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21 | I Série - Número: 074 | 30 de Abril de 2009

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que discutimos hoje, nesta Câmara, a humanização em termos de cuidados de saúde, é algo que nos remete para várias perspectivas. É que não só a protecção da saúde é um direito humano como é importante integrar a perspectiva dos direitos humanos na abordagem da saúde.
Conceitos como a dignidade, a privacidade, a confidencialidade dos dados e o enquadramento dos doentes são absolutamente essenciais nos cuidados de saúde modernos.

Aplausos do PS.

Mas como não há presente nem futuro sem passado, gostaria de invocar, hoje e aqui, a propósito da humanização, o importantíssimo papel da Liga Portuguesa contra o Cancro, das ligas dos amigos dos hospitais, sendo, porventura, a mais antiga a do Hospital de Santo António, no Porto, mas também o papel de todas as outras ligas de amigos que se foram constituindo ao longo dos anos, todo o voluntariado que se foi organizando nos diferentes hospitais, a Cruz Vermelha Portuguesa e o relevantíssimo papel de utilidade pública que cumpriu.
Gostaria ainda de invocar todas as medidas tomadas ao longo dos tempos, de que destaco a Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, que elenca não só os direitos como também os deveres. Gostaria de sublinhar este aspecto, porque se o século XX, como recorrentemente digo, foi o século da afirmação dos direitos, o século XXI terá de ser o século de afirmação de deveres correlativos.
Na Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes refere-se o direito a ser-se tratado no respeito pela dignidade humana, o direito a dar ou a recusar consentimento para ser tratado, bem como a questão da privacidade e o direito de apresentar sugestões e reclamações. Tudo isso se insere numa nova forma de relacionamento entre os frequentadores das unidades de saúde e os profissionais de saúde.
Recordar o passado e quem percorreu o caminho é também recordar a comissão de humanização dos cuidados de saúde, em má hora desaparecida. Todos os elementos que integraram a sua presidência trabalharam dedicadamente pro bono e desenvolveram em todo o País um trabalho excepcional.
Recordar o passado é invocar Torrado da Silva, o seu trabalho continuado pelo Instituto de Apoio à Criança (IAC), toda a humanização e a nova relação dos profissionais com as crianças nos serviços de saúde que conseguiu. Mas é também invocar os princípios éticos da Declaração de Helsínquia, os princípios da beneficência, e não maleficência, e a ética enquanto ciência com consciência em instituições que poderão ser tentadas a privilegiar cada vez mais o avanço científico do que a relação entre este e o respeito pelos direitos humanos de todos os que são e devem ser beneficiários dela.
Recordar é invocar também, neste contexto, a Convenção de Oviedo, sobre a protecção dos direitos humanos e da dignidade do ser humano face às aplicações da Biologia e da Medicina. É, sobretudo, fazer pressão no sentido de uma prática em saúde cada vez menos paternalista e cada vez mais orientada para pessoas informadas, que são os seus interlocutores. É cada vez mais passar de uma Medicina e de uma prática em saúde assente no anonimato para uma Medicina e uma prática dirigida a cada pessoa, de uma Medicina e de uma prática em saúde virada para a abordagem científica esquecida do seu destinatário para uma prática que valoriza a pessoa e cada pessoa, privilegiando a riqueza da inter-relação, o saber ouvir, o saber escutar, o compreender, o cuidar, o atender e o sentir.
Por isso, é também importante, em época de hipervalorização de conceitos como a eficácia e a eficiência, desligados muitas vezes da importância e da natureza própria da gestão das instituições de saúde, recordar os princípios e valores dos sistemas de saúde definidos em conselho de ministros da União Europeia, como a universalidade, o acesso a cuidados de saúde de qualidade, a equidade e a solidariedade e os princípios de funcionamento comuns de qualidade, que compreendem, hoje, indispensavelmente, a humanização, a segurança, os cuidados baseados em dados rigorosos e na ética, a participação dos pacientes, o acesso à justiça através das reclamações, a privacidade e a confidencialidade.
Como disse António Damásio, melhorar o nosso quinhão de existência é precisamente aquilo em que tem consistido a civilização, principal consequência da consciência. E desde há pelo menos 3000 anos, com mais ou menos sucesso, melhorar a existência é aquilo que a civilização tem vindo a tentar. Dá alento pensar que já vamos a meio caminho.

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