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Sexta-feira, 24 de Abril de 2009 I Série — Número 71

X LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2008-2009)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE ABRIL DE 2009

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Artur Jorge da Silva Machado
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 263/X (4.ª).
Foram apreciados, em conjunto e na generalidade, os projectos de lei n.os 747/X (4.ª) — Crime de enriquecimento ilícito no exercício de funções (PSD) e 726/X (4.ª) — Cria o tipo de crime de enriquecimento ilícito (PCP), bem como o projecto de resolução n.º 475/X (4.ª) — Recomenda ao Governo a inclusão, na proposta de lei que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011, de orientação para que o Ministério Público promova, nos crimes de corrupção, a aplicação dos mecanismos de atenuação especial, dispensa da pena e suspensão provisória do processo relativamente a corruptores que colaborem com a justiça (PSD), que viriam a ser rejeitados. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Fernando Negrão (PSD), Diogo Feio (CDS-PP), José Vera Jardim (PS), António Montalvão Machado (PSD), António Filipe (PCP), Ricardo Rodrigues (PS), Paulo Rangel (PSD), Luís Fazenda (BE), José Luís Ferreira (Os Verdes) e Jorge Strecht (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel Amaro Pratas
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal

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Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Marcos Sá Rodrigues
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Idalina Alves Trindade
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Guerra Gambôa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Paulo José Fernandes Pedroso
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado

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António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Helena Maria Andrade Cardoso Machado de Oliveira
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Magda Andrea Gonçalves Borges
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha

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Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

Deputados não inscritos em grupo parlamentar (N insc.):
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 263/X (4.ª) — Procede à primeira alteração do Decreto-Lei n.º 290-A/2001, de 17 de Novembro, que aprovou o Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que baixou à 11.ª Comissão.
Em termos de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a nossa ordem do dia de hoje, por marcação do PSD, será preenchida com a apreciação do projecto de lei n.º 747/X (4.ª) — Crime de enriquecimento ilícito no exercício de funções (PSD) e do projecto de resolução n.º 475/X (4.ª) — Recomenda ao Governo a inclusão, na proposta de lei que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 20092011, de orientação para que o Ministério Público promova, nos crimes de corrupção, a aplicação dos mecanismos de atenuação especial, dispensa da pena e suspensão provisória do processo relativamente a corruptores que colaborem com a justiça (PSD). Será também apreciado em conjunto o projecto de lei n.º 726/X (4.ª) — Cria o tipo de crime de enriquecimento ilícito (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

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O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Venho falar-vos de um responsável público que, a troco de uma informação prévia de qual seria a empresa vencedora de um concurso público, recebe uma comissão relativa à construção de uma obra bem paga.
Da existência súbita de uma autorização, bem compensada, para a derrogação de um plano director municipal.
De um responsável local que, com regularidade, recebe comissões por obras que deixa fazer nos limites do seu município.
De um funcionário ou titular de cargo público que, a troco de uma compensação, num parque de reserva ecológica, permite a obtenção de uma licença para construir uma casa particular.
De um titular de cargo político que autoriza a cedência, a baixo preço, de terrenos públicos, com o objectivo de permitir que determinado clube de futebol realize negócios imobiliários.
De um alto responsável político que, a troco sabe-se lá de quê, constrói uma rede promíscua entre as suas competências e serviços e certas empresas privadas com o objectivo de, compensando todos, intermediar e executar compras do Governo.
De um responsável político que recebe «luvas» em «dinheiro vivo», para não deixar rasto.
De funcionários públicos e de titulares de cargos políticos que, sem que se explique, acumulam fortunas ou passam a ter um «trem» de vida manifestamente incompatível com os rendimentos que auferem.
Destas e de muitas outras situações vamos, com regularidade, ouvindo falar nas conversas de café, em encontros casuais, em sussurros de quem alguma coisa sabe ou já mesmo na comunicação social. Todas elas têm um traço comum que é a convergência de interesses e o consequente pacto de silêncio que fazem abortar investigações, numa justiça ainda marcada pela lentidão e por alguma ineficácia, resultado de longos anos de desinteresse e de falta de vontade política por um sector vital da nossa democracia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Comecei a minha intervenção como comecei a 20 de Abril de 2007, quando, por iniciativa também do PSD, foi nesta Câmara discutido o projecto de lei n.º 374/X (3.ª), acerca do crime de enriquecimento ilícito. E fi-lo repetindo a sua parte inicial porque, infelizmente, a situação não se alterou. Bem pelo contrário, a realidade é hoje mais grave! E, por o fenómeno da corrupção se ter agravado, aqui estamos de novo, a insistir! E insistimos, primeiro, porque a iniciativa então apresentada e agora renovada, para além da sua necessidade como instrumento indispensável no combate à corrupção nas suas mais variadas formas, obedece e cumpre todos os preceitos legais aos quais se deve sujeitar, a começar pela Constituição da República Portuguesa; segundo, porque o PS, e só o PS, impondo a sua maioria, cada vez mais distante da realidade do País, chumbou a iniciativa em causa, e fê-lo com um só e mal fundamentado argumento, usado à boa maneira da propaganda, ou seja, de forma manipuladora e enganosa.
O argumento centrava-se no facto de o novo tipo legal de crime ter como consequência a inversão do ónus da prova, já que seria o acusado e não o Estado quem teria que fazer prova dos elementos constitutivos do respectivo crime. Não é verdade!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Embora o PS queira fazer querer que esta é a verdade, assim enganando e confundindo os portugueses, que o que sabem é que a corrupção alastra e o que querem é que se faça uma guerra sem quartel contra este nocivo fenómeno.

Aplausos do PSD.

Mas não vale tudo! E, por sermos os primeiros a saber que não vale tudo, reflectimos, estudámos e elaborámos um projecto de diploma que tipifica criminalmente a situação de enriquecimento ilícito sem que ocorra a inversão do ónus da prova e, por isso, respeitando integralmente o princípio da presunção da inocência do arguido.
Senão, vejamos: estabelece a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, à qual Portugal está vinculado, no seu artigo 20.º, que «Com sujeição à sua Constituição e aos princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico, cada Estado Parte considerará a possibilidade de adoptar as medidas legislativas e de outra índole que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito, ou seja, o incremento significativo do património de um funcionário público relativamente aos seus rendimentos legítimos que não possam ser razoavelmente justificados por ele».
É do conhecimento público a situação de pessoas que, quase de um momento para o outro, e sem que para tal exista qualquer razão plausível, passam a ter um nível de vida, ou uma fortuna acumulada, manifestamente superior ao que derivaria da remuneração ou dos proventos da sua actividade profissional.
Estas situações, muitas vezes participadas ou detectadas ao longo de outras investigações pelas autoridades judiciárias, por si só não podem ser alvo da abertura de um inquérito e, por isso, não havendo indícios da prática de qualquer crime específico, são pura e simplesmente arquivadas.

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Temos, porém, um novo elemento, o qual demonstra uma nova atitude perante o fenómeno da corrupção — sabermos que a sociedade sente existir uma perigosidade associada à manifesta disparidade entre os rendimentos de um qualquer funcionário ou político e o seu património ou modo de vida. E quando tal acontece a generalidade das pessoas formula esse juízo de perigosidade. Deve, por isso, a lei criminal tutelar esse juízo de perigosidade através de um tipo de crime de perigo abstracto que não envolva qualquer inversão do ónus da prova. Isto já vem salientado, aliás, pelo Tribunal Constitucional, por exemplo, nos tipos legais de crime ligados à posse e ao tráfico de droga.
E, mais, tivemos o cuidado de acautelar o já referido princípio da presunção da inocência, atribuindo em exclusivo à acusação a prova dos respectivos elementos do crime, que são os seguintes: os rendimentos do investigado; o seu património e o modo de vida; a manifesta desproporção entre aqueles e estes, que não resultem de outro modo de aquisição lícita; e, por fim, o nexo de contemporaneidade entre o enriquecimento e o exercício das funções públicas.
Ao arguido caberá, no respeito pelo acusatório, e tal como acontece em todos os julgamentos criminais, suscitar no julgador a certeza da sua inocência ou a dúvida que possa levar à sua absolvição.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao ser anunciada pelo PSD a renovação desta iniciativa legislativa que criminaliza o enriquecimento ilícito, o PS e o Governo enredaram-se atabalhoadamente, e de imediato, na aparência da produção de um conjunto de iniciativas com o exclusivo objectivo de fazer parecer que quem tinha a solução não era o PSD mas, sim, o PS.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Pois foi!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Mal, como não podia deixar de ser, pois o intuito do Governo não foi o de resolver o problema mas somente o de encenar uma peça e ficcionar o respectivo enredo!

Aplausos do PSD.

E, nessa encenação, confrontou-nos com um texto cujo principal personagem é um funcionário da máquina fiscal, a quem é dado o poder discricionário de avaliar da existência de «suspeitas fundadas» de enriquecimento superior a 100 000 euros que estejam em desconformidade com as respectivas declarações fiscais e de taxar em 60% essa importância.
Muitas dúvidas, e sérias, nos suscita este «guião».
Primeiro: se o enriquecimento não está de todo justificado, por que não é o mesmo taxado em 100%, já que os 40% que o Governo pretende deixar ao enriquecido constituirão um prémio pela sua capacidade de enganar o fisco? Segundo: pretende o Governo pôr a administração fiscal a dar como provados crimes sem processo, criando sanções criminais atípicas e, assim, violando o princípio da separação de poderes? Terceiro: com esta medida quer o Governo retirar aos visados, pela administração fiscal, qualquer possibilidade de garantia de defesa dos seus direitos? E tudo isto ao contrário do que aconteceria se a realidade do enriquecimento ilícito fosse criminalizada, ou seja, todos os direitos dos visados seriam integralmente assegurados nos termos das garantias dadas pela lei processual penal e seriam os tribunais, o órgão constitucionalmente competente para o efeito, a realizar o julgamento e a aplicar, ou não, a pena, assim respeitando o princípio da separação de poderes.
Por fim, a criminalização do enriquecimento ilícito dar-nos-ia a certeza, a provar-se, de que o Estado exerceria o direito de reaver, na sua totalidade, as quantias ou os bens não justificados e aplicaria uma pena também com o objectivo de acautelar a prevenção especial e a prevenção geral.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, diz-nos o Professor António Barreto, numa das suas habituais e sempre interessantes crónicas de domingo, publicadas num jornal diário, o seguinte: «Se a corrupção for de esquerda, só a direita reage. E vice-versa. Se for autárquica, só o poder central se insurge. E reciprocamente.
Se for pública, só os privados protestam. E ao contrário. Se for de um partido, só os outros contrariam.» E acrescenta: «Quer isto dizer que não existe qualquer espçcie de tradição ou de ‘cultura’ contra a corrupção, a promiscuidade e a ‘cunha’«.
Pois, Sr.as e Srs. Deputados, cabe-nos a responsabilidade de contrair esta complacência, passividade e mesmo tolerância que, por vezes, se sente existir relativamente ao vasto fenómeno da corrupção, que mina a vida económica e política e degrada a qualidade da democracia.
Termino, como terminei há dois anos: não queremos a paternidade da ideia, não queremos fazer avançar a ideia sem o contributo de todos. Apelamos, por isso, a todos os grupos parlamentares para que, em conjunto, contribuam para aperfeiçoar, melhorar ou mesmo modificar o que aqui hoje apresentamos, se outra solução, melhor, puder ser encontrada.

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Esta é uma oportunidade para que se perceba, de vez, que nós, responsáveis políticos, sabemos que a corrupção existe, que com ela não pactuamos e que, por isso, tudo faremos, no respeito pelo quadro constitucional, para que o nosso País venha a fazer parte dos países menos corruptos do mundo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao orador.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Negrão, combater a corrupção e o enriquecimento associado a actividades criminosas é, com certeza, um objectivo de todos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exemplo disso é, aliás, o trabalho que o CDS e outros têm feito neste Parlamento na comissão parlamentar de inquérito ao BPN, em que se tem tido uma atitude de descobrir a verdade, doa a quem doer, tenha ela as consequências que tiver.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Deputado, como é que considera que se alcança melhor o nosso objectivo comum de combater a corrupção e os fenómenos criminais? Com atitudes como estas, que são testemunhadas desde há seis meses, ou com leis apresentadas a seis semanas de eleições, tecnicamente pouco cuidadas,»

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » correspondendo quase a uma espçcie de concurso para ver quem agrada mais? Nesse «concurso», o CDS garantidamente não participa!!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Deputado Fernando Negrão, em relação a esta matéria, não lhe parece que se deve actuar com a necessária ponderação e o necessário consenso para se chegar a bons resultados? Isto porque aquilo que, desde logo, vemos é que esse consenso nem sequer existe dentro do Partido SocialDemocrata.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Porque os senhores não têm projectos!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Gostaria que V. Ex.ª comentasse uma frase do Vice-Presidente do PSD, Rui Rio, que diz o seguinte: «Ao que temos assistido nas últimas semanas é que andam a atirar projectos à cara uns de outros, em que cada um procura mostrar que sabe combater melhor a corrupção do que o outro e está a fazê-lo da pior forma.» Nós não entramos nesse «concurso» de apresentar projectos uns contra os outros, mas gostaria que V.
Ex.ª, Sr. Deputado, comentasse esta frase, assim como gostaria que, pegando nas soluções técnicas que estão neste projecto, me conseguisse explicar por que razão é que, prevendo-se uma figura de um crime de perigo, não existe qualquer agravante quando existe resultado. De acordo com a proposta que o PSD aqui nos apresenta, são iguais a situação de perigo e a situação de resultado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Concluo já, Sr. Presidente.
Mas o que é que V. Ex.ª, Sr. Deputado, considera serem modos de vida manifestamente desproporcionais ao seu rendimento? É em 10%? É em 20%? É em 50%? É em 100%? Qual é a consideração que tem em relação a esta matéria? Por fim, será que estamos a entrar numa situação preocupante como aquela que sucedeu com o chamado «pacote Nogueira», que poderia ter tido as melhores das intenções mas que teve resultados que foram maus e que, ainda hoje, possivelmente se sentem naquilo que é a captação e a qualidade da vida política? Portanto, Sr. Deputado, queria saber como é que vê todas estas questões, tendo em atenção aquele que é o objectivo comum de combater a corrupção, combater aquele que é o enriquecimento de base criminal, mas

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de tem de ser feito não em cima de actos eleitorais mas, sim, com a ponderação e com o consenso que bem necessários são.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, começo por dizer-lhe o seguinte: o facto de apurar factos na comissão de inquérito que decorre neste momento, neste Parlamento, não quer dizer que isso seja um efectivo combate à corrupção, porque podemos vir a deparar-nos com uma situação em que não há incriminação legal para se poder punir a situação em causa.

Protestos do PS.

Ou seja, há investigações neste País que, pura e simplesmente, são arquivadas porque não há o tipo legal de crime do enriquecimento ilícito.

Vozes do PS: — Não é verdade!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Descobre-se a desproporcionalidade, mas não há norma penal e o inquérito, repito, é, pura e simplesmente, arquivado.
Por isso, o trabalho não se pode resumir ao que tem sido feito na comissão de inquérito; tem de ser alargado, por exemplo, à possibilidade de criar um novo tipo legal de crime que é o enriquecimento ilícito.
Sr. Deputado Diogo Feio, quero, ainda, dizer-lhe o seguinte: este nosso projecto de lei não é de hoje, tem dois anos; portanto, foi devidamente maturado, tem o devido tempo e, como o problema da corrupção em Portugal não melhorou, antes pelo contrário, pensámos que o devíamos voltar a apresentar.
Felizmente, outros grupos parlamentares têm apresentado bem ou mal também as suas iniciativas — quem não tem iniciativas, obviamente, não pode apresentá-las!» Sr. Deputado Diogo Feio, o crime de perigo abstracto não tem resultado, porque se tivesse resultado seria consumido por outro tipo legal de crime.
Portanto, é natural e é óbvio que o crime de perigo abstracto não pode consagrar no seu tipo legal o respectivo resultado»

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — É desnecessário!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Não, não é desnecessário, é assim que funciona em termos de Direito e é bom que se estude bem este tipo legal de crime, porque é fundamental perceber-se para se poder compreender a natureza do crime de enriquecimento ilícito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Negrão, V. Ex.ª referiu da tribuna o artigo da Convenção das Nações Unidas respeitante ao enriquecimento ilícito. Esqueceu-se — e só por esquecimento se justifica — de explicar que esse artigo não impõe a nenhum Estado a transposição para a ordem jurídica interna deste tipo de crime.
Pelo contrário, como os senhores mesmos citam, apenas diz que «(») com sujeição á sua construção e aos princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico (»)« — nem sequer é só Constituição! — «(») cada Estado Parte considerará a possibilidade.» O líder da sua bancada, ontem, pôs as questões nestes termos: «quem não é por um projecto a favor da criminalização do enriquecimento ilícito não é a favor da luta contra a corrupção».

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Oh! Não seja simplista!

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Foi isto exactamente que V. Ex.ª disse.
Tendo em conta que V. Ex.ª teve tempo (dois anos!) para maturar este processo, quero perguntar a V. Ex.ª, para rechear o meu dossier e para a minha bancada poder ter acesso a essas informações, quantos e quais os Estados signatários da Convenção que transpuseram para a ordem jurídica interna este crime. E, para não lhe tornar a tarefa tão vasta e difícil, quero limitar esse pedido de informação a Estados-membros da União Europeia.
Se V. Ex.ª me esclarecer sobre isso, em contradição das informações que consegui recolher, ficar-lhe-ei muito grato.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, quero dizer-lhe que na tribuna tive oportunidade de ler o artigo 20.º da Convenção das Nações Unidas e, lendo-o, percebe-se que o artigo 20.º não obriga a que seja feita essa transposição.
O Sr. Deputado José Vera Jardim com certeza que me ouviu, assim como todas as outras pessoas, ler o artigo (não me limitei a enunciá-lo, fui mais longe) que diz que não obriga mas, sim, aconselha a que se faça essa aplicação.
Quanto ao facto de não obrigar e recomendar simplesmente, deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, o seguinte: a França tem um tipo legal de crime próximo do enriquecimento ilícito.

Vozes do PS: — É falso!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Repito: os franceses têm um tipo legal de crime próximo do enriquecimento ilícito.
Nos países do Norte da Europa, neste momento, estuda-se a possibilidade de vir a configurar a existência de crimes desta natureza.
Agora, Sr. Deputado, nem todos os países têm de ter a mesma formulação jurídica no tipo legal de crime que formulam.
E mais, Sr. Deputado, eu queria evitar dizer isto, mas a sua intervenção revela algum provincianismo, no sentido de só podermos fazer quando os outros já têm.
Sr. Deputado, nós podemos ser precursores e seria interessante se o conseguíssemos ser e, como disse da tribuna, há toda a nossa disponibilidade para mudar, alterar, modificar, este projecto de lei que apresentamos.
Designadamente, pensamos que podemos trabalhar no que respeita aos prazos do respectivo inquérito, pois seria importante para evitar especulações e pôr em causa o bom nome das pessoas. Seria igualmente importante definir os critérios do que é a desproporcionalidade entre o enriquecimento ilícito e os proventos da actividade profissional. Por isso, Sr. Deputado, reitero que por parte do PSD existe toda a disponibilidade para trabalhar com todos os grupos parlamentares para chegarmos a acordo numa proposta de consenso relativamente à tipificação do crime de enriquecimento ilícito que consideramos fundamental para a investigação do crime económico-financeiro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Não respondeu!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata teve a coragem de trazer, hoje, a debate a temática da corrupção.
Fê-lo pela voz do Deputado Fernando Negrão e fê-lo bem ao defender um projecto melhor, substancialmente melhor, do que outro que nós próprios já havíamos apresentado nesta Legislatura, a propósito da criminalização do enriquecimento ilícito.
É um projecto polémico? Claro que é um projecto polémico e também daí a coragem de promover a sua discussão.
Pessoas há, foi aqui dito, dentro do meu partido, que são contra este projecto; pessoas há, fora do meu partido, que são inteiramente a favor deste projecto e daí só podem concluir-se duas coisas: uma vantagem democrática e uma utilidade parlamentar deste debate.
Sucede que sou daqueles que pensam que hoje, no findar da primeira década do Séc. XXI, já há, em Portugal, uma consciência ética forte que censura a corrupção.
Hoje, ao contrário do que sucedia se calhar, com a velocidade dos tempos, há uma meia dúzia de anos, há uma maior consciencialização popular do fenómeno que deixou de ter da corrupção uma concepção redutora, de que ela era um esquema, porventura um grande esquema mais ou menos organizado e pensado, em que alguns instalados, normalmente em lugares de privilégio, conseguiam obter vantagens à custa do País — e, Sr. Presidente, como seria fácil julgar a corrupção nesses termos»! Esse flagelo é, hoje, muito mais vasto e disseminado: está em todo o lado, nas mais diversas instituições e sectores da sociedade.
Os portugueses estão, hoje, ansiosos pelo combate à corrupção.

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A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Querem e exigem respostas da nossa parte.
E esta nova consciencialização, esta nova cultura popular, deve-se, em grande parte, devemos reconhecêlo, à comunicação social. Por isso é que devemos continuar a pugnar por uma comunicação social livre, por uma investigação jornalística livre, mas também por uma comunicação social responsável e séria, que tenha de assumir, sempre, as suas responsabilidades.
A corrupção, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não pode ser considerada apenas como «fazer algo mais do que a lei permite».
Ela tem de ser considerada também como não fazer menos do que a ética exige.
É por isso que, para além do projecto de lei já apresentado sobre enriquecimento ilícito, o PSD apresenta também um projecto de resolução que recomenda ao Governo que inclua na proposta de lei que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011, uma orientação ao Ministério Público para que promova, nos crimes de corrupção, os mecanismos de suspensão provisória do processo, de atenuação especial da pena, ou mesmo de isenção de pena, caso a caso, a aferir com muita ponderação e cuidado para os corruptores que denunciem a corrupção, que auxiliem a investigação, no fundo, que colaborem com a acção da justiça.
Todos sabemos quantas vezes o corruptor activo fica nas mãos do passivo e delas não se consegue libertar. O que nós queremos é fomentar essa libertação, é descobrir a verdade material, é julgar a corrupção.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sei que tais hipóteses processuais constam já da lei que promove o combate à corrupção e criminalidade económica e financeira (de 1994); sei também que constam da lei que trata dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos (de 1987, alterada em 2001); sei ainda que, igualmente, constam da lei que estabelece o regime da responsabilidade penal por crimes de corrupção cometidos no comércio internacional e na actividade privada (de 2008).
Sei disso tudo! Todos sabemos disso tudo! Mas o que também sabemos é que tais mecanismos não são utilizados — não há memória de terem sido utilizados no nosso sistema judiciário português! E é por isso que se torna imperioso que o Governo ainda consiga emendar a mão e que na proposta de lei de política criminal, que já aprovou em Abril, inclua aquilo que, agora, propomos.
Pode bem suceder que a sociedade descubra a corrupção, descubra mais corrupção, que haja mais autores a denunciar a corrupção e dessa denúncia passar-se-á ao processo; do processo passar-se-á à investigação; da investigação passar-se-á à acusação (se for caso disso); e da acusação passar-se-á ao julgamento.
É isto, é exactamente isto que os portugueses esperam de quem legisla. É justamente por isto, pelo projecto de lei que apresentamos e pela proposta de resolução que, agora, enuncio, que estes dois diplomas podem ser fundamentais para uma alteração do rumo dos acontecimentos.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em democracia, a corrupção constitui o cancro do regime.
Da nossa parte — e sei que da parte dos outros grupos parlamentares também — , não regatearemos esforços para combater esse apodrecimento democrático. Só resta, agora, saber — e é esse desafio que lanço — quem vai votar a favor, quem vai votar contar e, já agora, quem se vai abster.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumpre-me, em primeiro lugar, registar positivamente a anuência do Grupo Parlamentar do PSD para que o projecto de lei do PCP, que cria o crime de enriquecimento ilícito, seja também apreciado nesta sessão plenária. Trata-se de um agendamento potestativo do PSD e é seu direito discutir apenas os seus projectos. Ao admitir discutir também o projecto de lei do PCP, o Grupo Parlamentar do PSD teve uma atitude que não podemos deixar de valorizar.
O que estamos hoje a discutir é o combate à corrupção no exercício de cargos e funções públicos. Trata-se de um combate fundamental e decisivo para a democracia e para a identificação dos cidadãos com o regime democrático. O terreno da luta contra a corrupção deve ser um terreno de convergência e de conjugação de esforços e não deve ser pretexto para que cada partido se limite a marcar o seu território e a tentar espetar a sua bandeirinha para dizer que se distingue dos outros.
A iniciativa do PCP, que me cumpre apresentar, propõe que os cidadãos que, nos termos da lei, sejam obrigados a efectuar declarações de património e rendimentos, tendo em conta os cargos públicos que exercem, incorram num ilícito criminal, caso o património e rendimentos que possuem se revelem anormalmente superiores aos que constam das declarações que efectuaram ou aos que decorreriam das remunerações correspondentes aos cargos públicos e às actividades profissionais exercidas.

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«A história que se segue é um caso de sucesso» — estou a citar, com a devida vénia, um artigo constante do último número do semanário Expresso. «O rapaz nasceu numa família pobre, cresceu num ambiente difícil, mas conseguiu acabar os estudos numa universidade. Tornou-se professor e mais tarde político numa autarquia. Aos 50 anos, reformado do ensino, mas ainda activo na política, tem casas, terrenos, carros e barcos. Olhando com mais atenção, a mesma história poderia ser um caso de polícia: o valor do património do autarca está muito acima do que seria possível adquirir com o seu vencimento mensal. A situação, que é real, foi investigada, mas o processo acabou arquivado por não ter sido provado qualquer crime por parte do político. Que está a construir uma nova casa.» Acabei a citação e é assim que acaba a história.

Vozes do PCP: — Bem lembrado!

O Sr. António Filipe (PCP): — É mesmo de histórias destas que estamos a falar, Sr. Presidente e Srs. Deputados. O objectivo do PCP, ao propor a tipificação do crime de enriquecimento ilícito, é impedir que histórias como esta tenham um final feliz para os corruptos.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Há muitos anos que esta Assembleia discute a corrupção e os meios para a combater. Em Fevereiro de 2007, foram aqui discutidas 14 iniciativas parlamentares no âmbito do que ficou conhecido como o «pacote da corrupção». Todas as iniciativas baixaram sem votação para poderem ser objecto de discussão na especialidade. Foi promovido um colóquio parlamentar sobre o combate à corrupção, com a participação de eminentes personalidades nacionais e estrangeiras. Mas, um ano depois, quando se concluiu a apreciação na especialidade de todos os diplomas, o resultado foi uma tremenda decepção. Não que os sete artigos aprovados fossem negativos, mas porque o que foi aprovado ficou muitíssimo aquém das expectativas que foram criadas.
O processo legislativo sobre a corrupção que correu nesta Assembleia entre 2007 e 2008 foi uma oportunidade perdida, não correspondeu às expectativas criadas, não prestigiou a Assembleia da República, não deu o contributo legislativo que se impunha para dar combate a comportamentos criminosos que minam a credibilidade do Estado democrático. E isso aconteceu porque não houve da parte da maioria do Partido Socialista a abertura para aprovar propostas vindas de outros grupos parlamentares, e mesmo de Deputados do seu grupo parlamentar, que teriam um impacto real no combate à corrupção e à criminalidade de colarinho branco.
De então para cá, a preocupação com o fenómeno da corrupção não diminuiu. Bem pelo contrário. O sentimento de impunidade de corruptos e corruptores não só se manteve como se agravou. A ideia de que a lei é dura para com os fracos, mas ineficaz para com os poderosos, é uma convicção que se generaliza e que mina a confiança nas instituições políticas e judiciárias.
Diz-se, com muita frequência, que não é por falta de leis ou por deficiências destas que a justiça fica por fazer. Em alguns casos, isso é verdade, mas não é verdade neste caso.
É hoje uma evidência que os tipos de crime estabelecidos na nossa lei penal são insuficientes e inadequados para permitir a eficácia da dissuasão e da punição do fenómeno da corrupção no exercício de funções públicas. A ocultação dos actos de corrupção por conluio entre os corruptos e os corruptores, limpando quaisquer vestígios da prática de crimes cujas vítimas são os cidadãos em geral, que pagam com o seu dinheiro o favorecimento de uns e o enriquecimento de outros, exige soluções legislativas que não se conformem com a continuação impune do actual estado de coisas.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — A criminalização do enriquecimento ilícito dos titulares de cargos públicos é uma exigência de transparência democrática e é um instrumento indispensável para impedir de facto que o exercício de funções públicas possa ser usado para enriquecer de forma ilegítima e imoral, à sombra de dispositivos legais punitivos que se revelam quase totalmente ineficazes.
Os argumentos que têm sido opostos às propostas de criminalização do enriquecimento ilícito não têm razão de ser. O argumento do eleitoralismo nem sequer é argumento, até porque, se 2009 é ano de eleições, no ano de 2007, em que estas propostas foram debatidas pela primeira vez, não houve eleição alguma. A questão, portanto, tem de ser posta ao contrário. Não é o facto de haver eleições que nos faz apresentar esta proposta, mas já é o facto de haver eleições que faz com que, porventura, seja mais embaraçoso rejeitá-la.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Um outro argumento tem sido a escassa difusão deste tipo de crime no direito comparado. Também não é argumento. Se é verdade que a maioria dos Estados não adoptou ainda essa solução no seu Direito Penal, porventura porque não sentem essa necessidade ou porque lhes falta

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vontade política, não é menos verdade que há países que o fizeram e que é a própria Convenção das Nações Unidas sobre o combate à corrupção, ratificada, aliás, pelo Estado português, que exorta os Estados-membros a criminalizar o enriquecimento ilícito, o que demonstra que essa medida não é tão exótica como os Srs. Deputados do PS tentam fazer crer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — O outro argumento contrário à criminalização do enriquecimento ilícito tem sido a invocação da sua inconstitucionalidade por contrariar supostamente o princípio da presunção de inocência e inverter o ónus da prova. Pois bem, são cada vez mais as vozes de penalistas e constitucionalistas altamente qualificados que consideram, com fundamentos bastantes, que essa objecção não tem razão de ser.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Veja-se a explicação do Dr. Euclides Dâmaso Simões na revista Polícia e Justiça do 1.° semestre de 2006, onde refere que «é à acusação que competirá provar que o património do agente público não é compatível com os proventos que auferiu licitamente. Será ao Estado que caberá provar o facto típico, antijurídico e culposo. A justificação que o acusado queira trazer ao processo mais não constituirá que o exercício legítimo do seu direito de defesa».
Veja-se, no número seguinte da mesma publicação, a defesa do Dr. Júlio Pereira, actual Secretário-Geral do Serviços de Informação da República Portuguesa (SIRP), da constitucionalidade da introdução do crime de riqueza injustificada no ordenamento jurídico de Macau, que ainda vivia ao tempo sob administração portuguesa.
A decisão sobre a criminalização do enriquecimento ilícito é uma opção política, que é exigida pela grande maioria dos agentes judiciários e que conta com cada vez mais defensores de todos os quadrantes políticos.
Só o PS continua, ao que parece, obstinado em rejeitar esta medida legislativa, apesar de haver muitos destacados membros do PS que a defendem e apesar da abstrusa medida fiscal que o Conselho de Ministros anunciou, no final da semana passada.
O PS recusa a criminalização do enriquecimento ilícito por se tratar de uma inversão do ónus da prova, mas o seu Governo pretende que a administração fiscal possa, por decisão sua, taxar em 60% o enriquecimento injustificado.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Não confunda crime com outra coisa!

O Sr. António Filipe (PCP): — Ou seja, o enriquecimento injustificado não é ilícito, não se pode acusar nem julgar em tribunal, mas pode-se taxar por decisão do fisco. O Ministério Público não pode acusar ninguém de enriquecimento ilícito perante um tribunal, porque isso seria inverter o ónus da prova. Agora, o fisco pode decidir taxar em 60% um rendimento que considera ser injustificado e isso já não seria a inversão de coisa nenhuma.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Se o PS insistir nessa proposta, já estamos a ver o resultado. O fisco, que passa a ser parte interessada no enriquecimento injustificado, taxa um contribuinte em 60% e, segundo se anuncia, comunica tal facto ao Ministério Público. Mas, como não existe o crime de enriquecimento injustificado, o processo é arquivado e o contribuinte processa o Estado por ter sido taxado ilegalmente e exige a devolução dos 60%, acrescidos de juros de mora.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas esta proposta cria ainda mais dois problemas ao PS: primeiro, ter de defender publicamente uma proposta que é imoral e que não tem pés nem cabeça; segundo, ver deitado por terra o argumento da inversão do ónus da prova, que utiliza para se opor à criminalização do enriquecimento ilícito.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — E que até o Dr. Vital Moreira, na ânsia de defender a proposta do Governo, já veio reconhecer que a consideração da ilicitude do enriquecimento injustificado não é tão inconstitucional como parecia.
Estamos todos, portanto, confrontados com as responsabilidades que decorrem das nossas opções políticas. E estão hoje duas opções em confronto. A Assembleia da República tem a oportunidade de aprovar

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um poderoso meio jurídico de combate à corrupção. Se o não fizer, o crime de corrupção continuará a gozar da impunidade de que tem gozado até hoje, mas os portugueses saberão porquê e por responsabilidade de quem.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista gostava de dizer, em primeiro lugar, que o enriquecimento ilícito é abjecto e condenável.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só não é crime!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Porém, não estamos disponíveis para suspender a democracia, como pretendem alguns, nem para liquidar princípios do Estado de direito, como pretendem outros. Para aí, não vamos!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Diga isso ao Dr. Júlio Pereira!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — São, de facto, questões de princípio que nos norteiam na discussão deste problema.
Começo por falar da posição do Partido Socialista relativamente ao projecto de resolução que o Partido Social Democrata apresenta.
O projecto de resolução, à primeira vista, tal como disse o Sr. Deputado Montalvão Machado, não é inovador, na medida em que o que pretende está previsto na tipologia de muitos crimes. Desde a legislação de 1994, revista em 2001, à legislação de 1999, no que diz respeito à corrupção e ao combate aos crimes económicos, que já está previsto que o legislador dê toda a atenção que é possível ao corruptor.
Porém, há aqui algum perigo. Somos favoráveis a que, nos termos constitucionais, o Ministério Público mantenha a sua autonomia e os juízes sejam uma magistratura independente.
A questão concreta que se coloca no projecto de resolução é que, numa lei de política criminal e de orientação, se é verdade que podemos dirigir orientações ao Ministério Público, não é menos verdade que o poder político tem a figura do Procurador-Geral da República como intermediário nessas orientações ao Ministério Público. Estamos, portanto, susceptíveis para avaliar essa questão na especialidade.
No entanto, a atenuação especial da pena e a dispensa de pena, como o Sr. Deputado muito bem sabe, são questões de aplicação pelo juiz. Este é que dispensa ou atenua a pena. Assim, parece-me inadequado e não consentâneo com os princípios constitucionais, que, estou certo, V. Ex.ª defende, que a lei de orientação de política criminal dê orientações ao poder judicial, aos juízes.
Quanto à forma, tendo optado o PSD por apresentar aqui um projecto de resolução, fê-lo inadequadamente. Na verdade, a proposta de lei de orientação de política criminal já deu entrada na Assembleia da República e o Governo já não tem iniciativa legislativa quanto a essa matéria. Naturalmente que aguardaremos que o PSD apresente na especialidade uma proposta de alteração à lei de orientação de política criminal, porque, por via da recomendação, ela não é possível, uma vez que está esgotado o poder de iniciativa do Governo sobre essa matéria.
Assim, aguardaremos essa proposta de alteração, ressalvando aquilo que há pouco disse relativamente à autonomia do Ministério Público e à independência dos tribunais.
Estamos, pois, disponíveis para encontrar uma fórmula que se adeqúe à pretensão do PSD, a qual não nos causa qualquer estranheza, mas vamos votar contra o projecto de resolução pelos motivos que já disse, uma vez que o diploma não é o meio adequado por falta de poder de iniciativa do Governo sobre essa matéria.
Vejamos, então, o que dizem o PSD e o PCP sobre o crime de enriquecimento ilícito.
Ora bem, o PSD e o PCP apresentam as mesmas propostas que apresentaram há dois anos. Não devem, por isso, estranhar a posição do Partido Socialista sobre esta matéria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já estranhámos há dois anos!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — O PSD faz uma pequena alteração, ao dizer, no seu n.º 5 — La Palice não diria melhor! — , que compete ao Ministério Público a prova dos factos invocados.

Risos do PS.

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Bem, meus caros Srs. Deputados, essa é a nossa questão. Sempre coube ao Ministério Público a prova dos factos invocados.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Não leu, não leu!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mas preocupa-nos que VV. Ex.as sejam muito cautelares ao dizer que a prova da desproporção manifesta incumbe por inteiro ao Ministério Público. Então, e todos os outros elementos do tipo que os senhores propõem no n.º 1, já não incumbe ao Ministério Público?

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Está lá!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não está. Diz que a prova da desproporção incumbe por inteiro ao Ministério Público. Ora, também é de perguntar se todos os outros elementos do tipo também não incubem ao Ministério Público.
Mas o que gostaríamos de deixar bem claro é a prova do facto negativo que VV Ex.as põem como elemento do tipo. A certa altura, dizem que a desproporção não deve, ou não pode, resultar de outro meio de aquisição ilícito.
Ora bem, aqui é que está o busílis da questão. É aqui que está a inversão do ónus da prova e a ofensa do princípio constitucional da presunção da inocência.
Mesmo que só se levantasse uma questão quanto ao ataque aos princípios constitucionais e ao Estado de direito, que muito respeitamos, ainda tínhamos algumas dúvidas. Porém, no tipo de crime que os senhores pretendem são bem claros quanto ao ataque à presunção da inocência.
Efectivamente, também fazem depender e põem como elemento do tipo do crime que a vantagem obtida seja pela prática de um crime cometido. Ou seja, aqui presume-se que o crime já tenha sido cometido ou que ele tenha sido cometido efectivamente.
Meus caros Srs. Deputados, se o crime foi cometido efectivamente, o crime deve ser investigado e punido, porque efectivamente foi praticado. Agora, presumir a existência de um crime é, naturalmente, uma ofensa ao princípio da presunção da inocência de todos os cidadãos.

Aplausos do PS.

Isso não admitimos! Há pouco, a pergunta do meu colega Deputado Vera Jardim ficou clara, à qual o Sr. Deputado Fernando Negrão não teve oportunidade de responder. Qual o país da União Europeia, qual o país dos nossos parceiros, mesmo alargando aos Estados Unidos da América ou ao Canadá, aos países ocidentais, qual o Estado que já puniu esse crime? Nem a França, Sr. Deputado Fernando Negrão. Deve ver melhor os conceitos. Está a falar de outra coisa.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Não, não!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Podemos falar mais à frente, mas não é desse crime.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Eu não disse que era igual!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Portanto, Srs. Deputados, não abdicamos dos princípios. Além disso, temos, relativamente aos mesmos, uma obrigação de lealdade para com os cidadãos e uma obrigação de lealdade e de justiça para com Portugal.
Gostaria de dizer também com clareza que aceito de bom grado que esse é um tema que pode dividir algumas das nossas bancadas ou que pode criar divergências. Procurei, na doutrina mais qualificada sobre a matéria, alguém que defendesse claramente o crime de enriquecimento ilícito. Não encontrei nem em Portugal nem nos países europeus alguém que o defendesse.
Efectivamente, segundo citações de colegas de VV. Ex.as, do PSD, como o Presidente da Câmara do Porto ou o Presidente da Comissão de Jurisdição do vosso partido, Morais Sarmento, também eles têm muitas dúvidas. Vamos ver depois, na votação, que existem muitas divergências em todas ou quase todas as bancadas.
Mas que fique claro: nós consideramos o enriquecimento ilícito como uma atitude abjecta, mas também já punida em Portugal.
Citarei alguns exemplos: o crime de corrupção passiva ou activa; o crime de prevaricação; o crime de peculato; o crime de branqueamento de capitais; o crime de furto; o crime de tráfico de influências. Todos estes são crimes com base nos quais se podem verificar enriquecimentos ilícitos. Mas esses estão punidos.
Portanto, para que os portugueses não se deixem iludir e pensem que o enriquecimento ilícito não é punível em Portugal, que fique claro que o ordenamento jurídico penal português dispõe de crimes suficientes

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e necessários para que a actividade criminosa, da qual resulta o enriquecimento ilícito, seja punido e que, nesses termos, todo o património possa ser declarado perdido a favor do Estado.
Relativamente a essa inovação, um pouco sob pressão da conjuntura, dizemos com toda a clareza, quer ao PSD quer ao PCP, que não abdicamos dos princípios nem vamos suspender a democracia, porque o que nos norteia é a justiça e o Estado de direito democrático.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, gostaria que fosse distribuído ao Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, se possível, o texto legislativo que está aqui em discussão.
Com certeza por lapso — não admito que seja por má fé! — , não leu os dois n.os 5, que dizem assim: «A prova da desproporção manifesta que não resulte de outro meio de aquisição lícito,»« — algo que omitiu e que é o segundo elemento do tipo de crime — «» a que se refere o n.º 1, incumbe (») ao Ministçrio Põblico (»)«. São os dois elementos: a «desproporção manifesta« e que «não resulte de outro meio de aquisição lícito».
Ora, como o texto que o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues tem não é este, queria que lhe fosse distribuído o projecto para que ele, quando falar, possa fazê-lo com conhecimento de causa»

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — » e não sobre um projecto imaginário que ele próprio foi capaz de aqui engendrar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, a sua intervenção suscitou-me duas dúvidas.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Só?!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — A primeira tem a ver com a invocação do Presidente da Câmara do Porto, Dr. Rui Rio. Naturalmente, o Sr. Deputado está de acordo com o Dr. Rui Rio em duas coisas. Só que uma diz publicamente, a outra não a diz. Ou seja, está de acordo quando invoca que ele também estará contra esta iniciativa legislativa, mas também está de acordo com o facto de ele ser o melhor Presidente da Câmara do Porto dos últimos anos!

Aplausos do PSD.

Risos do PS.

Mas essa o senhor não diz. Essa o senhor não diz.
No seguimento da invocação de duas personalidades do PSD, não posso deixar de invocar uma personalidade do PS, um ilustríssimo militante do Partido Socialista, que foi Presidente da República, o Dr.
Jorge Sampaio. O Dr. Jorge Sampaio diz o seguinte: «é a inversão do ónus da prova em matéria fiscal e redistribuição do ónus da prova em matéria penal.» E no plano penal «tratar-se-ia da possibilidade de passar a ser considerado crime, que poderia denominar-se de enriquecimento ilícito, a aquisição de bens, acima de determinado valor, em manifesta desconformidade com os rendimentos fiscalmente declarados.» É isto, Sr. Deputado, que nós, e também o Partido Comunista, embora de outra forma, apresentamos hoje e que os senhores qualificam de abjecto, repito abjecto. No mínimo, é essa a vossa classificação.
Uma outra nota, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, para lhe dizer o seguinte: não se trata, neste projecto de lei, da apresentação de um crime presumido. Não se presume um crime. Porque se seguirmos a lógica do raciocínio que aqui explicou, o crime de condução em estado de embriaguez é, igualmente, um crime presumido; o crime de posse e tráfico de droga é, igualmente um crime presumido; o crime de detenção de arma proibida é, igualmente, um crime presumido. Ora, o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, que é um ilustre

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advogado, com certeza, sabe bem que nenhuns destes crimes são crimes presumidos. São crimes de natureza abstracta que não exigem o resultado e que o perigo constitui o motivo da incriminação.
É esse um dos fundamentos deste nosso projecto de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Negrão, é natural que possamos mudar de opinião. Tive oportunidade de participar com V. Ex.ª, penso que num debate televisivo, em que os dois comungávamos da mesma opinião. Quando o bem é ilícito por natureza, aí, sim.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Exactamente!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — A droga, que o Sr. Deputado citou, é um bem ilícito por natureza; as armas são um bem ilícito por natureza. O dinheiro não é um bem ilícito por natureza, não é um bem ilícito por natureza. O Sr. Deputado confunde.

Protestos do PSD.

Mais: os senhores é que puseram, no elemento tipo do crime, «vantagens obtidas pela prática de crimes cometidos».

Vozes do PS: — Exactamente!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Portanto, os senhores ç que sabem o que querem dizer com isso,»

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Não sabem, não!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — » mas ç preciso já ter praticado um crime. Ora, se já ç preciso ter praticado um crime, não estamos a falar de um perigo abstracto, mas de um perigo concreto,»

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Concreto!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — » mas não desse crime. Os senhores têm um crime concreto para aplicar outro crime.
Sr. Deputado, não quero entrar nessa discussão, mas três anos de pena de prisão, cinco anos de pena de prisão» Então, um burlão que enriquece por 1 milhão de contos, ou por 5 milhões de euros, tem, depois, uma pena suspensa?! Mas de que estamos a falar? Os senhores estão a falar a sério?

A Sr. Helena Terra (PS): — Não, não estão!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Quer os senhores do PSD quer os senhores do PCP estão a falar a sério?

Protestos do Deputado do PCP António Filipe, batendo com a mão no tampo da bancada.

Uma medida de pena de três anos para suspender a seguir?!

Protestos do PCP.

Não. O que os senhores querem é tagarelar sobre o tema, e isso nós não fazemos.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Começo por saudar os autores do agendamento potestativo e dizer que, em momento próprio, o Bloco de Esquerda também avançará com iniciativas congéneres.

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Quero também dizer que este debate é um debate jurídico-legal, é um debate de conformidade, ou não, com a Constituição da República Portuguesa, mas é, em primeiro lugar, um debate político.
Permitam-me agora que faça uma observação dos sinais que nos chegam da cidadania, dos sinais sociais.
É dificilmente entendível que o partido da maioria se tenha refugiado numa posição imobilista acerca da definição deste novo tipo de crime. Não se entende! Não estou aqui a recomendar que sigamos os aforismos populares ou aquela que é a primeira impressão dos cidadãos, mas também não nos podemos divorciar totalmente desse sinal da sociedade.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Claro!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Na verdade, aquilo que se diz é: «Quem não deve não teme.»

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Isso mesmo!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E há sinais muitíssimos evidentes de que há práticas de corrupção que têm vindo a minar a democracia.
Como tal, não parece lógico que exista esta situação de resistência absoluta à tipificação do crime.
Porquê? Porque manifestamente fere algum direito, liberdade ou garantia individual? Porque há uma presunção de um crime que fere direitos? Não é entendível pela sociedade portuguesa, nem por ninguém, que alguém que tenha uma fortuna acumulada, cuja constituição não deriva, manifestamente, de rendimentos conhecidos dessa pessoa — particularmente, se tem ou teve posições públicas — não tenha de justificar o seu enriquecimento.
Trata-se aqui de estabelecer um equilíbrio entre direitos e liberdades individuais e o que é o bem comum, o que é a compreensão que a nossa sociedade pode ter da capacidade de enriquecimento de alguém, em Portugal.
Portanto, da parte do partido da maioria, o que há é um «enconchamento», uma exacerbação de princípios acerca da presunção de inocência — direitos, liberdades e garantias individuais — , meramente para protelar uma decisão que, neste momento, os senhores do Partido Socialista não querem tomar mas que, tarde ou cedo, virão a tomar porque este é o curso dos acontecimentos, é o curso da pressão da sociedade portuguesa.
É inevitável que o Partido Socialista, qualquer maioria política, mais cedo do que tarde, espero, venha a criminalizar o enriquecimento injustificado.
Isso não elimina a utilização de uma panóplia de outras figuras criminais mas, pelo contrário, acrescenta e, do ponto de vista da responsabilidade política, vem densificar o que forçosamente tem de ser densificado na nossa sociedade, porque é o Estado, o funcionamento do Estado e a responsabilidade política que estão aqui, no coração deste debate político. Isto tem tudo a ver com o «sangue» da democracia.
Não podemos mais protelar, adiar inconsideradamente a necessidade da tipificação desta figura criminal, em nome de direitos etçreos»

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Etéreos?!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — » que não são verificáveis nestes casos.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados da maioria — e é à maioria que apelo — , é necessário abrir caminho.
Possivelmente, é até necessário considerar vias intermédias, encontrar caminhos.
Uma posição de total irredutibilidade não é possível, não será possível. «Nunca se aceitará a figura do enriquecimento ilícito» creio que não é uma posição prudente, não me parece justificada do ponto de vista dos princípios democráticos, não é uma posição cautelar acerca de nada, é uma posição de conservação sobre o que se tem verificado na sociedade portuguesa, ou seja, que investigações desse tipo não avançam. Este é o ónus que temos, é o ónus da História, um ónus contra democracia. O apelo que faço é que deixemos entrar mais democracia na democracia.
É preciso impedir o enriquecimento injustificado e, hoje, fundamentalmente, essa é uma responsabilidade da maioria.
Creio que a maioria deve interrogar-se sobre por que é que à direita e à esquerda há uma abertura à tipificação deste crime. Hoje, isso é transversal na sociedade portuguesa e apenas uma posição de obstinação — vá-se lá saber porquê! — é que impede que o curso legislativo possa ter esse enquadramento.
Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, decidam mais cedo do que tarde.
Não cometerei a deselegância de elencar a quantidade enorme de personalidades, figuras da área do Partido Socialista, que têm vindo a defender essa tomada de decisão, inclusivamente justificando-a do ponto de vista constitucional, mas os senhores sabem que são muitas, sabem que são vários candidatos às eleições para o Parlamento Europeu.

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Portanto, mais cedo do que tarde, por favor adiram a esta ideia, contribuam, trabalhem com todas as bancadas para a tipificação deste crime porque daí sairá algo mais valioso para a democracia, uma transparência acrescida e um combate que os cidadãos possam medir e verificar, real e concreto, ao enriquecimento injustificado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Durante este debate, já tive oportunidade de colocar um conjunto de questões ao Sr. Deputado Fernando Negrão. Umas não foram respondidas, outras foram-no.
Quero salientar a abertura manifestada pelo Sr. Deputado para que seja formado o mais amplo consenso em relação a esta matéria, aliás, com a possibilidade de se modificar determinações que estão no projecto de lei, abertura às referências que fizemos relativamente ao que é manifestamente desproporcional face ao rendimento, o que, permita-me que diga, também demonstra o pouco cuidado na feitura deste projecto, numa altura de pré-eleições.
Já agora, também queria dizer aos Srs. Deputados do PSD que sei bem a diferença entre um crime de perigo abstracto e um crime de perigo concreto. Não necessito de lições por parte da bancada do PSD para saber isso mesmo.
Sei que o crime de perigo abstracto faz uma presunção de que uma determinada actividade é perigosa. O crime de perigo concreto determina que o resultado é o próprio crime, confundindo-se aí com os crimes de perigo. Mas também sei que VV. Ex.as poderiam ter previsto isto de maneira distinta. Por isso mesmo, coloquei a questão, que ficou por responder, em relação à possibilidade de agravante quando se desse o perigo, em concreto, de existência de enriquecimento ilícito. Portanto, não necessitamos propriamente de lições de Direito Penal.
Mas, de facto, há pessoas que nos dão essas mesmas lições, como, por exemplo, o Professor Costa Andrade, alguém que, nesta Câmara, todos admiramos e com certeza, em especial, a bancada do PSD.
O Professor, e penalista, Costa Andrade começa por não ver qualquer utilidade na criação do crime de enriquecimento ilícito, tendo salientado, aliás, que, para se alcançar os mesmos objectivos, basta aplicar as leis disponíveis.
Referiu também o Sr. Professor que a conhecida impunidade de autores e de muitos ilícitos criminais não é devida à falta de lei mas à má aplicação da mesma.
Refere ainda o Sr. Professor que o resultado pode ser alcançado pelo crime de corrupção, de participação económica em negócio, de prevaricação, de peculato e até de furto. Precisamente em relação a estes crimes é que era muito relevante que existisse uma qualquer espécie de estatística quanto à sua aplicação, quanto ao número de crimes que levam a condenação e quanto às condenações que, em concreto, são estabelecidas.
Neste plano, não existe apenas uma iniciativa do PSD mas também uma do Partido Comunista Português, que tem uma lógica técnica que leva à inversão do ónus da prova.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Falso!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Há uma inversão do ónus da prova tal qual está previsto no projecto de lei do Partido Comunista Português»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Falso!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » que, para alçm do mais, começando pela referência de tipificação em relação a titulares de altos cargos públicos e de cargos políticos, acaba por alargá-la a todos os cidadãos, em determinadas circunstâncias de existência de um processo de natureza fiscal.
Independentemente das críticas que temos a fazer quanto às soluções que, em concreto, foram encontradas, não será o CDS a inviabilizar qualquer um dos projectos presentes. Por nós, serão discutidos.
Entendemos que essa discussão deve fazer-se com a ponderação necessária. Entendemos que seria melhor feita — e disso, não nos retiramos — se não fosse numa situação de pré-eleições, a seis semanas de umas eleições como as europeias.
Esta mesma opinião é assumida por altos dirigentes do Partido Social Democrata. Estou a falar de um vicepresidente do PSD, Rui Rio, que diz, e bem, em minha opinião, que não é altura de estarmos todos a atirar projectos uns para cima dos outros. Isto toca ao PSD mas também a outros partidos que agora estarão muito satisfeitos com aquelas declarações. Também outros partidos, e até o Governo, partem com bases erradas no necessário combate à corrupção.
Há um aspecto que quero salientar para que haja uma reflexão geral: vale a pena estarmos a legislar nesta altura, sem a ponderação devida, ou bem melhor seria que fossem tomadas as necessárias medidas no início da próxima legislatura, em que, com certeza, a situação não será a actual?

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por iniciativa do PSD, voltamos hoje a discutir o enriquecimento ilícito e, desta vez, através de dois projectos de lei, um do PSD e outro do PCP, bem como de uma recomendação, também do PSD.
Começava pela recomendação, que pretende recomendar ao Governo a inclusão, na proposta de lei que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o Biénio de 2009-2011, de orientação para que o Ministério Público promova, nos crimes de corrupção, a aplicação dos mecanismos de atenuação especial, dispensa da pena e suspensão provisória do processo relativamente a corruptores que colaborem com a justiça.
Os Verdes entendem que se trata de uma medida que, de facto, pode potenciar e reforçar a desejável eficácia no combate a crimes desta natureza e, portanto, vão votar favoravelmente.
Quanto aos projectos de lei em discussão, que visam, no essencial, o mesmo, ou seja, a criação de um novo tipo de ilícito criminal, o enriquecimento ilícito, aplicável quer a funcionários públicos quer aos titulares de cargos políticos, entendemos que a criação deste tipo criminal pode não ser a solução para acabar com a corrupção, que certamente não será, mas constitui ou poderá constituir, no entanto, um importante instrumento no combate à corrupção, um combate que se impõe, por imperativos éticos, para melhorar a nossa vivência democrática.
De facto, a impunidade com que, por vezes, os cidadãos vão assistindo perante o enriquecimento anormal de pessoas que exercem funções públicas não fragiliza apenas a ideia que as pessoas têm da justiça, acaba por descredibilizar também o conjunto das instituições democráticas, criando fortes desconfianças sobre o seu funcionamento.
É também por isso que entendemos que a transparência que deve nortear a gestão da coisa pública, por um lado, e a responsabilização das pessoas que têm essa missão perante os restantes cidadãos, por outro, exige, a nosso ver, a criminalização do enriquecimento ilícito.
E entendemos que essa criminalização deve ser feita no respeito pelas garantias constitucionais, tanto a nível penal como a nível processual penal, e, em primeiro lugar, a presunção da inocência e tudo o que ela pressupõe, desde logo, o ónus da prova, que, obviamente, tem de recair sobre o Ministério Público.
Ora, a nosso ver, tanto o projecto de lei do PSD como o projecto de lei do PCP não procedem a nenhuma inversão do ónus da prova e, portanto, pretendem promover a crime o enriquecimento ilícito, respeitando as garantias constitucionais.
Por outro lado, tendo o Estado português ratificado a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção — a Convenção de Mérida — que, aliás, foi aprovada nesta Assembleia, por unanimidade, em Junho de 2007, e, por essa via, tendo o Estado português assumido o dever de introduzir o crime de enriquecimento ilícito na sua arquitectura legislativa em matéria penal, seria, a nosso ver, pouco sensato desperdiçar estes dois contributos que podem representar um passo importante no sentido de, finalmente, se consagrar o enriquecimento ilícito como crime no nosso ordenamento jurídico.
Em síntese, consideramos que todas as contribuições que, de uma forma ou de outra, potenciem e reforcem a eficácia no combate à corrupção são sempre bem-vindas, respeitando, obviamente, as respectivas garantias constitucionais, o que, a nosso ver, sucede nos projectos em discussão. Portanto, Os Verdes vão votá-los favoravelmente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Strecht, para uma intervenção.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a questão, como deve ser colocada, em nosso entendimento, não tem grande dificuldade.
O combate à corrupção é, evidentemente, um combate primordial em qualquer Estado, nomeadamente e por maioria de razão, num Estado de direito democrático.
É sabido que a corrupção, desde logo, cria manifesta desigualdade entre as pessoas, porque é evidente que quem beneficia da corrupção tem sobre os demais cidadãos um privilégio insustentável num Estado de direito democrático.
Só que, no que toca ao combate a esse crime ou a qualquer outro tipo de criminalidade, qualquer partido democrático tem de observar estritamente a lei e não se pode deixar subverter por qualquer impulso popular, como, estranhamente, foi dito aqui pelo Sr. Deputado Luís Fazenda do Bloco de Esquerda, para, no fundo, subvertendo o Estado democrático, pensar que combate melhor esse mesmo crime ou qualquer outro.
É evidente que há duas questões distintas. Uma é vencer, destruir, eliminar todo e qualquer tipo de obstáculo à investigação. Outra coisa é subverter os princípios do Estado democrático, dizendo que, com isso, facilita-se a vida à investigação.

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Nós, partido nuclear da democracia, não estamos activamente disponíveis para a menor subversão de qualquer princípio, de qualquer direito, liberdade ou garantia fundamental do cidadão. E acho estranho que aqui se tenha falado num direito deletério.

Aplausos do PS.

Então, os direitos, as garantias fundamentais dos cidadãos são direitos deletérios?! Penso que isto é uma coisa impensável! Não sei sequer como é que se pode ouvir isto sem um verdadeiro sobressalto democrático.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Jorge Strecht (PS). — Srs. Deputados, a questão é simples: querem combater a corrupção?! Todos queremos. Querem combatê-la?! Levantem-se os obstáculos à investigação. Dê-se à investigação todos os meios lícitos para o combate ao crime da corrupção.
Estranhamente, aqui, alguns partidos, nomeadamente o PSD, que é o partido proponente, de forma dúplice, não acompanhou o diploma que aprovámos na semana passada sobre a questão do sigilo bancário, independentemente do trabalho que terá de fazer-se em sede de especialidade. Isto é um acto hipócrita, porque, na prática, sabem que a tipificação de um crime intipificável não é o legítimo caminho para o combate à corrupção.

Aplausos do PS.

Deveriam ter aberto a possibilidade à investigação, mas não o fizeram; abstiveram-se, e agora vêem aqui, seguindo uma punção populista, dizer que optam por tipificar um crime, que, na nossa opinião, não pode ser tipificável, pela singela razão de que todos os crimes que levam ao enriquecimento ilícito estão actualmente tipificados na lei portuguesa. E não há tipificações residuais em Direito Penal. Não há nenhum crime sem lei, não há nenhum crime sem pena. É um princípio fundamental, para além da presunção de inocência, a qualquer Direito Penal de qualquer Estado democrático! Para terminar, queria recordar que os Estados Unidos da América recusaram a transposição da convenção, dizendo que ofendia — e é verdade! — os princípios fundamentais do Estado democrático norte-americano, o que não impediu os EUA de se munirem das mais avançadas legislações em matéria fiscal. Mais: Al Capone foi condenado e preso precisamente pela via fiscal. É esse o caminho. Estamos à espera, não tememos qualquer tipo de iniciativa lícita, que a investigação se faça, dentro do estrito quadro do direito democrático de um Estado democrático, ou seja, da Constituição da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, este debate não se faz na melhor altura.
É bem certo aquilo que se disse na intervenção do CDS-PP: está infectado de partidarização e de eleitoralismo e não é esta a melhor maneira de tratar questões tão sensíveis, que têm a ver com a perseguição criminal a um crime que corrói os fundamentos da sociedade democrática e que merecia um debate fora deste contexto.
Posto isto, Sr. Deputado Luís Fazenda, que fique bem claro que não distinguimos o debate político do debate constitucional; o debate constitucional é o cerne e o coração do debate político.

Aplausos do PS.

Portanto, Sr. Deputado, não aceitamos que estabeleça essa diferença entre um debate constitucional, como se fosse um debate para juristas, etéreo, como disse, e um debate político. A Constituição tem de estar aqui sempre presente no nosso espírito e nas nossas intervenções.

Vozes do PS: — É verdade!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Claro!

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Quando fiz uma pergunta sobre quais os países da Europa que tinham transposto esta orientação livre para o seu ordenamento interno, foi dito que se tratava de provincianismo. Não se trata de provincianismo, trata-se só de olhar para a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, com um bocadinho de trabalho, para jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo. Dá um bocadinho de trabalho, mas olhar para lá é uma boa lição.

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O Sr. Alberto Martins (PS): — Bem lembrado!

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Foi por isso que nenhum Estado até agora transpôs essa orientação.
Porquê? Presunções em matéria de direito penal são coisas muito sérias e o Tribunal de Estrasburgo tem unanimemente recusado normas e disposições de ordenamentos internos com presunções de culpabilidade em matéria de Direito Penal, com uma excepção. Qual é ela? A do confisco de bens, produto do crime, quando alguém foi condenado e tem sinais de fortuna em desconformidade com os seus vencimentos, e já foi condenado por qualquer crime. Estamos aqui a falar do enriquecimento ilícito e referimo-nos apenas à corrupção. Mas, pergunto: o enriquecimento injustificado não pode ocultar tráfico, crimes de natureza patrimonial e fuga ao fisco? Vamos supor uma coisa: alguém recebe comissões de milhões, não as declara ao fisco e enriquece. É corrupto? Não! Fez negócios, recebeu dinheiro e enriqueceu ilicitamente, mas não é corrupto.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Portanto, há aqui um «véu» a tapar uma série de questões que necessitam de um bocadinho mais de rigor. Todos os países europeus têm feito um caminho que, em Portugal, está, em boa parte, por fazer e que temos de fazer, que é avançar nas presunções relativas ao património adquirido com condenação criminal, que é bem diferente do que os senhores querem. Aí estamos atrasados, pois todos os países o têm feito. É por isso que alguns confundem, como o Sr. Deputado Fernando Negrão, o caso da França, porque o que este país fez foi introduzir uma série de alterações ao Código Penal, presumindo, em relação a crimes de proxenetismo, de tráfico, etc., que os bens adquiridos nos últimos anos e durante o período da prática de crime eram conexionados com a actividade criminal e deviam ser confiscados. É uma coisa muito diferente, nada tem a ver com o crime de enriquecimento ilícito. Não confundamos! Haja um mínimo de rigor nestas coisas! Já foi referido o caso de alguns países, como os Estados Unidos e o Canadá, que, a seguir à Convenção e sem que a isso fossem obrigados (porque o artigo 20.º da Convenção não obriga a transferir para a ordem interna nada disto), disseram muito claramente: «Reserva absoluta, nunca! Nunca no ordenamento dos Estados Unidos ou do Canadá haverá um crime destes!» E sabemos que se há dois países que se preocupam com o enriquecimento ilícito, são precisamente estes, onde um senador, por receber um relógio que vale mais de 100 dólares, perde o seu lugar. Dão-nos exemplos nessa matéria! Mas há países que têm o crime de enriquecimento ilícito e há outros, de regimes que já acabaram, os do bloco soviçtico, que o tiveram. Quase todos tinham o crime de enriquecimento ilícito. Curioso»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Que estafado argumento!

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Vou dar outros exemplos. A Argentina de Perón é, no mundo, o país que tem o crime de enriquecimento ilícito há mais tempo, desde os anos 40 do Peronismo — têm aí um bom exemplo.
Há ainda um outro que vem citado nos estudos da ONU, a Zâmbia — vamos lá copiar o sistema da Zâmbia para acabar com a corrupção! — , e a generalidade dos Estados africanos» Sabem, Srs. Deputados? Na convenção sobre corrupção da União Africana também vem o crime de enriquecimento ilícito e também vem na convenção sul-americana. Vão lá copiar, a esses Estados, o crime de enriquecimento ilícito» Na Europa ninguçm vai! E agora faço uma pergunta: Portugal tem leis de corrupção iguais às da Espanha, da Alemanha, da Áustria, da Itália, da Bélgica e da França, só para dar alguns exemplos. Pergunto, Sr. Deputado António Filipe, quantas pessoas foram presas, no último ano, em Espanha, com uma lei igual à lei portuguesa? Foi pelo crime de enriquecimento ilícito ou foi por outra coisa?! Sabe por que é que foi? Vou dar-lhe a minha teoria, pode ser que pegue nela: foi porque a Espanha tem um sistema de acesso às contas bancárias dos cidadãos que nós não temos!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Foi porque a Espanha tem mecanismos de investigação que nós não temos. E esse é o caminho certo, não é criar novas incriminações, passando por cima de um princípio da nossa identidade constitucional, que é o da presunção da inocência.
Já agora, Sr. Deputado António Filipe e Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, deixem-me que vos diga que muito me admiro — do PSD não me admiro tanto» — que os senhores não tenham em conta e não tenham tido o cuidado de pegar no artigo 61.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal. Sabem o que diz? Diz uma coisa pela qual o PCP lutou anos a fio na clandestinidade, contra a repressão, contra a PIDE: não falar na polícia é um direito do arguido. O arguido apenas deve — é o que vem no Código de Processo Penal da democracia — , dizer a sua identidade e mais nada. Como é que, então, os senhores concebem um

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crime de enriquecimento ilícito em que o arguido é obrigado a provar a licitude dos meios que adquiriu se um dos direitos fundamentais que vem na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e que foi transposto para o nosso Código de Processo Penal, é o do arguido manter silêncio desde o princípio ao fim do processo?! Onde é que os senhores colocam, então, esse princípio?! Em relação ao PSD, tudo bem. Agora, do PCP e do Bloco de Esquerda, sinceramente, admiro-me! Sr. Presidente, Srs. Deputados, somos a favor de uma luta sem tréguas contra a corrupção. Mas não estamos dispostos a sacrificar no altar do oportunismo e do populismo os princípios que pensamos fundamentais da nossa identidade constitucional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, estamos prestes a terminar este debate e gostaria de deixar claro que muito me admira esta intervenção final do Deputado Vera Jardim!

Vozes do PS: — Oh!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Surpreendeu-me até a distinção que fez entre a Europa, a América Latina e a África. Não sei se esse modo de se referir à África e à América Latina é próprio de um socialista da sua estatura. Essa é, desde logo, uma das coisas que muito me espanta.
Mas uma coisa fica também clara: não há, no projecto do PSD, qualquer inversão do ónus da prova e o PSD tem toda a disponibilidade, se quisermos, para abrir um debate sobre este ponto para que possamos eventualmente chegar a um consenso. Pensamos, por exemplo, que seria interessante, num crime destes, delimitar muito bem os prazos de inquérito para o Ministério Público, de forma a que as pessoas não ficassem sob suspeita durante bastante tempo, e aceitamos concretizar, se for caso disso, a manifesta desproporção do enriquecimento. Portanto, estamos dispostos a dar passos para que se consiga verdadeiramente combater a fraude e a corrupção.
Porém, espanta-nos que o PS apresente um simulacro de projecto, esse, sim, inconstitucional, aquele que o Governo anunciou, em que — é curioso! — prevê uma taxa de penalização (é a palavra utilizada) de 60% quando para os bónus das empresas aprovou um projecto que previa 75%. Ora, é essa incongruência, é essa falta de coerência do PS que demonstra aquilo que fica inequívoco, depois da intervenção manipulatória do Deputado Ricardo Rodrigues e da intervenção surpreendente do Deputado Vera Jardim: o PS não tem vontade política de levar até ao fim o combate à corrupção. Não tem vontade política porque, se tivesse vontade política, viabilizaria o nosso projecto e aceitaria alterar ou nele introduzir as melhorias que entender por bem, em sede de especialidade. O desafio que aqui deixo é o de que sejam capazes de viabilizar o projecto do PSD, porventura também o projecto do PCP, para, em sede de especialidade, encontrarmos uma solução.
Só aí haverá verdadeira vontade de combater a corrupção. Se não, Sr. Deputado Vera Jardim, são tudo votos pios, palavras vagas, mas, no fim, já sabemos qual é a solução: o PS não está disposto a combater, com todas as armas, a corrupção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer uma curta intervenção final para me referir àquele que tem sido o caminho recente do PSD nesta matéria e à intervenção final do Sr. Deputado Rangel.
Então, vejamos: o Sr. Deputado Rangel tem duas situações, mas que são idênticas. No início do ano, alguém tem um património de 1000 e, no fim do ano, tem um património de 1 milhão; declarou 5000 ao fisco ou nada declarou. E o Sr. Deputado Rangel faz o seguinte raciocínio: se ele enriqueceu e não declarou, tem de provar o lícito dos seus rendimentos; e, se não provar, manda-se para a cadeia.
Mas o Sr. Deputado «rasga as vestes» (de vestal, claro está!), se o fisco, perante esta situação, chega ao pé da pessoa e diz: «O senhor tinha, no início do ano, 1000; tem, no fim do ano, 1 milhão; e não declarou rendimentos, senão de 1000 ou 5000. Diga lá o que tem a dizer». «Não digo nada, não digo nada!» — responde essa pessoa. E o fisco diz-lhe: «Então, vão passar-se duas coisas: há uma parte desse património que é minha, porque o senhor a ocultou, e, agora, vai para o Ministério Público para investigar o resto».
Como é que se explica esta duplicidade de juízo? Para mim, não tem explicação, sobretudo, porque o Sr. Deputado Rangel sabe muito bem que qualquer actuação do fisco, nesta matéria e deste modo, está naturalmente sujeita a recurso ao poder judicial e a discussão no poder judicial, e está naturalmente sujeita a um despacho fundamentado.

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Então, pergunto: o Sr. Deputado Rangel não tem pejo em mandar para a cadeia quem não faça a prova do lícito dos seus rendimentos, mas já tem todo o pejo em aceitar que o fisco diga: «Se o senhor fugiu ao fisco e se criou uma fortuna, então é porque teve rendimentos que não declarou. Deixe-os cá ver!»?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Vera Jardim, é interessante o caso prático que colocou e que me ponha como protagonista do mesmo. No entanto, colocou-o mal.
Vou explicar-lhe o que se passa.

Risos do PS.

No caso da pessoa que tinha 1000 e que tem 1 milhão, o que vai acontecer é o seguinte: o Ministério Público vai detectar essa diferença, vai demonstrar que não houve qualquer herança, qualquer jogo de fortuna e azar, ou quaisquer rendimentos, ou seja, vai demonstrar que não houve modos de aquisição lícitos, e, não havendo modos de aquisição lícitos, ele, como qualquer arguido, tem todas as garantias de defesa.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Todas!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Mas, no outro caso que colocou, não é assim, porque uma taxa de 60% é uma pena que é imposta, porque é superior à taxa normal.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Não é uma taxa!

Vozes do PSD: — É, é!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — É, é, Sr. Deputado! E mais: é uma sanção por não haver explicação! Como não houve justificação, nem explicação, há um processo sancionatório e o Sr. Deputado Vera Jardim devia conhecer o artigo 32.º, n.º 10, da Constituição que diz que aos processos sancionatórios de qualquer natureza se aplicam os princípios do processo penal. Ora, nesse caso do fisco, há um processo sancionatório: como ele não deu explicações, aplica-se uma taxa superior, em 18%, à taxa que seria aplicável.
Como é uma penalização — palavra, aliás, usada pelo Governo na sua proposta, ao falar em «penalização agravada«»

Protestos da Deputada do PS Helena Terra.

Desculpe, Sr.ª Deputada, mas é direito sancionatório. E, se é direito sancionatório, não pode haver inversão do ónus da prova! E, sobre isto, não há duas opiniões.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — O que diz é que é recorrível!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Desculpe, no próprio processo, não pode haver!

Protestos da Deputada do PS Helena Terra.

Não pode! Se ç direito sancionatório» Sr. Presidente, tenho muita pena, mas nós precisamos que venha para aqui alguém dar aulas de Direito aos Deputados do Partido Socialista»

Aplausos do PSD.

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Protestos de alguns Deputados do PS, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

E sabe porquê, Sr. Presidente? Porque não sabem ler, porque os Deputados do Partido Socialista não conhecem o n.º 10 do artigo 32.º da Constituição, que torna totalmente inconstitucional a proposta feita pelo Governo. É porque se trata de um processo fiscal sancionatório e por isso não pode haver inversão do ónus da prova.
Se o Sr. Deputado Vera Jardim não compreende ou, por razão de conveniência argumentativa, não quer compreender, é um problema com o qual tem de ficar.
Mas isso é um processo fiscal sancionatório e, portanto, isso está sujeito às mesmas garantias do processo criminal.
Assim sendo, não tenha quaisquer dúvidas de que a proposta do Governo é inconstitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Rangel volta agora aos tempos áureos das campanhas do Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, esquecendo que o fisco não está a sancionar, mas a fixar um rendimento.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Não está, não!

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Está a fixar, está! Está a dizer: «O senhor tinha 100, agora tem 1 milhão.
Eu tenho de lhe fixar o rendimento porque você não fez declaração». É isto que se passa e é isto que está na proposta de lei. Aliás, já está na lei! O que são os sinais exteriores de riqueza? O que é a possibilidade de o fisco fixar a matéria colectável? O que é isto?! Isto não é sanção alguma!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Se ele fixa, está a sancionar!

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Isto não é sanção alguma — está completamente enganado! É o poder que o fisco tem de fixar o rendimento ao contribuinte, porque ele ou não o declarou ou declarou-o em contradição com os sinais exteriores de riqueza. Isto nada tem a ver com processos sancionatórios, Sr. Deputado. Nada! Zero!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Tem, tem! Há uma taxa!

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Olhe, Sr. Deputado, não resisto à tentação de lhe dizer isto: já que o Sr. Deputado falou de lições de Direito, permitia-me, com a devida vénia, sugerir a V. Ex.ª e a alguns dos Srs. Deputados da sua bancada que tornassem a tirar a cadeira de Direito Penal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos passar à votação dos diplomas, cujo debate, na generalidade, acabou de terminar.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum.

Pausa

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Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 198 presenças, às quais se somam 4 sinalizadas à Mesa, o que perfaz 202 Srs. Deputados presentes (107 do PS, 64 do PSD, 10 do PCP, 10 do CDS-PP, 7 do BE, 2 de Os Verdes e 2 Deputados não inscritos), pelo que temos quórum de deliberação.
Começamos por votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 747/X (4.ª) — Crime de enriquecimento ilícito no exercício de funções (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PSD, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 2 Deputados não inscritos e abstenções do CDS-PP e de 1 Deputado do PSD.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr. Presidente, é para anunciar, em nome de 14 Deputados do PSD, a apresentação de uma declaração de voto escrita sobre esta matéria.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, é para anunciar que vou apresentar por escrito uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos à votação do projecto de resolução n.º 475/X (4.ª) — Recomenda ao Governo a inclusão, na proposta de lei que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011, de orientação para que o Ministério Público promova, nos crimes de corrupção, a aplicação dos mecanismos de atenuação especial, dispensa da pena e suspensão provisória do processo relativamente a corruptores que colaborem com a justiça (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PSD, do CDS-PP, de Os Verdes e de 1 Deputado não inscrito e abstenções do PCP, do BE e de 1 Deputada não inscrita.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, é para informar que eu próprio e os Deputados Hélder Amaral, Telmo Correia e Nuno Teixeira de Melo iremos apresentar uma declaração de voto escrita sobre os dois projectos do PSD agora votados.

O Sr. Presidente: — Finalmente, Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 726/X (4.ª) — Cria o tipo de crime de enriquecimento ilícito (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e de 1 Deputado não inscrito, votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita e abstenções do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António José Seguro (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António José Seguro (PS): — Sr. Presidente, é para informar que apresentarei uma declaração de voto escrita, em nome individual, em relação aos três diplomas que acabámos de votar.

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O Sr. Presidente: — Assim sendo, estão concluídos os nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, tendo como ordem do dia: a apreciação do projecto de resolução n.º 467/X (4.ª) — Deslocação do Presidente da República à Turquia (Presidente da AR); o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 259/X (4.ª) — Aprova o regime aplicável ao intercâmbio de dados e informações de natureza criminal entre as autoridades dos Estados-membros da União Europeia, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2006/960/JAI, do Conselho, de 18 de Dezembro de 2006; a apreciação conjunta dos Decretos-Lei n.os 32/2009, de 5 de Fevereiro, que estabelece o regime aplicável à extinção do Arsenal do Alfeite com vista à empresarialização da sua actividade, e 33/2009, de 5 de Fevereiro, que constitui a Arsenal do Alfeite, S.A., sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, e aprova os respectivos Estatutos, bem como as bases da concessão de serviço público e de uso privativo do domínio público atribuída a esta sociedade [apreciações parlamentares n.os 102/X (4.ª) (PCP) e 103/X (4.ª) (PCP)]; a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 715/X (4.ª) — Primeira alteração ao Diploma Preambular da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (CDS-PP), 680/X (4.ª) — Alteração à Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho, por forma a repor a vigência do regime contra-ordenacional (Deputado não inscrito, José Paulo Carvalho), 727/X (4.ª) — Repõe o regime sancionatório das contra-ordenações laborais (PCP), 729/X (4.ª) — Altera a Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho (BE), e 741/X (4.ª) — Alteração ao Código de Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro) (PSD); e a apreciação da petição n.º 96/IX (3.ª) — Da iniciativa do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações, solicitando à Assembleia da República a assunção de medidas tendentes à discussão da prestação de serviço público e universal dos correios e ao cumprimento deste por parte da Administração dos CTT.
Haverá ainda votações regimentais às 12 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas.

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação e relativas aos projectos de lei n.os 726 e 747/X (4.ª) e
ao projecto de resolução n.º 475/X (4.ª)

Portugal não tem conseguido combater eficazmente a corrupção. Alguns argumentam com falta de
legislação adequada e outros com menor capacidade de investigação. Enquanto este diálogo se intensifica, é
notória a descrença sobre os resultados e a suspeita permanente sobre a vida política e económica.
Ao mesmo tempo, constatamos a existência de patrimónios e estilos de vida manifestamente superiores
aos rendimentos declarados. A ideia comum de que existe um aumento da corrupção e uma menor eficácia do
seu combate fortalece a suspeita de que os «poderosos» se protegem e que não existe um verdadeiro
interesses no combate à corrupção.
Estas realidades minam a confiança dos portugueses na política e na justiça e corroem os alicerces do
Estado de direito democrático. Ignorar esta realidade é um erro que está a pagar-se caro. É, também, por isso
que é dever de todos os democratas, em particular dos que exercem funções públicas, contribuir com
propostas concretas para efectuarmos um combate claro e sem tréguas à corrupção.
É certo que este debate não vem na melhor altura, pois estamos a meses de um ciclo eleitoral importante e
com ele surgem muitas oportunidades para o populismo, mas, tendo surgido, não lhe podemos virar costas,
nem dispensar o contributo de todos. E fundamentalmente não faz qualquer sentido partidarizar este debate
ou passar culpas entre os diferentes poderes, nomeadamente o político e o judicial.
O debate tem de respeitar os princípios matriciais da nossa Constituição, mas devemos ter a inteligência de
colocá-los na defesa, concreta e eficaz, dos valores que fundam a Democracia, caso contrário, a Democracia
não resistirá.
Defendo um combate sem tréguas à corrupção. Defendo uma reflexão profunda e séria com todos os
intervenientes no seu processo, desde os legisladores até ao perito de investigação.
Essa reflexão deve listar os obstáculos que dificultam o combate eficaz à corrupção e, em face disso,
eliminá-los, dotando o Estado de direito democrático dos instrumentos adequados. Não é necessário muito

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tempo para fazer essa reflexão. As posições estão fundamentadas. Trata-se de eliminar desculpas, de
impossibilitar endosso de responsabilidades e colocar todas os poderes no mesmo rumo.
O combate à corrupção é uma questão de regime e todas as vias (administrativa, fiscal e penal) são
necessárias para que ele tenha êxito.
Atacar o problema apenas por um dos lados, por melhor que seja a proposta, pode criar uma ilusão que, a
prazo, se pagará caro.

O Deputado do PS, António José Seguro.

——

Votámos contra os projectos de lei n.os 726 e 747/X (4.ª) porque os mesmos concretizam medidas
legislativas que parecem violar princípios constitucionais.
Contudo, a corrupção e toda e qualquer forma de enriquecimento ilícito são males que minam a sociedade,
inviabilizam o crescimento económico e o bem-estar social, e consequentemente são responsáveis pelo
empobrecimento dos cidadãos e das nações. Por isso, em paralelo com os princípios acima enunciados, a
prevenção e combate da corrupção são essências ao Estado de direito democrático, pelo que a matéria em
causa merece uma reflexão mais profunda e alargada.
Foi conscientes disso, e exactamente porque é fundamental que a Assembleia da República saiba
aproveitar toda e qualquer oportunidade para dar o sinal afirmativo na importância da melhoria da legislação e
consequentes práticas no combate à corrupção, que, no passado dia 17 de Abril, votámos a favor do projecto
de lei n.º 712/X (4.ª) que determina a derrogação do sigilo bancário como instrumento para o combate à fraude
fiscal, não deixando, no entanto, de discordar nos termos em que a mesma está formulada.
De facto, uma medida desta natureza, que atribui à administração fiscal o poder de aceder de forma
arbitrária a toda e qualquer informação bancária, é duvidosa face a princípios estruturantes do Estado de
direito, considerando abusivo que a administração fiscal tenha um tal poder sobre todo e qualquer cidadão.
Porque o Estado não tem conseguido combater a corrupção e a fraude através dos órgãos judicias, vai
investindo a administração fiscal de poderes cada vez mais amplos de verdadeira administração de justiça,
pondo em causa as liberdades individuais dos cidadãos.
São patentes os problemas do funcionamento do sistema e, como legisladores, não podemos ficar
indiferentes à percepção da sociedade sobre o assunto — aliás, expressa em relatórios internacionais, de que
destacamos o Relatório Anual da Organização Não-Governamental Transparency International de 2008,
segundo o qual o Portugal está mais corrupto segundo o índice de Percepção de Corrupção. Em relação a
2007, Portugal caiu quatro lugares, passando de 28.º para 32.º lugar a nível global e situando-se no 19.º lugar
a nível europeu.
Esperamos que o Parlamento no debate na especialidade equacione de forma consistente as melhores
soluções que a relevância da matéria exige.

As Deputadas do PS: Maria do Rosário Carneiro — Teresa Venda.

— —

A corrupção constitui, indubitavelmente, um dos males mais gravosos com que as sociedades
contemporâneas se vêem confrontadas, porque põe em causa o princípio fundamental da igualdade entre os
cidadãos; porque corrói a confiança nas instituições políticas e na Administração Pública; porque privilegia
ilegítimos interesses particulares em detrimento da realização do interesse público.
Combater a corrupção é, nessa medida, uma tarefa permanente e um verdadeiro imperativo, um imperativo
não apenas político mas também ético, moral e cívico, e que envolve um esforço para o qual todos têm de ser
convocados: cidadãos, empresas e instituições. E, há que reafirmá-lo, nesse combate é imposta uma especial
responsabilidade quer aos titulares de cargos políticos quer àqueles que ocupam altos cargos públicos. Desde
logo, pelo exemplo de transparência, de isenção e de imparcialidade no seu comportamento, mas também

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pela capacidade de, a cada momento, decidir as medidas, políticas, legislativas e administrativas que se
revelem necessárias e adequadas para prevenir e para reprimir as práticas de corrupção.
Ao travar esse combate, há, porém, que ter em conta, forçosamente, a necessidade de não pôr nunca em
causa aquilo que são os pressupostos e as exigências do Estado de direito democrático, bem como a
indispensabilidade de gerar e manter um largo consenso quanto às melhores soluções a implementar.
Dito de outra forma: a luta contra a corrupção só pode ser travada com eficácia se formos capazes de unir
em vez de dividir; se formos capazes de aglutinar em vez de separar; se formos capazes de conciliar em vez
de rejeitar.
À luz dessas considerações, parece aos signatários evidente que os resultados que todos ambicionamos
alcançar, num domínio tão central para a qualidade da nossa vida democrática, só podem ser atingidos se
soubermos construir plataformas alargadas, e responsáveis, de entendimento. A luta contra a corrupção é,
claramente, uma questão de regime. E, por isso mesmo, ela impõe, como condição essencial de sucesso, um
acordo entre as principais forças partidárias, muito em especial aquelas que em Portugal representam a
alternativa política e de governo.
Aparecermos divididos quanto aos caminhos a seguir só pode resultar em fragilidades nos modos de agir
contra a corrupção. E transformar este tema — voluntária ou involuntariamente — , bem como as propostas
apresentadas, como manifestações unilaterais é valorizar o acessório e esquecer o essencial.

Os Deputados do PSD: José Luís Arnaut — Sérgio Vieira — Miguel Relvas — José de Matos Correia —
Agostinho Branquinho — Jorge Costa — Miguel Santos — Feliciano Barreiras Duarte — Luís Pais Antunes —
Jorge Pereira — Carlos Páscoa Gonçalves — Vasco Cunha — Jorge Varandas — Henrique Rocha de Freitas
— Hermínio Loureiro.

— —

Utilizei o voto de abstenção em relação a este projecto de lei da iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD
pelas ponderosas e meditadas razões que a seguir se explicitam.
O País precisa de uma lei eficaz que puna adequadamente o enriquecimento ilícito.
Partilho dos valores que enformam esta iniciativa do meu Partido, mas não «o tempo e o modo» da sua
apresentação.
Os valores estão plasmados no artigo 20.º da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e no
coração de todos os cidadãos de boa-fé que fazem da honestidade um valor primordial na sua conduta
profissional e social.
Foi com indignação que todos estes cidadãos, no Mundo e em particular em Portugal, descobriram que o
enriquecimento ilícito atingia proporções alarmantes na génese da brutal crise financeira mundial que hoje
penaliza tão gravemente a sua vida quotidiana e as suas perspectivas de futuro e das suas famílias. Sabiam-
no forte e secularmente enraizado, mas desconheciam-lhe a dimensão monstruosa que tinha entretanto
atingido, pela estranha combinação da ganância de muitos criminosos impunes com a conivência ou a
negligência também de muitos daqueles que os deviam combater e punir.
Não existirá, pois, razão mais imperativa do que esta para que os países em geral legislem e punam
eficazmente todo e qualquer ilícito criminal da «hidra de mil cabeças» em que se desdobra e cresce à nossa
frente o enriquecimento ilícito.
Em relação a tão formidável inimigo, a pressa não é boa conselheira, mas a inércia seria uma sua aliada.
Daí que seja imperioso e urgente que o legislador actue, mas que o faça para deixar uma marca estruturante
que o combata e o fira mortalmente no próximo futuro.
O tempo estrutural não se coaduna com o tempo das eleições.
A legislação em si é complexa e inovadora e, para ser eficaz, exige o contributo e o consenso da
comunidade jurídica académica e profissional para que a nova lei não seja atacada, justa ou injustamente, por
ter sido mal formulada, por ter sido «feita em cima do joelho», como tantas e demasiadas vezes a opinião
pública censura o Parlamento.
Ora, este contributo e consenso desta comunidade jurídica não parecem estar suficientemente reunidos.

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E também não se afigura que quem tem de aplicar a lei, designadamente os magistrados, se sinta em
conformidade com a tipificação deste crime ou com alguns dos normativos subsequentes que a proposta em
apreço consagra.
Eis pois, muito sucintamente, as minhas preocupações e reservas sobre «o tempo e o modo».
Abordo um último tópico.
Como Deputado, devo cumprir dois deveres fundamentais: o de representar os interesses e anseios dos
Portugueses e o de observar a disciplina partidária nas votações em Plenário.
Creio que o interesse dos Portugueses é o de que a Câmara seja capaz de produzir uma lei eficaz e
adequada, com o consenso político mais alargado que for possível, em matéria tão essencial para os direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos e para que o seu legítimo anseio de que a Justiça prevaleça seja
consagrado pela qualidade da lei e pela eficácia da sua aplicação pelos tribunais.
E creio que este interesse sobreleva o meu dever de disciplina partidária nesta votação, sem o ferir
desnecessariamente.
O tempo dirá se as preocupações que aqui expendi e o meu sentido de voto são ou não adequados.

O Deputado do PSD, Mário Patinha Antão.

— —

O CDS-PP pronunciou-se pela abstenção, em votação na generalidade do projecto de lei n.º 747/X, do
PSD, pelas razões que passa a elencar.
Em primeiro lugar, por entender que as normas penais incriminatórias não podem conter conceitos
indeterminados, ou de interpretação duvidosa, como sucederia na norma que criaria um novo tipo legal de
crime que visava punir o enriquecimento ilícito — referimo-nos especificamente à expressão «manifestamente
desproporcionais».
Por outro lado, e competindo ao Ministério Público provar que os rendimentos «manifestamente
desproporcionais» provinham de actividade criminosa, não faz qualquer sentido criar aqui um crime de perigo.
Acresce que o n.º 5, em nosso entender, é completamente inútil, pois o que lá bem estatuído já resulta da
lei geral. É completamente diferente da do PCP, que afirma que cabe ao arguido provar que a origem do $ é
lícita.
Por último, a proposta carece de uma referência ao «enriquecimento ilícito» que seja levado a cabo por
interposta pessoa, o que nos parece absolutamente fundamental: tal como vem proposto o novo tipo legal de
crime, bastaria colocar os bens em nome de um familiar para que deixasse de haver possibilidade de subsumir
tal conduta àquela norma.
Por tais motivos, o CDS-PP entendeu que não seria de votar favoravelmente esta iniciativa. Se não tivesse
a mesma sido chumbada, contudo, o CDS-PP, em sede de discussão e votação na especialidade, proporia a
eliminação da expressão «manifestamente», deixando só a referência a modo de vida desproporcionado, e,
bem assim, a eliminação da expressão «com perigo de aquele património ou modo de vida provir de
vantagens obtidas pela prática de crimes cometidos no exercício de funções públicas» — o que, no nosso
entender, apenas iria complicar a prova dos elementos essenciais do crime, levando à garantida absolvição de
todos os autores da conduta ilícita.
Quanto ao projecto de lei n.º 726/X, do PCP, o CDS-PP pronunciou-se pela abstenção, em votação na
generalidade, por razões parcialmente similares às que o levaram a abster-se na votação do projecto de lei n.º
747/X, do PSD.
Desde logo, novamente pela insistência em conceitos indeterminados, e pela previsível dificuldade em
preencher o conceito de «anormalmente superiores»? O que deixa aberta, desde logo, a possibilidade de o
património e os rendimentos serem superiores aos rendimentos declarados: só não podem é ser
manifestamente superiores... Qual a fronteira quantitativa a partir da qual se entende que verifica aquele
elemento do tipo legal de crime? Será a mesma sequer quantificável? Ou não será de considerar que, se os
rendimentos e o património batem certo com os declarados há legalidade, mas, quando aqueles forem a estes,
é de considerar haver crime?

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Por outro lado, há a questão da inversão do ónus da prova, à qual o projecto de lei do PCP abre
inegavelmente a porta, e em cuja argumentação em contrário a esta conclusão o CDS-PP não se pode louvar,
por mais que o PCP lhe tenha emprestado o brilho argumentativo que não lhe podemos negar, mas que não
podemos igualmente aceitar. Por mais que o PCP tente justificá-lo, há algo que continua a não estar correcto
nesta norma incriminatória: é ao Ministério Público que incumbe provar a existência dos rendimentos, e a sua
origem ilícita, não é sobre o arguido que se deve impor o ónus de provar a licitude da mesma. Dito de outra
forma, não é ao arguido que cabe provar que cumpriu a lei, é ao Ministério Público que incumbe provar que o
arguido a violou. E para isso, de resto, que o processo penal serve: para atestar o incumprimento da lei e puni-
lo com uma pena, não para louvar quem cumpre a lei.

Os Deputados do CDS-PP, João Rebelo — Hélder Amaral — Telmo Correia.

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Luísa Maria Neves Salgueiro
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António Alves Marques Júnior
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Pedro Miguel de Santana Lopes
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

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32 | I Série - Número: 071 | 24 de Abril de 2009

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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