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Quarta-feira, 10 de Setembro de 2008 I Série — Número 111

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

COMISSÃO PERMANENTE
REUNIÃO DE 9 DE SETEMBRO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Isabel Coelho dos Santos
Fernando Santos Pereira

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a reunião às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de resolução n.º 374/X — Deslocação do Presidente da República a Nova Iorque (Presidente da AR), que foi aprovado.
Deu-se ainda conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 218 a 220/X, das propostas de resolução n.os 97 a 104/X, dos projectos de lei n.os 577 e 578/X, da apreciação parlamentar n.º 91/X e do projecto de resolução n.os 373/X.
Após leitura da mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 217/X — Aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, intervieram os Srs. Deputados Mota Amaral (PSD), António Filipe (PCP), Luís Fazenda (BE), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes) e Ricardo Rodrigues (PS).
Foi igualmente lida a mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 232/X — Altera o regime jurídico do divórcio, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), António Filipe (PCP), Luís Fazenda (BE), Paulo Rangel (PSD), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes) e Alberto Martins (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE) abordou a questão do agravamento da economia portuguesa.
Em declaração política, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) condenou a política de recurso a empresas de trabalho temporário para cumprir os requisitos das urgências hospitalares dos hospitais públicos.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Diogo Feio (CDS-PP) criticou a política do Governo sobre o preço dos manuais escolares.

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Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado António Montalvão Machado (PSD) falou da necessidade de proceder com urgência à reforma do sistema prisional e, depois, respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado José Junqueiro (PS) teceu considerações sobre o silêncio da actual direcção política do PSD. No fim, deu resposta ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado José Eduardo Martins (PSD).
Por último, em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes (Os Verdes) trouxe à colação o recente acidente ocorrido na linha do Tua.
Procedeu-se a um debate, solicitado pelo CDS-PP, sobre segurança, tendo-se pronunciado o Sr. Ministro da Administração Interna (Rui Pereira) e os Srs. Deputados Nuno Magalhães (CDS-PP), Fernando Negrão (PSD), Sónia Sanfona (PS), António Filipe (PCP), Luís Fazenda (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes) e Ricardo Rodrigues (PS).
A Câmara procedeu ainda a um debate, requerido pelo BE, sobre os recentes acontecimentos ocorridos no Cáucaso e a consequente realização do Conselho Extraordinário da União Europeia, tendo usado da palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado) e os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), José Vera Jardim (PS), Regina Ramos Bastos (PSD), Diogo Feio (CDS-PP) e Bernardino Soares (PCP).
Foram aprovados pareceres da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, um, relativo à renúncia ao mandato de um Deputado do PS, outro, dando assentimento a que o Presidente da Assembleia da República preste depoimento por escrito, como testemunha, em tribunal, e vários, autorizando Deputados do CDS-PP, do PS, do PSD e do PCP a deporem.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à reunião:

Partido Socialista (PS): Alberto de Sousa Martins Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes Jaime José Matos da Gama Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro José Eduardo Vera Cruz Jardim João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano Leonor Coutinho Pereira dos Santos Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal Manuel Alegre de Melo Duarte Manuel Maria Ferreira Carrilho Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis Maria Isabel Coelho Santos Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro Pedro Nuno de Oliveira Santos Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes Vitalino José Ferreira Prova Canas Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho Vítor Manuel Bento Baptista

Partido Social Democrata (PSD): Agostinho Correia Branquinho António Edmundo Barbosa Montalvão Machado Fernando Mimoso Negrão Fernando Santos Pereira Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva Hugo José Teixeira Velosa José Eduardo Rego Mendes Martins José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro João Bosco Soares Mota Amaral Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos

Partido Popular (CDS-PP): Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio João Nuno Lacerda Teixeira de Melo Nuno Miguel Miranda de Magalhães

Partido Comunista Português (PCP): António Filipe Gaião Rodrigues Bernardino José Torrão Soares Bruno Ramos Dias

Bloco de Esquerda (BE): Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

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Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV): Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de resolução n.º 374/X — Deslocação do Presidente da República a Nova Iorque (Presidente da AR).

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o projecto de resolução está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 218/X — Altera o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica, aprovado pela Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro (ALRAM), 219/X — Alteração ao Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de Junho, que define o regime jurídico aplicável aos bombeiros portugueses (ALRAM), que baixou à 1.ª Comissão, e 220/X — Regula os efeitos jurídicos dos períodos de prestação de serviço militar de antigos combatentes para efeitos de atribuição dos benefícios previstos na Lei n.º 9/2002, de 11 de Fevereiro, e na Lei n.º 21/2004, de 5 de Junho, que baixou à 3.ª Comissão; propostas de resolução n.os 97/X — Aprova o Acordo que altera o Acordo sobre Segurança Social ou Seguridade Social entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, assinado em Brasília, a 9 de Agosto de 2006, que baixou à 2.ª Comissão, 98/X — Aprova o Acordo Multilateral entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-membros, a República da Albânia, a Bósnia e Herzegovina, a República da Bulgária, a República da Croácia, a República da Islândia, a Antiga República Jugoslava da Macedónia, a República de Montenegro, o Reino da Noruega, a Roménia, a República da Sérvia e a Missão de Administração Provisória das Nações Unidas para o Kosovo sobre o Estabelecimento de um Espaço de Aviação Comum Europeu, assinado no Luxemburgo, a 9 de Junho de 2006, que baixou à 2.ª Comissão, 99/X — Aprova o Acordo Internacional de 2006 sobre as Madeiras Tropicais, adoptado em Genebra, em 27 de Janeiro, no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, que baixou à 2.ª Comissão, 100/X — Aprova o Protocolo relativo a uma Emenda ao artigo 50.º, alínea a), da Convenção sobre Aviação Civil Internacional, assinado em Montreal, a 16 de Outubro de 1974, que baixou à 2.ª Comissão, 101/X — Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e a Roménia, sobre Segurança Social, assinada em Bucareste, em 1 de Agosto de 2006, que baixou à 2.ª Comissão, 102/X — Aprova o Protocolo relativo a uma Emenda à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, adoptado em Montreal, a 29 de Setembro de 1995, que baixou à 2.ª Comissão, 103/X — Aprova o Protocolo relativo a uma emenda à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, adoptado em Montreal, em 30 de Setembro de 1977, que baixou à 2.ª Comissão, e 104/X — Aprova o Protocolo relativo a uma emenda à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, adoptado em Montreal, em 1 de Outubro de 1998, que baixou à 2.ª Comissão; projectos de lei n.os 577/X — Estabelece a adopção de normas abertas nos sistemas informáticos do Estado (PCP), que baixou à 11.ª Comissão, e 578/X — Altera o artigo 152.º do Código Penal Português, que prevê e pune o crime de violência doméstica (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão; apreciação parlamentar n.º 91/X — Decreto-Lei n.º 117/2008, de 9 de Julho, que constitui a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos Frente Tejo, SA, e aprova os respectivos estatutos (PCP); e projecto de resolução n.º 373/X — Medidas para a dinamização do sistema científico e técnico nacional (PCP), que baixou à 8.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada Isabel Santos. Informo os Srs. Deputados que, nesta reunião da Comissão Permanente, a Sr.ª Deputada, 2.ª Secretária da Mesa, substitui a 1.ª Secretária, Sr.ª Deputada Celeste Correia.
Vamos passar ao primeiro ponto da ordem do dia constituído pela mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 217/X — Aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
O teor da respectiva mensagem, enviada a 1 de Agosto de 2008, é o seguinte: «Junto devolvo a V. Ex.ª, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, da Constituição, o Decreto da Assembleia da República n.º 217/X — Aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, uma vez que o Tribunal Constitucional, através de Acórdão cuja fotocópia se anexa, se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade das seguintes normas do referido Decreto: — norma do artigo 114.°, n.º 3, por violação do artigo 110.º, n.º 2, conjugado com o artigo 138.º, n.º 1, da Constituição; — norma do artigo 46.°, n.º 6, na dimensão atinente ao direito de iniciativa referendária (e, correlativamente, da parte do n.º 1 do artigo 45.º que para ela remete), por violação do disposto na alínea b) do artigo 164.º, em conjugação com o disposto no n.º 2 do artigo 166.º da CRP (Constituição da República Portuguesa); — norma do artigo 49.°, n.º 2, alínea c), por violação do n.º 4 do artigo 112.º da CRP, em conjugação com o disposto na alínea r) do artigo 164.º; — norma do artigo 53.°, n.º 2, alínea i), por violação do artigo 112.°, n.º 4, da CRP; — norma do artigo 61.°, n.º 2, alínea a), no segmento relativo à ‘garantia do exercício de actividade sindical na Região’, e da norma da alínea b) do mesmo preceito, por violação do disposto no n.º 4 do artigo 112.° da CRP, em conjugação com o disposto no artigo 165.°, n.º 1, alínea b), da CRP; — norma do artigo 63.°, n.° 2, alínea h), por violação do artigo 112.°, n.º 4, da CRP, em conjugação com o disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 168.º da CRP; — norma do artigo 66.°, n.º 2, alínea a), por violação do n.º 4 do artigo 112.º, em consequência da inobservância do disposto na alínea u) do artigo 164.º, nas alíneas b) e aa) do n.º 1 do artigo 165.°, e no n.º 4 do artigo 272.º; — norma do artigo 67.º, n.º 2, por violação do disposto nos artigos 112.°, n.º 4, 227.°, n.º 1, alínea a), e 228.°, n.º 1, da CRP.
Apresento a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos, Aníbal Cavaco Silva.» Independentemente do agendamento para o próximo dia 25, em sede de Plenário, da sanação de inconstitucionalidades, reunião já marcada, procederemos hoje a um debate acerca do veto presidencial, pelo que cada grupo parlamentar disporá de 3 minutos.
Gostava também de informar que, na Conferência de Líderes, decidimos o dia de amanhã, dia 10, como a data limite para a entrega das propostas de alteração por parte dos vários grupos parlamentares. Peço aos Srs. Deputados que essa entrega seja feita até às 13 horas ou no meu Gabinete ou na 1.ª Comissão por forma a que esta Comissão amanhã, à tarde, possa expedir para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores as propostas de alteração que forem apresentadas para que a Assembleia Regional, que aí se encontra reunida nas suas sessões finais, visto que cessará a sua actividade por virtude das eleições regionais, possa, em tempo útil, na quinta-feira, proceder à pronúncia sobre as propostas de alteração e, consequentemente, remetê-la à Assembleia da República, completando assim o nosso ciclo de consultas com aquele parlamento regional.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O veto presidencial agora em apreciação não surpreendeu o PSD.
Durante o debate na generalidade, alertámos para a duvidosa constitucionalidade de diversas disposições contidas no projecto de revisão do Estatuto Autonómico dos Açores.
Por altura do debate na especialidade, na Comissão competente, formalizámos em propostas de emenda essas nossas objecções.

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O nosso propósito sempre foi, desde dos tempos já históricos da Assembleia Constituinte, respeitar, em toda a medida do possível, as legítimas aspirações autonomistas das populações insulares.
Reconhecendo a relevância política das eleições regionais, marcadas para 19 de Outubro próximo, pretendíamos assegurar a limpidez constitucional do diploma a aprovar pela Assembleia da República, de modo que pudesse entrar em vigor antes de tal data.
Por intervenção do Sr. Presidente da República, no uso das suas prerrogativas, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade de várias normas do decreto da Assembleia da República em questão.
O PSD acolhe os efeitos dessa posição e subscreverá propostas de emenda que expurguem tais normas.
Por uma questão de celeridade, entendemos que não vale a pena tentar novas fórmulas para quaisquer desses preceitos, já que se poderia assim abrir caminho para um novo processo perante o Tribunal Constitucional, com as delongas correspondentes.
Quanto ao artigo 114.º, concordamos com as observações formuladas pelo Sr. Presidente da República na mensagem dirigida ao País acerca da natureza constitucional dos princípios e normas relativos aos poderes do Chefe do Estado. Vamos, por isso, retomar a nossa anterior proposta de substituição desse preceito por um texto que se limite a repetir o genérico princípio constitucional de audição obrigatória dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma pelos órgãos de soberania.
A presente revisão do Estatuto Autonómico dos Açores destina-se a aplicar a revisão constitucional de 2004. Ora, esta revisão constitucional foi feita para ampliar o poder legislativo regional, que deveras fica sumamente fortalecido, mas não para cercear ou sequer condicionar o exercício dos poderes do Presidente da República relativamente às regiões autónomas.
Aliás, para o PSD os poderes do Presidente da República, definidos na Constituição, são elemento fundamental do nosso sistema político semipresidencialista.
Entendemos que o sistema tem funcionado em termos satisfatórios, contribuindo para a consolidação do regime democrático e não vemos qualquer necessidade de introduzir nele alterações.
Muito menos aceitamos que o equilíbrio constitucional de poderes dos órgãos de soberania da República seja contornado por via de legislação ordinária e em prejuízo do poder moderador do Chefe de Estado, como já tem acontecido na presente Legislatura.

Vozes do PSD: — Exactamente!

O Sr. Mota Amaral (PSD): — Chamamos a atenção das portuguesas e dos portugueses para essas tentativas alarmantes de concentração de poder, que, note-se, nunca ocorreram enquanto o Presidente da República foi oriundo da área política socialista.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mota Amaral (PSD): — Ponderando, com o devido respeito, as observações contidas na mensagem presidencial sobre outras matérias, entendemos que são de manter as soluções aprovadas pela Assembleia da República.
O procedimento da audição qualificada, que culmina, aliás, com um simples parecer, obviamente não vinculativo, é uma prova de confiança na maturidade das instituições autonómicas açoreanas, chamadas a participar, em diálogo democrático com a República, no exercício de poderes decorrentes da soberania do Estado.
A reserva de iniciativa estatutária situa-se, no entender do PSD, na mesma visão justa da autonomia dos Açores: o regime estabelecido pela Constituição e desenvolvido no Estatuto Político-Administrativo é estruturante do Estado democrático, merece confiança e respeito.
De resto, desde que, por iniciativa do Partido Socialista, em tempos de estreia da sua maioria cá e lá, toda a matéria financeira foi retirada do Estatuto e remetida para a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, ficando assim privada da garantia estatutária e caindo na integral disponibilidade do Parlamento, como já reconheceu a jurisprudência do Tribunal Constitucional, não se descortinam que outros motivos poderiam alvoroçar o interesse nacional.

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Apesar das emendas que se impõem e propõem, o Estatuto dos Açores, aplicando a revisão constitucional de 2004, continuará a ser um diploma de grande rasgo, confirmador de um projecto político que tem a marca da Revolução do 25 de Abril e está contribuindo para desenvolver e engrandecer, nas belas ilhas açoreanas e no seu conjunto, Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, na reunião de hoje, vou fazer um brevíssimo comentário a este veto presidencial dado que, por se tratar de um veto por inconstitucionalidade, teremos oportunidade de debater, quer em comissão quer depois, em Plenário, as soluções de expurgo das disposições que foram julgadas inconstitucionais por parte do Tribunal Constitucional.
Este processo de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores foi amplamente consensualizado, quer na Região Autónoma dos Açores quer na Assembleia da República, sem prejuízo de, em sede de especialidade, naturalmente, os diferentes partidos terem manifestado opiniões diversas em relação a algumas das disposições mas que não puseram em causa um consenso essencial quanto aos fundamentos básicos deste Estatuto.
Não são correctas, pois, algumas apreciações, feitas na sequência do veto exercido pelo Sr. Presidente da República com toda a legitimidade, obviamente, de que os partidos representados na Assembleia da República tinham feito uma triste figura, passe a expressão, pelo facto de todos terem aprovado o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. É verdade que todos o aprovámos, mas também é verdade que não houve unanimidade quanto a todas as suas disposições e que algumas das matérias, inclusivamente as que agora foram declaradas inconstitucionais, mereceram reparos aquando do debate na especialidade, nalguns casos até da nossa parte, sem que tal ponha em causa o consenso obtido que nós, PCP, aqui reafirmamos.
Entendemos que existem todas as condições para que as disposições consideradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional sejam devidamente expurgadas para que resulte um Estatuto que, mantendo o bom senso que presidiu à sua aprovação, não contenha disposições inconstitucionais que poriam em causa o equilíbrio constitucional e, inclusivamente, o que, afinal, se adquiriu aquando da revisão constitucional de 2004 que também foi consensual na parte relativa aos poderes legislativos das regiões autónomas.
Portanto, mantemos a disposição com que participámos neste processo legislativo. Continuamos convictos de que as inconstitucionalidades detectadas pelo Tribunal Constitucional terão de ser escrupulosamente expurgadas mas que esse expurgo não põe em causa o que de essencial existe neste Estatuto.
Pensamos, relativamente a outras questões suscitadas pelo Sr. Presidente da República, que devemos discuti-las com toda a serenidade e verificar se é ou não aconselhável qualquer outra alteração, mas, do nosso ponto de vista, isso é secundário.
Neste momento, o que consideramos fundamental, e é nossa convicção, é que a Assembleia da República deve expurgar as inconstitucionalidades do presente diploma e dotar a Região Autónoma dos Açores de um Estatuto Político-Administrativo adequado àquilo que foi obtido na revisão constitucional de 2004.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: No entendimento do Bloco de Esquerda, não podemos ter uma visão negativista deste processo.
Entendemos que quaisquer dificuldades de percurso devem ser resolvidas, porquanto aquelas vozes que se levantaram dizendo, a pretexto de alguns obstáculos, que é preciso aguardar por futura revisão constitucional para consagrar plenamente algumas disposições de autonomia em desenvolvimento empurram para um cenário que é uma equação com muitas incógnitas e muito difícil.

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Creio que, na generalidade das bancadas, mantemo-nos fiéis ao entendimento que resultou da última revisão constitucional em que conseguimos unificar toda a Assembleia da República acerca da ampliação das capacidades legislativas e administrativas dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas. É isso que aqui, no caso da Região Autónoma dos Açores, continuamos plenamente dispostos a consagrar. Portanto, não vamos trocar o certo pelo incerto, uma difícil arquitectura que, provavelmente, seria tomada por outros ventos não tão próprios da actual ordem constitucional.
Creio que é nesta sede que, rapidamente, devemos alterar aquilo que, no uso das suas competências, o Sr. Presidente da República contestou e ao que o Tribunal Constitucional amplamente deu razão. Portanto, há que alterar essas disposições, mas não há que ir atrás de algumas outras concepções, também da autoria do Sr. Presidente da República, contidas na sua mensagem aos portugueses, as quais são francamente ultracentralistas, de pouca abertura ao desenvolvimento das autonomias.
Nestas circunstâncias, creio mesmo que determinadas bancadas, que têm manifestado alguma contradição nos termos consoante os oradores que se pronunciam sobre esta matéria — e digo-o com toda a humildade político-representativa —, devem perceber que estas disposições, que não agradaram ao Sr. Presidente da República mas que não foram objecto de fiscalização preventiva por parte do Tribunal Constitucional, não ofendem a consideração constitucional de que somos um Estado unitário com regiões autónomas. É exactamente dentro desses limites que estamos a proporcionar o desenvolvimento desta ordem legislativa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Entendemos que é necessário que o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores possa avançar dentro dos prazos previstos. Haverá toda a vantagem em pacificar esta matéria ainda durante a campanha eleitoral que decorre nos Açores.
Fazemos votos para que os vários órgãos de soberania não sejam uma parte ínvia da campanha eleitoral mas estejam para além dela e ensejem, de forma vertical, que o resultado da campanha eleitoral seja uma escolha dos açoreanos, sem que o Estatuto Político-Administrativo dos Açores esteja pelo meio para dividir opções ou para servir de argumento de campanha a quem quer que seja.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Presidente da República entendeu suscitar dúvidas relativamente ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores que o Parlamento aprovou, e, ao que parece, entendeu bem. Digo que entendeu bem porque o Tribunal Constitucional deu-lhe razão. Em resultado dessa sua função, parece-nos inquestionável que, aqui chegados, cabe agora ao Parlamento resolver o problema de inconstitucionalidade que foi suscitado e que, em parte, foi declarado.
A posição do CDS é simples: daremos todo o nosso esforço para a supressão das inconstitucionalidades que foram declaradas…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — … e, no trabalho que haja a fazer na especialidade, ponderaremos também de boa-fé, como em qualquer discussão digna desse nome, outras questões que tenham sido suscitadas que não apenas aquelas cuja inconstitucionalidade foi declarada, se for caso disso.
Agiremos de boa-fé, discutindo tais questões, independentemente de qualquer decisão seja em que sentido for. Pelo menos, não indeferiremos liminarmente qualquer discussão acerca do que foi ponderado, mais ainda porque é dada aqui uma segunda oportunidade ao Parlamento.
Importante mesmo é que os Açores possam ter vigente, com brevidade, um estatuto político-administrativo moderno, em respeito pela autonomia regional e que, num arquipélago tão ilustrativo do fenómeno de dupla insularidade devido à distância e à dispersão das suas ilhas, permita que o essencial dos problemas e do quotidiano que afectam os Açores possa ser tratado, com vantagem para o País entendido na sua dimensão soberana de que também faz parte esta versão administrativa de autonomia. É na dimensão soberana do País que entendemos e queremos o desenvolvimento das autonomias regionais.
Por isso, desejamos um estatuto que considere essa autonomia na exacta vantagem que possa ter para a

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Região, para a resolução dos respectivos problemas e para o desenvolvimento e o reforço da dimensão soberana nacional. Dessa forma pensaremos o assunto, dessa forma nos debruçaremos sobre ele e é essa a nossa disponibilidade para o trabalho em sede de especialidade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A devolução deste diploma à Assembleia da República, acompanhado de uma mensagem muito concreta do Tribunal Constitucional apontando inconstitucionalidades, impõe à Assembleia da República um efectivo, prático e muito concreto trabalho de expurgação dessas inconstitucionalidades, questão muito concreta e objectiva sobre a qual pouco haverá a referir pois, naturalmente, compete à Assembleia da República trabalhar nesse sentido.
O que é importante referir desde já, neste primeiro momento, é o desejo de que tal processo decorra rapidamente porque, no actual momento de vida política açoreana, é fundamental que estas questões sejam resolvidas com a brevidade possível e que o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores seja publicado atempadamente.
A unidade do Estado constrói-se também pelo reconhecimento das suas especificidades e pelo seu tratamento adequado, justo e equilibrado no plano jurídico-político, designadamente através do reconhecimento da autonomia regional.
Como é sabido, os Açores padecem de uma condição de insularidade, um afastamento que tem consequências concretas na vida das populações e no desenvolvimento do território que têm de ser tidas em conta.
Do nosso ponto de vista, a autonomia foi claramente reforçada pela revisão constitucional de 2004 que pedia uma revisão do Estatuto. Esta última não pretendeu ser uma revisão meramente formal; antes pelo contrário, pretendeu responder a questões concretas para dar mais eficácia às decisões no sentido da resolução dos problemas e do cumprimento das aspirações de desenvolvimento dos açoreanos.
Face a isto, a nossa perspectiva é a de que, inicialmente, este diploma foi aprovado com um amplo consenso, tendo Os Verdes dado o seu voto favorável por termos entendido que o núcleo fundamental do diploma era positivo. Não quer isto dizer que não haja questões a reparar e, certamente, é esse o trabalho que vamos fazer a seguir, com a brevidade necessária.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista vê sem qualquer drama o processo legislativo relativo à aprovação do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
A Assembleia da República e o Sr. Presidente da República exercem as competências em conformidade com a Constituição. É a coisa mais natural em democracia que haja um veto do Sr. Presidente da República.
Esta Casa está habituada a receber, de vez em quando, um veto do Sr. Presidente da República, o que aconteceu mais uma vez, agora em relação ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores.
Devo recordar a todos os colegas e ao País que, das 141 normas da do Estatuto aqui aprovado, 8 foram declaradas inconstitucionais. Ou seja, estamos no domínio daquilo que, digamos, são questões relativamente marginais, na medida em que, como já todos salientaram, o que é verdadeiramente importante são as matérias relativas à competência legislativa da Região Autónoma dos Açores, e sobre essas é que a revisão constitucional de 2004 permitiu a esta Assembleia legislar no sentido em que o fez. Portanto, todos exercem as respectivas competências com naturalidade.
Assim, o Partido Socialista vai apresentar propostas no sentido do expurgo das normas que foram declaradas inconstitucionais para que o texto se apresente, aos portugueses, a esta Casa e a todas as instituições, escorreito e em conformidade com a Constituição, que é o que o Partido Socialista pretende. Não se pode é confundir isso com questões sobre as quais convém haver alguns esclarecimentos, embora a

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proposta em concreto vá ser apresentada amanhã e discuti-la-emos na 1.ª Comissão.
No entanto, há duas ou três questões que gostaria de desmistificar: umas são as questões de inconstitucionalidade e outras são opiniões políticas. O próprio Sr. Presidente da República, no uso das suas competências previstas na Constituição, não as submeteu ao Tribunal Constitucional para que se pronunciasse de forma preventiva. Ou seja, não o tendo requerido, conformou-se com essas posições. Ele próprio, na alocução que fez ao País da forma que todos ouviram, disse que, na sua prática, fazia aquilo que nós pusemos no texto do diploma.
A este propósito, gostaria de recordar o que, no seu artigo 229.º, n.º 2, a Constituição diz sobre a matéria: «Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional.» Portanto, é isso que está na Constituição, é isso que pretendemos e não mais, ou seja, que sejam ouvidos os órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
De qualquer maneira, como não damos importância a essas questões, elas têm a importância que têm e serão tratadas em conformidade, quer seja para um lado quer para o outro.
Ou seja, o Partido Socialista também está disponível para encontrar a solução que melhor se adequar ao texto constitucional para o Estatuto Político-Administrativo dos Açores ser, mais uma vez, aprovado por unanimidade nesta Casa, sem qualquer problema, sem qualquer celeuma e, sobretudo, sem qualquer drama, porque os Açores fazem parte de Portugal e os açoreanos têm muito gosto em continuar a fazer parte de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Relembro aos grupos parlamentares, no final da discussão deste ponto, que amanhã, até às 13 horas, deverão entregar as propostas de alteração ou na 1.ª Comissão ou no meu Gabinete, que as encaminhará para a 1.ª Comissão, que ainda amanhã — tenho a anuência do seu Presidente — as remeterá à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, que se encontra reunida nesta semana, para emissão do competente parecer.
Vamos passar ao segundo ponto da ordem do dia constituído pela mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 232/X — Altera o regime jurídico do divórcio.
O teor do ofício enviado a 20 de Agosto de 2008 é o seguinte: «Nos termos do artigo 136.º, n.º 1, da Constituição, junto devolvo, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 232/X — Altera o regime jurídico do divórcio, recebido na Presidência da República no dia 31 de Julho último para ser promulgado como lei, com os fundamentos constantes da mensagem que anexo.
Apresento a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos.» Vou agora proceder à leitura do teor da mensagem anexada: «Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelência, tendo recebido, para ser promulgado como lei, o Decreto n.º 232/X, da Assembleia da República, que aprova o regime jurídico do divórcio, decidi, nos termos do n.º 1 do artigo 136.º da Constituição da República Portuguesa, não promulgar o referido diploma e solicitar que o mesmo seja novamente apreciado, pelos seguintes fundamentos: 1 — O Decreto n.º 232/X introduz uma alteração muito profunda no regime jurídico do divórcio actualmente vigente em Portugal e contém um conjunto de disposições que poderão ter, no plano prático, consequências que, pela sua gravidade, justificam uma nova ponderação por parte dos Srs. Deputados à Assembleia da República.
2 — Assim, tenho como altamente aconselhável, a todos os títulos, que sejam levados em linha de conta alguns dos efeitos a que o novo regime jurídico do divórcio pode conduzir, designadamente as suas implicações para uma indesejável desprotecção do cônjuge ou do ex-cônjuge que se encontre numa situação mais fraca — geralmente, a mulher —, bem como, indirectamente, dos filhos menores.
3 — Partindo a lei do pressuposto de que existe actualmente uma tendência para uma maior igualdade entre cônjuges aos mais diversos níveis, importa, todavia, não abstrair por completo da consideração da realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo, onde subsistem múltiplas situações em que um dos cônjuges — em regra, a mulher — se encontra numa posição mais débil, não devendo a lei, por acção ou por omissão, agravar essa fragilidade, bem como, por arrastamento, adensar a desprotecção que indirectamente

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atingirá os filhos menores.
4 — Possuindo inteira liberdade para dispor sobre o regime do casamento, do divórcio e para modular os seus respectivos efeitos, considero que, para não agravar a desprotecção da parte mais fraca, o legislador deveria ponderar em que medida não seria preferível manter-se, ainda que como alternativa residual, o regime do divórcio culposo, a que agora se põe termo de forma absoluta e definitiva.
5 — Essa ponderação quanto à manutenção do divórcio por causas subjectivas, fundado na culpa de um dos cônjuges, parece tanto mais necessária quanto o legislador, como é natural e desejável, mantém o conjunto dos deveres conjugais previsto no artigo 1672.º do Código Civil, embora não associando, estranhamente, qualquer sanção, no quadro do processo de divórcio, ao seu incumprimento intencional.
6 — Na verdade, é no mínimo singular que um cônjuge que viole sistematicamente os deveres conjugais previstos na lei possa de forma unilateral e sem mais obter o divórcio e, sobretudo, possa retirar daí vantagens aos mais diversos níveis, incluindo patrimonial. Assim, por exemplo, numa situação de violência doméstica, em que o marido agride a mulher ao longo dos anos — uma realidade que não é rara em Portugal —, é possível àquele obter o divórcio independentemente da vontade da vítima de maus tratos. Mais ainda: por força do crédito atribuído pela nova redacção do n.º 2 do artigo 1676.º, o marido, apesar de ter praticado reiteradamente actos de violência conjugal, pode exigir do outro o pagamento de montantes financeiros. Se, por comum acordo do casal, apenas o marido contribuiu financeiramente para as despesas familiares, é possível que, após anos de faltas reiteradas aos deveres de respeito, de fidelidade ou de assistência, ele possua ainda direitos de crédito sobre a sua ex-mulher e que esta, dada a sua opção de vida, terá grandes dificuldades em satisfazer. O novo regime do divórcio não só é completamente alheio ao modelo matrimonial e familiar que escolheram como as contribuições em espécie que a mulher deu para a economia comum são de muito mais difícil contabilização e prova. A este propósito, sempre se coloca o problema de saber à luz de que critérios contabilizarão os nossos tribunais o valor monetário do trabalho desenvolvido por uma mulher no seio do lar. Este conjunto de efeitos a que, na prática, o novo regime poderá conduzir, não deixará, decerto, de suscitar a devida ponderação dos Srs. Deputados.
7 — Noutro plano, são retiradas à parte mais frágil ou alvo da violação dos deveres conjugais algumas possibilidades que actualmente detém para salvaguardar o seu ‘poder negocial’, designadamente a alegação da culpa do outro cônjuge ou a recusa no divórcio por mútuo consentimento. Doravante, à mulher vítima de maus tratos, por exemplo, só restará a via de, após o divórcio, intentar uma acção de responsabilidade contra o seu ex-marido, com todos os custos financeiros e até psicológicos daí inerentes. E, como é óbvio, nessa acção ter-se-á de provar a culpa do ex-cônjuge, pelo que, em bom rigor, a culpa não desaparece de todo da vida conjugal: deixa de existir para efeitos de subsistência do vínculo matrimonial, mas reemerge no momento do apuramento das responsabilidades, nos termos do disposto no novo artigo 1792.º, mas sempre de um modo claramente desfavorável à parte mais frágil, à parte não culpada pela violação de deveres conjugais ou, enfim, à parte lesada pelo ex-cônjuge.
8 — Por outro lado, o novo regime jurídico do divórcio poderá vir a projectar-se sobre a própria vivência conjugal na constância do matrimónio. Assim, por exemplo, um cônjuge economicamente mais débil poderá sujeitar-se a uma violação reiterada de deveres conjugais sob a ameaça de, se assim não proceder, o outro cônjuge requerer o divórcio unilateralmente. Em casos-limite, o novo regime, ao invés de promover a igualdade entre cônjuges, pode perpetuar situações de dependência pessoal e de submissão às mais graves violações aos deveres de respeito, de solidariedade, de coabitação, entre outros.
9 — Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, no regime actualmente vigente — mais precisamente, nos termos do artigo 1676.º, n.º 2, do Código Civil — existe a presunção de que cada um dos cônjuges renuncia ao direito de exigir do outro qualquer compensação por todas as contribuições dadas no quadro da comunhão de vida que o casamento consagra. O novo regime do divórcio, introduzindo uma alteração de paradigma de grande alcance, vem pôr termo a essa presunção, o que implica que as contribuições dadas para os encargos da vida conjugal e familiar são susceptíveis de gerar direitos de crédito sobre o outro cônjuge — ficando todavia em aberto inúmeras questões, nomeadamente a de saber se o crédito de compensação agora criado é renunciável. Além de a vivência conjugal e familiar não estar suficientemente adaptada a uma realidade tão nova e distinta, podendo mesmo gerar-se situações de autêntica «imprevisão» ou absoluta «surpresa» no momento da extinção do casamento, o novo modelo de divórcio corresponde também, até certo ponto, a um novo modelo de casamento, no seio do qual são ou podem ser contabilizadas

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todas e quaisquer contribuições dadas para a vida em comum.
10 — Mesmo a admitir-se a adopção deste novo modelo de casamento, não pode deixar de se salientar o paradoxo que emerge desta visão ‘contabilística’ do matrimónio, uma vez que a filosofia global do casamento gizada pelo novo regime do divórcio corresponde a uma concepção do casamento como espaço de afecto.
Sempre que um dos cônjuges entenda que desapareceu esse afecto, permite-se agora que unilateralmente ponha termo à relação conjugal, sem qualquer avaliação da culpa ou de eventuais violações de deveres conjugais. Ora, a par desta visão ‘afectiva’ do casamento, pretende-se que a seu lado conviva uma outra, dirse-ia ‘contabilística’, em que cada um dos cônjuges é estimulado a manter uma ‘conta-corrente’ das suas contribuições, e apenas a prática poderá dizer qual delas irá prevalecer. Existe uma forte probabilidade de aquela ‘visão contabilística’ ser interiorizada pelos cônjuges, gerando-se situações de desconfiança algo desconformes à comunhão de vida que o casamento idealmente deve projectar.
11 — É ainda possível afirmar, com algum grau de certeza, que o desaparecimento da culpa como causa de divórcio não fará diminuir a litigiosidade conjugal e pós-conjugal, existindo boas razões para crer que se irá processar exactamente o inverso, até pelo aumento dos focos de conflito que o legislador proporcionou, quer no que se refere aos aspectos patrimoniais, quer no que se refere às responsabilidades parentais e aos inúmeros conceitos indeterminados que as fundamentam (v.g. ‘orientações educativas mais relevantes’). Não é de excluir uma diminuição do número de divórcios por mútuo consentimento e um correlativo aumento dos divórcios não consensuais. O aumento da litigância em tribunal poderá levar a grandes demoras no ressarcimento dos danos, de novo em claro prejuízo da parte mais débil.
12 — Por último, é também extremamente controverso, por aquilo que implica de restrição à autonomia privada e à liberdade contratual, o disposto no artigo 1790.º, segundo o qual ‘em caso de divórcio nenhum dos cônjuges pode, na partilha, receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos’. A circunstância de, mesmo contra a vontade manifestada por ambos os nubentes no momento do casamento, se impor agora na partilha um regime diverso daquele que foi escolhido (a saber, o da comunhão geral de bens), consubstancia, por assim dizer, uma ‘revogação retroactiva’ de uma opção livre. E, mais do que isso, consubstancia uma limitação que sempre virá beneficiar um dos cônjuges em detrimento do outro, impondo no momento da partilha de bens um regime distinto daquele que foi estabelecido de comum acordo. Por exemplo, o cônjuge violador dos deveres conjugais que deu causa ao divórcio pode prevalecer-se desta disposição, requerendo unilateralmente o divórcio e conseguindo que na partilha o outro receba menos do que aquilo a que teria direito nos termos do regime de bens em que ambos escolheram casar.
Nestes termos, decidi, de acordo com o n.º 1 do artigo 136.º da Constituição da República Portuguesa, solicitar nova apreciação do Decreto n.º 232/X, devolvendo-o para esse efeito à Assembleia da República.
Com elevada consideração, Palácio de Belém, 20 de Agosto de 2008.
O Presidente da República Aníbal Cavaco Silva».
Para uma intervenção, dispondo de 3 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista tem, a este propósito, com o veto que foi suscitado, uma segunda oportunidade. Uma segunda oportunidade, em boa verdade, para transformar um diploma mal redigido, com erros técnicos grosseiros e soluções substantivas que não reflectem sequer a realidade sociológica da maioria do País numa lei um bocadinho melhor. Só resta saber se o Partido Socialista vai aproveitar essa oportunidade.
Nem sequer é preciso recordar, quando o diploma saiu da Assembleia para promulgação, as críticas feitas, muito para além da avaliação político-partidária que este Parlamento reflecte. Por exemplo, de muitos dos magistrados que foram chamados, como destinatários, a aplicar esta lei que o Partido Socialista agora quer para o País, mas que enquanto seus intérpretes afirmaram a litigância desnecessária e, principalmente, injustificada que esta solução legislativa traria para o País.
Devo dizer, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que, no início, a publicidade enganosa desta dita «lei do divórcio» produziu algum efeito. Foram as odes preambulares — indevidas, devo dizê-lo! — à 1.ª República, no exemplo bom que o Partido Socialista encontrou; a ideia falsa de um conceito de culpa, que nunca foi

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valorado no Código Civil, com a avaliação ético-jurídica que o Partido Socialista considerou; o engano premeditado quanto ao fim anunciado dessa mesma culpa, já que a prova dos factos continua a ter que ser feita na acção de um contra o outro cônjuge e a tal culpa continuaria sempre a ter de ser valorada, mais que não seja para efeitos indemnizatórios; a desprotecção absurda, repito, absurda, do cônjuge mais frágil numa relação matrimonial; a litigância que os socialistas promovem, permitindo que os filhos sejam utilizados como arma de arremesso em previsíveis conflitos futuros dos pais, dando dimensão criminosa ao que deve ter relevo única e exclusivamente civil, como sempre foi; a falta de coerência sistemática, normativa e, até, doutrinária de um Código Civil que não foi pensado e muito menos feito a metro, como agora os socialistas legislam, em cima do joelho, sem estudos, sem preparação, sem ponderação — projectos de lei que entram, são alterados uma e outra vez, muitas vezes em sentido diametralmente oposto, no espaço de semanas, como tantas vezes temos visto nesta Sessão Legislativa.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que, na verdade, a maioria de hoje ilustra bem tudo aquilo que nos bancos das faculdades de Direito se ensinava sobre a imponderação e a impreparação de alguns legisladores, o que, devo dizer, tendo em conta a maioria parlamentar que nos governa, não abona nada em favor deste Parlamento.
Mas, aqui chegados, Sr. Presidente, importa mesmo é que, conhecidos os defeitos, percebam agora como se lhes concede uma nova oportunidade — já agora, concebendo melhores exemplos para inspiração legislativa.
Na discussão na generalidade, foi o da 1.ª República — devo reafirmá-lo, exemplo muito infeliz —, nesta fase, a inspiração parece ser a da evolução dos costumes da velha Roma. E isso, então, devo dizer, Srs. Deputados do Partido Socialista, é que não lembraria a ninguém!

Risos do Deputado do PCP António Filipe.

Há dias o Dr. José Medeiros Ferreira escrevia assim: «O PS está a precisar de se mostrar intransigente no que diz respeito aos temas fracturantes, até porque dificilmente incorporaria a substância do veto político. Já os imperadores romanos legislavam favoravelmente a liberalização dos costumes».
Bom, diz tudo, infelizmente, porque o Partido Socialista invoca como bom exemplo precisamente o dos costumes que de tanto experimentalismo social levaram à queda do Império Romano, o que não deixa de ser extraordinário! Nesse Império Romano poderiam encontrar muito boa fonte de inspiração, seguramente que não a da legislação em matéria de experimentalismo social, que levou a alterações legislativas.
A terminar, Sr. Presidente, gostaria de dizer que isto mostra tudo quanto à forma como este Partido Socialista pretende irresponsavelmente concorrer na agenda social da extrema-esquerda.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Infelizmente, também, deixa muito pouca ilusão quanto ao que se vai passar. E aí é que é pena, porque o Partido Socialista perde uma boa oportunidade para prestar melhor serviço ao País.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considerámos atentamente os fundamentos do veto político do Sr. Presidente da República ao texto aprovado nesta Assembleia sobre o regime jurídico do divórcio.
Há uma questão suscitada pelo Sr. Presidente da República a que, em termos gerais, somos, e sempre fomos, sensíveis: a indesejável desprotecção do cônjuge, ou ex-cônjuge, em situação economicamente mais fraca. Por isso dissemos, e reafirmamos, que, se nos demonstrarem que de alguma disposição do texto aprovado decorrem necessariamente consequências patrimoniais injustas, estaremos inteiramente disponíveis para aprovar a sua alteração. Fique claro, contudo, que estamos a falar de injustiças patrimoniais que possam

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decorrer de um divórcio decretado contra a vontade de um dos cônjuges.
Acontece, porém, que o Sr. Presidente da República, nos fundamentos do seu veto político, se refere a consequências negativas que a lei poderia ter, que, a nosso ver, a ocorrerem, não decorreriam do texto legal aprovado mas de uma interpretação errónea e forçada das suas disposições.
O Sr. Presidente da República reconhece que os deveres conjugais subsistem no Código Civil e que, cito, «a culpa não desaparece de todo da vida conjugal: deixa de existir para efeitos de subsistência do vínculo matrimonial, mas reemerge no momento do apuramento de responsabilidades». Ora, se assim é, as objecções segundo as quais o desaparecimento da culpa como causa de divórcio deixaria desprotegida a parte economicamente mais fraca deixam de fazer sentido.
Havendo situações de maus tratos, é evidente que, no momento da decisão judicial sobre as consequências patrimoniais do divórcio, essas situações não poderão deixar de ser ponderadas devidamente pelo juiz.
O facto de poder haver um divórcio baseado em causas diversas da culpa não significa que as consequências patrimoniais do divórcio sejam decididas de forma unilateral.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Sr. António Filipe (PCP): — Para isso, há um juiz que decide, com base na lei e na justiça.
Não vemos nada na lei que aprovámos que imponha soluções injustas, e mal de nós se presumirmos que os juízes, podendo decidir bem ou mal, decidem forçosamente mal.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas insurge-se o Sr. Presidente da República contra a possibilidade de um cônjuge que viole os deveres conjugais, designadamente agredindo a mulher, poder obter o divórcio independentemente da vontade da vítima e afirma, ainda, que o novo regime poderia fazer com que um cônjuge em situação económica mais débil se sujeite a uma violação reiterada dos deveres conjugais, sob a ameaça de o outro poder requerer o divórcio.
Salvo o devido respeito, quer parecer-nos que a consequência lógica desta observação seria a constatação de que o interesse da vítima de maus tratos seria continuar casada com o agressor. E aí temos de dizer claramente que, em situações de maus tratos ou de violência doméstica, nos parece que um divórcio justo é mil vezes preferível a um casamento tormentoso.

Vozes do PCP e do PS: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — E também não nos parece ter fundamento bastante a ideia de que o regime aqui aprovado conduzisse à redução do número de divórcios por mútuo consentimento e a um correlativo aumento dos divórcios não consensuais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Sr. António Filipe (PCP): — O veto político do Sr. Presidente da República assenta numa concepção segundo a qual, salvo mútuo consentimento, a cessação do vínculo conjugal só pode ocorrer com base na culpa de um dos cônjuges. É uma concepção legítima, mas não é a nossa. Defendemos um regime jurídico do divórcio que contemple soluções justas e que proteja a parte economicamente mais fraca da relação que se desfaz, mas entendemos que não faz sentido obrigar duas pessoas a permanecer casadas por decisão unilateral de uma delas, mesmo que tenha havido uma ruptura de facto da relação conjugal.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: O Sr. Presidente da República tomou acerca deste diploma uma posição política. É respeitável a posição política do Sr. Presidente da República, mas ela é, em primeiro lugar, discutível, como qualquer opinião política.
Nós, Bloco de Esquerda, a quem este tema é muito caro — e muitos anos lutámos para o trazer para a agenda política —, estaremos atentos a todas as observações, a todas as aclarações que forem necessárias, para que não haja más interpretações desta lei.
Dito isto, é necessário entender a posição do Sr. Presidente da República.
Creio, sem acinte, que o Sr. Presidente da República se colou com a sua opinião às posições mais ultraconservadoras na sociedade portuguesa, que continuam a pensar que, para além da ética geral das leis, do código geral de valores da República, é necessário condicionar sempre a norma positiva a interesses de uma moral vinculada individualmente. E continuam sempre a insistir com essa temática, não percebendo, trincheira atrás de trincheira, diploma atrás de diploma, que a evolução democrática da sociedade portuguesa não permite mais, em nome da modernidade, em nome dos direitos individuais, em nome da cidadania, em nome de uma constitucionalidade exigente, que haja morais vinculadas individualmente e que as leis da República possam servir de biombo para esta ou aquela confissão moralmente orientada.
É este o cerne da questão. Alguns podem querer evitá-lo, mas este é o cerne da questão e é o íntimo do pensamento do Sr. Presidente da República.
Não discutimos a legitimidade de quem assim pensa. Entendemos é que este Parlamento não deve, mais uma vez, obstar a que a norma seja condicionada por orientações de carácter moral, porque ninguém é obrigado a contrair matrimónio e ninguém é obrigado a dissolver matrimónio.
Encontrarmos uma forma que seja digna, adequada e proporcional quer para a contracção do matrimónio quer para a dissolução do mesmo contrato é, isso sim, uma exigência de um Estado laico e de um Estado com todas as liberdades garantidas para os seus cidadãos e cidadãs.
Não podemos é permitir que durante muito mais anos aconteçam nos tribunais a «lavagem de roupa suja», a utilização dos filhos em processos de divórcio.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Em 6%!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O que diminui imenso a litigância, em apenas 6% dos matrimónios. Mas temos tido, até hoje, nos tribunais uma utilização indevida dos menores, dos descendentes, para conseguir uma sentença de divórcio, o que é uma indignidade. É tempo de acabarmos com esta situação! É sabido que o Bloco de Esquerda queria que se fosse muito mais além. O Sr. Presidente da República até fala de um divórcio unilateral, que inexiste no corpo da lei (não está lá!). Nós até acharíamos que sim e pensamos que lá chegaremos, porque esses, sim, são caminhos de futuro.
Ao contrário do que alguns pensam, há muita «Roma antiga». Até há algumas que dão pelo lado do Vaticano. Mas não é no Vaticano que encontramos a inspiração para resolver estes problemas concretos na sociedade portuguesa de democratização e de plena expansão das liberdades individuais.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD acompanha uma grande parte das preocupações que o Sr. Presidente da República exprimiu no seu veto à chamada «lei do divórcio», e fá-lo, diria eu, por três razões fundamentais.
A primeira razão é porque a lei do divórcio aponta claramente para uma desprotecção de um dos cônjuges.
Ora, nós não podemos aceitar que resulte do equilíbrio de normas essa desprotecção da parte mais fraca, aliás, com reflexos directos sobre os filhos. Portanto, sob esse ponto de vista, parece-nos que esta lei tem aqui uma iniquidade social, uma iniquidade familiar que deveria ser reparada.
Em segundo lugar, porque esta lei é uma lei que no fundo vai contra a liberdade de escolha. Ela tutela os cidadãos, ela não aceita que os cidadãos se possam comprometer livremente de acordo com as suas próprias opções. Ela impõe aos cidadãos um modelo que é um modelo único.

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O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Em terceiro lugar, porque, ao contrário do que se fez crer, esta lei aumenta perigosamente a litigiosidade e a interferência do Estado nas relações familiares.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Claro!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Isto acontece na questão dos alimentos, que são transitórios mas renováveis e que, portanto, se podem eternizar; acontece na questão da responsabilidade; acontece na questão dos menores; acontece na arbitragem dos créditos de compensação; e acontece, finalmente, na criminalização excessiva de algumas falhas às responsabilidades parentais.
O que vamos ter é os cônjuges, ou ex-cônjuges, permanentemente em tribunal e, em vez de terem um divórcio litigioso, que resolve a panóplia de problemas, vão ter um divórcio litigioso em curso ao longo de anos e anos.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Portanto, em nosso entender, são estas as três razões.
Devo dizer que o PSD é a favor de uma alteração da lei do divórcio, de uma alteração que, só por si, resolveria praticamente todos os problemas: a da redução do prazo da separação de facto para um ano.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Claro!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Esta é a solução salutar, aquela que está correcta no modelo, portanto, quanto a isso, estamos perfeitamente de acordo. Com esta solução, resolver-se-ia o problema.
Gostaria ainda de chamar a atenção para um aspecto que o Deputado Luís Fazenda referiu agora e que o Deputado Alberto Martins tem trazido à colação de forma recorrente, que é o seguinte: este é um modelo a que eu chamaria «de formato único», é um modelo contrário à diversidade e à multiculturalidade.
Numa sociedade aberta, há lugar para concepções progressistas, para usarmos os chavões normais, mas também há lugar para concepções conservadoras. Ora, a lei tem de ser inclusiva. Uma lei tem de abranger todas as concepções morais.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Claro!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — O que estamos neste momento a fazer é uma aproximação cada vez maior entre a união de facto e o casamento.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Isso!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — No fundo, há um conjunto enorme de portugueses — que, porventura, na opinião do Dr. Alberto Martins, são retrógrados ou, na opinião do Deputado Luís Fazenda, são ultraconservadores — que também têm direito a ter um instituto que reflicta a sua concepção de casamento.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Portanto, o que eu digo é que devemos ver esta questão com clareza.
Quem quer um regime de uma união sem vínculos, tem a união de facto, com grande protecção. Quem quer um regime mais vinculado, porque acredita num determinado carácter do casamento, deve ter um regime que vá ao encontro da sua autodeterminação e auto-realização morais.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Portanto, esta lei não favorece a diversidade, esta lei não favorece a multiculturalidade, esta lei não favorece a tolerância, porque é intolerante, porque impede que aqueles que têm determinadas concepções de casamento a possam realizar num instituto jurídico com o selo do Estado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Exactamente!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Por conseguinte, também por esta razão de modelo, consideramos que a opção de manter a lei tal qual está ou com ligeiras reformulações é uma opção errada.
Apelamos, por isso, ao PS para que assente, como corpo desta mudança, na redução do prazo para um ano na separação de facto. Isso poderia resolver este problema de forma bastante equilibrada, de forma que não atropelaria tecnicamente um diploma como é o Código Civil.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Partido Ecologista «Os Verdes» continua a acreditar no princípio de que o casamento só deve continuar quando existe vontade de ambos os cônjuges em prosseguir uma comunhão de vida; o Partido Ecologista «Os Verdes» continua a acreditar que o objectivo fundamental deste diploma é o de acabar com a regra, que até agora existia, segundo a qual, por norma, o divórcio só acontecia ou por mútuo acordo, ou por um dos cônjuges estar contra o outro, obrigando ao recurso do conceito de culpa,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — É mesmo «de um contra o outro»!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — … ou, ainda, em resultado de um processo longo e penoso de separação de facto, com duras consequências e agravamento de complexidade das situações, que, de facto, não beneficiavam ninguém.
Como é óbvio, existe uma dimensão patrimonial dentro do casamento com diferentes consequências que não pode ser descurada.
O diploma sobre o qual incidiu o veto do Sr. Presidente da República — que o devolve à Assembleia da República — pode não ser perfeito, pode, porventura, ser melhorado, mas esta bancada, respeitando a decisão do Sr. Presidente da República, não acompanha, de todo, as considerações nem a visão do casamento que perpassa na mensagem dirigida à Assembleia da República; tão pouco nos parecem convincentes os argumentos aduzidos na mesma mensagem.
São, naturalmente, louváveis todas as preocupações, como o Sr. Presidente afirma, em não desproteger os mais frágeis em todas a relações jurídicas, sejam elas laborais sejam elas conjugais. Contudo, repetimos: os argumentos apresentados não nos parecem vingar.
Ainda há pouco, o Sr. Deputado Paulo Rangel defendeu aqui que a lei deve abranger todas as concepções, todas as «cognogonias» existentes na nossa sociedade…

Protestos dos Deputados do PSD António Montalvão Machado e Paulo Rangel.

Sr. Deputado, nem sempre é possível a lei satisfazer toda a gente. Certamente, na nossa sociedade continuam a existir pessoas que, se calhar, gostavam do regime anterior ao do 25 de Abril, em que a mulher, por exemplo, era considerada menor no casamento, não tinha igualdade de direitos, nem tinha capacidade jurídica para os negócios jurídicos. Certamente, a visão e os princípios de hoje da nossa sociedade não permitem este tipo de visão e, por isso, ela foi expurgada do nosso ordenamento jurídico.
Estamos, naturalmente, disponíveis para discutir e apreciar as propostas que as outras bancadas façam e que demonstrem vir no sentido de melhorar o actual regime, contudo não estamos dispostos a abdicar do princípio de progresso que este regime trouxe para a sociedade portuguesa.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não se discute, naturalmente, a legitimidade constitucional do exercício do direito de veto pelo Presidente da República; discute-se, sim, a substância, a leitura e a interpretação que o Presidente da República faz de uma lei ou de um decreto, aprovados pela Assembleia da República.
Neste sentido, temos de dizer que não acompanhamos a matriz essencial de leitura do Presidente da República. A sua concepção de família, de casamento, de divórcio é distinta daquela que foi sufragada maioritariamente nesta Câmara.
Deste modo, o ponto matricial da nossa proposta é o de que o casamento é um contrato pessoal de duas pessoas para constituir família em plena comunhão de vida, mas que ninguém deve permanecer casado contra a sua vontade; por isso, elimina-se a culpa como fundamento do divórcio sem consentimento. É este, rigorosamente, o princípio da liberdade de homem e mulher no casamento, o princípio da liberdade no casamento: o de ninguém ser obrigado a manter um contrato que já está em ruptura, uma ruptura definitiva — que essa, como razão objectiva, é apreciada por um juiz e não é de pura declaração unilateral.
Não acompanhamos, pois, a leitura do Presidente da República. É uma concepção distinta da nossa. A nossa concepção afasta-se da ideia de culpa; a ideia de violação culposa dos deveres conjugais não interfere na declaração do divórcio. Afastamos, em definitivo, esta questão e procuramos, na dissolução do casamento, proteger a mulher — as mulheres, a parte mais fraca (que o são no geral) — e os filhos. Por isso, obviamos à discussão da culpa que é sempre um ingrediente de dissolução das relações familiares, com graves custos para os próprios e, até, para os filhos.
O casamento, para nós, não tem uma dimensão patrimonial que, pela razão patrimonial, justifique o próprio casamento. Isso é a negação desta relação de organização da nossa sociedade e, por isso, somos também muito cuidadosos na proposta.
Estamos disponíveis para a aclarar, uma vez dissolvido o casamento pelo divórcio, na parte em que respeita àquilo que foi dito como compensação de créditos; isto é, para quem contribuiu, de forma patrimonialmente excessiva, restringindo de forma excessiva os seus direitos e os seus interesses, nós estamos disponíveis a que haja lugar a essa compensação, uma vez terminado o casamento. Mas não — e nunca! — a ideia primária, abusiva, restritiva, residual e, até, contrária ao espírito da lei, de estarmos a «contar os tostões» na constância do casamento. Não era nada disso que se queria! Foi explicado: o espírito da lei vai contra toda essa ideia.
O nosso sentido é o de que o casamento e a sua dissolução devem pautar-se por valores de liberdade, responsabilidade, justiça e equidade. E, por isso, manteremos o essencial da proposta com esta aclaração específica.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Completado este ponto relativo à mensagem do Presidente da República sobre a devolução sem promulgação do Decreto da Assembleia da República n.º 232/X — Altera o regime jurídico do divórcio, passamos às declarações políticas, cabendo 3 minutos a cada Grupo Parlamentar, sendo 1 minuto para a pergunta e 1 minuto para a resposta no debate que, a seguir, tem lugar.
O primeiro orador inscrito para proferir uma declaração política, em nome do BE, é o Sr. Deputado Luís Fazenda, a quem dou a palavra. Faça favor.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, a Mesa tinha-me informado de que eu seria o quinto orador, mas não tenho qualquer dificuldade em intervir já…

O Sr. Presidente: — É o primeiro orador mas, não, o último!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Com certeza.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que fomos todos surpreendidos, no princípio do Verão, por conferências de imprensa, em paralelo, do Sr. Ministro de Estado e das Finanças e do Sr. Ministro do Trabalho

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e da Solidariedade Social, acerca dos bons resultados económicos da conjuntura.
Enfim, numa outra leitura: se a Europa ia soçobrando, Portugal resistia, mais ou menos, do ponto de vista de uma depressão económica, de uma estagnação, que ameaça, aliás, uma recessão no conjunto da economia europeia.
Há dias, houve uma correcção em baixa das estimativas do INE, mas nós não vimos qualquer conferência de imprensa por parte do Sr. Ministro das Finanças, qualquer conferência de imprensa por parte do Sr.
Ministro do Trabalho, nem sequer uma afirmação de qualquer membro do Governo. O Sr. Ministro da Economia, muito à pressa entre dois ou três actos mediáticos, veio dizer que mantém confiança nos agentes económicos.
Mas não há uma análise, não há uma leitura daquilo que são indicadores em agravamento na economia portuguesa. E é o tempo — agora, que se prepara um Orçamento do Estado — para perguntar à maioria se mantém as suas expectativas, se mantém as suas previsões, se não quer alterá-las do ponto de vista de criar alguma almofada que seja uma âncora num processo negativo. Porque todos nós estamos a perceber que, independentemente dos maus resultados do ponto de vista do investimento, das exportações, da diminuição da procura interna, o que se prenuncia é mais um aumento do desemprego e, sobretudo, uma inversão em alguma redução do desemprego que se vinha verificando nos últimos trimestres.
Nesse sentido, a situação é extraordinariamente preocupante. Creio que agora (e não vale a pena todos ficarmos aqui pelos silêncios — uns, silêncios reprovados e outros que se auto-elogiam por mantê-los) é que é necessário dizer se, realmente, o Governo toma em atenção estes indicadores e que política tem o Partido Socialista para enfrentar esta crise; porque todos nós não estamos satisfeitos; vemos que ela está a agravarse, está a aprofundar-se, que um conjunto de indicadores sociais virão inevitavelmente para baixo e não se pode ficar de braços cruzados perante o agravamento destas circunstâncias.
Daqui há que relevar qual é a qualidade política de um governo que vem dar umas conferências de imprensa, quando umas décimas estavam um pouco acima, e desaparece de combate, quando as décimas, afinal, estavam um pouco para baixo. É singular, mas é altamente criticável que assim seja! Repare-se: o Primeiro-Ministro admitiu, numa declaração avulsa, que, afinal, a meta de crescimento revista de 2.2 pontos para 1.5 pontos já não seria atingida e que ficaria, algures, entre 1.2 pontos e 1.5 pontos. Mas, hoje, todos os principais analistas e todas as instâncias que observam com credibilidade o desenvolvimento do processo económico nos dizem que ficará a 1 ponto percentual ou abaixo de 1 ponto percentual.
Creio que não vale muito a pena discutirmos muitas outras realidades da sociedade portuguesa, se não olharmos para isto. É porque essa retoma está mais longe; é porque a Europa se afunda sob uma política económica errada; é porque o Governo português não tem papel, nem sobre as taxas de juro, porque não tem qualquer posição pública, ao contrário do Primeiro-Ministro do país vizinho, que bem se tem queixado da política do Banco Central Europeu e de outras matérias…! Portanto, sobre isso, estamos aqui totalmente no vazio. E este é o repto que deixo à bancada do Partido Socialista: é exactamente quando as crises se avolumam, quando há pressões negativas, até da conjuntura internacional, que é necessário que haja uma partilha e um debate; que haja a resposta aos apelos dos partidos da oposição. É porque os partidos da oposição não se congratulam com essas realidades negativas mas, antes, interpelam o partido do Governo para que tenha uma política de verdade, para que realmente responda sobre as expectativas que criou e que não preenche, e que esclareça qual é o plano B ou o plano C — porque já vamos na altura do plano C, para reagir a esta conjuntura económica negativa.
Espero ouvir o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, dentro de um trimestre, quando os números do desemprego forem corrigidos da sazonalidade e quando, por efeitos sobretudo da economia espanhola, o desemprego em Portugal retomar um rumo ascendente.

Protestos do Deputado do PS José Junqueiro.

Sr.as e Srs. Deputados, a situação é grave! Sr. Presidente, penso que a maioria e o Governo devem explicações ao País e devem, sobretudo, uma rectificação das suas expectativas, ainda antes do debate do Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: — A Mesa não regista inscrições para pedidos de esclarecimentos, pelo que vamos

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passar ao segundo orador inscrito para proferir uma declaração política, que é o Sr. Deputado Bernardino Soares, a quem dou a palavra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O «foguetório» do Governo vai caindo face à realidade que os portugueses e o País continuam a atravessar de responsabilidade desta política. E isso vê-se nos mais diversos aspectos, seja no desemprego, seja na profunda dificuldade que a maioria das famílias atravessa no seu dia-a-dia, seja na ofensiva, que continua «em grande» contra os direitos dos trabalhadores e que o Governo pretende ainda agravar com o Código do Trabalho que, brevemente, discutiremos nesta Assembleia da República.
Mas se há área que, apesar da mudança «cosmética» havida na última remodelação governamental, tem sido alvo de um grave ataque pela política do Governo, ela é a saúde.
Prometem-nos a melhor gestão, a resolução dos problemas; invadem-nos com estatísticas que todos sabemos que não correspondem à realidade que os utentes do Serviço Nacional de Saúde encontram no seu dia-a-dia, nas instituições de saúde; promovem a privatização dos cuidados de saúde, com o êxodo dos profissionais, designadamente dos médicos para as unidades privadas, com o encerramento de unidades públicas e com uma gestão de tipo empresarial nos hospitais públicos, que mais não é do que uma gestão economicista que prejudica gravemente os cuidados de saúde e a sua qualidade.
Vem isto a propósito das notícias recentes de que nos hospitais públicos está instituído o recurso a empresas de trabalho temporário para cumprir os requisitos das urgências hospitalares; são empresas que cobram 100 € à hora, 2500 € por dia, para colocar um médico nestes hospitais — um médico que não está integrado nessas equipas, que não conhece a realidade daqueles hospitais e que, portanto, não pode prestar o serviço de qualidade que se exige e com a segurança que se exige nessas unidades hospitalares.
Mas por que é que é possível, hoje, este pagamento? Porque o governo PSD/CDS e, depois, continuada esta política pelo Governo PS, teve a política da empresarialização dos hospitais; e porque, agora, como são sociedades, como são empresas públicas, os hospitais podem pagar o que quiserem — o que era apresentado como uma grande vantagem para cativar quadros profissionais para cada unidade, mas que não resolve o problema fundamental, que é o da falta de médicos.
É evidente que, enquanto continuar uma política, como a das últimas décadas, de restrição na formação e na colocação de médicos no Serviço Nacional de Saúde, continuaremos a ter este tipo de mercantilização da saúde; e continuaremos a ter uma boa parte das nossas urgências hospitalares entregues, por responsabilidade do Governo, a mercenários que fazem a extorsão de milhares e milhares de euros para cumprir aquilo que o Serviço Nacional de Saúde devia ter nos seus quadros, nos quadros dos seus hospitais, de forma regular, e não com recurso a este tipo de empresas precárias, que não dignificam, não dão garantias de qualidade nem de segurança aos serviços prestados no Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Não havendo inscrições para pedidos de esclarecimento, passamos à terceira declaração política, para o que tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Entre os próximos dias 10 e 15 de Setembro vai iniciar-se, em Portugal, mais um ano lectivo. Começa, então, um novo ano em que os alunos vão para as escolas aprender. E, se já é costume que, nesta altura, se inicie o ano lectivo, também já é costume, infelizmente, que, nesta altura, se fale do preço dos materiais escolares. Este ano, mais uma vez, as notícias conhecidas são preocupantes: o preço que as famílias vão ter de pagar pelos manuais que os seus filhos têm de utilizar, obrigatoriamente, nas escolas aumentou, sem que fossem tomados cuidados especiais relativamente a esta matéria. É, então, a ocasião para perguntar: qual a política deste Governo relativamente aos manuais escolares? O que as famílias sabem é que, constantemente, têm de gastar mais com a educação dos seus filhos.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Mas as famílias que pagam esses bens também são as que têm maiores rendimentos!

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Constantemente, o Governo sabe que negoceia uma convenção com quem vai comercializar os manuais mas também sabe que, infelizmente, todos os anos, os preços aumentam cada vez mais. E a nível da política dos manuais escolares há um outro facto que também é importantíssimo, que é o de sabermos qual a sua qualidade. Por isso mesmo, tivemos amplas discussões neste Parlamento relativamente a esta matéria e houve, aliás, uma lei, publicada em Agosto de 2006, que determinou um regime de avaliação dos manuais escolares, cuja regulamentação deveria ser feita em 90 dias. O decreto-lei que regulamentou a matéria saiu um ano depois e, hoje, estão nomeadas duas comissões de avaliação dos manuais escolares, isto é, a avaliação dos manuais escolares, em Portugal, é algo que não existe. Por isso mesmo, tem de se repetir a pergunta: qual a política que este Governo tem em relação àquilo que se ensina nas nossas escolas? É porque o caso dos manuais é apenas um exemplo! Não vale a pena esconder esta questão com a medida do passe escolar e outras que já foram discutidas e tratadas, porque é essencial que se perceba qual a ideia do Governo e da maioria relativamente ao que se ensina nas escolas. Infelizmente, aquilo a que assistimos é à desconversa do Governo ou ao assumir de uma atitude como aquela a que actualmente assistimos, que é a de nada dizer relativamente a esta lamentável repetição de aumento de preço dos manuais escolares e de desconhecimento total sobre a sua qualidade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Também não há inscrições para pedidos de esclarecimento, pelo que se segue, no uso da palavra, ainda para uma declaração política, o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata agendou para o próximo dia 26 de Setembro o debate do seu projecto sobre a lei-quadro de reforma do sistema prisional. Fez bem!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Não foi o PSD, foi a Conferência de Líderes!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — E fez bem porque Portugal vive um momento em que é absolutamente imperioso debaterem-se as infra-estruturas prisionais, o problema do regime da execução das penas e o próprio funcionamento e competências reais e efectivas dos tribunais de execução de penas. A boa regulamentação de tais matérias é indispensável num Estado de direito democrático, livre, justo e, sobretudo, seguro, como há muito os portugueses desejam e, como há muito, este Governo não lhes concede.
Não deve haver vergonha de dizer que, em termos de segurança, como se verá no debate subsequente, Portugal está verdadeiramente doente.

O Sr. José Junqueiro (PS): — O PSD! Não podemos confundir o PSD com o plural!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — E não é com medidas casuísticas, pequenas, afinal, que a situação se resolve mas, antes, pensando também, a médio e a longo prazos, em questões como as que o PSD traz a debate, como sejam as do sistema prisional propriamente dito, da execução das penas e da importantíssima reinserção social.
A prisão preventiva, a liberdade condicional e tantas, tantas outras coisas sobre as quais o Governo nada diz são questões que os portugueses querem ver tratadas pelos responsáveis políticos, constituindo, hoje, o tema da segurança dos portugueses um verdadeiro imperativo nacional.
Há, sem dúvida alguma, Sr. Presidente, no meio desta retumbante «alegria socialista», muita desgraça que urge combater. E foi por isso, justamente por isso, que o PSD agendou o diploma que apresentou oportunamente, cumprindo, assim, a sua palavra perante os portugueses e perante si próprio.
Lembrando-me de cumprimentos de palavra, não posso deixar de recordar o primeiro, sim, o primeiro debate mensal desta Legislatura, estávamos nos idos de 2005, mais propriamente em 29 de Abril de 2005. No alto da tribuna, o Primeiro-Ministro de então, que, por acaso, ainda é o mesmo de hoje,…

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A Sr.ª Helena Terra (PS): — Não é por acaso!…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — … depois de se comprometer com 1001 coisas por calendário, terminou a sua profética triunfal dizendo: «Queria ainda assinalar um outro ponto desse calendário: na próxima sessão legislativa…» — dizia ele, a qual começaria, para os socialistas, em 15 de Setembro de 2005 —…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Exactamente!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — … «… será retomada a proposta de criação de uma leiquadro do sistema prisional,…» — com aplausos do PS —…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Onde é que essa lei-quadro do sistema prisional anda?!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — … «… para que,…» — continuava o orador — «… finalmente,…» — dizia ele — «… se comece a dar seguimento às recomendações da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional.». Terminava ele, dizendo triunfantemente: «Já não era sem tempo!» — e, de novo, com aplausos do PS! Pois é, Sr. Presidente! O problema é que passou 2005, 2006, 2007 e já quase 2008 está terminado e nada, absolutamente nada, a não ser aqui uns apartes que não contam.

Protestos do PS.

Fala-se num texto qualquer, num anteprojecto — quiçá?!… —, que estará a circular só por alguns lados mas não no Parlamento, Sr. Presidente, pois que os representantes do povo o não conhecem, nem mesmo — garanto — os eleitos do Partido Socialista.
Ora, também por isso mesmo, para que, no sentido politicamente nobre da expressão, o Governo venha dar conta do que pensa — se é que pensa —, do que pensa propor — se é que pensa propor — acerca dos sistemas referidos, o PSD agendou — e bem! — para o próximo dia 26 a apreciação do projecto de lei-quadro da reforma do sistema prisional.
O nosso projecto é um ponto de partida, porventura à espera do contributo de todos os grupos parlamentares que o pretendam corrigir ou aperfeiçoar, mas é a alavanca que também se relaciona com um importante debate que, a seguir, terá lugar nesta Câmara, que é o da segurança em Portugal e dos portugueses.
Se o Governo e o Partido Socialista se alhearem do tema e o desmerecerem, poderemos concluir que eles, o Governo e o Partido Socialista, têm, de facto, feito o melhor dos seus esforços para piorar o estado da justiça e a segurança dos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, dispondo para o efeito de 1 minuto, sendo que o tempo da resposta será também de 1 minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Montalvão Machado, falou-nos aqui da importância do cumprimento das penas e da antecipação de um debate relativo à lei de reforma do sistema prisional, tentando, em certa medida, relacioná-lo com o aumento da insegurança no nosso País.
O que lhe pergunto, Sr. Deputado, desde logo, é se não lhe parece que, até lá, há muito que avaliar em matéria de segurança e que não se resolve com uma lei que reforma o sistema prisional. E isto porque, como relembro ao Sr. Deputado, se alterou o Código Penal e o Código de Processo Penal — na sequência, em boa verdade, de um pacto para a justiça que socialistas e sociais-democratas assinaram…! —, diplomas em cuja votação o CDS se absteve, mas a verdade é que a criminalidade aumentou, a criminalidade violenta

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aumentou, a insegurança das pessoas aumentou e a percepção dessa insegurança é, hoje, muito mais nítida no nosso País. O que me parece é que esta realidade, muito embora veja a bondade, a utilidade e a oportunidade dessa discussão — são inquestionáveis —, não se resolve apenas pela perspectiva do carácter retributivo das penas, da sanção que a sociedade aplica a quem comete crimes no nosso País. Antes disso, há o aspecto coercivo que essas penas devem ter e que a própria legislação adjectiva também deve conferir, e esta é que nos parece ter sofrido um rude golpe.
Nós, designadamente durante a última Legislatura,…

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, durante a última Legislatura, ouvíamos dizer, até à exaustão, que Portugal tinha mais presos preventivos do que o resto da Europa. Dissemos que não era verdade e, como os critérios de contagem dos presos preventivos eram diferentes em Portugal relativamente ao resto da Europa, hoje e apesar disso, apesar de, em Portugal, se contarem presos preventivos que lá fora não contam, temos dos menores índices de prisão preventiva.
Por isso, pergunto ao Sr. Deputado se considera isso normal, se não lhe parece que alguma coisa está mal e, nessa medida, se é ou não preciso fazer mais alguma coisa além de se discutir apenas, muito embora de forma importante e oportuna, a lei que reforma o sistema prisional do nosso País.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, antes de mais, agradeço as perguntas que formulou.
Evidentemente, Sr. Deputado, não basta, isolada e casuisticamente, discutirmos o diploma que o PSD agendou.
O PSD tem este diploma preparado há muitos anos, aguardava-se, enfim, que, de facto, o Governo e o Partido Socialista anunciassem — como anunciaram, em 2005 — que iriam apresentar algo que, agora, afinal, existe sub-repticiamente em alguns locais, mas que não se sabe o que é, e foi, justamente, por isso mesmo que o PSD decidiu agendar a apreciação do seu diploma.
Claro que o Sr. Deputado tem razão quando diz que o tema está intimamente ligado à segurança. Está! Falei aqui nas questões da prisão preventiva, da liberdade condicional… Mas o que é a liberdade condicional senão uma questão relacionadíssima com o que lhe disse a propósito do regime da execução das penas e das competências dos tribunais de execução de penas?! Nós queremos, justamente, abordar esse tema, que é um tema importantíssimo! Mas, Sr. Deputado Nuno Melo, não estamos preocupados apenas com as questões de curto e curtíssimo prazos; estamos preocupados com essas e com as questões de médio e longo prazos. E este diploma — acredite! — é absolutamente essencial num Estado de direito que se pretende que seja justo, que tenha uma justiça competente e que seja também importante para a reinserção dos delinquentes.
Temos a consciência de que — e isto, implicitamente, também foi dito por mim — só tem legitimidade para punir uma sociedade que tem a obrigação de reinserir. E este é outro tema importante de que iremos tratar.
Portanto, todos estes temas estão ligados com a resolução do problema da segurança, uns de forma mais imediata, outros a médio e a longo prazos, pelo que não podemos apenas pensar, redutoramente, na única preocupação que V. Ex.ª aqui manifestou. E por isso é que, com senso e sentido de responsabilidade, entendemos que deveríamos agendar este debate, como fizemos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Passamos à quinta declaração política, para o que tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

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O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD esteve, durante 40 dias e 40 noites, mergulhado num profundo silêncio e o País reconfirmou que este partido, sempre que as circunstâncias políticas o exigem e a democracia obriga, foge das suas responsabilidades «como o diabo da cruz».

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Encontrou agora uma teoria para justificar esta atitude, que se resume ao conceito unilateral de que o PSD, como oposição, não precisa de apresentar alternativas, apenas lhe compete, portanto, lançar suspeitas, calúnias, dizer mal. Ou seja, os eleitores devem votar neste partido por uma questão de fé, como se se tratasse de uma divindade onde o irracional seria o caminho em que as pessoas estariam dispensadas de pensar e de avaliar. É uma deriva, uma claustrofobia ideológica e mental, mergulhada na ausência e no silêncio, o mesmo que Ângelo Correia diz que (e cito-o) «só pode significar ignorância ou distanciamento do País». E talvez por isso Pedro Passos Coelho classifique essa atitude como (e cito-o) «arriscada, por fazer pensar que não há oposição no nosso partido» — o PSD, entenda-se.
E Luís Filipe Menezes ainda ontem dizia que «o PSD deveria oferecer horizontes e não deveria, em democracia, ter medo de apresentar as suas propostas e de submetê-las ao juízo dos portugueses». Pois, mas é assim… Manuela Ferreira Leite tem medo de apresentar propostas, receia o juízo dos portugueses, esconde-se no silêncio e, quando pressionada pelo seu próprio partido e pela opinião pública resolve fazer um intervalo e falar; qual Fénix renascida, pega na Revista de Imprensa e torrencialmente diz mal de tudo e de todos, uma espécie de «tigre de papel», de «furacão do Estado» que quer arrasar tudo à sua passagem.

Risos do PS.

Teremos, pois, de esperar mais algum tempo pelas suas propostas para saber quais os investimentos públicos que quer meter na gaveta e até mesmo para assumir de viva voz que quer a demissão do Ministro da Administração Interna, como a coragem e a clareza políticas lhe exigem. Não, sobre estas matérias nada disse! Teve medo de assumir e, por isso, o PSD entra triste e rotineiramente num novo ciclo anual. Três anos de oposição, três presidentes e três atitudes diferentes para o mesmo País. Grande instabilidade interna, clima de insegurança e de ziguezagues ideológicos, discursos sem esperança e sem ambição, eis ao que chegaram o PSD e as suas lideranças.
Finalmente, é por isso, e neste contexto de falta de credibilidade do maior partido da oposição, que o País sabe que só pode contar com o PS e com o Governo de José Sócrates para manter o rumo, a ambição e a capacidade de fazer melhor, ajudar a construir oportunidades de emprego, atingir desenvolvimento económico e tecnológico, realizar políticas sociais intensas e justas, criar um verdadeiro ambiente de segurança e estabilidade e combater com determinação as adversidades.
O PS deseja e espera a contribuição de todos — das pessoas, dos partidos, das oposições políticas — para o esforço conjunto indispensável à defesa do interesse nacional. Temos, assim, a legitimidade política e a autoridade democrática para exigir, sobretudo ao PSD, ideias, propostas, a honra de compromissos assumidos e, acima de tudo, o fim da «greve de braços caídos» da líder do PSD Manuela Ferreira Leite.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, estive verdadeiramente tentado a responder a esta sua intervenção com um sorriso condescendente e mudo durante 1 minuto, para que o senhor percebesse que o valor do silêncio perante a asneira não é sempre aquiescência, muitas vezes é o contrário.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Muito bem!

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O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Porque, sabe, o País precisa, e muito, de ser melhor governado, mas o País também precisa de políticos que ofereçam outra credibilidade aos eleitores.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — É por isso mesmo!

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — E, quando as 20 000 ou 30 000 pessoas que assistirem a esta reunião à noite — felizmente, não são muitas mais as que vão reparar em si — virem que um Deputado do Partido Socialista veio aqui, com esta ternura e com este desvelo, dizer-nos que está preocupado porque o PSD não apresenta as suas alternativas, portanto não merecerá a confiança dos seus eleitores, não poderão deixar de constatar que esse é um discurso «farisaico», igual ao dos outros, e de querer a diferença. Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — E, enquanto os senhores vivem permanentemente em campanha eleitoral, como foi o seu discurso, como são os lançamentos das primeiras pedras das quais nunca vemos as segundas, e também nunca temos a resposta de «quantas pedras vamos ter no pescoço», no futuro, por causa das pedras que os senhores agora querem lançar para iludir as pessoas;…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — … quando o País vive este clima de insegurança em que já ninguém gosta de estar parado dentro carro sem trancar as portas; quando o País vive um drama brutal de desemprego e o demagogo do Governo de serviço responde à oposição dizendo que se geraram 135 000 empregos, com a maior desfaçatez, perante os 8,2% de portugueses que não têm trabalho, as pessoas sabem duas coisas: precisamos de ser melhor governados por quem não viva para a propaganda, mas também precisamos de pessoas mais sérias para sermos melhor governados.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Se o senhor não percebeu ainda que é este o caminho que trilhamos vai ter uma boa oportunidade, este ano, de aprender pelo exemplo. E, sabe, o que os portugueses pensam não nos chega pela sua voz (não nos preocupa a sua voz), chegará no momento próprio, isto é, aquando das eleições que a Constituição manda fazer.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Além de grande humildade é muita fé!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Eduardo Martins, perdeu, desta vez sim, a oportunidade do silêncio. Ele teria sido bem melhor.
A verdade é que existe uma dificuldade no PSD, que é a do confronto directo que podem e devem fazer internamente. E o Sr. Deputado quis, de alguma forma, referir-se ao PS até como se ele tivesse sido o autor destas afirmações. Mas gostaria de lembrar-lhe que a apreciação política da acção do PSD não foi, neste caso, feita pelo PS, foi feita pelo próprio PSD,… A Sr.ª Helena Terra (PS): — O problema é que há vários…!

O Sr. José Junqueiro (PS): — … e os senhores internamente têm de se entender… Três presidentes, três anos, três atitudes diferentes para o mesmo País… Sr. Deputado, o que eu quis aqui fazer foi unicamente citar Ângelo Correia, a propósito do silêncio, que

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disse que «só pode esse silêncio significar ignorância ou distanciamento do País»; Pedro Passos Coelho, que disse que essa estratégia — a do silêncio — é arriscada, porque podem as pessoas julgar que não há capacidade de oposição do PSD; e Luís Filipe Menezes, que ontem disse «que deveria ter e prometer outros horizontes em democracia, não ter medo do contraditório, apresentar as suas propostas e submetê-las aos portugueses». A verdade é que a nova presidente do PSD, a sua «liderança», segundo diz o PSD, tem medo de apresentar essas propostas e é por isso que elas não aparecem!

Aplausos do PS.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Querem eleições antecipadas, é?!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos à última declaração política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A linha de caminho-deferro do Tua sofreu, no passado dia 22 de Agosto, o seu quarto acidente no espaço de cerca de ano e meio.
Esta situação é absolutamente lamentável, em primeiro lugar, pelas vítimas mortais, pelos feridos e seus familiares — para quem vão as nossas primeiras palavras —, mas também, e em segundo lugar, porque esta é uma linha que, ao longo dos seus 120 anos de existência, felizmente, pouquíssimos acidentes graves registou e menos ainda com vítimas mortais.
É uma linha que acompanha o vale do rio Tua e goza de uma paisagem patrimonial única que fazem dela uma das mais belas do mundo e que, como todas as linhas de montanha, deve dispor das habituais medidas de segurança e de prevenção de risco.
É ainda uma linha que teimosamente persiste em garantir o direito à mobilidade e acessibilidade das populações não permitindo o seu isolamento e constituindo uma porta aberta de oportunidades para aquela região da Trás-os-Montes.
Infelizmente, esta sucessão de acidentes inexplicados é estranha e não deixa de incomodar pela curiosa coincidência no tempo com a intenção declarada de construir uma barragem que sempre será absolutamente incompatível, seja qual for a quota, com a sua sobrevivência por cortar a ligação à linha do Douro e ao resto do País.
Apesar de Os Verdes considerarem muito positivas as recentes declarações da Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, que reconheceu a beleza e a importância desta linha para a mobilidade da região, revelando uma mudança de postura só possível por quem finalmente visitou o local, a verdade é que o Governo continua a defender a construção da barragem ao mesmo tempo que acena com a miragem de alternativas à linha, rodoviárias ou mesmo uma nova linha num outro traçado ou com outro espaço.
Para Os Verdes, estas pseudo-soluções alternativas só servem para tentar vender a barragem àquela região e fazer desistir da justa luta pela manutenção da linha do Tua, que se encontra geneticamente ligada ao vale do Tua e com a submersão do qual deixará simplesmente de existir para sempre. É por isso fundamental não permitir que estes acidentes sirvam de argumento para um encerramento definitivo da linha e exigir que nenhuma suspeita fique no ar. É fundamental que toda a verdade venha ao de cima e que «a culpa não morra solteira».
Recordamos que neste momento, após uma grande insistência desta bancada, através de requerimentos, de intervenções e de um agendamento potestativo em comissão, só mais de um ano depois de primeiro acidente é que nos foram entregues — «tirados a fórceps» — os relatórios do inquérito ao primeiro acidente.
Como é que é possível, num momento em que a linha foi reparada, sujeita a investimento, em que está mais vigiada do que nunca, em que nem a linha, as traves, o aterro e as encostas nem o material circulante parecem apresentar anomalias, segundo as entidades responsáveis e o próprio Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que um comboio que circula com marcha à vista numa recta com boa visibilidade tenha descarrilado? Os Verdes lamentam profundamente não poderem já, hoje, nesta reunião da Comissão Permanente, interpelar o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, responsável por garantir a segurança de um dos mais seguros meios de transporte, como, aliás, propusemos e foi rejeitado. Mas

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anunciamos que não descansaremos, nesta Casa, enquanto não forem prestadas todas explicações e fornecidos todos os elementos que permitam aferir com rigor, clareza e transparência a verdade sobre os acidentes do Tua.
O Parlamento e, mais do isso, as vítimas e as suas famílias, as populações, as associações locais, os autarcas daquela região e os portugueses têm o direito a conhecer o mistério de derrocadas inexplicadas e de descarrilamentos sem qualquer causa aparente. O Governo deve explicações convincentes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, passamos agora ao debate, requerido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, com a presença do Ministro da Administração Interna, sobre segurança.
Para abrir o debate, tem a palavra, pelo CDS-PP, o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate de hoje já devia ter sido feito. Já tinha mesmo que ter sido feito e a responsabilidade não é do CDS, pois há mais de um ano que vem denunciando a criminalidade violenta e especialmente organizada nas Áreas Metropolitanas de Lisboa, do Porto e de Setúbal.
E avisámos sobre os erros sucessivos que o Governo estava a cometer. Levantámos a voz contra a irresponsabilidade do congelamento da admissão dos novos efectivos da polícia, da sua reestruturação, defendemos as forças de segurança quando outros as desautorizavam. Não votámos leis penais permissivas e pedimos videovigilância nos bairros onde ela é necessária.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Votaram, votaram!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Denunciámos o que se estava a passar: do carjacking aos sequestros, dos assaltos às lutas de gangs, dos roubos aos homicídios violentos. Ficámos muitas vezes, as mais das vezes, sozinhos. Chamaram-nos «securitários», demagógicos e até xenófobos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É ficção!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Hoje, os portugueses podem julgar quem disse a verdade e quem não disse a verdade; quem tinha razão e quem não tinha razão; quem tem uma política de segurança e quem decididamente não a tem.
Sim, este Governo é responsável por ter negado as evidências! Sim, este Governo é responsável por não ter tomado as medidas necessárias para combater a criminalidade e é responsável por uma política que sistematicamente desculpa o criminoso, culpabiliza a sociedade e ignora a vítima! Hoje, importa também recordar o que foi dito, porque na política a memória é importante.
«Portugal é actualmente um país seguro» — António Costa, ex-Ministro da Administração Interna, em Abril de 2005. «Sabemos bem que Portugal é um País seguro!» — José Sócrates, Fevereiro de 2007.
Não poderia faltar Augusto Santos Silva, em Dezembro de 2007: «O nosso País é seguro e sério e a criminalidade violenta diminuiu».

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — É verdade!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Mas vejamos o caso mais extraordinário, o do Ministro Rui Pereira, que, em Setembro de 2007, garantia o seguinte: «Portugal é um País seguro. Os discursos inflamados e demagógicos não substituem a realidade. E a realidade é que a criminalidade violenta e grave diminuiu.» Já em Fevereiro de 2008, o Sr. Ministro dizia algo de parecido, mas muito diferente: «Portugal é um País relativamente seguro».
E agora, Sr. Ministro? Depois de o País ter assistido a sequestros, actos de guerrilha urbana às portas de

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Lisboa, execuções por gangs rivais, tiros dentro de esquadras, onde era suposto os cidadãos sentirem-se seguros, assaltos a ourivesarias, a bombas de gasolina e a carrinhas de transporte de valores com o recurso a explosivos militares, com uma intensidade nunca vista no nosso país, em que ficamos? Portugal é um país absolutamente seguro, ou relativamente seguro, ou medianamente seguro, ou assim-assim, ou «tem dias»?! V. Ex.ª saberá! O que eu sei é que o País, com este Governo, certamente não está seguro! A política de segurança — aliás, como a própria palavra indica — tem de ser segura e isso é tudo o que Portugal não tem.
Dou apenas dois exemplos, os mais recentes, da desorientação e do improviso do Governo.
Primeiro exemplo: o Governo diz que, nesta legislatura, vai ser admitido um total de 4400 agentes para as forças de segurança. Mas o que o Governo não diz (ainda que lhe tenha sido perguntado) é que, em apenas três anos, já saíram das forças de segurança, por aposentação, 4635 elementos. Temos mais crime e este Governo deixa-nos com menos polícia! Segundo exemplo: no Governo ninguém se entende sobre as leis penais… Um diz uma coisa, outro diz o seu contrário!

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
O autor da reforma penal é o Sr. Ministro, que foi desmentido pelo seu próprio Secretário de Estado; quem tem de propor reformas penais é o Ministro da Justiça, que foi desautorizado pelo colega do lado; e o Sr.
Primeiro-Ministro cala-se.
Ou seja, em vez de fazerem das leis penais a «arma» contra o crime, fazem da Lei das Armas a «fisga» contra a vossa descoordenação!

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, para terminar, como o CDS teve razão, apresentamos as seguintes propostas: prever a admissão de mais 4000 agentes imediatamente; reforçar o patrulhamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa, Porto e Setúbal; instalar videovigilância nos bairros problemáticos; alterar leis penais que combatam a desproporção entre a pena teoricamente aplicável — a do Código —, a aplicada — a da sentença — e a efectivamente cumprida; e modificar as Leis da Nacionalidade e da Imigração.
Sr. Presidente, perante uma situação de insegurança grave (que não dá sinais de abrandar), o Governo não pode ser insensível nem, tão-pouco, esta Assembleia pode ser dogmática. É preciso ter coragem e evoluir se necessário, porque reformar é imprescindível.
Apresentámos as nossas propostas, fizemos o nosso trabalho — não tivemos «paixões de Verão».
Nem todos podem ter a mesma consciência tranquila.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Também para intervir neste período de abertura do debate, tem a palavra o Sr.
Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Rui Pereira): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A minha primeira palavra hoje, aqui, é de apoio às forças de segurança pelo papel que têm desempenhado na luta contra o crime, de solidariedade com as vítimas e de reprovação dos criminosos.

Aplausos do PS.

A segunda palavra é para recordar que venho aqui pela décima quarta vez para debater questões de segurança e sempre manifestei a minha disponibilidade para o fazer.
A terceira palavra é para recordar que o Governo tem programa, estratégia e medidas adequadas para lutar contra a criminalidade violenta e grave.
Tem um programa baseado no policiamento de proximidade e na segurança comunitária; tem uma

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estratégia (que, pela primeira vez, foi apresentada no início deste ano com o Relatório de Segurança Interna) que aponta para o reforço do dispositivo em meios materiais e humanos e para o reforço do investimento e sua duplicação até 2012, bem como para o reforço no treino com armas de fogo e incidentes táctico-policiais.
Não, nós não acordámos tarde e respondemos prontamente aos novos fenómenos da criminalidade.
Falou-se aqui na admissão de polícias. Pois bem, vamos fazer bem as contas: entre 2002 e 2005, o número de polícias em Portugal diminuiu 1305; entre 2006 e 2008, aumentou 798. Estas são boas contas, contas para se ter presente antes de dizer coisas irresponsáveis!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Falou-se igualmente no investimento nas forças de segurança. Pois bem, em 2004 o governo investiu 7 milhões de euros em postos e esquadras e, desde a tomada de posse deste Governo, em todos os anos, o investimento cifrou-se entre 10 e 16 milhões de euros.
Muito recentemente, entregámos cerca de 10 000 armas às forças de segurança, de um conjunto de 42 000 armas de 9 mm, enquanto os governos anteriores do PSD e do CDS entregaram às forças de segurança zero armas!

Protestos do PSD.

Assim se compreende a preocupação que têm com a criminalidade violenta e grave.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — No primeiro semestre deste ano, é verdade que a criminalidade geral aumentou em 7% e é verdade que a criminalidade violenta e grave aumentou em 15%, mas quero recordar que a nossa criminalidade geral foi igual à de 2003 e de 2004, neste semestre, e que a criminalidade violenta e grave foi inferior à de 2004.
Também quero recordar que, em 2007, a diminuição da criminalidade violenta e grave foi, em Portugal, de 10,5%. Regressámos, então, aos tempos de 2001 — sim, aos tempos de 2001! —, quando o governo era do Partido Socialista.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Recordo igualmente que, em 2003, assistimos ao maior aumento da criminalidade geral deste século. E lembro que, em 2003 — sim, em 2003! —, o número de homicídios no primeiro semestre foi de 156 e, agora, com a onda de homicídios, foi de 88.
Tenham vergonha quando fazem comparações de números!

Vozes do PS: — Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Cada crime é um crime a mais e nós tudo faremos, ao lado das forças de segurança, para o prevenir e reprimir.
Não, nós não somos adeptos de leis penais brandas, mas quero aqui recordar que as leis mais brandas, em matéria de prisão preventiva, foram as propostas pelos governos do PSD e do CDS-PP,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não é verdade!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … que propunham a prisão preventiva apenas para crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos e nem sequer a previam para a criminalidade violenta, organizada, nem para o terrorismo com penas superiores a três anos.

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Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Quero aqui recordar que, em matéria de videovigilância, as dificuldades que temos prendem-se com uma lei que dá um poder de veto, por causa do parecer vinculativo, à Comissão Nacional de Protecção de Dados, lei que foi votada favoravelmente pelo PS, pelo PSD e pelo CDS.
É essa lei que está a constituir, em alguns casos, uma dificuldade para evoluir com esse plano.
Temos, contudo, já autorizadas instalações no Porto e na Praia da Rocha, estamos a aguardar planos para Coimbra, Fátima e Braga e estamos a preparar novas instalações de videovigilância na Amadora, Lisboa, Faro, Loulé, Albufeira, Leiria, Viseu, Mêda, Odivelas e Loures.
Nunca os senhores, que falam tanto em videovigilância, prepararam um plano com esta dimensão!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Meus Caros Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A matéria que aqui nos traz hoje é uma matéria de Estado, que tem de ser encarada com responsabilidade e não com demagogia, não com palavras gratuitas de luta partidária. Ainda estão a tempo de adoptar uma política responsável se se empenharem, por exemplo, na aprovação da Lei das Armas, que vai constituir mais um contributo na luta contra a criminalidade violenta e grave.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Vamos passar ao período de perguntas e respostas, dispondo cada um dos intervenientes de 2 minutos para o efeito.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, esta é a décima quarta vez que o PSD tem oportunidade de chamar a sua atenção para a crescente sofisticação e organização da criminalidade em Portugal. E, Sr. Ministro, continuaremos a insistir as vezes que forem necessárias até que V. Ex.ª perceba que a realidade mudou e que é preciso enfrentá-la de outro modo que não, exclusivamente, de forma estatística, tal como V. Ex.ª acaba de fazer.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Ministro, pergunto-lhe directamente: em relação à apresentação do projecto de resolução do PSD, que solicita a alteração dos artigos 13.º e 15.º da lei que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal, há ou não a concordância por parte do Governo? Esta lei tem como fundamento o artigo 10.º da Lei de Política Criminal, que refere que, em caso de alteração substancial das circunstâncias, podem ser definidos os objectivos e as prioridades de política criminal. E eu pergunto-lhe, Sr. Ministro, se considera, ou não, que estamos numa situação de alteração substancial das circunstâncias em matéria de segurança em Portugal.
Dou-lhe um último exemplo: o de um homem que, na esquadra da PSP de Portimão, acaba de ser abatido, com três tiros, em frente aos guardas da esquadra. Acaba de acontecer isto, mais uma vez! Sr. Ministro, formulo-lhe mais três perguntas que se prendem com a necessidade da prevenção criminal, com a necessidade de responder, de uma forma eficaz, à crescente complexidade e sofisticação da criminalidade.
Primeira pergunta, Sr. Ministro: o seu Ministério definiu alguma estratégia para as forças policiais no que diz respeito à prevenção e monitorização dos focos de natureza criminal, designadamente nos chamados bairros problemáticos, ou na organização de pequenos bandos em resposta às alterações do Código de Processo Penal? Segunda pergunta: o seu Ministério dotou as forças policiais de meios eficazes para poderem responder a esta situação?

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Terceira pergunta, Sr. Ministro: durante estes meses, o que é que foi feito no que diz respeito à partilha de informação entre as várias forças de segurança? E quais as medidas efectivas? Sr. Ministro, aguardo respostas muito concretas a estas perguntas. Se tivessem sido tomadas medidas eficazes não teríamos tido o Verão quente e trágico que acabámos de ter!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Negrão, é, com efeito, a décima quarta vez que aqui venho e sempre ouvi questões colocadas pelo PSD, mas que nunca foram iguais! O PSD tem mudado de estratégia e de perguntas todas as vezes que venho aqui, ao Parlamento.

Vozes do PSD: — Não é verdade!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Nunca disse a mesma coisa a propósito da política de segurança.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Responda às questões!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Vou responder às questões, exemplificando essas mudanças.
O PSD fala na necessidade de centralizar e de coordenar a acção das polícias, na necessidade de reforçar a cooperação e de garantir a troca de informações. Pois bem, o PSD começou por mostrar uma atitude aparentemente construtiva em relação à Lei de Segurança Interna e à Lei de Organização da Investigação Criminal e, depois de negociar inconclusivamente, durante largas semanas, criticou o Governo por ainda não ter apresentado os projectos, coisa que pediu ao Governo que não fizesse!…

Vozes do PS: — Uma vergonha!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Depois absteve-se quando as leis foram apresentadas e, finalmente, quando o Governo deu mostras de um espírito construtivo e de aproximação de posições, votou contra!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Que bom exemplo esse!…

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Em suma, o PSD só quer coordenação, cooperação e troca de informações para o discurso político-partidário.

Vozes do PSD: — Responda!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Respondendo à pergunta: nós somos um Governo responsável, que aprovou duas leis para resolver esse problema.
Em segundo lugar, em relação aos bairros problemáticos, os Srs. Deputados sabem perfeitamente que foi apresentado, no início deste ano — pela primeira vez, repito —, com o Relatório de Segurança Interna do ano passado, um conjunto de medidas. Nesse conjunto de medidas, para além do reforço do dispositivo em meios humanos e materiais, para além do reforço do treino e formação das forças de segurança em tiro e incidentes táctico-policiais, para além do reforço das próprias fronteiras por causa da criminalidade transnacional violenta, com a abertura de novos centros mistos, constava claramente um plano de controlo da criminalidade em zonas problemáticas. Como? Através da intervenção do Corpo de Intervenção.
Sabem perfeitamente que as últimas acções massivas das forças de segurança, que lamento que os

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senhores não tenham elogiado, se inscrevem num plano que foi desenhado no princípio do ano. Mas os senhores só estão aqui, realmente, para criticar negativamente, não dizem uma palavra que contribua para a segurança dos portugueses!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, pegava nas palavras do Sr. Ministro da Administração Interna para dizer que, de facto, vivemos todos numa grande confusão relativamente ao que podemos, ou não, pensar sobre o que o PSD quer ou não quer para o País, nesta e noutras áreas.

Vozes do PS: — Muito bem!

Protestos do PSD.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Desde logo, para além de andar a saltar de estratégia em estratégia e de as perguntas se irem diversificando à medida que as notícias de jornal vão aparecendo, a verdade é que sobre esta matéria, que é uma matéria de Estado, onde todos devemos assumir as nossas responsabilidades, o PSD, a liderança do PSD tem mantido um ensurdecedor silêncio ao longo do último mês e meio.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: — Não é verdade!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — É verdade e os portugueses puderam constatá-lo! E esse silêncio é tanto mais grave porque é relativo a não haver uma palavra de apoio e de incentivo às forças de segurança que estão no terreno todos os dias. E mais: e também não há uma palavra para as vítimas da criminalidade que se têm verificado. Os senhores têm estado ausentes do debate sobre a segurança,…

Protestos do PSD.

… têm estado, provavelmente, a passar férias no estrangeiro e não têm visto o que se tem passado em Portugal, porque, na verdade, não houve uma palavra, uma sequer,…

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Desculpe, mas isso é falso!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — … de incentivo e de apoio às forças de segurança por parte da liderança do PSD.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — É uma falácia!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Mas quero dizer mais: se, por um lado, este silêncio é ensurdecedor relativamente a esta matéria, por outro, é um silêncio incomodamente ruidoso relativamente ao vazio de ideias, de propostas e de estratégias.
Os senhores acabaram de perguntar quais as medidas que o Governo tem. Ora, as medidas estão no terreno e só não as viu quem não quis. Se os senhores disseram que essas medidas não tiveram efeitos e que não foram as correctas, então o País pergunta-lhe quais seriam as correctas.

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Vozes do PSD: — O Governo está ali! O Governo está ali!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — É porque, para criticar, é preciso ter autoridade moral para contrapropor, e isso os senhores não fazem.
Sr. Ministro, quero perguntar-lhe — satisfazendo, desde já, a curiosidade da bancada ao meu lado — quais foram os resultados obtidos. Todos nós temos podido assistir à massiva presença de forças de segurança na rua em operações policiais, por isso gostava que V. Ex.ª dissesse à Câmara quais os resultados que, nos últimos dias, foi possível obter nestas acções policiais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Sanfona, os resultados estão aí e falam por si. Nestas acções preventivas — e recordo que foram centenas de acções preventivas que foram desenvolvidas entre 24 de Agosto e 8 de Setembro — detivemos 920 suspeitos da prática de crimes e apreendemos mais de meia centena de armas ilegais e de 10 000 munições. Estas acções — recordo — são acções preventivas, não são acções em processos-crime, e são acções que temos desenvolvido durante todo o ano, mas são acções que, naturalmente, foram implementadas com mais frequência e mais vigor à medida que vimos que o crime violento estava a aumentar. É assim que se deve responder em termos de segurança.
Estas acções dirigiram-se ainda à prática de crimes no âmbito da condução, sem dúvida, mas, para além disso, dirigiram-se também à prática de crimes de detenção de armas ilegais e à prática de crimes de tráfico de estupefacientes, quer em zonas problemáticas quer em zonas de acesso geral. Foram acções coroadas de êxito, que, agora, entram em investigação criminal.
Quero ainda dizer, Sr.ª Deputada, que nunca ficámos parados, actuámos a todos os níveis, incluindo o legal. E, ao nível legal, propusemos aquilo que se impõe, que é uma modificação na Lei das Armas, para fazer frente, no plano da prevenção e da repressão, à criminalidade mais violenta e grave.
Por vezes, custa-me ouvir conversas completamente sem sentido acerca de outras leis. Por exemplo, quero recordar que o PSD votou a favor do artigo 15.º da Lei de Política Criminal. Agora está arrependido, mas, apesar de estar arrependido,…

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Não, não está!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … quero recordar que este artigo nada adianta, porque diz o que diz a Constituição.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Não, senhor!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Diz, pura e simplesmente, que a prisão preventiva se deve aplicar quando outras medidas não forem eficazes. O Sr. Procurador-Geral da República, por exemplo, de forma insuspeita, tem mostrado que isso não constitui entrave para emitir directivas para que a prisão preventiva seja mais pedida e mais aplicada. O problema está em combater esta criminalidade violenta e grave, e, para isso, registo, com desgosto — e os portugueses, certamente, não deixarão de o fazer —, que o maior partido da oposição continua a dizer que não está presente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, com toda a serenidade, neste pedido de esclarecimento vou procurar desmentir e desmistificar algumas inverdades que

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aqui veio dizer.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Mas, antes, Sr. Ministro, vou colocar-lhe um conjunto de perguntas.
E espero duas coisas: primeiro, ter respostas e, segundo, que elas sejam menos crispadas que as que deu anteriormente.
Sr. Ministro, de facto, tem razão quando diz que algumas das minhas perguntas vão ser feitas pela 14.ª vez. Só espero que o Sr. Ministro, também pela 14.º vez, não deixe de lhes dar resposta.
Primeira pergunta, Sr. Ministro: confirma ou não que os 4400 novos agentes que promete até final da Legislatura são insuficientes para fazer face às saídas que se registaram nos anos de 2005, 2006 e 2007, num total de 4635? Isto foi-lhe perguntado, insistentemente, num programa de televisão, mas não respondeu.
Perguntei-lhe o mesmo da tribuna desta Câmara e volto a fazê-lo agora. Responda, Sr. Ministro.
Em segundo lugar, prometeram mandar 4800 polícias, que estavam em funções não operacionais, para o terreno. Sr. Ministro, tenha a coragem de me responder com um número concreto: quantos, dos 4800 polícias prometidos pelo Primeiro-Ministro, passaram de funções não operacionais para funções operacionais? No âmbito da mobilidade especial, prometeram colocar 1800 funcionários públicos no Ministério da Administração Interna. Sr. Ministro, responda-me com um número: quantos destes 1800 funcionários, oriundos de outros ministérios, se encontram no Ministério da Administração Interna?

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — A nosso ver, Sr. Ministro, não havendo admissão de efectivos, vai agravar-se o défice, como vamos ter oportunidade de provar — e não tenha medo de, mais uma vez, me dar razão. Qual é a verba prevista — e esta é a terceira pergunta — para o orçamento do Ministério da Administração Interna para 2009 para admissão de novos polícias? E não responda, mais uma vez, com o número de 2000.
Quarta pergunta: está ou não disponível para alterar o Código de Processo Penal em matéria de execução de penas e de liberdade condicional para a criminalidade violenta e grave, para que as penas sejam, de facto, cumpridas? Quinta pergunta: está ou não disponível para modificar as regras do processo sumário, para que casos de detenção em flagrante delito sejam a regra e não a excepção, como tem acontecido até agora?

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
Sexta pergunta: está ou não disponível para alterar a Lei da Nacionalidade e prever que a simples acusação de alguém, candidato a um processo de nacionalidade, ter cometido um crime suspende o processo? Sétima pergunta: está ou não disponível para alterar a Lei da Imigração e para propor, à semelhança de grande parte dos países da União Europeia, um contrato de imigração, em que o candidato se vincule a respeitar as leis portuguesas? Sr. Ministro, deixo-lhe sete perguntas. Por favor, à 14.ª vez, responda-me com números, e de preferência desejavelmente menos crispado.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, sem crispação e com estima, deixo-lhe a primeira resposta, com números — provavelmente, o meu tom, um pouco mais veemente, impediu-o de compreender: entre 2002 e 2005, passou a haver menos 1305 polícias…

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não é essa a pergunta!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … e de 2006 a 2008 passou a haver mais 798 polícias. Quer dizer, entre 2002 e 2005, quando havia um governo PSD/CDS-PP,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Eu sei que custa ouvir! Claro! Dizia eu que, entre 2002 e 2005, quando havia um governo PSD/CDS-PP, VV. Ex.as criaram um défice de menos 1305 polícias e, entre 2006 e 2008, nós criámos — e orgulho-me de ter participado nesse esforço — um superavit de mais 798 polícias.
Mas o nosso esforço, como todos sabem, não fica por aqui. E não fica por aqui porquê? Porque, desde o início da Legislatura, temos tido uma atitude cautelosa, realista e rigorosa. Acabámos de proceder ao último recrutamento de polícias e, como toda a gente sabe, estamos já a recrutar mais 2000. Concluiremos, no ano que vem, esse recrutamento e admitiremos, de novo, mais polícias para a PSP e para a GNR.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Quantos?

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Mais 2000, pelo menos! Temos, pois, feito um esforço de reforço do dispositivo policial que não tem qualquer comparação com o que os governos anteriores fizeram.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — E os 4800 operacionais?!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Em relação aos efectivos que devem vir de funções administrativas para funções operacionais, quero dizer, com toda a clareza, que houve um atraso nesse processo, que se deveu, em primeiro lugar, ao atraso da aprovação da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não foi por falta de aviso!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Temos de o dizer aqui claramente, e não dizer que a culpa é de alguém. Houve um grande atraso na aprovação da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana e um atraso subsequente na sua regulamentação.
Mas, para não fugir à linguagem dos números, vou dizer-lhe o que se passa: algumas centenas de polícias, no mínimo 200, já passaram…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Eram 4800!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … para funções operacionais e, até ao fim do ano, em resultado da regulamentação da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, que acabámos de aprovar em Conselho de Ministros, um número entre 2000 e 3000 militares da GNR passará para funções operacionais.
Portanto, estamos a fazer aquilo que o Sr. Deputado advoga, mas que não fez quando teve responsabilidades governativas: a colocar mais polícias na rua e em funções operacionais.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, peço-lhe que conclua.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Em relação ao Código de Processo Penal, quero aqui também aliciá-lo para esse trabalho, que é um trabalho conjunto. Vote connosco a Lei das Armas, que cria instrumentos para a polícia actuar mais eficazmente contra a criminalidade violenta e grave.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, o senhor faz mal em subestimar as consequências do aumento da criminalidade violenta que se tem vindo a verificar.

Vozes do PSD: — Muito mal!

O Sr. António Filipe (PCP): — O Sr. Ministro disse que já veio aqui 14 vezes. Fez muito bem, pois temos o maior prazer e interesse em ouvi-lo, mas não é por vir cá muitas vezes que os problemas da criminalidade se resolvem na rua.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Não é por aí, Sr. Ministro! E também não nos tranquiliza, Sr. Ministro, que nos diga que em 2003, 2004 e 2005, com o Governo PSD/CDS-PP, a situação era mais ou menos como a que temos hoje. Ou seja, nessa altura, do ponto de vista do Partido Socialista, a situação de criminalidade era demérito do governo do PSD/CDS-PP; quando o Governo anunciou a redução da criminalidade entre 2006 e 2007 era mérito do Governo do Partido Socialista; agora, que a situação se agrava 7% na criminalidade em geral e 15% na criminalidade violenta, o Sr. Ministro não nos diz de quem é o demérito.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — O demérito agora não é de ninguém, mas nós imaginamos de quem seja.
Mas o Governo não deve fugir às suas próprias responsabilidades.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — E não é com estratégias mediáticas que se resolvem os problemas. Como resposta às notícias de crimes violentos, designadamente assaltos a bombas de gasolina, roubos de caixas multibanco e outro tipo de assaltos, estamos a habituar-nos a assistir à mediatização de acções policiais de natureza preventiva. Como se está a verificar, não é pondo helicópteros a sobrevoar a Quinta da Fonte que se resolvem os problemas mais graves de segurança e se consegue um policiamento de proximidade que seja adequado para resolver os problemas com que o País se confronta. Não é com operações meramente mediáticas que se responde à mediatização da criminalidade violenta.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Nada temos contra as acções policiais preventivas, contra o controlo de condutores alcoolizados — não venha dizer, Sr. Ministro, que estamos a criticar essas medidas; o que criticamos é uma estratégia governamental que procura responder à mediatização dos problemas com uma estratégia mediática de promoção das forças policiais e da actividade do Governo. Não é por aí, do nosso ponto de vista, que o problema se resolve.
Termino, Sr. Presidente, colocando uma questão muito concreta.
É hoje reconhecido o erro grosseiro que foi cometido com a alteração do Código de Processo Penal relativamente ao regime da prisão preventiva — e não adianta que o Sr. Ministro diga que o PSD e o CDS também votaram com o PS; isso é verdade e nós sabemo-lo. O que era bom era que o Governo reconhecesse esse erro e que, em vez de lateralmente pretender agir por via da Lei das Armas, aceitasse enfrentar o problema onde ele deve ser enfrentado,…

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — … ou seja, corrigindo o erro grosseiro que foi cometido com a alteração do Código de Processo Penal. Deixo-lhe, pois, esta questão muito concreta.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, em relação a acções preventivas, creio que V. Ex.ª não conhece um facto elementar, que tenho de revelar-lhe: as acções preventivas são feitas em zonas e com meios decididos pelas forças de segurança. Ou pensa V. Ex.ª que sou eu que decido quais são as zonas problemáticas e os meios utilizados?! Está muito enganado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ó Sr. Ministro, fale a sério!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Quando o senhor critica o Ministro por uma acção preventiva, na realidade está a criticar as polícias.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não é verdade!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Está! Está a criticar as polícias, porque são as polícias que decidem as zonas e os meios e não o Ministro.
Em segundo lugar, quero dizer que a sua visão social das buscas é errada, porque em bairros onde há problemas — fique sabendo — a maioria dos cidadãos gosta da paz, da lei e da ordem e têm direito a que as forças de segurança estejam presentes justamente para apreenderem armas e evitarem crimes. Mas o senhor, pelos vistos, não gosta.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não seja demagogo!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Gostava ainda de lhe dizer que, para si, a segurança é um elemento de discurso, porque quando nós tomámos a iniciativa central para garantir maior coordenação, cooperação e troca de informações, através da Lei de Segurança Interna e da Lei da Organização da Investigação Criminal, registei, com desgosto, que o Sr. Deputado e o seu partido disseram que nem sequer queriam conversar, nem propor qualquer alternativa. Os senhores não querem participar nessa discussão, não querem construir algo, querem apenas criticar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Fica-lhe mal dizer isso!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Não fica, não! O que fica mal é a segurança ser para vós um elemento de discurso! Em relação ao Código de Processo Penal, quero aqui referir uma coisa muito simples: queremos resolver problemas. Não somos — com todo o respeito que tenho pelos advogados (também o sou) — um escritório de consultoria, o que queremos é resolver problemas. E o problema que, neste caso, temos é o de lutar contra a criminalidade violenta e grave, e o local próprio, em termos jurídicos, para o fazer é a Lei das Armas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso não é verdade!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — É verdade, é! Na Lei das Armas, estamos a prever a detenção de todos aqueles que sejam encontrados com armas ou que cometam crimes com armas, sejam legais ou ilegais, sejam de fogo ou não de fogo. Por isso, temos um instrumento jurídico que vai dar meios muito valiosos e muito eficazes às forças de segurança. Mostrem-se

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disponíveis e não façam uma discussão técnico-jurídica que não tem sequer qualquer sentido neste contexto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, creio que, a propósito do debate da Lei de Segurança Interna e da Lei da Organização e da Investigação Criminal, não vale a pena construir uma trincheira de luta geral contra tudo e contra todos. Há-de admitir que há outras formações políticas que, com razão ou sem ela, consideram que a coordenação das polícias e a troca de informações podem ser feitas de outro modo.
Não vale a pena, aliás, vir aqui, de uma forma agastada, censurar vários partidos da oposição porque não colaboraram noutras soluções. Devo recordar que o Sr. Ministro, quando pediu outras soluções aos partidos da oposição, já tinha decisão tomada,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — a matéria já estava na ordem de trabalhos do Conselho de Ministros, o que constituiu uma atitude de absoluta falta de ética por parte do Governo. Portanto, não vale a pena fazermos esse debate, que não está, neste momento, no centro das preocupações.
Sr. Ministro, não cometerei o erro de acompanhar uma certa manipulação da opinião pública que tem acontecido, sem subestimar a gravidade de problemas de insegurança, de traduções automáticas das leis penais e processuais penais e os vários incidentes que têm ocorrido. Também sem prejuízo de não ter de esperar muito tempo para fazer alguns ajustamentos nas leis penais, creio que o Sr. Ministro melhor iria se estivesse aberto à boa vontade de todas as bancadas, independentemente do sentido e do conteúdo das propostas de cada uma delas, não tendo de esperar por uma avaliação de conjunto, que será, porventura, necessária mas que virá tardiamente para alguns ajustamentos.
Recordo-lhe que sempre aqui defendemos a necessidade de reforço de meios, de recursos humanos e de recursos técnicos. O Governo tem de admitir que nessa matéria está atrasado, não apenas o seu Ministério, porque creio que a circunstância é mais grave do ponto de vista da investigação criminal do que, em geral, das tarefas de polícia.
Portanto, creio que há uma auto-crítica do Governo. Não vale a pena dizer somente que está a tentar recuperar os atrasos aqui ou além.
Mas queria retomar a crítica já aqui feita por várias bancadas acerca das operações mediáticas, ou chamadas como tal, de uma certa ideia de responder à mediatização de um conjunto de actos criminosos, violentos e graves com operações de cerco a não sei quantos bairros de Lisboa, de Setúbal e do Porto — aliás, com um balanço, sem desdouro para as forças de segurança, absolutamente irrisório de apreensão de armas e de outros materiais ilícitos —, deixando a ideia, absolutamente errada e estigmatizante, de que é nesses bairros que se encontra a fonte de todos os problemas, quando a questão essencial é a da investigação criminal direccionada. Aí, sim, é que podem obter-se resultados. E o Governo sabe bem disso.
Portanto, o Governo procurou responder à demagogia política de uma certa direita com uma outra demagogia, o que achamos, sinceramente, lamentável.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, em primeiro lugar, quero dizer que não houve mediatização nenhuma.

Vozes do PSD: — Não!…

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Houve acções preventivas, levadas a cabo pelas forças de segurança, que envolveram muitas centenas de elementos da polícia e que foram acompanhadas por vários

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órgãos de comunicação social, incluindo televisões, depois de terem sido desencadeadas. É óbvio que não se mantém em segredo uma operação policial que envolve centenas de elementos e que está na rua.
Em segundo lugar, Srs. Deputados, quero dizer que, se todos estão de acordo com a ideia de que a segurança tem uma parte subjectiva e uma parte objectiva, não desvalorizem a necessidade da presença policial nas ruas, junto das populações, para reforçar a autoridade e a força pública do Estado.
Sr. Deputado, queria dizer-lhe ainda, em relação à Lei de Segurança Interna e à Lei de Organização da Investigação Criminal, que eu e o Governo a que pertenço admitimos todas as opiniões. O que critico é a crítica pela crítica, o bota-abaixo, sem apresentar formulações alternativas.
Em relação a essas duas leis, queria recordar ao Sr. Deputado o seguinte: houve uma aprovação, dita na generalidade, em Conselho de Ministros, no dia seguinte à apresentação, e, depois, estivemos largas semanas a negociar…

Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.

Sr. Deputado, estivemos duas, três, quatro semanas à espera de propostas para incluir nesse esboço de leis, sem nenhum êxito, infelizmente, no que diz respeito ao seu partido.
Relativamente ao Código de Processo Penal, queria ainda dizer que, como naturalmente calculam, a sua aplicação está a ser acompanhada, no âmbito do Ministério da Justiça, por uma comissão presidida pelo Prof.
Boaventura Sousa Santos. Pela parte que respeita ao Ministério da Administração Interna, há também toda a disponibilidade, quando for feita essa avaliação, para encarar e acompanhar as alterações que se mostrem necessárias.
O que quero dizer é que nada disso serve de pretexto para não se aprovar de imediato uma alteração absolutamente indispensável para as forças de segurança fazerem frente, com maior eficácia, à criminalidade violenta e grave, à criminalidade cometida com armas de fogo e com armas em geral, porque não é só de armas de fogo que se trata.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, assistimos, em Agosto, a um verdadeiro alarme social motivado pelo incremento, pelo menos aparente, da criminalidade no nosso País. E ninguém, certamente, pode ficar indiferente ao registo de novos fenómenos criminais, de uma criminalidade violenta, com recursos a armas e até explosivos, que merecem, e exigem, uma análise séria e ponderada. Não podem, e não devem, ser negligenciados, tal como também não devem ser empolados.
Tão-pouco devemos desvalorizar os problemas, designadamente de desigualdade, de desemprego e de pobreza. São os factos de uma realidade e de uma conjuntura económica débil, a qual pode propiciar a agudização dos problemas de segurança.
Este é, certamente, um problema complexo, com múltiplas vertentes, com diferentes consequências e que merece e necessita de respostas em várias frentes. Mas, do nosso ponto de vista, merece uma atenção especial, Sr. Ministro, a situação das forças de segurança, isto é, dos meios humanos, dos agentes, dos órgãos de polícia criminal, os quais desempenham uma tarefa muito difícil a nível da prevenção e do combate à criminalidade e para quem, aliás, o Sr. Ministro dirigiu as suas primeiras palavras. Certamente, é preciso mais do que palavras.
Sr. Ministro, confirma ou não que o rumo escolhido e assumido por este Governo ao nível das forças de segurança, pelo menos em determinada altura, foi o de reforçar o investimento em meios físicos e materiais, se bem que, do nosso ponto de vista, apenas no sentido de repor aquele material que se vinha degradando ao longo dos anos, sacrificando, intencional e conscientemente — ou talvez inconscientemente —, e congelando a entrada de novos efectivos humanos? É ou não verdade que o Governo, em determinada altura, tomou esta decisão? E é verdade ou não que existem consequências claras para esta opção e para a falta de efectivos nos

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órgãos de polícia criminal, designadamente de agentes em patrulhas ou de agentes nos turnos da noite em esquadras de polícia? Este problema continua a existir, Sr. Ministro? É verdade ou não? Mais: não é possível esquecer a forma como os direitos laborais dos agentes de segurança têm sido tratados pelos governos, o que também não ajuda à situação. Questões como as da aposentação, da assistência na doença, da pura violação do direito à negociação prevista na lei sindical ou — algo tão básico — do estabelecimento de um horário de trabalho de referência continuam sem resposta.
Segundo julgo saber, existe um acordo para o Ministério da Administração Interna apresentar, até ao final deste mês, uma proposta de estatuto do pessoal da PSP que inclua, pelo menos, esta questão do horário de trabalho de referência. A pergunta é muito simples: isso vai ser cumprido, Sr. Ministro? Finalmente, Sr. Ministro, uma questão muito rápida.
Já outros partidos levantaram esta questão aqui e nós não podemos deixar de referir também a questão da mediatização.
O Sr. Ministro pode dizer que estas medidas de prevenção estavam previstas desde o início do ano, mas não deixa de ser uma extraordinária coincidência que depois da mediatização dos problemas de insegurança no nosso País é que apareça um conjunto de propostas. E não falo já das propostas do Sr. Procurador-Geral da República, falo das propostas do Ministério da Administração Interna, falo dessas rusgas que foram feitas, que não são propostas, falo da proposta relativa à Lei das Armas, falo, por exemplo, do anúncio de um aumento das verbas previstas no Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Termino já, Sr. Presidente.
Portanto, há ou não uma preocupação de imagem do Governo, de responder a uma situação que, em determinada altura, na comunicação social, aparece como muito premente? Penso que isso é óbvio, e o Governo estar a querer escamotear isto é quase ridículo.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, como já expliquei, em matéria de recrutamento não houve nenhuma interrupção. Acabou um recrutamento e desencadeámos imediatamente um novo concurso para admitir mais polícias. Não houve nenhuma interrupção. Temos feito concursos, sucessivamente e sem dilação temporal, para reforçar o efectivo policial.
Não o anunciámos à pressa, anunciámo-lo na Estratégia de Segurança para 2008.
Sr. Deputado, em relação a estas acções preventivas, basta ler a nossa Estratégia de Segurança para 2008, de que já falei aqui várias vezes. Nessa Estratégia diz-se que haverá acções preventivas e reforço com forças especiais nas zonas problemáticas. É isso mesmo que fazemos, não é coincidência, Sr. Deputado! Como certamente V. Ex.ª esperaria, quando existe aumento de criminalidade a acção policial responde com maior vigor. Seria estranho que assim não sucedesse, não é verdade? Ou acha V. Ex.ª que deveríamos encetar menos acções ou parar quando o crime está a subir — e realmente está? Não! Em relação ao Orçamento, há uma coisa que queria dizer com clareza: nunca esteve prevista, ao contrário do que um órgão de comunicação social disse, mas isso foi imediatamente desmentido, nenhuma diminuição de orçamento para o Ministério da Administração Interna. Sempre esteve previsto um aumento de orçamento nominal e de orçamento real.
Portanto, não se trata de uma resposta demagógica. Pura e simplesmente, e com espírito de responsabilidade, nunca revelei, sem ter sido aprovado pelo Governo e sem ter vindo a esta Câmara, qual é o orçamento previsto para o Ministério da Administração Interna, pois não me compete fazê-lo. Mas, para desmentir boatos infundados, disse que haveria um aumento nominal e um aumento real.
Sr. Deputado, as nossas medidas não são reactivas. Ao contrário de muitos outros que agora nos criticam, apontámos a criminalidade violenta e grave como a primeira prioridade na nossa Estratégia de Segurança para 2008. Apontámo-la, porque senão não teríamos reforçado o dispositivo, não teríamos dito que íamos construir, pelo menos, sete carreiras de tiro novas, não teríamos dito que íamos distribuir 42 000 armas de fogo de 9 mm, não teríamos dito que íamos reforçar o treino em incidentes táctico policiais e com armas de

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fogo. Esse diagnóstico foi bem feito.
Não fizemos nada reactivamente. Aquilo que fizemos, naturalmente, foi adaptar essa estratégia às realidades da criminalidade. E fizemo-lo bem, com maior presença policial, com mais «músculo», com acções preventivas, com ligação à investigação criminal — é bom não esquecer que a Polícia Judiciária fez dezenas de detenções de elementos perigosos nos últimos dias — e com uma proposta construtiva de alteração da Lei das Armas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao período de encerramento do debate.
Em primeiro lugar, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Este Verão provou que a política de V. Ex.ª falhou, e falhou em toda a linha. E V. Ex.ª, nas suas respostas, ou na ausência das suas respostas, comprovou que, efectivamente, a sua política para a administração interna falhou, e falhou em toda a linha.
Não respondeu a uma única pergunta formulada por nós.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — E dentro dessas perguntas havia propostas muito concretas, relativamente às quais nada disse.
Pior do que isso, Sr. Ministro, é o facto de não querer ver que a realidade mudou, e que mudou de uma forma substancial. E por isso falávamos deste projecto de resolução — e continuaremos a falar dele —, no sentido de retirar ao Ministério Público o espartilho da promoção da medida de coação de prisão preventiva. O Sr. Ministro não quer reconhecer que a realidade mudou e, por isso, mantém tudo na mesma, isto é, mantém o Ministério Público limitado e espartilhado na promoção da medida de coação de prisão preventiva.
O Sr. Ministro, como não tem respostas, sistematicamente faz elogios verbais às polícias. Deixe-me que lhe diga, Sr. Ministro, que as polícias não querem elogios verbais, as polícias querem meios para poder dar resposta aos problemas de criminalidade no nosso País.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — É isto que estes polícias querem, não é elogios da boca de V. Ex.ª.
Quero colocar uma outra questão, Sr. Ministro, que deriva das suas palavras.
As suas palavras resumiram o que é a sua política para a administração interna. V. Ex.ª disse, e todos nós ouvimos, que a sua política, ao longo destes meses em que está nas funções de Ministro, se resume a duas leis. Foi isto que todos nós ouvimos. Dir-lhe-ei que, numa delas, o que faz não é mais do que criar uma estrutura burocrática para «complexizar» aquilo que já é suficientemente complexo nas relações entre as várias forças e serviços de segurança e, para além disso, para governamentalizar uma estrutura policial, que é das coisas mais perigosas que pode acontecer no que diz respeito à segurança.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Tal e qual!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Ministro, seremos os últimos a partidarizar as questões relativas à segurança, e, por isso, sempre manifestámos disponibilidade para conversar e para chegarmos a acordo. Mas não para chegarmos a acordo a todo o custo, não para chegarmos a acordo em soluções relativamente às quais não tínhamos qualquer tipo de afinidades.
Sr. Ministro, para terminar, quero dizer-lhe que é sua obrigação, enquanto exercer estas funções, garantir a segurança dos portugueses. E, por isso, é nosso dever exigir-lhe que cumpra com a sua obrigação, o que, infelizmente, não tem acontecido.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate foi esclarecedor para quem quis ouvir os Srs. Deputados.
Em relação ao CDS, percebeu-se, de forma inequívoca, que o que pretende para Portugal é um Estado policial, fundamentando-se na calamidade pública que existe — das suas declarações foi isso que resultou —, e quer saber quantos mais milhares de polícias o Governo vai contratar.
Nós não queremos um Estado policial, queremos segurança, porque estamos conscientes que um Estado policial compromete a liberdade. Disso os senhores gostavam, mas não é esse o nosso caminho.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Percebemos que é ideológica a posição securitária que o CDS sempre assumiu nesta Casa. Mas o que verdadeiramente nos admira é que, sendo esta uma questão de Estado, uma questão de soberania, uma questão importante para o País, o PSD tenha alinhado nesse esquema de facilitismo e de questões facilitistas.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Já não surpreende!

Protestos do PSD.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não estávamos habituados, mas ficámos a saber que, para o PSD, a resposta à questão da segurança — anunciada há cinco minutos atrás — é a Lei-Quadro do Sistema Prisional.
Essa é a resposta do PSD para a segurança do País.

Vozes do PSD: — Uma das respostas!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Foi a resposta que os senhores apresentaram.
As outras propostas do PSD estavam contidas nas perguntas do Deputado Fernando Negrão, ou seja, ninguém percebeu. As perguntas, afinal, eram propostas — foi isso que ficámos a saber.
Sr. Deputado Fernando Negrão, quanto à posição do PSD e à forma de negociar, devo dizer-lhe com toda a frontalidade que me parece que se deve qualificar a posição do PSD como de reserva mental.
Na verdade, em todas as negociações que temos tido com o PSD, os senhores aparecem com «pés de lã», vão muito bem, mas depois, chegados a uma certa altura, fogem. Mesmo com acordos assinados, com tudo como deve ser, não vale de nada, o PSD não é responsável e não quer acordo com ninguém.
Tenhamos juízo, isto é, os senhores têm de ser responsáveis. Quando fizerem uma proposta ao Partido Socialista assumam as consequências, tal como o que foi votado em relação ao Código Penal e ao Código de Processo Penal. Muitas das propostas que hoje vigoram sobre a prisão preventiva — não vale a pena divulgar quais, elas são conhecidas — fizeram parte das propostas que o PSD apresentou quando V. Ex.ª, Sr.
Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, era Secretário de Estado da Justiça. Se não fossemos nós a introduzir o regime dos crimes violentos e outras coisas, tínhamos ficado com um regime de prisão preventiva completamente absurdo.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Concluo já, Sr. Presidente.
O PCP, que tanto gosta da Constituição, esquece-se do que ela diz sobre a prisão preventiva. A Constituição diz que a prisão preventiva é uma medida excepcional, verdadeiramente excepcional. E tem de ser uma medida excepcional! Vivemos ou não num Estado de direito?! O que é que pretende o PCP?

Protestos do PCP.

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Banalizar a prisão preventiva? Também não vamos por aí.
Por isso, Sr. Ministro, o Governo vai no caminho certo. Sabemos do problema que temos, mas o Governo tem uma resposta que é e vai ser eficaz para a segurança do País.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No final do debate, percebe-se porque é que o Partido Socialista, com a habitual confusão entre maioria absoluta e poder absoluto, fez tudo, mas mesmo tudo, para que o Sr. Ministro da Administração Interna não pudesse vir atempadamente ao Parlamento prestar declarações.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil (José Miguel Medeiros): - Isso é mentira!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Ministro, V. Ex.ª, perdeu uma oportunidade única de vir aqui dizer mais do que aquilo que os portugueses já sabem.
V. Ex.ª disse que confia nas forças de segurança portuguesas. Era o que mais faltava que não confiasse! Por sinal, já houve um ministro socialista que dizia até que «esta não é a minha polícia», mas V. Ex.ª, pelo menos, teve esse recato e cuidado.
Mas o que as forças de segurança e os portugueses queriam que o Sr. Ministro hoje aqui anunciasse, ao invés de — como sempre — desvalorizar os crimes, dizer que está tudo bem, omitir factos e até insultar quem denuncia, é que não vai haver esquadras em que cidadãos que queiram fazer queixa, quando pensam que estão protegidos, sejam baleados. O que os portugueses e as forças de segurança queriam, mais do que palavras de conforto, é que os carros não estivessem parados e pudessem circular para cumprirem as suas funções. Era isso que as forças de segurança queriam, era isso que os portugueses esperavam de V. Ex.ª e não foi isso que aqui veio dizer.
Sr. Ministro, em abono do rigor intelectual, digo-lhe mais: primeiro, o Sr. Ministro tenta enganar-se a si próprio, depois, engana este Parlamento e, depois, virando-se para a bancada da comunicação social, apresenta sempre números de polícias.
Pois eu apresento-lhe este quadro que lhe mostro: em 2004, 46 066 efectivos, entre a GNR e a PSP; em 2007 (segundo os últimos números que o seu Ministério nos forneceu), 45 995. Sr. Ministro, estamos conversados!

Vozes do CDS-PP: — Está a ver, Sr. Ministro?!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Disse também que, em 2004, a criminalidade era mais violenta. Pois eu informo-o — para se ser Ministro da Administração Interna é preciso ler-se o relatório de segurança interna: casos de carjacking, em 2004, 178; em 2007, 488; no primeiro semestre de 2008, 307. É esta a menor criminalidade que V. Ex.ª veio aqui anunciar?! É preciso ser-se rigoroso nesta matéria! E porque se trata de uma matéria para nós essencial, quero ainda dizer-lhe o seguinte: Sr. Ministro, V. Ex.ª já disse várias vezes que o CDS-PP apoiou a proposta do Partido Socialista em matéria de prisão preventiva.
Pois eu, através de V. Ex.ª, Sr. Presidente, gostaria de lhe oferecer o anteprojecto da então ministra Celeste Cardona que, no artigo 202.º, aplicava prisão preventiva…

Vozes do PCP e do BE: — Votaram a favor!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Tenham calma, Srs. Deputados.
Como dizia, esse anteprojecto aplicava prisão preventiva a todos os crimes puníveis com mais de 3 anos.
E, já agora, Sr. Deputado Bernardino Soares, já que está tão excitado, ofereço-lhe com gosto — e se quiser com um autógrafo — o projecto de lei n.º 368/X, do CDS-PP, cujo artigo 202.º mantinha a prisão

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efectiva em todos os crimes puníveis com mais de 3 anos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Pois é!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Para terminar, Sr. Presidente, e porque a verdade em política é importante e na segurança ainda mais, digo-lhe também, Sr. Ministro, que esperava mais de V. Ex.ª. Esperava que o Governo não continuasse a negar o evidente, esperava que o Governo desse hoje resposta aos portugueses. Era isto que os portugueses esperavam de si, foi essa a oportunidade que o CDS lhe deu, foi essa a oportunidade que V. Ex.ª desperdiçou.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, há uma questão muito concreta que convinha ficar esclarecida. Quando o Sr. Ministro foi à Grande Entrevista, na RTP, para acorrer a uma situação de alarme social que se criou com a ocorrência de vários crimes violentos, reconheceu que havia um problema com a prisão preventiva. Aliás, o Sr. Secretário de Estado José Magalhães tinha-o reconhecido no dia anterior,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — São águas passadas!

O Sr. António Filipe (PCP): — … criando até um pequeno qui pro quo com o Ministério da Justiça. Mas esse é um problema que o Governo resolverá, se quiser.
Mas o Sr. Ministro reconheceu que havia um problema com a prisão preventiva. Esse problema decorria, obviamente — toda a gente o dizia —, das alterações que foram introduzidas ao Código de Processo Penal — o Sr. Ministro até disse várias vezes que foram votadas pelo PS, pelo PSD e pelo CDS…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Cá está o CDS!…

O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, o Sr. Ministro, reconhecendo que havia um problema e que a alteração da moldura penal, segundo a qual se deveria aplicar a prisão preventiva, passou de crimes com uma moldura penal até 3 anos para crimes com uma moldura penal até 5 anos, anunciou nesse programa que o Governo ia resolver esse problema propondo uma alteração à Lei das Armas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. António Filipe (PCP): — Para tranquilizar o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, quero dizer-lhe que não creio que o Governo vá propor uma revisão constitucional em matéria de prisão preventiva por via da alteração da Lei das Armas, mas a questão é que, do nosso ponto de vista, não se altera o Código de Processo Penal, não se altera a lei de prioridades da política criminal, através da qual o Governo pretendeu, a todo o custo, evitar a prisão preventiva, alterando a Lei das Armas.
Sr. Ministro, estes assuntos têm de ser tratados com seriedade e, repito, não se altera o Código de Processo Penal, não se altera a lei de prioridades da política criminal, alterando a Lei das Armas, porque se não pergunto-lhe se o Sr. Ministro quer revogar disposições do Código de Processo Penal por via de um diploma completamente diferente como é a Lei das Armas.
O regime da prisão preventiva não se define na Lei das Armas, Sr. Ministro! E o Governo não pode brincar com estas coisas só para não dar o braço a torcer e não querer perder a face.
Sr. Ministro, já se cometeram muitas irresponsabilidades em matéria de legislação processual penal. Não queira agora o Governo obrigar esta Assembleia a cometer mais uma. É este o apelo que aqui deixo, ou seja,

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que o Governo reconheça que errou e aceite alterar o Código de Processo Penal em matéria de prisão preventiva.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, creio que o único sorriso que leva deste debate é o facto de o CDS ter de explicar as suas votações e de o PSD nem sequer ter conseguido falar da sua demissão, como sugeriu.
Deixaram isso para ulterior oportunidade.

Protestos do PSD.

Mas quanto ao mais, houve o pacto de justiça, houve também votações muito incoerentes por parte do Partido Social Democrata e, portanto, são estes vasos comunicantes entre o Partido Socialista e as direitas que, realmente, invalidam posições que tenham coerência e que sejam claramente compreensíveis pela opinião pública.
Cada um arranja o seu refúgio: o PSD, agora, arranjou a lei de política criminal; o CDS arranjou uma outra coisa…

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna: — Não foi isso que foi dito!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Quanto às questões substanciais, Sr. Ministro, não é possível chegar a este debate, na Assembleia da República, e dizer que nunca esteve previsto o congelamento da admissão de agentes da PSP. Não é possível dizer que houve uma campanha de recrutamento a que imediatamente se seguiu outra! Não pode dizer isso! Há que reconhecer, há que dar o braço a torcer, fazer autocrítica, porque foram criticados, e justamente, por todas as bancadas da oposição. Esse plano não fazia qualquer sentido e se vamos inverter alguns aspectos na política de segurança é preciso, hoje, assumir isso aqui.
Uma outra questão, que roça até o risível, Sr. Ministro — permita-me que lhe diga assim: não me venha dizer que as populações dos chamados bairros problemáticos adoraram as suas operações preventivas! Não, o que elas adoram é a polícia de proximidade — que não têm —…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … é a mediação — que não há —…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um helicóptero não é proximidade!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Fechar todas as entradas e saídas de um bairro, vasculhar tudo, entrar em não sei quantos domicílios… Não me diga que as pessoas adoram as suas operações preventivas! Com que resultados? Para quê? Não consegue chegar hoje ao Parlamento e dar uma explicação satisfatória.
O número de armas apreendidas, em não sei quantas operações, é francamente baixo. Sr. Ministro, não é esse o caminho; o caminho é o da investigação selectiva, é procurar verdadeiramente os grupos de delinquentes e não estigmatizar ainda mais bairros ditos problemáticos onde já há imensos problemas sociais para resolver. Todos nós, hoje, porventura, fazemos uma crítica profunda ao tipo de urbanismo que permitiu gerar esses bairros, que são verdadeiros guetos.
Mas, cercar esses bairros, que se quer transformar em guetos, com helicópteros, com operações policiais, é verdadeiramente uma afronta a uma polícia democrática e a uma orientação geral de um Estado de direito democrático.
E isso foi para quê? Foi para correr, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, a calar a boca àqueles que têm impulsos securitários.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro veio aqui demonstrar que para marcar pontos tem, necessariamente, de comparar as suas políticas com as do governo que o antecedeu, recusando-se a responder pelas suas políticas e pelas deste Governo.
O que é certo é que ocorre uma onda de crimes, de novos fenómenos criminais ou de agravamento de novos fenómenos criminais e de mediatização dos mesmos e o Governo, infelizmente, do nosso ponto de vista, demonstrou ser um Governo mais preocupado com a imagem, porque logo se apressou a decidir, a tomar medidas e a acorrer ao problema lançando rusgas, operações policiais mediatizadas, uma alteração legislativa pontual — à Lei das Armas (já lá irei) —, para mexer numa medida de coacção: a prisão preventiva.
Isto, do nosso ponto de vista, é preocupante.
O Governo não está, aparentemente, empenhado em resolver, de facto, a questão, porque, senão, não agia apenas por impulso quando pressionado pela comunicação social. Se o Governo procurasse compreender o problema na sua total dimensão, nas suas origens socioeconómicas, nas suas realidades e dinâmicas sociais, já há muito tempo que teria agido, e em diferentes campos: no plano social, no plano prisional e no da ressocialização, no plano da segurança, designadamente escutando as forças policiais e atendendo às suas reais necessidades. Mas não foi isto que aconteceu. O Governo «deixou o barco à deriva», deixou a situação agudizar-se e, agora, vem com «remendos».
No que toca, muito concretamente, à prisão preventiva, gostaria de dizer que é preciso muito mais do que introduzir uma alteração extravagante na Lei das Armas, que é o que o Governo já fez ou se está a preparar para fazer.
A prisão preventiva não é um instituto jurídico isolado. Sendo a mais pesada, é apenas uma das diferentes medidas de coação previstas no Código de Processo Penal. Este é sua a sede, é a sua casa. É aqui que a prisão preventiva encontra o seu enquadramento jurídico, no respeito pelos princípios constitucionais previstos.
Uma alteração avulsa e extravagante pode servir para aceder a uma emergência mediática, mas não nos parece que seja, neste caso, a melhor opção a médio e a longo prazo. Não é sério, não é responsável e não vai resolver o problema da insegurança. Quando muito, vai resolver unicamente o problema da imagem do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Curiosamente, as questões que levantei em relação aos direitos laborais dos agentes das forças de segurança não tiveram qualquer resposta da parte do Sr. Ministro. Talvez considere que não é este o espaço para discutir essas matérias.
Finalmente, em relação ao número de agentes e admissões, o Sr. Ministro limitou-se, mais uma vez, a fazer comparações entre o anterior e o seu Governo. Infelizmente, volta a não assumir a sua política e que houve um momento em que o Governo disse: «Vamos, conscientemente, congelar as admissões de agentes e canalizar esse investimento para meios técnicos e materiais!» O Governo disse isto e, na altura, foi criticado.
Pode não aceitar essa crítica, mas esta foi uma postura assumida, o que, do nosso ponto de vista, teve consequências.
O Sr. Ministro também não comentou as situações de carência de agentes neste momento nem referiu quando estarão supridas, porque uma coisa é anunciar o número de agentes e mesmo o número de armas, outra é saber quando é que esse processo, que é faseado no tempo, estará satisfeito.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de concluir este debate, dizendo uma coisa muito simples. Creio que alguém falhou gravemente em matéria de segurança interna nos últimos tempos. Foram aqueles que só sabem criticar para destruir,…

Risos do Deputado do PSD Hugo Velosa.

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… aqueles que não apoiam as forças de segurança e as suas acções, aqueles que nunca têm ideias nem apresentam propostas,…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Isso é uma fuga em frente!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … aqueles que não têm políticas e andam sempre aos ziguezagues.
E quem falhou gravemente não foi o Governo,…

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Não!…

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … não foi o Ministro da Administração Interna…

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Não!…

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … e não foram as forças de segurança.
Não foram, porque têm uma política coerente, assente na segurança comunitária, no policiamento de proximidade, na protecção das vítimas, no controlo de fontes de perigo e no recurso às novas tecnologias.
Não falharam, porque têm uma estratégia sem contradições, de reforço do dispositivo em meios humanos e materiais. Sim, em meios humanos! Não perdemos um minuto a abrir novas admissões —,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Claro!… Expulsaram!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … está previsto um reforço de investimento nas forças de segurança para o dobro até 2012, em novas instalações, viaturas e meios.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Onde é que o senhor estava no Verão de 2008?

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Não falharam porque se apostou no reforço do treino e formação, em particular com armas de fogo e em incidentes táctico-policiais, e na abertura de novos postos mistos de fronteiras para combater a criminalidade grave transnacional; porque se criou o inquérito à vitimação para se saber o que pensam e precisam os portugueses e um observatório de delinquência juvenil para prevenir a criminalidade do futuro; porque se fez a reforma da segurança privada; porque se fez a reforma das policias municipais para facilitar a sua criação;…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Nada disso resultou! Extraordinário!…

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … porque se lançou a celebração de contratos locais de segurança; porque se estão a melhorar as condições socioprofissionais dos polícias. Sim, estão a melhorar, porque foi celebrado um pacto com todas as associações sindicais e socioprofissionais para se contemplarem as principais reivindicações que são justas e a que o Governo pode atender.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — No fim de 2008, veremos se as nossas medidas foram cumpridas, porque foram apresentadas no início deste ano. Todos os Srs. Deputados poderão ver, com seriedade, se as medidas que nos propusemos atingir no relatório de segurança interna do ano passado foram ou não cumpridas.
Queria também dizer que o reforço das acções preventivas que levámos a cabo foi uma medida adequada e correcta para responder à criminalidade. Essas acções preventivas afirmaram a autoridade do Estado, a força pública da polícia, repuseram os níveis de segurança, preveniram a criminalidade. Não vale a pena tentar menosprezá-las ou confundi-las com acções mediáticas, porque o povo português não acredita nisso.

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Vozes do PSD e do PCP: — Não!…

O Sr. Ministro da Administração Interna: — E essas acções serão tão mais úteis quanto é certo que são ligadas à investigação criminal. Em muitos dos casos, foram abertos novos processo de inquérito graças a essas acções.
Continuaremos a considerar que cada crime é um crime a mais! Continuaremos, com o apoio das nossas forças de segurança, a garantir mais segurança aos portugueses e a combater a criminalidade, a começar pela criminalidade violenta e grave.
Termino como comecei: conto com a boa colaboração de todos os Srs. Deputados desta Assembleia para prosseguir esse combate!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminado este debate, passamos a um outro debate, requerido pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, sobre os recentes acontecimentos ocorridos no Cáucaso e a consequente realização do Conselho Extraordinário da União Europeia.
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com muito gosto que aqui estou, em representação do Governo, para dar os esclarecimentos que a Câmara entenda receber relativamente à crise que, no início do mês de Agosto, se desencadeou entre a Geórgia e a Rússia.
Trata-se de uma crise que teve grande repercussão internacional e que suscitou grande inquietação no seio da União Europeia e também da Aliança Atlântica, tendo por isso, ao longo do último mês, havido uma extensa e intensa actividade política e diplomática no sentido de superar essa situação de crise de grande amplitude.
A Presidência francesa reagiu rapidamente em nome da União Europeia e creio que pôde estabelecer um conjunto de condições que referenciaram a União Europeia como um actor capaz de agir no plano internacional, independentemente das condicionantes institucionais que não deixam de assinalar a forma como a União Europeia desenvolve hoje a sua política externa. Foi evidente e sentida a falta das instituições previstas no Tratado de Lisboa neste domínio e creio que, também nessa perspectiva, essa situação ajudou a reforçar o entendimento de que a União Europeia necessita urgentemente de instituições que lhe permitam responder a situações de crise de uma forma mais eficiente e capaz.
De qualquer modo, como disse, a Presidência francesa reagiu com rapidez, conseguindo, logo no dia 12 de Agosto, cinco dias depois do início das hostilidades, um acordo de cessar-fogo em seis pontos. O acordo estabelecia um princípio de cessação de hostilidades, de retirada das forças da Geórgia e das forças russas para onde se encontravam no início dos conflitos, o estabelecimento de um mecanismo internacional que tem suscitado algumas dificuldades de implementação — ainda ontem, grande parte do debate que ocorreu em Moscovo, intermediado pela Presidência francesa e pelo Presidente da Comissão, foi resultante, especificamente, desse ponto cinco do acordo — e a perspectiva de uma discussão internacional sobre os estatutos futuros da Ossétia e da Abecásia.
Este acordo de seis pontos foi objecto de uma particular atenção do Conselho de Assuntos Gerais que, convocado de emergência pela Presidência francesa, reuniu em Bruxelas, no passado dia 13 de Agosto, e também do Conselho da Aliança Atlântica, também reunido em Bruxelas, logo na semana seguinte, debruçando-se sobre o acordo e evidenciando, como todos sabemos já, uma linha de divisão, seja no Conselho da União seja no Conselho da Aliança, relativamente à forma como se devem enquadrar, no futuro, as relações com a Rússia face a este conflito.
Essa divisão suscitou momentos de tensão no seio do Conselho da União Europeia e no seio do Conselho da Aliança, mas o instinto de coesão e de unidade na União Europeia e na NATO prevaleceram e as conclusões, quer do Conselho de Assuntos Gerais, quer do Conselho da União Europeia, quer, posteriormente, no dia 1 de Setembro, do Conselho Europeu, definiram orientações que exprimem, no

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essencial, aquela que foi sempre a posição portuguesa, desde o início desta crise: uma posição favorável à diminuição das tensões naquela região, impedindo uma escalada de confrontação e de violência que põe em causa, a prazo, do nosso ponto de vista, as condições de estabilidade na Europa; uma posição, simultaneamente, de firmeza e construtiva, em torno da qual era absolutamente indispensável garantir a unidade e a coesão do Conselho; uma posição firme relativamente aos princípios e ao reconhecimento de uma desproporção na acção de como a Rússia reagiu aos conflitos, mas ao mesmo tempo uma posição construtiva no que diz respeito ao enquadramento das relações entre a União Europeia e a Rússia, na perspectiva do desenvolvimento e do aprofundamento do modelo de cooperação que tem vindo a ser desenvolvido sustentadamente, ao longo da última década, entre as várias instâncias da União Europeia e a Rússia.
Essa foi a posição que a Presidência francesa procurou exercer e, nesse contexto, sempre a apoiámos e continuamos a apoiar, no sentido de que possa garantir a coesão mínima no Conselho e dar alguma consistência, coerência e capacidade de intervenção à União Europeia no desenvolvimento desta crise, não apenas na estabilização da região, mas também, e sobretudo, no tratamento e no desenvolvimento das relações futuras entre a União Europeia e a Rússia.
Dado o curto espaço de tempo de que disponho para intervir, fico naturalmente à vossa disposição para responder às questões que entenderem colocar. Ouvirei com atenção as intervenções dos diferentes grupos parlamentares e terei também oportunidade, na Comissão de Negócios Estrangeiros, na próxima semana, de responder mais detalhadamente a todas as dúvidas, inquietações e interrogações dos Srs. Deputados relativamente ao desenvolvimento desta crise que se desenrolou ao longo deste último mês.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro disporá ainda de tempo para intervir no período de encerramento deste debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: Quando solicitámos este debate, entendemos que ele tinha toda a razão de ser e toda a importância. Estamos aqui a discutir o futuro da Europa, a paz na região onde nos inserimos e muito do que pode ser contributivo para a paz em geral, que almejamos que seja duradoura entre os povos. Infelizmente, não tem sido essa a realidade do mundo. Temos caminhado para um mundo cada vez mais perigoso e conflituoso.
Seguramente, a União Europeia agiu com presteza, procurando o cessar-fogo, que era a expectativa geral.
Verificamos que, com alguma sinuosidade, isso foi alcançado. Dificuldades de tradução, de entendimento de textos manifestam uma diplomacia difícil. Interrogo-me até o que o Conselho Extraordinário terá discutido a esse propósito, com leituras tão ambivalentes do mesmo texto.
Mas a questão era a do cessar-fogo e de procurar uma saída negociada. Era isso que se esperava e é isso que se espera, ainda que esteja em desenvolvimento.
Na verdade, criticamos a posição da Federação Russa, condenamo-la, mas temos de ter em atenção a aventura da Geórgia. A Federação Russa utilizou, a par e passo e um a um, todo o argumentário da doutrina Bush. Ora, creio que esta matéria não nos é indiferente do ponto de vista da análise da política internacional e da procura de caminhos de paz, porque usou, repito, um a um, todos os argumentos da doutrina Bush. Haja também em vista a situação do Iraque, a situação do Kosovo, etc.
Sei que o Governo português, embora não tenha condenado a independência unilateral do Kosovo, não a reconheceu.
Parece-me difícil que se possa utilizar, neste momento, uma condenação da parte da União Europeia para a situação similar na Ossétia do Sul e na Abecásia, embora, em geral, considere que não devam ser reconhecidas as respectivas independências enquanto não houver uma solução internacional para um direito de secessão, de autodeterminação, em circunstâncias muito particulares. É que o valor primacial a defender é o da paz e há que encontrar caminhos nessas circunstâncias extremamente difíceis para processos de autodeterminação que não podem ter um simplismo como teve o do Kosovo.
Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, pergunto-lhe sobre a coerência do nosso Governo. É

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que, na verdade, manifestou alguma prudência no que respeita à situação do Kosovo, está, neste momento, a instar para uma solução pacífica e para a abertura de um processo no âmbito da União Europeia que debata o estatuto daqueles territórios e tem mantido a defesa da integridade territorial dos estados como ponto de partida para este processo. Mas diga-nos se a posição portuguesa de seguir acriticamente o que tem sido a expansão das fronteiras da NATO para as fronteiras da Federação Russa e do apoio à instalação de meios militares e de outros meios logísticos na fronteira da Federação Russa tem algo a ver com um caminho negociado de distensão na Europa. É claro, compreensível e é realismo entender que, independentemente da posição relativa dos vários estados neste contexto, à Federação Russa não lhe agrade que, nas suas fronteiras, seja estabelecida uma aliança militar e que sejam implantados dispositivos militares de largo alcance, que considera, normalmente, como uma ameaça ao seu território. Mais: que considera como uma ameaça ao seu estatuto na política internacional.
Ora, há aqui também um equívoco e um contraste, uma ambivalência, por parte de vários estados europeus: na União Europeia procura-se um caminho de negociação e de diálogo e, ao mesmo tempo, na NATO — e Portugal é membro integrante das suas estruturas — segue-se um caminho que pouco parece ter a ver com esse apaziguamento, mas sim com a clivagem ainda maior das diferenças em relação à Federação Russa e à necessidade de uma distensão no espaço europeu.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar das dificuldades que o Sr. Ministro aqui trouxe à colação, dificuldades institucionais de funcionamento da União, designadamente no que diz respeito à sua política externa e de segurança comum, a verdade é que o Parlamento deve realçar o papel determinante e a forma como contribuiu para a resolução desta crise.
Foram evitados excessos, que alguns defendiam, mas não deixou de se actuar com firmeza. A reacção da Rússia e a acção militar da Geórgia foi condenada e é inaceitável por desproporcionada.
Mas é preciso dizer que tudo aponta também, obviamente, para um indesculpável erro da Geórgia, que iniciou acções militares irresponsáveis e de trágicas consequências.
Como também é inaceitável o reconhecimento unilateral da independência da Ossétia do Sul e da Abecásia pela Rússia, agravado ontem mesmo, como o Sr. Ministro bem sabe, por declarações do seu congénere russo, no sentido de que iriam encetar relações diplomáticas com os dois territórios — «países», certamente, na linguagem russa — e com a afirmação da manutenção de um número importante de forças (mais de 7 000 homens) nos dois territórios.
Como o Sr. Ministro bem disse, continua a tratar-se de uma situação sensível e perigosa, a exigir um esforço de contenção e de consenso a favor da estabilidade e da paz. Como alguém já disse, não se evita a Guerra Fria com uma guerra tout court; não é método de evitar a Guerra Fria. Uma solução de estabilidade e de paz só se atinge com os princípios do direito internacional por todos respeitados.
Mas é também preciso afirmar, como o Sr. Ministro deixou pelo menos subentendido, que não há alternativa real para a paz e para a estabilidade na Europa a uma relação de cooperação estável com a Rússia baseada na confiança, no diálogo e no respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e da OSCE.
Decisões precipitadas podem ter custos gravosos para a segurança europeia. Refiro-me a alguns afloramentos da intervenção do Sr. Deputado Luís Fazenda sobre ideias de imediato alargamento da NATO ao flanco sul da Rússia. Penso que é preciso ter cuidado com isso. Não conheço nenhuma decisão recente da NATO nesse sentido, conheço apenas ideias de pessoas nesse sentido.
Ganharam por agora — sublinho, por agora — todos os que defendiam uma política de não confrontação, mas os próximos meses não são isentos de dificuldades, sendo decisivos para o futuro da paz e da estabilidade na região e na Europa.
Como disse, ontem mesmo, o Presidente em exercício da União, o acordo a que se chegou não significa a resolução de todos os problemas futuros, mas apenas a consolidação e a concretização com datas, como fez questão de afirmar, para os acordos assinados e que constituem os seis pontos do acordo estabelecido em Agosto. Ontem apenas se fez o que era possível, pois os problemas existem há muitos anos e não encontram solução global em poucas horas. Talvez possa ficar de emenda e de lição para a Europa não deixar arrastar conflitos que têm um potencial em si de, de repente, poder ter forças expansivas no sentido de acções

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militares.
Sr. Ministro, termino, dizendo que a Europa se afirmou como força de estabilidade e de paz e como parceiro privilegiado da Rússia, mas penso que V. Ex.ª tem razões para estar orgulhoso pelo trabalho feito e pelas posições de sensatez e de contenção tomadas pelo Governo português em todo o desenvolvimento desta crise e nos seus antecedentes mais próximos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, é para nós claro e objectivo que, no passado dia 8 de Agosto, depois de um processo de crescente tensão, a Geórgia avançou sobre a capital da Ossétia do Sul com o pretexto de restaurar a ordem constitucional na região.
Também é para nós factual que a Rússia respondeu, enviando as suas tropas, com o argumento de protecção aos cidadãos russos e, ao terceiro dia da sua ofensiva, bombardeou a capital da Geórgia de forma desproporcionada, como aliás foi reconhecido nas conclusões do Conselho Europeu do passado dia 1 de Setembro.
Desses dias ficaram-nos as terríveis imagens do sofrimento de civis, das vítimas da violência dos bombardeamentos e de uma guerra que exacerbou as assimetrias do mundo actual.
É que ao mesmo tempo, do outro lado do mundo, estava a dar-se início aos Jogos Olímpicos.
Logo se ouviram vozes, como o Sr. Ministro teve ocasião de dizer, a condenar a acção militar e a pedir o fim do conflito. Foi o caso da União Europeia e o caso da NATO, que pediram o fim imediato do conflito armado, mas também o caso do Conselho de Segurança da ONU, que manifestou a sua inquietação pelo agravamento da situação. Os Estados Unidos da América vieram também pedir o fim imediato dos combates e o início das discussões directas entre as partes beligerantes.
Mas a verdade, Sr. Ministro, é que os combates duraram seis dias e provocaram 40 000 refugiados e 2000 mortos e o mundo tomou consciência de quão instável é o sistema internacional, ainda à procura de preencher vazios não devidamente colmatados depois do período da Guerra Fria.
É de justiça realçar o papel da União Europeia como mediador credível neste conflito e, em particular, o empenhamento pessoal e bem evidente do seu presidente em exercício, o Presidente francês, Sarkozy, que traduz a preocupação da paz e da segurança de todos nós, europeus.
Esta crise veio pôr ainda mais a nu o momento delicado e de grande responsabilidade por que passa a União Europeia. E aqui comungamos da preocupação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros no sentido da ausência da ratificação do Tratado de Lisboa. Com esta ausência da ratificação do Tratado, que lhe daria outros instrumentos e outros apetrechos institucionais, a União Europeia viu-se a braços com um conflito na Europa e a precisar de dar uma resposta concreta e de grande coesão.
É certo que se podemos dizer hoje que, se não tivesse havido o «não» no referendo irlandês, a União Europeia teria uma voz ainda mais forte e estaria mais bem preparada para enfrentar esta crise, também não é menos verdade que não pode desperdiçar esta oportunidade para se afirmar como um actor de corpo inteiro no panorama internacional, como tem feito.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Assim, apoiamos vivamente os esforços diplomáticos que têm sido feitos, quer pelo Presidente da União Europeia em exercício, quer pelo Presidente da Comissão Europeia, Dr. Durão Barroso, no sentido de encontrar uma solução pacífica que passe por um respeito efectivo dos compromissos assumidos pela Rússia quanto à retirada das suas forças e pelos princípios consagrados na Acta Final de Helsínquia, que subscreveu e que impõe a inviolabilidade das fronteiras e a integridade territorial dos seus Estados-membros.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — A União Europeia não pode ceder a quaisquer manobras de força que pretendam diminuir a sua capacidade ou autonomia de decisão, especialmente numa região que se torna tão vital pela importância geopolítica que tem, pela dependência energética que hoje existe em relação à Rússia e por ser a única alternativa a essa dependência total da Rússia.
Por outro lado, não devemos caminhar para uma nova época de Guerra Fria, com a bipolarização e fractura do sistema internacional. A aposta tem de ser cada vez mais no multilateralismo e na solução pacífica dos diferendos internacionais.
É neste contexto que entendemos a importância também da OSCE e da NATO nesta crise, como organizações garantes da paz e da segurança.
Permita-me, Sr. Ministro, recordar que o PSD alertou, na devida altura, para o precedente que foi aberto pela declaração de independência do Kosovo, dando agora à Rússia uma grande justificação para as suas acções no Cáucaso. Ainda bem que o Governo português decidiu acompanhar as recomendações de prudência do Sr. Presidente da República, não cometendo o erro de se precipitar, como outros, no reconhecimento dessa situação.
Aproveito esta oportunidade, Sr. Ministro, para perguntar qual é a posição do Governo português perante a possibilidade de a Geórgia e de a Ucrânia, uma vez preenchidos os necessários requisitos, como é evidente, entrarem na NATO e na União Europeia.
A terminar, gostaria de reforçar que o PSD tem uma posição de Estado de reconhecer a delicadeza da situação e que acompanha o Governo na tomada de posição que teve sobre o conflito. O bom senso e a razão devem sempre imperar, ainda mais quando se está, como acreditamos, perante uma das mais graves crises, senão mesmo a mais grave, desde o fim da Guerra Fria.
Da nossa parte, o Governo terá uma colaboração responsável e uma atitude séria, tendo sempre como fundo, como objectivo, a paz mundial e o bem de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como é natural, a nossa primeira palavra neste debate é para lamentar a situação que foi criada durante o passado mês de Agosto e para salientar a posição firme, enérgica e eficaz que, desde logo, foi assumida pela Presidência francesa da União Europeia, sendo evidentemente de realçar, em especial, o papel do Presidente Sarkozy. O acordo dos seis pontos e o respectivo plano de retirada vão fazendo o seu caminho e, se hoje não estamos numa situação mais complicada, muito se deve ao trabalho da Presidência francesa e, como é óbvio, ao do dos restantes Estados que compõem a União Europeia, como o Estado português.
Em relação a esta matéria, quero levantar um conjunto de questões, umas que têm a ver com o presente e outras com o futuro.
A primeira é a da qualificação. Pode parecer uma questão neutra, mas a referência a esta situação como uma nova Guerra Fria, na opinião do CDS, constitui um erro. Não se pode comparar situações de combate ideológico com situações que se referem ao relacionamento entre Estados; não é possível comparar uma situação de exportação de modelos de natureza política e ideológica com aquela que hoje sucede. Eu diria que há uma grande diferença entre as questões relativas a sovietes e as relativas a czares.
Por isso mesmo, Sr. Ministro, gostaríamos de saber também qual a opinião do Governo em relação a este modo de qualificação e às consequências que o mesmo pode vir a ter.
Por outro lado, há um conjunto de questões que se levantam para o futuro e para o relacionamento da Europa com a Rússia.
Em primeiro lugar, a questão do terrorismo, onde tem sido claro o princípio de cooperação entre os diferentes Estados e a inclusão, nesse mesmo esforço, da Federação Russa em relação a fenómenos que têm de ser de combate global.
Em segundo lugar, o problema nuclear e a questão do Irão e da importância que a mesma pode ter no modo como a União Europeia se vai relacionar com a Federação Russa. Isto porque não nos podemos

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esquecer que entre os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas está precisamente a Rússia, que tem tido uma importância essencial em todas as negociações estabelecidas relativamente a esta matéria.
Em terceiro lugar, a questão do Afeganistão. Neste momento, existe uma operação que está a ser realizada nesta zona do globo e sabemos bem da importância da posição da Rússia em relação a esta matéria.
Assim, questionamos se todos estes elementos — quer o do combate ao terrorismo, quer o do Irão, quer a questão do Afeganistão — não têm que ser tidos como patamares essenciais em todo o relacionamento futuro e em todo o tratamento da questão do Cáucaso.
Por fim, a questão da Ucrânia. É conhecida a instabilidade que se vive, neste momento, no plano político, neste território, é sabida a sensibilidade da mesma, porque, como é evidente, é diferente o grau das questões quando envolvem a Geórgia ou quando envolvem a Ucrânia, e sabe-se também que a importância estratégica da Ucrânia é grande, até no plano do mercado energético. Por isso, Sr. Ministro, gostaria de saber de que modo vê o Governo português uma tentativa de enquadrar a Ucrânia no mercado energético, como alternativa a algumas das dependências que hoje se vão vivendo.
Também parece claro que toda esta questão, apesar de alguma celeridade naquele que foi o posicionamento da União Europeia, ainda demonstra alguns dos problemas da União Europeia, neste momento, fundamentalmente em relação à sua política de defesa. E, por isso, gostava que me dissesse se não considera que um dos caminhos a seguir deverá ser o de estreitar cada vez mais o relacionamento com a NATO, e aqui tenho uma posição diferente de algumas das que já foram expendidas.
Para terminar, o CDS tem afirmado — e o Sr. Ministro sabe-o — a importância e a relevância do princípio da integridade e da estabilidade das fronteiras. Aliás, o Deputado Paulo Portas, na intervenção que aqui fez, no Plenário, por altura da questão relativa ao reconhecimento do Kosovo, referiu que um dos perigos que existia na aceitação desse mesmo reconhecimento tinha precisamente a ver com a Rússia e os dados vêm, neste momento, com grande probabilidade, dar razão a esses avisos.
Queremos salientar e dizer que concordamos com a posição de cautela que tem sido tomada pelo Governo português relativamente a esta matéria e queremos salientar também, para que fique muito claro, que, independentemente de todo um consenso que se foi gerando, ao longo dos anos, que é importante e relevante e deve continuar a existir, em matérias de soberania, de negócios estrangeiros e de defesa, consideramos que, em relação à questão do Kosovo, a posição de cautela nos parece a mais adequada.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que este tema tem a maior importância, desde logo, porque neste conflito houve vítimas e prejuízos elevados que são de lamentar, mas é indispensável começar por dizer que se trata de um conflito, como outros que existem no nosso mundo e, certamente, não se ficará por aqui, que não pode desligar-se da tendência de corrida aos armamentos que hoje vivemos, de uma crescente militarização das relações internacionais, com especial reflexo em algumas zonas mais conflituosas do globo, e também, a par da militarização da União Europeia, de uma ofensiva sistemática da NATO, visando o domínio de zonas estratégicas, designadamente em relação a fontes de energia ou de passagem de fontes de energia, como o gás e o petróleo, e também o cerco de potências como a Rússia e a China.
Também é preciso dizer que este processo não pode desligar-se daquela que foi a abertura da «caixa de Pandora», ou seja, da legitimação por algumas potências — pela NATO e por muitos países e, felizmente, ainda não por Portugal — da situação do Kosovo, com todos os reflexos que, a partir daí, se geraram em diversos aspectos da política internacional.
É preciso também relembrar alguns factos que, durante um período longo deste conflito, estiveram ausentes do debate público mas que, hoje, já foram aqui reconhecidos e lembrados — alguns deles, pelo menos — por várias bancadas. É preciso lembrar, por exemplo, que este problema da Ossétia do Sul e de outros territórios começou na desagregação da União Soviética, no momento em que uma ofensiva militar da Geórgia impediu que estas repúblicas autónomas se pudessem pronunciar sobre o seu futuro. É preciso lembrar que a presença das tropas russas naquele território se devia a acordos estabelecidos na década de

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90, com a participação da Geórgia, obviamente, os quais previam mecanismos de estabilização, reconhecidos, aliás, pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em que as tropas russas presentes naquele território eram uma força de interposição e de paz, no entendimento destas várias organizações.
E é preciso lembrar — como aqui foi dito, mas esteve escondido durante muito tempo, até no noticiário mediático desta crise — que quem começou o actual conflito foi a Geórgia com uma acção militar violentíssima, com a utilização de um elevado potencial de fogo (fazendo-a coincidir, aliás, com a abertura dos Jogos Olímpicos, o que assume também um simbolismo particularmente grave), depois seguida de uma resposta «musculada» da Rússia, que foi a que todos conhecemos e que também utilizou um elevado potencial de fogo.
A ofensiva da Geórgia, sejamos claros, não pôde deixar de contar com o conhecimento e o apoio dos Estados Unidos da América e da NATO, que, aliás, há poucos meses, realizaram exercícios militares nas fronteiras da Geórgia com a Rússia, com a participação de um elevado número de tropas, o que, sem dúvida, se traduz numa postura agressiva que não está desligada da situação que actualmente se vive naquele território.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Este agudizar do conflito militarista, geoestratégico, esta ofensiva da NATO como força de ingerência, procurando impor a sua força à volta da Rússia, cria uma situação que ameaça a estabilidade da região e que desencadeia reacções como as que verificámos neste episódio.
A militarização da União Europeia e a criação do famoso sistema antimísseis, que é evidentemente não um sistema meramente defensivo mas um sistema ofensivo e que potencia a corrida ao armamento, são medidas, são políticas que acentuam a instabilidade e uma posição imperialista de procurar ganhar terreno e impor a sua lei em muitos territórios que são, hoje, uma causa fundamental dos conflitos que temos em vários pontos do mundo.
Dizemos «não!» a todos os expansionismos militaristas e votamos por soluções pacíficas, políticas, que procurem assegurar a paz no respeito pelo direito internacional e que têm de contar com a contenção e a eliminação da postura agressiva da NATO neste processo e em tantos outros.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço as vossas intervenções. Infelizmente, não temos muito tempo para um debate que nos levaria, seguramente, a discutir em profundidade algumas das questões aqui suscitadas pelas intervenções dos Srs. Deputados.
Terei, como disse, oportunidade de estar em comissão na próxima semana, seja na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas seja na Comissão de Assuntos Europeus, mas aproveito o tempo que me resta para fazer alguns comentários e, desde logo, para salientar, como já sucedeu em algumas das intervenções, o papel importante que a Presidência francesa assumiu no desenvolvimento desta crise, na sua contenção e na definição de um padrão de racionalidade política que pudesse suster a escalada de violência que se podia antecipar em toda a região.
A Presidência francesa agiu com um profundo sentido do interesse estratégico comum dos Estados europeus que integram hoje a União. É um exercício, como disse, sempre difícil, que não podemos deixar de ter em consideração, porque são 27 Estados-membros, diferentes sensibilidades, diferentes perspectivas e diferentes experiências históricas na relação com a realidade europeia. Por isso, o exercício da Presidência tem necessariamente, em toda e qualquer circunstância, de procurar a síntese das posições específicas de cada Estado-membro, dos seus interesses estratégicos, e essa situação é sempre muito difícil, como todos sabemos.
A Presidência francesa fez, do meu ponto de vista, um exercício correcto na interpretação de qual é o

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interesse estratégico comum da União e de como lidar com divergências profundas que esta crise acentua no seio do Conselho, sobretudo na forma como se interpretam as relações com a Rússia e o desenvolvimento futuro da parceria estratégica entre a União Europeia e a Rússia que está em causa, neste momento, havendo, como sabemos, uma cimeira da União Europeia com a Rússia marcada para Novembro. Ela tem estado sempre no horizonte de todas as decisões que foram tomadas no seio da União Europeia nas últimas semanas.
Gostaria de sublinhar que, ao contrário do que o Deputado Luís Fazenda disse, tenho a convicção de que o Governo português agiu com profunda coerência nesta matéria.
Há duas situações de base para que o Governo possa afirmar coerência nesta posição: é preciso saber, primeiro, onde estamos e, segundo, para onde queremos ir, e não agir acrítica e cegamente, ao reboque da dinâmica dos acontecimentos e dos jogos de forças que se estabelecem no seio das alianças que integramos.
Primeiro, saber onde estamos e há que ter a convicção de que somos membros da União Europeia e membros da NATO. E não podemos, em circunstância alguma, face às decisões que temos de tomar, perder o sentido de que a coesão e a unidade da Aliança depende também de nós, da nossa posição, da posição dos 27 ou dos 26 Estados.
Temos, pois, de ter sempre presente esse exercício de compromisso — que é absolutamente indispensável na vida política e muito mais na vida diplomática — para acertar posições que, muitas vezes, não se conformam com a leitura e a interpretação que fazemos da realidade e do desenvolvimento dos acontecimentos.
Ao longo desta crise, tal como na leitura que fizemos dos acontecimentos que marcam a relação com os Balcãs e com a fronteira Leste da Europa, agimos sempre, permanentemente, com o sentido de que temos de trabalhar para a coesão da União Europeia e para a coesão da Aliança Atlântica. E a União Europeia e a Aliança Atlântica são hoje muito diferentes do que eram há 10 anos, antes da queda do Muro de Berlim.
É por isso que temos de saber interpretar também, em toda e qualquer circunstância, a leitura dos acontecimentos, tal como ela nos é feita e apresentada pelos nossos aliados da Europa de Leste, sobretudo na difícil, melindrosa e delicada relação que têm com os problemas na sua fronteira, seja no Cáucaso, na relação com a Ucrânia ou com a Bielorrússia ou, mais profundamente, com a Rússia.
A nossa posição, que está expressa publicamente e que tenho tido oportunidade de exprimir em diversas ocasiões, favorece sempre o desenvolvimento da União Europeia e da Aliança Atlântica no sentido de uma complementaridade que a parceria estratégica com a Rússia pode garantir em termos de segurança e de defesa ao sistema transatlântico. O perigo maior que podemos enfrentar é uma divisão no interior da União como no interior da Aliança, suscitadas justamente por uma diferente perspectiva da relação com a Rússia.
Temos, por isso, de gerir essa nossa perspectiva com alguma sensibilidade e delicadeza. Foi o que procurámos fazer ao longo desta crise.
Não acredito que possa aplicar-se exactamente o processo que foi adoptado para a estabilização dos Balcãs na região do Cáucaso, mas é absolutamente indispensável, do meu ponto de vista, que a estabilização da região do Cáucaso seja encarada pela União Europeia, bem como pela NATO, numa estreita articulação com a Rússia. Esse é também o sinal de toda a movimentação que, entretanto, aí se verificou ao longo das últimas semanas.
Favorecemos, naturalmente, como disse, uma posição construtiva com a Rússia, mas firme em relação aos princípios da Aliança e aos princípios da União Europeia. Não podemos abdicar dos princípios que hoje marcam (e que marcaram ao longo de muitas décadas) o desenvolvimento de duas alianças que integramos e que são hoje um bastião fundamental para a estabilidade do continente europeu.
Nessa perspectiva, o diálogo com a Rússia tem de ser conduzido numa posição de firmeza, mas de abertura ao entendimento de que a Rússia tem, necessariamente, uma palavra a dizer não apenas sobre as grandes questões que perturbam hoje o Ocidente na relação com o Irão, ou com o nuclear da Coreia do Norte, ou com as alterações climáticas, mas também nas questões que dizem respeito à segurança e à estabilidade da Rússia.
Penso que se cometeu um erro ao não ter envolvido mais a Rússia nos últimos anos no debate sobre a arquitectura de segurança e de defesa da Europa. Esse trabalho está, pois, por fazer.
Tal como é absolutamente indispensável, do meu ponto de vista, revisitar o tema do conflito de princípios e de direitos, designadamente entre o princípio da intangibilidade das fronteiras e o princípio do direito a

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proteger, dois princípios que estão hoje a marcar a tensão que se verifica em alguns destes conflitos, e creio que temos de ter uma leitura convergente da forma como harmonizar estes princípios e estes direitos que estão na base da ordem internacional que foi edificada a partir da II Guerra Mundial.
Há, nesta perspectiva, propostas que gostaríamos de fazer e que, a muito breve prazo, tornaremos públicas como propostas e orientações que o Governo português assume num contexto de grande delicadeza como aquele com que nos confrontamos no sistema internacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminado o debate, requerido pelo Grupo Parlamentar do BE, sobre os recentes acontecimentos no Cáucaso e o Conselho Extraordinário da União Europeia, peço à Sr.ª Secretária o favor de proceder à leitura de diversos pareceres da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura.
Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o primeiro relatório e parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura refere-se: À renúncia ao mandato, nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, com efeitos a partir de 8 de Setembro de 2008, inclusive, do Sr. Deputado Vítor Ramalho (PS), círculo eleitoral de Setúbal, sendo substituído pelo Sr. Deputado Paulo Pedroso (PS), que fez cessar o seu impedimento.
O parecer é no sentido de a renúncia ao mandato do Deputado em causa ser de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, os restantes pareceres dizem respeito à prestação de depoimento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da 1.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, Processo n.º 3648/08.1TBCSC, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, Processo n.º 4859/05.7TDLSB, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

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Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, Processo n.º 4859/05.7TDLSB, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, Processo n.º 4859/05.7TDLSB, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Vera Jardim (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, Processo n.º 4859/05.7TDLSB, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Manuel Alegre (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, Processo n.º 8/07-D, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Adão Silva (PSD) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

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Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, Processo n.º 8/07-D, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Agostinho Lopes (PCP) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, Processo n.º 33/06-D, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António da Silva Preto (PSD) a prestar depoimento presencialmente, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Instrução de Viseu, processo n.º 887/03.5TAVIS, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Cesário (PSD) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Faça favor de prosseguir, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo Criminal de Lisboa — 1.ª Secção, Processo n.º 5684/03.5TDLSB, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Vitalino Canas (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, processo de contra-ordenação n.º CO/000108/08, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Eugénia Santana Alho (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, concluídas as votações dos pareceres da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, estão terminados os nossos trabalhos de hoje.
Recordo que no próximo dia 17, quarta-feira, com início às 15 horas, terá lugar a reunião plenária de abertura da 4.ª Sessão Legislativa da X Legislatura.
Srs. Deputados, estão encerrados os trabalhos da Comissão Permanente.

Eram 18 horas e 55 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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