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31 | I Série - Número: 005 | 28 de Setembro de 2007


Devo dizer que a filosofia do diploma, no essencial, demonstra preocupações de equilíbrio, embora isto não signifique que o tenha atingido, mas, como filosofia inicial, demonstra preocupações de equilíbrio. Sucede, porém, que, ao fazê-lo, entre os valores que, no fundo, estão ligados à identificação civil mas, especialmente, à identificação ou à investigação criminal e os valores dos direitos dos cidadãos, por vezes, a lei parece-me ir longe demais ou parece-me, em particular, e ao PSD, estar redigida de uma forma que dá espaço para o exercício do abuso, no contexto deste instrumento de biotecnologia, que corre o risco de se transformar naquilo que pode ser um gravoso instrumento de «biopolítica».
Portanto, esse é o ponto onde, digamos assim, temos de parar. E isto acontece logo quando o Governo começa por dizer, com uma certa ligeireza, no preâmbulo, dando o mote sobre a forma como encarou esta matéria, que se trata, no fundo, da «impressão digital genética» — aliás, corroborando algo que é comum em manuais que tratam de questões genéticas a respeito do ADN.
Ora, o que sucede é que a impressão digital, sendo um instrumento de identificação até, em muitos aspectos, mais eficaz do que os marcadores de ADN — como acontece, por exemplo, no caso dos gémeos —, não tem, de modo nenhum, o gravame dos marcadores de ADN ou do perfil de ADN, porque este abre a porta para um conjunto de conhecimentos e de informação que é muito mais gravoso.
Penso que é bastante significativo que o Governo abra o preâmbulo deste diploma com essa tentativa de identificação entre a velha impressão digital e os marcadores de ADN, pois implica que encara com a mesma ligeireza o ADN e a impressão digital. E isto é visível em vários aspectos do diploma.
Diria, essencialmente, sobre este ponto que há aqui riscos sérios, há riscos em matéria de gémeos, há riscos em matéria de contaminação de ADN, seja na recolha de vestígios nas cenas dos crimes, seja pela degradação desses vestígios, seja pela recolha parcial, seja até pela mistura que pode haver de vestígios de ADN.
Por outro lado, sabemos também — e este é um ponto que é muito importante, e é-o para as nossas polícias, que lutam com falta de meios e com uma grande pressão, cada vez maior, na sua investigação, que fique claro — que o ADN também é falível, não tem o dom da infalibilidade. E isto é muito importante porque, nomeadamente com a publicidade a que agora estará sujeito o processo penal, é muito relevante ter em atenção o aspecto da falibilidade dos próprios testes feitos no âmbito dos marcadores e dos perfis de ADN.
Corremos o risco — isso, aliás, vinha até num dos pareceres, julgo que no do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, mas se não nesse no da Comissão Nacional de Protecção de Dados — da diabolização pública das pessoas, por exemplo, de uma certa raça porque de repente se descobre que é uma pessoa da raça x ou da raça y, mas não se sabe mais do que isso… Portanto, há aqui alguns perigos.
Por outro lado, também há uma certa porta para a universalização, porque todas as experiências estrangeiras a que se refere o Sr. Ministro, todas elas!, demonstram que quando se começa por abrir a porta num determinado sector tem sempre havido uma maior expansão da utilização dos perfis de ADN neste campo.
Também por aí, por causa deste risco de universalização, ficamos numa situação em que pode ocorrer — chamo a atenção para isto — uma inversão da presunção de inocência. De repente, são 10 milhões os portugueses que são suspeitos porque são todos susceptíveis de estar numa base de dados.
Portanto, aquilo que eu queria deixar claro é que há aqui um certo paradoxo: ao mesmo tempo que estamos a usar uma descoberta científica que veio demonstrar a individualidade irredutível de cada pessoa, estamos a utilizá-la para anular a privacidade, a identidade e também, portanto, a individualidade dessa pessoa.
Há aqui um risco paradoxal, pelo que eu gostaria de deixar três ou quatro preocupações para que o Sr.
Ministro respondesse a cada uma delas.
A primeira é uma questão que já foi levantada em comissão pela Deputada Helena Pinto, mas que acho que não fica resolvida com a resposta que foi dada, e que é a dos menores. É que as regras que tínhamos para os pais decidirem coisas sobre os menores dizem respeito a aspectos da vida que não têm que ver com este património exclusivamente pessoal! Por exemplo, pode um pai decidir que os filhos vão aderir voluntariamente ao ficheiro de identificação civil?

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Pode um filho, durante 18 anos (sim, porque admito que ele ao fim de 18 anos queira revogar), ter o seu ADN exposto? Até porque é natural que muitos pais o façam — alarmados, como estão, por exemplo, pelos problemas do rapto e do tráfico de crianças, que tenham a preocupação de inscrever os filhos nesse ficheiro! Mas isto é admissível? Ou é admissível nos termos tradicionais? Poderá dizer-se: «remetemos para as regras gerais do Direito Civil». Devo dizer que essas regras, mesmo hoje, à luz dos conhecimentos científicos existentes, são regras que me parecem já desadequadas.
Mas neste particular estamos a falar de um bilhete de identidade pessoal de que até agora não havia qualquer paralelo, portanto, nessa medida, e com estas características, não sei se as regras do Direito Civil actual são suficientes para que os pais representem os filhos nesta matéria.

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