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Quinta-feira, 25 de Março de 2010 I Série — Número 38

XI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2009-2010)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE MARÇO DE 2010

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Abel Lima Baptista
Pedro Filipe Gomes Soares

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 9 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 11 e 12/XI (1.ª), dos projectos de lei n.os 179 a 181/XI (1.ª) e dos projectos de resolução n.os 88 a 92/XI (1.ª).
Em declaração política, o Sr. Deputado José Soeiro (PCP) manifestou apoio à luta que os mineiros da Somincor, em Neves Corvo, travam pelo cumprimento de condições instituídas por aquela empresa e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mariana Aiveca (BE) e Conceição Casa Nova (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Heitor Sousa (BE), teceu diversas críticas ao Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) apresentado pelo Governo e rejeitou uma declaração da agência de notação Ficht a propósito daquele Programa. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Bruno Dias (PCP) e João Galamba (PS).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria Conceição Pereira (PSD), além de ter salientado os sectores agrícola e empresarial e a riqueza patrimonial e natural do distrito de Leiria, chamou a atenção para o facto de a lagoa de Óbidos estar em sério risco de desaparecimento devido ao assoreamento que tem vindo a sofrer, tendo apelado ao Governo que tome medidas no sentido de o evitar. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Paulo Pedrosa (PS), Heitor Sousa (BE), Assunção Cristas (CDS-PP), Bruno Dias (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 173/XI (1.ª) — Altera o Código de Processo Penal (CDS-PP), 174/XI (1.ª) — Vigésima quinta alteração ao Código Penal (CDS-PP), 38/XI (1.ª) — Altera o Código de Processo Penal visando a defesa da investigação e a eficácia do combate ao crime (PCP),

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178/XI (1.ª) — Altera o Código de Processo Penal garantindo maior celeridade no julgamento da criminalidade de menor gravidade (PCP) e 181/XI (1.ª) — Altera o Código de Processo Penal (BE), bem como da proposta de lei n.º 12/XI (1.ª) — Procede à décima nona alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (Alberto Martins), os Srs. Deputados Paulo Portas (CDSPP), Ricardo Rodrigues (PS), Carlos Peixoto (PSD), João Oliveira (PCP), Helena Pinto (BE), António Filipe (PCP), Teresa Morais e Luís Montenegro (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), Isabel Oneto (PS) e Nuno Magalhães (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 26 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 9 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Acácio Santos da Fonseca Pinto
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Paula Mendes Vitorino
Anabela Gaspar de Freitas
António Alves Marques Júnior
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Filipe de Andrade Neto Brandão
Catarina Marcelino Rosa da Silva
Defensor Oliveira Moura
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eurídice Maria de Sousa Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Frederico de Oliveira Castro
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Rosendo Gonçalves
José Albano Pereira Marques
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Duarte Piteira Rica Silvestre Cordeiro
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José João Pinhanços de Bianchi
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pereira Ribeiro
José Rui Alves Duarte Cruz
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Paulo Feteira Pedrosa
João Paulo Moreira Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
João Saldanha de Azevedo Galamba
Júlio Francisco Miranda Calha
Luiz Manuel Fagundes Duarte

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Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luís Miguel Soares de França
Luís Paulo Costa Maldonado Gonelha
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José de Faria Seabra Monteiro
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Figueiredo de Sousa Rebelo
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Isabel Solnado Porto Oneto
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Odete da Conceição João
Maria da Conceição Guerreiro Casa Nova
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Mário Joaquim da Silva Mourão
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Miguel da Costa Araújo
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rui José Prudêncio
Rui José da Costa Pereira
Sofia Isabel Diniz Pereira Conde Cabral
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Teresa do Rosário Carvalho de Almeida Damásio
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Brandão de Sousa Fontes

Partido Social Democrata (PSD):
Adriano Rafael de Sousa Moreira
Agostinho Correia Branquinho
Amadeu Albertino Marques Soares Albergaria
Antonieta Paulino Felizardo Guerreiro
António Alfredo Delgado da Silva Preto

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António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto
António Cãndido Monteiro Cabeleira
António Egrejas Leitão Amaro
António Fernando Couto dos Santos
António Joaquim Almeida Henriques
Arménio dos Santos
Carina João Reis Oliveira
Carla Maria Gomes Barros
Carla Maria de Pinho Rodrigues
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Henrique da Costa Neves
Carlos Manuel Faia São Martinho Gomes
Celeste Maria Reis Gaspar dos Santos Amaro
Cristóvão da Conceição Ventura Crespo
Emídio Guerreiro
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Nuno Fernandes Ribeiro dos Reis
Fernando Ribeiro Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isabel Maria Nogueira Sequeira
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José Alberto Nunes Ferreira Gomes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Marques de Matos Rosa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José de Almeida Cesário
José Álvaro Machado Pacheco Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Figueiredo Antunes
João José Pina Prata
Luís António Damásio Capoulas
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Margarida Rosa Silva de Almeida
Maria Francisca Fernandes Almeida
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto
Maria Luísa Roseira da Nova Ferreira de Oliveira Gonçalves
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Teresa Machado Fernandes
Maria Teresa da Silva Morais
Maria da Conceição Feliciano Antunes Bretts Jardim Pereira
Maria das Mercês Gomes Borges da Silva Soares
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas

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Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Miguel Pestana Chaves e Castro da Encarnação
Paulo César Lima Cavaleiro
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Augusto Lynce de Faria
Pedro Manuel Tavares Lopes de Andrade Saraiva
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Nuno Mazeda Pereira Neto Rodrigues
Raquel Maria Martins de Oliveira Gomes Coelho
Sérgio André da Costa Vieira
Teresa de Jesus Costa Santos
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vânia Andrea de Castro Jesus

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
Altino Bernardo Lemos Bessa
Artur José Gomes Rêgo
Cecília Felgueiras de Meireles Graça
Filipe Tiago de Melo Sobral Lobo D' Ávila
Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro
José Helder do Amaral
José Manuel de Sousa Rodrigues
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Manuel de Serpa Oliva
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Maria de Assunção Oliveira Cristas Machado da Graça
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Raúl Mário Carvalho Camelo de Almeida
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Catarina Soares Martins
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Heitor Nuno Patrício de Sousa e Castro
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
José Guilherme Figueiredo Nobre de Gusmão
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Pedro Filipe Gomes Soares

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Pedro Manuel Bastos Rodrigues Soares
Rita Maria Oliveira Calvário

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado
Paula Alexandra Sobral Guerreiro Santos Barbosa
Rita Rato Araújo Fonseca

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta do expediente da reunião de hoje.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 11/XI (1.ª) — Terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 15/95, de 24 de Janeiro, em matéria de exercício da actividade de agente de propriedade industrial, que baixou à 6.ª Comissão, e 12/XI (1.ª) — Procede à décima nona alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, que baixou à 1.ª Comissão; projectos de lei n.os 179/XI (1.ª) — Determina a recomposição das carreiras dos sargentos fuzileiros deficientes das Forças Armadas graduados em sargento-mor (PCP), que baixou à 3.ª Comissão, 180/XI (1.ª) — Segunda alteração ao Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pela Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro (CDS-PP), que baixou à 8.ª Comissão, e 181/XI (1.ª) — Altera o Código de Processo Penal (BE); e projectos de resolução n.os 88/XI (1.ª) — Colocação dos especialistas de Medicina Geral e Familiar (PSD), que baixou à 10.ª Comissão, 89/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo medidas urgentes no âmbito da prevenção e resposta à violência em espaço escolar (BE), que baixou à 8.ª Comissão, 90/XI (1.ª) — Exorta o Governo a tomar um conjunto de medidas para aplicação do princípio da precaução em relação a transgénicos (Os Verdes), que baixou à 7.ª Comissão, 91/XI (1.ª) — Programa de Estabilidade e Crescimento para 2010-2013 (PS) e 92/XI (1.ª) — Rejeita o Programa de Estabilidade e Crescimento para o período 2010-2013 e recomenda ao Governo que adopte uma política orientada para a defesa do interesse nacional, o crescimento económico e a convergência real, o combate ao desemprego e à pobreza, a qualidade dos serviços públicos, a justiça e equidade fiscais, o combate ao endividamento externo e o controlo das contas públicas (PCP), que baixaram à 5.ª Comissão.
Em termos de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos iniciar o período de declarações políticas.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

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O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há mais de um mês que os mineiros ao serviço da Somincor, em Neves Corvo, lutam com determinação pelo cumprimento, por parte da empresa, de condições que ela própria instituiu, ou seja, o pagamento especial do trabalho efectuado no dia 4 de Dezembro, dia de Santa Bárbara, dia do mineiro, cujo valor agora pretende reduzir arbitrariamente em 50%, e para que o subsídio de fundo, que lhes é reconhecido pela dureza e exposição aos riscos permanentes resultantes do trabalho que desenvolvem para arrancar o minçrio á terra, tenha um aumento de cerca de 3 € diários.
Daqui saudamos os mineiros em luta, reafirmando-lhes toda a nossa solidariedade e os votos de que a sua luta seja bem sucedida.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Bem sucedida, em primeiro lugar, porque é uma luta justa, uma luta que visa uma melhor distribuição da riqueza por aqueles que efectivamente a produzem, a qual, no nosso País, é tão mal distribuída. É, por isso, uma luta por mais e melhor justiça social e, por essa razão, deve merecer o apoio e a solidariedade de todos os portugueses. De pouco valeriam os nossos recursos mineiros se não houvesse trabalhadores que os arrancam às profundezas da terra e os colocam à disposição da sociedade.
Bem sucedida, em segundo lugar, porque cada cêntimo que os mineiros arranquem aos escandalosos lucros que a Somincor tem obtido à custa da exploração do seu trabalho e da lavra gananciosa que tem implementado, com a cumplicidade de sucessivos governos, será sempre um ganho não só para os mineiros mas para toda a comunidade.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Serão sempre mais uns cêntimos que irão animar o comércio e a restauração, as pequenas empresas de construção civil e as pequenas oficinas sediadas no território envolvente; serão sempre mais uns cêntimos que ficarão no território de onde essa riqueza é originária, mais uns cêntimos ao serviço do desenvolvimento local, numa região tão empobrecida como o é o Alentejo.
Bem sucedida, em terceiro lugar, porque cada cêntimo que os mineiros arranquem à Somincor será sempre menos um cêntimo a beneficiar a multinacional Lundin Mining, hoje proprietária da Somincor através de uma compra sem concurso, em condições ocultas acordadas com os governos do PS, cujo contrato o exMinistro Manuel Pinho, o actual Ministro Vieira da Silva e o próprio Primeiro-Ministro José Sócrates tudo fazem para manter oculto dos portugueses, apesar das solenes mas falsas afirmações de que todos os contratos firmados entre o Estado e privados são públicos, isentos e transparentes, pautados pelo rigor que deve presidir à gestão da coisa pública e — pasme-se — até podem ser acedidos por todos através da Internet, como afirmou solenemente, nesta Câmara, o actual Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Uma vergonha!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Deve ser também uma Internet especial, de acesso privilegiado e exclusivo a certos amigos, uma Internet também ela oculta, como ocultos são os contratos e, sobretudo, os respectivos anexos, cujas cópias, repetidamente solicitadas, continuamos a aguardar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É outra «Face Oculta«!»

O Sr. José Soeiro (PCP): — Não podemos deixar de lembrar que a Lundin Mining aqui referida é a mesma a quem o governo anterior do PS vendeu as Pirites Alentejanas de Aljustrel, em condições igualmente ocultas, se é que se pode considerar uma venda a entrega de uma empresa com milhões de euros de valor pelo valor simbólico de apenas 1 €. A tal empresa que o Sr. Primeiro-Ministro enalteceu como exemplo de um bom investimento, de um investimento estrangeiro modelar e de sucesso e que, seis meses depois de tão notável discurso, despediu de forma selvagem, com o conhecimento e cumplicidade do governo, mais de 700 trabalhadores que trabalhavam nas Pirites Alentejanas, mantendo, no entanto, na sua posse a super lucrativa

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Somincor, que, como sabemos, está neste processo numa atitude arrogante e prepotente, recusando a negociação com os mineiros.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Não admira esta postura arrogante e prepotente da multinacional Lundin Mining: ela sabe que conta com a postura cúmplice e subserviente do Governo; ela conhece as razões ocultas que levam o Governo do PS a ocultar os contratos e anexos que com ela assinou; ela sabe que pode contar com os bons ofícios dos mandantes do Governo no distrito (vejam-se as prestimosas tentativas do Sr.
Governador Civil do distrito de Beja de tentar dividir os mineiros com o estafado discurso de que estarão a ser manipulados e instrumentalizados pelo PCP). Uma vergonha!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É sempre a mesma conversa!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Como se os mineiros fossem manipuláveis, como se fossem parvinhos e não soubessem que o sucesso da luta que estão a travar reside, em primeiro lugar, na sua unidade e na sua capacidade de resistir às manobras divisionistas dos que, a qualquer preço, querem servir a multinacional Lundin Mining em detrimento dos interesses dos trabalhadores, do Alentejo e do País.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Apoiámos, apoiamos e iremos continuar a apoiar a luta dos mineiros da Somincor, como apoiámos, apoiamos e apoiaremos todas as lutas visando uma maior e mais justa partilha da riqueza nacional, porque não é com congelamento e degradação de salários e reformas, com agravamento de impostos sobre os rendimentos do trabalho, com mais desemprego e precariedade, com cortes de investimento e consequente degradação dos serviços públicos, com mais privatizações das empresas rentáveis onde o Estado tem posições, como nos propõe o PS no seu famigerado Programa de Estabilidade e Crescimento, com a cumplicidade, já assumida, do PSD, que Portugal irá vencer a crise de que tanto se fala.
Que vençam os mineiros, porque esse, sim, será um contributo para superar a crise.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Teresa Caeiro.

A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se dois Deputados para pedir esclarecimentos ao orador.
Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, trouxe a este Plenário um tema da maior importância: a solidariedade com a justa e grande luta dos mineiros da Somincor.
Na perspectiva do Bloco de Esquerda, é inexplicável que uma empresa com tantos lucros esteja a oferecer exactamente 1% de aumento a estes trabalhadores. Todos nós sabemos as degradantes condições em que estes trabalhadores laboram. Não é a mesma coisa trabalhar numa mina ou trabalhar à superfície da terra, como todos bem sabemos.
Curiosamente, como o Sr. Deputado referiu na sua intervenção, na passada Legislatura foram aqui feitas imensas promessas não só pelo ex-Ministro Manuel Pinho como pelo Ministro Vieira da Silva e até houve um compromisso do Sr. Primeiro-Ministro acerca da laboração desta mina, que já passou por várias etapas e por várias fases. Inclusivamente, neste momento, tem apenas 200 trabalhadores quando, em tempos, foi uma empresa que, naquelas terras de grande estigmatização, provocou desenvolvimento não só para os trabalhadores e para a mina em si como também em termos locais, tal como o Sr. Deputado referiu.
Sr. Deputado, a minha pergunta é muito clara: acha excessiva a reivindicação dos mineiros da Somincor quando reivindicam a uma empresa com brutais lucros, como referi, um aumento de 100 €? Acha que faz bem

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a empresa em oferecer apenas 1% de aumento salarial para pessoas que têm um trabalho tão duro como este, o trabalho nas minas? Sr. Deputado, gostaria que desse a sua opinião sobre os aumentos salariais, tal como gostaria de saber se está, ou não, de acordo em que este é o momento de relembrar aqui os compromissos do governo do PS da anterior Legislatura, que hoje, curiosamente, se mantém no mais profundo silêncio sobre uma luta que dura há imensos dias, sobre uma luta que, de facto, exalta a coragem das gentes das minas da Somincor.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, muito obrigado pelas questões colocadas.
Sr.ª Deputada, gostaria de sublinhar dois aspectos: em primeiro lugar, e tal como disse, a importância de satisfazer as justas e legítimas reivindicações dos mineiros da Somincor, porque melhorar as condições daqueles trabalhadores é, na verdade, assegurar que uma parte da riqueza por eles produzida é fixada na região e irá contribuir não apenas para a melhoria das suas condições de vida mas também para animar o fraco tecido empresarial que caracteriza aquela região.
Nesse sentido, naturalmente, não é apenas do interesse dos mineiros mas, sim, de toda a sociedade que uma parte da riqueza que aqueles trabalhadores produzem possa traduzir-se em benefício directo na sua vida pessoal e, neste caso concreto, de uma forma mais ampla, em toda a sociedade envolvente.
Conhecendo-se que o Alentejo é uma região envelhecida e deprimida, naturalmente que é da maior importância que haja uma mais justa distribuição da riqueza ali existente. Esta seria, portanto, a satisfação de uma reivindicação de interesse geral.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Em segundo lugar, quero realçar que, na verdade, estamos perante uma empresa manifestamente protegida do Governo e não se compreende a natureza oculta dos negócios que têm sido feitos com ela, porque a Somincor foi entregue, sem concurso público, à Lundin Mining.
Na altura, a justificação do Sr. Ministro da Economia é a de que isso iria criar sinergias, porque permitiria o relançamento em força da exploração das Pirites Alentejanas em Aljustrel. Nada de mais falso! A primeira coisa que a Lundin Mining fez, à primeira dificuldade, foi atirar 700 trabalhadores de Aljustrel para o desemprego e ficar apenas com a Somincor, que dá chorudos lucros, sem que o Governo tenha tomado a mínima atitude no sentido de reivindicar, inclusivamente, o cumprimento das cláusulas secretas que persistem em estar ocultas e que era bom serem conhecidas dos portugueses.
Neste momento não se compreende uma postura do Governo que parece preferir os lucros obtidos pela Lundin Mining pela exploração brutal dos trabalhadores portugueses, pela forma como está a explorar riquezas daquele território e que estas sejam transferidas para o exterior através de mais-valias, em vez de assegurar melhor e de forma mais justa a distribuição da riqueza. É isso que os trabalhadores estão a reivindicar.
Daí a importância do sucesso da luta que travam, daí a importância da solidariedade de todos aqueles que querem vencer a crise, não à custa de mais sacrifício de quem trabalha, mas à custa de ir buscar a quem tem lucros escandalosos uma parte para distribuir pelo País.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Conceição Casa Nova.

A Sr.ª Conceição Casa Nova (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, percebo que não seja fácil digerir os resultados eleitorais para a Câmara de Aljustrel.

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Vozes do PS: — Muito bem!

Protestos do PCP.

A Sr.ª Conceição Casa Nova (PS): — É visível e é conhecido de todos o esforço que foi feito por este Governo para manter as minas de Aljustrel em funcionamento. Isso é visível por todos.
Em relação às minas da Somincor, é também visível o esforço que tem sido feito por parte deste Governo. Têm sido protegidas, mas é normal que o tenham sido. Ainda bem que foram protegidas, porque queremos empresas fortes.
Não há nenhuma agenda oculta, como foi dito pelo Sr. Deputado. Oculta talvez seja a agenda do PCP relativamente às minas da Somincor e de Aljustrel.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Conceição Casa Nova (PS): — Sempre estivemos do lado das populações. Sempre estivemos do lado das minas. Sempre pugnámos para que elas se mantivessem abertas. E as várias administrações das minas, nomeadamente da Somincor, sempre foram conhecidas por darem belíssimas condições aos seus funcionários.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Oh!... Belíssimas!...

A Sr.ª Conceição Casa Nova (PS): — A questão que lhe queria colocar, Sr. Deputado, é se o PCP gostaria de ver as minas fechadas, quer as minas de Aljustrel, quer as minas da Somincor.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr.ª Presidente, desta vez temos a vantagem do silêncio do Deputado Luís Pita Ameixa, que é quem costuma vir a terreiro... Até estava à espera que ele viesse explicar aquela venda, por 1 €, das Pirites Alentejanas. Era isso que gostávamos de ouvir, porque, na verdade, a isto chama-se delapidar o erário público. A isto chama-se entregar de bandeja a uma multinacional aquilo que é de todos os portugueses. E sobre isso eu ouvi zero de questões! Zero de questões! Depois, pensei que iriam explicar aquele «coelho retirado do chapéu» do Sr. Ministro quando fez o negócio com a Martifer para percebermos como é que foi feito aquele negócio, o que é que houve ali envolvido, que interesses é que estão ali, de facto, em jogo. A verdade é que a Lundin Mining não cumpriu nada daquilo que o Sr. Ministro disse nesta Casa que estava no contrato, ou seja, os postos de trabalho e a associação das duas explorações para garantir sinergias. Disso cumpriu zero! A Lundin Mining, simplesmente, apropriou-se dos filões mais ricos existentes em Neves Corvo. E essa riqueza está hoje a ser canalizada para o exterior e a deixar muito pouco — muito pouco! — daquilo que era necessário deixar em Portugal.
E não venha a Sr.ª Deputada dizer que as minas fechavam, porque, antes, no caso da Somincor, quando detinham 51% de capital nacional e, no caso das Pirites Alentejanas, 100%, funcionavam! Nós abandonámos uma estratégia de aproveitamento dos nossos recursos mineiros ao serviço do desenvolvimento e da independência nacionais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Optámos por entregar os nossos recursos, de bandeja, às grandes multinacionais. O PS tem de explicar ao País porque o fez!

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O que ganhámos com isso? O que ganhámos com isso, Sr.ª Deputada? Ganhámos zero! Ganhámos a prepotência e a arrogância do grande capital, que trata os mineiros como a Lundin Mining está a tratar no momento presente. Era isto que a Sr.ª Deputada devia explicar.
O Sr. Governador Civil, representante do governo português, está numa postura de subserviência face a uma multinacional, procurando levar os trabalhadores a ceder à chantagem e prepotência de uma empresa multinacional. E a Sr.ª Deputada, sobre essa matéria, disse zero! Portanto, se alguém tem de dar explicações ao País, sobretudo aos trabalhadores mineiros, é o Partido Socialista, pelas más políticas que tem praticado ao longo destes anos.

Aplausos do PCP:

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: A agência Ficht anunciou hoje, na véspera da discussão do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) neste Parlamento, que reduzia a notação da dívida pública portuguesa e que sugeria, portanto, o aumento do seu juro. Esta é uma declaração de ataque especulativo contra a economia portuguesa por parte de uma agência internacional que, como outras, não tem nem credibilidade nem fundamento. Há um par de anos, esta agência declarava que os pacotes de subprime e vários derivados eram da máxima confiança e que tudo corria bem. Não se enganaram só, enganaram as poupanças de milhões de pessoas. Mas são coerentes e constantes num objectivo: especulação, transferência de valor e ataque a economias para conseguir acumulação para os especuladores. O Bloco de Esquerda rejeita firmemente esta declaração e insiste na necessidade da criação de uma agência de notação europeia ao serviço da informação como um bem público e contrariando os especuladores. Apresentamos um projecto de resolução nesse sentido e proporemos que o Parlamento o vote em tempo útil.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PEC apresentado pelo Governo é uma ruína económica com um plano de privatizações em que o Estado perde mais em dividendos do que encaixa com a venda ao desbarato do património. Um erro fiscal que promove cortes cegos e arbitrários onde deveria imperar uma política de promoção da igualdade e ainda uma tragédia social com a diminuição das transferências para os idosos e mais pobres dos mais pobres.
O Ministro das Finanças tentou ontem desdizer o seu próprio PEC, garantindo que as pensões subiriam, mas os factos são mais teimosos do que as afirmações atrapalhadas de última hora.
O CDS exigiu um corte de 130 milhões de euros no rendimento social e o rendimento social tem um corte de 130 milhões. A direita pretende uma segurança social privada e o Governo corta 600 milhões de euros nas transferências orçamentais para a segurança social. Pior, como se ainda pudesse haver pior: a redução do subsídio de desemprego e o projecto do Governo para impor aos desempregados trabalho abaixo do salário mínimo revelam a capitulação completa do Partido Socialista acerca do argumento liberal que sempre garantiu que os desempregados são culpa dos próprios desempregados.

Aplausos do BE.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Outra expressão máxima do desnorte do PEC é o seu programa de privatizações. Diz o Governo que pretende realizar com a venda de cerca de 20 empresas financeiras e não financeiras cerca de 6 000 milhões de euros para abater no total do valor da dívida e dos seus juros.
A primeira ideia que deve ficar clara é a de que estamos perante uma venda ao desbarato, qual feira onde tudo se pode comprar a preços de ocasião.
Ainda ontem, Teixeira dos Santos veio a esta Casa misturar números e mistificar a realidade numas contas de mercearia que dizem muito sobre o tal descalabro das contas públicas. Disse o Ministro, interpelado pelo Bloco de Esquerda, que a alienação dos CTT e a participação do Estado na EDP renderá 2 500 milhões de

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euros, reduzindo assim os juros da dívida pública em 110 milhões de euros por ano. Um bom negócio, congratula-se o Governo, dizendo que, em contrapartida, apenas perde 90 milhões de euros em dividendos. O que ficou por saber é onde o Ministro foi buscar estes 90 milhões de euros.
As contas são públicas e bastante claras. Em 2009, em plena recessão, a EDP e os CTT distribuíram 137 218 000 euros. Ou seja, o Estado vende a sua presença na EDP e os CTT para perder qualquer coisa como 30 milhões de euros por ano. E para isso perdeu a propriedade de bens públicos estratégicos. Perdem-se os «anéis» e vendem-se por tuta e meia os «dedos». E o Governo ainda nos pede que festejemos este negócio ruinoso.
Com a privatização da REN, da CP ou dos CTT, o Governo limita-se a substituir monopólios públicos por monopólios privados, garantindo a renda e as condições de fixar os preços que entender aos seus futuros proprietários.
Privatizar os CTT, por exemplo, é vender a futura maior rede de vendas a retalho que existe no País. Num passado recente, o Estado esteve contra a proposta de os CTT se transformarem num banco porque, alegadamente, seria uma concorrência desleal face aos outros bancos privados! Agora, resolve-se a questão, invertendo-a: entrega-se os Correios aos privados pois o «público» não se poderá queixar de «concorrência desleal», e os privados beneficiados podem agora fazer dos Correios uma espécie de banco para vender produtos financeiros pelo País inteiro.
O mesmo acontece com a CP. A partir da sua privatização ou concessão das linhas mais rentáveis, já conhecemos os próximos capítulos: vai haver uma «reestruturação dos serviços», a qualidade de serviço prestado vai reduzir, o preço aumentará, vão reduzir-se os efectivos e as condições de trabalho e de segurança vão agravar-se.
A privatização dos comboios na Europa tem uma história. Em Inglaterra, o que era anunciado por Margaret Tatcher como um exemplo da eficiência e melhoria no sistema transformou-se, em menos de uma década, numa sucessão trágica de pesados acidentes mortais, nos quais faleceram mais de 100 pessoas, e num pesadelo financeiro para o Estado, que foi obrigado a investir em tudo aquilo que os privados se recusaram a fazer e a renacionalizar a Railtrack. Mesmo que nada disto esteja previsto na futura «concessão de serviços», não se acredita que este Governo e os próximos sejam capazes de fazer melhor do que tem sido feito, por exemplo, com a concessão da Fertagus, no eixo ferroviário Norte-Sul. Alguém se lembra de alguma tentativa minimamente conseguida para obrigar a Fertagus a aceitar, por exemplo, o passe social nas viagens que todos os dias milhares de pessoas fazem de e para Lisboa? Zero! Nada! E, no entanto, o próprio contrato de concessão com a Fertagus já foi repetidamente denunciado como «contrário ao interesse público» pelo Tribunal de Contas, e a essas denúncias os vários governos, do PS ao PSD, sempre fizeram ouvidos de mercador.
Com este PEC, o Governo encarrega-se de ferir de morte todo esse futuro que acreditamos ser possível.
Desde logo, com os trabalhadores da CP que ontem, numa grande jornada de luta, disseram ao Governo que não estão dispostos a continuar a ser os sacrificados por uma crise que não criaram. Este PEC tem tudo para ser consensual. Não falo do consenso manso dos corredores, pelo qual anseia o Governo, mas do da sua rejeição social. Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Existem dois pedidos de esclarecimento.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Heitor de Sousa, queremos recordar que, quando se discute este PEC, estamos numa situação de publicidade enganosa, porque o nome do próprio documento estará errado. É que este PEC não é nenhum Programa de Estabilidade e Crescimento. É anunciado como tal, mas não é nem uma coisa nem outra. Não é nem de estabilidade, nem de crescimento. É um programa de instabilidade social e de retrocesso económico. É um programa, como há dias designava um representante dos pequenos empresários, um verdadeiro programa de empobrecimento colectivo, em que se congelam não apenas o consumo público e o investimento público, num sentido muito flagrante e preocupante para os próximos anos, mas também as prestações sociais ditas não contributivas, ou seja, penaliza-se ainda

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mais aqueles que mais precisam, quando, ainda para mais, se apresenta, nesta vertente das privatizações, um plano de autêntica venda a pataco de sectores estratégicos verdadeiramente fundamentais para o nosso país, para a nossa economia e para a vida das populações.
Ainda ontem, na reunião com o Ministro das Finanças, tivemos oportunidade de recordar que as medidas agora apontadas no PEC para Portugal, nomeadamente com a ferrovia, com os serviços postais e com os aeroportos, foram ensaiadas, há 10, 15 ou 20 anos, em alguns países europeus, e estão, agora, nesses países, a provar o verdadeiro descalabro económico e social que resultou destas medidas.
Há uma comissão de inquérito no Parlamento britânico que foi criada na sequência da privatização dos aeroportos de Londres; há renacionalizações de linhas ferroviárias no Reino Unido; e estão a ser avaliados os resultados dramáticos da privatização dos correios. No entanto, estas são medidas que, 20 anos depois, o Governo português tenciona levar por diante.
Daí querermos perguntar ao Sr. Deputado e a todos os Srs. Deputados desta Assembleia se este é, ou não, um mau «filme» que já vimos. E se, tal como aconteceu, não há 40 ou 50 anos, mas agora mesmo com a Fertagus, com a entrega à gestão privada de um serviço público fundamental no transporte ferroviário, em que os utentes pagam mais do que o dobro por quilómetro, em que o Estado, nos últimos seis anos, já entregou mais de 50 milhões de euros só em indemnizações compensatórias e em que o passe social continua sem ser válido, penalizando os utentes e as populações desta região, está, ou não, à vista a experiência concreta e a realidade concreta, que demonstra o desacerto e o resultado terrível para a economia nacional e para a própria soberania? Mas como será bom de ver, como é evidente e perfeitamente previsível, será um chorudo e muito apetitoso negócio para grupos económicos que já se estão a movimentar neste sector na preparação destes negócios.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, a questão que colocou é extremamente relevante, porque me permite não apenas concordar com o essencial que referiu mas também acrescentar algo mais aos argumentos contra o programa de privatizações do actual Governo.
Disse o Sr. Deputado, e bem, que o Governo pretende privatizar alguns sectores estratégicos da economia, nomeadamente o transporte ferroviário. De facto, do ponto de vista estratégico, a privatização de um instrumento de política económica tão relevante como é o poder de intervir sobre um determinado sector de actividade através de uma empresa, é uma política que pode levar o Estado, pura e simplesmente, a render-se à política de privatização que os privados vão desenvolver no sector ferroviário e, em geral, no sector dos transportes. E pode também, e sobretudo, levar o Estado e o Governo a demitirem-se de intervir num sector que é estratégico, até para alterar o perfil de sustentabilidade e o perfil ambiental, pondo-nos em risco de, nos próximos anos, termos de pagar mais em multas por causa das emissões de CO2 do que em subsídios para os transportadores públicos que existem no sector dos transportes.
E essa circunstância de poder intervir com o objectivo de defender o sector mais amigo do ambiente, que é o sector ferroviário, utilizando uma empresa como instrumento dessa política, permite-lhe apoiar não só a reabertura de uma série de linhas ferroviárias que foram fechadas ou suspensas nos últimos anos deste Governo do Partido Socialista, mas também o desenvolvimento de programas de mobilidade que dêem efectivamente prioridade ao sector ferroviário face aos outros sectores dos transportes, nomeadamente face ao sector rodoviário.
Isto porque, do ponto de vista estratégico, sabemos que o facto de se dar prioridade a um sector mais amigo do ambiente, como o ferroviário, nos permitirá não só resolver muitos dos problemas de sustentabilidade que se vão colocar com cada vez maior acuidade no futuro mas, sobretudo, melhorar a qualidade de vida das populações nas várias zonas onde existe esse transporte, sobretudo nas áreas metropolitanas.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Queira concluir, Sr. Deputado.

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O Sr. Heitor Sousa (BE): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Quero apenas dizer ao Sr. Deputado Bruno Dias que fez bem em sublinhar os resultados dramáticos que a privatização de alguns sectores dos transportes originou em Inglaterra e que esses resultados dramáticos acabaram sempre por trazer mais custo ao Estado do que a situação anterior.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Galamba.

O Sr. João Galamba (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Heitor Sousa, o Bloco de Esquerda fala do PEC parecendo que não reconhece a necessidade de reduzir a despesa pública. É preciso não esquecer uma coisa: 75% da despesa pública destina-se a despesas com pessoal e com prestações sociais. Gostava de saber como é que o BE propõe reduzir a despesa sem mexer nestas duas componentes.
O PS defende o Estado social, mas, ao contrário dos partidos à sua esquerda, sabe que a sustentabilidade do Estado social é fundamental, pois, sem esta, a sua falência seria inevitável. Aparentemente, nem o BE nem o PCP parecem muito preocupados com isso.

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

Em relação ao plano das privatizações, há, de facto, uma diferença fundamental entre o PS e os partidos à sua esquerda. O BE e o PCP parecem acreditar que o serviço público depende essencialmente da propriedade pública. Ora, o PS discorda da ideia de que o plano de privatizações do Reino Unido possa servir como exemplo, porque, aparentemente, o BE esquece o seguinte: se é verdade que a gestão privada tem os seus problemas, também é verdade que a gestão pública tem os seus problemas. Acho extraordinário que o BE se apoie na dita falência do modelo neoliberal sem reconhecer que também houve um modelo anterior que falhou e acho que é preciso tirar consequências disso. Ora, o BE parece não saber fazê-lo.
A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado Heitor Sousa, é se acha que é impossível garantir um serviço público de qualidade através da regulação e que é imperativo assegurar esse mesmo serviço público através da propriedade pública.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Galamba, agradeço a sua questão e quero responder-lhe a dois níveis.
O argumento da redução da despesa pública seria compensado pela privatização de empresas e o argumento da chamada «falência do modelo de gestão pública» pelo modelo de gestão privada.
Sr. Deputado, não sei se sabe, mas a redução da despesa pública era exactamente o argumento que Margaret Thatcher e John Major invocavam para privatizar a British Rail, em Inglaterra, no início dos anos 90.
E o que acabou por se verificar, Sr. Deputado, é que o dinheiro que o Estado pagava em subsídios para o sector ferroviário público, na Inglaterra, antes da privatização, acabou por ser ultrapassado, e com juros, pelo dinheiro que o Estado teve de pagar para remendar o autêntico descalabro em que as vias ferroviárias ficaram após a privatização.
E com outro argumento, Sr. Deputado: é que a taxa de cobertura dos custos pelas receitas, antes da privatização da British Rail, era de 57% e, depois da privatização, essa taxa passou para 54% do total dos custos.
Portanto, Sr. Deputado, mesmo do ponto de vista da gestão operacional, a alegada superioridade da gestão privada veio a revelar-se um autêntico fracasso, uma grande mentira e uma pesadíssima herança para o Estado, que teve de andar a recompor tudo aquilo em que os privados se recusavam a investir. É que aquilo

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que os privados vêem, Sr. Deputado, é lucro, a curto prazo, e não a rentabilidade social e económica, a longo prazo.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sobre a gestão pública e a gestão privada, Sr. Deputado, é verdade que a gestão pública, em muitas empresas, poderia ser muito melhor do que é. Mas, Sr. Deputado, parafraseando o Sr. Ministro das Finanças, isso deve-se, em grande medida, ao facto de as empresas públicas terem sido, nos últimos anos, mais agências de emprego para os boys, para os filhos e afilhados, do que propriamente lugares onde se gere a coisa pública, em nome da eficácia e da eficiência económica e social.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Se fossem esses os objectivos de gestão de muitas empresas públicas, estou seguro de que muitos dos custos de estrutura que as empresas têm poderiam ser mais baixos e muitas das pessoas que «estão nas prateleiras» por causa de não terem o cartão com a cor certa poderiam ser mais aproveitadas, em nome da defesa do interesse público.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
E o que este modelo nos diz, Sr. Deputado, não é que o modelo de gestão pública está falido, mas que não vale a pena invocar o modelo de gestão privada num sector de actividade onde ele já provou que não serve o interesse público.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Conceição Pereira.

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Subo hoje a esta tribuna para falar à Câmara sobre o distrito de Leiria.
O distrito de Leiria faz parte da região Centro do País, tem 3500 km2 de área e cerca de 500 000 habitantes, repartidos por 16 concelhos que se estendem desde o oceano Atlântico até ao limiar do interior.
É um distrito heterogéneo, em que o desenvolvimento empresarial convive com os perigos da interioridade e desertificação. Um distrito resultado de divisões administrativas passadas, como a fusão de parte da antiga província da Estremadura com a da Beira Litoral.
O distrito de Leiria tem, como muitos sabem, 100 km de costa, uma actividade agrícola intensa e economicamente importante, um sector empresarial dinâmico, forte e empreendedor com algumas características únicas a nível nacional, de que são exemplo as indústrias vidreira, cerâmica e dos moldes.
É também um distrito com enorme riqueza patrimonial. Todos se recordam de que três das Maravilhas de Portugal se encontram neste distrito — estou a falar da Batalha, de Alcobaça e de Óbidos.
Tem também um património natural único, a nível nacional, com paisagens tão distintas como as das praias ou dos maciços das serras de Aire e Candeeiros ou de Sicó.
Neste particular, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero aqui trazer à Câmara um problema dramático que, neste momento, se vive num local único e de uma beleza extraordinária, que é a lagoa de Óbidos, que também pretendeu candidatar-se às Maravilhas de Portugal, mas que, infelizmente, devido ao estado a que este Governo a deixou chegar, não passou da primeira fase, independentemente da sua candidatura, apresentada pelas autarquias de Caldas e de Óbidos.

Aplausos do PSD.

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A lagoa de Óbidos tem vindo, ao longo dos tempos, a diminuir a sua dimensão e está perante um sério risco de desaparecimento devido ao assoreamento que tem vindo a sofrer, sem que se proceda a qualquer dragagem desde o ano de 2003 — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, já lá vão sete anos! A lagoa de Óbidos, para além de ser um pólo importantíssimo de atractividade turística, é também vital para a economia de muitas famílias que ali têm o seu ganha-pão. Mas, caso a lagoa não seja dragada e simultaneamente realizadas as obras de intervenção na zona da embocadura, corre-se um sério risco de todo aquele espaço lagunar se tornar numa zona pantanosa.
Para além do assoreamento da lagoa, as intempéries dos últimos tempos têm agravado a situação, colocando a descoberto o emissário submarino que transporta para o alto mar as águas residuais da cidade das Caldas da Rainha, da vila da Foz do Arelho e cerca de 70% das águas residuais dos concelhos de Óbidos, Bombarral e Cadaval. A destruição do referido emissário, independentemente do tratamento secundário tratado pelas ETAR, interromperia o referido transporte e passaria a despejar todas as águas residuais na lagoa de Óbidos.
A acontecer tal situação, poder-se-ia considerar um gravíssimo desastre ecológico com a destruição das diferentes espécies piscícolas que habitam na lagoa e que são o sustento de muitas famílias.
Por outro lado, a praia da Foz do Arelho tem vindo a verificar, desde o passado ano, um avanço crescente do mar sobre a praia, colocando grande parte da areia da praia dentro da lagoa, pondo em risco a existência da própria praia — que praticamente já sofreu uma destruição total — bem como de muitos dos equipamentos de apoio.
Perante esta grave situação e os inúmeros alertas feitos pelos autarcas, designadamente das Caldas da Rainha e de Óbidos, bem como pelas freguesias e pela população — quem não viu nas televisões as bandeiras negras a cobrir a lagoa de Óbidos? — , a empresa Águas do Oeste, com a superintendência do INAG e do LNEC, iniciaram a colocação de sacos de areia para protegerem o exutor submarino e procederam à construção de um pequeno esporão.
Desde logo, tal se mostrou insuficiente, pelo que foi solicitado ao Ministério do Ambiente uma intervenção mais profunda com uma dragagem no final do mês de Abril, a fim de recolocar a «aberta», ou a embocadura, mais a Sul, criando um canal de circulação de forma a criar condições em termos de areal e de segurança para que a praia da Foz do Arelho possa receber os seus milhares de visitantes no próximo Verão.
Perante este pedido, perante a insistência dos Deputados do PSD nesta Casa e perante a minha insistência para que a Sr.ª Ministra visitasse a lagoa de Óbidos, contrariamente ao que a Sr.ª Secretária de Estado tinha feito no Algarve, a Sr.ª Ministra foi visitar a lagoa de Óbidos, mas fê-lo em segredo. Ou seja, a Sr.ª Ministra disse que foi numa visita particular — não sei como há visitas particulares acompanhadas pelo Sr.
Governador Civil! — , mas aos autarcas, quer das Caldas da Rainha quer de Óbidos, nada foi dito! Entrou e saiu sem que ninguém tivesse conhecimento!

Aplausos do PSD.

Seguidamente, na reunião da Comissão de Acompanhamento da lagoa de Óbidos, criada pelo Partido Socialista, e contrariamente ao que tinha sido inicialmente prometido, já não vai haver dragagem no final do mês de Abril. Pelo contrário, vai-se recolocar uma nova «aberta» com recurso a meios mecânicos. Aliás, foi dito que se iriam colocar cerca de 60 000 m3 de areia para cobrir o esporão e criar areal na praia da Foz do Arelho.
Esta proposta foi uma verdadeira desilusão — para não dizer que foi um balde de água, não fria mas gelada — pois nada garante que a «aberta» não volte a fechar sem a criação do canal.
Quanto à praia da Foz do Arelho, menos de 200 a 300 mil m3 de areia não são suficientes para criar areal e segurança para que uma criança que brinque ou salte na praia, ou mesmo um adulto, não se magoe ou não sofra um incidente grave nas pedras que lá foram colocadas.
Ricardo Pires, assessor do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, referiu que o INAG está disponível para «ir buscar areia a outros pontos da costa» — isto só a brincar! Quando se fala em não gastar dinheiro, com tanta areia que há na lagoa de Óbidos vai-se buscar areia a outros locais para custar mais caro em vez efectuar uma dragagem?! Isto só a brincar, ninguém acredita!

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O INAG refere também ser necessário um estudo de impacte ambiental. Meus senhores, estamos perante uma telenovela! Ou melhor, nem uma telenovela tinha tanto enredo, porque esta situação avança e recua permanentemente.
Há cerca de 28 estudos sobre a lagoa de Óbidos. Existe um estudo recente que vai permitir dragagens no final do ano. Então, esse estudo não serve para nada? Não serve para tirar alguns metros cúbicos de areia da lagoa? Não acreditamos que não sirva! Não se entende como não é possível! Quer o Partido Socialista, durante a campanha, quer o Sr. Primeiro-Ministro, de uma forma pomposa, como todos vimos, prometeram nas compensações ao Oeste que tudo fariam. Prometeram que salvariam a lagoa, que iriam ser feitas inúmeras obras. Todavia, nada se vê, apenas promessas.
Estou aqui, pois, para reclamar ao Governo do Partido Socialista, em nome do PSD, uma intervenção urgente para salvarmos aquele património natural que é a lagoa de Óbidos, uma das mais belas lagoas de Portugal, a maior lagoa salgada do Continente. Se não o fizermos iremos pôr em risco não só muitos dos investimentos turísticos, mas, acima de tudo, iremos perder muitos e muitos empregos naquela região.
Espero que todos estejamos unidos, porque não basta falar do CO2. É preciso também salvar o que é nosso, é preciso salvar o património natural do distrito de Leiria e de Portugal.

Aplausos do PSD, com Deputados de pé.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Inscreveram-se cinco Srs. Deputados para pedirem esclarecimentos.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Pedrosa.

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Maria Conceição Pereira, a sua intervenção trouxe aqui temas da maior importância. No entanto, gostaria de lhe dizer que chegou tarde às questões de Leiria, pois o Governo acabou de sair de lá com a realização de um Governo presente, onde assinou o conselho para a internacionalização da economia. A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Estamos a falar da lagoa de Óbidos!

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — A primeira loja de internacionalização vai ser instalada em Leiria, medida da maior importância.
Não é por acaso que o Partido Social Democrata, nas últimas eleições legislativas, teve o pior resultado no distrito de Leiria e o Partido Socialista teve o melhor. Isso significa que este Governo tem estado atento aos problemas de Leiria e que os sectores mais dinâmicos da sociedade de Leiria têm estado ao lado do Governo do Partido Socialista.
A Sr.ª Deputada Maria Conceição Pereira também chegou tarde às questões da lagoa de Óbidos. É que chegou no momento em que o Governo acabou de sair com a decisão de uma intervenção urgente na praia da Foz do Arelho para salvar o exutor submarino e a avenida da Foz do Arelho. Como sabe, desde há dois anos a esta parte, há um conjunto muito significativo de investimentos para a requalificação das margens da lagoa de Óbidos que são do agrado e o orgulho das pessoas que irão usufruir desse local. Há também um projecto muito significativo para requalificar toda a bacia da lagoa de Óbidos.
Sr.ª Deputada, gostaria de lhe colocar uma questão. A lagoa de Óbidos pertence a dois concelhos (Óbidos e Caldas da Rainha). Para o seu processo de desassoreamento, a lagoa de Óbidos tinha um estudo de impacte ambiental que, em condições normais, e como a comissão de acompanhamento tinha preconizado, demorava seis meses a concretizar. Demorou mais de dois anos! Sr.ª Deputada, diga a esta Câmara de quem foi a responsabilidade do atraso na aprovação do plano do estudo de impacte ambiental, uma vez que a lagoa de Óbidos é tutelada por duas câmaras municipais do PSD. Repito: diga aqui a esta Câmara de quem é a responsabilidade! Por que razão este processo tem estado atrasado, quando todas as entidades que nele interagem têm os seus problemas, mas os seus projectos estão resolvidos? Diga-o, pois essa era uma informação importante que gostaríamos de ver esclarecida.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, foram dadas indicações à Mesa no sentido de que a Sr.ª Deputada agrupará as respostas em dois grupos, o primeiro de três perguntas e o segundo de duas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, gostava de cumprimentar a Sr.ª Deputada Maria Conceição Pereira pelo tema que aqui nos trouxe e pela preocupação relativamente a alguns problemas mais importantes do distrito de Leiria.
Comungo da sua enorme preocupação relativamente à situação ambiental que se vive na lagoa de Óbidos e na orla costeira da Foz do Arelho. Creio, no entanto, que todos aqueles que, em grande medida, dependem da actividade da lagoa de Óbidos estão muitíssimo mais preocupados com o evoluir de uma situação que já se arrasta de há alguns anos a esta parte, sobretudo quando estão a ver em risco o seu próprio sustento, sendo sistematicamente confrontados com problemas não resolvidos, com adiamentos cuja responsabilidade é repartida entre os poderes locais e com a atitude que as próprias autarquias têm de ter na defesa de um interesse público. Além disso, também são confrontados com a atitude do Governo e das instituições que estão sob a sua tutela, os quais têm a responsabilidade de intervir directamente na resolução deste problema.
Para além desta questão importante da lagoa de Óbidos, também me pareceu que a Sr.ª Deputada não queria deixar de se referir a outros problemas magnos que existem no distrito de Leiria e que se encontram ainda por resolver.
Um dos assuntos que precisa de ser resolvido com urgência, e de uma forma que crie esperança no futuro e novas formas de articulação e de relação com os territórios marginais ao distrito de Leiria, diz respeito às acessibilidades no distrito de Leiria, em particular às acessibilidades ferroviárias, ou seja, a linha do Oeste.
Sr.ª Deputada, a requalificação da linha do Oeste é uma das questões mais relevantes das acessibilidades do distrito de Leiria. É uma questão que está longe de ser resolvida e que o próprio programa de acção de compensação à região do Oeste, pelo facto de o aeroporto da Ota não se concretizar nesse local, não contempla suficientemente no programa de acção para a zona do Oeste e do vale do Tejo.
Sr.ª Deputada, considera que vale a pena continuar a pugnar para que a requalificação da linha do Oeste se faça noutras condições?

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Maria Conceição Pereira, em boa hora trouxe esta matéria ao Parlamento porque sabemos que é uma matéria sobre a qual todos nos temos debruçado a níveis diferentes.
O CDS fez uma pergunta ao Governo precisamente sobre a lagoa de Óbidos e a resposta que obteve foi claramente insuficiente, aliás como decorre das palavras da Sr.ª Deputada.
A sensação que temos — e temo-la porque conhecemos, porque lá vamos, porque ouvimos — é a de que nada acontece, pese embora lá tenham sido postas sacas de areia, que entretanto o mar levou, sem qualquer utilidade, num mero exercício de gasto de dinheiro para nada.
A esta questão o Governo responde que está a ser feito tudo o que é necessário. Ora, obviamente, o que é necessário é muito pouco quando, sobretudo, todos pretendemos ter uma requalificação da nossa área costeira, nomeadamente de paisagens belíssimas e raríssimas como a da lagoa de Óbidos.
É contraditório querer internacionalizar um distrito, querer adoptar estratégias de turismo na região e depois, quando é necessário ter uma intervenção claríssima e eficaz, arrastar durante anos e não a ter de uma forma definitiva.
Queria, pois, deixar aqui uma nota de apreço por esta questão trazida novamente para o debate e que impele o Governo a tomar posição sobre ela.
Gostaria também de lembrar que se o distrito de Leiria tem os resultados que tem tal se deve ao imenso dinamismo da sociedade civil e bem menos ao que têm sido os apoios por parte do Estado, que, como também já foi referido, são escassos ao nível de numerosos meios, nomeadamente dos ferroviários.

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Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Maria Conceição Pereira.

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Paulo Pedrosa, deve estar um pouco distraído, porque quem ganhou as eleições legislativas, europeias e autárquicas no distrito de Leiria foi o PSD! Não foi o PS, Sr. Deputado! Esqueceu-se disso, com certeza,!

Aplausos do PSD.

Quanto aos investimentos em Leiria, Sr. Deputado, deve estar a brincar connosco. Não é com «lojinhas» que o distrito de Leiria se desenvolve! É com o cumprimento das promessas que o Sr. Primeiro-Ministro fez e assinou no protocolo com o Oeste. O Sr. Deputado do Bloco de Esquerda Heitor Sousa falou — e muito bem! — na requalificação da linha do Oeste. Qual é a verba que está no Orçamento para a linha do Oeste? Quando é que será a requalificação? Esta era uma das promessas que também estava feita. Não a vimos em lado nenhum! Por isso, Sr. Deputado, não é com «lojinhas» que se desenvolve o distrito de Leiria. É criando riqueza, que é o que os empresários de Leiria fazem. O distrito de Leiria tem sido dos mais penalizados, ultimamente, em termos de verbas no Orçamento.

Protestos do Deputado do PS João Paulo Pedrosa.

Não diga que não, porque sabe muito bem que isso é verdade, Sr. Deputado!

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — O PIDDAC tem vindo a trazer o distrito de Leiria para os níveis mais baixos.
Sr. Deputado, no momento em que estão a salvar a Lagoa, eu não cheguei tarde. O senhor é que chegou tardíssimo. Deve ter ido para a lagoa de Óbidos no comboio da Linha do Oeste,»

Aplausos do PSD.

» porque há mais de um ano que se diz que este problema iria de certeza acontecer assim que o Inverno chegasse. Até o Presidente da Junta da Foz do Arelho disse ao Sr. Presidente do Instituto Nacional da Água (INAG) que com 2 500 € tinha resolvido o problema. Ele não quis.
Sr. Deputado, não me venha com o argumento do desentendimento entre as Câmaras de Caldas da Rainha e de Óbidos porque, em Dezembro, os Srs. Deputados do PSD eleitos pelo distrito de Leiria marcaram uma reunião com os dois presidentes, com os vários presidentes de junta da região e com o Sr. Presidente do INAG, na Lagoa, na qual foi dito que não era por causa da posição dos detritos que não se fazia as dragagens.
Até foi dito que o Sr. Presidente do INAG podia começar pelas dragagens da zona que agora está afectada, passando depois à outra zona, tendo em conta que são os detritos mais perigosos e os detritos com problemas. E ele tudo negou, alegando, mais uma vez, que o estudo de impacte ambiental diz que o muro a ser construído na embocadura pode trazer problemas» Mais um estudo! A õnica coisa que o Sr. Presidente do INAG sabe dizer é «não»! O Sr. Presidente do INAG até insultou os autarcas da região perante este grave problema. Ao dizer que não se importava com o que eles dissessem, que podiam falar e exigir que ele só ligava aos estudos, desclassificou totalmente os autarcas. E não foi por mero acaso!...
O Sr. Deputado devia estar, juntamente com a bancada do PSD, a congratular-se, porque os autarcas do PS, na assembleia, na câmara municipal, têm estado em uníssono, visto que têm o sentido de que a lagoa é algo que pertence não só à região mas a Portugal e que deve ser salva. Não têm o espírito pequenino que o Sr. Deputado aqui mostrou.

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Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Acima de tudo, eles interessam-se por salvar o património e o Sr. Deputado, se calhar, só está preocupado com o Partido Socialista e com a continuação do «folclore» que costuma existir.
Nós queremos salvar a Lagoa! Queremos uma intervenção a sério na Lagoa!

Aplausos do PSD.

Queremos que esta pequena dragagem seja feita! Por que é que não é feita esta dragagem? Nada há que explique a não realização desta dragagem tal como estava prevista. Não é com meios mecânicos. Qualquer pessoa faz as contas: a extensão da costa, a necessidade da areia, 60 000 m3» Se calhar, vai buscar-se à Costa de Caparica a areia para levar para a Foz do Arelho.

Vozes do PCP: — Não, não!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Isso não!

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Foi o que disse o senhor do Ministério do Ambiente. Se calhar, vai buscar-se a este ou a outro sítio qualquer. Não sei, mas há areia dentro da Lagoa.
Sr. Deputado, não chegue tarde. Veja se apanha o seu TGV para chegar a tempo à lagoa de Óbidos.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para um segundo grupo de pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Conceição Pereira, antes de mais, quero dizerlhe que, da parte do PCP, não tem o acordo para ir buscar areia nenhuma à Costa de Caparica.
Em relação ao problema concreto e real da lagoa de Óbidos que aqui trouxe, que merece obviamente discussão e acompanhamento, é um problema antigo que há muito tempo tem vido a merecer o acompanhamento e a acção do PCP. Há anos que temos vindo a alertar as autoridades competentes para este problema. Temos vindo a intervir aqui, na Assembleia da República, e ao nível dos eleitos da CDU no poder local e, de facto, a última iniciativa que tivemos, questionando o Ministério do Ambiente, teve uma resposta do Governo que não é minimamente satisfatória. Queremos aqui sublinhar que intervenções pontuais e medidas paliativas em relação a um problema que se vai agravando ao longo dos anos são claramente insatisfatórias e a verdade é que o tempo vai passando e o problema vai-se tornando cada vez mais grave.
Exige-se uma resposta estrutural e de fundo para um problema que não é resolvido com aspectos temporários ou provisórios, mas que tarda em chegar, ao longo dos anos, por parte do Governo.
Não queria deixar de colocar aqui também um problema que tem a ver com o distrito de Leiria, particularmente visível no contexto nacional, pois padece das carências do País em relação à defesa do aparelho produtivo, do emprego com direitos, da actividade económica. Nesse sentido, queria sublinhar que ainda anteontem estivemos na Cerâmica Bordalo Pinheiro, estivemos na Têxteis Moinhos Velhos, em contacto com trabalhadores e com o aparelho produtivo que se debate com problemas gravíssimos ao nível, nomeadamente, dos custos de produção, dos custos com a energia, dos custos com o endividamento e com o acesso ao crédito. São problemas de fundo que resultam das políticas de fundo que, infelizmente, obtiveram o acordo tácito e a viabilização por parte dos partidos da direita na adopção do Orçamento do Estado para este ano.
A Sr.ª Deputada afirmou que é preciso que estejamos todos unidos em defesa do património e do desenvolvimento. Não posso estar mais de acordo. A situação que ainda agora denunciou de não estar previsto no Orçamento do Estado e no PIDDAC um cêntimo para a linha do Oeste podia ter sido resolvida com

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a proposta que o PCP apresentou na discussão do PIDDAC que criava a rubrica e a verba necessária. É pena que o PSD se tenha abstido nessa votação, oferecendo ao PS a maioria absoluta que ele não teve.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Sr.ª Deputada, concordamos na identificação dos problemas, mas perguntamos se a sua resolução não passa por decisões concretas nos momentos decisivos. Infelizmente, nesses momentos decisivos, o PSD e o CDS não têm contribuído para resolver o problema, que se vai agravando.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Conceição Pereira, quero também saudá-la pelo facto de ter trazido a temática da lagoa de Óbidos aqui, ao Plenário da Assembleia da República. É uma matéria que recorrentemente, de legislatura para legislatura, vem ao Plenário da Assembleia da República e não só. Infelizmente, o debate que se trava em torno desta matéria é sempre muito idêntico.
Sr.ª Deputada, a lagoa de Óbidos é, de facto, um problema nacional. Não é um problema de cariz regional.
Já ultrapassou, há muito, essa dimensão. É um daqueles problemas que demonstra bem que as matérias ambientais têm reflexos económicos e sociais muito grandes, com um grande impacto. Se pensarmos em todas as actividades económicas que se geram em torno daquela Lagoa, se pensarmos no potencial turístico que aquela lagoa e tudo o que vive à sua volta podem dar, percebemos o muito que estamos a perder pelo facto de não investirmos devidamente na lagoa de Óbidos e na sua requalificação.
A problemática da lagoa de Óbidos remete-nos também para os erros que cometemos em determinadas ocasiões da nossa vida. Refiro-me à vida política e às decisões políticas que se tomam e ao quanto saem caras num futuro às vezes próximo, outras vezes mais longínquo. Tudo o que se fez nas margens da lagoa de Óbidos, degradando zonas sensíveis, teve, naturalmente, repercussões directas e efeitos claros na degradação daquela Lagoa. Para já não falar do problema real das descargas que ainda vão parar à lagoa e que existiram durante muitos anos, sejam elas de ordem industrial ou de ordem doméstica.
Sr.ª Deputada, gostava também de juntar a voz de Os Verdes a outras vozes que já aqui se levantaram em torno da declaração política que fez para dizer o seguinte: promessas não têm faltado, projectos são tantos que dava para empilhar, mas os investimentos e os resultados são coadunáveis com todos esses projectos e promessas que se fazem — principalmente em época eleitoral é um «ver se te avias», desculpe a expressão que estou a utilizar, mas é mesmo assim. É quase uma falta de vergonha o que se diz e promete em relação à lagoa de Óbidos e o que, de facto, resulta em termos de investimentos e de eficácia concreta na acção para a melhoria e a requalificação de que Portugal precisa para aquela Lagoa.
Estou quase tentada, Sr.ª Deputada, a fazer um desafio a esta Câmara, desafio que Os Verdes já fizeram fora da Assembleia da República, para ver se conseguimos empurrar, de alguma forma, uma acção mais directa e mais concreta com vista a resultados eficazes para a lagoa de Óbidos. Será que a Sr.ª Deputada considera que uma classificação daquela lagoa poderia dar uma ajuda neste sentido? Não vai resolver os problemas, mas pode ou não pôr, mais directamente, olhos e mãos a agir sobre aquela Lagoa?

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Conceição Pereira.

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, trouxe aqui outros assuntos do distrito de Leiria que também nos preocupam. É pena que não tenha falado na questão do emprego. Falou na fábrica Bordalo Pinheiro. No entanto, no concelho das Caldas da Rainha, onde havia cerca de 3000 trabalhadores na área da cerâmica, neste momento, se calhar, não chega às três centenas. É pena que esses assuntos muitas vezes não sejam aqui discutidos.

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Sr. Deputado, sabe que as autarquias da região foram as primeiras a dar a mão, nomeadamente às unidades fabris, para as tentar salvar. Se tem conhecimento da região, sabe perfeitamente isso. Quem esteve na primeira linha, mais uma vez, foram as autarquias que avançaram com verbas, que adquiriram terrenos, que ajudaram a salvar a Bordalo Pinheiro.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Foram os trabalhadores!

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Ainda as vozes aqui de Lisboa não se tinham levantado, já a autarquia das Caldas da Rainha estava a agir para que os trabalhadores da fábrica Bordalo Pinheiro pudessem receber o seu salário. O Sr. Deputado também sabe disso, como eu muito bem sei.
O Sr. Deputado esteve há pouco tempo no distrito de Leiria a falar da linha do Oeste. Desafiei-o e ao seu partido e foi pena que não estivessem ao lado dos outros partidos na subscrição da petição a favor da linha do Oeste como o PSD esteve. Não venha com a conversa de que o PSD se junta ao CDS, porque o PSD esteve sentado ao lado dos outros partidos, designadamente do Bloco de Esquerda, numa petição a favor da linha do Oeste apresentada em Leiria. Não o vi lá, Sr. Deputado, nem vi lá o PCP!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E a nossa proposta em PIDDAC?

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Até o desafiei e ao PCP para que pudéssemos estar todos unidos nesta problemática.
Além disso, como sabe, a linha do Oeste é uma das promessas, uma das pontes primordiais pela qual o Sr.
Primeiro-Ministro foi à Associação de Municípios assinar as compensações do Oeste. Não sei se está recordado de que uma das principais era precisamente a linha do Oeste, a lagoa de Óbidos, para além de outras como a construção de um hospital, as relativas às unidades de saúde, etc. No entanto, estes eram os dois grandes investimentos e não o vi lá nessa apresentação.
Sr. Deputado, penso que nesta matéria devemos estar todos juntos e, quando estamos, é em tudo. Não vale a pena querer estar só numa parte das coisas.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Já agora, quanto à degradação ou a alguns desmandos, queria dizer à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que sei que já visitou a lagoa de Óbidos mais do que uma vez, que as autarquias envolventes da lagoa têm tido bastante cuidado.
Como sabe, os PDM são extremamente rígidos quanto ao licenciamento para construção naquela zona e cada vez são mais difíceis e mais exigentes — e ainda bem que assim é. As autarquias não têm reclamação a fazer nesse sentido, pelo contrário. A Sr.ª Deputada não vê, com certeza, grandes prédios, como vê noutras zonas, junto ao mar, até no distrito; vê apenas pequenas construções. Portanto, tem havido muito cuidado.
Houve uma insistência muito grande junto das ETAR, dos grandes investimentos, para que o problema da poluição na lagoa de Óbidos deixasse de ser uma realidade. Hoje, felizmente, o problema da poluição já não é grave.
Hoje, o grave problema da lagoa é o assoreamento e, como disse, não só a nível da economia piscatória, mas também do turismo. Há imensos resorts, tem havido imensas movimentações e investimentos, até apoiados pelo Estado, que podem resultar em nada se a lagoa se transformar num pântano, como muitos de nós tememos. Tem havido adiamentos e há inúmeros projectos, são mais de 28, que se vão sucedendo, e alguém vai beneficiando, mas a lagoa é que não beneficia, em nada!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Vamos entrar no ponto seguinte da ordem do dia que consta de uma discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 173XI (1.ª) — Altera o Código de Processo Penal (CDS-PP), 174/XI (1.ª) — Vigésima quinta alteração ao Código Penal (CDS-PP), 38/XI (1.ª) — Altera o Código de Processo Penal visando a defesa da investigação e a eficácia do combate ao crime (PCP) e 178/XI (1.ª) — Altera o Código de Processo Penal garantindo maior celeridade no julgamento da criminalidade de menor gravidade (PCP), da proposta de lei n.º 12/XI (1.ª) — Procede à décima nona alteração ao Código de Processo

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Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, e projecto de lei n.º 181/XI (1.ª) — Altera o Código de Processo Penal (BE).
Para apresentar os projectos do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, a Assembleia da República tem, hoje, dia 24 de Março de 2010, uma extraordinária e urgente oportunidade para corrigir, emendar, rectificar e, diríamos, terminar com um erro grave, com consequências, com resultados negativos na insegurança do País, que foram as leis penais votadas nesta Câmara, a 19 de Julho de 2007.
A melhor prova de que a reforma penal de 2007, por melhores que fossem as intenções, foi um erro está no facto de não haver, na comunidade jurídica portuguesa, uma voz relevante e — suspeito — até, nesta Assembleia, um único Deputado capaz de dizer, em Plenário: «As leis devem ficar como estão». É a melhor prova do erro que foi cometido!

Aplausos do CDS-PP.

Quem disser, hoje, que as leis penais devem manter-se, corre o sério risco — com o qual concordamos — de ser considerada uma pessoa seriamente exótica do ponto de vista intelectual.
Depois, Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, personalidades tão diferentes, e às vezes contraditórias entre si, não poupam nos adjectivos sobre o que sucedeu em 2007.
A questão, se me permite, Sr. Ministro Alberto Martins, não é de «estrangulamentos», palavra que escolheu para definiu o erro. A questão, como refere o Procurador-Geral da República é a do hiper-garantismo concedido aos arguidos, que colide com o direito das vítimas e prejudica o combate à criminalidade complexa.
A questão é, como refere o Sr. Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, uma política a contra-ciclo, um código laxista e permissivo.
A questão é ainda, Sr. Ministro — citando o Presidente da Associação de Juízes para a Cidadania — , uma reforma com um balanço catastrófico que tem a ver não apenas com o aumento da insegurança mas também com o aumento da dificuldade do combate à criminalidade.
Não há, por isso mesmo, Sr.ª Presidente e Srs. Membros do Governo, nas leis penais, um «estrangulamento». O problema não é de burocracia. O que há nas leis penais é um tremendo desfasamento entre o que a lei protege e o que a realidade exige, entre o que a lei estabelece e o que o combate à criminalidade reclama das instituições.

Aplausos do CDS-PP.

O CDS comprometeu-se com o seu eleitorado. Tudo faríamos, tudo faremos para mudar as leis penais e responder a um clamor social, que pede, com toda a razão, mais firmeza e mais justiça para termos menos criminalidade e menos violência no nosso país.

Aplausos do CDS-PP.

O que estamos a fazer é exactamente a cumprir com o nosso compromisso.
Bem sei que se tornou muito vulgar, nos últimos tempos, dizer uma coisa em campanha eleitoral e fazer outra depois da campanha eleitoral.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Pois, pois... Olhe o pagamento especial por conta...!

Risos do PCP e do BE.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Mas, para o CDS, cumprir é um dever, cumprir quando tivemos toda a razão, é um direito; cumprir com a prioridade da segurança é uma obrigação; acabar com a condescendência legal em relação à criminalidade é o nosso primeiro dever.

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Aplausos do CDS-PP.

Fizemo-lo com todo o institucionalismo. Aguardámos o trabalho da comissão nomeada pelo Governo para o efeito. Solicitámos a presença das forças de segurança nessa comissão e deviam lá ter estado. Pedimos para ser ouvidos e pressionámos para que houvesse um agendamento que permitisse «um dia seguinte» em relação às leis penais portuguesas.
De uma coisa estamos seguros nesta bancada: cada dia que passar a mais com leis penais permissivas é um dia que os delinquentes em Portugal agradecem, e não fomos eleitos para lhes fazer esse inusitado favor.
Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados, falemos de política no sentido mais nobre da palavra.
Os portugueses não entendem como é que um sujeito sequestra uma pessoa, mata uma pessoa, é filmado, todo o País vê, é detido, confessa e não é imediatamente julgado! Sr.as e Srs. Deputados, porquê tanta condescendência?!

Aplausos do CDS-PP.

Os portugueses não entendem como é que a polícia arrisca a sua vida para deter um criminoso em flagrante, leva-o a tribunal, a prova está praticamente feita e o meliante, em vez de ser julgado rapidamente, sai em liberdade do tribunal, diz que se apresentará às autoridades, deixa de se apresentar, e o crime que volta a cometer é mais grave do que o anterior! Porquê, Sr.as e Srs. Deputados, tanta condescendência?!

Aplausos do CDS-PP.

Os portugueses não entendem como é que um criminoso é detido fora de flagrante delito, havendo, portanto, um mandato que confirma a suspeita, e uma suspeita grave, mas o juiz tem de o mandar em liberdade, mesmo que esteja convencido de que esse mesmo delinquente vai voltar a cometer crimes ou vai destruir e perturbar as provas do inquérito! Porquê, Sr.as e Srs. Deputados, tanta condescendência?! Os portugueses não entendem como é que um assassino implacável comete um crime hediondo, é condenado, por exemplo, a 12 anos, mas ao fim de 6 já vem cá para fora e, com o novo Código de Execução de Penas, corre o País o risco de esse assassino implacável, que cometeu um crime hediondo, ao fim de 4 anos, vir cá para fora sem vigilância de ninguém! Porquê, Srs. Deputados, tanta benevolência?! Os portugueses, no fundo, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não entendem como é possível Portugal ter, hoje, mais 120 000 crimes participados do que tinha há 10 anos, mas ter menos 4000 presos do que tinha há 10 anos! Como é que é possível que o nível de violência e de gravidade da criminalidade suba e o nível de detenções que temos nos estabelecimentos prisionais desça por razões estritamente economicistas? Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é para terminar com estes absurdos que o CDS faz um conjunto de propostas e devo sublinhar que as propostas que o CDS fez tiveram bom acolhimento na comunidade jurídica, como é público e notório para quem tenha querido acompanhar o debate.
Queremos, em primeiro lugar, um julgamento rápido de qualquer crime — repito, de qualquer crime! — em que o detido é apanhado em flagrante delito. Trata-se de uma revolução a favor da justiça. É a única forma de inspirar confiança no sistema judicial. É reparador, é dissuasor, é seguro, e não venham, agora, as aves agoirentas dizer que a solução está certa, mas não há forma de a organizar! Compete ao legislador escolher as soluções certas, não se resignar às soluções erradas e dotar os tribunais dos meios necessários para poderem cumprir com as soluções correctas.

Aplausos do CDS-PP.

Em matéria de julgamento rápido, a proposta do Governo deixa, infelizmente, quase tudo na mesma, porque o Governo não toca no nó górdio do problema. É porque basta que, num crime, a título jurídico,

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existam vários crimes e um deles tenha uma moldura penal superior a cinco anos e lá temos o julgamento, que devia ser rápido, mandado para inquérito comum, perdido no sistema, e nunca mais se faz o julgamento! Ao deixar este ponto na mesma, o Governo pretende que alguma coisa mude para que tudo fique essencialmente na mesma.
Em segundo lugar, o CDS pretende facilitar a detenção fora do flagrante delito, quando um juiz considere haver risco de continuação da actividade criminosa, de alarme social ou de perturbação do inquérito ou destruição de provas. Também nesta matéria, o Governo podia ter sido menos tímido, porque não toca nalguns destes fundamentos que devem justificar a detenção.
Em terceiro lugar, o CDS pretende recolocar a prisão preventiva como medida aplicável aos crimes com uma moldura penal superior a três anos. Encarar o problema, rectificar o sucedido, em vez de pretender remendar. Já quiseram remendar com a lei das armas. Agora querem remendar com uma tipificação impossível de todos os crimes a que se aplica a prisão preventiva, excepcionada do princípio de que só se aplica a crimes com moldura superior a cinco anos.
Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, quero avisar o Governo de que, na vossa solução, crimes como a administração danosa, fraude fiscal qualificada, contrabando qualificado, fraude na obtenção de subsídios, para não citar outros, ficam de fora da aplicação da prisão preventiva. É um erro, não deve repetirse e devem emendá-lo!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Em quarto lugar, queremos reforçar o direito das vítimas. As vítimas, muitas vezes, só tomam contacto com o processo ou quando tomam conhecimento da prescrição ou quando lhes é notificado um arquivamento. Queremos mais direitos processuais para a vítima — direitos de participação, de informação e de solicitar diligências processuais, ainda relativamente ao Código Penal, onde sabemos que as propostas são menos consensuais, mas onde sabemos que farão o seu caminho e daqui a uns anos estarão a concordar connosco.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, o problema de Portugal não é ter penas mais altas, é conseguir que se apliquem efectivamente as penas determinadas pelos tribunais.

Aplausos do CDS-PP.

É por isso, Srs. Ministros, que o CDS defende que o princípio da liberdade condicional, na regra geral, deve passar de metade do cumprimento da pena para dois terços, tal como sucede, aqui ao lado, em Espanha.
É por isso que, no caso da criminalidade violenta, entendemos que o delinquente deve cumprir não dois terços da pena mas, sim, três quartos da pena, como sucede noutros países democráticos há bem mais tempo do em que Portugal.
Queremos ainda que, em certos casos de criminalidade dolosa, especialmente violenta e altamente organizada não haja liberdade condicional,»

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — » em nome da protecção da sociedade e do direito à reparação das vítimas dos crimes dessa natureza.
Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Para nós é ainda relevante que o Estado tire consequências do fenómeno da reincidência. A reincidência, no caso da criminalidade, não é um acaso, não é uma distracção, e, se há um novo crime, tem de haver um maior castigo; se há um desaproveitamento da oportunidade dada pelo sistema, o sistema tem de ser mais severo e mais severo do ponto de vista das consequências que daí retira.

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Quero terminar, Sr.ª Presidente, Srs. Ministros e Sr.as e Srs. Deputados, dizendo que o paradigma do direito penal e da política penal em Portugal, com o qual não estamos de acordo, tem sido, até hoje, o seguinte: o delinquente é sempre um coitadinho, a sociedade é que tem a culpa e a vítima que aguente tudo.
Ora, o que nós queremos é alterar substancialmente este paradigma para: ao lado das vítimas, ao lado das forças de segurança e leis firmes e severas contra uma criminalidade cada vez mais violenta!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ricardo Rodrigues e Carlos Peixoto.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, em matéria de justiça, o Partido Socialista, quer na anterior legislatura quer nesta, fez e fará todos os possíveis para encontrar os consensos necessários de que uma matéria como a justiça carece e merece.
Como sabe, na anterior legislatura, fizemos uma reforma das leis penais e, nessa altura, tivemos o acordo do PSD, por isso, era um acordo relativamente estável para a reforma da justiça, que contou também, muitas vezes, com o voto favorável do CDS e de outras bancadas.
E, dos cerca de 200 artigos que alterámos nas leis penais, estamos aqui, hoje, de cabeça erguida, para reformular cerca de 20. Sempre dissemos que a avaliação da reforma era um dos nossos objectivos.
Entregámos essa tarefa ao Observatório Permanente da Justiça e, hoje, estamos em condições de dizer que, na sequência da observação e do seu relatório, este Governo, que também é do Partido Socialista, está em condições de proceder a alguns ajustamentos.
E gostaria de dizer-lhe que o fazemos com a naturalidade própria de quem tem a consciência de que essa é uma área que continua a carecer de entendimentos entre os vários grupos parlamentares. E, nesse sentido, anuncio, desde já, que a regra do nosso comportamento nesta matéria é viabilizar a descida à comissão competente dos diplomas apresentados — em regra, porque há excepções, como em toda a regra.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — O Código Penal!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — E, neste caso particular, Sr. Deputado Paulo Portas, gostaria de recordar-lhe que o problema da prisão preventiva mereceu vários estudos, sendo o mais recente um estudo encomendado por uma ministra da justiça da sua bancada — a Sr.ª Ministra Celeste Cardona. E uma das conclusões do referido relatório encomendado pela Sr.ª Ministra Celeste Cardona recomendava o alargamento da suspensão da execução da pena de prisão a condenações de penas de prisão até cinco anos.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Até cinco anos?!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sim, até cinco anos.
Ou seja: recomendava que as penas de prisão até cinco anos deviam ser suspensas. E essa era uma recomendação para fazer face a uma dificuldade que o País vivia de excesso de população nas prisões, mas também de excesso de prisão preventiva. Recordo-lhe o Congresso da Justiça, tendo sido essa uma das suas conclusões.
Todos nós estamos disponíveis para fazer reformulações, para avaliar, mas não podemos é andar aos ziguezagues, nem dar sinais contraditórios à sociedade.
Nesse sentido, gostaria de perguntar-lhe — e também de obter a sua resposta — porque é que o CDS, nas várias propostas que fez nesta Casa, omite a matéria relativa ao segredo de justiça e à violação dos prazos do inquérito e, ao mesmo tempo, vem dizer que concorda com o Sr. Procurador-Geral da República, quando foi essa a matéria que ele achou que deveria merecer alteração.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, há uma coisa que vou dizer-lhe com meridiana clareza: espero que esta seja a primeira vez, em muitos anos, que se vai fazer uma reforma do processo penal que tenha em mente prioritariamente os homicídios, as violações, os sequestros, o roubo por esticão, o roubo de viaturas, a danificação do património das pessoas e não o problema do segredo de justiça, que inquieta algumas pessoas na comunidade política. Lamento dizer-lhe, mas penso primeiro na criminalidade que atinge a maioria das pessoas!!

Aplausos do CDS-PP.

Foi por isso que eu, sem desmerecer a importância dessa questão do ponto de vista teórico e prático, concentrei o meu discurso naquilo que considero que é a prioridade na segurança do País, que é o ataque ao tipo de criminalidade que temos, para não deixar esta Assembleia cativa ou refém, sistematicamente, de alterações do segredo de justiça, que nunca batem certo com as últimas, sendo que as últimas eram sempre as mais perfeitas e as que iam resolver todo o problema.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não tem propostas!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — O Sr. Deputado tem de compreender que aqui, na bancada do CDS, estamos a fazer este agendamento a pensar nos direitos das forças de segurança, nos direitos das vítimas, no princípio da segurança da sociedade portuguesa em relação, repito, a homicídios, a raptos, a sequestros, a roubos por esticão, a roubos simples, a furtos qualificados, àquilo que é a maioria esmagadora da criminalidade em Portugal.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — As suas propostas nada têm a ver com isso!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Este é o nosso princípio; esta é a nossa prioridade!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Depois, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, quero dizer-lhe, em todo o caso, de forma muito amena, que, de cada vez que o Partido Socialista rectifica e vem dar razão, embora de maneira discreta, àqueles que antes eram securitários e tinham propostas radicais, nós não respondemos com agressividade, só lhe dizemos bem-vindo. Às vezes demora a reconhecer!...
Mas é evidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, que os erros contidos na reforma de 2007 foram-se tornando tão nítidos para todos os operadores judiciários, para todas as figuras da magistratura, para as forças de segurança e para os tribunais que aplicam as leis no terreno que, repito — acho eu, apesar de não estar ali o Sr. Ministro Rui Pereira (curiosa ausência...!) e de estar na vossa bancada o Dr. Alberto Costa (curiosa presença...!) — , não vejo aqui ninguém para dizer que as leis penais são boas e devem ficar tal e qual estão.
Sr. Deputado, também quero dizer-lhe o seguinte: a então ministra Celeste Cardona encomendou esse estudo, mas, como sabe, a proposta que entregou nesta Assembleia foi a de que a prisão preventiva se aplicava a todos os crimes cuja moldura penal fosse superior a três anos.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, V. Ex.ª, no início da sua intervenção, fez um retrato geral sobre o estado das leis penais e eu vou fazer-lhe duas perguntas concretas sobre as alterações que o CDS propõe.

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Antes, porém, deixe-me recordar-lhe que, em 2007, o CDS-PP votou ao lado do PSD a actual redacção do artigo 202.º do Código de Processo Penal, que impede que os juízes apliquem a prisão preventiva em todos os crimes a que correspondam penas de prisão inferiores a cinco anos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vejam bem o que o PSD veio relembrar!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Como sabe, esse limite, antes, estava fixado em três anos e, agora, com as alterações que propõe, o CDS não só recupera o regime anterior, ou seja, os três anos, como ainda abre excepções que possibilitam a apreciação e a aplicação dessa medida a crimes puníveis com apenas um ano de prisão. Verifica-se, portanto, que o CDS recuou, fez marcha atrás, passou a pensar de outra maneira, o que nem sempre é um defeito.
Em face disto, pergunto-lhe: por que razão o fez? Foi para «encher o olho» e dar a aparência de que quer mão pesada e mais firme na aplicação da prisão preventiva ou terá o CDS-PP algum estudo fundado que conclua que a criminalidade aumentou, nos últimos dois anos, porque os portugueses perceberam que podiam andar por aí a praticar delitos punidos com penas abaixo dos cinco anos, pois nunca seriam presos preventivamente? Esse aumento de criminalidade não terá sido antes porque o Governo falhou e descurou totalmente as políticas de segurança, não dotando as polícias com os meios necessários para assegurar a tranquilidade e a paz públicas?! Segunda questão: propõe também o CDS-PP, supostamente para combater a morosidade processual, que o processo sumário, que, como sabemos, é um processo rápido, de natureza urgente, possa ser tramitado em todos os crimes, independentemente da sua gravidade e moldura penal e com tribunal singular ou colectivo. É, de facto, uma medida bondosa, mas é ou não verdade que também é uma medida algo utópica e até algo irrealista? Como é que o CDS-PP resolve esta questão, com a sobreposição de agendas que há nos tribunais e com juízes a marcarem julgamentos para um ou dois anos depois? Por que artes mágicas é que o CDS consegue arranjar dias na agenda e juízes para fazerem julgamentos em 48 horas?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Carlos Peixoto, com toda a estima, terá reparado que eu até nem terçei grandes armas pelo famigerado Pacto para a Justiça, porque o meu objectivo é melhorar as leis penais e não entrar aqui numa guerra, que já está mais do que sufragada pelo povo...! O povo é completamente contra estas leis penais! Mas como me fez aquela pergunta, tenho de lhe dizer o seguinte: estamos a apreciar diplomas do CDS, do Governo, do Partido Comunista e até me parece que do Bloco de Esquerda, mas não há qualquer diploma do PSD. Devo com isso concluir que o PSD acha que as actuais leis penais estão bem?!...

Vozes do PSD: — Não!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Ah! Era apenas este comentário que me ocorria neste preciso momento! Nunca ninguém nesta Câmara me tinha acusado de não ser suficientemente securitário, por isso não deixo de lhe agradecer»

O Sr. João Oliveira (PCP): — Lá isso é uma inovação!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Mas vou dizer-lhe o seguinte: o julgamento rápido faz absoluta falta ao sistema especial português. Sr. Deputado, não há um português, sensato, moderado, democrata e humanista, que consiga compreender como é que a polícia detém em flagrante um criminoso, o leva a tribunal e ele, em vez de ser julgado imediatamente, porque foi apanhado em flagrante e a prova está praticamente feita, sai em liberdade, a zombar das autoridades e o polícia fica a perguntar: «o que é que eu ando aqui a fazer? Ando a

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arriscar a minha vida, para, depois, as leis o mandarem embora?! Ele perde-se do sistema, volta a cometer crimes e o crime seguinte é mais grave do que o anterior»...
É com isto que nós não pactuamos e é preciso alterar radicalmente este disfuncionamento do nosso sistema de justiça!!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para apresentar os projectos de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As semelhanças entre a discussão que agora iniciamos e uma catarse colectiva são mais do que evidentes.
Na filosofia de Aristóteles, a catarse traduz o processo de purificação das emoções, que se dá em resultado de um intenso drama vivido pelo herói da tragédia e exige dois elementos essenciais: por um lado, é necessário que o herói em êxtase caia em desgraça e, por outro, exige-se que tal aconteça em resultado de uma opção errada deliberadamente assumida por aquele protagonista.
Se reconduzirmos o elemento espiritual daquela perspectiva filosófica à matéria concreta de que se faz o mundo, neste caso à matéria bem concreta do Código de Processo Penal, encontramos nesta discussão todos os elementos da catarse aristotélica.
Quase três anos depois do êxtase governamental, propagandeado aos quatros cantos do País a propósito da revisão do Código de Processo Penal, eis, agora, o Governo e a maioria do PS caídos em desgraça a constatarem o resultado das opções erradas que deliberadamente assumiram naquela mesma revisão.
Mas é importante relembrar que, na tragédia que foi aquela revisão do Processo Penal, o PS não esteve só: PSD e CDS, votando a favor e abstendo-se, respectivamente, contribuíram para que o herói caísse em desgraça.
O problema, Sr.as e Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, é que o drama desta catarse é vivido diariamente no nosso sistema de justiça pelos magistrados, advogados, órgãos de polícia criminal e funcionários judiciais que todos os dias têm de se confrontar com uma lei processual penal que não contribui para a celeridade da justiça nem para a eficácia do combate ao crime.
Hoje que fazemos esta discussão, procurando corrigir os erros cometidos em 2007, importa que tenhamos bem presente a memória do que foi essa revisão legislativa para que as decisões possam desta vez ser mais acertadas.
E importa relembrar que precisamente no dia 20 de Julho de 2007, aquando da votação final global da alteração ao Código de Processo Penal, o PCP avocou para Plenário da Assembleia da República a discussão das alterações do segredo de justiça. Na altura, denunciámos o erro que essas alterações significavam e alertámos para os problemas que, infelizmente, as mesmas vieram a criar nos nossos tribunais, e que «tanta tinta fizeram já correr».
No PCP não temos qualquer poder especial de adivinhação, mas acabámos por cumprir o papel do coro que na tragédia grega alerta para o desfecho dramático da história.
Tal como acontece com os heróis das tragédias gregas, também o PS não nos quis dar ouvidos e, por isso, aqui estamos hoje a tentar recuperar o tempo perdido.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Os projectos de lei que o PCP hoje apresenta à discussão visam, no essencial, dois objectivos centrais: por um lado, apresentamos no projecto de lei n.º 38/XI (1.ª) medidas que visam a defesa da investigação e a eficácia do combate ao crime. Nesta iniciativa propomos alterações ao regime do segredo de justiça, às regras relativas aos prazos de duração máxima dos inquéritos e à detenção fora de flagrante delito, bem como à aplicação da prisão preventiva.
No essencial, estas propostas visam garantir a defesa da investigação criminal e a eficácia da acção penal, assumindo que o sistema processual penal deve estar, de facto, ao serviço da investigação criminal e não centrado em questões que, apesar de relevantes, são questões secundárias.

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A defesa do bom nome dos suspeitos ou dos arguidos, por muito que deva ser preocupação a considerar pelo sistema de justiça, não pode ser transformada no objectivo central do regime de segredo de justiça.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — O segredo de justiça deve visar, sim, a eficácia da investigação criminal e por isso se deve recuperar o princípio do segredo do processo nas fases de inquérito e instrução.
Pela mesma razão devem ser alteradas as regras relativas aos prazos máximos de duração do inquérito. A celeridade na administração da justiça não se pode tornar um objectivo a atingir a todo o custo, particularmente se desconsidera a complexidade da criminalidade mais grave e organizada e vota ao insucesso a acção das autoridades que lhe procuram dar combate.
Quanto à alteração das regras de aplicação da prisão preventiva e da detenção fora de flagrante delito, as propostas que apresentamos procuram responder às dificuldades com que hoje as autoridades judiciárias se confrontam na sujeição dos agentes do crime à justiça, dificuldades essas que geram algum sentimento de impunidade e de ineficácia da justiça.
No projecto de lei n.º 178/XI (1.ª) prevemos um conjunto de alterações que visam a garantia da celeridade no julgamento dos processos-crime, particularmente na criminalidade menos grave e em que houve detenção em flagrante delito ou em que a prova é de mais fácil obtenção.
Estamos em crer que as alterações que propomos às formas de processo especiais — sumário, abreviado e sumaríssimo — permitirão a sua utilização de forma generalizada nos tribunais portugueses, criando condições para o julgamento rápido da criminalidade de menor gravidade e libertando os próprios magistrados para tarefas de maior complexidade ou que exijam maior disponibilidade.
Importa a este respeito referir que, no âmbito do processo sumário, considerámos devidamente uma sugestão do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público no sentido de alargar a possibilidade de utilização desta forma de processo para o julgamento de crimes de maior gravidade, puníveis com penas de prisão de máximo superior a cinco anos e com intervenção do tribunal colectivo.
Esta sugestão, que acabou por ser incluída no projecto de lei apresentado pelo CDS, não mereceu acolhimento por parte do PCP, não por se tratar de uma proposta errada ou sem fundamento mas, sim, porque julgamos que se deve primeiro procurar generalizar a utilização do processo sumário e só depois considerar a possibilidade do seu alargamento a crimes de maior gravidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Para lá das propostas concretas de alteração ao Código de Processo Penal em matéria de processos especiais, o PCP entende que é fundamental que o Governo disponibilize os meios necessários à concretização deste objectivo de maior celeridade na justiça.
Não podemos esperar que a simples alteração da lei determine melhorias significativas no funcionamento dos tribunais se esta não for acompanhada da disponibilização dos meios necessários. Por isso, propomos que a entrada em vigor das referidas alterações legislativas seja acompanhada dos respectivos meios necessários à sua concretização, ouvidos os conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público.
Por último, importa fazer alguma apreciação das várias iniciativas em discussão nos seus aspectos fundamentais.
Apesar de as várias iniciativas preverem soluções divergentes das defendidas pelo PCP, particularmente no que se refere aos processos especiais, entendemos que o processo legislativo só terá a ganhar se todas puderem ser confrontadas na discussão na especialidade.
Iremos por isso contribuir com a nossa abstenção para a viabilização das várias iniciativas em discussão, à excepção do projecto de lei n.º 174/XI (1.ª), apresentado pelo CDS. Tendo em conta que esta iniciativa prevê medidas que dificultam o acesso à liberdade condicional com as quais não estivemos de acordo em discussões anteriores, votaremos contra ela.
Quanto à proposta de lei do Governo, é de lamentar que este tenha identificado alguns dos problemas centrais das alterações introduzidas em 2007, mas teime em não efectuar as correcções necessárias.

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Com esta proposta de lei, o Governo insiste teimosamente na manutenção das normas que têm sido fonte de problemas, procurando minimizar os seus danos introduzindo alterações a outras normas que, certamente, criarão novas dificuldades.
Vejam-se, a título de exemplo, as alterações propostas pelo Governo ao artigo 1.º do Código de Processo Penal. Estas alterações apenas se justificam porque o Governo teima em manter a regra de aplicação da prisão preventiva apenas a crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos e vão certamente conduzir a novas dificuldades, particularmente quanto à aferição da sua constitucionalidade.
No que se refere ao segredo de justiça, o problema é ainda mais profundo.
A comissão nomeada pelo Governo para preparar esta proposta de lei apontou duas soluções para o segredo de justiça: uma mantendo a regra da publicidade do processo e outra recuperando a regra do segredo. Das duas soluções, a segunda, da recuperação da regra do segredo, recolheu a preferência da maioria dos membros da Comissão.
Ora, perante isto o que fez o Governo? Escolheu precisamente a solução que menos apoio recolheu na Comissão por si nomeada.
A este respeito, aliás, apenas o projecto de lei do PCP apresentado há mais de quatro meses — antes mesmo de estar constituída a referida Comissão — aponta no sentido que veio a ser reconhecido como o mais correcto.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Agora que se inicia um novo processo de alteração ao Código de Processo Penal, esperamos que se reúnam as condições necessárias para que essas alterações possam ser devidamente discutidas e preparadas, considerando opiniões e pareceres de todos quantos possam contribuir para o seu sucesso, particularmente daqueles que todos os dias nos tribunais aplicam essas regras.
Temos igualmente a expectativa de que com este processo legislativo se possam eliminar regimes paralelos ao do Código de Processo Penal, como o que foi introduzido na lei das armas, que não só não resolveram os problemas das alterações de 2007 como ainda criaram novas dificuldades e obstáculos aos tribunais.
Da parte do PCP, contribuiremos de forma séria e empenhada para que, desta catarse que agora fazemos, possa resultar um processo legislativo que evite a continuação da tragédia grega em que o Governo enredou o combate ao crime em Portugal.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — O Sr. Deputado não tem pedidos de esclarecimento.
Para apresentar a proposta de lei n.º 12/XI (1.ª), tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Alberto Martins): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A revisão do Código de Processo Penal, em 2007, visou, essencialmente, adaptá-lo a uma nova realidade criminal e corrigir as lacunas e deficiências que a sedimentação prática das suas normas tinha vindo a demonstrar.
Ao mesmo tempo que estas alterações eram aprovadas, o Governo determinou a monitorização da reforma a realizar pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, de modo a acompanhar e avaliar a aplicação das modificações legais.
O Governo está consciente, ontem como hoje, de que a verdadeira apreciação a propósito da adequação das opções legislativas e do sucesso ou não de determinada transformação legal só pode ser feita a partir de um acompanhamento real e profundo da sua aplicação e da vida da lei em concreto.
O XVIII Governo Constitucional, traçando como objectivo no seu programa o reforço da eficácia na prevenção, na investigação e na punição do crime, assumiu o compromisso de, uma vez realizada a avaliação, proceder à apresentação e discussão das correcções que se mostrassem necessárias.
A avaliação da reforma terminou em 2009 e permitiu concluir que, globalmente, os resultados foram positivos, nomeadamente quanto à adaptação da legislação penal aos instrumentos internacionais vinculativos; à correcção de deficiências normativas face à interpretação da Constituição; ao aprofundamento dos direitos e garantias dos arguidos; às melhorias organizativas do funcionamento da acção penal; à maior preocupação com o cumprimento dos prazos do inquérito; às mudanças na estratégia de investigação da

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criminalidade mais grave e complexa; à atenção da hierarquia do Ministério Público quanto à duração dos processos de inquérito e incentivo à utilização da suspensão provisória do processo e dos processos especiais; ou ao crescimento, ainda que tímido, da aplicação das penas alternativas à pena de prisão.
Estes são os resultados mais positivos decorrentes da reforma do Código de Processo Penal.
Do mesmo modo, os relatórios conclusivos da avaliação da aplicação das leis identificaram pontos onde se justificam intervenções cirúrgicas, destinadas a solucionar estrangulamentos e a reforçar o objectivo daquela revisão.
Nesse sentido, о XVIII Governo criou uma Comissão composta por diversas personalidades de reconhecido mérito, ligadas à prática judiciária e ao estudo universitário, encarregada de analisar as conclusões dos relatórios do Observatório e formular propostas de alteração que se lhe afigurassem como adequadas à obtenção de uma maior eficácia no sistema de investigação e julgamento na acção penal, no quadro da nossa matriz constitucional: defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A proposta de lei que agora se apresenta a discussão resulta, por isso, desse trabalho de complementaridade, intenso, que foi realizado com as conclusões dos relatórios do Observatório, as propostas da Comissão que criámos, a que se somam os contributos que incorporamos resultantes da audição do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da República e da Ordem dos Advogados, bem como da consulta das entidades representadas no Conselho Consultivo da Justiça, entre as quais estão relevantes órgãos de polícia criminal, desde logo a direcção da Polícia Judiciária.
A importância da matéria processual penal, enquanto espaço crítico das liberdades públicas e privadas, revela-se desde logo na necessidade de uma articulação tão harmoniosa quanto possível entre as exigências próprias da investigação e repressão de uma criminalidade cada vez mais sofisticada e a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
O Governo, ao propor um conjunto restrito de alterações ao Código de Processo Penal, visa atingir uma solução de consenso e equilíbrio nos valores constitucionais, que a todos nos obrigam, da liberdade e da segurança.
Assim, as propostas agora apresentadas centram-se em cinco pontos fundamentais, identificados como segmentos-chave para uma mais célere e eficaz administração da justiça penal: o processo sumário e abreviado; o regime processual do segredo de justiça; os prazos em que o inquérito decorre com exclusão do acesso aos autos por parte dos sujeitos processuais; a prisão preventiva; e a detenção.
Ao destacar alguns pontos principais, podemos dizer que, no que respeita ao regime do segredo de justiça, se mantém a regra geral de publicidade, estabelecida em 2007 para todo o processo, uma vez que ela não só se apresenta como essencial para o controlo democrático da actividade dos poderes públicos como também não lhe foi apontado qualquer problema particular de aplicação prática, pelo Observatório. Mas clarificam-se as funções próprias do Ministério Público e do juiz de instrução, eliminando-se a necessidade de validação, pelo juiz, da decisão do Ministério Público, autêntico titular que dirige o processo, havendo, obviamente, a possibilidade de se requerer a intervenção do juiz, o que terá necessariamente em conta os interesses da investigação, por um lado, e a exigência de protecção dos direitos fundamentais, por outro. O juiz de instrução é aqui, verdadeiramente, um juiz das liberdades e é nesse quadro que intervém.
Quanto aos prazos em que o inquérito pode decorrer, vedando-se o acesso aos autos por parte dos sujeitos processuais, as propostas apresentadas dirigem-se, fundamentalmente, a adequar esses prazos à criminalidade mais grave e complexa. Nestes termos, altera-se o artigo 89.º, no sentido de a prorrogação do prazo normal de inquérito passar a atingir quatro meses. E permite-se, em casos de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade altamente organizada ou em que tenha sido declarada a excepcional complexidade, que tal prorrogação atinja um prazo máximo igual ao que corresponde ao respectivo inquérito.
Por outro lado, mantêm-se os prazos dos processos em que haja arguidos presos, mas modifica-se também o artigo próprio, elevando-se os prazos dos inquéritos da criminalidade mais grave e complexa de 8 a 12 meses para 14 a 18 meses.
Em relação ao regime da prisão preventiva, mantém-se a regra de que a mesma só deverá ser aplicada a crimes puníveis com pena máxima de prisão superior a cinco anos, afirmando-se o seu carácter de ultima ratio e mantendo a sua harmonização sistémica. A prisão preventiva é uma detenção provisória, excepcional — é assim que nos é apelado que façamos por todas as organizações internacionais, nomeadamente pelo

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Conselho da Europa — , e não é, por isso, uma medida de prisão antecipada, como alguns, erradamente, pensam.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Justiça: — No entanto, estabelece-se a possibilidade de aplicação desta medida, quando haja fortes indícios da prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta, que, de acordo com a alteração prevista na alínea j) do artigo 1.º passa a abranger as condutas que dolosamente atentem contra a autodeterminação sexual e a autoridade pública.
Do mesmo modo, dentro do leque dos crimes que correspondem à criminalidade altamente organizada — e a que pode aplicar-se prisão preventiva, quando as molduras sejam de máximo superior a três anos — , incluise a participação económica em negócio, ao lado da corrupção, do branqueamento, do tráfico de influências, de pessoas, de armas e de estupefacientes e da associação criminosa.
Alarga-se, ainda, a sua admissibilidade em casos de gravidade social elevada, em que as outras medidas possam não acautelar devidamente necessidades concretas (os crimes de ofensa à integridade física qualificada, o furto qualificado, o dano qualificado, a falsificação ou a contrafacção de documento e o atentado à segurança rodoviária), ao mesmo tempo que passam a prever-se, em sede de Código de Processo Penal, os casos que já admitem prisão preventiva, nos termos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado na anterior legislatura.
Estabelece-se, com carácter excepcional, a possibilidade de aplicação desta medida de coacção pela prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, desde que associada a um comportamento revelador da inadequação da medida de coacção anteriormente aplicada: o desrespeito pela medida anteriormente aplicada ou o cometimento de um novo crime da mesma natureza.
Quanto à detenção, altera-se o artigo 257.º, de modo a permitir a detenção fora de flagrante delito, quando esta seja a única forma de evitar o perigo de continuação da actividade criminosa. No mesmo sentido, modifica-se о artigo próprio, de forma a permitir a continuação da detenção operada em flagrante delito, quando exista o mesmo perigo de continuação da actividade criminosa.
O regime dos processos especiais, sumário e abreviado, é o mais profundamente modificado, no sentido de promover os objectivos fundamentais da reforma, que são a celeridade e a simplificação processual, distinguindo a pequena e média criminalidade da criminalidade grave ou complexa. Para esta é deixado o processo comum, enquanto se alargam as possibilidades de utilização daqueles processos especiais na pequena e média criminalidade, nomeadamente prevendo que o processo sumário possa ter início no prazo máximo de 15 dias, caso esse período seja necessário para obter meio complementar de prova.
No caso do processo abreviado, retira-se a possibilidade de, deduzida a acusação, reenviar o processo para inquérito, para acusação sob a forma de processo comum, quando a prova era simples e evidente, apenas por não ter sido possível marcar o julgamento em 90 dias.
Regula-se, igualmente, e de forma inovadora e relevante, a sentença oral e simplificada, tanto num como noutro processo: prevê-se a gravação da sentença, prescindindo-se da redução a escrito, excepto quando seja aplicada pena de prisão efectiva, por razões de salvaguarda de direitos fundamentais, sendo entregue cópia da gravação aos sujeitos processuais, salvo se dela prescindirem.
Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça: Sem prejuízo da discussão de soluções pontuais, que decerto se fará, com proveito, em sede de especialidade, interessa sublinhar, a respeito das alterações propostas, o seu objectivo específico de corresponderem a correcções que a aplicação prática das normas resultantes da reforma de 2007 veio impor. Temos uma consistente cultura de avaliação da aplicação das leis e só depois da avaliação da sua aplicação é que as leis devem ser mudadas e não a todo o tempo, ao encontro de vontades casuísticas, mais ou menos securitárias, mais ou menos garantísticas.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro da Justiça: — Pretendemos, por isso, compatibilizar as exigências da eficácia na acção penal com a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos.

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Saliento a importância de se obter um consenso nesta matéria quanto à melhor solução para a justiça penal portuguesa, tanto mais que os projectos apresentados pelos vários grupos parlamentares coincidem no que respeita à delimitação essencial das matérias que se justifica rever.
O Estado de direito, que nos identifica nesta Câmara, exige judicialidade, separação de poderes e defesa dos direitos, liberdades e garantias. É este o caminho que procuramos construir.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, sem prejuízo de algumas considerações que a bancada do Bloco de Esquerda entende dever trazer a este debate sobre o percurso das leis processuais penais nestes quase três anos, um percurso, como sabe, bastante atribulado, gostaria de lhe colocar, nesta fase do debate, algumas dúvidas e uma questão que, para nós, é central na proposta apresentada pelo Governo.
Se temos como pano de fundo de todo este debate a necessidade de dar maior eficácia à investigação e de reforçar os meios de combate à criminalidade, sobretudo à criminalidade mais sofisticada, mais violenta, mais bem organizada e complexa, existe um crime ao qual pensamos que a sociedade deve dar uma grande importância. Falo do crime de homicídio — um dos crimes mais graves — que é mais frequente e mais numeroso no nosso País, o crime de homicídio conjugal, que, como sabemos, mata um número incrivelmente alto de mulheres todos os anos. É preciso que exista uma estratégia muito clara no combate a este crime, que, repito, Sr. Ministro, é o que mais mata no nosso País.
Nesse sentido, as alterações propostas pelo Governo na detenção fora de flagrante delito parecem-nos tímidas, Sr. Ministro, pelo que gostaria de saber da sua disponibilidade e da disponibilidade do Governo para ir um pouco mais longe em matéria de detenção fora de flagrante delito, exactamente para acautelar um momento extremamente perigoso para a vítima de violência doméstica, em que, de facto, é preciso uma intervenção no sentido do afastamento do agressor, a qual só pode ser feita, na maioria das situações, através de detenção. Mas, como disse, é um momento extremamente perigoso que, em muitas situações, significa a vida ou a morte da vítima. Aliás, também não deixa de me espantar que até no próprio projecto de lei, apresentado pelo CDS-PP, e o Sr. Deputado Paulo Portas enfatizou aqui tanto a defesa da vítima, não esteja clara como a água, no artigo sobre a detenção fora de flagrante delito, a necessidade de acautelar a protecção da vítima.
Por isso, Sr. Ministro, o meu desafio é este: saber até que ponto o Governo, neste aspecto em concreto, que reputamos muito importante, está disposto ao debate — e sublinho, com certeza, as suas palavras, da tribuna, no sentido de que estava disponível para um debate aprofundado sobre esta matéria — e a incluir no Código de Processo Penal exactamente aquilo que já existe na lei da violência doméstica. Não seria muito mais claro e muito mais lógico a matéria estar tratada exactamente da mesma forma quer na lei da violência doméstica, quer no próprio Código de Processo Penal?!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a razão de ser desta proposta de lei que V. Ex.ª aqui apresentou é a de tentar corrigir o que, desde 2007, todos sabemos que teria de ser corrigido, designadamente no que se refere à regra da prisão preventiva, que se aplicava no caso de haver fortes indícios da prática de crime doloso a que correspondesse pena de prisão superior a três anos, mas, com a alteração aqui aprovada pelo Partido Socialista, passou a referir-se a crimes com pena de prisão superior a cinco anos. Sabe-se quais foram as consequências desta medida e foram tais que o Governo teve de emendar a mão, através da lei das armas. Só que emendou a mão com a mão errada, isto é, em vez de o ter feito pela

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mão do Ministro da Justiça, promovendo uma alteração ao Código de Processo Penal e reconhecendo o erro que foi cometido — não! — , fê-lo pela mão do Ministro da Administração Interna, fazendo introduzir um artigo 95.º-A na lei das armas, que não tem rigorosamente nada a ver com a matéria da lei das armas e que deveria ter sido, de facto, introduzido no Código de Processo Penal, e não apenas em relação aos crimes constantes da lei das armas mas, precisamente, como regra geral do Código.
Surge, agora, a oportunidade de o Governo voltar a emendar a mão, mas, infelizmente, nesta matéria — e permitir-me-ão a expressão — , o Governo volta a «meter os pés pelas mãos», porque, efectivamente, quer manter, teimosamente, a regra da moldura penal de cinco anos de prisão como regra geral para a aplicação da prisão preventiva. E, para isto, o que é que o Governo faz? O Governo, para manter esta regra, vai criar um elenco alternativo de tipos de crime aos quais não se aplique a regra mas, sim, uma excepção. Só que este elenco alternativo é de tal forma extenso que não sabemos qual é o âmbito de aplicação maior, se é o da regra, se é o da excepção. Isto, efectivamente, vai subverter tudo e, pior ainda, o Governo, por razões que não se compreendem, não revoga o abstruso artigo 95.º-A da lei das armas. Ou seja, surge uma oportunidade de, no Código de Processo Penal, que é a sede própria, estabelecer a regra da aplicação da prisão preventiva e as respectivas excepções e o Governo mantém em vigor uma norma, que é a do artigo 95.º-A da lei das armas, a qual se torna absolutamente inútil em face do que venha a ser aprovado no Código de Processo Penal.
A pergunta que faço é no sentido de saber por que razão o Governo insiste em manter esta disposição, que não faz rigorosamente nada na lei das armas, que é um abcesso que ali está. Obviamente, haveria toda a vantagem em não a manter. Na medida em que se está, agora, a rever o Código de Processo Penal e em que o Governo acabou por ter de reconhecer que não havia outra solução que não fosse a de alterar o Código de Processo Penal, por que razão o Governo quer insistir em manter este artigo 95.º-A da lei das armas, que não faz sentido rigorosamente nenhum?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, tentarei responder às questões que me foram colocadas, iniciando pela Sr.ª Deputada Helena Pinto.
Começo por fazer uma declaração de princípio: a nossa disponibilidade — que, aliás, a Sr.ª Deputada assinalou — no sentido de tentarmos, como também já foi dito pelos responsáveis da bancada do Partido Socialista, na especialidade, procurar o maior consenso e a maior harmonização possíveis nestas matérias, porque, efectivamente, estas são matérias de regime. O sistema de justiça, o processo penal e o penal são matérias que têm a ver com a organização das liberdades constitucionais. Por isso, temos esse entendimento.
Quanto à questão que a Sr.ª Deputada colocou, estamos de acordo com ela no que concerne à relevância do homicídio qualificado e das circunstâncias, que apontou, decorrentes de uma análise estatística e, no nosso ponto de vista, sem prejuízo de isso poder ser explicitado, na nossa proposta de alteração do artigo 257.º, já mantemos a possibilidade de haver manutenção da prisão, se houver perigo de continuação da actividade criminosa, que é apreciada pelo juiz. Naturalmente, a situação concreta de perigo da actividade criminosa remete para uma avaliação concreta, mas isto não significa que não possamos ver essa matéria com maior precisão.
O sentido da nossa ideia, na nossa proposta de revisão do Código, era o do flagrante delito e o de outras circunstâncias em que, não havendo flagrante delito, houvesse a possibilidade de continuação da actividade criminosa.
A questão colocada pelo Sr. Deputado António Filipe tem a ver com a eventual colisão entre as soluções aqui apontadas e a lei das armas. Esse é um trabalho que cabe à Assembleia fazer.

Risos do Deputado do PSD Luís Montenegro.

Ou se encontra a solução lex posteriori, revogat anteriori ou se encontra a ideia de que há uma lei especial e, então, nesse caso carece de um tratamento específico. O nosso entendimento político era o de integrar, no

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Código de Processo Penal, aquilo que está contido na lei das armas. E, por isso, resolvemos não o fazer, mas o objectivo político é esse.
Quanto à questão da prisão preventiva, temos uma divergência de fundo: para nós, a prisão preventiva é uma detenção provisória, é excepcional. Assim a Constituição o exige! O Sr. Deputado conhece bem o problema. Participámos em grandes batalhas na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ao encontro de uma pretensão reiterada do Conselho da Europa, no sentido de acabar com a normalidade da aplicação da prisão preventiva. Consideramos que a prisão preventiva deve ser o mínimo possível. É uma detenção provisória, não é uma prisão antecipada.
Por isso, encontrámos uma solução de equilíbrio, que é a de alargar o catálogo aos crimes de maior perigosidade. É uma solução distinta daquela de regressar ao passado, uma vez, aliás, que a própria avaliação do Observatório Permanente da Justiça não nos aponta uma solução de regresso ao passado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Morais.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado da Justiça, o Governo apresenta, hoje, no Parlamento, a sua proposta de alteração do Código de Processo Penal que fundamenta, por um lado, nos resultados do trabalho do Observatório Permanente da Justiça e, por outro, nas conclusões e propostas da comissão que o próprio Governo nomeou para o efeito.
A caminho da questão concreta que, à frente, lhe colocarei, Sr. Ministro, permita-me que lhe diga que nós bem gostaríamos — e julgo que muitos portugueses que acompanham estas matérias da justiça, com interesse, também gostariam — de conhecer os resultados do trabalho dessa comissão. Lamentamos, por isso, que esses resultados não sejam conhecidos, que não sejam públicos.
Aliás, julgo que nem mesmo o despacho de nomeação dessa comissão foi publicado. Uma prática que já o governo anterior adoptou e que este continua é a de não tornar públicos os trabalhos das comissões que vai criando, o que facilitaria a apreciação e a reflexão, e contribuiriam para a transparência destes processos.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Lamentamos, porque talvez resida precisamente nos resultados do trabalho dessa comissão a chave para a compreensão de algumas propostas do Governo, nomeadamente no que se refere ao regime do segredo de justiça e que gostaríamos de ver, hoje, esclarecidas.
Refiro-me, concretamente — porque o tempo também não me permite mais — , à proposta do Governo de que ao mero suspeito seja atribuído o direito de requerer ao Ministério Público a aplicação do regime do segredo de justiça, bem como o seu levantamento, e, ainda, o direito de consulta de todos os elementos constantes do processo, findos os prazos de duração do inquérito — direitos estes que são, actualmente, atribuídos apenas ao arguido, ao assistente e ao ofendido.
Sr. Ministro, qual é o fundamento desta proposta, que, aliás, não é mencionada na exposição de motivos nem o Sr. Ministro aqui, hoje, lhe fez qualquer referência? Gostaria de não ter que ser levada a pensar que o Governo preferia, até, que esta proposta de alteração não se fizesse notar» E por que tanto insisto na pergunta? Porquê atribuir estes direitos de intervenção no processo a quem não é, sequer, sujeito processual? Numa altura em que o Governo, diariamente, se insurge contra as violações do segredo de justiça, vemnos, então, propor que qualquer suspeito — insisto, qualquer suspeito, porque este universo não é sequer determinável, previamente — possa intervir num processo que não é público, tendo acesso a todos os elementos do processo?!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

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A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Sr. Ministro, isto significa, afinal, que o Governo pretende, mais uma vez, ceder à tentação de legislar com um concreto processo à vista? Significa isto que estamos, mais uma vez, perante uma proposta que é justificada pelos concretos contornos de um mediático processo judicial?! Sr. Ministro, agradecia-lhe um esclarecimento sobre este ponto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, nos 2 minutos de que disponho, quero colocar-lhe duas questões muito simples.
Uma primeira prende-se com a necessidade de explicação sobre a opção que o Governo fez por contrariar a solução, pelos vistos, maioritária na comissão que o Governo nomeou para preparar esta proposta de lei, relativamente ao segredo de justiça.
Com todos os problemas que se têm verificado, desde as alterações, em 2007, com todas as críticas que têm sido feitas à alteração da regra do segredo para a regra da publicidade do processo, com todos os problemas que isto tem levantado, particularmente na fase de inquérito e de instrução — que é aí que se coloca a necessidade do segredo — , se a maioria dos membros da própria comissão nomeada pelo Governo preferia a solução da recuperação do segredo, por que é que o Governo opta pela solução da manutenção da regra da publicidade, criando novas excepções a esta regra, transformando quase a própria regra, ela mesma, numa excepção? Gostava de lhe colocar esta questão, Sr. Ministro, porque julgo que ela tem que ver com uma outra questão fundamental que perpassa toda a proposta de lei. É o facto de o Governo, em vez de simplificar, complexificar nas soluções que apresenta e complicar com as propostas de alteração que apresenta. Gostava, pois, que nos deixasse aqui um esclarecimento.
A segunda questão também tem a ver com o facto de o Governo não querer corrigir os erros, e solicitavalhe, Sr. Ministro, uma especial atenção relativamente a esta questão porque ela, do ponto de vista técnico, pode ter alguma complexidade.
O Governo opta por não corrigir os erros na sua fonte e procura, por formas enviesadas, corrigir esses erros. A proposta que o Governo apresenta na proposta de lei, aliás, acompanhada pelo Bloco de Esquerda no seu projecto de lei, prevê a aplicação da pena de prisão preventiva no caso de um crime que é punido com uma pena de prisão de, no máximo, um ano. Repito, os senhores propõem a aplicação da prisão preventiva para um crime punido com uma pena de prisão de, no máximo, um ano! Acompanhe o meu raciocínio, Sr. Ministro: o artigo 348.º do Código Penal refere-se ao crime de desobediência. Como o Sr. Ministro sabe, o crime de desobediência, previsto no artigo 348.º, está integrado no capítulo, cuja epígrafe é «Dos crimes contra a autoridade pública».
Ora, os senhores alteram a alínea j) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, introduzindo os crimes contra a autoridade pública na criminalidade violenta, criminalidade violenta, essa, que, por força do artigo 202.º, é um tipo de criminalidade em que pode haver a aplicação da prisão preventiva.
Portanto, aquilo que o Governo e também o Bloco de Esquerda, no seu projecto de lei, propõem, hoje, à discussão desta Assembleia da República é que se abra a possibilidade de aplicação da prisão preventiva num crime que — pasme-se! — tem, como máximo da sua moldura penal, uma pena de prisão de um ano! Sr.
Ministro, quero acreditar que isto foi um lapso e que, certamente, será corrigido.
Sabe o que é preocupante, Sr. Ministro? É que isto reflecte, de facto, a complexificação do Código de Processo Penal, porque os senhores não conseguem admitir a necessidade de corrigir os erros, na fonte.
Alterando a regra do artigo 202.º, sem mexer na tipificação da criminalidade violenta, os senhores resolviam o problema. Assim, em vez de o resolverem, complexificam-no!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

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O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, se me permite, começo por responder à última questão que o Sr. Deputado João Oliveira colocou.
O facto de esta desobediência à autoridade pública permitir a prisão preventiva foi uma opção política. Nós consideramos que a desobediência à autoridade pública é um crime que tem uma saliência particular e forte e por isso a nossa opção foi política.
As correcções que, em geral, estamos a fazer são as que resultam de um processo muito alargado de avaliação. Tivemos a avaliação do Observatório, tivemos a avaliação da comissão e ouvimos os diversos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público, a Ordem dos Advogados e a ProcuradoriaGeral da República. Não são soluções que resultem de uma vontade autónoma, não são soluções que resultem de uma solução intelectual, digamos assim, do Governo; resultam de uma consulta muito precisa.
Em relação à questão da publicidade, que o Sr. Deputado colocou, ao nível do processo penal, houve um debate na comissão, debate, esse, que dividiu os membros da comissão, mas todos eles se conformaram com a solução encontrada. E a solução encontrada foi a de manter regra da publicidade por razões de interesse público, mas quem é o «dono do segredo», passe a expressão, em termos de iniciativa, é o Ministério Público.
E esta solução foi considerada como adequada e razoável.
Em resposta à questão colocada pela Sr.ª Deputada Teresa Morais, devo dizer o seguinte: a Sr.ª Deputada não acompanhou os resultados da comissão e fez um juízo primário e errado,»

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Não fui eu que não acompanhei, ninguçm acompanhou!»

O Sr. Ministro da Justiça: — » mas devo dizer que a iniciativa legislativa que apresentamos é, na generalidade, a proposta da comissão, a comissão validou a iniciativa legislativa quando foi apresentada no Conselho de Ministros. Portanto, todas as soluções legais são as soluções da comissão.
A partir da sua apresentação no Conselho de Ministros — isto é público, é notório, é conhecido! — , onde se aprovou, na generalidade, a proposta da comissão, fizemos alterações em função dos contributos do Conselho Superior da Magistratura, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados e dos membros do Conselho Consultivo da Justiça, pelo que, Sr.ª Deputada, o trabalho da comissão é claríssimo e é público!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Foi em segredo!

O Sr. Ministro da Justiça: — Por conseguinte, os resultados dos textos legislativos que aqui apresentamos — inclusive, quanto ao suspeito — são também uma proposta da comissão.

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

Isto é uma necessidade, não é uma solução casuística. É que muitas vezes, o suspeito encontra-se numa situação de precariedade e tem uma necessidade de protecção superior à das vítimas e do arguido

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Constitui-se arguido, Sr. Ministro!

O Sr. Ministro da Justiça: — Por essa razão, apresentamos essa proposta e a Sr.ª Deputada — agora com a certeza de que é uma proposta da comissão — vai discuti-la e vamos tentar encontrar a melhor solução.
No entanto, entendemos que a melhor solução é a de dar a maior garantia de liberdade e defesa de direitos fundamentais a todos os cidadãos!

Aplausos do PS.

Protestos da Deputadas do PSD Teresa Morais.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

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A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Chegados, finalmente, ao momento das alterações, mesmo pontuais, do Código de Processo Penal, não podemos deixar de fazer uma breve avaliação destes três anos de aplicação do diploma que agora se pretende alterar. E o balanço não é positivo e há que retirar ilações e responsabilidades políticas.
A reforma de 2007 falhou.
Falhou na preparação: não se realizaram estudos prévios, não se promoveu o debate com os diferentes agentes judiciais e muito menos um debate alargado na sociedade. E esse debate era importante, pois a justiça tem muito a ver com cidadania e, quanto mais se envolvem os cidadãos e cidadãs, mais se reforça a confiança neste pilar da democracia e do Estado de direito.
Falhou também no debate parlamentar, que, como todos e todas estão lembrados, foi realizado em modo de aceleração, dando, inclusive, lugar a erros absolutamente desnecessários.
Falhou na vacatio legis, facto que nem precisa de comentários e falhou nos meios para a sua implementação.
Como aponta o Relatório do Observatório da Justiça, o processo foi mal conduzido e «deu causa a todos os processos desculpabilizantes» que, sabemos, também existem — e é preciso dizê-lo É verdade que o Governo encomendou, desde logo, a monitorização e a avaliação da reforma. Também é verdade que o resultado da avaliação estava concluído em Julho de 2009, mas o Governo só o tornou público após as eleições.
Também é verdade que os relatórios intercalares já evidenciavam os pontos de estrangulamento da reforma e o Governo, na altura, optou pelo imobilismo. Ou seja, preferiu que a situação se degradasse e recusou-se a interferir, procedendo a alterações mesmo mínimas que fossem.
Com medo do recuo, optou pelo tabu!

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Hoje, o recuo é óbvio, mas o desgaste a que o sistema de justiça esteve exposto, esse já ninguém o consegue eliminar.
Sr. Presidente e Srs. Membros do Governo, partindo da constatação, hoje, pelo menos aparentemente consensual, de que existem dificuldades e mesmo divergências na interpretação de algumas normas e identificados os pontos de maior controvérsia, é possível iniciar um debate, que se espera participado, na correcção dessas situações. Assumem particular destaque as matérias referentes ao segredo de justiça, prisão preventiva, detenção e prazo de duração do inquérito.
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda está neste debate com o espírito aberto para encontrar as melhores soluções. Não trazemos tabus, trazemos o nosso contributo.
Mas temos uma convicção: se, por um lado, entendemos que devem existir prazos na justiça, eles não podem nem devem ser uniformes. O tipo de crime e a complexidade do processo é aqui determinante. A complexidade dos novos tipos criminais e, sobretudo, as características dos crimes que colocam em causa bens comuns e lesam toda a sociedade e o Estado têm que ter condições especiais de investigação, sob pena de nunca se conseguir punir quem os comete.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Apresentamos, por isso, propostas concretas sobre os prazos de inquérito e os prazos de segredo de justiça.
Para nós, já estava claro, mas é reafirmado no Relatório do Observatório de Justiça que os actuais prazos são insuficientes para a criminalidade mais complexa, com especial destaque para a criminalidade económica e financeira e a corrupção.
Por isso, propomos o alargamento dos prazos de inquérito e a possibilidade de prorrogação excepcional dos prazos de inquérito pelo Procurador-Geral da República ou o responsável hierárquico com poderes delegados, nos casos em que a investigação o exige.

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Quanto ao segredo de justiça, entendemos que deve ficar claro no Código que os inquéritos referentes aos crimes de maior complexidade ficam sujeitos ao segredo de justiça, de modo a que não restem dúvidas. Aqui reside uma diferenciação com a proposta de lei.
Entendemos que não se justifica o retorno ao antigo modelo — a norma ser o segredo para todos os processos. Os problemas e as dificuldades colocam-se em determinados crimes, sobejamente identificados, por isso é nessas situações que se devem centrar as alterações.
Importa ainda fazer uma consideração geral em relação aos prazos, quer de inquérito quer de sujeição a segredo de justiça.
O problema não reside nas concepções teóricas e, em abstracto, sobre a função dos prazos no sistema de justiça mas, sim, no facto, fundamental, de este Código ser para aplicar à realidade concreta deste País e da nossa justiça. Se levarmos isso em linha de conta, tornam-se óbvias as dificuldades múltiplas em realizar certos tipos de investigação, o que torna os prazos insuficientes.
Não basta abrir a excepção para as situações de «expedição de carta rogatória», Sr. Secretário de Estado da Justiça. É por demais pública a morosidade de muitas outras perícias.
Este debate, como o Bloco de Esquerda sempre alertou, não pode ser feito ignorando o contexto geral dos meios existentes ao serviço da investigação criminal, sejam humanos ou técnicos.
Sobre a prisão preventiva, queremos reafirmar o nosso acordo com a norma constitucional que determina que a prisão preventiva tem natureza excepcional, por isso concordamos com a manutenção da moldura penal de máximo superior a cinco anos. Por outro lado, acolhemos as preocupações que apontam a impossibilidade de aplicar a prisão preventiva em situações de crimes cuja moldura penal é superior a três anos e inferior a cinco. Embora já estivesse prevista para alguns crimes, concordamos que deve ser alargada nas situações em que causam alarme social e ponham em causa a tutela da segurança de cidadãos e cidadãs.
Quanto à detenção fora de flagrante delito, entendemos que o actual Código era muito restritivo e não acautelava as situações objectivas de perigo da actividade criminosa e de perigo eminente para a vítima, matéria sobre a qual já falei no pedido de esclarecimento que formulei ao Sr. Ministro.
Em relação ao processo sumário, acompanhamos as propostas que visam agilizar os processos, nomeadamente em relação à criminalidade menos gravosa. Temos restrições a que se altere a actual moldura penal para este tipo de processos.
Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, pensamos estarem criadas as condições para que se inicie hoje um debate aprofundado, cujo objectivo deve ser promover a eficácia no combate à criminalidade violenta e sofisticada, a prevenção do alarme social e o zelo pela aplicação da Constituição.
Com estes diplomas e com este debate, não se esgotam as necessidades da justiça portuguesa. Muita coisa fica por tratar — o acesso à justiça, a organização e gestão do sistema, os recursos humanos, os meios técnicos e científicos.
Durante este período, para além das críticas à reforma penal, foram avançadas muitas ideias e mesmo novos modelos, com particular destaque para a investigação criminal.
A justiça, enquanto pilar fundamental da democracia, não está dentro de uma redoma de vidro e, sobretudo, não é imune nem às mudanças sociais nem aos múltiplos interesses que se cruzam. E não pode ser também um sector imune à crítica, daí a necessidade de promover debates alargados sobre as suas orientações e sobre as condições concretas para o seu exercício.
O apelo é, portanto, que não se fique por aqui. O resgate da confiança no sistema de justiça assim o exige!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Volvidos dois anos e meio sobre a reforma de 2007, está hoje em discussão um conjunto de iniciativas que propõe alterações ao Código de Processo Penal e ao Código Penal, iniciativas essas que partilham de uma fonte de fundamentação idêntica, a de que os relatórios final e complementar produzidos pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.

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As recomendações do Observatório, como já aqui se disse, contemplam um conjunto de alterações legais pontuais em matéria de prazos de duração máxima do inquérito, de segredo de justiça (ainda que aqui, concretamente, apenas referida à prorrogação do adiamento de acesso aos autos em segredo de justiça), de regime de detenção, de prisão preventiva e de processo sumário.
Queremos deixar, desde já, bem claro que o PSD entende que, apesar de cirúrgica, a iniciativa de rever alguns aspectos pontuais da reforma de 2007 não deve precipitar-se e carece de uma profunda reflexão e ponderação nesta Assembleia.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Devo, por isso, anunciar que oportunamente apresentaremos as nossas propostas, contribuindo e participando no debate alargado e ponderado que devemos empreender.
Por outro lado, o PSD também quer deixar, de forma cristalina, o seu entendimento de que as alterações a introduzir em diplomas fundamentais e estruturantes do nosso Estado de direito democrático, como é o caso do Código de Processo Penal, não devem ser ditadas por imperativos associados a casos mediáticos, na sequência ou por causa destes.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Pois ç!»

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Rejeitamos em absoluto essas tentações e propugnamos apenas correcções resultantes de uma avaliação rigorosa e adequada da aplicação prática das normas vigentes.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As iniciativas que agora discutimos, ainda que pretendam — como já se disse — dar execução às recomendações do Observatório de Justiça, não o fazem de forma uniforme e congruente.
Em matéria de prisão preventiva, por exemplo, o PCP e o CDS-PP, propõem o regresso ao regime vigente antes de 2007, que permitia a possibilidade de aplicação desta medida de coacção aos crimes dolosos puníveis com pena de prisão superior a três anos.
Ora, o Observatório admitiu, de facto, essa possibilidade, mas deixou bem claro que não a defende, preferindo antes a possibilidade de «alargamento do catálogo da alínea b) do n.º 1 do artigo 202.º do Código de Processo Penal, em que se admite a prisão preventiva para certos crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos, de forma a nele incluir os crimes previstos no artigo 95.º-A da lei das armas (já aqui hoje referido) e, eventualmente, alguns outros, como o furto qualificado tipificado no n.º 1 do artigo 204.º do Código Penal.
O PSD partilha da mesma opinião e não vê como positivo que a prisão preventiva se deva aplicar, como regra, a todos os crimes puníveis com pena de prisão superior a três anos.
É nosso entendimento que se deve manter a regra de só permitir a aplicação da prisão preventiva aos crimes puníveis com prisão superior a cinco anos, pelo que não acompanhamos nem a proposta do PCP nem a proposta do CDS a este respeito.
Em todo o caso, registamos a nova opinião do CDS-PP, já que esta sua proposta vai em sentido contrário à posição que assumiu em 2007, quando votou, na especialidade, a proposta de redacção do actual artigo 202.º do Código de Processo Penal.
Pela nossa parte, admitimos ponderar que se alarguem as excepções à possibilidade de aplicação de prisão preventiva a outros crimes puníveis com prisão superior a três anos, para além dos que integram o conceito de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada.
Hoje como ontem, o nosso princípio é o de considerar a prisão preventiva uma medida de ultima ratio para crimes graves, não se justificando a sua aplicação em crimes de menor gravidade.
Neste domínio, queremos ainda registar e aplaudir que o Governo tenha, finalmente, recuado e integrado no Código de Processo Penal — como sempre defendemos — a possibilidade de prisão preventiva em relação aos crimes de detenção de arma proibida e crimes cometidos com arma, já hoje consagrada na lei das armas.
Não compreendemos, contudo, que, integrando esta matéria no Código de Processo Penal, que é, repito, a sede própria para o efeito, como, de resto, o PSD sempre sustentou, mantenha intocável o regime especial de prisão preventiva enxertado na lei das armas.

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A Sr. Teresa Morais (PSD): — Claro!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Não faz nenhum sentido manter em vigor o n.º 5 do artigo 95.º-A da lei das armas, quando essa matéria é agora incorporada no Código de Processo Penal. Aliás, é mesmo nossa opinião que todo o artigo 95.º-A da lei das armas deve ser revogado.
Com efeito, alargando-se, como é hoje proposto por todos os proponentes, a possibilidade de detenção fora de flagrante delito e a manutenção da detenção em flagrante delito no Código de Processo Penal, o que se reconhece como uma necessidade imperiosa até para salvaguarda das vítimas (e, por isso, o PSD votou, na anterior legislatura, uma proposta nesse sentido do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, que acabou, ironicamente, por ser «chumbada«),»

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — » não faz qualquer sentido, em nossa opinião, manter-se os regimes excepcionais de detenção previstos quer na lei das armas quer na lei da violência doméstica.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em matéria de segredo de justiça, também se discutem hoje propostas duvidosas ou erradas, de resto, igualmente opostas à recomendação do Observatório de Justiça.
Discordamos, por exemplo, do regresso (proposto pelo PCP) ao quadro vigente antes da reforma de 2007, estabelecendo como regra a sujeição do processo a segredo de justiça durante as fases de inquérito e de instrução.
Porém, também não compreendemos, como propõe o Governo, que se elimine a necessidade de validação pelo juiz da decisão do Ministério Público de sujeitar o processo a segredo de justiça, quando esta matéria não suscita nenhum obstáculo de aplicabilidade prática.
Com efeito, o Relatório final do Observatório refere, a este propósito, que «resulta do trabalho de campo que a esmagadora maioria das determinações de aplicação de segredo de justiça a um inquérito são validadas, e são-no dentro do prazo legal. Os dados por nós recolhidos. confirmam essa posição: nos processos em que foi efectuado aquele pedido houve deferimento em 98% das situações».
Acresce referir, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado da Justiça, que muito se estranha que, num período em que se procura arquitectar o melhor figurino para impedir a violação do segredo de justiça, que, segundo consta, estará a ser preparado pelo Sr. Procurador-Geral da República por incumbência do Ministério da Justiça, se permita, como sugere o Governo, o levantamento parcial do segredo de justiça. Não será mais difícil preservar este segredo quando ele só existe em relação a uma parte do processo? Isto para já não falar das dificuldades práticas que uma solução destas poderá gerar. Já se imaginou a confusão que será, por exemplo, de folhas 1 a 10 e de 50 a 60 o processo ser público, mas das folhas 11 a 49 e de 61 a 100 o processo ser secreto. Sinceramente, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado da Justiça, não nos parece uma boa solução.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso já hoje pode ser assim!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Por outro lado, temos as máximas reservas, como já foi aflorado pela Sr.ª Deputada Teresa Morais, quanto à atribuição ao suspeito, em matéria de segredo de justiça, de um conjunto de direitos processuais, alteração esta cuja justificação mais não nos parece do que uma resposta a um recente processo mediático, o que, a ser verdade, repugnamos vivamente.
Sr. Ministro, não aceitamos de todo a sua consideração de que se trata de um juízo primário e errado. Não é! É que, além do mais, se há um suspeito e um inquérito (pressuposto da existência do segredo de justiça), o normal é que o suspeito seja constituído arguido e goze, na plenitude, essa sua condição processual.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Parecem-nos pacíficas as propostas do CDS-PP e do Governo de eliminar a limitação que a reforma de 2007 introduziu no artigo 219.º do Código de Processo Penal em relação à possibilidade de o Ministério Público recorrer das decisões relativas às medidas

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de coacção. Não faz qualquer sentido que o Ministério Público só o possa fazer em benefício do arguido. Aliás, na reforma de 2007, o PSD votou precisamente contra essa limitação.
Por outro lado, o PCP e o Governo seguem uma linha mais ou menos idêntica nas alterações em matéria de processo sumário, ao contrário do CDS, que tenta revolucionar esta forma de processo, permitindo a sua aplicação a todos os crimes, independentemente da respectiva moldura penal, desde que haja detenção em flagrante delito. É, contudo, uma matéria que nos merece ponderação e relativamente à qual temos total espírito de abertura.
Para terminar, Sr.as e Srs. Deputados, uma palavra em relação à proposta do CDS de alteração do Código Penal em matéria de liberdade condicional e de crime continuado. Quero deixar claro que o PSD não acompanhou a reforma de 2007 nestas matérias, tendo votado contra as alterações introduzidas pelo Partido Socialista, quer no artigo 30.º quer no artigo 61.º do Código Penal.
Tal não significa, porém, o nosso acolhimento em relação às propostas do CDS, sobretudo na parte respeitante à liberdade condicional, que cremos serem excessivas.
No entanto, também nos parece repugnável a eliminação, operada na revisão de 2007, do n.º 4 do artigo 61.º do Código Penal, que previa que, para condenações em prisão superior a cinco anos pela prática de crimes contra as pessoas ou crimes de perigo comum, a liberdade condicional só pudesse ter lugar quando estivessem cumpridos dois terços da pena.
Entendemos, portanto, que deve ser recuperada a referida norma revogada, atendendo a que faz todo o sentido exigir, em relação a este tipo de criminalidade, o cumprimento de dois terços da pena para a concessão de liberdade condicional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira para uma intervenção.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Na legislatura anterior, o Governo apresentou um conjunto de alterações ao Código de Processo Penal que se mostraram um verdadeiro desastre no que diz respeito ao combate à criminalidade. Desde logo, porque estas alterações acabaram, como, aliás, se previa, por não favorecer a investigação dos crimes de maior complexidade.
Por isso mesmo, a revisão do Código de Processo Penal de 2007, como se sabe, tem vindo a ser objecto de críticas de quase todos os operadores judiciários, mas também das forças de segurança. Essas críticas foram motivadas, principalmente, por essa revisão ter vindo a favorecer uma certa ideia de impunidade, que, após a sua aprovação, ganhou alguma força e consistência na opinião da generalidade dos cidadãos portugueses.
O fracasso destas alterações é muito visível, não é necessário grande esforço para o constatar, sobretudo quando olhamos para as actuais regras que regulam o segredo de justiça, a detenção e mesmo a prisão preventiva.
Mas pior do que errar é não reconhecer os erros, ou reconhecê-los tardiamente, porque, perante as evidências e as críticas generalizadas, o Governo, até há bem pouco tempo, não mostrou qualquer intenção de emendar os erros que cometeu através dessas alterações. De qualquer forma, é melhor tarde do que nunca, e o Governo acabou por fazê-lo depois de esta Assembleia agendar o assunto para discussão, no sentido de apresentar iniciativas legislativas cujo conteúdo incide exactamente nas matérias objecto de alterações por parte do governo anterior.
Refiro-me ao projecto de lei n.º 38/XI (1.ª), do PCP, e ao projecto de lei n.º 181/XI (1.ª), do Bloco de Esquerda, que, no essencial, visam o mesmo propósito, apesar de algumas diferenças, nomeadamente no que se refere à aplicação da prisão preventiva. E, de certa forma, também ao projecto de lei n.º 173/XI (1.ª), do CDS-PP, pelo menos no que se refere à detenção fora de flagrante delito e ao regresso ao regime anterior relativamente à possibilidade de aplicação da prisão preventiva quando estejam em causa crimes puníveis com pena de prisão superior a três anos, e não cinco anos, como actualmente.

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Os Verdes vão votar a favor destas iniciativas legislativas. Assim como acompanhamos muito de perto a iniciativa do PCP, que pretende alterar o Código de Processo Penal, garantindo maior celeridade no julgamento da criminalidade de menor gravidade.
Uma justiça demorada arrasta sempre consigo uma certa dose de injustiça e, por isso, a celeridade na administração da justiça representa uma premissa essencial para a sua materialização. Sem essa celeridade, teríamos uma justiça quase precária. Na nossa perspectiva, esta iniciativa vem contribuir para essa desejada e justa celeridade.
Não acompanhamos, porém, o CDS-PP relativamente ao projecto de lei n.º 174/XI (1.ª), que pretende alterar o artigo 25.º do Código Penal, no sentido de reforçar os requisitos para a concessão do regime da liberdade condicional e até introduzir normas que eliminam essa possibilidade. Não acompanhamos não só porque entendemos que os diferentes graus de censurabilidade não devem reflectir-se ao nível da liberdade condicional mas também porque não concordamos com a criação de um regime mais restritivo da aplicação da prisão preventiva, que vai até ao limite de admitir, nos termos do projecto, a impossibilidade de aplicação da prisão preventiva.
Relativamente á proposta do Governo, que tambçm pretende alterar о Código de Processo Penal visando a defesa da investigação e a eficácia do combate ao crime, quero apenas deixar três notas.
A primeira ç para dizer que ç melhor tarde do que nunca, como eu disse há pouco, e о reconhecimento e a emenda dos erros cometidos pelo Governo em 2007 pecam apenas por tardios. Mas é, de qualquer forma saudável, pelo que saúdo os Srs. Membros do Governo por terem dado «a mão à palmatória», se bem que era preferível que isso tivesse acontecido antes.
A segunda nota tem a ver com о facto de o Governo não ter aproveitado esta proposta para revogar a alteração que fez à lei das armas, já aqui referida, através da qual criou uma espécie de regime processual penal para a prisão preventiva alternativo — eu diria — ao Código de Processo Penal.
Por fim, a solução encontrada pelo Governo no que diz respeito à aproximação ao regime anterior relativamente à aplicação da prisão preventiva não nos parece a mais adequada. A nosso ver, seria muito melhor que se consagrasse de forma clara a sua aplicação aos crimes puníveis com pena de prisão superior a três anos, em vez deste recurso às excepções, como o Governo escolheu e que é, aliás, também a solução encontrada pelo Bloco de Esquerda no projecto de lei que hoje também discutimos.
De qualquer forma, e apesar das reservas que mantemos, Os Verdes não vão inviabilizar a proposta de lei apresentada pelo Governo.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As propostas que hoje esta Assembleia discute centram-se, no essencial, nas recomendações efectuadas nos Relatórios Final e Complementar do Observatório Permanente da Justiça, entidade que, em 2007, foi encarregue de efectuar a monitorização da aplicação da reforma penal.
Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que, pela primeira vez, uma reforma deste alcance foi monitorizada por uma entidade independente, permitindo aferir o sentir das alterações introduzidas ao Código Penal e ao Código de Processo Penal pelos operadores judiciários.
Em segundo lugar, importa salientar uma das conclusões apresentadas nos referidos Relatórios e que nos ajuda a situar este debate. Na verdade, entende o Observatório Permanente da Justiça que «No que respeita à reforma em avaliação, as alterações à lei processual devem ser cirúrgicas, de natureza correctiva, no sentido de potenciar objectivos da reforma, não colocando em causa o seu modelo».
Esta é, em nosso entender, uma conclusão que devemos reter, por duas ordens de razão.
Antes de mais, porque, como o Relatório refere, as recomendações resultam de intensos contactos e entrevistas com operadores judiciários (magistrados judiciais e do Ministério Público, advogados, funcionários e órgãos de investigação criminal) de várias comarcas do País.
Uma segunda ordem de razão prende-se com a necessária estabilidade das leis penais e, com ela, a concretização do princípio da segurança jurídica. O facto de o legislador ser confrontado, face ao mundo

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globalizado em que vivemos, com o aparecimento de novas formas de criminalidade a reclamarem a intervenção do direito penal não justifica, por si só, que haja uma permanente alteração das regras estabelecidas para o direito processual penal, um código que é, como sabemos, o barómetro político que nos indica a relação e o respeito que o Estado tem para com os seus cidadãos.
Na verdade, devo dizer, a este propósito, que caso o discurso do CDS quanto às medidas das penas e aos crimes mais graves fosse levado, na prática, à sua verdadeira consequência e concretização, tal significaria que o CDS estaria aqui a apresentar uma proposta absurda para o nosso Direito Constitucional, ou seja, nos crimes de flagrante delito, o arguido ficaria detido até ao julgamento, qualquer que fosse o prazo. Esta seria a consequência lógica do discurso do CDS.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — O CDS faz a retórica, mas não a apresentação da proposta, pois sabe que a mesma é, naturalmente, inconstitucional.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Bem lembrado!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Acresce ainda que, face a uma ainda muito recente reforma nesta área — com pouco mais de dois anos — , impõe-se que as alterações sejam, de facto, cirúrgicas, como o próprio Observatório Permanente da Justiça recomenda, o que permite que a jurisprudência e a doutrina façam também o seu caminho, estabilizando por esta via, tão fundamental quanto a legislativa, a aplicação das regras e dos princípios fundamentais do Estado de direito.
Importa a este propósito referir que, no âmbito deste trabalho, foram suscitados, em vários debates, outros modelos para o processo penal e, em especial, para a fase de investigação.
O Observatório Permanente da Justiça entende que deve abrir-se o debate, mas alerta que «as alterações que venham a colocar em causa o actual modelo devem ser devidamente sustentadas em estudos e numa ampla discussão dogmática».
É esta seriedade que se impõe ao poder legislativo, sobretudo em matérias com esta dimensão.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Relatório Final do Observatório Permanente da Justiça identifica problemas, apresenta conclusões e propostas concretas que apontam caminhos. São esses caminhos e essas recomendações que hoje o Governo aqui nos traz em forma de lei.
O Governo ouviu e o Governo agiu, para desilusão dos que, a todo custo, querem que o Governo esteja paralisado. Desde logo, ao nível das alterações que introduz na fase processual do inquérito, começando pela inclusão, no conceito de criminalidade violenta, dos crimes que se dirigem contra a liberdade pessoal, a autodeterminação sexual e a autoridade pública. Apraz-nos registar aqui a importância desta alteração, no sentido do reforço da autoridade das forças de segurança.
Permitam-me que aconselhe o PCP a ler os crimes contra a segurança pública para verificar onde e quando é possível a aplicação da prisão preventiva aos crimes contra as forças de segurança.
Em matéria de segredo de justiça, entendemos que a proposta do Governo e o projecto de lei do Bloco de Esquerda se assemelham, pese embora a proposta do Governo se aproxime mais das recomendações sugeridas pelo Observatório Permanente da Justiça. Na verdade, sendo o Ministério Público o titular da acção penal, apenas se justifica a intervenção do juiz de instrução criminal, nesta fase do processo, para o cumprimento da sua função de juiz das liberdades, ou seja, quando houver conflito entre os interesses da investigação e os direitos do arguido ou do assistente.
Já o projecto de lei do PCP, nesta matéria, merece-nos algumas reservas, na medida em que visa repor, como regra, o regime do segredo do inquérito, e não só na fase de inquérito mas estendendo-o à fase de instrução. Uma contradição, em nosso entender, para quem pretende igualmente que o segredo de justiça

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abranja apenas aqueles que têm contacto com o processo, deixando de fora quem tenha conhecimento de elementos do processo.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Ou seja, segredo de justiça para todos os inquéritos, mas publicidade para quem a ele não tenha acesso directo.
No que respeita aos prazos de inquérito, verifica-se um ajustamento quanto aos processos sem arguidos detidos, alargando o prazo para os crimes de terrorismo, criminalidade violenta e criminalidade altamente organizada ou quando o processo é de excepcional complexidade.
A existência de prazos é, em nosso entender, uma garantia do Estado de Direito e, como tal, inalienável, nomeadamente quando estão em causa questões que colidem com direitos, liberdades e garantias de arguidos detidos ou de criminalidade altamente organizada, como se vê pela proposta, que prolonga os prazos precisamente para os casos de criminalidade mais grave.
Aliás, o próprio relatório complementar do Observatório da Justiça, na sua página 15, afirma o seguinte: «Pela perturbação que está a gerar, consideramos que o legislador deve clarificar a norma constante do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, no sentido de definir o que se deve entender por tempo ‘objectivamente indispensável’ à conclusão do inquérito».
Recordo que o artigo 89.º, n.º 6, foi viabilizado por todos os partidos, nesta Assembleia, pelo que era bom que os partidos não esquecessem as responsabilidades que têm na produção do texto final saído da reforma de 2007.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Bem lembrado!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — No que respeita à prisão preventiva, consideramos que o pressuposto material da sua aplicação a crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos cumpre as recomendações que, quer a nível internacional, quer nacional, foram feitas na década de 90 e no início deste século.
O debate mediático sobre esta matéria não pode ofuscar as preocupações que as mais altas instâncias internacionais têm manifestado e que recomendam o recurso a medidas alternativas à prisão preventiva para a pequena e média criminalidade.
A este propósito, cito apenas o relatório final do Observatório da Justiça, quando refere que o aumento da população prisional não tem, na maioria das vezes, relação com o aumento da taxa de criminalidade, decorrendo de políticas penais punitivas adoptadas por razões políticas.
Quer isto dizer que a pequena e média criminalidade não deve ser punida e que devemos ser demasiado brandos com os criminosos? É evidente que não e não é isso sequer que está em causa. Aliás, precisamente para a punição dos crimes de pequena e média criminalidade são adoptadas medidas de celeridade processual nos processos especiais, nomeadamente no processo sumário e no abreviado.
O que entendemos é que não devemos confundir o patamar em que se discute a punibilidade dos criminosos. Punição para todos, sim, mas centremos a utilização dos instrumentos mais gravosos para a criminalidade grave e violenta e para a criminalidade que, pese embora seja considerada pequena, atinge mais frequentemente o cidadão comum e causa alarme social.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Neste capítulo, inserimos também as alterações que se pretendem introduzir em sede de detenção, nomeadamente fora de flagrante delito.
Entendemos a necessidade de os órgãos de investigação criminal procederem à detenção fora de flagrante delito, quer quando exista perigo de fuga, quer quando haja perigo de continuação da actividade criminosa.
Contudo, entendemos que esta matéria deve, em sede de comissão, ser aprofundada, porquanto se nos afigura que deve ser ponderada a intervenção jurisdicional. Na verdade, se o legislador exige — e isto ninguém questiona — que os órgãos de polícia criminal possam efectuar revistas e buscas em caso de criminalidade grave e com perigo iminente para a vida e a integridade física, mas se a validade deste

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procedimento está dependente de uma validação imediata pelo juiz de instrução criminal, não se compreenderia que os órgãos de polícia criminal pudessem deter, fora de flagrante delito, mantendo o sujeito detido por 48 horas sem qualquer validação. Em sede de comissão, devemos analisar ponderadamente esta matéria.
No que respeita aos processos especiais, e em particular ao processo sumário, há um alargamento dos prazos e a instituição de mecanismos que dificultem a remessa dos autos para outra forma de processo mais morosa. É aqui que está a resposta à pequena e média criminalidade.
Nesta matéria, merece-nos alguma reserva a proposta do CDS-PP relativa à introdução de tribunais colectivos no processo sumário. Em primeiro lugar, há que atender à estrutura de todo o processo penal, assente na divisão clara de procedimentos relativos, por um lado, à pequena e média criminalidade e, por outro, à criminalidade grave.
Por outro lado, não será de subestimar as implicações de tal alteração na orgânica dos tribunais, com a introdução de colectivos nos turnos para os processos sumários. De facto, do que o País, neste momento, precisa é não de uma revolução no sector judiciário mas, sim, de uma estabilidade que lhe permita trabalhar com serenidade e fazer justiça.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Por outro lado, também entendemos que, neste momento, para além das alterações pontuais que visam dar mais operacionalidade ao sistema, é prematuro introduzir mudanças que perturbem a regular organização dos tribunais.
Finalmente, no que respeita ao reforço dos direitos das vítimas, cremos que, também em sede de comissão, haverá oportunidade de reflectir e melhorar as propostas do CDS-PP e do BE. Não podemos esquecer que a legislação portuguesa nesta matçria ç, como nos ensina Figueiredo Dias,»

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Já cá faltava!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — » uma das mais avançadas e inovadoras no que respeita à protecção da vítima, o que não significa que não possamos aprofundar e melhorar se se verificar que o estatuto do ofendido não salvaguarda já todos os seus direitos.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — E no debate apareceu o autor: Figueiredo Dias!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Findo este debate, agendado pelo CDS, em que o Governo, finalmente, teve oportunidade de agendar as suas propostas, reconhecendo aquilo que, aliás, o CDS sempre disse, isto é, que as leis penais estavam erradas e que careciam de mudanças significativas, e em que todos os partidos (excepto o PSD) agendaram os seus projectos e as suas propostas, cumpre-nos realçar a realidade de que, em matéria de segurança, a regra e o caminho são normalmente sempre os mesmos: o CDS propõe, o PS ofende-se e cita Figueiredo Dias, o BE escandaliza-se, o PSD atemoriza-se, dois anos depois a realidade dá-nos razão e lá vêm os projectos todos (ou quase todos)!

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Ministro, é verdade que a prisão preventiva é excepcional, é verdade que não é uma prisão antecipada, mas, em alguns casos muito extremos, nomeadamente naqueles casos de flagrante delito, de criminalidade especialmente violenta, com gravidade extrema, o Sr. Ministro sabe — e eu sei que o Sr. Ministro sabe! — que

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acaba, de facto, por ser a tal prisão antecipada. E não faça disso, Sr. Ministro, uma «prisão» para evitar as propostas e as alterações que devem ser feitas.

Aplausos do CDS-PP.

Diz a Sr.ª Deputada Isabel Oneto que não há relação alguma entre o aumento da população prisional e o aumento da criminalidade!?» Então, será devido a quê, Sr.ª Deputada?! Será que os juízes enlouqueceram? Ou será uma questão de alterações climáticas?! Será a lua»?! É evidente que há! Pode dizer que não ç uma relação exacta, perfeita, mas é um critério que tem de ser aferido e não pode ser desvalorizado da maneira como o fez.
E permita-me dizer-lhe mais: em relação ao Código Penal e à liberdade condicional, daqui a três anitos e o PS e o PSD, se calhar, até aprovam as nossas propostas. É o caminho do costume!

Aplausos do CDS-PP.

Em suma, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, o que queríamos realçar — e é o mais importante para os portugueses — é que, a partir de hoje, nada vai ficar como antes em matéria de julgamento rápido, em 48 horas, para o flagrante delito, em matéria de prisão preventiva, em matéria de detenção fora do flagrante delito ou em matéria de estatuto da vítima. Isto vem ao encontro das reais preocupações dos portugueses — de todos, não só de alguns! — e isso, de facto, é que gostaríamos de realçar. Por isso mesmo, valeu a pena o CDS ter forçado este agendamento.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Uma primeira nota que importa registar no final deste debate tem a ver com o contexto em que foi possível realizálo, muito diferente daquele outro em que, há cerca de três anos, fizemos aqui um outro debate, com maioria absoluta do Partido Socialista, e muitos outros debates (em função, inclusivamente, de iniciativas propostas pelo PCP), na anterior Legislatura, em que, com maior ou menor dificuldade, o Partido Socialista sempre foi fazendo sentir o «rolo compressor» da sua maioria absoluta.
Portanto, é caso para registar, com agrado, que, com o fim da maioria absoluta, terminou também o ambiente político que não permitia uma discussão mais aprofundada destas matérias que aqui estamos hoje a discutir.
À margem deste debate, alguns Srs. Deputados do Partido Socialista procuraram dar alguns esclarecimentos à bancada do PCP sobre a questão do crime de desobediência. E, a dar por boas estas explicações dos Srs. Deputados do Partido Socialista, fica por saber onde é que está, afinal, a opção política do Governo em relação à valoração do crime de desobediência — mas essa é uma questão que, certamente, teremos oportunidade de aferir em sede de especialidade.
Quanto à intervenção que o Sr. Deputado Nuno Magalhães acabou de proferir, quem esteja mais desatento perguntar-se-á qual terá sido a postura do CDS nas alterações aprovadas em 2007.
Relativamente ao PSD, obviamente já se sabe que, apesar daquelas referências ao voto contra, em sede de discussão na especialidade, o processo legislativo de alteração ao Código de Processo Penal resultou do Pacto para a Justiça, celebrado entre o PSD e o PS, nada mais havendo, pois, a acrescentar sobre a responsabilidade do PSD. Mas a verdade é que, da parte do CDS, também não houve uma postura correspondente à oposição que o CDS, agora, manifesta às alterações então efectuadas, pois o CDS, nessa altura, absteve-se. Ora, quem se abstém é quem não quer manifestar uma atitude frontalmente contra as alterações apresentadas.
Portanto, «não bate a bota com a perdigota», Sr. Deputado Nuno Magalhães. Os «discursos musculados» relativamente à necessidade de intervenção no Direito Penal e ao reforço das medidas securitárias, afinal, não casam com os «assobios de fininho» na hora de tomar posições, particularmente em relação às votações.

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Uma outra nota que quero registar tem a ver com o seguinte: recentemente, têm-se verificado violações do segredo de justiça que, da parte do PCP, têm sido obviamente objecto de crítica, assim como por parte de outros grupos parlamentares, mas a verdade é que importa recuperar aqui uma nota que, em 2007, trouxemos à discussão, particularmente na votação final global. De facto, aquando da votação final global daquelas alterações introduzidas em 2007, alertámos para aquilo que iria acontecer em relação ao regime do segredo de justiça. E, mais, se o Partido Socialista tivesse considerado de outra maneira algumas propostas que apresentámos na altura e que reapresentamos neste projecto de lei, se calhar as violações do segredo de justiça que recentemente se têm verificado não tinham ocorrido, particularmente aquela que diz respeito ao registo de quem tem acesso às peças do processo e que permite um controlo mais apertado de quem eventualmente tenha a perspectiva de violar o segredo de justiça — e que tem, inclusivamente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, um efeito de dissuasão em relação à violação desse mesmo segredo.
Portanto, esperemos que, desta vez, essas propostas possam ser consideradas.
Para terminar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero fazer referência a um aspecto que referi na minha intervenção, o aspecto de catarse que tinha este debate. De facto, pela forma como cada um dos partidos se posiciona e cada um dos partidos reconhece a importância e a necessidade das alterações ao Código de Processo Penal, parece que se verificou aquele objectivo de «purificação das almas», Sr. Ministro.
Vamos ver se, depois, do ponto de vista do processo legislativo, conseguiremos concluí-lo com o acerto que, infelizmente, não teve o processo que o Partido Socialista impôs em 2007.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Aproximamo-nos do fim deste debate sobre o processo penal e as várias propostas aqui apresentadas.
Cumpre ao Partido Socialista reafirmar, mais uma vez, a sua disponibilidade para encontrar consensos sobre essa matéria. Estamos disponíveis para, com todos os grupos parlamentares, encontrar consensos sobre essa matéria.
Na verdade, já na anterior Legislatura, quando tínhamos a maioria absoluta e, no dizer do Deputado João Oliveira, éramos «rolo compressor», tivemos a oportunidade de fazer um acordo com o PSD — um acordo escrito com o PSD! Depois falhou, lá isso falhou, mas fizemos um acordo escrito com o PSD! Ou seja, se nós, com maioria absoluta, que não precisávamos de apoios de ninguém, fizemos acordos, é claro que, hoje, mantemos essa manifestação de vontade e continuamos a achar que, sendo essa uma matéria de regime, sendo essa uma área da soberania, ela carece, naturalmente, do maior consenso possível.
É verdade, Srs. Deputados, que podemos discordar ou até acordar. Aquilo que não percebo, por exemplo, é que o CDS fale hoje de muito alto relativamente à prisão preventiva, quando, na anterior Legislatura, votou a favor do regime da prisão preventiva e da norma que regulava essa matéria — é verdade, Srs. Deputados!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Já dissemos porquê! Quer que eu explique outra vez?

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não vale a pena, agora, fingir que não votaram! Votaram, com o PS e o PSD, a favor dessa matéria e houve outros que se abstiveram. Portanto, não há que dar voltas.
Agora vêm dizer: «Não, hoje já não concordamos!» Muito bem, estamos aqui para avaliar que os senhores mudaram de opinião sobre essa matéria. E nós, não tendo mudado de opinião no sentido fundamental do termo, estamos aqui para encontrar melhores soluções que possam garantir um melhor funcionamento da justiça.
Estou certo de que, conhecendo como conheço esta equipa governativa do Ministério da Justiça e os meus colegas da área da justiça desta Assembleia, estaremos em condições de, em comissão, fazer um trabalho que dignifique mais uma vez esta Casa, que dignifique a justiça e que todos possamos rever-nos um pouco nessa nova reformulação, que não põe em causa a reforma que fizemos mas que pode, em alguns pontos, levar a um concerto em prol de uma melhor justiça para Portugal.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, concluído este debate, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A nossa próxima sessão terá lugar amanhã, quinta-feira, dia 25 de Março, às 15 horas, e terá como ordem do dia a apreciação do Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013.
No final, serão votados três projectos de resolução relativos ao Programa de Estabilidade e Crescimento e haverá ainda lugar a votações regimentais.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 26 minutos.

Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Inês de Saint-Maurice de Esteves de Medeiros Vitorino de Almeida
João Barroso Soares
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins

Partido Social Democrata (PSD):
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Jorge Cláudio de Bacelar Gouveia
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Mendes Bota

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Luísa Maria Neves Salgueiro
Maria Luísa de Jesus Silva Vilhena Roberto Santos
Miguel de Matos Castanheira do Vale de Almeida

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Luís Filipe Valenzuela Tavares Menezes Lopes
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Paula da Graça Cardoso
Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto
Ulisses Manuel Brandão Pereira

Partido Popular (CDS-PP):
Michael Lothar Mendes Seufert
Paulo Sacadura Cabral Portas

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Bloco de Esquerda (BE):
José Manuel Marques da Silva Pureza

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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