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Sexta-feira, 13 de Fevereiro de 2009 I Série — Número 45

X LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2008-2009)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE FEVEREIRO DE 2009

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Fernando Santos Pereira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Procedeu-se à discussão, conjunta e na generalidade, da proposta de lei n.º 248/X (4.ª) — Estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas e revoga a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro, e dos projectos de lei n.os 587/X (4.ª) — Altera o Código Penal no sentido de conferir uma maior protecção às vítimas do crime de violência doméstica (BE), 578/X (3.ª) — Altera o artigo 152.º do Código Penal Português, que prevê e pune o crime de violência doméstica (CDS-PP) e 657/X (4.ª) — Reforça a protecção das mulheres vítimas de violência (PCP). Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Jorge Lacão), os Srs. Deputados Helena Pinto (BE), Teresa Caeiro (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Mendes Bota (PSD), Ana Maria Rocha (PS), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Paula Nobre de Deus (PS) e Luís Fazenda (BE).
Foi apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 640/X (4.ª) — Alteração do regime de apoio ao acolhimento familiar (PSD), sobre o qual se pronunciaram os Srs. Deputados Adão Silva (PSD), Maria do Rosário Carneiro (PS), Jorge Machado (PCP), Teresa Caeiro (CDS-PP), Helena Pinto (BE) e Miguel Macedo (PSD).
A Assembleia debateu também, em conjunto e na generalidade, os projectos de lei n.os 639/X (4.ª) — Revoga o factor de sustentabilidade (PCP), 648/X (4.ª) — Revoga o designado «factor de sustentabilidade» do sistema público de Segurança Social (BE) e 433/X (3.ª) — Alteração à Lei de Bases da Segurança Social (CDS-PP).
Usaram da palavra os Srs. Deputados Jorge Machado (PCP), Mariana Aiveca (BE), Pedro Mota Soares (CDSPP), Adão Silva (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Maria José Gambôa (PS).
Por último, a Câmara apreciou, na generalidade, a proposta de lei n.º 236/X (4.ª) — Altera o Código das Sociedades Comerciais e o Código do Registo Comercial, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva

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2005/56/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, relativa às fusões transfronteiriças das sociedades de responsabilidade limitada, a Directiva 2007/63/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, que altera as Directivas 78/855/CEE e 82/891/CEE do Conselho, no que respeita à exigência de um relatório de peritos independentes aquando da fusão ou da cisão de sociedades anónimas e estabelece o regime aplicável à participação dos trabalhadores na sociedade resultante da fusão.
Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr.
Secretário de Estado da Justiça (João Tiago Silveira), os Srs. Deputados Helena Terra (PS), Miguel Macedo (PSD), Agostinho Lopes (PCP), Nuno Magalhães (CDS-PP) e Helena Pinto (BE).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Bruno Viriato Gonçalves Costa Veloso
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel Amaro Pratas
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Lúcio Maia Ferreira

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Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Idalina Alves Trindade
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Paulo José Fernandes Pedroso
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço

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Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Helena Maria Andrade Cardoso Machado de Oliveira
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro

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José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Deputados não inscritos em grupo parlamentar:
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao primeiro ponto da ordem do dia, que consta da apreciação da proposta de lei n.º 248/X (4.ª) — Estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas e revoga a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro, e dos projectos de lei n.os 587/X (4.ª) — Altera o Código Penal no sentido de conferir uma maior protecção às vítimas do crime de violência doméstica (BE), 578/X (3.ª) — Altera o artigo 152.º do Código Penal Português, que prevê e pune o crime de Violência Doméstica (CDS-PP) e 657/X (4.ª) — Reforça a protecção das mulheres vítimas de violência (PCP).
Para apresentar a proposta de lei do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Jorge Lacão): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje discutimos visa colmatar as dificuldades sentidas no terreno e estruturar um sistema integrado e transversal que permita dar resposta sustentada tanto ao nível da protecção judiciária como às necessidades das vítimas de violência doméstica, designadamente de apoio social, no âmbito laboral e em matéria de saúde.
O conjunto das orientações apresentadas pode, aliás, ser percepcionado em coerência com o relatório de execução intercalar do III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica hoje mesmo divulgado e que em muito serviu de base de avaliação para as soluções vertidas na presente proposta de lei.
Como sinal maior da importância dada ao esforço de prevenção da violência doméstica, permito-me recordar a conversão da transitória Estrutura de Missão contra a Violência Doméstica nas atribuições permanentes da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG).

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As medidas preconizadas estão, consequentemente, em linha com a execução do II Plano. Daí destaco o programa para agressores de violência doméstica, a teleassistência a vítimas de violência doméstica, a vigilância electrónica para agressores, o apoio a grupos de ajuda mútua, o concurso escolar — «A Nossa Escola Pela Não-Violência» e a acção de sensibilização pela não-violência no namoro; intervenções integradas de saúde no âmbito das ARS; e o desenvolvimento de projectos de intervenção em violência de género e violência doméstica, com apoio às iniciativas das organizações não governamentais.
Voltando à proposta de lei, é estabelecido, pela primeira vez, o estatuto de vítima de violência doméstica, consagrando um quadro normativo de direitos e garantias.
Consagram-se, muito em especial, várias respostas na vertente jurídico-penal, dirigidas à protecção integral das vítimas, nomeadamente: a consagração da qualificação do crime de violência doméstica enquanto crime de investigação prioritária; a natureza urgente dos processos relativos à violência doméstica, bem como da apreciação do pedido de apoio judiciário; a criação de medidas de coacção urgentes, aplicáveis nas 48 horas subsequentes à constituição de arguido; e, a par da natureza prioritária conferida à investigação relativa aos crimes de violência doméstica, desenha-se um regime específico para a detenção fora de flagrante delito.

Aplausos do PS.

Como se sabe, vinha sendo suscitada a impossibilidade prática, especialmente sentida pelas forças de segurança, de detenção dos autores do crime fora de flagrante delito. Tal passa doravante a ser possível, bem como a manutenção da detenção até ao limite de 48 horas, nos casos em que a apresentação ao juiz não possa ter imediatamente lugar e quando tal se mostre imprescindível para evitar a continuação da actividade criminosa ou para a protecção da vítima.
Outra inovação que esta proposta de lei oferece traduz-se na possibilidade de recurso a práticas restaurativas em sede de suspensão provisória do processo e de execução de pena, mediante consentimento expresso dos intervenientes, para acautelar os legítimos interesses da vítima.
Para além destes domínios, igualmente no domínio laboral, com soluções para uma maior mobilidade geográfica, ou nos postos de trabalho para vítimas de violência, ou soluções que em matéria social acompanham as necessidades da vítima, ou soluções que visam prestar cuidados de saúde efectivos sempre que a vítima deles careça, ou a resposta integrada e coerente no plano institucional, com a criação de uma rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica — tudo são soluções integradas que permitem que a presente proposta de lei se inscreva num combate efectivo pela prevenção da violência doméstica e pelo apoio seguro às vítimas de violência.
Em conclusão, nestas palavras iniciais, sendo inquestionável que os números relativos à violência doméstica têm vindo a subir todos os anos nos dados identificados pelos órgãos de polícia criminal, não é menos verdade que o conhecido Inquérito Nacional sobre Violência de Género vem revelar uma diminuição, no período de uma década, de cerca de 10% do nível de vitimização entre as mulheres.
No primeiro caso, é a credibilidade das respostas institucionais que parece estar a dar os seus frutos; no segundo, afigura-se que uma mais apurada consciência social estará a fazer a sua caminhada.
Mas, em qualquer dos casos, a nós o que importa é não desistirmos. Não desistiremos do combate efectivo, sem tréguas, mobilizando as autoridades públicas e também as organizações da sociedade civil para aquilo que mais importa: preservar a dignidade das pessoas, das mulheres, dos mais idosos, das crianças menores, sempre que estes possam ser objecto ou alvo do crime de violência doméstica.
Deveremos unir os nossos esforços. Esta proposta de lei pretende ser o testemunho do convite à união destes mesmos esforços.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, vejo pela apresentação que fez da proposta de lei que o Governo incluiu a proposta sobre a detenção fora do flagrante delito já antes aprovada por este Parlamento. Gostava de lhe relembrar isto.

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Mas, Sr. Secretário de Estado, a questão é que, ao mesmo tempo que incorpora aquilo que já tinha sido aprovado por esta Assembleia no que diz respeito à detenção fora do flagrante delito, acaba por contrariar esse mesmo princípio, ao prever um prazo de 48 horas para o tribunal decidir as medidas de coacção urgentes a aplicar ao arguido. Gostaria que o Sr. Secretário de Estado explicasse à Assembleia da República como é que pondera este período de 48 horas para medidas de coacção urgentes.
Um segundo aspecto, Sr. Secretário de Estado: explique à Assembleia da República em que é que o estatuto de «vítima a requerimento» vem facilitar o processo-crime. Tem de explicar esta questão. O que é que se ganha com isso? Acha normal, Sr. Secretário de Estado, que este estatuto possa terminar, independentemente de se manter o perigo para a vítima? É porque estamos a falar de combate à violência contra as mulheres e violência doméstica, Sr. Secretário de Estado!!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, devo dizer que a proposta de lei ora em discussão tem a virtude de abordar de forma global e integrada o problema da violência doméstica. Tardou, e foram necessárias muitas iniciativas, nomeadamente por parte do CDS, para que o Governo apresentasse esta proposta.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Tememos, apenas, Sr. Secretário de Estado, que ela não venha a ter uma aplicação efectiva ou que, como tantas vezes acontece, seja uma lei eventualmente virtuosa mas de aplicação virtual.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Isto porque ç muito fácil legislar no papel», mas já a afectação de meios precisa de vontade política para se concretizar. Relembro apenas o exemplo das 50 pulseiras electrónicas: que eu me lembre, já foram anunciadas desde o início da legislatura, mas, até agora, ainda não vimos nem uma.
O que gostaria de perguntar, Sr. Secretário de Estado, é se os senhores estão disponíveis para discutir algumas lacunas que detectámos nesta proposta de lei. Coloco esta questão porque os senhores não têm manifestado grande abertura relativamente a essa matéria.
Relembro que, quando o CDS propôs uma alteração ao Código de Processo Penal no sentido de ser possível a detenção fora do flagrante delito, de forma a afastar imediatamente o agressor da vítima, os senhores rejeitaram, mas agora vêm apresentar a mesma ideia na vossa proposta.
Posso enunciar alguns exemplos de falhas que encontrámos, mas, antes, deixo-lhes esta pergunta: estão disponíveis para, em sede de especialidade, melhorar este diploma? Por exemplo, a atribuição do estatuto de vítima parece-nos estar rodeada de um formalismo excessivo. É necessária a apresentação de um requerimento e, consequentemente, a atribuição de um documento que comprove que a vítima é uma vítima. Ora, todo este formalismo não se compadece com a complexidade e com a gravidade deste crime! Mais: prevêem os senhores que as vítimas não residentes em Portugal beneficiam em condições de reciprocidade das medidas adequadas ao afastamento das dificuldades que surjam. É evidente que a reciprocidade é um princípio geral do Direito, mas não me parece que, perante um crime desta gravidade, faça sentido socorrermo-nos ou aplicarmos o princípio da reciprocidade a cidadãos que, embora não sejam residentes em Portugal, se encontrem em Portugal e estejam a ser vítimas em Portugal.
Mas mais: os senhores falam da assessoria e consultoria técnica e dizem que «os gabinetes de apoio aos magistrados judiciais e do Ministério Público devem, sempre que possível (sublinho, sempre que possível),

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incluir assessoria e consultoria técnica na área da violência doméstica». «Sempre que possível», Sr.
Secretário de Estado?! Isto é a melhor forma de aniquilar uma lei!!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Isto é absolutamente discricionário e esta discricionariedade não é aceitável! Penso que o que deve constar na lei é «sempre que necessário». É evidente que poderá não ser necessário em todos os tribunais do País, tendo em conta a incidência deste tipo de crimes, mas o que tem de constar na lei é uma imposição.
Mas há mais: os senhores dizem que cada força de segurança deve constituir a sua rede de gabinetes de atendimento. Mas com esta previsão os senhores estão a multiplicar as redes de gabinetes de atendimento: uma nas forças de segurança (PSP e GNR), outra junto do DIAP» — já vamos em três redes, Sr. Secretário de Estado!...
O que tem de haver, Sr. Secretário de Estado, é uma rede global e articulada. E, neste aspecto, aproveito para remeter para outra falha: não decorre da proposta que haja um sistema de accionamento imediato de medidas de emergência, quer do ponto de vista judicial, quer do ponto de vista do apoio social, quer do ponto de vista do apoio na saúde, quer do ponto de vista do apoio psicológico para estas vítimas. Ora, este sistema de emergência tem de ser desencadeado logo na primeira instância, após o conhecimento ou a denúncia.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — A última pergunta, Sr. Secretário de Estado, é a seguinte: por que é que os senhores não concebem a hipótese de haver um coordenador nacional ao nível do Ministério Público que permita articular e uniformizar as práticas?

O Sr. Presidente: — Uma pergunta são 2 minutos, Sr.ª Deputada, e já gastou o dobro... Está a prejudicar o orador seguinte do CDS-PP, mesmo que seja V. Ex.ª»

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Tem razão, Sr. Presidente. Estou com atenção ao tempo, no entanto esta ç uma proposta de lei muito abrangente e que coloca muitas questões» Mas vou concluir dentro de segundos, Sr. Presidente.
Para terminar, Sr. Secretário de Estado, os senhores atribuem carácter prioritário e urgente à investigação.
É muito fácil, mais uma vez, no papel, atribuir carácter de urgência à investigação e ao julgamento, mas os senhores não afectam os meios para que os tribunais possam estar aptos a julgar com essa prioridade e com essa urgência.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me que comece por me congratular, porque as Sr.as Deputadas Helena Pinto e Teresa Caeiro — que pediram esclarecimentos, que agradeço — , naquilo que disseram, não manifestaram qualquer oposição de fundo à proposta de lei e isto é, certamente, desde logo, um registo positivo que vale a pena fazer.
A Sr.ª Deputada Helena Pinto fez uma pergunta específica, a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro aludiu a algumas lacunas e a algumas melhorias que poderão ser objecto de tratamento no âmbito da nossa proposta.
Quanto ao que disse a Sr.ª Deputada Helena Pinto, naturalmente, definimos um objectivo de prioridade relativamente à aplicação das medidas de coacção, que são, aliás, designadas como medidas de coacção urgentes. Mas, Sr.ª Deputada, o prazo de 48 horas que aqui está estabelecido não é o prazo-limite para serem aplicadas! É o prazo máximo dentro do qual têm, necessariamente, de ser aplicadas. Portanto, a Sr.ª

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Deputada terá feito uma leitura incorrecta do dispositivo normativo, porque a Sr.ª Deputada diz que a medida é aplicável no prazo de 48 horas, mas, na linguagem e na coerência da norma, tal nunca pode acontecer para além desse prazo. Ora, isto é um sinal de aceleração processual e não a interpretação que a Sr.ª Deputada fez.
Por isso, Sr.ª Deputada, é muito simples: se a sua interpretação estivesse certa, teria razão, mas o que lhe digo é que a sua interpretação não está certa. Em todo o caso, se for esse o seu problema, estaremos abertos a que se insira na norma o «prazo máximo de 48 horas», para se fazer a interpretação literal daquilo que, aliás, já nela consta.
Esclarecido o mal-entendido, temos o problema resolvido relativamente à principal objecção do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não, não! Não é objecção!

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — Quanto ao que foi dito pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, estamos abertos e disponíveis — e, seguramente, assim também sucederá com o grupo parlamentar que apoia o Governo — para, em sede de especialidade, ponderar aperfeiçoamentos da proposta.
Mas, Sr.ª Deputada, não podem inferir-se, de forma simplista, algumas ilações que tirou. Por exemplo, ao nível dos gabinetes das forças de segurança, eles são já, actualmente, 138, na área da PSP, e 222, na área da Guarda Nacional Republicana. O que esta proposta estabelece, com respeito pelas competências próprias das forças de segurança, nomeadamente enquanto órgãos de investigação criminal, é que elas devem estar articuladas com a rede nacional de protecção à vítima, sem alterar as tutelas respectivas, no respeito pelas suas competências específicas e pela hierarquia que lhes é própria.
É assim que o Governo legisla, maximizando as articulações entre os departamentos que devem ser articulados, mas, naturalmente, não subvertendo o princípio hierárquico que a cada um deve cometer.
Por isso, em conclusão, há da nossa parte disponibilidade completa para ponderar aperfeiçoamentos, desde que sejam, efectivamente, aperfeiçoamentos e melhorias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Na última década existe um percurso na percepção do fenómeno da violência doméstica e no aperfeiçoamento dos meios para o seu combate.
Desde a primeira hora que o Bloco de Esquerda faz parte deste percurso. A lei que consagrou o crime público tem tantos anos de existência como o Bloco de Esquerda. Foi o primeiro projecto de lei que aprovámos nesta Assembleia da República.
Nesta Legislatura, apresentámos diversas propostas.
Pugnámos, em sede de revisão do Código Penal, pela consagração de um crime autónomo, que não dependesse de persistência e reiteração.
Apresentámos um projecto que visa reforçar a protecção das vítimas e que se encontra em apreciação na 1.ª Comissão.
Aprovámos um projecto de lei de alteração ao Código de Processo Penal, no que diz respeito à detenção fora de flagrante delito.
Questionámos persistentemente o Governo sobre as pulseiras electrónicas para os agressores.
Apresentamos, hoje, um novo projecto, que altera o Código Penal numa questão fundamental: o conceito de crime continuado não pode aplicar-se aos crimes cometidos contra as pessoas. Este conceito sempre foi pensado para crimes patrimoniais, mas a última revisão do Código Penal estendeu-o aos crimes contra as pessoas.
Pensem na seguinte situação, Sr.as e Srs. Deputados: um dia esmurrada, um dia impedida de sair de casa, outro dia pontapeada e por aí fora» Isto não ç só um crime; é, sem dúvida, uma acumulação de crimes!

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Em relação à proposta de lei que o Governo apresenta, afirmamos, desde já, que nos suscita sérias dúvidas e muitas reservas.
O Governo apresenta-a como «a proposta maravilha». Vejamos alguns dos seus significativos aspectos.
Antes de mais, três considerações de ordem geral.
Primeira consideração: a violência de género é subestimada. A violência conjugal, mais do que estudada e fruto de séculos de dominação das mulheres, é subestimada. E não estou a dizer que não há violência sobre os homens! Estou a dizer que a violência sobre as mulheres, por serem mulheres, está longe de ser resolvida ou mesmo, sequer, minimizada.
Segunda consideração: a proposta de lei ignora os estudos que caracterizam as vítimas deste crime tão específico. Só assim se compreende a transferência de responsabilidade para a vítima, em nome de uma suposta autonomia, que ela, de facto, perdeu, pelas condicionantes deste crime. Não é um crime como os outros! Terceira consideração: perpassa por toda a proposta uma filosofia que põe em causa o caminho arduamente percorrido até ao reconhecimento da natureza pública do crime de violência doméstica. Este crime tem variadas repercussões e coloca a vítima perante vários constrangimentos — económicos, psicológicos, sociais, de saúde, de relacionamento com a família próxima — , para além da carga social evidente, que diminui objectivamente a sua capacidade de actuação e de reacção.

Aplausos do BE.

É, também, por estas razões que é uma violação dos direitos humanos e um crime público.
Passemos, agora, a alguns aspectos concretos.
Quanto ao estatuto da vítima, parte de dois erros básicos: como o estatuto é atribuído e como termina.
O estatuto de protecção da vítima não deve depender de um qualquer requerimento — parece quase uma burocratização, absolutamente desnecessária.

Aplausos do BE.

Esse estatuto é evidente no âmbito de um processo-crime e também não cessa nem a pedido da vítima nem após trânsito em julgado de uma sentença, que até pode ser de pena suspensa. O Estado tem de assegurar a protecção necessária, enquanto for necessário.
Vítimas mediante requerimento, Sr.as e Srs. Deputados?! Isto é um retrocesso! Relativamente às medidas de coacção urgentes, segundo a proposta de lei, o juiz vai pensar, ponderar, no prazo de 48 horas, se vale a pena aplicar alguma das medidas de coacção ao arguido.
Foi exactamente para evitar os espaços vazios entre o conhecimento do crime e a decisão do juiz — espaço em branco mas extremamente perigoso! — que alterámos o Código de Processo Penal. O Governo acolheu a decisão da Assembleia, mas acaba por contrariá-la.
Desde quando uma espera de 48 horas é um tratamento de urgência?! Não resulta claro o recurso aos meios técnicos de controlo à distância, aplicados às medidas de coacção de afastamento do agressor. Onde estão, pelo menos, as 50 pulseiras electrónicas que o Governo assumiu já terem sido encomendadas? Não consta em lado algum que ç garantida a confidencialidade das casas de abrigo»! Chega mesmo a consagrar-se (e passo a citar) que «o acolhimento é assegurado por instituição localizada na área geográfica mais próxima da residência das vítimas». Erro fatal!» Só falta as casas de abrigo terem anõncios luminosos!» A confidencialidade, norma básica, não é garantida nem nas casas de abrigo, nem como princípio nas transferências de local de trabalho, nem nas escolas para as crianças.
E poderíamos continuar, com os chamados «encontros restaurativos» entre vítimas e agressores, etc., etc.
Por último, não posso deixar de referenciar uma falha muito significativa: nem uma palavra sobre os tribunais e a necessidade de especialização nesta matéria ou sobre a necessidade de os dotar dos meios necessários. Repare-se que a proposta refere que os gabinetes de apoio aos magistrados judiciais e do Ministçrio Põblico devem, sempre que possível, incluir assessoria e consultadorias. Assim, não vamos lá!»

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Por isso, o Bloco de Esquerda reafirma a sua proposta de criação de juízos de competência especializada na área da violência doméstica, perfeitamente enquadráveis na actual lei. Não temos dúvidas de que será um passo decisivo para que se altere o actual estado de coisas.
Esta proposta de lei só tem uma alternativa: ser sujeita a um processo de especialidade que a saneie das contradições e dos conceitos ultrapassados e que recolha todos os contributos das organizações que trabalham no terreno. Está o Governo disponível para isso? Estamos no limiar de um retrocesso no combate à violência doméstica. Por isso, aqui e agora, iremos abster-nos. Vamos apelar à sociedade civil para impedir esta deriva do Partido Socialista e, nesse sentido, promoveremos, já na próxima semana, uma ampla audição parlamentar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, hoje, a discutir um flagelo, estamos a falar de um crime tenebroso e multifacetado que atinge transversalmente a nossa sociedade. Por isso, as respostas devem também, elas próprias, ser transversais e conjugadas. Mas também devem ser politicamente transversais, ou seja, todos os partidos devem procurar um consenso para o resultado que todos pretendemos, que é acabar com este tipo de crime.
A proposta que o CDS aqui faz não é, obviamente, toda a solução. E não é toda a solução porque não abrange todas as áreas de intervenção, nomeadamente a parte social, a parte da saúde, o apoio psicológico, o vector operacional.
Trata-se de uma solução jurídico-penal mas também não é toda a solução jurídico-penal, visto que, amanhã, no âmbito do pacote de alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, vamos apresentar uma proposta semelhante à que foi aqui apresentada pelo Bloco de Esquerda, no sentido de que os crimes contra as pessoas nunca possam ser considerados crimes continuados. Cada acto de violência é um crime em si!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Mas, recentemente — e isto é que provoca o nosso espanto — , o CDS também apresentou uma importante alteração ao Código de Processo Penal, para que fosse possível a detenção imediata do agressor, mesmo quando apanhado fora de flagrante delito. O Partido Socialista, há quatro meses atrás, rejeitou essa proposta, mas, hoje — imagine-se! — , apoia-a porque é apresentada pelo Governo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A sociedade tem a obrigação de garantir protecção às vítimas, mesmo antes de o criminoso ir a tribunal. Por isso, o afastamento imediato é fundamental.
A iniciativa que, hoje, apresentamos quer fazer reflectir na moldura penal a especial censurabilidade e a especial perigosidade social que entendemos que este crime revela — sobre isto não pode haver qualquer dúvida! Queremos que, através da moldura penal, se garanta uma maior protecção das vítimas — quanto a isto não pode haver qualquer cedência! Queremos desfazer quaisquer dúvidas que possam existir quanto a considerar o crime de violência doméstica como «criminalidade violenta» — sobre isto não podem existir interrogações! Assim, o CDS-PP propõe o aumento do máximo da moldura penal de 5 para 6 anos, quer na forma simples, quer na forma agravada do crime, quer quando seja praticado contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Isto porque sabemos que quando há homicídio já houve antecedentes de violência doméstica. Antecedentes que, se tivessem sido atalhados, teriam evitado 48 mortes, só no ano

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passado, e quase uma centena de mulheres deixadas à beira da morte pelos seus companheiros ou maridos ou pelos seus ex-companheiros ou ex-maridos.
Pretendemos que a violência doméstica atinja outro patamar da criminalidade, que é o da criminalidade séria.
Os crimes punidos até 5 anos são considerados crimes de média gravidade; nos 6 anos de prisão inicia-se o patamar da criminalidade grave, que é o patamar onde entendemos que a violência doméstica se deve enquadrar.
Vejamos apenas uma relação das penas: ofensa à integridade física grave — 2 a 10 anos de prisão; ofensa à integridade física grave com especial censurabilidade — 3 a 12 anos de prisão; sequestro por mais de 2 dias — 2 a 10 anos de prisão; escravidão — 5 a 15 anos de prisão. Ora, é neste rol que entendemos que se deve situar a violência doméstica e não no rol das injúrias, da desobediência, por exemplo, ou das ofensas corporais simples.
Repito: a proposta do CDS não é a única solução, mas é uma solução necessária, perante um crime que demasiadas vezes entra numa espiral diabólica e crescente de violência e acaba na morte física.
Porém, antes da morte física, Sr.as e Srs. Deputados, temos a morte moral, a morte cívica da pessoa que é tratada como um objecto, a quem é negada a existência, a quem é negado o direito à integridade física e psíquica. Este crime é um sequestro continuado da dignidade de um ser humano.
Temos de nos perguntar, Sr.as e Srs. Deputados: estamos ou não perante um valor jurídico fundamental — a vida — que importa proteger? Queremos ou não clarificar, perante a sociedade, que entendemos a violência doméstica como criminalidade violenta? Queremos ou não afirmar que a violência doméstica é um crime que justifica considerar num patamar superior de preocupação social? Queremos ou não resolver de uma vez por todas a interpretação quanto à detenção e à prisão preventiva? Para nós, a resposta é simples.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: o projecto de lei que o PCP traz hoje à discussão desta Assembleia tem como base um conceito de violência sobre as mulheres que vai muito para além da violência doméstica.
Partindo da afirmação dos direitos das mulheres enquanto direitos humanos e rejeitando qualquer concepção de que estes são direitos transaccionáveis ou de que a sua violação pode ser temporária ou parcialmente admitida, propomos que a Assembleia da República dê um passo significativo no combate a algumas das mais perversas formas de violência que se abatem sobre as mulheres.
Julgamos mesmo ser apropriado lembrar hoje a Declaração e Plataforma de Acção de Viena, de 1993, quando diz que «os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis, integrais e são uma parte indivisível dos direitos humanos universais. A violência baseada no sexo e todas formas de perseguição e exploração sexual, incluindo aquelas resultantes de preconceitos culturais e tráfico internacional, são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminadas».
O projecto de lei que apresentamos abrange, por isso, várias dimensões de violência sobre as mulheres.
Propomos que questões como a prostituição, o tráfico para fins de exploração sexual ou a violência no local de trabalho não fiquem de fora deste combate mais alargado que é preciso mover contra a violência que se exerce sobre as mulheres.
As medidas que propomos estão relacionadas com a prevenção da violência, mas também com a protecção e o apoio às mulheres vítimas dessa violência.
Consideramos que não basta repetir o discurso da mudança de mentalidades; é preciso pôr fim à minimização do papel da mulher e ter em conta um quadro mais geral do seu estatuto social.
É preciso considerar a adopção de políticas sectoriais que garantam às mulheres o acesso à justiça e aos tribunais, à saúde, ao emprego, à segurança social, e que ponham fim às discriminações salariais ou à violação dos direitos de maternidade.

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É preciso que o Estado assuma as suas responsabilidades e crie condições para que as mulheres consigam romper o ciclo de violência de que são vítimas, ultrapassando os obstáculos de natureza económica, social e cultural que as impedem de fazê-lo.
O projecto de lei que apresentamos parte do quadro legal resultante da Lei n.º 61/91, aprovada na sequência de um projecto de lei do PCP, reforçando as medidas de protecção das mulheres vítimas de violência.
Em primeiro lugar, definimos um conceito alargado de violência sobre as mulheres que abrange os actos de violência física, psicológica, emocional ou sexual e as práticas e actos de natureza discriminatória que violem direitos fundamentais ou que limitem a liberdade e a autodeterminação das mulheres.
Em segundo lugar, atribuímos ao Estado a responsabilidade que lhe deve caber na criação e no funcionamento de estruturas destinadas à prevenção da violência e à protecção e apoio das mulheres que dela são vítimas, bem como do seu agregado familiar.
Propomos, neste âmbito, a criação de uma rede institucional pública que integre as estruturas nacionais e locais no combate à violência e no apoio às mulheres que dela são vítimas, envolvendo diversas entidades e instituições, à semelhança do que acontece com as comissões de protecção de crianças e jovens. Ainda no âmbito desta rede pública, propomos a intervenção concreta dessas estruturas locais com vista à reinserção social dos agressores.
Quanto às condições de autonomia e independência económica das mulheres vítimas de violência, propomos a instituição de uma prestação paga pela segurança social num montante equivalente ao indexante de apoios sociais, entre outras medidas.
Relativamente à violência no local de trabalho, propomos medidas que permitam a transferência das mulheres que dela sejam vítimas, bem como a não consideração das faltas ao trabalho decorrentes de situações de violência.
Entendendo que em matéria penal e processual penal apenas há que corrigir alguns problemas resultantes das últimas revisões dos Códigos Penal e de Processo Penal (como ficou claro da intervenção do Sr.
Secretário de Estado), propomos medidas de formação específica de magistrados, advogados e órgãos de polícia criminal.
Por último, consideramos igualmente importante reforçar os meios técnicos e humanos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego de forma a criar melhores condições para a sua actuação.
Com este projecto de lei, o PCP assume, uma vez mais, perante as mulheres portuguesas o compromisso de sempre com a sua luta e a sua proposta intervir no combate às desigualdades e discriminações de que são vítimas, tendo como horizonte uma sociedade liberta de concepções retrógradas, que reservam às mulheres um lugar ditado pela necessidade de manutenção da exploração, da acumulação e do lucro, luta de bem mais de uma década.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 248/X (4.ª) é um passo muito positivo para a sistematização jurídica de um fenómeno disperso por múltiplas fontes normativas.
Não é, todavia, um documento isento de reparos quer de natureza sistemática quer de natureza pontual.
Não pode passar sem menção o facto de se pretender conferir apenas às vítimas de violência doméstica determinados direitos de que deveriam beneficiar todas as vítimas de violência em geral, sobretudo quando se fala em direito à protecção, à isenção de pagamentos na saúde ou em indemnizações, já para não falar do direito à informação ou à garantia de comunicação.
Em sede de discussão, na especialidade, esperamos que haja a oportunidade de emagrecer o articulado demasiado fértil em referências vagas, sem qualquer conteúdo prático e despidas de indicação operativa.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Mendes Bota (PSD): — Ao lermos esta proposta do Governo recolhe-se algum sentimento de menorização do papel meritório das ONG, aqui sempre referidas sob o pseudónimo de «organizações de apoio à vítima», e de uma tendência estatizante do sistema de apoio às vítimas, reservando para a sociedade civil um papel meramente complementar ou coadjuvante da estrutura pública.
Esta tendência encontra o seu principal reflexo numa abordagem demasiado focalizada na perspectiva processual penal. A vítima só passa a ser oficialmente considerada como tal, com todos os direitos consagrados no estatuto, a partir do momento em que dá entrada no sistema formal de justiça e a vigência desse benefício estatutário cessa no momento em que se encerra o processo criminal.
Esta circunstância, que carece de esclarecimento, ignora que a necessidade de assistir as vítimas deste tipo de crimes pode começar ainda antes da constituição do arguido. A protecção imediata, a assistência médica, o apoio psicológico ou emocional, muitas vezes não podem esperar. E, da mesma forma, o trânsito em julgado não significa que as sequelas de um processo de violência continuada não continuem a carecer de assistência muito para lá desta data.
Sem pretender negar o mérito do XVII Governo Constitucional no combate à violência de género, importa referir também o mérito de outros governos e de outros intérpretes parlamentares de outras legislaturas que, na Assembleia da República, deram início ao combate a esta grave violação dos direitos humanos, designadamente a partir da aprovação da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, que garantia protecção adequada às vítimas de violência doméstica.

Aplausos do PSD.

Aqui chegados, constata-se que esta não é uma lei orgânica, mas a sua importância política ultrapassa os horizontes da mera lei ordinária. Ao pretender definir um regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das suas vítimas estranha-se a omissão de alguns conceitos, a começar pelo próprio conceito de violência doméstica que, como se sabe, não se esgota no articulado do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Pelo articulado adentro, outras interrogações suscitam debate mais aprofundado — a vontade da vítima, por exemplo.
Na exposição de motivos afirma-se que «a vontade da vítima assume uma importância fundamental no escopo da lei». Mas será essa uma vontade sempre livre e consciente? O princípio da autonomia da vontade, expresso no artigo 7.º, condiciona referindo que «a intervenção junto da vítima está limitada ao respeito integral da sua vontade». Será este o mais correcto caminho para a defesa da própria vítima? A questão é a de se saber se a vítima está em condições de exercer essa autonomia com consciência e em plena liberdade, o que frequentemente não se verifica.
Outra situação tem que ver com a reciprocidade exigida no artigo 23.º, relativa a vítimas residentes num outro Estado. Não nos parece aceitável que em Portugal se trate as vítimas de forma diferente consoante a nacionalidade e dependente da reciprocidade legislativa. É discriminatório, é desumano! O respeito pelos direitos humanos não pode estar dependente de condições de reciprocidade! Outro aspecto prende-se com o estipulado no artigo 30.º, relativo à denúncia do crime. Não pode haver denunciantes anónimos? Está-se a reduzir a capacidade de mobilização da vizinhança que não quer arranjar problemas futuros para si própria? Por outro lado, não faz qualquer sentido fazer depender a utilização de meios técnicos de controlo à distância do consentimento do arguido ou do agente.
O «encontro restaurativo», previsto no artigo 41.º, suscita-nos muitas dúvidas sobre a necessidade deste tipo de diligência na presença de um mediador penal.
Refira-se que a violência doméstica é um crime público e não está abrangido nas medidas de mediação previstas na Lei n.º 21/2007. É um terreno movediço que pode criar expectativas de reconciliação, como se fora possível passar uma esponja sobre todo um passado de violência domçstica»!

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Sobre o artigo 55.º, relativo à rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica, seria importante que esta tivesse objectivos quantitativos. A título de exemplo, diremos que o Conselho da Europa aponta como número de referência para as casas de abrigo um lugar por cada 7500 habitantes. Aliás, a este propósito, importa não ignorar que existe um percurso alternativo à rede institucional. A experiência mostra que é ínfimo o número de vítimas de violência doméstica que opta ou beneficia das casas de abrigo como forma de um novo começo para as suas vidas, como primeira etapa de um restabelecimento domiciliário.
Essas vítimas, sobretudo mulheres com os seus filhos, vão por um percurso alternativo em comunidades de amigos ou familiares, muitas vezes longe da sua área de origem. Mas é um percurso mais isolado, mais difícil na luta quotidiana pela autonomia económica, pela liberdade individual. Contudo, não deixam de merecer, pela sua coragem e pelas dificuldades acrescidas que enfrentam, o apoio do Estado em moldes similares aos de que beneficiam as vítimas utentes das casas de abrigo.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — O projecto de lei n.º 578/X (3.ª), do CDS-PP, e o projecto de lei n.º 587/X (4.ª), do Bloco de Esquerda, propõem alterações cirúrgicas, mas importantes, ao Código Penal no sentido de reforçar as medidas de protecção das vítimas de violência doméstica e como tal merecem juntar-se a outras que aguardam, em sede de comissão, pelo sinal verde da discussão.
Sobre o projecto de lei n.º 657/X (4.ª), do PCP, dir-se-á que, tendo respeitáveis diagnósticos e legítimas propostas, peca, a nosso ver, por concentrar, na totalidade, o seu objecto nas vítimas do sexo feminino, deixando de fora a franja, mesmo que minoritária, de homens de todas as idades que também são vítimas de violência doméstica! Também há homens vítimas de tráfico e de prostituição e que têm direito à protecção e ao apoio! Sendo um facto inegável que a grande maioria das vítimas são mulheres, alarga o âmbito da tipologia da violência, mas estreita o horizonte das vítimas, o que nos parece uma clara violação do princípio da igualdade.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Para finalizar, dir-se-á que não transparece do articulado da proposta de lei qualquer medida que vise uma sensibilização maior dos homens para este fenómeno e um seu maior envolvimento nas acções preventivas e de mobilização da sociedade, atento o facto inequívoco de ser do género masculino a esmagadora maioria dos agressores deste tipo de crime violento.
Caras Colegas e Caros Colegas, o combate ao flagelo da violência doméstica tem encontrado eco nesta Assembleia. Existe, aqui, uma plataforma de consenso, no essencial, e uma disponibilidade para discutir o particular.
Propositadamente, não referi estatísticas, não agitei os números da desgraça, porque todos os conhecemos de cor! Sobra esta vergonha colectiva que se abate sobre nós, esta necrologia quotidiana, esta cicatriz incurável de sofrimento que nos traz a violência doméstica. Sobra este traço negro que todos temos o dever de apagar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Maria Rocha.

A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje é motivado pela apresentação da proposta de lei n.º 248/X (4.ª), que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas.
Nesta sede, abster-me-ei de considerações e análises exaustivas ao articulado da proposta, pois julgo que, após a intervenção do Sr. Secretário de Estado Jorge Lacão, restarão poucas dúvidas sobre esta matéria.
Não posso, contudo, deixar de exaltar algumas das inovadoras medidas apresentadas, nomeadamente as que conferem um maior grau de eficácia à protecção judicial e à tutela penal.

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O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — Sublinho, obviamente, a atribuição do estatuto de vítima, fixado no momento da denúncia da prática do crime de violência doméstica.
Destaca-se, igualmente, a consagração da natureza urgente dos processos relativos à violência doméstica, bem como a criação de medidas de coacção urgentes, aplicáveis nas 48 horas seguintes à constituição de arguido, e ainda um claro delineamento da protecção da vítima e das testemunhas no que concerne à recolha de meios de prova e, no âmbito da audiência de discussão e julgamento, promovendo o recurso ao vídeo e à teleconferência.
Neste contexto, é fundamental destacar que o Governo tem apresentado uma visão abrangente e estruturada ao longo dos últimos anos. Para tal, basta recordar que esta lei contempla que o tribunal pode determinar que o cumprimento das medidas de coacção seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. O próprio Ministério da Justiça, ainda recentemente, fez um investimento nestes meios e já anunciou que será um efectuado reforço nesta aposta.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Bem lembrado!

A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — Mas, a esta postura coerente e articulada do Governo, contrapõem-se a dos restantes grupos parlamentares.
O projecto de lei que o PCP apresenta é o resultado de uma visão parcial e estreita desta problemática..

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não é estreita, é alargada!

A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — Sabemos — e há estudos sobre essa matéria, nomeadamente o estudo do Professor Manuel Lisboa — que os homens, ainda que em menor número, também são vítimas de violência doméstica. E quanto a estes o diploma é completamente omisso.
O PCP, numa tentativa desesperada e de aproveitamento político, apressou-se a apresentar uma proposta e fê-lo de qualquer maneira, incluindo no mesmo projecto violência doméstica, exploração na prostituição, tráfico para fins de exploração sexual e laboral e, ainda, o assédio moral ou sexual no local de trabalho.
Reconhecemos que todas estas matérias merecem o olhar atento de todos, mas consagrar no mesmo diploma estas situações de forma indistinta só prejudica o tratamento que tais matérias merecem.
Parece-nos que este projecto é uma atitude de, por tentativa e erro, chegar a algum lado sem sair do sítio! Aliás, a forma como este projecto trata a situação de violência doméstica é como se, a nível nacional, estivéssemos a zero nesta matéria, fazendo tábua rasa de todas as medidas apresentadas até à data.
Por seu turno, o CDS-PP traz-nos um projecto de lei dentro do «estilo» jurídico a que já nos habituou: aumento da moldura penal, tão-somente! Tal solução não faz sentido, muito menos agora que a detenção fora de flagrante delito já se encontra acautelada, e bem, na proposta do Governo.
No que toca ao projecto de lei do Bloco de Esquerda, este pretende alterar o Código Penal nos seus artigos 30.º, n.º 3, e 152.º, n.º 4.
Recordo a todos que, ainda há pouco tempo, a matéria penal foi aprovada nesta mesma Câmara e por largo consenso, não havendo a necessária estabilidade legislativa para produzir resultados.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — Contudo, não podemos deixar de recordar que as medidas acessórias são aplicadas a um caso em concreto pelo juiz, que deve ter margem para aplicar as que considere adequadas. Daí a alteração apresentada pelo Bloco nos parecer despropositada e desprovida de qualquer sentido.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Claro!

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A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — Concluindo, Sr.as e Srs. Deputados, as iniciativas apresentadas pelos grupos parlamentares não merecem aceitação desta bancada, mormente por serem incompletas, apresentarem medidas de complexa exequibilidade e mínimo grau de eficácia, mas sobretudo por não se integrarem quer no ordenamento jurídico português quer no europeu, ao qual estamos embrionariamente ligados.
Ao invés, o Governo apresenta uma proposta clara, estruturada e coerente, sem floreios de aproveitamento político ou quaisquer outros que não os atinentes a, de facto, proteger as vítimas, sejam elas homens, mulheres, crianças e idosos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Há determinadas matérias que não podem ser discutidas de uma forma isolada e, para Os Verdes, a questão da violência doméstica é uma delas.
Não podemos discutir a matéria da violência doméstica sem falar do facto de as mulheres continuarem a ter, para trabalho igual, salários muito mais baixos do que os homens, chegando mesmo, nalguns sectores, a um valor de 30% abaixo do salário dos homens, ou do facto de as mulheres continuarem a ser as maiores vítimas do desemprego e as maiores vítimas da pobreza.
Estas não são questões de somenos importância, porque leva a que as mulheres não tenham condições de subsistência (razão que as leva a prolongar situações verdadeiramente calamitosas na sua vida pessoal, como é o caso da violência doméstica) e que, justamente por esse facto, muitas vezes não tenham a possibilidade de sair das suas casas e começar uma vida autónoma, exterior ao sofrimento com que lidam no dia-a-dia, sofrimento esse tantas e tantas vezes tão silencioso e tão atroz.
Até porque os dados são, de alguma, forma contraditórios, não nos parece que os números da violência doméstica tenham uma tendência significativa para diminuir. Pelo menos, não é isso que tem acontecido nos últimos anos.
Sabemos — há vários estudos sobre essa matéria — que há uma tendência de reprodução de comportamentos das crianças em relação ao que vêem em casa, tal como sabemos que há pouco trabalho ao nível da educação para a solidariedade. E, não querendo dar menos importância à questão da educação nas escolas e fora das escolas para as matérias da solidariedade, para que as crianças percebam, tão cedo quanto possível, que o maior sinal de fragilidade é, justamente, a violência que se pode incutir noutras pessoas, não podemos, de modo nenhum, remeter-nos à questão da educação e a uma possível e desejável mudança de mentalidades no curto, médio ou longo prazos.
É por isso que entendemos que o Estado tem responsabilidades que tem de concretizar — mas que, infelizmente, não tem concretizado em tempo útil.
Em termos discursivos, todos temos aqui o mesmo tom, manifestando grande preocupação em torno desta matéria, preocupação que é legítima e necessária, evidentemente. Mas, depois, as acções concretas não traduzem, muitas vezes, a preocupação que alguns aqui manifestam.
Quero lembrar, por exemplo, a questão da rede de casas de apoio a mulheres vítimas de violência. A Lei n.º 107/99 surge, nesta Casa, de um projecto de lei que Os Verdes apresentaram na altura — o nosso objectivo era a criação de uma rede pública de casas de abrigo para mulheres vítimas de violência. Este projecto de lei foi aprovado e transformado numa lei, mas o problema foi que esta lei nunca teve exequibilidade prática naquele que era o seu âmago: a criação de uma rede pública de casas de abrigo para mulheres vítimas de violência.
Os Verdes apresentaram, Orçamento após Orçamento, propostas de verbas para a criação desta rede pública, mas as maiorias chumbaram sempre essa prioridade de actuação. E o que é que sucedeu? Entretanto, foram criadas casas de abrigo: temos 34 casas de abrigo pertencentes a 31 entidades particulares sem fins lucrativos, mas não há uma única pública! O que é que esta proposta de lei faz? Praticamente, consome o conteúdo da Lei n.º 107/99, que era original do projecto de lei de Os Verdes, mas retira-lhe o carácter público! Daqui decorre que, em

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determinados locais onde entidades particulares sem fins lucrativos não tenham interesse ou não tenham capacidade para criar uma casa de abrigo, o Estado não fica obrigado, ao abrigo desta proposta de lei, a garantir a existência dessa casa de abrigo.
Portanto, andamos aqui com truques de palavras, truques de nõmeros»

O Sr. Presidente: — Queira fazer o favor de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia, andamos com truques em relação a números de alguma legislação proposta nesta Casa, mas, na verdade, o essencial da questão fica de fora. Era essa preocupação que queríamos deixar registada neste debate.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Nobre de Deus.

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Como demonstra este debate, esta matéria não conhece fronteiras ideológicas e tem estado, ao longo dos tempos, no centro das preocupações de todos os partidos. Mas, este debate também demonstra uma outra coisa: demonstra que o Governo, através da sua proposta de lei, está atento a um fenómeno fundamental da nossa sociedade que temos de erradicar, que é a violência doméstica, a violência contra os mais vulneráveis — mulheres, crianças, idosos, pessoas dependentes e pessoas com deficiência.
Acima de tudo, esta é uma proposta de lei para proteger todas as vítimas de violência doméstica.
Sabemos que a violência doméstica tem consequências muito, muito especiais. Se a violência é, por si só, devastadora do ponto de vista do desenvolvimento humano, a violência exercida por aqueles em quem depositamos a expectativa de cuidarem de nós e de nos protegerem, como acontece com as crianças, com os idosos e as pessoas dependentes, tem um efeito ainda mais devastador sobre o bem-estar e o desenvolvimento das pessoas, em geral, e das suas vítimas, em particular.
Desta forma, não podemos deixar de dar atenção não só aos seus efeitos perfeitamente perturbadores na vida das famílias como no desenvolvimento da nossa sociedade. Consideramos, por isso, que esta lei é claramente um avanço civilizacional.
Esta lei visa»

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ainda não é lei!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — » condenar a violência domçstica e o PS está a fazer um amplo esforço para tornar cada vez mais eficaz o seu combate. Esta proposta de lei visa apontar este combate na direcção certa. E o combate à violência de género também está a ser prosseguido com os planos que existem.
Na verdade, a violência exercida sobre as mulheres tem de ser combatida com tenacidade, mas há algo que é importante percebermos, Sr.as e Srs. Deputados: a violência doméstica atinge as mulheres, as crianças e os idosos.
Estão em causa direitos humanos fundamentais, em especial os direitos das vítimas mais vulneráveis. Por isso, na proposta de lei, as respostas de natureza social surgem perfeitamente integradas, estando este combate a ser desenvolvido em todas as frentes.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — No que concerne aos projectos de lei aqui apresentados, não gostaria de deixar de dar nota do do PCP.
Desde logo, não posso deixar de dizer que é uma proposta em ziguezague: começa no tráfico de seres humanos, passa para a exploração sexual, para a violência doméstica e termina no assédio moral!

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Se tivesse lido o título, tinha percebido tudo!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Claramente, este é um projecto de lei amplo, mas deixa de fora outras vítimas de violência doméstica: as crianças, os idosos, as pessoas dependentes e as pessoas com deficiência.
São opções diferentes! A nossa opção é proteger todas as pessoas em situação de grande vulnerabilidade.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

Sr. Deputado João Oliveira, não precisa de ficar tão incomodado! Claramente, o que está a fugir ao PCP é a imagem do operário construtor, porque muito do que propõem no vosso projecto de lei já existe.
Vou relembrar: já existem 35 casas de abrigo em todos os distritos»

O Sr. João Oliveira (PCP): — Leia o artigo 12.º!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — » e já existem centros de atendimento especializados em todos os serviços públicos, na área da saúde e na área da segurança social, com um forte investimento do Governo.
Mas falemos de prevenção. A prevenção está a ser desenvolvida a vários níveis e, a este propósito, lembro aqui a Campanha contra a Violência no Namoro, lançada no dia 20 de Novembro de 2008.
Srs. Deputados, o nosso combate é em todas as frentes e o carácter inovador que o PCP pretende dar hoje, com o projecto de lei que apresenta, está, claramente, posto em causa, porque ignora o que já existe, nomeadamente toda a rede de protecção às vítimas de violência, tanto em relação às mulheres como em relação às crianças, e o que nós queremos neste momento é transformá-la e torná-la cada vez mais consistente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o PS, todas as vítimas de violência são importantes e todas têm direito a protecção. Por isso, concentramos esforços e tudo faremos para proteger todas as vítimas.
A política é uma escolha, e é uma escolha entre decisões fundamentais. Esta é a escolha do PS e é a aposta deste Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de ouvir as intervenções das Sr.as Deputados do Partido Socialista que comentaram o projecto de lei do PCP, só as posso compreender por desconhecimento e por pouca preparação. Se se tivessem dado ao trabalho de ler o título do projecto de lei, veriam que ele não se quer limitar à violência doméstica; é um diploma que se refere à violência sobre as mulheres. Portanto, é mais abrangente e vai muito para além da violência doméstica.
Por outro lado, se tivessem lido o preâmbulo, tinham percebido que fazemos aqui a análise das situações existentes em relação às casas de abrigo e, se tivessem lido o articulado, teriam percebido, Sr.ª Deputada Paula de Deus, que há um artigo 12.º, que tem como epígrafe «Apoio às mulheres e ao agregado familiar».
Veja lá como não nos esquecemos dos jovens que integram o agregado familiar! Mas, Sr.as e Srs. Deputados, o projecto de lei que apresentámos é, de facto, um diploma mais abrangente, que vai para além da violência doméstica. E isto, porque, Sr.ª Deputada Ana Maria Rocha, se se tivesse dado ao trabalho de ler o parecer que a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas fez sobre um projecto de lei do Bloco de Esquerda que, recentemente, esteve em discussão, tinha percebido que esta Associação diz: «Referirmo-nos à violência doméstica como um fenómeno que incide sobre os dois géneros, escondendo que

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a sua incidência principal é sobre as mulheres, é escamotear aquilo que é uma marca fundamental neste fenómeno».
E aquilo que acontece em relação à violência doméstica acontece também em relação ao tráfico para fins de exploração sexual, em relação à prostituição e em relação à violência no local de trabalho.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Deputada, quero deixar aqui, muito rapidamente, alguns números: a Organização Internacional das Migrações aponta que a prostituição infantil aumentou de 5000 crianças, em 1995, para 15 000, em 2001; um relatório da UNICEF afirma que, de 1995 a 2005, foram traficadas 100 000 mulheres e raparigas albanesas para a Europa Ocidental e para os países balcânicos, e isto apenas de um país; e há também relatórios internacionais que apontam para milhões de raparigas e jovens que são traficadas com fins de exploração sexual. É por isso que o nosso projecto de lei engloba também estas realidades, porque são realidades fundamentais, às quais é preciso e urgente dar combate.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Para terminar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o PCP tem um longo património de intervenção parlamentar naquilo que se refere à violência doméstica. A Lei n.º 61/91 resulta de um projecto de lei que apresentámos em 1989 e, quando foi alterado o Código Penal de 1982, no sentido de alterar o carácter, que era público, do crime da violência doméstica, nós votámos contra e apresentámos propostas de alteração, tal como fizemos novamente em 2000.
Aquilo que lamentamos, verdadeiramente, é esta postura hoje do Partido Socialista, que, fazendo loas a uma proposta de lei que se limita a incorporar as soluções já existentes legalmente e em inovar mal aquilo que aponta como verdadeira inovação, acaba por afrontar todos os projectos de lei que são apresentados por parte da oposição, nomeadamente o do PCP, que permitiria dar um salto significativo em frente no combate à violência sobre as mulheres, que integra — é certo — a violência doméstica, mas integra também muitas outras realidades que os senhores insistem em ignorar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quando o Partido Socialista se apresta para reprovar o projecto de lei que apresentámos para alterações ao nível do Código Penal que permitiriam que não continuássemos a trabalhar com a figura do crime continuado em crimes contra as pessoas apenas com base na estabilidade da norma penal, devo dizer que isso é muito pouco.
E, depois, daí partir para a consideração de que o projecto de lei do Bloco de Esquerda é despropositada é a arrogância de uma maioria sem ideias,»

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — » porque noutros códigos esta maioria, defendendo, embora, a estabilidade das normas, até fez alterações cirúrgicas aqui ou além. Há é um tabu em relação à norma penal, que não pode ser alterada, que não deve ser alterada. Trata-se de uma opção política. Não vale a pena desqualificar as oposições, em nome de uma opção política, que, aliás, é absolutamente incompreensível.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Por outro lado, damos o benefício da dúvida se, na especialidade, poderemos adoptar um «simplex» onde se burocratizou o combate à violência doméstica e melhorar algumas das normas que são confusas ou contraditórias com algumas que já estão contidas noutros diplomas.
Agora, o que verdadeiramente importaria discutir — e essa discussão não foi hoje aqui feita, apesar de ter sido suscitada por várias bancadas — é se esta filosofia que está imanente à proposta de lei do Governo não é um retrocesso em relação à ideia de que há que proteger alguém que, numa situação relacional de violência, é a parte mais fraca.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — É que toda esta proposta de lei vem em sentido contrário àquilo que tem sido a ideia-força, que é, exactamente, a de a protecção pública poder substituir-se a quem não tem autonomia de vontade, a quem está limitado na sua capacidade de decisão. E essa filosofia parece-nos estar em contramão àquilo que tem sido a protecção das vítimas de violência doméstica. Esse debate precisa de ser feito.
Ora, desde o Sr. Secretário de Estado — que poderá agora falar a seguir — até às Sr.as Deputadas do Partido Socialista, ninguém se pronunciou sobre isso, que é a questão nodal desta proposta de lei, como também ninguém se pronunciou — embora não tenha a mesma importância — sobre aquilo que se entende por ressocialização do agressor, aquilo que é o meio restaurativo.
Há um longuíssimo debate a fazer acerca disso, até porque nós temos de fazer vingar princípios de igualdade face a todo o conjunto de crimes na sociedade portuguesa. Não entendo por que é que alguns têm de ser quase obrigatoriamente restaurativos e outros não»! Esse debate não está feito! Por que ç que o gestor do BPN não tem «encontros restaurativos»?! É um crime contra o património!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Por que é que, obrigatoriamente ou quase, tem de haver «encontros restaurativos» no caso de vítimas de violência doméstica?!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Concluo, Sr. Presidente.
Que consequências tem isso sobre a real capacidade de defesa das vítimas de violência doméstica?! Nós não «fechamos a porta», não temos tabus em relação a esse debate; só não consideramos é que ele possa ser posto na mesma escala e com a mesma prioridade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvimos atentamente os argumentos e, de alguma maneira, congratulamo-nos pela importância e pela atenção dada à proposta de lei que o Governo aqui apresentou.
O Sr. Deputado Mendes Bota salientou, aliás, de forma expressa, a importância desta proposta de lei ao dar uma visão consistente ao conjunto integrado desta problemática, seja no domínio da prevenção seja no domínio do apoio às vítimas de violência doméstica. Creio, portanto, que temos aqui um espaço de diálogo, em sede de comissão, para aprofundar as soluções.
Mas também se falou aqui de retrocesso. E falou-se aqui de retrocesso pela voz dos Deputados do Bloco de Esquerda. Permitam-me que vos diga que se algum retrocesso foi trazido a esta Câmara foi pelas intervenções dos Deputados do Bloco de Esquerda a propósito da prevenção e do combate à violência doméstica!

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É porque não se pode conceber, não se pode aceitar, Srs. Deputados, que a violência doméstica tenha se ser encarada numa lógica unilateral contra o próprio artigo 152.º do Código Penal na tipificação legal desta situação criminal! Verdadeiramente, não se pode aceitar que se diga que deve haver uma lei que proteja mulheres vítimas de violência — certamente que deve haver, obviamente que deve haver, ninguém pode pôr isso em causa! — , mas que, para proteger essas mulheres, se devem desprezar menores vítimas de violência ou idosos frágeis igualmente vítimas de violência! E foi isto que foi aqui dito quando disseram que a proposta deveria ser na óptica exclusiva do género e não na óptica transversal das vítimas de violência, tenham elas a identidade sexual que tiverem. Nesta matéria, claramente, não acompanhamos o Bloco de Esquerda! Mas também não o acompanhamos noutras matérias. A Sr.ª Deputada Helena Pinto, entre o falar verdade e o não falar verdade, veio aqui indignar-se porque esta proposta de lei em matéria de reconhecimento do estatuto de vítima só o reconhecia exclusivamente na sequência de requerimento apresentado pela própria vítima.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É o que está escrito!

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — Não é verdade, Sr.ª Deputada! Olhos nos olhos, digo-lhe que não é verdade!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Qual é a norma, Sr. Secretário de Estado?!

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — É o n.º 2 do artigo 14.º! Faça favor de ler! Diz-se aí o seguinte: «Quando as circunstâncias do caso concreto evidenciem a especial vulnerabilidade (»), pode o estatuto de vítima ser atribuído pelas entidades referidas no número anterior, oficiosamente e independentemente de requerimento (»)».
A Sr.ª Deputada veio aqui indignar-se por uma causa em que não tinha razão, fazendo uma instrumentalização contra a objectividade daquilo que está apresentado na proposta de lei.

Protestos da Deputada do BE Helena Pinto.

Isso não é bonito, Sr.ª Deputada! Isso não é bonito!

Aplausos do PS.

Por outro lado, a Sr.ª Deputada, em matéria de fixação do estatuto de vítima, veio também aqui dizer que o estatuto de vítima cessava obrigatoriamente com a transição em julgado de um processo. Mais uma vez, Sr.ª Deputada, não é verdade, porque quer o tribunal quer o Ministério Público podem prolongar, a benefício da protecção da vítima e sempre que se justificar, esse mesmo estatuto! Nas duas razões ou, melhor dito, nas três razões que o Bloco de Esquerda aqui apresentou para falar de retrocesso, se, verdadeiramente, retrocesso há é na abordagem que o Bloco de Esquerda, surpreendentemente, neste Plenário, veio fazer sobre a matéria do combate, da prevenção e do apoio às vítimas de violência doméstica.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos a discussão, conjunta e na generalidade, da proposta de lei n.º 248/X (4.ª) e dos projectos de lei n.os 587/X (4.ª), 578/X (3.ª) e 657/X (4.ª).
Vamos, agora, passar à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 640/X (4.ª) — Alteração do regime de apoio ao acolhimento familiar (PSD).
Para o apresentar, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

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O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 190/92, de 3 de Setembro, previa o acolhimento familiar, com o objectivo de assegurar à criança ou jovem um meio sóciofamiliar adequado ao desenvolvimento da sua personalidade em substituição da família natural.
Na ausência de um mecanismo específico de apoio a familiares de crianças e jovens que com eles residissem, sob a sua guarda, este regime previa ainda que esses familiares pudessem ser considerados família de acolhimento.
Por igual razão, tornava também extensível aos parentes em 1.º grau da linha recta e ou do 2.º grau da linha colateral o apoio que era concedido pela manutenção da criança ou do jovem no âmbito do regime de acolhimento familiar.
Para cumprir o objectivo de diminuir o número de crianças colocadas em instituições, o actual Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro, que estabelece o regime de execução do acolhimento familiar, e o Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de Janeiro, que estabelece o regime de execução das medidas de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo em meio natural de vida.
Com o Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro, as famílias de acolhimento não podem ter qualquer relação de parentesco com as crianças e os jovens em perigo.
A atitude do Governo espelhada nestes diplomas é injusta e desfasada da realidade.
Em primeiro lugar, de acordo com o número das famílias de acolhimento existentes em finais de 2006, mais de metade tinham laços de parentesco com as crianças acolhidas. Com o Decreto-Lei n.º 12/2008, perdem o direito ao subsídio que anteriormente recebiam automaticamente, tendo de candidatar-se a um eventual — sublinhamos, eventual — apoio económico.
Em segundo lugar, convém referir que a larga maioria das crianças e jovens em risco permanece junto da família de acolhimento por um período superior a dois anos, sendo fortes os laços afectivos existentes. Ao legislar a favor da profissionalização das famílias de acolhimento, o Governo, mais uma vez, dessincronizouse com a realidade.
Em terceiro lugar, saliente-se que, ao retirar apoios que vinham sendo atribuídos à maioria das famílias de acolhimento, ao burocratizar os procedimentos para obtenção de apoio económico, o equilíbrio orçamental das famílias é afectado, sendo que os principais prejudicados são as crianças e os jovens, não só no plano económico mas também no plano afectivo.
Impõe-se, pois, em homenagem aos mais elementares critérios de justiça, uma revisão do regime dos direitos das famílias de acolhimento, previstos nos decretos-leis acima citados, tendo em vista manter os apoios necessários à acção de quem acolhe uma criança ou um jovem em risco.
Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o nosso projecto de lei visa, em primeiro lugar, aumentar os apoios às famílias de acolhimento em geral; em segundo lugar, desburocratizar a atribuição desses apoios, conferindo-lhes um estatuto inquestionável de direitos das famílias e dos menores; em terceiro lugar, permitir que avós e tios, por exemplo, possam também continuar a ser considerados família de acolhimento, com pleno acesso a direitos e apoios, que a legislação do Governo de 2008 lhes retirou.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O nosso projecto de lei visa, sobretudo, de uma vez por todas, evitar afirmações como esta, que vem estampada num jornal nacional: Portugal é um dos países ricos com taxas de pobreza infantil excepcionalmente altas. É o que diz um relatório recente da UNICEF.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De facto, a medida que estamos aqui a apreciar, o acolhimento familiar, é um instrumento muito precioso no que tem a ver com a guarda de crianças que estão privadas do seu meio familiar natural. Mas, como sabemos também, trata-se de uma medida de natureza transitória, já que não pretende suprir a família natural destas crianças, pois a forma de a suprir, quando impossível, será, naturalmente, através da adopção.
No entanto, é um instrumento precioso, como acabei de dizer, porque se trata de procurar dar a estas crianças um acolhimento próximo do seu acolhimento natural, e de uma forma que seja securitária e que confira os requisitos básicos dessa «securização», ou seja, um envolvimento familiar e estável. Por isso, é

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necessário que a estas famílias sejam atribuídos apoios para que se disponibilizem a acolher as crianças e o façam em condições adequáveis, estáveis e seguras, como acabei de dizer.
Como o Sr. Deputado Adão Silva acabou de referir na sua intervenção, em Janeiro de 2008, o Governo legislou sobre esta matéria, tendo introduzido alterações significativas relativamente ao acolhimento familiar.
Dessas alterações, destacarei aquilo que é o objecto da intervenção do projecto de lei do PSD: os apoios e as comparticipações que este tipo de acolhimento familiar merece.
De facto, o projecto de lei apresentado pelo PSD propõe duas medidas distintas, como o Sr. Deputado referiu: um acréscimo de comparticipações, matéria em que, devo dizer, suscita alguma dúvida; e a uniformização dos apoios e das prestações prestadas em meio familiar natural por familiar acolhedor e por famílias de acolhimento profissionais, proposta perfeitamente atendível. Aliás, devo acrescentar que, nesta matéria, desejável seria que todas as crianças privadas do seu meio familiar pudessem ser recebidas nas suas famílias naturais, porque aí a vulnerabilidade a que estavam sujeitas era de alguma forma minorada.
Neste sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não irá inviabilizar o projecto de lei apresentado pelo Partido Social Democrata, sendo certo que, em sede de especialidade, será preciso trabalharmos as necessárias adaptações e alterações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado para uma intervenção.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que o PSD hoje apresenta aborda, efectivamente, um problema importante, altera o Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro, que trata do acolhimento familiar de crianças e jovens em risco nas ditas famílias profissionalizadas, e o Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de Janeiro, que trata deste acolhimento em meio natural de vida, isto é, junto de um familiar mais ou menos afastado.
O projecto de lei aborda o problema do apoio financeiro a estas famílias, que consideramos importante e que deve ser tido em conta, pondo termo à discriminação existente entre os apoios financeiros para as famílias de meio natural e para as famílias ditas profissionalizadas, pois não são os mesmos.
É importante corrigir esta injustiça e, nessa medida, este projecto é importante. Contudo, o projecto de lei do PSD não aborda um conjunto de problemas que consideramos da maior importância.
Na nossa opinião, importa reflectir em todo o problema da adopção e nas restrições que existem para as ditas famílias profissionais no acesso a essa adopção.
Quanto à dita profissionalização das famílias de acolhimento, o PSD não questiona o modelo. Importa aqui reflectir — e, se calhar, em sede de especialidade mais profundamente — e perguntar se é possível tornar profissional uma família de acolhimento. O acolhimento envolve, necessariamente, laços emocionais e sentimentos, pelo que temos sérias dúvidas relativamente a esta matéria. Perguntamos se é possível profissionalizar emoções, relações e afectos. Parece-nos óbvio que não é possível essa profissionalização.
O PSD não aborda também o problema dos preocupantes níveis de violência que existem e que se registam nestas famílias ditas profissionais sobre as crianças e jovens em risco, o qual importa também abordar.
Não aborda, ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o problema de o Governo privilegiar as famílias ditas profissionais, em vez das famílias naturais, em vez, portanto, de promover o acolhimento em sede de família natural da criança ou do jovem em risco.
Diria que esta iniciativa legislativa é um bom pontapé de saída. Isto é, o conjunto de questões abordadas no projecto de lei são importantes. Importa, em sede de discussão na especialidade, abordar um conjunto muito mais vasto de questões, algumas das quais aqui enunciei, para que se possa, em sede de especialidade, fazer uma reflexão profunda sobre esta temática e abordar todo este problema das famílias de acolhimento, o seu relacionamento institucional, o problema das crianças institucionalizadas e das vias que temos para acolher estas crianças, que têm sérios problemas de risco quanto à sua vida familiar.
O Partido Socialista mostrou já aqui alguma abertura para aprovar esta iniciativa. Era importante que a mesma passasse para a discussão na especialidade com a perspectiva de alargar a sede de discussão e a reflexão colectiva que temos de fazer na Assembleia da República sobre esta matéria.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro para uma intervenção.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se há uma responsabilidade colectiva de qualquer sociedade, que ninguém pode descurar, é a da protecção das crianças e jovens em perigo.
Cada criança em perigo é uma vida que está literalmente em perigo, uma vida que corre o risco de não conseguir ultrapassar as circunstâncias adversas em que nasceu ou em que se encontra.
Para muitas destas crianças e destes jovens, a institucionalização é uma triste inevitabilidade. Daí que seja tão importante estimular todas as respostas que permitam evitar a institucionalização das crianças.
Ora, esta iniciativa do PSD, que saudamos, vem, por um lado, apresentar correcções no sentido de uma maior equidade e de uma maior justiça no que se refere aos apoios prestados às famílias de acolhimento e vem desburocratizar, mas, a nosso ver, o mais importante desta iniciativa é a reposição do regime que estava em vigor.
A legislação que entrou em vigor há um ano relativamente à profissionalização das famílias de acolhimento só pode causar-nos espanto e perplexidade. Claro que se entendermos profissionalização como uma maior atenção, um maior acompanhamento por parte da segurança social no que se refere à qualidade e às condições em que a criança é acolhida, muito bem. Porém, retirar às famílias biológicas, às famílias naturais, ainda que de graus afastados, a possibilidade de serem apoiadas para acolher os seus é um absurdo sem nome, que agora, e muito bem, o Partido Social Democrata vem inverter.
Ou seja, entendemos que as próprias famílias devem poder concorrer de igual forma com as chamadas famílias profissionalizadas, obviamente. Não podem ser afastadas, merecem igual apoio. Como se a famílias biológicas, as famílias naturais, não tivessem iguais necessidades, iguais carências e que fazer face às mesmas despesas para acolher as crianças!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Portanto, saudamos e iremos votar favoravelmente esta iniciativa.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O assunto central do projecto de lei apresentado pelo PSD é muito importante. Trata o mesmo de abordar uma parte da questão das crianças e dos jovens em risco, não pretende tratar toda essa temática. Mas é, de facto, uma questão muito importante, sobre a qual é necessária uma profunda reflexão e na qual — permitam-me a expressão, Sr.as e Srs. Deputados — todo o cuidado é pouco, porque estamos a falar de crianças e jovens em risco.
Nesse sentido, parece-nos oportuna a proposta vinda do PSD, sobretudo para que, em sede da comissão especializada desta Assembleia, se possa promover uma reflexão aprofundada do sistema de acolhimento familiar, para não estarmos só a fazer uma ou outra alteração, por mais evidente e mais justa que ela se os apresente, aproveitando para fazermos uma reflexão, assim como um acompanhamento do que está a ser feito e, sobretudo, do impacto das últimas alterações levadas a cabo pelo Governo. Parece-me importante saber isso, pois esta Assembleia, do nosso ponto de vista, tem andado um pouco arredada dessas questões.
Por isso, o nosso grupo parlamentar viabilizará o projecto de lei. Parece-nos, inclusivamente, uma boa oportunidade para se debater uma temática que também tem a ver com direitos humanos, como aquela de que estávamos a falar no ponto anterior da nossa ordem de trabalhos, e que deve ser assumida como uma grande responsabilidade do Estado.

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Estamos a falar das crianças e dos jovens numa lógica que penso ser comum a todos nós: queremos promover a desinstitucionalização dos jovens. Mas temos de ver como o fazemos. É preciso muito cuidado em todas estas temáticas.
Por isso, entendo que a Assembleia deve aproveitar esta oportunidade para ir ao fundo do problema, para saber o que está a ser feito e para alterar o que tiver de ser alterado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo para uma intervenção, beneficiando de tempo cedido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo também autor do projecto de lei em debate, quero saudar todas as bancadas, que julgo terem percebido bem o alcance das medidas que propomos no diploma, e, em particular, a bancada do Partido Socialista. Embora não esperasse outra coisa da especial sensibilidade da Deputada Maria do Rosário Carneiro em relação a estas matérias, confesso que fiquei um pouco preocupado com aquilo que se disse acerca da discussão na especialidade.
Estive reunido com várias das pessoas que, neste momento, estão em risco de perder, ou perderam já, os apoios pelos acolhimentos que fazem, muitas vezes de familiares seus. A questão que se põe aqui é verdadeiramente de emergência, porque, neste momento, os serviços da segurança social estão a operacionalizar as medidas previstas na lei de Janeiro de 2008, razão pela qual, se a Assembleia da República não se apressa, sem prejuízo de outras discussões, a repor algumas das propostas que temos no nosso projecto de lei, vamos ter, nas próximas semanas, porventura, muitos casos de falta de apoio para o acolhimento que, até agora, tem sido dado nos termos da lei que foi alterada em 2008.
É para este ponto que eu quero chamar a atenção da comissão parlamentar que vai apreciar, na especialidade, este projecto de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, uma vez concluída esta matéria, passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos com a apreciação, na generalidade, dos projectos de lei n.os 639/X (4.ª) — Revoga o factor de sustentabilidade (PCP), 648/X (4.ª) — Revoga o designado «factor de sustentabilidade» do sistema público de segurança social (BE) e 433/X (3.ª) — Alteração à Lei de Bases da Segurança Social (CDS-PP).
Par apresentar o projecto do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A segurança social e o direito dos trabalhadores a uma reforma digna depois de uma vida de trabalho são uma preocupação central para o Partido Comunista Português e neste âmbito temos desenvolvido inúmeras iniciativas. Apresentámos uma proposta de lei de bases da segurança social; abordámos, por diversas vezes, o problema da actualização e valorização das pensões; lutámos contra a injusta fórmula de cálculo; propusemos a valorização das longas carreiras contributivas; e, entre muitas outras iniciativas, apresentámos diversas propostas que visam garantir a sustentabilidade financeira da segurança social.
O PCP foi o primeiro partido a denunciar e a propor a revogação do chamado «factor de sustentabilidade», que mais não é que um factor de redução das reformas dos trabalhadores portugueses.
O Governo, após anunciar a eminente falência da segurança social e utilizando o argumento do envelhecimento da população, introduziu o factor de sustentabilidade, que é um verdadeiro imposto sobre a esperança média de vida.
O factor de sustentabilidade, que reduz o valor da reforma em função do aumento da esperança média de vida, é um indecoroso aproveitamento de uma importante conquista social.
Se é verdade que o número de activos por pensionista, entre 1975 e 2004, baixou de 3,78 para 1,63, tambçm ç verdade que a riqueza criada por empregado aumentou 41 vezes, isto ç, passou de 641 € para 26 332 €.

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Importa, assim, questionar se parte dessa riqueza não deveria servir para financiar a segurança social, até porque o Governo nada fez para diversificar as fontes de financiamento, como propõe o PCP.
Além disso, o Governo, através da sua política anti-social, em nada contribui para o aumento da natalidade, antes pelo contrário. O Código do Trabalho, os baixos salários, entre muitos outros factores, condicionam negativamente a natalidade.
Já quanto ao cenário negro de falência da segurança social que o Governo apresentou, os números falam por si.
O Governo previa, em 2005, no Relatório de sustentabilidade da Segurança Social, um saldo zero. No entanto, o saldo que se verificou foi positivo e atingiu 787 milhões de euros. Quer em 2006, em 2007 e também em 2008, os saldos foram positivos quando o Governo previa saldos negativos.
Ora, o cenário de falência foi, claramente, exagerado pelo Governo para justificar este factor de sustentabilidade, que penaliza as já baixas reformas dos trabalhadores.
O Governo PS não quis discutir medidas, propostas pelo PCP, que garantiam a sustentabilidade financeira da segurança social sem penalizar os trabalhadores, entre muitas outras, a diversificação das receitas tendo em conta o valor acrescentado bruto das empresas, que iria colocar as empresas a contribuir de uma forma mais justa para a segurança social.
O Governo optou pelo factor de sustentabilidade e por uma nova fórmula de cálculo que já estão a reduzir o valor das pensões dos trabalhadores e que, em 2030, irá implicar uma redução de menos 21% e, em 2050, menos 34%.
O efeito conjugado destas duas medidas implica, de acordo com dados do próprio Governo, que a taxa de substituição, que hoje ronda os 84%, passe a ser, em 2050, de apenas 55%.
Se tivermos em conta que 85% dos reformados em Portugal vive, ou melhor, sobrevive, com menos de um salário mínimo por mês, facilmente se conclui que o resultado vai ser mais miséria, mais exclusão social e mais pobreza entre os reformados.
Importa referir uma profunda contradição: a segurança social, que há bem pouco tempo estava no limiar da falência, é a mesma segurança social que vai financiar medidas de apoio às entidades patronais, que irão resultar em avultadas despesas e perdas de receitas que a CGTP estima em mais de 500 milhões de euros.
Para os trabalhadores, a situação financeira da segurança social justificou mais anos de trabalho para pensões de miséria. Para apoiar os patrões, não falta dinheiro, não se coloca o problema da sustentabilidade financeira da segurança social.
A opção do Governo é clara: penalizar quem trabalha para financiar os patrões à custa das verbas da segurança social.
É este o caminho que exige rupturas e é por isso que o PCP propõe a revogação imediata do factor de sustentabilidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dizia o Sr. Primeiro-Ministro, num dos debates mensais, em 2006: «O nosso compromisso com os portugueses é para garantir um sistema de protecção mais justo e mais sustentável (») que seja um factor de coesão, que seja um factor de solidariedade, que seja um factor de confiança!» Por isso mesmo é que o Governo do Partido Socialista — segundo o próprio e segundo o seu principal actor — alterou a lei da segurança social. Nessa alteração, introduziu, então, o chamado «factor de sustentabilidade».
Esse factor, Sr.as e Srs. Deputados, resultou numa maior insustentabilidade das pensões dos portugueses e portuguesas.
Temos, hoje, que as pensões inferiores a 330 € sofreram um aumento, entre 2007 e 2008, de 6 € por mês, 20 cêntimos por dia. São 1 560 989 pessoas que têm este valor de pensão! Isto é insustentável! Isto é um factor de insustentabilidade que o Governo do Partido Socialista aqui nos vem oferecer! Estes nõmeros significam tambçm que, em cada 100 pensionistas, 78 recebem este valor, cerca de 330 € e se, entre 2007 e 2008, estes pensionistas tiveram um acréscimo de 20 cêntimos por dia, não estão melhor

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este ano, porque este ano vão ter um aumento de 7,25 €, o que significa — , imagine-se só! — , 24 cêntimos por dia.
Este é bem o rosto da solidariedade social do Governo do Partido Socialista que, quatro anos passados, não conseguiu melhorar as pensões em Portugal! Mas, hoje, o que aqui fundamentalmente discutimos é este factor que foi introduzido e que leva a que este ano também os pensionistas com 65 anos, independentemente de poderem já ter trabalhado, nalguns casos, até 50 anos, vão ter de trabalhar mais quatro meses, porque o factor de sustentabilidade para este ano significa que as suas pensões vão descer 1,32%.
Da aplicação deste factor insustentável para pensões tão baixas como estas em Portugal, vamos ter que, em 2020, as pensões, só com a aplicação deste factor, sofram um corte de 8,9% e, em 2050, 17,9%, o que significará que as pensões dos jovens de hoje serão apenas 55% dos seus salários médios. É esta a visão de modernidade do Partido Socialista! É esta a visão e o compromisso que o Sr. Primeiro-Ministro aqui nos veio trazer de que queria garantir um sistema de solidariedade que fosse um factor de confiança!» A proposta do Bloco de Esquerda, Sr.as e Srs. Deputados, é muito clara: revogação imediata deste factor de sustentabilidade, à custa dos quais, daqueles pensionistas que têm pensões de miséria, o Governo do Partido Socialista consegue poupar dinheiro.
Propomos também que se faça o recalculo das pensões, que já foram prejudicadas por esta via.
É esta a escolha que aqui está colocada para uma segurança social, de facto, mais solidária com aqueles que pior vivem, com aqueles que são os pobres dos mais pobres: os nossos pensionistas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos nos lembramos que, quando o Governo anunciou a reforma da segurança social, anunciou-a como sendo uma reforma progressista, uma reforma que ia promover a justiça social.
A verdade é que o aspecto mais determinante e mais importante dessa reforma era exactamente a introdução do factor de sustentabilidade. Isto é, a ponderação entre a esperança de média de vida no ano 2006 e no ano da reforma do trabalhador.
Passados dois anos de aplicação desta reforma, já é possível tirar algumas conclusões.
Em dois anos, este factor representou 1,32% da pensão de cada português, ou seja, hoje, um português, para poder receber a pensão que tinha em expectativa, tem de trabalhar cerca de mais quatro meses.
A verdade — e esta conclusão já se pode tirar hoje — é que esta reforma da segurança social fez um saque ao passado dos trabalhadores mais velhos, mas faz também um saque ao futuro dos trabalhadores que hoje entram no mercado de emprego.
Um saque ao passado, porque hoje um trabalhador para se poder reformar, só tem como opção trabalhar mais ou, então, receber menos de pensão de reforma.
Mas é, também um saque ao futuro, porque esta reforma não permite que um trabalhador mais novo, um jovem que hoje está a entrar no mercado de trabalho, possa escolher livremente como quer organizar a sua pensão futura.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — A reforma do Partido Socialista cristaliza o sistema em que só há público, só é possível existir público, e cada um dos novos trabalhadores não pode escolher se quer descontar para o sistema público ou se, a partir de certo limite, pode descontar também para o sistema privado, criando em cada um dos portugueses consciência e acreditando na sua liberdade e na sua capacidade de fazer escolhas. É por isso que é preciso, por um lado, corrigir o que está mal e, por outro, ter a coragem para ir mais longe.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — A sustentabilidade da segurança social não tem só a ver com o aumento da esperança média de vida. É, aliás, de uma grande mesquinhez olhar para uma das grandes conquistas da nossa civilização, que é o facto de todos colectivamente podermos viver mais tempo, como um custo social.
Para sustentar a segurança social é preciso, acima de tudo, repor as novas gerações, aumentar a taxa de natalidade, de forma a que, sempre que um português sai para a reforma, outro esteja a entrar para o sistema de emprego e dessa forma contribuir para o sistema da segurança social.
É por isso que é tão injusto que um trabalhador, depois de toda uma vida de descontos, que, além de mais, foi pai e contribuiu para a reposição das gerações, no final da sua vida, quando se reformar, tenha este factor de sustentabilidade.
É injusto, porque este português contribuiu duas vezes: contribuiu com o pagamento das taxas sociais, mas também contribuiu gerando novas gerações, introduzindo no mercado de emprego novos trabalhadores que vão também, em parte, ajudar a pagar a sua pensão de reforma.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É isso que o CDS hoje, aqui, traz a debate: a desaplicação do factor de sustentabilidade a todos aqueles que tenham mais de dois filhos e que, desta forma, não só contribuíram directamente para a segurança social, mas indirectamente contribuíram também para a sustentabilidade do sistema.
Sobre esta visão, o Partido Socialista nada diz. Mas é aqui que o factor de sustentabilidade se torna insustentável. É aqui que se vê a «insustentável leveza» do factor de sustentabilidade. Para o Partido Socialista, a única solução é manter o sistema de segurança social passando por esta obrigação: ou se trabalha mais ou se recebe menos. Esquecem-se que há outros factores essenciais. Factores, como, por exemplo, estimular a produtividade e, nesse sentido, aumentar os salários médios e as contribuições para a segurança social; ou como permitir o plafonamento, retirando da segurança social o que não é um sistema de solidariedade, mas já só uma gestão das poupanças; ou, também e mais importante, como estimular a natalidade.
Contudo, a estes aspectos o Partido Socialista continua sem ter a capacidade de olhar e sem ter a coragem de fazer o que é preciso para, no longo prazo, manter uma segurança social sustentável, que pague o que é solidariedade, mas não tenha de pagar o que é gestão de poupança de cada um dos portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero também abordar aqui, de uma forma rápida, os três projectos de lei que são apresentados em torno da matéria em causa, ou seja, o factor de sustentabilidade.
Todos sentimos que a sustentabilidade financeira do sistema público de segurança social é um imperativo absolutamente indeclinável e também percebemos que existe uma correlação estreita entre a sustentabilidade da segurança social e a longevidade dos cidadãos, que, felizmente, está a crescer.
Por isso, os sistemas públicos de segurança social em Portugal e nos outros países europeus confrontamse com este desafio: como articular a sustentabilidade orçamental da segurança social com a longevidade dos cidadãos, que é, felizmente, crescente? Assim, alguns países aumentaram a idade legal da reforma; outros países, como Portugal, criaram o factor de sustentabilidade. O Partido Social Democrata reconhece que é um factor que tem virtualidades que devem ser devidamente aproveitadas. Não deve ser, pura e simplesmente, revogado, como propõe aqui o PCP e o BE.
O problema é que o factor de sustentabilidade, que foi introduzido na última Lei de Bases da Segurança Social, era algo completamente inovador no sistema jurídico da segurança social em Portugal, foi

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atabalhoadamente introduzido, mal ponderado, mal repensado e, por isso, os seus efeitos estão à vista: uma penalização excessiva das pensões já no ano 2009, com uma projecção absolutamente preocupante para as próximas décadas.
Por isso, nós, Partido Social Democrata, também entendemos que, ao fim do primeiro ano de aplicação do factor de sustentabilidade, se impõe uma reponderação, se impõe um recalculo dos seus factores, se impõe uma reavaliação dos seus pressupostos. Pensamos que está na altura de o fazer. Consideramos que o Governo deve ter a humildade de reconhecer que a proposta que apresentou e que está em vigor é excessiva: penaliza em excesso os cerca de 100 000 cidadãos que todos os anos se reformam; penaliza a esperança dos cidadãos no futuro; penaliza, sobretudo, um sistema que se quer equilibrado e devidamente balanceado.
Finalmente, gostaria de deixar uma palavra sobre o projecto de lei do CDS. Se o factor de sustentabilidade aparece no regime jurídico da segurança social em Portugal pela via de razões demográficas, também pode e deve, no processo de reavaliação que dizemos que é oportuno fazer-se, ser reponderado numa correlação com aspectos demográficos, nomeadamente como estímulo à natalidade.
Penso, assim, que, aqui chegados, é fundamental que se reanalise e revisite este conceito, se reavaliem as suas consequências e, sobretudo, se reponderem os factores que contribuem para o seu cálculo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes são a favor da revogação do factor de sustentabilidade. É preciso que isso fique bem claro e que saibamos exactamente qual foi a sua origem, ou seja, que foi uma invenção do Governo do Partido Socialista para penalizar as pensões.
Não tinha outro objectivo! Todos nos lembramos do drama que, no início do mandato, o Governo fez em torno da falência da segurança social, da insustentabilidade da segurança social a curto prazo, para justificar uma medida notoriamente injusta como esta, a da introdução do factor de sustentabilidade para o cálculo das pensões.
Hoje, face ao saldo que todos conhecemos da segurança social, percebemos que aquela conversa do Governo era um exagero para justificar uma medida que o Governo sabia que era claramente injusta.
Este factor de sustentabilidade faz reflectir a esperança média de vida no cálculo do valor das pensões. Ou seja, quanto maior a esperança média de vida, mais se penalizam as pensões.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) da evolução da esperança média de vida, calculase que, para uma pensão de 1000 € (vamos considerar este valor, porque será mais fácil para percebermos estas contas), em 2000, um pensionista receberia menos 70 € por mês na sua pensão e, em 2050, receberia menos 200 € por mês na sua pensão. Isto só tendo em conta o factor de sustentabilidade, porque, se juntarmos outros inventados pelo Governo na nova fórmula de cálculo das pensões, em 2050, este pensionista veria reduzida a sua pensão em cerca de 55%. Isto é extraordinariamente significativo! Percebe-se claramente qual foi a intenção do Governo, e ela é deplorável, na nossa perspectiva! A opção do Governo foi, pois, pagar pensões mais baixas. Mas o Governo criou alternativas. E uma das alternativas foi: se não querem assim, trabalhem mais! Acontece que agora estamos a falar de trabalhar mais uns meses, mas daqui a uns anos estaremos a falar de trabalhar muito mais do que uns meses. É preciso perceber esta evolução progressiva e constante do que o Governo está a pedir ao País e também às futuras gerações.
Outra alternativa que o Governo colocou foi: se não querem assim, pagam mais, contribuem mais para a segurança social! Ou seja, ou recebem menos pensão, ou pagam mais, ou trabalham mais. Esta foi a alternativa que o Governo deu aos portugueses.
Queremos aqui reafirmar que esta situação é por demais injusta e que, por isso, apoiamos os projectos que propõem a revogação do factor de sustentabilidade.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.

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A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Presidente: Encontram-se em discussão, nesta Câmara, três projectos, a saber, do Partido Comunista Português, do Bloco de Esquerda e do CDS-PP.
O conteúdo das matérias dos três projectos versa a questão central do factor de sustentabilidade, criado no âmbito da reforma da segurança social, que tem como objectivo global a salvaguarda dos riscos associados ao envelhecimento demográfico, através da indexação da evolução da esperança média de vida ao cálculo das pensões.
Esta opção, Sr.as e Srs. Deputados, tomada em sede de concertação social, firmada num acordo entre o Governo e a generalidade dos parceiros sociais, tem como objectivo central garantir o sistema público universal de segurança social, bem como a capacidade de este se autofinanciar, garantindo as expectativas legítimas em contexto de equidade intergeracional.
Na Europa, como os Srs. Deputados sabem, há países que fizeram outras opções: uns, a privatização da protecção social numa lógica da capitalização individual; outros, a alteração da idade da reforma; e outros ainda, naturalmente, a mistura de sistemas vários.
Em Portugal, nós, os socialistas, optámos pela introdução do sistema de sustentabilidade, garantindo, com a sua aplicação, a atribuição das pensões, a equidade e a coesão social. É verdade que falamos de um momento complicado da sociedade portuguesa. Fizemo-lo há dois anos e hoje, olhando para dois anos atrás, percebemos melhor a garantia desta introdução do factor de sustentabilidade.
Contudo, ao introduzirmos o factor de sustentabilidade, não o isolamos no contexto das pensões.
Associamos-lhe a dimensão da sua continuidade enquanto trabalhadores no mercado de trabalho, promovendo, desta forma, o envelhecimento activo e rentabilizando as suas capacidades, saberes adquiridos ao longo de uma vida de trabalho, sobretudo dos trabalhadores mais idosos.
Assim, hoje, em Portugal, pela lógica destes sistemas e por todos os riscos associados à própria sustentabilidade da segurança social, permite-se que os trabalhadores — futuros pensionistas — optem, em alternativa, por permanecer um pouco mais no seu posto de trabalho ou por fazer a adesão a um regime voluntário público, gerido em regime de capitalização, que lhes permite uma maior contributividade, compensando, desta forma, o efeito da aplicação do factor de sustentabilidade.
Como sabem, este factor de sustentabilidade não é aplicado de uma forma cega. Há limites que se colocam exactamente nas situações onde a pobreza tem uma maior vulnerabilidade, ou seja, nas pensões de invalidez, às quais não é aplicado o factor de sustentabilidade quando a invalidez é relativa, fazendo-se apenas a aplicação quando a pensão de invalidez é convolucionada na pensão de velhice, e também não é aplicado nos casos da invalidez absoluta.
Relembro, a este propósito apenas, os incentivos criados para o envelhecimento activo, previstos no novo enquadramento da legislação das pensões.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projectos que hoje, aqui, apreciamos apostam num regresso ao passado. Os autores esquecem que as suas propostas, mesmo que bondosas e «românticas», colocam em causa a natureza do sistema público de segurança social, contribuindo para perspectivar, a curto prazo, a possibilidade da sua privatização — situação que já discutimos profundamente aqui, nesta Casa, sem que, dessa alternativa, surjam quaisquer benefícios para os pensionistas.
É o saldo, Sr.as e Srs. Deputados, do subsistema previdencial-repartição, para o qual muito contribuiu o combate à fraude e à evasão fiscais, que assegurará, no futuro, a protecção social de todos aqueles que para ele contribuíram.
É essa a opção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e do Governo do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao último ponto da ordem do dia, a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 236/X (4.ª) — Altera o Código das Sociedades Comerciais e o Código do Registo Comercial, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2005/56/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, relativa às fusões transfronteiriças das sociedades de responsabilidade limitada, a Directiva 2007/63/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, que altera as Directivas 78/855/CEE e 82/891/CEE do Conselho, no que respeita à exigência de um

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relatório de peritos independentes aquando da fusão ou da cisão de sociedades anónimas e estabelece o regime aplicável à participação dos trabalhadores na sociedade resultante da fusão.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (João Tiago Silveira): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei visa a transposição de duas directivas: a Directiva n.º 2005/56/CE, sobre fusões transfronteiriças das sociedades de responsabilidade limitada no âmbito na União Europeia, e a Directiva n.º 2007/63/CE, que permite dispensar a apresentação de um relatório de peritos aquando da fusão ou da cisão de sociedades anónimas.
Em matéria de fusões transfronteiriças, é importante que exista um regime europeu que regule as fusões entre empresas de Estados-membros, e há quatro razões para isso. Queria assinalá-las.
Em primeiro lugar, pela possibilidade de estas fusões se realizarem com menos custos e menos gastos, que muitas vezes ocorriam com a necessidade de detectar quais os regimes jurídicos adaptáveis e utilizáveis para essas fusões.
Em segundo lugar, para ter claramente a noção de quais são os passos e as regras a cumprir no âmbito de uma fusão de duas empresas da União Europeia.
Em terceiro lugar, para facilitar o mercado interno, ou seja, facilitar o comércio de produtos e serviços no âmbito da União Europeia, criar riqueza, criar emprego e, sobretudo, nesta altura em que falamos da necessidade de uma resposta pública, não haver barreiras proteccionistas onde elas realmente não têm de existir.
Finalmente, em quarto lugar e não menos importante, para assegurar os direitos dos trabalhadores no âmbito da audição e participação de um processo de fusão.
Portanto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, são quatro razões que aconselham a que estas Directivas sejam transpostas e que realmente se aprove este regime das fusões transfronteiriças no âmbito das sociedades de responsabilidade limitada no espaço da União Europeia.
Uma referência também em matéria de direito societário europeu e do esforço que se tem de fazer de simplificação e de redução de custos de contexto. Ainda há um caminho a fazer aqui, em matéria de direito societário europeu. No plano nacional, fomos muito longe, e bem. Somos hoje um país competitivo em matéria de direito societário e de oportunidades de redução de custos de contexto que as empresas têm de suportar e, com a transposição desta Directiva n.º 2007/63/CE, é dado mais um passo em frente. É preciso aproveitar este passo e daí a presente proposta de lei.
Esta proposta de lei, na sequência do que estabelece a Directiva, permite que seja dispensada a apresentação de um relatório de peritos no âmbito do processo de fusão ou de cisão, quando os sócios ou os portadores de direitos de voto estejam de acordo quanto a tal dispensa. Portanto, é mais uma oportunidade para reduzir custos de contexto, num caminho em que já foram dados passos muito significativos, muito importantes e que devem orgulhar-nos pelo facto de como Estado, nos situarmos entre os melhores no âmbito da redução de custos de contexto a nível de direito comercial e de direito societário no nosso País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Terra.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa legislativa agora em discussão, como já foi dito, tem como objectivo a transposição para a ordem jurídica interna de duas directivas comunitárias: a Directiva n.º 2005/56/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, e a Directiva n.º 2007/63/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007. Esta última altera duas anteriores directivas do Conselho no que respeita à exigência de um relatório de peritos independentes, aquando da fusão ou da cisão de sociedades anónimas.
A transposição da Directiva n.º 2005/56/CE visa permitir que sociedades de responsabilidade limitada de diferentes tipos, regidas por legislação de diferentes Estados-membros, se possam fundir e, simultaneamente, estabelece o regime aplicável à definição dos direitos de participação dos trabalhadores da sociedade

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resultante da fusão transfronteiriça, procurando assegurar o respeito pelos direitos de participação dos trabalhadores das sociedades nela participantes.
A presente proposta de lei reveste-se de fundamental importância, uma vez que, actualmente, a matéria das fusões transfronteiriças não se encontra regulada no nosso ordenamento jurídico, com excepção da constituição das sociedades anónimas europeias.
No que toca à definição do direito de participação dos trabalhadores nas sociedades comerciais resultantes de fusão transfronteiriça, a nossa Constituição recusa configurar as organizações representativas dos trabalhadores como fenómenos necessariamente exteriores às empresas. Por isso, além de reconhecer a relevância da actividade sindical na empresa, o artigo 54.º consagra como direito, liberdade e garantia o direito de os trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa.
Ao nível da participação dos trabalhadores nas empresas, a nossa Constituição, através do artigo 54.º, atribui uma panóplia de direitos às comissões de trabalhadores que passam pelo direito de receber todas as informações necessárias ao exercício da sua actividade, exercer o controlo de gestão nas empresas, participar nos processos de reestruturação da empresa, participar na elaboração da legislação do trabalho e nos planos económico-sociais e gerir ou participar na gestão das obras sociais da empresa.
Quanto à participação dos trabalhadores no sentido que a presente iniciativa legislativa lhe confere, isto é, enquanto direito de os trabalhadores ou os seus representantes elegerem ou designarem membros dos órgãos sociais de uma sociedade, a Constituição apenas prevê o direito de as comissões de trabalhadores promoverem a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos do n.º 5 do artigo 54.º conjugado com o artigo 89.º da Constituição.
Claro está que. actualmente, as fusões transfronteiriças não têm protecção jusconstitucional própria, mas dessa protecção gozam as empresas privadas nos termos em que o dispõe, grosso modo, os artigos 61.º e 86.º da nossa Constituição.
Nesta matéria — e peço-lhe apenas alguns segundos de tolerância, Sr. Presidente — , quero salientar a relevância do artigo 87.º da Constituição, que comete à lei a tarefa de disciplinar a matéria relativa à actividade económica e aos investimentos estrangeiros e que inclui todas as medidas adequadas ao desenvolvimento e crescimento económico do País.
Do que fica dito, conclui-se que a proposta de lei apresentada pelo Governo, além de transpor as directivas comunitárias supra-referidas, por um lado, densifica princípios já constitucionalmente consagrados e, por outro lado, adequa-se à realidade económica dos nossos dias e às necessidades impostas por um mercado cada vez mais global e a um relacionamento de mercado empresarial isento de fronteiras.
E, mais ainda, na medida em que impõe a obrigatoriedade da existência de um relatório de peritos independentes quando esteja em causa a fusão ou a cisão de sociedades anónimas, esta proposta de lei constitui em passo importantíssimo para a procura do maior rigor negocial a que uma fusão societária do tipo das aqui previstas deve obedecer.
Estes são, pois, motivos de sobra para que o Grupo Parlamentar do PS vote favoravelmente esta proposta de lei, voto que esperamos venha a unanimidade desta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo, para uma intervenção.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não vale estar a repetir as vantagens da transposição das duas directivas em apreciação pois ambas as intervenções anteriores fizeram-no de forma bastante.
No entanto, e à semelhança do que fez o Sr. Secretário de Estado, queria sublinhar que a Directiva n.º 2005/56/CE é um importante contributo para a redução dos custos de contexto no âmbito da União Europeia quando se está perante a situação de fusão de sociedades de responsabilidade limitada, bem assim como o regime aplicável à participação dos trabalhadores na sociedade resultante de uma tal fusão.

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A este propósito, quero sublinhar que esta Directiva impõe a verificação de um conjunto de formalismos, antes e aquando do projecto de fusão de sociedades com sede em dois países diferentes da União Europeia e, portanto, sujeitos, pelo menos, a duas diferentes legislações.
Ainda a este propósito, Sr. Secretário de Estado, quero dizer que o Partido Social Democrata apoia a transposição das duas directivas, pois entendemos que são importantes, mas não queria deixar de sublinhar um ponto.
Acho que temos de dar atenção a uma parte da redução de custos de contexto que teve a ver com a desformalização que se verificou e se operou, em Portugal, no processo da cessão de quotas.
Essa matéria, ao que sei — e sei-o pela minha vida profissional — , está a gerar alguns problemas, os quais estão a «desaguar», perigosamente, nos tribunais.
Sendo importante e relevante esta medida proposta na directiva, importa que, no nosso País, acautelemos bem, do ponto de vista da segurança jurídica, o que são direitos societários. É importante que o Governo olhe com cuidado, «malha fina», para essa medida porque, sem estar a pôr em causa o princípio, é bom verificar que, neste momento, há problemas no terreno que podem complicar-se cada vez mais.
Portanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, para terminar, começo por dizer que o PSD apoia esta proposta de lei, concorda com o objectivo das duas directivas.
Devo dizer, ainda, que, na actual situação, percebendo a intenção da directiva de 2007, a mesma não deixa de causar alguma impressão.
Acho que, porventura, em Portugal, na sequência do que, nesta área, são infaustos acontecimentos de desregulação nas empresas, devemos prevenir algumas coisas, por exemplo, no sentido de estabelecer regras de incompatibilidades para auditoras, para peritos, para revisores oficiais de contas. Portanto, percebo o objectivo da directiva de 2007, mas entendo que, porventura, temos de compensar com outro tipo de medidas. Não obstante, repito que o PSD apoia estes objectivos e concorda com eles.
Chamo a atenção da Câmara e do Governo, na pessoa do Sr. Secretário de Estado aqui presente, o qual sei que presta particular atenção a estas matérias, para o que se está a passar, em Portugal, em relação a muitos casos de cessão de quotas, matéria que, de resto, tem conexão com a que estamos a discutir no âmbito da primeira das directivas em apreciação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta de lei é mais uma peça para o desenvolvimento do «mercado interno comunitário», incentivando/facilitando a fusão transfronteiriça de sociedades. Mas nem as directivas nem a proposta de lei que as transpõe esclarecem e acautelam todas as possíveis consequências dessas fusões.
As fusões transfronteiriças, um mecanismo de concentração e centralização de capital no seio do «mercado único comunitário», terão como argumento central o conhecido «uso mais eficiente dos recursos», como, aliás, seria da natureza dos mercados.
Só que, no quadro de uma União Europeia profundamente assimétrica nos níveis de desenvolvimento económico e de poder político dos Estados-membros, as fusões (como, aliás, as aquisições) acentuarão os desequilíbrios e as desigualdades entre países e regiões, já por demais profundos, através de uma forçada «reestruturação» e «reorganização» dos tecidos económicos e empresariais.
Ao contrário do que são objectivos proclamados da União Europeia — «coesão social» e «convergência real das economias» — , uns países e regiões tenderão a ficar, cada vez mais, com as cadeias produtivas e serviços de elevado valor acrescentado e aos outros caberá o fornecimento de mão-de-obra barata, em casa ou fora de portas, actividades pouco intensivas em tecnologia e inovação, em geral associadas à fragilização dos sectores produtivos.
Tenderá a acentuar-se uma divisão europeia do trabalho que, como no argumentário que sustentava a criação da moeda única, o euro, destinará aos trabalhadores de uns países o papel de «Picassos» e, aos de outros, o papel de pintores da construção civil! Mais uma vez, não são necessárias palavras para dizer quem vão ser os pintores da construção civil!

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Srs. Deputados, as consequências também são fáceis de identificar.
Para lá do estabelecimento formal da garantia de respeito pelos direitos dos trabalhadores, as fusões podem pôr em causa um primeiro e fundamental direito: o direito ao trabalho no seu país! Porque, contrariamente ao que se diz no preâmbulo, as fusões não conviverão «em harmonia com os propósitos de crescimento do emprego». Não! O resultado líquido será, em geral, destruição de emprego, produção de desemprego! As fusões poderão, igualmente, dar cobertura a deslocalizações de unidades produtivas ou a transferência dos centros de decisão para o estrangeiro, como podem agravar a, já hoje presente, concorrência desleal entre empresas localizadas em países da União Europeia com vantagens competitivas muito diferenciadas em matéria fiscal, de energia ou de benefícios estatais.
Ora, a proposta de lei não estabelece salvaguardas nem mecanismos preventivos relativamente a possíveis consequências negativas para os países com economias mais débeis. Consequências que podem ser mais graves para zonas fronteiriças, acelerando processos em curso de desertificação económica e humana, como pode suceder — está a suceder e vai agravar-se — na raia transmontana, beirã ou alentejana! Igualmente nada se estabelece relativamente à possibilidade de um Estado querer impedir ou opor-se, com base em fundamentação adequada, à fusão de unidades empresariais que considere de relevante interesse nacional, por pertencerem a sectores estratégicos ou serem vectores de defesa da soberania nacional, caso da energia, da água ou do equipamento militar, entre outros.
Todas estas possíveis consequências podem assumir particular gravidade no quadro de uma crise económica como a que vivemos e para um país como Portugal, com os elevados níveis de endividamento das suas empresas e com os elevados níveis do seu próprio endividamento externo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Esta proposta de lei, que, como já foi dito, visa a transposição de duas directivas e alterar o Código das Sociedades Comerciais e o Código do Registo Comercial, procura agilizar o regime de fusão ou de cisão de sociedades anónimas, nomeadamente, a anterior exigência de um parecer prévio de peritos independentes, que poderá deixar de existir em determinadas condições em caso de concordância dos sócios ou dos titulares do direito de voto.
No que concerne às fusões transfronteiriças de sociedades de responsabilidade limitada, a proposta de lei visa permitir uma simplificação quer jurídica quer económica (e sabemos o quão onerosas e burocráticas estas cisões podem ser ou podem transformar-se) e reforçar o papel dos trabalhadores. Isto já aqui foi referido pelo Sr. Secretário de Estado e por vários Srs. Deputados e Sr.as Deputadas e, portanto, julgo que não vale a pena estar a repetir.
Também não creio que seja a sede e o local próprio para falar do projecto europeu, das suas dificuldades, daquilo que pode ser o papel de Portugal nessa construção do processo europeu e, portanto, deixaria para outro tipo de debate essa reflexão, para a qual estaremos disponíveis.
Deixo apenas duas notas para dizer o seguinte: o CDS considera importante a necessidade de harmonização europeia de normas, como é evidente, assim como a simplificação de actos quer a nível nacional quer a nível europeu e, até, a sua desformalização.
Desde já, antecipo que votaremos favoravelmente, mas não posso também deixar de dizer, em jeito de reflexão e numa perspectiva mais abrangente, e sem prejuízo destes princípios de desformalização, harmonização, simplificação, que também é preciso ter alguma ponderação e conferir a estes actos e a estes meios alguma certeza de comércio jurídico, no sentido de procurar soluções mais ágeis, mais rápidas, mais céleres e menos burocráticas para as empresas, pois, mesmo com as melhores intenções e com algum voluntarismo, isso nem sempre isso acontece.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

Página 37

37 | I Série - Número: 045 | 13 de Fevereiro de 2009

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — O mesmo se diga dos códigos, que há 10 ou 15 anos tinham alguma durabilidade e, hoje, a durabilidade média de qualquer código, sobretudo nestas áreas, é de um mês ou dois.
Não se trata necessariamente de uma crítica ao Governo, mas entendemos que, quando estamos a legislar sobre estas matérias, é importante fazer a ponderação entre a necessária desburocratização e agilização e, a nosso ver, a também necessária segurança do comércio jurídico.
É nesta ponderação que, julgamos, devemos ter leis que venham ao encontro das legítimas ambições das empresas, mas também do comércio jurídico e, neste caso concreto, de todos nós.
A nosso ver, esta proposta de lei cumpre esses objectivos, mas vale a pena fazer essa reflexão para outros diplomas e, sobretudo, vale a pena não ter esta voragem legislativa a título europeu e também a título nacional que faz com que os códigos tenham uma durabilidade média de cerca de um mês.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A Directiva 2005/56/CE é o resultado de um longo processo iniciado em Dezembro de 1984 e que entrou, finalmente, em vigor a 15 de Dezembro de 2005.
Propõe-se facilitar e agilizar as fusões entre sociedades de responsabilidade limitada, sempre que duas ou mais tenham sede em diferentes Estados-membros.
A Directiva constitui uma medida importante no plano da modernização do direito das sociedades.
Apresenta um quadro legislativo simplificado e identifica a lei aplicável a cada uma das sociedades objecto de fusão.
A sua transposição apresenta-se, pois, em princípio, como benéfica.
Porém, Sr. Secretário de Estado, há que acautelar o cumprimento integral desse objectivo, o que, do nosso ponto de vista, não se verifica. Constatámos a existência de omissões e de incorrecções na transposição feita por esta proposta de lei, que não deixaremos de analisar.
A sistematização da proposta merece-nos algumas reservas. Não entendemos por que é que são integrados no Código das Sociedades Comerciais os artigos que compõem a Secção II, aditada ao Capítulo IX, respeitantes a normas reguladoras das fusões transfronteiriças, introduzidas pela Directiva, e ficam excluídos do mesmo Código os novos artigos que regulam a participação dos trabalhadores nessas funções.
É de referir ainda, Sr. Secretário de Estado, que os artigos 1.º e 2.º da proposta e o novo artigo 117.º-A, aditado ao Código, contêm uma duplicação dos conceitos de «âmbito» e de «noção» da fusão transfronteiriça, que, do nosso ponto de vista, é de evitar.
Determinando a Directiva que uma sociedade que participe numa fusão transfronteiriça se rege pelas disposições e formalidades do direito nacional a que está sujeita, e acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que as mesmas dizem respeito, em particular, ao processo de tomada de decisão relativo à fusão, à protecção dos credores, dos obrigacionistas, dos detentores de títulos ou acções, bem como dos trabalhadores, não se entende por que, no artigo 117.º-B da proposta, contrariando esta posição, se impõe que, nesses casos, as disposições do nosso direito interno se aplicarão apenas subsidiariamente.
Analisamos, ainda, que as disposições relativas à simplificação de formalidades para a fusão de sociedades com determinadas características, que constam do artigo 15.º da Directiva, não foram transpostas para o documento hoje em apreciação.
Por último, lamentamos que esta proposta seja uma oportunidade perdida para modernizar o nosso direito societário, revendo o regime jurídico da fusão segundo as actuais tendências de simplificação das normas que lhe são aplicáveis.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

Página 38

38 | I Série - Número: 045 | 13 de Fevereiro de 2009

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por me congratular por haver uma maioria que se satisfaz e que concorda com esta proposta.
Gostaria de dizer à Sr.ª Deputada Helena Pinto que a substância das observações que fez são de especialidade e seguramente que as poderemos discutir na especialidade.
Porém, registo com agrado que o Bloco de Esquerda queira simplificar mais processos. Aliás, registo que o Bloco de Esquerda se tenha entusiasmado com o nosso esforço de simplificações e de redução de custos de contexto, que já levou a que se tornassem facultativas as escrituras, que fosse eliminada a legalização dos inventários, diários, razão, balanço, copiador, que se eliminasse a competência territorial das conservatórias e, por exemplo, a publicação em papel no Diário da República dos actos da vida das empresas.
Quero também referir-me à intervenção dos Srs. Deputados Miguel Macedo e Nuno Magalhães, que agradeço, dizendo que este esforço de simplificação que foi feito no direito comercial, na vida das empresas, deve continuar. Estamos a falar da redução de custos de contexto e da criação de condições para que as empresas possam investir, criar riqueza e emprego.
Não podemos, a propósito da regulação global que é necessário fazer nos mercados financeiros, formalizar aquilo que não precisa de ser formalizado. Se há aspectos que precisam de ser revistos, reponderados, reanalisados, temos de fazer esse esforço permanente e, naturalmente, fá-lo-emos sempre.
Termino, dizendo que o que nos distingue do PCP é que este partido preferiria que não tivéssemos uma moeda única, fronteiras e que ficássemos fechados, tendo de passar por uma fronteira para ir a Badajoz. Esta é uma grande diferença entre o PS e o PCP e, se calhar, é por causa desta diferença que os portugueses acreditam numa esquerda capaz de governar e de ter propostas credíveis!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, está concluída a nossa ordem de trabalhos.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, com início às 10 horas, e da ordem do dia consta a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 593/X (4.ª) — Alteração ao Código Penal (CDSPP) e 594/X (4.ª) — Alteração ao Código de Processo Penal (CDS-PP); a discussão, também conjunta, dos projectos de resolução n.os 197/X (2.ª) — Promoção dos aproveitamentos hidroeléctricos (PSD), 199/X (2.ª) — Promoção do aproveitamento energético da biomassa agrícola (PSD), 419/X (4.ª) — Promoção da eficiência energética e da arquitectura bioclimática em edifícios (PSD) e 278/X (3.ª) — Planos energéticos municipais (CDS-PP).
Serão também votados o projecto de resolução n.º 425/X (4.ª) — Deslocação do Presidente da República à Alemanha (Presidente da Assembleia da República) e as propostas de resolução n.os 117/X (4.ª) — Aprova o Protocolo de Adesão da República da Croácia ao Tratado do Atlântico Norte, adoptado em Bruxelas, a 9 de Julho de 2008, e 118/X (4.ª) — Aprova o Protocolo de Adesão da República da Albânia ao Tratado do Atlântico Norte, adoptado em Bruxelas, a 9 de Julho de 2008.
Haverá, ainda, votações às 12 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Marcos Sá Rodrigues
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Pedro Nuno de Oliveira Santos

Partido Social Democrata (PSD):
Agostinho Correia Branquinho

Página 39

39 | I Série - Número: 045 | 13 de Fevereiro de 2009

José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida

Partido Comunista Português (PCP):
José Alberto Azevedo Lourenço

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Elísio da Costa Amorim
Jacinto Serrão de Freitas
João Barroso Soares
Maria de Fátima Oliveira Pimenta

Partido Social Democrata (PSD):
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Luís Filipe Carloto Marques
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Glória Maria da Silva Araújo
Luísa Maria Neves Salgueiro
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Odete da Conceição João
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos António Páscoa Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Mário Henrique de Almeida Santos David
Pedro Miguel de Santana Lopes

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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