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Sexta-feira, 18 de Julho de 2008 I Série — Número 108

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE JULHO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de resolução n.os 363, 364 e 365/X e do projecto de deliberação n.º 15/X.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Manuela Melo (PS), a propósito de uma referência positiva ao Sr.
Secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, feita na rubrica Sobe e desce do jornal Público, deu conta de várias medidas que têm vindo a ser tomadas no âmbito da implementação da Lei de Bases do Sistema Educativo com vista à melhoria da qualidade da escola pública, fazendo um balanço positivo do ano escolar que agora se encerra e chamando a atenção para a necessidade de prosseguir esse caminho. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pedro Duarte (PSD), Ana drago (BE), Miguel Tiago (PCP) e José Paulo Carvalho (CDS-PP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) teceu críticas à eventual construção de uma central nuclear em Portugal, apontando diversos problemas que se colocariam com a utilização desse tipo de energia. Depois, deu resposta aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Eduardo Martins (PSD), Alda Macedo (BE) e Paula Cristina Duarte (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado João Semedo (BE) fez considerações sobre a recusa do Tribunal de Contas ao contrato de gestão assinado com o grupo Hospitais Privados de Portugal (HPP) relativo ao novo Hospital de Cascais, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Andrade Miranda (PSD), Teresa Caeiro (CDS-PP) e Antónia Almeida Santos (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Tiago (PCP) criticou a política educativa prosseguida pelo Governo, tendo-se insurgido, em particular, contra recente legislação relativa ao ensino artístico especializado e à mobilidade dos docentes e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Paulo Carvalho (CDS-PP), Bravo Nico (PS) e Emídio Guerreiro (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Diogo Feio (CDS-PP), face à crise financeira internacional, manifestou preocupação pela condução da política económica do País que o Governo tem estado a levar a cabo. No final, deu resposta a pedidos de esclarecimento formulados pelos Srs. Deputados Victor Baptista (PS) e José Manuel Ribeiro (PSD).
A Sr.ª Deputada Luísa Mesquita (N insc.), também em declaração política, condenou o Governo pelo desinvestimento e pela falta de ordenamento da rede pública do ensino superior e respondeu a pedidos de esclarecimento

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dos Srs. Deputados Ana Drago (BE), José Paulo Carvalho (CDS-PP) e Manuel Mota (PS).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento, e também em declaração política, o Sr. Deputado Patinha Antão (PSD) propôs políticas alternativas às que o Governo prossegue, que passem pela redução do peso do Estado, pela eliminação da carga fiscal e pela reactivação da função da política fiscal como instrumento de competitividade externa.
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.os 527/X — Regime excepcional de indexação das prestações sociais dos deficientes das Forças Armadas (CDS-PP) e 528/X — Apoio à doença dos deficientes das Forças Armadas (CDS-PP) e do projecto de resolução n.º 358/X — Recomenda ao Governo que reponha o conjunto de direitos outrora atribuídos aos deficientes das Forças Armadas e implemente medidas que visem a plena reparação das consequências advindas da participação em cenários de guerra (BE), tendo intervindo os Srs. Deputados João Rebelo (CDS-PP), Mariana Aiveca (BE), Sónia Sanfona (PS), António Filipe (PCP) e Rui Gomes da Silva (PSD).
Os projectos de lei n.os 521/X — Altera os requisitos para a atribuição e as condições do complemento solidário para idosos e simplifica o acesso a esta prestação (BE) e 554/X — Alteração ao complemento solidário para idosos por forma a simplificar e alargar a sua concessão (PCP) foram também discutidos conjuntamente, na generalidade.
Produziram intervenções os Srs. Deputados Helena Pinto (BE), Jorge Machado (PCP), Adão Silva (PCP), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Isabel Santos (PS).
Por último, foram apreciados, em conjunto, os projectos de resolução n.os 342/X — Reforço de dotação para o funcionamento dos estabelecimentos do ensino superior (PCP) e 359/X — Recomenda ao Governo a adopção de um sistema plurianual de financiamento das instituições de ensino superior, tendo em vista assegurar a sua sustentabilidade e limitar o esforço financeiro de alunos e famílias (BE). Intervieram no debate os Srs. Deputados João Oliveira (PCP), Ana Drago (BE), José Paulo Carvalho (CDSPP), Emídio Guerreiro (PSD), Manuel Mota (PS), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes) e Luísa Mesquita (N insc.).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte

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Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

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Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José

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Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de resolução n.os 363/X — Interdição do espaço aéreo nacional a aeronaves com destino ou origem em Guantanamo (PCP), que baixou à 2.ª Comissão, 364/X — Recomenda ao Governo que elabore, com carácter de urgência, um plano de contingência para o Verão em matéria de cuidados de saúde (CDS-PP), que baixou à 10.ª Comissão, e 365/X — Recomenda ao Governo a

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adopção de medidas que melhorem as condições de exercício da actividade médica nos serviços públicos de saúde e promovam a permanência dos médicos no Serviço Nacional de Saúde (BE), que baixou à 10.ª Comissão; e projecto de deliberação n.º 15/X — Calendário das actividades parlamentares da 4.ª Sessão Legislativa (Presidente da AR).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos iniciar a nossa ordem do dia com declarações políticas.
Em primeiro lugar, pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Na secção Sobe e desce do jornal Público de hoje, o Secretário de Estado Valter Lemos tem uma seta para cima. Pode dizer-se que, num jornal claramente defensor de teses sobre o ensino semelhantes às da nossa direita parlamentar, esta seta merece registo!

Risos.

A razão da seta é mais uma das muitas decisões através das quais o Ministério tem vindo a concretizar e aprofundar a Lei de Bases do Sistema Educativo, mas privilegiando o que nela é essencial: proporcionar, cada vez mais e a todos os alunos, as condições necessárias para o seu desenvolvimento máximo possível, como indivíduo e como membro duma comunidade.
Desta vez, trata-se de diminuir o impacto da actual passagem da mono-docência do 1.º ciclo para uma multiplicidade de professores no 2.º ciclo do básico.
Em vez de 10 ou 11 novos professores, o aluno passará a trabalhar com 6 ou 7, mas um deles — o director de turma — absorverá uma parte significativa do tempo lectivo, ao acumular quatro disciplinas. As crianças continuarão, assim, a ter uma figura tutelar destacada, iniciando gradualmente a sua integração no sistema multidisciplinar que terão a partir daí.
Coisa pouca, dirão, mas um bom princípio para começar mais uma intervenção sobre educação.
Como foi afirmado pela Ministra da Educação na primeira reunião que teve com a 8.ª Comissão, «a Lei de Bases do Sistema Educativo não é para mudar, contém virtualidades ainda por concretizar e gerou boas práticas que é preciso reproduzir».
Ao fazer o balanço de mais um ano escolar, reiteramos a nossa vontade de continuar a fazer as alterações suficientes para que a escola pública seja o instrumento de referência na necessária formação e qualificação das nossas crianças e jovens, não com grandes reformas, de que todos estamos cansados, mas desbloqueando estrangulamentos bem conhecidos. Como? Dou alguns exemplos.
Desde logo, chamando toda a comunidade educativa a responsabilizar-se pela «sua» escola com o novo modelo de gestão; envolvendo mais a rede social de apoio, aumentando a capacidade de intervenção da escola e a responsabilidade dos pais no caso de abandono, como está explícito no Estatuto do Aluno;…

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — … trazendo mais alunos às nossas escolas — há quantos anos isso não acontecia? — e diversificando os percursos escolares: haverá mais 50 000 vagas em cursos tecnológicos no próximo ano, ou seja, quase 50% dos nossos alunos do secundário estão em cursos profissionais, o que se aproxima muito da média europeia.

Aplausos do PS.

Mas há mais exemplos: para além da qualificação em curso de todo o parque escolar do 1.º ciclo, do secundário e do pré-escolar, lembro o equipamento das escolas com bibliotecas, material didáctico moderno e, através do Plano Tecnológico, dotando-as dos instrumentos tecnológicos que são as ferramentas quotidianas do mundo de hoje. Convém referir que, também neste domínio, estamos muito perto da média europeia — convém referi-la quando os dados são positivos.

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Outro exemplo é o do alargamento, de uma só vez, da acção social escolar para o triplo dos alunos beneficiados, desburocratizando a sua aplicação. A partir de agora, serão 400 000 os alunos que terão ensino completamente gratuito, 300 000 os que verão as despesas de refeição, manuais e materiais reduzidos a metade.
Chamamos a isto levar a sério o «tendencialmente gratuito» e redistribuir riqueza privilegiando os mais carenciados.

Aplausos do PS.

Outros exemplos recentes: o passe escolar (com uma redução de 50%) para todos os alunos, dos 4 aos 18 anos, que, pelas características das zonas urbanas onde moram, utilizam os transportes públicos e não o transporte escolar.
Antes de terminar, queria ainda dar dois exemplos: alargar o contacto com as expressões artísticas, designadamente a música, a todos os alunos. A vocação do Ministério é proporcionar ao maior número possível de crianças e jovens percursos vocacionais habitualmente acessíveis (geográfica e socialmente) a muito poucos; e, finalmente, permitir a continuidade dos projectos educativos através da estabilização do corpo docente – serão mais 20 000 professores a estarem estáveis no próximo ano.
A resolução destes estrangulamentos — que todos denunciavam mas que persistiam — tem sido acompanhada de muita discussão pública, que é sempre bem-vinda, e de alguma crítica, que, sendo legítima, nem sempre é justa.
Vejamos o caso dos exames: nalguns, os resultados foram globalmente melhores que os dos anos anteriores; noutros, piores; em muitos, mostraram estabilidade. Decorreram com normalidade e, como desde há muitos anos, as provas foram elaboradas pelo GAVE, organismo que não recebe, nem nunca recebeu, «indicações» dos ministros. Mas o mais noticiado sobre os exames não foi esta normalidade, foi a ideia de facilitismo, de manipulação para mostrar resultados, de dar prioridade às estatísticas!

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Começo por afirmar que nós não estamos contentes com os resultados.
Estão ainda longe das médias europeia (expressas em estatísticas, claro!), ainda longe do que gostaríamos de ter depois de 30 anos de grande esforço na educação, longe do que gostaríamos de ter para ultrapassar as nossas carências de formação e os nossos objectivos democráticos.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Mas falar de facilitismo quando há 50% de negativas, por exemplo, na Matemática do 9.º ano, ou é apontar para um esquema de exclusão de metade dos alunos por incapacidade ou é passar um atestado de inutilidade a todo o esforço da comunidade educativa.

Aplausos do PS.

Lembro que a Matemática, exactamente a Matemática, foi alvo de um plano especial nos últimos três anos, que começou com a formação de professores do 1.º ciclo e se estendeu a todo o sistema escolar. E o que foi feito, de acordo com o plano proposto por cada escola? Divisão de turmas e reforço do número de professores, mais apoio técnico e material didáctico apropriado, disponibilização de testes intermédios para que todos os professores pudessem ir testando, todos os anos, a aquisição de conhecimentos dos seus alunos, criação de uma base com mais de 3000 itens sobre Matemática, com a participação dos professores, disponível na Internet, que já teve mais de um milhão de acessos! Isto significa que nunca se apostou tanto e com tanto rigor científico numa disciplina considerada difícil mas essencial em todos os percursos educativos.

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Pergunto: será lógico, será responsável dizer que este esforço das escolas, dos professores, dos alunos, do Ministério, é um esforço inútil? Que não vale a pena trabalhar mais, trabalhar bem e com melhores condições? Que melhores resultados só com batota? Afinal, quem é que fala a sério quando glorifica a escola como a chave de toda a aquisição de conhecimentos e competências?

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sr.as Deputadas, Srs. Deputados — e com isto concluo, Sr. Presidente —, no próximo ano lectivo daremos mais alguns passos importantes para a dignificação da escola pública.
Estamos certos que no próximo ano lectivo será mais claro para todos os portugueses que a escola pública é cada vez mais universal, que os instrumentos essenciais para a igualdade de oportunidades serão para todos, que o professor é um profissional qualificado, escrutinado e responsável.
Será também mais claro que todos, enquanto membros de uma comunidade, somos responsáveis pela escola. O nosso futuro colectivo depende dos resultados da escola, as nossas crianças e jovens dependem da escola — pessoal, social e profissionalmente — para terem o seu próprio futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Há quatro oradores inscritos para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Melo, queria saudá-la pela intervenção que fez e, principalmente, «vergar-me» perante a ousadia e a coragem de V. Ex.ª por trazer um assunto como o do estado do nosso ensino no final deste ano lectivo. E digo-o porque este foi, verdadeiramente, o annus horribilis para o Governo no que diz respeito ao ensino.
Perderíamos, com certeza, muito tempo a classificá-lo, pelo que elegerei apenas três imagens de marca, três grandes características que, de facto, definem este ano lectivo.
A primeira grande marca é a enorme crispação que se vive nas nossas escolas, um clima de absoluta instabilidade motivado pelas críticas que a Sr.ª Ministra da Educação dirigiu genericamente aos nossos professores.
A segunda grande marca é a indisciplina nas salas de aula, que teve origem na perda de autoridade, motivada, precisamente, pela atitude do Governo e também pela aprovação de um Estatuto do Aluno (neste ano lectivo, recordo) que acaba, por exemplo, com as faltas injustificadas e com a perda de ano ou reprovação em virtude das faltas — que teve o seu exemplo paradigmático naquele caso que foi filmado, por acaso, numa escola secundária, mas que, infelizmente, é apenas um dos exemplos.
A terceira grande marca deste ano lectivo tem a ver, de facto, com uma obsessão facilitista em prole de resultados meramente estatísticos, administrativos por parte deste Governo, para tentar camuflar a absoluta ausência de políticas activas que visem melhorar a qualidade do nosso ensino.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Não deixo, portanto, de registar a sua coragem por aqui vir trazer este assunto, mas também registo que abordou muito pouco estas três grandes imagens de marca da política governativa neste ano lectivo,…

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Esqueceu-se!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — … que constituem, manifestamente, os pilares que preocupam os portugueses. Preocupam os professores que têm brio, empenho e dedicação na sua actividade quotidiana junto dos seus alunos e preocupam, principalmente, as famílias portuguesas que olham para o estado do nosso ensino e percebem que assim não estamos a preparar o melhor futuro para o nosso país.

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Não é facilitando, de forma artificial, as «qualificações», os resultados estatísticos que vamos melhorar verdadeiramente a qualificação dos portugueses.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Tal e qual!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Deixo-lhe, por isso, Sr.ª Deputada, o seguinte apelo e repto: que, nas suas respostas, possa centrar-se naquelas que são, realmente, as grandes marcas deste Governo, que, infelizmente, são muito negativas para os portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, muito obrigada pelas questões que colocou. Parto do princípio que os três aspectos que referiu são negativos e que todos os outros que referi são positivos. Muito obrigada, o balanço é bom!

Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Depende do grau de exigência!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Em primeiro lugar, gostava de discutir com o Sr. Deputado a questão da crispação se fosse possível colocar lado a lado o que se passou este ano e o que se passaria se os senhores tivessem desmantelado a escola pública em seis meses. Gostava de saber qual era o clima de crispação que teria existido! Falei de alterações, e as alterações mexem sempre com as coisas que são habituais e, obviamente, criam algumas reacções. Mas daí até dizermos que há crispações vai uma grande distância!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — São só 100 000 professores!…

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — E, sobretudo, o Sr. Deputado não falou de crispações anteriores, como aconteceu, por exemplo, aquando do lançamento do ano lectivo no tempo em que o senhor estava na secretaria de Estado ou dos exames que tiveram lugar nessa altura.
Portanto, quanto à crispação, não vale a pena falar.
O Sr. Deputado disse ainda que este terá sido um annus horribilis. Mas, tendo em conta os resultados que aqui referi, ele não foi mau como annus horribilis! Se ter mais alunos nas escolas, mais diversificação de projectos, melhores escolas, mais formação para os professores,…

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Qual é o país de que está a falar?!

A Sr.ª Manuela Melo (PSD): — … um Plano de Acção para a Matemática, um Plano Nacional de Leitura, etc., são coisas más, gostava de saber o que de bom o Sr. Deputado pode prever nos seus programas eleitorais, porque tudo isto está também nesses programas.
Finalmente, quando à indisciplina. Eis aqui um problema que preocupa toda a gente. A indisciplina vem de fora para dentro da escola, gera-se na própria escola por multiplicação de más práticas e é um problema que todos nós, seguramente, temos de enfrentar. É também uma indisciplina, sobretudo em algumas escolas, que vem do ambiente social — nos territórios educativos prioritários, por exemplo, detectou-se isso muito claramente —, mas ela não nos deve assustar. A indisciplina está muito relacionada com uma certa mudança do paradigma da escola pública, que deixou de ser homogénea e elitista para passar a ser multicultural e democrática.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É uma tese nova!

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A Sr.ª Manuela Melo (PS): — E isso traz sempre problemas que cabe a todos nós — professores, pais e alunos — combater, para também aqui termos sucesso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela de Melo, há uma certa candura no início da sua intervenção. A Sr.ª Deputada pegou no jornal e viu uma seta para cima… É tão raro isso acontecer relativamente à equipa da educação que se encantou. Mas engana-se, Sr.ª Deputada. Essa não é a avaliação que o País faz do estado da educação, em particular da escola pública.
E, sobre a escola pública, é bom que o Partido Socialista traga aqui a oportunidade de fazermos um balanço sobre os efeitos da política da actual equipa do Ministério da Educação na escola pública.
Veja os resultados que foram tornados públicos no relatório da Comissão Europeia sobre o estado da educação em Portugal: abandono escolar precoce, 36%, quando, na Europa, são 15%; conclusão do secundário, 53%, quando, na Europa, atingiu os 80%; formação ao longo da vida nem aos 5% chegámos, quando, na Europa, se aproxima dos 10%. Estes são os números com que temos de nos confrontar.
Mas, Sr.ª Deputada, temos de fazer todo o balanço, e este foi o ano mais miserável da educação. A Sr.ª Ministra conseguiu juntar contra ela a maior manifestação de docentes da escola pública alguma realizada em Portugal, pessoas que mostraram como se sentiram desmotivadas com a forma como foram tratadas e insultadas pelo Ministério da Educação.
Aliás, o decreto-lei que veio fazer com que os professores que estão incapacitados para o exercício de funções docentes passem para a mobilidade especial mostra a atenção e também a forma como o Ministério da Educação leva a sua palavra a sério, porque, durante vários anos, a Sr.ª Ministra disse que nem um docente iria para a mobilidade especial.

Vozes do BE: — É verdade!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Pois aqui está: os docentes que podem ter funções na escola pública mas que, por razões de saúde, estão incapacitados de cumprir funções lectivas, esses irão para a mobilidade especial ou terão uma reclassificação de carreira. É assim que os senhores trataram as pessoas de que se faz a escola pública.
Veja as actividades de enriquecimento curricular. O trabalho divulgado pelo SPGL mostra que os professores que estão a dar estas aulas estão a recibo verde,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — … trabalham umas quantas horas e dão estas actividades a crianças que estão cansadas ao final do dia.
Em relação às necessidades educativas especiais, milhares de crianças vão ser excluídas do apoio que tinham na escola pública.
Quanto ao ensino artístico, os senhores querem que estes estudantes que estudam música tenham 44 horas de aulas semanais e que, a partir dos 18 anos, sejam excluídos do ensino especializado da música.
O que lhe pergunto, Sr.ª Deputada, é: o Partido Socialista está tão contente porquê? Uma seta vale tanta desgraça?!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo.

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A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, não sei se em 2 minutos consigo responder a esta catadupa de perguntas. Esta setinha para cima pode significar muito pouco, mas gostava de lhe perguntar se passar da monodocência não directa gradualmente para a multidisciplinaridade, portanto com vários professores, é uma má medida. É que, se for, diga-nos, porque eu ponho já uma setinha para baixo ao Secretário de Estado Valter Lemos!

Vozes do PSD: — Pode pôr!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Fala das médias europeias e aproveita para dizer que estamos muito abaixo.
Estou inteiramente de acordo. Mas é exactamente por estarmos abaixo das médias europeias — e eu aqui não digo que os outros países europeus trabalham todos para a estatística, aceito as estatísticas com o valor que todas as estatísticas têm — que estamos a criar algumas das coisas que eu disse e outras que eu não disse mas que a senhora sabe, para permitir um combate mais eficaz ao abandono e ao insucesso escolar. É contra isso que lutamos, desde o primeiro dia em que a Sr.ª Deputada nos viu aqui nesta bancada.
Disse, depois, que toda a minha declaração é muito cândida. Sr.ª Deputada, quanto a isso não há problema! Sobre a mobilidade dos professores, a Sr.ª Deputada não se importa de fugir ligeiramente à verdade.
Aquilo que foi dito no último despacho foi que os professores, além das possibilidades que já tinham antes — reconversão, etc. —, podem, se o desejarem, integrar o regime de mobilidade especial.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Se é só para isso não era preciso!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — A Sr.ª Deputada pode dizer que o trabalho é uma coisa indigna se não for exactamente o trabalho para que estão, neste caso, incapacitados, mas não é! Há professores que, não tendo possibilidade de desempenhar a sua função docente, gostam de trabalhar. A Sr.ª Deputada Ana Drago pode não gostar, mas há professores que gostam.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Gostam de trabalhar nas suas escolas!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Portanto, dar-lhes mais uma possibilidade de aproveitarem essa hipótese, é uma boa coisa

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sobre as AEC, apenas digo: estão cansados? Pois estão! É muita carga lectiva? Pois é! Mas não defende que deve haver a execução da Lei de Bases quando integra estas mesmas actividades das AEC no currículo do 1.º ciclo?!

Aplausos do PS.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Não integra, não! Esse é que é o problema!

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela de Melo, de facto, é tão absurdo quanto raro, se não caso único, aparecer uma setinha para cima no Público ao lado da cara do Sr. Secretário de Estado Valter Lemos. Mas também é curioso que o Partido Socialista tenha dedicado quase 10 minutos de declaração política a este facto e nunca tenha dedicado um que fosse a todas as setas para baixo que têm aparecido relativamente ao Ministério da Educação ou a qualquer um dos seus membros.
A Sr.ª Deputada, durante uma parte da sua intervenção, louvou as actividades de enriquecimento curricular e, por acaso, ignorou a publicação de dois estudos que demonstram, claramente, os impactos que as actividades de enriquecimento curricular estão a ter na deterioração da qualidade do ensino prestado no 1.º

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ciclo do ensino básico, as quais estão a impor condições de absoluta e extrema exploração e precariedade para aqueles que nele leccionam, muitas vezes através de empresas que foram criadas só para esse efeito e também através do princípio da municipalização, que este Governo aplicou nas actividades de enriquecimento curricular.
Também se esqueceu de falar dos contentores onde as AEC são levadas a cabo e da falta de espaços e de dizer que essas actividades devem ser, como diz Lei de Bases do Sistema Educativo, curriculares e não colocadas fora dos currículos. Ora, o que este Governo fez foi plasmar, pela prática, um incumprimento frontal da Lei de Bases do Sistema Educativo.
E é curioso que o Governo, que vem agora mostrar-se preocupado e sensibilizado com a situação das crianças que passam de um para vários professores, seja o mesmo Governo que coloca as crianças do 1.º ciclo do ensino básico nas mãos de um conjunto de professores nas actividades de enriquecimento curricular que nem sequer são os mesmos durante os vários meses do ano lectivo,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … porque não há condições de estabilidade nas actividades de enriquecimento curricular que possibilitem, sequer, que o professor com que começam o ano seja o mesmo com que terminam.
Portanto, é o mesmo Governo que coloca as crianças em situações de mudança de professor quase mensalmente, e às vezes nem isso, que vem agora, muito preocupado, dizer que é preciso diminuir o número de professores no 2.º ciclo do ensino básico. Há aqui uma falsidade, uma hipocrisia, um «gato escondido com o rabo de fora»! Que estudos pedagógicos, que estudos científicos — não economicistas, não do Ministério das Finanças — que analisem a situação do ensino em Portugal tem o Governo para sustentar uma medida desta natureza, que, inclusivamente, contraria a Lei de bases do Sistema Educativo, ao contrário do que diz a Sr.ª Deputada?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela de Melo.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, quando citei aqui o Público até fiquei aflita por julgar que o PCP nos ia «cair em cima» a dizer: «Vêem, vêem, como os neoliberalistas estão de acordo com este Governo! Nós bem dizíamos! Nós bem dizíamos!». É uma incongruência, Sr. Deputado! Eu citei a notícia porque achei muita piada que até no Público, hoje, tenha havido uma seta para cima por uma questão destas, que o Sr. Deputado desvaloriza mas que todos os estudos científicos dizem que é fundamental para quebrar as dificuldades de passagem do 1.º ciclo para o 2.º ciclo do ensino básico.
Sobre as AEC, o senhor fala de precariedade. É verdade! Mas, que eu saiba, no ensino oficial também há alguma precariedade, há professores que não chegam até ao fim do ano e as criancinhas não têm grandes problemas por causa disso, vão-se habituando e conseguem «digerir» isso. É mau? É! Estamos preocupados com isso? Estamos! Estamos preocupados com a municipalização? Não estamos! Para nós, o Estado não é o Governo. Os senhores acusam-nos de centralistas, mas nós consideramos os municípios como parte integrante do Estado e o poder municipal tão legítimo como o poder central…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Quem o disse foi a Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — … e, portanto, é tão legítimo que sejam os municípios a fazer isso como se seja Governo central. E quanto mais descentralização houver para os municípios, por muito que lhe custe, muito melhor funcionará o nosso sistema de ensino.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso não é descentralização, isso é «sacudir a água do capote»!

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A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Quanto aos contentores, diga-me uma coisa, Sr. Deputado: os contentores seriam diferentes estando as matérias no currículo ou estando no AEC? Qual é a diferença? Existe uma falsidade, diz o senhor, na forma como falamos no assunto. Sr. Deputado, quando o senhor pegar naquelas coisas que eu ali em cima referi e me disser, uma a uma, que não são verdade, voltaremos a falar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputada Manuela Melo, gostava de começar por lhe dizer que V. Ex.ª veio aqui clarificar quais são os objectivos do Partido Socialista, do Governo e do Ministério da Educação. Já sabíamos que, realmente, o Governo trabalhava para as sondagens; já sabíamos que o Ministério da Educação trabalhava para as estatísticas; agora ficámos a saber que o Grupo Parlamentar do PS, mais modestamente, trabalha para as «setinhas» nos jornais.

Aplausos do CDS-PP.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Por aqui está tudo visto! E por aqui também se vê qual é o grau de ambição. É que a Sr.ª Deputada conseguiu falar, pelas minhas contas, quase 10 minutos sobre a educação… Eram 6 minutos e estão ali mais três, portanto, falou 9... É que eu ainda sou do tempo em que a Matemática tinha exames, e exames bem feitos!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Luís Fagundes Duarte (PS): — Não se nota!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Mas dizia eu que a Sr.ª Deputada conseguiu falar imenso tempo sobre educação mas não disse que o Partido Socialista e o Governo estão preocupados em assegurar maior qualidade e maior exigência no sistema educativo português. De facto, fala das estatísticas, apresenta alguns resultados, mas não é capaz de nos garantir aqui que é esse o vosso objectivo.
Sabem muito bem que, quando se viola o direito à educação de qualquer criança, o que se está a fazer é a pôr em causa a igualdade de oportunidades a que qualquer cidadão tem direito num País democrático.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Por isso, gostava de recordar-lhe qual é o resultado deste ano. A Sr.ª Deputada diz que não houve crispação. Pois não!... Aqueles 100 000 professores na rua eram um grupo de amigos da Sr.ª Ministra que vieram passear a Lisboa! Aplausos do CDS-PP.

Sr.ª Deputada, sobre a inacção total e a falta de ambição, quero dizer-lhe o seguinte: sobre a matéria de manuais escolares, o CDS apresentou uma proposta, que o PS chumbou e o Governo nada fez; sobre a bolsa de exames e melhoria da sua qualidade, o CDS apresentou uma proposta, o PS chumbou-a e o Governo nada fez, rigorosamente; sobre a liberdade de escolha e de educação para as famílias, o CDS apresentou uma proposta, …

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

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O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — … o PS chumbou-a e o Governo nada fez, rigorosamente.
Sr.ª Deputada, vou concluir com uma pergunta: a Sr.ª Deputada está em condições de nos assegurar aqui que, no próximo ano, vai haver avaliação de professores a sério, tal e qual está previsto no decreto regulamentar de Janeiro de 2008, ou vamos ter outra vez uma farsa de um acordo feito pela Sr.ª Ministra com os sindicatos para fingir que há avaliação?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela de Melo.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Paulo Carvalho, agradeço a sua intervenção e posso garantir-lhe que o Ministério, tal como o Grupo Parlamentar do Partido Socialista – e espero que, quando citar isto, cite a frase toda –, está realmente a trabalhar para as estatísticas, que nos envergonham, porque, e falando no caso específico da Matemática que expus da tribuna, o que está ser feito para apoiar os professores e os alunos de matemática é algo que nunca se fez neste País, e não é grande problema porque tinha-se feito pouco.
Portanto, o investimento no desdobramento de turmas, no apoio de mais professores, no apoio técnico aos professores, nos 3000 itens disponíveis para Matemática, nos testes intermédios que todos os professores podem dar aos seus alunos, tudo isso tem de dar resultados. Ou o senhor é daqueles que não acredita que o esforço que se faz na aprendizagem vale a pena? Eu acredito e a escola existe para ter mais trabalho, melhor trabalho e, com isso, obter mais resultados.
É com essas estatísticas que estamos de acordo e é para elas que estaremos sempre a trabalhar.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (PS): — Só não fala na qualidade e na exigência!

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Quanto às propostas que o Sr. Deputado foi apresentando ao longo deste ano, sei que o senhor é um Deputado trabalhador e que verte em propostas o que foi o seu programa eleitoral.
Tudo bem, mas não espere que sejamos nós a cumpri-las! Sr. Deputado, ganhe as eleições ou arranje uma coligação que possa levá-las à prática e, então, pode fazê-las todas! O seu colega Diogo Feio afirma que só vale a pena voltar ao governo se puder levar por diante as suas reformas da educação. É triste que não tenha concretizado nenhuma delas antes quando estava no governo, mas isso já não importa agora.
Portanto, Sr. Deputado, nós temos um grande grau de ambição…

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Não parece nada!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Ó valha-nos Deus!...

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — … e ele passa pela escola pública e pelo serviço público de educação com grande dignidade. É nisso que trabalhamos e não tenho dúvidas que é exactamente isso que estamos a fazer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão do nuclear veio outra vez à ordem do dia, agora por iniciativa do Governador do Banco de Portugal.
Aí há uns tempos, tínhamos empresários, que, curiosamente, nunca tiveram preocupações ambientais, a dizer que era preciso um combate contra as alterações climáticas e que, por isso, era inevitável construir uma ou mais centrais nucleares em Portugal. Agora, temos Victor Constâncio a dizer que temos uma dependência tal do petróleo que temos que ponderar a instalação de reactores nucleares em Portugal.

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O mais preocupante é que tudo isto se baseia em pressupostos falsos, que é preciso denunciar, porque a sustentabilidade e a segurança do País não se compadecem com as oportunidades de novos negócios que alguns gostavam de realizar, para acumular mais fortunas.
É bem verdade que precisamos de combater as alterações climáticas. Quem mais do que Os Verdes o tem repetido, há anos e anos? E é bem verdade que temos que nos livrar da nossa dependência do petróleo.
Temos que trabalhar para a auto-sustentação e sustentabilidade energética, fundamentalmente através da criação de eficiência e da aposta nas energias renováveis.
Ocorre, entretanto, Srs. Deputados que a energia nuclear não nos resolveria nenhum destes problemas.
Só para dar alguns exemplos que o justificam, Os Verdes dizem o seguinte: o sector que mais contribui para a nossa dependência do petróleo, e que é também dos mais responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa, é o sector dos transportes.
Ora, uma central nuclear não põe os transportes a andar, ela destina-se exclusivamente à produção de electricidade. Logo, não será difícil perceber que, mesmo que hoje já tivéssemos a funcionar um reactor nuclear em Portugal, estaríamos exactamente com o mesmo problema de dependência do petróleo e com os mesmos problemas de excesso de emissões de gases com efeito de estufa. Portanto, quem «pinta» a energia nuclear de milagre para a resolução do País, está a enganar os portugueses.
Além disso, o nosso problema energético, criado pelo desleixo de sucessivos governos ora do PS, ora do PSD, é um problema que requer respostas urgentes, porque estamos a senti-lo hoje com grande intensidade.
Assim, imaginemos que se cometia o brutal erro de construir uma central nuclear em Portugal. Ela só estaria pronta lá para o ano 2020, o que significa que invocar o nuclear como resposta à actual crise do petróleo é de uma desonestidade muito grande.
Para os que gostam de olhar para as questões financeiras, uma central nuclear custaria cerca de 4 a 6000 milhões de euros (isto se não tivermos em conta as derrapagens financeiras, que na construção do novo reactor nuclear na Finlândia já ultrapassaram os 25%). A central nuclear teria um período de vida útil de cerca de 50 anos e, depois, o desmantelamento de uma central nuclear custa, a preços iguais, o dobro ou o triplo da sua construção. Transportar este encargo para as gerações futuras seria de uma enorme irresponsabilidade, para já não falar dos apoios públicos que este investimento acarretaria, quer do ponto de vista nacional, quer do ponto de vista europeu, que, ao invés de serem direccionados para as energias renováveis, seriam direccionados para a energia nuclear.
Há que ter também em conta que uma central nuclear funciona com base no urânio. O urânio é um recurso limitado e não renovável, o que nos manteria dependentes do exterior para adquirir esta matéria-prima ou activaríamos minas de urânio em Portugal, alargando e agravando o problema que já hoje conhecemos de saúde pública e de incapacidade de resolução de passivos ambientais nas minas da Urgeiriça.
Por fim, mas da maior importância para quem entende a ecologia como a sustentação do desenvolvimento, o nuclear transporta consigo um eterno problema: os resíduos radioactivos.
Não há solução para os resíduos radioactivos e eles são de uma perigosidade extremamente elevada, com efeitos adversos que se mantêm ao longo de décadas e décadas, para além de que a própria indústria nuclear é uma indústria de risco inegavelmente elevado. É, portanto, também a segurança das populações, agora e no futuro, que está em causa e não há que minimizar este problema, porque ele é real e não temos nenhuma necessidade de nos submetermos a ele.
É claro que há quem diga que já estamos submetidos aos efeitos do nuclear porque a nossa vizinha Espanha tem centrais nucleares a funcionar e que, se houvesse um acidente, estaríamos sujeitos às suas consequências. Mas isto será argumento aceitável, Srs. Deputados? Isto é como dizer: «já que está ali uma lixeira, não faz mal nenhum fazer outra aqui»! E o monstro cresce assim! Para além de que, a nossa responsabilidade é, justamente, a de olhar para o problema que a Espanha tem tido com o depósito de resíduos radioactivos e, simultaneamente, apoiar Espanha na inversão já anunciada em relação ao nuclear, porque Espanha já criou um plano de encerramento de centrais nucleares. Então, e vamos nós, aqui em Portugal, dar exactamente o sinal contrário? Enquanto a Espanha, a Alemanha, a Suécia recuam no nuclear, vamos nós dar o primeiro passo para implantar nuclear em Portugal?! Não faria qualquer sentido! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A postura do PS sobre esta questão tem sido a de que o nuclear não está na agenda do Governo, mas, ao que parece, não fecha a porta a que venha a estar na próxima legislatura. Para um Governo que se diz apostado no reforço das energias renováveis, esta posição é muito

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fraca, enfraquece esse objectivo e deixa muita margem de manobra para que a pressão dos desejosos investidores pró-nuclearistas se faça sentir e para que partidas e contra-partidas se comecem a formar. A população, em Portugal, precisa de estar muitíssimo atenta! Curiosamente, do sector que mais contribui para a nossa dependência do petróleo e para as alterações climáticas, os transportes, esses investidores não falam, nem reivindicam soluções. Mas falam Os Verdes e, por isso, aqui anuncio que as nossas jornadas parlamentares, a realizar nas próximas segunda e terça-feira, serão dedicadas justamente ao tema dos transportes e no início da próxima sessão legislativa traremos um conjunto de propostas concretas para discutirmos com todos os grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, ao contrário do que é costume, desta vez não a felicito pela oportunidade do tema, porque, como já disse a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, caímos no logro de estarmos a refazer a discussão do nuclear afastando-nos, desde ontem, da discussão central sobre a situação gravíssima por que o País passa, como se, porventura, uma central nuclear que já existisse neste momento nos tivesse feito a vida algo diferente no último mês; como se uma central nuclear tivesse impedido o bloqueio dos camionistas; como se uma central nuclear tivesse evitado a paralisação do País pela alta dos custos do petróleo.
Uma central nuclear não tinha evitado tudo isso e nós também esperamos que a expectativa do Governador do Banco de Portugal não seja a de uma crise que dure 12 anos, porque esse é o período que levaria a construir uma central nuclear!! Mas parece-me que o tema não deve ser tabu e, de uma vez por todas, deve ser discutido, porque a tecnologia nuclear há-de ter futuro que não o dos reactores que estão ser feitos na Finlândia, mas há-de ter futuro, repito, e há-de ser importante. É uma tecnologia que com outro nível de segurança não deixará de estar presente no nosso mix energético no futuro. 20 anos é pouco tempo e é o tempo que se prevê para que a fusão rápida possa estar a funcionar, pelo que não devemos voltar aos anos 60 e pensar que o nuclear é todo igual, mas também não devemos «comer gato por lebre» e ir a correr atrás de um reactor igual àquele que na Finlândia está a custar o dobro do previsto e a dar mais problemas do que aqueles que se pensava.
Ainda assim, Sr.ª Deputada, é evidente que aquilo que o mercado da energia, em particular da electricidade, precisa vai além do mercado energético concorrencial: vai precisar, essencialmente, da substituição de um motor de combustão. Precisamos, com certeza, de várias coisas para as quais o Governo anterior procurou trabalhar… Passamos a vida a ouvir dizer que este Governo fez uma grande aposta nas energias renováveis, sem dúvida que fez alguma e sem dúvida ela ver-se-á no futuro, agora, quando se diz que este ano há mais 43% de energia renovável na rede, é bom que se perceba — e nós temos obrigação de percebê-lo! — que isso corresponde a nem uma licença emitida por este Governo, porque estas coisas levam o seu tempo!...

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr.ª Deputada, como lhe dizia, precisamos de um mercado concorrencial, verdadeiramente concorrencial, que ainda não temos; precisamos do desenvolvimento do mix energético; precisamos de eficiência energética; precisamos seguramente de várias coisas antes do nuclear, mas fico sempre perplexo com esta visão panglossiana de Os Verdes, porque eu penso que ainda não houve uma forma de produção de energia que não tivesse sido aqui atacada por Os Verdes.
Há três semanas, Os Verdes disseram aqui ao Primeiro-Ministro que nós não podíamos fazer o plano nacional de barragens. Ora, nós de energia precisamos e vamos precisar cada vez mais. Fico esperançado de que desta vez, das Jornadas Parlamentares de Os Verdes, não saia mais uma reflexão cândida de optimismo que não tem correspondência com a realidade — e a Sr.ª Deputada concordará que alguma coisa temos de fazer, mas seguramente que, neste momento, não é o tempo oportuno para nos fixarmos numa discussão que nos distrai do essencial.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Eduardo Martins, ainda assim, consideramos que é muito importante trazer este tema à Assembleia da República, como de resto alertar, fora da Assembleia da República, para o facto de que está a ser aduzida uma série de argumentos e de pressupostos falsos relativamente ao nuclear.
Ora, nós consideramos que face àquilo que temos ouvido, devemos, de imediato, prestar esclarecimentos claros sobre aquilo que verdadeiramente está em causa, daí a importância de continuarmos a esclarecer sobre esta matéria da energia nuclear, porque há muitos interesses que se levantam, há muitos interesses que vão falsear argumentos para poder ter viabilidade aos olhos da opinião pública e nós, Sr. Deputado, temos o dever de esclarecer devidamente o que está em causa, porque esses pressupostos são efectivamente falsos, como tive oportunidade de referir na minha intervenção.
Não estamos a falar da fusão rápida, nem daquilo que ainda não existe! Estamos a falar dos interesses e dos apetites concretos que existem hoje e que são os supostos reactores nucleares que se estão a construir na Finlândia e que seriam transportados para cá, o que rejeitamos liminarmente.
Mas, Sr. Deputado, está a ver por que é que não temos andado bem nesta matéria? O Sr. Deputado, por exemplo, que já teve responsabilidades governativas, no seu pedido de esclarecimento levantou um conjunto de questões sobre matérias energéticas e não falou, outra vez, dos transportes, porque o PSD, como o PS, não tem dado prioridade a uma matéria essencial, que é a dos transportes! É nos transportes que está a nossa maior dependência energética do petróleo e é esse sector que representa uma das maiores emissões de gases com efeitos de estufa.
Estamos sempre a procurar aniquilar um sector que é fundamental em termos de solução e depois as soluções não aparecem. O que aparece são pseudo-soluções, como o Programa Nacional de Barragens, que o Sr. Deputado sabe que, em termos de electroprodução, vai ser mínimo e que, em termos de combate às alterações climáticas, vai ser ainda mais mínimo.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Estou a terminar, Sr. Presidente.
Como o Sr. Deputado sabe — e temos recorrentemente trazido este tema a debate —, este programa vem satisfazer «apetites», como os da EDP, e vem pôr em causa o desenvolvimento e o potencial de algumas regiões, designadamente do Tua. Trata-se, pois, de uma pseudo-solução e não de uma solução verdadeiramente interessante e eficaz para aquilo que está em causa no nosso país.
Portanto, o desafio aqui fica, Sr. Deputado: comecem a falar dos transportes!

Vozes de Os Verdes e do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, a sua intervenção suscita-me uma questão, que, penso, se coloca a muitos de nós, que é a de saber por que é que o Dr. Vítor Constâncio, no dia em que veio à Assembleia da República dar as piores notícias que os portugueses podiam algum dia ter recebido, dizendo-lhes que o custo de vida se vai agravar e que o desemprego vai aumentar num contexto de grande precariedade (como as alterações às leis do trabalho que estão em conclusão permitem preparar), tira da «cartola» este «coelho» extraordinário da opção pela energia nuclear, que, como bem disse, não resolve a nossa carência, o nosso défice central de energia, sendo que esta se verifica sobretudo no sector não eléctrico, como a Sr.ª Deputada disse na sua intervenção.
Portanto, precisamos de equacionar esta «manobra de diversão» que constituiu a proposta que o Dr. Vítor Constâncio fez aqui, na Assembleia da República, porque, na verdade, ela demonstra a incapacidade que o Governo tem hoje de conseguir dar resposta aos portugueses em relação a alguns dos seus problemas mais

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importantes, que têm a ver com as áreas do trabalho, da qualidade de vida, da habitação, dos serviços públicos, e que estão em franco progresso de desagregação e de desqualificação.
Quanto a esta ideia peregrina que o Dr. Vítor Constâncio aqui trouxe, fundada no exemplo que referiu da central da Finlândia, afinal de contas, a própria Finlândia está a concluir que não é solução, porque os custos da construção deste reactor dito de terceira geração dispararam muito para além do orçamento previsto e as condições de segurança hoje continuam a ser da maior gravidade.
Estamos, portanto, diante de uma solução que não é solução alguma, porque o que o nuclear representa hoje é uma fonte de energia extremamente cara e perigosa.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, no futuro, quando a ciência resolver estes dois problemas, cá estaremos para discutir uma hipótese desta natureza. No entanto, Sr.ª Deputada, não considera que falar, hoje, de uma solução cara, perigosa, que não tem a menor razão de ser e não resolve os problemas do nosso país é uma forma de desviar a atenção daquilo que é o mais importante?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Alda Macedo, concordo com as considerações que fez relativamente a esta matéria.
De facto, é inqualificável que tenhamos sempre os olhos postos nalguns países da União Europeia como exemplos para tudo e para mais alguma coisa, mas em relação aos salários nunca pomos os olhos em lado algum, porque, se fizermos comparações, vemos como somos miseráveis.
Quanto a esta matéria, devíamos olhar, por exemplo, para a Alemanha, a Espanha, a Suécia e outros países para perceber a inversão que estão a fazer na sua opção do nuclear e para, de uma vez por todas, entendermos que há opções que devem ser seguidas e nas quais se deve apostar e outras que, liminarmente, não cometemos o erro de as fazer então e não devemos cometer o erro de as fazer agora.
A aposta está, de facto, na eficiência energética! É porque quando falamos da eficiência energética não estamos a falar de fundamentalismos, estamos a falar numa lógica actual de uma sociedade de consumo exagerado, de uma redução razoável e sustentável relativamente a esses padrões em termos energéticos. É nisto que se deve basear a eficiência energética.
Temos um plano que não está minimamente a ser executado, temos medidas que não estão a ser executadas, mas deviam, e há estudos que demonstram que, caso esta razoabilidade fosse aplicada, estaríamos facilmente em condições de reduzir em 30% o nosso consumo energético. Isto é altamente esclarecedor quanto a algumas prioridades que não têm sido seguidas.
Para além disso, a nossa aposta deve ser na diversificação das energias renováveis, mas naquelas que são eficazes quanto aos objectivos que queremos cumprir, sem nunca, mas nunca, esquecer aquele sector que tem sido sempre esquecido, que é, justamente, o dos transportes, como já tive oportunidade de referir!

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada, de facto, sabemos que o Dr. Vítor Constâncio, inclusive como Governador do Banco de Portugal, tem feito muitos jeitos ao Governo, designadamente em muitas posições que tem tomado, e o Governo tem sido muito pouco peremptório relativamente à sua posição quanto ao nuclear. É porque, há uns bons meses atrás, tivemos aqui oportunidade de questionar o Sr. Primeiro-Ministro quanto a essa matéria, tendo, a partir daí, ficado gravada a «cassete»: «o nuclear não está na agenda do Governo». Mas aproxima-se uma nova legislatura e o Governo está a abrir todas as portas para que o nuclear se «abra» numa próxima legislatura.

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Assim, relativamente a esta matéria, todas as bancadas devem exigir mais esclarecimentos e marcar mais posições, nos tempos que se avizinham.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Cristina Duarte.

A Sr.ª Paula Cristina Duarte (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, bem-vinda à discussão sobre as energias. É bom que Os Verdes comecem a ter, realmente, essas preocupações.

Risos de Os Verdes e do PCP.

Há muito tempo que marcámos a agenda…, não por ser moda, Sr.ª Deputada, mas porque temos obra nesta matéria!!

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Paula Cristina Duarte (PS): — E a nossa obra tem a ver, por exemplo, com o Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética, que vai reduzir significativamente os consumos e que nunca, até agora, tinha sido apresentado, nem pelo anterior governo.
Mas percebemos as vossas reservas. Por que é que os senhores são contra as barragens e não apresentam propostas? Não basta criticar por criticar! Não basta falar por ser moda!

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Paula Cristina Duarte (PS): — Nada de novo nos estão a dizer, nada, Sr.ª Deputada!

Vozes do PS: — Só sabem criticar!

A Sr.ª Paula Cristina Duarte (PS): — Eficiência energética e energias renováveis são questões que há muito tempo estudamos e que estão nas nossas preocupações.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Paula Cristina Duarte (PS): — É graças, sobretudo, ao nosso esforço que mais de 40% da energia eléctrica produzida em Portugal vem de fonte renovável. E, nesta, há uma parte significativa que é produzida pelas barragens. Então, os senhores são contra?! Diga, Sr.ª Deputada! Os senhores são contra a eólica?! Os senhores são contra a hídrica?! Os senhores são contra a biomassa?! Os senhores são contra o solar?! São contra a energia das ondas?! São contra os biocombustíveis?! São contra o biogás?! São contra a microgeração tecnológica?! Os senhores são contra tudo! Estão sempre, sempre no contra!! Responda, Sr.ª Deputada!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Cristina Duarte, quase que me sinto na obrigação de perguntar se chegou hoje ao debate sobre as energias, porque, na verdade, ou tem andado muito distraída ou fez-se de distraída. Talvez tenha oportunidade, depois, de esclarecer isso… Ao dizer que Os Verdes chegaram hoje ao debate sobre energia, a Sr.ª Deputada pôs a Câmara a rir. Com certeza! Não podia ser de outra forma! Admito que a Sr.ª Deputada não tenha acompanhado as intervenções de Os Verdes fora da Assembleia da República, mas tem acompanhado as intervenções que Os Verdes têm

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feito aqui e sabe que estas matérias têm sido uma prioridade de intervenção do Partido Ecologista «Os Verdes».
Mas, curiosamente, a Sr.ª Deputada não falou dos transportes. Por que será? Do maior sector emissor de gases com efeito de estufa, do sector que nos faz depender mais do petróleo, a Sr.ª Deputada não fala! O PS e o PSD não falam!! Sr.ª Deputada, o PS acordou há pouco tempo para esta questão, sabe porquê? Porque as matérias e as preocupações ambientais não vos movem!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Exactamente!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sabe o que é que vos moveu nesta matéria, Sr.ª Deputada? Foi a alta do preço do petróleo — «levaram as mãos à cabeça»! As preocupações ambientais nunca vos moveram.
Por isso é que chegámos à situação de dependência a que chegámos hoje! Por outro lado, as questões economicistas, quando chegam a tocar alguns interesses, movem-vos, mas movem-vos agora, à pressa, de forma a ir ao encontro de alguns interesses e apetites que estão direccionados para esta questão.
Sr.ª Deputada, de facto, temos um Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética, mas que se contrapõe, claramente, a um Programa Nacional de Barragens, que (não sei se leu, se calhar, não…!) prevê exactamente o aumento do consumo para os próximos anos. E, para além disso, prevê-se para os próximos anos em Portugal um aumento consumo eléctrico na base daquilo que tem estado a acontecer, de 4% ao ano.
Isso não lhe diz nada, Sr.ª Deputada? Não lhe merece qualquer preocupação? Não vale a pena chegar aqui e dizer: «Os senhores são contra a energia solar, são contra a eólica». Não, não! É preciso irmos de encontro às propostas concretas, conhecê-las e tomar posição sobre elas! Contudo, sobre a energia nuclear, a Sr.ª Deputada não se pronunciou aqui, hoje, e isso é preocupante!

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ainda a propósito de setas, grande seta acertou hoje o Tribunal de Contas no Governo do Partido Socialista.
O Tribunal de Contas, retomando um anterior relatório, volta novamente a recusar o visto ao contrato de parceria público-privada para a construção e a gestão do Hospital de Cascais, fundamentalmente, com três argumentos: o contrato não defende o interesse público, o contrato não salvaguardou as regras da livre concorrência e o contrato não respeita o caderno de encargos, nomeadamente não inclui uma unidade de oncologia.
Isto é particularmente grave, porque, aqui mesmo, neste Plenário, a Sr.ª Ministra da Saúde garantiu que, na sequência das insistências dos profissionais e dos utentes do Hospital de Cascais, o Governo se comprometia a incluir um serviço de oncologia na parceria. Na realidade, o Tribunal de Contas veio demonstrar que isto não passava de uma simples mentira. É grave um membro do Governo que, acossado pelo protesto, não tem outra solução que não seja recorrer à inverdade! Queria ainda dizer sobre isto que fez mal o Governo em não ouvir os doentes, os profissionais, as forças políticas que dentro e fora desta Câmara, entre as quais o Bloco de Esquerda, insistentemente reclamavam que a parceria não fosse assinada. E faz mal o Governo em insistir neste caminho, em não aprender consigo próprio, com o que fez no Hospital Amadora-Sintra, e insistir em novas quatro parcerias para a construção e a gestão dos futuros hospitais públicos.
É grave que assim seja. Pior do que errar é o Governo não aprender com os seus erros, não compreender que estas parcerias público-privadas estarão condenadas, desde o princípio até ao fim, às enormes trapalhadas a que assistimos ao longo dos anos no Hospital Amadora-Sintra.
A outra questão que queria colocar às Sr.as e Srs. Deputados não é um problema de hoje, é um problema de há muitos anos, e refere-se à falta de médicos no nosso país, que é mais grave neste período de Verão.
Há mais de três anos, quando o Governo do Partido Socialista tomou posse, este era um problema que todos reconhecíamos: faltam médicos no País. Apesar disso, apesar de ser um consenso e um reconhecimento generalizado, três anos depois estamos pior: temos menos médicos nos hospitais do Serviço

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Nacional de Saúde (SNS); faltam médicos nos centros de saúde; faltam médicos nos hospitais; faltam médicos nos serviços de urgência; faltam médicos para o INEM; faltam médicos por todo o lado.
É verdade que esta falta de médicos não é um problema de hoje e não é um problema para o qual haja soluções milagrosas nem rápidas, mas é igualmente verdade que não chega ir buscar 15 médicos ao Uruguai, que não chega apelar aos jovens estudantes das faculdades de medicina que estudam no estrangeiro para que, quando concluam os seus cursos, venham exercer a sua profissão nos hospitais públicos do País. Não chega! É muito pouco para um Governo que governa há três anos.
Mas o Governo ainda fez pior nesta matéria, porque o Governo manteve uma «olímpica» tranquilidade perante as sucessivas vagas de saída de médicos dos hospitais públicos ao ritmo da inauguração de grandes hospitais privados um pouco por todas as grandes cidades do País. Perante isto, o Governo nada fez, manteve-se impávido e sereno como se isso não comprometesse a qualidade e o acesso ao Serviço Nacional de Saúde. E saíram médicos altamente diferenciados, que empobreceram a qualidade e a capacidade operacional do SNS, mas também saíram muitos jovens especialistas em quem o Estado investiu e apostou durante muitos anos na sua formação, mas que, por o Governo não lhes garantir uma vaga na Administração Pública, recorreram e aceitaram as promessas que hospitais privados lhes apresentaram.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — Mas há ainda uma terceira e pesada responsabilidade deste Governo na situação que se vive hoje nos hospitais e que respeita à degradação do exercício da actividade médica nos serviços públicos de saúde, degradação essa que veio agravar o problema e as consequências da falta dos médicos. Os hospitais-empresa, seja na versão SA do governo «cor-de-laranja» do PSD/CDS seja na «coloração cor-de-rosa» dos hospitais EPE, generalizaram os contratos individuais de trabalho, tornaram a estabilidade profissional numa memória do passado e de um passado que já tem seis anos. Nos hospitais empresa não se respeitam carreiras, não se respeitam concursos, a regra é o contrato individual. Os hospitaisempresa chegam mesmo a disputar entre si os médicos mais capazes, os melhores médicos e a contratação dos médicos é hoje feita apenas pelo valor das respectivas remunerações.
Esta «futebolização» em que se transformou a contratação de médicos no nosso país tem uma consequência gravíssima para o Serviço Nacional de Saúde e para a política de saúde do Governo: é que o Governo prescindiu de um instrumento essencial para assegurar a distribuição harmoniosa de médicos pelo País e pelas especialidades. Hoje, o Governo perdeu esse instrumento de planeamento dos serviços de saúde e isso é um erro gravíssimo e de consequências gravíssimas!! O Governo, como disse, manteve-se impávido e sereno perante a falta de médicos nos hospitais — julgou que com ganhos de eficiência ou de produtividade resolvia o problema. Agora que estamos à beira do Verão, em que todos estes problemas são mais graves, tememos pela forma como o Serviço Nacional de Saúde poderá vir a dar resposta às crescentes necessidades e procura própria dos meses de Verão.
Por isso, o Bloco de Esquerda apresenta hoje sete propostas que se o Governo tivesse implementado ou se vier a implementar podem, em parte, contribuir para uma melhor estabilidade e uma maior produtividade do Serviço Nacional de Saúde.
Enuncio-as muito rapidamente: o Governo devia suspender a concessão de licenças sem vencimento de longa duração; o Governo devia atribuir um incentivo para que os médicos de maior idade regressem ao serviço de urgências, remunerando o facto de prescindirem desse direito que lhes está atribuído; o Governo devia assegurar uma vaga de especialidade para todos os médicos que concluem o ano comum do internato; o Governo devia propor contratos por 10 anos para todos aqueles que concluam a sua especialidade nos serviços públicos; o Governo devia ainda transformar todos os contratos que são hoje estabelecidos por empresas de aluguer de médicos em contratos de trabalho entre as instituições hospitalares e o respectivo profissional; o Governo terá de acabar com a enorme desigualdade, que é incompreensível para qualquer português, de que médicos com o mesmo grau, com a mesma categoria e a cumprir a mesma função recebam no final do mês remunerações diferentes apenas porque um pertence ao quadro do serviço público e o outro foi lá colocado por uma empresa privada de aluguer de mão-de-obra médica; por último, é preciso dizer com clareza que em Portugal os médicos estão mal remunerados nos serviços públicos e que por isso é urgente e

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necessário haver uma revalorização dos salários e das remunerações dos médicos do Serviço Nacional de Saúde.
Sr.as e Srs. Deputados, preocupa-nos o silêncio do Governo sobre este problema da falta de médicos, particularmente quando se aproxima o Verão. É caso para dizer que em matéria de falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde o Governo «está de férias há muito tempo».

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Há três pedidos de esclarecimentos.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, queria fazer-lhe uma saudação muito especial pela oportunidade da introdução deste tema no debate da Câmara. Partilho inteiramente da sua opinião de que 10 anos de governação socialista na saúde…

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Intercalados!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — … tinham de deixar necessariamente marcas muito fundas também na gestão de recursos humanos da saúde.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — É preciso ter lata!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — No primeiro consulado do Eng.º Guterres, só ao fim de três anos, em 1998, é que o governo socialista se lembrou de ordenar a elaboração de um plano estratégico de formação nas profissões da saúde. Esse plano haveria de ser apresentado em 2001 e foi absolutamente abandonado.
Agora, da mesma maneira, três anos depois de estarem no Governo, é que se recordam de que há problemas de falta de médicos em Portugal. Só que agora abandonam o pensamento estratégico nesta matéria e optam claramente por medidas de muita duvidosa aplicação imediatista.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Não podemos substituir as dezenas de médicos espanhóis que regressam a Espanha por 15 médicos uruguaios e darmo-nos por contentes e conformados com a situação!! Penso que o Sr. Deputado partilha comigo desta opinião: o Governo tem toda a informação com toda a precisão para saber onde há médicos a mais, onde há médicos a menos, onde a distribuição é feita de forma simétrica ou assimétrica, onde é que as valências são mais carentes. Ora, não vemos da parte do Governo qualquer medida de fundo para promover uma redistribuição parcial destas assimetrias.
Sr. Deputado, nas sete medidas que anunciou nada vi sobre a utilização dos mecanismos de mobilidade dos recursos humanos já ao dispor do Governo, da Administração Pública portuguesa e que permitiriam colmatar esta deficiência.
A outra questão que gostaria de colocar-lhe tem a ver com os ganhos de eficiência possíveis ao nível da gestão hospitalar em Portugal como forma de obviar às perdas de médicos no Serviço Nacional de Saúde.
Ora, nas sete medidas propostas pelo Bloco de Esquerda também nada vejo ao nível da contratualização, da responsabilização e da prestação de contas sobre os resultados nos cidadãos.
Gostaria que nos respondesse a estas questões.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

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O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Miranda, muito obrigado pelas suas palavras.
Queria ser muito claro e frontal consigo e com os restantes Srs. Deputados dizendo que os problemas de que hoje falei começaram quando o seu partido governava. Os hospitais-empresa foram uma criação do ministro Luís Filipe Pereira que, tanto quanto sei, era governante de um governo PSD.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — E foi muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — Queria também dizer que a teoria de que é possível com ganhos de eficiência e de produtividade assegurar uma gestão harmoniosa e articulada do Serviço Nacional de Saúde também é uma formulação desse governo do PSD onde o CDS também esteve. O que lamento, em primeiro lugar, é que sobre essa matéria estejamos em posições diferentes e tenhamos opiniões diferentes.
Em segundo lugar, e ainda mais lamentável, é o facto de o Partido Socialista se ter embebido nessas duas teorias, porque elas são, na realidade e na prática, o que condena o Serviço Nacional de Saúde.
Sobre as medidas propostas, o Bloco de Esquerda não quis fazer o «ABC» do Serviço Nacional de Saúde e de uma nova política de saúde. O Bloco de Esquerda, sabendo que o Governo leva muitos meses de atraso sobre a obrigatória negociação de umas novas carreiras médicas e de um novo contrato colectivo de trabalho que decorrem das mudanças introduzidas na Administração Pública, não pode sequer estar à espera de que se concluam essa negociação e essa discussão. São necessárias medidas urgentes e imediatas e, como se sabe, não há medidas de mobilidade urgentes nem imediatas e muito menos é possível com medidas urgentes, imediatas e pontuais resolver um problema que só é possível renegociando as carreiras, o contrato e mudando a política, ou seja, recuperando para a Administração Pública a capacidade, o controlo e o planeamento dos recursos médicos pelo País para evitar que haja médicos a mais no litoral em relação ao interior, que haja médicos a mais nos hospitais e a menos nos centros de saúde e que haja médicos a mais em certas especialidades e a menos noutras.
Ora, isso não é possível fazer com medidas como aquelas que o Bloco de Esquerda apresentou porque queremos apenas que se faça algo de imediato para acabar com o descalabro e a debandada de médicos no Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, quero felicitá-lo e dizer-lhe que o CDS partilha as suas preocupações relativamente à falta de cuidado, à falta de planeamento e à falta de perspectivas que houve nos últimos anos, nomeadamente nestes últimos três, no que se refere à projecção e ao planeamento dos recursos humanos dos profissionais da área da saúde, na sua distribuição geográfica e em termos de especialidades e numa antecipação das necessidades a médio e a longo prazos.
Sr. Deputado, tenho uma primeira pergunta/comentário a fazer-lhe. Não sei até quando é que os Srs. Deputados do Partido Socialista, do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda tencionam imputar responsabilidades ao governo de coligação PSD/CDS, nomeadamente responsabilidades que não têm,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — … quando o Sr. Deputado sabe, e muito bem, que esse governo de coligação teve responsabilidades na área da saúde que foram muitíssimo benéficas.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — O Sr. Deputado sabe, porque é médico, porque é profissional de saúde, que foi o ministro Luís Filipe Pereira que introduziu nos hospitais mecanismos de gestão por critérios objectivos que, infelizmente, foram interrompidos quando este Governo do Partido Socialista tomou posse.

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Portanto, reconheçam os benefícios da política de saúde que foram introduzidos por este governo de coligação.
Sr. Deputado, partilho as suas preocupações, como já disse, em termos de recursos humanos, em termos de organização na área da saúde. Ora, o Sr. Deputado disse aqui uma frase na qual eu pego, ou seja, «todos estes problemas se agravam na época do Verão». Daí que seja incompreensível para nós, à semelhança do que se faz em outros países e do que se faz em Portugal para a área da protecção civil, das forças de segurança e dos bombeiros, que não exista em Portugal um plano de contingência na área da saúde para o Verão.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Por isso, propusemos uma resolução para que de ora em diante exista em todos os Verões um plano de contingência que permita atempadamente saber quais são as necessidades, qual é o acréscimo de população em determinadas zonas em época de Verão, quais são as necessidades dos profissionais em termos de equipamentos.
Sr. Deputado, alguma das vossas propostas inclui algum contingente? Como encaram esta nossa proposta?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, permita-me que lhe diga que comete uma grande injustiça com o Partido Socialista. É porque se há partido em Portugal, mais até que o PSD e o CDS, que reconhece a excelência da política do Luís Filipe Pereira é o Partido Socialista. Considero que é uma grande injustiça da sua parte. As grandes medidas do ministro Luís Filipe Pereira estão todas no programa e na acção da política de saúde do Governo socialista.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Tomaram eles!

O Sr. João Semedo (BE): — O que era um hospital SA passou a ser um hospital EPE, mas a questão fundamental manteve-se, e é a principal e mais grave das mudanças introduzidas por Luís Filipe Pereira e seguidas pelo Partido Socialista. É que a administração dos hospitais deixou de se conduzir por resultados clínicos, por resultados assistenciais para se conduzir por resultados financeiros, por ganhos financeiros. Ora, essa mudança é gravíssima para o Serviço Nacional de Saúde. Portanto, Sr.ª Deputada, mais uma vez lhe digo: é muito injusta para o Partido Socialista, porque se há partido que reconhece o mérito do Governo em que a Sr.ª Deputada participou em matéria política de saúde é, de facto, o Partido Socialista! Relativamente aos planos de contingência, o problema com que o País está confrontado é o de, nos meses de Verão, serem acentuadas gravemente as dificuldades de distribuição e de colocação de médicos, porque os médicos e outros profissionais também vão de férias. A principal medida que um plano de contingência de Verão deve ter — e não conheço o que o CDS diz que apresentou… — é a suspensão pelo Governo da limitação administrativa que introduziu nos hospitais para o pagamento das remunerações e das horas de trabalho a mais que são absolutamente necessárias para garantir o funcionamento dos serviços. Do meu ponto de vista, um governo responsável suspenderia as limitações que hoje existem nos hospitais para pagamento das horas extraordinárias, e outras horas suplementares, de forma a garantir que não faltem médicos ou outros profissionais para que os hospitais possam funcionar pelo menos com o mínimo de qualidade e de capacidade de resposta.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

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A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, não vou felicitá-lo pela sua intervenção — e digo-o com toda a sinceridade — porque penso que o Sr. Deputado fez afirmações que não são nem fundamentadas nem sustentadas.
O Sr. Deputado começou por dizer que o Governo mentiu. Devo dizer que tudo o que o Governo decidiu, assim como tudo o afirmou, em relação ao tratamento da oncologia em Cascais, foi rigorosamente cumprido.
O Governo decidiu que todos os doentes que necessitassem de tratamento oncológico seriam incluídos até ao final de 2008 e que, depois de 2008, haveria uma fase de renegociação. A Sr.ª Ministra já fez afirmações que nos podem dar confiança no sentido de o tratamento oncológico ser uma realidade em Cascais, depois de 2008. Mas se o Sr. Deputado conhecer algum doente, algum utente que tenha sido recusado no Hospital de Cascais para fazer tratamento de oncologia, faça o favor de denunciar. Serei a primeira a apoiá-lo nessa decisão!

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Relativamente à questão sempre difícil dos recursos humanos, a Sr.ª Ministra já fez um anúncio, e o Sr. Deputado ou fez de conta que não ouviu ou é seu propósito omitir aquilo que a Sr.ª Ministra anunciou, mas vou repetir: o Governo continuará, numa linha clara, que é a de aumentar e alargar as vagas na formação de medicina para as especialidades mais carenciadas e, para uma situação mais emergente, a Sr.ª Ministra fez contratos com médicos estrangeiros, o que não achamos mal. Se o Sr. Deputado considera ser uma má medida diga-me porquê.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não chega!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — De facto, não chega. São 15 médicos uruguaios, não chega, mas é alguma coisa… É porque os Srs. Deputados, ao criticarem, acabam por concordar… É a isso que acho piada: não concordam com a medida, mas concordam com o volume. É evidente que é pouco, mas é alguma coisa.
Sr. Presidente, só para terminar, quero falar do problema do Hospital Amadora-Sintra, que já foi aqui discutido detalhadamente. Penso que, também nessa matéria, o Sr. Deputado sabe que não foi a qualidade dos cuidados prestados que esteve na base da decisão deste Governo.
Gostava que o Sr. Deputado tivesse a humildade de reconhecer que fez afirmações que não são sustentadas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, muito obrigado pela sua sinceridade, que lhe vou devolver, dizendo que tudo o que eu disse está sustentado não nas minhas palavras, mas na realidade.
Pelas suas palavras, eu sou mentiroso,…

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Não lhe chamei mentiroso. O senhor é que chamou mentiroso ao Governo. Não inverta!

O Sr. João Semedo (BE): — …o Tribunal de Contas é mentiroso e a Sr.ª Ministra não disse o que nós ouvimos! A Sr.ª Ministra não disse que garantia que, em qualquer circunstância, o Hospital de Cascais iria ter, no futuro, uma unidade de oncologia. Ninguém ouviu isso! Foi só o Deputado João Semedo?! Não! Ouvimos todos. Isso foi dito pela Ministra.

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O que o Tribunal de Contas diz é que há uma contradição entre o caderno de encargos e o contrato assinado. É que, no contrato assinado, não está prevista qualquer unidade de oncologia.
Por favor, Sr.ª Deputada, não quero acreditar que a política de saúde do Partido Socialista seja: «Faça-se o favor ao doente canceroso e atendam-no lá…». Isso não é ter uma política de saúde. A política de saúde é ter um serviço com «cabeça, tronco e membros», com dimensão, com profissionais, com recursos, para tratar com dignidade os doentes. Não é um favor da Sr.ª Ministra. Essa é que é a diferença!

Aplausos do BE.

Sr.ª Deputada, quanto ao Hospital Amadora-Sintra, acabei de dizer da tribuna que lamentava que o Partido Socialista não generalizasse a aprendizagem que fez sobre o Hospital Amadora-Sintra às restantes parcerias público-privadas, porque todos estamos a ver que se trata de uma enorme trapalhada. A diferença é que, nalguns hospitais, a trapalhada acontece ao fim de ano e meio, dois, três anos; noutros, como é o caso de Cascais, a trapalhada acontece ainda antes de começar a funcionar o hospital. Esse é que é o problema e era a isso que o Partido Socialista devia dar atenção.
Sr.ª Deputada, quanto à questão do numerus clausus, peço desculpa, mas só conheço duas medidas concretas do Governo. E não têm por finalidade aumentar o número de novos estudantes nas faculdades de Medicina, que, como todos verificámos, este ano aumentou em 151, passando de mais de 1400 para 1600.
Sabe qual é a última estimativa, apresentada pelo Sr. Ministro Correia de Campos, para as necessidades de formação de novos médicos, por ano, em Portugal? É de 2000! Não fiquem, pois, satisfeitos, porque não há qualquer reflexão, qualquer trabalho do Governo sobre esta matéria, nomeadamente no sentido de acrescentar, programadamente, mais alunos nas faculdades que já existem e de aumentar o número de faculdades. Inevitavelmente, é essa a solução que vamos ter de adoptar.
E quanto a essa matéria, não fiz qualquer crítica. O que disse foi que não conhecia qualquer medida a não a ser a de terem sido contratados 15 médicos no Uruguai.
Sr.ª Deputada, contratem-nos onde quiserem, pois todos eles são bem-vindos. Mas não considera que, para os mais de 1000 médicos que abandonaram o Serviço Nacional de Saúde, a contratação de 15 médicos é reduzida? Com franqueza, Sr.ª Deputada!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: À margem da impressionante melhoria das aptidões matemáticas dos jovens do País, da propaganda do Governo e das manipulações estatísticas que transformam diariamente o nosso País no mais desenvolvido, futurista e tecnológico País do globo, encontrase a realidade.
Por debaixo dessa propaganda persistente e poluente encontra-se uma escola pública cada vez mais degradada, milhares de professores esgotados e desmotivados — ofendidos, muitas vezes, na sua própria dignidade profissional, emocional e intelectual; encontram-se os estudantes em salas bem diferentes das dos anúncios da televisão, muitas vezes em turmas de mais de 30 alunos, em escolas que não têm sequer salas suficientes para as aulas necessárias; encontram-se os milhares de funcionários não docentes que vêem no horizonte a municipalização das suas funções; os estudantes do ensino artístico que não vêem futuro na reestruturação que o Governo lhes impõe, e os professores — muitos sem profissionalização — que continuam contratados sem saber até quando não virão a engrossar os números do desemprego.
Por debaixo dessa propaganda do Governo, que esquece e esconde os impactos da política de direita junto das famílias, dos estudantes, dos professores e, em última análise, junto da escola pública, que, pouco a pouco, com diplomas retrógrados, como o que põe fim à gestão democrática dos estabelecimentos de ensino, este Governo vai condenando à empresarialização.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exacto!

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — A principal «bandeira» do Governo — a que chama a escola a tempo inteiro —, afinal, não é mais do que a criação de um depósito de crianças, sem nenhumas condições, sem qualidade, onde os próprios professores estão sujeitos às mais mirabolantes situações de exploração e de precariedade laboral, como bem demonstram os estudos das actividades de enriquecimento curricular levados a cabo pelos sindicatos de professores da Grande Lisboa e da Região Centro.

O Sr. António Filipe (PCP): — É verdade!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O Governo continua a assumir a destruição da escola pública como prioridade do Ministério da Educação — e em todas as esferas e valências educativas o Governo a vai fragilizando enquanto fortalece os nichos de negócio privado. Estamos perante um retrocesso civilizacional: a política de destruição da escola inclusiva, através da desconstrução do próprio conceito de necessidades educativas especiais, a degradação da qualidade do ensino, a elitização do acesso ao conhecimento e a privatização da escola.
Nos princípios de Julho, o Governo aponta duas novas machadadas contra o ensino artístico especializado, particularmente contra o ensino da música, com a publicação de despachos do Ministério da Educação que alteram as condições para a matrícula em escolas de ensino artístico e os critérios e formas de contrato de patrocínio com essas instituições. A dois meses do início do novo ano lectivo, e após momentos de acesa discussão entre os agentes educativos, o Ministério da Educação e esta Assembleia, após a intensa mobilização de professores, famílias e estudantes de praticamente todas as escolas públicas do ensino especializado da música do País, o Ministério determina regras que fazem «tábua rasa» de todos os contributos que foram entregues pelas escolas, pelos alunos, pelos pais e pelos partidos políticos. O Governo quer, agora, que nenhum estudante com mais de 18 anos possa ingressar no regime supletivo do ensino especializado da música, ao mesmo tempo que obriga os alunos a frequentarem todas as disciplinas dos planos de estudos regular e especializado, aumentando, em alguns casos, as suas cargas horárias para 44 horas semanais.
Da mesma forma, o Governo impõe regras tão restritivas que se tornarão impeditivas da frequência para muitos, mostrando também, assim, um profundo desconhecimento da diversidade de características de cada situação no que toca ao ensino especializado da música.
Ao mesmo tempo, o Governo anuncia os novos critérios de financiamento do ensino especializado da música, onde torna clara a sua estratégia de obter, pelo financiamento, aquilo que não obteve pela discussão democrática. Através de uma comissão, o Governo beneficia financeiramente o modelo de escola tipo integrado, que tenha todas as disciplinas no mesmo espaço, ou seja, os grandes colégios privados, e pune as pequenas escolas particulares e a maioria das escolas públicas.
Mas a ofensiva contra a escola pública não começa nem acaba no ensino artístico. Ela inicia-se no violento ataque a todos os trabalhadores da educação, onde não escapam os professores. O novo Estatuto da Carreira Docente é o corolário das ofensas e das malfeitorias do Governo a estes profissionais, mas toda a sua regulamentação — desde a prova de ingresso à colocação em situação de mobilidade especial publicada anteontem em decreto-lei — vem agravar a condição em que o Governo tem colocado os professores, sacrificando a qualidade da escola pública e a educação dos jovens portugueses.
Após ter prometido, por várias vezes, que o regime de mobilidade especial não se aplicaria a um docente, o Ministério da Educação vem fazer publicar o decreto-lei que determina — adivinhe-se — a passagem à situação de mobilidade especial dos professores declarados incapazes para a actividade docente.
Este diploma não só demonstra o carácter desumano do Governo e do Ministério da Educação como deixa bem clara a reiterada intenção de ultrapassar a própria Constituição da República Portuguesa. Com este decreto-lei, os professores declarados incapazes são praticamente forçados a requerer a sua passagem para a mobilidade especial, sob pena de verem reclassificadas e reconvertidas as suas carreiras caso o não façam, ou a serem forçados a entrar em licença sem vencimento de longa duração.
A Ministra da Educação mostra, uma vez mais, o valor da sua palavra, que, a bem da verdade, vale tanto quanto vale uma mentira.
Por isso mesmo, o Grupo Parlamentar do PCP apela a todos os professores para que mostrem o seu descontentamento perante este decreto-lei, que vem contrariar todos os compromissos assumidos pelo

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Governo para com os professores e as suas estruturas sindicais, da mesma forma que o Grupo Parlamentar do PCP aqui o fará, obrigando o Governo a discutir este decreto-lei na Assembleia da República através de apreciação parlamentar que entregaremos.
A política educativa deste Governo fala por si. O desastre está à vista e cada palavra dos membros do Governo, seja Valter Lemos, Jorge Pedreira ou Maria de Lurdes Rodrigues, já não motiva mais que revolta e repulsa.
Também está à vista o combate empenhado e firme que o PCP tem dirigido contra esta política, sem se diluir na crítica e apresentando propostas. É esta política de direita que faz com que cada vez mais gente se afaste deste Partido Socialista e deste Governo. A época do Partido Socialista chegou ao fim e isso evidencia o desespero de um Governo que já não pode esconder os efeitos das suas políticas de direita.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, saúdo-o por ter trazido a debate, mais uma vez, questões relacionadas com a educação. Mas devo dizer-lhe, por uma questão de honestidade política e intelectual, que não posso concordar com a totalidade dos considerandos e pressupostos da sua intervenção.
Feita esta observação, gostaria de colocar-lhe algumas questões relativamente a dois temas, que, aliás, têm preocupado o CDS durante esta sessão legislativa, o da mobilidade especial e o do ensino especializado da música.
Curiosamente — e penso que concordará comigo —, estes são dois temas em relação aos quais o Governo procurou sistematicamente fugir a dar esclarecimentos ou a mostrar o que pretendia fazer.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Recordo que quer o CDS quer outros partidos da oposição colocaram questões sobre estes dois assuntos à Sr.ª Ministra todas as vezes que veio à respectiva comissão parlamentar. Mas o Governo nunca quis dizer exactamente aquilo que pretende fazer.
Curiosamente, há um número que vem a público sempre que se fala de mobilidade especial, que é o número de cerca de 2500 professores que irão para a situação de mobilidade especial.
Ora, recordo-me de ter perguntado explicitamente ao Sr. Secretário de Estado quantos é que seriam, se seriam 2500 e porquê, tendo o Sr. Secretário de Estado respondido que não, que nunca seria este o número.
Pois aqui está de novo este número! Mais, teoricamente esta situação só abrangeria aqueles que estariam incapacitados para o exercício desta profissão em concreto, mas habilitados para outra. Acontece que o CDS colocou esta pergunta ao Ministério da Educação e a resposta que obteve é que docentes incapacitados para o exercício da docência mas habilitados para o exercício de outras funções são apenas 1000. Agora vá-se lá saber onde é que o Governo foi descobrir os outros 1500 de que fala sempre que se trata da questão de passar ao regime de mobilidade especial! A outra questão que gostaria de lhe colocar diz respeito ao ensino especializado da música. Confesso que não consigo perceber qual é a intenção do Governo. Podia-se dizer que se tratava de beneficiar as escolas públicas face às privadas, mas as públicas não aceitam este regime. Podia-se dizer que se tratava de beneficiar as escolas privadas face às públicas, mas as privadas também não aceitam e criticam este regime.
Podia-se dizer que era um benefício para o ensino especializado da música em geral, mas todos os especialistas em ensino especializado da música criticam esta solução. Podia-se dizer que era um benefício para as famílias e para os alunos, mas são as famílias e os alunos que o criticam e é o Governo que lhes retira o direito e a liberdade de escolha.
Por isso, Sr. Deputado, gostaria que nos dissesse se considera ou não que o Governo passou o ano todo a esconder o jogo para chegar ao fim e «jogar esta cartada» sem ninguém estar à espera e sem ninguém estar preparado.

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, é normal que o Sr. Deputado José Paulo Carvalho não concorde com a totalidade da minha intervenção, mas tem de me dizer qual é a parte com que concorda, para eu ficar preocupado.
Sr. Deputado, obviamente que o Governo não só andou a esconder, como veio a esta Assembleia da República mentir várias vezes. O Governo não se limitou a não explicar, não se limitou a não denunciar as suas verdadeiras intenções. Não! O Governo afirmou intenções contrárias às que agora pratica — por acaso, nestas duas áreas, da mobilidade especial e do ensino artístico.
Em relação à questão da mobilidade especial, durante o debate do Orçamento do Estado para 2008 com a Ministra da Educação, quer no Plenário, foi várias vezes afirmado que nenhum professor entraria neste regime. A Ministra chegou a acusar a oposição de estar a fantasiar e a empolar um assunto para poder «cavalgar essa onda de professores doentes», que seriam forçados a integrar o regime da mobilidade especial.
Mas a verdade aí está! Há dois dias, o Ministério elaborou um decreto-lei que, praticamente, obriga (embora use o termo «voluntário») os docentes a requererem a sua passagem à mobilidade especial, sob pena de serem encaminhados para um processo de reconversão profissional.
É claro que serem encaminhados para esse processo de reconversão não é o único problema. O problema é que não sabem o que será feito depois disso. Podem chegar ao fim desse processo, não encontrarem qualquer saída para a sua situação e verem-se remetidos para uma licença sem vencimento de longa duração, tendo em conta que lhes foi recusada a aposentação pela Caixa Geral de Aposentações.
Portanto, nesta matéria, o Governo não escondeu, mentiu! O mesmo fez em relação à questão da reestruturação do ensino artístico especializado. Em relação a esta reestruturação — o Governo começou por lhe chamar refundação, mas deve ter percebido que, afinal, o que ia fazer era uma destruição, que não ia refundar coisa nenhuma, ia acabar com o ensino artístico especializado, tendo-lhe, então, trocado o nome e agora chama-lhe reestruturação — o Governo também não escondeu a reestruturação do ensino artístico. Aliás, escondeu até certo ponto, mas quando começámos a trazer este assunto à Assembleia da República, o Governo foi obrigado a falar, embora dizendo sempre o contrário do que são os seus verdadeiros objectivos. O Governo nunca afirmou (aliás, sempre desmentiu) que ia pôr fim ao regime supletivo da frequência do ensino especializado da música, por exemplo. Mas agora saiu um decreto que acaba com o regime de frequência supletivo, sob pena de as instituições não receberem o financiamento que lhes é devido.
Da mesma forma, foi criada uma comissão que determina quais são as escolas que devem ou não ser alvo dos contratos de patrocínio, o que, em meu entender, penaliza principalmente as pequenas escolas privadas e as escolas públicas, particularmente as que não têm condições para garantir no mesmo espaço todas as disciplinas do ensino regular e do ensino artístico.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bravo Nico.

O Sr. Bravo Nico (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, irei directamente à essência da sua intervenção e à essência daquilo que nos separa em matéria de política educativa e que tem a ver com a concepção que temos de escola pública.
Hoje, temos mais de 40 000 jovens no ensino, que não estavam no ensino porque já o tinham abandonado — os senhores estão contra! Hoje, temos mais de 400 000 adultos na escola pública — os senhores estão contra!

O Sr. António Filipe (PCP): — Contra?!…

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O Sr. Bravo Nico (PS): — Hoje, temos mais de 5 centenas de salas de pré-escolar em construção — os senhores estão contra!

O Sr. António Filipe (PCP): — Está a delirar!

O Sr. Bravo Nico (PS): — Hoje, estamos a requalificar todo o parque do 1.º ciclo do ensino básico, substituindo as escolas que o Dr. Oliveira Salazar nos deixou — os senhores estão contra!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Foram 30 anos de poder local e não fizeram nada!

O Sr. Bravo Nico (PS): — Hoje, estamos a colocar professores; são 150 000 professores que vão ser colocados por quatro anos, dando estabilidade a esta classe profissional e a milhões de alunos e respectivas famílias — o PCP está contra!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Cinco disparates! Uma mão cheia de disparates!

O Sr. Bravo Nico (PS): — Hoje, estamos a avaliar o desempenho dos professores — os senhores estão contra!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Avaliar?!

O Sr. Bravo Nico (PS): — Hoje, estamos a avaliar as escolas — os senhores estão contra! Hoje, estamos a alargar a base de apoio social para os alunos — os senhores estão contra! Hoje, estamos a alargar o número de refeições que fornecemos aos alunos nas escolas — os senhores estão contra! Hoje, estamos a alargar o número de transportes escolares — os senhores estão contra! Hoje, estamos a atribuir mais bolsas de estudo — os senhores estão contra! Sr. Deputado Miguel Tiago, é isto que nos separa! Nós queremos uma escola pública com mais alunos, com mais apoio social, com professores colocados com estabilidade, com escolas requalificadas, com um maior número de salas de pré-escolar, queremos as escolas do Dr. Oliveira Salazar erradicadas do nosso território. Nós queremos mais ensino secundário profissional. Nós queremos mais prestação de contas e mais responsabilidade.
É isto que nos separa, Sr. Deputado! Nós queremos uma escola pública que esteja ao serviço das pessoas e que não esteja frágil, queremos uma escola que esteja fortalecida para que possa competir em igualdade de oportunidades com o ensino privado e os senhores não querem. É só isto que nos separa! Sr. Deputado, deixo-lhe uma pergunta, que tem a ver com aquilo que une o PCP ao CDS.

Protestos do CDS-PP e do PCP.

Curiosamente, tanto o Sr. Deputado Miguel Tiago como o Sr. Deputado José Paulo Carvalho começaram por referir-se às provas de Matemática. O Sr. Deputado do CDS disse: «Ainda sou do tempo em que a Matemática tinha exames a sério!». E o senhor começou por referir «os impressionantes resultados de matemática». Não lhe parece que isto é ofender os professores e ofender a escola, desconfiando do trabalho dos professores e das escolas?

Aplausos do PS.

Protestos do PCP.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Já teve melhores momentos, Sr. Deputado!

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bravo Nico, não tenho qualquer dúvida de que a nossa concepção de escola pública é diferente! Julgo que o exercício que fez é de tal forma lamentável que nem sequer o coloco na categoria da argumentação.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Chegar aqui e dizer que aumentou o número de alunos e que o PCP está contra e que aumentou o número de salas de aula e que o PCP está contra é de uma indigência tal, que, sinceramente, não sei como hei-de responder-lhe.
De qualquer forma, o Sr. Deputado limitou-se a vir aqui repetir a cassete de propaganda com que o Governo nos presenteia todos os dias.

Risos do PS.

Basta ligar a televisão e vemos um estudante a entrar numa oficina cheia de carros para o estudante poder trabalhar e aprender uma profissão no secundário; abre a outra porta e vê-se uma sala cheia de computadores e pessoas com batas — uma sala espectacular! Não sabemos em que país é, mas está lá, na televisão. Esta é a cassete que nos tentam vender, Sr. Deputado! Mas basta ir às escolas para não encontrar lá, sequer, uma oficina cheia de carros nem professores com batas e para verificar que tudo isto não passa de uma autêntica mentira e de uma autêntica campanha de propaganda! O Sr. Deputado repetiu o chorrilho de propaganda habitual, tendo passado por cima das duas questões que salientei. E disse que ia à essência da minha intervenção! — fiquei curioso.
Mas o Sr. Deputado não tocou em absolutamente nada do que referi na minha intervenção. Ensino artístico especializado — não referiu!

O Sr. António Filipe (PCP): — Zero!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Mobilidade especial para os docentes declarados incapazes para a actividade docente — não referiu! Tal é curioso e é revelador, porque a ausência de respostas também é reveladora.
E, embora saiba que não pode responder, gostaria de dizer-lhe o seguinte: a sua concepção de escola pública é aquela que se nega a promover a intervenção do Estado no ensino artístico especializado, porque promove o que o CDS defende, que é o serviço público de educação prestado por empresas e por escolas privadas.
Na verdade, existem escolas privadas que já se dirigiram ao Ministério da Educação, mostrando a sua vontade para se tornarem públicas e o Ministério responde. Não é essa a nossa perspectiva de escola pública, Sr. Deputado!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, penso que estamos a assistir a um debate de «pingue-pongue», com a tentação de procurar definir o que é que deve ser a escola pública, segundo o PS e segundo o PCP.
Gostaria de dizer que estamos todos um pouco distraídos, porque ambas são más. E ambas são más porque o que deve estar em causa, neste momento, é o que deve ser o melhor serviço público de educação.

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Visando quem? Visando o quê? Visando a qualidade do ensino que é ministrado às nossas crianças e aos nossos jovens, independentemente de quem é o dono da escola.
O que interessa é verificar se o ensino que é prestado hoje nas nossas escolas é melhor do que era antes, independentemente dos artifícios estatísticos que os senhores têm utilizado. Ou seja, os alunos aprendem mais e melhor? Sabem mais? Estão mais preparados para a vida activa? Estas são as questões a que o Partido Socialista tem fugido. São estas as questões a que o Governo não quer responder, porque é mais fácil mascarar a realidade, para depois, estatisticamente, mostrar uma realidade que não existe.
Por isso, não deixa de ser engraçado este «toma lá, dá cá» entre os dois partidos. A verdade é que, ao longo destes três anos, pouco ou nada se avançou numa matéria que é fundamental: a da liberdade de escolha para as famílias e para os estudantes.
É necessário, de uma vez por todas, começarmos a dar passos nesse sentido. Só assim é que as famílias serão verdadeiramente livres de escolher o percurso escolar para os seus filhos.
Este é o debate que os senhores não querem fazer. É o caminho que os senhores têm medo de percorrer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, o PSD bem se esforça para tentar fazer uma linha divisória entre o PS e o PSD, mas as concepções são tão semelhantes que já não há discurso que vos valha! Sobre o serviço público de educação prestado por «entidades cuja propriedade não importa», que é a nova forma que a direita encontrou para dizer «ensino privado», a nova expressão que encontrou para não ser tão ofensiva e que o PS já começa a adoptar, nomeadamente no ensino artístico — mas também já se viu que em relação ao ensino regular para lá caminha… Aliás, a história demonstra-nos claramente que, daqui para lá, a aproximação tende a acentuar-se.
Sobre a concepção de escola pública, Sr. Deputado, não é a propriedade da escola que está em causa.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Ah!…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É porque a propriedade da escola dita o carácter da escola e porque a escola pública não é diferente da escola privada apenas por causa de uma ser do Estado e de a outra ser de uma empresa. Não é apenas por causa da propriedade, Sr. Deputado, é por causa dos conteúdos que são imprimidos na escola, porque a escola laica, como manda o Estado e a Constituição, só é garantida pela escola pública.

Protestos do PSD.

Não é a escola da Igreja — que deve ser uma opção — nem é a escola privada — que deve ser uma opção — que vão garantir a educação laica.

Protestos do Deputado do CDS-PP José Paulo Carvalho.

Portanto, não venha com a teoria de que não importa a propriedade, porque, obviamente, a propriedade determina o carácter da escola pública.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Tem a ver com a liberdade de opção!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não há serviço público da educação prestado por empresas privadas, a não ser em casos muito excepcionais, em que o Estado não cumpriu o seu papel e em que os pais e encarregados de educação foram obrigados a associar-se para fazer escolas, que são privadas, mas gostavam de ser públicas.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para proferir uma declaração política, em nome do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Parlamento assistiu, durante esta semana, mais precisamente na passada terça-feira, a um momento inédito. Pela primeira vez, nos últimos anos, o relatório do Banco de Portugal foi apresentado depois de se ter discutido, aqui, o estado da Nação.

Vozes do CDS-PP: — É verdade!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Pois que fique muito claro: o relatório atrasou, mas o estado da Nação não melhorou!

Aplausos do CDS-PP.

Aliás, basta olhar para as previsões: em baixa, relativamente ao crescimento da economia; em baixa, relativamente ao consumo das famílias; em baixa, relativamente ao investimento das empresas; em baixa, nas exportações; aumento relativamente ao endividamento externo, à divergência com a União Europeia, à desaceleração do emprego; aumento relativamente à inflação.
Em jeito de conclusão: sobe o que não devia subir; desce o que não devia descer.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Ainda para mais, num País que, quando prevê o crescimento da economia, a prevê abaixo da União Europeia; quando prevê decréscimo, prevê acima daquilo que são as previsões da União Europeia. É caso para dizer (e não o dizemos com satisfação) que chegámos ao fim da linha.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — E não vale a pena vir, agora, falar em «abrandamento devido à crise internacional». É que já é abrandamento a mais e, se calhar, crise internacional a menos para esse efeito.

Aplausos do CDS-PP.

Este é o Governo, este é o Partido Socialista, que, perante esta situação diz com ar meio indignado: «Mas quem é que poderia prever aquilo que hoje está a suceder?» Este é precisamente o Governo que nunca percebeu que prever é precaver; e deveriam ter feito isso mesmo durante os últimos três anos.
Não vale a pena — já aqui foi feita — fazer a cronologia da crise das afirmações dos membros deste Governo. Hoje trago, apenas, uma espécie de best of.
12 de Janeiro de 2008: «2008 será melhor do que 2007» — disse José Sócrates. Vê-se!

Protestos da Deputada do PS Ana Catarina Mendonça.

No dia 24 de Abril de 2008, disse também o Primeiro-Ministro: «Vamos retomar este ano a convergência em termos de crescimento económico com a União Europeia». Não há um único relatório que o confirme.
Mas, mais, o campeão do best of, Manuel Pinho (evidentemente)...

Vozes do PSD: — Oh!…

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — …disse: «A economia portuguesa está no bom caminho para uma retoma sólida, não havendo qualquer indicação de crise.» Frase de 2005?! Frase de 2006?! Frase de 2007?! Não! Frase de Abril de 2008. Eu diria que pior é mesmo impossível.

Aplausos do CDS-PP.

O cenário político, hoje, é, de facto, diferente. Não é possível que, perante esta situação, as políticas se mantenham as mesmas. Também por isso, é essencial que se faça, hoje, um conjunto de perguntas.
A primeira: será que o Governo vai manter o objectivo relativamente ao défice? Como é que o défice pode ser o mesmo, com receitas a baixarem e a despesa a subir em termos absolutos? Mantêm aqui, de forma solene, o objectivo que traçaram relativamente ao défice?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Segunda questão: qual a política que o Governo tem para o sector empresarial nacional? O Ministério da Economia fica sempre muito preocupado com grandes inaugurações, com grandes investimentos públicos e privados. É preciso virar a página. Essa não serviu. É preciso apoiar, a sério, a rede de pequenas e médias empresas que tão essenciais são para, desde logo, o sector exportador.
Em terceiro lugar, qual é a ideia que se tem relativamente à inflação — à inflação que toca, e muito, os mais pobres e que toca, e muito, os mais necessitados? Os bens essenciais têm, neste momento, níveis de subida dos preços superiores a 10%. Perante isto, o que é necessário é, de facto, regular a concorrência; é, de facto, que haja regulação sobre o mercado.
Onde estão os tais famosos portais de preços que, questionado pelo CDS, o Sr. Primeiro-Ministro e os ministros aqui se comprometeram a que existissem?

Aplausos do CDS-PP.

Onde está a regulação feita sobre o mercado? Qual a estratégia que o Governo tem relativamente a esta matéria? Em quarto lugar, refiro a situação de endividamento. Hoje, estão endividados o País, as empresas e as famílias. E esta situação é extraordinariamente preocupante. Cada vez mais, vão surgindo anúncios de crédito que são verdadeiramente abusivos perante os cidadãos.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — O CDS questionou, precisamente nesta terça-feira, o Sr. Governador do Banco de Portugal sobre esta matéria. E a resposta foi: «Mas, então, para que serve o mercado?» O mercado serve para, com certeza, ser corrigido, quando há abusos perante o mesmo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Quando há!…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Por fim, e em quinto lugar, refiro a matéria da carga fiscal. Há quase já uma espécie de lenda que se criou na história da nossa democracia em relação a esta matéria: são irresponsáveis aqueles que propõem a baixa de impostos.
Pois irresponsáveis são aqueles que deixaram chegar as contas públicas ao estado em que elas estão, não tendo baixado os impostos quando era necessário.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Por isso mesmo, aceitamos, e bem, que o fisco faça as cobranças fiscais que são necessárias e justas.
Mas a nossa preocupação não é apenas a de que o fisco faça cobranças maiores; é a de que faça cobranças melhores e mais adequadas à nossa situação.
Este é um sinal essencial que tem de ser dado à nossa economia, porque, com toda a sinceridade, o CDS não está satisfeito com uma economia em que cada vez mais há pobreza, em que cada vez mais há pobreza a crédito e em que cada vez menos existe esperança.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, teve uma boa oportunidade para fazer uma abordagem às projecções em baixa que têm sido feitas, em particular às projecções do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do próprio Governo ou do Banco de Portugal. Não o fez.
Já que não o fez, aproveito a oportunidade para esclarecê-lo relativamente a uma matéria: projecções da Comissão Europeia.
Como V. Ex.ª bem sabe, as projecções da Comissão Europeia são, para 2008, de crescimento de 1,7% e, para 2009, de 1,6%, que conseguem ser, ainda assim, projecções que colocam Portugal numa situação de estar a crescer mais do que a França, a Itália, a Bélgica e o Reino Unido.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

É evidente que, na sua expressão, há uma grande preocupação. Disse o Sr. Deputado que baixa o que não deveria baixar e que sobe o que não deveria subir. E associou, a determinada altura, a palavra crise.

Vozes do PSD: — Não há crise?!

O Sr. Victor Baptista (PS): — Não me diga que considera que a crise está a baixar e que, bem pelo contrário, a sua vontade é a de que ela subisse.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não diga disparates!

O Sr. Victor Baptista (PS): — As palavras são suas; eu retiro as minhas ilações.

Protestos do CDS-PP.

Sobre isso, quero dizer-lhe o seguinte: em matéria de projecções económicas, o Banco de Portugal fez uma correcção, tal como o Governo já as tinha, naturalmente, corrigido em baixa.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Ainda bem que reconhece!

O Sr. Victor Baptista (PS): — Ainda assim, temos o País a crescer positivamente. Em termos técnicos, crescer positivamente não é crise; crise é quando temos recessão, o que não é o caso, felizmente. E estamos a crescer, ainda assim, acima das projecções em baixa da Comissão Europeia.
Sabe qual é a última correcção da Comissão Europeia para a zona Euro? É de 1,5% para 2008 e de 2% para 2009! Já que falou no emprego, o Sr. Deputado é capaz de me dizer qual era o número de desempregados… Ou, por outra, qual era o número de empregados…

Risos do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE e de Os Verdes.

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O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, com a tolerância de V. Ex.ª, permita-me enunciar a pergunta: qual era o número de empregados no primeiro trimestre de 2005 e qual é o número de empregados no primeiro trimestre de 2008? Como não sabe, eu digo-lhe: 5,94 milhões eram os empregados no primeiro trimestre de 2005; 5,191 milhões eram os empregados no primeiro trimestre de 2008.
Sabe o que isto significa? Mais 96 600 pessoas empregadas!

O Sr. António Filipe (PCP): — Mal empregadas!

O Sr. Victor Baptista (PS): — Sabe qual era o número de população activa no primeiro trimestre de 2005?

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Termino, Sr. Presidente.
Era de 5,507 milhões.
Sabe qual era no primeiro trimestre de 2008? 6,618 milhões.
Sr. Deputado Diogo Feio, pode retirar daqui a taxa de desemprego.
Sabe qual foi a taxa de desemprego que o Governo de VV. Ex.as herdou, que deixou e a de agora?

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Termino, Sr. Presidente.
Herdou 4,4%, deixou 7,6% e neste momento praticamente estagnou, havendo criação de emprego.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, devo dizer que, relativamente a parte da intervenção do Sr. Deputado Victor Baptista, se eu não estivesse estado consigo em comissões parlamentares durante esta semana, eu considerava que o Sr. Deputado tinha ganho uma viagem à lua e que ainda não tinha voltado, ou que ainda estava mesmo na lua.

Risos do CDS-PP.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — É uma hipótese!…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Deputado, vamos aos números, e de uma forma clara: V. Ex.ª vem falar de previsões de organizações internacionais que dizem que vamos ter um crescimento de 1,7% e de 1,6%.
Portanto, nega as tais de 1,2% do Banco de Portugal.
Não vou estar aqui a fazer de defensor do Governador do Banco de Portugal. Quem o andou a defender durante muito tempo foi V. Ex.ª, mas, pelos vistos, agora ataca!

Aplausos do CDS-PP.

Quero recordar ao Sr. Deputado que as previsões do Governo no último Orçamento foram revistas quase para metade. Não sei se tem esta noção relativamente àquilo que é o crescimento positivo, que, aliás, nos referiu, embora eu também não saiba bem aquilo que é o «crescimento negativo». Fiquei, no entanto, a saber uma coisa, e vou citá-lo: «crescemos acima da baixa da Comissão Europeia». Este é um objectivo extraordinário, Sr. Deputado!…

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Risos do CDS-PP.

Devo dizer que deve ser mesmo difícil alguém que sustenta um governo dizer uma coisa tão extraordinária como esta! Curiosamente, V. Ex.ª preocupou-se em defender aquilo que temos neste momento, mas não se preocupou em dizer que tem uma qualquer estratégia para resolver o problema. Isto é que é extraordinário!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Pensa que alguém, neste momento, no País, está convencido relativamente à questão do emprego?! Ainda neste fim-de-semana, concretamente no sábado, o Sr. Ministro Vieira da Silva disse que vai ser muito difícil chegarmos aos 150 000 empregos.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Ou seja, impossível!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não sei se leu?! Ora, isto, na linguagem do Governo, significa que é impossível chegar à promessa que foi feita.

Aplausos do CDS-PP.

Por outro lado, também não sei se tem a noção dos números em relação ao desemprego. Pensa que os portugueses estão satisfeitos com aquilo que se passa neste momento?!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — São 8%!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não sei se tem em atenção aquilo que está a suceder com a carga fiscal em Portugal, que foi aquela que mais aumentou, entre todos os Estados da União Europeia. Olhe, neste caso, estamos à frente!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É verdade!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Estamos à frente e pode, aliás, ficar muito satisfeito com isso!…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Infelizmente!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Tenho duas referências a fazer-lhe, a primeira das quais sobre a questão do endividamento. Achamos estranho que o Partido Socialista, na intervenção que teve oportunidade de fazer aqui, no Plenário, não tenha demonstrado qualquer preocupação relativamente aos anúncios que são feitos para que os portugueses, de um dia para o outro, tenham 6000 € e paguem taxas acima dos 28%, repito, 28%.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — É usura!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — São essas pessoas que precisam de uma nova esperança, mas, de facto, V. Ex.ª não foi capaz de a dar.
A terminar, devo dizer que, se não estivesse convencido de que estamos em crise, depois da sua intervenção, ficava plenamente convencido.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Ribeiro.

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O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, começo por cumprimentálo, e ao CDS-PP, por trazer este assunto ao Plenário de hoje de forma muito pertinente.
Sr. Deputado, o que o Sr. Governador do Banco de Portugal veio anunciar nesta semana, a revisão em baixa da economia portuguesa, era algo expectável, era uma evidência, era só uma questão de tempo. E, Sr. Deputado, recordo que o PSD, já há bastante tempo, nomeadamente aquando do debate do Orçamento do Estado para 2008, alertou precisamente para o facto de o Governo estar a traçar um cenário demasiado optimista ou, diria mesmo, «estratosférico».

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — É verdade!

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Sr. Deputado, o que o Banco de Portugal nos garantiu — e isto ficou claro pelas palavras do Sr. Governador — foi que a crise vai continuar até 2010, o que fará com que os portugueses continuem a empobrecer…

O Sr. Jorge Fão (PS): — Estão à espera das suas propostas para resolver a crise!

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — … e que a divergência face à União Europeia seja cada vez maior.
A economia portuguesa poderá crescer, repito, poderá crescer, em 2008 e em 2009, 1,2% a 1,3%, ou seja, irá crescer muito menos do que o esperado ou, diria, quase como o PSD tinha antecipadamente previsto.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Claro!

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Mas, Srs. Deputados, o PSD não esteve sozinho nestes avisos. O FMI, a certa altura e há muito pouco tempo, nas previsões publicadas em Abril, veio alertar exactamente para esta situação. E recordo-me bem da forma intempestiva como o Governo reagiu a estas previsões.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Dê os valores!

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Já vou aos valores, Sr. Deputado Victor Baptista! Duvida de que o consumo e o investimento vão crescer muito menos do que o esperado?! Está esquecido de que as exportações vão passar praticamente para metade dos valores que se tinham verificado no ano de 2007?!

Protestos do PS.

É verdade, Sr. Deputado! Mas, Sr. Deputado, também duvida de que o endividamento externo irá aumentar mais, em 2008 e em 2009?! É que esta questão do endividamento externo é muito preocupante e, de facto, só metendo a cabeça na areia é que se pode esquecer esta preocupação. O agravamento do défice externo, em 2008, vai cifrar-se em cerca de 11%! Isto parece ser de somenos importância para o Partido Socialista,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Não parece, é de somenos!

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — … mas significa tão-somente o seguinte: a dívida externa passará a ter exactamente o mesmo valor do PIB, ou seja, estamos completamente empenhados.

A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — Empenhados em levar o País para a frente!

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Mais, Srs. Deputados: a poupança, que ainda não foi aqui falada, desce a níveis históricos…

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O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — … e o endividamento das famílias é uma violência, porque, em 2007, já se cifrou em 129% do rendimento disponível.
Termino, Sr. Presidente, referindo o seguinte: contra tudo e contra todos, o Partido Socialista e o Governo ignoraram os graves problemas dos portugueses e foram vendendo o «País das maravilhas». E o estado em que o País hoje se encontra é o estado que o Partido Socialista criou…

O Sr. António Gameiro (PS): — Não, não! Os senhores é que o criaram!

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — … e do qual é o único responsável.

Protestos do PS.

Mas disseram mais: que o País estava imune ao contexto internacional.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Srs. Deputados, o que mais preocupa é que parece que o Governo baixou os braços, parece que o Governo desistiu de resolver os problemas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Parece, não!

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Em face a 2008, nada se vê,…

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — … mas, em face a 2009, isso é ainda muito mais preocupante.
Sr. Presidente, pedindo desculpa por todo este tempo, deixo duas perguntas ao Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não podemos estar sempre a anunciar que vamos terminar e estarmos sempre a começar, porque, se não, é a Fénix que renasce em cada ocaso.

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Com certeza, Sr. Presidente, mas as perguntas são telegráficas.
Sr. Deputado Diogo Feio, não acha que, de facto, o Governo errou,…

Vozes do PS: — Acha!

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — … ao andar a enganar os portugueses todo este tempo?! A segunda questão é a seguinte: estando a economia tão robusta, como é que, à primeira corrente de ar, a «doente» ficou internada com uma grave gripe?!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Ribeiro, o CDS trouxe a este Plenário uma discussão relativa a um conjunto de previsões. Falámos, aliás, do Banco de Portugal mas, precisamente durante esta tarde, saíram também números do Instituto Nacional de Estatística, e estes não são sobre previsões, são sobre…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — A realidade!

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — … realidades, sobre factos deste ano. E, segundo o Instituto Nacional de Estatística, o PIB está a abrandar e o investimento cai em Portugal pelo terceiro mês consecutivo. Portanto, de facto, deve ser mais uma daquelas situações de estabilização. Vamos de estabilização em estabilização até à estabilização final,…

Risos do Deputado do PSD Paulo Rangel.

… que é aquilo que, pelos vistos, o Partido Socialista nos proporciona.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É necessário ter em atenção que os problemas da economia portuguesa, os problemas relativos ao emprego, de que nos falava há pouco o Sr. Deputado Victor Baptista, necessitam de um crescimento da nossa economia na ordem dos 3%. E, por isso mesmo, como é necessário defender as famílias, é necessário apostar nas empresas. É precisamente isto que este Governo se esquece de fazer.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não basta ter um discurso como se nada estivesse a suceder, porque as pessoas, hoje, sentem na pele as dificuldades…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Todas, menos o Dr. Manuel Pinho!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — … e, perante isto, é necessário mudar de políticas. VV. Ex.as deveriam admiti-lo e, fundamentalmente, deveriam até admitir a discussão das alternativas, porque ninguém pede a alguém que seja adivinho em relação ao que vai suceder. Aquilo que se pede é que seja prudente,…

Aplausos do CDS-PP.

… prudente nas previsões, prudente nas políticas a desenvolver e prudente — veja-se! — nas afirmações que se fazem precisamente nestes momentos.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É que ouvimos aqui, por parte do Deputado Victor Baptista, afirmações que não consideramos aceitáveis, porque a situação é de dificuldade e, perante a dificuldade, aquilo que é preciso dizer é qual o caminho que se pretende tomar.
O CDS foi muitíssimo claro, aliás, até fez perguntas, mas todos ficámos sem saber qual a ideia relativamente à previsão do défice, todos ficámos sem saber, embora imaginemos, qual a ideia relativamente à carga fiscal,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — … todos ficámos sem saber qual a ideia em relação à protecção de que os portugueses necessitam em matéria de crédito, ou seja, este Partido Socialista, neste preciso momento, está totalmente desorientado e, por isso mesmo, necessita de que lhe sejam apresentadas as diferenças do mau caminho que está a seguir no domínio da economia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

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A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O subfinanciamento do ensino superior põe em causa a soberania do País e a sua autonomia no contexto de uma economia global e numa Europa cada vez mais alargada.
Os constrangimentos que, nos últimos anos, e de forma progressiva, têm afectado as instituições de ensino superior públicas não só têm consequências no agravamento da precariedade dos recursos humanos dessas mesmas instituições mas também na qualidade do ensino prestado.
Não chega formular estudos, recomendações e produzir legislação para resolver a crise que afecta este subsistema.
Os diversos governos têm reconhecido que autorizaram — reconheça-se pela inacção e pela indiferença — a existência de uma rede pública e privada de instituições, não necessária ao País que somos, e a proliferação de cursos que se reproduzem em várias instituições sem nenhuma avaliação da sua qualidade e sem que se conheça, na matriz nacional e internacional de formação superior, qualquer objectivo e muito menos procura ou oportunidade social.
O que me parece paradoxal é que se pretenda desmentir as enormes dificuldades de funcionamento das instituições com as verbas que têm vindo a ser indexadas à ciência.
Em primeiro lugar, as verbas disponíveis na área de I&D não resultam de nenhuma estratégia nacional que, inventariando necessidades do País, infra-estruturas existentes e recursos humanos qualificados, tenha definido objectivos capazes de repercutir nos diferentes centros de investigação o investimento que tem vindo a ser feito.
Em segundo lugar, o Governo preferiu optar por «nichos» de ciência e «nichos» de negócio, minimizando o tecido científico e económico nacional.
Era previsível que, depois de uma expansão incontrolada e pouco fiscalizada do ensino superior, sobretudo no sector privado, algumas medidas políticas tivessem sido tomadas.
É por isso que as situações vindas a público não devem constituir nenhuma surpresa.
Segundo o CRUP, das 14 universidades, metade estarão em situação difícil, financeiramente, e poderão não garantir o início do ano lectivo por falta de professores.
As receitas próprias que, nos últimos anos, conseguiram, minimamente, responder às maiores necessidades já não são suficientes. E, ao contrário do que afirma o Sr. Ministro das Finanças, a questão é orçamental e não de gestão, porque, à medida que têm vindo a aumentar os encargos para as instituições de ensino superior, têm vindo a diminuir, ano após ano, as verbas do Orçamento do Estado para o ensino superior.
O subsistema está confrontado com problemas graves para os quais são precisas medidas de política e não paliativos.
O Estado tem de reconhecer a sua incapacidade reguladora e que essa incapacidade induziu uma frágil auto-regulação das instituições.
A capacidade instalada tem de ser objecto de uma reflexão séria, o que implica pôr fim às estratégias eleitoralistas nacionais, regionais e locais de mais infra-estruturas e de mais cursos.
Mantém-se a falta de clareza das missões institucionais das universidades e dos politécnicos.
Num país com a nossa dimensão, o mais sensato seria optar por um subsistema com formações diversificadas, com objectivos e estratégias formativas com temporalidades diferentes, que consolidasse, nas regiões e no País, uma rede cooperante, de qualidade, em condições de se internacionalizar e de constituir uma verdadeira massa crítica.
O que temos é exactamente o oposto: repetem-se formações e disputa-se o território, com a complacência dos governos.
A racionalização da rede e o ordenamento da oferta educativa foram, ao que parece, arquivadas.
A proliferação de novos cursos, de banda muito, muito estreita, representa um passaporte para o desemprego.
O ensino superior público oferece, neste momento, cerca de 1800 cursos e, para o próximo ano lectivo, estão propostos mais 213.
Quando se tomam medidas, ignoram-se as responsabilidades e culpabilizam-se os elos mais frágeis.
Ataca-se a autonomia das instituições, impõe-se a precariedade dos recursos humanos, insinua-se a

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desconfiança nos quadros qualificados e, no fim da cadeia, propõe-se um sistema onde a planificação de cada ano lectivo, a contratação dos profissionais e a investigação dependem cada vez menos do Orçamento do Estado, apesar de mitigado, desde a sua discussão até à sua chegada às instituições.
O relatório da OCDE é claro perante a insuficiência das verbas do Estado: propõe o aumento das contribuições privadas para o sistema; propõe a quebra do vínculo dos docentes à função pública; sugere a abertura de concursos para novos cursos; sugere o aumento das propinas e também dos empréstimos. Tudo isto, segundo a OCDE, em nome da modernidade. Modernidade que choca com o País real, onde a população com formação superior é pouco mais ou menos metade da média da União Europeia.
Portugal é dos países que menos gasta por aluno no ensino superior. Entre 2005 e 2008, o corte real foi de 305 milhões de euros nos orçamentos das universidades e politécnicos, uma redução que rondou os 20%; em 2008, o corte foi, em média, de 11%, sendo o mais baixo orçamento desde 2005.
Muitas das instituições de ensino superior politécnico não têm ainda hoje quadro de pessoal, já lá vão mais de 20 anos desde a sua criação. E, ao mesmo tempo que se pretende despedir docentes, há 35% de vagas disponíveis, não ocupadas.
A Universidade de Évora prevê despedir professores, a Universidade do Algarve pretende aumentar as propinas, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro funde cursos e encerra outros, a Universidade dos Açores diz que não tem, em 2008, orçamento para pagar salários, dado que o orçamento é igual ao de 2007.
Prevê-se que esta situação se alargue à maioria das universidades e politécnicos durante o ano de 2008, como já o afirmaram o Conselho Coordenador dos Politécnicos e o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.
A Fundação para a Ciência e Tecnologia, que deveria entregar às instituições verbas para projectos de investigação, não as disponibiliza e soube-se hoje que há dívidas que remontam a 2001! A Universidade do Minho, que foi classificada como referência internacional no ensino e na investigação, diz que não tem orçamento suficiente para o ano de 2008.
O ensino superior em Portugal está, de facto, deficitário. A situação vivida evidencia a urgência no investimento e não na poupança, porque sem qualificação, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não iremos longe.
E não chega propagandeá-la, é preciso convergir no discurso e nas medidas políticas propostas.
A divergência face às médias europeias tem vindo a aumentar no ensino superior público. E se as políticas não se alterarem, o Governo está a criar um ensino superior cada vez mais desqualificado e, simultaneamente, a criar cada vez mais dificuldades no acesso ao ensino superior público, violando objectivamente a Constituição da República Portuguesa, as expectativas e as necessidades de um País que, internacionalmente, se pretende comparar quer com a Europa quer com o resto do mundo.

O Sr. Presidente: — Há três oradores inscritos para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, deixe-me começar por dizer-lhe que creio que fez um retrato fidedigno de todas as dificuldades que a rede de ensino superior público atravessa neste momento. Aliás, olhamos para três anos de governação do Partido Socialista e fica uma sensação de absoluto falhanço — ou não? Todas as expectativas que havia, até pelo percurso passado de Mariano Gago à frente das questões da ciência, falharam! Portanto, a estratégia de desinvestimento e de não qualificação do ensino superior público seguida nos últimos três anos, afinal, era a estratégia querida pelo Partido Socialista.
Queria formular-lhe algumas perguntas sobre notícias que vamos tendo, mês a mês, desde que o Orçamento para 2008 foi conhecido. Refiro-me às dificuldades orçamentais que estão a ser vividas pelas instituições de ensino superior público.
A estratégia do Governo nesta matéria, nestes três anos, tem sido relativamente simples: a ideia é cortar, à partida, no orçamento das instituições e depois utilizar a estratégia do «chicote» e da «cenoura». Ou seja, quem apoia as medidas e as palavras arrojadas do Ministro Mariano Gago pode ser que venha a ser premiado com alguns reforços orçamentais, alguns programas de investigação, mas para todos os outros é seguida a

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estratégia para «o cavalo do inglês»: ver se as universidades aprendem a viver sem orçamento e sem dinheiro.
Portanto, de mês a mês, vamos conhecendo mais uma universidade, mais outro instituto superior politécnico que está com dificuldades orçamentais, que não tem dinheiro para pagar os subsídios de férias ou, mesmo, os salários e que não tem possibilidades de investimento até ao final do ano.
O que é assustador, em termos da expectativa que o País tinha do que seria a política do ensino superior do Governo do Partido Socialista, é constatar que não há vontade de qualificação das instituições de ensino superior. O Partido Socialista e o Sr. Ministro Mariano Gago acham que o problema das universidades em Portugal é de contabilidade e de gestão de contas — e o Sr. Ministro das Finanças veio dizer a mesma coisa! Ou seja, apesar dos cortes orçamentais sucessivos nos orçamentos das universidades e maiores encargos para as universidades, entendem que não há qualquer problema de investimento.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Deputada, queria fazer-lhe uma pergunta muito breve que se prende com o seguinte: na Comissão de Educação, apresentámos um requerimento a sugerir que o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) fossem ouvidos nessa Comissão para que este Parlamento ficasse esclarecido sobre a situação orçamental nas instituições de ensino superior e sobre a veracidade das notícias publicadas. E, pela primeira vez, creio, a maioria do Partido Socialista impediu que duas instituições com reconhecida independência — com certeza, não estão a «soldo» nem do Bloco de Esquerda nem da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita! —, o CRUP e o CCISP, viessem à Assembleia esclarecer qual é a sua situação orçamental.
Como é que classifica esta estratégia da «rolha» e da censura que o Partido Socialista imprimiu ao debate do ensino superior sobre questões de orçamento?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, agradeço-lhe as questões colocadas.
A Sr.ª Deputada Ana Drago, antes de colocar a sua questão, tocou nos três aspectos do ensino superior que me parecem cruciais. Por um lado, o desinvestimento, quando se pretende a qualificação e, por outro lado, a não racionalização e o não ordenamento da rede. Portanto, enquanto não tomarmos medidas de fundo nestas áreas, naturalmente, nada conseguiremos relativamente ao ensino superior.
A questão que a Sr.ª Deputada colocou prende-se, de facto, com uma triste cena ocorrida na Comissão de Educação — não tenho memória de uma situação similar.
Todos nos recordamos que, no princípio, foi requerida a presença do Sr. Ministro Mariano Gago, mas, face às notícias vindas frequentemente a público nas últimas semanas, que percorriam todas as universidades e politécnicos, de norte a sul do País, foi considerado, inclusivamente pelo próprio Partido Socialista, que seria importante ouvir in loco o Presidente do CRUP (ou o Conselho de Reitores na sua globalidade) e o responsável do CCISP (ou os seus representantes), para conhecermos, de viva voz, as suas preocupações, os problemas de financiamento nas instituições, que medidas estão a tomar para essa mesma racionalização e reordenamento da rede e, ainda, que medidas estão a tomar para discutir o Orçamento do Estado para 2009.
Recordo, Sr.ª Deputada, que o Partido Socialista esteve de acordo com esta proposta, dizendo que, de facto, era a ideal, e não tanto a que requeria a presença do Sr. Ministro Mariano Gago.
Acontece que, na semana seguinte, o Partido Socialista mudou de opinião, «a agulha tocou noutro relógio», e o requerimento a solicitar a presença do CRUP e do CCISP foi considerado de uma total inutilidade, porque o Governo já andava a discutir e a decidir com o CRUP e o CCISP.
É, de facto, a primeira vez que isto acontece.

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Penso que tal seria uma mais-valia para a Comissão de Educação e para os Deputados que a integram.
Ficaríamos a saber, de algum modo, que propostas apresentar, no âmbito do Orçamento do Estado, para ajudar a resolver problemas desta natureza e, naturalmente, também poderíamos expressar, na própria Comissão, as nossas leituras acerca do funcionamento, financiamento e reordenamento da rede nacional, da intervenção e missões do politécnico e das universidades no nosso País.
Tudo isto poderia ter sido esclarecido com os responsáveis máximos das universidades e dos politécnicos.
Mas esta não foi a leitura do Partido Socialista e, portanto, ficamos à espera que, talvez em Setembro, depois de os orçamentos estarem definidos para as instituições, possamos ouvir, finalmente, mais uma vez, as queixas e os lamentos daqueles que são os responsáveis pelas instituições.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, trouxe a debate o tema do ensino superior e, como daqui a pouco iremos debater, especificamente, os problemas de financiamento (ou melhor, neste caso, de subfinanciamento) do ensino superior, gostava de abordar e de a questionar sobre outros assuntos.
Por um lado, não há dúvida que não existe racionalização de rede. Da última vez que o Sr. Ministro do Ensino Superior aqui esteve, no Plenário, lembro-me de fazer-lhe expressamente essa pergunta e de o Sr.
Ministro, como, aliás, é habitual, ter fingido que respondeu, sem ter dito rigorosamente nada sobre esta matéria.
Por outro lado, a reformulação de vínculos e carreiras dos docentes é matéria que está na «gaveta», tendo o Governo arranjado uma desculpa formal para não enfrentar este tema.
Também no que respeita à transição para a nova sistemática e organização, em consequência do novo regime jurídico, penso que a situação pode considerar-se, no mínimo, caótica. E o estudo da empregabilidade da formação superior não serve rigorosamente para nada, porque nem sequer o Governo o utiliza para regular a oferta de formação.
A autonomia das instituições é, para todos os efeitos, uma verdadeira miragem. E, para comprovar isto, dou dois exemplos: o primeiro é o dos consórcios entre instituições, porque já sabemos que é o Sr. Ministro que decide aqueles que aprova e aqueles que não aprova, da forma como muito bem entende, independentemente da vontade das instituições, portanto, não existe autonomia; o segundo é a forma mais básica, que é o garrote financeiro.
Sr.ª Deputada, não lhe parece que o Governo assumiu, manifestamente, uma estratégia que é absolutamente suicida e destruidora do ensino superior, que é forçar as instituições a admitir alunos de forma pouco criteriosa, por ser esta a única forma que têm de, em face das circunstâncias, conseguirem ter um mínimo de financiamento para se manterem em funções? Só que isto põe em causa totalmente a qualidade da oferta,…

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — … a racionalidade da rede e a utilidade profissional dos cursos que são ministrados.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Paulo Carvalho, agradeço-lhe as questões colocadas.
Devo dizer-lhe que considero como questões mais importantes no seu pedido de esclarecimento aquelas que têm a ver com a rede e com a selecção de cursos.
Ao contrário de toda a Europa, que também passou por este processo de criação de cursos de banda estreita, a partir da década de 60/70, entendeu-se que uma banda estreita era um passaporte para o

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desemprego e que havia que optar por bandas de formação suficientemente latas que permitissem que um jovem estudante universitário, ao terminar o seu curso com alguma especialização, tivesse uma formação mais lata que lhe oferecesse um leque maior no mercado de trabalho.
Quero dizer-lhe que, quando a Europa estava exactamente a recuar nesta construção da banda estreita e a construir as chamadas bandas largas de formação, nós fizemos a crucial asneira do País, ou seja, exactamente o contrário. Dou-lhe um exemplo: encerrámos a formação de médicos com especialidade de medicina dentária nas faculdades de medicina do País e criámos, ao contrário de toda a Europa, as chamadas universidades de medicina dentária e obrigámos os nossos jovens com 18, 18,1 ou 18,2 valores a serem obrigatoriamente dentistas; se não conseguissem ser dentistas, a serem farmacêuticos; e, se não conseguissem ser farmacêuticos, a serem biólogos. Assim, nós, hoje, somos o País da Comunidade Europeia que mais médicos dentistas, mais farmacêuticos e mais biólogos tem.
Era muito simples fazer esta avaliação, fazendo um levantamento, desde o início da década de 90 até aos nossos dias, para repararmos que todos estes jovens não queriam ser nem médicos dentistas, nem farmacêuticos, nem biólogos, queriam, efectivamente, ser médicos.
O que é que nós conseguimos? Conseguimos que uma reflexão feita no início da década de 90 e discutida nesta Casa e a consensualização entre todos os grupos parlamentares de que era urgente tomar medidas na área da formação de novos médicos para o País e de que os anos de 2006 e de 2007 seriam os dois anos mais perigosos da ruptura, por ausência de médicos no País, fosse ignorada e que tivéssemos optado pela banda estreita para o desemprego. Hoje, como sabe, um dos cursos superiores onde se entra com as mais elevadas médias e onde há maior número de desempregados é o curso de Medicina Dentária.
Poderia dar-lhe também o exemplo dos cursos das engenharias. Ao contrário da Europa, que criou grandes áreas da engenharia, nós fomos repartindo e criando centenas de cursos de engenharia, que não têm…

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Estava eu a dizer, que criámos centenas de cursos de engenharia que não têm outro passaporte que não seja o passaporte para o desemprego.
Portanto, continuar a desinvestir no ensino superior é também continuar a desinvestir na responsabilidades imensas que os diversos governos tiveram ao não tratarem da racionalização e do ordenamento da rede, com respeito pelas expectativas de quem o frequenta e até pelo dinheiro público, que é o dinheiro de todos nós quando pagamos os nossos impostos.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Mota.

O Sr. Manuel Mota (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, em primeiro lugar, quero dizerlhe que não partilho da visão negra que apresentou sobre o ensino superior em Portugal. E não partilho com base em dados objectivos.
Portugal continua claramente a respeitar, por um lado, a lei de financiamento e, por outro, o investimento em termos de média internacional. Portugal está na média dos países da OCDE em termos de investimento público no ensino superior e está acima da média da União Europeia. No que se refere ao financiamento do ensino público em 2005, 2006 e 2007, devo dizer-lhe que, em 2005, o investimento público foi de 1712 milhões de euros, em 2006, de 1790 milhões de euros e, em 2007, de 1806 milhões de euros.
Em segundo lugar, não partilho também — não partilho eu nem partilha a OCDE — da sua visão sobre a reorganização do sistema de ensino superior em Portugal. Bem pelo contrário, o que a OCDE faz, em Março deste ano, na avaliação que tem sobre a reforma do ensino superior em Portugal, é reconhecer profundas virtudes nas reformas que estão a ser concretizadas no nosso País.
Em primeiro lugar, a clarificação do sistema binário, pois, pela primeira vez, é clarificada a missão de universidades e politécnicos; em segundo lugar, a criação de condições, também por medidas deste Governo, para um elemento fundamental para o nosso sistema de ensino superior e para o próprio País, que é o aumento do número de alunos no ensino superior; em terceiro lugar, os instrumentos que são dados neste

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momento às instituições de ensino superior para a qualificação do seu corpo docente; e, em última instância, a ultrapassagem do estigma que vivíamos na nossa sociedade em relação ao ensino superior privado.
Fico, no entanto, surpreendido pela questão que nos traz, apesar de ser uma excelente reflexão que devemos fazer, que tem a ver com a resposta que é dada para a situação em que nos encontramos em matéria de ensino superior, ou seja, com a reorganização da rede.
Eu partilho da sua reflexão, mas não partilho de algumas das soluções apresentadas. Eu acredito — e é o que hoje vimos no terreno — que há, de facto, uma reorganização da rede do ensino superior. Tem fechado um conjunto de universidades, na maior parte dos casos privadas, e há condições, com o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, para que haja uma reorganização da rede, sem que haja necessidade do encerramento compulsivo de instituições.
Os politécnicos já hoje são capazes de se organizarem entre si, já têm uma proximidade em relação às universidades,…

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Mota (PS): — … nomeadamente para as formações dos 2.º e 3.º ciclos e, por si só, são capazes de encontrar — e este é o elemento fundamental — soluções importantes, sem descredibilizar ou sem criar condições para que fragilizemos um elemento estruturante que é o da coesão territorial, que muitas das instituições de ensino superior, em Portugal, conseguiram.
A questão que lhe quero colocar tem a ver com o facto de a Sr.ª Deputada não reconhecer, como reconhece a OCDE, que demos passos gigantescos com as parcerias internacionais com o MIT e com as universidades Carnegie Mellon e de Austin, no Texas. A Sr.ª Deputada não reconhece que, no final do mês de Julho, haverá um investimento superior a 130 milhões de euros em obras para as instituições de ensino superior em Portugal e que, com o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, estamos a percorrer um caminho, de que nos orgulharemos, no quadro de uma reformulação gigantesca do ensino superior em Portugal?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Mota, muito obrigada pelas questões colocadas.
Efectivamente, não temos de estar de acordo, temos é de discutir os pressupostos relativamente aos quais não estamos de acordo.
Gostava de lhe dizer que, relativamente às afirmações que faço no que tem a ver com a avaliação feita pela OCDE são as afirmações da própria OCDE. Algumas não as subscrevo e não as partilho. Quando a OCDE propõe que se aumentem as propinas em Portugal, é uma solução com a qual não estou de acordo; quando a OCDE propõe que se corte o vínculo dos docentes à função pública, é uma proposta da qual discordo totalmente; quando a OCDE propõe que o privado possa investir no ensino superior e, de algum modo, determinar os caminhos da investigação do próprio ensino superior, é algo de que discordo totalmente, até porque isso violaria o nosso texto constitucional, que diz, com toda a clareza, que há missões específicas para as universidades e para os politécnicos que têm a ver com a soberania do nosso País e com o nosso crescimento e a nossa qualificação, que, naturalmente, não podem depender das decisões, mais ou menos lucrativas, do sector privado, com a legitimidade que o sector privado tem de ter lucros nas áreas que muito bem entender e por isso é que cria universidades privadas.
Agora, Sr. Deputado, não confundamos os pressupostos e os argumentos. Ao Estado compete avaliar e, como o Sr. Deputado sabe tão bem como eu, o Estado não tem cumprido o seu dever de avaliador, de regulador e de fiscalizador. E só este facto é que tem permitido que muitas situações que nós conhecemos na Comissão de Educação, quer a nível do privado, quer mesmo a nível do público, sejam plausíveis, situações estas que nos são denunciadas muitas vezes através de cartas que chegam, através de reflexões de

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especialistas ou através das reflexões dos próprios estudantes. Portanto, o Estado não tem cumprido esse dever.
O Sr. Deputado diz que discorda de uma solução que eu proponho, que é o encerramento compulsivo das instituições. Jamais me ouvirá dizer uma coisa dessas.
Agora, cumprimento-o por estar de acordo com uma solução que, penso, é o caminho que temos de percorrer, que é a constituição de redes regionais de ensino superior (politécnico e universitário) reforçando a coesão nacional. Isso sim! Ó Sr. Deputado, eu propus isto nesta Casa na governação do Partido Socialista e de António Guterres!

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Na altura o Partido Socialista discordava totalmente dessas constituições de redes regionais, salvas raríssimas excepções.
Aquilo que quero dizer-lhe é que o caminho é o entendimento entre politécnico e universidade na procura de formações diferenciadas e não iguais, diversificadas temporalmente, para que criem redes que sejam capazes de aprofundar a massa crítica, que sejam capazes de alguma coesão nacional, de se internacionalizar e responder às necessidades das regiões. O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N. insc.): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Mas isto não existe no nosso País e se é uma proposta que aí vem, ela que venha depressa, porque pode vir tão tardiamente que já não resolve a confusão que reina na rede pública de ensino superior e, também, na rede privada.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia da República, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão. Dispõe de 10 minutos.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Utilizo, pela primeira vez, a prerrogativa excepcional prevista no artigo 76.º do Regimento para apresentar uma declaração política ao Parlamento.
Faço-o, por duas razões: pela natureza do problema que me proponho abordar e porque o pretendo fazer com voz própria, mas inclusiva, em relação ao meu Partido.
O problema é o seguinte: para a opinião pública, há um défice estrutural na qualidade da liderança política do País. Esse défice é considerado a causa principal do nosso empobrecimento relativo na presente década.
A percepção de que também este défice existe no actual Governo levou algum tempo a manifestar-se, mas hoje manifesta-se de forma esmagadora, como relata a sondagem, credível, da Universidade Católica há dias divulgada.
Com efeito, o actual desempenho do Governo é considerado mau ou muito mau por 72% dos eleitores.
Quanto ao estado da economia, ele é considerado mau ou muito mau por 91% dos eleitores, que atribuem as culpas, por ordem decrescente, ao Governo, à crise internacional e à União Europeia. Curiosamente, quando perguntados se outro partido, nomeadamente o PSD, governaria melhor, 54% dos eleitores entendem que não.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em política, o que parece é, e percepções são factos. Devemos ser humildes perante os factos, como bem gosta de recordar o Deputado Manuel Alegre, mas não devemos ter medo de existir e combatê-los, como bem soube apontar José Gil.
O estado da economia no próximo futuro vai ser pior do que há meses se esperava. Disso dá conta a nova previsão do Banco de Portugal para o presente biénio, anteontem divulgada.
O que hoje vende é o pessimismo. Nos media, a renúncia a combatê-lo não é negação de liderança, é afirmação de lucidez. E, no entanto, o combate ao pessimismo é a melhor oportunidade de uma futura liderança se afirmar quando já nada se espera da actual.

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No século XXI, já não há lugar para líderes providenciais. O lugar é para líderes excepcionais em inteligência emocional, com carisma, sentido de Estado e sentido de modernidade e que apresentem uma agenda reformista vibrante e tenham a reputação de alcançar resultados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há três vias para uma futura liderança se afirmar e propor o que quer mudar.
A primeira é a via de risco nulo que Lampedusa recomendaria: mudar alguma coisa para que tudo se mantenha. É a que colhe a maioria dos apoios na opinião publicada. Preconiza que o rumo estratégico, os objectivos e os instrumentos prioritários das políticas do actual Governo se mantenham e que apenas se mexam em algumas medidas sociais, reforçando-as, para responder ao agravamento da pobreza que a deterioração da conjuntura causou. Os defensores desta via preferem, no fundo, renovar o mandato do actual Governo ou, quando muito, substituí-lo por um governo de bloco central.
A segunda via, de risco mínimo, é manter o rumo e os objectivos prioritários do Governo actual, mas melhorar a eficácia e a eficiência dos resultados. É a via da criação de valor incremental cujo corolário é a preferência por um novo governo, de mera alternância.
A terceira via, de risco significativo, é mudar o rumo estratégico e as prioridades actuais para alcançar objectivos mais ambiciosos. É a via da criação do valor inovação cujo corolário é a preferência por um novo governo, mas de real alternativa Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 2009, os eleitores escolherão entre estas soluções concorrentes.
Qual é a nossa responsabilidade, como Deputados, para que a escolha seja transparente, informada e portadora de uma confiança renovada no futuro? O que pode e deve o Parlamento fazer a tal respeito? Na Holanda, por exemplo, nenhum partido vai para campanha eleitoral sem os impactos orçamentais das suas políticas estarem previamente calculados e divulgados por uma entidade independente.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Não existe pensamento único na política económica, e por vezes surgem até confirmações inesperadas.
Quem esperaria que o Governador do Banco de Portugal contrariasse o pensamento oficial, defendendo que a opção pelo nuclear no País deve voltar a ser equacionada? E quem esperaria que a melhor proposta de controlo de danos do actual choque petrolífero na União Europeia viesse do Primeiro-Ministro italiano, quando exigiu que esta impusesse um tecto global ao preço de importação do crude ou retaliasse anunciando um programa maciço de novas centrais nucleares? Se Bruxelas souber impor a sua força negocial aos senhores da guerra económica e geopolítica do petróleo, os impactos negativos da economia internacional abrandarão. E com isso, a actual previsão do Banco de Portugal de petróleo a 138 dólares em 2009 passará a ser mais credível, bem como a do modesto crescimento do PIB de 1,2%.
Se a actual política económica não mudar, o empobrecimento relativo do País na próxima década prosseguirá a trajectória acabrunhante que está a ter na década actual.
Mas para o pensamento único pouco ou nada há que mudar, a não ser contrair o consumo para reduzir o défice externo, que o assusta, e agravar a carga fiscal para retomar a consolidação orçamental, que lhe foge.
Ter sentido de Estado significa compreender e respeitar a conflitualidade dos objectivos económicos antagónicos e defender, por exemplo, na presente conjuntura, o sacrifício temporário do rendimento real dos salários para neutralizar os efeitos de segunda ordem da pressão inflacionista importada.
Mas significa também usar as margens de manobra que temos e, em simultâneo, relançar o crescimento do produto potencial, não ultrapassando os limites das trajectórias não explosivas daqueles défices.
O que é possível fazer melhor no imediato e a prazo? No imediato, pouco podemos fazer para atenuar os efeitos da estagflação importada e da exuberância irracional de uma crise financeira internacional cuja bolha especulativa já rebentou, mas cujas sequelas ainda não terminaram.
Mas não podemos aceitar que um sistema bancário com a solidez do nosso e com a imunidade que teve à crise do subprime seja agora brutalmente penalizada, em bolsa, ainda mais do que os bancos internacionais que declararam perdas brutais por operações especulativas ruinosas.
Sermos uma pequena bolsa emergente não explica tudo Tem havido erros internos e há que ter a humildade de os reconhecer, primeiro passo para os corrigir e inverter o pessimismo.

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Um deles talvez seja a exuberante desenvoltura com que os nossos reguladores financeiros, durante tanto tempo demasiado complacentes, divulgam hoje nos media a sua pró-actividade sancionatória recentemente descoberto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como podemos melhorar a economia no médio prazo? Que pode a política económica futura fazer melhor do que a actual não faz? Revisitemos a consolidação orçamental.
O actual Primeiro-Ministro revelou ter por modelo inspirador a social-democracia dos países nórdicos, que tem um Estado produtor de serviços muito maior do que o nosso. Logo, prefere que a carga fiscal e a despesa pública corrente continuem ambas a subir em relação ao РІВ , na próxima legislatura.
Mas há um caminho alternativo, diametralmente oposto, também social-democrata, mas do sul, com mais liberdade económica, concorrência e regulação e com menos e melhor Estado. Este caminho obriga a reinventar a redução do peso do Estado, exige eliminar a carga fiscal excessiva e reactivar a função da política fiscal como instrumento de competitividade externa.
Em simultâneo, este caminho propõe-se relançar o crescimento e o emprego e manter os défices externo e das contas públicas em linha com a sustentabilidade do equilíbrio macroeconómico e das finanças públicas. É mais complexo, mas é a receita das consolidações orçamentais de sucesso, segundo a OCDE.
Este caminho não tem uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. Tem a oportunidade única de causar uma boa impressão se escolher apresentar-se sob a forma de Orçamento do Estado alternativo para 2009, em confronto com o que o actual Governo apresentará no próximo dia 15 de Outubro.
Para os eleitores, que melhor arranque da pré-campanha eleitoral poderia haver? Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concluo com um último ponto.
O que nos impede de relançar o crescimento do produto potencial que há uma década era o dobro do actual? Deixo uma sugestão: lance-se um concurso de ideias junto dos nossos gurus mediáticos, junto das nossas universidades, think tanks ou cidadãos interessados, ou, mais prosaicamente, encomende-se o seu estudo a um comité de sábios.
Mas, se a sugestão não for acolhida, podemos sempre esperar que o assunto seja bem equacionado nos programas eleitorais e de governo com que os partidos se irão apresentar às eleições legislativas de 2009.
Quem sabe? Às vezes, os milagres acontecem.

O Sr. Presidente: — Vamos passar ao debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.os 527/X — Regime excepcional de indexação das prestações sociais dos deficientes das Forças Armadas (CDS-PP) e 528/X — Apoio à doença dos deficientes das Forças Armadas (CDS-PP) e do projecto de resolução n.º 358/X — Recomenda ao Governo que reponha o conjunto de direitos outrora atribuídos aos deficientes das forças armadas e implemente medidas que visem a plena reparação das consequências advindas da participação em cenários de guerra (BE).
Para apresentar os diplomas do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria, antes de mais, de cumprimentar, a presença da direcção da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, na pessoa do seu Presidente, José Arruda.
Sr.as e Srs. Deputados: O CDS apresenta hoje dois projectos que visam repor um conjunto de direitos que os deficientes das Forças Armadas sempre tiveram e que foram postos em causa por alterações legislativas feitas pelo Governo em 2005 e em 2006.
Como todos sabem, o Decreto-Lei n.º 43/76 consagrou o reconhecimento pelo Estado português do direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que contraíram ou venham a contrair deficiências no cumprimento do serviço militar em contextos de elevada perigosidade, tendo sido instituídas medidas e atribuídos meios para que, assegurando as adequadas reabilitações e assistências, concorram para a sua integração social.
Na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 102/2005, que impôs a convergência dos diversos subsistemas de saúde públicos com o regime geral da assistência na doença aos servidores civis do

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Estado, o Decreto-Lei n.º 167/2005 veio estabelecer um novo regime jurídico de assistência na doença aos militares das Forças Armadas, designado por ADM.
Infelizmente, o novo regime deixou de reconhecer a especificidade do estatuto dos deficientes das Forças Armadas, agravando as dificuldades sentidas por esses cidadãos, designadamente no domínio da assistência medicamentosa.

Aplausos do CDS-PP.

O CDS-PP entende que, tratar-se de forma igual situações que são manifestamente diferentes, confundindo cidadãos que contraíram uma deficiência ao serviço da Pátria, no cumprimento do dever militar, numa guerra a que foram obrigados a ir, em cenários de elevada perigosidade, com os funcionários da Administração Pública,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — … é não só flagrantemente injusto para com os deficientes das Forças Armadas como viola o próprio princípio da igualdade.
Os deficientes das Forças Armadas têm sentido, pela sua especificidade, necessidade de um apoio mais alargado no domínio da assistência na doença que torne mais efectiva e plena a sua integração social.
Para o meu partido, importa garantir aos referidos cidadãos o ressarcimento dos encargos com cuidados de saúde decorrentes de enfermidades mesmo que não relacionadas directamente com as lesões que determinaram a deficiência, pois só assim o Estado português cumprirá integralmente o direito à reparação e à integração desses mesmos cidadãos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Como todos sabem, a Lei n.º 53-B/2006 veio criar o indexante dos apoios sociais (IAS) e fixar as regras da sua actualização, bem como de actualização das pensões e de outras prestações sociais atribuídas pelo sistema de segurança social. Com a entrada em vigor deste diploma, o IAS passou a constituir o referencial determinante da fixação, cálculo e actualização da generalidade dos apoios.
O CDS considera que existe um grupo de cidadãos beneficiários de prestações sociais fundadas na diminuição da sua capacidade geral de ganho, sofrida no cumprimento do dever, no cumprimento do serviço militar em ambiente especial de perigo, cujas situações justificam a fixação de um referencial distinto do IAS, mais favorável, no cálculo e actualização das aludidas prestações, espelhando a consideração que os valores morais e patrióticos por eles representados devem merecer por parte do Estado.

Aplausos do CDS-PP.

Em conformidade, justifica-se a existência de um regime excepcional — que a lei prevê — de indexação das prestações sociais de que são beneficiários os deficientes militares supracitados, designadamente o abono suplementar de invalidez e a prestação suplementar de invalidez, as quais devem ser novamente indexadas à retribuição mínima mensal garantida, dando assim cumprimento ao princípio da diferenciação positiva consagrado na lei.
Alguns Srs. Deputados poderão dizer que é pouco, pois estamos a falar de algumas dezenas de euros por ano ou por mês, mas para cidadãos que já têm tantas dificuldades e com prestações sociais tão baixas é muito importante que se regresse à antiga forma de definição dessa mesma situação.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, estas propostas também têm a ver com a própria credibilização do discurso político. Todas as altas figuras do Estado se têm pronunciado na ajuda que deve ser dada aos deficientes das Forças Armadas. Todos os antigos Presidentes da República já se pronunciaram a respeito desta mesma situação.

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Refiro-me, especificamente, ao ex-Presidente Ramalho Eanes, que falou também muitas vezes sobre esta situação, ao ex-Presidente Mário Soares, que abordou também esta questão, ao ex-Presidente Jorge Sampaio e também ao actual Presidente da República, que falou da dívida moral que o Estado tem em relação aos deficientes das Forças Armadas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, gostaria de deixar para último o discurso proferido por V.
Ex.ª, aquando do aniversário da Associação dos Deficientes das Forças Armadas. É um discurso que nos deve a todos responsabilizar na nossa actuação, aqui, como parlamentares.
Dizia o Sr. Presidente da Assembleia da República: «É uma obrigação do Estado, acima de qualquer outra obrigação, no domínio da definição de uma política de saúde para área militar ou para a área civil, no domínio de uma hierarquização de prioridades, quanto a pensões de sobrevivência e a pensões de deficiência, complementar adequadamente esta área.» Dizia também o Dr. Jaime Gama: «A reforma do Estado social tem de trazer para esta área a noção clara de que se está verdadeiramente perante a excepção da excepções, ou seja, a prioridade das prioridades.» Dizia ainda o Sr. Presidente: «Este é um ponto absolutamente claro.»

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Parece-me que, de facto, este é um ponto absolutamente claro que necessita de uma intervenção legislativa, e tomámos a responsabilidade de aqui o fazer.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma saudação a todos os presentes, nomeadamente à Associação dos Deficientes das Forças Armadas.
A resolução que o Bloco de Esquerda aqui, hoje, apresenta tem como objectivo repor um conjunto de direitos que, desde 1976, foram atribuídos aos deficientes das Forças Armadas e, por outro lado, propor e implementar medidas que visem a plena reparação das consequências físicas e psicológicas resultantes da participação em cenários de guerra.
Quantos a esses direitos, 34 anos depois do 25 de Abril, uns foram retirados e outros estão claramente postos em causa, curiosamente, por um Governo de maioria absoluta do Partido Socialista. O que significa que ninguém escapa às políticas de retirada de direitos por este Governo.
Também significa que o Partido Socialista demonstra um total desrespeito por cidadãos a quem o cumprimento obrigatório do serviço militar implicou a vivência do horror de uma guerra colonial injusta e que teve como base a opressão de outros povos.
As leis foram alteradas, em 2005, pelo Partido Socialista, nomeadamente quanto às questões da protecção social, mas nada justifica que a estes cidadãos não seja atribuída assistência médica e medicamentosa a 100%. Nada justifica que, por força da alteração substancial da legislação da segurança social, muitas pessoas, particularmente os deficientes das Forças Armadas, tenham visto a sua pensão reduzida em mais de 40 €. Nada justifica que uma lei de 1976 não tenha ainda sido regulamentada, o que permite que o apoio domiciliário não seja dado a estas pessoas, que hoje, por força também da idade, se vêem confrontadas com mais doenças do que as que trouxeram. Nada justifica os atrasos, em mais de 3 anos, dos processos de atribuição das reformas por invalidez, situação, aliás, que já mereceu um pronunciamento do Sr. Provedor de Justiça. Nada justifica a situação dos africanos que combateram por Portugal durante a guerra e que estão em Angola, em Moçambique e na Guiné sem acesso às reparações morais e materiais que lhes são devidas pelo Estado português.

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Por isso mesmo, o Bloco de Esquerda apresenta aqui uma resolução que repõe não só todos os direitos que lhe foram retirados bem como a implementação de outros direitos.
Gostaria de lembrar que, em sede do Orçamento do Estado para 2008, o Bloco de Esquerda fez propostas, nomeadamente em sede da tributação do IRS, enquanto que o Partido Socialista veio a penalizar todas as pessoas com deficiência e também, por esta via, os deficientes das Forças Armadas. É este o contributo que queremos aqui deixar expresso à Associação, a qual, por altura dos 34 anos da sua fundação, fez à frente desta Assembleia uma grande manifestação, que saudámos na altura e que voltamos a saudar. É uma luta legítima, justa, que o Bloco de Esquerda acompanha e, por isso, não ficamos arredados deste debate.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria deixar uma saudação especial e um cumprimento respeitoso aos membros e representantes da Associação dos Deficientes das Forças Armadas Portuguesas, em meu nome e no da minha bancada.
Os projectos de lei n.os 527/X e 528/X, do CDS-PP, dizem directamente respeito aos deficientes das Forças Armadas. Esta questão e aquelas que com os deficientes se relacionam têm sido, Sr.as e Srs. Deputados, e devem continuar a ser, objecto de tratamento não demagógico e não partidarizado.
Relativamente a estas propostas, o próprio CDS afirmou desde o início que, mais do que valorizar partidariamente aquilo que estava a propor e as suas iniciativas legislativas, importava, independentemente disso, saber como era possível resolver os problemas que elas próprias consubstanciavam.
As propostas em análise, de uma forma ou de outra, pretendem uma discriminação positiva relativamente aos deficientes das Forças Armadas e fazem parte de um conjunto mais vasto de reivindicações que têm sido apresentadas — faça-se essa justiça — às mais variadas entidades, desde o Governo à própria Assembleia da República.
Esta discriminação positiva relativa aos deficientes das Forças Armadas justifica-se pelo facto de a sua deficiência ter surgido como consequência de um serviço prestado ao País, sendo por esse facto devido o reconhecimento moral e material que também nós assumimos. Esta simples particularidade torna-os sujeitos de um apoio que pode ir além do apoio genérico que todos os deficientes igualmente merecem.
Neste quadro se têm manifestado, como disse — e bem, aliás — o Sr. Deputado João Rebelo, as mais altas autoridades do Estado, cujas palavras não podem ser só de circunstância porque devem ser assumidas quando proferidas perante os próprios deficientes e em momentos particularmente simbólicos, uma força que não deve ser menosprezada, antes deve ter consagração legal quando as circunstâncias o permitam.
Sr.as e Srs. Deputados, para nós, trata-se de um imperativo e explicarei porquê.
O projecto de lei n.º 527/X, que institui um regime excepcional de indexação de prestações sociais dos deficientes das Forças Armadas, é um diploma que implica necessariamente a consagração em sede de Orçamento do Estado da dotação correspondente.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Claro!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Ora, como é sabido e o Governo não o tem escondido, antes pelo contrário, o esforço de consolidação orçamental e de contenção da despesa pública foi e está a ser conseguido à custa de um sacrifício pedido a todos os portugueses, repito, a todos os portugueses.

Vozes do PCP e do BE: — Nem a todos!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — E não obstante esse esforço ter dado resultados, a verdade é que não é possível, sob pena de hipotecar os resultados agora obtidos, inverter o rumo traçado nesta matéria.
Neste circunstancialismo e neste momento, não deixa, contudo, o Governo de manter o empenho, num quadro de realismo, a prosseguir um conjunto de políticas em prole daqueles que adquiriram uma deficiência ao serviço do seu País e aos quais o País deve reconhecimento moral e material.

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Pela mesma ordem de razões, não existem neste momento condições de ordem financeira, mas também ao nível do aprofundamento e ponderação que julgamos dever ser efectuado quanto a uma situação de discriminação positiva, tendo o Governo optado por um quadro legal que visa a aproximação de regimes e a diminuição de regimes de excepção, para que tenha procedência o proposto nas iniciativas legislativas em apreço.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, não podendo deixar de ter presente as razões sobreditas, quer deixar claro, contudo, que não desistirá de encontrar uma solução ponderada e realista para aqueles que em nome de Portugal ficaram deficientes. Trata-se, para nós, de um imperativo de consciência e é o respeito pela nossa história que nos exige mais.
Termino, Sr. Presidente, com uma breve referência ao projecto de resolução do Bloco de Esquerda, apenas para dizer, tal como iniciei a minha intervenção, que, para nós, este é um assunto sério, importante e que deve ser tratado sem demagogias e sem partidarismos. Por esta razão, nada mais tenho a dizer relativamente ao projecto apresentado.

Aplausos do PS.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Ou seja, tenham paciência!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputado, em primeiro lugar, queria saudar, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, os dirigentes associativos e os cidadãos deficientes das Forças Armadas que assistem a este debate.
Em segundo lugar, queria afirmar o nosso apoio e o nosso voto favorável a todas as iniciativas que hoje estão aqui em discussão, quer as iniciativas resolutivas quer as propostas legislativas que são aqui apresentadas.
Relativamente às duas medidas legislativas que são propostas, queria dizer que consideramos justíssimo que as pensões dos deficientes das Forças Armadas sejam indexadas ao salário mínimo nacional e não ao IAS, como é proposto. Também consideramos que é inteiramente justo que todas as despesas de saúde dos deficientes das Forças Armadas sejam suportadas integralmente, como eram e como deveriam ter continuado a ser.
Não faz sentido nenhum que se queira distinguir entre as despesas de saúde que decorrem da deficiência que foi adquirida, procurando retirar as outras, como se fosse separável, como se o indivíduo não fosse um todo e a sua saúde não tenha de ser integralmente cuidada e assegurada. Portanto, não apenas por razões de ordem prática mas por razões de princípio, do nosso ponto de vista, não faz qualquer sentido esta separação.
Agora, o que está aqui em causa é saber por que foi necessário que estas iniciativas legislativas aparecessem. Elas apareceram devido a uma medida absolutamente inaceitável que o Governo decidiu tomar, no ano 2005, lesando os deficientes das Forças Armadas no seu direito à saúde e no direito às pensões que auferiam.
Ora, obviamente, o que aqui está em causa é também um valor material e é um valor material não despiciente. Trata-se de lesar as pessoas na sua pensão, nos seus meios de sobrevivência e trata-se de lesar as pessoas no seu direito à saúde, impondo-lhes encargos que, em muitos casos, serão obviamente um peso muito considerável para os próprios cidadãos, reflectindo-se sobre os seus familiares.
Mas mais ainda do que a questão material, que é relevante, é o sinal negativo que estas medidas do Governo vieram dar, impondo-as a cidadãos que se tornaram deficientes, que adquiriram uma deficiência por terem sido obrigados a participar numa guerra injusta para a qual foram compelidos. Não foi uma escolha deles, foi uma inevitabilidade para eles, tendo-lhes causado deficiências irreversíveis.
Ora, o Estado português tem para com estes cidadãos uma dívida que não pode, em caso algum, alienar e não pode dar nenhum sinal de que o pretende fazer. Foi isso que aconteceu. Foi um sinal inaceitável, injusto e iníquo pretender lesar estes cidadãos, fazê-los pagar as consequências de uma crise financeira.

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Não é verdade, temo-lo dito muitas vezes, que os sacrifícios impostos tenham sido para todos. Quem mais tem foi quem menos sofreu, se é que sofreu alguma coisa, se é que não beneficiou. Mas fazer os deficientes das Forças Armadas pagar a crise é absolutamente iníquo, inaceitável e não pode ser! Portanto, apoiamos todas as iniciativas — temo-lo dito desde há muito tempo —, consideramos justíssimos todos os protestos que a Associação dos Deficientes das Forças Armadas têm vindo a desenvolver e sempre dissemos que apoiaríamos todas as iniciativas no sentido de repor a situação anterior a esta injustiça.
Estamos também chocados com a posição que o Partido Socialista aqui vem assumir, que é a de dizer: «Sim, senhor, o Estado tem uma dívida para com estes cidadãos. O que acontece é que o Governo não quer pagar». Isto é absolutamente inaceitável! O sacrifício imposto a estes cidadãos foi irreversível, ficou-lhes para a vida, com sofrimentos inenarráveis.
O Estado não lhes pode impor mais sacrifícios do que esses e o que tem de fazer é honrar os compromissos inalienáveis que tem para com estes cidadãos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, diz-nos o nosso boletim que estamos a discutir matérias relativas à indexação de prestações sociais dos deficientes das Forças Armadas, à doença destes e à reparação dos seus direitos por participação em cenários de guerra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, na verdade, o que esta Assembleia, hoje, aqui está a discutir é essencialmente a falta de consideração que este Governo tem para com os deficientes das Forças Armadas desde as medidas tomadas em 2005.
Os deficientes das Forças Armadas, alguns dos quais aqui presentes, e que saúdo, bem como a sua associação, adquiriram a sua deficiência, como outros Srs. Deputados já referiram, em circunstâncias que importa serem diferenciadas: ao serviço de Portugal e dos portugueses, numa guerra para a qual não tiveram opção de participação. A contenção orçamental e o controlo do défice não justificam a abolição de determinados princípios e valores de solidariedade nacional para com aqueles que serviram nas Forças Armadas de Portugal.
Mas, Srs. Deputados, foi isto que aconteceu. Foi este o caminho pelo qual o Governo optou, em 2005. O Governo retirou, por via orçamental, os benefícios fiscais aos cidadãos portadores de deficiência sem terem sido avaliados quaisquer novos mecanismos de compensação para fazer face às despesas extraordinárias a que são obrigados estes nossos concidadãos, para ultrapassar as muitas barreiras que se lhes impõem todos os dias, em todas as áreas da sua vida.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Salientamos, em especial, o carácter indemnizatório das pensões atribuídas aos deficientes das Forças Armadas que, com este Governo, sofreram um agravamento tributário brutal.
O PSD apresentou, em 2007, uma série de alterações, em sede orçamental, com o objectivo de repor a situação fiscal dos deficientes das Forças Armadas, tendo em vista dois grandes objectivos: manter os direitos e os benefícios que estes possuíam na altura dos governos que então liderávamos e aprovar todas as alterações então propostas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, constatámos, então, na discussão desse mesmo orçamento, que todas essas propostas foram invariável e totalmente recusadas pelo Partido Socialista, pese embora alguma preocupação e algum desconforto visível por parte de alguns Deputados do Partido Socialista que connosco partilham o exercício de funções na Comissão de Defesa Nacional.

Vozes do PSD: — É uma vergonha!

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O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Discutimos, hoje, três iniciativas legislativas, duas do CDS-PP e uma do Bloco de Esquerda, que merecem o nosso apoio por estarem em consonância com o que já propusemos e defendemos e que visam repor parte dos direitos e benefícios que foram retirados aos deficientes das Forças Armadas em nome do equilíbrio das finanças públicas, valor que prezamos mas que não assumimos como dogma absoluto.
Relembrando o aforismo popular, Srs. Deputados do Partido Socialista, que aqui representam o Governo do Partido Socialista, «os fins não justificam os meios». Esta é uma daquelas situações em que deverão ser encontradas outras soluções, que nos orgulhem enquanto Nação e que não passem por prejudicar os deficientes das Forças Armadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de focar-me na intervenção da Sr.ª Deputada Sónia Sanfona, que foi muito promissora nos fundamentos mas muito decepcionante, depois, nas conclusões.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Lanço um repto ao Partido Socialista: votar favoravelmente as propostas do CDS-PP para, depois, em sede de comissão, as trabalhar.
Se percebi bem das palavras da Sr.ª Deputada, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista gostaria de trabalhar estas propostas e arranjar uma solução que corresponda e responda aos problemas e aos anseios dos deficientes das Forças Armadas. Poderá ter outra solução mas, se votar favoravelmente as nossas propostas, estaremos perfeitamente disponíveis para as discutir, em sede de especialidade. Aliás, foram apresentadas propostas de alteração, sugeridas pela Associação dos Deficientes das Forças Armadas, que também gostaríamos de incluir para melhorar o projecto. É este o repto que lanço ao Partido Socialista.
Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista: o Partido Socialista fala tanto do 25 de Abril e das coisas boas que o 25 de Abril trouxe para a democracia e para a liberdade que não pode «passar uma esponja» sobre isto e esquecer as pessoas que mais precisam dessas boas coisas que o 25 de Abril trouxe.
O Partido Socialista não se pode esquecer — também está no seu ADN — esta questão relativa aos deficientes das Forças Armadas. Parte da legislação que existe foi feita durante os governos do Eng.º António Guterres. As alterações feitas em 2005 e 2006 vão contra essas mesmas leis feitas em 1996 e 1997. Portanto, lanço um apelo à bancada do Partido Socialista no sentido de regressar às origens dos seus valores nesta matéria, porque votar contra estas propostas significa negar aos deficientes das Forças Armadas direitos de que eles necessitam e a que têm, de facto, direito.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos, agora, passar ao ponto de seguinte da nossa ordem do dia, que é a apreciação, na generalidade, dos projectos de lei n.os 521/X — Altera os requisitos para a atribuição e as condições do complemento solidário para idosos e simplifica o acesso a esta prestação (BE) e 554/X — Alteração ao complemento solidário para idosos por forma a simplificar e alargar a sua concessão (PCP).
Para apresentar o projecto do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os idosos e as idosas são quem regista a maior taxa de risco de pobreza. Sabemos, também, por outro lado, que o limiar da pobreza oficial — e vamos situá-lo desde já nos 400 euros — tem um impacto muito próprio nos idosos, população especialmente vulnerável e que, por isso mesmo, tem despesas superiores.

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O complemento solidário para idosos, uma medida emblemática do Governo do Partido Socialista, é uma boa medida de política social, e o Bloco de Esquerda não tem qualquer problema em afirmá-lo. Porém, é preciso dizer que se trata de uma medida de política social incompleta e tímida e é isso mesmo que queremos debater. Vejamos: o universo de beneficiários do CSI a atingir estava estimado pelo próprio Governo em 400 000 idosos. Porém, estamos, neste momento, com cerca de 90 000 beneficiários, que correspondem a muito mais de 500 000 pedidos de informação e atendimentos.
Sr.as e Srs. Deputados, temos de nos questionar sobre o que é que falhou nesta medida, que não está de acordo com nenhum dos diagnósticos.
A primeira marca que ficou associada a esta medida social foi o excesso de burocracia, tendo o Governo sido obrigado a recuar nesta matéria, como sabemos, com as últimas portarias, simplificando a forma de acesso. Fez bem o Governo. Fez mal ao introduzir tanta burocracia, no início, mas agora fez bem! Mas ficou por aqui e não corrigiu os aspectos injustos que se mantêm no complemento solidário para idosos e que impedem verdadeiramente o combate à pobreza e o insucesso da própria medida.
Por isso, o Bloco de Esquerda propõe que a atribuição do CSI deixe de depender do rendimento do agregado fiscal dos filhos. É um princípio que vai de acordo com a autonomia dos idosos e, se o princípio é o de que ninguém viva abaixo do limiar de pobreza, ele tem de ser aplicado individualmente e tendo em consideração os próprios idosos e não o agregado fiscal dos seus filhos. É preciso acabar de vez com a ignomínia de os idosos terem de levar os próprios filhos a tribunal, através de um processo.
Outra das propostas do BE é no sentido de deixar de ser considerado o valor da comparticipação da segurança social em situações de institucionalização. Isso não faz sentido quando as situações da habitação não entram para a própria prestação! Por que é que, no caso concreto de estar numa instituição, passa a contar? Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, fica o desafio ao Partido Socialista: ir até ao fim com essa prestação social.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, consideramos que o Complemento Solidário para Idosos é uma importantíssima prestação social. É importante lembrar que, no nosso país, mais de 85% dos idosos sobrevivem com uma reforma abaixo do salário mínimo nacional. São mais de 729 000 os idosos que recebem uma reforma de menos de 300 € por mês, o que é bastante significativo e demonstra bem o impacto que a pobreza tem junto dos idosos e o problema que é, como se comprova pela correspondência que certamente os diferentes grupos parlamentares recebem sobre esta matéria.
A solução, na nossa opinião, passa pela valorização das pensões. Não é digno que exista um número como este de pensionistas com valores tão baixos no que diz respeito às suas reformas. Portanto, o caminho passa pela valorização sistemática das pensões para que os idosos possam ter uma reforma que lhes permita viver com a dignidade que merecem.
Foram apresentadas diversas propostas, por parte do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, de aumento das reformas, com vista à sua dignificação, mas não foi este o caminho que o Partido Socialista quis, infelizmente, porque este seria um caminho que resolveria o problema dos idosos, nomeadamente dos que auferem de rendimentos mais baixos.
Esta solução não é o caminho defendido pelo PS, mas não queremos deixar de afirmar que, neste cenário que se nos coloca, e que é promovido pelo Partido Socialista, o Complemento Solidário para Idosos é uma importantíssima prestação social.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos recebido muitas cartas de idosos que escrevem para o nosso grupo parlamentar — sendo que os Srs. Deputados dos outros grupos parlamentares também recebem cartas idênticas — referindo-se ao Complemento Solidário para Idosos como uma fraude.
Temos cartas de idosos a queixarem-se de que o processo é demasiado burocrático e que os rendimentos dos filhos não têm de ser considerados. Muitas vezes os idosos referem que, por uma questão de dignidade

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pessoal, não vão pedir aos filhos (com os quais não têm qualquer tipo de contacto) uma declaração de IRS.
Não querem «pedir a esmola» para que eles subscrevam um pedido de Complemento Solidário para Idosos.
É, portanto, uma questão de dignidade, que compreendemos e que aceitamos como correcta na perspectiva da valorização e da dignificação da pessoa enquanto titular de direitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, um dos problemas que se colocam relativamente ao Complemento Solidário para Idosos é que se trata de um processo demasiado burocrático para o estrato social a que se destina, facto que já foi diversas vezes referido pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, aquando da discussão na especialidade. É também um processo que tem em consideração os rendimentos dos filhos, independentemente de estes terem ou não terem uma relação familiar com os idosos.
Neste sentido, Sr. Presidente, o projecto de lei apresentado pelo PCP que hoje discutimos e que, caso seja aprovado, permite, em sede de especialidade, corrigir um conjunto de aspectos que dizem respeito a estes obstáculos que o Complemento Solidário para Idosos enfrenta.
Importa, assim, que o Complemento Solidário para Idosos seja uma prestação acessível a todos os idosos para que não seja por motivos burocráticos, ou outros que não são legítimos, que os idosos vejam impedido o seu acesso a esta prestação.
O projecto de lei que apresentámos visa precisamente a remoção destes obstáculos, que levam a injustiças. O obstáculo mais importante que urge remover é, entre outros, a questão dos rendimentos dos filhos, já referida, bem como o processo excessivamente burocratizado para aceder à prestação, sobretudo se tivermos em conta as dificuldades dos destinatários.
O Governo não pode ignorar que existem muitos idosos em situação de pobreza, cujos filhos dispõem de recursos suficientes para os apoiar, mas que, por diversos motivos, não o fazem, ou porque estão em ruptura com o resto da família ou porque perdem o contacto. O exemplo mais flagrante é o dos filhos que estão emigrados, mas a quem, mesmo assim, é exigida a declaração de IRS para completar o processo.
Sr. Presidente, esta prestação social é importante, mas o PS criou um conjunto de obstáculos que impedem milhares de idosos de aceder à mesma, por isso, o projecto de lei que apresentamos vai no sentido de remover os obstáculos que referi, para que todos a ela possam ter acesso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a propósito da discussão do projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda, gostaria de começar por dizer que o PSD esteve, desde o início, solidário e concordante com a criação do Complemento Solidário para Idosos.
Estivemos de acordo com esta prestação, fundamentalmente, por três razões: em primeiro lugar, porque é no grupo dos idosos que se anicha a maior percentagem de pobreza — cerca de 26% dos idosos em Portugal correm risco de pobreza; em segundo lugar, porque é preciso tratar melhor quem pior vive — e os idosos vivem pior, manifestamente; em terceiro lugar, porque queremos uma sociedade portuguesa mais igual, mais solidária e mais equitativa.
O Governo anunciou o Complemento Solidário para Idosos durante a campanha eleitoral e durante a discussão do Programa do Governo. A ideia era a de que este anúncio tivesse um grande impacto junto do eleitorado, coisa que na verdade teve.
Dizia o Governo que seria de 300 000 o número de idosos abrangidos pelo Complemento Solidário para Idosos. Dizia também o Governo que seriam 250 milhões de euros a gastar até 2009 com esta prestação social.
A verdade é que quando foi criado o Decreto-Lei n.º 232/2005, que é aquele que enquadra o Complemento Solidário para Idosos — surpresa das surpresas! —, afinal, esta era uma prestação verdadeiramente «blindada», exigindo «1001» documentos, vários formulários, com diversas exigências. No fundo, um verdadeiro suplício para os idosos, isto é, foi criado para os nossos idosos um verdadeiro inferno burocrático — o Governo, aparentemente, dava com uma mão, mas retirava rapidamente com a outra. Um verdadeiro inferno burocrático, que foi até classificado pela responsável do Simplex como um programa que não seria compaginado com o Simplex.

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Qual é a realidade hoje, pergunta insistentemente o Sr. Deputado do PS? A realidade hoje, Sr. Deputado, é a de que há 90 000 idosos com o Complemento Solidário para Idosos atribuído — faltam, portanto, 210 000 idosos para se atingir os 300 000!! Há 90 milhões de euros gastos, valor que está muito distante dos 250 milhões de euros anunciados!! Sr. Deputado, hoje o Complemento Solidário para Idosos prefigura aquele dito de que a «montanha pariu um rato».
Mas o facto é que continuamos numa situação de emergência social e não se resolve o problema dos idosos. Perante isto, o Governo vem alterar o seu comportamento. Simplifica os procedimentos, diz aos idosos: «Não precisam de apresentar documentos porque nós cruzamos os dados», algo que já podiam ter feito desde o início.
Mais: abrem os serviços da segurança social ao sábado, para que os idosos possam ser acolhidos e apresentar o seu requerimento para esta prestação. Isto é, criou-se um conjunto de medidas que desde o princípio deveriam ter sido criadas e não foram.
A pergunta é: porquê apenas agora? E a reposta é que já não é uma questão de emergência social, é uma questão de emergência pré-eleitoral. O Governo sente que o terreno lhe está a fugir debaixo dos pés e, perante uma medida que já deu ganhos eleitorais em 2005, quer encontrar todas as soluções para agora atribuir esta medida sem olhar a meios.
O que há aqui é a prefiguração de um comportamento reprovável, de cinismo por parte deste Governo, porque quando devia ter aberto as «comportas» normais para combater a pobreza, o Governo fechou e abre, agora, de uma forma absolutamente tranquila, de uma forma quase diríamos descontrolada, para que possa atender a esta situação, não tanto de emergência social,…

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Adão Silva (PSD): — … porque já existia em 2005 e 2006, mas numa situação verdadeiramente infeliz porque é uma situação de emergência pré-eleitoral.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o CDS e a sua bancada, quando tiveram responsabilidades governamentais, sempre elegeram o apoio social aos mais idosos como pedra central das políticas sociais.
Nós temos orgulho — e dizemo-lo bastante à vontade — de estar ligados ao maior aumento das pensões mínimas que já vivemos na história democrática: meio milhão de pessoas.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Temos orgulho de estar ligados ao princípio da convergência das pensões com o Salário Mínimo Nacional, garantindo a estas pessoas o acesso a um patamar mínimo de dignidade e de existência. Por isso mesmo, sabemos muito bem a importância de todas as prestações sociais que sirvam para ajudar estas pessoas e, acima de tudo, para minorar a sua dificuldade e o seu esforço.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Curiosamente, o Partido Socialista, que criou a prestação do Complemento Solidário para Idosos, é exactamente o mesmo partido que acabou com o princípio da convergência das pensões de reforma. E isto tem de ser dito porque é muito curioso perceber a diferença entre uma coisa e a outra…!

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O Partido Socialista anunciava que queria retirar da pobreza 300 000 idosos, mas, pelos vistos, hoje, não chega a mais de 80 000 e a verdade é que foram prejudicados mais de meio milhão de portugueses que têm, hoje, 236 €, por mês, para viver, para chegar ao final do mês.
Por isso mesmo, o CDS foi o primeiro partido a levantar a questão do excesso de burocracia que o acesso à prestação do Complemento Solidário para Idosos continha. Nós ainda nos lembramos dos 19 papéis que era preciso entregar num posto de atendimento da segurança social para se requerer esta prestação. Nós ainda nos lembramos do pedido e da insistência que era preciso fazer para entregar uma declaração à segurança social, declaração essa que era passada pela própria segurança social!... Assim se vê bem que, deste universo de 300 000 pessoas, hoje, esta prestação não chega a pouco mais de 80 000 pessoas.
Por esse motivo, não ficarei muito admirado de, na próxima entrevista do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, ouvi-lo a dizer — tal como ele já disse relativamente aos 150 000 postos de trabalho que não vão ser criados —, em «governês»: «Vai ser difícil.» O «governês» tem uma tradução em português de Portugal que é esta: «vai ser impossível, vamos a falhar a promessa eleitoral que seria de retirar de abaixo de um limite de pobreza 300 000 cidadãos idosos»!! Agora, Sr. Presidente, o que é verdadeiramente escandaloso e tem de ser atalhado — e parece-me que, de facto, do ponto de vista social vê-se bem a opção política deste Governo —, o que é uma vergonha é que seja mais difícil para um idoso de 65, de 70, de 75 ou de 80 anos requerer 10, 20 ou 30 euros de Complemento Solidário para Idosos do que é para um jovem requerer Rendimento Mínimo Garantido, jovem esse que devia e podia estar no mercado de trabalho.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Vê-se a opção política e a opção social do Partido Socialista: dar Rendimento Mínimo Garantido a quem podia e devia estar a trabalhar e, ao mesmo tempo, prejudicar e dificultar a vida de quem não tem mais para viver do que estas prestações ou do que este apoio do Estado.
Por isso mesmo, tudo o que seja para aligeirar os processos, retirar a burocracia, mantendo, obviamente, um nível mínimo de rigor e de exigência contará com o apoio do CDS, pelo que viabilizaremos estes projectos para discussão na especialidade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, a Sr.ª Deputada Isabel Santos.

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Percebe-se aqui o incómodo da memória.

Protestos do CDS-PP.

Realmente, a memória daquilo que não fizemos torna-se bastante incómoda, em determinados momentos.
Eu percebo o incómodo gerado por esta discussão, junto das bancadas do CDS-PP e do PPD/PSD.
Mas não é sobre isso que irei aqui falar. Irei aqui falar, como aqui já foi lembrado, de uma medida verdadeiramente emblemática em Portugal, no combate à forma mais insidiosa da pobreza na população portuguesa: falo do combate à pobreza junto da população idosa, falo do Complemento Solidário para Idosos — uma medida emblemática, de facto, mas uma medida acompanhada de rigorosas condições de recurso, porque entendemos que, só assim, se criam patamares de verdadeira igualdade e justiça social.
Não damos aqui lições, mas também não recebemos lições de ninguém neste combate.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — Não desistimos desta medida e a prova disso é que, ao fim de dois anos e meio de implementação desta medida, se procede a um rigoroso e exaustivo processo de avaliação e de

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adequação, tornando-a mais justa, mais próxima dos cidadãos e mais eficiente na resposta que pretende mobilizar.
Falam-me da criação de um patamar de mais fácil acesso a esta medida. Lembro aqui que neste momento está em profunda revisão todo o processo de requerimento, aguardando-se neste momento a promulgação de uma portaria que procede à revisão deste processo.

Vozes do BE: — A portaria já saiu!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Saiu em Junho!

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — Deixa de ser necessária a presentação de documentos que têm a ver com o nível de rendimentos dos filhos dos idosos e passa a ser necessária apenas a indicação da sua identificação fiscal para cruzamento de dados pela segurança social em relação à base de dados da administração fiscal.

Protestos do PCP e do BE.

Estão a ser abertos os postos de atendimento nos grandes núcleos urbanos em horários de fim-de-semana para que seja possível dar um atendimento mais próximo e um acompanhamento mais personalizado a estes idosos; as redes sociais estão a ser mobilizadas neste processo; e neste momento está já identificado um conjunto vasto de instituições de solidariedade social, de juntas de freguesia e de câmaras municipais que estão a colaborar neste processo de divulgação da medida, de recolha das inscrições para as candidaturas a esta medida e de apoio ao seu processamento.
Quanto àquilo que nos era proposto também nesta proposta do Bloco de Esquerda de alteração do período de pagamento de 12 para 14 meses, devo dizer-lhes que esta proposta não pode de maneira alguma ser acolhida uma vez que produziria uma redução do valor mensal recebido por esses idosos, o que não era desejável para o equilíbrio da situação financeira destas pessoas.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O que recebem no subsídio de Natal cortam no rendimento mensal!

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — Quanto a uma outra questão que nos é colocada que se prende com a alteração da contabilização dos rendimentos dos filhos, para a apreciação do valor disponível de rendimento mensal pelos agregados — pois esta é também uma proposta que temos, de facto, de recusar.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Porquê?

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — Porque não é justo que o meu pai, ou o pai do Sr. Deputado que me pergunta porquê, receba rigorosamente a mesma prestação supletiva que o pai de um qualquer trabalhador que receba um salário mínimo.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso é pura demagogia!

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — O senhor sabe que é assim…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não, não é assim!

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A Sr.ª Isabel Santos (PS): — … e não adianta recusar, porque nós não caminhamos por igualitarismos que produzem iniquidade.
Esta é uma medida que faz de facto a diferença: trata de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente,…

Aplausos do PS.

Vozes do PCP: — Uma vergonha!

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — … porque esta medida tem um potencial de justiça e de equidade social que ninguém pode negar.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Obrigam os idosos a pôr os filhos em tribunal!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados — e peço a especial atenção das Sr.as e dos Srs. Deputados da bancada do Partido Socialista —, gostaria de vos dizer o seguinte: em primeiro lugar, Sr.ª Deputada Isabel Santos, a portaria a que se refere, da simplificação do modelo de requerimento, já está publicada e já se encontra em vigor desde o dia 9 de Junho. Aquilo a que a senhora se refere é a um decreto regulamentar anunciado na semana passada pelo Governo, cujo conteúdo concreto ainda não se conhece, mas conhece-se a intenção e em nada mexe, absolutamente em nada, daquilo a que nos estamos a referir.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Mas Sr.ª Deputada Isabel Santos, peço-lhe, por favor, atenção e a todos os Deputados do Partido Socialista: a última carta dirigida pelos serviços da segurança social a todos os idosos diz o seguinte: «No seguimento de contactos anteriores e acerca da possibilidade de V. Ex.ª requerer o Complemento Solidário para Idosos, verificamos que, até ao momento, não temos qualquer registo do seu requerimento. Contudo, este ano, a concessão deste complemento tem novas condições: aumento do valor do complemento solidário para idosos em 10,8%…».

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — E é verdade!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — E vou continuar: «Se o seu rendimento médio mensal for inferior a 400 euros ou, sendo casado ou vivendo em união de facto, se o rendimento médio mensal do casal for inferior a 700 euros» — e, agora, sublinhado — «poderá ter direito/acesso a essa prestação». Srs. Deputados, isto é publicidade enganosa!

Protestos do PS.

Srs. Deputados, falamos para idosos! Ninguém diz aqui que têm de dar o número fiscal dos seus filhos!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Agora, não! Antes, dizia!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Ninguém diz isso, porque mudaram! Já não são precisas todas as fotocópias do IRS, basta o número fiscal do agregado familiar, com os filhos, que a segurança social faz o resto. Ó Srs. Deputados, dois anos depois!

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Mas, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, permitam que vos lembre que «não digam ‘desta água não beberei’», como fez o Eng.º José Sócrates, Primeiro-Ministro, que, quando foi criticado pelo excesso de burocracia, disse exactamente o seguinte: «Esta prestação social será rigorosa,…»…

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — É verdade!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … «… as críticas não têm expressão, é uma ficção a ideia da burocracia exagerada». Dois anos depois, é o próprio Governo que a vem reconhecer e que recua! Só espero, Srs. Deputados, pelos idosos e pelas idosas do nosso País, que o Governo, nem que seja em véspera de eleições, altere, de facto, esta legislação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, terminada a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 521/X e 554/X, passamos ao último ponto da nossa ordem do dia, destinado à apreciação conjunta dos projectos de resolução n.os 342/X — Reforço de dotação para o funcionamento dos estabelecimentos do ensino superior (PCP) e 359/X — Recomenda ao Governo a adopção de um sistema plurianual de financiamento das instituições de ensino superior, tendo em vista assegurar a sua sustentabilidade e limitar o esforço financeiro de alunos e famílias (BE).
Para apresentar o projecto de resolução do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de resolução do PCP, que hoje discutimos, não propõe medidas de fundo relativamente ao ensino superior. As medidas que propomos são medidas de urgência para responder ao desespero que se vive nas instituições de ensino portuguesas, resultante da situação de colapso financeiro em que se encontram.
O PCP regista a situação que hoje se vive nas universidades e institutos politécnicos portugueses como um claro exemplo das consequências da política de direita e a necessidade de uma alternativa de esquerda que não desistimos de propor e de contrapor à política do PS.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Continuaremos a defender o investimento do Estado na construção de um sistema de ensino superior público, gratuito e de qualidade, mas do que se trata hoje é de saber que partidos estão dispostos a garantir às instituições de ensino superior as condições financeiras mínimas para que possam continuar a cumprir a sua missão.
A situação a que chegaram as universidades e os politécnicos resulta de muitos anos de políticas de subfinanciamento do ensino superior público, mas tem um contributo decisivo do actual Governo do PS.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Foi este Governo que, em dois anos, impôs cortes orçamentais de 18% às instituições de ensino superior, cerca de 150 milhões de euros a menos, num quadro que já era de subfinanciamento.
Foi este Governo que impôs às instituições a obrigação de efectuar 11% de descontos dos seus trabalhadores para a Caixa Geral de Aposentações, sem qualquer compensação financeira, que não teve em conta os encargos decorrentes dos aumentos salariais, promoções e progressões dos trabalhadores, que fez os cálculos orçamentais para 2008 com base numa inflação fantasiosa de 2,1%.
Foi este Governo que, em 2008, reduziu o nível de financiamento do ensino superior para 0,7% do PIB, que reduziu o financiamento médio por aluno para 3772 euros, enquanto manteve o valor das propinas em mais de 940 euros e permitiu a fixação de propinas de mais de 5000 euros em alguns dos segundos ciclos.
Foi este Governo que comprometeu quase por completo a capacidade de investimento e desenvolvimento das instituições de ensino superior.

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Foi por tudo isto, aliás, que o PCP utilizou um direito potestativo de chamar o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior à Comissão de Educação e Ciência, para prestar todos os esclarecimentos, reunião esta que ocorrerá em Setembro.
As consequências das políticas do PS estão à vista: as instituições deixaram de poder cumprir compromissos tão básicos como pagar salários e subsídios de férias a professores e funcionários, pagar facturas de água, luz ou materiais básicos para o ensino ou a investigação.
O Governo PS, que prometeu ao País o choque tecnológico, só trouxe, afinal, às universidades e aos politécnicos, o choque da penúria financeira.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Aproveitando este quadro, o Governo recorre agora a verdadeiros processos de chantagem para pôr em causa a autonomia universitária. Se as universidades precisam de dinheiro, o Ministro Mariano Gago tem muito para dar, mas com imposições. Se as universidades querem dinheiro para funcionar, para pagar salários, água ou luz, terão de assinar os contratos de saneamento financeiro propostos pelo Governo e respeitar as condições aí impostas, a saber: o despedimento de funcionários e professores, a negação de licenças sabáticas, o encerramento de cursos, a fixação de propinas nos valores máximos.
Fingindo nada ter a ver com a situação hoje existente no ensino superior em Portugal, o Governo PS e o Ministro Mariano Gago vão acusando as instituições de má gestão e repetindo uma estafada cassete de propaganda que é cada vez menos capaz de disfarçar a realidade.
Das propostas que hoje temos em discussão, há uma proposta do Bloco de Esquerda que nos merece uma reserva: a fixação de um limite percentual para a contribuição das propinas, no contexto das fontes de financiamento das instituições, significaria assumir que as propinas podem servir para financiar o funcionamento das instituições de ensino superior. Defendendo, como defendemos, a gratuitidade do ensino superior e o financiamento público das instituições, não podemos concordar com esta solução.
O que o PCP hoje propõe é que se tomem medidas para que as instituições de ensino superior não tenham de ficar reféns do Ministro Mariano Gago e para que a sua autonomia seja respeitada.
O que o PCP hoje propõe é que seja reposta a dignidade que as universidades e os politécnicos merecem e que lhes sejam garantidas as condições necessárias para cumprirem a sua missão, ao serviço do desenvolvimento do País. Veremos quem está disposto a aceitar este desafio democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de resolução do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de resolução que estão, neste momento, em debate pretendem dar resposta àquelas que são as notícias, as denúncias, na prática, a situação conhecida que vive, hoje, o sistema de ensino superior público, com a asfixia financeira que lhe foi imposta pelo Orçamento do Estado.
Desde que discutimos, há quase um ano, o Orçamento do Estado para as instituições de ensino superior público que sabíamos que isto iria acontecer. Ou seja, há aqui uma estratégia, por parte do Governo, que foi a de ter provocado, com o Orçamento do Estado para 2008, uma séria «doença» nas instituições de ensino superior público e, agora, negar-lhes o «tratamento».
Bom! Creio que estes projectos de resolução pretendem responder àquelas que são as necessidades de funcionamento, as necessidades de investimento mínimas e básicas do sistema de ensino superior público. O que não podemos permitir é que exista no Governo um Ministro que trata as instituições como sendo conservadoras e que aquelas que estão com ele e aquelas que não estão com ele tenham acesso a financiamentos diferenciados ou tenham prescrições diferenciadas sobre a forma como se devem organizar.
Não podemos ter um Ministro do Ensino Superior que olha para o País e diz: «O ensino superior sou eu e, portanto, eu decido quem merece ser ajudado, quem merece ser financiado, quem merece ter a aprendizagem da asfixia financeira».

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A responsabilidade do Partido Socialista é qualificar o sistema de ensino superior público e, se é verdade que a questão do financiamento não é a única medida necessária para essa qualificação, ela é, sem dúvida, uma condição fundamental e necessária. E, portanto, as dificuldades que as instituições estão, hoje, a viver não lhes permitem fazer o seu planeamento, não lhes permitem qualificar-se, no exacto momento em que o Processo de Bolonha exige, a cada instituição do ensino superior, que se qualifique, para competir naquele que vai ser o espaço europeu do ensino superior.
O Bloco de Esquerda apresenta a debate este projecto de resolução, que é, de facto, uma medida de emergência para a situação que se vive hoje no panorama do ensino superior público e tem três aspectos que creio serem fundamentais.
Primeiro, repor os níveis orçamentais mínimos para que estas instituições possam funcionar com o mínimo de dignidade e cumprir aquelas que são as suas funções.
Segundo: caminhar para a adopção de um modelo de financiamento plurianual. Exigir responsabilidade às instituições tem como contrapartida dar-lhes a possibilidade de fazerem um planeamento a longo prazo daqueles que são os seus investimentos, as suas capacidades e o modelo de desenvolvimento no sentido do qual pretendem avançar.
Terceiro — e este é o aspecto que foi referido pelo Sr. Deputado João Oliveira: estabelecer um limite percentual à contribuição dos estudantes e das famílias no financiamento das instituições de ensino superior público.
O que conhecemos da realidade, hoje, nas instituições, é que, para responder à carência de orçamento — temos um Estado que foge às suas responsabilidades no financiamento do ensino superior público —, o sistema vai buscar aos estudantes e às suas famílias as receitas que não tem.
Vejamos o que acontece nos 1.º e 2.º ciclos. Hoje, há estudantes que queriam fazer o que se fazia há uns anos: estudar quatro, cinco anos. E o que é que lhes é pedido? Imagine, para dois semestres de formação em mestrado, são-lhes pedidos valores da ordem dos 3500 €. Sei que isto pode ser divertido para a Sr.ª Deputada, mas para as famílias dos estudantes não é! Não é aceitável que, por causa da asfixia financeira criada por este Governo,…

Protestos do PS.

… se obrigue as instituições a ir buscar às famílias e aos estudantes as receitas que são necessárias. Esta é a realidade que se vive hoje.
Hoje, há famílias que querem que os seus filhos estudem mais e não têm dinheiro para pagar o mestrado, o 2.º ciclo do Processo de Bolonha, e isso é da responsabilidade do Partido Socialista! Existem pessoas que ficam pelo 3.º ano de formação superior porque não têm dinheiro para pagar as propinas livres que são estabelecidas pelo modelo de financiamento. E como esta é uma responsabilidade vossa, este é o momento da bancada do Partido Socialista pensar o que quer fazer com o futuro do ensino superior em Portugal.
É que não basta falar. Se querem qualificar o sistema, se querem um sistema que seja público e que permita aos jovens e às famílias cumprir as suas expectativas de formação, votem favoravelmente estes projectos de resolução!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a discutir o financiamento do ensino superior e, desde já, queremos saudar os projectos de resolução em causa, quer o do PCP quer aquele que, por arrastamento, foi apresentado pelo BE.
De facto, a situação financeira das universidades portuguesas é verdadeiramente calamitosa. O Governo sempre quis negar que assim era, sempre disse que era um exagero, mas a verdade é que, com o passar do tempo, constata-se que é mais assim.

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Antes de falar de questões financeiras, queria fazer uma apreciação política da conduta e das opções do Governo em relação a dois aspectos.
Em primeiro lugar, se há subfinanciamento, é exactamente porque foi essa a opção política do Governo. Se o financiamento não é suficiente, foi porque o Governo assim decidiu, apoiado, aliás, na maioria absoluta do Partido Socialista.
A segunda questão que interessa analisar politicamente prende-se com o facto de, na Comissão de Educação, terem sido apresentados dois requerimentos a solicitar a vinda do CRUP e do CCISP à Comissão, que, lamentavelmente, o Partido Socialista recusou. Do ponto de vista político, isto é da maior relevância, porque significa que o Partido Socialista, neste momento, já nem quer ver, já nem quer ouvir! Institucionalmente, havia o dever de tratar esta matéria na comissão parlamentar respectiva.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — É a «lei da rolha»!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — É, por isso, absolutamente lamentável esta recusa do Partido Socialista.
No fundo, preferem que esta matéria se discuta através de algumas notícias dos jornais. Ou seja, não querem resolver o problema, porque, se quisessem, ouviam todos e tentavam obter informação sobre esta questão.
Qual é a marca do Partido Socialista, ao fim destes três anos? 15% de diminuição no financiamento ao ensino superior em percentagem do PIB. É a marca do Partido Socialista! A situação de alarme financeiro, de facto, já vinha de há algum tempo, mas os senhores não a queriam ver — o Sr. Ministro foi sempre negando. Claro que podiam, simultaneamente, fazer mudanças de fundo para racionalizar todo o funcionamento do sistema, mas também não o fizeram.
Com efeito, só no último ano foram abertos 190 novos cursos entre licenciaturas, mestrados e doutoramentos. Isto, de facto, não é racionalizar a rede! Sobre isto, o que é que o Governo faz? Não faz nada, joga sempre à defesa e, mais, diz que faz sem fazer! Aliás, da última vez que o Sr. Ministro aqui esteve, eu disse-lhe que estava tudo, ou quase tudo, por fazer e o Sr. Ministro respondeu — como é, aliás, seu estilo — o seguinte: «O Sr. Deputado disse que está quase tudo por fazer. Sr. Deputado, tenho todo o gosto em lhe transmitir a totalidade do que foi feito e das reformas que foram efectuadas, bem como a análise que é feita internacionalmente das reformas do ensino superior português comparadas com as de outros 22 países do espaço da OCDE». Estávamos todos à espera que o Sr. Ministro dissesse o que fez, mas ele concluiu desta forma: «Enfim, o Sr. Deputado considera que é pouco». E mais não disse! Portanto, tiramos a seguinte conclusão: politicamente, o Governo não financia como deve ser e, politicamente, não vai fazer nem a racionalização nem a reestruturação de todo o sistema de ensino superior.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar por dizer que, de facto, nunca é demais debater o financiamento do ensino superior nesta Casa. E nunca é demais porque, ao longo dos últimos três anos, temos vindo a assistir ao corte sistemático do seu financiamento.
Este Governo tem pautado a sua actuação exactamente por isso. Ano após ano, de 2005 até agora, tem vindo a cortar no financiamento às instituições de ensino superior.
E, tal como já foi dito aqui — mas penso que vale a pena recordar —, em 2005, a percentagem do PIB afecta ao ensino superior era de 0,82% e, em 2008, a mesma percentagem é de 0,71%. Ou seja, houve um corte brutal. Mais: tudo isto com uma nuance sobre a qual vale a pena reflectir aqui, que é a de a média da União Europeia ser de 1,2%. Portanto, também aqui fomos divergindo dos nossos parceiros comunitários. E tudo isto com a complacência do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que nas palavras é muito amigo

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das instituições de ensino superior, mas cauciona os actos péssimos do Governo no que diz respeito a esta matéria.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Ainda por cima, não fizeram só cortes! Por um lado, esganam-se as instituições financeiramente e, por outro, atribuem-se-lhes novas obrigações, como tem acontecido ao longo destes três anos. Estou a referir-me claramente ao aumento dos descontos para a Caixa Geral de Aposentações, que foi imposto às instituições, sem a correspondente dotação orçamental, como deveria ter acontecido.
Depois, o que é que vemos? Vemos o Sr. Ministro do Ensino Superior e o Sr. Ministro das Finanças, que potenciam a instabilidade nas instituições de ensino superior, a dizer que, se há problemas, é por erros de gestão. De facto, acho isto notável! Acho notável que quem devia proporcionar estabilidade nos instrumentos para que as escolas do ensino superior pudessem fazer a sua gestão, e, depois, sim, fazerem a avaliação dessa gestão, venha criar a instabilidade, alterar as regras a meio do jogo e, depois, dizer que, de facto, há má gestão. É, de facto, uma coisa surpreendente e não percebo — volto a dizer — como é que o Partido Socialista cauciona isto.
Por isso é que, há pouco tempo, tive a oportunidade de dizer aqui ao Sr. Ministro Mariano Gago que ele é um ministro perigoso para o ensino superior, porque tem uma agenda própria. É uma agenda que não é a das instituições nem aquela de que o País necessita, é uma agenda dele, dele e de mais alguém que, com certeza, beneficiam disto.
Reparem bem qual é a solução que é dada agora para o futuro: há uns contratos-programa que o Governo vai assinar com as instituições de ensino superior. Em que moldes? Como é que vão ser seleccionadas as instituições? Ninguém sabe! O que sabemos é que, num passado muito recente, o mesmo ministro e o mesmo Governo escolheram uns parceiros para fazer uns protocolos com instituições de referência no mundo. Mas foi o Governo e o ministro que os escolheu. Ou seja, se, para o financiamento das instituições o caminho é este, que é aquele que nós já conhecemos, volto a dizer que estamos aqui perante uma situação muito perigosa, que devia preocupar — e muito! — os Srs. Deputados do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Mota.

O Sr. Manuel Mota (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Está em curso uma profunda reforma do sistema de ensino superior português. Esta reforma foi já alvo de uma avaliação por parte da OCDE, da qual resultam importantes aspectos positivos: mais alunos no ensino superior, particularmente no ensino politécnico, que viu a sua missão clarificada com os seus programas mais adequados às necessidades do mercado de trabalho e o aumento do número dos CET; um ambicioso programa de parcerias internacionais, que envolve as nossas instituições de ensino superior, com o que de melhor se faz no mundo em matéria de investigação científica, fundamental para uma mudança efectiva do nosso modelo económico; a abertura das instituições de ensino superior à sociedade e a novos públicos, etc… Os projectos de resolução do PCP e do Bloco de Esquerda ignoraram estes factos, propõem recomendações requentadas e sustentam-se em premissas falsas.
O actual Regime Jurídico da Instituições de Ensino Superior já prevê a possibilidade do financiamento plurianual das instituições; a Lei do Financiamento do Ensino Superior está a ser cumprida; não há desresponsabilização do Estado em matéria de financiamento;…

O Sr. João Oliveira (PCP): — É preciso ter descaramento!

O Sr. Manuel Mota (PS): — … não são os alunos a suportar o ensino superior; nem estamos, nesta área, a perder competitividade no contexto internacional.
Senão, vejamos.

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A metodologia de reporte à OCDE é conhecida. Até recentemente, Portugal, ao contrário dos outros países, apenas reportava a parte referente ao sector público do ensino superior. Fruto da colaboração do Instituto Nacional de Estatística com o Gabinete de Planeamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, as últimas estatísticas de educação da OCDE incluíam, finalmente, também o sector privado no que respeita ao ano de 2005, permitindo, assim, a sua correcta comparação internacional. Nesse ano, o financiamento do ensino superior português, público e privado, atingia 1,4% do РІВ , igual à média da OCDE e superior à média da União Europeia.
O total do financiamento em receita, com exclusão do PIDDAC, atingiu 1712 milhões de euros em 2005, 1790 milhões de euros em 2006 e 1806 milhões de euros em 2007. Em percentagem do Produto, o valor mantém-se sensivelmente constante, ao longo dos três anos, em 1,1% do РІВ , subindo para 1,2% quando incluímos as verbas da acção social e do PIDDAC. E nestes números não contabilizamos, por exemplo, o financiamento directo da rede RCTS e da B-On, antes parcialmente suportado pelas instituições e, desde 2007, inteiramente pago pelo ministério.
Para completo esclarecimento, deve ainda analisar-se o peso das propinas cobradas no total das receitas do ensino superior. As propinas arrecadadas passam de 184 milhões de euros em 2005, para 239 milhões de euros em 2007, mas parte destas são pagas directamente pelo Estado às instituições, designadamente as suportadas pela FCT, que passam de 3 milhões de euros em 2005 para 13 milhões em 2007. Assim, as propinas pagas directamente pelos estudantes representam apenas entre 10,6% e 12,5% do financiamento total, deduzido o PIDDAC.
Caem, pois, por terra as principais premissas de ambos os projectos de resolução: não há desinvestimento no sistema de ensino superior português; o financiamento do nosso sistema de ensino superior é, em percentagem do Produto, idêntico ao da média dos países da OCDE; as receitas do sector público cresceram ao longo dos últimos 3 anos, mantendo-se estáveis em percentagem do produto.
Às instituições de ensino de superior e ao País, o PS e o Governo reiteram o seu empenho na valorização do ensino superior e a construção, em diálogo com as instituições, de soluções para as dificuldades de execução orçamental manifestadas por algumas instituições, tendo já sido realizados reforços nos seus orçamentos, como todos sabemos, mantendo-se contactos com os representantes das instituições de ensino superior públicas e estando agendadas reuniões, neste mês, entre o Governo e estas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há cerca de um mês, também por iniciativa do PCP; esta Câmara realizou um debate de urgência sobre o financiamento do ensino superior para discutir e para tomarmos consciência daquilo que já se desconfiava e já se sabia, pelo menos desde a discussão do Orçamento do Estado para 2008. Já se sabia e a oposição fartou-se de o lembrar aos Srs. Deputados do Partido Socialista.
As instituições de ensino superior também lembraram o Partido Socialista, mas o Governo limitou-se a atirar com a propaganda estatística do costume, mesmo que isso não colasse minimamente à realidade. E a realidade das instituições de ensino superior no nosso país é de completa ruptura, neste momento. O estrangulamento financeiro a que têm vindo a ser sujeitas anos após não, por governos de direita e do Partido Socialista, é o único responsável pela actual situação.
Aliás, nisto é bem verdade que o Partido Social Democrata já não tem nada a ensinar ao Partido Socialista em relação à escola neo-liberal, porque já ensinou a lição e o Partido Socialista aprendeu-a bem: a lição dos cortes no investimento e nos orçamentos do ensino superior e a transferência de custos para os estudantes e suas famílias, com os aumentos brutais das propinas.
Pelo caminho, naturalmente, o Partido Socialista manda o imperativo constitucional da tendencial gratuitidade da educação para o caixote do lixo: um corte de financiamento de 6,4% em 2007, de 11% em 2008, de 20% entre 2005 e 2008 ou de 15% no que toca ao financiamento por aluno. A acrescer a esta sangria crónica está o aumento de encargos para as instituições.

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E nem sequer falamos, Srs. Deputados, dos encargos naturais para as instituições para se tornarem mais competitivas e capazes de responder aos desafios do presente e do futuro. Não, falamos de coisas mais simples e mais corriqueiras que nem sequer estão ao alcance das instituições do ensino superior. Falamos, por exemplo, de aumentos salariais, da mera inflação, das promoções obrigatórias ou das transferências para a Caixa Geral de Aposentações: 7,5% em 2007, passando para 11% em 2008.
Os resultados estão à vista, Srs. Deputados, e são bem conhecidos: ruptura dos saldos de gerência para várias universidades e politécnicos sem dinheiro para pagar despesas correntes como a água, a luz, os salários e os subsídios de férias; despedimentos ou, pelo menos, não renovação de contratos, quer de docentes, quer de funcionários, já para não falar do fecho de cursos ou do fim de licenças sabáticas, etc., etc.
Em resumo, está ensombrada por completo a abertura do próximo ano escolar. Claro que o Governo vem agora acorrer com algumas verbas para tentar esconder o óbvio e o inevitável. Ou, pior ainda — pasme-se! —, para o Sr. Ministro das Finanças o problema nada tem que ver com os cortes orçamentais ou com as políticas deste Governo; não, tem que ver, apenas, com a gestão dos institutos de ensino superior. Ora, isto é um insulto e é uma distorção à verdade.
Srs. Deputados do Partido Socialista, VV. Ex.as
, que passam a vida a queixar-se de que a oposição não tem propostas, têm hoje a oportunidade de dar o vosso aval a propostas que são aqui trazidas por dois grupos parlamentares.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Têm aqui propostas muito claras e que não são nada do outro mundo, Srs. Deputados: o reforço imediato da dotação para funcionamento, apenas para garantir o funcionamento actual das instituições de ensino superior, que está em ruptura, e para garantir a sua qualidade e os direitos do pessoal docente, investigador e pessoal não docente, e a eliminação do congelamento dos saldos transitados. Qual é o problema, Srs. Deputados? Por que é que não estão dispostos a fazê-lo? Digam e assumam porquê! Ou, então, a celebração dos contratos-programa ou contratos de desenvolvimento! É que os senhores preferem atacar a autonomia universitária e limitar os apoios aos conhecidos contratos de saneamento financeiro, mantendo as instituições de ensino superior com uma verdadeira arreata ou trela, dando mais uma forte machadada naquilo que é o ensino público em Portugal.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: À minha intervenção de há pouco sobre ensino superior acrescentaria e reforçaria dois ou três aspectos.
Todos sabemos que houve, efectivamente, cortes reais como nunca aconteceram no ensino superior público.
O Partido Socialista sabe que, intencionalmente, o Governo juntou o orçamento do ensino superior ao orçamento da ciência e tecnologia para permitir uma leitura estatística de aumento para o Ministério da Ciência e Tecnologia, quando, na prática, o que se verificou foi o aumento do orçamento para ciência e a diminuição do orçamento para o ensino superior.
O Partido Socialista sabe que foi assumido, aqui, nesta Casa, um compromisso político por parte do PS relativamente às propinas, no sentido de que elas jamais serviriam para pagar as despesas correntes das instituições de ensino superior, servindo exclusivamente para o aumento da qualidade.
Hoje, sabemos que, de norte a sul do País, instituições universitárias e politécnicas têm a chamada «propina máxima», que é superior a 900 €.
Esta é a realidade do funcionamento das instituições e os Srs. Deputados do Partido Socialista sabem que hoje, se as propinas não existissem, as rupturas que se verificam neste momento teriam acontecido muito mais cedo, porque não havia dinheiro para pagar salários e não havia dinheiro — nem há — para continuar projectos de investigação, que estão parados desde o início do ano lectivo, pois, ao contrário do que disse o Partido Socialista, as verbas da Fundação para a Ciência e a Tecnologia não foram disponibilizadas às instituições. Portanto, por ausência de verbas, os investimentos estão parados e os projectos de investigação não continuam.

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O Partido Socialista sabe que tudo isto é verdade e sabe-o de tal maneira que impediu que dois requerimentos, um apresentado por mim e outro pelo Bloco de Esquerda, para que o Conselho de Reitores das Universidades Públicas (CRUP) e o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnico (CSISP) pudessem vir à Comissão de Educação dizer, claramente, quais eram as suas necessidades em termos orçamentais e as rupturas que existem nas suas universidades e nos seus politécnicos, fossem aprovados. Os senhores não autorizaram, porque sabiam que, se estes responsáveis viessem, nos dariam conta das imensas dificuldades que estão a viver na instituições que podem pôr em causa o início do ano lectivo.
Srs. Deputados do Partido Socialista, é a última oportunidade que têm para permitirem que o início do ano lectivo 2008/2009 possa funcionar com o mínimo de qualidade no ensino superior. Se os senhores aprovarem as medidas que estamos a discutir, se permitirem o reforço orçamental nas instituições universitárias e politécnicas, podemos assegurar o mínimo de dignidade àqueles que nelas trabalham e nelas se formam.
Os Srs. Deputados sabem tão bem como eu e como toda a Câmara que há, neste momento, docentes transformados em prestadores de serviços à hora. Já não são professores. Prestam uma hora de trabalho e por essa hora de trabalho são pagos. Às vezes, dão uma hora de aula por semana, porque as universidades e os politécnicos não têm dinheiro para lhes pagar um horário normal.
É esta a realidade de muitas instituições.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas.
Haverá eleições de representantes da Assembleia da República para o Conselho Pedagógico do Centro de Estudos Judiciários e para o Conselho Nacional dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Terá como ordem do dia a apreciação, na generalidade, e em conjunto, da proposta de lei n.º 214/X — Estabelece o regime jurídico das Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto, e dos projectos de lei n.os 548/X — Revoga o Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de Outubro, consagrando um novo modelo de financiamento e funcionamento para as Autoridades Metropolitanas de Transportes (BE) e 555/X — Altera o Regime Jurídico das Autoridades Metropolitanas de Transporte (PCP); a apreciação das petições n.os 187/X (2.ª) — Apresentada por Carlos Alegre e outros, solicitando que a Assembleia da República proceda à revisão dos critérios que estarão na base de um eventual encerramento do serviço de urgência do Hospital José Luciano de Castro, na Anadia, 416/X (3.ª) — Apresentada pelos Utentes do Hospital de Santa Maria Maior de Barcelos, solicitando à Assembleia da República esclarecimentos acerca da apreciação sobre o abaixo-assinado contra o encerramento da Maternidade de Barcelos, e 443/X (3.ª) — Apresentada por SONGTSEN — Casa da Cultura do Tibete/União Budista Portuguesa, solicitando que a Assembleia da República aprove uma moção que condene a violação dos Direitos Humanos e da Liberdade Política e Religiosa no Tibete; e o debate sobre o encerramento da Campanha de Combate à Violência Doméstica.
Estarão ainda em apreciação e votação as seguintes iniciativas legislativas: projecto de resolução n.º 361/X — Deslocação do Presidente da República à Polónia e à Eslováquia (Presidente da AR); projecto de deliberação n.º 15/X — Calendário das actividades parlamentares da 4.ª sessão legislativa (Presidente da AR); propostas de resolução n.os 69/X — Aprova o Acordo entre os Estados Membros da União Europeia relativo aos pedidos de indemnização apresentados por um Estado Membro contra qualquer outro Estado membro por danos causados e bens por si possuídos, utilizados ou accionados, ou por ferimento ou morte de qualquer membro do pessoal militar ou civil dos seus serviços, no contexto de uma operação de gestão de crise da União Europeia, assinado em Bruxelas em 28 de Abril de 2004, 70/X — Aprova o Tratado entre o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, o Reino dos Países Baixos e a República Portuguesa visando a criação da Força de Gendarmerie Europeia (EUROGENDFOR), assinado em Velsen, na Holanda, a 18 de Outubro de 2007, 75/X — Aprova a Decisão do Conselho, de 7 de Junho de 2007, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (Decisão 2007/436/CE, EURATOM), 78/X — Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e as Nações Unidas sobre a Execução de Sentenças do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia, feito na Haia aos 19 de Dezembro de 2007, 80/X — Aprova a Convenção de Extradição entre os Estados-membros da Comunidades dos Países de Língua Portuguesa, assinada na cidade da Praia, a 23 de Novembro de 2005, 81/X — Aprova a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na cidade da

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Praia, em 23 de Novembro de 2005, 82/X — Aprova a Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na cidade da Praia, em 23 de Novembro de 2005, 83/X — Aprova a Convenção de Auxilio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia, assinada em Argel, a 22 de Janeiro de 2007, 84/X — Aprova o Acordo de Cooperação no Domínio da Defesa entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia, assinado em Lisboa, a 31 de Maio de 2005, 85/X — Aprova a Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia, assinada em Argel, a 22 de Janeiro de 2007, 86/X — Aprova o Acordo de Extradição entre a República Portuguesa e a República das Índia, assinado em Nova Deli, a 11 de Janeiro de 2007, 87/X — Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e a República da África do Sul para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento, assinada em Lisboa, a 13 de Novembro de 2006, e 88/X — Aprova a Convenção-Quadro do Conselho da Europa relativa ao valor do património cultural para a sociedade, assinada em Faro, em 27 de Outubro de 2005.
Haverá votações às 12 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
António Ribeiro Cristóvão
Domingos Duarte Lima
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Jorge José Varanda Pereira
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Francisco José de Almeida Lopes

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
João Carlos Vieira Gaspar
Renato Luís Pereira Leal

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72 | I Série - Número: 108 | 18 de Julho de 2008

Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
José Luís Fazenda Arnaut Duarte

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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