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Sábado, 21 de Abril de 2007 I Série — Número 74

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE ABRIL DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Isabel Coelho Santos

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da apresentação do projecto de lei n.os 376/X.
Foram discutidos, na generalidade, em conjunto, os projectos de lei n.os 207/X – Altera o Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, criando novos requisitos para a detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia (CDS-PP) e 375/X – Altera o Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico de detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia (PS).
Intervieram, a diverso título, os Sr. Deputados António Carlos Monteiro (CDS-PP), Pedro Quartin Graça (PSD), Rosa Maria Albernaz (PS), Alda Macedo (BE), Manuel José Rodrigues (PS), Miguel Tiago (PCP) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
Procedeu-se, depois, à apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 126/X — Estabelece os princípios da investigação científica em células estaminais e a utilização de embriões (BE) e 376/X — Estabelece o regime jurídico de utilização de células estaminais para efeitos de investigação e respectivas aplicações terapêuticas (PS), sobre os quais se pronunciaram, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados Luís Fazenda e João Semedo (BE), Manuel Pizarro (PS), Regina Ramos Bastos (PSD), Teresa Caeiro (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP) e Maria de Belém Roseira (PS).
Por último, foi apreciado o projecto de resolução n.º 143/X — Cria um plano de emergência para a resolução dos pedidos de inspecção pendentes na Inspecção-Geral do Trabalho (PCP), tendo intervindo os Srs. Deputados Francisco Lopes (PCP), Arménio Santos (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Mariana Aiveca (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Custódia Fernandes (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel José dos Mártires Rodrigues
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino

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Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato José Diniz Gonçalves
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD):
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte

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José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

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Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 376/X — Estabelece o regime jurídico de utilização de células estaminais para efeitos de investigação e respectivas aplicações terapêuticas (PS), que baixou à 10.ª Comissão.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 207/X — Altera o Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, criando novos requisitos para a detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia (CDS-PP) e 375/X – Altera o Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico de detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia (PS).
Para apresentar o projecto de lei do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS-PP tomou a iniciativa de trazer a debate, em Plenário, o projecto de lei n.º 375/X, o qual, alterando legislação já existente, visa criar novos requisitos para a detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia.
As alterações que o CDS-PP pretende trazer a este regime são, fundamentalmente, as seguintes: o estabelecimento de novos requisitos para a emissão da licença, relacionados com a capacidade física e psicológica dos candidatos a detentores destes animais; o incremento do conjunto de ilícitos criminais cuja prática justifica a recusa de emissão de licença; a introdução, nos vários diplomas que se ocupam destas matérias, de uma norma que permita aos agentes das entidades fiscalizadoras devidamente credenciados exigir ao agente de uma contra-ordenação a respectiva identificação e solicitar a intervenção da autoridade policial.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De acordo com o regime jurídico da detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia, consideram-se animais perigosos aqueles que tenham mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa; tenham ferido gravemente ou morto um outro animal fora da propriedade do detentor; tenham sido declarados como tendo carácter e comportamento agressivos, pelo respectivo detentor, à junta de freguesia da sua área de residência; tenham sido considerados pela autoridade competente como um risco para a segurança de pessoas ou animais.
Consideram-se ainda animais potencialmente perigosos todos aqueles que, devido às características da espécie, comportamento agressivo e tamanho ou potência de mandíbula possam causar lesão ou morte a pessoas ou outros animais.
Recorda-se o CDS-PP de, já em 2003, ter tido oportunidade de referir que se congratulava com a publicação e entrada em vigor desta nova legislação, desde logo pelo facto de ter operado a individualização da matéria da detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos relativamente às matérias atinentes à detenção dos restantes animais de companhia, as quais se encontram consagradas no Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro.
Era este, com efeito, o caminho a seguir, visto tratar-se de uma matéria que requer um tratamento mais específico que a da detenção de animais de companhia não perigosos. A autonomização desta matéria num diploma próprio, por outro lado, é uma forma de lhe dar maior visibilidade e assim retirar campo à recorrente alegação de desconhecimento dos preceitos da lei.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Também em abono do novo regime, criado pela legislação de 2003, está o facto de ter posto termo às recorrentes indefinições quanto à natureza perigosa de alguns destes animais, designadamente os cães, procedendo à catalogação das raças que poderão constituir perigo, enumerando as situações típicas em que o animal não pode mesmo deixar de ser considerado perigoso e prevendo, ainda, uma cláusula genérica à qual poderão ser subsumidos todos os demais animais que apresentem características morfológicas e comportamentais que não deixem dúvidas sobre a perigosidade do animal.
Por último, este regime jurídico também trouxe melhorias em sede de prevenção, na medida em que criou requisitos mínimos, mais rígidos que os constantes da lei então vigente, para a obtenção de licenças de detenção de cães e outros animais perigosos e potencialmente perigosos.

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Referimo-nos aos requisitos relativos ao detentor e aos requisitos relativos ao animal, logicamente, mas também aos requisitos relativos à realidade de facto em que se consubstancia a detenção, a saber: a obrigatoriedade de realização de seguro de responsabilidade civil; a obrigatoriedade de adopção de medidas especiais de segurança no alojamento, na circulação e na comercialização destes animais; a consagração de determinadas obrigações declarativas na eventualidade de agressão por parte de um destes animais; a obrigação de submissão dos mesmos a treinos de desbaste; e o estabelecimento de restrições à detenção destes animais.
Ora, o CDS-PP está de acordo, mas entende que se deve apostar mais ainda na prevenção. Os animais podem ou não ser perigosos, mas sê-lo-ão de certeza se o dono deles quiser que o sejam. Prevenção em geral, obviamente, mas também uma prevenção especial que assente, principalmente, numa atenção maior aos requisitos a reunir por quem pretenda possuir animais com estas características.
Neste sentido, propomos que sejam estabelecidos requisitos mais exigentes, relacionados com a capacidade física dos candidatos a detentores destes animais, igualmente requisitos quanto à capacidade psicológica desses candidatos e, ainda, que seja aumentado o conjunto de ilícitos cuja prática justifica a recusa de emissão de licença.
Com efeito, desde logo, esta iniciativa do CDS-PP adita ao rol de crimes cuja condenação impede a detenção deste tipo de animais os crimes contra a liberdade ou a autodeterminação sexual,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … os crimes contra a saúde pública ou contra a paz pública, não podendo o interessado, acrescenta-se ainda, ter sido privado, por sentença transitada em julgado, do direito de detenção de cães perigosos ou potencialmente perigosos.
Por outro lado, passa a prever-se que o candidato a detentor deva dispor de capacidade física e aptidão psicológica para a detenção de cães perigosos ou potencialmente perigosos, condicionando-se a emissão de certificado de capacidade física e psicológica à superação das provas, que, passe a tautologia, visam comprovar o seguinte: No caso da capacidade física, a inexistência de enfermidade ou deficiência, de carácter orgânico ou funcional, associada às capacidades visual e auditiva, aos sistemas locomotor e neurológico, a dificuldades perceptivo-motoras, de tomada de decisões ou a qualquer outra afecção, transtorno ou problema não compreendidos nas alíneas anteriores que possam ser causa de incapacidade física para garantir o adequado manejo e domínio do animal.
No caso da capacidade psicológica, a inexistência de enfermidade ou deficiência susceptível de causar incapacidade psíquica ou psicológica limitativas do discernimento, associadas a transtornos mentais ou de conduta, a dificuldades psíquicas de avaliação, percepção e de tomada de decisões, distúrbios de personalidade ou qualquer outra afecção, transtorno ou problema não compreendidos nas alíneas anteriores que limitem o pleno exercício das faculdades mentais necessárias à detenção de animais potencialmente perigosos da espécie canina.
Porque a realidade é esta: os cães perigosos continuam a circular em locais públicos sem o devido cuidado, ou seja, sem trela e sem açaimo, ou quando com uma, não com o outro… Os cães perigosos continuam a não ser devidamente manifestados e registados, para que se não saiba a quem pertencem quando algum incidente ocorre, e, bem assim, para que possam ser utilizados em desportos cruéis (se é que pode chamar-se desporto às lutas de cães…) e como meio de intimidação, muitas vezes associado à criminalidade violenta e ao tráfico de droga.
Os cães perigosos continuam a mutilar e, inclusivamente, a matar, como recentemente sucedeu na zona de Sintra.
Urge apertar a malha da detenção e intensificar a fiscalização sobre a detenção de um animal que pode, intencional ou inadvertidamente, transformar-se num instrumento de morte, de um momento para o outro.
Estas regras devem incidir sobre os proprietários desses animais, porque os cães podem ou não ser perigosos, mas os donos é que são os responsáveis e, principalmente, os donos é que podem ser perigosos.
O Partido Socialista apresentou igualmente uma iniciativa legislativa sobre a mesma matéria que prevê soluções que são, em parte, coincidentes com as da iniciativa do CDS-PP, pelo menos na matéria da verificação prévia da capacidade física e psíquica dos candidatos a detentores deste tipo de cães, mas não só. A iniciativa do PS adita igualmente normas em matéria de criação, comercialização e publicidade da venda destes animais que são igualmente inovadoras e oportunas, merecendo o nosso aplauso. Por isso a votaremos favoravelmente.
Termino manifestando a total disponibilidade do CDS-PP para, em sede de especialidade, aprovar uma nova lei de detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos que seja benéfica para a população em geral e contribua, de uma vez por todas, para reforçar a segurança de que se deve revestir a circulação dos mesmos entre as pessoas e a própria segurança desses mesmos animais, que também são prejudicados por terem donos menos escrupulosos.

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Quartin Graça.

O Sr. Pedro Quartin Graça (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, ouvimos com atenção a sua intervenção, porque se trata de um tema extremamente actual e que se relaciona com acontecimentos recentes que deram origem à morte de uma pessoa no concelho de Sintra, no passado mês. Tanto assim é que consideramos que quer o projecto de lei do CDS quer o projecto de lei do PS são globalmente muito aceitáveis e, portanto, estamos disponíveis para os aprovar.
Há, contudo, um aspecto que me parece extremamente importante e que se traduz, no fundo, na concretização prática destas soluções legais e teóricas. Com efeito, a concretização prática destas iniciativas passa por determinarmos também o que estamos a debater em concreto, ou seja, de que raça de animais ou de que cruzamentos de raças estamos aqui a falar.
Temos de ter em atenção, neste caso, a existência de uma lista que consta da Portaria n.º 422/2004, de 24 de Abril, na qual são referidos exactamente os animais que são considerados perigosos: cão de fila brasileiro, dogue argentino, pit bull terrier, rottweiller, Staffordshire terrier americano, Staffordshire bull terrier e tosa inu.
É nossa opinião que esta lista se apresenta actualmente desactualizada, e dizemo-lo porque temos tido conhecimento — aliás, houve casos mediatizados em que surgiu exactamente essa lacuna— de que existe, nomeadamente na Península Ibérica e, em concreto, em Portugal, uma raça que está a ser muito utilizada pelo narcotráfico, que é a chamada raça dogo canario, ou seja, cão de presa canário, que deu origem, inclusive, a um grave acidente mortal, há alguns anos, nos Estados Unidos da América, e que tem vindo a provocar, um pouco por toda a Europa, acidentes bastante graves.
Portanto, gostaríamos de saber se o CDS-PP (e, por antecipação, o próprio Grupo Parlamentar do PS e os demais grupos parlamentares) estaria na disposição de, no que diz respeito à Portaria n.º 422/2004, ou seja, à concretização prática de toda esta legislação em sede de raças, ter em atenção a necessidade de se actualizar esta listagem no sentido de verificarmos se existem, ou não — o exemplo que dei é pelo menos um —, raças que devam ser consideradas perigosas, não por si, porque os animais sem treino não são perigosos, mas cuja morfologia potencia, como é o caso do exemplo que citei, a sua perigosidade, desde que treinados para esse efeito, evidentemente.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Quartin Graça, é importante a matéria para a qual chamou a atenção, e estamos de acordo com o Sr. Deputado quando refere que a lista, publicada em portaria, que identifica as raças potencialmente perigosas está desactualizada.
Contudo, o que estamos a discutir hoje são, se quiser, os «donos perigosos» desses animais, por isso consideramos que é importante dar este passo, o de apostar na prevenção em relação aos donos dos animais.
Evidentemente, a Portaria n.º 422/X tem de ser revista e têm de ser aditadas novas raças. Mas se não tivermos um conjunto de critérios mais apertado em relação aos donos destes animais, vamos continuar indefinidamente a aumentar o número de raças potencialmente perigosas, porque um animal potencialmente perigoso pode ou não sê-lo! Vai depender da educação, do treino que o dono lhe der o facto de ele se vir a tornar, ou não, um cão perigoso. É por isso mesmo que, para nós, o passo fundamental que é necessário dar é o de regular as matérias em relação aos donos destes animais.
Volto a dizer que é evidente que a portaria que citou necessitará de ser adequada à realidade. Estamos de acordo que ela está hoje desactualizada e, nesse sentido, Sr. Deputado, estamos disponíveis para trabalhar na elaboração de uma melhor legislação, não só através da Assembleia da República como através das outras entidades que também legislam sobre esta matéria, nomeadamente identificando estas raças.

Aplausos do CDS-PP:

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de lei n.º 375/X, do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os recentes e mediáticos casos de ataques de animais, nomeadamente de cães, a pessoas, causando-lhes ofensas à integridade física ou mesmo a morte, vieram mais uma vez alertar para o problema da regulamentação do

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regime de detenção de animais de companhia perigosos e potencialmente perigosos.
Todos reconhecemos que a perigosidade canina, mais do que uma decorrência da raça ou do cruzamento de raças, se prende muitas vezes com factores relacionados com o perfil do seu proprietário ou detentor, com o tipo de treino que é ministrado aos animais e com a ausência de socialização a que os mesmos são sujeitos.
O regime legal que enquadra a detenção de animais perigosos ou potencialmente perigosos como animais de companhia encontra-se plasmado no Decreto-lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, que estipula um conjunto de obrigações para os detentores deste tipo de animais. De acordo com este diploma, é considerado animal perigoso aquele que já tenha antecedentes de ataques ou que tenha sido considerado pela autoridade competente como um risco para a segurança de pessoas ou animais.
Conforme se reconhece na exposição de motivos das duas iniciativas hoje em apreciação, as soluções adoptadas em 2003, apesar de globalmente positivas, revelam ainda algumas insuficiências susceptíveis de correcção, de que os recentemente divulgados casos de ataques perpetrados por este tipo de animais constituem exemplo.
Salientarei algumas das propostas assumidas no projecto de lei do Partido Socialista.
Em primeiro lugar, propõe-se a introdução de requisitos adicionais para os titulares de licenças de detenção de cães ou de outros animais perigosos ou potencialmente perigosos, procurando contribuir para uma melhor avaliação e triagem dos detentores deste tipo de animais, nomeadamente por via da exigência de um atestado de capacidade física e psíquica.
Em segundo lugar, constata-se que em muitos dos incidentes envolvendo este tipo de animais se verifica o incumprimento das normas que impõem a implantação de cápsulas de identificação electrónica (microchips), pelo que se propõe um endurecimento do quadro sancionatório vigente, por via da imposição aos vendedores de animais potencialmente perigosos do cumprimento desta obrigação.
Em terceiro lugar, todos reconhecemos que a excessiva publicidade dada à comercialização deste tipo específico de animais, por todos atestada nas páginas de anúncios de muitos jornais, constitui em si mesma um factor que em muito tem contribuído para a divulgação e popularização de algumas destas espécies e raças. Por este motivo, propõe-se a proibição deste tipo de publicidade e a introdução da correspondente norma sancionatória. Que fique claro que não somos contra a publicidade à comercialização de animais em geral, mas apenas contra o incentivo e a promoção da comercialização de raças ditas especialmente perigosas.
Em quarto lugar, também ao nível da actividade dos criadores se tem registado uma total ausência de controlo. A inexistência de normas jurídicas que enquadrem especificamente a actividade dos criadores de cães de raças consideradas potencialmente perigosas constitui hoje uma das causas explicativas para o aumento exponencial de criadores deste tipo de animais, bem como para o fomento de muitas das actividades ilícitas a esta criação associadas, designadamente as desumanas lutas de cães, verificando-se a estimulação das características de agressividade de algumas raças.
Finalmente, consideramos necessário o agravamento em um terço dos limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis nos termos da lei vigente, sempre que estejam em causa situações de reincidência, porquanto a realidade tem demonstrado que os prevaricadores nesta matéria são normalmente recorrentes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para que não restem dúvidas, a preocupação que nos move não é qualquer ataque a criadores ou comerciantes deste tipo de animais. A imposição de regras aplicáveis aos animais ditos perigosos ou potencialmente perigosos é uma forma de proteger essas mesmas espécies, assegurando um tratamento adequado às suas características específicas.
O Partido Socialista está naturalmente disponível para, em sede de especialidade, incorporar os contributos de todas as bancadas parlamentares que possam beneficiar este projecto de lei. Conjuntamente com o projecto de lei do CDS-PP, tenho a certeza de que iremos chegar a uma conclusão, pois a preocupação e a finalidade é comum a todos nós. Trata-se, em última instância, de medidas necessárias para prevenir situações de perigo para as pessoas e para os próprios animais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na verdade, o Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, já aqui mencionado nas intervenções anteriores, representou um passo importante no sentido da regulação da detenção e criação de animais que podem, eventualmente, representar perigo para os outros animais e para as pessoas que habitam o mesmo espaço físico. Ora, o que os dois projectos de lei que hoje discutimos contêm, no essencial, é uma preocupação que vai no sentido de melhorar algumas debilidades do diploma original, nomeadamente no que respeita à responsabilização dos criadores e donos de animais.
Devo dizer que o Bloco de Esquerda concorda globalmente com o sentido das propostas aqui apresentadas e vê com bons olhos a disponibilidade manifestada para o trabalho que se pretende fazer em

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torno delas, particularmente porque ambas denotam algumas debilidades que precisam de ser ultrapassadas em sede de especialidade. Assim, poderemos obter uma lei mais rigorosa, mais pormenorizada e mais assertiva, alcançando uma melhor regulamentação das normas relativas à criação e tutela de animais perigosos ou potencialmente perigosos.
Estas chamadas de atenção têm, contudo, de ser situadas na leitura que o Bloco de Esquerda faz, segundo a qual o valor comercial destas raças perigosas ou potencialmente perigosas está eminentemente dependente do apuro das mesmas. É sabido que os criadores optam por estratégias de cruzamento, procurando, com a reprodução, obter animais que sejam progressivamente mais apurados no que toca às características tradicionais destas raças. E isto leva a métodos de reprodução que são enviesados, porque se fundamentam, sobretudo, em consanguinidades intensivas, cruzando-se progenitores com os seus descendentes e cruzando-se irmãos. Ora, tendo em conta os animais que vêm a ser produzidos, corre-se o risco agravado de acentuar as características mais problemáticas e potencialmente perigosas destas raças, já de si caracterizadas por alguma hostilidade e agressividade. Para além do mais, acentua-se assim o risco de os animais virem a sofrer de taras, no fundo, um dos problemas da forma como se lida com o animal.
Devo dizer que esta é, na nossa opinião, a causa principal do problema, que, deste modo, começa logo na origem, na criação e reprodução destes animais e na forma como ela é conduzida. E é deste ponto de vista que nos parece que o projecto de lei do Partido Socialista, que tem a preocupação de especificar melhor os requisitos para atribuição das licenças de criação e de reprodução, devia ir um pouco mais longe, concretizando os princípios orientadores aceitáveis para se obterem espécies mais saudáveis no que toca às suas características «psicológicas», se é que o termo pode ser usado, e à estabilidade dos animais. Esta é uma das debilidades que o Bloco de Esquerda encontra no projecto de lei do Partido Socialista.
O projecto do CDS-PP, por seu turno, centra-se nos aspectos do treino e guarda dos animais, manifestando preocupações quanto à garantia de fiabilidade dos detentores dos animais e alcançando pormenores que, na nossa opinião, são excessivos. Eventualmente, o CDS reconhecerá que, apesar de serem as raças de maior porte e de maior força física que representam um índice de perigosidade mais acentuado (o que nos leva a compreender a preocupação que manifestam com a especificação do perfil do detentor do animal), a verdade é que os números existentes nem sempre apontam para estas raças de maior porte, força e vigor como sendo as causadoras dos ataques mais perigosos.
Devo dizer, contudo, que, percebendo a preocupação do CDS-PP, há uma coisa que os senhores não podem deixar de reconhecer. Refiro-me ao carácter, ao perfil pessoal e ao sentido de responsabilidade do detentor do animal, que, saliento, nenhum atestado clínico consegue comprovar. Como sabem, aliás, é ao nível do treino e da criação do animal – das dietas, das estratégias de confinamentos em solitárias, dos treinos para o combate e para a luta – que o problema se coloca com maior acuidade. Isto significa que estamos perante uma dificuldade relacionada com a fiscalização, que tem, portanto, de ser melhorada, como tem de ser melhorado o cadastro rigoroso e pormenorizado de que a Direcção-Geral de Veterinária já dispõe. Deste modo, poderá fazer-se uma monitorização mais eficaz da forma como os animais são tratados e cuidados.
O Bloco de Esquerda aprovará ambos os projectos de lei, naturalmente, e espera que o trabalho de especialidade possa desenvolver um pouco melhor alguns destes aspectos que nos parecem carecer de tratamento mais pormenorizado.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Quartin Graça.

O Sr. Pedro Quartin Graça (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP traz hoje ao Plenário da Assembleia da República o projecto de lei n.º 207/X, que altera o Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, criando novos requisitos para a detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia. Complementarmente, também o Grupo Parlamentar do Partido Socialista aproveitou a ocasião para legislar sobre a mesma temática, tendo apresentado o projecto de lei n.º 375/X. Trata-se de iniciativas que visam introduzir novos requisitos para a detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos.
Ambos os projectos, ainda que considerem as soluções adoptadas no referido decreto-lei globalmente positivas, entendem, contudo, que o diploma contém ainda algumas insuficiências susceptíveis de correcção, propondo, pois, novas soluções normativas, entre as quais se destacam as seguintes: a introdução de requisitos adicionais aos titulares de licenças de detenção de cães ou outros animais perigosos ou potencialmente perigosos, designadamente a exigência de um atestado de capacidade física e psíquica; o endurecimento do quadro legal que impõe a implementação de cápsulas de identificação electrónica; a introdução da proibição de publicidade à comercialização deste tipo de animais e da correspondente norma sancionatória, bem como o agravamento dos limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis nos casos de reincidência (medida que consta apenas do projecto de lei do PS) e a obrigato-

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riedade de identificação do agente de uma contra-ordenação (medida que consta apenas do projecto de lei do CDS-PP).
Como já referi, o Grupo Parlamentar do PSD entende como sendo globalmente positivas as iniciativas ora apresentadas. Na verdade, os cães considerados perigosos ou potencialmente perigosos são actualmente uma das mais eficazes e temíveis armas de nova geração. São utilizados para fazer frente à polícia, para assaltar cidadãos, para guardar casas de traficantes ou armazéns de droga, sendo ainda usados em lutas violentas, organizadas de forma indiscriminada um pouco por todo o País; são também utilizados nas chamadas lutas com cães ou, melhor, de cães, e em combates de rua, muitas vezes envolvendo a existência de apostas; são também os intervenientes principais em incidentes graves ou muito graves, como aquele que recentemente teve lugar em Portugal, mais concretamente no concelho de Sintra, e que provocou a morte de uma imigrante ucraniana.
No que refere a assaltos é, aliás, sintomático que, nos últimos dois anos, a Polícia de Segurança Pública tenha registado 22 assaltos a pessoas em que as armas de intimidação utilizadas foram precisamente os cães considerados perigosos, sendo que estes roubos são efectuados quer na via pública quer em transportes públicos, tendo em todas as ocasiões os animais sido utilizados com o objectivo de intimidar terceiros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posse de certo tipo de animais potencialmente perigosos, designadamente cães com carácter agressivo, em condições inadequadas e sem regras de protecção, representa um perigo para a integridade física dos cidadãos e gera a preocupação de toda a comunidade.
Na verdade, a perigosidade canina depende tanto de factores ambientais como de factores de ordem genética, da selecção de certos espécimes realizada independentemente da raça e do treino especialmente desenvolvido para promover o instinto de ataque e de produzir danos em terceiros.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Existem, assim, animais geneticamente perigosos que o poderão ser ou não, mediante o convívio e o treino de que forem objecto em consonância com as características de seu comportamento.
A ocorrência recente de diversos ataques realizados por iniciativa de certo tipo de animais que têm provocado graves deficiências físicas em pessoas, sendo nalguns casos a razão da sua morte, vem justificar, no nosso entendimento, as alterações ora propostas por ambos os grupos parlamentares naquilo que entendem fazer de alteração à lei em vigor no ordenamento jurídico.
Descurar-se agora o problema dos ataques de que alguns cidadãos foram vítimas sem se alterar aquilo que na lei está menos bem seria permitir a continuidade dessas ocorrências com resultados graves para quem deles é vítima, responsabilizando o Estado por omissão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — A legislação em vigor, desde 2003, estabelece um conjunto de raças potencialmente perigosas relativamente às quais os donos destes animais devem obrigatoriamente registá-los, possuir seguro obrigatório e ter cuidados de segurança, como o uso de açaime.
Sabemos, contudo, que, na prática, a legislação dificilmente é cumprida não só pela falta de meios, e consequentemente de fiscalização, como também por força de alguns condicionalismos legais. Muitos animais vivem, assim, à margem da lei, à semelhança dos seus próprios donos.
Os animais em causa são licenciados, mas muitas vezes registados como cães de guarda ou companhia e não como «potencialmente perigosos». O maior número de animais potencialmente perigosos nestas condições concentra-se no distrito de Lisboa, seguindo-se os distritos de Faro, Setúbal e Porto.
De acordo com a base de dados nacional do Sistema de Identificação de Caninos e Felinos, coordenada pela Direcção-Geral de Veterinária, em Portugal existem 1003 animais potencialmente perigosos de diversas raças.
É aliás, neste domínio, no da clara identificação das raças de cães perigosos ou potencialmente perigosos, que, no nosso entendimento, reside uma das principais lacunas da legislação em vigor. A legislação portuguesa refere-se, na portaria n.º 422/2004, de 24 de Abril, àquelas que considera serem as raças de cães e os cruzamentos potencialmente perigoso que há pouco ainda referi.
Neste âmbito, a lei é, contudo, omissa relativamente a um caso concreto de uma raça que também há pouco referi, ou seja, a raça cão de presa canário ou dogo canário, especialmente envolvida e identificada como estando ligada ao narcotráfico, nomeadamente na Península Ibérica. Inclusivamente, conhecemos um caso extremamente mediático que ocorreu em 2001 e que envolveu a morte de uma jovem, Diane Whipple, em São Francisco, morta precisamente nas imediações do seu apartamento por dois cães deste tipo.
É, portanto, necessário que, do ponto de vista do legislador, seja feita a discussão das alterações à lei em vigor, em sede de especialidade, de forma a serem aprovadas as respectivas alterações, e que, complementarmente, sem uma grande distância temporal, seja possível actualizar a portaria a que ainda

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há pouco aludi.
Assim, chamamos a atenção dos diversos grupos parlamentares, em especial do Partido Socialista, no sentido de, através destas alterações legislativas, serem especialmente sensíveis a esta necessidade, bem como à necessidade de garantir a segurança dos cidadãos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel José Rodrigues.

O Sr. Manuel José Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os dois projectos de lei que hoje apreciamos permitem-nos chegar a uma conclusão: a preocupação e a finalidade subjacente a cada um dos diplomas é, na verdade, comum.
De facto, em ambos os casos verifica-se a constatação de que o quadro legal em vigor (Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro), apesar de positivo e de já constituir uma base de regulamentação importante, enferma ainda de algumas limitações cuja correcção em sede legislativa poderá ser benéfica.
Em concreto, dos dois projectos resulta a necessidade de adicionar novos requisitos aos titulares de licenças de detenção de animais perigosos ou potencialmente perigosos.
O reconhecimento da perigosidade associada a algumas raças justifica a necessidade de se atestar a capacidade física e psicológica dos titulares das respectivas licenças.
O Partido Socialista assinala e regista a iniciativa legislativa do Partido Popular no sentido da valorização da responsabilidade dos titulares deste tipo de animais. Em todo o caso, não encontramos justificação para a referência, no projecto de lei n.º 207/X, ao Ministério das Finanças para efeitos de participação no processo de emissão dos certificados de capacidade física e psicológica. Em vez do Ministério das Finanças, parece-nos mais adequada a eventual intervenção do Ministério da Saúde, já que se trata de avaliar a capacidade física e psicológica das pessoas que são detentoras dos animais perigosos.
Temos, todavia, consciência de que a regulamentação dos termos em que a capacidade dos titulares desta licença será avaliada e atestada envolve uma especial sensibilidade, na medida em que poderá estar em causa a limitação de direitos. Em todo o caso, a discussão na especialidade permitirá, por certo, chegar a um texto de consenso que permita, simultaneamente, acautelar os diferentes direitos em conflito.
O legislador não pode ficar indiferente aos casos ou aos acidentes envolvendo animais nem tão pouco eximir os respectivos proprietários das suas responsabilidades. Qualquer licença envolve um conjunto de direitos e deveres inerentes ao tipo de actividade em causa.
Por esse motivo, o Partido Socialista apresentou um conjunto de alterações à legislação em vigor tendentes a responsabilizarem adequadamente os detentores de animais considerados perigosos.
Em face do exposto, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista votará favoravelmente os dois projectos de lei hoje em apreciação, aguardando pela discussão na especialidade em sede de Comissão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 312/2003 deu os primeiros passos no estabelecimento de um quadro legal que se vinha exigindo face à proliferação de situações de agressividade e violência com intervenção ou recurso a animais perigosos ou potencialmente perigosos.
Esta é apenas mais uma manifestação de violência provocada essencialmente pelos desequilíbrios sociais que se vivem, fruto das políticas que alargam franjas de marginalidade pela via da degradação da qualidade de vida, pela generalização da desorientação social e do desemprego. É mais uma das diversas expressões que a violência adquire, juntando-se a tantos outros comportamentos que acabam por virar ser humano contra ser humano, no âmbito de uma sociedade pejada de injustiças cada vez mais profundas, numa sociedade em que o conjunto de excluídos, de segregados e de pessoas que não encontram no Estado as respostas necessárias aos seus reais problemas, pelo contrário recebem diariamente do Estado o desprezo e a marginalização forçada, tendendo a violência a ser um recurso inevitável, quer para a sobrevivência quer para o enquadramento forçado do indivíduo, numa sociedade que sistematicamente o rejeita.
A posse de animais de companhia, por seu lado, é uma prática salutar e comum entre os cidadãos, devidamente enquadrada na lei, sendo, aliás, até de alguma forma promovida pela própria sociedade, sempre que existe em seu torno um conjunto de actividades que vão desde o comércio, passando pelo lazer e pelo associativismo.
Estas práticas, principalmente a cinofilia, a ailurofilia, não podem, no entanto, comportar mais riscos para saúde, segurança ou integridade das pessoas que o mínimo intrínseco inevitável a cada uma delas.

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Assim sendo, tem todo o cabimento que a legislação vá dando resposta a novas situações ou ao agravamento de outras que se vão repetindo, salvaguardando a saudável convivência entre todos os cidadãos, praticantes ou não destas práticas.
Acresce que a legislação sobre esta matéria, sendo dedicada, como não poderia deixar de ser, em primeiro lugar, à salvaguarda dos direitos dos cidadãos à segurança, à saúde, à autodeterminação e à integridade física, acaba por ter um efeito colateral positivo, que é o da limitação da possibilidade da utilização do animal para a prossecução de fins que põem em causa também o respeito pela sua própria vida e pelo seu bem-estar. Garantindo o direito a conviver em paz com os animais, garante-se também o respeito pela forma de vida animal.
O PCP considera que o actual regime legal consagra mecanismos que são de facto ajustados à situação e às diversas expressões que adquire, o que não significa a ausência de concordância com as presentes iniciativas que hoje o CDS-PP e o Partido Socialista nos apresentam. No essencial, estas visam o aperfeiçoamento e ajuste da actual legislação à experiência da sua aplicação e às incapacidades que tem vindo a demonstrar ter.
De um ponto de vista global, manifestamos assim o nosso acordo, sendo que algumas dúvidas, nomeadamente no plano da exequibilidade, se levantam. Entre outras questões, importa também garantir que em posterior regulamentação se clarifiquem o que são distúrbios mentais e psicológicos a que se referem os projectos no âmbito do impedimento de obtenção de licença, sendo que devem ser exclusivamente aqueles que se prendam com patologias de comportamento social ou de agressividade ou comportamento violento, distinguindo de outros que podem não ter qualquer influência no comportamento do indivíduo perante a sociedade.
É neste sentido de generalizado acordo que o PCP, ainda assim, não quer deixar de vincar o seu empenho no combate a uma prática violenta que se vai verificando com recurso a animais perigosos, que os despreza na sua qualidade de seres vivos, que os utiliza como armas contra pessoas e que os utiliza como instrumento de poder e afirmação social, acarretando risco para a vida de cidadãos, entre os quais, os próprios detentores do animal ou seus familiares, como alguns recentes casos, infelizmente, nos têm vindo a provar.
No entanto, é importante colocar, neste momento, uma preocupação de muitos partilhada pelo PCP: a impunidade, a inoperância e a inexequibilidade que se verificam no cumprimento, ou, melhor dizendo, no incumprimento da actual legislação. Não raras vezes, cidadãos passeiam os seus animais potencialmente perigosos, geralmente de grande porte, de grande potência corporal e de grande potência de mandíbula sem qualquer trela ou açaime, e por vezes até mais do que um animal. Não são raras as vezes em que, às portas de estabelecimentos de ensino, em zonas de convívio ou em outros espaços públicos, como espaços verdes ou praças urbanas, estes animais, desprovidos de açaime ou trela, acompanham os seus donos à distância convivendo em espaços com outros animais, crianças e adultos que não são seus donos.
Impõe-se uma fiscalização mais consistente, capaz de ter um efeito, por um lado, dissuasor e, por outro, preventivo, como se impõe também uma aplicação rigorosa da lei nos casos de incumprimento verificado, nomeadamente nos casos de utilização dos referidos animais como forma de agressão física ou psicológica sobre outrem. O problema da legislação nesta matéria é, essencialmente, a fiscalização.
Ora, quando abordamos estas questões teremos necessariamente de abordar também a protecção dos próprios animais. Neste domínio, não faltam exemplos de leis que nunca foram regulamentadas, de leis que não são fiscalizadas, de incumprimentos que conduzem a casos de maus tratos de extrema violência a animais. E, muitas vezes, a violência desses animais resulta desses maus tratos que lhes são directa e reiteradamente infligidos. Não faltam no quotidiano casos de parques zoológicos sem as mínimas condições, de utilização de animais em actividades de espectáculos e circenses sujeitos a bárbaras condições de tratamento, em que nem a legislação existente — que é manifestamente insuficiente — é respeitada.
Por este motivo, é necessário reforçar a fiscalização como factor essencial de um verdadeiro combate a esta expressão da violência, o que é até mais adequado do que o método intrusivo de exigir um atestado de condição física e mental que, hoje, ambos os diplomas nos propõem.
Sobre outros aspectos mais específicos de ambos os diplomas, que no essencial se propõem ao mesmo desígnio, o PCP manifesta toda a vontade e disponibilidade para, em trabalho conjunto, em sede de comissão, apresentar as suas propostas e dúvidas.

Aplausos do PCP, de alguns Deputados do PS e do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão de hoje, de alteração do Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, que consagrou um regime jurídico de detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia, surge no momento em que ainda temos bem vivo na memória o recente e chocante ataque de cães a uma mulher

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com o resultado mais dramático, isto é, causando-lhe a morte.
Como já aqui foi dito por outras bancadas, não há cães maus e perigosos, tal como não há pessoas más e perigosas por natureza. Os cães, que estão com o homem desde os alvores do tempo, tendo sido dos primeiros animais a ser domesticados, que nos acompanham há milhares de anos no trabalho, no lazer, na caça, mas também na guerra, têm, naturalmente, instintos de sobrevivência, de grupo e de família, de autodefesa, de território, etc., apresentando, como qualquer pessoa quando nasce, todas as potencialidade para o melhor e para o pior. São conhecidos tantos casos de cães que salvaram a vida a pessoas como de cães que tiraram a vida a pessoas.
Com efeito, os cães pouco sociáveis e perigosos são quase sempre, na maior parte dos casos, vítimas do homem ou da sociedade humana, de maus tratos, de negligência, de abandono ou de uma educação criminosa, propositadamente visando estimular a sua agressividade e pouca sociabilidade.
Naturalmente, há animais que, quer pelas características genéticas da sua espécie ou hereditárias, quer pelo percurso de vida e educação, formação e estímulos negativos e positivos que tiveram, podem tornar-se numa verdadeira ameaça e num perigo para outros animais, para as pessoas e também para si próprios.
Por isso, justifica-se que haja, também do ponto de vista legislativo, um cuidado particular e medidas específicas destinadas a regular a criação, a aquisição, o transporte, o alojamento, a posse e a detenção dos chamados cães potencialmente perigosos.
As alterações à legislação actualmente existente, patente, nos projectos de leis do CDS e do Partido Socialista, vão no sentido de reforçar o nível de exigência feito principalmente aos donos e criadores de animais potencialmente perigosos, criando um maior nível de exigência para os donos dos cães e outros animais perigosos, designadamente ao nível das condições demonstradas do ponto de vista físico e psíquico, mas também em termos de exigências mais agravadas na colocação e do uso do chip electrónico ou de restrições na publicidade da comercialização.
Todas estas medidas e alterações são importantes e por isso devem ser discutidas.
Como já foi referido, estas alterações surgem no momento em que a situação na nossa sociedade apresenta contornos relativamente novos. E não o dizemos apenas pelas notícias que, com alguma frequência, surgem na comunicação social, relatando casos mais ou menos graves, quer em Portugal quer noutros países, de ataques de cães a pessoas.
De facto, há essa tendência na nossa sociedade — que não existe apenas, como tem sido por vezes veiculado, dentro de meios relativamente marginais ou ligados a actividades ilícitas do uso do cão, inclusivamente como uma arma de ataque, para realizar furtos ou roubos —, mas há também um recrudescimento da aquisição e uso deste tipo de animais potencialmente perigosos por jovens que querem diferenciar-se junto dos amigos de uma forma que não é saudável.
Esse é um fenómeno que tem vindo a crescer na nossa sociedade e que é particularmente preocupante. Por isso mesmo, Os Verdes saúdam estes projectos de lei, porque entendem que os mesmos vêm no sentido de controlar essas tendências. E apesar de não concordarmos em absoluto com todas as soluções apresentadas, queremos referir que estamos disponíveis para, em sede de especialidade, encontrar uma alteração legislativa que venha no bom sentido.
Em nosso entender, o verdadeiro problema não irá ser resolvido apenas com mais legislação ou com o aperfeiçoamento do corpo legislativo actualmente existente, nem apenas com o aumento do grau de exigências ou com a «musculação» das sanções. O verdadeiro problema é o da quase total ausência de fiscalização, bem como dos meios afectos ao controlo e conhecimento da actual situação, o que é, de facto, preocupante.
Aliás, só para registar alguns dados, que saíram, por exemplo, na comunicação social, entre os 3800 cães potencialmente perigosos registados e oficialmente conhecidos e os 8300 que o Clube Português de Canicultura conhece ou, por exemplo, entre os pouco mais de 1100 pitbulls registados e os cerca de 10 000 cães que a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal estima existirem em Portugal, certamente que, algures entre estes números, existe um número real, mas sempre bastante elevado e sempre acima dos números oficialmente registados e conhecidos, que têm contornos realmente muito perigosos.
O verdadeiro problema, volto a dizer, é o da ausência de fiscalização, que continua a ser uma realidade. Na verdade, a fiscalização, quando existe, é quase sempre por reacção, ou no seguimento de um caso grave, com consequências mais ou menos dramáticas, ou de um susto maior ou menor, ou quando há uma queixa ou uma denúncia, ou seja, situações que demonstram que as normas que hoje existem não são elas próprias cumpridas, não se conhecendo, na esmagadora maioria dos casos, o grau completo do seu incumprimento e da sua violação.
Esta é, pois, a situação mais grave que temos. Por isso, pensamos que não adianta melhorar o nosso sistema legislativo se não zelarmos pelo seu cumprimento.
Mas o cumprimento também não passa apenas pela fiscalização. Estamos em crer que muita da violação da actual legislação é devida, em grande parte, ao desconhecimento dessa mesma legislação e à falta de sensibilização para o seu cumprimento e para os perigos que lhe são inerentes. Por isso, entendemos que não basta apenas mudar a legislação, é preciso tomar medidas no sentido da formação, da informação e da sensibilização para este problema a todos os níveis, nomeadamente junto das escolas,

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uma vez que este é um problema que está a afectar cada vez mais os jovens. Sem essas medidas, não poderemos, com certeza, obter os resultados positivos que todos ansiamos.
Aliás, uma ideia que gostaríamos de avançar desde já e que gostaríamos de trabalhar em sede de especialidade é a da possibilidade de se criar uma moratória ou um período durante o qual se consiga que as pessoas que neste momento já têm cães potencialmente perigosos e em situação de ilegalidade possam vir a público revelá-los, registá-los e tomar medidas para acautelar o futuro relativamente a esses animais e à sociedade onde os mesmos existem.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta parte final do debate, e depois das intervenções feitas, gostaria de dizer que tenho a certeza absoluta de que, em sede de especialidade, iremos beneficiar muito os dois projectos de lei apresentados.
Todos concordamos que tem de existir prevenção e responsabilização. Mas essa responsabilização, como já aqui foi dito, não pode ser só para os detentores dos cães ditos de raça perigosa, tem de ser também para os criadores e para os vendedores.
Gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados para o facto de termos de ter muito cuidado com a lista das chamadas raças perigosas. Todos reconhecemos que as raças têm determinadas características, mas como ainda ontem foi referido num documentário que passou na SIC sobre este tema — foi referido por elementos da GNR, que todos os dias lidam com a raça rottweiller, por exemplo —, com educação e com regras é possível fazer com que estes cães sejam dóceis. É, aliás, por isso que os mesmos são usados em operações de salvamento e de resgate.
Há muitas pessoas que têm cães da raça rottweiller e de outras que estão também na lista das chamadas raças perigosas. Penso que temos de ter muito cuidado, porque a corpulência de um cão não quer dizer que o mesmo possa ser perigoso.
Em meu entender, temos é de saber educar os cães e temos também de legislar por forma a que os criadores, os vendedores e os detentores de cães sofram sanções, sanções essas que não permitam que eles continuem, depois do pagamento, a poder comprar mais cães e a usá-los como armas, porque, de facto, é isso que sucede. Estes animais são educados para participar em lutas violentas, são educados com maus tratos e de uma maneira desumana. Daí que o produto final seja este.
Para terminar, gostaria de deixar uma mensagem positiva: os cães são seres sensíveis, que nos fazem companhia e que têm um papel muito importante no acompanhamento de pessoas adultas, de crianças, de doentes e de pessoas com deficiência. Quero lembrar, por exemplo, que há pessoas com problemas auditivos, principalmente mães, que usam cães para que detectem e avisem quando uma criança chora ou quando um telefone ou uma campainha tocam. Recordo também que os cães são ainda usados para pressentir e prevenir os doentes de epilepsia, duas e três horas antes, de um ataque.
Portanto, é preciso lembrar o aspecto positivo destes seres sensíveis, em vez de entrarmos pelo caminho de enumerar raças, porque, na verdade, esta situação só é um problema quando há má educação por parte dos criadores, dos vendedores e de certos detentores de cães. É claro que não são todos, uma vez que há criadores, vendedores e donos de cães que são honestos e que têm os cães em situação legal. Temos é de legislar para aqueles que não o são.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao segundo ponto da nossa ordem de trabalhos, que consta da apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 126/X — Estabelece os princípios da investigação científica em células estaminais e a utilização de embriões (BE) e 376/X — Estabelece o regime jurídico de utilização de células estaminais para efeitos de investigação e respectivas aplicações terapêuticas (PS).
O Sr. Deputado Luís Fazenda pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Para uma interpelação à Mesa acerca da condução deste processo legislativo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, gostaríamos de anunciar ao Sr. Presidente e à Câmara que tencionamos fazer baixar à comissão, sem votação, a nossa iniciativa. Creio que compartilhamos igual objectivo do PS em relação à sua iniciativa.
Faço esta observação por duas ordens de razões: temos fortes convicções de que haverá um epílogo neste processo legislativo e que será aprovada uma lei.

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Além disso, o PSD já anunciou a sua intenção de apresentar um projecto de lei que virá juntar-se às iniciativas existentes.
Pela nossa parte, tendo nós apresentado, há dois anos, esta iniciativa legislativa e tendo a mesma sofrido um veto por parte da maioria, verificou-se que parte das suas disposições foram absorvidas pela lei da procriação medicamente assistida.
Assim, sentimo-nos hoje na necessidade de complementar esta iniciativa com um conjunto de desenvolvimentos que faremos em sede de comissão, tentando elaborar um texto de substituição que seja comum às várias bancadas e também protelando o processo o tempo suficiente para que possamos ouvir, em particular, a comunidade cientifica e as associações de cidadãos. Sabemos que esta é uma matéria importante e delicada, pelo que entendemos que deve ser dado o tempo necessário para a respectiva elaboração legislativa.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há quatro anos, em 2003, o Bloco de Esquerda apresentou o seu primeiro projecto de lei sobre a investigação em células estaminais e a utilização de embriões com fins científicos.
Dois anos depois, na mudança da legislatura, introduzimos novamente este tema no debate parlamentar, através do projecto de lei que, finalmente, estamos agora a discutir.
Quatro anos é, sem dúvida, muito tempo. Mas foi um tempo em que a razão não parou no tempo. Ao contrário, a razão correu ao lado do tempo e com ele cresceu, acabando por impor-se ao preconceito anticientífico e ao conservadorismo anti-humanista; um tempo em que propostas pioneiras e olhadas com reserva e desconfiança por várias bancadas ganharam força de lei e estão hoje consagradas na legislação aprovada por este Parlamento sobre a procriação medicamente assistida, o qual trouxe consigo novas perspectivas para a actividade científica realizada em Portugal e, sobretudo, uma nova relação com os princípios e os valores da ética e da bioética.
Esta lei — lei da procriação medicamente assistida — inclui, por força do debate que a sua aprovação provocou nesta Assembleia, alguns conceitos, definições e medidas, que constam também do projecto de lei agora em discussão. Apesar disso, continua por satisfazer a necessidade de regular a investigação desenvolvida a partir e para além da procriação medicamente assistida, motivo que justifica a presente iniciativa do Bloco de Esquerda e também o projecto de lei do Partido Socialista, cuja apresentação saudamos e cujo conteúdo merece nossa genérica concordância.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda permite e promove a investigação científica em células estaminais e a sua transferência e aplicação no domínio da terapêutica de patologias do tipo degenerativo e também nas que resultam da destruição irreversível de tecidos e partes de órgãos do ser humano, para os quais a medicina ainda não dispõe de soluções efectivas, como são os casos, por exemplo, falando apenas dos mais conhecidos, da diabetes, do Parkinson, da doença de Alzheimer, do enfarte do miocárdio, das doenças do sangue e também ainda de algumas patologias da espinal medula.
As células estaminais são, por isso, uma janela de esperança para a humanidade e um renovado impulso para a comunidade científica.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda está construído sobre uma sólida base ética, uma ética que responde ao desafio e à responsabilidade social, mas também moral, de superar os limites do conhecimento científico adquirido e de encontrar novas respostas em benefício da vida humana; uma ética de indiscutível e rigoroso compromisso com os direitos do indivíduo e com a dignidade humana; uma ética que, focada nas pessoas, não frustra as expectativas da ciência nem, tão-pouco, viola qualquer direito dos homens.
Por isso, a lei que propomos proíbe a produção de embriões propositada e especificamente para a investigação e define rigorosamente as condições em que essa investigação pode ser permitida.
A obtenção de células estaminais só é autorizada a partir de embriões inviáveis, portanto sem possibilidade de autodesenvolvimento, e também de embriões excedentários, que, não sendo utilizados nem doados a outros casais inférteis, estão destinados, naturalmente, à destruição. Nestes casos, a investigação como alternativa à destruição dos embriões é plenamente justificada pelo benefício que dela pode resultar para a vida das pessoas.
Por último, o nosso projecto de lei proíbe taxativamente a comercialização de material biológico utilizado no decorrer do processo de investigação e recusa a existência de patentes de células estaminais embrionárias, propondo a criação de um banco para depósito e conservação dos embriões destinados à investigação, naturalmente na dependência de um organismo público.
Sr.as e Srs. Deputados, a investigação em células estaminais constitui um domínio novo, apaixonante e muito promissor. Apesar de estarmos no início de um percurso sobre o qual as certezas são ainda muito poucas, quer a comunidade científica quer a sociedade em geral depositam grande expectativa nos seus resultados, sobretudo na sua possível aplicação clínica. O Bloco de Esquerda partilha essa expectativa.
Está nas nossas mãos, nas mãos de todos os membros deste Parlamento, transformar a expectativa

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em realidade. E seria bom, Sr.as e Srs. Deputados, que não deixássemos o futuro atrasar-se.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pizarro.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A investigação em células estaminais e a sua aplicação terapêutica, objecto do projecto de lei que hoje aqui apresentamos, constitui um dos mais aliciantes desafios da investigação científica na área da biomedicina.
As células estaminais são as mais indiferenciadas de todas as células do nosso organismo, com capacidade de se auto-renovarem e de se dividirem indefinidamente. Cada uma dessas células possui um património genético similar. E o conhecimento dos mecanismos biológicos que levam células com o mesmo património a diferenciarem-se, adquirindo morfologia e funções diversas, são de primordial importância.
A investigação em células estaminais permite aprofundar esse conhecimento e, no mesmo passo, perceber as anomalias de diferenciação e de desenvolvimento celulares de que resultam certas doenças. Por si só, esta seria já uma boa razão para que a sociedade encoraje o aprofundamento da investigação neste domínio. Mas o que é ainda mais significativo é que existe já hoje evidência de que esta investigação permitirá múltiplas aplicações terapêuticas.
As células estaminais são já hoje usadas no transplante de medula óssea, permitindo simplificar e generalizar uma técnica terapêutica, muito mais complexa antes do advento da sua aplicação. Mais ainda: estão em curso estudos de utilização de células estaminais para promover a reparação de tecidos ou órgãos, e este é um desafio aliciante. Exemplos da sua utilidade poderão ser o tratamento de doenças neurológicas, como a doença de Parkinson ou a esclerose múltipla, o tratamento da diabetes mellitus, resultante da falta de produção de insulina, e a reparação de tecido cardíaco após um enfarte do miocárdio.
A investigação em células estaminais abre uma nova e exaltante perspectiva para a Medicina, talvez só comparável à introdução dos antibióticos há cerca de meio século atrás.
Com o projecto de lei que apresentamos pretendemos clarificar o enquadramento ético em que deve decorrer quer a criopreservação de células estaminais quer a sua aplicação na terapêutica.
Não ignoramos o enquadramento legal alcançado com a Lei da Procriação Medicamente Assistida, aprovada por grande maioria nesta Casa e promulgada pelo Sr. Presidente da República no ano de 2006. Nesta Lei, de acordo com os mais exigentes padrões éticos internacionalmente aceites, está definido em que condições poderão ser usadas células estaminais provenientes de embriões inviáveis ou excedentários.
No projecto de lei ora em apreço prevemos e regulamos as outras possíveis fontes de células estaminais — certos tecidos adultos, produtos de abortamento espontâneo ou induzido e células do cordão umbilical e de tumores germinativos.
Em todos os casos exigimos consentimento do dador e garantimos a confidencialidade da sua identidade, proibimos a produção com fins comerciais de células a partir da utilização de células estaminais e estabelecemos a exigência de autorização específica para os estabelecimentos públicos ou privados que se dediquem a este trabalho científico.
Não nos parece adequada a proposta contida no diploma do Bloco de Esquerda de criar uma comissão específica para a investigação em embriões humanos. Parece-nos que se trataria de um órgão redundante, estando as suas tarefas asseguradas, quer pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, quer pelas comissões de ética dos estabelecimentos envolvidos.
Mas partilhamos — e devo dizê-lo com toda a clareza — as preocupações aqui expressas pelo Sr. Deputado Luís Fazenda de que se consiga, com esta lei, obter o melhor resultado do ponto de vista do rigor ético e científico e do ponto de vista do consenso parlamentar.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Muito bem!

O Orador: — Estamos, por isso, disponíveis para secundar a proposta aqui avançada de que os diplomas baixem à Comissão Parlamentar de Saúde sem votação e de que aí seja feita a audição de todos os interessados e produzido um trabalho rigoroso, que permita uma lei progressiva, mas baseada no maior consenso possível, como já disse.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A regulação que propomos é particularmente importante porque, no actual estádio dos nossos conhecimentos, a investigação em células de origem embrionária é indispensável. É sabido que é possível obter células estaminais a partir de tecidos adultos, mas as células de origem embrionária têm demonstrado uma muito maior versatilidade e potencialidade de diferenciação, o que é, aliás, biologicamente plausível.
Assegurado o carácter beneficente da investigação e o seu objectivo último de favorecer a humanidade, bem como o cumprimento dos princípios éticos, não nos parece que deva a investigação ser limitada

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em função de preconceitos ou de receios e alarmismos infundados.
Abertura ao progresso científico, ao serviço do bem-estar dos seres humanos, é a atitude que entendemos correcta. Portugal deve estar envolvido neste processo de progresso científico e é essa a razão fundamental do nosso projecto de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Regina Bastos.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As células estaminais podem marcar o início de uma nova era da Medicina, curando doenças mortais com tecidos e órgãos feitos à medida.
Mas o futuro pode já estar aí ao alcance da nossa mão.
Neste preciso momento, um menino de 11 anos espera num hospital de Paris que um transplante de medula óssea permita tratar a sua anemia falciforme. Estes transplantes são, precisamente, um exemplo de terapêutica com células estaminais adultas, em que as células da medula óssea doada regeneram os sistemas sanguíneo e imunitário do paciente.
Entretanto, células estaminais adultas da anca ajudaram a reparar o coração de um doente.
Graziella Pellegrini e as colegas de Fundação Oftalmológica Italiana usam células estaminais adultas retiradas do olho saudável de um paciente para lhe reparar o olho doente.
A terapia regenerativa e a investigação de base com células estaminais exigem da parte do legislador nacional e comunitário um grande esforço regulador e regulamentador.
A Assembleia da República é convocada hoje para iniciar este esforço regulador. Observemos, então, de perto os dois projectos de lei agora em apreciação.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda, que retoma aquele que apresentou na anterior legislatura, está agora prejudicado pela aprovação e publicação da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, que regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida (PMA).
O projecto de lei do Bloco de Esquerda não é um verdadeiro diploma sobre a investigação científica com células estaminais, pois limita-se a pretender abrir a porta à investigação científica em embriões humanos — é mais um projecto fracturante, que agora perdeu todo o efeito.
Importa civilizar estes ímpetos, calibrando o cientificamente possível com aquilo que é eticamente aceitável.
A principal questão ética que nos podia preocupar nesta sede está ultrapassada, graças à introdução no nosso ordenamento jurídico da regulamentação da procriação medicamente assistida. Com efeito, esta lei veio proibir a criação de embriões através da PMA com o objectivo deliberado da sua utilização na investigação científica.
No entanto, considera lícita a investigação científica em embriões com o objectivo de prevenção, diagnóstico ou terapia de embriões, de aperfeiçoamento das técnicas de PMA, de constituição de bancos de células estaminais para programas de transplantação ou com quaisquer outras finalidades terapêuticas.
O mesmo diploma estatui, ainda, que, para esta finalidade, só podem encaminhar-se aqueles embriões que já não possam ser utilizados em projecto parental ou que sejam inviáveis. E todos estes projectos de investigação têm de ser previamente aprovados e só podem ser desenvolvidos em centros previamente licenciados.
Ultrapassada por via legislativa esta questão ética, o projecto do Bloco de Esquerda esvaziou-se; permanece, contudo, em aberto a questão da admissibilidade da clonagem terapêutica.
A recolha destas células estaminais pode oferecer esperanças no desenvolvimento da cura de doenças, mas não é menos verdade que implica a criação de embriões com um fim diverso do da procriação.
E isso, para um partido personalista como o PSD, é inaceitável! Em primeiro lugar, porque pressupõe uma abordagem descartável e utilitarista do embrião humano, atribuindo-lhe a função única de fornecedor de banco de células.
Em segundo lugar, porque a sociedade não deve abdicar de lutar pelo aperfeiçoamento de técnicas, como a manipulação de células estaminais adultas, relativamente às quais existe um amplo campo de exploração e que podem acarretar as mesmas vantagens da clonagem terapêutica sem os seus graves inconvenientes éticos.
Recordamos a este propósito os últimos sucessos da equipa do Prof. Anthony Atala, do Instituto de Medicina Regenerativa Wake Forest, na Carolina do Norte, que detectaram células estaminais no líquido amniótico com as mesmas propriedades das pluripotentes células estaminais embrionárias.
E, em terceiro lugar, porque abrindo a porta à clonagem terapêutica não temos garantia de que isso não venha a facilitar a implementação da técnica da clonagem reprodutiva.
Nesta matéria, Sr.as e Srs. Deputados, não pode haver ambiguidades! O PSD é contra, não só em relação à clonagem reprodutiva – finalidade que a Lei n.º 32/2006 veta às técnicas de PMA — como o é, também, em relação à clonagem terapêutica.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, dito isto em relação à iniciativa do Bloco de Esquerda, importa apreciar, ainda que muito sumariamente, o projecto de lei do Partido Socialista.
Em primeiro lugar, para dizer que consideramos surpreendente que esta iniciativa apenas ontem tenha entrado na Assembleia da República…

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Ontem?

A Oradora: — … e que, por isso, os grupos parlamentares da oposição somente a tenham conhecido a escassas 24 horas da discussão que agora tem lugar.
Estamos perante uma prática nova, que registamos! Já quanto ao conteúdo, e sem pretender nesta sede proceder a uma análise exaustiva do referido projecto de lei da maioria, não podemos deixar de expressar profundas dúvidas quanto a algumas das soluções que o mesmo preconiza.
Na verdade, o projecto de lei do PS pretende possibilitar a utilização de células estaminais, para efeitos de investigação e respectivas aplicações terapêuticas, mesmo quando aquelas sejam resultantes de interrupção voluntária da gravidez.
Quer dizer: se uma mulher livremente escolher interromper a sua gravidez, os «produtos», palavra que é usada no projecto de lei, resultantes dessa interrupção poderão servir para investigação científica, bem como para aplicações terapêuticas.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Os produtos… E qual é o problema?

A Oradora: — O aborto que, supúnhamos, nem os seu defensores consideravam estar provido de qualquer valoração ético-social positiva, passará, a partir de agora, a ter uma utilidade social que a lei expressamente contempla.
E, mesmo proibindo a indução de abortamento para a finalidade de obtenção específica de células estaminais, como ingenuamente pretende o projecto de lei do PS, a verdade é que nenhuma garantia haverá de que tal não aconteça.
A lei, Sr.as e Srs. Deputados, tem como destinatários seres humanos, seres dotados de grandeza mas também de fraquezas.
Por isso, não podemos ignorar aquelas situações de necessidade extrema em que a vontade possa estar condicionada pelo desejo, humano, aliás, de salvar uma vida já existente.
Srs. Deputados, o alcance último desta proposta socialista, muito oportunamente apresentada só depois de ter sido publicada a lei da liberalização do aborto, não foi ainda objecto, em Portugal, de qualquer reflexão ética…

O Sr. Alberto Martins (PS): — Não diga disparates! Informe-se!

A Oradora: — … e a verdade é que nos coloca dilemas de grande complexidade.
Essa reflexão, no actual quadro jurídico português, não pode, no entanto, deixar de ser feita, seja ao nível da comunidade científica, seja pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, seja, ainda, por este Parlamento.
E deve sê-lo antes de esta Assembleia aprovar qualquer lei! Mas, para além do que referi em relação ao conteúdo substantivo do projecto socialista, importa ainda dizer que, também ao nível do procedimento, esta iniciativa contém regras que nos causam apreensão.
Na verdade, como aceitar o consentimento presumido relativamente à utilização de células estaminais? Como é possível a lei dispor que, se a mulher não disser, por escrito, que se opõe à utilização de células estaminais obtidas, por exemplo, a partir de aborto espontâneo ou voluntário, as mesmas podem ser utilizadas como se autorização existisse? E não se argumente que o caso é comparável à doação de órgãos post mortem, porque qualquer semelhança é pura coincidência! Não seria antes mais lógico e, acima de tudo, mais correcto e leal, estabelecer como princípio a necessidade do consentimento expresso? Parece-nos que sim! Sr. Presidente, Sr.as e Senhores Deputados, ponderemos bem no que hoje se discute e nos novos caminhos que hoje são propostos.
Uma coisa é aproveitar células estaminais obtidas a partir de embriões que, tendo na sua origem um projecto parental, se tornaram mais tarde excedentários e inviáveis; outra coisa, bem diversa, é aproveitar essas células a partir de «produtos» resultantes de um acto de abortamento provocado, mas que não decorreu de causas médicas ou naturais.
Dito isto, e afirmada a posição de princípio do PSD em relação aos projectos de lei hoje em discussão, desde já, anunciamos a nossa disponibilidade para, em sede da Comissão, colaborar com os demais grupos parlamentares na elaboração de uma lei sensata, que permita regular adequadamente

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esta matéria.

Aplausos do PSD e da Deputada do PS Matilde de Sousa Franco.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputado Manuel Pizarro, o senhor inscreveu-se para formular um pedido de esclarecimento, mas a Sr.ª Deputada Regina Bastos não tem tempo para lhe responder.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, cedemos-lhe 2 minutos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Regina Bastos, julgo que a Sr.ª Deputada continuou aqui aquilo que é uma tradição que o PSD tem vindo a seguir nesta Casa, que é a tradição de discutir o processo e de fazer grandes escândalos e grandes parangonas em vez de se ater à discussão do conteúdo, pelo que gostaria de lhe colocar perguntas muito precisas.
Em primeiro lugar, quero dizer à Sr.ª Deputada que ontem foi quinta-feira e que o nosso projecto de lei entrou na Assembleia da República na terça-feira e não na quinta-feira. Repito: ontem, não foi terçafeira foi quinta-feira e esta é uma precisão que eu quero clarificar.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Já não sabem às quantas andam!

O Orador: — A segunda questão que gostaria de clarificar é a seguinte: a Sr.ª Deputada tem conhecimento de que o agendamento foi feito em Conferência de Líderes com o acordo de todas as bancadas? É porque todas as bancadas estiverem de acordo com este agendamento para hoje… Tem ou não conhecimento disso, Sr.ª Deputada? Terceiro ponto, a Sr.ª Deputada tem conhecimento de que foi por acordo das várias bancadas, incluindo o da bancada do PSD, que o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda, proponentes dos projectos de lei agora em apreço, acordaram fazê-los baixar à Comissão sem votação na generalidade? A Sr.ª Deputada tem ou não conhecimento desse acordo? É porque da sua intervenção resulta uma nebulosa na qual isto não é entendível.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Regina Bastos.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, começo por registar a generosidade da cedência de tempo por parte dos Grupos Parlamentares do Partido Socialista e de Os Verdes e dizer que todos sabemos uma coisa que é objectiva e irrefutável: ontem foi quinta-feira, hoje é sexta-feira e está respondida a questão da forma.
Vamos ao conteúdo: o que é que o Partido Socialista tem a dizer verdadeiramente sobre o momento da entrada do projecto de lei sobre investigação em células estaminais que prevê o aproveitamento do «produto» — que é uma palavra verdadeiramente aberrante —…

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Arranje lá outra palavra!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Essa sua expressão é que é aberrante!

A Oradora: — … resultante do abortamento legal para investigação em células estaminais? O que é que o Partido Socialista tem verdadeiramente a dizer sobre as questões éticas e sobre as potenciais atitudes perversas e comportamentos menos lícitos que esta situação pode vir a acarretar?

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Responda à pergunta, Sr.ª Deputada!

A Oradora: — Segunda questão: o que é que o Partido Socialista tem a dizer relativamente ao consentimento tácito da mulher para utilização das células estaminais «produto» do abortamento legal ou espontâneo? Outra questão: que práticas do Direito Comparado tem o Partido Socialista estudado para nos apresentar esta solução muito «vanguardista» e, aliás, sob o ponto de vista ético, muito discutível de que podem ser utilizados os «produtos» do abortamento legal? Esta é a questão fulcral, estas são as perguntas que, como partido personalista, queremos ver respondidas pelo partido vanguardista e fracturante que é, actualmente, o Partido Socialista.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Quando for a votação, vai ver a sua bancada fracturada!

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se é verdade que em muitas ocasiões o séc. XX mostrou o lado mais sombrio do ser humano, também é certo que foi o século das luzes para a Humanidade em termos de evolução da ciência e da tecnologia; Não deixa de ser irónico que o séc. XX, que tantas vezes colocou a Humanidade à beira do abismo da autoaniquilação, seja o mesmo período de tempo em que os mais extraordinários, mais fascinantes e mais prometedores contributos foram encontrados para dar solução ou esperança a doenças e lesões até agora consideradas incuráveis ou irreversíveis.
É um privilégio ímpar da nossa geração assistir, na fila da frente, a tal progresso, que se sucede a um ritmo vertiginoso. Mas a todo o privilégio corresponde um dever acrescido; a cada descoberta, novas dúvidas; a cada vitória médica, novos desafios éticos; e a cada certeza científica, novos dilemas filosóficos.
Decidir sobre a prevalência de uns valores sobre outros é, porventura, a missão mais exigente do legislador, sobretudo em áreas nas quais confluem questões científicas, éticas, jurídicas e filosóficas.
Nestes momentos, exige-se, à sociedade e, sobretudo, ao legislador, prudência, bom senso e serenidade na avaliação, tantas vezes complexa, de várias hierarquias de valores. Mas, acima de tudo, exigese que decida! O vazio legal é o maior amigo da barbárie ética e a dificuldade de decisão nunca deve ser invocada, ou estaremos a pactuar com um retrocesso civilizacional, no sentido em que estaremos a contribuir, neste caso concreto, para a exploração de populações menos protegidas e para o contrabando.
Mais: temos de estar preparados para o facto de nem sempre ser possível o equilíbrio de valores desejado mas apenas o equilíbrio de valores possível.
A este propósito, surge, evidentemente, a questão da investigação em embriões humanos, objecto de infindáveis debates e dilemas éticos, filosóficos e religiosos, já abordados aquando da discussão da Lei da Procriação Medicamente Assistida e objecto de um Livro Branco, elaborado pelo Professor Daniel Serrão, bem como de inúmeros pareceres do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Quanto a isto, concluiríamos da seguinte forma: se é verdade que houve extraordinários saltos qualitativos e quantitativos na prevenção e nas terapêuticas, em áreas tão diferentes como a das doenças crónicas e degenerativas ou a da regeneração tecidular, não podemos esquecer que esta evolução se deveu ao facto de existir investigação. E não podemos querer o bom dos dois mundos: evolução nos tratamentos sem a respectiva investigação.
Temos de saber que no séc. XXI, que será o século das novas fronteiras do conhecimento, os novos territórios a explorar são a medicina, a biomedicina, a bioquímica e a biotecnologia.
Nesse sentido, temos também de saber se Portugal quer estar dentro da «nau» dos descobrimentos do séc. XXI, como esteve há cinco séculos atrás, ou fora dela. Para tal, temos de converter os naturais dilemas, os receios e os medos em decisões reflectidas, ponderadas e esclarecidas. E, para isto, temos de assumir, definitiva e peremptoriamente, por um lado, que nunca poderemos aceitar a clonagem reprodutiva e, por outro, que temos a responsabilidade de decidir e legislar, num sentido mais específico e abrangente, sobre a investigação em células estaminais. Mas temos ainda de assumir o compromisso de desenvolver todos os esforços para que a ciência evolua no sentido de que a investigação nos coloque, também ela, perante menos dilemas éticos.
Não devemos, em caso algum, abandonar este esforço para que as pesquisas se façam por forma a que não existam tantos dilemas entre valores idênticos, ou seja, não deveremos abandonar os esforços para que, por exemplo, se desenvolvam técnicas de procriação medicamente assistida que gerem menos embriões excedentários e se consiga retirar a mesma pluripotencialidade de células estaminais adultas ou do cordão umbilical do recém-nascido.
Cumpre também referir aqui, como já foi dito, que estas iniciativas, designadamente a do Bloco de Esquerda, provavelmente por ter sido apresentada há muito tempo, contêm uma série de sobreposições relativamente a disposições constantes da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, a Lei da PMA, nomeadamente no que se refere à regulação da investigação com recurso a embriões, já regulada no artigo 9.º desta Lei, o que inclui a proibição da sua criação com fins de investigação, o tipo de embriões susceptíveis de serem utilizados, o regime do consentimento e também a proibição estrita de comercialização de embriões ou de material biológico decorrente das técnicas de PMA.
Foi também estabelecido, na altura, um regime sancionatório que pune criminalmente quem use embriões na investigação científica, fora dos termos autorizados na Lei da PMA.
Foi ainda criado o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, cujas competências coincidem, em grande parte, com as previstas para a «Comissão para investigação médico-científica», constante do projecto de lei do Bloco de Esquerda.
Aliás, um e outro projectos de lei suscitam-nos algumas dúvidas.
No caso do projecto do Bloco de Esquerda, não é regulada a investigação com outro material biológico, como as células do cordão umbilical do recém-nascido ou da placenta; não se estabelece qualquer quadro sancionatório, em caso de violação das normas; e é omisso relativamente às questões da confidencialidade.

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Também não nos parece claro o regime do consentimento e parecer-nos-ia mais prudente um alargamento, para sete, do número de elementos que integram a «Comissão para investigação médicocientífica». Por outro lado, parece-nos que esta Comissão, tendo em conta as suas responsabilidades, deveria ter origem parlamentar.
Também as decisões sobre projectos de investigação não deveriam, em nosso entender, ficar na dependência de despacho conjunto de ministérios, porque isso é algo que fica sujeito a conjunturas políticas. Mais uma vez, parece-nos que a decisão final, suportada em pareceres e recomendações da Comissão, deveria ser tomada, em última análise, pelo Parlamento.
Quanto ao projecto de lei do Partido Socialista tem um âmbito mais abrangente mas deixa bastantes dúvidas e ainda mais lacunas, que, em sede de especialidade, poderão ser ultrapassadas, como, por exemplo, o facto de o elenco de finalidades da utilização do material biológico não ser taxativo, o que, em nosso entender, é pouco cauteloso.
Temos também sérias dúvidas éticas sobre a possibilidade de utilização de embriões resultantes da IVG. Na nossa opinião, não podemos, de forma alguma, colocar ao mesmo nível um embrião que resulta de um acto voluntário de interrupção de gravidez e outro material biológico resultante de interrupções de gravidezes não voluntárias.
Também, neste projecto de lei, o regime do consentimento não é claro, sobretudo sem esclarecer sobre a confidencialidade do dador.
Por último, uma contra-ordenação máxima de 500 000 euros para violações à lei, por parte de pessoas colectivas, é irrisória e, certamente, não é dissuasora.
Certamente, como disse, será possível, em sede de especialidade, ultrapassar estas dúvidas e estas questões. E, em nosso entender, o mais importante será, sobretudo, blindar esta legislação a perversões e à sua utilização abusiva, com intuitos eticamente inaceitáveis.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, salientar a importância das iniciativas que hoje aqui discutimos, do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista, para a regulamentação e a regulação, em termos de lei, da questão da investigação em células estaminais. Trata-se de uma matéria muito importante, como já foi aqui bem salientado, porque desta investigação podem e estão a resultar importantes desenvolvimentos para o tratamento de doenças que causam muito sofrimento aos seres humanos, razão pela qual deve ser apoiada.
Esta matéria, em parte, também já foi abordada quando discutimos a questão da procriação medicamente assistida. Aliás, nós próprios, no projecto de lei que então apresentámos, tínhamos normas sobre esta matéria.
Entendemos, pois, que esta Assembleia deve, num prazo razoável, regular esta questão da investigação em células estaminais, com audição de todos os interessados, mas com decisões concretas, que não se arrastem demasiado no tempo, dentro do princípio da liberdade científica e de investigação e sempre com respeito pela dignidade humana, sem que isso signifique uma limitação absurda da investigação, por imposição de determinadas concepções.
Pensamos também que é preciso continuar a regular e a apoiar esta investigação no nosso país, designadamente, nas unidades públicas, e a criar condições para que elas tenham plena capacidade de intervenção neste campo, de modo a que não continuemos a ter, como temos, em matéria de procriação medicamente assistida, o problema da falta de um banco público de gâmetas e da proibição de importação de outros países, pelas unidades públicas, que leva à situação, que todos conhecemos e que foi recentemente publicitada, do envio de pessoas para clínicas privadas, porque não têm possibilidade de obter resposta para determinadas situações de infertilidade, através das unidades públicas, onde há todo o conhecimento e toda a capacidade.
Quero ainda dizer que temos todo o respeito pela investigação que continua a existir e que avança em relação às células adultas e à sua utilização, mas não aceitamos que esses avanços possam significar uma limitação da utilização da investigação, em termos próprios e com respeito pela dignidade humana, das células estaminais embrionárias, como é proposto pelos projectos de lei tanto do Bloco de Esquerda como do Partido Socialista.
Utilizar os avanços nas células adultas, muito insuficientes em relação ao que é necessário e ao que já é possível relativamente às células estaminais embrionárias, para impedir a utilização destes mecanismos não é um bom serviço à Humanidade e à investigação destinada a reduzir o sofrimento humano em tantas doenças importantes. E nem se pode confundir, como tantas vezes se procura fazer, aquilo de que se está aqui a falar hoje com qualquer tipo de clonagem reprodutiva, que não está em cima da mesa, que não está em curso e que não vai entrar por qualquer «janela»…

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!

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O Orador: — … com as iniciativas que hoje aqui são apresentadas. Elas têm outro fim, e um fim muito digno, muito respeitável e para o qual procuraremos contribuir com a apresentação de propostas em especialidade, no decurso do processo aqui proposto pelo Sr. Deputado Luís Fazenda.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria também de associar-me, em nome do Governo, a este importantíssimo debate sobre o regime jurídico da investigação em células estaminais.
Gostaria de saudar as iniciativas dos dois grupos parlamentares proponentes, os do PS e do BE, e de dizer que, como é claro, dada a prioridade que o actual Governo concede à política para a ciência, as mesmas casam bem com essa mesma prioridade e com o esforço nacional que está a ser feito em investigação científica e que está a produzir resultados. Só para termos uma pequena ideia desses resultados, convém ter em conta que, segundo os últimos dados disponíveis, a produção científica portuguesa aumentou 15% entre 2005 e 2006, medida pelo número de publicações científicas de autores portugueses referenciadas internacionalmente, e que ainda hoje se abrirá um concurso internacional para o recrutamento de 1000 novos investigadores doutorados para trabalhar em instituições científicas portuguesas.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Por outro lado, estas duas iniciativas permitem desenvolver e complementar o trabalho legislativo já feito nesta Assembleia, designadamente em sede da lei sobre a procriação medicamente assistida, e, portanto, permitem balizar do ponto de vista legislativo, com clareza, os avanços, absolutamente decisivos para o nosso bem-estar, nas áreas da biomedicina, que cruzam de forma clara os domínios da investigação científica e da saúde.
Também gostaria de dar nota da plena concordância quanto aos princípios fundamentais aqui em causa: o banimento de qualquer iniciativa de comercialização; o claro enquadramento deste esforço no trabalho e nas responsabilidades próprias da investigação científica; a clareza na determinação das balizas éticas a que essa investigação científica deve obedecer; e, evidentemente, o princípio, absolutamente decisivo, do consentimento dos dadores de células estaminais.
Há aqui muitas questões muito delicadas e muito importantes do conhecimento científico, da estrutura do trabalho científico e das normas a que o mesmo obedece, mas há também questões muito decisivas e delicadas de ética e de bioética — mas de ética em particular — no que diz respeito às ciências da vida.
E, portanto, acompanho também, em nome do Governo, a proposta feita de baixa à comissão, para discussão na especialidade, dos dois diplomas em apreço. Saúdo também a iniciativa aqui preanunciada da parte do PSD no sentido de vir também a dar o seu contributo à discussão e à preparação da nova lei.
E, evidentemente, termino desde já afirmando a plena disponibilidade do Governo e, em particular, dos Srs. Ministros da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Saúde para participarem, se assim o entender a Assembleia, nos trabalhos na especialidade que se vão seguir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que há, na conclusão deste debate, um argumento que não pode ser esgrimido, invocado, contra o projecto de lei do Bloco de Esquerda, que é o desconhecimento do conteúdo do mesmo.
O nosso projecto de lei, como disse na minha intervenção inicial, foi apresentado pela primeira vez, numa forma sensivelmente igual à actual, em 2003 e, portanto, creio que ao longo destes quatro anos, em que, como também disse, o tempo não parou, bem pelo contrário, avançámos em muitas matérias relacionadas com o assunto que hoje aqui discutimos, seguramente qualquer Sr.ª ou Sr. Deputado terá tomado conhecimento do nosso projecto e dos seus objectivos.
Gostaria de dizer que é evidente e inevitável que a aprovação da lei da procriação medicamente assistida retirou a este projecto de lei alguns dos seus elementos importantes, mas, como a própria discussão hoje aqui demonstrou, não faltam matérias para discutir nem para procurarmos um consenso que depois possa integrar a lei que viermos a aprovar. Aliás, o que foi dito por parte, nomeadamente, das Sr.as Deputadas Regina Bastos e Teresa Caeiro, mas também alguns elementos constantes do projecto de lei do Partido Socialista, são matéria suficiente para que, na especialidade, consigamos fazer um trabalho que se conclua numa lei que resolva alguns problemas. Tanto mais que, como todos sabemos, a

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própria investigação científica, nos últimos anos, aperfeiçoou-se e desenvolveu-se talvez até de uma forma espantosamente rápida para o que pudéssemos pensar.
Quero lembrar aos Srs. Deputados que há centros que estão hoje a consolidar processos de recolha de células estaminais embrionárias sem que isso envolva, apesar da manipulação do material embrionário, a destruição do embrião. Portanto, há seguramente algumas matérias para discutirmos.
Mas penso que este debate não tem de partir do reconhecimento, como a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro fez, de que a ética é uma discussão infindável. Não! Podemos admitir que tudo seja discutido de uma forma infindável, mas esta Assembleia estabeleceu um consenso, uma plataforma, que quer no projecto de lei do Partido Socialista quer no projecto de lei do Bloco de Esquerda está integralmente respeitada, quanto a estes problemas, que foram, de facto, superados pela discussão permitida pela PMA. Portanto, não se invoque a natureza supostamente infindável do debate sobre a ética nem se invoque alguns fantasmas, como — e permita-me que o diga — a Sr.ª Deputada Regina Bastos fez ao falar dos riscos da clonagem reprodutiva, que é expressamente proibida na lei aprovada sobre a PMA e, de novo, no nosso projecto de lei.
Portanto, creio que temos nesta matéria um tempo ainda para procurar identificar e elencar novos problemas, para responder-lhes e para dar uma resposta ouvindo a comunidade científica, que é, creio, uma parte essencial deste debate.
Terminando, gostaria apenas de sublinhar que, no final deste debate, reconhecemos novas razões, novos argumentos que conferem a esta proposta uma grande actualidade e, portanto, sentimo-nos satisfeitos com o debate e com a iniciativa legislativa que aqui retomámos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira para uma intervenção.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O projecto de lei que o Partido Socialista hoje apresentou sobre a investigação em células estaminais não inicia, como já aqui foi dito, o caminho nesta matéria em Portugal.
Com efeito, a Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, deu passos realmente inovadores, coerentes e consistentes neste domínio ao ter permitido, no n.º 2 do seu artigo 9.º, a licitude da investigação científica em embriões com o objectivo de prevenção, diagnóstico ou terapia de embriões, de aperfeiçoamento das técnicas de procriação medicamente assistida, de constituição de bancos de células estaminais para programas de transplantação ou quaisquer outras finalidades terapêuticas.
Esta licitude é, no entanto, adequadamente condicionada, respeitando, aliás, os princípios estabelecidos em instrumentos internacionais ratificados pelo Estado português. Assim, o recurso a embriões para investigação científica só pode ser permitido desde que seja razoável esperar que daí possa resultar benefício para a humanidade e cada projecto depende, para a sua concretização, de apreciação e autorização pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida. Tudo isto porque, e na linha das declarações da UNESCO sobre bioética e direitos humanos, o reconhecimento do princípio da liberdade de investigação científica e dos benefícios decorrentes dos progressos da ciência e da tecnologia, sublinha que a investigação e os consequentes progressos devem inserir-se no quadro dos princípios éticos e respeitar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Neste sentido vinha já, aliás, a Convenção de Oviedo, mas com um âmbito geográfico apenas europeu.
De acordo com o Parecer n.º 47/2005, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, é certo que existem, do ponto de vista da sua valoração ética, diferentes tipos de células estaminais em função da sua origem. E, por isso, o projecto de lei em apreço vai para além das células estaminais embrionárias, embora estas também possam ter diferentes origens e, em função disso, diferentes valorações, como consta claramente do referido Parecer.
Tal não impede, porém, que, para além das questões mais de fundo que radicam no estatuto do embrião e que, por isso, foram objecto de tratamento específico e autónomo, se fixem balizas, limites e fronteiras, às quais deva obedecer toda a investigação em células estaminais.
Esse é o principal objectivo do projecto de lei do Partido Socialista. A sua análise na especialidade, em conjunto com o projecto de lei do Bloco de Esquerda, deverá permitir também a abordagem de matérias que ainda não estão suficientemente reguladas no nosso ordenamento jurídico. Refiro-me, designadamente, ao material placentário, hoje reconhecido como proporcionando um manancial de células estaminais pluripotentes com acrescidas potencialidades, e também aos bancos de sangue de cordão umbilical, que têm tido uma grande divulgação e visibilidade ultimamente, mas que carecem de profunda discussão pública e enquadramento legal adequado.
A revolução que temos vindo a viver no campo da investigação científica e na sua capacidade de inovação terapêutica suscita fundadas esperanças e renovadas expectativas no campo da medicina regenerativa. A forma como têm vindo a ser mediatizadas nem sempre permite transmitir a noção da distância de tempo entre os efeitos práticos daquilo que se anuncia hoje — efeitos, esses, que só poderão ser atingidos muitos anos depois. Esta décalage é perigosa para quem dela não se apercebe, porque pode

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induzir frustração, designadamente a portadores de doenças graves, e pode constituir também oportunidade para aproveitamentos menos lícitos.
A história ensinou-nos, porém, que a ciência não é perigosa. A utilização que dela se faz é que pode sê-lo. Razão pela qual, em meu entender e no entender do Partido Socialista, a melhor forma de lidar com as novas questões que a investigação no domínio das ciências da vida, e concretamente na genómica, vem colocar é a da adequada regulação. Tudo proibir nestes domínios pode ser, ao contrário, tudo consentir. Fechar a porta a coisas que não entram pela porta mas por outros canais pode sossegar consciências, mas não resolve problema nenhum. Ao invés, cria imensos problemas para os quais a atitude proibicionista não tem respostas.
A regulamentação deve encontrar soluções enquadradas pelos princípios éticos que presidem no domínio da bioética: o respeito pela autonomia, ou seja, pelas capacidades de decisão das pessoas autónomas; a não maleficência para evitar causar prejuízos; a beneficência; o adequado equilíbrio entre riscos e benefícios; a justiça, ou seja, a distribuição equilibrada entre benefícios, riscos e custos. Todos estes princípios estão hoje consagrados em declarações universais ou regionais e em códigos de ética das organizações profissionais. É certo que nem todos os interpretam da mesma maneira, mas também é certo que há grandes áreas de consenso. Alarguemos estas e circunscrevamos os pontos de menor acordo. Identificados e adequadamente discutidos e ponderados darão, por certo, origem a decisões sensatas.
Esta tarefa nunca estará terminada, porque todos os dias surgem questões novas nestes domínios.
Os princípios consagrados no projecto como relativos à não comercialização das células estaminais, a confidencialidade dos dados, o consentimento do dador, a idoneidade dos estabelecimentos e a consagração de um regime sancionatório para quem não cumprir o que está estatuído legalmente, podem e devem ser aprofundados e melhorados.
A genómica, ao mesmo tempo que veio revolucionar a abordagem das doenças e a informação sobre elas, acrescentou conceitos, como o da susceptibilidade e o da probabilidade, com consequências para as pessoas, as suas famílias e as sociedades. É de um enorme interesse comercial também, razão pela qual os princípios éticos atrás referidos na genómica têm de ser ainda lidos à luz das implicações sociais e legais em vários ramos do Direito.
Isto também significa que, para além dos princípios gerais contidos nas declarações internacionais, se justifica que cada país desenvolva as suas próprias soluções — soluções que vertam o seu contexto único, social, cultural, económico.
Neste sentido vai a Organização Mundial de Saúde, que considera ainda que cada país deve adoptar os quadros legais que monitorizem e controlem as implicações comerciais e médicas da investigação genómica, tendo presente a dimensão dos potenciais riscos e prejuízos para a segurança pública e o ambiente e a necessidade de salvaguardar e defender os interesses das gerações presentes e futuras.
Para o conseguir, a discussão deve ser aberta e compreensiva.
É esta a dimensão da tarefa que nos aguarda. Nada para que não tenhamos vontade nem estejamos preparados.
Muito obrigada pela vossa atenção.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém, ouvi-a com atenção.
Considerei interessante alguns pontos de vista e alguns novos problemas que introduziu nesta discussão. Sendo Presidente da comissão que mais frequento nesta Casa e conhecendo-a há muitos anos, não estranho que o tenha feito. De qualquer forma, gostaria de lhe colocar duas perguntas concretas.
No nosso projecto de lei, está prevista a criação de um banco público de células estaminais e está também prevista, em associação a esse banco público, a proibição da figura do patenteamento sobre a propriedade e o uso dessas células embrionárias. E fizemos isto, por um lado, porque nos parece que é uma solução que pode garantir um rigoroso cumprimento da lei, ou seja, que a investigação em células estaminais não ultrapasse os limites da lei que vier a ser aprovada e aqueles que já estão contemplados na Lei da Procriação Medicamente Assistida, mas também porque nos parece que é uma forma simples e segura de evitar a sua comercialização e, pior que a sua comercialização, o tráfico e o contrabando naquele mercado negro sobre os materiais biológicos, que não se vê, mas que sabemos todos que existe.
Como na sua intervenção falou de um aspecto muito importante que tem a ver com os bancos de recolha de células do cordão umbilical, gostaria de saber qual era a sua sensibilidade e qual será, no debate e no futuro, a posição do Partido Socialista relativamente a estas duas propostas: rejeição de patenteamento e criação de um banco público de células estaminais.

Vozes do BE: — Muito bem!

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, agradeço as suas questões. Penso que elas são muito importantes.
Como o Sr. Deputado sabe, todos os instrumentos internacionais a que me referi vão no sentido de que o patenteamento para fins comerciais deve ser proibido. A investigação nestes domínios é, efectivamente, promissora, mas é promissora para toda a humanidade.
Assim, aproveitar aquilo que é muitas vezes a investigação fundada, sedimentada e alimentada por financiamento público, quer nacional quer, no caso do nosso país, comunitário, e permitir que isso sustente actividades lucrativas é uma matéria que tem vindo a ser muito discutida e as orientações vão no sentido da proibição desse patenteamento. Portanto, penso que vamos ter oportunidade para discutir e, sobretudo, para chamar à nossa comissão personalidades que nos ajudem a reflectir adequadamente em relação a esta matéria.
Sobre a criação de um banco público de células estaminais, evidentemente que o meu sentir vai em direcção a esse objectivo, mas temos também de discutir, designadamente com o Governo.
Já relativamente aos bancos de cordão umbilical, penso que a nossa discussão deve servir fundamentalmente para esclarecimento público. Isto porquê? De acordo os contactos que tenho feito com as entidades que presidiam a esta matéria em Portugal, aquilo que existe é uma probabilidade ínfima de aquele sangue vir a ter efeitos práticos úteis para o seu destinatário — há uma probabilidade de 1 em 20 000. E, sobretudo, como depois, quando a pessoa adoece, aquelas células poderiam ser úteis para o tratamento, tem que se ver essa adequação à dimensão e ao tamanho da pessoa. Portanto, um sangue de cordão umbilical poderá não estar ajustado à vida da pessoa e à sua idade, ao seu peso, às suas características biológicas.
De qualquer forma, há um outro aspecto que, a meu entender, é muito relevante: é que ainda ninguém sabe qual é o tempo de criopreservação que garante a qualidade dessas células.
Mas, para mim, há ainda um outro factor muito importante. Em Portugal, temos uma tradição fundada e sedimentada de altruísmo e generosidade em matéria de doação de órgãos, de transplante, de doação de sangue, etc. E este novo negócio que surgiu sustenta atitudes individualistas e, evidentemente, não vai ao encontro daqueles princípios tradicionais que têm vigorado no nosso país.
Penso, portanto, que devemos discutir aprofundadamente esta matéria, regulá-la e enquadrá-la e, eventualmente, transformar esses bancos em bancos que possam ser disponibilizados para quem deles necessitar. Mas trata-se, obviamente, de uma matéria muito delicada, porque as pessoas pagam um volume de dinheiro que é muito representativo, tendo em atenção os nossos níveis normais de rendimento.
Sr. Deputado, toda esta matéria é de uma grande sensibilidade. Temos, no entanto, de a discutir, porque se trata das tais questões sensíveis, delicadas, que se prestaram a alguns aproveitamentos e que devemos dilucidar para bem legislar sobre elas.
Muito obrigado pelas suas questões, Sr. Deputado, mais uma vez.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluída a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 126/X (BE) e 376/X (PS), vamos passar ao debate do projecto de resolução n.º 143/X — Cria um plano de emergência para a resolução dos pedidos de inspecção pendentes na Inspecção-Geral do Trabalho (PCP).
Para apresentar o projecto de resolução, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Lopes.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores portugueses estão sujeitos a todo o tipo de violação dos direitos, à precariedade nos vínculos, nos horários, nas funções e carreiras e nas remunerações.
As consequências desta situação nas condições de trabalho e na vida dos trabalhadores, no comprometimento do presente e futuro das novas gerações, no financiamento da segurança social e na fuga ao pagamento dos impostos são evidentes e profundas.
A violação sistemática da Constituição e da legislação laboral prolonga-se ao longo dos anos, fruto da opção e da falta de vontade política de sucessivos governos, que toleram estas ilegalidades.
Numa situação chocante, mesmo comparada com a actuação e os meios de outras inspecções e polícias, a Inspecção-Geral do Trabalho (IGT), entidade com um papel fundamental nesta matéria, tem uma crónica falta de meios.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Na opinião do PCP, tal estado de coisas tem de ser alterado. Com esse objectivo, o

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PCP apresentou um conjunto de iniciativas para uma real e eficaz acção da IGT, de modo a acabar com a impunidade da violação de direitos que, quotidianamente, grassa no País e para combater a precariedade e o trabalho ilegal.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Entre as iniciativas apresentadas, integra-se um projecto de resolução que propõe medidas para o reforço dos meios permanentes da IGT, de modo a vencer a falta de mais de 300 inspectores com funções no terreno, que as medidas entretanto anunciadas, de afectação de 100 novos inspectores e de uma formação mais rápida, não resolveram, uma vez que o seu número continuará muito aquém das necessidades, do quadro estabelecido de 538 inspectores e dos rácios definidos pela Organização Internacional do Trabalho.
No entanto, face aos atrasos e à consequente acumulação de milhares de processos, além das medidas estruturais referidas, é necessário, com urgência, tomar medidas excepcionais. É esse o objectivo que justifica a iniciativa do PCP, hoje em discussão: um programa de emergência para a resolução dos pedidos de inspecção pendentes.
E qual é a situação? De 2004 para 2005, transitaram mais de 7000 pedidos de intervenção e, pelos dados disponíveis, de 2005 para 2006, transitaram mais de 10 000, o que significa que cerca de 50% dos pedidos de intervenção existentes e solicitados em 2005 não tiveram qualquer resposta.
São atrasos graves, são atrasos que implicam, entre muitos outros problemas, a situação de salários em atraso, o não cumprimento da lei sindical e o desrespeito do direito de acção sindical nas empresas e, ainda, a situação de trabalhadores a quem não são atribuídas quaisquer funções como forma de pressionar a rescisão.
Não é uma situação aceitável, não é admissível que em outras áreas sejam tomadas medidas e nesta tudo se mantenha. É fundamental que a Inspecção-Geral do Trabalho actue de forma eficaz e em tempo útil.
O projecto de resolução do PCP, em discussão, aponta duas ideias essenciais.
A primeira é a de que o Governo, por proposta do PCP, crie um programa de emergência para responder aos pedidos de intervenção que se encontram pendentes na Inspecção-Geral do Trabalho, mobilizando recursos humanos e materiais, adequados e necessários, para que, no prazo máximo de seis meses, sejam respondidos todos os pedidos de intervenção que se encontrem pendentes.
A segunda é a de que adopte as medidas necessárias à disponibilização, em formato electrónico e acessível ao público, da informação relativa aos processos abrangidos pelo programa de emergência, com referência à data da sua entrada nos serviços, ao tempo de resposta e consequente intervenção, sem individualização dos processos em causa.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — São aspectos essenciais para responder a problemas que têm a ver com os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.
É certo que, além da recuperação dos atrasos, é preciso evitar que novos atrasos se verifiquem, o que implica a dotação de meios, o aumento do número de inspectores, com uma adequada e mais rápida formação.
É certo que é preciso garantir e aplicar mecanismos que assegurem, após a intervenção da Inspecção, uma célere elaboração dos processos e a efectiva execução das decisões.
Mas, sendo tudo isto importante, a recuperação dos atrasos, preocupação deste projecto de resolução do PCP, é inquestionável e de uma grande urgência, para que se combata a impunidade, para que sejam garantidos os direitos e a dignidade dos trabalhadores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compreende-se esta iniciativa. O funcionamento da IGT tem revelado dificuldades em chegar onde é necessário e no tempo desejável.
Mas há razões para que tal aconteça.
De facto, havia um quadro de pessoal de cerca de 540 inspectores para a IGT poder cumprir as suas obrigações em todo o País, e esses efectivos estão, hoje, reduzidos a cerca de 200 pessoas. Ora, com menos de metade dos efectivos, não é possível fazer milagres.
Esta escassez de meios acontece, exactamente quando a IGT vê alargada a sua esfera de competências e de intervenção. Por exemplo, à Administração Pública e aos novos riscos profissionais, justificando-se, por isso mesmo, mais meios humanos, técnicos e financeiros, para poder responder a essas novas tarefas, e não o contrário, como está a acontecer.

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Há, ainda, situações de técnicos da IGT, que saem para outros corpos inspectivos, o que também contribui para esvaziar os serviços da IGT. Isto para não falarmos das pessoas que vão passando à situação de reforma e não são substituídas.
Ou seja, há situações que não podem continuar e que exigem respostas concretas, para dotar a IGT dos meios necessários ao cumprimento das suas importantes funções.
Mas, sendo esta a realidade, também não nos parece muito claro como será possível resolver os défices de meios e de eficiência da IGT com o plano de emergência agora em debate.
Este plano vai mesmo acabar com todas as situações que estão pendentes? Os novos problemas que vão surgindo durante esses seis meses, acumulam-se, ou como vão ser resolvidos? E depois desses seis meses do plano de emergência, os serviços da IGT voltam às actuais dificuldades e insuficiências, ou que respostas é que vão ser dadas? Por isso, fica-nos a dúvida se esta recomendação é o melhor caminho para atacar os casos atrasados e, sobretudo, para desfazer os verdadeiros nós que estão a bloquear a normal intervenção da IGT.
Consideramos que a IGT, tal como tem um papel fundamental na fiscalização das leis do trabalho, da contratação colectiva, das condições de saúde, higiene e segurança no trabalho e outras, também deve ter uma função pedagógica e preventiva. Tem de ser, por isso, devidamente habilitada com recursos para desempenhar atempadamente as suas diversas funções.
E compete ao Governo deixar os discursos e as promessas, e fazer o que é preciso fazer.
O Sr. Ministro do Trabalho anunciou aqui recentemente a entrada de 100 novos inspectores para a IGT. Mas, se o seu recrutamento se processar conforme os procedimentos normais para a Administração Pública, vai levar o seu tempo, talvez um ou dois anos, o que significa que os actuais problemas não só vão manter-se como até, talvez, agravar-se.
Por que não criar uma bolsa de inspectores, composta por quadros actuais da Administração Pública, em quantidade suficiente e tecnicamente preparados, para fazer face às reais necessidades de pessoal da IGT, aproveitando-se, até, a mobilidade resultante da reforma da Administração Pública, tão anunciada pelo Governo? Evitar-se-iam demoras no recrutamento, aproveitar-se-iam as pessoas que estão nos disponíveis, os 100 novos inspectores anunciados pelo Sr. Ministro poderiam passar a ser muitos mais e apetrechar-se-iam, assim, os serviços da IGT com os recursos humanos adequados às suas efectivas necessidades. É isso que é preciso fazer.
Consideramos também que os parceiros sociais devem ser mais envolvidos nestas questões. Na promoção de campanhas pedagógicas sectoriais, por exemplo, para esclarecer as pessoas e prepará-las para o respeito e cumprimento das regras legais. Esta participação dos parceiros sociais é possível e mesmo indispensável, especialmente na área da saúde, higiene e segurança no trabalho, onde existem várias estruturas legais, mas que não funcionam ou têm constrangimentos que as paralisam, com claro prejuízo para a educação e prevenção das condições de saúde.
Sr. Presidente, apesar das nossas dúvidas quanto à sua eficácia, o PSD vai viabilizar esta recomendação do PCP. Mas entendemos que a IGT só ficará em condições de cumprir plenamente as suas funções se tiver os meios adequados para o fazer. Ou seja: se funcionar de forma especializada, por sectores, como já sucede com os outros serviços homólogos dos países da União Europeia; se houver um efectivo envolvimento dos parceiros sociais; se as estruturas funcionarem com agilidade e de forma articulada, e não estiverem emperradas ou paralisadas pela burocracia.
São estas as sugestões que aqui deixamos, com espírito construtivo, esperando que sejam levadas em consideração pelo Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, o projecto de resolução n.º 143/X, que cria um plano de emergência para a resolução dos pedidos de inspecção pendentes na Inspecção-Geral do Trabalho, da autoria do Partido Comunista Português.
Os autores deste projecto de resolução fundamentam a sua apresentação no facto de a InspecçãoGeral do Trabalho desempenhar um papel importante no combate aos atropelos da lei, seja em matéria de segurança e higiene no trabalho, seja no controlo do pagamento das contribuições para a segurança social, seja, ainda, impondo o cumprimento da legislação do trabalho, nomeadamente, o Código do Trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Ora, antes de mais, é bom ver o PCP a fazer a defesa intransigente do Código do Trabalho e da legalidade, achamos, aliás, que este é um avanço positivo do PCP que aqui é concretizado hoje por este projecto de resolução…!

Risos do PCP.

O PCP argumenta que a Inspecção-Geral do Trabalho é, em muitas instituições e para muitos traba-

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lhadores, a única esperança de protecção contra os abusos de certas entidades patronais e, muitas vezes também, a única expectativa de uma resposta célere para a resolução concreta dos seus problemas — ou, melhor dito, para uma resposta eficaz, isenta e célere na reposição da lei, do Código do Trabalho e dos direitos dos trabalhadores aí consagrados.
Ora, de acordo com o relatório de actividades relativo ao ano de 2006, o conjunto de indicadores da actividade da IGT dá conta de os inspectores do trabalho terem feito um conjunto de acções de controlo inspectivo em mais de 35 000 estabelecimentos e em mais de 25 000 empresas de diversos sectores da actividade económica, nos quais, acima de tudo, há três domínios fundamentais de intervenção destes mesmos inspectores. A saber: a verificação das condições de saúde e segurança no trabalho, em mais de 19 000 locais de trabalho; o combate ao trabalho não declarado e ao trabalho precário ilegal, em mais de 15 000 locais de trabalho; e, ainda, o combate à duração excessiva dos tempos de trabalho, registando-se aqui um número muito relevante de quase 3000 inspecções aos trabalhadores dos transportes rodoviários.
Em resultado dessas visitas, os inspectores do trabalho procederam à autuação de quase 15 000 infracções à legislação do trabalho, nos mais diversos sectores de actividade, mas dos quais cumpre destacar a construção civil e obras públicas, o comércio, a indústria transformadora, a hotelaria e restauração e o sector dos serviços.
Por isso, acho que, quando se discute esta matéria, é justo fazer um reconhecimento e um elogio à actividade dos vários inspectores do trabalho, que, com poucos meios e com muitas dificuldades, continuam, mesmo assim, a desempenhar de uma forma muito cabal o seu trabalho, o conjunto de funções que lhes estão atribuídas, fazendo este número muito significativo de inspecções.
Para 2007, o plano de actividades da IGT prevê, ainda, cobrir um universo de quase 30 000 empresas ou estabelecimentos com um complemento de outras intervenções que podem ser solicitadas pelos legítimos interessados nas inspecções de trabalho. Ora, parece ser este o grande ponto da questão que o PCP traz hoje a debate.
Convém não esquecermos que a definição das prioridades da intervenção resulta de um esforço que ocorreu num processo de consulta com os parceiros sociais representados na Comissão Permanente da Concertação Social. E, nesse esforço de consulta, foi elencado um conjunto de actividades essenciais nas quais devia recair o enfoque dos inspectores de trabalho.
Para não ser muito maçador, vou tentar elencar apenas as mais importantes que passam pelas prescrições mínimas da segurança e saúde no trabalho. Este é um tema absolutamente essencial e com o qual a actual maioria parece estar um pouco adormecida — para não usar uma expressão mais forte —, nomeadamente, com a extinção, em sede de PRACE e da nova reorganização orgânica do Ministério do Trabalho, do Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, um instituto muito importante para uma realidade que é, hoje, muito marcante no mundo do trabalho português. Essa extinção vai ter uma consequência directa no agravamento das condições de segurança, saúde e higiene com que muitos trabalhadores portugueses, hoje, desempenham o seu trabalho. Porque, como é óbvio, «carregando» mais a Inspecção-Geral do Trabalho, dando-lhe mais esta competência, sendo que a Inspecção-Geral do Trabalho está mais vocacionada, até, para uma acção inspectiva de outro molde, vai, obviamente, dificultar-se o trabalho dos próprios inspectores de trabalho. Neste ponto, parece-nos que o Partido Socialista não está a ter uma visão correcta do que é o mundo do trabalho no século XXI.
Mas, como eu vos dizia, há outras áreas e sectores de trabalho também muito importantes, dos quais destaco: a indústria extractiva, o trabalho agrícola e o sector das pescas.
Para terminar, Sr. Presidente, é correcto dizer-se, fazendo fé nos dados oficiais e nos termos da acção inspectiva, que a verdade é que a situação não é tão negra como o PCP a «pinta». Porém, reconhecemos que é essencial um reforço de meios e também, em paralelo, um reforço na formação destes próprios inspectores. E falo com muito orgulho do facto de ter apoiado um governo, que foi o primeiro a criar uma escola superior dos inspectores de trabalho, que tem dado, como é óbvio, uma consequência directa e um contributo directo para o trabalho destes inspectores no terreno.
Como é óbvio, em matéria de reforço de meios, cada um tem as prioridades que tem. O CDS, nesta Câmara, propôs, por exemplo, um reforço de meios à Polícia Judiciária para o combate à corrupção. Mas essa é uma questão de prioridades e é legítima a diferença em partidos políticos que têm ideias distintas.
Por isso mesmo, e porque também não obstaculizaremos e viabilizaremos este projecto de resolução, podemos estar de acordo com esta ideia do plano de emergência, mas, acima de tudo, o que nos parece é que, em sede de concertação social, o problema das pendências tem de ser central e até convinha que fosse o próprio Governo, em sede de concertação social, no plano de actividades de 2007 e de 2008, que pusesse este tema da recuperação das pendências como sede central no local central da acção da Inspecção-Geral do Trabalho, coisa que o Governo, até ao momento, não fez.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, uma palavra de saudação ao PCP, que, com este projecto de resolução, nos traz de novo à discussão uma situa-

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ção de grande importância, a situação da Inspecção do Trabalho, pelas funções que tem na prevenção e fiscalização das condições de trabalho dos portugueses e portuguesas.
Todos sabemos que, de um total de 260 inspectores, estão no terreno apenas 198. Quanto aos tais 36 estagiários, que ainda agora o Sr. Deputado que fazia parte do anterior governo de coligação tanto exaltou, com muito orgulho pela medida de se ter feito a escola de inspectores do trabalho, relembrava aqui, nomeadamente aos membros do anterior governo, que, em 7 de Outubro de 2003, Bagão Félix prometia 50 novos inspectores e, em 25 de Novembro do mesmo ano, o mesmo Ministro do Trabalho, Bagão Félix, voltava a dizer que em 2008 teria o dobro dos inspectores de trabalho. A verdade é que nada aconteceu! E a verdade é que também agora, em 4 de Abril de 2007, o Ministro Vieira da Silva veio dizer que já não são 50, são 100 os novos inspectores. Não sei é se o «cem» ou «sem», ou seja se é com um «c» ou com um «s», porque a verdade é que a inspecção continua sem meios!

Protestos do PS.

Mas isso teremos oportunidade de perguntar, depois, ao Sr. Ministro Vieira da Silva, da mesma maneira que questionamos o PSD e o CDS pelas promessas não cumpridas de Bagão Félix, que, de facto, levam a esta situação.
Mas mais do que discutir a questão, com que todos naturalmente estaremos de acordo, da situação calamitosa em que se encontra a inspecção do trabalho – porque ela é calamitosa, precisávamos de 538 inspectores e temos 198 no terreno e se isto não é negro é, no mínimo, preto e, portanto, devemos assumir que a situação é assim –, detinha-me um pouco mais sobre uma questão que considero fundamental, que é a de saber que tipo de inspecção de trabalho queremos.
O Bloco de Esquerda considera que deve ser mantida, no essencial, a missão que é definida pela OIT para o sistema da inspecção do trabalho, bem como o estatuto profissional previsto nas convenções que foram ratificadas por Portugal. Isto quer dizer que é necessário garantir a condição de autoridade pública à nova Autoridade para as Condições de Trabalho, igualmente perante os responsáveis e gestores públicos, por forma a assegurar a efectividade do exercício da missão, nomeadamente no estabelecimento de mecanismos sancionatórios com real impacto junto dos prevaricadores, uma situação que nem sempre acontece.
Depois, uma outra questão que gostaríamos de deixar no debate é a seguinte: com esta nova reconfiguração do PRACE, ainda não sabemos bem – e relembro que em 4 de Abril questionámos o Sr. Ministro do Trabalho sobre esta questão – se as novas estruturas, que vão ser regionalizadas de acordo com as NUT II, darão resposta ao que seria a primeira situação da inspecção e àquilo que é uma inspecção do trabalho que é essencialmente e por excelência uma inspecção social. Portanto, criar «megainspecções» do trabalho não resolve a sua primeira vertente, que é a de proximidade, que é a de estar nos locais de trabalho, conhecer a situação económica e laboral das diversas regiões e empresas.
Uma outra questão que não tem sido levantada mas que quero aqui suscitar é esta: o tipo de inspecção de trabalho que queremos também decorre dos meios e, fundamentalmente, do financiamento. O financiamento da inspecção é feito pelo Orçamento do Estado, pela taxa social única e pelo produto das coimas. Quero relembrar, Sr.as e Srs. Deputados, que o Orçamento do Estado apenas cobre 50% das despesas com pessoal, o que significa que todo o resto – mais 50% das despesas com pessoal, que faltam, e mais o trabalho efectivo da acção inspectiva, fiscalizadora e até moralizadora e preventiva, que deve ter – fica, de facto, a descoberto. Portanto, este é o indicador da vergonha e da desresponsabilização do Governo…

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — … ao assumir uma inspecção do trabalho eficaz e como sua.
Foi isto que perguntámos ao ministro no dia 4 e é isto que voltamos aqui a perguntar: que tipo de inspecção de trabalho quer o Sr. Ministro Vieira da Silva, se é a mesma inspecção que queria o Ministro Bagão Félix, que em 2003 prometeu 50 inspectores mas, afinal, nada aconteceu.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Partido Ecologista «Os Verdes» gostaria, em primeiro lugar, de saudar esta iniciativa do Partido Comunista Português, a apresentação deste projecto de resolução que cria, justamente, um plano de emergência para o resolução dos pedidos de inspecção pendentes na Inspecção-Geral do Trabalho.
Consideramos, e isso já ficou perfeitamente claro aqui, pela intervenção dos Srs. Deputados que me antecederam, que a situação que se vive na Inspecção-Geral do Trabalho é profundamente dramática e preocupante relativamente à requisição da sua intervenção no âmbito das problemáticas do nosso mer-

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cado de trabalho.
A questão é que, como já ficou referido noutras intervenções, a falta de meios com que se confronta a Inspecção-Geral do Trabalho leva justamente a uma profunda situação de injustiça no nosso país, leva ao benefício claro dos infractores da legislação de trabalho e à situação dos trabalhadores portugueses.
Situações como a de salários em atraso, violação do direito às férias, violação dos direitos sindicais, violação de regras de saúde, segurança e higiene no trabalho, vão acontecendo, vão-se multiplicando, graças também à ineficácia da intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho, e essa ineficácia da intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho resulta claramente da sua falta de meios. É por isso que consideramos de uma profunda validade este projecto de resolução que aqui é apresentado, justamente para a criação de um plano de emergência, porque situações dramáticas requerem, de facto, intervenções urgentes e dimensionadas ao problema.
O facto de o Sr. Ministro do Trabalho ter vindo anunciar a esta Assembleia a entrada de mais 100 novos inspectores na Inspecção-Geral do Trabalho leva-nos a pensar que, por um lado, o Governo reconhece a grande fragilidade com que actua a IGT, mas, por outro, o Sr. Ministro também não traduziu o resultado que espera dessa admissão de novos inspectores.
O que o Sr. Ministro, o Governo e o Partido Socialista sabem é que, mesmo com esse número, ficamos muito, muito aquém do que seria necessário para uma intervenção adequada da Inspecção-Geral do Trabalho.
Portanto, a resposta continuará a ser reduzida e a ficar muito aquém das necessidades. E com a maior precarização do trabalho que o Governo do Partido Socialista promove a todo custo — mas não só, também o governo anterior, do PSD e do CDS-PP, o fez —, evidentemente, mais se alargarão as situações de necessidade de intervenção da própria IGT, sem que a resposta possa ser dada de acordo com a dimensão do problema.
Ontem mesmo, tive oportunidade de receber, em audiência, um grupo de representantes de trabalhadores que veio levantar um problema muito concreto, de abuso de horário de trabalho, numa empresa do sector de transporte rodoviário de passageiros, neste caso concreto a SCOTTURB mas garantindo que a situação se alarga a todo o sector.
O que acontece é que, recorrentemente, a empresa promove um abuso em relação a todos os trabalhadores quanto ao seu horário de trabalho. Aqueles trabalhadores andam cansados, exaustos, porque trabalham, às vezes, mais de 11 horas por dia a transportar passageiros. Ora, não se coloca aqui apenas a questão importante do direito ao descanso destes trabalhadores mas também, associada a ela, a questão da própria segurança rodoviária, tendo já sido registados casos concretos como consequência.
Ora, há cerca de dois anos, houve uma intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho que permitiu que a empresa corrigisse algumas destas situações preocupantes. A Inspecção-Geral do Trabalho afastouse da resolução deste problema e, passados dois anos, a empresa não só arrecadou a correcção que tinha feito, violando-a, como se deu ao luxo de agravar essa mesma situação.
Estes trabalhadores andam há muito mais de um ano a procurar a intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho e até hoje ainda não têm resposta. Daí que tenham recorrido à Assembleia da República para que também os Deputados pressionem o Governo no sentido da resolução deste problema, que começa a ter uma dimensão dramática.
Este é apenas um caso, entre tantos e tantos outros, em que a Inspecção-Geral do Trabalho é chamada a intervir e não intervém.
É por isso que o Grupo Parlamentar de Os Verdes considera que este projecto de resolução tem toda a razão de ser, é oportuno e deveria ser aprovado, justamente no sentido de criarmos eficácia emergente à Inspecção-Geral do Trabalho para corrigir o que importa corrigir também ao nível do Direito do Trabalho.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Custódia Fernandes.

A Sr.ª Custódia Fernandes (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É indiscutível o papel da administração do trabalho e, em particular, da Inspecção-Geral do Trabalho, no quadro do desenvolvimento das relações de trabalho em Portugal.
Todos concordarão que a Inspecção-Geral do Trabalho desempenha, a par de outros sistemas inspectivos, um papel fundamental para a promoção dos direitos dos trabalhadores, para a melhoria das condições de trabalho, para o objectivo da qualidade do emprego e para uma concorrência leal e saudável entre as empresas portuguesas.
Por isso mesmo, o Partido Socialista sempre foi persistente na defesa do reforço dos poderes da Inspecção-Geral do Trabalho e, sempre que deteve responsabilidades governativas, procurou adaptá-la às novas realidades económicas e sociais, bem como dotá-la dos meios adequados de modo a poder desenvolver eficaz e eficientemente a sua importante missão.
Ainda recentemente, no decurso do debate da interpelação n.º 12/X, sobre o emprego e a qualidade do emprego, realizada no passado dia 4 de Abril, ficámos a saber através do Sr. Ministro do Trabalho que a Inspecção-Geral do Trabalho será reforçada, em 2007, com 36 novos inspectores do trabalho, que

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terminaram o seu estágio, e que o Governo irá proceder ao recrutamento de mais 100 novos inspectores do trabalho, o que representa, Sr.as e Srs. Deputados, o maior reforço da IGT desde há muitos anos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Quando acontecer!…

A Oradora: — Temos, pois, razões acrescidas para acreditar que, em breve, irá ocorrer uma melhoria significativa ao nível do funcionamento e da acção da Inspecção-Geral do Trabalho, que contará com um reforço dos seus recursos humanos que contribuirá, seguramente, para alcançar ganhos de eficácia e de eficiência, preocupações bem patentes no projecto de resolução n.º 143/X.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Centremo-nos, então, no projecto de resolução n.º 143/X, hoje em debate, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, que não podemos deixar de considerar, face à aposta séria que o Governo tem vindo a fazer neste domínio, como extemporâneo, oportunista e esvaziado de sentido útil.
Compreendemos que o PCP tenha a necessidade de cumprir calendário político, mas terá forçosamente de reconhecer que, neste caso concreto, chega tarde ao debate e que a sua proposta se encontra desfasada da realidade.
Partindo de um diagnóstico centrado na existência de fenómenos adversos ao mundo do trabalho e da acusação de falta de capacidade de resposta da Inspecção-Geral de Trabalho face a pedidos de inspecção, vem o Grupo Parlamentar do PCP propor a criação de um plano de emergência para a resolução dos pedidos pendentes na Inspecção-Geral do Trabalho.
Em primeiro lugar, há que ter presente que a atribuição principal da IGT se situa, nos termos legais aplicáveis, no campo do controlo do cumprimento das normas relativas às condições de trabalho e não a toda e qualquer circunstância de vida da relação individual de trabalho e da conflitualidade que lhe está associada. Significa isto que, muitas vezes, a IGT é chamada a intervir em domínios que excedem as suas atribuições e naturais competências.
Em segundo lugar, temos de ter consciência de que a actividade da IGT não se esgota na resposta a pedidos de intervenção. Antes pelo contrário, grande parte da intervenção da IGT parte, e bem, em nossa opinião, da sua própria iniciativa, direccionada para os problemas mais preocupantes que se colocam no mundo do trabalho.
Finalmente, importa ter presente que, de acordo com os elementos conhecidos e constantes dos relatórios anuais de actividades da IGT, a relação entre os pedidos de inspecção entrados (acumulados com os transitados do ano anterior) e os pedidos de intervenção solucionados está longe de atingir a dimensão dramática suscitada pelo Grupo Parlamentar do PCP.
Aliás, esta realidade ficou bem demonstrada com o balanço francamente positivo aqui apresentado recentemente pelo Sr. Ministro do Trabalho relativamente à acção da IGT em 2006. Aproveito, assim, esta oportunidade para saudar e reconhecer o empenho e a dedicação dos funcionários da IGT que têm contribuído de forma decisiva para a melhoria progressiva da imagem da acção da IGT.
Não podemos também deixar de relevar no contexto do presente debate que o Governo, através do Ministério da Justiça, celebrou em 19 de Dezembro de 2006, com os parceiros sociais representados na Comissão Permanente de Concertação Social, um protocolo de acordo para a criação de um serviço de mediação laboral, tendo em vista favorecer a instituição e a utilização de processos apropriados de conciliação e arbitragem voluntária para a resolução de conflitos de trabalho colectivos e individuais. Tratase de um importante instrumento ao serviço dos trabalhadores e dos empregadores portugueses que, complementarmente ao papel da IGT, favorecerá a resolução de conflitos laborais.

O Sr. Presidente: — Pode concluir, Sr. Deputada.

A Oradora: — Vou concluir já, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O reforço dos recursos humanos afectos à Inspecção-Geral do Trabalho anunciado pelo Governo, a par da criação do serviço de mediação laboral, constituem um sinal claro da nossa aposta num domínio que consideramos fundamental para o desenvolvimento das relações laborais.
Finalmente, as soluções que o Grupo Parlamentar do PCP considera relevantes para a melhoria da eficácia do papel da IGT, e que hoje nos propõe através do projecto de resolução n.º 143/X, ficam francamente aquém das soluções que entretanto o Governo adoptou. Assim, por tudo isto, não pode merecer a nossa concordância.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Francisco Lopes dispõe de poucos segundos para uma intervenção, mas, seguramente, tem algo importante para dizer. Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate é muito escla-

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recedor, sobretudo esta última intervenção feita pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Ou seja, face a uma situação de 10 000 processos pendentes sem resposta, entre 2005 e 2006, vem dar aqui uma ideia de tranquilidade, de que tudo está bem. Ora, isso é inadmissível! Estão a aplicar aqui a seguinte lógica: havendo um crime, uma pessoa recorre à PSP ou à GNR e terá de aguardar seis meses, um ou dois anos até obter uma resposta. Foi esta a concepção aqui trazida pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Está tudo esclarecido! Assim, continua mais do mesmo, independentemente das promessas que têm vindo a ser feitas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, está também concluída a apreciação deste projecto de resolução e assim terminam os nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião terá lugar quarta-feira, 25 de Abril, pelas 10 horas, tratando-se da Sessão Comemorativa do Aniversário do 25 de Abril.
Na quinta-feira, 26 de Abril, pelas 15 horas, haverá reunião plenária com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, a que se seguirá o período da ordem do dia, de que constará, na primeira parte, a discussão do relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao Processamento, Disponibilização e Divulgação de Registos de Chamadas Telefónicas Protegidos pela Obrigação de Confidencialidade e, na segunda parte, a discussão, na generalidade, do projecto de resolução n.º 195/X — Constituição de uma Comissão de Acompanhamento e Avaliação da Política Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e PEV) e do projecto de lei n.º 175/X — Estabelece novas regras para as provas de agregação na carreira académica (aditamento ao DecretoLei n.º 216/92, de 13 de Outubro) (PSD). Às 18 horas terão lugar as votações regimentais.
Aproveito para sublinhar aos grupos parlamentares que hoje à tarde teremos a visita do PrimeiroMinistro da República da Polónia à Assembleia da República. Na próxima segunda-feira, dia 23, a Presidente da Assembleia Nacional da República da África do Sul visitará igualmente a Assembleia da República.
Também na próxima segunda-feira, dia 23, e na terça-feira, dia 24, terá lugar, no Hemiciclo da Assembleia da República, uma Sessão Nacional do Parlamento dos Jovens — Secundário, dedicada ao insucesso e abandono escolar.
Igualmente na próxima terça-feira, dia 24, terá lugar, na sala do Senado, uma audição parlamentar pública com o tema «Parlamentos Unidos no Combate à Violência Doméstica Contra as Mulheres».
Ainda nesse dia, véspera do dia 25 de Abril, à noite, haverá uma serenata monumental do fado de Coimbra.
Finalmente, aproveito para lembrar que se mantém a exposição colectiva 3D — Colecção Berardo na Assembleia da República.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
António José Ceia da Silva
Elísio da Costa Amorim
Fernando dos Santos Cabral
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Joaquim Ventura Leite
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria de Lurdes Ruivo
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa

Partido Social Democrata (PSD):

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António Paulo Martins Pereira Coelho
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Mário Henrique de Almeida Santos David
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Miguel de Santana Lopes
Ricardo Jorge Olímpio Martins

Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
António Ramos Preto
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida

Partido Social Democrata (PSD):
José Mendes Bota

Partido Comunista Português (PCP):
Artur Jorge da Silva Machado

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António Ribeiro Gameiro
João Barroso Soares
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Umberto Pereira Pacheco
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rego Mendes Martins
Pedro Augusto Cunha Pinto
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita

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Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

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