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60 | I Série - Número: 102 | 6 de Julho de 2007

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, os Instrumentos entre Portugal e os Estados Unidos da América relativos aos Acordos sobre Extradição e Auxílio Judiciário Mútuo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América. Estas são matérias altamente sensíveis, por se referirem a direitos, liberdades e garantias que devem ser assegurados a todos os cidadãos e que são sobejamente tutelados por diversas declarações e convenções internacionais e, no nosso caso, pela Constituição da República Portuguesa, portanto, obrigações inalienáveis a que Portugal está adstrito.
Será, portanto, à luz destas obrigações do Estado português em matéria de direitos humanos que os presentes Acordos devem ser analisados.
Em primeiro lugar, acordos deste cariz apenas podem fazer sentido num quadro internacional de boa fé entre os Estados contratantes, ou seja, quando os Estados pretendem cooperar numa matéria em relação à qual têm bases comuns de entendimento — neste caso, o respeito pelos direitos humanos, a que estão obrigados quer pelas Constituições nacionais, quer pelas Convenções internacionais a que se encontram vinculados.
Precisamente por isso, não se pode falar de boa fé por parte do Governo dos Estados Unidos relativamente aos mais básicos princípios de direito internacional e à salvaguarda dos direitos humanos.
Falamos, apenas a título de exemplo, dos maus-tratos e torturas infligidos a «suspeitos de terrorismo», da falta de um estatuto legal para os prisioneiros de Guantanamo — ao arrepio quer das Convenções de Genebra, quer dos mais básicos princípios de direito humanitário ou internacional —, da aplicação da pena de morte, dos raptos da CIA, bem como das transferências de prisioneiros detidos ilegalmente em prisões secretas e entregues a centros de tortura com a cumplicidade de governos europeus e ocidentais.
É a esta luz que mais se agiganta a importância, em si mesmo central, da questão da extradição. Ela pode pôr em causa o direito a um julgamento justo e, em última análise, o conjunto dos direitos civis e políticos. É, por isso, indispensável ter em conta a segurança de todas estas garantias, quando se dá seguimento a um processo de extradição.
Note-se que não foi necessário sequer qualquer processo de extradição para que vários cidadãos, quer europeus, quer encontrando-se em território europeu, fossem ilegalmente enviados para Guantanamo. Todos têm presente os raptos pela CIA de pessoas subitamente subtraídas pela força a qualquer sistema legal, sendo transportadas para prisões num outro continente, por tempo indeterminado e sujeitas a todo o tipo de violência e maus-tratos.
Assim sendo, que garantias tem ou poderá ter o Estado português de que um cidadão extraditado para os Estados Unidos da América, ao abrigo deste acordo, não vá parar a Guantanamo, ou desapareça numa qualquer versão ocidental dos gulagues clandestinos mantidos pela CIA e pelos governos e polícias que com eles cooperam? Não temos nenhuma garantia!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Orador: — É bom lembrar que, nesta matéria, há princípios básicos a respeitar. Nomeadamente, a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 33.°, tem regras expressas quanto à expulsão e extradição de cidadãos.
Muito embora o Estado português efectue — e bem! — reservas a este tratado, contemplando as penas de morte, de prisão perpétua ou de duração indeterminada, a verdade é que tal não chega. Nestas reservas, não estão, por exemplo, abrangidos os tratamentos cruéis ou degradantes, o direito a um julgamento justo, a proibição de tortura ou de detenção sem culpa formada.
Ora, sendo os Estados Unidos da América um país que tutela fora das suas fronteiras um centro de detenção como o de Guantanamo e redes de prisões clandestinas, onde centenas de cidadãos são privados dos direitos mais básicos, abundando os relatos de tortura e outros tratamentos cruéis ou degradantes, constatados e ratificados por organizações de direitos humanos insuspeitas, estas extradições carecem, em absoluto, de garantias mínimas de salvaguarda dos direitos humanos por parte do outro contratante.
É que, em rigor, Guantanamo nem sequer é uma prisão «especializada» na detenção de suspeitos de terrorismo. Como não tem um estatuto definido, qualquer pessoa pode aí ser detida, dependendo do puro arbítrio das autoridades administrativas ou militares, já que muitos detidos não passam sequer por qualquer espécie de crivo judicial. A escolha dos prisioneiros a enviar para Guantanamo é puramente política e puramente arbitrária.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — É, por isso, impossível que Portugal assegure que os extraditados não vão sofrer este tratamento, pois tal reserva não consta sequer do tratado. Assim, só por si, a reserva que Portugal faz parece-nos insuficiente para acautelar o cumprimento dos padrões mínimos exigíveis a nível dos direitos humanos. Dito de outra forma, pode ser do domínio da pura hipocrisia.

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