O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Quinta-feira, 11 de Dezembro de 2008 I Série — Número 24

X LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2008-2009)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE DEZEMBRO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 611 e 612/X (4.ª).
Em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Rosas (BE) insurgiu-se contra o processo em curso de reestruturação do Arsenal do Alfeite, tendo criticado as decisões tomadas pelo Governo quanto ao futuro daquela empresa do sector naval, nomeadamente em relação à anunciada empresarialização, e deu resposta aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Filipe (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Marques Júnior (PS), João Rebelo (CDS-PP) e Luís Campos Ferreira (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Bruno Dias (PCP) chamou a atenção da Câmara para a situação que se está a viver nos CTT, tendo acusado a Administração daquela empresa, nomeada pelo Governo, de estar a levar a cabo uma estratégia de destruição dos direitos dos respectivos trabalhadores. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mariana Aiveca (BE), José Junqueiro (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Arménio Santos (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Diogo Feio (CDS-PP) lembrou o aniversário sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos do Homem e teceu considerações sobre o estado da nossa economia, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Hugo Velosa (PSD), Victor Baptista (PS), Honório Novo (PCP) e João Semedo (BE).
O Sr. Deputado Mendes Bota (PSD), também em declaração política, a propósito de mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, insurgiu-se contra a pobreza e a violência contra as mulheres.
Respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Helena Pinto (BE), Teresa Caeiro (PS) e João Oliveira (PCP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Ginestal (PS) congratulou-se pela actuação da ASAE na crise provocada pela importação de carne de porco

Página 2

2 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

irlandesa com eventual contaminação de dioxinas e criticou aqueles que quiseram a sua credibilidade. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Hélder Amaral (CDS-PP) e Luís Campos Ferreira (PSD).
Ao abrigo do artigo 76.º, n.os 2 e 3 do Regimento, o Sr. Deputado Patinha Antão (PSD) apresentou um conjunto de propostas contendo medidas para minorar os efeitos da crise internacional nas famílias e empresas e relançar a economia nacional.
Foram discutidos conjuntamente, na generalidade, a proposta de lei n.º 227/X (4.ª) – Revê o regime sancionatório no sector financeiro em matéria criminal e contra-ordenacional e os projectos de lei n.os 604/X (4.ª) – Reforço do quadro sancionatório para o crime económico e financeiro (PCP), 610/X (4.ª) – Alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras para reforçar o combate pela transparência e contra a criminalidade económica e financeira (BE), 611/X (4.ª) – Cria juízos de competência especializada no combate ao crime económico e toma medidas para actualizar e reforçar o quadro sancionatório da criminalidade económica e financeira e 612/X (4.ª) – Supervisão de instituições de crédito (PCP). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (Carlos Costa Pina), os Srs. Deputados Honório Novo (PCP), Francisco Louçã (BE), Diogo Feio (CDS-PP), Fernando Negrão (PSD) e Cláudia Couto Vieira (PS).
Procedeu-se igualmente à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 606/X (4.ª) — Alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho — Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (PS e PSD), tendo usado da palavra os Srs. Deputados Ricardo Rodrigues (PS), Guilherme Silva (PSD), Bernardino Soares (PCP), Luís Fazenda (BE), Nuno Magalhães (CDS-PP).
Por último, foi apreciada a proposta de lei n.º 228/X (4.ª) — Estabelece o regime contra-ordenacional do Regulamento de Segurança de Barragens aprovado pelo Decreto-Lei n.º 344/2007, de 15 de Outubro, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades (João Ferrão), os Srs. Deputados Miguel Tiago (PCP), José Eduardo Martins (PSD), Helena Terra (PS) e Hélder Amaral (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

Página 3

3 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva

Página 4

4 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Paulo José Fernandes Pedroso
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato José Diniz Gonçalves
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado

Página 5

5 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Luís Pedro Russo da Mota Soares

Página 6

6 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.os 611/X (4.ª) — Cria juízos de competência especializada no combate ao crime económico e toma medidas para actualizar e reforçar o quadro sancionatório da criminalidade económica e financeira (BE), que baixou à 1.ª Comissão, e 612/X (4.ª) — Supervisão de instituições de crédito (PCP), que baixou à 5.ª Comissão.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a primeira parte da nossa ordem do dia é destinada a declarações políticas.
Para o efeito, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Bem se pode dizer que no processo em curso de reconversão do Arsenal do Alfeite tudo correu mal até agora. Correu mal contra tudo o que a própria lei impõe, designadamente o dever de audição dos trabalhadores, mantidos totalmente afastados do processo decisório, congeminado nas suas costas,»

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Bem lembrado!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — » sendo a Comissão de Trabalhadores convocada pelo Ministro da Defesa horas antes da conferência de imprensa do Governo, para ser notificada da decisão que este tomara e iria anunciar.

Página 7

7 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Contrariando de forma grosseira o espírito da lei, o Governo do PS entende que ouvir os trabalhadores sobre o futuro da sua empresa, do seu ofício e da sua vida profissional é comunicar-lhes, sem antecedência mínima, o que unilateralmente, do alto do seu poder, decidiu sobre o seu futuro.
Correu mal quanto às relações do Governo com a Assembleia da República, uma vez que o Ministro da Defesa não cumpriu o compromisso formal que assumiu com a Comissão de Defesa, de lhe dar conhecimento do projecto de reestruturação antes de ele ser publicamente divulgado. É certo que o Ministro não era obrigado a fazê-lo mas, ao assumir esse compromisso, tinha o dever de não permitir que acontecesse o que aconteceu: a Comissão de Defesa, desfeiteada, tomou conhecimento da reestruturação pelos jornais e o Governo mostrou-se, mais uma vez, incapaz de assumir o que prometera, até com uma comissão parlamentar.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Mas não foi só o processo que correu mal. As decisões tomadas sobre o futuro do Arsenal do Alfeite são inquietantes, no que respeita às perspectivas deste sector estratégico da economia nacional, que é a construção naval, tendencialmente afecta à Armada. A anunciada empresarialização do Arsenal do Alfeite, a constituição do Arsenal do Alfeite, SA, sob a holding EMPORDEF, abre, obviamente, as portas à previsível privatização de alguns dos sectores mais apetecíveis da empresa e ao seu desmantelamento a prazo.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Bem pode o Governo actual dar garantias verbais sobre a sua manutenção no sector público, sobre a sua integralidade e a sua afectação preferencial à Armada. O facto é que ninguém se esquece de que esta foi precisamente a solução adoptada para as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA) — transformação em SA na EMPORDEF —, no contexto da qual nem faltaram idênticas e solenes garantias, sabendo-se hoje como isso desembocou na privatização da empresa, em favor de grupos financeiros estrangeiros, e até na sua incapacidade actual para satisfazer as necessidades da Força Aérea.
Compreende-se bem que o Arsenal do Alfeite — uma empresa estratégica da construção naval, ao serviço da Armada, cujas origens remontam ao século XIV — tivesse urgência numa reestruturação modernizante, que o colocasse à altura das suas tradições históricas de saberes e de lutas e rompesse o ciclo de desinvestimento e de obsolescência a que o votou a política de sucessivos Governos do PS e do PSD.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Mas isto significaria manter e revigorar o Alfeite como empresa pública de apoio à Armada e, simultaneamente, aberta aos demais mercados, como escola de excelência na formação profissional, como sector de ponta da construção naval.
A empresarialização que se anuncia ameaça ser a via da entrega, a prazo, a grandes interesses privados e, sobretudo, a via da incerteza e da perda de direitos para quem trabalha no Arsenal do Alfeite. É que, Sr.
Presidente e Srs. Deputados, mal, muito mal estão a correr as coisas para os trabalhadores do Arsenal do Alfeite.

Aplausos do BE.

Sob a aparência ilusória de que os trabalhadores poderão escolher o estatuto laboral em que ficarão na futura empresa, o Governo tenta ocultar a ameaça real que se desenha. A saber: em primeiro lugar, a futura empresa empregará menos cerca de 400 trabalhadores e os excedentários irão para o regime de mobilidade especial da função pública, com salários, como se sabe, diminuídos e progressivamente decrescentes.
Pergunto: quem decide, e com que critérios, quem vai para a «prateleira»? Qual o futuro profissional de homens e mulheres com 40, 50 e 60 anos de idade, uma vida inteira de trabalho mas sem direito à reforma, nomeadamente por causa das leis que este Governo aprovou, assim lançados nesse cínico eufemismo da

Página 8

8 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

mobilidade especial? Como pode a reestruturação da indústria da construção naval prescindir dos saberes de centenas de trabalhadores especializados? Em segundo lugar, toda a lógica subjacente ao processo de transferência dos trabalhadores os empurra para assinar contratos individuais com a nova empresa, à margem de qualquer acordo colectivo e prescindindo do actual estatuto da função pública, ou seja, com diminuição objectiva dos seus direitos e regalias.
Em terceiro lugar, a nova empresa SA significa, desde logo, a perda de benefícios sociais relevantes: para já, anuncia-se o encerramento da creche do Arsenal do Alfeite, que, actualmente, beneficia centenas de famílias de funcionários da empresa.
Os trabalhadores do Alfeite, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estão justamente em luta contra a reestruturação anunciada e o seu lastro de privatização à vista, de despedimentos disfarçados, de perda de direitos e garantias, frutos de uma longa, dura e ímpar tradição de luta dos trabalhadores do Arsenal.
Esta bancada presta-lhes, desde aqui, a sua solidariedade, pela defesa do sector público da construção naval, pela defesa dos direitos dos «arsenalistas», pela salvaguarda da economia nacional e pela defesa da dignidade de quem trabalha.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — A declaração política do Sr. Deputado Fernando Rosas gerou quatro inscrições para pedidos de esclarecimento, a que, com certeza, o Sr. Deputado responderá, individualmente, senão a gestão parlamentar não seria credível, já que, deste modo, tem direito a mais tempo de resposta.

Risos.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — O Sr. Presidente, com a sua sabedoria, tira-me as palavras da boca.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, quero felicitá-lo por ter trazido ao Plenário da Assembleia da República a questão do Arsenal do Alfeite.
Aproveito este pedido de esclarecimento para manifestar também a solidariedade do Grupo Parlamentar do PCP para com os trabalhadores do Arsenal do Alfeite, que, confrontados com as decisões do Governo relativamente à empresa onde trabalham, têm razões para estar inquietos quanto ao futuro, e não apenas quanto ao futuro do sector público da indústria naval, de que o Arsenal do Alfeite é um dos maiores representantes, mas também quanto ao seu futuro profissional.
Mas a questão que lhe quero colocar, Sr. Deputado, tem a ver, em primeiro lugar, com a forma como a Assembleia da República, particularmente a Comissão de Defesa Nacional, foi tratada pelo Governo e pela maioria neste processo. E digo «pelo Governo e pela maioria», porque o Governo falhou em todos os compromissos que havia assumido para com a Comissão de Defesa Nacional, de fornecer a esta Assembleia informação atempada sobre as suas intenções relativamente ao Arsenal do Alfeite, mas a maioria, alguns dias antes de o Governo anunciar a sua posição, já tinha apresentado aqui, aquando do debate, na especialidade, do Orçamento do Estado, uma proposta que só poderia ter sido feita, sabendo de antemão o que o Governo iria fazer em relação ao Arsenal do Alfeite.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, tratou-se não apenas de uma deslealdade por parte do Governo mas também de uma deslealdade parlamentar por parte da maioria.
Uma outra questão tem a ver com a forma como os trabalhadores não foram ouvidos neste processo, ou seja, foram chamados ao Ministério da Defesa uma hora antes da conferência de imprensa em que o Governo iria anunciar o futuro do Arsenal do Alfeite. E o paralelismo que o Sr. Deputado aqui traçou com as Oficinas

Página 9

9 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Gerais de Material Aeronáutico, do nosso ponto de vista, tem toda a razão de ser, porque, no caso das OGMA, o Governo, na altura, também garantiu a pés juntos que continuariam no sector público e não seriam privatizadas, mas aquilo que vemos hoje é que não só foram privatizadas como nem sequer se encontram em mãos portuguesas, já que fazem parte de um grupo económico estrangeiro.
Portanto, Sr. Deputado, quero compartilhar as suas preocupações relativamente ao futuro do Arsenal do Alfeite»

O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, compartilho com o Sr. Deputado as preocupações quanto ao futuro do Arsenal do Alfeite e faço um apelo para que, nesta Assembleia, nos mantenhamos vigilantes e solidários para com os trabalhadores do Arsenal do Alfeite e para com a defesa desta empresa estratégica para a defesa nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, antes de mais, agradeço as questões que colocou.
Gostava de dizer o seguinte: este processo de reestruturação do Alfeite é um caso típico de ocultação do Governo à Assembleia da República das medidas que tenciona tomar. É um caso típico! E o Governo também ocultou o processo e as medidas que ia tomar à Comissão de Trabalhadores, que foi totalmente mantida fora do processo, apesar de insistências da própria Comissão Parlamentar de Defesa, no sentido de ela poder ser ouvida.
Em segundo lugar, o Governo prometeu formalmente à Comissão de Defesa Nacional que a punha ao corrente do que viesse a decidir, e mentiu! A Comissão de Defesa soube do processo de reestruturação pelos jornais, contrariamente àquele que era o compromisso formal do Governo relativamente à Comissão de Defesa. Mais: os próprios Deputados do PS na Comissão de Defesa foram mantidos na ignorância, porque mesmo as alterações ao Orçamento do Estado que acolhiam, às escondidas, o processo de transformação da empresa eram desconhecidas dos próprios Deputados do PS na Comissão de Defesa. Isto significa que foi um total processo de ocultação! Hoje, sabe-se bem porquê: à vista, está a repetição das OGMA e 400 trabalhadores vão para a mobilidade especial.
É isto que, de facto, em nome de uma certa visão do sector e da própria dignidade de funcionamento do Parlamento não pode deixar de ser suscitado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, quero também saudá-lo pela intervenção que aqui fez, a propósito da situação preocupante que é vivida pelos trabalhadores do Arsenal do Alfeite, e quero partilhar com o Sr. Deputado uma pergunta que fiz ao Governo, sobre a matéria, bem como a respectiva resposta, que me parece profundamente preocupante.
Sabemos que, em Fevereiro de 2007, saiu um despacho para criação de um grupo de trabalho que aferiria do futuro do Arsenal do Alfeite. E todos sabemos, não vale a pena haver ingenuidade, neste caso, que, aquando da constituição desse grupo de trabalho, o Governo já tinha bem ideia do futuro que queria para o Arsenal do Alfeite.
O certo é que esse grupo de trabalho não integrou representantes dos trabalhadores. Pela nossa parte, estranhámos este facto, como também o estranharam os trabalhadores, que, na verdade, são parte directa e interessada nesta matéria. Formulei a questão ao Ministério da Defesa e aquilo que o Ministério me respondeu foi que se pretendia que esse grupo de trabalho fosse profundamente rigoroso e independente, dando,

Página 10

10 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

claramente, a entender que a presença dos trabalhadores lhe retiraria o carácter de rigor e independência, o que me parece profundamente preocupante, em termos de concepção da própria avaliação do futuro do Arsenal do Alfeite. Simultaneamente, o Governo entendeu que a presença de representantes da EMPORDEF não retirava qualquer rigor e independência ao referido grupo de trabalho.
No fundo, aquilo que pretendo, com este pedido de esclarecimento, é fazer a partilha desta informação, que me parece extremamente preocupante, mas quero também perguntar directamente ao Sr. Deputado, se não lhe parece muito estranho que, de um partido dito socialista, surja este profundo desrespeito pelos trabalhadores, neste caso, do Arsenal do Alfeite.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, muito obrigado pela questão que levantou.
De facto, o que a lei e a Constituição mandam é que os trabalhadores sejam ouvidos. E serem ouvidos num processo de reestruturação de uma empresa é serem ouvidos, ou seja, é terem opiniões com as quais participam na formação da decisão do Governo sobre o futuro da empresa!

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — É isso que é a participação dos trabalhadores.
Ora, o Governo esvaziou totalmente de sentido este dispositivo e convocou uma hora antes a comissão de trabalhadores para lhes comunicar, como se eles fossem lacaios deles: «Oiçam lá, o que nós decidimos é isto!» — toma lá e embrulha! Portanto, é esta a maneira como o Governo tratou a comissão de trabalhadores, ou seja, totalmente à margem da lei e dos direitos. O Governo não quer que os trabalhadores participem na decisão, como manda a lei, sobre o futuro da empresa; limita-se a comunicar-lhes o facto consumado.
E a independência é uma treta, porque, como a Sr.ª Deputada sabe, o presidente deste grupo de trabalho era um homem da EMPORDEF que agora está também a tutelar o futuro da empresa Arsenal do Alfeite, SA.
Portanto, não se trata de independência, trata-se de saber se a opinião dos trabalhadores conta ou não para a futura reestruturação da empresa. E, do ponto de vista deste Governo, não conta nada.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, utilizo a figura regimental do pedido de esclarecimento para fazer dois ou três comentários.
Em primeiro lugar, quero reconhecer que há que melhorar os mecanismos de interligação entre a Assembleia da República e o Governo, sendo este um caso típico daqueles que poderiam e deveriam, em minha opinião, ter funcionado melhor. De qualquer modo, o Sr. Ministro da Defesa informou, através de carta, a Comissão de Defesa Nacional no dia 25 – e é bom lembrá-lo – e a comissão de trabalhadores no dia 21, ou seja, quatro dias antes.
Mas a questão que se coloca em relação ao Arsenal do Alfeite é a seguinte: há muitos anos que nos defrontamos e nos preocupamos com a questão do Alfeite e todos reconhecemos que a situação, tal como estava, não era solução e não era, em si, nenhuma garantia nem para a empresa nem para os trabalhadores.
Havia, efectivamente, que encontrar uma solução para o problema.
O Sr. Deputado Fernando Rosas chamou a atenção, e a meu ver bem, para o exemplo das OGMA, que têm um grande paralelismo com o problema do Alfeite. Mas quero acreditar – e acredito sinceramente – na exposição do Sr. Ministro da Defesa no sentido de que — é esta a ilação que retiro das suas palavras — vamos aproveitar aquilo que, eventualmente, correu menos bem nas OGMA para melhorar relativamente ao Alfeite.
De facto, o tempo que demorou a encontrar uma solução – é uma coisa que não convém esquecer – teve que ver com o facto de o Governo ter tido como primeira preocupação, e isto deve ser sublinhado, a

Página 11

11 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

circunstância de encontrar uma solução estatutária para os trabalhadores do Alfeite, conseguindo negociar — e penso que não terá sido fácil — o vínculo à função pública de todos os trabalhadores do Alfeite, porque qualquer que fosse a solução encontrada ela passaria (ou passará) por encontrar a garantia de emprego para os trabalhadores do Alfeite, admitindo que pode haver uma redução do número de trabalhadores na nova empresa.
Quero, portanto, dizer ao Sr. Deputado Fernando Rosas que é minha convicção ser possível, até com a experiência das OGMA, que hoje estão a funcionar bem, tendo havido um período em que funcionaram pior, encontrar uma boa solução para o problema do Alfeite, desde logo uma solução que garanta eficiência dos seus trabalhos de apoio à Marinha portuguesa e no sentido de que continue a ser uma empresa estratégica na defesa nacional, como o Sr. Deputado sublinhou, e desde que a empresa – e devemos acompanhar este facto para garanti-lo – continue a manter a cultura, a história e até o exemplo de luta dos trabalhadores do Alfeite.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Marques Júnior, para um Oficial de Infantaria é tempo demasiado para falar do Arsenal do Alfeite.

Risos.

O Sr. Marques Júnior (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente, mas penso que não exagerei, pois só ultrapassei em 24 segundos o tempo de que dispunha.

O Sr. Presidente: — Foram 2 minutos a mais, Sr. Deputado.
Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, muito obrigado pelas observações judiciosas que fez e que oiço sempre com muita atenção.
Certamente o Sr. Deputado Marques Júnior concordará comigo que, neste caso do Alfeite e das relações do Ministério com a Comissão de Defesa Nacional e com a comissão de trabalhadores, falar em melhorar os mecanismos de interligação é, pelo menos, um eufemismo, pois o Ministério da Defesa passou por cima de tudo, tendo comunicado tudo a todos tarde e a más horas. Portanto, falar em melhorar os mecanismos de interligação é uma generosidade linguística da sua parte, que, creio, o Sr. Deputado será o primeiro a reconhecer.
Em segundo lugar, queria dizer que tem razão quando diz que a situação do Alfeite não era sustentável — sobre isso estamos de acordo. Mas o que eu penso é que o caminho era o de criar uma empresa pública, suporte fundamental da marinha de guerra e aberta para os outros mercados.
A empresarialização SA da empresa tem um precedente inquietante, que é o caso das OGMA, ou seja, o caso de uma empresa privada, que, à medida das circunstâncias do mercado, começa a privatizar os sectores mais apetecíveis da sua actividade. Aliás, também na altura das OGMA – o Sr. Deputado lembrar-se-á disso melhor do que eu – as garantias foram totais, mas a verdade é que, hoje, a empresa está nas mãos de brasileiros e até nem cumpre as necessidades da Força Aérea, que tem de se abastecer fora das OGMA, como sabe, em alguns aspectos essenciais. Portanto, esta é uma grande inquietação para nós.
Quanto ao estatuto dos trabalhadores, de que falou, chamo-lhe a atenção para o seguinte: todo o dispositivo está montado para que os trabalhadores façam contratos individuais com a empresa, porque, para ficarem com o estatuto da função pública, têm de aceitar passar à mobilidade geral. E é na mobilidade geral que a empresa os vai buscar, se eles quiserem manter o estatuto da função pública. Ou seja, estes trabalhadores correm o risco de perder o vínculo à empresa. Portanto, o que eles vão fazer, em massa, é contratos individuais de trabalho, perdendo o vínculo à função pública. Se calhar, até aumentam um pouco o seu salário, mas perdem o vínculo à função pública.
E os trabalhadores que não quiserem esta situação têm de aceitar os lugares vagos na Marinha, que não se sabe quantos são – aliás, o próprio Ministro não sabe dizer se os há –, abrindo-se uma situação de grande precariedade, sobretudo porque envolve cerca de 380 homens! O Sr. Deputado sabe que se trata de homens

Página 12

12 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

de 40, 50 e 60 anos, alguns deles soldadores, ferreiros, que trabalharam uma vida inteira e que só não se podem reformar devido às leis do vosso Governo. O que é que um homem destes vai fazer na mobilidade especial?! Homens que são os depositários de uma imensa tradição de saberes, que formaram centenas e centenas de jovens, gerações e gerações de trabalhadores especializados! O que é que lhes vai acontecer?

O Sr. Marques Júnior (PS): — Vão ficar!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — E o que acho extraordinário é que um projecto de reestruturação prescinda do saber acumulado destes homens, que são cerca de 380, que vão para a rua. É isso que me preocupa e que preocupa também os trabalhadores do Alfeite.

Aplausos do BE.

O Sr. Marques Júnior (PS): — Eles vão ficar! O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, gostaria de saudar a sua intervenção, que acompanhamos em três aspectos: o primeiro tem que ver com a forma como o Governo divulgou este documento, não cumprindo o compromisso que assumiu de o apresentar à Comissão de Defesa Nacional antes de proceder à sua divulgação; o segundo tem que ver com a forma ilegal como foram feitas as negociações com as comissões de trabalhadores e com os sindicatos, o que não abona em favor deste Governo – mas foi assim que decidiu fazê-lo; o terceiro, e mais importante, tem que ver com o facto de que devemos de preservar e defender o Arsenal do Alfeite como empresa essencial na história recente de Portugal e da Marinha portuguesa no que se refere à reparação naval e, de certa forma, à construção, porque a empresa tem também capacidade de construção de embarcações de pequena dimensão.
Por outro lado, o Sr. Deputado fez uma crítica à proposta do Governo no que se refere ao futuro estatuto do Arsenal do Alfeite. Neste ponto discordamos do Sr. Deputado, pois consideramos que o estado em que as coisas estão neste momento é muito mau.
O Arsenal do Alfeite tem, neste momento, um estatuto de repartição pública, impedindo-a de crescer, de ganhar mercados, de ter possibilidade de diversificar a sua acção. Por isso, a alteração do seu estatuto era essencial, parecendo-me que a fórmula usada, a de uma empresa pública com 100% de capital público no Grupo EMPORDEF, que é a holding do Estado na área da defesa, é perfeitamente aceitável. Assim, a empresa mantém-se na órbita do Estado e tem a possibilidade de, com este novo estatuto, procurar novos mercados, ter maior flexibilidade contabilística comercial, poder recorrer ao crédito para investir, tendo o Estado garantido um investimento, em termos da sua modernização, no valor de – se me recordo bem – 70 milhões de euros. Enfim, este é um conjunto de aspectos positivos.
A decisão tardou — o estudo já estava feito, em parte, à época do nosso governo –, mas parece-me perfeitamente justa.
Uma outra crítica que o Sr. Deputado fez tem que ver com a possibilidade de este ser um processo parecido com o da OGMA. Neste ponto também divergimos de opinião, pois a OGMA começou a melhorar em termos de crescimento do seu volume de negócios, de melhoria das suas instalações e de estancamento da sua decadência com a privatização, porque a empresa, desde 1995 – ano em que se tornou empresa pública a 100% — até à sua privatização, em 2005, só foi baixando em termos de volume de negócios, em termos de captação de novos clientes, etc. E já agora, Sr. Deputado, convém não dizer que a empresa está nas mãos dos brasileiros, pois 35% são brasileiros, 30% é do Grupo EADS, que é europeu, e 35% é do Estado.

O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, nesta área da aeronáutica era essencial procurar parceiros internacionais e ter a Embraer e a EADS é muito importante para Portugal.

Página 13

13 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Portanto, os processos são diferentes, não estamos a falar da mesma coisa, mas achamos que a sua mudança para a empresarialização é essencial.
A pergunta que pretendia colocar-lhe era no sentido de saber que modelo pretende o Sr. Deputado para o Arsenal do Alfeite, mas já respondeu à minha pergunta na resposta que deu ao Sr. Deputado Marques Júnior.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rebelo, começo por agradecer as questões que colocou.
Compreendo que o Sr. Deputado João Rebelo tenha que defender a sua «dama», isto é, a privatização das OGMA, feita durante um governo em que o CDS-PP integrava a equipa do Ministério da Defesa. Apenas registo que a vossa «receita» está a ser seguida pelo Partido Socialista. Vale a pena registar que há uma coincidência de concepção e de estratégia nessa matéria.
Sr. Deputado, diria que a nossa diferença é a seguinte: acho que uma empresa pública que trabalha para a marinha de guerra também deve, sem dúvida, procurar outras alternativas de mercado, até porque a marinha de guerra hoje já não é a do tempo do império, em que as próprias encomendas que tem são distintas, pois há muita coisa que se importa. Mas deve ser uma empresa pública, porque é uma empresa que tem um extraordinário conhecimento em matéria de tecnologia militar, em matéria de tecnologia de comunicações, em matéria de domínios altamente especializados que, no meu entender, têm que estar preferencialmente ao serviço da Armada e no domínio público.
A modalidade que defendemos é uma empresa pública como suporte principal da Marinha, aberta ao mercado e, sobretudo, que incorpore o saber dos seus trabalhadores, não mandando para a mobilidade especial centenas de homens que dedicaram àquela empresa uma vida inteira de trabalho! Ora, o exemplo das OGMA redunda no seguinte: é que neste momento, como sabe, as OGMA servem mal a Força Aérea e, se queremos uma empresa pública que sirva a Armada como pilar fundamental, o exemplo das OGMA é mau nessa matéria! É um bom exemplo do ponto de vista do negócio dos brasileiros, é provavelmente um mau exemplo do ponto de vista do interesse público e do interesse da Armada, em particular. Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, em primeiro lugar, queria dizer que há, sem dúvida, uma questão ideológica na maneira de ver a questão do Alfeite que separa o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata. E sobre essa questão ideológica nada há a fazer: é difícil dirimir argumentos, porque esse enfoque ideológico separa-nos quanto ao modo de ver esta questão.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Qual é?

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — A salvaguarda dos direitos dos trabalhadores do Alfeite é, sem dúvida, uma preocupação que deve presidir a todos os grupos parlamentares e, por isso, também é uma das nossas principais preocupações.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Mas pergunto-lhe o seguinte, Sr. Deputado: se não formos por este modelo de gestão empresarial, e retirada que está a possibilidade de manter o existente, que outro modelo propõe o Bloco de Esquerda de forma a garantir a eficácia do Arsenal do Alfeite, ao serviço das Forças

Página 14

14 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Armadas (e, neste caso concreto, da Marinha), a salvaguarda dos interesses dos trabalhadores e, no fundo, a salvaguarda do interesse nacional?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Campos Ferreira, verifico — sempre com uma curiosidade antropológica crescente — que V. Ex.ª defende este projecto com mais entusiasmo do que o próprio Deputado Marques Júnior!

Risos do BE.

Na realidade, o PSD e o PP estão «de alma e coração» com este projecto do Governo, mais do que o próprio Deputado Marques Júnior, faça-se justiça.
Nós apresentámos uma proposta muito clara: uma empresa pública — não SA —, tendo como cliente fundamental a Armada, mas aberta à intervenção noutros mercados nacionais e estrangeiros. Ou seja, uma empresa que dê garantias, que não seja repartida, dividida e parcializada de acordo com as flutuações do mercado e ao sabor dos interesses dos grandes grupos que tomem conta dela no futuro. Em suma, uma empresa de um sector estratégico do Estado e da Armada e mantida como tal no domínio público, ainda que trabalhando para o mercado, para além do seu cliente principal — a Armada.
Em segundo lugar, propomos uma empresa que pratique uma política social de garantia do trabalho a centenas de trabalhadores que deram o melhor do seu esforço durante toda a sua vida e que têm de ser respeitados até pelos saberes que transportam, porque estamos a falar de uma empresa que vem do século XIV — esta foi a empresa que fez as naus das Descobertas, Sr. Deputado! Sabendo eu que a sua bancada é tão sensível a este toque nacionalista, esta foi a empresa, repito, que fez as naus da armada que andou pelos mares fora. É a mesma empresa! Vamos deitar fora o saber acumulado, a tradição desta gente? Vamos adoptar um processo de empresarialização que deita fora esse saber acumulado? A nossa diferença é que temos uma alternativa: uma empresa pública, tendo a Armada como cliente principal, trabalhando para o mercado e defendendo os postos de trabalho dos trabalhadores e, provavelmente, recrutando mais: os necessários para formar os futuros especialistas da construção naval do Estado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os CTT são o operador público do serviço público postal, uma empresa com um papel estratégico para a vida do País, para a economia nacional e para o dia-a-dia de milhões de portugueses. O seu capital é 100% público, o Governo exerce a tutela sobre a empresa, nomeou a sua administração e é o responsável máximo pelas opções que ali são seguidas.
Muitas vezes temos denunciado o caminho (trilhado, aliás, por sucessivos governos) de degradação da qualidade do serviço prestado pelos CTT aos utentes e às populações: chamámos a atenção para os serviços que são encerrados, para os que não abrem mas deviam abrir, para a distribuição diária de correio que devia ser feita mas não é, para a entrega a empresas privadas de sectores fundamentais da actividade dos CTT.
Todavia, o momento actual que se está a viver nos CTT não tem precedentes na história da democracia e tem de ser denunciado com toda a clareza.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

Página 15

15 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A dimensão, a gravidade, o significado e até os contornos de ilegalidade da situação actual nos CTT fazem desta a maior operação de ataque aos direitos de que há memória numa empresa.
A administração nomeada pelo Governo está a levar a cabo uma estratégia deliberadamente montada para, passo a passo, destruir direitos consagrados há décadas, conquistados por gerações de trabalhadores dos CTT, inclusivamente no tempo da ditadura fascista em Portugal. A contratação colectiva, o acordo de empresa que consagra direitos básicos e fundamentais aos trabalhadores dos CTT, é o alvo de uma administração que se tem comportado como um vulgar fora-da-lei.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O «tiro de partida» foi dado há mais de ano e meio, com a denúncia do acordo de empresa. Foi uma autêntica declaração de guerra, desencadeada pelo anterior Presidente dos CTT e dirigente do PS, Luís Nazaré. Desde então, assiste-se a uma escalada de provocações, intimidações, chantagens e represálias sobre os trabalhadores da empresa.
No processo de negociações para a revisão do acordo, a administração rejeitou liminarmente toda e qualquer hipótese que não fosse a de o fazer caducar, acabando por encerrar unilateralmente o processo. E assim fez, porque entretanto assinou um «acordo à medida», com dez organizações que, todas juntas, representam 26% dos trabalhadores da empresa. Aí se prevêem as sacrossantas «polivalência» e «mobilidade», os bloqueios à progressão na carreira, a redução das diuturnidades, dos níveis salariais de entrada, do apoio social e de saúde na aposentação.
Foi então lançada uma verdadeira aberração chamada «acordo de adesão individual», rompendo princípios como a representatividade sindical e numa flagrante violação de normas em vigor da Constituição da República Portuguesa e da Organização Internacional do Trabalho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A administração enviou cartas a cada um dos trabalhadores em que podemos ler «pérolas» como esta: «Adira ao novo acordo de empresa 2008 e receba um prémio de 400 €. Terá ainda direito, com efeitos a Abril, a um aumento de 2,8% no vencimento, diuturnidade, subsídios de refeição e pequeno-almoço».

Vozes do PCP: — Um escândalo!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ao mesmo tempo, convocou chefes de estação, gestores de loja e outros trabalhadores com funções de direcção de chefia, dando-lhes a seguinte opção: «Ou assinam o novo acordo, ou abandonam as funções, ou são exonerados».

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Houve três rondas de «chamadas à direcção» para intimidar os que se recusavam a vender os seus direitos e a sua dignidade, até que, no passado dia 6 de Novembro, centenas de trabalhadores foram exonerados das suas funções.
No mesmo dia, a administração decretou unilateralmente a caducidade do acordo de empresa em vigor e a aplicação do Código de Trabalho na empresa. O descaramento chegou ao limite de se emitir, quatro dias depois, um «regulamento interno», da autoria da administração de pessoal dos CTT, onde se define o horário de trabalho e suas modalidades, a atribuição de subsídios e abonos, o descanso semanal, etc.
Uma empresa que dita a sua própria lei, violando a Constituição!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

Página 16

16 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A discriminação salarial nos CTT prossegue com o alto patrocínio do Governo: continua a não aplicar-se o aumento de salário aos trabalhadores que não aceitaram o chamado «novo acordo» — e isto apesar de a Autoridade para as Condições de Trabalho ter constatado e comunicado a existência de uma clara violação da Constituição e da lei.
Avolumam-se as arbitrariedades e as tentativas — em alguns casos consumadas — de impedimento do exercício do direito de reunião e actividade sindical na empresa. No mês passado, dirigentes da CGTP chegaram a ser proibidos de entrar num plenário de trabalhadores.

Vozes do PCP: — Uma vergonha!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os sucessivos processos de conciliação, mediação e arbitragem, sistematicamente desencadeados e logo encerrados pela administração, foram nada mais do que um óbvio expediente de má-fé, para cumprir calendário, queimar etapas e abrir caminho à declaração de caducidade do acordo de empresa por parte do Governo.
O Grupo Parlamentar do PCP confrontou, mais do que uma vez, o Ministro Mário Lino e o Ministro Vieira da Silva sobre as ilegalidades desta administração que nomearam. Os Ministros disseram sempre que não sabiam de nada! Agora que o Governo tem conhecimento oficial da situação que se está a viver nos CTT, o PCP requereu a vinda do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (que tem a tutela da empresa) para dar explicações na comissão, mas o PS impediu essa audição.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Têm medo!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Requeremos, então, a vinda do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social e o PS, ontem mesmo, voltou a impedir a discussão deste assunto com o Governo, tendo afirmado que as respostas do Ministro são esclarecedoras quanto baste.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Têm medo da verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Esclarecedora quanto baste é esta atitude do Governo e da maioria PS.
Perante este verdadeiro escândalo e esta vergonha para a própria democracia, o silêncio e a passividade que demonstram fazem do Partido Socialista não apenas um espectador indiferente mas o verdadeiro responsável e autor moral de tudo o que está a acontecer.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, este processo que se está a viver nos CTT está, afinal, a mostrar ao País o que de pior e de melhor existe no mundo do trabalho em Portugal.
Mostra a actuação desumana e sem escrúpulos desta administração nomeada e a mando do Governo, a sua falta de respeito pelos direitos de quem trabalha, pela lei e pela Constituição. Mas mostra também a coragem, a firmeza e a dignidade destes trabalhadores, que não se vendem, que não vendem os seus direitos e o seu futuro.
O Governo tem de responder de uma vez por todas pelo que está a acontecer, assumir as suas responsabilidades e pôr fim, de uma vez por todas, a esta situação sem lei e de regresso ao passado que se vive na empresa.
A exigência dos trabalhadores aí está, com o seu exemplo, com a resposta de luta: é assim que hoje se constrói o futuro!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Bruno Dias. É o resultado da sua eleição para a Comissão Política do PCP, Sr. Deputado.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

Página 17

17 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, primeiro, queria saudá-lo pela matéria que aqui traz e, segundo, manifestar desta forma a solidariedade do Bloco de Esquerda em relação à luta tão digna e tão exaltante que os trabalhadores dos CTT têm estado a desencadear.
Estamos solidários com esta luta dos trabalhadores, que têm tido a coragem de enfrentar uma administração que, tal como o Sr. Deputado referiu, não é uma administração qualquer: é uma administração nomeada pelo Governo»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É do PS!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — » e em relação à qual o Governo tem grandes responsabilidades.
O Partido Socialista e a administração dos CTT quiseram fazer aqui uma antecipação da aplicação do novo Código do Trabalho.

Vozes do BE e do Deputado do PCP Bernardino Soares: — Exactamente!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Já não bastavam os vários cheques que temos por esse País fora, esta administração veio agora oferecer aos trabalhadores um «cheque-adesão» ao contrato. Ou seja, quem aderir a um contrato assinado por uma organização sindical à qual os trabalhadores não pertençam, tem direito a um cheque de 400 € (o chamado «cheque-adesão») como prémio!

Vozes do BE: — Uma vergonha!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Isto é absolutamente inaceitável, absolutamente vergonhoso! Por outro lado, o Partido Socialista, ao impedir que os Srs. Ministros das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e do Trabalho e da Solidariedade Social venham ao Parlamento explicar o que se passa numa empresa tutelada pelo Governo, mais não faz do que estar conivente com a actuação desta administração, o que também é uma vergonha.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — É uma vergonha que o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, que deveria ter um papel determinante no exercício da democracia na empresa e no exercício dos direitos, nada tenha feito até ao momento, nem tão-pouco cumprido o seu papel relativamente à arbitragem pedida pelos sindicatos que representam a maioria dos trabalhadores deste sector.
Esta é a verdade e esta é a grande responsabilidade deste Governo em matéria de direitos sociais.
O «Código do Trabalho Vieira da Silva« ç aqui aplicado antecipadamente» Vamos ter muitos episódios semelhantes a este com o novo Código do Trabalho, que tanto o Governo do Partido Socialista aqui nos quis trazer e que tantos elogios levou do Grupo Parlamentar do PS.

Aplausos do BE.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, se me permite, em jeito de interpelação à Mesa, e não querendo corrigir V. Ex.ª, direi que há camaradas muito melhores do que eu para integrar a Comissão Política.
Não é o caso eu ter sido eleito, sou apenas um militante e, nesse sentido, cá estou, humildemente, a fazer a minha parte.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, eu sei. Mas fiz, espiritualmente, uma graduação abusiva»

Página 18

18 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Risos do PCP.

» em relação a V. Ex.ª e, tambçm, em relação ao Sr. Deputado António Filipe. Era apenas um desvio subjectivo tão pequeno-burguês.

Risos.

Mas já fui rectificado sobre a realidade objectiva.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, a burguesia está bem representada, espero que o PCP também esteja.

O Sr. Presidente: — Estou sempre a aprender!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, faço menção de responder agora à Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, começando por agradecer, naturalmente, a questão que colocou, visto que foi ao encontro do retrato fiel da situação que está a ser vivida actualmente.
Esta administração dos CTT está a agir como autor material deste verdadeiro ataque, deste atentado contra os direitos, contra a própria legalidade e os comandos constitucionais em vigor no nosso país, sendo que o autor moral, quem está a patrocinar e a dar o aval a toda esta ofensiva é, evidentemente, quem exerce directamente a tutela política governamental sobre esta empresa: o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Mas fá-lo com o conhecimento e o acompanhamento oficial dos serviços do Ministério do Trabalho.
Isto é absolutamente lamentável e inaceitável! É uma vergonha para a democracia portuguesa que o Governo esteja a procurar fazer dos CTT um verdadeiro banco de ensaio para os desmandos, as injustiças deste «código da exploração» agora lançado pelo Ministro Vieira da Silva, por esta maioria e por este Governo.
Efectivamente, esta é uma situação de empresa sem lei, em que, por decisão unilateral, emitida a partir da própria administração, por regulamento interno, se aprovam as normas — supostamente — em vigor para as relações laborais da empresa, sem negociação, sem cumprir a lei, sem a mínima das considerações pelo que está em vigor neste país.
As próprias leis que este Governo e esta maioria aprovaram são desrespeitadas e violadas com a maior das displicências e com a maior das arrogâncias por parte desta administração, que não é mais do que uma equipa constituída por homens e mulheres da inteira confiança política e partidária deste Governo e deste Partido Socialista.
É nesse sentido que a resposta muito firme, muito unida e inequívoca dos trabalhadores e das trabalhadoras desta empresa está a ser necessária não só para defender os seus próprios direitos mas também como um exemplo de luta na defesa dos seus direitos que é preciso ter em conta para as lutas que aí vêm e que este país, seguramente, terá de enfrentar no futuro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, os governantes vêm ao Parlamento sempre que a oposição quiser. Há figuras regimentais para o efeito. O PCP e o Bloco de Esquerda podem, sem pedirem autorização a ninguém, exigir a presença do Ministro do Trabalho ou do Ministro das Obras Públicas, sem que nós nos possamos opor, sem que ninguém se possa opor, utilizando as figuras regimentais que existem para o efeito.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — É verdade!

Página 19

19 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. José Junqueiro (PS): — Mas os Srs. Deputados não o fazem. Vêm aqui apresentar este problema, dizer ao País que se trata de um problema importantíssimo,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E é!

O Sr. José Junqueiro (PS): — » mas não ç tão importante que os faça usar as figuras regimentais que têm ao vosso dispor para, sem opinião de ninguém, e apenas por vontade própria do Bloco de Esquerda ou do PCP, obrigarem os Srs. Ministros a estarem aqui presentes. Essa é que é a verdade! A este respeito, gostaria de lhe perguntar o seguinte: porque é que, para o PCP e para o BE, os trabalhadores dos CTT são considerados trabalhadores de 2.ª categoria? Afinal, quem é que põem acima deles para utilizarem estas figuras regimentais?! Esta hipocrisia do Bloco de Esquerda e do PCP, que dispõem de figuras regimentais para obrigarem os ministros a vir aqui, sem o acordo de quem quer que seja» Porque ç que não utilizam essas figuras regimentais? Não as utilizam, porque, para o Bloco de Esquerda e para o PCP, os trabalhadores dos CTT são matéria de instrumentalização política e não pessoas que lhes deveriam e devem merecer respeito.

Aplausos do PS.

Protestos do PCP e do BE.

Para terminar, porque o tempo não é muito, quero deixar uma nota: a Comissão de Trabalho e a Comissão de Obras Públicas questionaram o Governo sobre esta matéria, receberam os sindicatos, como o Sr. Deputado Bruno Dias sabe, e este processo está em curso, por isso os senhores vieram aqui fazer uma operação de demagogia completa.
Devo dizer que, como socialista e defensor dos trabalhadores em primeiro lugar, me repugna o facto de o Bloco de Esquerda e do PCP considerarem desta forma os trabalhadores dos CTT, porque os senhores, se quisessem, com os direitos que o Regimento vos dá, obrigavam a vir aqui, sem pedirem autorização a ninguém, o Ministro do Trabalho e o Ministro das Obras Públicas. Acho que, pelo menos, se deve exigir ao Bloco de Esquerda e ao PCP um mínimo de honestidade e de vergonha em relação àquilo que estão a dizer.

Aplausos do PCP.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, agradecemos que se tenha dirigido ao PCP a propósito deste processo decisivo e gravíssimo que se está a verificar nos CTT e também o interesse e a preocupação que manifestou aqui relativamente à forma como o PCP conduz a sua intervenção na Assembleia da República, mas, se me permite um conselho, o Sr. Deputado melhor faria em preocupar-se com a forma como o seu partido e a sua bancada conduzem a sua actuação e a sua intervenção no Parlamento.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E mais preocupante, mais grave e mais escandaloso do que o uso ou não uso que nós fazemos das prerrogativas que o Regimento da Assembleia da República nos confere é o voto contra do Partido Socialista»

Vozes do PCP: — Muito bem!

Página 20

20 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Bruno Dias (PCP): — » relativamente á nossa proposta de ouvir os responsáveis directos ao nível do Governo.
O senhor, que faz agora o gesto de quem toca música, não tem feito outra coisa em toda a Legislatura.
Sempre que os trabalhadores vieram à Assembleia da República, se dirigiram ao PS, se mobilizaram na rua ou fizeram greves de fome, o Sr. Deputado e o seu partido fizeram o gesto que ainda agora aqui fez, isto é, «tocou música» para nós, para os trabalhadores e para o País. É essa a atitude que continua a demonstrar.

Protestos do PS.

Aquilo que fazemos não é demagogia e muito menos mentira, porque aquilo que se está a verificar, nomeadamente ao nível desta administração, nomeada pelo seu Governo, com camaradas seus e com homens e mulheres da confiança do seu partido, é a apresentação de comunicados internos a dizer: «Acordo de empresa caducou» — é mentira, Sr. Deputado! — e «Regulamento interno ao Código do Trabalho». Isto foi distribuído na empresa! O que os seus camaradas estão a fazer nos CTT é a destruir e a atacar direitos.
Sr. Deputado, queremos anunciar aos Srs. Deputados e à Câmara que a grande preocupação que o Sr. Deputado aqui revelou fica, afinal, resolvida, pois o PCP, perante a atitude intransigente e arrogante do PS de rejeitar qualquer debate com o Governo sobre esta matéria, vai utilizar o direito regimental de agendamento potestativo»

Vozes do PS: — Muito bem.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — » para debater o problema que o PS, pelos vistos, tem medo de discutir no Parlamento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, V. Ex.ª trouxe a Plenário um tema importante. E, apesar de esta bancada ter uma visão bastante diferente da sua, nomeadamente em termos de paradigma, do que deve ser o nosso Direito do Trabalho, quero dizer-lhe duas coisas que me parecem muito importantes.
Há, de facto, um conjunto de explicações que devem ser dadas pelos responsáveis políticos em relação a um conjunto de situações que estão neste momento a acontecer. Por isso mesmo, o CDS acompanhou os pedidos do PCP de chamar ao Parlamento os respectivos responsáveis políticos para darem essas explicações.
Numa democracia de índole parlamentar, uma das funções mais nobres do Parlamento é exactamente a de chamar os responsáveis políticos aos locais próprios, que, em nosso entender, neste caso, devem ser a Comissão de Trabalho ou a Comissão de Obras Públicas, e não este Plenário, mas a verdade é que fomos confrontados, em dois momentos, com a total intransigência do Partido Socialista,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — » para que esse debate pudesse acontecer no sítio próprio, no modo próprio e até no tempo próprio.
Pasme-se até que a Comissão de Trabalho adiou, durante duas semanas, a votação do requerimento do PCP,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Anda muito ocupada com o terminal de Alcântara!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — » para que pudçssemos receber toda a informação do Ministçrio do Trabalho e do Ministério das Obras Públicas, e, pelos vistos, o Ministério das Obras Públicas nem sequer

Página 21

21 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

conseguiu, em cerca de 15 dias, enviar uma nota informativa para o Parlamento. Certamente que o Sr.
Ministro e, porventura, os Srs. Secretários de Estado andavam muito ocupados a distribuir computadores Magalhães por todo o País e, por isso, nem sequer tiveram tempo para escrever uma nota informativa ao Parlamento, dizendo o que se estava a passar.
Mas, no meio de toda esta discussão, o que acho mais curioso é o conceito que o Partido Socialista tem do que deve ser a sua maioria absoluta, ao dizer «se querem discutir um aspecto na Comissão, usem o agendamento potestativo». Às tantas ainda vão dizer «se querem ouvir o Sr. Ministro, proponham uma comissão de inquérito». Se calhar, ainda vou ouvir o Sr. Deputado José Junqueiro dizer: «para virem cá só com uma moção de censura».

Risos do Deputado do PS José Junqueiro.

O Sr. Deputado pode rir-se, mas o que se está a passar é o simples problema de um responsável político vir ao Parlamento dar uma explicação, o que dignificaria o Parlamento e a maioria. Infelizmente, os senhores escolheram um caminho ínvio, que é a melhor prova de como utilizam a vossa maioria absoluta. Fazem-no de uma forma politicamente autista, sem ouvirem os argumentos dos outros e impondo sempre a força dos vossos votos, mesmo contra a força da razão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, muito obrigado pela questão que aqui nos trouxe.
Ao ouvi-lo, veio-me inevitavelmente à memória aquela situação, no anterior governo, no qual o partido de V. Ex.ª assumiu particulares responsabilidades, em que tivemos ocasião de realizar um debate político sobre divergências de fundo e sobre aquilo que considerámos — de facto, foi — um ataque ao serviço postal, que foi o desmantelamento de mais de uma centena de estações e postos de correio.
Nessa altura, na Comissão de Obras Públicas e Comunicações, denunciando a ofensiva do então governo aos CTT e ao serviço postal, lá estava ao nosso lado o Partido Socialista e o seu grupo parlamentar, aliandose a esse combate necessário que travámos em defesa do serviço postal e da empresa CTT.
É triste verificarmos que, poucos anos depois, aí está a transmutação inacreditável que o PS demonstra viver, em que a resposta e a prática fazem da incoerência e da contradição uma verdadeira prova de esforço.
A resposta do Ministério do Trabalho que o Sr. Deputado citou dá-nos vontade de dizer — passe a expressão popular: aí está o Governo a «fazer-se ao piso», para prosseguir a estratégia, que claramente está a ser seguida, com vista a fazer caducar o acordo da empresa, a contratação colectiva e os direitos que estão em vigor para estes trabalhadores.
Mas a resposta do Ministério das Obras Públicas e Comunicações nunca chegou e, provavelmente, nunca chegará, tal como nunca chegaram as respostas do mesmo ministério a n requerimentos, perguntas e interpelações que o PCP, os próprios trabalhadores e as suas organizações lhe dirigiram.
Portanto, aquela imagem que tantas vezes faz parte do anedotário tradicional neste país, dos três macacos, em que um nada diz, outro nada ouve e o outro nada vê, é claramente o ícone e o símbolo da prática deste Governo.
Mas não se trata, como aqui afirmámos, de um problema de passividade ou de um partido que funciona como espectador indiferente, estamos perante uma estratégia concertada e levada a cabo ao mais alto nível por responsáveis políticos de um Governo e de um partido que está, claramente, contra os trabalhadores e contra o País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

Página 22

22 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, aquilo que se está a passar nos CTT é absolutamente inaceitável e lamentável. A administração diz que o acordo de empresa caducou em 7 de Novembro, o que não corresponde à verdade, e o Governo, que tem a tutela desta empresa, parece assistir com algum prazer àquilo que a administração está a realizar.
Mas do comportamento da administração da empresa resultam situações que são absolutamente chocantes. E são absolutamente chocantes porque daí resulta a perseguição a dirigentes sindicais, a despromoção de trabalhadores que não subscrevem o acordo celebrado por uma ou duas organizações sindicais, a discriminação salarial e, sobretudo, Sr. Presidente, há uma interpretação fundamentalista da lei por parte da administração dos CTT. Há aqui uma interpretação fundamentalista e abusiva a que o Governo, a tutela política, não pode ficar indiferente.
Nós consideramos que o Governo, que tanto prega as virtudes da contratação ou, melhor dizendo, da livre contratação colectiva e da concertação social, faz vista grossa, quando há aqui uma prática que é um péssimo exemplo para aquilo que deve ser, de facto, valorizado, que é a livre contratação colectiva.
Mal andaremos todos se, porventura, a aplicação do novo Código do Trabalho enveredar pela prática que a administração dos CTT está a adoptar neste caso concreto.
E o que é mais grave, Sr. Presidente, é que, perante esta situação, um partido solicita a presença, na Comissão Parlamentar de Trabalho, do Sr. Ministro do Trabalho e o Partido Socialista procura, sistematicamente, bloquear a prestação de esclarecimentos, que são justificados e mais do que fundamentados.
O Partido Socialista procura transmitir, em termos de discurso, uma coisa, mas, depois, no concreto faz exactamente o seu contrário. O Partido Socialista procura transmitir para a opinião pública um conjunto de princípios e de valores, que, depois, estilhaça, destroça em sede política.
Ontem, o Partido Socialista demonstrou que os trabalhadores podem ouvir as suas promessas, mas não podem confiar nelas, porque ele não só as não respeita como as destroça quando é necessário prestar os adequados esclarecimentos políticos. Daí que, Sr. Presidente, digamos que este caso dos CTT é um exemplo que não deve ser tido em conta por nenhum outro sector de actividade do País e que, neste caso concreto, a livre contratação, a livre negociação está a sofrer um ataque violento por parte do PS através da sua administração.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Arménio Santos, agradeço as questões que colocou.
Aquilo que nos parece mais escandaloso e mais inaceitável nesta atitude da maioria parlamentar do PS em inviabilizar e rejeitar sistematicamente todas as iniciativas conducentes ao esclarecimento e ao debate desta situação gravíssima que se atravessa nos CTT tem que ver com uma das vertentes centrais desta ofensiva, que está a ser movida pela administração dos CTT e pelo Governo contra os trabalhadores. Ora, consideramos que uma das vertentes fundamentais é o ataque aos direitos e às liberdades fundamentais dos cidadãos enquanto trabalhadores. E os ataques à liberdade sindical são, no fundo e antes de mais, ataques à própria democracia. É isso que está em causa com esta actuação da administração, é isso que está em causa com a sua atitude arrogante, ilegal e inconstitucional, com a cobertura clara do Governo do PS.
Mas, ao fim e ao cabo, não podemos também deixar de parte um aspecto de que ainda não falámos neste debate. Tem que ver com o facto de toda esta ofensiva, esta autêntica cruzada da administração dos CTT e do Governo contra a contratação colectiva, ter uma razão de fundo e um objectivo no horizonte: a privatização dos CTT e a transformação deste serviço público num negócio milionário para grupos económicos.
Conhecemos, há vários anos, as movimentações que, por toda a Europa e pelo mundo, se verificam ao nível dos gigantes das comunicações e das telecomunicações relativamente ao domínio desse sector estratégico que é o serviço postal. Sabemos que os governos do PSD e do CDS-PP, no passado, portanto, os sucessivos governos, foram trilhando este caminho de abrir as portas à liberalização dos serviços postais, à

Página 23

23 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

privatização dos serviços, à entrega de sectores fundamentais desta actividade a empresas privadas. Já hoje os CTT entregam determinantes serviços ao sector privado.
Esta força combativa, estes direitos consagrados, esta contratação colectiva, conquistada por gerações de trabalhadores dos CTT, não podem ficar presos na garganta de um comprador qualquer que queira ficar com este negócio. E dai se vê e se entende esta fobia do Governo do PS e da administração relativamente a direitos consagrados há muitos anos e que foram o resultado de uma luta, também de sangue, suor e lágrimas, de gerações de trabalhadores nesta empresa.

Aplausos do PCP.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, gostaria de saber se, para além do anúncio feito pelo PCP de um agendamento potestativo, há, da parte do PSD ou do CDS, algum pedido de agendamento de debate de actualidade ou de urgência sobre a matéria que acabámos de discutir.

O Sr. Presidente: — Neste momento não, Sr. Deputado, mas estamos sempre disponíveis para que isso aconteça, nos prazos regimentais.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema que o CDS hoje traz a Plenário tem a ver com o estado da nossa economia.
Antes, no entanto, não poderia deixar de referir, como já o fez o Parlamento como um todo, o facto de hoje se celebrar mais um aniversário sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Num Parlamento que, evidentemente, tem como principal função a defesa dos direitos, liberdades e garantias, não poderíamos deixar de fazer esta referência.

Aplausos do CDS-PP.

Passando ao tema da declaração política, vimos, por este meio, analisar aquilo que, ontem, foi dado a conhecer pelo Instituto Nacional de Estatística em relação ao estado da nossa economia no 3.º trimestre deste ano. E as conclusões são evidentes: Portugal não cresce, antes, decresce, caminha, infelizmente, para a recessão; o investimento não dispara; as contas externas estão deterioradas; as perspectivas de longo, médio e curto prazos não são as melhores (as de curto prazo por incapacidade de previsão, as de longo prazo por incapacidade quanto à solução); o Governo está completamente desorientado; a gestão de expectativas é caótica e nem as ajudas de Bruxelas são usadas devidamente.
O CDS continua, perante este cenário, a fazer o seu trabalho de apresentar alternativas boas para a economia e para o investimento: em relação aos impostos, com a defesa das garantias dos contribuintes e um plano para que os impostos sejam mais baixos e mais competitivos; em relação à justiça, através da resolução alternativa de litígios; no apoio aos mais necessitados, com propostas em concreto quanto ao subsídio de desemprego.
Perante isto, José Sócrates diz que a oposição nada apresenta e nada diz. O problema é que o Governo está totalmente desorientado.

Aplausos do CDS-PP.

E passou por várias fases: em primeiro lugar, a euforia; em segundo lugar, o delírio; em terceiro lugar, a negação da realidade; em quarto lugar, a precipitação; e, em quinto lugar, a desorientação. Vejamos, uma a uma, a comprovação destas fases.

Página 24

24 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

A primeira, a de euforia. O Primeiro-Ministro, José Sócrates dizia, no dia 15 de Maio de 2008: «Toda a Europa está preocupada, mas Portugal enfrenta a turbulência com confiança». Se calhar, mais valia que a confiança não fosse tão grande e que o Primeiro-Ministro tivesse sido um pouco mais precavido.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — A fase seguinte foi a do delírio. O mesmo Primeiro-Ministro, José Sócrates, no dia 24 de Abril de 2008, dizia o seguinte: «Vamos retomar, este ano, a convergência, em termos de crescimento económico, com a União Europeia». Neste momento, a única convergência que serve, numa União Europeia que serve para tudo, é a do caminho da recessão.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Em Abril de 2008, o sempre presente Ministro Manuel Pinho dizia: «A economia portuguesa está no bom caminho para uma retoma sólida, não havendo qualquer sinal de crise».
Por que razão andaria o Ministro tão distraído? A seguir, passámos à fase da negação, em que José Sócrates dizia, em Abril de 2008: «Não temos nenhum elemento quantitativo que permita rever a baixa do crescimento». Depois desta frase, o nosso crescimento já foi revisto duas vezes, e deveria ter sido muitas mais.
A quarta fase é a da precipitação de um Primeiro-Ministro que, no dia 14 de Novembro de 2008, dizia o seguinte: «Começava por saudar o facto de Portugal não se encontrar em recessão, frisando que a nossa economia sobe e continua a crescer no terceiro trimestre». Foi a chamada «precipitação rápida» do PrimeiroMinistro. É que a nossa economia, neste momento, infelizmente, «sobe» para baixo e caminha para a recessão.
No dia 29 de Maio de 2008, em resposta ao Presidente do CDS, Paulo Portas, dizia o Primeiro-Ministro, José Sócrates: «Sr. Deputado, as suas posições sobre o aumento da gasolina visam apenas convencer, algo em que os portugueses nunca acreditarão, que os preços mais altos da gasolina e do gasóleo são culpa do Governo». É precisamente este Primeiro-Ministro que agora se vem vangloriar da baixa do preço da gasolina e do gasóleo.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Termina este Governo numa fase de desorientação, que toca até o Ministro Teixeira dos Santos, que diz, em Maio de 2008: «Se houver razões para fazer qualquer ajustamento às nossas previsões, é claro que o faremos». Pois todos os números demonstram que o próximo Orçamento é impossível de cumprir, e este Governo não rectifica rigorosamente nada.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — No dia 3 de Dezembro de 2008, para terminar, o Primeiro-Ministro anuncia baixa das taxas de juro, inflação mais baixa e preço da gasolina mais baixo — tudo coisas que não dependem do Primeiro-Ministro. Anuncia mais poder de compra, anuncia que o ano de 2009 vai ser um ano até positivo para as famílias portuguesas.
Dias depois, mais precisamente seis dias depois, é o Instituto Nacional de Estatística que vem dizer que Portugal caminha para uma situação de recessão, que, evidentemente, todos lamentamos. Basta de desorientação.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não sei se, em relação a este Governo, não se deveria aplicar uma célebre frase do Rei de Espanha: «Por que não te calas?»

Página 25

25 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, ouvindo a sua intervenção, lembreime que tínhamos de registar, desde já, que o Eng.º José Sócrates vai ficar na História por ser PrimeiroMinistro de um Governo que leva o País à recessão.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Pois claro!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — E, mais do que isso, face a tudo o que sabemos, é um Primeiro-Ministro que também vai ficar na História porque essa recessão vai ser cada vez pior. Portanto, desta realidade o PrimeiroMinistro e o Partido Socialista não se podem desligar, porque é isso que fica na História.
Mas, pior do que a recessão, deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado — e para que não se use, como o Partido Socialista fazia quando estava na oposição, a recessão como arma de arremesso político —, são as suas causas e efeitos. E o Governo e o Partido Socialista continuam a esconder os efeitos da situação que vivemos em termos económicos, desde logo o desemprego.
Mas lembro-me também, por exemplo, das políticas económicas erradas que o Governo teve desde 2005, em que anunciou grandes investimentos. Vamos ver os últimos dados e verificamos que o investimento, em Portugal, está em queda bruta e não pode sustentar qualquer crescimento económico. E refiro-me mesmo ao investimento privado, que o Governo sempre disse que poderia ser a mola real do nosso crescimento económico.
Mas, pior, a certa altura, dizia-se, em 2006 e 2007: «Agora, temos um crescimento virtuoso, baseado nas exportações». Baseado nas exportações?! Mas vamos analisar os últimos dados das exportações e ver onde é que elas estão! Mas, afinal, o nosso crescimento é virtuoso e Portugal agora está preparado para essa recessão e para a situação económica que vivemos? Não está. Por isso é que temos de dizer que o Eng.º José Sócrates e o Partido Socialista, independentemente da situação de crise internacional, são responsáveis pela situação que vivemos.
Queria deixar-lhe uma questão para não perdermos mais tempo com esta matéria, que é, para nós, perfeitamente clara. Por que é que o Governo continua a esconder a realidade? O Primeiro-Ministro vem dizer que em 2009 não será tão mau, que vão baixar as taxas de juro, que o petróleo vai baixar, que vamos abastecer» Mas isso não depende do Governo! O Primeiro-Ministro deve falar daquilo que depende efectivamente do Governo. E, daquilo que depende do Governo, veremos como a situação do País em 2009 é muito grave.
Vamos discutir, dentro de dias, o Programa de Estabilidade e Crescimento. O Governo está a fazer o mesmo que fez até agora em todos os grandes documentos orientadores da política económica, que é esconder a realidade das suas previsões económicas. Gostava de perguntar ao Sr. Deputado Diogo Feio quais são os efeitos das previsões económicas completamente irrealistas dadas pelo Governo, como indicia o Programa de Estabilidade e Crescimento e como foi feito no Orçamento do Estado. Porque, Sr. Deputado, nós não vamos esperar que deste Governo, com este Orçamento irrealista, saia algo de bom para Portugal e para os portugueses!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Velosa, agradeço a questão que me colocou, a qual se resume em perceber se, hoje, o nosso País está melhor no plano económico do que no momento em que o Primeiro-Ministro, José Sócrates, tomou posse. A resposta tem um rotundo «não», pela incapacidade de previsão e, fundamentalmente, pelo contacto com a realidade. Não há, hoje, empresas

Página 26

26 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

melhores, não há economia mais produtiva, eu diria que este Governo tem um gravíssimo problema com a realidade.
Aliás, o Primeiro-Ministro, José Sócrates, chegou a dizer que esta crise era muito injusta para o seu Governo.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Coitadinho!»

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Pois a crise não tem de ser injusta, a crise tem de ter soluções e capacidade de previsão por parte do Governo.

Aplausos do CDS-PP.

Mais: em situações de crise, aquilo que tem de existir é capacidade de apresentar soluções. Em primeiro lugar, para os mais desfavorecidos. E o problema é que, em Portugal, o conceito de «mais desfavorecido» se vai alargando de forma extraordinariamente preocupante. Não é aceitável que o Governo apresente o número que apresenta em relação ao desemprego no actual Orçamento do Estado.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não é aceitável que o Governo não aceite discutir, como o CDS apresentou aqui no passado Orçamento, uma proposta de acordo com a qual o subsídio de desemprego deveria ter um período alargado e uma majoração para as situações em que os dois membros do casal estão desempregados.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não é aceitável que não se continue a olhar com atenção para as pensões, parecendo que existe apenas preocupação com o rendimento social de inserção.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não é aceitável que o Governo não se preocupe com a liquidez das empresas,»

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » com medidas simples que têm a ver com o IVA e com o IRC. Ainda recentemente, se este Governo não tivesse sido publicamente avisado pelo CDS, criaria uma situação às empresas em que elas tinham de fazer o pagamento por conta no prazo de nove dias e antes do Natal. Isto é verdadeiramente inaceitável!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Ainda é mais inaceitável quando temos um Orçamento do Estado que, ainda antes de estar em vigor, já foi rectificado pela realidade.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Uma vergonha!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Objectivamente, mais tarde ou mais cedo, vamos ter de discutir a taxa de crescimento, que não existe para o próximo ano mas que o Governo previu; a taxa de desemprego, que o Governo previu em baixa; a forma como este Governo prevê para o próximo ano a cobrança de impostos, que é verdadeiramente irrealista em relação a impostos como o IVA, o de selo ou o IRS.

Página 27

27 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Só é possível conseguir a cobrança de impostos, que está prevista no actual Orçamento, ultrapassando os limites da lei, coisa que não acredito que ninguém queira que seja feito.

Aplausos do CDS-PP.

Portanto, estamos numa situação que é difícil e estamos perante um Governo que está muitíssimo baralhado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Diogo Feio colocou duas questões.
Primeira, que Portugal não cresce. Quero dizer ao Sr. Deputado Diogo Feio que, se a sua preocupação é a de saber se Portugal cresce ou não, o aconselho a consultar as estatísticas e facilmente constatará que Portugal, durante o Governo do Partido Socialista e até ao momento, cresceu 4,9%, repito 4,9%.
Segunda, sobre se o País está melhor. Sr. Deputado, ainda bem que chamou a atenção para esse facto.
Para sabermos se o País está melhor é fundamental constatarmos os números com que este Governo iniciou funções. Como sabe, a taxa de desemprego em Abril de 2005 era, segundo dados do Eurostat, de 7,5%.

Protestos do CDS-PP.

Em Setembro de 2008, segundo dados do Eurostat, a taxa de desemprego era de 7,3%, abaixo da zona euro, que era de 7,5%.
O País está melhor? Seria desejável que fosse melhor, mas, para já, segundo estes números, está bem melhor do que em 2005.
Quanto ao dçfice orçamental, sabemos o que se passou com o PSD e o CDS no governo!» Bom, já ninguém tem dúvidas que o défice orçamental, no final deste ano, vai ser de 2,2%.
V. Ex.ª vem aqui falar de um trimestre negativo. Devo dizer que um trimestre negativo não pode considerarse recessão. Recessão técnica é quando há dois trimestres negativos sucessivos. Teve um trimestre, mas o ano ainda vai ser de crescimento positivo, Sr. Deputado. Esteja tranquilo que ainda não é este ano que vai ter recessão!» E agora respondo tambçm ao Sr. Deputado Hugo Velosa»

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Mas eu não fiz nenhuma intervenção!

O Sr. Victor Baptista (PS): — » quando disse que Portugal iria ter um Primeiro-Ministro que levaria o País à recessão. Não, Sr. Deputado. Quem retirou o País da recessão foi este Primeiro-Ministro! Este é que tirou o País da recessão!

Aplausos do PS.

Este é que retirou o País da crise.
O Sr. Deputado, intencionalmente, ignora as projecções para 2009 para a Europa. Ignora que, na Irlanda, o crescimento para 2009 é de menos 1,7%, no Reino Unido é de menos 1,1%, na Itália é de menos 1%, em Espanha é de menos 0,9%, etc., etc.
O Sr. Deputado ignora as condições internacionais, a situação internacional da economia mundial, e ignora-a intencionalmente. Mesmo aí não diz que a projecção da OCDE para Portugal é de menos 0,2%. Lá iremos, porque estamos num momento de grande instabilidade e constataremos se isso se verificará ou não em 2009.
Até ao momento, respondo muito sinceramente ao Sr. Deputado, e os portugueses têm consciência disso: hoje, o País está melhor do que quando VV. Ex.as foram governo e o deixaram, na altura.

Página 28

28 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Baptista, comecei por ouvi-lo falar sobre o crescimento em Portugal. Sr. Deputado, vou dizer-lhe uma coisa para a qual me comprometo: da próxima vez em que trouxer frases de altos responsáveis do Partido Socialista para aqui citar, também vou trazer essa, para não ficar com inveja em relação aos seus outros correligionários.

Aplausos do CDS-PP.

Portanto, Sr. Deputado, não fique preocupado porque vou também fazer uma colecção de citações suas para as poder trazer para aqui.
Sr. Deputado, permita-me um conselho: em relação a previsões, é preciso cautela, porque elas vão sendo constantemente ultrapassadas pela realidade. Portanto, Sr. Deputado, aconselho-o a ter alguma cautela.
Já agora, olhando para a realidade, aquilo que parece cada vez mais claro — e com certeza para o Sr. Deputado também! — é que a carga fiscal aumenta como nunca se viu em Portugal.
O Sr. Deputado falou do défice. Sabe quanto seria actualmente o défice se não tivéssemos tido o aumento de impostos que tivemos durante estes quatros anos? Estava próximo dos 5%. Isso é a demonstração do erro da política financeira que V. Ex.ª aqui tantas vezes vai defendendo! Sobre o défice, também é importante que possa ouvir aquilo que diz o Sr. Ministro Teixeira dos Santos, que já hoje referia que não se «atravessava» muito em relação àquilo que vai acontecer no próximo ano e que até podemos estar muito próximo dos 3%. Portanto, também em relação a essa matéria, cautela! Quanto à questão que colocou, Sr. Deputado, o que interessa não é a altura da saída. O que interessa é a altura da entrada de VV. Ex.as no poder, que o exercem já há quatro anos. A pergunta que se faz é sobre se a situação melhorou e a resposta continua sempre a mesma: a situação não melhorou.
Peguemos, como V. Ex.ª deu como desafio, nos números do desemprego. No fim de 2004, estavam na ordem dos 6,7%; no fim de 2007, na ordem dos 8%.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Dados anuais!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — São dados anuais de que o Sr. Deputado tanto gosta.
Na altura, os 6,7% eram uma grande tragédia social. O que serão, então, os 8% e, sobretudo, a dramática perspectiva de que o desemprego vai continuar a crescer em Portugal?! Sobre a matéria da recessão, tenho mais uma frase do Primeiro-Ministro, José Sócrates. Disse-a no dia 15 de Outubro de 2008: «O objectivo do meu Governo é que Portugal não entre em recessão, como alguns países europeus vão entrar». Esse objectivo é, hoje, muito claro: em menos de um mês, já caminha para não ser alcançado. E não dizemos isto com satisfação, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Dizemos isto devido à incapacidade de previsão do seu Governo e, fundamentalmente, pela incapacidade de encontrar soluções que este País tanto precisa para as famílias e para as empresas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Victor Baptista, não me diga que vai utilizar a técnica tradicional da interpelação à Mesa!?

Página 29

29 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, é exactamente para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Deputado Diogo Feio acabou de dizer que a taxa de desemprego era de 6,9%. Vou fazer chegar à Mesa um quadro do Eurostat que refere que a taxa era de 7,5%.
Portanto, a minha interpelação visa corrigir o dado do Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, de facto, os dados do Instituto Nacional de Estatística, ontem divulgados, confirmam que, infelizmente, o País pode estar a entrar em recessão económica.
Um pouco ao contrário do que tem dito e insistido o Sr. Primeiro-Ministro, a verdade, a vida, segundo um antecessor do actual Primeiro-Ministro, mostra que a realidade é bem pior do que a sua própria fantasia.
Mas estes dados do INE mostram bem que o Governo perdeu uma oportunidade, em sede orçamental, para tomar um conjunto de iniciativas, para aprovar medidas que, efectivamente, combatessem a crise. E vou dar-lhe alguns exemplos.
À cabeça, o investimento público. Recorda-se, certamente, das dezenas de propostas que o PCP aqui apresentou para aumentar esse investimento público. É verdade que também aqui o CDS não nos acompanhou, infelizmente. Certamente, o CDS estará arrependido de não ter promovido a utilização de uma margem orçamental que pudesse aumentar o investimento público, naturalmente um investimento público com qualidade!» Mas também, em sede das pequenas empresas, a rejeição da proposta do PCP de eliminação do pagamento especial por conta ou a rejeição da proposta do PCP do pagamento do IVA para as pequenas empresas no momento do seu recebimento ou do recebimento das facturas.
Há também exemplos de natureza social e da distribuição da riqueza que gostava de realçar e de sublinhar de uma forma especial. As nossas propostas de aumento do subsídio de desemprego, de aumento do subsídio social de desemprego, de aumento da sua cobertura, e as nossas propostas no sentido de alterar a distribuição da riqueza, em Portugal.
É sobre os dois dados que ontem foram divulgados — o do Instituto Nacional de Estatística (INE) e o da Associação Portuguesa de Bancos — que gostava de o confrontar.
Ontem, soube-se também que, no 1.º semestre de 2008, os bancos tiveram, apesar da crise — veja-se lá!» —, 1000 milhões de euros de lucro. Colocou-se, em sede orçamental, sem vencimento, a questão da distribuição da riqueza em Portugal, a questão da equidade fiscal e da equidade social.
A questão que lhe coloco agora tem a ver com estes dois exemplos: de um lado, temos estes lucros, apesar da crise, e, do outro lado, temos salários e pensões a aumentar de forma quase indigente ou a recusa, também extensiva ao CDS, da instauração de uma tributação extraordinária à riqueza e ao património especialmente elevados em Portugal.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Bem lembrado!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Gostava, portanto, de o confrontar com esta dicotomia entre a situação social do País e as opções de manutenção de uma injustiça social e fiscal, patente e reiterada no recente aprovado Orçamento do Estado.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, a sua intervenção contrasta com a anterior. A anterior foi meramente justificativa e a sua foi de apresentação de propostas com as quais o Grupo Parlamentar do CDS pode discordar, mas que servem de base para discutir e pensar sobre o futuro e não para entrarmos aqui em considerações sobre entidades estatísticas, como o Sr. Deputado Victor Baptista

Página 30

30 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

fez quando citei dados do Instituto Nacional de Estatística quanto ao desemprego, tal como estive a comentar os números em relação à nossa economia também do INE. Não utilizamos os institutos conforme nos vai dando jeito ou é politicamente mais apelativo.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — O Sr. Deputado apresenta, perante a situação de crise, aquelas que são as respostas do seu grupo parlamentar. Salientou a questão, por exemplo, do investimento público.
Em relação ao investimento público, o CDS já tomou uma posição muito clara: não estamos ao lado daqueles que consideram que se deve aplicar todo o investimento público nem ao lado daqueles que consideram que o investimento público deve ser zero. Ele deve ser selectivo e, fundamentalmente, visto em função do que é positivo para as empresas nacionais, que também podem dele beneficiar através da prestação dos seus serviços.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Falou também da questão dos pagamentos por conta. O CDS apresentou, durante a discussão do Orçamento do Estado, algumas propostas que consideramos, de acordo com esta situação, razoáveis de redução do pagamento especial por conta, de redução dos pagamentos por conta.
Todas elas foram chumbadas. Aquilo que o Governo e a maioria do Partido Socialista souberam fazer foi, num pacote de medidas anticíclicas, isto é, que seriam de apoio às empresas, antecipar o prazo do pagamento por conta para o dia 15 de Dezembro — e ainda bem que houve uma intervenção do CDS para, pelo menos este ano, limitar essa possibilidade.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sobre a matéria da equidade, é evidente que estamos preocupados.
Preocupa-nos a questão da disparidade que hoje se vai sentindo na nossa sociedade quanto aos rendimentos.
O CDS é, precisamente, o partido que, em relação às indemnizações que o Estado paga, por exemplo, em situações de nacionalização, considera que deve haver uma dedução desses montantes no imposto que esteja em causa.
Portanto, o CDS tem propostas relativamente a estas matérias, que considera sérias e discutíveis. Foram trabalhadas. Podem ser diferentes das que o Partido Comunista aqui apresenta, ao Plenário. É natural que assim seja, porque a nossa preocupação são as famílias, a nossa preocupação, hoje, é, fundamentalmente, a de criar condições para que as empresas tenham liquidez e possam, porque são elas que fazem crescer a economia, ajudar a resolver este problema sério em que estamos todos envolvidos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, permita-me que comece, exactamente, pelo início da sua intervenção.
Fez bem, de facto, em chamar a atenção para a efeméride em torno da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Permita-me, no entanto, que lhe recomende essa mesma chamada de atenção relativamente à sua bancada quando Deputados do seu partido tratam o rendimento social de inserção como um subsídio à preguiça ou vêm aqui defender que, em Portugal, se deve criar um novo apartheid quanto aos imigrantes que aqui procuram viver com dignidade e em melhores condições.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Bem lembrado!

Página 31

31 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Que disparate tão grande!

O Sr. João Semedo (BE): — Dito isto, e permita-me que lhe dirija um apelo nesse sentido, é um facto que o Primeiro-Ministro, José Sócrates, tem fugido — aliás, como outros responsáveis do Partido Socialista! — de encarar a realidade, como «o Diabo foge da cruz». A palavra «recessão» não existe no vocabulário nem na imaginação do Primeiro-Ministro, e isso é um gravíssimo exercício de irresponsabilidade, porque, não reconhecendo a realidade, não reconhecendo a iminência da recessão, não prepara nem ajuda as famílias, não investe na economia pública, não prepara a nossa economia e o País para resistir e vencer a recessão. É, de facto, uma grave irresponsabilidade! O Bloco de Esquerda, durante todo o debate do Orçamento, alertou para a iminência do País e da sua economia entrarem em recessão. O Primeiro-Ministro, a isso, fez «ouvidos de mercador». Os resultados estão hoje à vista: temos um Orçamento que diminui o investimento público, em que o apoio e a protecção social são pelos mínimos, que desloca muitos dinheiros públicos para apoiar bancos que foram geridos de forma especulativa e, em muitos casos, fraudulenta. Para isso, há dinheiro. Para apoiar as famílias e a economia, não há dinheiro. É esse o resultado de o Primeiro-Ministro não querer ver a iminência de estagnação e de recessão em que a economia portuguesa, em breve, irá entrar.
Por isso, a minha pergunta é esta: como é que o CDS combina as preocupações aqui reveladas relativamente à recessão com a sua política de mais privatizações, de Estado pelo mínimo e, também, de um apelo indisfarçável, apesar de discreto, ao incumprimento fiscal? Não consigo perceber como é que se articulam estes três pilares estruturantes do vosso discurso político, percebendo, no entanto — e este debate foi nisso bastante claro —, que, enquanto o Sr. Deputado Diogo Feio é um homem de fé, o Sr. Deputado Victor Baptista ç um homem de «fezadas«. Não sei qual terá mais razão!»

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, em primeiro lugar, quero repudiar em absoluto a sua afirmação sobre as posições de natureza política que, legitimamente, numa democracia, o CDS toma, desde logo em relação ao rendimento social de inserção, porque a nossa posição é muitíssimo clara. Aquilo que o CDS quer que seja combatido é a fraude que existe no rendimento social de inserção,»

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » o dinheiro que aí ç desperdiçado, o abuso que é feito, podendo esse dinheiro ser utilizado em prol daqueles que são verdadeiramente mais necessitados.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Preocupamo-nos, Sr. Deputado, com toda a fraude que existe na nossa economia. Não somos selectivos em relação a essa matéria, como parece ser a sua bancada.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.

Por outro lado, a palavra que o actual Governo tem em relação à recessão é sempre uma palavra preocupada com o passado, ou seja, dizer: «Nós estamos a fazer melhor do que aqueles que nos antecederam». Não há uma única palavra de preocupação quanto ao futuro e nesse campo é que se poderiam discutir as diferentes tomadas de posição, as diferentes propostas alternativas que surgem.
Sobre esta matéria, V. Ex.ª também fez, permita-me que lhe diga, um resumo infeliz das posições do CDS.
O CDS não é a favor do incumprimento fiscal. O CDS esteve, e bem!, num governo que quis e começou a

Página 32

32 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

modificar a forma de funcionamento da Direcção-Geral dos Impostos, na altura, com críticas da bancada de V.
Ex.ª à remuneração que iria ganhar o novo responsável pela DGCI.
Portanto, a nossa preocupação é bem outra: é a de defesa dos contribuintes que cumprem face a uma administração fiscal que, muitas vezes, abusa do seu poder. É, pura e simplesmente, essa a nossa preocupação e não admitimos que ela venha a ser deturpada.
No plano fiscal, defendemos algo bem consistente: por um lado, o que acabei de referi e, por outro, uma ideia de responsabilidade fiscal. Que passa, sabe porquê, Sr. Deputado? Por um plano pensado para o curto, médio e longo prazos de quebra de impostos em Portugal e de criação de um sistema fiscal mais competitivo, porque é que de competitividade que necessitamos em relação a esta matéria.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Quanto às privatizações, nós não defendemos — e V. Ex.ª, possivelmente, defende — as nacionalizações de natureza ideológica. Defendemos, quando necessário, as nacionalizações de natureza sistémica. Esta é uma enormíssima diferença entre o Bloco de Esquerda e o CDS: o BE defende, como solução e caminho, a nacionalização a torto e a direito; nós acreditamos que será a boa iniciativa privada das famílias e das empresas que nos vai auxiliar a sair da actual situação e, por isso, apresentamos um conjunto de medidas simples e concretas precisamente para as famílias e para as empresas. Pena temos de que já o mesmo não se veja, por exemplo, por parte do Bloco de Esquerda.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Elizabete — dois tiros no peito; assassinada pelo ex-marido há dois dias, em Paço de Arcos. Elizabete — simplesmente, a 46.ª vítima mortal deste ano que finda, desta «guerra civil» que nos dilacera, desta violência que nos consome enquanto povo e se abate sobre as mulheres deste País. A 46.ª vítima desta infracção extrema ao elenco de direitos elementares, assentes no respeito pela dignidade da pessoa humana, esse princípio fundamental do Estado de direito que dizemos ser e de que fala o primeiro artigo da Constituição.
O direito de Elizabete à vida, o direito à sua dignidade e à sua integridade física não era uma abstracção da realidade, a pairar no vazio de uma sociedade entorpecida. À luz do artigo 24.º da Constituição, esse direito era um bem irrepetível, insubstituível. Era irredutível, mas foi reduzido a cinzas com dois tiros.
E esta Casa parlamentar, sede do direito originário expresso num texto constitucional assente numa leitura universalista dos direitos fundamentais, não pode consentir, sem revolta, sem sobressalto e sem protesto, a paternidade de uma Constituição de letras mortas.
Neste dia em que se celebra o 60.º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, há que ter a coragem de resistir aos apelos mais imediatos da agenda política caseira, aos pontos mais mediáticos do combate político da actualidade.
Poder-se-ia falar, com oportunidade, da crise económica e financeira que a todos preocupa, discutir a recessão e a estagnação, aguçar a dialéctica governo/oposição, trazer à mesa do debate a «carne do porco e do vitelo», os apoios à banca, os investimentos públicos, a dioxina política que envenena o Terminal de Contentores de Alcântara.
Poderemos sempre discutir onde, em Portugal, acaba a democracia formal e se cumpre a democracia material. Poderemos percorrer os 30 artigos de uma declaração universal que fala dos direitos humanos, traduzidos em 250 línguas, e perguntarmo-nos se estaremos a falar a mesma linguagem.
Seremos mesmo todos livres e iguais? Poder-se-á chamar justiça a isto? É este o sistema educativo que queremos? Teremos racismo e xenofobia dentro de nós e nem nos apercebemos? Discriminamos as mulheres e escarnecemos da igualdade de oportunidades? Trataremos os menores e os idosos à altura da Carta Fundamental? E os prisioneiros? E os emigrantes? E as minorias étnicas? Poderemos consentir que mulheres e adolescentes continuem, no nosso território, a ser engajadas pelas máfias nacionais e internacionais da escravatura sexual, vítimas de tortura e outros tratamentos degradantes? Estaremos a perder o nosso direito à

Página 33

33 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

segurança? Dar-nos-emos conta dos milhares de crianças e de jovens em Portugal vítimas de maus-tratos físicos e psicológicos, violações e abusos sexuais? Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste dia de hoje, de aqui e de agora, o PSD deseja assinalar mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, focando as duas infracções mais graves que caracterizam o Portugal contemporâneo: a pobreza e a violência contra as mulheres.
Em Portugal, a pobreza é uma violência que alastra e a violência contra as mulheres é uma demonstração da pobreza de espírito da nossa mentalidade colectiva.
O artigo 25.º da Declaração Universal, o tal que declara o direito de todos a um nível de vida adequado, na saúde e no bem-estar, caminha em sentido oposto em Portugal. Dois milhões vivem abaixo do limiar da pobreza, com menos de 360 € mensais. Mas, sem as pensões e os subsídios sociais, a taxa de pobreza cobriria 40% da população, afectando em primeira linha os desempregados, os idosos e as famílias numerosas.
A média de uma mulher abatida por semana, às mãos de maridos, companheiros, namorados, ex-maridos, ex-companheiros e ex-namorados, é um triste recorde que só nos deve impulsionar para agir com mais força contra esta inaceitável violação dos direitos humanos.
Em 2008 e até à presente data, as queixas registadas de violência contra as mulheres cresceram cerca de 32%, comparativamente ao ano passado.
É, precisamente, porque cerca de 90% das vítimas são mulheres e 90% dos agressores são homens que apelo aos homens de Portugal a um maior envolvimento neste combate por uma boa causa.
Porque acredito que a esmagadora maioria dos homens portugueses são eticamente responsáveis e não praticam este tipo de práticas condenáveis.
Porque acredito que ninguém melhor do que os homens para educar outros homens na condenação de uma sociedade paternalista, que ainda subsiste na base de uma relação desigual entre homens e mulheres, onde a mulher é subalternizada em casa, na profissão e na relação social.
Porque acredito que esta mudança de mentalidades da sociedade presente será muito mais rápida e eficaz com um empenhamento dos homens que, ainda hoje, assumem a esmagadora maioria das posições de liderança e de decisão em todos os níveis.
Para nós, parlamentares, também. Criemos um grupo de homens parlamentares prontos para combater a violência contra as mulheres, à semelhança de outros países. Repito aqui, hoje, o convite que vos fiz há um ano e que quase ficou sem resposta. Pugnemos por uma convenção de combate às formas mais frequentes de violência contra as mulheres, no quadro da grande Europa, do Atlântico aos Urais.
Apelo aos homens bem formados do meu País a que se posicionem nesta nova linha de fronteira.
De um lado, estão aqueles que não se importam com as suas mães, com as suas mulheres, filhas, amigas, colegas ou vizinhas, vítimas de violência de género.
Do outro lado, estão aqueles que consideram inaceitável esta violação grosseira dos direitos humanos. É aí que nos devemos posicionar, cidadãos de corpo inteiro, partilhando emoções e responsabilidades, por uma sociedade mais equilibrada.
Só assim fará sentido esta evocação, esta referência, esta reverência, esta congratulação por mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota, gostaria de, em primeiro lugar, cumprimentá-lo pelo tema da sua declaração política, neste dia de hoje em que passam 60 anos sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Entre tantos direitos de que seria possível hoje falar, o Sr. Deputado escolheu dois que, de alguma forma, estão consagrados nesta Declaração mas que, teremos de concluir, passados 60 anos, tão poucos avanços teve a nível mundial.

Página 34

34 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O dia de hoje convoca-nos a pensar naquilo que se passa no nosso País, mas também nos convoca, como o Sr. Deputado disse, a pensar o que se passa um pouco por todo o mundo, porque falamos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O Sr. Deputado considerou que os atentados à vida das mulheres, por serem mulheres, constituem um grave problema de violação dos direitos humanos no mundo inteiro. Efectivamente, se olharmos para o mundo inteiro, veremos quão dramática é a situação de violência contra as mulheres e contra as crianças, mas também no nosso País os números do homicídio conjugal são, de facto, assustadores, são números ímpares no contexto de toda a Europa, são números que alguns, durante muitos anos, se recusaram a ver, em nome daquilo que era considerado um «país de brandos costumes». Podemos verificar que os «brandos costumes» em contexto familiar e, sobretudo, no contexto conjugal deixam muito a desejar e revelam uma média de um assassinato por semana!» Nesse contexto, Sr. Deputado Mendes Bota, é convicção da bancada do Bloco de Esquerda que todas as questões relacionadas com o combate à violência contra as mulheres devem estar sempre, sempre, presentes na agenda política.
Se nós, Deputados da Assembleia da República, algum dia quisermos abdicar de ter na agenda política o combate a um crime tão hediondo como este, não estaremos a cumprir, de modo nenhum, as nossas funções.
Por isso, neste aspecto seguimos esse apelo.
Termino, dizendo o seguinte: não basta existir declarações, não basta a Assembleia da República aprovar, por unanimidade e aclamação, resoluções no sentido deste combate. Precisamos de medidas muito concretas que passam, com certeza, pelo posicionamento de todos nós, homens e mulheres — e também dos homens! —, assumindo uma posição de combate à violência contra as mulheres, mas passam também por outras coisas, e por isso a questão que lhe deixo. Não considera o Sr. Deputado que, em termos do combate efectivo à violência contra as mulheres, precisávamos de já estar muito mais além, nomeadamente naquilo que tem estado no centro da agenda política, que é a possibilidade de termos um recurso à vigilância electrónica como medida preventiva não só da violência mas também do homicídio conjugal?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, começo por agradecer o seu cumprimento.
Obviamente, estamos em bancadas diferentes, mas nesta matéria não há bancadas, não há fronteiras, não há linhas. Ou estamos no lado certo desta causa ou estamos do lado errado, do lado daqueles que têm os braços em baixo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Gostaria de lhe dizer que, obviamente, seis minutos não dão para elencar muitos mais direitos humanos mas apenas «passar pela rama». No entanto, eu quis focalizar, porque considero altamente preocupante, o nível de homicídios que se verificam em Portugal.
Até há pouco tempo, o facto de haver um crescimento das denúncias, um crescimento das queixas junto da APAV, junto das forças policiais, poderia apenas indiciar que haveria maior consciência, maior sensibilidade, quer por parte das vítimas em defesa dos seus direitos quer por parte de toda a sociedade, ao não silenciar o que se passa ao lado e que é do seu conhecimento.
Porém, infelizmente, quando se chega ao factor da mortalidade, do assassínio, já não estamos a falar da sensibilidade da sociedade, nem da sensibilidade das vítimas. Estamos a falar de algo mais profundo, de algo que exige um endurecimento da actuação contra aqueles que são os agressores, contra aqueles que estão na origem dessas mortes. Tem de haver uma campanha muito mais dirigida, tem de haver um reforço do tecido legislativo ao nível do Código de Processo Penal, ao nível de legislação complementar.
Sim, Sr.ª Deputada, 50 pulseiras electrónicas é muito pouco para se atacar este problema de frente.
Evidentemente, as pulseiras electrónicas são apenas uma parte daquilo que é possível fazer.

Página 35

35 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Obviamente, não quero ignorar que este Governo tem tomado medidas positivas no combate à violência doméstica, mas compartilho da sua posição. É que elas têm de ser reforçadas, porque os factos demonstramnos que não são suficientes e que temos de endurecer esse combate.
Já agora, gostaria também de lhe dizer, porque este não é um fenómeno português, não é um fenómeno europeu, é um fenómeno mundial, que estive há pouco tempo numa conferência em Bruxelas, no Parlamento Europeu, com o Comissário Europeu, Vice-Presidente da Comissão, Jacques Barrot e gostei bastante de ouvir o que ele lá disse. Afirmou que a Comissão Europeia irá incluir a questão da violência contra as mulheres como um factor condicionante da assinatura de acordos de natureza comercial com países onde efectivamente, até agora, esse fenómeno não está devidamente combatido.
Entendo que é uma postura diferente, muito positiva, condicionar a ajuda a determinados países, condicionar os acordos comerciais, a algo que está muito acima disso. Porque, como eu disse na intervenção, a dignidade humana está acima do Estado, precede o Estado e, por isso mesmo, tem de estar acima dos negócios de Estado.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota, gostaria também de o saudar e felicitar por ter escolhido esta matéria para celebrar os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A violência doméstica é um flagelo da nossa sociedade, um flagelo no século XXI, um flagelo no nosso País e, muitas vezes, Sr. Deputado, esse flagelo está ao nosso lado. É um crime hediondo, tantas vezes silencioso.
Penso que o mínimo que podemos fazer é homenagear estas 43 mulheres que já morreram neste ano vítimas de violência doméstica, vítimas de crimes de uma brutalidade inacreditável. Morre uma mulher por semana no nosso País, e é inaceitável que isto ainda aconteça!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Deputado, a violência doméstica é uma afronta aos direitos humanos, como disse, é uma indignidade, é uma questão de civilização que não podemos parar de combater.
Estas mulheres perdem a auto-estima, perdem a sua dignidade, perdem a sua liberdade e perdem a sua vida por causa destes actos.
Sr. Deputado, não podemos esconder que o facto de terem aumentado as ocorrências pode ter explicação numa maior consciencialização da população. Mas isso não explica tudo. Há, de facto, um aumento das ocorrências registadas e há um aumento da violência dos actos e um aumento de homicídios.
Sr. Deputado, a pergunta que vou fazer-lhe, se calhar, vai surpreendê-lo: se não fosse um crime de género — porque é um crime de género, é um crime de homens contra mulheres, no seu essencial —, se se tratasse de um crime em que os homens fossem as vítimas, não teriam já sido afectados mais meios, com maior celeridade, mais mecanismos, melhor legislação para combater este crime? Hoje de manhã, o Secretário de Estado Jorge Lacão esteve com o Ministro da Presidência na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura e explicou que agora — agora!?» — vai ser estabelecido um plano. Agora, que estamos na recta final do mandato, é que estão a ser estabelecidos projectos-piloto para a aplicação de pulseiras electrónicas, esse mecanismo fundamental para salvaguardar a vida das vítimas, esse mecanismo que permite afastar, efectivamente, o agressor da vítima. E o que está previsto é que comece no 1.º trimestre de 2009, no fim do mandato! Isto é aceitável?! Além de mais, é a título experimental, Sr. Deputado.
Pergunto: se as vítimas fossem essencialmente os homens, considera que os projectos aprovados pelo QREN estariam meses e meses à espera que o respectivo financiamento fosse aplicado?! Há muitas instituições, muitas associações, muitas ONG, cujos programas, acções, candidaturas, já foram aprovados e que continuam, há meses, à espera do respectivo financiamento!

Página 36

36 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, já tive oportunidade, nalgumas ocasiões, de me confessar um cristão-novo, nesta matéria.

Risos do Deputado do PS Ricardo Rodrigues.

Isto não é para rir, Sr. Deputado.
Devo dizer-lhe que, durante muitos anos, eu, tal como muitos cidadãos, milhões de cidadãos, ignorámos o que se passava ao nosso lado e à frente dos nossos olhos. Durante muitos anos, ouvimos gritos e não telefonámos a ninguém. Durante muitos anos, vimos a nossa porteira, vimos a nossa secretária, vimos a nossa amiga com os olhos negros e sempre aceitámos aquelas desculpas piedosas de que se bateu no armário, de que se caiu na escada. Há sempre uma boa desculpa» Durante muitos anos, nada fizemos e, por isso, sou um cristão-novo, porque, embora nunca tenha levantado estas mãos para nenhuma mulher, sinto-me culpado por esse silêncio. E é esse silêncio que se está a partir neste momento, é esse silêncio que as campanhas têm permitido levar de uma ponta à outra do universo. A ONU está a levar a cabo uma campanha em todo o mundo. A Europa também o fez, através do Conselho da Europa. Porém, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, as campanhas têm um princípio e um fim mas esta causa, este flagelo, não acaba quando a campanha acaba. Este flagelo continua. Por isso, a nossa acção, formal ou informalmente, no âmbito de uma campanha, tem de continuar.
Está provado cientificamente que uma mulher vítima de violência acaba por ter menor produtividade no trabalho. É uma mulher mais sujeita à doença, é uma mulher mais sujeita a ser despedida e tem maior dificuldade em arranjar emprego, é uma mulher que consome três vezes mais soporíferos do que um homem, é uma mulher que tem seis vezes mais possibilidade e mais tendência para o suicídio do que os homens. Por isso, está fora de causa que as mulheres não sejam as grandes vítimas daquele que é, neste momento, um flagelo à escala mundial.
Pergunta-me a Sr.ª Deputada se as medidas seriam tomadas no caso de 90% das vítimas serem homens.
Não quero entrar no domínio especulativo. Quero acreditar que, neste momento, as forças que têm o poder de decidir estão sensibilizadas. Quero acreditar que começa a haver por parte da sociedade — das ONG, dos partidos políticos, das mulheres e dos homens que estão metidos nesta causa e neste combate — pressão suficiente para que não haja uma discriminação de género no despacho dos projectos do QREN.
Quero acreditar, Sr.ª Deputada, deixe-me acreditar que não há discriminação. Não tenho a certeza de que não há, mas quero acreditar.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Nobre de Deus.

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, também eu o saúdo por ter trazido a esta Câmara o drama da violência doméstica. Mas «cheira-me» a demagogia misturar um assunto tão sério com os contentores de Alcântara. Certamente só o fez por distracção, mas não posso deixar de registar o mix que foi a intervenção do Sr. Deputado.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que a sua cidade é a minha cidade, as suas preocupações são as minhas preocupações, as suas preocupações são as preocupações do Governo do Partido Socialista, são as preocupações do Governo de Portugal com a violência doméstica.
Hoje, um dia depois de mais uma morte, quero manifestar a mais absoluta solidariedade para com as vítimas de violência doméstica, para com as mulheres vítimas de violência doméstica, e a solidariedade mais profunda para com os filhos das vítimas de violência doméstica que têm morrido ao longo dos anos em Portugal e no mundo.

Vozes do PS: — Muito bem!

Página 37

37 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Sr. Deputado, certamente conhece as medidas que este Governo tem levado a bom termo nesta área e quero informá-lo de que, a partir de 2009, o Ministério da Justiça vai, pela primeira vez, começar a integrar dados sobre o homicídio conjugal, para que tenhamos uma leitura precisa dos dados da violência doméstica em Portugal.
As ONG têm dado um contributo importante a este nível, que não pode ser desvalorizado. Mas precisamos de dados rigorosos e de não ficar à mercê de leituras diversas.
Mais, Sr. Deputado: o estudo produzido pela Universidade Nova de Lisboa e apoiado por este Governo, o qual incide sobre a vitimação, diz-nos que o fenómeno está a diminuir.
Por outro lado, dizem-nos as estatísticas que as queixas estão a aumentar, o que significa que estamos a combater, com mais eficácia, este problema.
Vamos a medidas, porque o Sr. Deputado demonstrou preocupação, mas não se recordou de enumerar as medidas que já estão em curso. Gostava de referir cinco medidas que, pela primeira vez, estão a ser tomadas com este Governo.
Quanto à prevenção, sendo aí que tudo começa, foi lançada, pela primeira vez, uma campanha de combate à violência doméstica no namoro. Mais: pela primeira vez, foi incorporado no Código de Processo Penal o crime específico de violência doméstica. Mas para que esta Câmara e todos aqueles que o Sr. Deputado diz que ainda não tomaram boa nota deste problema tenham noção, foram incorporadas, pela primeira vez, no Código do Trabalho medidas de apoio às mulheres vítimas de violência doméstica.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — É certo que é só em 2009, mas, pela primeira vez, vamos ter vigilância electrónica dos abusadores.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Concluo já, Sr. Presidente.
Como foi dito hoje pelo Sr. Secretário de Estado Jorge Lacão, há questões legais que importa resolver também, antes de essas medidas serem aplicadas.
Sr. Deputado, a terminar, uma pergunta simples. Hoje, comemora-se os 60 anos sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Diga-me, Sr. Deputado, se alguma vez foram tomadas medidas de combate à violência doméstica como têm sido tomadas por este Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula de Deus, é evidente que cada um tem o seu estilo e cada um tem também o horizonte que consegue abarcar.
Dois dos Srs. Deputados que me pediram esclarecimentos situaram-se num plano claramente extrapartidário, diria mesmo suprapartidário, situaram-se num plano que colocou como objectivo central discutir o problema e não fazer a apologia das posições de nenhum partido, nem pró-governamental nem antigovernamental.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — A Sr.ª Deputada Paula de Deus fala em demagogia e eu digo que cada um toma a dose de demagogia que quiser. Pela minha parte, rejeito o «copo» que me quis oferecer.
Quero ainda dizer-lhe que, quando se discute um tema destes, com a seriedade com que procurei fazê-lo, com a solenidade que merece a efeméride que hoje se celebra e associando-o à que é, hoje, em Portugal, clara e visivelmente, uma das mais graves infracções aos direitos do Homem, lamento bastante que a Sr.ª Deputada tenha tanta falta de jeito e, se me permite também, tenha tanto mau gosto.

Página 38

38 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Aplausos do PSD.

Quero ainda dizer que, seguramente, não ouviu bem a minha intervenção. Falei, en passant, de uma série de possíveis temas e, eventualmente, a tentação poderia ser a de utilizar este espaço destinado às declarações políticas para falar de temas que poderiam trazer muito mais debate na dialéctica governo/oposição. Mas não trouxe aqui, para misturar, os contentores de Alcântara. A Sr.ª Deputada percebeu mal. Fiz aquilo que penso ser a elevação de tecer um elogio a este Governo pelas medidas que tem tomado, a mesma elevação que não encontrou da sua parte a altura necessária ao momento e à ocasião.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota, obviamente saudamo-lo por trazer à Assembleia, na comemoração de mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, esta questão da violência e da violência contra as mulheres, sobretudo, tendo em conta a tradução que esta questão tem no nosso país, com um aspecto muito concreto e dramático que tem a ver com o homicídio que resulta de situações de violência exercida sobre as mulheres, mas que poderia também ter tido outras abrangências.
Como já disse, obviamente, 6 minutos não chegam para abarcar todas as dimensões da violência exercida sobre as mulheres, mas gostava de realçar um outro tipo de violência que se exerce também pela via da discriminação sobre as mulheres, discriminação que muitas vezes está na base da incapacidade que muitas têm de fazer face à situação em que se encontram, em que são violentadas, de romper com esse ciclo de violência, e que tem a ver com uma discriminação fundamental que condiciona a vida das mulheres por completo, a discriminação salarial.
De facto, é muitas vezes a situação de dependência económica em que as mulheres se encontram face ao seu agressor que as impede de romper o ciclo de violência de que são objecto.
Um estudo muito recente, de Agosto deste ano, da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, dá conta de que Portugal se encontra numa posição cimeira, como um dos países em que as discriminações salariais das mulheres são mais evidentes.
Os dados deste estudo relativos ao ano de 2006 apontam para uma discriminação de 25,4% relativamente à diferença de remuneração média mensal auferida pelas mulheres. Isto significa um agravamento face aos dados de 2005. Portanto, nestes últimos quatro anos, houve, de facto, um agravamento nesta discriminação salarial das mulheres, sendo que são as mulheres que ocupam mais postos de trabalho não especializado. Há sectores, como os da restauração, do comércio, dos têxteis, das conservas e das cortiças, onde para trabalho igual não há salário igual e onde a funções idênticas correspondem profissões distintas, obviamente em prejuízo das mulheres.
Todos estes factores contribuem para uma discriminação que se exerce sobre as mulheres e que condiciona, muitas vezes, a capacidade que têm para fazer face a uma situação concreta de violência de que são alvo.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — A questão que gostaria de colocar-lhe, Sr. Deputado, é se o senhor e a bancada do PSD estão disponíveis para actuar também nesta matéria.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.

Página 39

39 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

É que o alerta que é preciso ser dado por parte do poder político também tem a ver com estas questões.
Assim sendo, a questão que lhe coloco é se estão ou não disponíveis para contribuir para que, também neste plano, estas discriminações e estas violências que se exercem sobre as mulheres possam ser combatidas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, agradeço-lhe ter colocado esta questão.
Um dos factores fundamentais para que uma mulher possa libertar-se do jugo e da tirania de alguém que a agride é ter autonomia económica, é ter a possibilidade de levar a sua família e os seus filhos e poder autonomizar-se relativamente àquilo que é uma relação inquinada que está a destruí-la.
É verdade que existe uma disparidade salarial em relação às mesmas funções. Temos consciência desse problema, mas ele até vai mais longe: é que essa discriminação, precisamente porque tem na sua base salários diferentes para as mesmas funções, acaba por se traduzir também, ao nível das pensões de reforma, numa discriminação grave entre mulheres e homens que tiveram o mesmo percurso profissional.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Claro!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Por isso, quero dizer-lhe que, por exemplo, no quadro do Conselho da Europa, estão, neste momento, a desenvolver-se estudos, relatórios que procuram aprofundar a situação da mulher vítima da discriminação, quer no trabalho, quer pós vida profissional, quer ao nível das pensões sociais e de reforma.
Quero também dizer-lhe, Sr. Deputado, que esta questão não é alheia à contribuição que a violência contra as mulheres traz, em termos negativos, ao nível de uma economia global. Uma mulher que é violentada, agredida, tem mais dificuldade, como disse há pouco, em arranjar emprego, tem mais probabilidade de ser despedida, tem mais dificuldade em ser aumentada, tem mais dificuldade em ser promovida. Logo, o seu salário é precisamente um reflexo dessa situação.
Está calculado, hoje em dia, que os custos da violência contra as mulheres representam (e isto é uma estimativa) cerca de 2% do PIB, ao nível da Europa. Trata-se obviamente de um reflexo, pois uma mulher, quando é agredida, não trabalha, há dias de trabalho em que não comparece. E não é só ela que sofre, é também a família, os amigos, os colegas. É muita gente que contribui para uma baixa da produtividade ao nível de uma economia global ou de uma economia nacional. Tudo isto é dinheiro mal empregue, é dinheiro jogado à rua, a violar gravemente os direitos humanos.
Este dinheiro poderia muito bem ser aproveitado para reequilibrar o rendimento entre homens e mulheres e para reforçar este combate, com todos os meios, sejam electrónicos ou não, para que desapareça, de uma vez por todas e o mais rapidamente possível, esta autêntica doença da nossa sociedade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O País assistiu, nos últimos dias, a um desempenho assinalável do Governo e, em particular, dos Ministérios da Economia e da Agricultura, no domínio da qualidade e segurança alimentar.
A tão propalada crise da «carne de suíno da Irlanda contaminada com dioxinas» não foi mais do que uma «tempestade num copo de água». Mas podia não ter sido assim, se o Governo tivesse cedido aos que, com argumentos populistas, quiseram destruir a credibilidade da ASAE.

Página 40

40 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Miguel Ginestal (PS): — A verdade é que o sistema de rastreabilidade e controlo funcionou. No dia 8 de Dezembro, feriado nacional, os serviços da Direcção-Geral de Veterinária receberam a notificação do Sistema de Alerta Rápido da União Europeia para Rações e Alimentos, informando que Portugal se encontrava entre os 12 Estados-membros que importaram carne de porco proveniente da Irlanda com uma eventual contaminação com dioxinas.
Nesse mesmo dia — repito, feriado nacional —, a Direcção-Geral de Veterinária identificou, em Vila do Conde, a única empresa importadora de 30 toneladas da referida carne de porco, em dois lotes importados a 20 de Outubro e 17 de Novembro, tendo a brigada da ASAE apreendido de imediato seis toneladas no armazém, que foram enviadas para análise. Através do sistema de rastreabilidade, foi possível identificar ainda o destino das restantes 24 toneladas, que tinham sido enviadas, na sua maioria, para fábricas de transformação de enchidos e salsicharia.
Da actuação da ASAE resultou a apreensão de um total de 22,4 toneladas de produto em sete locais diferentes, uma tonelada foi exportada e seis toneladas foram transformadas em produtos diversos, tendo a ASAE obtido a lista dos 250 locais de venda desses produtos, que foram entretanto contactados para devolverem esses produtos transformados. Ou seja, em menos de 24 horas, num feriado, Portugal tinha o problema devidamente identificado e os consumidores defendidos. Notável, Sr.as e Srs. Deputados!

Aplausos do PS.

Mas podia não ter sido assim» E os que quiseram destruir a credibilidade da ASAE têm de dizer o que teriam feito numa situação destas, se a ASAE não existisse.
Todos nos lembramos, quando não havia ASAE, o que aconteceu com o pânico da BSE, na chamada «crise das vacas loucas», ou na crise dos nitrofuranos. Demorou anos, Sr.as e Srs. Deputados, a ultrapassar a desconfiança dos consumidores e a recuperar a economia pecuária do País. É isto que não queremos que volte a acontecer.
Muito embora o risco para o consumo humano fosse reduzido, como oportunamente esclareceu a ASAE em comunicado produzido pela sua direcção científica, dizendo que «a exposição humana a dioxinas e similares por curtos períodos não resulta em efeitos adversos para a saúde», o Governo português agiu bem, de forma preventiva, mesmo não sendo obrigado a fazê-lo, procedendo à retirada voluntária dessa carne dos circuitos comerciais. Com este procedimento, evitou a criação de um alarmismo desnecessário entre os consumidores.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Miguel Ginestal (PS): — É verdade que Portugal não foi notificado para retirar esta carne do mercado, mas dita o bom senso que se devem salvaguardar os consumidores de toda a panóplia de desinformação e demagogia que normalmente acompanham estas situações. Lembram-se da gripe aviária, Sr.as e Srs. Deputados? Chama-se a isto usar o princípio da precaução na defesa da saúde pública.
Já agora, aproveito para informar as Sr.as e os Srs. Deputados da oposição que hoje, em Portugal, é possível conhecer todo o percurso de qualquer peça de carne, desde o nascimento até ao talho. Chama-se a isto rastreabilidade e segurança alimentar.
O controlo efectivo desta situação por parte das autoridades competentes — Direcção-Geral de Veterinária e ASAE — demonstrou que, em Portugal, não se brinca com a qualidade e a segurança alimentar dos consumidores. Foi possível, num curto espaço de tempo, com uma pronta resposta, através de um sistema de rastreabilidade eficaz, identificar o problema, ir à sua origem e controlar a situação, mantendo sempre os consumidores informados com a verdade dos factos. É assim que se conquista a confiança dos consumidores nacionais nos produtos que compram e levam para suas casas diariamente.

Aplausos do PS.

Página 41

41 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

São estas situações de facto que tornam imprescindível a existência, em Portugal, de uma entidade com as características da ASAE.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Miguel Ginestal (PS): — Este sucesso é também a derrota dos que tentaram, de forma populista, demagógica e irresponsável, destruir, aos olhos dos portugueses, a credibilidade da ASAE. Não lhes «cairiam os parentes na lama», se reconhecessem hoje, no Parlamento, que estavam enganados, se reconhecessem publicamente que a ASAE é necessária a Portugal.

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, estamos no século XXI e estamos integrados num mercado global. Os consumidores necessitam de ter confiança nos produtos, precisam de ter confiança nas entidades que regulam a segurança alimentar, e nestes últimos dias foi dada uma prova cabal e inequívoca! O Grupo Parlamentar do Partido Socialista saúda o desempenho exemplar do Governo neste dossier e, em particular, o papel da Direcção-Geral de Veterinária e da ASAE pela forma pronta, articulada, expedita e eficaz como que souberam resolver este potencial problema de segurança alimentar.
O Governo agiu como os portugueses esperavam que agisse numa situação desta natureza: com eficácia e precaução. Fez o que tinha a fazer e fê-lo bem feito! Há que reconhecer publicamente o mérito do trabalho realizado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, gostaria de repor alguma serenidade ao tom inflamado do Sr. Deputado Miguel Ginestal e dizer-lhe que eu pouco sabia de demagogia até ouvir V. Ex.ª.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O Sr. Deputado referiu isso duas vezes: «até no dia 8 de Dezembro, que é feriado.» Era o que faltava, Sr. Deputado, que os organismos do Estado fechassem ao Domingo e aos feriados! Era o que faltava!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Ainda por cima, o Sr. Deputado confundiu a «bota com a perdigota».
Devo dizer que tanto eu como o Grupo Parlamentar do CDS-PP sempre fomos defensores e adeptos de uma actividade rigorosa, frequente e permanente de controlo da higiene e segurança alimentares. É indispensável!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O problema põe-se quando ela é tudo isso mas põe em causa os produtos tradicionais, a economia local e os direitos fundamentais da iniciativa privada,»

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Claro!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — » quando põe em causa, atç, o bom senso e a moral. Quando se quer proibir uma IPSS, que não tem fins lucrativos, de ter um túnel de congelação e se quer destruir alimentos que

Página 42

42 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

são dados gratuitamente para matar a fome das pessoas num momento de necessidade, essa, sim, é uma acção que só podemos condenar.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Deputado, vamos repor a verdade dos factos. É ou não verdade que foi o Observatório Europeu que, na sexta-feira, comunicou ao Governo a existência dessa deficiência, de dioxinas? É ou não verdade que, com o aviso, vinha também o alerta relativamente não só ao produtor e exportador mas também à quantidade e que foi isso que permitiu seguir todo o caminho da carne?

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Devo dizer que essa empresa importa da Irlanda 90% da carne. Fico sem saber se houve ou não inspecções anteriores a quem importa da Irlanda 90% da sua produção. Não sei se a ASAE alguma vez terá feito, preventivamente, alguma fiscalização ou acção nesse sentido. Mesmo assim, ainda faltam, pelo menos, algumas toneladas de carne cuja existência não se consegue identificar.
Perante isto, o que diz o Ministro da Agricultura? Em vez de pedir um alerta e uma acção mais eficiente e mais fiscalizadora, vem dizer que não há qualquer risco ou problema. Aliás, o mesmo sucedeu com a BSE, se bem se lembra, Sr. Deputado, situação que deu no que deu, e foi assim também com o nemátodo do pinheiro, estando quase em risco a proibição da exportação do pinheiro bravo, o que pode pôr em causa todo este sector.
Portanto, nem tudo «são rosas», como o Sr. Deputado aqui veio dizer.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral: Bruxelas, 8 de Dezembro de 2008, dia de feriado nacional, Sr. Deputado! 24 horas! Os senhores perderam hoje uma oportunidade de ouro para se reconciliarem com as autoridades públicas portuguesas, com o serviço público português, que cumpre a sua obrigação na defesa dos interesses dos consumidores e na defesa da indústria nacional.
O que não permitiremos, Sr. Deputado, é que com a demagogia do CDS-PP, com a irresponsabilidade política do PSD e com o populismo do CDS, coloquem em causa um valor que é sagrado. A defesa da saúde pública é um valor da sociedade moderna.

O Sr. Carlos Lopes (PS): — Muito bem!

O Sr. Miguel Ginestal (PS): — E a qualidade e segurança alimentar dos nossos produtos agrícolas tem de estar permanentemente assegurada perante os consumidores.

O Sr. Carlos Lopes (PS): — Muito bem!

O Sr. Miguel Ginestal (PS): — Srs. Deputados, 24 horas! Bom serviço de um organismo português, de funcionários públicos portugueses. E os senhores, por não terem a humildade suficiente para reconhecer isto, perderam hoje a oportunidade de reconhecer que os serviços públicos portugueses, a ASAE e a DirecçãoGeral de Veterinária, cumpriram o seu papel, defenderam os consumidores e salvaguardaram o interesse da economia e da pecuária portuguesas. Perderam, hoje, uma vez mais, uma oportunidade de se reconciliarem com a verdade. A verdade é que o Governo fez bem o que tinha a fazer, a Direcção-Geral de Veterinária fez bem o que tinha a fazer, a ASAE é necessária, em Portugal, para assegurar e evitar tempos, que nós queremos idos, de pânico como aqueles que os governos da direita lançaram na altura da BSE, das «vacas loucas», e dos nitrofuranos do sector aviário.

Página 43

43 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ginestal, quem o ouve falar da irresponsabilidade do PSD sobre esta matéria até pode pensar (aliás, não pensa, porque já sabe qual é a atitude típica do Partido Socialista nestas matérias!) que o PSD é contra as inspecções sanitárias e contra a intervenção com vista à salvaguarda da saúde pública que uma entidade administrativa como a ASAE deve fazer.
Gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado, com toda a franqueza mas também com muito humor, porque isto não pode ser tomado de outra forma, que o Sr. Deputado está a fazer um aproveitamento político de uma entidade administrativa, que tem de cumprir as suas funções, de tal forma que até parece que a ASAE é um novo órgão do Partido Socialista, que pertence ao comité político do Partido Socialista!

Aplausos do PSD.

O que o Sr. Deputado veio aqui fazer foi um aproveitamento político do facto de a ASAE ter cumprido com as suas obrigações. Neste momento, os inspectores da ASAE devem estar muito aborrecidos com o Partido Socialista por este estar a transformá-los em pessoas que estão ao serviço do Partido Socialista, quando o que esta entidade fez foi limitar-se a cumprir com a sua função.
Sr. Deputado, não partidarize estas questões! Deixe a ASAE fazer o seu trabalho, deixe a ASAE intervir como deve, deixe a ASAE ter rigor quando deve tê-lo e não tente ir buscar os louros nestas questões, porque essa não é a atitude política que devemos tomar, quando somos sérios.
Ao Partido Socialista falta muitas vezes seriedade. Esta foi uma delas! Que fique registado que a falta de seriedade do Partido Socialista nesta matéria se traduziu no aproveitamento político indevido, não legítimo, de uma situação que compete a uma entidade administrativa que, pelos vistos, actuou bem, actuou rápido e cumpriu com a sua obrigação. Mas a obrigação do Partido Socialista não é colher votos à custa da intervenção de uma entidade administrativa.

Protestos do PS.

O Sr. Deputado perdeu uma boa oportunidade de estar calado e o Partido Socialista perdeu uma boa oportunidade de deixar quem deve fazer o trabalho que faça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Campos Ferreira, ainda bem que o PSD veio a este debate.
A Assembleia da República criou um grupo de trabalho, por proposta do PS, para tratar das questões relativas aos pequenos produtores, e se alguém foi atacado durante meses a fio pelos partidos da oposição, designadamente os da direita, foi a ASAE. Aproveitaram esse grupo de trabalho para atacar a ASAE e para, aos olhos dos portugueses, descredibilizarem publicamente esta entidade. Este foi um mau serviço que os senhores, PSD e CDS, fizeram ao País!

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, ainda bem que não fomos nas vossas «falinhas mansas», porque os senhores bem sabem o que fizeram no tempo em que foram governo. No início da década de 90, os senhores esconderam dos portugueses a BSE, a crise das «vacas loucas», e isso lançou sobre os portugueses, anos a fio, desconfiança

Página 44

44 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

relativamente ao consumo da carne bovina. Mas isso não só criou desconfiança nos consumidores como prejudicou a economia pecuária portuguesa durante anos a fio! Mais recentemente, com o Governo do PSD e do CDS, tivemos a crise dos nitrofuranos e ainda hoje se arrastam nos tribunais processos dos produtores aviários portugueses contra o Estado. Porquê, Srs. Deputados? Porque no vosso governo, não havia ASAE, não havia inspecção, e num problema de segurança alimentar foi preciso emitir um decreto de vazio sanitário para todo o País, indiscriminadamente, porque não tinham instrumento de rastreabilidade para identificar onde estavam os focos de contaminação.
Os senhores não fizeram bem o trabalho de casa, os senhores é que fizeram demagogia contra a ASAE e neste momento ter-vos-ia ficado bem elogiar o trabalho da ASAE. Faltou-vos a humildade, prestaram um mau serviço ao País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, ao abrigo do artigo 76.º, n.os 2 e 3 do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Defendi nesta Câmara, em Julho, que o PSD deveria apresentar uma estratégia económica e orçamental alternativa, por ocasião do debate do Orçamento do Estado para 2009.

O Sr. José Junqueiro (PS): — E não só!

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Não foi esse o caminho escolhido.
Constituí-me na obrigação de ser consequente. Aqui estou, pois, a apresentar uma proposta alternativa.
Creio que o tempo me veio dar razão. O Governo fez aprovar um Orçamento fora da realidade. Insistiu num cenário macroeconómico que o agudizar da actual crise inutilizou. Propôs-se combatê-la, apoiando pouco e mal as empresas e as famílias mais afectadas. Insistiu na ficção de um défice orçamental de 2,2% para o próximo ano quando todas as previsões já o colocavam à volta de 3%. E garantiu que manteria a sua estratégia económica para o futuro quando o seu fracasso se torna evidente no presente.
«Os portugueses querem mudança e esperam do PSD um plano geral realista e inspirador», diz-se na imprensa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a minha proposta tem a fragilidade de todo o esforço pessoal, que tem alguma sintonia com os anseios dos portugueses e já servirá para alguma coisa, mas há, pelo menos, uma coisa para que serve: para não deixar sem resposta uma queixa recorrente do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Volta e meia, o Sr. Ministro, com indisfarçável gozo, queixa-se de que a oposição não apresenta propostas.
Pois, desta vez, que a oposição apresenta propostas, queixar-se-á de quê?! De que as mesmas não têm qualidade?! Sr.as e Srs. Deputados, vejamos se é assim.
Esta alternativa contém treze medidas para minorar os impactos da crise nas empresas e famílias mais afectadas, contém cinco medidas para relançar o crescimento da economia, com mais produtividade, emprego e competitividade externa e contém seis medidas para congelar a despesa corrente primária e eliminar os desperdícios na sua utilização. Estão, todas elas, apresentadas e justificadas nesta pen disk, que peço à Mesa que distribua pelos grupos parlamentares. Posso garantir ao Sr. Presidente em exercício que não terá, V. Ex.ª, problemas de acesso a esta pen como os que o Sr. Presidente teve, no dia 15 de Outubro, aquando da entrega do Orçamento do Estado para 2009.

Neste momento, o Deputado do PSD Patinha Antão entregou na Mesa a pen disk.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

Página 45

45 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para apoiar as empresas na presente crise e relançar a economia, as três medidas mais importantes que proponho são as seguintes: primeira, um forte impulso à reabilitação urbana com um Polis social e o dobro do investimento em obras municipais inscritas no PIDDAC. Impacto orçamental: mais 350 milhões de euros de despesa de investimento.
Segunda medida: redução para 20% da taxa de IRC só para as PME que apresentem ganhos importantes de produtividade e de crescimento no exterior. Impacto orçamental: menos 70 milhões de euros em receita de IRC.
Terceira medida: majoração dos incentivos fiscais aos investimentos contratuais, ao crescimento no exterior e aos investimentos em inovação e desenvolvimento e em pólos de competitividade. Impacto orçamental: mais 20 milhões de euros de despesa fiscal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para apoiar as famílias mais afectadas pela crise, as duas medidas mais importantes que proponho são: primeira, redução em 10% da colecta dos quatro primeiros escalões de IRS.
Impacto orçamental: menos 470 milhões de euros de receita em IRS.
Segunda medida: criação de um fundo de solidariedade para apoiar os antigos e os novos pobres. Impacto orçamental: mais 100 milhões de euros de despesa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Proponho, por último, um novo enfoque na qualidade e contenção da despesa com duas grandes medidas para financiar as anteriores medidas expansionistas. Primeira medida: o congelamento da despesa corrente primária ao valor nominal de 2008. Isto permitirá poupanças anuais crescentes que atingirão 2600 milhões de euros em 2012.
Segunda medida: o combate, sem quartel, ao desperdício, Ministério a Ministério. Isto permitirá uma poupança, logo em 2009, de 700 milhões de euros, metade da qual no Ministério da Saúde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma alternativa exequível e melhor do que a do Governo, porque permite mais crescimento da economia e maior crescimento do emprego e porque permite uma melhor trajectória de consolidação orçamental em relação ao défice estrutural e à dívida pública.
Esta alternativa que proponho não é um fim em si, apenas pretende ser o início de um irrecusável debate sobre como devemos vencer as dificuldades de hoje para termos, amanhã, um melhor futuro.
Na democracia do século XXI não há lugar para políticos iluminados. Como disse Sá Carneiro, nesta Câmara, em 17 de Janeiro de 1980: «Em democracia tudo deve ser simples e relativo e nada deve ser encarado sem o sentido da proporção e sem um mínimo de sentido de humor. Mas nada pode ser encarado, e sobretudo resolvido, sem o sentido da realidade».

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, vamos dar início ao debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 227/X (4.ª) — Revê o regime sancionatório no sector financeiro em matéria criminal e contra-ordenacional e dos projectos de lei n.os 604/X (4.ª) — Reforço do quadro sancionatório para o crime económico e financeiro (PCP), 610/X (4.ª) — Alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras para reforçar o combate pela transparência e contra a criminalidade económica e financeira (BE), 611/X (4.ª) — Cria juízos de competência especializada no combate ao crime económico e toma medidas para actualizar e reforçar o quadro sancionatório da criminalidade económica e financeira (BE), e 612/X (4.ª) — Supervisão de instituições de crédito (PCP).
Para apresentar a proposta de lei n.º 227/X (4.ª), tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (Carlos Costa Pina): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo tem acompanhado atentamente a evolução da situação internacional dos mercados financeiros bem como o seu impacto em Portugal.
Neste sentido, não deixou o Governo de adoptar as decisões que se impunham, face à análise feita da situação do sistema financeiro e, em especial, das vicissitudes específicas de algumas instituições, que, sendo diversas, reclamavam, também por isso, abordagens e soluções diferenciadas. Continuamos, contudo, convictos de que a avaliação feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) ao nosso sistema financeiro, que qualificou de robusto, bem gerido e adequadamente supervisionado, é uma avaliação realista e actual, demonstrando a capacidade de resistência em face das restrições de liquidez que se têm vindo a verificar desde o Verão de 2007 e à crise de confiança, que se agravou significativamente a partir de Setembro

Página 46

46 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

passado, na sequência da falência da Lehman Brothers, sem prejuízo da necessidade de políticas públicas para salvaguarda da confiança dos aforradores.
Nesse sentido, adoptou o Governo as medidas que se impunham, designadamente em matéria de garantias públicas ao crédito à economia, à capitalização das instituições financeiras e ao reforço da transparência e confiança nos mercados financeiros.
Acrescenta-se agora a presente iniciativa, em matéria do regime de remunerações dos membros dos órgãos das entidades de interesse público e do regime sancionatório (penal e contra-ordenacional) no sector financeiro.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a proposta de lei hoje em discussão, é introduzida, em matéria de transparência das remunerações dos membros dos órgãos de administração e fiscalização de entidades de interesse público, a obrigatoriedade de submeter à aprovação da assembleia geral de uma declaração sobre a política de remuneração dos membros dos órgãos sociais, declaração esta que deve incluir informação sobre os critérios de definição da componente variável da remuneração, a existência de planos de atribuição de acções, a possibilidade do pagamento diferido da componente variável da remuneração ou, ainda, a existência de mecanismos de limitação da remuneração variável, no caso de os resultados que se perspectivam evidenciarem uma deterioração relevante do desempenho da empresa.
No que diz respeito ao regime sancionatório cumprem-se também os objectivos de reforçar o seu efeito de punição e dissuasão, bem como de promover o alinhamento das molduras das coimas e das ferramentas processuais nos três sectores financeiros.
Neste sentido, actualizam-se as molduras penais, que passam de 3 para 5 anos, e eleva-se o montante máximo das coimas até ao valor de 5 milhões de euros, agrava-se a coima máxima aplicável, no caso de o dobro do benefício económico exceder este montante, sem prejuízo da perda desse mesmo benefício, agravase a natureza das contra-ordenações associadas à violação de deveres de informação; introduz-se a figura do processo sumaríssimo nos sectores bancário e segurador, agilizando, com isto, a capacidade de intervenção sancionatória das respectivas entidades; e estende-se também o regime da publicidade das decisões condenatórias, actualmente existente no mercado de capitais, ao sector bancário e ao sector dos seguros.
Em conclusão, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, com a presente iniciativa contribui-se, decisivamente, para o reforço, que é essencial na actual conjuntura, da estabilidade do sistema financeiro, da solidez das instituições financeiras, da confiança dos agentes económicos e dos consumidores no sistema financeiro, bem como da protecção dos aforradores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, no quadro do regime geral das instituições de crédito, a proposta do Governo só sanciona com pena de prisão o exercício não autorizado da actividade bancária, que passa de 3 para 5 anos, aliás, proposta idêntica à que o próprio PCP apresenta. Mas só este passo parece muito pouco, Sr. Secretário de Estado! Vou dar-lhe vários exemplos. Crimes, como, por exemplo, o da realização fraudulenta de capital, o de actos dolosos de gestão danosa ou o da informação deliberadamente fraudulenta prestada ao Banco de Portugal, continuam, na proposta do Governo, a ser penalizados apenas com coimas. Isto parece, necessariamente, pouco. Portanto, a primeira questão que lhe coloco é a da disponibilidade do Governo para, em sede de discussão na especialidade, passar a considerar também as penas de prisão para este tipo de crimes – não outros mas, pelo menos, os que acabo de enunciar.
A segunda questão que coloco tem a ver com o processo sumaríssimo. Este processo já existe no Código dos Valores Mobiliários e o Governo faz a sua extensão ao regime geral das instituições de crédito e ao Código das Sociedades Comerciais. Muito bem! Em tese, nada temos a opor, mas, em nossa opinião, há que precisar o tipo de situações ou de crimes em que este processo sumaríssimo pode ser aplicável. É que, se o deixarmos à discricionariedade da supervisão, podemos entrar por um beco sem saída. Por isso, coloco-lhe a

Página 47

47 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

hipótese de precisarmos, em sede de especialidade, as situações e os actos ou crimes em que o processo sumaríssimo pode ou não ser utilizado.
Finalmente, no caso das alterações ao Código dos Valores Mobiliários, o Governo propõe algum agravamento de penas, no que é acompanhado por outras iniciativas, designadamente a do PCP, mas mantém, simultaneamente, a opção pela multa. E, claramente, há crimes»

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, há crimes, como, por exemplo, o da manipulação de mercado, que merece, em determinados países, a prisão efectiva, ou seja, não há opção pela multa.
A questão que lhe coloco vai no sentido de saber se, neste tipo de crimes, não deve apenas ser prevista a prisão, sem abrir a possibilidade de optar pela multa.
Gostava que o Sr. Secretário de Estado pudesse esclarecer estas três questões.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, relativamente à questão do quadro sancionatório relativo a crimes quer no sector bancário, quer no sector do mercado de capitais, quer no sector segurador, pensamos que as soluções a adoptar devem ser enquadradas naquele que é também o quadro criminal geral vigente no nosso País, o qual tem um quadro sancionatório que assenta tanto em pena de prisão como em pena de multa, consoante os casos. Nesse sentido, julgamos que a solução a encontrar relativamente à criminalidade no sector bancário, bem como no mercado de capitais e no sector segurador, deve ser coerente com as soluções gerais.
Portanto, não nos parece, à partida, que seja uma solução adequada dizer que dentro do nosso quadro criminal há um sector onde podemos aplicar sanções de pena de prisão e de pena de multa, mas há outros sectores onde apenas podemos aplicar sanções de pena de prisão. Sr. Deputado, isso também é – permitame dizê-lo – não confiar nos tribunais e nos juízes, como se os tribunais e os juízes não tivessem condições para, face às circunstâncias do caso e ao quadro vigente no nosso país, decidirem adoptar a solução que considerem mais adequada.
Sr. Deputado, quanto à questão do processo sumaríssimo, julgamos que as soluções que actualmente constam da proposta de lei enquadram devidamente os casos em que é aplicável o processo sumaríssimo. Os critérios estão enunciados tanto ao nível de requisitos qualitativos que permitem aplicar o processo sumaríssimo como ao nível de requisitos quantitativos, como seja o facto de o nível da coima aplicável não poder exceder o triplo do limite mínimo da moldura penal prevista na lei.
Portanto, parece-me que, estando esses requisitos definidos, não haveria necessidade de mais requisitos.
De qualquer modo, se o Sr. Deputado puder precisar um pouco mais a sua preocupação ou a proposta que efectivamente faz, poderemos discuti-la.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já em Julho deste ano, na comissão parlamentar de inquérito à supervisão bancária no âmbito do designado caso BCP, o PCP propusera a revisão da moldura penal aplicável a crimes de tipo económico, para serem agravadas as respectivas penas e para que não pudessem, em certos casos, ser remíveis a multa.
Em Setembro, no debate em Plenário das conclusões daquela comissão de inquérito, sublinhámos que nem sequer essa ideia, aparentemente consensual, tinha sido aceite pela maioria parlamentar que isoladamente tinha aprovado a absolvição incondicional das instituições de regulação e supervisão no caso BCP.

Página 48

48 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Por isso, logo aí anunciámos a iniciativa legislativa que hoje se debate em conjunto com a proposta do Governo, que também anuncia a revisão do regime sancionatório para o sector financeiro.
O crime económico e financeiro beneficia de um quadro penal perfeitamente compensador para os seus autores. Há que passar a ter mão pesada para o chamado crime de colarinho branco cujas consequências começam agora a ser duramente compreendidas e sentidas pelos contribuintes e pelo País.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Por isso, o PCP entende que crimes deste tipo – os graves e muito graves e passíveis de penas de prisão – não devem, em princípio, ser remíveis ou substituíveis pelo pagamento de multas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Tal como é proposto pelo Governo, também o PCP propõe que passe a ser punido com pena até cinco anos – em vez dos actuais três – quem, sem autorização, se dedique à actividade bancária.
Só que nós não estamos apenas perante casos como o da «Dona Branca» e, ao contrário do Governo, que na sua proposta se fica por aqui, o PCP entende que no regime geral das instituições de crédito deve também passar a ser punível com pena de prisão – e não apenas com agravamento de multas, como diz a proposta de lei – quem seja responsável por realização fraudulenta de capital social, quem pratique actos dolosos de gestão ruinosa, quem falsifique contabilidades ou quem dolosamente preste informações falsas ou incompletas ao Banco de Portugal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem! O Sr. Honório Novo (PCP): — Só o enumerar destes crimes faz recordar, diria antes que faz «tresandar» àquilo que ocorreu no caso BCP e aos factos sob investigação do Banco de Portugal no caso BPN. Estas situações não podem continuar a ser objecto de meras medidas contra-ordenacionais por mais agravadas que sejam.
Para além destas alterações no regime geral das instituições de crédito, o PCP propõe também o reforço do quadro penal para crimes ocorridos no contexto do Código dos Valores Mobiliários, eliminando nas situações mais graves – ao contrário do que faz a proposta governamental – a opção pela substituição da pena por coima.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem! O Sr. Honório Novo (PCP): — O mesmo se propõe no Código das Sociedades Comerciais, visando actualizar e reforçar penas que os próprios responsáveis da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários consideraram ridículas nos depoimentos que prestaram na comissão parlamentar de inquérito à supervisão bancária no caso BCP.
Finalmente, o PCP considera que o crime económico e financeiro não ocorre apenas na actividade seguradora, no mercado dos valores mobiliários ou no funcionamento das instituições de crédito. Por isso, o PCP propõe igualmente que esta iniciativa legislativa seja alargada, passando a tratar de forma idêntica, em sede de Código Penal, a moldura penal da generalidade do crime económico e contra o património nos casos de burla, de burla qualificada e de administração danosa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PCP volta também a trazer hoje a debate iniciativas legislativas que visam reforçar o quadro normativo da supervisão.

Página 49

49 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Em 13 de Novembro, na sequência da audição do Dr. Vítor Constâncio sobre o caso BPN, tendo em conta o novo quadro normativo que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários tinha, na altura, em debate público, o PCP apresentou várias propostas para reforçar o quadro de intervenção da supervisão na actividade financeira em Portugal. Fê-lo em sede orçamental, como se recordam, facto que mereceu da parte do Sr.
Ministro de Estado e das Finanças acordo genérico quanto ao conteúdo, não obstante considerar que a iniciativa não deveria ser feita no âmbito orçamental. Nada melhor, portanto, do que esta a altura para tomar algumas decisões sobre a matéria. E para este debate o PCP apresenta, sucessivamente, as propostas que passo a referir.
Em primeiro lugar, uma alteração ao Código Penal para permitir a protecção de testemunhas que declarem no âmbito de crimes económicos e financeiros, protecção extensível à fase posterior ao decurso do processo.
Em segundo lugar, a colocação de equipas permanentes de supervisão nos bancos com volume de crédito superior a 20 000 milhões de euros e em todas as instituições de crédito onde o Banco de Portugal o considere necessário.
Em terceiro lugar, a sujeição a autorização prévia do Banco de Portugal de todas as operações de crédito a conceder a filiais ou estabelecimentos em offshore.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Em quarto lugar, que todas as acções apresentadas como garantia ou com mandato de gestão passem a ser obrigatoriamente contabilizadas para o limite máximo de acções próprias previstas no Código das Sociedades Comerciais, responsabilizando os órgãos de administração pelo acompanhamento e cumprimento deste normativo.
Em quinto lugar, e por fim, a divulgação obrigatória dos negócios existentes com sociedades com as quais haja relações de domínio ou de grupo.
Como temos acentuado, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, não nos parece que as falhas de supervisão tenham ocorrido por falta de instrumentos adequados de acção e prevenção, mas consideramos que é sempre possível melhorar o quadro legal e instrumental à disposição.
As medidas propostas nesta iniciativa pelo PCP têm sido defendidas por muitos outros, incluindo os mais altos e destacados membros dos órgãos de supervisão bancária e do Mercado de Valores Mobiliários.
Consideramos, assim, que é possível, em especialidade, analisar as propostas do PCP e do Governo quanto ao reforço do quadro sancionatório do crime financeiro, tal como é possível adoptar as propostas que hoje fazemos para a supervisão bancária, incluindo a sua melhoria e o seu âmbito.
Consideramos, assim, que sobre matérias desta natureza é possível e desejável estabelecer consensos alargados. A mesma postura responsável se espera, naturalmente, da maioria parlamentar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Hoje à tarde, enquanto decorre esta reunião da Assembleia da República, está reunida a Academia Sueca para galardoar alguns prémios Nobel deste ano. No discurso do Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, sublinha-se que a recessão que actualmente se vive de forma generalizada em todo o mundo desenvolvido se poderá prolongar em todos os efeitos dramáticos e em todas as implicações durante 3 anos ou até – admite o novo Prémio Nobel da Economia – durante 10 anos.
Num artigo, curiosamente publicado no mesmo dia, outro galardoado com o Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, diz-nos que a responsabilidade da criminalidade financeira no desenvolvimento e empolamento da «bolha» especulativa tem que ser sublinhada e utiliza a esse respeito termos que são categóricos. Diz ele que o mercado de derivados e outros constituíram as «armas financeiras de destruição massiva».

Página 50

50 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Ora, nós, em Portugal, conhecemos, nos casos do BPN, do BCP e, porventura, em outros que se venham revelar, o rigor da patologia financeira dos crimes económicos. E é em resposta a essa patologia que os dois projectos de lei que o Bloco de Esquerda apresenta hoje e outras iniciativas que estão em discussão procuram precisamente acentuar o efeito preventivo e punitivo das sanções contra o crime económico e financeiro. Por isso, a este respeito, quero sublinhar os seis pontos concretos mais importantes destas duas iniciativas.
Em primeiro lugar, pretende o Bloco de Esquerda, como outra iniciativa que está em discussão, a proibição da concessão de crédito a entidades cujo proprietário seja anónimo, seguindo uma proposta do Governador do Banco de Portugal, e aliás registando o consenso e o compromisso que o Governo aqui estabeleceu, pela voz do Ministro de Estado e das Finanças, aquando do debate do Orçamento. É, portanto, tempo de concretizar em lei aquilo que o Governo aceitou nessa altura e remeteu para um debate normal da agenda da Assembleia, como é este debate. É o melhor momento para o fazer e estou certo que o Governo respeitará o seu compromisso.
Em segundo lugar, pretendemos que haja penas de prisão efectivas para crimes de mercado, informação privilegiada e manipulação do mercado. A proposta do Governo apresenta algum reforço de sanções nesse contexto, mas pretendemos que no quadro dos crimes mais graves a pena de prisão seja a disponível para a decisão do tribunal.
Nesse mesmo sentido, pretendemos também que os deveres de informação sobre mercados de capitais e sobre movimentos de capitais, nomeadamente para zonas de risco de criminalidade financeira, sejam acrescentados no regime geral das sociedades financeiras como uma obrigação, visto que essa é a forma de antecipar, de prevenir e de evitar este tipo de movimentos quando eles são abusivos.
Por isso mesmo estabelecemos, na iniciativa legislativa que propomos, que o quadro de investigação do Banco de Portugal permita ter acesso, para os efeitos da investigação, a um alargamento das condições de levantamento do segredo bancário, o que tem vindo, aliás, a ser quase consensual na sociedade portuguesa e em várias iniciativas, mas que ainda não está disponível na latitude que permita ao Banco de Portugal fazer estas investigações com a precisão e o rigor técnico que lhes são exigidas.
Finalmente, no âmbito do artigo 211.º da Constituição da República Portuguesa (e no âmbito, aliás, da nova lei orgânica e do mapa judiciário, que antecipa a possibilidade de criação de juízos de competência especializada quando assim seja necessário), propomos que sejam criados esses juízos para responder àquela criminalidade que tem, precisamente, a maior sofisticação técnica que se possa imaginar — a criminalidade económica e financeira.
Por essa razão, acrescentamos também, no dispositivo legal que já existe na sociedade portuguesa para a protecção de testemunhas no combate a crimes especialmente complexos, que aquelas testemunhas que permitam indiciar crimes de corrupção, crimes de branqueamento de capitais ou crimes financeiros sejam abrangidas pelas mesmas regras de protecção de testemunhas e de incentivo à prestação de informação.
Entendemos que, se este conjunto de medidas e as que estão a ser discutidas permitirem uma convergência útil para uma lei melhor na prevenção e na punição do crime económico, então terá valido a pena este agendamento, o debate que aqui travamos e as conclusões que dele resultarem.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Encontramo-nos hoje, com a proposta de lei e os projectos de lei que estão em discussão, perante uma matéria aparentemente técnica.
O CDS concorda totalmente com o alargamento dos deveres de informação perante a sociedade, desde logo no que se refere às remunerações dos membros da administração, concorda também que, em algumas situações, é importante alterar o quadro sancionatório que existe actualmente e considera ainda (e não apenas para esta situação) que a forma do processo sumaríssimo pode ter virtualidades, assim se tomem os necessários cuidados em matéria de natureza jurídica.
Portanto, em jeito de resumo, o CDS é favorável a um conjunto de mudanças que aqui está em discussão relativamente ao regime legal em causa. E somos favoráveis porque defensores do mercado — curiosamente,

Página 51

51 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

ao contrário de alguns dos proponentes destas iniciativas —, um mercado que deve ser regulado, e regulado de um modo eficiente.
Todavia, há uma questão que deve ser colocada neste debate e que não o foi até agora: os problemas que temos conhecido em Portugal são devidos, fundamentalmente, a um mau sistema legal? Há problemas no nosso sistema legislativo que impedem a existência de uma supervisão e a descoberta de possíveis factos ilícitos? A resposta é um rotundo «não»! Veja-se o que está aqui em discussão: alterações quanto ao regime sancionatório, isto é, alterações no fim da linha.
Por princípio, a supervisão deve ser prudencial, deve actuar ainda antes da repressão, deve actuar de uma forma preventiva e é precisamente por isso que o CDS aqui propôs, tal como já tinha feito em relação a uma situação anterior, a constituição de uma comissão de inquérito quanto ao que se apelida «caso BPN».
Entendemos que nessa altura, nessa comissão, pode determinar-se um conjunto de responsabilidades de natureza política, porque ç de responsabilidades políticas que se fala numa comissão de inquçrito»

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » relativamente ao modo como a supervisão funciona em Portugal.
Que não restem dúvidas: o que o CDS pretende é uma supervisão que funcione a tempo. O que o CDS pretende não é uma supervisão que está constantemente atrasada!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Mais uma vez, a reflexão que temos de fazer é esta: é por falta de instrumentos legais, é por falta de um quadro legal que a supervisão não funciona em Portugal? A resposta é claríssima: não, não é por isso que não funciona a supervisão em Portugal.
Portanto, o que aqui estamos a discutir são aperfeiçoamentos de um regime, mas não passam disso! Com isto, não estamos a dizer que os problemas que foram sentidos em Portugal durante o passado ano são devidos à falta de um sistema legal completo, eficiente e com capacidade de actuação. Esse sistema legal já existe actualmente no nosso país, e isto tem de ser referido de uma forma muito clara.
O que o CDS defende é uma situação de defesa da normalidade na actuação da supervisão. Nós não queremos que a supervisão se torne um assunto político.
Infelizmente, os dados que conhecemos colocam-na no centro da discussão política, porque há dúvidas que não são esclarecidas e, portanto, como é natural, colocam-se questões quanto ao funcionamento da supervisão, que, repito, continuam a existir independentemente das alterações propostas e algumas são unanimemente aceites.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Devido à natureza das suas operações, a banca é um sector-chave na economia de um país, uma vez que grande parte da poupança, do investimento e do financiamento são através dela canalizados.
Por esse motivo, os bancos estão sujeitos a uma vigilância especial que se consubstancia na regulação e supervisão bancária que, nos últimos anos, tem ganho uma especial acuidade através da ideia de que existe uma ligação entre a qualidade da supervisão levada a cabo em cada país e a «saúde» do sistema financeiro nacional e internacional.
O mundo financeiro é hoje caracterizado pelo fim das barreiras entre os diversos sectores, onde a interligação dos sistemas financeiros nacionais é cada vez mais intensa e onde a mobilidade dos investidores e dos profissionais se acentua. Este novo quadro faz com que aumente o risco de instabilidade dos mercados e das instituições financeiras.

Página 52

52 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Por estas razões, duas ideias devem consolidar-se.
A primeira, a de que o sistema financeiro deve assentar no princípio do mercado livre, promotor da concorrência e estimulador da inovação financeira, com reconhecimento da autonomia dos utentes dos serviços financeiros.
A segunda, a da necessidade do esforço de identificação das fragilidades que afectem o sistema financeiro, identificação e supervisionamento das acções que se mostrem necessárias para resolver essas fragilidades e, por fim, melhorar a troca de informação e coordenação entre todas as autoridades responsáveis pela estabilidade financeira.
Em síntese, o que hoje se exige dos mercados e instituições financeiras é uma efectiva transparência.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Devemos, porém, ir mais longe e exigir igual transparência da política desenvolvida pelo Governo no campo orçamental, na situação das finanças públicas e da economia, bem como das políticas fixadas ao nível da supervisão financeira.
Por iniciativa do PSD, tiveram lugar nesta Casa os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Exercício da Supervisão dos Sistemas Bancário, Segurador e do Mercado de Capitais, que deu lugar à audição dos mais altos responsáveis pelos sistemas de supervisão, bem como de alguns responsáveis directos pelo funcionamento do sistema financeiro e, ainda, a disponibilização de milhares de documentos de importância assinalável.
Da análise dessa documentação, bem como das audições levadas a cabo, resultou a conclusão, aliás consensual, de que o sistema de supervisão carecia de aperfeiçoamentos, designadamente quanto ao regime de contra-ordenações e penal, para as infracções e crimes cometidos por responsáveis ou por quem exerce actividade em instituições de crédito ou sociedades financeiras.
Ou seja, no que ao efeito dissuasor diz respeito, mormente através do aumento do valor das coimas e da alteração das molduras penais no âmbito da actividade das instituições bancárias e financeiras, são positivas as iniciativas agora apresentadas.
Já no que respeita à alteração das molduras penais relativamente aos crimes económicos praticados contra o património em geral, alerta-se para a necessidade de ser respeitada a coerência do regime punitivo de todos os crimes conexos com a actividade económica previstos no Código Penal.
Estas e outras alterações agora propostas — que fique claro — em nada alteram os instrumentos que as entidades de supervisão detinham e continuam a deter.
Alterem-se sanções, crie-se maior transparência no que à política de remunerações dos membros dos órgãos de administração das entidades de interesse público diz respeito, proíba-se a concessão de crédito a entidades registadas nos chamados «paraísos fiscais» e dê-se maior protecção às testemunhas de crimes de natureza económico-financeira.
O que é um facto é que nada disto faz alterar as rotinas de supervisão das entidades responsáveis.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Exactamente!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — São precisas medidas concretas e de operacionalidade.
A Comissão Europeia propôs medidas para reforçar a supervisão dos bancos e controlar melhor os riscos que estes assumem nos mercados, defendendo uma revisão das regras bancárias sobre a «adequação de fundos próprios» que permita reforçar a estabilidade do sistema financeiro, reduzir a exposição ao risco e melhorar a supervisão dos bancos.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — De acordo com esta proposta, deverão ser impostas aos bancos restrições de crédito para além de certos limites a qualquer cliente, e assim as autoridades nacionais de controlo terão uma melhor visão global das actividades dos agrupamentos bancários que operem aquém e além fronteiras.

Página 53

53 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

A Comissão pretende, ainda, tornar mais rigorosas as regras sobre valores mobiliários, sendo que as empresas que apresentam os empréstimos sob a forma de títulos negociáveis terão de restringir o respectivo risco e as empresas que investem nos títulos apenas poderão tomar decisões após aplicação das diligências adequadas.
No que ao nosso país respeita, o que sabemos é que o Banco de Portugal conta com apenas 60 técnicos de supervisão para fiscalizar cerca de 320 instituições financeiras.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sabemos ainda que a morosidade das investigações criminais constitui um elemento significativo para a falta de transparência do sistema financeiro e de supervisão.
Descobertos indícios de natureza criminal, pelas mais diversas formas e meios, são estes objecto de divulgação e consequente ampliação, mantendo-se depois demasiado tempo sem que se saiba de qualquer evolução, assim se minando a credibilidade de pessoas e de instituições que, mais do que qualquer outra coisa, do que necessitam é de gerar confiança.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — A prioridade deve, por isso, ser a de fornecer instrumentos a quem tem a direcção dos inquéritos, numa perspectiva hierarquizada, com o objectivo da criação de uma estratégia para o combate ao crime económico, através da definição das respectivas prioridades, do aumento do apoio pericial, da construção de bases de dados e da criação de uma estrutura de estudo deste tipo de criminalidade, designadamente, no que aos fracassos de investigação criminal diz respeito.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito há ainda para fazer e que esse muito seja feito com verdadeiro espírito de querer fazer e fazer bem!

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Couto Vieira.

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quando estão colocadas na ordem do dia, por vezes de forma infundada ou alarmista, questões relacionadas com o aumento da criminalidade e com o combate a esses fenómenos, não é ético nem justo que o quadro penal para crimes económicos e financeiros, com a apropriação ilegítima de elevadas quantias, prejudicando a estabilidade de instituições financeiras e os seus depositantes, permaneça, no fundamental, remetido à aplicação ou remição de coimas há muito desactualizadas, que ficam sempre aquém dos proveitos indevidamente retirados pelos seus autores.
De facto, não obstante o facto de os crimes económicos e financeiros terem por consequência uma perda financeira, podendo mesmo atentar contra o funcionamento normal da economia e das regras do mercado, bem como contra os valores da democracia e do próprio Estado de direito, constata-se que este tipo de crime beneficia hoje de um quadro legal que permite que os seus autores saiam compensados com a prática dos seus actos ilícitos, factualidade que urge alterar.
E, numa altura em que a criminalidade económico-financeira voltou ao topo da actualidade, quer o Governo quer os partidos com assento parlamentar reclamam seja o reforço da moldura penal deste tipo de crimes seja uma maior transparência, nomeadamente ao nível quer do cumprimento do dever de informação quer da divulgação das remunerações dos membros dos órgãos de administração das entidades de interesse público.
As iniciativas legislativas hoje em discussão, da autoria do Governo e dos grupos parlamentares do PCP e do Bloco de Esquerda, têm por objectivo principal e comum a alteração do regime sancionatório para o sector financeiro em matéria criminal e contra-ordenacional, propondo-se introduzir alterações e aditamentos,

Página 54

54 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

particularmente ao regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, bem como ao Código dos Valores Mobiliários, entre outros diplomas.
O projecto de lei n.º 611/X (4.ª), da autoria do Bloco de Esquerda, propõe ainda a criação de juízes especializados no combate ao crime económico. Porém, tal faculdade já se encontra prevista na Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, aqui aprovada, que aprovou a lei de organização e funcionamento dos tribunais especiais. De facto, nos artigos 127.º, n.os 1 e 2, alíneas b), d) e f), e nos artigos 131.º e seguintes, o mencionado diploma já prevê a criação de juízes de competência especializada em matéria criminal, contemplando-se, assim, uma especialização em função da complexidade do crime.
Por seu turno, a proposta de lei n.º 227/X (4.ª), da autoria do Governo, vem, para além de proceder à revisão do regime sancionatório para o sector financeiro em matéria criminal e contra-ordenacional, bem como à actualização das molduras penais e dos montantes das coimas, que permaneciam inalterados há quase duas décadas, não obstante manter, sendo mesmo de salientar, a manutenção como regra no Código Penal da opção da sanção em concreto pelo juiz, propor também a criação de um regime de aprovação e divulgação da política de remuneração dos membros dos órgãos de administração das entidades de interesse público.
Assim, em matéria remuneratória, a referida proposta de lei prevê a obrigatoriedade de submeter à aprovação da assembleia-geral uma declaração sobre a política de remuneração dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das entidades de interesse público.
Através desta iniciativa, pretende o Governo não só adaptar as molduras das penas e os montantes das coimas à dimensão e às características do sector financeiro e reforçar o efeito punição e, fundamentalmente, de dissuasão associada ao regime sancionatório como também promover o alinhamento das molduras das coimas e das ferramentas processuais nos três sectores financeiros.
Assim, em matéria penal, a moldura das penas é elevada de três para cinco anos nos casos já actualmente tipificados, isto é, quando se verifica o exercício da actividade ilícita de recepção de depósitos ou de outros fundos reembolsáveis, a transmissão ou actuação com base em informação privilegiada, a manipulação do mercado ou ainda a prática ilícita de actos de operações de seguros ou de gestão de fundos de pensões.
Propõe-se, igualmente, a elevação dos limites das coimas até ao montante máximo de 5 milhões de euros, aplicáveis às condutas especialmente graves. Prevê-se sempre, tendo em vista o efeito dissuasor, que é o elemento fundamental da proposta, o agravamento da coima máxima aplicável, quando o dobro do benefício económico exceder aquele montante, sem prejuízo — reitero — da perda do próprio benefício económico.
Pretende-se, na verdade, punir de forma agravada os casos em que a violação do dever deu origem a uma vantagem financeira de valor particularmente elevado, através do ajustamento da medida da coima até ao dobro do benefício económico.
Simultaneamente, a proposta de lei, da autoria do Governo, aproveitando a experiência obtida com o recurso a este mecanismo processual no sector dos valores mobiliários, introduz a figura do processo sumaríssimo no sector bancário e no sector segurador e de fundos de pensões.
A consagração legal desta forma processual vem agilizar a intervenção sancionatória das entidades de supervisão num número apreciável de ilícitos de menor gravidade, com vantagem sob o ponto de vista da eficiência processual e sem prejuízo da eficácia dissuasora das sanções. Esta modalidade de processo é aplicável nos casos em que a natureza da infracção, a intensidade da culpa e demais circunstâncias caracterizem o ilícito como de reduzida gravidade.
O processo sumaríssimo é essencialmente caracterizado por uma tramitação que permite confrontar o arguido com os indícios existentes ainda em fase de instrução, dando-lhe opção de aceitar a aplicação de uma coima até ao triplo do limite mínimo da moldura penal prevista, com preclusão da possibilidade de recurso.
Ainda no âmbito do reforço das ferramentas processuais ao dispor das autoridades de supervisão, é de referir a consagração expressa de uma norma que, em termos amplos, permite a solicitação a quaisquer pessoas ou entidades dos elementos necessários às averiguações ou à instrução dos processos de contraordenação.
A iniciativa legislativa em discussão, da autoria do Governo, propõe ainda o agravamento da natureza das contra-ordenações associadas à violação dos deveres de informação e de constituição ou contribuição para fundos de garantia obrigatórios. No que respeita aos deveres de informação, a prestação de informação a autoridades de supervisão que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, ou a omissão

Página 55

55 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

dessa prestação e o incumprimento dos deveres legais de informação para com os respectivos clientes passam também a constituir contra-ordenações muito graves.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero apenas reafirmar que, com a presente iniciativa legislativa, o Governo, no fundo, contribui para o significativo aperfeiçoamento do regime sancionatório no sistema financeiro e também para o reforço das regras relativas à transparência em matéria de remunerações dos membros dos órgãos sociais e dos órgãos de administração de instituições financeiras e de outras entidades de interesse público. Mas fazemo-lo no respeito estrito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais das pessoas em causa e também pelos direitos que aos arguidos visados nestes processos devem ser reconhecidos no âmbito de processos para acautelar devidamente a sua defesa. Não podia, aliás, ser de outra maneira.
Deste modo, em matéria de regime sancionatório, a actual iniciativa legislativa, agravando o quadro das sanções aplicáveis, contribui significativamente para uma actualização de um regime que, já há muito, carecia dela; aumenta a celeridade e a capacidade de intervenção das autoridades reguladoras e supervisoras, através da figura do processo sumaríssimo; e acautela também a eficácia dos processos contra-ordenacionais ao reforçar o regime da perda do benefício económico e ao permitir, nos casos em que o benefício económico é de tal modo significativo, o agravamento do limite máximo da respectiva coima aplicável.
No entanto, esta iniciativa legislativa é — permitam-me, Sr.as e Srs. Deputados — uma primeira iniciativa, à qual se sucederá uma segunda iniciativa legislativa por parte do Governo, na medida em que contamos, a muito breve prazo, apresentar também nesta Assembleia uma proposta de lei para revisão do quadro sancionatório geral em todo o sistema financeiro, abrangendo globalmente a componente material das infracções no sistema financeiro e também os procedimentos, o regime processual no sector bancário, no sector segurador e ao nível do mercado de capitais, na medida em que são regimes que, ainda hoje, têm especificidades e regras diferenciadas.
Com isto, contribuir-se-á também para uma uniformização do regime sancionatório aplicável no respectivo sector, reforçando a eficácia dissuasora, mas também, em muito, a eficácia da actuação e a capacidade de intervenção das autoridades reguladoras.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, gostaria de lhe pedir que fizesse uma análise global sobre todo o regime legal que trata desta matéria e a sua relação com a supervisão, para perceber se há algum instrumento que falte à supervisão para cumprir aqueles que são os seus deveres perante o mercado, que são verdadeiramente essenciais para que ele possa funcionar.
Sr. Secretário de Estado, a pergunta é muito simples: há em Portugal um problema de natureza legislativa que impeça a supervisão de poder alcançar os melhores resultados naquela que é a sua intervenção?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, não sei se 45 segundos são suficientes para a tal análise global que o Sr. Deputado solicitou,»

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É só dizer «sim» ou «não»!

Página 56

56 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — » de qualquer modo, gostaria de dizer o seguinte: efectivamente, o regime sancionatório no sistema financeiro é um regime que pode e deve ser aperfeiçoado. É este o nosso entendimento não apenas ao nível do regime material das respectivas infracções mas também ao nível do respectivo regime procedimental.
Aquilo que o Governo fez com esta iniciativa foi uma coisa muito simples: foi, na sequência das medidas adoptadas no âmbito daquilo que globalmente foi apresentado como uma iniciativa para o reforço da estabilidade no sistema financeiro e a par do regime de garantias, do regime público de capitalização e de um regime de transparência, alterar também o regime em matéria de remunerações e o regime no que diz respeito ao agravamento da moldura sancionatória.
No entanto, no que diz respeito às regras procedimentais, as alterações que aqui são feitas são alterações, como o Sr. Deputado deve ter percebido, muito cirúrgicas e foram aquelas que, na altura em que o Governo aprovou esta iniciativa, nos pareceram as mais óbvias e as mais prementes.
Agora, isto não significa que não haja margem, porque ela existe, para um aperfeiçoamento e uma revisão profunda de todo o regime, num trabalho que pretendemos que seja baseado também num debate alargado na sociedade portuguesa, portanto envolvendo também um debate com os partidos políticos representados neste Parlamento, para, com isso, podermos ter uma lei nova, uma lei adaptada às necessidades dos tempos actuais dos mercados financeiros e adaptada também ao momento da conjuntura que estamos a viver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 227/X (4.ª) e dos projectos de lei n.os 604/X (4.ª), 610/X /4.ª), 611/X (4.ª) e 612/X (4.ª), os quais serão oportunamente votados.
Vamos, agora, iniciar a apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 606/X (4.ª) — Alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partido Políticos e das Campanhas Eleitorais) (PS e PSD).
Encontram-se inscritos, para fazer a apresentação deste projecto de lei, os Srs. Deputados Ricardo Rodrigues e Guilherme Silva. Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apreciamos hoje, nesta Câmara, uma alteração à Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais. Trata-se de uma alteração não substancial mas que vem clarificar algumas situações verificadas na vigência desta lei, que durante cinco anos experimentou algumas lacunas e suscitou algumas questões que urgia corrigir.
Assim, não alteramos a estrutura base do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, na medida em que o projecto de alteração mantém o financiamento público como a parte importante do financiamento político. Admite, contudo, o financiamento privado, de forma clara e transparente. Ou seja, este projecto de alteração que hoje aqui apreciamos, na generalidade, traz ao sistema mais rigor, mais transparência, elimina alguns equívocos e clarifica procedimentos.
Reafirma-se também, neste projecto, que a competência de fiscalização das contas dos partidos compete, naturalmente, ao Tribunal Constitucional, de resto, o órgão que acompanha os partidos políticos desde a nascença até às suas contas. Mantém-se essa opção de ser o Tribunal Constitucional a fiscalizar as contas dos partidos, sendo certo que, tratando-se de uma matéria específica e especializada, o mesmo é assessorado por uma Entidade das Contas, que tem um papel técnico e específico de acompanhamento dessa área de fiscalização, cuja competência é do Tribunal Constitucional.
Estes cinco anos deram oportunidade aos grupos parlamentares de perceberem algumas lacunas. Desde logo, verificou-se que, por exemplo, as campanhas eleitorais da segunda volta das eleições presidenciais precisavam de um acerto. Mas também as campanhas eleitorais dos órgãos autárquicos, quando intercalares, mereceram alguns acertos por parte do projecto de lei.
Estas lacunas estendem-se a outras áreas, como, por exemplo, à área dos referendos, que, mais uma vez, não ficou prevista, na medida em que entendemos que o referendo não tem um pendor para ser essencial e especialmente suportado por partidos políticos mas, sim, pela organização de cidadãos, e vai merecer, nesta área de especificação, o respectivo financiamento, pelo que não mexemos nesse ponto neste projecto de lei.

Página 57

57 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Não deixamos, contudo, de ter algumas atenções relativamente aos donativos de particulares, como vimos, e à simplificação de alguns regimes contabilísticos. Designadamente, há uma pretensão dos pequenos partidos que vamos contemplar no projecto de lei, na medida em que aqueles que não recebem subvenções públicas podem, naturalmente, ter um regime simplificado de contabilidade, desde que isso não ofenda os princípios da transparência e do rigor, necessários neste sistema de financiamento político.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Por outro lado, entendemos que a unidade de referência para efeitos de cálculo da subvenção pública, que, até aqui, tinha por base o salário mínimo nacional, deve mudar para o indexante dos apoios sociais. Esta alteração encontra justificação naquilo que consideramos ser um acto de justiça e de equidade.
Na verdade, os aumentos do salário mínimo nacional — assim designado comummente — ocorridos no último ano e que ocorrerão nos próximos anos, e bem, são aumentos que não eram verificados há muito tempo em Portugal. Se tivéssemos deixado ficar esse indexante natural no salário mínimo nacional as verbas a atribuir aos partidos políticos e às campanhas eleitorais teriam um incremento desmesurado e que consideramos inadequado para o esforço público, que, no fundo, é de todos nós.
Finalmente, gostaria de salientar um facto que nos parece importante.
Esta é uma matéria estruturante do Estado de direito e que merece, da parte do PS, muita atenção. Na verdade, para já, é uma matéria subscrita também pelo PSD, mas o PS gostaria de alargar esse consenso a outras forças partidárias, para que, na Assembleia da República, pudesse ser elaborada uma revisão da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais encontrando o maior consenso político.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — E, por isso mesmo, alargamos esse repto quer ao PCP, quer ao BE, quer ao CDS-PP, para que contribuam no sentido de o consenso ser possível. Por parte do PS, estamos disponíveis para, em sede de especialidade, encontrarmos as soluções que possam viabilizar um consenso generalizado na Câmara sobre essa lei tão importante para o sistema democrático.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Debate-se hoje, nesta Câmara, o projecto de lei n.º 606/X, que visa introduzir alterações à Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, que regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
À primeira vista, pareceria que nada de particularmente relevante traria qualquer distinguo à presente iniciativa, algo que pudesse merecer especial menção, no que diz respeito à rotina da actividade de produção legislativa que compete à Assembleia da República. Só aparentemente, porém, assim será.
Em primeiro lugar, a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais não é uma lei qualquer, das muitas que integram o nosso ordenamento jurídico e que, muitas vezes, se perdem em meandros, o que se traduz na sua inexecução e ineficácia.
Estamos perante uma lei essencial e estruturante do Estado de direito democrático que o 25 de Abril fez nascer e que a Constituição de 1976 institucionalizou. Mas há um sinal particularmente relevante de que o projecto de lei n.º 606/X é portador e que não pode deixar de ser salientado. Refiro-me ao sinal de maturidade democrática que decorre da circunstância de este projecto de lei ser apresentado conjuntamente pelos dois maiores partidos e, mais concretamente, vir subscrito pelos líderes parlamentares do PS e do PSD.
Se formos repescar as actas relativas a anteriores iniciativas legislativas sobre a matéria do financiamento partidário constatamos que, com uma frequência indesejável, não foi possível gerar consensos, designadamente entre os dois maiores partidos, em matéria tão delicada quão sensível e essencial para o correcto funcionamento da democracia pluralista e do Estado de direito.

Página 58

58 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Mas é preciso dizer, para não desvirtuar a genuinidade de propósitos deste consenso, materializada nesta iniciativa comum dos dois maiores partidos, que essa base alargada de consenso não exclui a participação e os contributos de todas as forças políticas, mesmo as que não tenham assento parlamentar. Bem pelo contrário, pretende-se antes que seja uma plataforma de entendimento alargado que facilite aproximações e proporcione o acolhimento de propostas válidas, a apreciar e a aprofundar em sede de especialidade.
Deixemos, pois, claro que, dentro dos parâmetros da maior transparência, do rigor, da mais eficaz fiscalização, do aperfeiçoamento das regras e da contenção, o PSD subscreveu esta iniciativa — e estou certo de que o PS também — como uma plataforma aberta às demais forças políticas, incluindo os comummente designados por «pequenos partidos».
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A propósito do financiamento partidário já vimos escrito, de uma forma feliz, que «transparência e democracia constituem um binómio indissociável». Por isso, enquanto legisladores, não devemos nem podemos ser indiferentes à experiência recolhida na aplicação da Lei n.º 19/2003. E, em especial, não podíamos deixar de dar a devida atenção às recomendações e alertas do Tribunal Constitucional e da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que o assessora e coadjuva.
Aliás, refere-se, expressamente, na exposição de motivos do projecto de lei em debate o seguinte: «O tempo que leva de vigência a Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, e a jurisprudência, altamente pedagógica, que o Tribunal Constitucional, como entidade com jurisdição exclusiva em matéria de contas dos partidos e de todos os seus órgãos, vem produzindo impõe que, nesta oportunidade, se introduzam algumas correcções, actualizações e aclaramentos naquela Lei.
A experiência destes anos de aplicação concreta, seja em sede de vida partidária seja em sede de exercício das competências de fiscalização, não pode deixar de ser tomada em devida conta.» Na verdade, a própria experiência que os partidos retiraram da aplicação da Lei n.º 19/2003 e a detecção de lacunas, omissões e equívocos, cuja subsistência não se afigurava salutar para o seu regular funcionamento institucional, não podem deixar de ser supridos e aclarados nesta oportunidade.
Sem prejuízo do aprofundamento do debate na especialidade, importa referir, de forma sintética, os pontos mais relevantes desta iniciativa.
Mantém-se e reforça-se a competência exclusiva do Tribunal Constitucional para a fiscalização das contas dos partidos, incluindo a componente do financiamento público, coadjuvado pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
Elimina-se, em nome do rigor e da transparência, o n.º 4 do artigo 7.º, para que não possam subsistir como donativos «as aquisições de bens a partidos políticos por montante manifestamente superior ao respectivo valor de mercado».
Reforça-se a subvenção pública prevista para a segunda volta das eleições presidenciais, cujo valor actual se tem afigurado manifestamente insuficiente.
Simplifica-se a contabilidade dos partidos que não beneficiam da subvenção pública, atribuída em função dos resultados eleitorais e da respectiva representatividade.
Passa-se a assegurar o direito à subvenção estatal para a cobertura das despesas das campanhas relativas a eleições intercalares municipais, também quando esteja em causa apenas a eleição para qualquer um dos dois órgãos do município.
Reforça-se e clarifica-se a responsabilização dos mandatários financeiros.
Confirma-se e clarifica-se a integração das contas dos grupos parlamentares, como órgãos partidários, nas contas dos partidos, anualmente apresentadas ao Tribunal Constitucional.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Consagra-se a exigência legal de publicitação das contas das campanhas para as eleições para os órgãos próprios dos partidos políticos, por se entender que a lei não deve alhear-se da necessidade da maior transparência quanto ao financiamento das campanhas internas, sem prejuízo da sua regulamentação caber aos estatutos e regulamentos dos partidos.
Adopta-se o indexante dos apoios sociais (IAS) como unidade de referência para efeitos de cálculo da subvenção pública atribuída aos partidos e aos grupos parlamentares para que, no futuro, esta se contenha dentro de parâmetros razoáveis.

Página 59

59 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Importa destacar, de forma particular, estas duas últimas medidas.
Efectivamente, não faz sentido que as regras de transparência em matéria de financiamento e publicitação de contas funcione no âmbito das campanhas eleitorais para os diferentes órgãos de estrutura política do Estado e já não para as eleições internas dos partidos. Como não faria sentido que, num período de crise económica e de especiais dificuldades financeiras que o País atravessa, não houvesse, da parte dos partidos, um esforço de contenção.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Como não seria compreensível que não se aproveitasse esta oportunidade para adoptar essa nova unidade de referência para efeitos de cálculo de subvenção pública, contrariando o efeito de crescimento excessivo que decorreria dos aumentos mais significativos que o salário mínimo nacional passou a ter.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como se reconhece em vários relatórios da Comissão das Relações Parlamentares e Públicas da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, uma correcta regulamentação do financiamento partidário é essencial ao próprio regular funcionamento do Estado de direito, particularmente em sistemas políticos como o nosso, em que os partidos se apresentam como «verdadeiras instituições da democracia».
Temos todos a noção da necessidade da reforma do sistema político e do alargamento das formas de participação da sociedade civil e dos cidadãos para além do âmbito partidário, como temos a consciência da necessidade de repensar a organização e o funcionamento dos partidos. Mas também estamos certos de que essas reformas em nenhuma circunstância passam por prescindir dos partidos políticos, ou sequer por relegálos para um plano secundário.
Por assim ser, a vertente do financiamento partidário, com rigor e contenção, tem de ser assumida como custo normal da democracia mas, por isso também, seja no que respeita à componente pública, seja no tocante à componente privada, a transparência do sistema tem de ser total, para que, por via dele, a democracia saia reforçada.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Não posso, aliás, terminar sem expressar o desejo do PSD de que o trabalho, na especialidade, nos permita obter dos restantes grupos parlamentares o desejável consenso que esta lei deverá merecer, por certo, com todo o empenho e esforço que a responsabilidade democrática de cada um de nós exige.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares para uma intervenção.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No início deste debate sobre uma alteração proposta por PS e PSD à Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais não podemos deixar de caracterizar esta legislação que está em vigor.
A lei de financiamento dos partidos integrou um pacote legislativo antidemocrático, que incluía também a lei dos partidos, aprovado de forma chocante por alturas de mais uma comemoração, em 2003, do aniversário da Revolução.
São duas leis que se traduzem em inaceitáveis ingerências na vida interna dos partidos, procurando manietar e uniformizar formas de funcionamento e organização que são diversas de partido para partido. E que desejavelmente devem continuar a ser e a poder ser diversas, porque é isso que corresponde a um regime democrático que se quer da máxima pluralidade e respeitador da diversidade política e ideológica.

Vozes do PCP: — Muito bem!

Página 60

60 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Estas leis dos partidos e do financiamento dos partidos não estão de acordo com a liberdade de auto-organização que a Constituição atribui aos partidos, como elementos integrantes e fundamentais do nosso sistema político e democrático. Por isso, o PCP continua — e continuará — a lutar pela sua revogação e substituição por legislação que garanta esse regime de liberdade constitucionalmente garantido.
A prática veio confirmar o absurdo de muitas das normas destas leis, em particular aquelas que, de acordo até com alguns dos intervenientes da altura, visavam específica e exclusivamente o PCP. No caso particular da Lei do Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais, cuja alteração hoje aqui discutimos, o absurdo da lei foi agravado por uma actuação da Entidade das Contas entretanto criada, muito para além das prerrogativas, já de si exageradas, que a lei lhe atribuiu e extravasando em absoluto o papel de organismo coadjuvante do Tribunal Constitucional.
Encaramos à partida o actual processo legislativo com disponibilidade para avaliar as soluções propostas.
É certo que se algumas são de meridiana clareza, como a transferência da referência do salário mínimo para o indexante de apoios sociais, com efeitos concretos a partir de 2010, outras soluções há que merecem ponderação na especialidade, para a qual contribuiremos.
Mas não escondemos que para o PCP é fundamental que neste processo se encontre o consenso necessário para alterar pelo menos alguns dos mais graves aspectos da lei em vigor, precisamente aqueles que manifestamente visavam o PCP. É que o PCP, pela sua origem, orientação política e ideológica, é um partido que financia a sua actividade política fundamentalmente através de receitas próprias, em mais de 80% resultantes da sua actividade política e do contributo militante, enquanto outros partidos assentam no fundamental o seu financiamento na subvenção estatal. Um e outros devem ter direito a ser como entendem ser.
Olhemos, por exemplo, para dois problemas da actual lei.
Um é o das quotas e contributos de militantes. É que a lei impõe que todas sejam tituladas por cheque ou outro meio bancário, excepto quando sejam inferiores a 25% do salário mínimo nacional (pouco mais de 100€) e num total anual de 50 vezes o valor daquela retribuição. Quanto ao limite individual por quota ou contribuição — os tais 100 € — nada temos a opor ao valor dentro do qual podem ser entregues em numerário. O absurdo está no limite anual. É que 50 vezes o Salário Mínimo Nacional são pouco mais de 21 000 €, o que significa, por exemplo, que se 356 militantes do PCP, ou de outro qualquer partido, pagarem uma quota de 5 €, esse limite será ultrapassado. Como imaginarão temos no PCP — e supomos que existe noutros partidos — dezenas de milhares de militantes a pagar 1 €, 2 €, 5 € a quem muito dificilmente se pode exigir que o façam por cheque ou transferência bancária, até porque muitos não têm sequer esses meios. Nem pode, aliás, ser exigido que para se ser militante de um partido — e pagar a respectiva quota — se tenha de dispor desses meios, de cheque ou de conta bancária, porque isso não é um requisito aceitável em termos constitucionais.
O que dizemos é que esta norma não pode continuar e que a participação cívica e militante tem de ser livre e não é incompatível com o máximo rigor e transparência na prestação e fiscalização das contas dos partidos.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Pela nossa parte, estamos disponíveis para contribuir na especialidade para a resolução deste grave entorse à liberdade de associação partidária, inclusive elevando as exigências de prestação de contas, de forma a que não haja impedimento a esta importantíssima forma de participação cívica que é a contribuição militante.
Um segundo problema particularmente grave é o que diz respeito às iniciativas de angariação de fundos que envolvem a oferta de bens e serviços, que tinham aliás um regime específico com acordo unânime de todos os partidos, na lei anterior à actual. Aqui se inclui a questão da «Festa do Avante!».
É porque não é possível limitar administrativamente a dimensão de uma tal iniciativa. Não é possível determinar por via legal quantas pessoas em cada ano vão participar na «Festa do Avante!», quantos almoços ou jantares vão consumir, quantos livros, discos, ou peças de artesanato vão comprar. Limitar à partida uma iniciativa destas é absurdo. Como é absurdo exigir que tudo o que é adquirido pelas centenas de milhares de visitantes da «Festa», o seja por cheque ou transferência bancária, uma vez que as receitas em numerário

Página 61

61 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

contam também para o tal limite dos 50 salários mínimos, os tais 21 000 anuais — e isto apesar de o PCP já ter generalizado na «Festa do Avante!» e nos seus diversos pavilhões terminais de pagamento multibanco para permitir que quem queira o faça por transferência bancária; só que a maioria dos participantes não faz assim, fá-lo por numerário, como é natural em despesas de tão pouco montante.
E quando assistimos à tentativa de imposição pela Entidade das Contas, de um critério de consideração das receitas da «Festa do Avante!», não com base no produto apurado entre receitas e despesas, mas querendo considerar a receita bruta como o montante do financiamento, está tudo dito sobre a iniquidade desta lei e sobre a postura da referida Entidade.

Vozes do PCP: — É uma vergonha!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Também aqui o que queremos é que uma realização que nada tem de promíscuo, nem de opaco, nem de ilegal seja possível à face da lei e não seja tratada como uma qualquer iniciativa clandestina. Mais: queremos que ela seja alvo da máxima fiscalização, como, aliás, já é, não só a nível financeiro mas da saúde pública, da ASAE entre outras fiscalizações, aliás com bastante sucesso.
Queremos que as suas contas tenham um escrutínio autónomo e específico, sem prejuízo de serem englobadas nas contas gerais do PCP.
O ponto em que estamos em matéria de lei do financiamento é crucial. As decisões que a Assembleia vai tomar serão uma opção entre uma legislação que promova a liberdade e a militância com a máxima fiscalização e transparência, e uma legislação como a que actualmente existe, que é limitativa das mais elementares formas de participação cívica e política, livre e independente. E todos terão de optar entre uma legislação que deliberadamente visava pôr fim à «Festa do Avante!» e uma legislação que, mantendo e melhorando regras de máxima fiscalização, não seja um entrave à realização da mais importante iniciativa político-cultural do nosso país, visitada anualmente por centenas de milhares de portugueses de todos os quadrantes políticos.
É esta questão fundamental que este processo legislativo tem, na nossa opinião, de dirimir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, esta é mais uma iniciativa do bloco central, um projecto de lei comum do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata. Habitualmente, esta forma não tem sido de bom presságio na nossa Democracia nos anos mais recentes. Em todo o caso, o Bloco de Esquerda tem abertura em relação a alterações numa lei que é uma lei de «travejamento» do regime democrático e da participação democrática.
Acompanhamos com facilidade algumas das alterações que vêm sendo propostas e passo a enumerá-las: a substituição do elemento de referência para cálculo das subvenções não ser a retribuição mínima mensal mas, sim, o indexante de apoios sociais parece-nos adequado do ponto de vista de libertar o crescimento do salário mínimo sem encargos adicionais para o Estado; acompanhamos com facilidade as situações de financiamento que não estavam previstas, como a segunda volta das eleições presidenciais, eleições intercalares para municípios; estamos de acordo com a contabilidade simplificada para pequenos partidos; estamos de acordo que se termine com aquele absurdo que era a contabilização para efeito de custos da colaboração militante de pessoas, dos partidos, das campanhas eleitorais — aliás, com processos que se arrastam ainda hoje.
Portanto, temos muita facilidade em acompanhar alguns destes aspectos que os partidos agora propõem.
Contudo, temos discordâncias, dúvidas e reservas acerca de vários outros aspectos. Um deles a inovação aqui trazida — da qual discordamos frontalmente, de todo! — de que se afaste da responsabilidade por eventuais ilícitos nas campanhas eleitorais os candidatos a presidente da República e os partidos. As campanhas presidenciais ficariam sem qualquer responsabilidade unipessoal do candidato em questão e os partidos parecem refugiar-se atrás dos primeiros candidatos das listas e respectivos mandatários financeiros.

Página 62

62 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Vamos pugnar, na especialidade, para que se mantenha exactamente o dispositivo que a lei tem neste momento. É porque são todos solidariamente responsáveis: os candidatos a presidente da República, os partidos, os primeiros candidatos de listas e os respectivos mandatários financeiros.
Parece-nos até um absurdo essa alteração que os partidos vêm aqui propor, porque, quando se fala de maior escrutínio, de maior rigor, de maior penalização de comportamentos ilícitos, parece-nos uma posição incorrecta, uma proposta deslocada.
Por outro lado, gostaríamos de acrescentar, um pouco a exemplo do que já disse o Sr. Deputado Bernardino Soares, que a lei mantém alguns dos seus traços mais negativos. As alterações não vêm pôr fim à confusão entre duas figuras, a dos donativos singulares e a da angariação de fundos! Pelo contrário, ainda vêm complicar mais a zona de fronteira entre essas duas figuras e não conseguem distinguir entre donativos de grande montante e de contribuições de angariação de fundos de pequeno montante, pois é disso que se trata.
Isto porque, sendo nós favoráveis ao financiamento público dos partidos e das campanhas eleitorais, não o entendemos na exclusividade; entendemos que há uma componente de participação cidadã e de subscrição popular em relação ao apoio aos partidos. E estas alterações que o PS e o PSD propõem permitem, ainda, manter e agravar aquilo que já era também a esse respeito um ponto negativo, ou seja, penalizar os partidos nas campanhas eleitorais que realizam angariação de fundos, pelo facto de ela ser descontada da subvenção que venham a auferir os partidos.
Aquilo que os partidos angariam dos cidadãos é descontado na subvenção e distribuído pelos outros, é obviamente um convite a que não haja angariação de fundos, o que é absolutamente lamentável e creio que os cidadãos não entendem essa posição por parte dos partidos maioritários.
Depois, Sr.as e Srs. Deputados, há uma abertura nossa em considerar as eleições internas dos partidos, mas a norma terá de ser bem especificada. Que órgãos dos partidos? Em que circunstâncias? São todos os órgãos dos partidos? Terá de haver aqui alguma fronteira bem especificada do que é que se pretende e em que condições é que se pretende.
Sr.as e Srs. Deputados, gostaria, também, de dizer que há um conjunto de normas — perdoem-me que o diga — que têm redacções equívocas, que permitem várias leituras e que eu creio que na especialidade será preciso aprimorar para que tenham um sentido unívoco. São várias essas normas e incluindo algumas das alterações propostas têm normas que são contraditórias e teremos ocasião de demonstrá-lo, num trabalho da especialidade.
Ora, se há lei que precisa de um trabalho legislativo rigoroso, pela sua sensibilidade, pela necessidade de transparência da vida política, esta é uma delas e não servirá a ninguém, não servirá ao regime democrático, não servirá à livre confrontação constitucional dos partidos, das campanhas eleitorais na sua actividade diária e na sua fiscalização que, obviamente, terá de ser feita pelo Tribunal Constitucional, se deixarmos normas que ainda vêm complicar aquilo que já tinha leituras complicadas por parte da Entidade das Contas.
Creio que há alguns dispositivos que manifestamente não têm um conteúdo de redacção que seja claro e absolutamente unívoco na sua interpretação. Refiro-me àquilo que tem que ver com as fórmulas de cálculo para o financiamento dos grupos parlamentares. O que são «os demais donativos em espécie», que, depois, parecem contraditados num artigo mais adiante? A que é que se chamará «o limite do resultado final» em relação às autarquias locais, arranjando um novo esquema para o financiamento das campanhas das autarquias locais onde vários juristas considerados têm três leituras sobre a norma? Portanto, sublinhando a abertura que os proponentes aqui deixaram no sentido de que deve haver um alargado consenso e um debate aprofundado sobre esta matéria, desejaria que, independentemente das opções políticas que serão contraditórias e de uma avaliação do conjunto final das alterações, fosse feito um esforço pelos proponentes em relação à clarificação de normas que não parece que tenham sido esculpidas com o adequado rigor.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — O último orador inscrito é o Sr. Deputado Nuno Magalhães, a quem concedo a palavra.

Página 63

63 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O presente projecto de lei do PS e do PSD, que altera a lei do financiamento dos partidos políticos para as campanhas eleitorais, é, a nosso ver, uma lei estruturante e com impacto directo na transparência do Estado, na credibilidade dos partidos políticos e, por isso mesmo, na essência da democracia.
Neste contexto, queremos, como sempre quisemos, uma lei que seja transparente e credibilizadora dos partidos, da política e, em suma, da democracia.
Assim, o nosso primeiro reparo e, ao mesmo tempo, apelo — e que, registamos, já terá sido atendido pelo Partido Socialista e pelo Partido Social-Democrata, nas palavras dos Srs. Deputados Ricardo Rodrigues e Guilherme Silva — é que, para um diploma que é de regime, uma lei que é de todos e para todos, quer o PS quer o PSD tenham a humildade democrática para perceber que não basta o entendimento entre dois partidos e assumam, desde já, como parece terem assumido —»

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Vamos ver!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — » veremos na especialidade —, o compromisso político de um debate profundo sem preconceitos e abertos a novas propostas.
A nosso ver, se é verdade que muitas alterações são de carácter pontual e algumas delas até merecem a nossa concordância, não é menos verdade, justamente em nome da transparência, do pluralismo e do rigor, que são necessárias algumas alterações a este projecto de lei.
Quanto às alterações que genericamente merecem o nosso assentimento, saliento a maior clareza que este projecto traz relativamente ao regime dos donativos, a simplificação da contabilidade dos pequenos partidos, a garantia do direito à subvenção estatal para a cobertura das despesas das campanhas relativas a eleições intercalares municipais, mesmo quando esteja em causa apenas a eleição para um dos órgãos do município — pois, se a filosofia deste sistema, ainda que se denomine misto, aponta para quase limitar o financiamento dos partidos às subvenções públicas, justo será, então, que a mesma abranja todos os actos eleitorais previstos nas respectivas leis. Finalmente, também registamos como positiva a consagração da exigência de publicitação das contas das campanhas para as eleições para os órgãos próprios dos partidos políticos, independentemente da necessária densificação do que isso quer dizer, porquanto é uma prática que, inclusivamente, o CDS já adoptou nas directas que teve em 2007 e vai adoptar nas directas que vai ter brevemente.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Portanto, não precisamos tão-pouco de comandos legais para cumprir esta regra que emana da mais regular transparência.
Quanto à adopção do indexante de apoios sociais como unidade de referência para efeitos de cálculo da subvenção pública atribuída aos partidos políticos e aos grupos parlamentares, ainda que possa vir a reduzir o valor da subvenção, entendemos como um sinal positivo, no sentido que deve ser um esforço de todos para combater uma situação difícil que atinge todos. E, portanto, também não nos parece que nesse aspecto o projecto mereça qualquer tipo de reparo.
Os aspectos que consideramos negativos ou, por outra, que consideramos que este projecto não altera a lei como poderia e deveria, já que é esse o objectivo — e, repito, registamos e desejamos a disponibilidade manifestada pelo Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, em nome do Partido Socialista, e do Sr. Deputado Guilherme Silva, em nome do Partido Social-Democrata, de que possa chegar à especialidade — têm a ver com dois pontos, sobre os quais, certamente, o CDS irá apresentar propostas.
O primeiro é o de que, a nosso ver, as alterações a esta lei continuam a persistir na visão distorcida da realidade em que a lei foi feita, da realidade dos partidos políticos que assentam (e, a nosso ver, devem continuar a assentar) num acto de vontade e de militância, no desejo de participar e de intervir na vida da comunidade por parte dos cidadãos. Em momento algum se devem transformar partidos políticos em empresas, pois não é essa a sua natureza e, de alguma forma, perpassa pela lei e, em consequência, por estas alterações essa tentativa.

Página 64

64 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

A nosso ver, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os militantes não são nem devem ser accionistas. São isso mesmo: militantes, gente que acredita numa causa, que acredita em valores diferentes dos nossos, no pluralismo político que é desejável, mas que procura dedicar parte do seu tempo livre e da sua disponibilidade a acreditar e a contribuir para uma sociedade e para uma vida societária melhor.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Assim, parece-nos que quantificar a participação destes militantes com base em critérios contabilísticos ou administrativos é, pelo menos, não perceber a natureza do que é um partido político.
Segundo ponto e muito importante: a nosso ver e em nome dos princípios da proporcionalidade, da representatividade e até da igualdade, se a subvenção e o financiamento dos partidos políticos assentam na sua atribuição em concreto, na representatividade através do voto e em cada momento de cada partido — solução que não discutimos e que, aliás, é a que é adoptada em variadíssimos países europeus —, não se vislumbra, em nome daqueles princípios, a razão pela qual também o montante das coimas não seja diferenciado em razão dessa mesma representatividade. Não é, de facto, desejável e, em nome da equidade, sequer perceptível que um partido que tenha 30% ou 40% de votos, recebendo uma subvenção pública em consonância com esses 30% ou 40% de votos (ou seja, 10 ou 20 vezes mais do que outros partidos que têm 8%, 6% ou 5% de votos), possa ter uma discriminação positiva na atribuição da subvenção pública, mas quando comete qualquer erro não tem essa discriminação, pagando pelo mesmo acto o que paga um partido que recebe 10, 20 ou 30 vezes menos.
Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estamos disponíveis para, em sede de especialidade, rectificar matérias que consideramos menos positivas e, sobretudo, encontrar uma proposta equilibrada, transparente, rigorosa e que atente à especificidade não só do que é ser um partido político mas do que é sêlo numa sociedade em que há vários partidos políticos. Nessa matéria, estamos disponíveis. Podem contar com o CDS.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Para terminar, Srs. Deputados Ricardo Rodrigues e Guilherme Silva, desejo que estas palavras tenham aplicação prática em sede de discussão na especialidade, aceitando propostas, nomeadamente da oposição.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições sobre esta matéria, vamos passar ao último ponto da nossa ordem de trabalhos, que é constituído pela apreciação da proposta de lei n.º 228/X (4.ª) — Estabelece o regime contra-ordenacional do Regulamento de Segurança de Barragens aprovado pelo Decreto-Lei n.º 344/2007, de 15 de Outubro.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades (João Ferrão): — Sr.
Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me fazer um enquadramento muito rápido sobre a proposta de lei que está em causa, começando por recordar que foi o Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes que elaborou a regulamentação da segurança de barragens.
Nos termos do Regulamento de Segurança de Barragens, o controlo de segurança das barragens, quer durante a fase de projecto quer ao longo da vida da obra, compete aos donos das obras, por um lado, e ao Instituto da Água (INAG) enquanto autoridade nacional de segurança de barragens.

Página 65

65 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Ora, de forma a prevenir riscos que são bem conhecidos e a garantir a segurança de pessoas e bens, houve a necessidade de criar um sistema de contra-ordenações dissuasor (e dissuasor significa forte) de infracções por incumprimento, do lado dos donos das obras, dos deveres impostos pelo Regulamento de Segurança de Barragens.
Este diploma tem, justamente, esse objectivo: estabelece o regime contra-ordenacional do Regulamento de Segurança de Barragens identificando, por um lado, escalões de contra-ordenações por tipos de incumprimento e estabelecendo também, em segundo lugar, sanções acessórias.
A proposta de lei tem, portanto, o objectivo muito claro de criar condições rigorosas para que sejam estimulados comportamentos que, na realidade, possam assegurar aquilo que é necessário, isto é, como referi, a segurança das barragens quer na fase de construção quer também ao longo de toda a vida da obra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A segurança das barragens constituiu, sem dúvida, um assunto sério, tão sério que se interliga directamente com a segurança das populações. A rotura de uma grande barragem pode ter efeitos catastróficos e a rotura de uma pequena barragem pode, ainda assim, ter efeitos assinaláveis, particularmente tendo em conta que essas roturas tendem a verificar-se em períodos de cheia.
A existência de um Regulamento de Segurança de Barragens é, obviamente, essencial para a regulamentação, bem como para orientar a intervenção das autoridades que fiscalizam no terreno. Da mesma forma, a existência de um regime contra-ordenacional deve acompanhar o Regulamento, sob pena de esse não ter qualquer impacto objectivo.
Mas há uma terceira dimensão da intervenção do Estado e das autoridades públicas que não será resolvida com nenhum Regulamento nem tampouco com um regime de contra-ordenações. E essa vertente é a da fiscalização. De que serve, Srs. Membros do Governo, que existam os regulamentos e as coimas correspondentes ao seu incumprimento, se não existe a possibilidade de o Estado controlar o seu cumprimento? Esta é uma questão essencial que se nos deve, para já, colocar.
O Governo extinguiu os guarda-rios, caminha para extinguir os vigilantes da natureza, retirando do terreno todos aqueles a quem caberia, em primeira linha, a fiscalização. Ao mesmo tempo, o Instituto da Água (INAG), além de não dispor de uma verdadeira estrutura de fiscalização, vê reduzido o seu orçamento para a tarefa da fiscalização ao longo dos anos, o que o incapacita para a imposição das regras do Regulamento. Aliás, o Estado, enquanto proprietário da grande parte das barragens de grande dimensão, através do INAG ou do Ministério da Agricultura, não cumpre, na íntegra, o Regulamento de Segurança em nenhuma das barragens.
A grande parte das roturas em barragens dá-se nas pequenas barragens por subdimensionamento do descarregador, mas mesmo nesses casos há uma responsabilidade da administração que licencia a obra e o seu funcionamento sem o cumprimento integral do Regulamento.
Actualmente, o INAG não tem sequer a perspectiva total sobre as barragens existentes no País, porque não dispõe de uma estrutura no terreno que permita esse conhecimento e, muito menos, a sua fiscalização.
Grande número de barragens detectadas pelo INAG foram-no, inclusivamente, com recurso ao Google earth, porque o INAG não consegue acompanhar e fiscalizar a realidade por falta de meios.
Claro que nada do que já referi minimiza a importância deste regime contra-ordenacional e claro que o PCP considera a sua existência importante para a garantia da segurança das barragens. Não pode, no entanto, o Governo apresentar um regime contra-ordenacional que acabará apenas dirigido a si próprio e, porventura, a alguns pequenos agricultores que, mesmo por ausência de fiscalização apropriada, possam incorrer no incumprimento do Regulamento de Segurança. As barragens de aproveitamento hidroeléctrico estão ou serão concessionadas (como o Governo chamou a esta nova forma de privatização da exploração) e resta saber quem assumirá, nesses casos, a responsabilidade perante possíveis incumprimentos: o Estado proprietário ou a empresa concessionária?

Página 66

66 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Já agora, seria interessante que o Governo nos pudesse dizer quantas grandes barragens, desde a tomada de posse deste Governo, foram fiscalizadas e em quantas foi verificado o cumprimento do Regulamento.
Para terminar, é importante referir que a rotura de uma grande barragem é uma possibilidade e que essa possibilidade se agiganta na medida do desleixo e da incapacidade do Estado em fiscalizar o terreno e as grandes barragens.
O incumprimento do Regulamento de Segurança, hoje generalizado, pode ter efeitos avassaladores. A rotura de uma barragem é um daqueles episódios catastróficos que têm implicações sérias na segurança das populações, que, depois de suceder, poucos dos seus efeitos poderão ser mitigados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Saudamos, por uma vez, em matéria da água, o quase cumprimento de um prazo e de uma obrigação legal que este Governo impôs a si próprio, com a apresentação deste regulamento de contra-ordenações. Pena é que não tivesse acontecido o mesmo com vários outros diplomas relacionados com a Lei da Água e, nomeadamente, com o regime financeiro dos recursos hídricos, o que talvez tivesse permitido, antes do concurso das barragens, perceber quanto ç que os operadores iam pagar pela água»! Mas, enfim, ç bemvindo. E é bem-vindo, além do mais, porque é um momento para sublinhar o que de muito importante acaba de dizer o Sr. Deputado Miguel Tiago sobre o Instituto da Água.
O Instituto da Água, à primeira vista, olhando para o Orçamento do Estado, parece ser o parente rico do Ministério do Ambiente, mas na prática é o parente pobre, porque paga tudo o que os outros não pagam e intervém sempre quando o Ministério do Ambiente precisa de executar algum PIDDAC para uma emergência, seja nas areias da Caparica, seja nos pinos da lezíria do Ribatejo, seja onde for. E, portanto, as obras estruturais, como a limpeza das valas, a limpeza dos cursos de água e um conjunto de obrigações de soberania absolutamente indelegáveis acaba por não ser realizado não por falta de vontade e de esforço das pessoas do INAG mas, pura e simplesmente, porque o ambiente tem sido o parente pobre deste Governo e tem tido o seu orçamento cada vez mais asfixiado — como ainda aconteceu este ano, onde duas ou três «migalhas» mais do orçamento de funcionamento não escondem a realidade de a maior parte dos grandes projectos continuar adiada, de o Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais (PEAASAR) não se executar e de pouco ou nada, como se vai constatando, acontecer.
No entanto, como também sublinhou o Sr. Deputado Miguel Tiago, os riscos das barragens são uma realidade, essencialmente por via de duas coisas. Partilhamos, em primeiro lugar, um conjunto de rios internacionais e já por duas vezes o Partido Socialista, no Governo, negociou mal a convenção sobre os rios internacionais, da primeira vez sujeitando-nos a um regime de um caudal ecológico anual que tudo permitia fazer do outro lado da fronteira e que criava, obrigatoriamente, uma necessidade de vigilância especial deste lado — situação que, de resto, se mantém e que não vemos acautelada — e depois também porque a produção de electricidade comporta riscos. Como os Srs. Deputados e o Governo não ignoram, a electricidade turbinada à hora de ponta e que entra na rede eléctrica nacional à hora de ponta tem, ao fim da tarde, um valor completamente diferente daquele que tem durante a noite.
Portanto, não vale a pena recordar o triste episódio, até hoje por explicar, da barragem da Aguieira e dos diques do Mondego, mas esta é seguramente uma matéria à qual o Estado tem fechado os olhos, e não pode continuar a fazê-lo.
Pela nossa parte, saudando um regime de contra-ordenações efectivo, e porque não queremos que nesta matéria se actue por reacção — porque o PSD não quer um Estado que actue por reacção, como aconteceu no episódio, de má memória para todos, da ponte de Entre-os-Rios, em que, depois da tragédia acontecer, e reactivamente, tivemos de ir inspeccionar a segurança das pontes, e em que uma matéria que até então não nos tinha preocupado passou a preocupar-nos —, gostávamos que o Governo esclarecesse qual é o ponto de situação das barragens existentes — e não tanto das que vão ser construídas, pois essas vão ser com certeza

Página 67

67 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

acompanhadas pelo LNEC, mas das muitas barragens existentes em Portugal —, qual é o estado em que hoje se encontram.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Não queremos que se descubra, em relação às barragens, o mesmo que, depois da tragédia de Entre-os-Rios, se descobriu em relação às pontes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Terra.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Confesso que só não começo por fazer uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos porque eu própria tenho a certeza de que está em discussão a proposta de lei n.º 228/X. É que, depois de ter ouvido os Srs. Deputados que me antecederam,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não gostou, foi?!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — » confesso que tive de me certificar para ter a certeza absoluta de que era isto que estava em discussão.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Fez bem!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Portanto, recentrando novamente o debate naquele que é o seu objecto, permitir-me-ia dizer o seguinte: discute-se, de facto, uma proposta de lei que estabelece o regime contraordenacional do Regulamento de Segurança de Barragens, aprovado também por um decreto deste Governo, o Decreto-Lei n.º 344/2007, de 15 de Outubro.
Que as barragens assumem uma enorme importância nos nossos dias é uma realidade que nenhum de nós ousará escamotear. Importância energética, por um lado, importância como factor de equilíbrio do meio ambiente e, bem assim, importância basilar na armazenagem de um bem tão essencial quanto tendencialmente escasso como é a água.
Todavia, se com facilidade reconhecemos a extrema utilidade e importância das barragens, também não podemos ignorar que quer a sua construção quer a sua manutenção não estão isentas de riscos. Riscos concretos e objectivos, alguns, outros nem tanto, mas todavia previsíveis.
Pois bem, o objectivo a atingir com a proposta de lei ora em discussão é prevenir, com a maior eficácia e rigor, a ocorrência de danos materiais emergentes de acidentes de extrema gravidade nas barragens e evitar outros tantos acidentes com estes relacionados, sobretudo com aspectos estruturais, hidráulico-operacionais e ambientais, contribuindo-se, assim, para garantir as condições de segurança das barragens construídas e a construir em Portugal.
O regime jurídico aplicável à segurança das barragens foi estabelecido por regulamento aprovado por este mesmo Governo, como referi, em 15 de Outubro último. O artigo 10.º desse diploma previa, então, a necessidade de densificação no que toca ao regime especial de contra-ordenação, embargos administrativos e sanções acessórias relativas às infracções cometidas pelos donos de obra às disposições do Regulamento de Segurança.
No cumprimento das responsabilidades que a maioria dos portugueses conferiu ao actual Governo, cá estamos, um ano depois, e dentro do prazo previsto, a discutir a proposta de lei que estabelece um regime sancionatório das infracções ao dito Regulamento e, bem assim, da mera tentativa de infracção, e não só da infracção propriamente dita. Um regime completado por um vasto conjunto de sanções acessórias, sem esquecer, sequer, a imposição ao infractor daquilo que é, em nosso entender, o mais relevante, que é a necessidade de reparação natural do dano, ou seja, a reposição integral da situação existente à data da ocorrência do respectivo dano.

Página 68

68 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Por isso mesmo, bem-vindo, Sr. Deputado José Eduardo Martins, e bem-vindo o Grupo Parlamentar do PSD, pois já percebemos que concordam por inteiro com esta iniciativa governamental.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Terminarei, Sr. Presidente.
Por tudo isto, o Grupo Parlamentar do PS revê-se por inteiro na proposta de regime sancionatório que o Governo propõe a esta Câmara, pelo que convictamente votará a favor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero fazer dois comentários muito breves. O primeiro para sublinhar»

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Peço desculpa, Sr. Secretário de Estado, mas houve um lapso por parte da Mesa e ainda há um Sr. Deputado inscrito para intervir, o Sr. Deputado Hélder Amaral.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, descansando algumas das almas mais inquietas, devo dizer que o CDS tem opinião sobre a matéria.
Quero concordar com a generalidade do que foi dito e limitar-me a referir algumas das nossas dúvidas, das nossas estranhezas, esperando da parte do Sr. Secretário de Estado alguns esclarecimentos.
Antes disso, quero deixar duas notas prévias. É óbvio que esta proposta surge depois do concurso para a construção de 10 barragens incluídas no Plano Nacional de Barragens. Ora, das 10, houve uma, a de Almourol, cujo concurso ficou deserto. Em nome da verdade, devo dizer que o CDS, em tempo, alertou para esta situação e, não fosse a teimosia do Governo, ter-se-ia corrigido aquilo que, porventura, um dia, acontecerá — esperemos para ver como o assunto vai ser resolvido.
Uma outra nota é para dizer que este Plano Nacional de Barragens mais não fez do que «atirar» para o Orçamento do Estado 800 milhões de euros, sendo certo que metade desse valor, 400 milhões de euros, se destinaram à EDP para o pagamento do défice tarifário.
Relativamente à proposta de lei, vou falar apenas, como referi, daquilo que me pareceu estranho. As barragens, incluídas no Plano Nacional de Barragens, são objecto de concurso de concessão de obras públicas, pelo que o Estado, como concedente, tem um conjunto de poderes de fiscalização da empreitada que deveriam estar contemplados no próprio contrato de concessão. Ora, nesta proposta de lei, esse aspecto é omisso. Foi um esquecimento, Sr. Secretário de Estado? Além disso, o concedente tem ainda poderes de resgate, de tomar posse da obra, poderes estes que normalmente são utilizáveis, mas que desta proposta de lei não constam.
Também não consegui compreender a redacção do n.º 3 do artigo 3.º, ao dizer-se que a coação, a falsificação, as falsas declarações ou a simulação são atendíveis na medida da pena. Diria que elas são circunstâncias agravantes da pena e até são ilícitos. Ora, esta matéria não está aqui muito explícita.
Tenho também dúvidas quanto à alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, quando se fala da «interdição do exercício de actividades de operação de gestão de resíduos que dependam de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública», pois não percebo como é que esta gestão de resíduos se encaixa nesta proposta.
São estas as questões que gostaria que o Sr. Secretário de Estado pudesse esclarecer, para podermos, de forma mais serena, eventualmente concordar em absoluto com esta proposta de lei.

Aplausos do CDS-PP.

Página 69

69 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Agora, sim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como referi há pouco, quero fazer dois ou três comentários muito breves. Um primeiro, para sublinhar a convergência de posições aqui registada. Creio que isto é importante para o País, pois o que está em causa é suficientemente relevante para que em seu torno haja um consenso, uma unanimidade.
Um segundo comentário, para dizer ao Sr. Deputado Miguel Tiago que há um aspecto, a que damos enorme importância, que não tem somente a ver com a questão das barragens (e retomo um ponto que focou), mas mais com os sistemas de informação que permitam uma séria monitorização daquilo que está em causa. Gostaria de dizer-lhe, não só em relação à questão das barragens mas muito mais amplo do que isso, que estamos a desenvolver, sob a coordenação do Instituto Geográfico Português, o Sistema Nacional de Informação Geográfica (SNIG), que permitirá, associado a outros sistemas, não só dar uma informação on line daquilo que é mais relevante mas, sobretudo, monitorizar aquilo que é o essencial das alterações. Isto, para lhe dizer que não só somos sensíveis como estamos já a apostar claramente no sistema de informação, que inclui também informação sobre barragens.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Finalmente vamos ter cadastro!

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades: — Relativamente aos comentários do Sr. Deputado Hélder Amaral — comentários, aliás, de tipo diferente, alguns suficientemente minuciosos para exigir uma outra explicação, que poderei dar, mas não aqui —, gostaria, em todo o caso, de dizer uma outra coisa que tem a ver indirectamente com alguns dos aspectos que focou (e julgo que isso também é importante para mostrar a forma séria e rigorosa como o INAG, neste caso, a Autoridade Nacional da Água, trabalha). É que a tipologia que está aqui em causa, no que diz respeito às contra-ordenações, foi alvo de um estudo técnico muito sério e muito profundo, tendo em conta aquilo que são as melhores práticas de outros países. Esse aspecto é importante, porque não se trata apenas de criar condições que estimulem práticas mais favoráveis, mais cautelares. Efectivamente, a forma rigorosa como a Autoridade Nacional desenvolveu este projecto dá-nos também uma segurança de que a aplicação prática daquilo que está agora em causa vai ser garantida.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está concluído o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 228/X (4.ª) — Estabelece o regime contra-ordenacional do Regulamento de Segurança de Barragens aprovado pelo Decreto-Lei n.º 344/2007, de 15 de Outubro.
Está igualmente concluída a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, às 15 horas, e terá, como ordem de trabalhos, um agendamento potestativo do CDS-PP, para a apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 592/X (4.ª) — Altera a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril (Quarta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro) (CDS-PP) e 596/X (4.ª) — Altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que fixa o regime de entrada, permanência, saída e afastamento do território nacional (CDS-PP), e do projecto de resolução n.º 384/X (4.ª) — Preenchimento do corpo de oficiais de ligação de imigração e revisão da lista de países de colocação (CDS-PP).
Lembro aos Srs. Deputados que, imediatamente a seguir a este debate, haverá votações.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Página 70

70 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Jorge Martins Pereira
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Miguel de Santana Lopes
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Partido Comunista Português (PCP):
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
António Ramos Preto
Rui do Nascimento Rabaça Vieira

Partido Social Democrata (PSD):
José António Freire Antunes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria Idalina Alves Trindade
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos António Páscoa Gonçalves
Jorge José Varanda Pereira
José de Almeida Cesário

Página 71

71 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008

José Manuel de Matos Correia

Partido Popular (CDS-PP):
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Páginas Relacionadas
Página 0045:
45 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presid
Página 0046:
46 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 passado, na sequência da falência da Le
Página 0047:
47 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 hipótese de precisarmos, em sede de esp
Página 0048:
48 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem le
Página 0049:
49 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 Em 13 de Novembro, na sequência da audi
Página 0050:
50 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 Ora, nós, em Portugal, conhecemos, nos
Página 0051:
51 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 ao contrário de alguns dos proponentes
Página 0052:
52 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 Por estas razões, duas ideias devem con
Página 0053:
53 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 A Comissão pretende, ainda, tornar mais
Página 0054:
54 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 particularmente ao regime geral das ins
Página 0055:
55 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 dessa prestação e o incumprimento dos d
Página 0056:
56 | I Série - Número: 024 | 11 de Dezembro de 2008 O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×