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Sexta-feira, 28 de Março de 2008 I Série — Número 64

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE MARÇO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 448/X e dos projectos de resolução n.os 294 e 297/X.
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.os 485/X – Cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges (BE), que foi rejeitado, e 486/X – Altera o prazo de separação de facto para efeitos da obtenção do divórcio (BE), que foi aprovado. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Helena Pinto (BE), Maria do Rosário Carneiro (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), António Filipe (PCP), Pedro Nuno Santos (PS), Miguel Macedo (PSD), Luís Fazenda (BE), Ana Catarina Mendonça e Jorge Strecht (PS), Francisco Louçã (BE), Pedro Santana Lopes (PSD) e Alberto Martins (PS).
Foram rejeitados os projectos de resolução n.os 264/X — Estabelece um processo de apreciação e discussão parlamentar do regime de avaliação da actividade docente (PCP), 284/X — Suspensão da avaliação do desempenho do pessoal docente e alteração dos mecanismos de avaliação (CDS-PP), 288/X — Recomenda ao Governo a suspensão do processo de avaliação de desempenho dos docentes do ensino pré-escolar, ensino básico e ensino secundário, visando a criação das condições para definir um novo modelo de avaliação mediante uma discussão ampla, fundamentada e participada (BE), 292/X — Recomenda ao Governo não só a suspensão do processo de avaliação do desempenho dos docentes, previsto no Decreto Regulamentar n.º 2, de 10 de Janeiro de 2008, mas também a criação das condições para que se defina um modelo de avaliação que sirva, sobretudo, o sistema educativo nacional (Deputada não inscrita Luísa Mesquita) e 293/X — Recomenda a suspensão do sistema de avaliação de desempenho do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (PSD).
Finalmente, foi aprovado, na generalidade, o texto de substituição, apresentado pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, relativo ao projecto de lei n.º 428/X — Estabelece medidas de promoção da acessibilidade de pessoas com deficiência visual à informação sobre determinados bens de venda ao público (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro

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Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado

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António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista

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António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Miguel Pacheco Gonçalves

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de lei n.º 488/X — Altera o Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, que define e regulamenta a protecção na eventualidade de encargos familiares no âmbito do subsistema de protecção familiar (CDS-PP), que baixa à 11.ª Comissão; projectos de resolução n.os 294/X — Recomenda ao Governo a adopção de medidas tendentes a dinamizar o desenvolvimento e o crescimento económico e a promoção do emprego e formação profissional nas regiões do Vale do Ave e Vale do Cávado (PS), 295/X — Recomenda ao Governo que adopte medidas para igualdade no acesso à vacina pneumocócita de sete valências indicada para a imunização activa de lactentes e crianças (CDS-PP), 296/X — Prevenção de riscos e medidas de intervenção em caso de inundações (PCP), e 297/X — O distrito de Braga reclama medidas urgentes responder às causas, atalhar as consequências (PCP).
Em termos de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a nossa reunião de hoje é preenchida com um agendamento potestativo do Bloco de Esquerda sobre os projectos de lei n.os 485/X — Cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges (BE) e 486/X — Altera o prazo de separação de facto para efeitos da obtenção do divórcio (BE).
Para apresentar estes dois projectos, em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda reapresenta, hoje, o tema do divórcio a debate na Assembleia da República.
Há um ano atrás, mais precisamente em Maio de 2007, debatemos um projecto de lei que visava a criação de um novo regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges. Este projecto deu origem a um grande debate que ultrapassou as paredes desta Assembleia, e assim deve ser quando se trata de matérias que envolvem a vida de cidadãos e de cidadãs.
Hoje, o Bloco de Esquerda reapresenta o seu projecto de lei onde incorporou todas as críticas construtivas que na altura foram feitas.
A convicção de há um ano atrás é hoje exactamente a mesma: se para celebrar um casamento – um contrato jurídico mas um contrato especial – são precisas duas vontades expressas, para manter esse casamento continuam a ser necessárias essas mesmas vontades. Ninguém deve ser obrigado a estar casado contra a sua própria vontade.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não existe justificação para que se mantenham casamentos unilaterais em que a vontade de um se sobrepõe à vontade de outro.
A proposta do Bloco de Esquerda é muito clara: defendemos a possibilidade de declarar o divórcio a pedido de um dos cônjuges sem necessidade do calvário de justificações de motivos. Repito: sem justificação de motivos, sem a obrigação de invocar situações que justifiquem o fim do casamento, sem culpabilizar ninguém por esse final! Quando o amor acaba não existe culpa, não devem existir juízos valor, muito menos para serem esses juízos emitidos por um tribunal que não seja a consciência de cada um e de cada uma.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Ninguém tem que justificar, muito menos expor em praça pública, por que deixou de querer estar casado com outra pessoa. As razões de cada pessoa apenas a ela dizem respeito, são emocionais, individuais e não devem estar sujeitas ao escrutínio público e à avaliação de outrem.
Manter a necessidade de invocação de qualquer motivo, mesmo que o Partido Socialista venha agora tentar fazer crer o contrário,…

O Sr. Jorge Strecht (PS): — O contrário?!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … conduz necessariamente a uma avaliação do comportamento, a uma exposição da vida íntima e a um inerente juízo de culpabilidade.
Não podemos esquecer que é o apuramento da culpa que hoje arrasta a maioria dos divórcios pelos tribunais durante longos anos, durante os quais se «conflitualiza» e a agudiza ainda mais a relação e se instrumentalizam os filhos, envolvidos numa luta que não deve ser deles.
Hoje, com a actual lei, nestas situações, e quando um dos cônjuges não quer o divórcio, o outro vê-se obrigado a violar um dos deveres conjugais, mesmo que não o queira, e mesmo assim tem que esperar que o outro cônjuge se sinta ofendido face a essa violação e requeira o divórcio.
Defendemos o fim do divórcio com culpa. Por isso, defendemos hoje, como há um ano atrás, o divórcio a pedido de um dos cônjuges, sem necessidade de invocar motivos.

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Aplausos do BE.

As alterações que introduzimos ao nosso projecto de lei vão ao encontro das sugestões e críticas que acolhemos com agrado no sentido de aperfeiçoar a iniciativa legislativa. Por isso, propõe-se que o divórcio a pedido de um dos cônjuges seja de competência dos tribunais judiciais.
Estão acauteladas todas as situações de maior fragilidade, nomeadamente filhos, património, a atribuição da casa de morada de família e a prestação de alimentos em caso de necessidade, mesmo quando esta seja ocasional, fruto de situações de desemprego, por exemplo.
A questão da tutela dos filhos menores mantém-se, como é óbvio, em processo separado e prévio.
Do debate anterior saiu um consenso: o prazo de três anos, actualmente previsto para o divórcio por ruptura da vida familiar, está completamente desajustado e tem que ser alterado, como foi então sugerido pelo PSD e pelo CDS-PP.
O Partido Socialista comprometeu-se, na altura, a apresentar uma iniciativa no sentido de alterar esse prazo, o que não cumpriu.
O Bloco de Esquerda apresenta, por isso, em simultâneo, um segundo projecto de lei que visa exactamente alterar este prazo reduzindo-o para um ano.
Caberá a cada um, mediante a sua própria vida e realidade, optar pela modalidade de divórcio que entenda ser mais apropriada. Deixamos a cada um a liberdade de optar.
Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Verificamos pelas reacções à reapresentação do nosso projecto de lei que caíram as objecções de fundo que existiam em Maio de 2007 quanto à possibilidade de divórcio a pedido de um dos cônjuges. Ainda bem, é com satisfação que verificamos a aproximação da bancada do Partido Socialista aos princípios por nós sempre defendidos.

Protestos do PS.

Verificamos com agrado que caiu por terra a posição defendida pelo Partido Socialista de que o projecto de lei do Bloco de Esquerda poderia, inclusivamente, ser inconstitucional.
E cito a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona, em nome do Partido Socialista, nesta mesma Sala, em Maio de 2007: «Afectar o núcleo essencial do direito ao casamento através, por exemplo, da consagração do direito ao divórcio por uma mera vontade ou declaração unilateral não pode deixar de ser questionado no plano da sua conformidade com a Constituição da República Portuguesa».
Verificamos com agrado que deixaram de existir as razões políticas, jurídicas e constitucionais invocadas pelo Partido Socialista para rejeitar a possibilidade do divórcio a pedido de um dos cônjuges e sem juízos de culpa.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Fica, assim, em aberto o caminho para modernizar o direito ao divórcio e para resolver a situação dramática que penaliza tantas pessoas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passado um ano sobre o debate havido nesta Assembleia, a situação é muito diferente — registam-se evoluções nas posições então assumidas, melhoram-se as iniciativas legislativas. É, pois, hoje possível proceder a uma alteração da legislação sobre o divórcio: uma alteração que vai ao encontro de uma realidade social que ninguém desconhece; uma alteração que reflecte valores sociais fundamentais, como a individualidade, o primado dos afectos e mesmo a felicidade das pessoas.
A lei não pode, não consegue nem lhe compete reparar as emoções, mas pode, e deve, acompanhar os tempos que se vivem e responder às necessidades das pessoas. É esta a nossa convicção.
Com este agendamento potestativo do Bloco de Esquerda abre-se uma nova página do respeito pelas pessoas e da adequação da lei.
É tarde. Mas antes tarde do que nunca!

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Há dois Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, começo por fazer uma pequena precisão, a de que travámos este debate há 10 meses, tendo-se comprometido o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, nessa circunstância, a apresentar uma iniciativa legislativa sobre a matéria, e fá-lo-á no agendamento potestativo marcado para 16 de Abril, em que será apresentado um projecto de lei sobre esta matéria, que discutiremos e aprovaremos.
No entanto, antes de colocar-lhe duas questões, gostaria de fazer um primeiro comentário, registando, com apreço, a incorporação que foi feita no actual projecto do Bloco de Esquerda dos contributos dados no debate travado na altura. Registo-o de forma muito positiva, porque representa que o trabalho parlamentar resulta de uma aprendizagem que é feita através do debate que somos capazes de estabelecer uns com os outros. Tal traduz-se numa conquista muito significativa.
As duas questões que queria colocar-lhe correspondem a duas dúvidas – uma delas já existia e permanece, e a outra é nova, visto que decorre do articulado agora apresentado.
A primeira questão tem a ver com o que a Sr.ª Deputada acabou de afirmar na sua intervenção e que está claramente explanado na exposição de motivos do projecto de lei do BE. Refiro-me à circunstância da culpa, do divórcio-sanção. Está sempre presente em todas as discussões e reflexões que fazemos sobre esta matéria uma preocupação de evoluir no sentido de retirar este carácter sancionatório que está atribuído ao divórcio, desde que não corresponda ao mútuo consentimento das partes envolvidas. No entanto e dando por adquirida essa intenção, não é compreensível a manutenção, no vosso projecto de lei, deste tipo de divórcio.
Isto é, é introduzido um terceiro tipo de divórcio: para além do divórcio por mútuo consentimento e do divórcio litigioso, que incorpora o divórcio-sanção, temos agora o divórcio a pedido. Ora, esta introdução não resolve o vosso objectivo (que foi explanado pela Sr.ª Deputada Helena Pinto e que está consagrado no preâmbulo do projecto de lei) de anulação do divórcio-sanção, que é, aliás, sistematicamente reiterado na forma como vem explicitado no articulado, através das expressões vítima/culpado.
A segunda questão tem a ver já com uma inovação…

O Sr. Presidente: — Queira fazer o favor de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, peço-lhe um breve momento mais para concluir a questão.

O Sr. Presidente: — Regimentalmente, apenas dispõe de 2 minutos para pedir esclarecimentos, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Concluindo, Sr. Presidente, a segunda questão tem a ver com a alteração ao artigo 1424.º do Código Civil, na qual se prevê a introdução da possibilidade de ser decretado o divórcio perante a não comparência do cônjuge que não o requer (o litigado). Tal significa que, com esta redacção, transforma-se em divórcio por mútuo consentimento um divórcio que é a pedido. E porquê? Porque, na redacção proposta, é interpretada a ausência do cônjuge que não requer o divórcio como uma anuência, como um consentimento.
Ora, não se pode entender a ausência do cônjuge que não comparece à conferência como consentimento,…

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Claro!

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — … porque nem um corresponde a outro nem estão supridos, nesta circunstância, os requisitos para o divórcio por mútuo consentimento.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, agradeço as questões que colocou, bem como a precisão de que não passaram 12 meses mas, sim, 10 meses. Serão 10 meses,…

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Não é «serão», são 10 meses, rigorosamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … um período suficientemente longo, de qualquer modo, para que o Partido Socialista tivesse apresentado os seus projectos de lei.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Também registo, com agrado, o facto de a Sr.ª Deputada ter dito que o trabalho parlamentar permite uma aprendizagem, um melhoramento. Foi o que sucedeu da parte da bancada do Bloco de Esquerda e espero o mesmo da parte da bancada do Partido Socialista.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso é mais difícil!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Mas não vamos confundir processos de aprendizagem com reviravoltas completas nas posições que se assumem.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Como a Sr.ª Deputada sabe e como referenciei da tribuna, a argumentação a que o Partido Socialista recorreu para não viabilizar este projecto de lei — embora agora apareça melhorado, de facto — teve a ver com razões de ordem constitucional. Contudo, sabemos agora, pelos jornais, que, afinal, mudou de posição.

Protestos do PS.

Queria dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que não percebo onde foi buscar essa lógica que apresentou a propósito das várias modalidades de divórcio, tentando dizer que a proposta do Bloco de Esquerda não vai no sentido da anulação da culpa. E até lhe digo mais: lendo as Actas de há 10 meses atrás, não foram esses os argumentos utilizados nem pela bancada do PS nem pela Sr.ª Deputada.
O Bloco de Esquerda é muito claro: prevê a possibilidade da modalidade de divórcio a pedido de um só cônjuge, sem invocação de motivos, simplesmente porque o casamento acabou. Onde é que está aqui a culpa, Sr.ª Deputada?! Diga-me onde está? Não há culpa alguma!

Protestos do PS.

Os senhores é que vão ter de demonstrar como é que retiram a culpa. Aqui não há culpa! A Sr.ª Deputada tem de justificar melhor a sua posição.
Torno a repetir: a proposta do Bloco de Esquerda é que exista uma modalidade de divórcio a pedido de um só cônjuge.

Vozes do PS: — Mas mantém a modalidade de divórcio litigioso!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Desculpem, esse é outro tipo de divórcio! Há um ano atrás, os senhores queriam manter tudo exactamente como está…

Protestos do PS.

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… e até disseram que o nosso projecto era inconstitucional! Permitam-me, Srs. Deputados — e assim termino, Sr. Presidente —, que diga o seguinte: é a primeira vez na história parlamentar que um agendamento potestativo dá origem a outro agendamento potestativo, como podemos verificar.

Vozes do BE: — Muito bem!

Vozes do PS: — Essa agora?!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — 15 dias depois!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sim, 15 dias depois! Em vez de há um ano atrás terem discutido tudo isto na especialidade.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Nisso têm razão!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Portanto, o ónus da justificação está do lado da bancada do Partido Socialista.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, a primeira questão que lhe coloco é esta: porquê dois projectos de lei para tratar rigorosamente do mesmo assunto? Vou tentar adivinhar a resposta: é que o primeiro projecto de lei justifica-se na exacta medida do experimentalismo social que é quase código genético do Bloco de Esquerda,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — … garante a agenda fracturante, mas também já prevê o resultado. E, porque prevê o resultado, o BE apresenta em separado um outro projecto de lei que visa apenas alterar os prazos da separação de facto como fundamento para o divórcio litigioso.
Quero dizer desde já que, na minha intervenção, vou referir-lhe muitos inconvenientes da primeira iniciativa legislativa que nos propõe, ou seja, a que é relacionada com o divórcio unilateral. Mas, ainda assim, gostava de lhe pedir um esclarecimento, porque talvez me consiga justificar o absurdo, pois confesso que li com alguma atenção os projectos de lei e não encontrei neles resposta para esta questão.
O Manuel casa com a Isaura no regime de comunhão de bens adquiridos. O Manuel é desempregado e não leva quaisquer bens para o casamento; a Isaura é rica, tem um bom emprego, tem um bom salário e leva carro, casa e contas bancárias para o casamento.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Casou por amor!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — No dia seguinte, o Manuel acorda mal disposto, olha para a Isaura, não gosta do que vê e vai daí requer unilateralmente o divórcio, porque pode ser a todo o tempo, e nem sequer invoca motivo. A Isaura acorda e, mais do que surpreendida com o pedido de divórcio, vê que, de repente, não pode movimentar a conta bancária, quer vender a casa e não consegue e não pode dispor de qualquer dos seus bens próprios.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Devia ter casado noutro regime!

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, é rigorosamente isto que resulta do novo artigo 1787.º-A, que pretendem para o Código Civil, porque o que se estabelece aí é que, com o requerimento do divórcio, seja necessariamente requerido o arrolamento dos bens comuns e dos bens próprios dos cônjuges.
Isto faz-lhe algum sentido, Sr.ª Deputada?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, em primeiro lugar, não estamos aqui a tratar da novela A Escrava Isaura, estamos a tratar de assuntos muito sérios e que dizem respeito a centenas de casais no nosso país.
Portanto, Sr. Deputado, quanto à questão do experimentalismo social, é bom termos a capacidade de nos irmos adaptando às realidades sociais e encontrarmos as respostas jurídicas mais adequadas, porque, senão, ficamos sempre na mesma e o mundo está sempre em evolução.
Mas, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, o Bloco de Esquerda assume que introduz mais uma modalidade de divórcio. Já há um ano o fizemos e, agora, repetimo-lo. É uma terceira modalidade de divórcio.
É verdade, sim, senhor! E consideramos que ela deve estar incluída no nosso ordenamento jurídico.
Agora, Sr. Deputado, o exemplo que deu não colhe e lamento dizer que não colhe porque, de duas, uma: ou o Sr. Deputado não leu com a devida atenção o nosso projecto de lei ou, então, passou-lhe e não viu que existe um artigo específico para salvaguardar essas situações, a que chamaremos, na linguagem comum ou na linguagem das telenovelas, «os golpes de baú». Está aqui perfeitamente explícito que, nessas situações, nenhum dos cônjuges poderá ficar com um património superior àquele que tinha na data…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — É o arrolamento, Minha Senhora!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Ó Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, em primeiro lugar, eu não sou «Minha Senhora» e, em segundo lugar, oiça a minha resposta! Está certo?! Eu sou Deputada, como o senhor! Portanto, está aqui consignado que nenhum dos cônjuges poderá ficar com um valor superior àquele que tinha na data do casamento.
Mas permita-me que lhe diga — e com isto termino — que se é essa a objecção que tem ao nosso projecto de lei, é uma fraca objecção, que poderá, com certeza, ser trabalhada a seguir.

Aplausos do BE.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, é para, através da Mesa, dizer à Sr.ª Deputada Helena Pinto que em nenhum momento quis ser desrespeitoso com a expressão «Minha Senhora» dita em aparte parlamentar e, bem assim, explicar-lhe que não lhe falei da partilha mas, sim, do arrolamento, como medida prévia à partilha. É que é coisa diferente e convém saber do que se fala.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos retomar este debate sensivelmente no ponto em que o deixámos há 10 meses atrás, quando o Bloco de Esquerda trouxe aqui, a esta Assembleia, uma iniciativa legislativa visando consagrar o divórcio a pedido de um dos cônjuges.
E começo pela posição que o PCP tomou nessa altura, para dizer que consideramos que essa ideia deve ser, de facto, considerada, tem toda a pertinência – aliás, o direito comparado demonstra-o –, mas dissemos na altura que o projecto de lei que o Bloco de Esquerda aqui apresentou continha, do nosso ponto de vista,

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diversas fragilidades e demarcámo-nos dele anotando precisamente algumas dessas fragilidades. Portanto, manifestámos uma posição de princípio favorável, mas entendemos que a iniciativa legislativa careceria de melhor aperfeiçoamento. É essa a posição que mantemos.
De facto, este projecto de lei do Bloco de Esquerda resolveu as principais objecções que na altura colocámos, desde logo a primeira, que era o facto de haver uma atribuição de competências, do nosso ponto de vista exorbitante, aos conservadores do registo, quando entendíamos que havia matérias cuja importância exigia uma intervenção judicial. Havia decisões relativas a eventuais pensões de alimentos, à casa de morada de família e a outros aspectos relacionados, designadamente, com a regulação do poder paternal que não poderiam dispensar uma decisão judicial.
Registamos que, de facto, o Bloco de Esquerda corrigiu esse aspecto e a iniciativa legislativa que agora nos apresenta é, de facto, judicializada. Nós registamos isso e retiraremos daí, obviamente, as devidas consequências.
Referindo-me, agora, a cada uma das duas iniciativas legislativas que temos em presença, diria que, relativamente ao projecto de lei n.º 486/X, não existe qualquer objecção da nossa parte. A iniciativa diz respeito à alteração do prazo de separação de facto para efeitos de obtenção do divórcio e nós concordamos com a proposta que o Bloco de Esquerda aqui traz de redução dos prazos.
Já no que diz respeito ao projecto de lei n.º 485/X, esse, sim, tem outra complexidade e, por isso, carece de uma abordagem mais detalhada.
Do nosso ponto de vista, registamos positivamente que se trate de um processo judicializado. Não faria sentido que os conservadores do registo fizessem tentativas de conciliação, como os juízes fazem, nos termos no Código Civil. Como disse há pouco, há decisões que devem ser judicializadas.
Agora, há aqui aspectos que devem ser objecto de debate aqui e, obviamente, se o projecto de lei for aprovado, na especialidade, alguns dos quais gostaria de colocar aqui para reflexão.
O primeiro é de ordem conceptual. Quer parecer-nos que, em relação a este projecto de lei do Bloco de Esquerda, não estamos tanto perante uma terceira modalidade de divórcio, além do divórcio por mútuo consentimento e do divórcio litigioso, mas mais perante uma subespécie do divórcio litigioso, o que não é um mal.
A questão é esta: na nossa ordem jurídica, temos um divórcio por mútuo consentimento, quando os cônjuges estão de acordo, no essencial, quanto ao divórcio e quanto à regulação de aspectos essenciais que têm de ser regulados, e, então, aí a intervenção judicial é mínima, e temos uma outra modalidade, que é quando um dos cônjuges não se quer divorciar e o nosso Código Civil assenta, até agora, essa possibilidade de divórcio numa violação culposa de deveres conjugais.
Aquilo que o Bloco de Esquerda agora nos vem dizer é que não tem de ser assim, e nós concordamos que não tem de ser assim. Pelo facto de ser um divórcio em que há a vontade de um dos cônjuges contra a vontade do outro – não, necessariamente, contra o outro – não quer dizer que eles tenham de se confrontar com um litígio insuperável, porém, há, de facto, a vontade de um contra a vontade do outro. Podemos retirar a carga pejorativa, se quisermos, que tem a ideia de divórcio de litigioso, mas que há um litígio, há e, portanto, estamos mais perante uma subespécie do divórcio litigioso.
Trata-se, do nosso ponto de vista, de uma questão resolúvel, porque se trata de um problema mais conceptual, como eu disse há pouco.
Porém, há alguns aspectos do projecto de lei do Bloco de Esquerda sobre os quais valia a pena reflectir.
A forma como regulam processualmente este divórcio pressupõe que haja uma série de pontos que estejam resolvidos entre os cônjuges. O requerimento inicial proposto prevê, inclusivamente, que a regulação do exercício do poder paternal esteja feita ou que haja acordo sobre ela, prevê que haja um requerimento relativo a alimentos. Ou seja, há uma série de aspectos que se já estiverem resolvidos a ideia que nos dá é que o divórcio far-se-á por mútuo consentimento. E, portanto, não nos parece muito praticável que um casal que já tenha regulado o poder paternal dos seus filhos ainda tenha de fazer um divórcio contra a vontade do outro, não nos parece curial.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Claro!

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O Sr. António Filipe (PCP): — Mas a questão que, para nós, é talvez a mais importante e que careceria de uma reflexão mais profunda tem que ver com o ónus de quem requer o divórcio.
O Bloco de Esquerda tenta fazer aqui uma aproximação, diz que ninguém pode ser beneficiado com isso, ou seja, que não pode ter um regime mais favorável do que aquele que decorra do casamento por comunhão de adquiridos. É uma aproximação mas, do nosso ponto de vista, não é uma aproximação total, porque o que nos interessa salvaguardar é que haja uma decisão final justa. Isto é, achamos que ninguém deve estar casado contra sua vontade e que deve ter uma forma de, ainda que o outro cônjuge o não queira, impor a dissolução do casamento sem que haja uma violação culposa de deveres conjugais. Porém, tem de haver uma solução final justa – é isto que nos norteia – e não entendemos que alguém possa requerer o divórcio contra a vontade do outro cônjuge e ser beneficiado com isso ou deixar o outro cônjuge numa situação muito difícil.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Isto acontece no caso de dependência económica. E aí acho que há uma disposição que não resolve tudo, quando o Bloco de Esquerda reconhece que pode haver uma situação de dependência económica que seja em benefício do casal. Mas eu diria, «não necessariamente». Imaginemos um caso em que um dos cônjuges está numa situação de desemprego involuntário, por exemplo,…

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Exactamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Isso está contemplado!

O Sr. António Filipe (PCP): — … em que um cônjuge tem emprego e o outro não tem. Caso o que tem emprego requeira o divórcio contra o outro, se não se encontrar uma solução, que creio não estar prevista nos melhores termos no projecto de lei, colocamos um dos cônjuges numa situação absolutamente insustentável.
Como é óbvio, não era isso o que o Bloco de Esquerda pretenderia, mas creio que essa situação tem de ser salvaguardada. E, do nosso ponto de vista, não está inteiramente salvaguardada neste projecto de lei, na medida em que se tutela, de facto, a situação de dependência económica mas se essa dependência tiver resultado da sua colaboração para a vida e economia comum do casal. Ora, do nosso ponto de vista isto não chega, porque essa situação de dependência económica pode não ser voluntária, pode não ser assumida por ambos.
Portanto, dever-se-ia encontrar aqui uma forma de salvaguardar que quem requer o divórcio contra a vontade do outro cônjuge tenha de assumir esse ónus. Assim, não pode ser beneficiado por isso, obviamente, mas também não se pode criar uma solução em que o outro cônjuge fique numa situação insustentável sem poder reagir contra ela. Portanto, é na procura dessa solução justa que nos norteamos.
Já agora, quero referir que também discordamos de uma norma prevista no projecto de lei, quando se diz que o cônjuge que requer o divórcio pode pedir alimentos. Isto poderá ser muito discutível, mas entendemos que deve ser discutido.
Há dois cônjuges que têm uma situação económica diversa, que resultará do divórcio, designadamente porque um deles teria bens de família anteriores, ou seja, estão numa situação de desigualdade, e o cônjuge que está na situação, em princípio, mais desfavorável requer o divórcio contra o outro mas pede alimentos.
Não nos parece que isso seja muito curial, porque pode dar azo a situações em que alguém oportunistamente pede o divórcio, o que também dever-se-ia evitar.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Creio que estas objecções não são insuperáveis e que com a iniciativa legislativa que temos aqui, aprovando-a, teremos condições para resolver estes problemas, mas há efectivamente questões que não estão resolvidas. Para que se encontre uma solução justa é preciso que os problemas sejam devidamente equacionados, encontrando-se uma solução em que se evite que alguém tenha de estar casado contra a sua vontade mas não se criando aqui um mecanismo que possa ser utilizado, de uma forma oportunista, por uns cônjuges contra os outros à custa da dissolução do casamento.

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Portanto, é esta a nossa posição de princípio. Somos favoráveis à introdução, na ordem jurídica portuguesa, do princípio do divórcio a pedido de um dos cônjuges, mas entendemos que isso deve ser feito encontrando uma solução que seja justa e que não crie situações de desigualdade e de injustiça relativamente ao cônjuge requerido em benefício do cônjuge requerente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutem-se dois projectos de lei distintos relativos à mesma realidade, o divórcio.
Aparentemente, só por lapso se julgaria poder ser a questão tratada em duas iniciativas, mas não. Como já referiu o partido proponente, o Bloco de Esquerda tem a exacta noção do radicalismo que propõe num dos casos, o que equivale a dizer do seu destino, e tenta, assim, dois em um.
Com o projecto de lei que cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges garante a agenda fracturante do seu código genético, e com o projecto que altera o prazo da separação de facto para efeitos de obtenção do divórcio tenta algum vencimento de causa e, mais que não seja, encostar-se ao PS pelo prometido a este propósito em tempos que já lá vão. Azar nítido: só não contaram que, a avaliar pelo que a imprensa hoje adianta, nesta matéria, o PS já se propusesse ultrapassá-los pela esquerda. Nada que não se perceba neste PS a um ano das eleições.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vindo do Bloco de Esquerda, a vontade de criar a figura do divórcio a pedido de um só dos cônjuges sem invocação de motivo não choca, e por isso é que isto não é ofensivo, Dr.ª Helena Pinto. Em boa verdade, para um partido que vive do experimentalismo social, transformar o instituto do casamento numa espécie de contrato de consumo imediato, que depois se revoga no dia seguinte como se queira, por vontade unilateral, com uma espécie de pílula jurídica do dia seguinte, faz até todo o sentido. Para nós não faz nenhum.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — É rasca todos os dias!…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Primeiro, porque o casamento assenta num contrato supostamente solene e ponderado para quem, no mínimo, tem em mente um projecto familiar de vida. Depois, porque o permanente ataque ao instituto do casamento, que é uma instituição milenar, desvalorizando-o, transformando-o juridicamente no quase equivalente às uniões de facto, retira-lhe todo o sentido.
Esvaziar o casamento de conteúdo e engordar as uniões de facto com direitos, quase os equiparando, representa também uma alteração da ordem social num sentido que, de facto, nos distingue dessa esquerda, numa discussão em que não vem mal ao mundo termos e numa diferença que, pessoalmente, não me choca nada. Por isso é que os senhores estão nessa ponta do Hemiciclo e nós nesta.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a nossa lei civil já consagra duas modalidades de divórcio, as que me fazem sentido: por mútuo consentimento ou o divórcio litigioso. O que o Bloco propõe é a criação de uma nova modalidade de divórcio, a pedido apenas de um dos cônjuges, a todo o tempo, sem invocação de motivo.
Não pondera é que o que propõe admite as situações de facto mais absurdas, que a vida trará para a ordem jurídica, que existem e que aqui se tentam explicar.
É que o casamento não é propriamente um negócio de supermercado, implica deveres, os chamados deveres conjugais, deveres importantes para quem, através deles, se propõe um projecto de vida em comum com outra pessoa.
O casamento é mais do que uma aliança no dedo ou, pelo menos, isso é suposto. Exactamente por essa razão é que, de acordo com o artigo 1779.º do Código Civil, qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os seus deveres conjugais. São, como sabe, os deveres de respeito, de fidelidade, de coabitação, de cooperação e de assistência. Não são palavras ocas, são deveres que têm substância. E nem sequer se trata de uma qualquer violação, trata-se de uma violação que, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum.

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E, Sr.ª Deputada Helena Pinto, sem querer faltar-lhe ao respeito, a senhora confundiu «alhos com bugalhos», confundiu uma medida cautelar que é o arrolamento com uma partilha a decidir a final.
Sr.ª Deputada, num divórcio litigioso o cônjuge que culposamente viola os seus deveres conjugais, para além de justificar o divórcio responde por isso. Por essa razão é que o cônjuge declarado único e principal culpado não pode receber na partilha mais do que receberia se estivesse casado no regime de comunhão de adquiridos. E aqui é que os senhores alteraram em relação àquilo que era a fórmula que tivemos na discussão anterior. Só que se esquecem de que, por essa razão também, esse cônjuge, declarado culpado, deverá reparar os danos não patrimoniais, isto é, os danos morais causados ao outro.
De facto, o que o Bloco de Esquerda propõe justificaria que alguém, o marido, por exemplo, faltasse repetidamente ao respeito à sua mulher, insultando-a, agredindo-a, reiteradamente, e, apesar de faltoso, requeresse unilateralmente o divórcio beneficiando com isso e não porque na partilha passasse a receber de acordo com o regime de comunhão de adquiridos, mas sim porque o regime dos danos morais, ou seja, dos danos não patrimoniais, só se aplica ao regime do divórcio litigioso.

Risos do BE.

Ora, isto só é ridículo para quem não compreende e nada sabe de Direito, como é o caso do Sr. Deputado que acabou de fazer um comentário, porque se soubesse um bocadinho de Direito percebia exactamente o que eu estou a dizer.

Protestos do PCP e do BE.

Portanto, corrigiram um dos aspectos, mas esqueceram outro.
Mas também pretendem mais para o cônjuge que unilateralmente se queira divorciar do que para todos os outros, porque mantêm na lei a disposição que diz que «excepcionalmente por motivos de equidade o tribunal pode conceder alimentos ao cônjuge que a eles não teria direito considerando a duração do casamento e a colaboração prestada por esse cônjuge na economia do casal». O cônjuge não teria direito a esses alimentos, mas por razões de equidade, desde que tenha contribuído para o rendimento comum do casal, o tribunal pode atribuir-lhos.
Ora, no vosso projecto, desde que o requerimento seja a pedido de um só dos cônjuges, passa a ter automaticamente esse direito — aqui já não importa a equidade nem tem de ser o tribunal a ponderá-la. Isso faz-vos algum sentido? A nós não faz!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Para terminar, o exemplo que eu aqui trouxe refere-se a um arrolamento, não se refere à partilha. Sr.ª Deputada, é o artigo 1787.º-A novo, que pretendem para o Código Civil e que diz que «com o requerimento do divórcio a pedido de um dos cônjuges será necessariamente requerido o arrolamento (…)» medida cautelar «(…) dos bens próprios e comuns dos cônjuges».
Assim, no exemplo que lhe dei — e quem se casa não é a escrava Isaura ou qualquer outra, mas é a que resulta do vosso projecto —, permite-se que o Manuel case com a tal Isaura no regime de comunhão de adquiridos. O tal Manuel que está desempregado nada leva para o casamento; a Isaura leva as contas bancárias, leva a casa, o carro, tudo; o Manuel no dia seguinte quer divorciar-se, acha que aquilo já não lhe faz qualquer sentido, requer unilateralmente o divórcio e automaticamente tem de ser requerido o arrolamento dos bens.

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

Sr. Deputado, até por uma questão de cortesia — o senhor já reparou que estou com dificuldades em falar —, se me quiser ouvir agradeço-lhe imenso, se não quiser… Não estamos na Escola Carolina Michaelis, ainda não percebeu isso…

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Sr.ª Deputada, a verdade é que no dia seguinte o Manuel quer divorciar-se e automaticamente tem de requerer o arrolamento dos bens próprios do outro cônjuge, que nada tem com isso, não deu causa ao divórcio e foi o único que levou bens para o casamento. Isto faz-lhe sentido, Sr.ª Deputada? Não faz qualquer sentido! Para terminar, gostaria ainda de dizer que os senhores num outro projecto à parte tratam da questão da redução do prazo, numa base litigiosa, da separação de facto. Assim, Sr.ª Deputada, pergunto-lhe: a partir do momento em que passa a ser admissível o divórcio por vontade de apenas um dos cônjuges, sem dependência de prazo, sem ter de invocar qualquer causa, alterando-se normativamente, mas também em substância, a coerência do instituto do casamento no Código Civil, que sentido lhe faz o divórcio litigioso? E pergunto isto porque se a Sr.ª Deputada passa a ter a possibilidade do divórcio por mútuo consentimento e não sendo por mútuo consentimento porque o outro não quer, pode unilateralmente, no dia seguinte, requerer o divórcio, para que é que se mantém o divórcio litigioso e por que razão é que se há-de ponderar qualquer prazo? Deixa de fazer qualquer sentido, Sr.ª Deputada.
É também uma alteração da coerência lógica, mais do que normativa, do instituto do casamento no Código Civil, que não é um diploma qualquer, Sr.ª Deputada! É do Código Civil que se trata, que não se trabalha nem se altera «a retalho», como os senhores pretendem fazer. Por isso, votaremos contra o primeiro projecto e em relação a este daremos, ao menos, o beneplácito de que percebemos a motivação política com o Partido Socialista, pelo que vamos abster-nos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos.

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda, 10 meses depois, volta a trazer-nos um projecto de lei que propõe alterações ao regime jurídico do divórcio. O princípio subjacente às alterações propostas é o mesmo de há 10 meses: ninguém deve ser obrigado a manter-se casado contra a sua vontade.
Esta é também a doutrina do Partido Socialista. E não é de hoje. Recorrendo à citação do PS feita pelo Bloco de Esquerda, no último debate parlamentar sobre divórcio, podemos reafirmar a nossa doutrina sobre esta matéria e cito: «Não tem sentido o casamento contra a vontade de um dos cônjuges. O casamento é, cada vez mais, um contrato de afectos; é, cada vez mais, um contrato entre duas pessoas que só tem sentido enquanto ambas quiserem estar nesse contrato.» Esta era a doutrina do PS sobre o divórcio há 11 anos atrás.
Esta é a doutrina do PS, hoje.
Reconhecemos e saudamos o esforço feito pelo Bloco para encontrar respostas para algumas das críticas e dúvidas levantadas ao projecto de lei que apresentaram há 10 meses. Algumas dessas alterações são mesmo de louvar, como, por exemplo, o facto de nesta versão o processo de divórcio a pedido de um dos cônjuges correr junto de um tribunal, ou a preocupação de as alterações estarem inseridas no Código Civil e no Código de Processo Civil.
Mas apesar das alterações feitas subsistem dúvidas e discordâncias da nossa parte, não quanto ao objectivo mas sim quanto ao modo de o concretizar.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda é tímido onde não precisava de ser e é ligeiro onde não podia ser.

Aplausos do PS.

Apesar de criarem uma nova modalidade de divórcio, não terminam com o divórcio litigioso, o que não se percebe, até porque a nova modalidade proposta diminui a necessidade de recurso ao divórcio litigioso. Não terminam, portanto, com o divórcio fundado na culpa de um dos cônjuges. Com o projecto de lei do Bloco de Esquerda mantém-se a forma de divórcio-sanção, que tem, aliás, sido sistematicamente abandonada nos países europeus por ser, em si mesma, fonte de agravamento de conflitos, com prejuízos para os ex-cônjuges e para os filhos. O divórcio não deve ser uma sanção. Com este projecto de lei pode continuar a ser.
Na exposição de motivos do projecto que estamos a debater, pode ler-se: «A permanência da noção de culpa torna o divórcio mais intensamente doloroso. A noção de culpa em que o ónus da prova pertence ao

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requerente induz situações eticamente enfermas na medida em que obriga à exposição da intimidade e não raramente à provocação e construção de factos que constituam prova da violação dos deveres conjugais.» E mais à frente, ainda na exposição de motivos, pode ler-se: «O próprio conceito de divórcio litigioso comporta em si mesmo uma carga dramática que só contribui para o agudizar e o intensificar de conflitos, constitui mais uma aresta ao difícil processo, em termos pessoais, que é o divórcio.» Concordamos com esta análise. Infelizmente, o projecto de lei do Bloco ao não terminar com o divórcio litigioso, fundado na culpa, permite que estas situações possam continuar a acontecer.
É não só tímido onde não precisava de ser como é ligeiro na tutela das expectativas e na salvaguarda dos direitos do outro cônjuge. Vejam-se alguns exemplos: Primeiro, não está claro o que acontece quando um dos cônjuges viola os seus deveres conjugais e, antecipando-se ao outro, apresenta um pedido de divórcio segundo a modalidade de divórcio a pedido de um dos cônjuges, não dando assim hipótese para que o cônjuge ofendido possa recorrer ao divórcio litigioso — que é mantido no projecto de lei — e, assim, assegurar direitos que, de outra forma, não estão garantidos. Isto é, nada é dito quanto à reconversão de divórcio a pedido de um dos cônjuges em divórcio litigioso.

Aplausos do PS.

Segundo, conseguindo um dos cônjuges evitar o divórcio litigioso, mesmo violando os deveres conjugais, não se percebe por que é que ainda pode pedir alimentos ao cônjuge ofendido ao contrário do que acontece com as outras modalidades.
Não se percebe por que é que no que toca ao direito a alimentos a sua atribuição não depende de outros critérios para além do da dependência económica, como, aliás, pode acontecer nas outras modalidades de divórcio.
Terceiro, não se percebe por que é que, mantendo-se a modalidade do divórcio litigioso, o cônjuge que não pediu o divórcio (no caso do divórcio a pedido de um dos cônjuges), não tenha direito a receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de bens adquiridos. Percebe-se a regra para o cônjuge que pede o divórcio, já não se percebe para o outro. Pela nossa parte temos total concordância que se deva evitar que o divórcio se torne um meio de adquirir bens, para além da justa partilha do que se adquiriu com o esforço comum durante a constância do casamento.
Mas este princípio não é compatível com a manutenção do divórcio litigioso.
O Bloco de Esquerda ao limitar-se, praticamente, a inserir uma nova modalidade de divórcio, em vez de promover, em relação a esta matéria, alterações mais profundas, prescinde de criar um quadro legal coerente e coeso que, para além de assegurar a liberdade individual dos cônjuges, salvaguarde as expectativas e os direitos do cônjuge que não pediu o divórcio.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda é tímido onde não precisava de ser e é ligeiro onde não devia ser.
O objectivo é partilhado por nós, mas o PS quer mais.
Ninguém deve permanecer casado contra a sua vontade — isso é mau para o próprio, é mau para o outro, é mau para os filhos, é mau para a instituição casamento. Mas o que também não queremos é que a liberdade individual que queremos garantir signifique desprotecção do outro. Não queremos e não é necessário que assim tenha de ser.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Nuno Santos, ouvi a sua intervenção criticando alguns aspectos e saudando outros do projecto de lei do Bloco de Esquerda.
Em primeiro lugar, permita-me recordar-lhe que este projecto de lei foi apresentado nesta Assembleia da República há 10 meses atrás — tinha os mesmos princípios e as mesmas convicções — e agora foi alterado e melhorado, tendo em consideração muitas das críticas feitas.
Queria dizer-lhe, Sr. Deputado, que fiquei um bocadinho baralhada sobre que Partido Socialista é que aqui está a fazer o debate com o Bloco de Esquerda.

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O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem! Muito oportuno!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — É o mesmo!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Gostaria de pedir ao Sr. Deputado Pedro Nuno Santos para ler as actas do último debate e a intervenção feita em nome do Partido Socialista — por acaso, a Sr.ª Deputada não está presente na Sala, porque deve estar em actividade parlamentar, tanto quanto sei, mas é pena.
Há 10 meses atrás o Partido Socialista acusava o Bloco de Esquerda de querer afrontar o núcleo fundamental do casamento e hoje o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos veio dizer, da tribuna, que somos tímidos e que não queremos acabar com o divórcio litigioso.

Vozes do BE: — Muito bem!

Protestos do PS.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Inclusivamente, o Sr. Deputado Strecht Ribeiro, que foi aqui citado pelo Sr. Deputado Fernando Rosas, naquela altura nada disse.
Mas, Sr. Deputado, sejam bem-vindos a esta causa!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — A Sr.ª Deputada é que é bem-vinda!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Mais vale tarde do que nunca! Ainda bem que vieram! Sr. Deputado Nuno Santos, como o tempo não é muito, não posso referir-me a todas as questões. Em relação a algumas delas, eventualmente, o Sr. Deputado terá razão e o projecto de lei do Bloco de Esquerda ainda pode ser melhorado e aperfeiçoado.
Sr. Deputado, gostaria que tentasse justificar a mudança de 180º da parte do Partido Socialista. Porque, Sr. Deputado, reapresentámos o projecto de lei partindo do debate realizado e da posição do Partido Socialista e não com base em ficções. São os senhores que dizem que querem terminar com o divórcio litigioso, mas depois consideram que a grande falha do projecto de lei do Bloco de Esquerda é que não contempla a possibilidade de divórcio litigioso.

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — É uma contradição!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — A questão que lhe deixo é muito simples, Sr. Deputado Pedro Nuno Santos.
Se vamos melhorar os projectos de lei do Bloco de Esquerda, a bancada do Partido Socialista está com certeza disposta a votá-los favoravelmente.

Aplausos do BE.

Vozes do PS: — Isso é que era bom…!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos.

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, o Partido Socialista chumbou o projecto de lei há 10 meses e o Bloco de Esquerda, 10 meses depois, dá razão às críticas e às dúvidas suscitadas pelo PS há 10 meses.

Vozes do BE: — Não! Não!

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Tanto dá razão que fez alterações que vão de encontro a algumas das críticas que foram feitas.

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso é falso!

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Portanto, o Bloco de Esquerda reconhece, 10 meses depois, a validade do voto do PS há 10 meses atrás.
O divórcio litigioso é mantido pelo Bloco de Esquerda no seu projecto de lei. E a forma como a Sr.ª Deputada reage só nos pode levar a uma conclusão: o Bloco de Esquerda está, neste momento e neste debate, envergonhado por não ter conseguido ser capaz de apresentar um projecto de lei tão avançado como a proposta que o Partido Socialista aparece agora a defender.

Aplausos do PS.

Vozes do BE: — Qual proposta? Onde está?

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Apesar da evolução na posição do Bloco de Esquerda, o seu projecto de lei continua a apresentar falhas e a suscitar dúvidas e críticas ao Partido Socialista.
Não nos satisfaz na plenitude a proposta que o Bloco de Esquerda apresenta ao Plenário.

Aplausos do PS.

Protestos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que um debate sobre esta matéria deve ser mais focado no interesse da sociedade e no interesse das pessoas do que na polémica circunstancial que travamos aqui, entre os grupos parlamentares.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Julgo, portanto, que o resultado deste debate deve ser o de, na medida do possível e perante a vontade maioritária desta Câmara, fazermos uma lei boa para as pessoas e para a sociedade.
Quero dizer, em relação a esta matéria, quais são os princípios estruturantes do Partido Social-Democrata.
Somos um partido que privilegia as pessoas, o indivíduo, a plenitude da pessoa humana — é uma pedra angular do nosso partido.
Somos um partido que não desconhece a importância da família — pelo contrário, releva-a — enquanto célula importante e fundamental da sociedade.
Somos um partido reformista e, portanto, não recusamos a evolução social, tudo aquilo que representa o passar do tempo e que são avanços em termos sociais, sobre os quais devemos, com responsabilidade, actuar.
O Partido Social-Democrata é, por isso, um partido que quer, nesta matéria, não recusar a modernidade, mas não actuar com irresponsabilidade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — E, por isso, nós olhamos, compreensivelmente, com olhos diferentes para os dois projectos que temos hoje, aqui, em análise.
E permitam-me que vos diga, Srs. Deputados do Bloco de Esquerda — não é qualquer remoque, mas é para, de alguma forma, responder a algumas das afirmações que já foram feitas neste debate —, que ainda bem que passaram estes 10 meses. Porque é preciso reconhecer de boa fé que VV. Ex.as têm, hoje, aqui, nesta Assembleia, um projecto muito diferente daquele que trouxeram há 10 meses atrás.

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Do nosso ponto de vista, não é satisfatório, mas, segundo os senhores próprios confessaram (ainda bem, porque é assim que devem ser feitos estes debates parlamentares), é um projecto muito diferente daquele que tinham há 10 meses atrás e, do meu ponto de vista, bastante mais responsável do que aquele que existiu aqui há 10 meses atrás, justamente em resultado do debate parlamentar que aqui foi feito. Os senhores tiveram em consideração um conjunto de reparos, alguns deles vindos concretamente da nossa bancada, incorporaramnos neste projecto e, portanto, têm hoje uma versão bem diferente da que tinham há 10 meses atrás — e sublinho este ponto: apesar de tudo, no meu entendimento, não suficientemente satisfatório (mas já me referirei a isso).
Queria, portanto, dizer que olhamos para estes dois projectos de lei de duas formas diferentes.
Em relação ao projecto de lei n.º 486/X, que altera o prazo da separação de facto para efeitos de obtenção de divórcio, queria dizer que compreendemos a proposta do Bloco de Esquerda em relação a esta matéria.
Entendemos os propósitos, percebemos a fundamentação, entendemos que esta proposta corresponde a situações concretas que são difíceis e que afectam muitas pessoas na sociedade e julgamos que esta proposta merece uma consideração ponderada.
Queria, pois, dizer ao Plenário da Assembleia da República que o Partido Social-Democrata entende estas razões e estas questões propostas no projecto de lei n.º 486/X, as quais merecem uma ponderação criteriosa.
Situação bem diferente é aquela que decorre do projecto de lei n.º 485/X, o projecto de lei que cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges.
Tenho de fazer aqui um parêntesis para dizer o seguinte: eu entendo que, em matérias com esta complexidade, na Assembleia da República nada ganhamos em ter um processo legislativo como aquele que ocorre neste momento. É porque nós recebemos este projecto de lei há um dia e meio; repito, há um dia e meio! Estamos hoje a discutir, no uso de um direito regimental do Bloco de Esquerda, um projecto de lei que tem muitas diferenças em relação ao projecto de lei anterior numa matéria que é relevantíssima do ponto de vista social e do ponto de vista das pessoas a quem se dirige esta regulamentação. Nós não estamos a fazer aqui um debate de oportunidade política, cuja consequência pode ser só a expressão das nossas vontades políticas!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Estamos, aqui, a discutir um projecto que, se aprovado, tem consequências directas na sociedade, nas pessoas e nas relações familiares daqui a três meses.
Ora, esta Assembleia tem o dever primeiro de ponderar bem todas as consequências que decorrem deste projecto.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Não é possível fazer essa ponderação cuidada em 36 horas!! Mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados: se algo em democracia pode afectar a credibilidade dos Parlamentos penso que passa, porventura, por fazermos processos legislativos como o que aqui temos em matérias como esta.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Porque em matérias de muito menor complexidade e abrangência nós esgotamos — e bem! — tempo a ouvir especialistas, a recolher pareceres, a ouvir psicólogos,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Tem toda a razão!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — … sociólogos, a ponderar e a reponderar as coisas, porque se trata de assuntos sérios para o dia-a-dia das pessoas.

Aplausos do PSD.

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Devo dizer, em absoluta honestidade intelectual, que não tenho, em 36 horas, capacidade suficiente para fazer toda a ponderação de todas as alterações e de todas as consequências que decorrem deste projecto de lei.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Tenho de o dizer em abono da verdade e com plena honestidade.
Portanto, vou colocar a este propósito algumas questões que julgo serem pertinentes e que devem merecer essa ponderação, com responsabilidade, da Assembleia da República.
Uma das primeiras questões que já foi colocada é a de saber se com este regime que é proposto pelo Bloco de Esquerda faz sentido subsistirem três formas de processo, ou seja, a forma processo de divórcio por mútuo consentimento, a forma de processo litigioso — estas duas, como é sabido, já existentes hoje na lei — e agora uma terceira, um tertio genus, que é a forma de processo a pedido de um dos cônjuges.
Esta questão é importante, não é irrelevante: saber se devem existir três ou apenas duas; se porventura as preocupações que o Bloco de Esquerda aqui incorpora neste projecto de lei não poderiam, com vantagem, estar subsumidas numa das outras formas de processo sujeitas a regulamentação própria específica,tendo em conta e como preocupação os objectivos que o Bloco de Esquerda prossegue com esta iniciativa.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Esta primeira questão é uma questão importante e não é uma questão de somenos. É porque, como veremos adiante, vai ter consequências em algumas das matérias que levantam, e que já levantaram aqui, fundadas dúvidas sobre algumas das questões que aqui estão controvertidas.
Primeiro ponto: a questão que o Deputado Nuno Melo colocou há pouco na interpelação que fez à bancada do Bloco de Esquerda. Também me parece excessivo que nesta nova forma de processo proposta pelo Bloco de Esquerda se possa, se deva, se tenha de fazer imediatamente o arrolamento dos bens no momento em que se faz o requerimento do pedido unilateral de divórcio, tal como previsto no projecto do Bloco de Esquerda. É porque fazer este arrolamento tem consequências imediatas, e parecem-me consequências absolutamente excessivas em relação àquilo que o próprio Bloco de Esquerda pretende no seu projecto. Julgo que isso merecia uma ponderação cuidada.
Segundo ponto: a questão colocada pela bancada do Partido Comunista, pelo Deputado António Filipe e, do meu ponto de vista, bem colocada. Sendo tantas as exigências, designadamente a questão da regulação do poder paternal, no momento em que se requer unilateralmente o divórcio por uma das partes nesta nova forma de processo, que espaço fica para que esse divórcio não possa ser convolado num divórcio por mútuo consentimento ou irremediavelmente atirado para um divórcio litigioso?

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Exactamente!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Esta é também uma questão importante à qual se deve dar resposta. É porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, numa disputa destas — eu não tenho grande experiência de fazer processos de divórcio, mas tenho a experiência do senso comum e daquilo que me dizem muitos colegas que são advogados e que trabalham directamente nesta área. — o tempo não é indiferente. Com o tempo acresce a dor, acresce o custo e muitas vezes acresce a radicalidade naquilo que fica de uma relação conjugal.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Ora, nós temos de ter a noção de que a lei não pode contribuir para acrescentar «arestas» no momento em que essas «arestas» são mais visíveis porque é o momento da dissolução de uma relação conjugal.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Do meu ponto de vista, em algumas das normas que aqui estão isso acontece.
Terceiro ponto: os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda tiveram oportunidade de dizer aqui o seguinte: «Nós não queremos o divórcio assente na culpa». Mas deixem-me dizer-vos que estranho que os senhores mantenham neste projecto de lei uma norma que é directamente retirada da regulação do divórcio assente num processo litigioso, em que é atribuída a culpa a um dos cônjuges, e que é aquela que resulta do facto de os bens patrimoniais a dividir na pendência desse divórcio não poderem ser nunca diferentes da forma que resultava do casamento em regime de bens adquiridos.
Essa norma é um afloramento dessa noção do divórcio por razões de culpa imputável directamente a um dos cônjuges. E os senhores não conseguem expurgar toda esta matéria do vosso projecto justamente porque encontraram uma terceira forma de processo de divórcio que, em grande medida e em algumas áreas, é sobreposta em relação àquilo que resulta do processo por mútuo consentimento ou do processo litigioso.
Quarto ponto: há algumas consequência perversas — já aqui foi chamada a atenção para essa situação — que devemos ponderar bem no momento de fazer uma lei como esta. Há direitos que emergem, ou podem emergir, do casamento. Vou dar um exemplo: o direito de nacionalidade. Alguém adquire por casamento o direito a ser nacional português. Nos termos deste projecto, quem adquiriu esse direito por via do casamento pode, no dia a seguir, unilateralmente requerer o divórcio e continuar a beneficiar, porque é esse o regime que temos, da nacionalidade adquirida ao abrigo do casamento que realizou?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ou da residência!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Este é um resultado querido pelo Bloco de Esquerda nestas circunstâncias? Os senhores ponderaram bem neste projecto de lei uma situação que pode ser um resultado perverso desta legislação? Tem a ver com o seguinte: alguém, ao abrigo da lei, viola dolosamente, culposamente, os deveres que a lei consagra como deveres resultantes do contrato de casamento celebrado.
Nos termos normais, esse alguém pode, hoje, e também nos termos do vosso projecto de lei, ser demandado em tribunal no âmbito de um processo litigioso e, nos termos da lei, que os senhores não alteram, pode ser considerado o principal culpado no divórcio que venha a ser decretado. Isto tem consequências, muitas consequências.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Pois tem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Podem ser consequências a nível patrimonial, por exemplo, a nível de pagamento de indemnização a título de dano moral. Ora, com esta terceira forma de processo de divórcio, alguém que, dolosamente, violou esses deveres e que, quase inevitavelmente, vai ser condenado nessas consequências, antecipa-se e, unilateralmente, mete um processo de divórcio e, nos termos do vosso projecto de lei,…

Protestos da Deputada do BE Helena Pinto.

… fica eximido da responsabilidade que a lei consagra e que os senhores não querem que deixe de consagrar. São estas consequências que temos de ponderar.
Em nosso entendimento, a Assembleia, em relação a esta matéria, não pode ser ligeira na apreciação de todas estas consequências, umas queridas e outras não queridas — e acredito na boa fé dos proponentes! —, umas perversas e outras porventura não antecipadas.
Do meu ponto de vista, numa matéria com a importância desta, com os valores que aqui estão em jogo, temos de ter mais tempo para ponderar tudo isto.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, uma questão prévia em relação ao tempo para estudo destas iniciativas legislativas: sendo um direito regimental dos vários grupos parlamentares — aliás, o Partido Social-Democrata fê-lo ultimamente, dando conhecimento das suas próprias iniciativas legislativas praticamente às vésperas dos debates, mesmo quando incidem sobre temas mais gerais —, nós cumprimos o prazo de 48 horas de antecedência.
Gostaria de lhe dizer que tive o cuidado de entregar em mão própria estas iniciativas a todos os líderes parlamentares fez ontem oito dias, exactamente porque se metia a quadra da Páscoa e percebi que seria necessário um tempo mais alargado para o estudo. Portanto, há mais de uma semana que a sua bancada dispõe dos textos em debate.
Em todo o caso, creio que a sua intervenção foi uma boa comprovação da necessidade do trabalho legislativo.
Estamos a fazer um debate na generalidade e as alterações, a que se referiu positivamente, propostas pelo Bloco de Esquerda nestas iniciativas legislativas têm a ver com o debate de há 10 meses. Ou seja, perdemos muito tempo! Poderíamos ter feito todas essas alterações em sede de especialidade e, hoje, eventualmente, já teríamos uma lei modernizadora do divórcio, uma alteração ao Código Civil absolutamente necessária à vida moderna, a uma nova vida relacional entre as pessoas no domínio da conjugalidade.
Portanto, quanto às objecções que faz, algumas não relevam sequer do texto — lê-lo-á melhor, com mais tempo… — e, quanto a duas delas, respondo-lhe desde já que têm substância política.
As alterações que se fazem em sede do Código Civil dizem respeito ao regime de divórcio, quanto às que se querem obviar por, eventualmente, serem perversas do ponto de vista da aquisição de nacionalidade, nessa superveniência, serão vistas em sede da Lei da Nacionalidade. Não vamos enviar para o Código Civil todas essas alterações e outras que existirão eventualmente em relação ao regime de divórcio.
Passemos à questão que colocou acerca dos regimes de divórcio que propomos.
Faço a justiça de compreender que a bancada do Partido Social-Democrata está no século XXI e não exactamente como a do CDS, que ainda não chegou ao século XXI…

Protestos do CDS-PP.

O nosso ponto de partida é o de que o Partido Socialista, força maioritária, disse nesta sede, há 10 meses, que não abdicaria da modalidade do regime de divórcio litigioso.

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Não disse nada disso!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mais: comprometeu-se, num prazo razoável mas que já passou para irrazoável, a fazer uma única coisa que era diminuir os prazos relativos ao divórcio litigioso. Foi esta a única coisa com que o Partido Socialista se comprometeu.
O Bloco de Esquerda, responsavelmente, não só reapresenta as propostas, com melhorias e atendendo a várias observações críticas de diversas bancadas, exactamente para que consigamos criar uma lei que possa ser maioritariamente aceite pela sociedade portuguesa, mas entendemos que o nosso desejo de criar uma terceira modalidade de divórcio, a pedido de um dos cônjuges,…

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … não podia esbarrar na tentativa de melhorar as circunstâncias de milhares de casais cujas vidas se encontram interrompidas fruto da exigência legal de separação efectiva pelo prazo de três anos.
Aliás, Sr. Deputado — e com isto concluo, Sr. Presidente —, se virmos bem, a modalidade de divórcio litigioso já comporta duas subespécies, a dos divórcios que decorrem da separação efectiva e aquela outra do divórcio litigioso puro e duro.

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Entendemos que não devemos estar a confundir ainda mais o regime do divórcio litigioso mas, sim, criar esta terceira modalidade, como se fez em Espanha, país onde foram ponderadas todas as soluções jurídicas.
O Partido Socialista é que nada pondera, nada! Há 10 meses, isto era inconstitucional, agora, querem criticar-nos por termos uma solução moderada — imagine-se!...
O que solicito à bancada do Partido Social-Democrata é que não aja involuntariamente a favor desta maioria.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Ou seja, ao ajudar a viabilizar a baixa à Comissão para apreciação na especialidade dos nossos projectos de lei, independentemente da distância crítica que se possa ter, discutiremos os conteúdos, mas assim não viabilizam uma iniciativa feita por cima de toda a lealdade parlamentar que é a que o Partido Socialista nos apresenta hoje, aqui.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, ouvi as palavras de V. Ex.ª.
Julgo que, justamente, a ponderação de matérias tão importantes como esta passa por se fazer o trabalho adequado do ponto de vista parlamentar, por forma a que habilitemos o País e os cidadãos com a melhor lei possível sobre esta matéria.
Não vou meter-me nos remoques entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista, são «contas de outro rosário», esse é outro tipo de «casamento» no qual não quero meter-me.
No entanto, Sr. Deputado, queria dizer que algumas das objecções e perplexidades que aqui coloquei estão entre tantas outras que existem decorrentes deste projecto de lei. E não se menorizem nem menosprezem as objecções que aqui ouvimos da parte do Partido Socialista, do Partido Comunista Português ou do CDS-PP, expressas, evidentemente, com a sensibilidade própria sobre estas matérias que tem a ver com as questões ideológicas e a mundividência de cada um, mas é disso que é feita a riqueza da sociedade e do debate parlamentar. Repito: não menorizemos nem menosprezemos essas questões.
Sr. Deputado, não nos coloquemos aqui na lógica, puramente parlamentar, de oposição democrática.
Assim, atente bem em que algumas das consequências perversas, que foram enunciadas por mim próprio e por outros como podendo resultar deste projecto de lei, não me afectam a mim ou a qualquer de um de nós aqui presente mas afectam, sim, os cidadãos e a sociedade.
Os senhores, como legisladores responsáveis que são, querem também contribuir para que a lei que saia desta Assembleia da República seja a melhor possível para a sociedade.
Portanto, Srs. Deputados, os senhores já foram os propulsores desta lei. Não queiram agora impedir, do ponto de vista político, que se faça a sensata ponderação de todos os valores em causa para que daqui possa resultar uma boa lei para a sociedade e para os cidadãos. É isso que pedimos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Deputados do Partido Socialista, quem lesse a imprensa concluiria rapidamente que este era um agendamento potestativo do Partido Socialista, o qual tem uns projectos de lei relativos à alteração do regime jurídico do divórcio. Mas desconhecemo-los. Viemos para este debate tendo sabido por terceiros, a imprensa, que os projectos de lei do PS contêm um conjunto de normas que desconhecemos na totalidade.
É curioso, Sr. Presidente, que o Partido Socialista até se arrogue a faculdade de fazer uma intervenção política, em Plenário, citando um projecto de diploma inexistente, desconhecido das outras bancadas,

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desconhecido da Mesa da Assembleia da República, desconhecido de toda a gente. Aliás, é de iniciativa do Partido Socialista o anúncio de um agendamento potestativo na sequência de um outro.
Por que é que o Bloco de Esquerda traz este assunto a debate? Não porque queira atribuir vários remoques à bancada do Partido Socialista ou a qualquer outra, mas por algo muito mais importante na lógica da democracia e do debate parlamentar. Tornou-se insuportável para o Partido Socialista que os outros partidos possam ter iniciativas positivas, pois estas são imediatamente absorvidas, torcidas, distorcidas para que o Partido Socialista imponha, sem qualquer mea culpa — e aqui é que há uma violação dolosa dos deveres do Partido Socialista —, o que disse há 10 meses neste Parlamento.
O Partido Socialista deveria explicar por que é que dizia, há 10 meses, que a modalidade de divórcio a pedido de um dos cônjuges (a qual desconhecemos, pois só se conhece a proposta do Bloco de Esquerda) era inconstitucional e hoje diz já não ser...
Vejo que o Deputado Alberto Martins folheia alguns pareceres de constitucionalistas, mas ainda não nos deu o brilho da sua intervenção para obviar às considerações negativas de há 10 meses atrás.
Seria um debate com a máxima seriedade política saber-se como é que caíram as objecções de inconstitucionalidade da parte do Partido Socialista.
Queríamos também perceber como é que o Partido Socialista equaciona, hoje, o conceito de culpa, com que alterações no Código Civil. Essa seria também uma participação útil neste debate.
A circunstância de os Srs. Deputados do Partido Socialista virem, pura e simplesmente, com a sua maioria, tentar eliminar a iniciativa de um outro grupo parlamentar, sobrepondo intenções, sem factos, sem coisa alguma, em vez de permitir a existência um debate contraditório acerca das propostas, é que é verdadeiramente lamentável e inaceitável! Poderíamos até seguir o caminho, um pouco desagradável, de reler todas as afirmações que os Deputados de primeira fila do Partido Socialista fizeram no último debate e verificar como estão em completa contradição — e ainda bem, porque isso significa que algo evolui, algo muda — com tudo o que hoje lemos na imprensa matinal.
É extraordinário que o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos tenha aqui dito coisas absolutamente no vazio! Não sei se percebeu, mas esteve a pôr em causa coisas que foram ditas por alguns dos Deputados que estão sentados ao seu lado!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Está enganado!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O Sr. Deputado veio defender, em causa completamente «alienígena», coisas que não têm o menor sentido! É por isso que fazemos, talvez infrutiferamente, um repto à bancada do Partido Socialista: aceitem o debate parlamentar! Aceitem que há mais do que a maioria! Aceitem que se pode fazer um processo legislativo com a contribuição de todos! Não tentem impor, bem ou mal, a tempo ou a destempo, apenas aquilo que é uma ditadura do conceito da maioria num determinado momento conjuntural,...

Aplausos do BE.

… aquilo que é a falsa consciência e a falsa autocrítica do Partido Socialista neste momento! Permitam que haja um debate com os vários projectos de lei. O Partido Socialista vai apresentar também um projecto de lei?! Magnífico! Cá estaremos para o discutir. Se encontrarmos — de certeza encontraremos — pontos positivos nesse novo projecto, isso significa uma alteração, uma evolução do Partido Socialista! Magnífico! Mas não façam o que estão a fazer, que é fingir, perante o País, que o agendamento de hoje é do Partido Socialista — e a culpa não é da comunicação social, é do Partido Socialista — e, pela «porta das traseiras», pura e simplesmente tentar inibir as alternativas dos outros partidos.
Neste contexto, com o maior respeito pela qualidade crítica e pela observância de princípios a que o Partido Social Democrata aludiu, reafirmamos que há, no interesse comum desta Casa da democracia, qualquer coisa sensível a todas as bancadas, que é não permitir a esta maioria que, em quaisquer circunstâncias, possa apor uma espécie de veto por terceiros às iniciativas que são apresentadas, e que, como se vê, têm eco na sociedade portuguesa, não foram um capricho do momento, mas um trabalho

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continuado e uma manifestação de boa fé política e de avanço de direitos de cidadania. É sobre estes fundamentos que o debate deveria assentar, o que não aconteceu até agora, pois o Partido Socialista não respondeu. Porém, esperemos que o faça e, Sr.as e Srs. Deputados, mantenho a maior curiosidade em relação aos argumentos jurídico-constitucionais do Sr. Deputado Alberto Martins!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Fazenda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, compreendo bem o Bloco de Esquerda. E compreendo que o Bloco de Esquerda não conviva bem com os compromissos que o Partido Socialista assume, com a responsabilidade que tem para com esses compromissos. Ora, comprometeu-se há 10 meses que apresentaria um projecto sobre esta matéria, estando a sua discussão agendada para o dia 16 de Abril.
O que é verdadeiramente inaceitável, Sr. Deputado, é que o Bloco de Esquerda, à falta de melhores argumentos para discutir o seu próprio projecto, venha atacar a bancada do Partido Socialista com coisas tão simples como dizerem «aceitem o debate parlamentar»! Sr. Deputado Luís Fazenda, o que o Partido Socialista lhe pede é que também aceite o debate parlamentar, que aceite discutir esta matéria e que aceite que o seu projecto baixe à comissão sem votação para que, assim, todos os projectos possam ser discutidos em pé de igualdade no momento próprio, na comissão especializada. O Bloco de Esquerda não quer esta discussão, porque, isso sim, seria viabilizar o debate democrático, insistindo teimosamente em que se proceda hoje à votação.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, falsa consciência é não querer o debate e imputar aos outros o que se quer ver no seu espelho.
Pergunto ao Sr. Deputado Luís Fazenda se quer discutir o projecto do Partido Socialista, que, garanto, será seguramente mais avançado, menos tímido e mais progressista do que aquele que o Bloco de Esquerda apresenta hoje.
Está o Bloco de Esquerda disponível para o verdadeiro debate democrático e para aceitar a baixa à comissão do seu projecto de lei, sem votação, e assim discurtimos em pé de igualdade todos os diplomas?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, convivo mal com as promessas do Partido Socialista, como é notório…

Vozes do PS: — Oh!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mas é normal, porque o PS ainda convive pior com as suas promessas.
Portanto, deixemos esse assunto de lado. A questão não é essa, Sr.ª Deputada! É inédito na vida parlamentar, nestas circunstâncias, «plantar» um agendamento potestativo em cima de outro agendamento potestativo. Trata-se, evidentemente, de um «golpe» da maioria parlamentar, o que não pode passar em claro.
É extraordinário que a Sr.ª Deputada vá votar os seus projectos no agendamento potestativo do seu partido e esteja a pedir a uma força como o Bloco de Esquerda que concorde em baixar os seus sem votação. É absolutamente extraordinário! Onde é que está o seu sentido de equidade? Não existe, neste contexto.
A Sr.ª Deputada diz-nos que o seu partido vai apresentar um projecto mais avançado, mais progressista.
Venha ele, cá estaremos! Mas cuide-se, porque nós, em sede de especialidade, iremos apresentar propostas

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bem mais progressistas, bem mais ousadas e bem mais avançadas! E não é preciso muito para que seja assim. Basta só seguir mais de perto a lei de Zapatero! E se nos abrem esse caminho, cá estaremos! Mas, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, gostaria de saber como é que a objecção jurídico-constitucional do Partido Socialista «caiu» e não nos conseguem dizer nada sobre isso neste debate!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Strecht.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há 12 anos, se a memória não me trai, o Bloco de Esquerda ainda não existia, estava no «útero», à espera do nascimento.

Protestos do BE.

Pois bem, há 12 anos, o Partido Socialista disse nesta Câmara que não há casamento contra a vontade de um dos cônjuges — disse, diz e dirá!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Mas há 12 anos que estamos à espera!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Mas o Partido Socialista sabe — o que, pelos vistos, o Bloco de Esquerda não sabe — que, além do vínculo conjugal, questão estrita aqui trazida quanto à sua dissolução, há direitos e deveres contratualmente assumidos. E nem sequer é preciso falar da teoria geral das obrigações (porque é área intocada, e era o que faltava que o não fosse!), segundo a qual os contratos são para cumprir pontualmente.
É evidente que a vossa irresponsabilidade há 10 meses é menor 10 meses depois. Mas a vossa gula, a vossa ansiedade em potestativamente tapar o caminho a um projecto mais consistente, mais adulto, levou-vos a não eliminar defeitos do projecto inicial.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Tapar o caminho a um projecto de lei que não existe!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — E não é só o Partido Socialista que o diz! É que foi lapidar a intervenção do PCP, foi lapidar a intervenção do CDS, foi lapidar a intervenção do PSD e também, é claro, foi lapidar a intervenção do PS. A vossa bancada não foi capaz, por leviandade, de resolver os constrangimentos que impediram, há 10 meses, uma sequência lógica, normal, adulta do tratamento desta questão.
Os senhores não percebem, não querem perceber que uma questão é não estar casado contra-vontade e outra questão é a que decorre dos direitos e dos deveres assumidos, livre e conscientemente, e de boa fé, pelas partes, que, assim, deliberaram contratar, de forma solene, de forma mais solene do que aquela que assume um mísero contrato de compra e venda de um isqueiro numa tabacaria.
Os senhores não perceberam, vieram a reboque das críticas das bancadas parlamentares — é essa a vossa incapacidade — e corrigiram. Nós, bondosamente, elogiámos essa vossa caminhada… Bondosamente, bondosamente…

Aplausos do Deputado do BE Francisco Louçã.

Os senhores precisam da nossa bondade,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Grande bondade!…

O Sr. Jorge Strecht (PS): — … precisam! E digo-vos mais: num Estado de Direito democrático, as «ditaduras» não são das minorias.

Protestos do BE.

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Era o que faltava que, num Estado democrático, VV. Ex.as tivessem a pretensão de ditar. Os senhores aqui são pares de todos os demais. E a votação final é a que decorre do resultado da votação maioritária desta Câmara.
Portanto, se querem marcar agenda, não contam connosco, porque não estamos aqui para marcar a agenda de quem quer que seja. Estamos aqui, como muito bem disse o Deputado Miguel Macedo, para resolver coisas sérias, que atinam com os direitos das pessoas e os direitos sociais. Esta é uma questão séria que nada tem a ver com as vossas pretensas roturas vanguardistas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Quem disse que era vanguardista foi a Deputada Ana Catarina Mendonça!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Portanto, fiquem cientes disto: quando apresentarmos o projecto, fruto do anúncio que à época fizemos, isto é, de que o apresentaríamos (e apresentaremos), fá-lo-emos de forma ousada e responsável. Já os senhores fazem-no de uma forma tímida. E tímida, porquê? Porque, como foi salientado por todas as bancadas, não ousam romper com o conceito de divórcio com culpa. São tímidos, são recuados e são ainda (menos, mas ainda um bocadinho) irresponsáveis no que toca à resolução dos direitos conexos. Quando os senhores mexem num instituto, não podem, a não ser que sejam irresponsáveis, ignorar os reflexos jurídicos dos demais institutos do Código Civil.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Estamos para ver a vossa radicalidade!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — É isso! Para terminar, digo-lhes mais: se os senhores querem, de facto, discutir de forma séria uma questão que afecta de forma séria as pessoas e a sociedade, estaremos todos (todas as bancadas estão, pelo que entendi) interessados em fazê-lo de uma forma séria. Mas se os senhores só querem «cavalgar a onda», não «cavalgam» coisa nenhuma, não «cavalgam»!

Protestos do BE.

Os senhores não têm a maioria da representação neste Parlamento — o País não vos deu essa representação e nós não vos daremos essa representação — e será a maioria deste Parlamento que decidirá sobre o que é a solução bondosa para esta questão.
Da nossa parte, não terão qualquer tipo de comiseração. Portanto, vão ter de resolver, conjuntamente com os demais parlamentares, esta questão. Isto, tendo nós a certeza de que, provavelmente, com um pouco mais de esforço talvez cheguem — finalmente! — ao sítio certo, ou seja, à resolução justa das questões que decorrem da dissolução do matrimónio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É tão raro o Parlamento ter o prazer de ouvir o Deputado Jorge Strecht,…

Vozes do PS: — Oh!…

O Sr. Francisco Louçã (BE): — … que não podemos deixar de aproveitar e de saudar esta oportunidade.
Mas quero concentrar-me não sobre qualquer destes aspectos de pequenas tricas — tão bondosas que elas são!… —, mas sobre a substância do que aqui estamos a discutir.
Propôs o PSD que houvesse um conjunto de audições e que considerássemos as dificuldades de fazer uma boa lei numa matéria tão sensível. A resposta do Bloco de Esquerda é positiva: é assim que deve ser feito.

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Por isso é que, ao longo destes 10 meses, ouvimos e trazemos o princípio de um processo legislativo que aqui se deve desenvolver.
Mas, ao fazê-lo, estamos conscientes da necessidade de uma mudança de paradigma da lei.
Na verdade, a questão a que temos de responder é esta: deve o Estado e devem as leis obrigar um casamento entre duas pessoas em que uma delas não se quer manter unida por aquele contrato? Deve, portanto, a lei impor um casamento unilateral? Deve a lei forçar as pessoas? Deve, por isso, o casamento ser uma obrigação? Pode estar-se casado contra a vontade ou sem a vontade? É o casamento um castigo? Respondendo a isto, o Bloco de Esquerda propõe que possa introduzir-se, pela ruptura da vontade de uma das partes, o processo judicial que conduza ao divórcio. E fazemo-lo com toda a responsabilidade e com toda a seriedade, reconhecendo que a ideia do casamento perpétuo, como obrigação, é uma ideia recente, rejeitada por muitas das civilizações, só muito recentemente imposto e mais recentemente, na época da modernidade, posto em causa.
Sabem os Srs. Deputados que quando um bando de maltrapilhos que representava a República Francesa venceu o maior exército do mundo, o exército prussiano, em Valmy, em 1792, que foi nesse dia que a Assembleia da República Francesa aprovou o divórcio. Tanto tempo depois, ainda estamos a discutir se é ou não possível o exercício supremo da responsabilidade que é dizer «eu não me reconheço neste contrato, não posso prosseguir e, por isso, o que é responsável é a separação».
Deste ponto de vista, o que o Bloco de Esquerda pretende simplesmente é retirar a perseguição da culpa, retirar a litigância culpabilizante desse acto de responsabilidade.
E o PS, que é tão ousado num projecto que não apresentou a ninguém, anuncia-nos que vai agora fazer o que há 12 anos sabe que deveria ter feito.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Exactamente!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Orgulha-se de ter esperado 12 anos. Grande orgulho podem ter!… A nós importa-nos a resolução.
Diz um jornal: «Projecto socialista faz desaparecer divórcio litigioso. Motivação suficiente: separação de facto, violência doméstica, violação de direitos». O que é isto senão a culpa?

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Isto é para rir!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — A violência doméstica já é crime. É tanto culpa que é crime punível com prisão! Depois temos a violação de direitos e a separação de facto. Ou seja, para haver divórcio por vontade de uma pessoa não basta, para o PS, invocar a vontade, é preciso haver uma causa,…

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Tem de ser violenta!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — … perseguir uma culpa, acusar o outro.
Não, Sr.as e Srs. Deputados! Nós queremos simplesmente que a responsabilidade seja: acabou a perseguição, o divórcio decorre da falta de vontade de uma parte e de não poder haver a obrigação desta forma de litigância.
Anunciam-nos a grande ousadia de um projecto que não é conhecido e dizem-nos que ele retira a culpa, mas o que vemos é que mantém a culpa, a culpabilização e a perseguição. Ora, isto não é possível aceitar.

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Não é nada disso!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Para um acordo estamos disponíveis. Queremos resolver o problema. Se há convergência sobre esta matéria, 12 anos depois, venha ela! Somos os primeiros a saudá-la. Mas em nome de projectos que existam, de soluções que contem e de alternativas que sejam responsáveis.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Deputado Afonso Candal inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas como o BE já não dispõe de tempo, o PS tem de ser generoso, para permitir ao Sr. Deputado Francisco Louçã uma resposta sistémica, racional e clarividente.
Podem ser 2 minutos, Sr. Deputado Afonso Candal?

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, farei a pergunta em 1 minuto e o Bloco de Esquerda terá 1 minuto para responder. Parece-me suficiente.

O Sr. Presidente: — Então, não terá a palavra! Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado Miguel Macedo proporcionou já a explanação rigorosa, bem detalhada, bem fundamentada e bem ponderada da nossa posição.
Confirmo a entrega dos projectos de lei, na semana passada, pelo Sr. Deputado Luís Fazenda, aos diferentes líderes parlamentares, penso eu. A mim foram entregues nessa altura. Não tive então ocasião de perceber que o debate seria na data de hoje ou mesmo esta semana, no entanto foram, de facto, entregues.
Perante a análise que fizemos, após a Páscoa — como disse, e bem, houve a Páscoa de permeio —, e na ponderação cuidada dos diplomas em causa que desde anteontem todos os Deputados, tanto quanto possível, fizeram, chegámos a uma conclusão.
Fizemos, à partida, uma avaliação diferente dos dois projectos de lei.
Tomamo-los a ambos como propostas sérias, propostas que têm o intuito de regular devidamente a vida em sociedade, com perspectivas diferentes das nossas. Quando digo «perspectivas diferentes das nossas» gostaria de sublinhar que nesta matéria, como noutras ligadas à consciência dos indivíduos, há posições diferentes no nosso grupo parlamentar. Aliás, fui eu próprio, como presidente do grupo parlamentar, a qualificar esta matéria, no que à questão de fundo respeita, como uma matéria dessa natureza, pelo que não precisa da qualificação de ninguém, porque o é por natureza.
Para além da «guerrilha» — e não quero comentar o ambiente de alguma guerrilha que aqui existe —, devemos todos procurar fazer um esforço para podermos discutir estas propostas, a que vier do Partido Socialista e outras que provenham porventura de outras bancadas, com um espírito construtivo.
Como disse o Deputado Miguel Macedo, trata-se de matérias muito sérias, no que diz respeito às consequências que têm na vida das pessoas. Nós, com trabalho desenvolvido durante a noite, ontem e anteontem, com consulta até a especialistas na matéria, não conseguimos avaliar as consequências todas do que aqui está proposto.
Por isso, tendo uma posição de princípio mais favorável em relação ao projecto de lei que contempla a redução do prazo na separação de facto como causa susceptível de invocação para o divórcio, em relação ao outro projecto de lei, que se refere ao divórcio a pedido de um dos cônjuges, a avaliação que fazemos é que é um diploma que abala mais a estrutura existente, mesmo nas opções sistemáticas, para além das valorativas, do regime jurídico que temos actualmente no nosso Código Civil e em legislação conexa.
No entanto, não dizemos que não gostaríamos de discutir ambas as propostas. Temos uma reacção de conjunto diferente em relação aos dois projectos de lei, mas a nossa posição de princípio é que gostaríamos de debater ambas na especialidade.
Consideramos que, face a tudo o que se ouviu, a avaliação distinta que fazemos pede um caminho prudente que consiste em o Parlamento poder votar aquele diploma que se afigura como mais consensual, na generalidade, e o outro diploma poder, eventualmente, baixar à comissão, com a garantia de votação na mesma altura dos eventuais ou anunciados projectos, neste caso o projecto de lei do Partido Socialista, que está previsto para o dia 16 de Abril Pensamos, portanto, que o caminho da razoabilidade poderia, eventualmente, consentir-nos uma atitude na votação diferente daquela a que seremos obrigados se formos hoje mesmo para o voto na generalidade dos dois diplomas.

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O que votamos hoje não é só a viabilização, porque isso é um pouco a distorção do voto parlamentar. O que votamos hoje é um acordo, na generalidade, com cada um dos projectos de lei, merecendo-nos um deles, à partida, uma posição de recepção positiva, como foi dito pelo Deputado Miguel Macedo, enquanto o outro nos merece, institucionalmente, uma posição de maior reserva. No entanto, gostávamos de debater ambos.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — O que não podemos é intervir naquilo que se passa e que faz parte do livre jogo parlamentar, que é a dialéctica entre as diferentes bancadas.
Gostava ainda de sublinhar os princípios e valores que o Deputado Miguel Macedo aqui enunciou. Para nós, o casamento não é um mero contrato, não deve poder ser denunciado como um contrato de arrendamento ou cedido, eventualmente, como uma posição em sociedade.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Aquele contrato tem um vínculo jurídico, mas tem um laço afectivo, um laço sentimental, um significado social, como todos os contratos, muito próprio da figura jurídica do casamento. E não podemos deixar de sublinhar que, numa época em que sectores da sociedade querem criar o vínculo do casamento para determinadas opções de vida em comum, para aqueles que estão actualmente consagrados na lei haja o propósito de criar maior facilidade na desvinculação.
Dizia, hoje, alguém, no nosso grupo parlamentar, que nos tempos actuais ninguém casa obrigado, mas compreendemos a argumentação de que ninguém deve ser mantido agarrado a esse vínculo quando acaba o sentimento que determinou a união. Mas também compreendemos o argumento de que, quando esse vínculo interior cessou, havendo separação de facto, três anos é tempo demais para poder ser invocada como causa para o divórcio.
Por isso, digo que, nesta matéria, não temos dogmas.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — A tradição do nosso partido é de liberdade em relação às posições de cada um de nós — e lembro as de Francisco Sá Carneiro, nomeadamente sobre a Concordata —, mas temos uma responsabilidade institucional, como partido que representa sentimentos, aspirações, expectativas de uma franja importante, de um grupo importante na sociedade portuguesa, de um conjunto de eleitores que não podemos olvidar nem, irresponsavelmente, alienar no mandato que nos foi conferido.
Por isso mesmo, direi que estamos disponíveis para trabalhar sobre estes projectos, mas se a obstinação no uso de determinadas figuras regimentais o impedir não nos podem ser assacadas responsabilidades por dizermos que, em 48 horas, não podemos ultrapassar a reserva que um dos projectos de lei nos merece em maior dimensão, independentemente daquela que é a posição de cada um de nós.
Portanto, se houver o compromisso de marcar a votação de todos os projectos para o mesmo dia e, nesse sentido, a posição que hoje manifestarmos não traduzir — e nunca traduzirá — a posição final sobre o seu conteúdo, porque temos, por exemplo, melhorias a introduzir em matéria de tentativa de reaproximação ou de conciliação entre um casal que esteja desavindo, se isso puder acontecer por vontade de todos, penso que é um serviço que o Parlamento presta à comunidade nacional.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Se haverá mudanças de paradigma não sei, mas adaptação dos normativos jurídicos à realidade existente sem dúvida que haverá! Somos um partido reformista, como foi dito, pelo que estamos abertos às reformas.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

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O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Esperamos que as obstinações regimentais não impeçam aquilo que todos parecem desejar, que é um debate das opções de cada um, que são diferentes mas que podem resultar, em conjunto, independentemente dos votos finais, num bom serviço aos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões da família, do casamento e do divórcio são estruturantes e estruturais da organização da nossa sociedade. Por isso, tudo o que tenha a ver com esta matéria exige ponderação, rigor, atenção ao seu tratamento e um debate o mais aprofundado e o mais disponível possível.
Todos temos consciência de que, quando falamos do divórcio e de criar novas condições para que se dissolva um casamento não querido, o que estamos a pretender, igualmente, é valorizar o casamento naquilo que ele tem de estruturante, ou seja, uma relação livre entre duas pessoas, com vista a uma vida em comum e com as consequências que resultam dessa vida em comum. O que não queremos, nunca, é que essa exigência da vida em comum se mantenha para além do direito e da liberdade individual de qualquer dos cônjuges, de qualquer das partes. E, por isso, quando tratamos do divórcio, estamos no centro da manutenção da ideia de casamento como um contrato especial.
Nesse sentido, o nosso Código Civil é muito claro. Há dois tipos de divórcio: o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio litigioso. O que estamos aqui a discutir e que pretendemos — é a nossa opção de fundo — é acabar com o divórcio litigioso, isto é, o divórcio-sanção, o divórcio assente na culpa, por violação culposa dos deveres conjugais. É este o objectivo estratégico que pretendemos. E, neste sentido, as razões para o divórcio, em nosso entender, ou são de mútuo acordo ou têm causas objectivas. Tudo o que admitimos, em termos de resolução desta situação, e indo ao encontro do que de mais moderno, actualizado, existe nos outros países, é o seguinte: divórcio, quando não há mútuo consentimento, é por causas objectivas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O desamor, não?!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Mas, atenção, porque, em face da dissolução do casamento pelo divórcio, não podemos deixar de considerar que o contrato de casamento tem, a montante e a jusante, vários outros contratos, como o contrato patrimonial, o contrato da educação dos filhos, o contrato da casa de morada de família, enfim, um conjunto de contratos. Por isso, não se pode regular o divórcio sem regular todos os outros contratos. E quando se admite e conserva a ideia da manutenção do divórcio litigioso está a manter-se, inexoravelmente, a ideia da culpa, a qual tem consequências na casa de morada de família, na pensão de alimentos, no exercício do poder paternal e na divisão patrimonial.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E as causas objectivas não são a culpa?!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Isto significa que esta matéria tem de ser vista, seguramente, e sempre, de forma conjugada.
É por isso que a questão do divórcio e da dissolução têm de atender a um novo sentido de responsabilidade. Aliás, é por isso que dizemos que o poder paternal deve acabar. A ideia que devemos ter é a da responsabilidade parental, acabando-se com a designação do poder paternal, salvo quando o tribunal entender que o regime deve ser, por hipótese, o do exercício conjunto das responsabilidades. São soluções que têm de vir articuladas com a solução do divórcio.
Estamos a discutir apenas este pequeno aspecto com o Bloco de Esquerda, mas o nosso objectivo não é discutir só com o Bloco de Esquerda, mas sim discutir com todas as bancadas de forma a fazermos uma boa lei para os portugueses.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Claro!

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O Sr. Alberto Martins (PS): — É evidente que a outra lei tinha dúvidas de constitucionalidade.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Quais eram?

O Sr. Alberto Martins (PS): — É indiscutível! Consultem a Constituição da República Portuguesa Anotada dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira! É indiscutível! Mas deixemos isso, porque já não estamos nesse ponto,…

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Ah!

O Sr. Alberto Martins (PS): — … estamos noutro. E o nosso outro ponto é o seguinte: não podemos acompanhar o Bloco de Esquerda na recusa absoluta do divórcio litigioso, que os senhores mantêm, na recusa absoluta da culpa para dissolução do casamento, que os senhores mantêm, e pretendemos a dissolução do casamento por razões objectivas.
A nossa posição é clara e demonstro-a com uma proposta: queremos o divórcio sem culpa, queremos acabar com o divórcio-sanção, queremos que não haja culpa para a dissolução do casamento, queremos garantir equidade, justiça e igualdade na decorrência do divórcio. O divórcio não é só um direito e uma liberdade individual de uma das partes, há também um valor no casamento, que é um contrato particular, que é o valor da igualdade entre as partes. O casamento não significa um querer ter direito, porque todos têm direitos com esse contrato: têm direito os filhos, têm direito os cônjuges, e têm direitos patrimoniais, direitos quanto ao exercício do poder paternal, direitos quanto à atribuição da casa de morada de família. São matérias muito complexas e, por isso, Srs. Deputados, temos a maior disponibilidade possível para que este projecto possa baixar à comissão sem votação, se esta for a vontade dos proponentes, assumindo a responsabilidade, que, aliás, já lhes foi transmitida, de poderem discutir no nosso agendamento potestativo este diploma, de continuar esta discussão. E mais: assumindo até a nossa disponibilidade de, junto com o nosso diploma, o votarmos a favor em termos sistémicos.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Muito bem!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Se insistirem numa votação hoje — e nesse caso não baixa à comissão, nem há igualdade no debate democrático — não contam connosco, porque temos uma objecção de fundo em relação à vossa proposta. E a objecção de fundo é significativamente esta: recusamos a culpa, ou seja, razões subjectivas na dissolução do casamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Alberto Martins.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, estamos quase a chegar ao fim deste debate, mas parece estarem a clarificar-se algumas questões.
Sr. Deputado Alberto Martins, se me permite, vou ler um pequeno parágrafo da declaração de voto cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado.
Dizia assim há 10 meses: «Além do mais, afectar o núcleo essencial do contrato de casamento através da consagração do direito ao divórcio por uma mera vontade ou declaração unilateral põe em causa a sua conformidade com o disposto na Constituição da República».
Na intervenção que acabou de fazer o Sr. Deputado foi muito claro ao dizer que o Partido Socialista, no seu futuro projecto, irá admitir o divórcio sem culpa baseado em razões objectivas. Ora bem, há 10 meses o Sr. Deputado considerava a vontade própria inconstitucional, ou pelo menos perto disso.
A pergunta que lhe deixo, para que se clarifique também este debate, é se considera que a vontade própria está dentro das razões objectivas, se considera que o facto de o amor acabar é, ou não, uma razão objectiva,

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porque aquilo que o Sr. Deputado acabou aqui de dizer é que o Partido Socialista rejeita o divórcio por vontade própria, ou seja, quando o amor acaba. Responda, Sr. Deputado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, vou responder-lhe com uma citação ipsis verbis quanto ao problema do direito de ambos os cônjuges. É uma citação dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira em relação à qual peço a sua reflexão e estudo.
Dizem eles: «a disciplina legal não pode, todavia, afectar o núcleo essencial desse direito do casamento bem como da liberdade pessoal e do direito do livre desenvolvimento da personalidade, o que tornaria constitucionalmente questionável, por exemplo, o divórcio por mera vontade unilateral de um dos cônjuges».
Os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram de duvidosa constitucionalidade o que lhe acabei de dizer.
Portanto, tem a resposta constitucional. Estude-a. É bom que o faça.

Aplausos do PS.

Por isso, Sr.ª Deputada, pela nossa parte o que está em causa é o divórcio sem culpa, como fundamento do divórcio queremos apenas razões objectivas.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — A verdade não conta!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Apenas razões objectivas, Srs. Deputados! Acabamos em absoluto com o divórcio-sanção e com o divórcio com culpa por violação dos deveres conjugais!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Percebemos!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Fiquem descansados! É essa a nossa posição!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — A verdade não conta!

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, não há mais oradores inscritos.
Trata-se de um agendamento potestativo, pelo que o partido que requereu o agendamento e a apreciação dos dois diplomas tem o direito de requerer a votação. Pergunto ao partido subscritor dos dois diplomas se requer, ou não, a votação.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, mantemos a pretensão de votar estes dois projectos de lei por variadas razões, uma das quais bastante vincada neste debate a pretexto das solicitações de vários líderes parlamentares.
É que o Bloco de Esquerda não tem por norma retirar de votação projectos à condição de projectos inexistentes.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Trata-se de um direito regimental.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos.

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O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, chegados ao fim deste debate, atentas as considerações tecidas por todas as bancadas e atento o teor das propostas que os Grupos Parlamentares do PSD e do PS apresentaram aos autores das iniciativas, a propósito da forma como se há-de votar os dois projectos de lei hoje em discussão, entendemos solicitar a V. Ex.ª que nos conceda uma interrupção dos trabalhos, por 15 minutos, para podermos fazer uma última diligência junto das demais bancadas no sentido de encontrarmos uma solução que corresponda, verdadeiramente, à conclusão do debate que aqui travámos.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, é um direito que lhe assiste e está concedido.
Assim sendo, retomaremos os trabalhos às 17 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, vamos reiniciar os trabalhos.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Pergunto, novamente, ao grupo parlamentar proponente das iniciativas, mais concretamente ao Sr. Deputado Luís Fazenda, se retira ou não os projectos de lei. Se não retirar, passamos às votações.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, mantemos.

O Sr. Presidente: — O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda mantém o pedido de votação. É um direito regimental.
Srs. Deputados, vamos iniciar, então, as votações.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Os Srs. Deputados que não puderem utilizar os meios electrónicos deverão assinalar à Mesa a respectiva presença e, depois, deverão subscrever o registo de presenças junto dos serviços de apoio ao Plenário.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 189 presenças, às quais se somam 14 registadas pela Mesa, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Vamos votar, primeiro, o projecto de lei n.º 485/X — Cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e de 1 Deputado do PS, votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes, de 1 Deputado do PSD e de 1 Deputada não inscrita e abstenções do PS e de 13 Deputados do PSD.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, é para informar a Câmara que eu e o conjunto de Deputados do PSD que se absteve nesta votação apresentaremos uma declaração de voto escrita.

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O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, é para fazer uma rectificação: eu votei a favor do projecto de lei.

O Sr. Presidente: — Não foi referido o contrário, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, é para anunciar que apresentarei também uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 486/X — Altera o prazo de separação de facto para efeitos da obtenção do divórcio (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes, de 4 Deputados do PSD e de 1 Deputada não inscrita, votos contra de 6 Deputados do PSD e abstenções do PS, do PSD e do CDS-PP.

Baixa a 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos, agora, votar o projecto de resolução n.º 264/X — Estabelece um processo de apreciação e discussão parlamentar do regime de avaliação da actividade docente (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e da Deputada não inscrita.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de resolução 284/X — Sobre a suspensão da avaliação do desempenho do pessoal docente e alteração dos mecanismos de avaliação (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e da Deputada não inscrita.

Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação do projecto de resolução n.º 288/X — Recomenda ao Governo a suspensão do processo de avaliação de desempenho dos docentes do ensino pré-escolar, ensino básico e ensino secundário, visando a criação das condições para definir um novo modelo de avaliação mediante uma discussão ampla, fundamentada e participada (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e da Deputada não inscrita e abstenções de 2 Deputadas do PS.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 292/X — Recomenda ao Governo não só a suspensão do processo de avaliação do desempenho dos docentes, previsto no Decreto Regulamentar n.º 2, de 10 de Janeiro de 2008, mas também a criação das condições para que se defina um modelo de avaliação que sirva, sobretudo, o sistema educativo nacional (Deputada não inscrita Luísa Mesquita).

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Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e da Deputada não inscrita e abstenções de 3 Deputadas do PS.

Srs. Deputados, vamos, agora, votar o projecto de resolução n.º 293/X — Recomenda a suspensão do sistema de avaliação de desempenho do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e da Deputada não inscrita.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do texto de substituição, apresentado pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, relativo ao projecto de lei n.º 428/X — Estabelece medidas de promoção da acessibilidade de pessoas com deficiência visual à informação sobre determinados bens de venda ao público (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Baixa à 12.ª Comissão e será pedido parecer às regiões autónomas, na medida em que este texto de substituição apresenta alterações de substância ao projecto de lei inicialmente apresentado e, depois, iniciarse-á a apreciação e votação na especialidade por parte da 12.ª Comissão.

A Sr.ª Maria Júlia Caré (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Júlia Caré (PS): — Sr. Presidente, é para anunciar à Câmara que apresentarei uma declaração de voto sobre a questão da avaliação de desempenho dos professores.

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — Sr. Presidente, é para dizer que também apresentarei uma declaração de voto sobre a mesma questão.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr.as Deputadas.
Informo a Câmara que a votação do texto de substituição da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura só foi possível porque o PSD retirou o seu projecto de lei n.º 428/X, que lhe deu origem.
Srs. Deputados, terminámos a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, sexta-feira, às 10 horas, sendo preenchida com o debate quinzenal com o Primeiro-Ministro (nos termos da alínea b) do artigo 224.º do Regimento da Assembleia da República).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

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Declarações de voto enviada à Mesa, para publicação, relativas a:
Votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 485/X.

Pedi superiormente autorização para votar contra o projecto de lei n.º 485/X, do Bloco de Esquerda, que
cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges. Tendo sido a única Deputada do PS a votar
contra, julgo dever explicar melhor a minha posição.
Os Deputados do BE vêm insistindo há anos no divórcio unilateral. Em Maio de 2007, como lembram agora
no projecto de lei acima referido, não faltaram acusações ao Bloco de Esquerda — que queria liberalizar o
casamento ou mesmo acabar com ele, que propunha «o divórcio na hora». Afirmaram eles também, por
exemplo, que se trata «da mais importante proposta de modernização do direito de família desde 1975».
Entretanto, foi criada na Assembleia da República, com a reforma do Parlamento, a Subcomissão da
Igualdade de Oportunidades e Família, à qual pertenço, e estranho este assunto não ter sido aí presente.
Por outro lado, no aspecto jurídico do actual projecto de lei, cito o Juiz Pedro Vaz Patto no artigo O Divórcio
Unilateral e a Sociedade sem Vínculos (…) «não se trata de qualquer progresso. Será, antes, o culminar de
uma progressiva descaracterização do próprio casamento e do próprio direito da família (…). O casamento
passará a ser, talvez, o mais instável e precário dos contratos, mais do que um contrato de trabalho ou de
arrendamento (…) Daqui à abolição do próprio casamento, à sua irrelevância jurídica, o passo é muito
pequeno. O divórcio começou por ser encarado como uma sanção contra o cônjuge que violou gravemente os
seus deveres conjugais (…). Com o divórcio unilateral, aquilo que começou por ser uma sanção contra quem
viola os deveres conjugais acaba por ser um prémio para o infractor. Sempre se considerou um progresso
civilizacional, reflexo da influência cultural do cristianismo, a abolição da figura do repúdio, que permitia ao
marido a desvinculação imotivada dos seus compromissos conjugais. Com o divórcio unilateral, pode dizer-se
que renasce das cinzas tal figura. Dir-se-á que se trata, agora, de um direito de qualquer dos cônjuges, e já
não apenas do marido. Mas, di-lo a experiência e também vários estudos, é, na maior parte dos casos, a
mulher a sofrer as consequências nefastas (no plano económico, psicológico e afectivo) da ausência de
vínculos e do abandono conjugal. Nas famílias monoparentais, o progenitor ausente é sempre o pai. Nunca
houve tantas mulheres sós e pobres (…).»
Como historiadora, verifico que os proponentes têm uma visão histórica muito restrita no documento em
questão e em outras declarações. Sobre o aspecto histórico, cinjo-me agora à obra laica e abrangente (em 2
volumes) Histoire de la Famille, sob a direcção de André Burguière, Christiane Klapisch-Zuber, Martine
Segalen, Françoise Zonabend, ed. Armand Colin, Paris, 1986, com prefácio de Claude Lévi-Strauss. Este
antropólogo social escreve aqui (pág. 11): «La tendance générale est aujourd’hui d’admettre que la «vie de
famille», au sens que nous-mêmes donnons à cette locution, existe dans l’ensemble des sociétés humaines.
La famille, fondée sur l’union plus ou moins durable mais toujours socialement approuvée d’un home et d’une
femme qui se mettent en ménage, procréent et elèvent des enfants, serait, affirme-t-on souvent, présente dans
tous les types de sociétés.» Havendo excepções, escreve na pág. 12 que: «la famille conjugale y semble trés
frequente et que, partout où sa forme s’altère, on a affaire à des sociétés dont l’évolution sociale, politique,
économique ou religieuse à suivi un cours particulier.»
A Histoire de la Famille abrange desde a pré-história à época actual, referindo numerosas civilizações e
diferentes continentes. Por exemplo, a propósito da antiga civilização egípcia, onde era prática o repúdio por
parte do homem e da mulher, são já largamente admitidos os sentimentos pessoais de ambos.
Jock Goody, prefaciador do 2.º volume da Histoire de la Famille, que trata da modernidade, escreve na pág.
12 «… en Chine rouge ou en Union Soviétique, les assouplissements apportés aux législations familiales dans
les débuts du régime ont été ensuite modifiés, en partie pour des raisons politiques, en partie pour répondre à
des aspirations populaires généralement partagées; des rituels laïcs se sont développés autour du mariage, et
le divorce comme l’avortement ont rencontré de plus en plus de difficultés.»
Na pág. 13, escreve o mesmo autor: «Des gouvernementes du monde occidental ont adopté une ligne
différente en vue de maintenir une stabilité relative de leur population et on même offert des allocations
spéciales aux familles nombreuses.»
Quando se invocam o repúdio, o divórcio, o aborto, como sendo modernos e de esquerda, é interessante
vermos a antiguidade milenar destas práticas e as flutuações recentes que diversos condicionalismos lhes
imprimiram, como, por exemplo, a Histoire de la Famille objectivamente refere, e conforme transcrevi.

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Acentue-se também o enfoque que, perante a «bomba de relógio demográfica» actual, neste livro se dá ao
apoio dos governos à criação de famílias numerosas, para o que é essencial estabilidade familiar, não
bastando incentivos financeiros.
É amplamente reconhecido ser corrente o repúdio também noutras épocas e civilizações, como a judaica, a
muçulmana, etc.
Sobre o repúdio judaico, leia-se o Evangelho de S. Marcos, 10 — Jesus e o divórcio — «Aproximaram-se
uns fariseus e perguntaram-lhe, para o experimentar, se era lícito ao marido divorciar-se da mulher. Ele
respondeu-lhes: «Que vos ordenou Moisés?». Disseram-lhe: «Moisés mandou escrever um documento de
repúdio e divorciar-se dela.» Jesus retorquiu: «Devido à dureza do vosso coração é que ele vos deixou esse
preceito. Mas, desde o princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e
sua mãe para se unir à sua mulher, e serão os dois um só. Portanto, já não são dois, mas um só. Pois bem, o
que Deus uniu, não o separe o homem.»
Anote-se, a propósito, o que quase nunca é mencionado: a declaração de nulidade dos matrimónios que a
Igreja Católica tem feito ao longo dos séculos, quer a pedido de mulheres ou de homens, sem grandes custos
materiais e muitas vezes demorando menos tempo e envolvendo menores conflitos do que os processos civis
de divórcio, e tendo-se as declarações de nulidade continuado naturalmente a realizar mesmo quando não
havia permissão de divórcio civil.
É claro que sou a favor do divórcio civil e penso que este sempre devia ter existido, mas não deve tornar-se
agora numa espécie de novo repúdio, qualquer que seja a forma adoptada, pois o divórcio envolve sempre
tristeza e dor.
Sublinhe-se que no séc. XXI há inovadoras formas científicas de lidar com a inteligência emocional e social,
que poderosamente ajudam à realização individual e interpessoal, à felicidade, e inclusivamente a evitar
divórcios. Portanto, é esta a terceira via que eu advogo, na sequência de anteriores tomadas de posição.
O projecto de lei n.º 485/X, do BE, começa por citar: «O tema do divórcio (…) sugere mal-estar, sofrimento
(…) os processos de ruptura conjugal são emocionalmente dolorosos» (in Anália Cardoso Torres, Divórcio em
Portugal, Ditos e Interditos — Uma análise sociológica, Celsa Editora, 1996, p.1)
Também quero evitar o imenso sofrimento causado por choques emocionais e igualmente concordo com o
projecto de lei do BE quando refere a «exigência da afectividade» e a necessidade da «sentimentalização da
família». No entanto, temos de ser realistas e acompanhar os estudos universitários recentes sobre felicidade
científica, não podendo sentimentalizar excessivamente o amor, pois este é uma construção permanente que
implica esforço. O divórcio de qualquer tipo (ou divórcios sucessivos), ou meras ligações sentimentais
múltiplas não trazem a verdadeira felicidade, como estudos científicos comprovam.
Permita-se-me referir a declaração de voto que apresentei em 6 de Junho de 2007 (Diário da Assembleia
da República, I série, 8 de Junho de 2007, pág. 49 a 51) sobre a necessidade de se criar uma disciplina
obrigatória do 1.º ao 12.º ano de escolaridade de «Educação para a Felicidade», com base nos conceitos
científicos de inteligência emocional, o que me têm dito ser uma urgência. As teorias complementares e ainda
mais actuais da inteligência social podem-se aplicar já por exemplo ao divórcio.
Cito Daniel Goleman Social Intelligence. The Revolutionary new Science of Human Relationships, Bantam
Dell, New York, 2007 (livro que tem os subtítulos Beyond IQ, beyond Emotional Intelligence). A propósito desta
nova ciência, a «social neuroscience», ela tornou-se um assunto científico de topo para o séc. XXI e prova
que: «we are hardwired to connect, we are programmed for kindness, and we can use our social intelligence to
make the world a better place»; «good relationships nourish us and support our health, while toxic
relationaships can poison us. And our success and happiness on the job, in our marriages and families, even
our ability to live in peace, depend crucially on the emotional radar and specific skills». Daniel Goleman nesta
obra cita por exemplo John Gottman, um psicólogo da Universidade de Washington que se tornou um perito no
que faz os casamentos terem sucesso ou falharem: «In dating couples, the most important predictor of whether
the relationship will last is how many good feelings the couple shares. In marriages, it’s how well the couple can
handle their conflicts. And in the later years of a long marriage, it’s again how many good feelings the couple
shares» (pág. 219).
Com a ciência a apontar-nos cada vez mais certeiramente o caminho para a felicidade, através da
inteligência emocional, desde há décadas, e agora também através da inteligência social, parece-me um
inexplicável desfasamento que a nível das cruciais decisões políticas estes conhecimentos científicos ainda

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não sejam tidos em conta e aplicados. Portugal, no seu multissecular vanguardismo humanista, deveria, na
minha opinião, desempenhar também aqui um vanguardismo descomplexado e até orgulhoso de ir contra a
corrente divorcista em moda, evitando a dor e lutando pela alegria que o humanismo implica.
Não são os divórcios unilaterais, na hora, etc., que trazem a felicidade. Luto por uma sociedade
profundamente mais feliz, baseada nos afectos. Acredito na comprovada felicidade científica, que passa pela
inteligência emocional e pela inteligência social. Urge criar estes princípios e estas práticas na disciplina
escolar de Educação para a Felicidade, mas também na legislação que trata da Felicidade dos Indivíduos e
das Famílias.
Lembro a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que este ano comemora 60 anos, e no seu Artigo
16.º estipula: «1 — A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família…;
3 — A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado».
1994 foi o Ano Internacional da Família (AIF) e a simbologia que acompanhou esse ano foi: «Família: A
mais Pequena Democracia no Coração da Sociedade». O tema que a ONU propôs a todos foi: «Família:
Capacidades e Responsabilidades num Mundo em Transformação».
A família, que é a mais pequena democracia, deve ter o maior apoio da maior democracia.

A Deputada do PS, Matilde Sousa Franco.

———

Tendo sido votado, em sessão plenária do dia 27 de Março de 2008, um projecto de lei da autoria do Bloco
de Esquerda que cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges, decidi abster-me, em
contradição com a orientação definida pelo grupo parlamentar a que pertenço.
Tomei esta decisão por considerar que esta matéria é credora de um debate profundo e alargado em toda
a sociedade portuguesa e, particularmente, no Parlamento.
Tenho sérias reservas sobre várias soluções previstas no diploma. Contudo, não quis, com o meu voto,
contribuir para impedir que esta iniciativa pudesse ser discutida, em sede de especialidade, com outra
proficiência, potenciando a adaptação do enquadramento jurídico do divórcio à realidade social.
Creio que, nomeadamente por não se tratar, processualmente, de uma votação decisiva, o Parlamento não
se deverá deixar aprisionar por preconceitos assentes num conservadorismo acrítico. Pelo contrário, não deve
temer o livre debate e ponderação das soluções legislativas que acompanhem a natural evolução da
sociedade.

O Deputado do PSD, Pedro Duarte.

———

Votação dos projectos de resolução n.os 264, 284, 288, 292 e 293/X.

A Assembleia da República votou, no dia 27 de Março de 2008, os projectos de resolução n.os 264, 284,
288, 292 e 293/X referentes à suspensão do processo de avaliação do desempenho dos docentes previsto no
Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro. Os projectos em causa formam rejeitados, pela maioria
dos Deputados, seguindo a orientação definida pelo grupo parlamentar do Partido Socialista. No entanto, na
qualidade de Deputado do PS, através da presente declaração de voto, digo o seguinte:
O regime de avaliação do desempenho do pessoal docente que decorre das alterações no Estatuto da
Carreira Docente tem como objectivo central promover o aperfeiçoamento da prática profissional dos
professores, objectivo com o qual me identifico e, estou certo, que também os que aspiram por uma maior
dignificação da profissão.
A OIT/UNESCO, há décadas que recomenda, no âmbito da responsabilidade dos professores, que a
condição da sua profissão depende do esforço próprio e que as normas inerentes ao desempenho da
profissão devem ser definidas e mantidas com a participação dos professores. Pelas evidências empíricas,

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neste processo, os professores não foram suficientemente envolvidos de modo a gerar um clima de
estabilidade e de confiança no corpo docente.
Os projectos de resolução em causa abarcam um conjunto de preocupações comuns mas não escondem
uma vontade político-partidária cujos interesses não são, seguramente, os dos professores, razão pela qual os
referidos projectos devem ser analisados com o discernimento que se impõe a um partido responsável.
O estatuto social do professor e o respeito pela profissão docente são condições sine qua non para o
sucesso do sistema de ensino e para a qualidade da educação, condições que a tutela não pode perder de
vista. O Ministério da Educação deverá ter uma visão holística do sistema de ensino, em que todas as suas
dimensões sejam consideras para atingir os patamares de excelência exigidos.
O Ministério da Educação é a entidade que, do ponto de vista institucional e académico, melhor está
preparado para ultrapassar os problemas inerentes ao processo de avaliação/desempenho dos professores.
Os últimos desenvolvimentos têm demonstrado que o Ministério está a dar sinais de flexibilidade e de abertura
ao diálogo com as organizações de professores, de modo a elevar o grau de satisfação profissional entre os
docentes.

O Deputado do PS, Jacinto Serrão.

———

A avaliação de professores é uma matéria incontornável em qualquer sistema educativo. A qualidade do
desenvolvimento profissional dos docentes reflectir-se-á no processo de ensino-aprendizagem e é parte
integrante na promoção de uma escola de qualidade.
Assim, qualquer modelo de avaliação deve ser amplamente discutido e analisado de modo a garantir a sua
apropriação por todos os intervenientes no processo, não obstante a possibilidade de ser amplamente testado.
Do envolvimento dos vários interlocutores depende o sucesso da qualidade da avaliação.
A entrada em vigor do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, não acautelou estes pressupostos
e, desde logo, a sua aplicabilidade foi posta em causa. As sucessivas alterações introduzidas pelo Governo
não alteraram a opção política tomada e a avaliação de professores continua a ser uma das únicas formas de
monitorização do sistema educativo.
A generalidade dos grupos parlamentes da oposição e a Deputada não inscrita apresentaram propostas de
resolução sobre a avaliação de professores onde propunham a suspensão da avaliação. No entanto, o
projecto de resolução n.º 292/X assumia a necessidade de ter uma avaliação clara, simples e objectiva mas,
simultaneamente, mais abrangente. Os indicadores eram, assim, direccionados para a avaliação sistémica do
desempenho da escola, do sistema educativo e dos professores, numa visão partilhada com toda a
comunidade educativa. Todavia, votei contra este projecto de resolução por estrita disciplina partidária,
imposta pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista,

O Deputado do PS, João Bernardo.

———

A Assembleia da República votou no dia 27 de Março de 2008 um conjunto de projectos de resolução da
generalidade dos partidos da oposição e da Deputada não inscrita sobre a avaliação do desempenho dos
professores, prevista no Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro de 2008.
Estes projectos de resolução pronunciavam-se pela suspensão do processo de avaliação previsto no
diploma referido e que tem merecido oposição da generalidade dos professores e das escolas, bem como
críticas de especialistas na matéria, quer quanto à sua estrutura, quer no respeitante ao prazo da sua
aplicação, cuja consequência imediata se prevê ser a perturbação da vida das escolas numa altura em que
estão assoberbadas com as normais actividades de conclusão do ano lectivo.
Nesta votação, optei por me abster nos projectos de resolução apresentados pelo Bloco de Esquerda e
pela Deputada não inscrita Luísa Mesquita, projecto de resolução n.º 288/X e projecto de resolução n.º 292/X,
respectivamente. Os pressupostos e as recomendações apresentadas em relação a uma matéria que reputo

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de vital importância para a dignificação e valorização da classe docente, para a qualidade da nossa escola
pública e para a melhoria do nosso sistema educativo parecem-me atendíveis e pertinentes. Face à dimensão
da contestação, importaria suspender o processo, repensar o modelo proposto e colher contributos tendentes
à sua aceitabilidade.
Sobre esta questão da avaliação do desempenho docente, e partilhando da convicção de que o anterior
modelo precisava ser revisto e melhorado por forma a permitir um efectivo desenvolvimento docente,
consequente melhoria do sistema educativo e reconhecimento do mérito e da competência, retomo a
argumentação, no que diz respeito ao seu objecto e às suas finalidades, por mim anteriormente apresentada
em declaração de voto sobre o Estatuto da Carreira Docente, elaborada na sequência da apreciação
parlamentar ocorrida em 20 de Março de 2007. Uma verdadeira avaliação do desempenho dos professores
permitirá simultaneamente fazer a monitorização do sistema educativo, com vista ao seu aperfeiçoamento.
É meu entendimento que o desenvolvimento profissional docente é fundamental à promoção de uma
escola de qualidade. O professor não nasce, faz-se. Aprende com a prática pedagógica, cresce em dimensão
profissional com o passar do tempo, a experiência, os erros, a reflexão partilhada, num processo de
aprendizagem contínuo. A sua acção enquadra-se sempre num contexto em que interagem diversos factores
muitas vezes alheios à sua vontade. Avaliar, sim, para formar, melhorar o desempenho, cujos beneficiários
naturais e imediatos serão os alunos, a escola e a sociedade, antes de classificar, premiar ou punir. Os
professores são actores de mudança e têm todo o direito ao reconhecimento social do mérito da sua acção
educativa junto das jovens gerações.
Sempre me mereceu reparo o pretender responsabilizar-se unilateralmente os professores pelo insucesso
e pelo abandono escolar. Educar é uma tarefa complexa e no processo de ensino-aprendizagem há factores
que o professor não controla. O modo como o aluno assimila a informação, constrói o conhecimento e o
transforma em saberes e lemas de vida é condicionado por uma multiplicidade de factores que transcendem a
proficiência científica, pedagógica e relacional do professor.
Importaria aqui incluir as políticas educativas, os desenhos curriculares, os conteúdos programáticos, as
dinâmicas da escola, as características os interesses e a diversidade social e cultural de que se compõe a
população que frequenta as nossas escolas, etc. Resumir tudo isto a meros resultados dos alunos e pretender
contabilizá-los na ponderação da classificação a atribuir a um professor — com todas as consequências daí
advindas — parece-me redutor, arbitrário, injusto e com possíveis efeitos perversos na qualidade do ensino e
da escola pública.
Sobre o abandono escolar, cujos índices são reconhecidamente preocupantes, reconheça-se que num país
como o nosso, um dos primeiros da Europa a instituir com força de lei a escolaridade obrigatória (1835) mas
que em 1974 apresentava uma taxa de analfabetismo de um em cada quatro portugueses, este não é um
assunto imputável unicamente aos professores. É antes uma questão que se prende com o sermos um país
fracamente escolarizado, que não privilegia os saberes escolares e onde a desistência da escola em troca de
trabalho, muitas vezes precário e desqualificado é socialmente aceite. A situação económica de muitas
famílias a isso empurra e até há no mercado oferta laboral, por factores ligados ao nosso nível de
desenvolvimento social e cultural, por deficiente consciência cívica e escassa fiscalização e actuação por parte
de quem deveria intervir nesta matéria.
Por último, a avaliação do desempenho docente é um assunto tão sério e central ao desenvolvimento do
sistema educativo que deveria resultar de uma colaboração concertada dos diversos actores envolvidos: os
professores e as suas organizações representativas, as direcções das escolas, as instituições de formação de
professores, os especialistas, os responsáveis governativos e outras entidades da sociedade. Um modelo de
avaliação do desempenho tem de ser entendido e aceite pelos professores com um mecanismo indispensável
ao desenvolvimento de uma consciência profissional, ao reconhecimento do mérito e da competência científica
e pedagógica e não como um instrumento de julgamento baseado em parâmetros e critérios de objectividade
duvidosa, sentido pelos professores como parecendo perseguir outros fins que não a promoção da qualidade
da educação. Por todas estas razões se apresenta esta declaração de voto.

A Deputada do PS, Maria Júlia Caré.

———

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A avaliação de professores é uma matéria incontornável em qualquer sistema educativo. A qualidade do
desenvolvimento profissional dos docentes reflectir-se-á no processo de ensino-aprendizagem e é parte
integrante na promoção de uma escola de qualidade.
Assim, qualquer modelo de avaliação deve ser amplamente discutido e analisado, de modo a garantir a sua
apropriação por todos os intervenientes no processo e, naturalmente, deve ser considerada a possibilidade de
ser amplamente testado. Do envolvimento dos vários interlocutores depende o sucesso da qualidade da
avaliação, portanto, as escolas enquanto instituições necessitam de um tempo de reflexão e experimentação
para atingir patamares de qualidade.
A entrada em vigor do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, não acautelou estes pressupostos
e, desde logo, a sua aplicabilidade foi posta em causa. As sucessivas alterações introduzidas pelo Governo
não alteraram a opção política de fundo então tomada e a avaliação de professores continua a ser
considerada uma das únicas formas de monitorização do sistema educativo.
A generalidade dos grupos parlamentes da oposição e a Deputada não inscrita apresentaram propostas de
resolução sobre a avaliação de professores onde propunham a suspensão da avaliação. No entanto, o
projecto de resolução n.º 292/X assumia a necessidade de ter uma avaliação clara, simples e objectiva mas,
simultaneamente, mais abrangente. Os indicadores eram, assim, direccionados para a avaliação sistémica do
desempenho da escola, do sistema educativo e dos professores, numa visão partilhada com toda a
comunidade educativa, razão pela qual me abstive em relação a este projecto.

A Deputada do PS, Odete João.

———

A 27 de Março de 2008, a Assembleia da República votou os projectos de resolução n.os 292, 288, 284, 293
e 264/X, apresentados, respectivamente, pela Deputada Luísa Mesquita, pelo BE, CDS-PP, PPD/PSD e PCP,
todos sobre o processo de avaliação do desempenho dos docentes, previsto no Decreto Regulamentar n.º
2/2008, de 10 de Janeiro de 2008.
Nesta votação, optei pela abstenção relativamente aos projectos de resolução apresentados pelo BE e pela
Deputada Luísa Mesquita pelas seguintes razões:
1 — Concordo com a proposta de suspensão prevista nos dois diplomas como resposta adequada ao clima
de conflitualidade e destabilização instalado no sector da educação, fruto da ausência de diálogo entre o
Ministério da Educação e o corpo escolar e tendo em conta os seguintes factores: a adopção de um modelo de
avaliação complexo e burocrático; a previsão de prazos inexequíveis na sua aplicação; a ausência de medidas
prévias relativamente à formação de avaliadores; a falta de recomendações e consequentes instrumentos
previstos no diploma necessários à sua aplicação.
2 — Concordo com a proposta de discussão sobre o modelo de avaliação, com a participação de estruturas
representativas da comunidade escolar e especialistas na área da educação, tendentes à apresentação de
propostas direccionadas para uma avaliação sistémica do desempenho da escola, do sistema educativo e dos
docentes, em confronto com soluções adoptadas em diferentes países do quadro europeu.
O sucesso de uma reforma na educação dependerá sempre de uma estratégia de envolvimento dos
agentes mais directamente activos na sua aplicação — os professores.

A Deputada do PS, Teresa Portugal.

———

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Marisa da Conceição Correia Macedo

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Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Feliciano José Barreiras Duarte
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Vasco Manuel Henriques Cunha

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Marques Antunes
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD):
Fernando Mimoso Negrão
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira

Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003, de
11 de Outubro):

Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte

Partido Popular (CDS-PP):
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Paulo Sacadura Cabral Portas

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Nelson Madeira Baltazar
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Carlos António Páscoa Gonçalves
José de Almeida Cesário
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Pedro Augusto Cunha Pinto

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Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Francisco José de Almeida Lopes

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