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15 | I Série - Número: 086 | 29 de Maio de 2009

Sr.as e Srs. Deputados: Para compreenderem melhor o absurdo de estarmos hoje a debater este projecto, permitam-me que partilhe convosco algumas dúvidas que este projecto não resolve e, assim, sem estarem resolvidas, não estaremos em condições de decidir.
Primeira questão: este projecto convoca um conflito entre bens jurídicos. Por um lado, o bem jurídico legalmente protegido, como é a liberdade de dispor do próprio corpo e da própria vida, que se manifesta no momento em que eu recuso terminantemente uma intervenção cirúrgica, mesmo que seja aquela que clinicamente me pode salvar a vida, e que conflitua com o bem jurídico vida, dignidade da vida e da saúde.
Pois bem, Srs. Deputados, qual deles é que este projecto privilegia? E em que medida é que o direito à vida inclui o direito de organização da própria morte? Segunda questão: houve tempo em que a autonomia e a autodeterminação do homem, que estão subjacentes ao direito à liberdade de disposição do próprio corpo e da própria vida, tinham a sua relevância mitigada.
No âmbito da relação médico-paciente, no tocante à prestação de cuidados de saúde, predominou, até há bem pouco tempo, o paternalismo médico — os pacientes são uns ignorantes, que não estão em condições de perceber a tecnicidade da sua situação clínica, e, portanto, não estão habilitados a decidir o que é melhor para eles.
O exercício da medicina equiparava-se, então, a uma «arte silenciosa»: só o médico era o juiz do interesse ou do benefício do doente.
Este princípio do benefício ou da beneficência tem vindo a ser substituído pelo princípio da autonomia, da autonomia da vontade, livre e esclarecida.
O que alterou substancialmente o sentido do acto médico foi a introdução, dentro da relação doente/médico, da ideia forte da autodeterminação do doente. Este deixou de ser entendido como um sujeito meramente passivo para passar a ser um sujeito detentor de direitos, capaz de construir a sua própria vida. A relação médico/paciente tem de conduzir, agora, a um consentimento informado.
Pois bem, digam-me lá, Sr.as e Srs. Deputados, de que forma é que este projecto do PS balanceia estes princípios? Que limitação, ou limitações, estabelece ao principio da autonomia? Como compagina este projecto a liberdade de consentimento com os limites legais à relevância do consentimento contra a lei, da indisponibilidade de determinados interesses jurídicos protegidos e dos bons costumes, como refere o artigo 38.º do Código Penal? Que resposta vos dá este projecto de lei do Partido Socialista? Sr.as e Srs. Deputados, vamos a uma terceira questão e centremo-nos, agora, no domínio dos crimes contra a liberdade. O bem jurídico protegido aqui é a liberdade de dispor do corpo e da própria vida.
No Direito Penal português vigente, o artigo 150.º considera que as intervenções e tratamentos médicocirúrgicos não constituem, em princípio, ofensas corporais. Se as intervenções e os tratamentos forem realizados sem consentimento do paciente, são considerados arbitrários e punidos com prisão até 3 anos.
Encontra-se aqui, na conjugação destes artigos do Código Penal, o cerne da protecção legal máxima do consentimento informado, em matéria de intervenções e tratamentos médicos ou médico-cirúrgicos.
Mas — atenção, Srs. Deputados! — tal como o paciente tem toda a liberdade (constitucional e penalmente, protegida) para emitir o seu consentimento em relação a um determinado tratamento ou intervenção, também goza de igual protecção a recusa de qualquer tratamento ou intervenção, dando corpo à liberdade de autodeterminar o destino do seu corpo e da sua própria vida.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Veja-se, por exemplo, que a dispensa do consentimento, em casos de máxima urgência, tem exactamente como limite que não se verifiquem circunstâncias que permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado.
Quando o médico tenha conhecimento da vontade presumível do paciente e esta seja no sentido de não consentir no tratamento ou na intervenção, não pode levar a cabo estes tratamentos, sob pena de serem punidos como arbitrários.
Sr.as e Srs. Deputados, a conflitualidade que opõe o bem jurídico legalmente protegido (a liberdade de dispor do corpo e da própria vida) a outros bens jurídicos, como a dignidade da vida e da saúde, resolve-se, nestes casos, com o sacrifício da vida e da saúde.

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