres já foi vítima, pelo menos uma vez, de uma qualquer forma de violência.
A partir de hoje e até Março de 2008, a Assembleia da República estará no terreno, conduzindo a sua própria campanha, modesta nos meios, é certo, discreta no aparato e na propaganda, mas com a grandeza política de quem quer e pode contribuir para minorar este problema.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Queremos evidenciar as boas práticas, mas também as carências que ainda se fazem sentir, quer na prevenção, quer na ajuda às vítimas, quer no apoio às ONG, quer na penalização e no tratamento dos transgressores.
Já no próximo dia 24, a Assembleia da República organizará uma conferência internacional de alto nível, pela qualidade e representatividade dos seus intervenientes, onde se procurará aprofundar a reflexão e o conhecimento deste fenómeno. A abrir, naquilo que é a vocação do Parlamento, o quadro jurídico-legal; depois, trazendo à superfície do debate as novas formas de violência doméstica que têm começado a aparecer — o stalking, tão recente que ainda nem tem tradução em português, o culto da violência na Internet, a violência sobre os mais idosos; finalmente, pretende-se aprofundar a reflexão sobre a qualificação e a quantificação dos custos da violência doméstica.
Pretende, assim, a Assembleia da República abordar ângulos diferentes deste fenómeno, que não estejam ainda suficientemente explorados e que vão muito para lá do «choradinho das coitadinhas» ou do enunciar de uma realidade estatística que, infelizmente, relemos todos os dias nos jornais.
Seguir-se-á a organização de quatro conferências regionais, replicando no País estes temas e estas reflexões, e tendo como critério de selecção de localização precisamente as quatro áreas onde o fenómeno da violência doméstica se faz sentir com maior incidência.
A acompanhar este périplo de debates, a Assembleia da República está a preparar uma exposição itinerante dedicada a esta campanha e à melhor compreensão e informação sobre a violência doméstica.
Paralelamente, estará activo um sítio electrónico autónomo, exclusivamente dedicado à campanha implementada pela Assembleia da República.
Finalmente, merece destaque a organização das duas semanas de activismo parlamentar contra a violência doméstica.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando uma mulher é sujeita a qualquer tipo de violência por parte de um parceiro, existe toda uma série de custos directos e indirectos que afectam toda a sociedade.
Esses actos condenáveis implicam com o sistema de saúde e de assistência médica, desde os tratamentos hospitalares ou pós-hospitalares, tratamentos mentais ou odontológicos.
Implicam com o sistema judicial e criminal, envolvendo polícias, Ministério Público, tribunais, prisões.
Os abrigos e os centros de apoio às vítimas, os serviços sociais, o sistema de segurança social, todos são envolvidos e todos constituem um custo colectivo que temos de pagar.
Mas, quando uma mulher é espancada ou mesmo assassinada, os seus efeitos não se circunscrevem às vítimas, antes se reproduzem naqueles que lhes estão mais próximos, a começar pelas crianças, essas testemunhas silenciosas que guardarão para sempre as cicatrizes da insídia, e a continuar em famílias inteiras, colegas de trabalho ou de lazer, círculos inteiros de amigos ou, até, os próprios agressores.
As perdas de tempo, as perdas salariais, os custos de oportunidade, as perdas de produção, à escala de um país, atingem uma dimensão que a sociedade ainda não apreendeu, e o nosso Parlamento deseja contribuir para esse apuramento.
Mas, se esses números, duros e frios, são importantes, existem outros, chamados custos intangíveis, que não há unguento que alivie, que não há indemnização que pague, que não há perda de memória que apague. Estamos a falar da dor, da ansiedade e do sofrimento que afectam a qualidade de vida das vítimas e de todos os demais envolvidos.
Mais do que o défice orçamental, que nos condiciona aos olhos fiscalizadores da União Europeia, é o défice do respeito pela dignidade e pelos direitos das mulheres, que nos deve envergonhar perante o

Página 31

31 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

juízo das nossas consciências.

Aplausos do PSD e de Deputados do PS, do PCP, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O jornal El Pais de hoje noticia que, na Índia, as funcionárias públicas vão passar a ser obrigadas a preencher um formulário onde têm de responder a uma pergunta sobre o seu historial, o historial do seu período menstrual, nomeadamente colocando a data do último período menstrual, assim como a informação sobre a última licença de maternidade a que tenham tido direito.
Sr.as e Srs. Deputados, esta notícia fala por si e quase que dispensa comentários, tal a indignação que gera.
Poder-se-á dizer que isso se passa lá longe, na Índia. Mas se é verdade que o escândalo, neste caso, chega à afronta de preencher um formulário, tal não significa que aqui, onde vivemos, no continente europeu, isto constitua uma novidade. São por demais conhecidas as situações de inquérito sobre a gravidez a mulheres que procuram emprego.
Este exemplo ilustra, de forma chocante, as discriminações de que mulheres são vítimas por serem mulheres, a discriminação que atinge uma parte da população em função do seu sexo. E se é verdade que muito já mudou e que as normas internacionais cada vez são mais claras no combate a todas as discriminações sobre as mulheres, também não deixa de ser verdade que a lógica da globalização neoliberal tem vindo a reforçar e a impulsionar as discriminações de género, que o exemplo da Índia que aqui referi ilustra bem, mas infelizmente não é único.
E isto vem mesmo a propósito da campanha promovida pelo Conselho da Europa «Luta contra a violência sobre as mulheres, incluindo a violência doméstica», porque o Conselho da Europa decidiu, e muito bem, lançar uma campanha contra a violência sobre as mulheres e não simplesmente uma campanha contra a violência doméstica. E esta questão não é simples retórica, é o reconhecimento de que existem violências sobre as mulheres porque são mulheres.
Debatemos hoje um projecto de resolução, subscrito por todas as bancadas, que vai ser um marco muito importante na vida do Parlamento e um sinal para o País. O Parlamento condena a violência contra as mulheres e compromete-se a que esta questão permaneça na sua agenda política e seja mesmo uma prioridade.
O que importa é que o compromisso que hoje aqui assumimos signifique que, perante a dimensão deste atentado aos direitos humanos, o Parlamento não poupará esforços no seu combate. É uma declaração política de grande importância e que tem de ter consequências.
Já em 2000, este Parlamento deu um passo fundamental, ao aprovar que a violência doméstica é um crime público. Hoje, estão à vista os resultados desta decisão. Foi um facto propulsor de muitas mudanças na sociedade, desde o comportamento das polícias à criação de serviços de apoio.
Mas é preciso mais, sempre mais, e, sobretudo, aperfeiçoar aquilo que se faz e ir mais longe. Inverter a lógica dos pensamentos, dos hábitos, das tradições, dos papéis atribuídos a mulheres e homens. Ir mais longe e mudar a sociedade, que é, sem sombra de dúvidas, patriarcal.
Estão em debate — e aproveito para dizer que aprecio a presença aqui do Sr. Ministro da Justiça (que, por acaso, agora, se ausentou) e do Sr. Secretário de Estado da Justiça —, na especialidade, as alterações ao Código Penal e este é um momento, por excelência, onde se deve aprofundar o debate sobre esta matéria. É um dos momentos onde é possível aperfeiçoar.
Por isso, o Bloco de Esquerda quer aqui reafirmar a sua posição: num crime de violência doméstica, o bem jurídico a defender não é só a integridade física de uma pessoa, é, mais do isso, a sua liberdade e o seu direito à autodeterminação, no contexto familiar e de uma relação em que tem igualdade de direitos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Por isso, ele não pode ser confundido com ofensa à integridade física.
Uma mulher é agredida por um homem na rua, e essa agressão é uma ofensa à sua integridade física. Mas uma mulher que é agredida pelo seu marido ou companheiro é ofendida na sua integridade física mas também o é na sua liberdade e autodeterminação, no contexto de uma relação de confiança onde tem que existir igualdade de direitos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Não pode, por isso, ser desligada da igualdade entre a mulher e o homem, no casamento ou na união de facto. Não pode ser desligada da concepção que está na raiz do pensamento que ainda — ainda! — justifica que o marido possa agredir a sua mulher.
E é isto que deve estar presente quando, em sede de especialidade, o artigo 152.º do Código Penal

Página 32

32 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

for tratado.
A exigência da intensidade e da reiteração para a qualificação da conduta como crime de violência doméstica, significa, na prática, que os agressores continuarão a ser punidos meramente pelo crime de ofensas à integridade física. Incluir estas duas circunstâncias no tipo penal implica a sujeição total ao poder discricionário do procurador do Ministério Público, que decidirá o que é ou não intenso, e, mesmo que passe por este crivo, dificultará a prova em sede de julgamento, pois a mesma terá que ser produzida em relação a todos os factos, nomeadamente quanto à sequência de datas que justifica a reiteração.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é uma questão muito importante e por isso o Bloco de Esquerda quis trazê-la hoje aqui e colocá-la directamente ao Governo, para que, na especialidade, se possa ponderá-la seriamente.
O combate à violência sobre as mulheres também passa pelo fim da impunidade dos agressores — e é isso que pode estar em causa com esta alteração.
Termino, reafirmando o apoio do Bloco de Esquerda ao projecto de resolução hoje debatido e o nosso compromisso no seu cumprimento.
Esta é tarefa de todos, mulheres e homens. E ainda bem que a Assembleia da República também a assume.

Aplausos do BE, do PCP e de Deputados do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A violência contra as mulheres ofende-nos na nossa dignidade humana. Ela é global, sistemática e está enraizada nas diferenças de poder e de desigualdade estrutural entre mulheres e homens.
Está para além de especificidades históricas, sociais e religiosas. É universal e permanente. Afecta as mulheres de forma desproporcional, só porque são mulheres: desde o sofrimento físico e mental até outras formas de coação ou inibição da liberdade, como a privação económica ou isolamento.
Thomas Friedman fala-nos de um mundo plano, onde tudo passa a ser visível e que vem evidenciar uma monstruosidade inimaginável, a de uma anomalia demográfica que nos conta que faltam 100 milhões de mulheres no mundo. Faltam, simplesmente porque morreram: umas, antes de terem nascido, outras, vítimas de infanticídio, e outras ainda, de negligência ou de maus-tratos.
A discriminação e os maus-tratos começam muito cedo, ainda na infância. Em muitas partes do mundo, as crianças do sexo feminino estão privadas da escolaridade básica, são maltratadas, exploradas e vítimas de preconceitos, sofrem, de forma particular, as consequências da pobreza e, muitas das vezes, são encaminhadas para o trabalho infantil e para a exploração sexual.
Do que falamos é do direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, que constitui um direito inalienável e inerente à dignidade da pessoa humana, que clarifica as obrigações do Estado na prevenção, erradicação e punição da violência, que impõe o «empoderamento» das mulheres no sentido de se tornarem autónomas e independentes, e que exige a intervenção articulada, multissectorial dos vários sectores que compõem o Estado.
É um problema velho, bem velho, que carece, no entanto, de respostas novas, que tenham em conta a forma como as sociedades vão evoluindo.
De facto, apesar de uma significativa elevação do nível educativo, que deveria pressupor maior civilidade nas relações interpessoais, as manifestações de violência aumentam e apresentam novas formas; apesar de uma elevada participação das mulheres no mundo do trabalho, que deveria pressupor uma maior autonomia e independência, os testemunhos destas mulheres batidas e sofridas tardam a ser reconhecidos como credíveis, e muitas mulheres permanecem prisioneiras isoladas no seu mundo de violência; apesar de uma progressiva e significativa melhoria das condições gerais de vida, no entanto, persistentes vulnerabilidades, assimetrias e exclusões são responsáveis por uma violência que não cede, antes se acentua; e apesar de uma significativa e compreensiva evolução na feitura de leis, que definem o crime como crime público, que prevêem a protecção da vítima e que punem o agressor, porém, como bem recentemente aconteceu na sociedade portuguesa, a interpretação do crime e a análise da vítima continuam condicionadas a preconceitos e estereotipias.
As leis não dispensam uma mudança de mentalidades.
Este projecto de resolução, que hoje aqui apresentamos, integra-se numa campanha comum da União Europeia que procura evidenciar como é inaceitável a persistente violência contra as mulheres nas suas múltiplas formas, como é fundamental reforçar o empenho político e a intervenção conjunta de todos os decisores para identificar formas e recursos que previnam e combatam de forma sustentada a violência contra as mulheres, e como é indispensável o envolvimento de toda a comunidade não só na identificação das situações e do acolhimento decorrente mas também no empenhamento activo na sua eliminação. E a finalidade desta resolução e de todas as outras medidas que se queiram preconizar será sempre a de garantir a igualdade, a liberdade e a dignidade das mulheres.

Página 33

33 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Esther Mujawayo, mulher ruandesa e tutsi, sobrevivente da tragédia do Ruanda, afirmou: «Passei da condenação de viver à escolha de viver. Não foram os meus assassinos que me deixaram viva, sou eu que hoje escolho viver».
Combater a violência contra as mulheres é lutar por este direito.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ontem, esteve no Parlamento, mais uma vez, o Director-Geral de Saúde, para pôr a Comissão de Saúde a par dos esforços que têm vindo a ser desenvolvidos por Portugal, e a nível internacional, no sentido de prepararmos as nossas comunidades para a mais do que provável pandemia da «gripe das aves». Existem planos de contingência, procedimentos experimentados à exaustão, programas de monitorização ao segundo, constituindo sempre este tema um chamariz para a opinião pública e publicada.
Por outro lado, no recente período da Páscoa — como, aliás, acontece por ocasião de todos os finsde-semana prolongados, bem como nas tradicionais datas de início e fim de férias —, foi montado um fortíssimo dispositivo da Brigada de Trânsito, no sentido de evitar os tristemente recorrentes acidentes fatais. Ora, estas operações merecem honras de abertura de telejornais e têm mesmo denominação própria alusiva à época. E estas fatalidades são acompanhadas em tempo real e comparadas estatisticamente com os anos anteriores.
É evidente que a deflagração de uma pandemia poderá assumir proporções incontroláveis e cenários de letalidade assustadoramente imprevisíveis. É certo que os nossos tristes números da sinistralidade rodoviária superam os registos da violência doméstica. Mas não é menos certo que a totalidade das vítimas do H5N1 ascende a duas centenas, a nível mundial, contra centenas e centenas de milhões de mulheres vítimas de todo o tipo de violência todos os anos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Oradora: — A ONU estima que, no mundo, cerca de uma em cada três mulheres é vítima de violência em função do género. Mesmo a nossa Europa, este espaço de liberdades que tanto prezamos, tem uma taxa de violência contra as mulheres que muito nos deve envergonhar — uma em cada cinco mulheres. O Conselho da Europa diz mesmo que a violência contra as mulheres constituiria a principal causa de morte ou invalidez das mulheres. Isto para não falar na violência psicológica, também ela um tipo muito importante de violência.
E quantas mulheres saberão que o constante rebaixamento, as permanentes humilhações e a falta de autodeterminação são uma forma de crime de violência? Ora, nada disto abre, no dia-a-dia, os telejornais, nem a habitual manchete dos jornais. A violência contra as mulheres, muito particularmente a violência doméstica, não adquiriu, apesar da sua gravidade e dos seus números — e estima-se que apenas 50% das ocorrências são denunciadas e divulgadas —, o estatuto público de flagelo, em termos quer da opinião pública quer da opinião publicada.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Oradora: — E tanto esta opinião pública como esta opinião publicada lidam com este flagelo de uma forma quase tão silenciosa como os respectivos números, provavelmente porque estes cerca de 40 000 crimes anualmente praticados em Portugal são-no no silêncio do lar e contra o segundo sexo, o chamado «sexo mais fraco».
Aliás, o silêncio parece ser a palavra de ordem quando estão em causa estas práticas profundamente cobardes e que, de facto, não conhecem fronteiras.
É o silêncio das vítimas, muitas vezes física, psicológica ou financeiramente subjugadas.
É o silêncio da sociedade, que ainda considera alguns tipos de violência com alguma naturalidade.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — É o silêncio das instituições, que ainda tendem a branquear este tipo de crimes.
É o silêncio das famílias, que tantas vezes preferem uma fotografia familiar composta à justiça imposta.
É o silêncio da comunicação social, para a qual existem temas muito mais apelativos do que as questões domésticas.
A violência contra as mulheres poderá não ser o H5N1, mas a violência praticada no silêncio do lar, com tanta cobardia, tanta prepotência e tanto desprezo humano, é um verdadeiro flagelo. É uma epidemia global e tenebrosa, que se impõe combater globalmente. Globalmente, tendo em conta a sua com-

Página 34

34 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

plexidade, a sua perversa subtileza e os seus múltiplos contornos. E globalmente porque, tratando-se de um conjunto de crimes e de violações dos direitos humanos, não conhece fronteiras geográficas, sociais, culturais ou económicas e carece, portanto, de um esforço global de todos os países.
Em boa hora, decidiu, pois, o Conselho da Europa organizar uma campanha transeuropeia de luta contra a violência sobre as mulheres, à qual, felizmente, o Parlamento se associou de forma incondicional e empenhada. De facto, só um esforço empenhado e conjunto permitirá a todas as mulheres, num futuro que esperamos próximo, ver respeitados os seus direitos, a sua dignidade e a sua autodeterminação.
Por parte do CDS, Sr.as e Srs. Deputados, poderão contar com um empenhamento incondicional nesta luta.

Aplausos do CDS-PP, do BE e de Deputados do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

O Sr. Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No passado dia 7 de Dezembro, o Parlamento português assinalou a adesão de Portugal à iniciativa da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa intitulada «Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres».
Hoje, estamos justamente a dar sequência a essa adesão com um projecto de resolução muito concreto sobre essa iniciativa, o qual contém um conjunto de compromissos que hoje este Parlamento assume, no sentido de conhecer melhor e mais em concreto a dimensão da violência doméstica em Portugal e de divulgar esse conhecimento para fora desta Casa.
Por outro lado, assume-se também uma responsabilidade em acções de consciencialização, o que consideramos extremamente importante. Por isso, subscrevemos — evidentemente, também em conjunto com todos os outros grupos parlamentares — este projecto de resolução. Consideramos ser este um passo extraordinariamente importante de responsabilização e de acção que este Parlamento, hoje, assume relativamente à matéria e ao objectivo do combate à violência doméstica.
Queremos, contudo, referir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que embora os objectivos traçados neste projecto de resolução sejam extremamente oportunos e importantes, servindo quase como uma alavanca essencial para a nossa acção emergente, relativamente a esta matéria nunca nos poderemos esquecer de que também aqui, na Assembleia da República, discutimos um conjunto de matérias relacionadas com esta — muitas vezes, directamente, outras, indirectamente — que devem merecer a nossa atenção e obrigar-nos a interpretá-las muitas vezes com o objectivo que hoje assumimos, de perceber em que medida elas podem ou não contribuir para o combate à violência doméstica.
Se pensarmos, por exemplo, que 65% dos casos de crimes de violência doméstica são sob a forma continuada e que essa continuidade na agressão muitas vezes se prende com uma forte dependência económica que as mulheres ainda têm em relação aos seus companheiros; se percebermos que as mulheres são as maiores vítimas de desemprego, são as maiores vítimas do trabalho a tempo parcial involuntário e que estão remetidas, de facto, a este flagelo social, devemos também interpretar estes fenómenos, direccionando-os e relacionando-os directamente com este objectivo que aqui, hoje, estamos a assumir.
Para além disso, também assumimos o compromisso de, relativamente à inúmera legislação, aos inúmeros planeamentos que já foram feitos em torno desta matéria, percebermos em que medida eles estão concretizados e a ser objectivados em torno deste nosso compromisso.
Por exemplo, relativamente às 20 595 queixas de violência doméstica que foram apresentadas às nossas forças de segurança no ano de 2006, se pensarmos que temos uma resposta de 34 casasabrigo, com 485 vagas — sendo certo que aqui estamos a falar de casos extremos —, então, percebemos que estamos muito aquém da resposta necessária, quer na prevenção quer ao nível do apoio.
Se pensarmos noutras matérias, extraordinariamente importantes, constantes desses planos de combate à violência doméstica, como a integração nos planos curriculares da educação para os afectos, da educação para o respeito, da educação para a igualdade, que não estão a ser concretizadas nem generalizadas nos planos curriculares das nossas escolas e que têm como objectivo as nossas crianças e os nossos jovens (são resultados que não se conseguem a curto prazo, embora sejam extraordinariamente importantes a médio e longo prazos, para as futuras gerações e para a resposta das futuras gerações a esta matéria, especialmente para aquelas crianças que têm uma vivência de agressão nos seus lares), então, percebemos que essas matérias são extraordinariamente importantes.
Termino, Sr. Presidente, referindo o seguinte: sem percebermos que este objectivo deve ter um adequado a um financiamento, equiparado à importância que lhe estamos a dar, não vamos muito longe, ficamo-nos pelos planos das intenções. Mas no próximo Orçamento do Estado temos também, como Parlamento, a obrigação de dar uma importância determinante, em sede de financiamento, a estas respostas que hoje estamos aqui a abordar e que, seguramente, quereremos intensificar.

Página 35

35 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Aplausos de Deputados do PS, do PSD, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje um projecto de resolução subscrito por todas as bancadas em que a Assembleia da República se associa à campanha lançada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa relativa à questão da violência sobre as mulheres, incluindo a violência doméstica.
É um assunto da maior importância que tem, entre nós, merecido alguns desenvolvimentos a nível político e legislativo que, sendo ainda insuficientes, demonstram uma atitude diferente de alguns anos atrás em relação a este grave problema.
É evidente que hoje temos já um registo muito superior aos de anos anteriores. Por exemplo, em 2006, aumentaram em 30% os casos de violência doméstica registados pelas forças de segurança. Mas estamos convencidos — como julgo, aliás, ser geralmente aceite — de que isto decorrerá, porventura, mais de um acréscimo de registo de queixa e de recurso às forças de segurança do que o anteriormente existente. Mas este é um sinal positivo. É um sinal de que há uma consciência maior dos direitos nesta matéria, de que há uma consciência maior da inaceitabilidade da violência doméstica, designadamente da violência sobre as mulheres, e de que essa consciência leva a uma maior denúncia e permite, assim, uma maior acção do ponto de vista judicial e das forças de segurança.
É muito importante que se continue neste caminho; é muito importante que, através deste caminho, se contribua também para a alteração das mentalidades, mas não podemos esperar pela alteração das mentalidades para tomar as medidas necessárias para combater a violência doméstica, porque esse não seria o caminho eficaz nem adequado.
Quero, ainda, dizer que a campanha não é só sobre a violência doméstica. Há outras formas, igualmente repugnantes, que devemos combater, de violência sobre as mulheres, que têm a ver, certamente, com a criminalidade, com o tráfico de mulheres e com muitas outras questões que, hoje, preocupam as sociedades modernas e as forças de segurança nos países europeus e em todo o mundo em geral, mas também formas de violência que derivam da aplicação de políticas anti-sociais e que, sendo anti-sociais, penalizam duplamente as mulheres. As mulheres são muitas vezes mais penalizadas pelas políticas que aumentam o desemprego, pelas políticas de precariedade que atingem sobretudo as mulheres trabalhadoras, pelas política que aumentam a desigualdade, sabendo nós que a desigualdade é mais desigual para as mulheres na maioria das sociedades.
É preciso também que, nesta campanha, com estas medidas e na discussão e no debate das medidas sobre a questão da violência sobre as mulheres não esteja afastada a questão das políticas sociais, das políticas económicas, das políticas de emprego. É preciso, certamente, mudar de mentalidades, mas em muitas destas questões é também preciso mudar de políticas. Essa mudança de políticas é que pode assegurar que em tantos aspectos da vida das mulheres portuguesas, europeias e de outros países do mundo possa haver uma vida melhor, mais justa e possa combater-se a violência de todos os tipos sobre as mulheres.

Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, a concluir este debate, tem a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Entretanto, recordo que, a seguir, passaremos ao período de votações.
Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Jorge Lacão): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que comece por saudar a iniciativa da Assembleia da República, associada à campanha lançada no âmbito do Conselho da Europa sobre a violência contra as mulheres, de aprovar uma resolução que visa inscrever o combate à violência doméstica na agenda política como uma prioridade.
Não podemos escamotear a circunstância de as ocorrências de violência doméstica terem apresentado, no ano passado, um acréscimo de participação na ordem dos 13%. Não conseguimos imputar com clareza a causa deste acréscimo de participações a um efectivo aumento das ocorrências, mas podemos afirmar que o fenómeno assume cada vez maior visibilidade na sociedade portuguesa e que esta fica a dever-se às campanhas públicas de sensibilização, a uma maior consciencialização das vítimas para os seus direitos e a uma maior confiança na resposta das instituições.
Por isso, a estratégia tem de ser, cada vez mais, uma estratégia concertada, tem de incluir acções que envolvam todos os poderes públicos e também a sociedade civil. Da importância desta concertação fazem também eco os dados fornecidos pelo relatório de segurança interna, dos quais me permito destacar o desenvolvimento de estratégias de proximidade por parte das forças de segurança, nomeadamente através da celebração de protocolos com diversas entidades públicas, instituições particulares de solida-

Página 36

36 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

riedade social e organizações não governamentais no âmbito da prevenção e apoio às vítimas de violência doméstica.
Criou-se, por outro lado, um novo modelo de auto de notícia padronizado para as ocorrências relacionadas com a violência doméstica, bem como o formulário de avaliação do risco de ocorrências de violência doméstica. Estes modelos têm contribuído para uma melhoria da qualidade do atendimento e apoio às vítimas, para consolidar a investigação criminal e a actuação policial, bem como a necessária caracterização estatística do fenómeno do ponto de vista sociológico.
De entre as várias medidas tomadas pelo XVII Governo, permitam-me realçar: a alteração mais compreensiva e abrangente do novo tipo penal de violência doméstica, submetido a esta Assembleia da República no quadro da revisão do Código Penal; a alteração à lei do apoio judiciário, também sob a forma de proposta de lei, que consagra diversas referências de particular relevância no apoio às vítimas de violência doméstica.
Em primeiro lugar, quando o litígio envolva membros do mesmo agregado familiar, o rendimento relevante para efeitos de determinação da situação de insuficiência económica será o rendimento individual do requerente. Em segundo lugar, prevê-se a possibilidade de ser nomeado, à vítima de violência doméstica, o mesmo patrono no processo penal por crime de violência doméstica e nos processos de divórcio e de regulação do poder paternal. Por último, ficou ainda consagrado que a consulta jurídica possa ser prestada também por entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos.
Outra medida que reflecte a preocupação com a protecção da vítima foi aprovada pelo Conselho de Ministros: trata-se do decreto-lei que isenta as vítimas de violência doméstica do pagamento de taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde.
Hoje mesmo o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, a primeira proposta de lei sobre a política criminal. Nela, o combate à violência doméstica é assumido como uma prioridade, pois esta surge inserida quer no conjunto dos crimes de prevenção prioritária quer no conjunto dos crimes de investigação prioritária.
Tem vindo, igualmente, a ser alargada a rede de sedes de atendimento a todos os distritos do País, estando prevista a existência de um núcleo de atendimento por distrito, até final de 2007, faltando, aliás, apenas, cinco distritos.
Pondo agora os olhos no futuro: no dia 8 de Março, o Conselho de Ministros aprovou uma resolução de enquadramento de três planos vitais no tocante directamente às temáticas de igualdade de género — o III Plano Nacional para Igualdade, o III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica e o I Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos. Estes três planos, dentro em breve, serão sujeitos a consulta pública, de molde a que possam ser enriquecidos e, de seguida, aprovados, num prazo não superior a 60 dias.
Está previsto o aperfeiçoamento e o alargamento da rede social de protecção, bem como de outras respostas integradas de base comunitária dirigidas à redução dos efeitos negativos da violência doméstica.
Teremos, Sr.as e Srs. Deputados, que garantir a protecção das mulheres vítimas de violência de várias formas integradas, nomeadamente através dos programas de tratamento e controlo para agressores, mas também da qualificação e especialização profissional daqueles que tenham de lidar com este fenómeno.
Desejo, por isso, destacar o facto de as respostas institucionais dirigidas aos trabalhos de sensibilização e prevenção da violência doméstica deixarem, definitivamente, de estar a cargo de uma estrutura efémera para passarem a integrar-se nas atribuições permanentes da nova Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Assim, estaremos todos — Assembleia da República, Governo, instituições e sociedade civil — em melhores condições de unir esforços para combater, em conjunto, o flagelo da violência doméstica.

Aplausos do PS, do PSD e do BE.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluído o debate sobre o projecto de resolução n.º 200/X, vamos entrar no período regimental de votações.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 200 presenças, às quais se somam 2 registadas pela Mesa, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Em primeiro lugar, vamos votar o projecto de resolução n.º 200/X — Parlamentos unidos para comba-

Página 37

37 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

ter a violência doméstica contra as mulheres (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade e aclamação, de pé.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 107/X — Cria um regime de mediação penal, em execução do artigo 10.º da Decisão-Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS-PP e do BE e votos contra do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Luís Fazenda pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, queria anunciar que o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda entregará na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
A Sr.ª Secretária vai dar conta de um parecer da Comissão de Ética.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, Processo n.º 127/04.0 — TAVVD, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves (PS) a comparecer a julgamento, no âmbito dos autos em referência, suspendendo para o efeito o seu mandato de Deputado pelo tempo estritamente necessário à realização do julgamento.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade

Srs. Deputados, terminadas as votações, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 117/X — Aprova o regime de organização e funcionamento do Conselho Superior da Magistratura e do projecto de lei n.º 243/X — Aprova a Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura (PSD).
Para apresentar a proposta do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O XVII Governo Constitucional incluiu no seu Programa o propósito de rever a orgânica e o funcionamento dos conselhos superiores, com especial destaque para o Conselho Superior da Magistratura, com o objectivo de proporcionar condições adequadas para o bom desempenho da sua missão constitucional.
Na abertura do último ano judicial, o Governo reafirmou este compromisso, ao mesmo tempo que assinalava que era fundamental que as reformas na área da justiça dispusessem de um suporte parlamentar alargado, para poderem perdurar. Esta é uma dessas reformas e, em torno dela, veio a ser encontrada uma significativa convergência político-parlamentar, que esperamos que ainda venha a ser ampliada.
Há sensíveis diferenças na composição e nas competências dos conselhos superiores das magistraturas nos diversos países. Nuns casos mais órgãos de poder, noutros mais profissões, noutros mais sociedade; nuns casos mais pluralismo, noutros mais homogeneidade. Mas o facto é que estes órgãos revelaram-se, nas últimas décadas, as soluções institucionais apropriadas para assegurar a gestão e a disciplina da magistratura judicial em condições que garantam a sua independência e, ao mesmo tempo, níveis indispensáveis de participação, pluralismo e legitimação.
Não há que confundir todas e cada uma dessas funções com puras soluções de autogoverno, essas, sim, expressivas de um governo de corpo, separado dos órgãos electivos e relevando de uma outra conceitualização do Estado.
O caso constitucional português é claro. No Conselho Superior da Magistratura existe uma maioria, ainda que tangencial, de membros designados por órgãos de soberania eleitos — Presidente da República e Assembleia da República —, e emergindo os restantes membros da magistratura judicial.
Esta solução constitucional representa uma evolução da construção originária e oferece, no plano da composição, uma resposta equilibrada, quer às exigências do princípio democrático quer à garantia da independência dos juízes.
Não obstante a boa resposta constitucional, o nosso Conselho Superior da Magistratura permaneceu, durante décadas, sem um estatuto e sem condições à altura das responsabilidades que lhe estão atribuídas pela Constituição. O facto é que desta decorria com evidência o imperativo da mais ampla garantia da autonomia.

Página 38

38 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

da autonomia.
Com o significativo aumento do número de juízes que se encontram sob a alçada do Conselho, com uma actividade judicial mais complexa e submetida a crescentes solicitações, com as novas realidades no domínio da cooperação à escala europeia e global, nomeadamente o surgimento das redes, com as novas exigências no domínio tecnológico e comunicacional, com a necessidade de um mais eficiente acompanhamento de um sistema judicial em mudança, o nosso Conselho Superior da Magistratura de há muito que tem vindo a trabalhar em condições muito limitativas, o que ressalta vivamente na comparação com vários dos seus congéneres.
Em ordens constitucionais vizinhas, os níveis elevados de autonomia e as condições de funcionamento encontraram há décadas consagração em consistentes leis orgânicas, que delimitaram missões e responsabilidades.
Quero aqui prestar homenagem a todos os que, em condições de dificuldade, em representação da magistratura judicial, do Presidente da República e da Assembleia da República, deram o seu melhor para bem cumprir as missões constitucionais do Conselho, dando um contributo relevante para a garantia da independência dos juízes e para o funcionamento do nosso sistema judicial.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Muito bem!

O Orador: — O objectivo desta iniciativa legislativa é, por um lado, proporcionar as condições necessárias para um melhor desempenho e, por outro, dar expressão plena à garantia constitucional que a existência do Conselho representa, consagrando a sua autonomia administrativa e financeira — autonomia administrativa e financeira que, até agora, nunca existiu, nem mesmo quando passou a estar prevista na lei a autonomia dos tribunais superiores.
A boa gestão e a disciplina da magistratura requerem hoje melhores condições de acompanhamento e ligação aos tribunais, mais capacidade para responder às diversas solicitações do público que a actividade judicial desencadeia, disponibilidade efectiva de recursos tecnológicos, condições para uma intervenção adequada na esfera formativa, meios para uma sucedida interlocução externa, numa época em que nenhuma profissão ou entidade representativa pode escapar a exigências acrescidas de internacionalização.
A atribuição dos novos meios e condições institucionais, visando superar uma situação de descaracterização e atrofia organizativa a que o Conselho Superior da Magistratura tem estado condenado, é um marco significativo na evolução do nosso Estado de direito democrático.
Queremos, numa base tão consensual quanto possível, levar a cabo a reforma que não aconteceu nas últimas três décadas e tornar mais consistentes na sociedade portuguesa as garantias institucionais e organizativas da independência dos juízes.
Pretendemos não só dar um sinal inequívoco acerca do relevo crucial da independência dos juízes como também gerar condições que permitam conferir maior solidez às garantias dessa independência.
Este é um caminho onde não basta a proclamação ou a celebração, onde é preciso criar realidades institucionais que materializem e assegurem os princípios que se enunciam. Se até agora as normas constitucionais não tiveram na legislação ordinária as soluções mais consentâneas, é altura de levar a cabo essa tarefa, em primeiro lugar, a pensar numa solução que dê mais força à independência judicial e, também, que dê mais força à expectativa que a sociedade coloca nela.
Queremos, também, criar melhores condições para ser legítimo esperar melhores respostas, com benefícios para os cidadãos que são, em última análise, os destinatários da actividade judicial.
Conferindo ao Conselho os instrumentos necessários para o cabal desempenho das suas funções, enquanto garante do princípio da independência, contribui-se para um papel mais activo na administração e gestão do corpo dos magistrados judiciais, através da centralização nele de competências de estudo, planeamento e gestão, sem os quais o seu desempenho não pode ser satisfatório, nomeadamente naqueles domínios que a Constituição expressamente refere — nomeação, colocação, transferência, promoção e exercício da acção disciplinar.
Uma das consequências mais importantes decorrentes desta iniciativa legislativa e do quadro autonómico que a institui é a transferência das competências relativas aos movimentos judiciais para o Conselho Superior da Magistratura. É neste órgão que passa a ser organizado o processo e elaboradas as propostas de movimentos judiciais, o projecto de orçamento anual e suas alterações, o acompanhamento da execução orçamental e o processamento das remunerações.
Assim, será o Conselho Superior da Magistratura, a entidade mais próxima dos magistrados judiciais e com melhor conhecimento das necessidades de cada tribunal, quem passa a ser responsável pela movimentação dos juízes e respectiva colocação nos tribunais nas várias vertentes relevantes.
Numa próxima revisão constitucional, à luz dos nossos compromissos políticos, admitimos que se justifique o aperfeiçoamento de algumas soluções da nossa constituição judicial, mas a solução constitucional prevista para a gestão e disciplina da magistratura judicial parece-nos oferecer as condições necessárias para uma resposta positiva através dos meios legislativos e organizativos que com esta iniciativa se pretende prover. A introdução de alterações no Estatuto dos Magistrados Judiciais que se encontra

Página 39

39 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

prevista para breve, e daí não se versar aqui essa matéria, permitirá reforçar ainda mais esses meios.
Exprimimos, desde já, a nossa concordância em relação a uma solução do tipo daquela que é proposta no projecto de lei do PSD, no sentido de valorizar o papel dos membros não togados do Conselho. O que se faça numa sociedade proporcionando mais garantias à independência dos juízes releva para a qualidade da justiça e para a qualidade da democracia. O que se faça para assegurar condições legislativas que permitam um melhor desempenho por parte de um órgão constitucional como o Conselho Superior de Magistratura é também uma tarefa de concretização do próprio modelo orgânico constitucional, até agora por completar, e é ainda uma tarefa de clarificação, de delimitação de missões, cuja percepção ficará melhor assegurada. A sociedade fica a ganhar com uma maior legibilidade das soluções constitucionais.
Desde a entrada em vigor da solução constante da Constituição de 1976 até agora vivemos uma fase.
Inicia-se agora outra. Mais fortes garantias de independência, mais condições e mais recursos para responder, mais nítida repartição de responsabilidades, tendo em vista a sociedade e os destinatários da justiça, são as marcas da fase que vamos iniciar. Como sempre, estaremos abertos a aperfeiçoamentos na especialidade, alguns dos quais à vista de sugestões já colhidas e que admitimos poderem ter justificação, desejando sobretudo que tais aperfeiçoamentos possam alargar mais o apoio a esta iniciativa.
Fazemos votos e esperamos que, perante uma iniciativa que melhora significativamente as condições que garantem a independência dos juízes, seja possível exprimir o mais amplo apoio parlamentar, porque sem voto não há democracia, mas sem plena garantia da independência judicial não há Estado democrático de direito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de lei n.º 243/X, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Discutir o estatuto orgânico e funcional do Conselho Superior da Magistratura é tocar numa das questões mais sensíveis do Estado constitucional dos nossos dias. É que quando falamos da autonomia do Conselho Superior da Magistratura estamos a falar, ao mesmo tempo, do equilíbrio de poderes entre o executivo (o Ministro da Justiça) e o judicial (o poder que tem a função jurisdicional) e até, como vemos aqui, do equilíbrio de poderes com o legislador.
Quer dizer, o Conselho Superior da Magistratura é um órgão atípico que está, precisamente, no confronto entre três ângulos: o ângulo do legislativo, que estamos agora aqui a discutir, e os ângulos executivo e judicial.
Por isso mesmo, o PSD, muito embora congratulando-se com a iniciativa quer do nosso Grupo Parlamentar quer com a do Governo e com o sentido global de ambas, lamenta aquilo que o Sr. Ministro vem agora aqui anunciar, ou seja, uma disponibilidade para numa reforma constitucional rever o estatuto dos conselhos, não o fazendo já de uma só assentada. Aliás, houve oportunidade para isso e até houve um projecto proposto por nós para o efeito.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — É verdade!

O Orador: — O PS é que não quis! Vamos andar, de revisão em revisão, até à revisão final. É pena, porque é muito difícil — digo eu — mexer na autonomia administrativa e financeira do Conselho Superior da Magistratura sem tocar em outros aspectos.
Evidentemente, já o fazemos no nosso projecto, por vias travessas, quando asseguramos, justamente pelo lado da autonomia orçamental — e julgo que esta é uma inovação muito importante —, a presença a tempo pleno dos chamados membros leigos, isto é, dos membros não magistrados. Quando se permite que os não togados tenham assento pleno vai-se ao encontro de uma reivindicação dos próprios, que sentiam no Conselho uma capitis diminutio. Em vez de ser um Conselho de governo plural das magistraturas, era, na verdade, um Conselho — e é — de autogoverno das magistraturas. Para isso precisa de membros leigos não togados a tempo inteiro e, portanto, nesse sentido vai a nossa proposta.
Fazemos, já aqui, julgo, uma correcção muito importante que é possível fazer num nível legal. Porém, era possível ir muito mais longe e até harmonizar a tríade de Conselhos existentes — justamente porque há essa diferença até entre eles na sua composição — no plano constitucional.
Enfim, o PS não quis que assim fosse, mas como vai nesta tentativa de «essay and error» já deu conta do erro, e portanto para a próxima ele será reparado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Very british!

O Orador: — Sob o ponto de vista da autonomia financeira, o projecto do PS está mais conseguido

Página 40

40 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

até do que o nosso, uma vez que o nosso estava…

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Mas o nosso correspondia a uma proposta feita pelo próprio Conselho que se via como serviço integrado e não como um serviço autónomo. Portanto, estamos plenamente dispostos a dar todo o aval àquela que é a solução orçamental financeira proposta pelo Governo. Parece-nos ser esta a solução correcta, que, aliás, está de acordo com aquilo que constou do acordo político-parlamentar feito entre os dois maiores partidos aqui nesta Câmara.
Porém, há dois aspectos do projecto governamental que nos merecem algumas reticências e que, julgo, em sede de especialidade, deviam ser merecedores de reflexão.
O primeiro diz respeito ao aspecto de pôr o Conselho Superior da Magistratura a processar vencimentos de magistrados. Esta ideia de converter o Conselho Superior da Magistratura numa espécie de direcção-geral alternativa, numa espécie de duplicação de direcção-geral, burocratizando o próprio Conselho…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — E a autonomia?!

O Orador: — A autonomia nada tem a ver com o processamento de vencimentos!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Tem, tem!

O Orador: — O Sr. Deputado Osvaldo Castro está a interpelar-me directamente e eu não deixo de lhe responder. Permita-me que lhe diga que a autonomia tem a ver com algo que talvez o PS não tenha sabido respeitar: o estatuto remuneratório dos magistrados, que é composto não apenas pelos índices remuneratórios mas por certas garantias sociais. Isso é que é o estatuto remuneratório e é esse que perturba a independência! O modo como se paga, se é por cheque, por transferência bancária e se vem da DGO (Direcção-Geral do Orçamento) ou do Ministério da Justiça, nada tem a ver com independência, mas com o canal pelo qual se recebe.
Isso só vai contribuir para a burocratização do Conselho, quando este, pelo contrário, deve estar concentrado em tarefas estratégicas e políticas e não em tarefas burocráticas e administrativas.
Para além disto, há um outro aspecto muito importante e que diz respeito ao artigo 13.º. Do nosso ponto de vista, o Conselho Superior da Magistratura não deve ter uma interferência larga em matéria de formação.
A matéria de formação e de recrutamento dos juízes é uma matéria da polis, da comunidade democrática, e por isso não deve depender de órgãos que tenham uma lógica corporativa. Por exemplo, não faz qualquer sentido os professores do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), que se pretende aberto à sociedade civil, que se pretende «refrescado», estarem sujeitos quase que a um veto do Conselho Superior da Magistratura ou a um parecer vinculativo ou conforme! Isto em nada contribui nem para a independência do órgão e mistura competências.
A formação dos juízes, a selecção dos juízes, o seu recrutamento não é matéria do Conselho. A matéria do Conselho é a nomeação. Pelo contrário, a formação e selecção dos juízes é matéria da polis, da nossa comunidade democrática! Somos nós, Parlamento, e porventura o Governo, por nós fiscalizado, que temos de tratar dessa matéria num sentido prospectivo que não seja um sentido quase que endógeno às próprias corporações.
Evidentemente, isto seria diferente se a composição do Conselho Superior da Magistratura também fosse diferente. Aí tudo seria diferente. Mesmo assim, a composição do Conselho Superior da Magistratura, quando comparada com outros, é uma composição aceitável.
Quando se quer legislar sobre autonomia administrativa e financeira legisle-se só sobre isso no contexto do quadro de competências actualmente existente. Estamos de acordo que é preciso dar meios e recursos ao Conselho, que não os tem — estamos totalmente de acordo —, mas demos-lhe no actual quadro de competências.
Não vamos agora expandir, fora de uma reforma mais vasta e contextualizada, essas competências.
É que a pergunta que se faz é a seguinte: então o Conselho Superior do Ministério Público nada tem a dizer sobre a formação no CEJ?! E o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais não háde, também a prazo, ter algo a dizer no CEJ?! Daqui a pouco já estamos aqui a tomar uma opção de formação, em sede estatutária do Conselho Superior da Magistratura, que não faz qualquer sentido! A opção de formação dos magistrados deve ser objecto de um tratamento autónomo, completo, integral, contextualizado e transparente, aqui, nesta Câmara. E aí todas as opções são possíveis, mas deve ser tratado em conjunto. Não deve ser aqui «enxertada» com pequenos privilégios, prerrogativas, vetos, pareceres vinculativos, que podem, eles próprios, vir a desvirtuar a lógica da selecção transparente, aberta, democrática e não corporativa dos futuros magistrados.

Página 41

41 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — São estas as reservas que apresentamos à proposta do Governo e que estamos dispostos a, com toda a abertura, trabalhar em sede de comissão especializada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje uma proposta de lei e um projecto de lei do PSD que, entre outras alterações, indo à alteração essencial, conferem ao Conselho Superior da Magistratura autonomia administrativa e financeira.
A nosso ver, são propostas importantes para a organização deste órgão, que, aliás, traduzem uma aspiração antiga dos juízes para reforçar a independência dos tribunais enquanto órgão de soberania e que o CDS não desconhece.
Quando se exige, e bem — e exige-se, cada vez mais —, maior rigor e eficácia aos tribunais também é necessário proporcionar os meios materiais e legais adequados ao desenvolvimento das suas funções de forma eficaz.
Para o CDS-PP, a mais meios — neste caso, legais — devem corresponder maior responsabilidade e maior qualidade para as decisões dos tribunais. Estamos certos que assim ocorrerá, mas não podemos deixar de formular este desejo.
Esta posição é coerente. Recorde-se, a propósito, o que foi dito em sede de audições na 1.ª Comissão, quando anteriores governos apresentaram vários projectos idênticos e só as vicissitudes políticas por todos conhecidas impediram a aprovação de um diploma similar a este que discutimos. Aliás, o anteprojecto que contém grande parte destas propostas foi, em 2003, apresentado pela então ministra Celeste Cardona.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Esse era péssimo!

O Sr. António Filipe (PCP): — Assim, ainda nos leva a votar contra!

O Orador: — Por isso, na generalidade, estas propostas merecem a concordância do CDS-PP.
De facto, reconhecemos que vêm colmatar uma lacuna existente no nosso ordenamento jurídico desde 1978 e que consiste na inexistência de um corpo legislativo que consagre uma estrutura orgânica adequada ao estatuto e à importância do Conselho Superior da Magistratura. Salientamos, a título de exemplo, que a Procuradoria-Geral da República, que gere um conjunto de cerca de 1500 magistrados, tem já esta orgânica numa forma mais avançada, ao passo que o Conselho Superior da Magistratura, tendo a seu cargo a gestão de mais de 1800 juízes, continua sem estruturas organizativas capazes de dar uma resposta cabal às exigências que enfrenta.
Recorde-se também que, em 1978, o anteprojecto que pretendia dotar este Conselho Superior de uma estrutura orgânica própria previa a existência de um corpo de 45 funcionários. Hoje, quase 30 anos depois, este mesmo Conselho tem cerca de metade desse número de funcionários, o que revela bem a necessidade da alteração que hoje pretendemos fazer.
No entanto, da leitura destas propostas parece resultar uma diferença que não é de somenos importância. De facto, de acordo com a proposta de lei, o estatuto e funções do Conselho Superior da Magistratura, quer no que respeita ao que está constitucionalmente consagrado, quer no que é relativo às tarefas de gestão e administração que lhe estão cometidas, são dotados de autonomia administrativa e financeira, à semelhança do que já hoje sucede com os tribunais superiores. Por seu turno, o projecto de lei do Partido Social Democrata prevê que seja atribuída ao Conselho Superior da Magistratura, na linha do que hoje sucede com o Tribunal Constitucional ou de Contas, apenas autonomia administrativa, o que corresponde ao regime geral dos organismos da administração central em matéria de gestão financeira.
Por isso, há aqui esta divergência que, aliás, ficou bem expressa na intervenção do Sr. Deputado Paulo Rangel.
Parece-nos que a questão reside, de facto, na redacção do artigo 5.º, n.º 1, de ambos os textos em discussão. Assim, se a proposta de lei diz que «Cabem ao Conselho Superior da Magistratura, relativamente ao seu orçamento, as competências de gestão previstas na lei geral em matéria de administração financeira (…)», já no projecto de lei orgânica apresentado pelo Partido Social Democrata se diz que «Cabe ao Conselho Superior da Magistratura, relativamente ao seu orçamento, a competência ministerial comum em matéria de administração financeira (…)». Esta fórmula parece revelar, de facto, que o projecto do PSD, não indo tão longe como a proposta de lei, não deixa de ser ambíguo na sua leitura. Como tal, em sede de especialidade, também aqui pode e deve ser dito pelo proponente se, na verdade, o que pretende é conferir ao Conselho Superior da Magistratura uma verdadeira autonomia administrativa e

Página 42

42 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

financeira ou não.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Tem razão! Isso deve ser melhorado!

O Orador: — A nosso ver, esta é uma matéria que podemos e devemos discutir, mas teremos de o fazer sabendo exactamente qual a opinião de cada um dos grupos parlamentares. Estamos perfeitamente disponíveis para tal.
Para além do mais, esta autonomia administrativa e financeira consta expressamente no célebre pacto de justiça, hoje já chamado de acordo político-parlamentar. De qualquer modo, para simplificar, continuarei a recorrer à expressão «pacto de justiça». Ora, a autonomia administrativa e financeira proposta pelo Governo é a que consta do pacto, o que nos leva, mais uma vez, a verificar que os pactuantes, na concretização prática das medidas acordadas em teoria, não estão, afinal, tão de acordo quanto isso nem tão em sintonia quanto quiseram fazer crer aos portugueses. Tal, naturalmente, não deixará de ser analisado e julgado por quem de direito na altura certa, isto é, pelo povo português.
Para terminar, direi que existe uma proposta que nos parece fundamental. Refiro-me à que propõe que os membros do conselho permanente possam exercer as suas funções em regime integral, com um estatuto idêntico ao de um juiz conselheiro. Trata-se de uma medida que nos parece importante. Na verdade, julgamos que este maior envolvimento de não juízes no Conselho Superior da Magistratura poderá trazer novas ideias e propostas e, se se quiser, uma nova abordagem do sistema judicial. Esta proposta, que consta do projecto de lei do PSD, deveria, na especialidade, merecer o acolhimento do Partido Socialista e do Governo, que o podiam, aliás, manifestar já hoje. Assim, permitiríamos aos que participariam nas reuniões do Conselho Superior da Magistratura não sendo juízes a representação de uma visão de quem está de fora (para não usar o velho chavão da «sociedade civil») e pode, com muito maior facilidade, ver os problemas dos que estão dentro, fazendo parte da máquina e do sistema. Trata-se, por isso, de uma proposta que também iremos fazer em sede de especialidade.
Em suma, estas propostas, sendo globalmente positivas, face à complexidade actual da vida jurídica, não vêm por si só — sejamos claros e francos — resolver todos os problemas (e são muitos) que afectam a nossa justiça. Mas reconhecemos, e queríamos dizê-lo hoje, que, com estas alterações na especialidade que iremos propor, estas iniciativas podem resultar na melhoria da eficácia de toda a gestão da justiça.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Para isso, com sentido de Estado, com pacto ou sem ele, pode o Governo contar com o CDS-PP. Temos a noção de que a justiça é uma matéria fundamental para a criação de um Estado de direito democrático, para um Estado justo e para um Estado que venha ao encontro dos cidadãos e das empresas. Para isso, não fazemos demagogias e não precisamos de pactos. Apenas de propostas como as que iremos apresentar!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, não vou discutir o facto de esta matéria fazer parte do pacto ou não, porque penso que tal é relativamente irrelevante. O parecer do Conselho Superior da Magistratura diz que sim e pela intervenção do Sr. Deputado Paulo Rangel parecia que não, mas a verdade é que tal não nos interessa. É aqui, na Assembleia da República, que os pactos para a justiça devem ser discutidos em concreto, em função das iniciativas legislativas apresentadas.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — E estão a ser!

O Orador: — Ora, estas iniciativas legislativas apresentadas relativamente à autonomia administrativa e financeira do Conselho Superior da Magistratura — o PSD não previu no seu projecto a autonomia financeira, mas já explicou que concorda com esse princípio e por que é que não o propôs — são por nós acompanhadas no que toca aos seus propósitos. Esta não é uma questão de somenos e parece-nos que conferir ao Conselho Superior da Magistratura autonomia administrativa e financeira será um passo importante e consentâneo com o princípio da independência dos tribunais, que está consagrado e que importa salvaguardar, dele retirando as devidas consequências.
Parece-nos, como tal, que esta é uma consequência importante que deve ser retirada. Consideramos, portanto, que este passo é significativo e quero expressar a nossa concordância de princípio relativamente às iniciativas legislativas apresentadas.
Evidentemente, há aspectos que terão de ser equacionados na especialidade. Temos presente o parecer com que o Conselho Superior da Magistratura habilitou esta Assembleia através da sua presen-

Página 43

43 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

ça na 1.ª Comissão e quero dizer que compreendemos algumas das objecções nele levantadas, mas não acompanhamos todas.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — É verdade!

O Orador: — De todo o modo, estamos a tempo de equacionar devidamente o que está em causa, havendo, porém, questões que são de pormenor ou quase de intendência. Há outras, contudo, que têm, de facto, relevância, como é o caso do problema da relação que se deve estabelecer entre o Conselho Superior da Magistratura e o CEJ.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Ou mesmo da relação que não se deve estabelecer!

O Orador: — Esta é uma questão pertinente que deve ser discutida. Creio que a posição do Conselho Superior da Magistratura deve ser discutida, mas não vemos muito bem que deva ser conferida apenas a uma entidade a responsabilidade pelo CEJ. Creio que a questão da formação dos magistrados é relevantíssima para o presente e, sobretudo, para o futuro da garantia do Estado de direito democrático.
Por outro lado, penso que, provavelmente não a propósito desta iniciativa legislativa, mas seguramente em relação ao próprio estatuto do CEJ, isto é algo que deve ser objecto de uma reflexão profunda. Como tal, não acompanhamos totalmente a posição manifestada pelo Conselho Superior da Magistratura e quer-nos parecer que a forma como a questão é equacionada na proposta de lei é, no essencial, razoável.
Como tal, Sr. Presidente, iremos votar favoravelmente as iniciativas legislativas e iremos contribuir, na medida das nossas possibilidades, para que este processo legislativo se conclua com a adopção de soluções razoáveis. Parece-nos que está perfeitamente ao alcance desta Assembleia concretizar, num prazo relativamente curto, o essencial proposto por ambas as iniciativas. Não temos, nesta fase da generalidade, mais nada a acrescentar relativamente a estas iniciativas.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Diniz.

A Sr.ª Teresa Diniz (PS): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Falar num Estado de direito é falar da importância que a lei assume nesse mesmo Estado. A legalidade como elemento caracterizador, critério, limite e fundamento do poder político e da organização da vida em sociedade é hoje um imperativo ético ou categórico.
Por imperativos constitucionais, o poder judicial ocupa um lugar de destaque, atento o papel que a sociedade e o cidadão esperam do seu desempenho. Como está lapidarmente definido no artigo 203.° da Constituição da República Portuguesa, «Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei». A independência dos tribunais e dos respectivos juízes é uma das regras clássicas do Estado constitucional e uma das garantias essenciais do Estado de direito democrático. Por isso, as tentativas do poder político de intervir, quer na organização, quer na independência dos juízes, resultaram em Estados que não são de direito.
Na verdade, as experiências recolhidas no Direito Comparado permitem-nos afirmar que um Estado só o é efectivamente quando dá o passo lógico que o faz passar de mero Estado de direito formal para Estado de direito democrático material, para que dessa forma o poder judicial esteja imune a qualquer tipo de pressões. Impõe-se, pois, que se concretizem as condições reais e efectivas da sua independência, visto que só assim, liberta do espartilho do poder político e do poder económico, a justiça não será uma mera quimera formal, mas, sim, axiologicamente e materialmente justa.
Daí fazer todo o sentido, como impõe a Constituição, que a organização, a competência, a disciplina e, agora, a autonomia administrativa e financeira, fechem um ciclo que contribua para que o Conselho Superior da Magistratura, órgão constitucional autónomo, seja dotado de meios tais que lhe permitam desenvolver eficazmente a sua função, inerente à sua dignidade constitucional e institucional.
No fundo, o que se pretende com a aprovação da proposta apresentada pelo Governo — a proposta de lei n.º 117/X, que aprova o regime de organização e funcionamento do Conselho Superior da Magistratura — é, tão somente, adequar o órgão (o Conselho Superior da Magistratura) aos modernos e mais adequados instrumentos de gestão pública, por forma a dotá-lo de maior autonomia.
Por sua vez, sendo de teor idêntico, o projecto de lei n.º 243/X do Partido Social Democrata, que aprova a lei orgânica do Conselho Superior da Magistratura, apresenta preocupações semelhantes, ao contrário do que disse há pouco o Sr. Deputado Paulo Rangel, sendo escassos os pontos divergentes entre os dois projectos de diploma.
Basicamente, os projectos apresentados pretendem colocar este órgão ao nível do que já sucede com o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas e os tribunais superiores, dotando, afinal e finalmente, o Conselho Superior da Magistratura de autonomia administrativa. O projecto do PSD, contudo, refe-

Página 44

44 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

re-se expressamente a este Conselho como sendo um serviço integrado, mas devo esclarecer o Sr. Deputado Paulo Rangel, que, de acordo com a Lei de Enquadramento Orçamental, os serviços integrados não podem sequer ter autonomia administrativa. Todavia, é verdade que o artigo 1.º do vosso projecto de lei fala expressamente na autonomia administrativa deste Conselho. A proposta de lei pretende, por seu turno, dotar este órgão de autonomia administrativa e financeira.
Ambos os projectos de diploma visam, contudo, aumentar as competências das unidades orgânicas do Conselho, a começar pelo próprio conselho superior, passando pelo seu presidente, vice-presidente e secretário. Pretendem ainda implementar outros órgãos nas suas estruturas organizativas, que permitam desenvolver novas competências de forma eficaz e consentânea com os princípios jurídico-financeiros, nomeadamente com a constituição de um conselho administrativo como órgão deliberativo em matéria de gestão financeira e patrimonial.
É ainda objectivo das iniciativas em discussão a criação de uma dinâmica institucional que também passe pela reorganização da unidade orgânica de apoio técnico-administrativo, a secretaria do Conselho Superior da Magistratura.
Sr.as e Srs. Deputados, a substituição do modelo organizativo já caduco do Conselho Superior da Magistratura é não só essencial como também fundamental. De facto, o Conselho Superior da Magistratura tem de ter ao seu dispor ferramentas de gestão adaptadas à sua realidade específica, a de um órgão de defesa da independência dos magistrados e necessariamente dos tribunais relativamente a outros poderes estranhos à organização judiciária.
A lei de organização e funcionamento ou orgânica do Conselho Superior da Magistratura foi, desde o início do mandato deste Governo, uma preocupação assumida e contextualizada não só na Resolução do Conselho de Ministros n.º 122/2006, de 7 de Setembro, mas também plasmada no acordo políticoparlamentar para a reforma da justiça, celebrado entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata a 8 Dezembro de 2006. Agora, este mesmo desiderato é positivado na proposta de lei n.º 117/X.
É possível, pois, afirmar que a modernização do modelo de gestão do Conselho, com a rentabilização dos instrumentos jurídico-financeiros existentes e já aplicados em órgãos de soberania e nas demais entidades públicas e que implicam o desenvolvimento e a renovação de competências, vai contribuir sobremaneira para que o Conselho Superior da Magistratura possa exercer um papel mais activo na administração e gestão do corpo de magistrados, afinal o seu desígnio constitucional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma última intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria, em primeiro lugar, agradecer a reacção acolhedora a esta iniciativa legislativa, o que permite concluir que vamos passar, a curto prazo, a uma concretização do modelo constitucional que, nas últimas três décadas, falhou ao nível da realidade, falhou no plano da legislação, da organização e até dos benefícios que se poderiam esperar para um melhor funcionamento do sistema judicial. É, portanto, uma reacção auspiciosa.
Vamos ter, a breve trecho, a consagração da autonomia administrativa e financeira do Conselho Superior da Magistratura.
Ao Governo não compete promover ou actuar no âmbito de qualquer processo de revisão constitucional. O Governo deve ser, e é, leal à Constituição e deve empenhar-se no seu cumprimento. O que quis significar na minha intervenção foi que, independentemente da discutibilidade de soluções, a fórmula política que subjaz à solução constitucional em sede de Conselho Superior da Magistratura permite lidar convenientemente com a realidade, desde que encontremos os meios legislativos, orgânicos e materiais para levar à prática a promessa constitucional.
O que não nos convém é uma situação confusa em que a Constituição aponte num sentido largamente autonómico e, depois, a realidade falhe na concretização dessa promessa de autonomia, gerando a dificuldade de leitura sobre quem faz o quê, a quem pertence fazer esta ou aquela tarefa, com todas as consequências negativas no domínio de atribuição de responsabilidades, que são graves neste como em qualquer outro domínio da existência social.
Não propomos, nesta iniciativa, qualquer modificação relevante em relação ao papel que hoje é desempenhado pelo Centro de Estudos Judiciários e numa iniciativa que está prevista nesse domínio, e que integra o acordo político-parlamentar, não propomos, na realidade, qualquer expropriação das funções que se encontram atribuídas a essa instituição. Embora se preveja uma substancial revisão da realidade que hoje conhecemos e do seu modelo normativo, não se prevê a expropriação de funções no sentido em que aqui foi sugerido atribuir ao Conselho Superior de Magistratura.
As funções fundamentais da formação e do recrutamento, na iniciativa aqui trazida, não estão atribuídas ao Conselho. As funções que aqui estão previstas são, grosso modo, já hoje exercidas, nomeadamente a autorização para o desempenho de funções no âmbito do Centro de Estudos Judiciários, e não representam qualquer espécie de desfiguração do modelo que temos hoje a funcionar.
Em todo o caso, também para nós não é assente que um órgão como o Conselho não tenha legitimi-

Página 45

45 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

dade, até porque já hoje é admitido na orgânica no CEJ, a ter uma voz, a ter uma intervenção, que é certamente muito relevante. Não nos parece que também fosse correcto suprimir essa possibilidade a este Conselho.
Aliás, a experiência internacional é extraordinariamente eloquente nesta matéria — um número significativo de conselhos, a começar por alguns que nos são próximos, tem neste domínio as funções mais absorventes.
Temos de procurar uma solução equilibrada. Estamos abertos a encontrá-la, mas ela não é certamente a de expropriar toda a possibilidade de intervenção neste domínio, que sempre será relevante, pelo menos o da formação permanente.
Gostaria ainda de dizer que, porque também se encontra prevista para breve a vinda a este Parlamento de uma iniciativa legislativa comportando alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, não incluímos nesta proposta de lei algumas matérias que são versadas noutros projectos apresentados.
Tive o cuidado de dizer que concordávamos — esse era um ponto adquirido — que as funções dos membros não togados do Conselho Superior de Magistratura pudessem ser devidamente valorizadas.
Não vale a pena criar um caso em relação a uma matéria que, suponho, terá um largo apoio nesta Assembleia e que, num ou noutro momento, sempre no diploma certo, acabará por ser aprovada e dar o seu contributo para a valorização do Conselho Superior da Magistratura, cujos membros, aliás, tive ocasião de saudar em tudo quanto deram para manter o funcionamento não só desse órgão mas também para o funcionamento do sistema judicial.
Finalmente, na nossa proposta queremos o máximo de autonomia. É isso que corresponde ao modelo constitucional, mas é sobretudo isso que permite também delimitar responsabilidades. É isso também que permite ler o sistema de papéis e atribuir a cada um dos intervenientes, num sistema complexo, o seu papel, a sua responsabilidade e o que devemos esperar dele.
É muito importante que na vida política e institucional portuguesa haja muita clarificação de papéis, tal como no sistema de justiça.
Sejamos claros: neste domínio queremos toda a autonomia que seja necessária para haver uma leitura e uma percepção claras dos diferentes papéis, que devem ser exercidos — é evidente — de uma forma coordenada e conjugada para que o nosso sistema de justiça possa melhorar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Queria só vincar três pontos que considero muito importante termos presentes.
O primeiro é o de que alguns passos que são dados nesta proposta podem criar precedentes que a experiência de outros países não aconselha.
Devo dizer ao Sr. Ministro que, desde os anos 60, se debate em Itália o papel do ministro da justiça, essencialmente sob o epíteto de uma dissertação académica hoje muito esquecida que é: «Que fazer do Ministro da Justiça?». É porque, de facto, não podemos transformar o Conselho Superior da Magistratura numa espécie de ministro colegial e, por exemplo, a ideia do processamento de vencimentos e a ideia de fazê-lo interferir mais na formação de magistrados a isso leva.
Portanto, gostava de recordar que há experiências que não são positivas sob o ponto de vista democrático — é o caso da italiana. E outras experiências positivas há em que as coisas funcionam mas com composições do Conselho Superior da Magistratura que nada têm a ver com a nossa.
Permita-me também dizer outra coisa: o Sr. Ministro gosta de transportar as soluções espanholas, mas só transporta parte. Já fez isso com as férias judicias e agora quer fazer com o Conselho Superior da Magistratura. Não pode ser!! Ou transporta tudo ou não transporta nada! Queria ainda dizer-lhe outra coisa que me parece importante — e não é por acaso que faço uma segunda intervenção, é porque esta matéria é muito mais melindrosa do que às vezes se supõe —: o Sr.
Ministro, já por duas vezes, na intervenção inaugural e nesta segunda, disse que «a partir de agora vamos finalmente dar execução à Constituição». Mas atenção que nunca esteve em perigo a independência do poder judicial pelo facto de não haver autonomia administrativa e financeira do Conselho Superior da Magistratura!! Portanto, não vai agora começar um tempo novo. Vai é começar um tempo diferente, porventura melhor, mas diferente… O Sr. Ministro gosta sempre de trazer aqui uma espécie de «alfa e ómega» em que o Sr. Ministro é o «alfa» e, geralmente, nós somos o «ómega»… Queria dizer-lhe, finalmente, que não se pôs até agora em causa, felizmente, em Portugal, a independência do poder judicial e por isso é que ao mexer nestas matérias devemos fazê-lo com bastante cuidado, porque se o sistema até agora foi funcionando regularmente, sob esse ponto de vista, todas as alterações que se introduzirem têm em si o perigo de modificar essa regularidade.
Foi só neste sentido e nesses dois itens que a minha intervenção foi veemente.

Página 46

46 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está, assim, concluído o debate sobre este ponto.
Vamos dar início ao último ponto da nossa ordem de trabalhos de hoje, com a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 124/X — Autoriza o Governo a legislar em matéria de propriedade das farmácias e a adaptar o regime geral das contra-ordenações às infracções cometidas no exercício da actividade farmacêutica.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde (Correia de Campos): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo comparece aqui, hoje, para debater um pedido de autorização legislativa sobre o novo regime jurídico da farmácia de oficina. Este diploma é uma concretização legal do «Compromisso com a Saúde», celebrado em 26 de Maio de 2006 com a Associação Nacional das Farmácias.
Legislámos já no sentido de permitir a possibilidade de instalar farmácias de venda a público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Esta medida visa aumentar a acessibilidade dos cidadãos ao medicamento, designadamente em situações de urgência. As primeiras farmácias a abrir nos hospitais do SNS serão nos Hospitais de Santa Maria, S. João, Leiria, Faro, Penafiel e no Centro Hospitalar de Coimbra. Vão funcionar 24 horas por dia, todos os dias do ano.
Para acesso ao concurso público e se poder ser concessionário não é necessário ser-se farmacêutico, mas assegura-se que a farmácia só pode funcionar com um director técnico farmacêutico. Este diploma permitirá pela primeira vez a dispensa de medicamentos em unidose no ambulatório, de forma a garantir a racionalização do consumo e da utilização dos medicamentos. A avaliação desta experiência nestas novas farmácias nos hospitais permitirá estudar a possibilidade de estendê-la às restantes.
Legislámos também no sentido de fixar um período de funcionamento semanal mínimo de 55 horas e, em simultâneo, foram revistos os turnos e foi estabelecida a impossibilidade de as farmácias de turno cobrarem um valor adicional pela dispensa de medicamentos prescritos em receita médica do próprio dia ou do dia anterior.
No que se refere ao regime de preços dos medicamentos, legislámos para abrir a possibilidade de as farmácias concederem descontos no preço dos medicamentos e de publicitarem esta prática, apenas nas suas instalações. De salientar que os descontos praticados pelas farmácias incidem apenas na parte não comparticipada do preço dos medicamentos. Vão directos para o benefício do cidadão.
Ainda sobre a evolução do cabaz de preço de medicamentos, não podemos admitir a informação enganosa divulgada pela oposição relativamente ao aumento de 6,7%.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Do INE?

O Orador: — O aumento alegado refere-se apenas ao 4.º trimestre de 2006 — por comparação com o anterior directo e com o homólogo do ano anterior —, por motivos relacionados com o enquadramento de genéricos em grupos homogéneos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — No INE?

O Orador: — Sim, Sr. Deputado. Segundo o INE, medida a 31 de Dezembro de 2006, a variação anual foi uma diminuição de -0,4%, para todo o ano. Tenho todo o gosto em facultar à Câmara a prova documental do que afirmo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Tem é de mandá-la ao INE!

O Orador: — Outra importante medida tomada foi a possibilidade de recorrer às importações paralelas, dispositivo de mercado até aqui pouco utilizado ou, pior, usado de forma indisciplinada. Há agora regulamentação própria, prevista no Estatuto do Medicamento, de Agosto passado.
Sr.as e Srs. Deputados, assim, uma parte significativa das cláusulas do «Compromisso com a Saúde» já se encontra reflectida no ordenamento jurídico, mas ainda temos algo para fazer. O diploma hoje em apreciação vai permitir pôr em prática a quase totalidade das cláusulas em falta e é disso que me apraz aqui deixar um testemunho muito positivo.
Antes de mais, este diploma afasta as regras que limitam a propriedade a farmacêuticos e impõe um limite de quatro farmácias por pessoa, com o objectivo de evitar a concentração excessiva.
Não se justifica, nos dias de hoje, a identidade entre a propriedade da farmácia e a direcção técnica, pelo que, desde que sejam garantidas as condições para o cabal desempenho da actividade regular da farmácia, é irrelevante a qualificação profissional do proprietário. A autonomia do papel do director técnico ganha relevo, atendendo à dissociação entre propriedade e titularidade. Com esta medida cumpre-se também uma recomendação da Autoridade da Concorrência, que propôs a revogação da norma legal relativa à reserva de propriedade da farmácia em favor de licenciados em Ciências Farmacêuticas.

Página 47

47 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Em simultâneo, o novo diploma aumenta e define o leque de incompatibilidades. A igualdade fiscal entre farmácias será alcançada pela definição de proprietário de farmácia, uma vez que, quanto a pessoas colectivas, apenas se permite que sejam proprietárias de farmácias se assumirem a forma de sociedade comercial.
Quanto à qualificação profissional, o quadro farmacêutico mínimo será constituído, em regra, por um director técnico e por um outro farmacêutico e os farmacêuticos devem, tendencialmente, constituir a maioria dos trabalhadores da farmácia. São excepcionados os postos convertidos em farmácias.
Uma vez publicado o novo regime jurídico das farmácias de oficina, procederemos à respectiva regulamentação, cumprindo mais três cláusulas do «Compromisso com a Saúde». Aprovaremos um novo procedimento de abertura de farmácias, que consistirá num concurso público simples, transparente e justo. A capitação mínima de habitantes por farmácia será de 3500 e a distância mínima entre farmácias fixar-se-á em 350 metros, mantendo-se as regras actuais quanto à distância mínima relativamente a hospitais e centros de saúde. Porém, será possível instalar farmácias em qualquer lugar, desde que não haja farmácia a menos de 2 quilómetros.
Assim, das 28 cláusulas que compõem o «Compromisso com a Saúde», faltará dar execução, depois da regulamentação do novo regime jurídico, apenas a cinco. De entre estas, três dizem directamente respeito à profissão farmacêutica; as outras duas prendem-se com a possibilidade de as farmácias dispensarem medicamentos actualmente distribuídos exclusivamente pelos hospitais — a doentes oncológicos e com sida — e com a prescrição médica pela Denominação Comum Internacional do princípio activo (DCI). Estas medidas, que estão em preparação, carecem ainda de alargado consenso científico e técnico para permitir uma implementação pacífica.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o «Compromisso com a Saúde», caracterizado por medidas de melhoria da acessibilidade dos cidadãos à dispensa de medicamentos, está a ser posto em prática. O Governo está empenhado na respectiva execução. A proposta de lei de autorização que hoje se discute é o resultado desse esforço e a respectiva aprovação condição para a continuidade do trabalho desenvolvido e para o cumprimento do compromisso assumido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje, aqui, a fingir que discutimos a proposta de lei n.º 124/X,…

O Sr. Afonso Candal (PS): — Cada um fala por si!

A Oradora: — … através da qual o Governo pretende que a Assembleia da República lhe conceda autorização legislativa para aprovar o regime jurídico da propriedade das farmácias.
A apresentação da proposta de lei decorre do acordo que o Governo celebrou com a Associação Nacional das Farmácias e surge quase um ano depois de ter sido publicamente anunciado nesta Câmara.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Isto é um pedido de esclarecimento?

A Oradora: — Não corresponde a presente iniciativa ao cumprimento de qualquer promessa eleitoral do PS, nem concretiza qualquer compromisso assumido no Programa do Governo, circunstância que também não é politicamente decisiva por os portugueses já se terem habituado ao escasso valor que o PS atribui aos compromissos a que estava obrigado.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Oradora: — O PSD, ao contrário do Governo e, em particular, do actual Ministro da Saúde, não se guia por caprichos políticos, não se move aos ziguezagues, não tem uma visão estritamente economicista sobre a política de saúde, nem foge ao debate político no Parlamento, que é a Casa da Democracia.
Por isso estranhamos e discordamos mesmo vivamente que o Governo, ao invés de apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei que materializasse o articulado constante do projecto de decreto-lei que lhe juntou em anexo, tenha optado por um processo legislativo em que o debate político é superficial e o contributo parlamentar é, por natureza, inexistente.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Oradora: — Mais: consideramos que isto é um exercício de mera hipocrisia política. E isso, Sr.as e

Página 48

48 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Srs. Deputados, é pena! É pena que o Governo não queira defender, ou sequer discutir, as suas propostas no Parlamento, tanto mais nos casos em que estas têm o maior impacto social, como sucede no caso das farmácias.
Já tinha sido assim quando o Primeiro-Ministro anunciou o Acordo com a Associação Nacional das Farmácias como um facto consumado. Mas o processo legislativo podia e devia ter servido para repor a autoridade legislativa do Estado. O Governo e a maioria assim não quiseram.
Por isso desde já anuncio que o Grupo Parlamentar do PSD irá requerer a apreciação parlamentar do decreto-lei que acompanha a proposta de lei hoje em discussão, porque aí, pelo menos aí, a actual maioria não se poderá furtar do debate democrático.
De resto, não tendo também o Governo remetido à Assembleia da República o contributo de qualquer entidade mais directamente interessada na actividade e no exercício farmacêutico, desconhecemos mesmo se o texto hoje em discussão foi objecto de qualquer parecer, como devia ser.
Independentemente disso, e porque não poderia esta Assembleia deixar de saber o que pensam essas entidades, o Grupo Parlamentar do PSD solicitou a audição urgente das Ordens dos Farmacêuticos, dos Médicos e dos Enfermeiros e, bem assim, da Associação Nacional de Farmácias. Porém, a maioria socialista fez ouvidos de mercador e recusou estas audições, que o mais elementar bom senso impunha e o respeito devido às ordens profissionais, certamente, recomendava.
Esta situação é tanto mais grave quanto é certo que o grau de amplitude que, sub-repticiamente, foi dado à alteração do regime do exercício farmacêutico vai muito além da autorização legislativa que o Governo apresentou ao Parlamento.
A situação que temos é, então, a seguinte: o PS, ao recusar liminarmente qualquer audição, numa atitude prepotente, autista e mesmo antidemocrática, significa que a actual maioria se permite alterar um regime socialmente tão importante e sensível, como é o regime das farmácias, unilateralmente, sem ouvir nada nem ninguém.

Vozes do PSD: — É verdade!

A Oradora: — Isto, Sr.as e Srs. Deputados, não é politicamente aceitável. E fica muito mal a este Parlamento aprovar uma lei à pressa,…

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — À pressa?! Há pouco era atrasada, agora é à pressa!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Foram 40 anos, Sr.ª Deputada!

A Oradora: — … mal, sem cuidado, uma vez mais subalternizando-se e inclinando-se à vontade omnipotente do Governo do PS.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Oradora: — Dito isto quanto à forma, passemos ao conteúdo da proposta de lei hoje em discussão.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sim, vamos lá discutir política!

A Oradora: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD acha, como referiu há quase um ano, que a questão da liberalização da propriedade das farmácias deve avançar à luz de um debate profundo e alargado, que até hoje não teve lugar. E, no entanto, face à pluralidade de modelos existentes na União Europeia, ele é necessário. Direi mais: ele é absolutamente indispensável — e sobre isso não haja quaisquer dúvidas!! Porém, também dissemos, e reiteramos agora com veemência, que o caminho aberto, podendo ser positivo para os utentes e para o sector, carece da mais cuidada e prudente regulação, de modo a assegurar uma saudável e verdadeira concorrência no sector, evitando a fraude e a concentração da propriedade, e, acima de tudo, que preserve a excelência dos cuidados prestados pelas farmácias.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Oradora: — Ora, não é isso que sucede no diploma que o Governo enviou à Assembleia da República. De facto, não há qualquer vestígio nos diplomas do Governo de que ele queira combater a fraude, nem se descortina a razão para fixar agora em quatro o número máximo de alvarás permitidos por proprietário.

Vozes do PSD: — Podiam ser 10!

Página 49

49 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

A Oradora: — O Executivo argumenta apenas, no preâmbulo do projecto de decreto-lei autorizado, que esta proposta põe termo a «situações fictícias em relação à propriedade», as quais, acredita, serem desse modo regularizadas.
É caso para questionar por que é que o Executivo se demite das suas funções de avaliação e fiscalização de eventuais situações irregulares, recorrendo, apenas e tão-só, a mecanismos legislativos, em vez de intervir no terreno. Onde estão, afinal, os critérios? A ingenuidade política que o Governo aparenta ter é, deveras, enternecedora. São quatro… porque sim! Isto, Sr.as e Srs. Deputados, não é sério!! E não é sério, por capricho ou súbita inspiração, atirar para o ar um número qualquer, sem critério ou justificação, sobretudo porque o Governo não fixa critérios de restrição ao número de novos alvarás. Quer o Governo cruzar os braços à espera que a fraude cresça com o número de novos alvarás que quer conceder? Outro aspecto que nos preocupa muito, Sr.as e Srs. Deputados, e que não é minimamente salvaguardado, quer na proposta de lei de autorização legislativa quer no projecto de decreto-lei autorizado, diz respeito às garantias de condições de acessibilidade dos cidadãos aos serviços e bens proporcionados pelas farmácias.
As farmácias desenvolvem uma actividade de saúde, norteada pelo interesse público, que, por isso, deve estar sujeita a determinadas regras, condicionalismos e contrapartidas, de modo a assegurar uma cobertura racional e adequada do território nacional.
Esse acesso deve, em particular, ser garantido nas zonas mais desfavorecidas do interior do País e nas pequenas localidades, e não somente nos grandes centros urbanos, em que a sua viabilidade económica é mais facilmente assegurada.
Ora, os diplomas em discussão não prevêem quaisquer regras ou requisitos que assegurem as referidas acessibilidade e equidade, circunstância que nos causa profunda apreensão. E esta apreensão é tanto maior quanto é certo que o Governo tem o dever de assegurar a cobertura farmacêutica do território nacional, dado que, ao longo destes dois anos, tem executado uma política consistente de fecho de serviços de saúde, principalmente nas zonas eleitoralmente menos atraentes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O processo que hoje termina é verdadeiramente singular. Sem debate, sem escrutínio político, sem audição dos principais parceiros envolvidos e contra os mais elementares princípios democráticos.
Dois anos depois de o PS ter chegado ao Governo, a desertificação está em franca expansão, a saúde está mais cara e mais distante, os doentes estão cada vez menos no centro do sistema de saúde, os profissionais cada vez mais desmotivados, os parceiros da saúde cada vez mais desconfiados e os portugueses cada vez mais desiludidos. A forma prepotente como o Partido Socialista fez passar pelo Parlamento a aprovação desta lei é disso um claro e triste exemplo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pizarro.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Manso, fiquei preocupado, no início da sua intervenção, quando a ouvi dizer que este era um debate a fingir, mas, depois, pelo que V. Ex.ª disse, percebi que era verdadeiramente a isso que o PSD vinha, era a fingir que participava no debate.
Eu ouvi-a com atenção e fiquei com um conjunto de dúvidas que gostava que a Sr.ª Deputada esclarecesse, porque é esta a questão do debate, e o debate que dizem que vão introduzir, promovendo uma reapreciação parlamentar do futuro decreto-lei, não será mais do que um debate em Plenário nos moldes deste que estamos aqui a fazer, portanto do que se trata aqui é, verdadeiramente, fingir que se vai criar um novo cenário.
Gostava que a Sr.ª Deputada nos esclarecesse com rigor sobre a posição do PSD. O PSD é um partido importante, é um partido que tem a aspiração de estar no governo, é o maior partido da oposição, por isso talvez fosse importante que clarificasse aqui o que pensa. O PSD acha ou não que o exclusivo da propriedade das farmácias se deve manter nos farmacêuticos? Essa é que é a questão central deste debate, por isso o PSD devia esclarecer perante esta Câmara e perante o País, a não ser que aconteça o caso de não poder pensar por si e ter de ouvir alguém que lhe diga o que deve pensar, se acha ou não que o exclusivo da propriedade das farmácias se deve manter nos farmacêuticos…!

Vozes do PS: — Não acha nada!

O Orador: — Segundo ponto: nós, no Grupo Parlamentar do PS, ao longo destes 10 meses que mediaram entre a apresentação neste Parlamento do «Compromisso com a Saúde» e a data deste debate, ouvimos as instituições, a Ordem dos Farmacêuticos e a ANF e conhecemos as suas posições por escrito. Por acaso, não trouxe os documentos escritos, porque não pensei que fosse possível que o PSD viesse aqui dizer que não conhece as posições,…

Página 50

50 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. Mota Andrade (PS): — Foi um lapso do PSD!

O Orador: — … mas, se for necessário, solicitaremos à Mesa que faça chegar ao Grupo Parlamentar do PSD a posição dessas entidades, que nós conhecemos com detalhe.
A terceira questão que gostava que me esclarecesse tem a ver com os serviços prestados nas farmácias, porque a posição do PSD nesta área é ainda mais inacreditável, pois o alargamento da prestação de um conjunto de serviços de cuidados de saúde nas farmácias foi feito precisamente no tempo dos governos anteriores pelo Ministro Luís Filipe Pereira, com o programa de tratamento da diabetes apoiado nas farmácias. O PSD vem agora dizer que é contra o alargamento dos serviços de saúde às farmácias? Gostava que respondesse com clareza a estas três questões, para que não andássemos a fingir que fazemos um debate, que é motivado por razões exteriores a este debate.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Pizarro, em primeiro lugar, agradeço a V. Ex.ª a questão que colocou, mas acho que a devia ter colocado para dentro do Partido Socialista e não ao Partido Social-Democrata.
E por uma razão muito simples: é porque se quisessem o debate não tinham pedido uma autorização legislativa e o que está aqui em causa não é a liberalização da propriedade da farmácia. Sobre essa matéria, somos claros e convincentes: sempre a defendemos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Vamos ver!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sempre defenderam?!

A Oradora: — A questão está, Sr. Deputado, em que VV. Ex.as foram os autores do fingimento deste debate, numa verdadeira hipocrisia política. Fingem que estão a fazer o debate, quando afinal o que estão a fazer é uma demonstração de arrogância e prepotência!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — É! É!

A Oradora: — O Partido Socialista finge sistematicamente que quer dialogar, mas é só em teoria, porque, na prática, faz todas as trapalhadas para fugir ao debate.
É ou não verdade, Sr. Deputado, que se recusou na Comissão de Saúde a ouvir a Ordem dos Farmacêuticos, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros e a Associação Nacional das Farmácias?

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — É mentira!

A Oradora: — É ou não verdade, Sr. Deputado, que boicotou o processo de audições na Comissão de Saúde, onde o processo só esteve 24 horas?

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — É mentira!

A Oradora: — É ou não verdade, Sr. Deputado, que corrigiu, à pressa, o relatório sem o devido enquadramento legal e doutrinário, como manda o Regimento? Sr. Deputado, é ou não verdade que o Partido Socialista o aprovou sozinho, sem um parecer, em menos de 24 horas e sem ouvir nada nem ninguém? Sr. Deputado, isto é tudo menos sério e aceitável. Isto é a política do «faz-de-conta» a que, infelizmente, o Partido Socialista e o Primeiro-Ministro nos estão a habituar.
Mas fique tranquilo, Sr. Deputado, porque o PSD não pactua, nem nunca pactuará — aliás, rejeita categoricamente — com toda e qualquer tentativa de menosprezar o Parlamento e o debate democrático.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Afonso Candal (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, penso que a figura da interpelação é razoável e é moti-

Página 51

51 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

vada por uma questão metodológica explicitada pela Sr.ª Deputada Ana Manso.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, a verdade é que este diploma foi agendado em Conferência de Líderes com bastante antecedência, V. Ex.ª fê-lo baixar à Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional para elaboração do relatório, o relatório foi feito e nunca o PSD nesse processo, quer em Conferência de Líderes, quer no âmbito da Comissão de Assuntos Económicos, levantou o problema do tempo ou das ditas audições, porque já todos conheciam as posições dos intervenientes.
Portanto, não é razoável que na ponta final, tendo havido um esforço no sentido de envolver também a Comissão de Saúde — e bem! —, por indicação de V. Ex.ª,…

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Não é verdade, Sr. Deputado!

O Orador: — … venha agora dizer-se que foi forjado, repito, forjado, o relatório. É inadmissível esta expressão.
A verdade é que a elaboração, discussão e votação dos relatórios, enfim o processo, decorreram com normalidade…

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Em 24 horas, Sr. Deputado?!

O Orador: — … e o relatório feito, concretamente, por uma Deputada do Partido Socialista, mas poderia não ser, poderia ser feito por um Deputado de um outro grupo parlamentar, não é um relatório forjado, é um relatório tão legítimo e correcto como qualquer outro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Candal, quero dizer-lhe que está completamente equivocado e isso só se pode entender porque o senhor não faz parte da Comissão de Saúde e não esteve lá.

Protestos do PS.

Isto porque, de facto, não corresponde à verdade aquilo que o senhor acabou de referir. Que a Câmara fique esclarecida que não foi por indicação do Sr. Presidente da Assembleia da República que o relatório foi enviado à Comissão de Saúde mas, sim, por unanimidade dos Deputados da Comissão de Assuntos Económicos, que propuseram que esse assunto regressasse à Comissão de Saúde. E isto passou-se em 24 horas.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — E depois houve um despacho do Sr. Presidente!

A Oradora: — Os seus colegas da Comissão de Saúde, em 24 horas, queriam que fizéssemos um novo relatório.

Vozes do PSD: — Um escândalo!

A Oradora: — Sr. Deputado, uma coisa lhe peço: antes de falar, pelo menos, tente informar-se e diga a verdade, porque tudo aquilo que o senhor disse não corresponde, de maneira alguma, à verdade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Oradora: — De facto, foi a Comissão de Assuntos Económicos que, por unanimidade, deliberou no sentido de ser enviado o relatório à Comissão de Saúde e foi, também, na Comissão de Saúde, que em 24 horas, o Partido Socialista, sem ouvir ninguém, fez ele próprio o relatório, à pressa, para fazer uma «encomenda» ao Governo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

Página 52

52 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo pretende mudar o actual regime jurídico da propriedade das farmácias de oficina.
O sentido da mudança é muito claro: os farmacêuticos perdem o exclusivo dessa propriedade e esta será, no futuro, inteiramente liberalizada.
Este é o centro da nossa discussão, portanto, eliminar uma regra que resistiu mais de meio século, uma verdadeira relíquia «bolorenta» do regime salazarista.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Isto é o centro da discussão que o Governo aqui trouxe, não é, ao contrário do que poderíamos pensar ouvindo o Sr. Ministro da Saúde, o compromisso com a Associação Nacional das Farmácias. Isso não faz parte desta discussão.
Ao contrário do que o Governo também diz, trata-se de uma mudança essencialmente política e não técnica, pelo que é verdadeiramente incompreensível que o Governo não tenha submetido a este Parlamento uma proposta de lei e tenha optado por apresentar um pedido de autorização legislativa, com prejuízo do debate e da intervenção parlamentares, sobretudo quando se trata de uma mudança política desta dimensão e que terá um forte impacto no sector farmacêutico.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Isto não é um debate?! Acabaram os debates na Assembleia da República?!

O Orador: — As trapalhadas, Sr.as e Srs. Deputados, em que a Comissão de Saúde se viu envolvida e que a impediram de realizar a análise necessária de um documento desta natureza e desta importância e de ouvir as organizações representativas deste sector teriam sido evitadas se tivesse sido outro o respeito revelado pelo Governo e pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista pelas funções e pelo papel desta Assembleia.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Já conhecíamos o resultado do socialismo moderno, à PS, de que os seus Deputados e os seus dirigentes reclamam. Ficámos agora a saber do que é capaz a sua visão modernaça sobre a cultura democrática!… Tanta pressa e tanta urgência seriam bem melhor aplicadas noutras medidas que tardam cada vez mais, apesar de constarem do Programa do Governo.
Refiro-me à prescrição por substância activa, à distribuição em unidose, à receita electrónica, ao alargamento dos genéricos a outros grupos farmacêuticos, à revisão do sistema de comparticipações, à reforma da farmácia hospitalar, ao formulário nacional medicamentoso para o ambulatório, todas e cada uma decisões e medidas que, seguramente, contribuiriam muito mais para uma nova política do medicamento do que aquela que hoje aqui estamos a discutir.
Com tanta pressa, o Governo conseguiu transformar uma boa ideia numa má lei. A boa ideia é a de alargar o acesso à propriedade das farmácias eliminando o exclusivo até agora detido pelos farmacêuticos e para o qual não se encontra uma única, boa e válida razão.
A liberalização da propriedade não é sinónimo da concentração monopolista e a legislação pode e deve prevenir, efectivamente, essa possibilidade. É bom recordar que o fruto mais visível do actual regime de exclusivo e de protecção da propriedade, a Associação Nacional das Farmácias, em tudo se comporta como um verdadeiro monopólio cujo poder económico e financeiro permanece intocável e se alimenta, cada vez mais, da exploração de outros negócios que nada têm a ver com a actividade farmacêutica propriamente dita, permitindo-se até fazer «gato sapato» de ministros e de governos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Orador: — Actualmente, numa qualquer farmácia, a direcção técnica é desempenhada pelo respectivo proprietário que é, como todos sabemos, um farmacêutico. Recusamos que resida nesta concentração, propriedade/direcção técnica, a chave da independência, autonomia, isenção, ética e deontologia, no exercício da actividade dos farmacêuticos.
Aceitar o interesse económico próprio como garante das boas práticas profissionais seria, do nosso ponto de vista, questionar e ferir a dignidade pessoal e profissional dos farmacêuticos portugueses.
É nossa convicção de que não tem qualquer justificação prolongar este regime de privilégio e de protecção superblindada da propriedade de que gozam os farmacêuticos e por isso mesmo, diversas vezes, apresentámos, neste Parlamento, projectos que, como sabem, foram rejeitados e até com o voto do Partido Social Democrata e do próprio Partido Socialista.
Sr.as e Srs. Deputados, não mudámos de opinião. A liberalização do regime da propriedade das far-

Página 53

53 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

mácias é uma boa ideia que, infelizmente, o Governo transformou numa má lei.
E digo numa má lei fundamentalmente por seis razões, que rapidamente identificarei: Primeira, porque autoriza as farmácias a recorrer à publicidade, o que nos parece incompatível com a natureza do seu serviço; Segunda, porque permite que as farmácias venham a prestar outros serviços de saúde que são da competência de outros profissionais, nomeadamente médicos e enfermeiros; Terceira, porque admite que cada proprietário possa deter quatros farmácias, não se vendo qualquer motivo justificável para alterar a actual limitação de uma farmácia por proprietário; Quarta, porque inviabiliza a criação de farmácias sociais ao aplicar-lhes o regime fiscal das sociedades comerciais, deixando assim cair mais uma bandeira eleitoral do Partido Socialista; Quinta, porque a proposta de lei aceita que seguradoras e outras sociedades farmacêuticas possam ser proprietárias de farmácias; Sexta, porque impõe uma maioria de farmacêuticos no quadro de funcionários, regra que onera desnecessariamente os custos de exploração e de pessoal e que desaproveita a competência dos técnicos de farmácia.
Por último, Sr.as e Srs. Deputados, é uma má lei, porque define um diferente sistema de regulação da farmácia sem o enquadrar nem associar a uma nova regulação do exercício da profissão de farmacêutico, o que, no contexto de uma tão profunda mudança, pode vir a comprometer a qualidade do serviço prestado pelas farmácias sem proteger a sua actividade de voracidade do interesse económico.
Sr.as e Srs. Deputados — e finalmente —, dois anos depois, a farronca promocional do Sr. PrimeiroMinistro, José Sócrates, na sua tomada de posse, deu este pobre resultado. É caso para dizer, e mais uma vez, que «o que torto nasce tarde ou nunca se endireita».

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, muito obrigado. Não me tinha inscrito ainda, mas agradeço a diligência da Mesa e intervirei desde já.

O Sr. Presidente: — Foi inscrito pelo Sr. Deputado António Filipe.

Risos do PS.

O Orador: — Muito bem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria começar por me referir também ao processo. Tenho de dizer que o Governo deveria, nesta matéria, ter apresentado uma proposta de lei material à Assembleia da República. Isso permitiria não só a audição de muitas entidades que têm uma opinião relevante nesta matéria — essa audição não é substituída pela que o Governo terá feito na elaboração da proposta de lei — mas também um debate, na especialidade, o qual, penso, tinha na Assembleia o seu local próprio, dada a importância desta legislação e desta matéria.
O Governo não quis assim, teve medo desse debate na especialidade e apresenta uma proposta de lei de autorização legislativa.
Também quero referir que esta proposta de lei teria beneficiado, na sua discussão, se tivesse baixado à Comissão de Saúde, apesar de o tempo talvez não ser igual ao que existiria se houvesse um debate, na especialidade, com uma proposta de lei material, permitindo que esta tivesse um envolvimento nesta matéria, porque as consequências desta medida são, sobretudo, para a saúde, não são, sobretudo, económicas.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!

O Orador: — Quero dizer, ainda, que, de alguma maneira, isto ainda é possível. Basta que todos os grupos parlamentares, designadamente o da maioria, se ponham de acordo para fazermos o que já fizemos em relação a outras propostas de lei de autorização legislativa, que é a de, em vez de procedermos na próxima semana, como é tradicional, à votação na generalidade, na especialidade e final global da proposta de lei de autorização legislativa, suspendermos essa votação por algumas semanas, por um prazo a consensualizar, para permitir, pelo menos, que nesse prazo a Comissão de Saúde possa fazer as audições e ter um papel adequado à importância desta proposta.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Deixo este desafio às outras bancadas, para o ponderarem até à próxima quinta-feira.
Bom, mas eu não tenho receio de discutir o fundo da questão.

Página 54

54 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Muito bem!

O Orador: — Vi aqui o PS e o PSD embrulharem-se muito numa grande discussão sobre o processo, à qual não retiro importância, mas parece que há algum receio em discutir o fundo da questão, e ele tem que ver com a liberalização da propriedade das farmácias.
A pergunta primeira que é preciso fazer é esta: que problema vem resolver esta legislação? Isto é, que problema estava criado com a actual legislação que precise ser resolvido com a sua alteração? Bom, o que vemos e temos de reconhecer é que não havia um problema com a actual legislação, não havia um problema na venda, a retalho, de medicamentos com a actual legislação. Não estava criada qualquer dificuldade para as populações, para a segurança dos medicamentos, para a acessibilidade, por causa da exclusividade da propriedade da farmácia aos farmacêuticos. Penso que podemos dizer que esse problema não existia.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Existe! Pergunte à Autoridade da Concorrência!

O Orador: — Então, se esta proposta não vem resolver um problema, vem fazer o quê? Aliás, o Sr. Ministro, se me permite uma citação talvez não completamente rigorosa mas penso que no sentido do «sim», disse que «não se justifica a manutenção da obrigação da coincidência entre o director técnico e o proprietário da farmácia». Repito, não se justifica! Mas não referiu que existe um problema que é preciso resolver, porque ele não existe! E esta é que é a questão! Bom, digamos, então, que não há um problema para resolver mas, sim, uma singularidade jurídica.
Isto é, há um sector económico, um negócio, cuja propriedade é exclusiva de uma só classe profissional.
É verdade. Trata-se de uma singularidade jurídica. Mas não é a única. Há outras áreas profissionais e económicas que são exclusivas de uma só profissão. Não são exactamente iguais, não quero fazer comparações, mas também existem.
Podemos perguntar: mas é indispensável ser farmacêutico para fazer uma boa gestão da farmácia? Não. Claro que não é. Claro que outros profissionais, outras pessoas, podem gerir bem uma farmácia não sendo farmacêuticos. Isso não está em questão. Só que o problema, aqui, não é jurídico, é político.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — É jurídico!

O Orador: — O nosso ordenamento jurídico está cheio de singularidades e não é por isso que vamos alterá-las todas, como o Governo pretende alterar esta.
O que há é uma opção política não de resolver um problema pré-existente mas, sim, de permitir a titularidade das farmácias de forma aberta e liberalizada.
Todos sabemos que isto vai permitir que as farmácias sejam detidas por grandes grupos económicos, designadamente na área do medicamento.
Todos sabemos que noutros países esta medida conduziu à verticalização do controlo do sector do medicamento, que é o pior e o maior obstáculo a uma política de medicamento que qualquer governo queira seguir.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Orador: — E esta é que é a opção do Governo! Não é resolver um problema ou eliminar uma singularidade, é permitir a verticalização do sector e o controlo da venda a retalho por grupos económicos deste sector, ou não. Dirão: «Há garantias. A lei prevê que cada entidade só pode ter um máximo de quatro farmácias». Não vou discutir porque é que são quatro, não interessa muito se são quatro ou cinco, até podia arranjar uma razão muito curiosa, mas não vou apresentá-la.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Foi um acordo feito com os tais parceiros que não se ouviram!

O Orador: — O problema é que todos sabemos que a realidade ultrapassará a salvaguarda legal, como demonstram as experiências noutros países.
Todos sabemos que a lei vai dizer que cada um só pode ter quatro farmácias. Mas conhecemos também como é que, por outras vias indirectas, esses mesmos grupos de quatro farmácias podem ser concentrados, em grande maioria, na mão de um só poder económico, de um só centro de decisão. Todos sabemos que isso é possível. Todos sabemos que isso aconteceu noutros países.
Portanto, não podemos olhar para isto com a ingenuidade de quem diz «está na lei a limitação, portanto isso é suficiente para garantir que esta perversão não aconteça».
Aliás, a singularidade do exclusivo da propriedade por parte dos farmacêuticos é, imagine-se, maioritária na União Europeia. Vejam bem tão singular que é esta questão.

Página 55

55 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Tive oportunidade de ter acesso às afirmações sobre a área da farmácia dos candidatos presidenciais franceses e verifiquei que, por exemplo, a Sr.ª Ségolène Royal diz o seguinte, e a tradução é minha, perdoem-me alguma imperfeição: «o princípio do farmacêutico proprietário da sua farmácia é útil para a proximidade da oferta e para evitar as derivas capitalistas».

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Nós conhecemos!

O Orador: — Imagine-se! Sei que o PS não está muito preocupado com derivas capitalistas, até as apadrinha em muitos sectores, mas podia, ao menos, ouvir o que os vossos camaradas socialistas franceses têm a dizer sobre esta matéria.

O Sr. António Filipe (PCP): — São mais Sarkozy!

O Orador: — Já a direita — e podemos falar do Sr. Sarkozy — também tem uma opinião sobre esta matéria.

O Sr. António Filipe (PCP): — Querem ver?!

O Orador: — Diz o Sr. Sarkozy: «quebrar o monopólio conduziria a fragilizar uma rede de farmácias de oficina, vital para a rede médica do país. Defenderei isto sem hesitação. Sou firmemente opositor a qualquer questionamento do monopólio dos farmacêuticos». Afinal, também à direita podem olhar para o exemplo francês! É claro que dirão alguns — e vou referi-lo explicitamente — que o problema aqui é quebrar o poder da Associação Nacional das Farmácias e será essa a intenção do Governo com esta medida — é o que se justifica, à boca pequena, mas que nem sempre se diz no debate explícito.
Ora, o poder da Associação Nacional das Farmácias, uma entidade associativa das várias farmácias do nosso país — não de todas —, é aquele que os governos lhe permitirem ter, é o mesmo da APIFARMA, dos prestadores privados de saúde, enfim, será aquele que o Governo lhe permitir. E sabemos que, neste caso, o poder, o tal poder tão temido da Associação Nacional das Farmácias é tal que o Governo, para aprovar e propor a liberalização da propriedade das farmácias, teve de compensar muito a Associação Nacional das Farmácias. Vejamos: as farmácias passam a poder realizar análises clínicas e outros exames,…

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — E bem!

O Orador: — … as farmácias passam a poder candidatar-se e a concorrer, como o Sr. Ministro ainda agora disse, a farmácias privadas dentro dos hospitais,…

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — E bem!

O Orador: — … isto é, têm direito à privatização das farmácias hospitalares,…

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Não! Não é nada disso!

O Orador: — … as farmácias vêem satisfeita uma reivindicação antiga, da Associação Nacional das Farmácias, que é a de pôr fim aos benefícios fiscais das farmácias sociais, e podia continuar mas já ultrapassei o tempo de que dispunha e, portanto, não vou dar outros exemplos de como o Governo compensou bastante este grupo, este centro de poder, que quis e quer enfrentar — diz o Governo! —, para poder apresentar a liberalização da propriedade das farmácias.
A conclusão a que chegamos é a de que esta é uma medida desnecessária e de que a vida provará que terá consequências negativas para o sector do medicamento e para as populações e consequências negativas na capacidade de este Governo ou de qualquer outro conduzir uma política do medicamento soberana e de acordo com o interesse público nacional.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: De facto, há debates que valem a pena ser presenciados, Sr. Deputado Bernardino Soares, porque ouvir a bancada do PCP a citar o Sr. Nicolas Sarkozy…

Página 56

56 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É que percebi que mais ninguém o ia citar!…

A Oradora: — … e a defender uma legislação do Estado Novo só mostra como, efectivamente, os extremos se encontram.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É que percebi que vocês não o iam citar!…

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas o CDS até nem está assim tão longe do Sr. Sarkozy!

A Oradora: — Em face da proposta de lei que estamos a apreciar, não conseguimos fugir — é uma inevitabilidade! — a esta já habitual nebulosa, a esta confusão na política de saúde que tem vindo a ser levada a cabo pelo Governo socialista.
Eis que, ao fim de dois anos, surge a concretização de uma das primeiras medidas anunciadas pelo Sr. Primeiro-Ministro, aliás, logo na tomada de posse, que é a da liberalização da propriedade das farmácias.
Ora, esta entrada de leão corre, no entanto, o risco de se tornar numa saída de gatinho, digna de desenhos animados, porque algumas dúvidas, algumas lacunas e até alguns aspectos de ordem constitucional, a não serem explicados ou sanados, poderão deitar por terra todo este trabalho e toda esta entrada tão pomposa do Governo socialista, no que se refere à propriedade das farmácias.
A decisão de liberalizar a propriedade das farmácias e a instalação das farmácias de oficina é uma decisão política, diria mesmo, quase ideológica. Pode ser rebatida, pode ser contestada pelos interessados no sector, que confrontam o Ministério, sobretudo, com a falta de casos idênticos, em termos de direito comparado, mas é uma decisão. Pode ser discutida do ponto de vista corporativo, pode causar efeitos socialmente atendíveis, pode ser discutida do ponto de vista económico, pode até não configurar, como, de facto, não configura, uma prioridade para os portugueses, mas é uma decisão politicamente legítima, com um enquadramento económico e com uma coerência política. E o Governo, de facto, anunciou-a com alguma pompa, apesar de ela não resultar de qualquer pressão social nesse sentido. Aliás, a este propósito, cumpre referir o seguinte: o grau de satisfação, por parte da sociedade, relativamente aos serviços prestados pelas farmácias, é muito satisfatório. A confiança que as farmácias, ao longo dos anos, transmitiram à população é elevada e, na verdade, nos últimos anos, assistimos a um desenvolvimento inquestionável e a uma melhoria na qualidade, no equipamento e na capacidade de resposta, por parte das farmácias, designadamente no que se refere à aproximação ao público. Muitas vezes, as farmácias são chamadas a suprir a nossa vergonhosa falta de cuidados de saúde primários. Mas, voltando à questão essencial, a decisão anunciada, no sentido de liberalizar, foi uma decisão política e legítima.
Por isso mesmo, não se compreendem nem se podem ignorar algumas incongruências e dúvidas legais. Desde logo, não conseguimos compreender quais foram os valores ou os interesses que justificaram um modelo tão inédito e tão peregrino que, no fundo, nos vai colocar numa situação híbrida, mas já lá iremos.
Os senhores bem dizem que o regime se deverá caracterizar pela transparência e pelo rigor; porém, a verdade é que ficamos, passe a expressão, em meias-tintas.
Passo, pois, a enunciar algumas das questões materiais que nos preocupam, até porque a questão formal já foi amplamente debatida. No entanto, se me permitem um pequeno parênteses, de facto, não é compreensível que, perante uma matéria com esta importância, que vem revogar um regime, em termos de política de saúde, mas também de política económica, com mais de 40 anos, VV. Ex.as tenham entendido que não se justificava um amplo debate em sede parlamentar. Mas, como já disse, a questão formal já foi muitíssimo discutida e, por isso, passo às questões materiais.
Dizem os senhores que querem liberalizar a propriedade das farmácias. Mas, então, porquê este limite de quatro farmácias por proprietário? Porquê quatro? Porque não três nem duas ou cinco ou sete?

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — Onde é que VV. Ex.as foram encontrar este modelo? Onde é que se inspiraram? É que, de facto, este modelo e este número são inéditos!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É um exemplo de coragem!

A Oradora: — Por outro lado, perguntamo-nos: se há, de facto, uma vontade liberalizadora, porque é que os senhores mantêm critérios e rácios de população, geográficos, no que se refere à abertura de farmácias de oficina? O que é que os senhores pretendem com esta medida, sobretudo quando, depois, não propõem mecanismos que evitem a desertificação, em termos de proximidade das farmácias com as populações?! É que existe esse risco!

Página 57

57 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mas votaram contra esses mecanismos! É extraordinário!

A Oradora: — Nós, no CDS, que não temos preconceitos contra o mercado livre, ao contrário da extrema-esquerda, entendemos que as leis de mercado são assim mas que há questões sociais que são atendíveis e devem ser politicamente resolvidas,…

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Exactamente!

A Oradora: — … nomeadamente no que se refere a não deixar desertificar os serviços nas zonas menos populosas.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Ora aí está!

A Oradora: — O que consideramos confrangedor e incompreensível nesta proposta, relativamente à qual, mais uma vez, lamentamos que não seja objecto de uma discussão parlamentar em sede de especialidade, é onde é que os senhores se enquadram, porque não há exemplos, não há modelos equiparáveis a este.
Mas vamos àquilo que, para nós, é essencial, que são os interesses dos utentes, porque, no centro das preocupações do Ministério e das nossas, enquanto Deputados, devem estar sempre os interesses dos utentes.
Já falámos dos mecanismos, que os senhores não propõem, para evitar a desertificação.
Mais uma vez, Sr. Ministro, não há debate em que o CDS não pergunte à tutela: «para quando a dispensa em unidose?» É uma forma de poupar no bolso dos cidadãos e na despesa do Estado, em termos de medicamentos. Quando é que os senhores, finalmente, terão a coragem de impor a dispensa em unidose, para que as pessoas apenas consumam aquilo de que necessitam? E a prescrição electrónica, que é sucessivamente anunciada e que, de facto, é algo que reúne todas as virtualidades? Tanto quanto sei — e corrija-me se não estiver certa —, estava a decorrer uma iniciativa-piloto, em Portalegre, que o Sr. Ministro, recentemente, por despacho, veio anular.
Porquê esta estagnação em termos de política dos medicamentos genéricos? Por que não o alargamento do mercado dos genéricos?

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Estagnação?! Então ele aumenta todos os meses e estagnou?!

A Oradora: — São estes os aspectos fundamentais, independentemente da questão da liberalização da propriedade das farmácias.
Portanto, Sr. Ministro, deixamos aqui estas dúvidas, sendo que gostaríamos de compreender, nomeadamente, se não tem receio que toda esta iniciativa, que constitui uma das primeiras «bandeiras» deste Governo, possa ser ultrapassada por questões de fiscalização à sua constitucionalidade.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já valeu a pena fazer este debate para ouvir o PSD dizer agora que também é a favor da liberalização da propriedade das farmácias.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Agora?! Tem andado distraída!

A Oradora: — Vem tarde mas é bem vindo! A presente proposta de autorização legislativa, acompanhada do anteprojecto do correspondente decreto-lei a autorizar, surge na sequência da vaga reformista do actual Governo, nomeadamente na área da política de saúde.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!

A Oradora: — Se há sectores que há muito reclamavam uma actualização um deles é o da política do medicamento, designadamente no que concerne à situação da propriedade das farmácias.
Cabe aqui, desde logo, uma palavra de apreço sobre o papel socialmente relevante que os farmacêu-

Página 58

58 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

ticos têm desempenhado no nosso país. Mas o regime jurídico das farmácias e, por extensão, do medicamento, que é a básica matéria-prima com que o farmacêutico lida, foi perdendo adaptação à realidade.
Tudo mudou vertiginosamente nos últimos anos: a técnica do medicamento evoluiu da autopreparação para a produção industrial massificada por mega laboratórios, que constituem uma das imagens de marca do modelo capitalista.
Também os Estado se envolveu progressivamente no combate à doença, fazendo crescer a comparticipação orçamental nesse combate. A despesa com medicamentos, nomeadamente em ambulatório, cresce a ritmos muito superiores ao do crescimento da economia e, no caso concreto do nosso país, atinge mesmo o maior valor percentual entre todos os países da OCDE.
O Estado deve enfrentar a novidade científica, económica e social e reagir em conformidade, mesmo que essa atitude possa causar algumas reacções desfavoráveis, por mais compreensíveis que sejam.
O pedido de autorização legislativa insere-se nessa reacção saudável. Veio correctamente formulado, no respeito das exigências constitucionais e legais, mas não reveste ainda a forma definitiva. São, por isso, de reduzida importância reparos formais, que igualmente se justificam.
Vamos, pois, à matéria de fundo, que é o que mais importa, Srs. Deputados.
A inovação de maior relevo é a que cria o novo regime de propriedade das farmácias. Há tempo de mais, há cerca de 40 anos, que vigora a regra segundo a qual essa propriedade é exclusivo de um farmacêutico. Essa regra foi sendo revogada em diversos países, um pouco por toda a Europa, e com razão. Esse exclusivo é difícil de justificar num País como o nosso, em que são raros, se é que existem, outros exclusivos semelhantes. Esse exclusivo é aberrante no quadro dos princípios e valores do regime económico de livre iniciativa em que vivemos.
Compreende-se perfeitamente que o director técnico de uma farmácia tenha de ser um farmacêutico ou que uma farmácia disponha, no mínimo, de um farmacêutico, mas é incompreensível a exigência de que o proprietário de uma farmácia tenha igualmente de ser farmacêutico. É sabido que essa exigência tem dado origem a situações simuladas, em que o verdadeiro proprietário, não farmacêutico, se serve da figura da interposição fictícia e real de pessoa eventualmente amiga ou familiar, em qualquer caso de confiança, para tornear a exigência legal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso agora acontece, mas com a nova lei não vai acontecer!…

A Oradora: — É um problema que ficará resolvido, não acha, Sr. Deputado Bernardino Soares? A lei não deve fomentar situações menos legais e morais. Reconheça-se que a tentação é grande.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A seguir ainda vai ser maior!

A Oradora: — Um farmacêutico que tem uma farmácia e não tem um filho farmacêutico ao qual transmite em vida ou post mortem a propriedade da farmácia tem de vendê-la. A tentação de simular a venda que a lei indirectamente exige acaba por converter-se numa simulação real ou fictícia. A vida jurídica, como dizia o Sr. Deputado Bernardino Soares, abarrota de exemplos semelhantes, mas há que resolvê-los (desculpe a minha ingenuidade, Sr. Deputado).

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vou arranjar mais uns quantos para os senhores resolverem!

A Oradora: — Não nos choca o limite de quatro farmácias por cada proprietário. Sobra, no entanto, a seguinte dúvida: o dono de quatro farmácias a título individual pode ainda ser sócio de uma ou mais sociedades comerciais proprietárias também de uma ou mais farmácias? Talvez convenha regular esta hipótese para que o silêncio da lei não abra a porta a uma violação do espírito da lei. Gostava que o Sr.
Ministro, neste sítio e neste debate, pudesse esclarecer-nos.
As regras prescritas quanto ao quadro farmacêutico são, naturalmente, desejáveis para a farmácia ideal, mas é sabido que nem todas as farmácias têm a mesma dimensão ou localização. Há a grande farmácia da cidade, mas há também a farmácia da vila ou da aldeia. As exigências quanto à dimensão, ao quadro funcional, etc., são igualmente justificadas? Refiro-me, nomeadamente, à exigência de dois farmacêuticos e à tendência para que os farmacêuticos constituam a maioria dos trabalhadores de cada farmácia. Sei que é só uma tendência, mas também gostava de um esclarecimento, Sr. Ministro, se pudesse dá-lo.
Por último, merece aplauso a substituição de algumas sanções penais por simples coimas. Em Portugal, abusa-se da criminalização das infracções. A figura da contra-ordenação é um instrumento mais eficaz e, desde logo, mais célere.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O diploma legal que vem preencher lacunas, revogar rotinas e introduzir mais-valias no regime jurídico das farmácias merece, por isso, o voto positivo do meu grupo parlamentar.

Aplausos do PS.

Página 59

59 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

A Sr.ª Ana Manso (PS): — Ai é? Que surpresa!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito obrigado pelas vossas intervenções e sugestões. Muito obrigado também pela conjunção de interesses e de pontos de vista que encontrei nas vossas intervenções.
Fico muito satisfeito por ver que o PSD não mudou de opinião, desde há muitos anos. Os mais antigos lembrar-se-ão da luta que o ex-Deputado Rodrigo Porto travou neste Parlamento, e da qual saiu derrotado, para fazer aprovar um projecto de diploma com objectivos semelhantes aos de agora. Fico, portanto, muito satisfeito por ver que o PSD mantém ainda intacto esse ponto de vista. Vamos a ver! Esperamos que a sua posição final neste debate seja favorável em relação ao sentido manifestado.
Rapidamente, gostaria de focar quatro ou cinco pontos que foram objecto de debate. Em primeiro lugar, a opção legislativa.
Gostaria que as pessoas que criticaram a opção legislativa tivessem lido com um pouco mais de atenção os sete tópicos do artigo 3.º, relativamente ao qual era possível fazer um debate substantivo.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Esperava que os 61 minutos disponíveis nesta matéria para um debate substantivo fossem maioritariamente usados para esse fim. Ora, o que se passa é que eles foram maioritariamente usados em questões processuais, em críticas.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Quando não há nada para dizer…

O Orador: — De facto, peço muito desculpa, mas os partidos que provavelmente serão oponentes desta iniciativa desperdiçaram uma oportunidade interessante de discutir o fundo da questão.
Em segundo lugar, quatro farmácias por proprietário porquê? A recomendação da Autoridade da Concorrência — refiro este aspecto para as pessoas que tenham seguido com atenção essa questão — fixava em cinco o número de farmácias por proprietário. É preciso dizer também que o dispositivo de acesso à propriedade vai, naturalmente, ter como prioridade negativa a propriedade já de outras farmácias, isto é, têm prioridade aqueles que não são proprietários.
As quatro farmácias foram entendidas pelo Governo como sendo a dimensão suficientemente equilibrada para quebrar o monopólio unipessoal e, por outro lado, para dar alguma dimensão de escala a uma economia possível na compra de produtos farmacêuticos.
Todos sabemos que, hoje, uma parte significativa do rendimento dos farmacêuticos vem dos chamados bónus, que, pelo mecanismo de preço fixo do passado, não eram repercutidos no utilizador, lamentavelmente. Os bónus ficavam entre os circuitos de distribuição e a maior parte deles concentravam-se no último elo da cadeia. Ora bem, desta forma, através de uma economia de quatro farmácias, é possível aos seus «actores» máximos poderem, realmente, utilizar as vantagens do mercado para a compra conjunta (que também está autorizada, porque estava antes proibida) e para a venda de muitos produtos com preços baixos, o que até agora não podiam acontecer, porque se vivia sob o regime de preço fixo e vai passar a viver-se em regime de preço máximo, como certamente terão reparado.
Em terceiro lugar, quanto à concentração, é evidente que o PCP tem sempre este velho «fantasma» da concentração.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É um «fantasma» europeu!

O Orador: — Esteja tranquilo, Sr. Deputado. Se leu o texto que propomos, pode ver que há lá uma longa lista de incompatibilidades que foram acrescentadas às que existiam e que eram muito fragmentárias. Há o princípio da propriedade em nome individual e há o princípio de que, quando a propriedade seja colectiva, o seja em acções nominativas.
Por outro lado, há uma clara afirmação sobre dois adjectivos: «directa ou indirectamente titulares».
São dois adjectivos que devem ser considerados.
Em quarto lugar, no que se refere à liberdade de implantação, a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, do CDS-PP, teve alguma dificuldade em perceber o que propomos. Assim, queria fazer-lhe umas rápidas correcções.
Quanto à prescrição electrónica, Sr.ª Deputada, dos 380 centros de saúde que há no País, 260 já têm prescrição electrónica de medicamentos.
No que se refere à unidose, se a Sr.ª Deputada leu bem o texto que agora se propõe, as farmácias que vão ser instaladas nos hospitais vão passar a dispensar medicamentos por unidose. Portanto, esteja

Página 60

60 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

tranquila que as suas reivindicações vêm a seguir.
Quanto à liberdade de implantação e à equidade, a Sr.ª Deputada, provavelmente, não deve ter lido ou não prestou atenção àquilo que afirmei sobre a capitação mínima de habitantes de farmácia ser de 3500 (era de 4000) e a distância mínima entre farmácias fixar-se em 350 m (era de 500 m). Agora passa a ser possível abrir farmácias em qualquer lugar, desde que não haja farmácia a menos de 2 km. Também a transferência de farmácias passa a ser muito liberalizada, desde que se enquadre nestas regras.
Finalmente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria de dizer o seguinte: há dois anos atrás, quando este ciclo político começou, tínhamos uma situação muito sui generis na área do medicamento. Tínhamos medicamentos caros; tínhamos 9% de genéricos apenas; os medicamentos não podiam ser vendidos fora das farmácias nem sequer, às vezes, os próprios produtos lácteos para a alimentação dos recém-nascidos e dos bebés, quando há alimentação artificial, e até mesmo certas marcas de adesivos, por exemplo, eram banidas e havia boicotes em relação a elas porque começaram a ser vendidas também noutras lojas, nomeadamente em grandes superfícies.
Ora bem, não havia nenhuma loja que vendesse medicamentos fora das farmácias; não havia nenhum hospital que pudesse ter uma farmácia de venda a público; o pagamento do Ministério às farmácias estava pesadamente capturado por um mecanismo de atrasos financeiros; ninguém imaginava poder baixar o preço dos medicamentos; os genéricos situavam-se nos 9%; a propriedade tinha um monopólio e estávamos facilmente vitimizáveis pelas determinações da União Europeia a esse respeito, como a Espanha acabou de o ser este ano; não se podiam fazer descontos.
Sr.as e Srs. Deputados, hoje, o panorama é diferente. Hoje, em primeiro lugar, o acesso ao medicamento está mais facilitado para toda a população, porque, em relação aos medicamentos não sujeitos a receita médica, há quase 400 lojas que os vendem e o crescimento de preços nesse cabaz, em relação há ano e meio atrás, continua 2% abaixo do último preço fixo, medido em Setembro de 2005.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Em segundo lugar, vamos já ter, como referi há pouco, seis hospitais que requereram e a quem foi aprovado o caderno de encargos para, eles próprios, abrirem, por concurso, farmácias de venda a público, abertas 24 horas, nas suas próprias instalações.
Em terceiro lugar, criámos por decreto-lei um regime de pagamento às farmácias que não envergonha o Estado. O Estado não cai mais em incumprimento financeiro com as farmácias porque tem uma «almofada» financeira, tem um fundo especial para o efeito. As farmácias podem utilizá-lo e algumas estão a fazê-lo — não são muitas. Há outras que preferem pagar 1,5% de comissão à Associação Nacional das Farmácias e estão no seu direito. No entanto, o dever do Estado era criar esse fundo, e fê-lo, com todas as dificuldades que VV. Ex.as conhecem, porque aprovaram essa legislação, nesta Assembleia.
Sr.as e Srs. Deputados, baixámos, por duas vezes, 6% o preço de todos os medicamentos. Algum dia passaria pela cabeça de VV. Ex.as
, há dois anos atrás, que seria possível, por acto administrativo, baixar o preço de venda a público, no contacto com o consumidor, 6%, dois anos seguidos? Pois bem, fizemolo! O preço dos medicamentos está, efectivamente, mais baixo, e a nota que vos transmito e que referi há pouco é originária do Instituto Nacional de Estatística: são -0,4% para todo o ano de 2006, medido de Dezembro de 2005 a Dezembro de 2006.
Quanto aos genéricos, estavam em 9% quando chegámos ao governo e estão hoje, como sabem, segundo os dados que são publicados nas páginas do INFARMED, em 17,02%.
O monopólio da propriedade vai desaparecer em breve e não havia descontos; neste momento, o preço é máximo, pelo que podem praticar-se os descontos. Vão os descontos beneficiar o Serviço Nacional de Saúde do Estado? Não! Os descontos vão, exclusivamente, beneficiar o consumidor.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Finalmente, o crescimento, o controle da despesa farmacêutica. Com tudo isto, sem nenhuma restrição, conseguimos controlar a despesa farmacêutica no ambulatório (-1%) e conseguimos controlá-la na despesa hospitalar (+4%). Ganhámos um ponto percentual nos 1500 milhões de euros, que é, normalmente, a factura farmacêutica no ambulatório, onde ganhámos um ponto percentual a menos e, com isso, tivemos a possibilidade de fazer aquilo que estamos a fazer.
Aprovámos, no último Conselho de Ministros, um dispositivo que criou um complemento adicional para beneficiários do complemento solidário para idosos, no valor de 50% da parte não comparticipada pelos idosos.
Foi essa boa gestão que fizemos durante dois anos que permite, agora, podermos contemplar os estratos sociais mais desfavorecidos da nossa sociedade. É a isso que se chama uma verdadeira política social.

Aplausos do PS.

Página 61

61 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
Recordo que, amanhã, às 10 horas e 45 minutos, há uma reunião conjunta de todas as comissões, na sala do Senado, com o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar quarta-feira, dia 18, às 15 horas, e da ordem do dia constará a aprovação de vários Diários e ainda uma marcação de Os Verdes, respeitante ao projecto de resolução n.º 186/X — Integração da vacina que previne o cancro do colo do útero no plano nacional de vacinação.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação final global do texto final, apre-
sentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta
de lei n.º 107/X.

O Bloco de Esquerda votou favoravelmente a presente proposta de lei por entender que a mediação
penal, mais do que contribuir para o descongestionamento dos tribunais e para a celeridade processual,
constitui acima de tudo um instrumento essencial para a pacificação social.
No entanto, gostaríamos de salientar, e ressalvar, a nossa discordância quanto a algumas das solu-
ções adoptadas:
A exclusão do recurso à mediação penal quando seja aplicável o processo sumário ou sumaríssimo,
pois, a nosso ver, deveria ser dada, também nestes casos, primazia à tentativa de restauração da paz
social em relação à celeridade própria deste tipo de processos;
A consagração da possibilidade de presença de advogados nas sessões de mediação, por conside-
rarmos que a mesma pode introduzir desigualdades entre as partes e consequentemente conduzir a um
desvirtuamento deste mesmo sistema.

A Deputada do Bloco de Esquerda, Helena Pinto.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
António José Ceia da Silva
António Ramos Preto
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José Augusto Clemente de Carvalho

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Mário Henrique de Almeida Santos David
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Página 62

62 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007

Partido Socialista (PS):
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo

Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Almeida Henriques
Carlos Alberto Garcia Poço
Fernando Santos Pereira
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Eduardo Rego Mendes Martins
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa

Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º
77/2003, de 11 de Outubro):

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Páginas Relacionadas
Página 0046:
46 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: —
Página 0047:
47 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 Em simultâneo, o novo diploma aumenta e de
Página 0048:
48 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 Srs. Deputados, é pena! É pena que o Gover
Página 0049:
49 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 A Oradora: — O Executivo argumenta apenas,
Página 0050:
50 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 O Sr. Mota Andrade (PS): — Foi um lapso do
Página 0051:
51 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 vada por uma questão metodológica explicit
Página 0052:
52 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente,
Página 0053:
53 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 mácias é uma boa ideia que, infelizmente,
Página 0054:
54 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS):
Página 0055:
55 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 Tive oportunidade de ter acesso às afirmaç
Página 0056:
56 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É que per
Página 0057:
57 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mas votaram con
Página 0058:
58 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 ticos têm desempenhado no nosso país. Mas
Página 0059:
59 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 A Sr.ª Ana Manso (PS): — Ai é? Que surpres
Página 0060:
60 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 tranquila que as suas reivindicações vêm a
Página 0061:
61 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007 O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×